saúde da população negra no brasil

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    v. 12, n. 2, p. 419-46, maio-ago. 2005 419

    TEMPOS DE RACIALIZAO

    Tempos de

    racializao: o casoda sade dapopulao negra

    no Brasil

    In times of

    racialization: the case ofthe health of the blackpopulation in Brazil

    Marcos Chor MaioPesquisador da Fundao Oswaldo Cruz

    Av. Brasil, 436521040-900 Rio de Janeiro RJ Brasil

    [email protected]

    Simone MonteiroPesquisadora da Fundao Oswaldo Cruz

    Av. Brasil, 436521040-900 Rio de Janeiro RJ Brasil

    [email protected]

    MAIO, M. C.; MONTEIRO, S.: Tempos deracializao: o caso da sade da populao

    negra no Brasil.Histria, Cincias, Sade Manguinhos,v. 12, n. 2, p. 419-46, maio-ago. 2005.

    Este artigo tem por objetivo analisar asiniciativas para a criao de um campo dereflexo e interveno poltica denominadosade da populao negra, no perodo entre1996 e 2004, que contempla o governo FHCe parte da administrao de Lula. A discussoe implementao de polticas de aoafirmativa no Brasil adquire maior visibilidade,especialmente aps a 3 Conferncia Mundialcontra o Racismo, Discriminao Racial,Xenofobia e Formas Correlatas de

    Intolerncia, sob os auspcios da ONU(Durban, frica do Sul, 2001). O artigodescreve a emergncia de uma proposta depoltica compensatria. Em seguida, aborda odebate contemporneo sobre raa e sade,sobretudo a literatura biomdica norte-americana, luz das apropriaes dessadiscusso por agncias e agentescomprometidos com a formulao de umapoltica racial no mbito da sade pblica noBrasil.

    PALAVRAS-CHAVE: raa; racismo; sadepblica no Brasil; Conferncia de Durban;movimento negro.

    MAIO, M. C.; MONTEIRO, S.: In times ofracialization: the case of the health of the

    black population in Brazil.Histria, Cincias, Sade Manguinhos,v. 12, n. 2, p. 419-46, May-Aug. 2005.

    The article analyzes initiatives aimed at creatinga field of reflection and political interventioncalled the health of the black population, whichoccurred between 1996 and 2004, that is, underthe administration of Fernando Henrique Cardosoand part of Luis Incio Lula da Silvasadministration. During this period, the process

    of discussing and enacting affirmative actionpolicies in Brazil gained greater visibility,especially following the UN-sponsored ThirdWorld Conference on Racism, RacialDiscrimination, Xenophobia, and RelatedIntolerance (Durban, South Africa, September2001). The article describes the emergence of a

    proposal of compensatory policy within theBrazilian public health system. It then addressesthe contemporary debate on race and health,especially the U.S. biomedical literature, andexplores how this discussion has been appropriatedby agencies and agents concerned with drawingup a racial policy for the public health sector

    in Brazil.KEYWORDS: racism; race; public health inBrazil; affirmative action policies; Durbanconference; black movement.

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    MARCOS CHOR MAIO e SIMONE MONTEIRO

    Introduo

    Em anos recentes, as relaes entre raa e sade vm sendoobjeto de uma srie de iniciativas centrada na criao de umcampo de reflexo e de interveno poltica denominado sade dapopulao negra.1 Essa proposta se insere na discusso sobre for-mas de enfrentamento do racismo no pas, na medida em que go-verno, intelectuais e parcelas significativas da sociedade civil reco-nhecem atualmente as desvantagens materiais e simblicas sofri-das pelos negros. Apesar de no haver consenso quanto aosdiagnsticos e s solues para o problema da discriminao racial,ele adquire maior visibilidade em funo do atual debate sobre os

    temas da pobreza e da justia social. Nesse cenrio, raa emergeno apenas como uma ferramenta analtica para tornar inteligveisos mecanismos estruturais das desigualdades sociais, mas tambmcomo instrumento poltico para a superao das iniqidades hist-ricas existentes no Brasil.

    As interfaces entre raa, medicina e sade pblica estiveram emvoga entre as ltimas dcadas do sculo XIX e os anos 40 do sculoXX, enquanto fontes inspiradoras de polticas pblicas. Desde ofim da escravido e o advento do regime republicano, elites diri-gentes e intelectuais se depararam com o desafio de repensar a na-

    o e as suas possibilidades de adentrar o mundo moderno comuma populao composta por brancos, mestios e negros. A ttulode ilustrao, as medidas tomadas pelo governo brasileiro paradebelar os surtos epidmicos de febre amarela, entre fins do sculoXIX e incio do XX, so interpretadas por parte da historiografiacomo componentes de um perodo em que as polticas sanitriasprivilegiaram a proteo aos europeus recm-chegados. Esse con-tingente, supostamente civilizado, acometido em grande escala peladoena, viria a assegurar, conforme a poltica racial calcada naideologia do branqueamento, uma nova composio demogrfica

    da populao brasileira rumo modernidade (Chalhoub, 1996;Maio, 2004).

    Nas primeiras dcadas do sculo XX houve uma disputa entrediferentes projetos de nao, ancorados, em graus variados, no co-nhecimento mdico e sanitrio da poca. Grosso modo, pode-se divi-dir esse momento em duas vertentes interpretativas. A primeira de-las atribui ao conceito de raa papel demirgico no processo de com-preenso e interveno na dinmica societria, inspirada numa vi-so determinista biolgica e mantendo vnculos estreitos com a an-tropologia fsica oitocentista. Essa corrente teve forte ascendncia

    no campo da medicina legal, particularmente nos trabalhos do m-dico-antroplogo Nina Rodrigues. A sua produo intelectual tevesignificativa influncia nas crticas ao liberalismo da Primeira Rep-

    blica, na modernizao do aparato policial, especialmente nos pro-

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    cessos de controle e identificao das classes perigosas e, no menosrelevante, nos estudos sobre o negro (Corra, 1998; Schwarcz, 1993).

    A segunda vertente, inspirada na tradio mdico-higienista,alcanou maior proeminncia durante a Primeira Guerra Mundial.O pensamento nacionalista vigente, somado aos avanos da bacte-riologia e da microbiologia, considerou que expressiva parcela dapopulao pobre atingida por doenas infecto-contagiosas, locali-zada principalmente no interior do pas, no era assim, estavaassim, lembrando a autocrtica de Monteiro Lobato na famosaanlise do seu personagem Jeca Tatu. Essa a era dos sanitaristas.Os seus temas eram: expanso do aparato estatal; incorporaosocial de populaes marginalizadas; centralizao das polticas de

    sade pblica; e viso crtica em relao aos reducionismos climti-co e racial (Lima & Hochman, 1996). A perspectiva sanitarista exer-ceu papel central no processo de inflexo de interpretaes racialistaspara argumentos sociolgicos e culturalistas ainda nos anos 20.Mesmo no caso da eugenia brasileira, entre as dcadas de 1920 e1940, diferente do modelo determinista anglo-saxo, prevaleceu ainterpretao que atribua ao saneamento, higiene e educaoas melhores alternativas para a superao do atraso econmico esocial (Stepan, 1991, p. 118-9).

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial e da ditadura estado-

    novista, quando se inaugurou a experincia democrtica de 1946-1964, o otimismo sanitrio internacional no combate s doenasendmicas em reas perifricas foi acompanhado pela concepo,inspirada no binmio sade e desenvolvimento, que atravessou osanos 50 e 60, de que os agravos sade eram impeditivos moder-nizao do Brasil (Lima, 2002). Nesse perodo, diversas iniciativasforam deslanchadas na direo da ampliao do acesso da popula-o aos servios de sade em consonncia com as reformas sociaisem curso. O golpe militar de 1964 impediu que esse processo fosseexpandido. O novo regime, autoritrio e centralizador, empreen-

    deu um amplo processo de privatizao da sade pblica (Lima etal., 2005; Arretche, 2005). Na dcada de 1980, mediante a atuaodo movimento da Reforma Sanitria, legitima-se no plano constitu-cional o projeto de universalizao do acesso sade, corporificadono Sistema nico de Sade (SUS) em contexto de democratizaodo pas (Escorel, 1999; Gershman, 1995; Viana, 2001).

    Cabe registrar que a tradio sanitarista brasileira continuou ano atribuir importncia temtica racial.2 S no alvorecer do s-culo XXI voltam cena pblica as relaes entre raa e sade, apartir da proposta de criao de uma poltica focal direcionada

    populao negra. Esta se baseia na concepo de que as desigual-dades raciais repercutem de forma especfica na esfera da sade p-

    blica e, por conseguinte, devem ser objeto de ao governamentalpara super-las. Com base numa articulao que envolve ONGs

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    MARCOS CHOR MAIO e SIMONE MONTEIRO

    vinculadas ao movimento negro, agncias estatais, fundaes fi-lantrpicas norte-americanas, instituies multilaterais e fruns

    internacionais, especialmente no plano dos Direitos Humanos, anova poltica anti-racista surge no contexto da discusso sobrepolticas de ao afirmativa no Brasil, iniciada nos anos 90.

    A constituio do domnio da sade da populao negra vemprivilegiando o fortalecimento de identidades primordiais. De acor-do com Guimares: para os afro-brasileiros, para aqueles que sechamam a si mesmos de negros, o anti-racismo deve significar, an-tes de tudo, a admisso de sua raa, isto , a percepo racializadade si mesmo e do outro (1999, p. 58). apenas a partir da afirmaode uma identidade racial, mediante a polarizao branco/negro, que

    se forja a conscincia racial, pr-condio para a luta contra as ini-qidades. Essa dinmica tem no Estado um ator central na medidaem que a adoo de polticas de ao afirmativa exige a definio deum foco preciso para os seus beneficirios (sujeitos raciais). Numpas como o Brasil, em que os cidados so pouco afeitos a sistemasrgidos de classificao racial, a atuao estatal vem se revelandoindispensvel produo da raa negra (Fry, 2005; Grin, 2001).

    Essa dinmica ocorre simultaneamente reduo do papel doEstado no plano econmico e social na era global, com conseqn-cias negativas visveis ao mundo dos direitos sociais. Ademais, o

    clssico conceito de cidadania, com base nos princpios da univer-salidade e da igualdade, colocado em xeque pela perspectivamulticulturalista. Ela sugere uma cidadania cultural em nome doreconhecimento de atores polticos e, em especial, de movimentossociais que procuram assumir a representao de grupos historica-mente injustiados. Tudo isso toca em pontos sensveis da comple-xa relao entre raa e sade, seja pela inconsistncia do conceitode raa, como insistem em afirmar os geneticistas, seja pelas inter-relaes entre raa e agravos sade, ainda mais quando essasinterfaces vm se tornando objeto de poltica do Estado em tempos

    de racializao.3

    com base nesse conjunto de temas que este artigo visa descre-ver o processo de construo de uma poltica compensatria entre1995 e 2004. O recorte temporal compreende desde as primeiras ini-ciativas do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) at o1 Seminrio Nacional de Sade da Populao Negra, realizado emagosto de 2004, sob a gesto do presidente Luiz Incio Lula daSilva, quando foi instalado o Comit Tcnico de Sade da Popula-o Negra do Ministrio da Sade. O trabalho aborda, em princ-pio, a emergncia da sade da populao negra, as inflexes ocor-

    ridas nesse processo e a correspondente agenda poltica. Em segui-da, analisa contedos programticos presentes em documentosproduzidos no mbito do Ministrio da Sade, em parceria com aSecretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    (Seppir), com base na discusso contempornea sobre raa e sa-de, sobretudo a literatura biomdica norte-americana. Por fim, faz-

    se um balano dos esforos envidados para a criao de uma pol-tica racial, conforme expresso de Martins (2004, p. 58), no campoda sade pblica.

    FHC e os primrdios do debate sobre sade da populao

    negra

    A proposta de uma poltica com recorte racial na rea da sadepblica no Brasil s ganhou visibilidade no governo FernandoHenrique Cardoso (1994-2002) e principalmente aps a 3 Confe-

    rncia Mundial contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobiae Formas Correlatas de Intolerncia, sob os auspcios da ONU,realizada em Durban, frica do Sul (2001).

    Cabe, no entanto, lembrar que algumas iniciativas do movi-mento feminista e, em particular, de lideranas negras foram de-senvolvidas, a partir da dcada de 1980, com o objetivo de ressaltarespecificidades raciais no mbito da sade reprodutiva. Essas aes,de alcance limitado no contexto nacional, foram influenciadas pelaproduo intelectual feminista e pelo ativismo negro norte-ameri-canos, que passaram da perspectiva universalista diferencialista,

    que atribui centralidade questo das relaes raciais e do racismo(Pierucci, 1999, cap. 5).Os fruns nacionais e internacionais das dcadas de 1980 e 1990,

    por sua vez, em sintonia com a reflexo anglo-sax (Azerdo, 1994),sedimentaram gradativamente a recusa perspectiva dominantedo ser feminino universal, ao incorporarem as variveis raa eclasse, entrelaadas de gnero, para a inteligibilidade das desi-gualdades sociais (Carneiro & Santos, 1985; Caldwell, 2000).

    Um dos temas concernentes s relaes entre sade da mulher eraa que suscitou debate pblico no pas e repercutiu no campo

    acadmico foi a existncia de um programa de esterilizao em massano Brasil. Embora no haja consenso na literatura sobre o carterracial da esterilizao realizada no pas (Berqu, 1994; Caetano,2004), setores do movimento negro apontaram a existncia de umprojeto eugnico em curso nas ltimas dcadas do sculo XX, ten-do como alvo central as mulheres negras. Foram criadas Comis-ses Parlamentares de Inqurito em alguns estados e no CongressoNacional sobre processos de esterilizao (Caetano, 2004). O epis-dio tornou mais evidente a interface entre o ativismo das mulheresnegras e o tema da sade sexual e reprodutiva. Este tpico, segundo

    Ribeiro (1995) e Roland (2001a), ganhou nova dimenso em face deuma srie de iniciativas (encontros, congressos, fruns, inserode militantes em aparatos estatais, construo de redestransnacionais). Vale destacar ainda a V Conferncia Mundial de

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    Populao e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e a IV ConfernciaMundial sobre a Mulher (Beijing, 1995). Ademais, o trabalho de-

    senvolvido por ONGs vinculadas ao movimento negro contou coma colaborao de instituies acadmicas brasileiras (Nepo/Unicampe Cebrap) e instituies filantrpicas norte-americanas, a exemplodas Fundaes Ford e MacArthur, no apoio a projetos e bolsas queassociassem pesquisa acadmica e interveno social. Esses so al-guns dos marcos que contriburam para a criao de um feminismonegro (Roland, 2001b).

    Monteiro (2004) aponta que nas publicaes sobre a sade dapopulao negra, produzidas em sua maioria por ativistas, predomi-na o argumento segundo o qual a invisibilidade do recorte tnico-racial

    nas pesquisas da rea da sade pblica decorre do no-reconheci-mento da existncia do racismo na sociedade brasileira. ConformeBatista e Kalckmann (2005, p. 21), haveria uma espcie de alianaentre gestores do sistema de sade e produo acadmica para ofus-car a sade da populao negra, ao reiterar as chaves explicativassociolgicas que reduziriam o racismo s disparidadessocioeconmicas. Com isso, as evidncias dos males sade atri-

    budas apenas pobreza seriam equivocadas, configurando-se comomais uma variante do mito da democracia racial.

    Para se contrapor viso tradicional a-racialista brasileira, di-

    versos artigos, sobretudo de intelectuais negras, procuraram de-monstrar a importncia da varivel raa na prevalncia entre apopulao feminina negra de diabetes tipo II, miomas, hipertensoarterial e anemia falciforme, que podem promover abortamentoespontneo e maior suscetibilidade a infeces, entre outros pro-

    blemas. Alm disso, discutiram os efeitos do racismo na produodas desigualdades em sade, salienta-se a importncia da identifi-cao dos determinantes genticos e/ou socioeconmicos das doen-as tnico-raciais.4

    Com efeito, s a partir do debate sobre polticas de ao afirma-

    tiva no governo Fernando Henrique Cardoso incluiu-se um cap-tulo relativo sade da populao negra, quando da criao doGrupo de Trabalho Interministerial Para a Valorizao e Promooda Populao Negra, por decreto presidencial no dia 20 de novem-

    bro de 1995, ocasio de uma homenagem aos 300 anos de Zumbidos Palmares. Essa iniciativa veio no bojo da elaborao do Pro-grama Nacional de Direitos Humanos (PNDC) do governo fede-ral, lanado em 1996. Embora o ativismo negro se considere prota-gonista do novo cenrio, derivado da longa, progressiva e cont-nua mobilizao na luta contra o racismo, importante assinalar a

    chegada ao poder de um socilogo que iniciou sua carreira comuma tese de doutorado sobre as relaes entre capitalismo e escra-vido sob a orientao de Florestan Fernandes (Cardoso, 1962).Fernando Henrique Cardoso fez parte da segunda gerao do

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    projeto Unesco de relaes raciais, um ciclo de pesquisas desen-volvido nos anos 1950 e que se tornou um marco nos estudos so-

    bre o racismo brasileira (Maio, 1999). No por acaso, ele foi oprimeiro presidente da Repblica a reconhecer oficialmente a exis-tncia de discriminao racial no pas.

    Em junho de 1996, no Palcio do Planalto, o Ministrio daJusti-a, com o apoio do Itamaraty, promoveu o seminrio inter-nacional Multiculturalismo e Racismo: o Papel da Ao Afirma-tiva nos Estados Democrticos Contemporneos, com a presen-a de acadmicos brasileiros e norte-americanos e lideranas domovimento negro, com o intuito de colher subsdios para a for-mulao de polticas voltadas para a populao negra (Souza,

    1997; Grin, 2001).Foi nesse ambiente de discusso sobre aes afirmativas queocorreu ainda no primeiro semestre de 1996 a Mesa Redonda so-

    bre a Sade da Populao Negra, com a presena de cientistas,militantes da sociedade civil, mdicos e tcnicos do Ministrio daSade. A reunio realizada em Braslia gerou um documento so-

    bre o tema, dividido em quatro itens principais.O primeiro deles refere-se ao conjunto de doenas geneticamente

    determinadas. Elas so classificadas como de bero hereditrio,ancestral e tnico e os exemplos so: anemia falciforme, conside-

    rada a mais importante doena gentica que acomete os afro-des-cendentes, seguida pela hipertenso arterial, o diabete mellitus euma forma de deficincia de enzima heptica, a glicose-6-fosfatodesidrogenase. Pondera-se que esses agravos sade recaem so-

    bre outros grupos tnico-raciais, mas que a intensidade de seusefeitos incide especialmente sobre pretos e pardos.

    O segundo grupo de doenas diz respeito s adversas condiessocioeconmicas, educacionais e psquicas, tais como: alcoolismo,toxicomania, desnutrio, mortalidade infantil elevada, abortosspticos, anemia ferropriva, DST/Aids, doenas do trabalho e trans-

    tornos mentais.O terceiro bloco de males sade formado por uma combinaode determinantes genticos com desfavorveis condies sociais devida, at mesmo no plano cultural, a saber: hipertenso arterial,diabete mellitus, coronariopatias, insuficincia renal crnica, cnce-res e miomas. Mais uma vez se alerta que no obstante essas doenasacometerem a sociedade como um todo, elas seriam mais acentuadasentre a populao negra em funo da situao desprivilegiada quedesfruta na sociedade.

    O quarto e ltimo agrupamento de doenas est associado aos

    determinantes fisiolgicos que, acrescidos das precrias condiesde vida, transformam processos aparentemente naturais (crescimen-to, gravidez, parto e envelhecimento) em graves problemas sociais.Apresenta-se um breve quadro histrico e sociolgico da situao

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    MARCOS CHOR MAIO e SIMONE MONTEIRO

    subalterna em que vivem h sculos os afro-brasileiros e os seuspossveis efeitos sobre a sade da populao negra.5

    importante destacar que o diagnstico apresentado em 1996no se traduziu na proposta de uma poltica focalizada. Concluiu-se que no haveria justificativa tcnica para a criao de vriosprogramas governamentais de sade especficos para a populaonegra, como pretendiam algumas correntes do setor (p. 2). Exce-o deveria ser feita ao Programa de Anemia Falciforme (PAF) emrazo de ser uma doena incidente predominantemente sobre apopulao afro-descendente e j contar com sinalizadores estatsti-cos suficientes e convincentes para justificar sua prioridade comoproblema de sade pblica.6

    Na perspectiva da poltica de identidade, o PAF um bom exem-plo dos esforos envidados para racializar uma doena e, conse-qentemente, de produzir a raa negra (Fry, 2004a). Esta visono se limita a uma construo social, fruto das assimetrias e dasiniqidades criadas pelo racismo, mas naturalizada mediante evi-dncias oriundas da gentica. relevante ressaltar a variada geo-grafia da anemia falciforme, originria na frica, mas que se disse-minou pela regio mediterrnea, Pennsula Arbica, ndia e pasesdo continente americano. De acordo com Zago (2004, p. 370): embo-ra predomine ainda entre os afro-descendentes, a miscigenao cres-

    cente vai fazendo dela uma doena sem vnculo claro com a etnia.Ela foi objeto de controvrsia nos Estados Unidos em funo dapoltica adotada pelo governo de focalizar suas aes apenas nosafro-americanos, gerando receios entre lideranas negras de umapotencial estigmatizao dessa populao (Tapper, 1999, p. 118-21).

    No obstante afirmar ser prescindvel uma poltica compensat-ria voltada para a sade da populao negra, a proposta de 1996era ambivalente ao procurar simultaneamente colocar em evidn-cia as especificidades do recorte racial enquanto campo de reflexoe de interveno a ser reconhecido pelo Estado. Em 1997, definida

    a Poltica de Sade para a Populao Negra, na gesto do Minis-tro Carlos Albuquerque (Oliveira, 2002, p. 243), um passo a maisno caminho do estabelecimento de uma poltica focal. Na esteiradessa deciso reitera-se o programa estabelecido no ano anterior.

    Uma das primeiras demandas atendidas pelo governo FHC foi aincluso, ainda no incio de 1996, do quesito raa/cor ... nos for-mulrios oficiais, nacionalmente padronizados, de Declarao deNascidos Vivos e de Declarao de bitos (p. 5).7 Alm disso, apartir da reunio ocorrida em abril de 1996, o PAF tornou-se, naspalavras de Oliveira (2002, p. 238), a conquista poltica mais im-

    portante do Movimento Negro na rea da sade. At maro de2001, enquanto poltica federal, o PAF, segundo Roland (2001b,p.1): no saiu do papel. Ele ficou restrito a algumas iniciativasno mbito municipal e estadual, no se constituindo em um con-

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    junto de diretrizes nem tampouco resultando na alocao de re-cursos por parte do Ministrio da Sade. Acrescente-se o fato de

    que em junho de 2001 o Ministro da Sade, Jos Serra, instituiu,no mbito do SUS, o Programa Nacional de Triagem Neonatal(PNTN), buscando a cobertura de 100% dos recm-nascidos vivose incluindo doenas falciformes e outras hemoglobinopatias. OPNTN foi visto, por representantes do movimento negro, comouma medida de alcance limitado, quando comparado com a pro-posta do PAF, e uma forma de diluir uma conquista poltica` (Oli-veira, 2002, p. 239-41).

    At o incio do segundo semestre de 2001, o governo FHC ma-nifestou uma atitude oscilante em matria de polticas raciais.

    Em princpio, ele no julgou pertinente implantar programas es-pecficos de sade para a populao negra, a exceo do PAF. To-davia, este se revelou uma declarao de intenes, um bem sim-

    blico, sendo substitudo pelo PNTN. A Conferncia de Durbanpromover alteraes pontuais, porm decisivas a mdio prazo,como veremos a seguir.

    Sob o efeito de Durban

    Diversas conferncias regionais e mundiais serviram de

    catalisadores para a insero da discusso sobre o racismo na pau-ta de questes nacionais e, especificamente, a proposta de constru-o da sade da populao negra. A 3 Conferncia Mundial deCombate ao Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e Intolern-cia Correlata, realizada em Durban, frica do Sul, entre 31 de agostoe 8 de setembro de 2001, foi um momento de inflexo do debatesobre a discriminao racial no Brasil e, em particular, da atuaono perodo final do governo Fernando Henrique Cardoso (Maggie& Fry, 2004).

    Os fruns preparatrios para a Conferncia de Durban deixa-

    ram mais evidentes as articulaes entre o movimento negro, noplano transnacional, e a rede de movimentos, ONGs, organizaesmultilaterais e aparatos estatais no mbito da luta pelos direitoshumanos. Se nos anos 80 a luta anti-racista era representada pelaaliana entre cientistas sociais e o movimento negro, com reduzidoraio de influncia, a partir da segunda metade dos anos 90 e, emparticular, no incio do sculo XXI, novos atores se posicionaram afavor da implementao de polticas raciais. Agncias do Estadocomo o Ipea e o Itamaraty, jornalistas, economistas, setores da aca-demia e parlamentares de variados matizes ideolgicos passaram a

    se identificar com a pauta de reivindicaes discutida em arenasinternacionais, em que polticas pblicas racializadas deveriam sero norte para se atingir justia social, em contraposio s de perfiluniversalista (Htun, 2004; Grin, 2004b).

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    MARCOS CHOR MAIO e SIMONE MONTEIRO

    As ativistas negras brasileiras tiveram papel decisivo na articu-lao entre demandas formuladas em fruns globais e as reivindi-

    caes locais. O acmulo da experincia da luta feminista no cam-po da sade reprodutiva e em conferncias apoiadas por agnciasmultilaterais (Beijing, Cairo), desde os anos 90, foi decisivo para a

    busca de legitimao da sade da populao negra. Uma srie deeventos preparatrios ocorridos no Brasil e na Amrica Latina paraa conferncia de Durban combinou a denncia do racismo e dasdesigualdades raciais e propostas de polticas de ao afirmativaque, no caso brasileiro, vm sendo traduzidas pela implantao dosistema de cotas raciais. Um indicador preciso da importncia dapresena brasileira em Durban foi a escolha de Edna Roland, da

    ONG Fala Preta!, como relatora (Carneiro, 2002; Barrios, 2002;Oliveira & Santanna, 2002).8

    Apesar das controvrsias entre Estados Unidos, Israel e pasesrabes em torno da questo palestina ou das contendas entre pa-ses europeus e africanos acerca do legado da escravido e da reivin-dicao de reparao, os resultados da Conferncia para a rede pr-ao afirmativa no Brasil foram positivos, principalmente quanto recepo das propostas no pas. Em consequncia, o governo

    brasileiro, signatrio da Declarao Final de Durban e interessadoem manter uma boa imagem no exterior no plano dos direitos

    humanos, adotou em alguns ministrios cotas raciais para acontratao de pessoal (Desenvolvimento Agrcola e Reforma Agr-ria, Justia e Relaes Exteriores). Essa mesma poltica deslanchouem universidades pblicas (estaduais e federais) e vem se expandin-do desde o final de 2001 (Telles, 2003).

    No campo da sade pblica, foi realizada, sob o efeito de Durban,em dezembro de 2001, uma reunio que resultou no documento Po-ltica Nacional de Sade da Populao Negra (Pnud & Opas, 2001).Pro-duzido por profissionais de diversas organizaes internacionais,do movimento negro e de representantes de instituies universit-

    rias,9

    o documento informa que a participao brasileira na Confe-rncia Mundial Contra o Racismo produziu um ambiente favor-vel para uma atuao mais incisiva na superao das desvanta-gens sociais geradas pelo racismo (Pnud & Opas, 2001, p. 5).

    Ressalta-se que a incluso da temtica racial nas aes de pro-moo da equidade em sade foi impulsionada pelo Plano de Aoda Conferncia Regional das Amricas Contra o Racismo, realizadano final de 2000 (Santiago, Chile), no qual h uma requisio paraque a Organizao Pan-Americana de Sade (Opas) promova aespara o reconhecimento de raa/grupo tnico/gnero como varivel

    significante em matria de sade e que desenvolva projetos espec-ficos para preveno, diagnstico e tratamento de pessoas de des-cendncia africana (Pnud & Opas, 2001, p. 5).10 A formulao depolticas pblicas centradas na sade da populao negra

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    justificada pelas evidncias de que a discriminao racial leva asituaes mais perversas de vida e de morte, pela utilizao dos

    dados do Ipea, com base no modelo bipolar, sobre as desigualdadesentre negros e brancos quanto escolaridade, renda e ao sanea-mento e pelo fato de a universalidade dos servios, garantida peloSistema nico de Sade (SUS), no ser suficiente para assegurara equidade ... ao subestimar as necessidades de grupos populacionaisespecficos, colaborando para o agravo das condies sanitriasde afro-brasileiros (Pnud & Opas, 2001, p. 6-7). Os limites do SUS,ao supostamente no capturar o resduo persistente do racismo,exigiriam a elaborao de uma poltica focal em matria racial.

    A publicao reafirma o conjunto de agravos julgados mais

    freqentes na populao negra no Brasil. So feitas as seguintesrecomendaes: produo de conhecimento cientfico, capacitaodos profissionais da sade, divulgao de informaes popula-o e formulao de polticas focais de ateno sade. O docu-mento traz tambm a demanda por reconhecimento oficial damedicina popular de matriz africana (Pnud & Opas, 2001, p. 11).A longa tradio de interao cultural desenvolvida durante s-culos entre portugueses, africanos e indgenas e que gerou umrico e diversificado conhecimento mdico e de teraputicas no Bra-sil, a denominada medicina popular, finda por ser reduzida ao

    legado da populao negra. Essencializam-se, nesse caso, os sabe-res populares amalgamados em nome da afirmao de uma cul-tura negra autntica.

    Durante boa parte da gesto FHC prevaleceu uma posioambivalente quanto aos meios de se combater o racismo. O gover-no a um s tempo estimulou a formulao de polticas especificaspara a populao negra e demonstrou reservas quanto adoo deum modelo racializado norte-americana (Grin, 2001; 2004a). Nessesentido, abriu espao para a discusso de polticas de ao afirma-tiva, pressionado por movimentos sociais e agncias internacionais,

    especialmente aps Durban, mas a implementao das mesmas foitmida, inclusive no campo da sade pblica.

    O governo Lula: implementando poltica compensatria

    Se no governo FHC as medidas relativas s polticas raciaisforam limitadas, por vezes ambivalentes, a eleio de Lula amplia aperspectiva de adoo de polticas focais. Os efeitos de Durban, so-mados s vinculaes do Partido dos Trabalhadores com movimen-tos sociais, resultaram na criao da Secretaria Especial de Promo-

    o de Polticas de Igualdade Racial no primeiro semestre de 2003(Seppir). Paralelamente, as interfaces entre aspectos tnico-raciais esade ganham crescente visibilidade no debate sobre as desigual-dades sociais no Brasil. Para ficar apenas num exemplo, devem-se

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    destacar as publicaes e informes da Rede Feminista de Sade eDireitos Reprodutivos,11 constituda pela articulao do movimen-

    to de mulheres do Brasil, que permite mltiplas evidncias da pre-sena do tema nas notcias da imprensa (jornais de circulao nacio-nal); em eventos (seminrios, palestras, audincias pblicas) pro-movidos por organizaes da sociedade civil, instituies acadmi-cas e por agncias estatais nas reas do ensino, sade e cultura; empublicaes diversas (livros, boletins e revistas de divulgao cien-tfica), assim como em concursos de teses, prmios e linhas de fi-nanciamento para projetos.

    Em agosto de 2004 foi constitudo o Comit Tcnico de Sadeda Populao Negra, integrado por representantes de diversos r-

    gos e instituies do Ministrio da Sade e da Seppir. O Comittem as seguintes atribuies:

    I sistematizar propostas que visem promoo da equidaderacial na ateno sade; II apresentar subsdios tcnicos epolticos voltados para a ateno sade da populao negra noprocesso de elaborao, implementao e acompanhamento doPlano Nacional de Sade; III elaborar e pactuar propostas deinterveno conjunta nas diversas instncias e rgos do Siste-ma nico de Sade; IV participar de iniciativas intersetoriaisrelacionadas com a sade da populao negra; e V colaborar no

    acompanhamento e avaliao das aes programticas e das polti-cas emanadas pelo Ministrio da Sade no que se refere promo-o da igualdade racial, segundo as estratgias propostas pelo Con-selho Nacional de Promoo da Igualdade Racial (CNPIR). (DirioOficial da Unio, seo 2, 16.8.2004, p. 19)

    Nessa ocasio ocorreu o 1 Seminrio Nacional da Sade daPopulao Negra, entre os dias 18 e 20 de agosto de 2004, em Braslia,patrocinado pelo Ministrio da Sade e pela Seppir. O evento trou-xe novos desdobramentos das concepes e propostas apresenta-

    das no documento, previamente mencionado, Poltica Nacional deSade da Populao Negra: uma questo de eqidade (Pnud & Opas,2001). Entre os presentes encontravam-se gestores em sade pbli-ca, mdicos, enfermeiros, representantes de ONGs vinculadas aprojetos sociais e ativistas do movimento negro, parte dos quaisinseridos em instituies acadmicas. Os pressupostos e as diretri-zes centrados na formulao de uma poltica de ao afirmativa naesfera da sade pblica voltada para a populao negra, alm deterem sido reafirmados, foram expandidos. Assim, ao longo do se-minrio, os trabalhos e discusses reiteraram a importncia da

    implantao do quesito raa/cor nos formulrios oficiais de Decla-rao de Nascidos Vivos e de Declarao de bitos e a necessidadede se desenvolver polticas que atendam as especificidades de sadedos grupos tnico-raciais, ilustrados pelos Programas de Anemia

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    Falciforme e Triagem Neonatal, pelas aes em sade junto s co-munidades quilombolas e pelo reconhecimento do saber dos terrei-

    ros de candombl pelo Ministrio da Sade, entre outros.12

    Para subsidiar as discusses do 1 Seminrio Nacional de Sadeda Populao Negra, a coordenao do evento divulgou um Cader-no de textos bsicos. Nele, h uma reviso da bibliografia,contextualizando historicamente conceitos considerados importan-tes para a abordagem do tema sade da populao negra, como:cidadania, raa e medicina; racismo; preconceito; democracia racial;racismo institucional; aes afirmativas e empoderamento. So tam-

    bm tratados os princpios do SUS e a controversa relao entre clas-se e raa/cor. As interaes entre movimentos sociais e organizaes

    governamentais relativas aos direitos da populao negra e a presen-a do Brasil em conferncias internacionais finalizam o trabalho(Figueroa, 2004).

    Nessas anlises, valoriza-se o conceito de raa, a despeito dascrticas de geneticistas e antroplogos citadas no texto, pelo fato deser uma categoria scio-poltica mobilizada pelo ativismo negrocontra o racismo, ou seja, de marcador pejorativo de trao fsico ede uma histria de opresso e discriminao, a nova sonoridade dotermo raa negra prope uma racializao positiva na busca dasuperao definitiva das mazelas enfrentadas pela populao ne-

    gra (Figueroa, 2004, p. 2).Presume-se que a proclamada racializao de novo tipo reco-nhece que raa uma categoria criada por tericos do sculo XVIII,veiculada pelo determinismo biolgico do sculo XIX em nome dadiviso hierrquica da humanidade. Julga-se, ao mesmo tempo, queas categorias produzidas pelo racismo cientfico seriam transfor-madas em instrumentos privilegiados da luta anti-racista. Guima-res sugere a necessidade de teorizar as raas como elas so, ouseja, construtos sociais, formas de identidade baseadas numa idia

    biolgica errnea, mas socialmente eficaz para construir, manter e

    reproduzir diferenas e privilgios (1999, p. 64). Caberia entodesnaturalizar raa enquanto conceito biolgico e enfatizar seucarter sociolgico, como instrumento identitrio a ser politizadoem nome de uma sociedade mais justa e igualitria.

    Para isso, a construo de uma poltica racial exigiria a elimi-nao da categoria censitria e intermediria pardo e a sua associ-ao com a categoria preto em funo das alegadas similitudesentre os dois grupos na esfera socioeconmica. Assim, pardos epretos so englobados em no-brancos, em raa negra, em afro-descendentes, reforando o padro bipolar, afeito experincia

    norte-americana.13 A construo do modelo dicotmico (branco/negro), por sua vez, facilitaria, na viso de seus proponentes, atomada de conscincia racial que levaria ao reconhecimentoidentitrio. A partir da poltica de identidades, o Estado viria a aten-

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    der as demandas diferenciadas em termos de incorporao socialcom o fito de se chegar equidade racial.

    Para caracterizar as disparidades raciais so realizados exerc-cios estatsticos (Figueroa, 2004, p. 10), buscando demonstrar aindaas implicaes da discriminao racial e, com isso, criticar as pers-pectivas que subsumem as assimetrias raciais s condiessocioeconmicas. Os estudos do Ipea, do IBGE e da parceria Minis-trio da SadeSeppir, com o apoio de agncias multilaterais (Pnud,Unesco, Dfid, Banco Mundial), vm produzindo os dados quanti-tativos necessrios para transformar as diferenas entre brancos enegros em chave explicativa privilegiada para se entender as desi-gualdades sociais existentes no Brasil.

    A consolidao do projeto poltico de racializao da sade p-blica necessita tambm do incremento da gerao de dados estatsticosque evidenciem as clivagens entre brancos e negros na rea da sade.Lembrando Pinto e Souza (2002, p. 1144): nesse contexto de discus-so, novos atores apresentam-se na cena social para apontar a necessi-dade de dados sobre a situao de sade da populao negra. A produ-o de informao passou ento a ser um forte componente para aconstruo e fortalecimento da identidade negra.

    Os achados estatsticos, conforme indica Pinto (2005, p. 2-3), cos-tumam ser apresentados como mera expresso da realidade social,

    deixando-se de lado toda a reflexo epistemolgica sobre o impactodos instrumentos de mensurao social na construo de grupossociais atravs da reificao de suas categorias definidoras.14

    preciso, portanto, combinar levantamentos quantitativos comanlises qualitativas scio-antropolgicas para se aferir, de formaconsistente, os mecanismos e os respectivos efeitos do racismo,destoando esse propsito da mera afirmao de identidades polticas.

    Cabe ainda destacar que no documento do Seminrio Nacionalda Sade da Populao Negra o conceito de equidade, presente nosprincpios do SUS, apresenta uma perspectiva multiculturalista,

    ao enfatizar que a diversidade cultural existente na sociedade bra-sileira deve levar em considerao as especificidades daqueles con-siderados diferentes. No captulo da cidadania, o documento indi-ca, entre outros aspectos, os direitos culturais (Figueroa, 2004, p.7). Neles se inclu[iriam] o de identidade tnica, de opo religiosa,de preservao e valorizao das lnguas e expresses rituais, mu-sicais ... saberes e prticas mdicas e de cuidados tradicionais...(ibidem, p. 7). Em princpio, pareceria plausvel conjugar identida-des culturais com cidadania universal. Contudo, a proposta queminorias, que sofreram injustias histricas, reivindiquem uma

    espcie de cidadania cultural, inspirada no modelo norte-america-no, como forma de romper com a idia de universalidade e igualda-de de direitos em nome de polticas compensatrias (cf. Carvalho,2000, p. 120).

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    Mencionam-se ainda, nos textos do Seminrio, o Relatrio Pre-liminar da 12 Conferncia Nacional de Sade, que tem diversas

    passagens referentes populao negra que devero ser integradass instncias do SUS, bem como comentrios sobre as bases quenortearam a formulao do Plano Nacional de Sade: um pactopela Sade no Brasil.

    O processo de construo de uma poltica focalizada como res-posta s desigualdades raciais em sade vem sendo acompanhadopor um conjunto de portarias recentes voltadas para regulao eimplementao de aes junto a comunidades quilombolas e aosProgramas de Anemia Falciforme e Ateno aos PacientesHemoderivados. H outras aes nesta direo, como o estmulo a

    projetos e estudos sobre a vulnerabilidade ao HIV/Aids da popula-o negra, em parceria com o Programa Nacional de DST/HIV/Aidse Seppir, e a proposio de cursos de formao e produo de materi-al educativo para diferentes segmentos populacionais (profissionaisde sade, escolares, auditores) acerca da sade da populao negra,entre outras iniciativas.

    Interpretaes sobre raa e sade

    Com base na produo acadmica, sobretudo biomdica, o pro-

    psito deste item dialogar com algumas idias expostas no docu-mento divulgado no 1 Seminrio Nacional da Sade da Popula-o Negra, de autoria de Lopes (2004), acerca das desigualdadesraciais em sade.15Para isso, dividiremos nossa exposio em qua-tro tpicos: 1) a utilizao do conceito de raa; 2) o emprego dataxonomia bipolar (branco/negro) e da categoria afro-descendente;3) as relaes entre racismo e condies de sade; 4) a associaoentre a epidemia do HIV/Aids e a populao negra.

    Quanto ao primeiro ponto, Lopes (2004) admite a inconsistn-cia da determinao biolgica do conceito de raa e destaca o seu

    carter histrico e social. Em seguida, informa que raa ser conce-bida como sinnimo de grupo de pessoas socialmente unificadasem virtude de seus marcadores fsicos (2004, p. 49). Embora reco-nhea a polissemia do termo, ela no incorpora diversos nveis deproblematizao presentes na literatura acerca das implicaes dautilizao da dimenso racial nas pesquisas em sade. Um delesrefere-se impreciso freqentemente observada ao se empregarcategorias como raa, etnia e/ou etnicidade na produo acadmicana rea da sade. As variaes conceituais tendem a comprometera interpretao das diferenas nos indicadores de sade entre os

    grupos tnico-raciais (Anand, 1999; Ferreira et al., 2003).16Na pesquisa acerca dos variados significados de raa nos arti-

    gos do South African Medical Journal, Ellison e De Wet (1997) afir-mam a necessidade de se utilizar com cautela tais definies, visando

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    evitar a legitimao do conceito biolgico de raa, o que reforariao preconceito racial. A partir de um ngulo complementar,

    McDermott (1998)examina os perigos da associao acrtica entredoena e raa, discutindo a hiptese da base gentica (hiptese do

    Thrifty genotipe) como causa explicativa para a epidemia de diabetes,principalmente nas sociedades indgenas do perodo ps-colonial.O autor pe em questo as evidncias, sustentadas em dadosepidemiolgicos, que apiam a teoria da presena de um fator ge-ntico imutvel associado a grupos tnicos, ao invs de heranasou fatores metabolicamente adaptados e, conseqentemente,mutveis, que tornam tais grupos mais vulnerveis. Tal perspecti-va, segundo McDermott (1998), exclui a anlise da influncia dos

    fatores sociais na definio da doena e, conseqentemente, preju-dica a adoo de medidas de assistncia e preveno.As contribuies recentes no campo da gentica na definio de

    padres de sade ilustram as controvrsias em torno do tema. Rischet al. (2002) apresentam evidncias que apiam o uso de cinco cate-gorias de auto-identificao racial, tendo por base a definio cls-sica de ancestralidade continental das raas, a saber: africanos,caucasianos, nativos do pacifico, asiticos e americanos nativos.17

    Segundo autores a identificao das diferenas entre os grupos ra-ciais e tnicos cientificamente pertinente para o estudo de

    marcadores genticos e de genes associados suscetibilidade a do-enas e respostas ao uso de drogas (2002, comment 2007.11). Numaperspectiva crtica, Cooper (2003) afirma que as evidncias de que araa ou ancestralidade continental tenham um significado genti-co so insuficientes. As variaes genticas associadas s doenas,em geral, no so traos raciais, mas mutaes randmicas emsubpopulaes ou o resultado de selees regionais particularesassociadas a grupos populacionais especficos. A seu ver, at o mo-mento no h provas de que o padro de doenas crnicas, como ahipertenso, resulte de uma origem gentica.

    Para Karter (2003), as vises de Cooper (2003) e de Risch et al.(2002) so problemticas. Diante dos exemplos de diferenas raciaisem determinadas doenas (cncer de prstata, glaucoma etc.) e res-postas teraputicas (alta dose de interferon para hepatite crnica)que persistem aps o controle de potenciais confundidores18 (aces-so a atendimento mdico, status socioeconmico, comportamentosaudvel), o autor sugere o uso de anlises estratificadas por raade doenas complexas. A despeito de reconhecer a falta de precisoda auto-identificao racial, afirma ser preciso utiliz-la pelo rendi-mento analtico que oferece para as pesquisas epidemiolgicas e

    genticas.Uma segunda questo a ser destacada no trabalho de Lopes (2004)

    refere-se proposio do padro bipolar branco/negro na anlisedas disparidades raciais em sade no Brasil. Ela insere pretos e par-

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    dos na categoria negro e, portanto, no atenta para os problemasdessa juno, conforme salientados por Travassos e Williams (2004,

    p. 675-6) a partir da anlise comparada BrasilEUA. Os autoresalegam que tal associao (pardos + pretos = negro) uma aborda-gem questionvel para medir pessoas com ancestralidade africanano Brasil, dado que a cor no um marcador gentico consistentena populao. Ademais, pardo no inclui apenas pessoas comancestralidade africana, mas tambm, por exemplo, a mistura de

    brancos e ndios (caboclos). A agregao dos termos pretos e par-dos igualmente criticada em funo das variaes demogrficas esocioeconmicas entre os dois grupos e pelo fato de no respeitar aclassificao da cor/raa feita pelos indivduos. A etnicidade, por

    sua vez, no aparece como uma alternativa para a classificao dacor/raa, haja vista que a sociedade brasileira no apresenta divi-ses culturais claras (2004, p. 670).

    O esforo de produo de uma sociedade bicolor, com a elimina-o de categorias nativas (caboclo, moreno, curiboca etc.) ou oficiaisintermedirias, como o caso do pardo, levou Carvalho (2004) adenomin-lo genocdio racial estatstico. Este fenmeno pode terimplicaes de no pouca monta para o campo da sade pblica,como se pode depreender do estudo de Paixo (2005).19 Ele revela queno h convergncia entre pretos e pardos em alguns indicadores

    vitais nacionais. O autor constatou, por exemplo, que entre homense mulheres pretos as taxas de mortalidade eram superiores a 15%quando comparadas com homens e mulheres pardos nas seguintescausa e mortis: tuberculose, infeces bacterianas, infeces sexuais,HIV/Aids, neoplasias, doenas endcrinas e nutricionais, diabetemellitus, desnutrio, uso de psicotrpicos, doenas alcolicas do f-gado, doenas do aparelho circulatrio, hipertenso, doenas do co-rao, acidentes crebro-vasculares, doenas do aparelho respiratrioe doenas intestinais (Paixo, 2005, p. 374).20Assim, o uso do modeloidentitrio dicotomizado (branco/preto), preconizado pelo movimento

    negro, mostra-se inadequado para classificar nos estudos em sadepblica populaes muito miscigenadas como a brasileira (Bastos &Travassos, 2005, p. 470).

    Merece comentrio ainda o uso da categoria afro-descendentepor Lopes (2004) e, de forma recorrente, em documentos do Minis-trio da Sade.21 Ao valer-se desse termo para definir possveis

    beneficirios de polticas pblicas, e para o estabelecimento de corre-laes com determinadas doenas, no se leva em conta sua pr-pria impreciso conceitual. Indo alm, cabe continuar utilizandouma categoria, marcadamente poltica (negros/afro-descendentes =

    pretos + pardos), quando estudos genmicos destacam que 86% dapopulao brasileira apresenta mais de 10% de ancestralidade afri-cana e que 48% dos afro-descendentes se classificam como brancos?(Pena & Bortolini, 2004). Pelo que se pode observar, a biologia

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    contempornea no apenas questiona a validade do conceito deraa, mas parece tambm interpelar a reificao da identidade afro-

    descendente ao revelar um pas de reconhecida mistura gnica.Um terceiro aspecto tratado por Lopes (2004) est associado manuteno das piores condies de existncia (renda, educao,habitao) dos negros quando comparados aos brancos, assim comos implicaes negativas da discriminao racial para a insero nomercado de trabalho, mobilidade social e autoconfiana dos ne-gros, com repercusses na sade fsica e psicolgica. Os danos dadiscriminao tnico-racial na produo das desigualdades em sadetambm so alvo de discusso. Para Geronimus (2000) os segmen-tos tnicos minoritrios tm sofrido maior dificuldade de ascenso

    social, quando comparados populao branca, em funo da faltade acesso educao, sade, ao emprego e habitao de qualida-de. Essas limitaes se integram aos efeitos do preconceito tnico-racial, mais ou menos explcitos, nas experincias do cotidiano,gerando estresse psicolgico e baixa auto-estima e fomentando oquadro de falta de equidade social, com reflexos na sade.

    preciso, todavia, levar em conta os desafios de ordem terico-metodolgica na compreenso do fenmeno. Com base em estudosno Reino Unido e nos Estados Unidos, Nazroo (2003) afirma queas anlises das condies socioeconmicas na compreenso das

    desigualdades tnico-raciais em sade so contestveis. Segundo oautor, os dados no contm informaes detalhadas sobre aetnicidade dos respondentes, capazes de identificar a heterogeneidadeentre os grupos; os indicadores sobre as condies de vida so in-completos, pois no incluem, por exemplo, outras dimenses dadesigualdade social como experincias de discriminao. Na suaviso indispensvel reconhecer a relevncia dos estudos dos con-textos nacionais e dos processos de formao dos grupos tnicos einvestigar de que modo tais particularidades se relacionam com asdesigualdades socioeconmicas, e como elas influenciam as desvan-

    tagens experimentadas pelas minorias tnicas (2003, p. 283).Demais estudos sobre o racismo na sade ilustram a necessida-de de se investigar, de forma mais pormenorizada, determinadasdimenses desse fenmeno. Wyatt et al. (2003) examinam as rela-es de doenas cardiovasculares entre os negros e os nveis dediscriminao tnico-racial decorrentes: do racismo institucional,que pode limitar as oportunidades de mobilidade social e, conse-qentemente o acesso a bens e recursos materiais; do racismo per-cebido, capaz de promover situaes estressantes e, com isso, in-duzir reaes psicofisiolgicas prejudiciais sade; do racismo

    internalizado, que pode gerar uma auto-avaliao negativa emfuno da assimilao de esteretipos negativos. Para os autores,h indicaes sobre a importncia das redes sociais de apoio (porexemplo: familiar, religiosa, comunitria) na amenizao das respos-

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    tas gerais ao estresse. Estudos qualitativos das prticas cotidianaspoderiam iluminar as razes das diferenas nas respostas ao racismo.

    A validao de modelos conceituais, acerca dos fatores fisiolgicos,comportamentais e sociais que regem essas diferenas, requer a re-alizao de investigaes longitudinais, capazes de verificar taisfatores, incluindo os vrios nveis de racismo e as outras formas deopresso relativas ao gnero, idade e/ou classe social.

    Os trabalhos sobre as implicaes da discriminao racial noacesso e na qualidade dos servios de sade tambm tm sido alvode investigaes. Pondera-se que o tratamento diferenciado entreos grupos tnico-raciais na rea da assistncia um dos respons-veis pelas desigualdades raciais em sade. Nesse eixo de anlise,

    vm sendo realizadas investigaes na rea do planejamento, ges-to e avaliao de servios (Fiscella et al., 2000; Cooper et al., 2002;Ryn & Fu, 2003).

    As diversas reflexes apresentadas sobre as desigualdades tnico-raciais em sade tm por objetivo nuanar certos pressupostos quevem orientando polticas particularistas. Krieger (2003) reconhece queas conseqncias do racismo para a sade da populao so conheci-das, mas pouco investigadas. Para tal, faz-se necessrio definir, deforma clara, os conceitos de racismo e raa/etnia. No confundir asexpresses biolgicas das relaes raciais (que analisam de que modo

    os danos da exposio fsica e psicolgica decorrentes do racismo afe-tam de forma adversa a nossa constituio biolgica) com aracializao das expresses biolgicas (que se refere a como traos

    biolgicos arbitrrios so erroneamente construdos como marcadoresinatos de diferenas raciais). preciso ainda considerar as aborda-gens diretas do racismo, relativas s percepes dos indivduos, comoas indiretas, que esto alm da percepo individual, por meio demtodos qualitativos e quantitativos. Krieger tambm sugere estu-dos mais aprofundados sobre as relaes entre raa e sade que con-tribuam para o entendimento das desigualdades em sade.

    Depreende-se que os procedimentos metodolgicos capazes decaptar as conseqncias da experincia do racismo para a sadedevem ser formulados a partir das contribuies dos diversos cam-pos disciplinares, em particular das cincias sociais e da sade (Harellet al., 2003). A reviso de Williams et al. (2003) sobre as evidnciasdas associaes entre a percepo da discriminao tnico-racial esade em estudos de base populacional, publicados entre 1998 e2003, convergem com a necessidade de se avanar nas investiga-es nesse campo. Eles constataram a falta de consenso na literatu-ra sobre a melhor forma de medir a exposio ao racismo, a impor-

    tncia da diferenciao entre as experincias recentes e cumulati-vas, e as contribuies dos estudos sobre estresse para se investigara discriminao, entre outros aspectos. Frente a tais evidncias, osautores concluram que as relaes entre discriminao e agravos

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    sade tendem a ser associadas a fatores diversos afetando, sobretu-do, grupos socialmente desfavorecidos. Todavia, os estudos realiza-

    dos nesse campo apresentam limitaes na compreenso desse fe-nmeno (2003, p. 206).Um quarto e ltimo ponto do trabalho de Lopes (2004) refere-se

    s condies especiais de vulnerabilidade aos agravos sade,entre os quais a epidemia de HIV/Aids, da populao negra no Bra-sil, em decorrncia das condies sociais adversas. Tendo em vistaque nos ltimos anos a epidemia de Aids tem atingido as popula-es mais pobres, parece ser precipitado vincular a raa negra aoaumento da vulnerabilidade a Aids. O caso do programaAfroatitude, patrocinado pelo Programa Nacional de DST/Aids,

    em parceria com a Seppir, estimula a pesquisa sobre as relaesentre Aids e raa negra e sugere que alunos que ingressaram nasuniversidades por meio do sistema de cotas raciais pesquisem oslaos entre a epidemia e questes sociais, econmicas e culturaisdos afro-descendentes.22 Conforme assinala Fry (2004b), tais as-sociaes fomentam o surgimento de outro grupo de risco. A atri-

    buio de componentes culturais vulnerabilidade ao HIV de ne-gros pobres, diferenciada de brancos pobres, contribui para a na-turalizao da raa e da cultura negras.

    Embora os argumentos assinalados no esgotem a riqueza e

    amplitude das questes envolvidas na compreenso das desigual-dades tnico-raciais em sade, tais reflexes tm o propsito de fo-mentar o debate sobre a pertinncia da formulao e implementaode polticas voltadas para a sade da populao negra no Brasil. Autilizao dos conceitos de raa e/ou etnia na abordagem das doen-as geneticamente determinadas, ou os instrumentos terico-metodolgicos para se aferir a influncia do racismo nos agravos sade, ainda so objeto de intenso debate na produo acadmica,especialmente a anglo-sax. Essa literatura vem sendo apropriadaseletivamente em funo do projeto de racializao da sade pbli-

    ca em curso no Brasil.

    Consideraes finais

    A formao do campo da sade da populao negra ocorre nomomento em que o debate sobre o racismo e a formulao de pro-gramas de ao afirmativa assumem crescente visibilidade na cena

    brasileira. Trata-se da construo de uma poltica setorial, com re-corte racial, gerador de um processo de diferenciao e de busca delegitimao no mbito da sade pblica dos agravos sofridos

    pelos negros. A criao dessa distino requer a produo deespecificidades, de caractersticas prprias raa negra. Esse pro-cesso em curso tem seu ponto de partida no mandato inicial deFernando Henrique Cardoso, quando se operou uma primeira inflexo

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    na histria do racismo no Brasil com o reconhecimento oficial desua existncia no pas. Nesse contexto, houve o encontro entre

    demandas do ativismo negro e um presidente da Repblica sensvel questo racial, resultando no surgimento do Grupo de TrabalhoInterministerial Para a Valorizao e Promoo da Populao Negra.

    A proposta de uma poltica focal da sade da populao negras adquire proeminncia aps a Conferncia de Durban, no se-gundo semestre de 2001. Ela ajudou a formar uma agenda anti-racista racializada por movimentos sociais, setores da academia eda mdia, agncias estatais e multilaterais, e fundaes filantrpi-cas norte-americanas. Ela um indicador preciso de como pautasnacionais so definidas em arenas internacionais. O efeito Durban

    logo se fez presente, seja na adoo de cotas raciais no ensino supe-rior, seja na implementao de polticas raciais no mbito do traba-lho, da sade e do setor agrrio, sob a gide dos Direitos Humanose da justia social.

    Esse frum internacional teve reflexos mais visveis no governoLula, com a ampliao do debate e da implantao de polticas com-pensatrias, e a criao da Secretaria Especial de Promoo de Pol-ticas de Igualdade Racial (Seppir), com status de ministrio. Essa agn-cia estatal vem estabelecendo uma srie de parcerias com outrosministrios, com impactos diversos no campo da sade pblica.

    Esses eventos ocorrem simultaneamente reduo da participa-o do setor pblico na rea social, em face dos ditames da polticamacroeconmica. Diante do Estado com funes reduzidas, comoproclamado pelo neoliberalismo, a focalizao transformou-se empedra de toque dos supostos limites das polticas universalistas.Talvez, como efeito no antecipado, as polticas centradas em raase ajustem s exigncias da era global.23

    Tal perspectiva se distancia da tradio sanitarista brasileira,construda sob o signo do universalismo, chancelada pelo Estado.O movimento da Reforma Sanitria, calcado no trip universalida-

    de, integralidade e gratuidade, conforme inscrito na ConstituioFederal, concebe a sade como um direito universal de cidadania.Com todos os percalos existentes no campo da sade pblica nopas, existe um consenso de que a reforma da sade um dos mais

    bem-sucedidos projetos polticos de incorporao dos setores po-pulares, segmentos esses com expressiva presena de negros.

    Existem diversos desafios racializao positiva preconizadapelo movimento negro no domnio da sade pblica. Diferente-mente dos arautos da naturalizao das hierarquias raciais do s-culo XIX, os partidrios do racialismo de novo tipo, em pleno scu-

    lo XXI, concebem que as categorias produzidas pelos opressores,como o conceito de raa, podem informar utopias libertadoras. Hque pensar sobre as conseqncias desse processo, como alertaGilroy (2000). A anlise da construo de uma poltica racializada

    Nossosagradecimentos a JosAugusto Drummondpela leitura cuidadosaque fez de versopreliminar do texto.

    Somos tambm gratosaos dois pareceristasannimos de Histria,Cincias, Sade

    Manguinhos pelascrticas e sugestes.

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    MARCOS CHOR MAIO e SIMONE MONTEIRO

    no campo da sade pblica, acrescida dos questionamentos pre-sentes na produo acadmica principalmente biomdica, focos do

    presente artigo, tiveram o propsito de contribuir para um impor-tante e necessrio debate entre os diversos atores envolvidos noenfrentamento das desigualdades sociais e na atualizao da dis-cusso sobre as formas de combate ao racismo no Brasil.

    NOTAS

    1 Utilizaremos a expresso sade da populao negra sempre entre aspas simples, por constituir um termocriado pelos atores envolvidos na formao do prprio campo de reflexo e de interveno social que a

    expresso vem designar. Procuramos estar atentos a possveis processos de naturalizao, de reificao de umacategoria que poltica e denota a busca da produo de singularidades nas relaes sade/doena associadasa determinado grupo demogrfico.2 Poderamos inferir, inspirando-nos em Grin (2004b), que o movimento da Reforma Sanitria, uma espcie deintelligentsia , estaria informado por alguns princpios da tradio de esquerda, de corte nacionalista, que veriacom estranheza um mundo movido atravs de constructos raciais, a saber: 1) longa tradio sociolgica queopera com a categoria de classe social para tratar as desigualdades sociais; 2) tradies de esquerda cuja utopiasocialista e nacionalista no concebe atores raciais; 3) sensibilidade moral cujo princpio de justia identifica naprivao absoluta o foco para o qual a sociedade deve estar mobilizada... (p. 100).3H uma racializao de novo tipo em curso no Brasil. A recente corrente racialista no apenas concebe aexistncia, em princpio, de raas como constructos sociais, mas acredita que s a partir do desvelamento deuma ordem racial assimtrica, mediante a racializao das relaes sociais, se atinge igualdade substan-tiva.

    4 Ver: Barbosa, 1998; Oliveira, 1999; Olinto & Olinto, 2000; Jornal da RedeSade , 2001.5 O programa da mesa Sade da Populao Negra foi extrado de www.planalto.gov.br/pwubli_04/colecao/racial.2h.htm, acesso em 23.1.2004.6 Quanto aos dados sobre a anemia falciforme, o documento revela informaes ainda muito imprecisas: Ostcnicos que tm trabalhado com essa doena estimam a existncia de dois a dez milhes de portadores do traofalciforme e 8 a 50 mil doentes, segundo clculos elaborados com base em probabilidades estatsticas. O PAFtrabalha com patamares inferiores dessas estimativas. Em nmeros reais, o cadastro nacional tem o registro de4 mil doentes, ficando a diferena por conta da no-notificao ao rgo central dos casos diagnosticados comooutras doenas ou sem diagnstico por falta de acesso aos servios de sade.7 Foram tambm implementadas as seguintes propostas: 1) financiamento de pesquisas clnicas sobre anemiafalciforme e projeto de saneamento em comunidades de remanescentes de quilombos; 2) publicao de estudossobre anemia falciforme (Jaccoud & Beghin, 2002, p. 59).8 No contexto dos preparativos para a Conferncia de Durban, por ocasio da Pr-Conferncia Cultura & Sadeda Populao Negra em Braslia (13 a 15.9.2000), foi lanado pela Secretaria de Polticas de Sade do Ministrioda Sade o Manual de doenas mais importantes, por razes tnicas, na populao brasileira afro-descendente. Dispo-nvel em: www.redesaude.org.br/jornal/html/body_jr22-enc-abertura.html, acesso em 23.3.2005.9 Participaram da elaborao do documento: um sanitarista, um consultor legislativo, sete membros de organi-zaes internacionais (Unicef, Unesco, Pnud, Opas, UNDCP, GT-Unaids), um da Secretaria de Sade do Estadodo Rio de Janeiro, cinco profissionais de organizaes do movimento social (AMMA, CRIOLA, RedeSade,Fala Preta, Associao Anemia Falciforme) e trs de Universidades Federais (UFBA, UFF, UFMT).10 Um exemplo da participao mais efetiva de organizaes internacionais neste campo aps a Conferncia deDurban foi a publicao pela Opas do livro Sade da populao negra: Brasil, da mdica, lder feminista e ativistanegra Ftima de Oliveira. Ver Oliveira (2002).11

    Fundada em 1991, a RedeSade rene 182 grupos feministas e pesquisadoras que desenvolvem trabalhospolticos e de pesquisa nas reas da sade da mulher e dos direitos reprodutivos. Para este artigo, foramconsultados os boletins eletrnicos Sade Reprodutiva na Imprensa, os informativos eletrnicos da RedeSadee os jornais da Rede Feminista de Sade, divulgados no perodo de janeiro de 2001 a julho de 2003, assim comoos demais contedos da pgina da Rede Sade referentes aos dossis, artigos e dados, campanhas, folhetos ecartilhas (www.redesaude.org.br).

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    TEMPOS DE RACIALIZAO

    12 Esta parte do nosso artigo tem por base os seguintes documentos: Ministrio da Sade Polticas, Programase Aes: alguns exemplos (Seppir; MS, 2004a), Cadernos de Textos Bsicos (Seppir; MS, 2004) e Relatrio do ComitTcnico de Sade da Populao Negra (MS, 2004); Macedo (2004).13

    Figueroa no deixa margem a dvidas sobre o processo de racializao positiva de pardos e pretos em negrosquando aborda as populaes indgenas da regio Norte. A seu ver: provvel que sob a categoria pardo,proposta no cardpio fechado do IBGE, tenham entrado aqueles que, na nomenclatura regional da Amaznia, sedenominam caboclos. Essa categoria, que engloba a grande maioria da populao do Norte, embora denotemestiagens diversas, assinala para uma ascendncia predominantemente indgena. O seu enquadramento comonegro, no entanto, plausvel como sinalizao de sua condio historicamente subordinada na relao ao

    branco. Como assinalou uma pesquisadora liderana negra [sic], no marco das relaes intertnicas vigentes,ndios e caboclos esto sujeitos ao mesmo tratamento que dado aos negros (2004, p. 4-5).14 Batista e Kalckmann (2005, p. 21) elucidam bem essa questo ao afirmarem: os gestores do sistema, e tambma Academia, diziam: Provem isso, vocs no tm nmeros para mostrar o que esto dizendo. Se adoecer tem a ver comcondies de vida, ento os negros morrem mais porque so pobres . Para estes atores o Brasil vive uma democraciaracial, o racismo no existe e/ou tem pouca importncia nas relaes sociais. Essa argumentao justifica emantm invisvel o tema sade da populao negra (grifo no original).

    15 A literatura internacional, especialmente a norte americana, sobre as interfaces entre raa e sade expressiva,mas a produo nacional ainda incipiente. Esse cenrio vem mudando em funo do interesse que o tema vemadquirindo entre pesquisadores do campo da sade coletiva (Monteiro, 2004; Monteiro & Maio, 2005). Pesqui-sadores presentes no IV Congresso Brasileiro de Epidemiologia, em junho de 2004, chamaram a ateno paraa presena pouco comum de estudos com recorte racial no evento. Outro indicador deste novo cenrio so asseguintes publicaes: Boletim do Instituto de Sade (2003); Travassos & Williams (2004); Almeida-Filho et al.(2004); Batista et al. (2004); Chor et al. (2004); Maio et al. (2005); Laguardia (2004); Leal et al. (2005).16 Kaplan e Bennet (2003) defendem a pertinncia de os peridicos cientficos estabelecerem padres parafundamentar o uso dos termos raa e etnicidade nas investigaes em sade.17 Tendo por base pesquisas genticas populacionais, os autores propem a seguinte categorizao: Africa-nos: aqueles com ancestralidade na frica Sub-saariana, os Afro-Americanos e Afro-Caribeanos; Caucasianos:aqueles com ancestralidade na Europa e na sia Ocidental, incluindo a subcontinente indiano, o Oriente Mdioe os Africanos do Norte; Asiticos: os da sia Oriental (China, Indochina, Japo, Filipinas e Sibria). Os

    Nativos do pacifico referem-se aos originrios da Austrlia, Papua Nova Guin, Melansia e Micronsia, e osAmericanos nativos so aqueles originrios das Amricas do Sul e do Norte. H grupos na fronteira destadiviso continental que se mostram de mais difcil classificao, o que no invalida a existncia da estruturagentica de base racial na populao humana (2002, 2007.4).18 Confundidores so considerados vieses capazes de comprometer a anlise.19 Microdados da amostra do Censo Demogrfico de 1980, 1991 e 2000; microdados do suplemento da pesqui-sa nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), 1988 e 1998; microdados do Sistema de Informao deMortalidade/Datasus, trinio 2000-2002 (Paixo, 2005, p. 361).20 Paixo (2005) ressalta em seu trabalho o problema das subnotificaes como uma questo a ser levada emconsiderao sobre a qualidade dos dados de mortalidade contidos no Datasus.21 No Plano Nacional de Sade/PNS Um Pacto pela Sade no Brasil, aprovado pelo Ministrio da Sade

    mediante a portaria n 2.607, de 10.12.2004 (Dirio Oficial da Unio , n. 238, 13.12.2004), aparece inmerasvezes o termo afro-descendente. Sobre a participao de geneticistas no debate acerca de polticas pblicasracializadas, ver Maio & Santos (2005).22 O Programa Nacional DST/Aids lanou em dezembro de 2004, em conjunto com a Secretaria Especial dosDireitos Humanos (SEDH) e a Secretaria Especial de Promoo da Igualdade Racial da Presidncia da Repblica(Seppir), e com a Secretaria de Ensino Superior do Ministrio da Educao (SESU), o Programa Brasil AfroAtitude um programa de bolsas para alunos negros cotistas de cursos de graduao de universidades pblicas,que condiciona o envolvimento desses alunos com o tema Aids e racismo. Convergente com esta perspecti-va, o Programa Nacional de Aids lanou edital de chamada para seleo de pesquisas em DST/HIV/Aids quevisam aprimorar o conhecimento cientfico e tecnolgico no que se refere relao entre condies devulnerabilidade infeco pelo HIV e ao adoecimento por Aids na populao negra (convocatria n. 2/2005,Ministrio da Sude; processo licitatrio n. 323/2005).23 Para uma anlise elucidativa e crtica do debate acerca da focalizao e da universalizao no campo da sade

    pblica, ver Cohn (2005).

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