schopenhauer e o amor
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SCHOPENHAUER E O AMOR
SCHOPENHAUER (1788-1860) – O FILÓSOFO DO HUMANISMO. Introduziu o budismo e
o pensamento indiano na metafísica alemã. Para ele, o mundo não passava de uma
representação, uma síntese entre o objeto e a consciência humana. O que havia de
real era a vontade, irracional e insaciável, por isso causa de todo sofrimento. Apesar do
pensamento, apontar saídas para as dores do mundo: a contemplação da arte, a
compaixão e, sobretudo, a anulação da vontade, uma fuga para o nada.
Todos nós teorizamos sobre a felicidade que o amor nos trará. A maioria faz da busca
pelo amor a meta da sua vida. Mas o amor é um tema sobre o qual a filosofia não
costuma falar. Como ele é uma das experiências da vida mais transformadoras e
importantes, seria plausível imaginar que a filosofia fosse levar o amor muito a sério.
Mas, de maneira geral, isso não acontece. Basicamente, o tema é deixado para os
poetas, histérico e apresentadores de programas vespertinos de TV. Mas houve um
filósofo que leva o amor muito a sério, e que o via como uma de nossas preocupações
centrais. Seu nome era Arthur Schopenhauer.
Schopenhauer foi um filósofo que parecia entender a intensidade do que sentimos
quando nos apaixonamos. Ele achava que estávamos certos de viver em função do
amor, e que não havia outra coisa mais importante. Nosso erro segundo ele, era achar
que a felicidade tinha algo a ver com isso.
De início, é difícil de acreditar que Schopenhauer pudesse entender de paixão ou que
pudesse ajudar alguém que estivesse apaixonado.. Ele nunca se casou, vivia sozinho e,
às vezes, mostrava-se bastante avesso às mulheres. Ele nasceu em Danzig, em 1778,
mas passou a metade da vida em Frankfurt. Desde cedo buscava a felicidade no amor.
Era inteligente, seguro, bonito e, depois que perdeu o pai, aos 17 anos, muito rico
também. Mas não fazia sucesso com as mulheres, escrito de próprio punho.
Em 1821, aos 33 anos, ele conheceu uma mulher que gostou dele. Era uma cantora de
19 anos, Caroline Medon, mas ele nunca quis formalizar a relação. Eles chegaram a ter
um filho. Ela queria se casar, mas ele não quis. Ele dizia que quando duas pessoas se
casam, acabam fazendo de tudo para se detestar. Depois de dez anos de idas e vindas,
o relacionamento acabou.
Mais velho, ele teve um relacionamento com a escultora e admiradora de sua filosofia
Elizabeth Ney, que foi a Frankfurt fazer um busto seu, mas esse caso não pode ser
considerado o ápice de uma vida romântica com a qual o jovem Schopenhauer
sonhara.
Mas como um filósofo com uma vida romântica desastrosa poderia ter algo a nos dizer
sobre o amor?
Para começar, ele dizia que o amor não é um assunto banal que não devemos vê-lo
como distração de assuntos mais sérios ou adultos. Não é por acaso que se trata de um
sentimento tão avassalador, capaz de tomar conta de nossa vida e de todos os
momentos de nosso dia.
Ele diz que não devemos nos culpar tanto pelo estado de desespero e obsessão em
que entramos se o amor fracassa. Ficar surpreso com a dor da rejeição é ignorar o
quanto de entrega a aceitação exigiria.
Criamos histórias de amor para nós mesmo, imaginamos que nos apaixonaremos por
um parceiro que nos fará felizes. Mas Schopenhauer via isso de maneira diferente.
Para ele, nós nos submetemos a telefonemas ansiosos e jantares caríssimos, a luz de
velas por uma única razão: o impulso biológico para perpetuar a espécie. Ele o
chamava de “impulso de vida”. “Nada na vida é mais importante que o amor, porque o
que está em jogo é a sobrevivência da espécie”. O amor é uma tática da natureza para
nos levar a ter filhos. Por mais que gostemos de nos imaginar como seres românticos
somos todos, basicamente, escravos do impulso de vida.
O fundamental na tese de Schopenhauer é que impulso de vida pode atuar de forma
bastante inconsciente. Conscientemente, as pessoas podem querer ir a uma festa, mas
inconscientemente o que as movem é a necessidade de se reproduzirem. Ele precisa
ser inconsciente para ser eficaz, porque ninguém assumiria conscientemente o fardo
da perpetuação. “O instante em que dois jovens se sentem atraídos um pelo outro
deve ser considerado o nascimento de um novo indivíduo”. Sua tese explica a
intensidade dessa atração.
Mas por que nos sentimos atraídos por algumas pessoas e não por outras?
Um dos maiores mistérios do amor é “por que ele?” ou “por que ela?
Inúmeras pessoas não provocam qualquer reação em nós, mesmo sendo, em tese,
nossos pares ideais e acabamos nos apaixonando por outras com quem a convivência
pode ser difícil. Schopenhauer tinha uma resposta: apaixonamos por uma pessoa
quando sentimos, inconscientemente que ela pode nos ajudar a produzir herdeiros
saudáveis. O amor é apenas nosso impulso de vida, descobrindo alguém que ele
considere o pai ou a mãe ideal de nossos filhos.
Isso levou Schopenhauer a reflexões interessantes sobre a regra da atração. Atraímo-
nos por pessoas capazes de contrabalançar nossas imperfeições, garantindo, assim,
filhos fisicamente e mentalmente equilibrados. Pessoas muito altas são atraídas por
parceiros mais baixos para que os filhos não sejam gigantes. Ele acrditava que a busca
do equilíbrio se estendia até o tom da pele. Algumas das idéias de Schopenhauer
podem parecer descabidas hoje. Há muitos tipos de vínculos emocionais e sexuais ao
qual sua tese não se aplica.
Entretanto, uma geração antes de Darwin e cerca de 60 anos antes de Freud, ele foi o
primeiro a apontar razões inconscientes e biológicas para o amor.
Buscar a felicidade e ter filhos são projetos divergentes que o amor, astutamente nos
faz enxergar como um só, pelo tempo necessário para produzir e criar os filhos. Só
muito depois, com herdeiros saudáveis e equilibrados, correndo pelo jardim, nos
damos conta de que fomos enganados, condenando-nos a separação ou começamos a
passar os jantares num silêncio hostil.
Schopenhauer coloca-nos diante de uma escolha tácita. É como se, na hora de selar o
casamento, um dos dois, o indivíduo ou o interesse da espécie, tivesse de sair
perdendo. Para ele, não há dúvida que o indivíduo sofre mais.
Infeliz no amor, e tendo sua obra quase completamente ignorada, Schopenhauer vivia
recluso num modesto conjugado em uma rua de Frankfurt chamada Schöne Aussicht,
um nome irônico diante do pessimismo de sua visão, já que significa “belas
perspectivas” em alemão.
No meio de tanta infelicidade uma de suas alegrias era a música. Antes do almoço ele
tocava uma hora de Rossini ou outro compositor. Ele desenvolveu um pessimismo
quase anedótico, aconselhando seus leitores a engolirem um sapo todas as manhãs
para garantir que não se deparariam com nada mais repulsivo ao longo do dia. “A
existência humana só pode ser algum erro. Pode-se dizer que, se hoje ela está ruim, as
coisas só tendem a piorar, até que o pior de tudo aconteça.” Escreveu Schopenhauer.
“É mais seguro confiar no medo do que na esperança.” Esta é uma frase com o
pessimismo típico de Schopenhauer.
As companhias mais íntimas do filósofo passaram a ser vários poodles. Ele dedicava
aos cães todo o seu afeto. Chegou a batizar um de Atma, a Alma primordial para os
brâmanes, e passou a se interessar pela causa do bem-estar animal.
No fim da vida, suas idéias enfim, começaram a conquistar adeptos. Seu último livro,
uma coletânea melancólica de ensaios e aforismos filosóficos, tornou-se um sucesso
de vendas. Alemães amantes da filosofia começaram a comprar poodles em sua
homenagem.
No auge da fama, ele a definiu dizendo: “ O Nilo, enfim, chegou ao Cairo.”Mas ele não
teve tempo de desfrutar do sucesso e desenvolver pensamentos alegres. Em 1860,
Schopenhauer voltou para casa, queixou-se de falta de ar e morreu.
“Se um deus criou este mundo não gostaria de ser esse deus, pois sua miséria e seu
infortúnio me partiram o coração” disse Schopenhauer.
Talvez pareça estranho achar que Schopenhauer possa nos ajudar nas questões do
amor, tendo sido um sujeito tão amargurado. Mas acho que ele nos deixou idéias
confortadoras a respeito. Para começar, ele disse que se apaixonar é inevitável, que a
biologia é mais forte que a razão. Assim, não somos infelizes por mero acidente,
essencialmente somos iguais a todos ou outros animais. Sentimo-nos impelidos a
encontrar um parceiro, a gerar filhos e criá-los e somente uma força poderosa como o
amor seria capaz de nos motivar para isso.
Schopenhauer nutria um interesse especial por animais feios como toupeiras, porcos-
espinhos e mangustos-anões. O que despertava seu interesse era a vida dura que eles
levavam enfrentando invernos rigorosos, vivendo debaixo da terra e tendo filhos que
mais se parecem com vermes gelatinosos e o fato de nada disso impedir que se
reproduzissem. Ele achava que esses animais podiam nos ensinar sobre nosso
comportamento, sobre como nos dedicamos à reprodução sem pensar
necessariamente em felicidade. Se a reprodução nos entristece, se achamos que o
casamento não vai bem, podemos aprender como esses nossos amigos vendo com
eles não fazem isso por felicidade, mas porque precisam, por causa do impulso da vida.
Schopenhauer tem mais uma idéia a respeito do amor que pode nos ajudar quando
somos rejeitados, muitas vezes, não entendemos porque o parceiro quis romper e nos
sentimos rejeitados. Ele diz que quem termina o namoro não está rejeitando o
parceiro. Não sou eu que não mereço o amor, mas é o impulso de vida de minha
parceira que considerou que ela poderá ter filhos mais saudáveis com outro! Encontrei
outra mulher que me considera o parceiro ideal, mesmo que apenas por uma questão
de equilíbrio entre o meu nariz e o dela.
Talvez você estivesse feliz com a pessoa que o rejeitou, mas a natureza não estava. Por
isso, vai ter de aprender a se desapegar. Numa visão tradicional, dizemos que um casal
será feliz para sempre. Num olhar mais desiludido e moderno, estão condenados a
discussões e ao divórcio precoce.
Schopenhauer convida-nos a assumir um ponto de vista diferente, e considerar que a
felicidade não está em questão. Ele não queria nos deixar deprimido, mas nos libertar
das expectativas que pode acabar gerando frustrações. Às vezes, os pensadores mais
pessimistas, paradoxalmente, podem ser os que nos oferecem mais consolo!