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Universidade Feevale Mestrado em Processos e Manifestações Culturais POLIANA LOPES SASSÁ MUTEMA: A CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS PROTAGONISTAS NA TELEDRAMATURGIA, A PARTIR DA HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE Novo Hamburgo 2011

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Trabalho de Conclusão apresentado ao Mestrado em Processos e Manifestações Culturais para a obtenção do título de Mestre em Processos e Manifestações Culturais

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1 Universidade Feevale Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais POLIANA LOPES SASS MUTEMA: A CONSTRUO DE PERSONAGENS PROTAGONISTAS NA TELEDRAMATURGIA, A PARTIR DA HERMENUTICA DE PROFUNDIDADE Novo Hamburgo 2011 2 Universidade Feevale Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais POLIANA LOPES SASS MUTEMA: A CONSTRUO DE PERSONAGENS PROTAGONISTAS NA TELEDRAMATURGIA, A PARTIR DA HERMENUTICA DE PROFUNDIDADE Trabalho de Concluso apresentado ao MestradoemProcessose ManifestaesCulturaisparaa obtenodottulodeMestreem Processos e Manifestaes Culturais. Orientadora: Prof. Dr. Paula Regina Puhl Novo Hamburgo 2011 3 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP) Bibliotecria responsvel: Elena da Costa Plmer CRB 10/1349 Lopes, Poliana SassMutema:aconstruodepersonagensprotagonistas nateledramaturgia,apartirdahermenuticadeprofundidade/ Poliana Lopes. 2011. 156 f. ; 30 cm. Dissertao(MestradoemProcessoseManifestaesCulturais) Feevale, Novo Hamburgo-RS, 2011. Inclui bibliografia. Orientador: Prof. Dr. Paula Regina Puhl. 1.Telenovelas Histria - Brasil. 2. Personagens Histria - Brasil. 3. Teledramaturgia Sass Mutema - Brasil.I. Ttulo.

CDU 654.197:82-32(81) 4 Universidade Feevale Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais POLIANA LOPES SASS MUTEMA: A CONSTRUO DE PERSONAGENS PROTAGONISTAS NA TELEDRAMATURGIA, A PARTIR DA HERMENUTICA DE PROFUNDIDADE Trabalho de Concluso de mestrado aprovado pela banca examinadora em 12 de dezembro de 2011, conferindo a autora o ttulo de Mestre em Processos e Manifestaes Culturais. Componentes da banca examinadora: Prof. Dr. Paula Regina Puhl (orientadora) Universidade Feevale Prof. Dr. Mirian Rossini UFRGS Prof. Dr. Roberto Ramos Universidade Feevale 5 Dedico esta pesquisa aos profissionais da teledramaturgia brasileira, que h 60 anos fazem, frente ou por trs das cmeras, o povo brasileiro se emocionar, rir, chorar, indignar-se e, tambm, refletir sobre a realidade de suas vidas. 6 Registro aqui meu muito obrigada as pessoas maravilhosas que acreditam nos meus sonhos e projetos de vida e que, por isso, investem seu carinho, tempo, pacincia e tambm recursos na concretizao dessas loucuras: Jorge e Rosa, meus pais; Gabi, minha sobrinha mais irm; Jerri, meu amor e companheiro de horas frente do computador; as amigas antigas e recentes que agentaram os delrios e me divertiram na hora da tenso; Paula Puhl, que novamente orientou meus pensamentos e devaneios; Rosa e Rodrigo, em nome das equipes da Midia Help e da Plan Marketing Digital, por entenderem e apoiarem algumas ausncias; e tambm aos professores e colegas que compreenderam a importncia e relevncia deste estudo. 7 Hoje se reconhece a telenovela como uma instituio nacional. [...] A telenovela tornou-se uma arte respeitvel em suas particularidades. Uma arte popular, brasileira, com vida prpria, desenraizada dos conceitos filosficos e acadmicos com que tentam interpret-la. Ismael Fernandes 8 RESUMO Porseualcanceeabrangncia,asproduesteledramatrgicasdaRedeGlobotm sido frequentemente objeto de estudo, seja por suas mensagens e ideologias ou pelaformaderecepo.Diferenciando-sedeoutrostrabalhos,opresenteestudo tem como objetivo verificar e analisar a relaoentre as personagens protagonistas de telenovela com o contexto histrico de sua poca de produo e veiculao. Para isso,optou-seporanalisarSassMutema,personagemprotagonistadatelenovela O Salvador da Ptria, produzida e exibida em 1989, visando aprofundar as relaes existentesentreprodutosaudiovisuaisdetelevisoeocontextohistrico.Paraa escolha do objeto de anlise considerou-se a importncia histrica do ano de 1989, quandoocorreuaprimeiraeleiodiretaparaPresidenteapsoRegimeMilitar (1964-1985).Paraaprofundaraanlisedodesenvolvimentodapersonagem protagonista em uma narrativa audiovisual, considerou-se essencial comparar Sass Mutema com Z Bigorna, personagem protagonista do Caso Especial O Crime do Z Bigorna,queserviudeinspiraoparaatelenovelaefoiproduzidoeexibidoem 1974.AmetodologiaparaaanliseaHermenuticadeProfundidade, desenvolvidaporJohnB.Thompson(2000).AutorescomoMattos(2002),Malcher (2009), Hamburger (1998), Calza (1996)e Fernandes (1997) daro o embasamento sobreaproduodetelenovelas,suahistriaecaractersticas;parasituaro contextohistrico,apesquisaestarapoiadaemautorescomoBueno(2010), Skidmore(1998),RibasCarneiro(1999)eLinhares(1999);eparafalarsobre personagens,serocitadosCandido(1998),Palottini(1989),Reuter(1996)eBrait (1985). PALAVRAS-CHAVE ProcessosCulturais;Comunicao;Teledramaturgira;Personagem;Hermenutica de Profundidade; Rede Globo 9 ABSTRACT Byitsscopeandcomprehensiveness,theproductionsofRedeGlobosoapoperas haveoftenbeentheobjectofstudy,eitherbytheirmessagesandideologiesorby wayofreceipt.Differentiating itselffromotherstudies,thisstudyaimstoverifyand analyzetherelationbetweentheprotagonistsofsoapoperacharacterswiththe historicalcontextofhistimeproductionand delivery.Forthis,wechosetoanalyze SassMutema,theprotagonistcharacterofthesoapoperaOSalvadordaPtria, producedandexhibitedin1989,todeepentherelationbetweentelevision audiovisualproductsandhistoricalcontext.Tochoosetheobjectofanalysiswe considered the historical importance of 1989, when happened the first direct election forpresidentafterthemilitaryregime(1964-1985).Tofurtheranalyzethe developmentoftheprotagonistcharacterinanaudiovisualnarrative,itwas consideredessentialtocompare SassMutemawithZBigorna,theprotagonist characteroftheCasoEspecial(SpecialCase)OCrimedoZBigorna,whichwas theinspirationforthesoapoperaandwasproducedandbroadcastin1974.The methodologyfortheanalysisistheInDepthhermeneutics(Hermenuticade Profundidade),developedbyJohnB.Thompson(2000).AuthorssuchasMattos (2002),Malcher(2009),Hamburger(1998),Calza(1996)andFernandes(1997)will providethefoundationabouttheproductionofsoapoperas,itshistoryand characteristics;tosituatethehistoricalcontext,theresearchwillbesupported authors such as Bueno(2010), Skidmore (1998), Carneiro Ribas (1999) and Linhares (1999),andtotalkaboutcharacters,willbecitedCandido(1998),Palottini(1989), Reuter (1996) and Brait (1985). KEY-WORDS Cultural Processes; Communication; Soap Opera; Character; Rede Globo;In Depth hermeneutics (Hermenutica de Profundidade) 10 LISTA DE ILUSTRACOES Figura 1 Z Bigorna tenta explicar sua inocncia ................................................. 105 Figura 2 Z Bigorna conta sua histria para o advogado Abelardo ...................... 109 Figura 3 Farah observa Z Bigornam aps o julgamento..................................... 113 Figura 4 - encontro entre Severo (ao fundo) e Sass (primeiro plano) ................... 117 Figura 5 - Severo manipula o boneco de Sass Mutema ...................................... 124 Figura 6 em comcio, Sass Mutema decide ser candidato a prefeito ................ 127 Figura 7 Sass Mutema denuncia o narcotrfico em programa de televiso ..... 132 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Resultado do primeiro turno da eleio de 1989 .................................... 92 Tabela 2 - Resultado do segundo turno da eleio de 1989 .................................... 98 12 SUMRIO INTRODUO ..........................................................................................................14 1 A seguir, cenas do prximo captulo: a vida da teledramaturgia brasileira ............. 19 1.1 Televiso e telenovela: campees de audincia e de preferncia nacional ........ 19 1.2 Teledramaturgia: uma melhor compreenso de seus produtos .......................... 21 1.3 As fases da televiso brasileira: a teledramaturgia em foco ................................ 26 1.3.1 Fase elitista: de 1950 a 1964 ........................................................................... 26 1.3.2 Fase populista: de 1964 a 1975 ....................................................................... 29 1.3.3 Fase do Desenvolvimento Tecnolgico: de 1975 a 1985 ................................. 32 1.3.4 Fase da Transio e Expanso Internacional: de 1985 a 1990 ........................ 34 1.3.5 Fase da Globalizao e da TV Paga: de 1990 a 2000 ..................................... 37 1.3.6 Fase da Convergncia e Qualidade Digital: a partir de 2000 ........................... 41 1.4 Da telinha para o sof: a telenovela e o telespectador ........................................ 44 1.4.1 Quando ficcional e real se cruzam na teledramaturgia..................................... 50 2DeZBigornaaSassMutema:atrajetriadeumapersonagemna teledramaturgia brasileira .......................................................................................... 54 2.1 As personagens: do teatro para a televiso ........................................................ 54 2.1.1 Entendendo a personagem .............................................................................. 55 2.1.2 As classificaes das personagens .................................................................. 59 2.1.3 O papel do autor ............................................................................................... 61 2.2 Caso Especial O Crime do Z Bigorna ................................................................ 62 2.3 No horrio das oito, a campe de audincia: O Salvador da Ptria .................... 65 2.4 Por trs das obras: o autor Lauro Cesar Muniz ................................................... 71 3 Do ficcional ao real: anlise a partir da Hermenutica da Profundidade ................ 74 3.1 Conceitos e aplicaes da Hermenutica de Profundidade ................................ 74 3.1.1 Compreenso do contexto: a anlise scio-histrica ....................................... 76 3.1.1.1 Anlise scio-histrica de O Crime do Z Bigorna ........................................ 78 3.1.1.2 Anlise scio-histrica de O Salvador da Ptria ............................................ 86 3.1.2 Compreenso interna das formas simblicas: a anlise formal-discursiva .... 102 3.1.2.1 Anlise formal-discursiva de O Crime do Z Bigorna .................................. 104 3.1.2.1.1 Anlise da sequncia 1 ............................................................................ 104 3.1.2.1.2 Anlise da sequncia 2 ............................................................................ 108 3.1.2.1.3 Anlise da sequncia 3 ............................................................................ 112 13 3.1.2.2 Anlise formal-discursiva de O Salvador da Ptria ...................................... 115 3.1.2.2.1 Anlise da sequncia 1 ............................................................................ 115 3.1.2.2.2 Anlise da sequncia 2 ............................................................................ 123 3.1.2.2.3 Anlise da sequncia 3 ............................................................................ 126 3.1.2.2.4 Anlise da sequncia 4 ............................................................................ 130 3.1.3 Interpretao/Re-interpretao ....................................................................... 135 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 148 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 151 14 INTRODUO Operando no Brasil desde 1950, a televiso o meio de comunicao com maiorpenetraonopas,chegandoa94%doslares,segundoapesquisaMidia Dados2010.Atelevisoassumeumpapeldeelementoagregadorsocial, oferecendo s pessoas informao, educao e entretenimento (MALCHER, 2009).Entreasemissorasbrasileiras,ademaiordestaqueaRedeGlobo,que chegaa98,4%dosmunicpiosbrasileirose99,6%dosdomiclioscomteleviso. Almdisso,aemissoradespontacomoademaiorshare1doBrasil,atingindoem mdia45,2%dosaparelhosdetelevisoligadosdas7hs24h.Tambmda emissoracariocaainserocomercialmaiscaradatelevisobrasileira:30 segundos no horrio da telenovela das 21 horas custa US$ 218 mil (MIDIA DADOS, 2010).Percebe-se,assim,queatelenovelaoprodutomaisvalorizadoda televiso brasileira. A telenovela brasileira comemora, em 21 de dezembro de 2011, 60anos deexistncia.Inicialmentefoitransmitidaaovivo,apartirdeestdios,em umformatoaproximadoaodasradionovelas:primeiro,repetindoashistriasdo rdio e da literatura; depois, com os dramalhes fantsticos em pases distantes de GlriaMagadane,desdeofinaldosanos1960,jcomousodovideotape, contandohistriasmaisaproximadasdarealidadedosbrasileiros(FERNANDES, 1997).Hoje, pode-se definir telenovela como uma macronarrativa que se estende ao longo de quatro mil pginas [...] desenvolvidos por uma equipe de produo que envolve palavra e imagem e que no deixa de ser um espetculo intersemitico de entretenimento (CALZA, 1997, p.13).Paraodesenvolvimentodestanarrativaseriada,oelementoprincipala personagem:semela,nohao(FIELD, 2001).SegundoCandido(1998, p.44), personagenssosereshumanosdecontornosdefinidosedefinitivos,emampla medidatransparentes,vivendosituaesexemplaresdeummodoexemplar.A personagemfaz,segundoPallottini (1989),umarecriaodostraosfundamentais das pessoas, segundo critrios do autor.

1 ndice que mede o nmero de aparelhos ligados em um mesmo canal. 15 Entreaspersonagens,destaca-seoprotagonista,queapersonagem principaleapareceemprimeiroplanonanarrativa.Elepodeserumheroi,com caractersticas e qualificaes superiores s outras personagens (BRAIT, 1985), ou aindaumanti-heroi,queapesardetercaractersticasinferioressdemais personagens, est em destaque em relao a elas (GANCHO, 2000). Oprotagonistaocentrodahistria;emfunodelequeanarrativa existeesedesenvolve(LOPES,REIS,2002).Porterestedestaquenahistria, acabasendooprotagonistaaquelequerecebemaisidentificaoporpartedo telespectador, que torcepelodesenrolarde suahistriaeporseusucessoaofinal da narrativa. Estapesquisatemcomoobjetivoprincipalanalisarapersonagem protagonistadeumprodutoteledramatrgico,considerando-seocontextohistrico em que este foi produzido e veiculado, a partir da Hermenutica de Profundidade. A anlise ter como foco a construo da personagem Sass Mutema, protagonista da telenovelaOSalvadordaPtria,quefoiproduzidaeexibidaem1989-anoda primeira eleio direta para Presidente aps o fim do Regime Militar.Visandocompreendermudanasnascaractersticasedestinodo protagonista, buscou-se tambm analisar a personagem protagonista Z Bigorna, do CasoEspecialOCrimedoZBigornaobrainspiradoradatelenovela.Paraa escolhadapersonagemaseranalisada,tambmlevou-seemconsideraoa emissora responsvel pela transmisso (Rede Globo) e o horrio de exibio (aps as21 horas),variveis que apontamparaa emissoraehorriodemaioraudincia na televiso brasileira. Tambm considerou-se que as telenovelas exibidas no horrio das 21 horas tmenredosmaisdensos,aocontrriodasproduesexibidasas18horas (histrias leves e romnticas, alm de tramas de poca) e as 19 horas (comdias), como explicado no Guia Ilustrado TV Globo: novelas e minissries (2010). Asdramatizaestelevisivas,enquantoprodutosculturaisdealcance nacional,nosorecebidasporumconsumidorpassivo;aocontrrio,colaboram com a formao de conceitos e temas de debate, em mbitos microssociais (dentro decadacasa)oumacrossociais(nascomunidades),principalmenteporser,como define Mauro Alencar (2010), uma recriao da realidade.porestepapelqueasdramatizaestelevisivastornam-seimportante objetodeestudoenquantoproduocultural.PoiscomodestacaMunizSodr 16 (1981),aculturanosomenteumsistemadecomportamentos,mastambmo sistemadaproduomaterialoudomododeproduoeconmico.Parao pesquisador,aculturaumacervoderepresentaes(fenmenosculturais comuns:regras,condutasevalores)produzidospelasinstituiesdeum agrupamento social.Esteestudoserdesenvolvidodeformaexploratriabibliogrficae documental,comabordagemqualitativa.Entende-sepesquisaexploratriacomoa que visa proporcionar mais informaes sobre o assunto investigado, permitindo sua definio e delineamento (PRODANOV, FREITAS, 2009).A pesquisa exploratria exige um levantamento bibliogrfico e a anlise de exemplos-nesteestudo,sequnciasdecenadeprodutosdramatrgicos-que estimulem a compreenso como formas de anlise do tema proposto. Para a anlise destes exemplos, optou-se pela pesquisa documental, a qual , segundo Prodanov e Freitas(2009)realizadaapartirdoempregodeinformaesretiradasdematerial grficoesonoronocasodestapesquisa,materialaudiovisual.Nestesentido,o objetivodestetipodepesquisarecolher,analisareinterpretarcontribuies tericasjexistentessobrea personagemprotagonistadeumatelenovela,apartir da Hermenutica de Profundidade. Estapesquisaestdivididaemtrspartes.Noprimeirocaptuloser apresentada uma retrospectiva da histria da telenovela no Brasil, assim como sua conceitualizaoecaracterizao,a partirdasreflexesdeMattos (2002),Malcher (2009), Hamburger (1998), Calza (1996) e Fernandes (1997) sobre o assunto.Osegundocaptulotrazosprincipaisconceitos,caractersticasdeuma personagem, com destaque para a protagonista, a partir das pesquisas de Candido (1998),Palottini(1989),Reuter(1996)eBrait(1985),entreoutros.Tambmnesta parteserapresentadaapersonagemSassMutemaoobjetodeestudodesta pesquisa-eatelenovelaOSalvadordaPtria,naqualapersonagem protagonista, assim como o Caso EspecialO Crime do Z Bigorna, em que tanto a telenovela quanto o protagonista foram inspirados.OterceirocaptuloapresentaaanlisedapersonagemSassMutema,a partirdaHermenuticadeProfundidade.Optou-sepelametodologiadeanlise desenvolvidaporJohnThompson(2000)porqueelabuscaainterpretaode formassimblicasconsiderandooscontextoseprocessoshistricossocialmente 17 estruturados nos quais e atravs dos quais estas formas simblicas so produzidas, transmitidas e recebidas. AHermenuticadeProfundidadedivididaemtrsetapas.Aprimeira, chamadaanlisescio-histrica,prescindedeumacontextualizaodomomento histricoemqueaformasimblicanocaso,apersonagemdatelenovelafoi produzidaetransmitida.Nestacontextualizaohistrica,apesquisaapia-seem autorescomoBueno(2010),Skidmore(1998),RibasCarneiro(1999)eLinhares (1999).Asegundaetapaaanliseformal-discursiva,ondeseconsideraqueas formas simblicas so construes atravs das quais se diz ou expressa algo. Nesta fase,seroapresentadasasanlisesdesequnciasdecenasdosprodutos dramatrgicos:doCasoEspecialOCrimedoZBigornaseroanalisadastrs sequncias, visando compreender a evoluo da personagem inspiradora de Sass Mutema; j da telenovela O Salvador da Ptria sero analisadas quatro sequncias, as quais ilustram a trajetria de Sass Mutema ao longo da narrativa. A terceira etapa a interpretao/re-interpretao, momento em que se fazumanovaconstruodesignificadosdasformassimblicasanalisadas,buscando possveis significados e uma explicao interpretativa do que est representado ou doquedito(THOMPSON,2000,p.375).Estainterpretaofaztambmum movimentodere-interpretao,umavezquepossvelprojetarumsignificado divergenteaossignificadosconstrudospelossujeitosqueconstituemomundo scio-histrico. Esta etapa construda a partir das anlises scio-histrica e formal-discursiva.Relacionar as telenovelas e suas personagens com o contexto histrico em quesoproduzidasetransmitidasumaformadebuscaracompreensoda importnciadasproduesdachamadaculturademassa2paraaformaodo pensamento do pblico. Esta relao com a produo cultural de um povo faz parte da proposta do Mestrado Acadmico em Processos e Manifestaes Culturais a que esta pesquisa est vinculada.Buscou-seemsites,bancosdedadosacadmicosejuntoCapes, pesquisasqueanalisassemarelaodepersonagensdramatrgicoscomseu

2Simmel(apudWOLF,1999,p.22)entendemassacomoumgrupohomogneodepessoas,que no se baseiana personalidade dos membros, mas apenas naquelaspartes que pem um membro emcomumcomosoutrostodos.Assim,entende-seculturademassacomoaproduocultural deste e para este grupo. 18 contexto histrico de produo e exibio neles no foram encontrados estudos com essatemtica,assimverifica-seoineditismodaformadeobservaodotema,o quetornaapresentepesquisarelevanteparapodercrescentarnabibliografia sobre o tema. Aocompreenderopapeldateledramaturgiacomopartedaproduo culturaldeumpovoeprodutodesuarealidade,torna-seimportantebuscarsua relao com a vida cotidiana de quem a consome. isso que se pretende com esta pesquisa:verificarumapossvelestreitaligaoentreprotagonistasdetelevisoe os fatos que marcaram a histria do Brasil, estando os dois elementos (fico e real) dentro do mesmo contexto. 19 1 A seguir, cenas do prximo captulo: a vida da teledramaturgia brasileira

Ateleviso,hoje,oveculodemaiorpenetraonoterritriobrasileiro. Entreseusprodutos,atelenoveladestaca-sepelaaudinciaepelainflunciaque tem sobre o pblico telespectador. O simples fato de completar 60 anos ininterruptos de transmisso em 2011 torna este produto televisivo um relevante objeto de estudo. A este fato soma-se a forma como a telenovela segue conquistando a audincia com suas histrias, suas tramas, seus personagens, apesar da criao de novas mdias.Para falar sobre os nmeros da televiso e da telenovela como penetrao eaudinciaoptou-sepelosdadosdoestudoMdiaDados,desenvolvido anualmentepeloGrupodeMdiaSoPaulo.Jparaconceituarecaracterizara telenovela,assimcomocontarpartedesuahistria,asrefernciasseroRose Calza(1996),ArlindoMachado(2005),IsmaelFernandes(1997),SandraReimo (2004), Jos Marques de Melo (1988), Maria de Lourdes Motter (2003), Maria Ataide Malcher (2009), Srgio Mattos (2002) e Renato Ortiz (1989), entre outros. A relao entreatelenovelaeotelespectadorserabordadaapartirdasreflexesdeEster Hamburger(1998,2005)eSilviaBorelli(1989),entreoutrosautores. Complementam esta parte da pesquisa os materiais publicados pela Rede Globo de Televiso,emseusitederesgatedahistriadatelenovelaeemlivros comemorativos,assimcomoaedioespecialdaRevistaImprensa,comemorativa dos 60 anos da televiso no Brasil. 1.1 Televiso e telenovela: campees de audincia e de preferncia nacional Pesquisas de uso e consumo apontam para a alta insero da televiso na vidadosbrasileiros.SegundodadosdorelatrioMdiaDadospublicadoem20103, em 2009 94% dos lares do Brasil tinham pelo menos um aparelho de televiso. Em 2010, este percentual passou para 94,7% dos domiclios. O Sudeste a regio com maiorndicederesidnciascomaparelhosdeteleviso(97,4%),seguidadoSul (96,2%),Centro-Oeste(94,4%),Nordeste(90,8%)eNorte(88,3%).Emsegundo lugarnapresenaemlaresestordio,quesefazpresenteem91,4%doslares (segundo dados de 2010).

3 Os dados referem-se a pesquisas realizadas com brasileiros em 2009 e 2010 pelo Ibope. 20 ApesquisadoraMariaAtaideMalcherapontaemsuaspesquisasa importncia da televiso enquanto agregador familiar e social. Para ela,(...)asociedadeatual,principalmenteabrasileira,temcomoumdos elementos que integra osistema cultural a televiso aberta. [...] Em muitas sociedades subdesenvolvidas e em desenvolvimento a televiso constitui-se como um dos fortes elos entre o pblico e o privado, oferecendo a milhes de pessoas informao, educao e entretenimento (MALCHER, 2009, p.9-10). Estaintegraosocialmediadapelatelevisoreforadapelosdados apresentadospeloMdiaDados.Segundoapesquisa,97%dosentrevistados afirmaramassistirtelevisopelomenosumavezporsemana;dototal,84% disseramterassistidotelevisonodiaanteriorpesquisa4.Comocomparativo,o relatrioindicaqueapenetraodordiode82%emrelaoaoconsumopelo menosumavezporsemanaede46%deconsumoimediato5.Dototalde consumidores de televiso pesquisados pelo Ipsos6, 53% somulheres e 47% so homens.Afaixaetriamaisrepresentativatementre20e39anos (39%),seguida de 40 a 64 anos (31%) e 10 a 19 anos (21%).Aotrabalharcomdadossemelhantesaoscitados,apesquisadoraEsther Hamburger(1998)destacaqueaabrangnciadatelevisoindicaumparadoxo social, pois sua presena mais freqente at do que a de geladeiras. A penetrao ainda maior entre as classes mais baixas, o que confirmado pela Mdia Dados. Entre as classes sociais, a C desponta comomaior consumidora de televiso, com 48%. Em seguida, vem a classe B, com 31% e a classe A, com 7%. As classes que menos assistem televiso so a D (13%) e a E (1%). Entreasemissorasdetelevisoaberta,aRedeGlobodestaca-seporseu alcanceeabrangncia.SegundooMdiaDados,em2009aemissoraabrangia 98,4% dos municpios brasileiros e 99,6% dos domiclios com televiso. Em segundo lugar em abrangncia de domiclios est o SBT, com 95,5% das residncias de 86,2 municpios. Em seguida vem a Record, que atinge 93,2% dos municpios de 76,9% dos municpios brasileiros.AGlobodestaca-setambmpeloshare7.SegundooMidiaDados,de segunda-feiraadomingo,das7s24h,aGloboatingeemmdia45,2%dos

4 Os dados referem-se a pesquisa realizada com brasileiros em 2008 pelo instituto de pesquisa Ipsos. 5 Nesta questo foi perguntado s pessoas se elas tinham ouvido rdio no dia anterior a pesquisa. 6 Um dos institutos de pesquisa usados pelo Relatrio Mdia Dados para a compilao de dados. 7 O share refere-se ao nmero de televisores ligados. 21 aparelhos, contra 16,1% da Record, 13% do SBT, 5,2% da Band e 2,5% da RedeTV! (outras emissoras somam juntas 18,1%). Outroparmetroquepodeseranalisadoparaperceberaimportnciada televisoeprincipalmentedaRedeGloboocustodeinseresde30 segundosdecomercial.SegundooMdiaDados,aGlobotemomaiorcustode todasasemissoras.Umcomercialde30segundosnanoveladas21horascusta US$ 218 mil. No SBT, os comerciais mais caros so os dos programas de auditrio Silvio Santos, Domingo Legal e Eliana (US$ 109,5 mil), enquanto na Record o da noveladas22horas(US$141mil)enaBandsoastransmissesesportivasde futebol (US$ 79 mil).Este parmetro, alm de destacar a valorizao da programao da Globo, indica que o produto telenovela o mais valorizado da televiso brasileira. Alm do contedo deste tipo de programao, deve-se levar em considerao a importncia do horrio para o telespectador. Segundo o Mdia Dados, o horrio de maior contato do receptor com a televiso entre 18 horas e meia-noite (responsvel por 61,25% das respostas entre os pesquisados).Nestafaixadehorrio,astabelasdepreosdasemissoras8variama programao.NaGlobo,desegundaasexta-feira,anovelacompe49%da programao; no final de semana, este ndice cai para 17%. No SBT, os destaques do horrio so os programas de variedades (37% durante a semana) e shows (50% nos finais de semana). J na Record, dois temas empatam em espao ocupado de segunda a sexta-feira, com 29%: filmes e seriados importados e atraes esportivas; nos finais de semana, estas produes do lugar a programas de variedades (75%). Ao considerar no somente a importncia da televiso e sua penetrao nos laresbrasileiros,mastambmaparticipaodatelenovelanaconcepoda programao e na formao dos preos publicitrios, torna-se importante aprofundar areflexosobreatelenovela,suaconstituioenquantoprodutogenuinamente brasileiro e sua participao como elemento constitutivo da histria brasileira. 1.2 Teledramaturgia: uma melhor compreenso de seus produtos A produo televisiva brasileira diferencia-se e por isso, destaca-se das produesdeoutrospasesporsuahibridizao.Aoentenderhibridismocomo

8 Tabelas consultadas pela Mdia Dados em abril e maio de 2010. 22 processos socioculturais nos quais estruturas ou prticas discretas, que existam de formaseparada,secombinamparagerarnovasestruturas,objetosouprticas (GARCA-CANCLINI, 2003, p.XIX), pode-se compreender a telenovela como hbrida porserresultadodaassociaodopapelculturaleeducacionaldateleviso europia e o papel de entretenimento e consumo da televiso norte-americana.Dentro deste contexto, a televiso brasileira tem na telenovela seu principal produtodeentretenimento.Desde1950,quandoaprimeira emissorade TViniciou suas atividades (TV Tupi), at os dias atuais, as telenovelas trabalham o imaginrio doreceptor,queseidentificacomastramasapresentadas,podendocompreend-lascomoreflexodoreal.Istoporque,comoIsmaelFernandescitounoprefciode seu livro Memria da Telenovela Brasileira (1997, p.X), os problemas imaginrios do eleganteprotagonistatornaram-seincomparavelmentemaisprementesdoqueos dosprpriostelespectadores.[...]arealidadevemsetornandoficoeafico tornando-se realidade.Esta relao entre o telespectador e os personagens da telenovela tambm analisado por Maria de Lourdes Motter, para quem somosrealimentadosdoesgotamento,passeandoporoutrasvidas,outros dramas, outras tramas, onde a beleza compensa o lado escuro do mundo e neutralizaoescuroqueelailumina,mas,sendodooutroenonosso, ficamos preservados para reter apenas a lio e a experincia, que se inclui comoumapossibilidadenasoluodosnossosprpriosproblemas (MOTTER, 2003, p. 78). Para falar sobre telenovela enquanto gnero narrativo e sua relao com o telespectador (receptor) preciso primeiro conceitu-la e compreend-la e, no caso brasileiro, compreender sua origem. Para Bakhtin, gnero [...]umaforaaglutinadoraeestabilizadoradentrodeumadeterminada linguagem,umcertomododeorganizarideias,meioserecursos expressivos, suficientemente estratificado numa cultura, de modo a garantir acomunicabilidadedosprodutoseacontinuidadedessaformajuntos comunidades futuras. (BAKHTIN, apud MACHADO, 2005, p.68) AocitarBakhtin,opesquisadorArlindoMachado(2005)tambmdestaca quecadaevento9produzidopelatelevisoumenunciado.Cadaenunciado concreto apresenta-se de forma nica, mas produzido com uma intencionalidade, obedecendoaumaeconomia,paracobrirdeterminadosacontecimentos,atingir determinado pblico, entre outras atribuies.

9Oautorconsideraeventonosomenteoprodutofinal(comoumatelenovelainteira),mascada parte de um programa, cada bloco exibido ou ainda, no caso do jornalismo, cada notcia apresentada. (MACHADO, 2005) 23 AdramaturgiatelevisivapertenceaoqueArlindoMachadochamade narrativa seriada10. Para ele, a serialidade definida pela apresentao descontnua e fragmentada do sintagma televisual. Nestas narrativas, o enredo estruturado em captulosouepisdios,comdiasehorriosdefinidos,esubdivididosemblocos menoresintercaladoscomcomerciais.Nadiviso,muitosautoresretomamo episdio anterior e deixam um gancho de tenso no final, chamando para o episdio seguinte (Machado, 2005). H,paraMachado(2005),trstiposprincipaisdenarrativasseriadas.O primeiroincluitelenovelas,srieseminissries,porsercompostaporumanica narrativa(ouvriasentrelaadaseparalelas)quesesucedemaisoumenos linearmente ao longo dos captulos; o segundo, que inclui os seriados, tem em cada emissoumahistriacompletaeautnoma,comprincpio,meioefim,repetindo somenteospersonagenseasituaonarrativa;eoterceiro,quepodeser exemplificadoporprogramascomoComdiasdaVidaPrivada(exibidopelaTV Globo entre 1995 e 1997), em que s se mantm o esprito geral das histrias ou a temtica, sem relao entre cada histria, personagens, cenrios e at roteiristas e diretores.Compostapornarrativasentrelaadasedesenvolvidaslinearmenteem captulos,comodefineMachado(2005),atelenovelaoobjetodeestudodeste trabalho.Estetipodenarrativaseriadadefinidopelaroteiristaeestudiosada telenovela brasileira Rosa Calza como uma formadeartepopularquenoliteratura,cinema,teatroouproduto deoutromeioqualquer.Umatelenovelaumapeadramticaquepode surgirdaadaptaodeumlivrooumesmoserinspiradaemumpoema, mas nunca se confundir com eles. (CALZA, 1996, p.7) Neste sentido, Calza explicita o conceito de telenovela, relacionando-o com seu processo de produo: atelenovelafundamentalmenteumamacronarrativaqueseestendeao longodequatromilpginassomando,svezes,180a200captulos, desenvolvidos por uma equipe de produo que envolve palavra e imagem e que no deixa de ser um espetculo intersemitico de entretenimento. [...] Emumatelenovela,temasimportantespodemedevemserdebatidos enquanto tiverem uma funo clara no enredo da trama que se monta, pois, antes de tudo, uma telenovela entretenimento. (CALZA, 1997, p.13/14)

10Anarrativaseriadanoexclusividadedateleviso;jpercebidanaliteratura(cartase sermes),nosfolhetins,naradionovelaenosseriadosdecinema(dcadade1910).(MACHADO, 2005) 24 No enredo das telenovelas, destaca-se omelodrama que, diferente do seu sentidooriginalqueseriaumaperateatralmusicada,ouumdramamusical adaptadoaocinema,rdio,teatroetambmtelevisocomoumdramalho, histrias de sofrimento com final feliz (CALZA, 1996). Neste contexto, pode-se citar uma afirmao da escritora de novelas Janete Clair, que definiu o resultado de seu trabalho: Novela, o prprio nome j define: um novelo que vai se desenrolando aos poucos11. Em sua tese de doutorado, o pesquisador Jos Roberto Neffa Sadek (2006) confirma o desenrolar do novelo citado por Janete Clair ao analisar a estrutura da telenovela. Para ele,a estrutura de uma telenovela de um feixe de tramas que se desenvolvem paralelamenteecadalinhadestefeixeapresentacaractersticasprprias. Estaslinhaspodemseragrupadasecorrespondemancleosdramticos. Emvriosmomentosumfeixee/ouumncleotocatodos,mesmose mantendo independentes. Cada linha corresponde a um drama especfico, e cadagrupodelinhascomtraoscomunscompeumncleooufeixe.O nmerodetramasocorrequasenaproporodeumparacada personagem.Astramaseosncleosficammaisoumenosaparentes conformeointeressedosespectadorespelashistrias(SADEK,2006, p.80). O pesquisador explica que estes feixes se tocam sempre que o personagem deumatramainteragecomumoumaispersonagensdeoutrastramas.Nestes momentos,percebe-sesehconexoentreosdramaseseelessopartedo mesmotodo.Quandoestesencontrossomaisfreqentes,atelenovelaparece maiscoesa.Quandosoraros,doasensaode[...]umajustaposiodefatos independentes (SADEK, 2006, p.87). OjornalistaepesquisadorJosMarquesdeMelo(1988)tambm estabelece caractersticas da telenovela. Segundo ele, ela um produto de consumo indeterminado,queatingeopblicocultoeonoculto,dediferentesclasses sociais,quedependedaaceitaodomercado,quesempreconsultado.Alm disso,umserviodramatrgicoenoumacategoriaesttica,esuas proposiesestticaseculturaisdevemseenquadrarnorepertrioconceitualdo pblico. O roteiro-base de uma telenovela conta, segundo Ismael Fernandes (1997), comalgunselementosbsicos.Soelesagrandehistriadeamor,comconflitos familiares; um mistrio ou segredo que normalmente revelado no final da histria;

11 Frase citada por Ismael Fernandes no livro Memria da Telenovela Brasileira (1997, p.20)25 atos do passado que influenciam no presente dos personagens; o paralelo entre os sonhos e realizaes de uns contra a decadncia e tristeza de outros; e o choque de classes sociais, na relao entre ricos e pobres.Atravsdesteselementos,histriassoconstrudasequestes relacionadas atualidade so colocadas para o pblico, o que pode gerar o debate e a reflexo sobre assuntos importantes, desde que no atrapalhe o andamento do enredo. [...]emumatelenovela,temasimportantespodemedevemserdebatidos enquanto tiverem uma funo clara no enredo da trama que se monta pois, antes de tudo, telenovela entretenimento (CALZA, 1996, p.14). importante,paraosucessodaproduo,queoespectadorcompreenda queaficotelevisivaumaformadenarrarasociedade.Eleseenvolvecoma trama e envolvido pelos ganchos entre captulos, coloca a temtica da telenovela emsuaagendadeassuntosetemsentimentos(carinho,simpatia,raiva,entre outros) pelos personagens, mesmo sabendo que o que passa em sua televiso no real, apesar de parecer ser.[...]oleitortemquesaberqueoqueestsendonarradoumahistria imaginria,masnemporissodevepensarqueoescritorestcontando mentiras.[...]oautorsimplesmentefingedizeraverdade.Aceitamoso acordoficcionale fingimosqueoquenarradodefatoaconteceu(ECO, apud MALCHER, 2009). Dentrodesteacordoficcional,EstherHamburger(1998)comentaqueas telenovelassograndestermmetrosdavidacotidianaedoscostumesda sociedade,mostrandoavidaprivadaparaograndepblico.Elaenfatizaqueo espectador se v nos personagens das novelas e se identifica com as situaes que eles vivem, mesmo sabendo que o que aparece na televiso ficcional.NomesmodirecionamentodeHamburger,JosMarquesdeMelo compreendequeoreconhecimentodaficcionalidadeporpartedotelespectador claro.Eleacreditaqueofascniodequemacompanhaoscaptulosdanovela tambmalimentadopelaconscinciadequeestoparticipandodeum passatempo, de um divertimento. Para ele, esta uma forma encontrada para aliviar oritmodevidadasgrandescidadesouaindaamonotoniavividanossubrbiose vilas do interior. Nestecontexto,MarquesdeMelo(1988)afirmaqueasnovelas homogeneizamorealeoimaginrio,fazendodaficoumespelhodoreale incorpora ao enredo fatos correntes e situaes contemporneas. 26 Ao compreender o conceito, as caractersticas, forma de criao e a funo datelenovela,torna-senecessriobuscaroentendimentodesuahistria.Assim, serpossvelanalisarcomoelatornou-seesteelementoagregadorcitadopelos autores. 1.3 As fases da televiso brasileira: a teledramaturgia em foco Em 1950, quando a primeira emissora de televiso foi inaugurada no Brasil, o Pas vivia um momento de crescimento industrial, com a migrao das pessoas do campoparaacidadeeosurgimentodoproletariadoedaclassemdia.Ordio, segundo Srgio Mattos (2002), era o meio de comunicao preferido da populao das grandes cidades.Srgio Mattos (2002) divide a histria da televiso brasileira em seis fases, queserousadasnestetrabalhoparaanalisarodesenvolvimentodoveculo,com nfase na produo de produtos audiovisuais dramatrgicos. 1.3.1 Fase elitista: de 1950 a 1964 A televiso chegou ao Brasil em 1950, atravs de um investimento de Assis Chateaubriand, que inaugurou em 18 de setembro a Televiso Tupi, em So Paulo. Neste dia, o programa de estria foiTV na Taba, no estilo variedades, apresentado por Homero Silva. A primeira transmisso foi o que hoje se chama de grande evento: teve orquestra, bno do estdio e esquetes. No encerramento, a ento cantora de rdio Hebe Camargo entoaria a Cano da TV, composta por Guilherme de Almeida para a ocasio. Srgio Mattos (2002) relata que, devido a uma rouquido, Hebe no podeapresentar-seefoisubstitudaporLolitaRodrigueseVilmaBentivegna. Entretanto, Hebe contou que no foi ao evento por ter ido atrs de um namorado em outro evento, no mesmo dia e horrio12. Parapermitirqueapopulaotivesseacessoaonovoveculo, Chateaubriand importou 200 aparelhos e os espalhou pela cidade. Segundo Sandra Reimo(2004),osaparelhosforamdadosaautoridades,polticos,empresriose amigosdeChateaubriand;outros22 receptoresforaminstaladosemvitrinesde17

12AnovaversodahistriafoicontadaporHebeCamargoementrevistapublicadanaedio especial dos 60 anos da televiso brasileira da Revista Imprensa, de setembro de 2010.27 lojasdocentrodeSoPaulo.Mattos(2002)destacaqueestesaparelhosforam contrabandeados,poisnohaveriatempodeobedeceraostrmitesburocrticos para a importao. Nas primeiras produes, sempre ao vivo, a televiso transferiu os produtos demaioraudinciadordioparaatela,comoformadegarantirosucessodo empreendimento. Com isso, tambm a publicidade migrou do rdio para a televiso, produto inovador que unia o som do rdio imagem e que, aos poucos, conquistava maiorespaonosespaospblicosenoslarese,consequentemente,registrava maioraudincia.Essamigraodapublicidade,segundoMrioFerrazSampaio (1984),colaboroucomamudanadoselencosdasradionovelas,quepassarama atuar na televiso. Nosanosanterioresteleviso,ordiohaviaconquistadoumaaudincia notvelgraassnovelasquefaziamrirechorar,levandoaoarsuas comdiasedramalhes.Conhecedoradessatendnciapopulartobem atendidapeloradioteatro,adireodaTVTupisepreparoupara apresentar,emdoisdiasdasemana,aprimeiranovela:SuaVidaMe Pertence,doautor,produtoreatorcampineiroWalterFoster[...].Esta apresentaofoiapenasumensaioqueveiotrazermuitoestmulo continuao do radioteatro na televiso. (SAMPAIO, 1984, p.204) A primeira produo de dramaturgia a ser encenada na televiso brasileira foi o teleteatro A Vida Por Um Fio, exibido a partir de 22 de novembro de 1950 pela TV Tupi (IMPRENSA, 2010).Um dos fatores que limitou a expanso do veculo foi o custo do aparelho: umatelevisocustavatrsvezesmaisdoqueamaismodernaradiola,tendoseu preosemelhantequeodeumcarro.Aparelhosepeaseramimportadosdos EstadosUnidos(MATTOS,2002).Asituaomudouem1951,quandoinicioua produo de receptores de televiso no Brasil, com a marca Invictus. Naquele ano, havia cerca de sete mil aparelhos de televiso em So Paulo.Paraestepblicoinicial,aTVTupiestreouatelenovelaSuaVidaMe Pertence13.SegundoSampaio(1984),nosanosseguintesdiversastelenovelas foramtransmitidas,comoAranhaPrateada(Tupi)eFamliaBoaVentura,nos pela Tupi Difusora, mas tambm pela TV Tupi do Rio de Janeiro (inaugurada em 20 de janeiro de 1951) e a TV Record. O sucesso das telenovelas fez com que outros

13 Transmitida de 21 de dezembro de 1951 a 15 de fevereiro de 1952, em 15 captulos. Nos principais papisestoLiadeAguiar,JosParisieDionsiodeAzevedo.Nestanovela,foitransmitidoo primeirobeijotelevisivo,entreasprotagonistasVidaAlveseoautor,diretoretambmatorWalter Forster.AnovelateveopatrocniodaCotyefoiproduzidapelaagnciadepublicidadenorte-americana J.W. Thompson. 28 produtosdramatrgicosfossemexibidos,comoOStiodoPicapauAmarelo(TV Tupi, em 1952) e o seriado Al Doura (TV Tupi, 1953). Estas e outras novelas, irradiadas duas vezes por semana, eram um ensaio nas duas emissoras, TV Tupi e TV Rio, as quais se preocupavam bastante em atender ao gosto dopblico pelo teatro irradiado (gosto revelado pelas novelasderdio),programandopeascompletasnumanica apresentao,degrandesautoresetimoselencos(SAMPAIO,1984, p.233). Em1958,havianoBrasilcercade344miltelevisores,nmeroquesalta para um milho de aparelhos em 1962. Neste mesmo ano, Roberto Marinho assina contratocomoGrupoTime-LifeparaacriaodaTVGlobo,oqueacontece somenteem26deabrilde1965(Imprensa,2010).Em1959,inauguradaaTV ExcelsiordeSoPaulo,consideradaporSrgioMattos (2002)aprimeira emissora brasileiraaseradministradanosmoldesempresariaisdehoje.Adcadade1950 terminou com dez emissoras operando no Brasil (MATTOS, 2002). Em 1963, a TV Excelsior foi a primeira emissora a transmitir uma telenovela diria:2-5499Ocupado,nohorriodas19horas.estanovelaquedorigem, segundoIsmaelFernandes(1997),aoquehojechamamosdedramaturgia horizontalcomatelenovelaocupandoumhorriohorizontalizadonagradeda programao televisiva. Tambm neste ano, chegam ao pas os primeiros aparelhos de televiso a cores (IMPRENSA, 2010).Na metade dos anos 1960, quatro emissoras transmitiam telenovelas: Tupi, Excelsior,RecordeGlobo.SegundoIsmaelFernandes(1997),aindaerausadaa linguagemradiofnicaeoestiloargentinodefazernovelas,inspiradoem dramalhes.AprincipalroteiristadesteestiloeraGlriaMadagan,queno considerava temas e caractersticas nacionais em suas produes. Suas histrias se passavam em outros pases, como Marrocos, Japo e Espanha. Nas telenovelas da Excelsior,anovelistaIvaniRibeirodavaosprimeirospassosemdireoas telenovelas conhecidas hoje ao investir em histrias fora do estilo folhetinesco e de dramalhes (FERNANDES, 1997). Para Srgio Mattos (2002), o grande marco da primeira fase da televiso foi aformaodooligopliodosDiriosAssociadoseaproduodeprogramaspor regies, conforme a abrangncia de cada emissora. 29 1.3.2 Fase populista: de 1964 a 1975 Apartirde1964,aospoucosatelevisopassaaserincorporadaaos hbitoscotidianoseganhamaiorexpanso.SegundoMalcher(2009),apartir desteanoqueatelevisoassumeopapeldedifusoradasideologiasdogoverno militaredaproduodebensdurveiseno-durveis.Opensamentodequeo RegimeMilitarusouosveculosdecomunicaotambmdifundidaporSrgio Mattos, para quemosmeiosdecomunicaodemassasetransformaramnoveculoatravs do qual o regime poderia persuadir, impor e difundir seus posicionamentos, alm de ser a forma de manter o status quo aps o golpe. A televiso, pelo seu potencial, de mobilizao, foi mais utilizada pelo regime, tendo tambm sebeneficiadodetodaainfra-estruturacriadaparaastelecomunicaes. (MATTOS, 2002, p.35). Dooutrolado,ogovernomilitarfoiogranderesponsvelpelasinovaes tecnolgicasqueviriamnosanosseguintes.SegundoMattos(2002),de1964a 1985 o governo militar envolveu-se diretamente com o desenvolvimento tcnico das telecomunicaes,dandocondiesparaaimplantaodesistemasdecabos coaxiais,satlites,televisescoloridas,entreoutros.Comisso,passoutambma intervir no contedo e na qualidade da programao televisiva, usada para promover as ideias do regime autoritrio.Amelhoradascondiestcnicascolaboroucomoaumentodoconsumo internodetelevises.De1967a1979,asvendasdeaparelhospretoebranco aumentaram24,1%.Estecrescimentofoiimpulsionado,inclusive,porsanesdo governo:Mattos(2002)contaqueem1968ogovernofederalestabeleceuuma poltica de crdito para a aquisio de aparelhos de televiso, com financiamento de 12 a 36 prestaes. DandocontinuidadeaoquefoiiniciadopelanovelistaIvaniRibeironaTV Excelsior, o brasileirismo foi usado pela primeira vez na TV Tupi, em 1968, quando as novelas Beto Rockfeller e Antnio Maria apresentaram uma linguagem coloquial, dilogosmaisgeis,ambientaonacionaleumandarmaislivredahistria (FERNANDES, 1997).Beto Rockfeller rompeu com omelodrama e incluiu humor e descontrao trama das telenovelas. Por isso, tida como marco fundamental na transio para o completo abrasileiramento do gnero e sua configurao como um produto diferenciado das matrizes que a geraram (MELO NETO, 1988, p.27). 30 AGloboaderiuaobrasileirismoemsuasnovelasem1969,comVude Noiva,Pigmalio70eVeroVermelho(exibidasem1969e1970).Umdos responsveis pelas mudanas nas novelas da Globo e a criao de seu padro de qualidade, foi o diretor Walter Clark, que entrou na emissora em 1966 (IMPRENSA, 2010). VudeNoiva,segundooGuiaIlustradoTVGlobo:NovelaseMinissries (2010, p. 47), marcoua aposta da emissora em uma teledramaturgia com enredos modernos, ambientados no Rio de Janeiro, dilogos coloquiais e tramas paralelas. Sobre esta mudana, Ismael Fernandes afirma: com estes entrechos era impossvel lideraroBrasil,comopretendiamossenhoresglobais.Assim,aGlobomudou (FERNANDES, 1997, p.129). ParaCalza(1996,p.9), acriaodopadroGlobode fazer novelasgerou umabrasileiramentodognero,queeladefinecomoummododeproduzir produtosmaisprximosdocotidiano,incluindoatadiscussodegrandestabus sociais.Nomesmosentido,Fernandes(1997)enfatizaaformaodeumanovela brasileira, com identidade e caractersticas prprias, com a inteno de aproximar-se cada vez mais da realidade brasileira.Outraformaqueogovernomilitarusouparacolaborarcomo desenvolvimentodatelevisobrasileirae,consequentemente,comseuobjetivode controlaroqueeraexibidoedifundirsuasmensagens,foiinvestirempublicidade. Desde o incio dos anos 1970, o governo tornou-se o maior anunciante da televiso. SegundoMattos(2002),esteposicionamentopermitiupresseseconmicasna programao. Namesmapoca,achegadadovideotape,quepassouapermitira gravaodoscaptulos(edetodaaprogramaotelevisiva),tambmmarcouo mododefazerteleviso.SegundoMattos(2002),ovideotapepermitiudiversas inovaes, entre elas levar a telenovela para fora do estdio. Com isso, a telenovela deixoudeterumespaodefinido,comoafirmouoestudiosoArturdeTvolaem artigo para a Folha de So Paulo, ao dizer que o espao da telenovela passou a ser o mundo, a rua, o que determinou umamudana em sua concepo, sobretudo na temtica(TVOLA,1979).SrgioMattosvoutrasmudanasocasionadaspelo videotape, comoaimplantaodeumaestratgiadeprogramaohorizontal.Aveiculao de um mesmo programa em vrios dias da semana criou o hbito de assistir 31 televiso rotineiramente, prendendo a ateno do espectador [...] (TVOLA apud MATTOS, 2002, p. 87). A partir de 1968, a promulgao do Ato Institucional n 5 instaurou no Brasil umregimedeexceo.Mattos(2002)destacaque,comessamedida, intensificaram-seasrecomendaesdogovernofederalsobreocontedodos programas,desaprovandoviolnciaefaltadepadresculturaisebuscandoo desenvolvimentoeaculturanacional,pelaproduodeprogramaslocais (MATTOS, 2002, p. 92). AcensuraexercidapeloConselhodeSeguranaNacionalprejudicoua produodeprogramas,queassumiramumcarterpopularesco,beirandoo grotesco, em um perodo de criatividade reprimida (MATTOS, 2002). Os enlatados14 chegaramaassumirmetadedaprogramao,poiserammaisbaratosdoquea produoprpriaenoenfrentavamproblemasemrelaocensura.Fortes emoeseviolnciaeramopontoaltodaprogramao,contribuindocomo aumento da audincia e tambm dos lucros das emissoras.A TV Globo consolidou-se como rede nacional em 1969, com a transmisso simultneaparadiferentesEstadospormicroondas.Nestemesmoano,quandoo presidente Emlio Garrastaz Mdici15 assumiu o governo, reforou o controle sobre ateleviso,porconsider-lafundamentalparaaformaodosbonscostumes (MATTOS, 2002, p. 98). Em 1971, a emissora carioca criou um departamento de pesquisa e anlise, visandoplanejarsuapublicidadeeadaptaraprogramaoadiferentesgostos (MATTOS, 2002). Ela foi tambm a primeira a inovar na publicidade, com cotas de patrocnio, vinhetas de passagem e a implantao de breaks16.ATVGlobodefiniusuagradedeprogramao,comastelenovelas distribudashorizontalmente,em1971.Noanoseguinte,aemissoracariocajera consideradaamaiorredenacionaldeemissoras(IMPRENSA,2010).Em19de maro em 1972, a Globo fez a primeira transmisso a cores do Brasil, apresentando o desfile temtico da Festa da Uva de Caxias do Sul (RS). Apesar do pioneirismo, a emissora no foi a primeira a ter programao em cores, e sim aBandeirantes, no mesmo ano. A primeira telenovela colorida foi O Bem Amado, da Globo, que estreou

14 Forma como os programas importados dos Estados Unidos so popularmente definidos. 15 Presidente do Brasil de 1969 a 1974 16 Break, segundo a professora Suzana Killp (2007), o intervalo comercial. 32 em24dejaneirode1973.OBemAmado17foiaprimeiranovelaglobalaser exportada,emespanholparapasesdaAmricaLatinaenoidiomaoriginalpara Portugal (FERNANDES, 1997). ApublicaoMemriaGlobo,lanadapelaRedeGloboem2010em comemoraodeseus45anos,apontaoutrainovaocreditadaemissora:a discussodetemasscio-educativos,comanovelaOEspigo,de1974.Nesta produo,foidebatidaaecologiaeoplanejamentourbano.Desdeento,temas importantes para a sociedade vem sendo colocados em pauta pela novela, como a inseminao artificial (Barriga de Aluguel, em 1990/1991), a dependncia qumica e a clonagem (O Clone, em 2001), o preconceito racial (Duas Caras, em 2007), entre outras.Aprticainovadoradomerchandisingsocialdeuemissora,em2001,o BusinessintheCommunityAwardsforExcellence,omaisconceituadoprmiode responsabilidade social do mundo (MEMRIA GLOBO, 2010). Tambm em 1974, a Rede Globo inseriu em sua grade de programao um novoprodutodramatrgico:oCasoEspecial,programaunitrioexibido semanalmenteedepoismensalmente,at1995.Comepisdiosdecercadeuma hora, apresentava histrias originais ou adaptaes de obras de autores brasileiros e estrangeiros (DICIONRIO TV GLOBO, 2003). Por ser o Caso Especial O Crime do ZBigornaumdosobjetosdeestudodestapesquisa,esteassuntoser aprofundado mais a frente. Para Mattos (2002), o grande marco da segunda fase foi a consolidao da televiso como veculo nacional de comunicao, a centralizao das produes e a definio de um perfil de veculo de audincia nacional. 1.3.3 Fase do Desenvolvimento Tecnolgico: de 1975 a 1985 Em1975,43%dosdomicliosbrasileirostinhamteleviso.Mattos(2002) relataque,naqueleano,57%daprogramaoeraimportada,enquanto43%era nacional.Entretanto,destepercentualnacional,34%eraformadopormatrias estrangeiras. Desde 1970 o governo demonstrava preocupao com o contedo dos programas, iniciando um processo de nacionalizao da programao.

17 Devido ao sucesso, O Bem Amado foi transformado em seriado pela emissora em 1980 33 AteledramaturgiadaGlobofoiumadasquemenossofreusanesdo governo militar. O governo censurou pela primeira vez uma produo da Globo em 1974:anovelaFogoSobreTerra.Em1975,atelenovelaRoqueSanteiro,tambm daGlobo,foitotalmentecensurada(acabousendotransmitidaem1985).Segundo LuisErlangercontanoDicionriodaTVGlobo(2003,p.IX),duranteoregime militar, em que o jornalismo da Rede Globo [...] era cerceado pela censura, coube dramaturgiadesempenharatarefaderetratarecriticara realidade poltica esocial dopas.ParaRoseCalza,aaodogovernomilitarsobreadramaturgiadas emissoras brasileiras colaborou com o aprimoramento do gnero no pas. Ela afirma queaperseguioeodesempregoforaramcineastas,teatrlogos,jornalistasa assimilar o gnero, primeiro por razes de sobrevivncia e depois pela excelncia da remunerao paga (CALZA, 1996, p.26). Em1976,aTVGloboeraresponsvelpor75%desuaprogramao.J controlandoomercadointerno,comoafirmaMattos(2002),nesteanoaGlobo apresentou pela primeira vez suas produes em Cannes, na Frana, para possveis compradores.Aideiaerafirmar-senomercadointernacional,paraquemj exportavanovelas.Foinessapocaqueaprogramaoimportadacomeoua perder espao nos horrios mais nobres, ficando os enlatados alojados na grade da madrugada,quandoaaudinciabemmenoreofaturamentopublicitriono justificainvestimentosnaproduodeprogramaslocaisdealtocusto (STRAUBHAAR, apud MATTOS, 2002, p. 108). Em1978,havianoBrasil14milhesdeaparelhosdeteleviso.Foipara este pblico que estreou, no mesmo ano, a novelaDancing Days, a primeira a usar aesdemerchandising.Em1979,anovelaPaiHeriatingequase90%de audincia.Em1987,h31milhesdeaparelhosdetelevisonoBrasil,oque permitequeaprogramaocheguea63%dapopulaobrasileira(IMPRENSA, 2010). No final dos anos 1970, a Globo registrava alta audincia. Sua programao, segundo Mattos (2002), estava focada nas camadas scio-econmicas mais baixas, com novelas, programas de concursos e filmes importados dos Estados Unidos. AprimeirapremiaointernacionalrecebidapelaTVGlobofoioAsade Ourodacrticaitaliana,pelosucessodatelenovelaDancingDays(1978/1979).O prmio Salute, da Academia Nacional de Artes e Cincias da Televiso, dos Estados 34 Unidos,foiconcedidopelaqualidadedaprogramaoem1980.Em1982,a emissora recebeu o prmio Emmy pela produo Morte e Vida Severina.Naquela poca, a emissora produzia 95% de sua programao e exportava paramaisde90pases.ACentralGlobodeProjetosEspeciais,responsvelpela exportaodeprodutos,anunciavanaqueleanoqueofaturamentocommercado externoaindaerabaixo,masaltamentepromissor(JAPIASSU,apudMATTOS, 2002).Nessapoca,aGlobo noeraanicaaexportaraprogramao.Segundo Mattos(2002),outrasemissorastambmvendiamparaoexterior,masemmenor proporo. Com a exportao, as emissoras passaram a diversificar suas fontes de faturamento.Foi durante a fase de desenvolvimento tecnolgico que a primeira emissora brasileiraencerrousuasatividades.Em18dejulhode1980,trsmesesantesde completar30anos,aTVTupisuspendeuaprogramao.Seuscanaisforam rapidamente outorgados a outras emissoras; segundo Malcher (2009, p.134), com a sadadaveterana,rapidamenteomercadosereorganizaepassaatervrios agentesatuantes,eassimqueentramemcenaoSBTSistemaBrasileirode Televiso e a Manchete. 1.3.4 Fase da Transio e Expanso Internacional: de 1985 a 1990 ApsofimanunciadodoRegimeMilitar,comaeleiodoprimeiro presidente civil desde 1964 (Tancredo Neves, eleito pelo Colgio Eleitoral em 1984, foi empossado doente e faleceu, ficando em seu lugar o vice Jos Sarney, tambm civil), o governo novamente fez uso das emissoras de televiso, desta vez para obter respaldo popular. Segundo Mattos (2002), o perodo foi marcado pela promulgao da nova Constituio, em 1988, na qual texto especfico sobre a comunicao social acabavacomasrestriesmanifestaodopensamentoeliberdadede informao.Aprogramaotambmfoicitadanacarta,sendodefinidoqueas emissorasdeveriampromoverprogramaseducativos,artsticos,culturaise informativoscomoformadepromoveraculturanacionaleregionaletambma produo independente.Estafasedahistriadatelevisodestaca-sepelaexpansointernacional. Mattos (2002) observa que na poca h uma maior competitividade entre as grandes redeseumavanoemdireoaomercadointernacional,comaRedeGlobo 35 implementando,desde1985,suaexpansosistemticanoexterior.Agrande lucratividadefoiumdosfatoresqueinfluenciouaemissoracarioca:em1984,a Globo obteve lucros operacionais de US$ 120 milhes sobre uma renda de US$ 500 milhes (MATTOS, 2002).Tambm foi o momento em que as emissoras alcanaram maior maturidade tcnicaeoperacionalesubstituramosenlatadosestrangeirosporprodues prpriasquetinhamsidosucessonapocadaprimeiraexibio.Ofocono desenvolvimentotecnolgicoenodesenvolvimentoglobaldosprodutostelevisivos refletiudiretamentenafaseseguinte,quandonovastecnologiasrevolucionarama formadesetransmitirteleviso.Em1985,aGlobotornou-seaquartamaior emissora de televiso comercial do mundo (IMPRENSA, 2010). Nosanos1980foramproduzidastelenovelasquemarcaramahistriada dramaturgiabrasileiraequefazempartedoimaginriopopularatosdiasatuais. Malcher(2009)lembradamalandragemdeSeuQuequ(interpretadoporNei Latorraca)emRabodeSaia(1984),doromancedaspersonagensVivaPorcina (interpretada por Regina Duarte) e Sinhozinho Malta (interpretado por Lima Duarte) danovelaRoqueSanteiro(1985/1986),otoquestionadoquemmatouOdete Roitmann?(personagemdeBeatrizSegall)emValeTudo(1988/1989)todas produes da Rede Globo.Mesmoconsideradamodelodesucessodetelenovelas,emalgumas oportunidades a Globo sentiu o efeito de produes de outras emissoras. Uma delas foiDonaBeija,exibidapelaTVMancheteem1986,assimcomoPantanal,exibida pelaTVMancheteem1990(IMPRENSA,2010),quetrouxemaisinovaesa dramaturgia nacional. Jayme Monjardim [...] trouxe televiso uma noo de tempo que at ento era prpria do cinema, um tempo de suspenso, contemplao, espera [...] otempodeduraodosplanosfoipensadodeformadiferente,mais prximo das caracterizaes do teatro. A cada cena foi dada a possibilidade de representao do silencio, do ambiente, da reflexo e do fitar do outro de forma despreocupada (BECKER, 2010, p.246). Estadiferena-somadaaumailuminaodiferenciada,somambientee msicapantaneira,odestaqueaoscoadjuvanteseaaberturadeespaode destaqueanovosatores-quebrouasexpectativashabituaiseseduziuo espectador.ParaBecker(2010),Pantanalestnecessariamenteligadaaum movimentoderenovaonatelenovelabrasileira.Aprovadeseusucesso expressapelapesquisadoraemnmeros:dos14pontosdeaudinciainiciais, 36 Pantanal chegou a atingir 44 pontos, atingindo e inclusive superando a Rede Globo. Apesar destas ameaas, a poca foi de implantao e consolidao da liderana da emissora de Roberto Marinho. Nos anos 1980 a Globo estruturou o que iniciou nos anos 1970 a busca da hegemonia na teledramaturgia (MALCHER, 2009). As104telenovelastransmitidasnoBrasilnosanos1980representamum nmero bem inferior aos das dcadas anteriores (173 nos anos 1960 e 140 nos anos 1970).Adiminuio,segundoRenatoOrtiz(1991),indicaoamadurecimentodo produto.Foinestapocaqueasemissorassistematizaramaproduoe estabeleceramaduraoemcaptuloseotempodepermanncianoar.Desde ento, uma telenovela tem em mdia de 150 a 180 captulos, exibidos de segunda-feiraasbadoemhorriofixonagradedeprogramao.NocasodaGlobo,esta definio faz com que passem a ser produzidas duas novelas por ano para cada um dos horrios da grade: 18h, 19h e 20h.A Globo destaca-se tambm pelo foco no produto. Segundo Malcher (2009), dastelenovelasqueproduziunadcadade1980,37partiramdetextos especialmenteescritosparaateleviso,contra17feitasapartirdeadaptaes.A Bandeirantes tem amesma preocupao e veicula 13 textos feitos para televiso e apenasdoisadaptados.Naoutraponta,oSBTadaptou12textosestrangeirose dois nacionais para a televiso, enquanto produziu apenas trs originais destinados a televiso.Com o uso de textos nacionais, escritos especialmente para a televiso, as telenovelas reforaram o conceito deproduto brasileiro. Malcher (2009) refora que oprocessodeconstruodoprodutotelenovelaestruturouomodelobrasileiro, definindo a dinmica de veiculao e durao de cada novela, a autoria nacional ou a adaptao de textos estrangeiros feita por brasileiros, o ritmo de transmisso dos captulos(emepisdiosdiriosquepermitemodesenrolarlentodahistria),a multiplicidadedetramaseoselementosdeproduocenografia,figurino, maquiagem, fotografia, direo,entre outros. A pesquisadora ainda destaca que foi apartirdadefiniodosdiferenciaisqueconstituemanovelabrasileiraquea denominao telenovela passa a integrar o vocabulrio mundial. 37 Adcadade1980tambmfoimarcadapelaproduoderemakes18por todasasemissoras:foramquatronaGlobo,duasnaManchete,duasna BandeiranteseumanoSBT.TambmfoinestadcadaqueaGloboinovoua teledramaturgia, implantando as minissries em sua grade de programao. Em dez anos, a emissora produziu 20 destas obras, enquanto a Manchete fez quatro. Como lder de audincia, a Globo no investiu apenas em fico televisiva, mas em outras produes na rea do entretenimento, salienta Malcher (2002, p.144). Na poca, o confortodaRedeGloboenquantodonadaaudincianoeramaisomesmo, apesardeaindadestacar-seperanteasdemaisemissorasnaproduodefico televisiva e de produtos nacionais.Transmitidaem1989,atelenovelaOSalvadordaPtriaprotagonizada pelapersonagemSassMutema,queobjetodeestudodestapesquisafoi produzidadentrodesteperododetransioeexpansointernacional.OSalvador daPtria,escritaporLauroCsarMuniz,abordarelaespolticasepessoaisem cidadesdointerior.AhistriafoiinspiradanoCasoEspecial(produzidopara televiso)OCrimedoZBigorna,tambmdeLauroCsarMuniz,transmitidoem 1974 pela Globo e adaptado para o cinema em 1977 (MEMRIA GLOBO, 2010). 1.3.5 Fase da Globalizao e da TV Paga: de 1990 a 2000 Oinciodadcadade1990foimarcadopelosurgimentoestruturadoda televisoporassinatura,viacaboousatlite,almdoinciodosdebatessobrea televisodealtadefinio.Mattos(2002)destacaqueem1990foiimplantadoo sistema de TV por assinatura19, enquanto o projeto de lei regulamentando o servio deTVacabofoiaprovadopeloSenadoem1994.Josprimeirostestesda transmissodeTVemaltaresoluoforamfeitospelaGloboepelaRecordem 1998.Para Mattos (2002), a lei que regulamentava a TV a cabo poderia diminuir a importnciaeainflunciadahegemoniadaTVconvencional,poisdiluiriaa audincia o que atingiria diretamente os ndices da Rede Globo. O autor considera

18 Remake a produo que tem como origem a telenovela exibida anteriormente, tendo como base oroteirooriginal,masadaptadaeatualizada,surgindoumanovaobramarcadapeladebase. (MALCHER, 2009)19OscanaisporassinaturasodistribudospelaNet-Multicanal,dasOrganizaesGlobo,epela TVA, vinculada ao grupo Abril (MALCHER, 2009). Desde 1996, operam no pas a SkyNet, tambm da Globo, e a DirecTV, da Abril. Em 1998, iniciaram as atividades a Tecsat e a KTV (MATTOS, 2002).38 a lei brasileira uma das mais democrticas e avanadas do mundo, mas destaca que muitos dos itens nela previstos no foram realizados. Um dos que merece destaque o que prev a regionalizao da programao televisiva. Uma das novidades desta fase da histria da televiso foram os programas interativos, nos quais a Rede Globo foi pioneira com o Voc Decide, que estreou em 1992 e tinha o final definido pelo pblico, por telefone ou em aes da emissora em praas pblicas. O sucesso do programa, segundo Mattos (2002), representou nova frente de exportao: em 1993, emissoras de 11 pases j tinham comprado e outras sete negociavam o produto material acabado, produzido no Brasil, ou o direito de reproduo do formato do programa.Outra novidade da Globo na dcada de 1990 foi a novela jovemMalhao. Aprimeiratemporadadaproduo,queexisteathoje,foiaoarem1994 (IMPRENSA, 2010). Alm de inaugurar um novo horrio de teledramaturgia o das 17h30min a emissora usa a novela como celeiro de jovens atores: Caio Castro e CaioCastanheira,queforamprotagonistasdeMalhaoem2009e2010,tiveram papeis de destaque na novela Ti Ti Ti, transmitida entre 2010 e 2011 no horrio das 19h;nomesmoperodo,otambmex-MalhaoCauReymondganhou notoriedadeaointerpretarodependentequmicoDanilonanovelaPassione.A novela jovem tambm aproveita atores mais velhos do elenco da emissora para dar foraaosseusenredos;jpassaramporsuashistriasMarioGomeseNunoLeal Maia, entre outros. Em1993,aTVManchetefoivendidaparaoGrupoIBF,comoformade sanarproblemasfinanceiros.Entretanto,ogruponocumpriucomosacordosde pagamentodedvidasnempagouosfuncionrios,oquefezcomqueaemissora fossenovamenteassumidapeloproprietrio,AdolfoBloch.Noanoseguinte,a Mancheteusouastelenovelascomocarro-chefeparatentarsalvarsua programao.AprimeiraexperinciafoicomTocaiaGrande,em1995,eXicada Silva, em 1996, que chegou a obter 14 pontos no Ibope (MALCHER, 2009, p.146). Namesmapoca,anovelaOReidoGadofazaGloboretomaralideranano horrio nobre (IMPRENSA, 2010). Em 1998, a greve dos funcionrios por falta de salrios e a baixa audincia fezcomqueanovelaBrida,inspiradanolivrohomnimodePauloCoelho,fosse tirada do ar s pressas. Em janeiro de 1999, Adolfo Bloch negociou a emissora, sob formadearrendamento,comocasalEstevameSniaHernandez,daIgreja 39 Renascer em Cristo. Um ms depois, retomou a emissora por falta de pagamento da primeiraparcela,procurandoumcompradorurgente,poisnodia18demaiose encerrariaoprazoparaa renovaodesuasconcesses(MATTOS,2002).Em9 demaio,oGrupoBlochvendeuaMancheteparaoGrupoTeleTV,deAmilcare Dallevo Jnior, que em junho mudou a marca de todos os produtos da empresa para Rede TV!.Emsetembrode1999,aRede TV!firmouparceriacomoUOLUniverso Online20-parahospedagemdositedaemissoraetrocadeimagensecontedo entreosdoisgrupos.Mattos(2002)destacaqueestauniofoioinciodeum processo de interao entre os dois servios eletrnicos, base da televiso do futuro e que est sendo implantada atualmente. Almdaexportaodeprodutosmiditicos,ofaturamentodaRedeGlobo destaca-setambmnomercadointerno.Em1998,asnovelasglobaisfaturavam US$ 2 milhes por dia, mas no custavam mais de US$ 80 mil por captulo. Assim, umanovelacustacercadeUS$12milheserendeUS$300milhes,oque representaumlucro25vezesmaiorqueoinvestimento(PRIOLLI,apudMATTOS, 2002). Uma das formas de a Rede Globo de investir na rentvel teledramaturgia e em toda sua produo foi a criao da Central Globo de Produo - o Projac -, maior centrodeproduodeTVdaAmricaLatina,com1,65milhometrosquadrados, dosquais162milmetrosquadradosdereaconstrudae1milhodemetros quadrados de Mata Atlntica preservada. O Projac, segundo Memria Globo (2010), foiinauguradoem1995.Noanoseguinte,aemissoraficouem18entreos50 maioresgruposprivadosnacionais,comumfaturamentodeUS$2,4bilhes,70 emissorasafiliadas,1,2milretransmissorasecomabrangnciaem99,17%do territrio nacional.No final dos anos 1990, a previso de Mattos (2002) de que a audincia da televisoabertacairiadevidoastransmissesacaboesatlitefoiconfirmada.A vulgaridade foi usada como forma de atrair mais telespectadores das classes C e D, que substituiriam a audincia das classes A e B que migraram para a televiso paga. Uma das formas de atrair a audincia foi transformar casos de interesse pblico em

20OUOLamaiorempresadeserviosdeinternetdopas,formadapelosgruposFolhaeAbril. Desde1999,tememseuquadrosocietrioumgrupodeinvestidoresestrangeiros,lideradopelo Morgan Stanley Dean Writer & Co, o que permitiu a expanso do UOL para Amrica Latina e Central. o maior servio online do mundo em lngua latina (MALCHER, 2009).40 espetculos21.OassassinatodaatrizDanielaPerezpelocolegadeelenco GuilhermedePduaesuaesposaPaulaTomazfoiumanotciamaisexploradae destacada do que o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, em 1992. Em1994,amorteeoenterrodopilotodeFrmula1AyrtonSennaforam carnavalizados, como define Srgio Mattos (2002).Outraformadeatrairostelespectadores,queemumpassadonomuito distante manifestaram simpatia pelo grotesco e popularesco, foi diminuir a qualidade da programao. No final dos anos 1990, como destaca Mattos (2002), o baixo nvel dosprogramas de televiso escandalizou o pas, o que forou o governo a intervir. EleexemplificalembrandoqueoprogramaDomingodoFaustoapresentouo SushiErtico,usandoumamulhernuacomotravessaondeforamservidas pores de sushi e sashimi (iguarias japonesas) para atores globais. Nasoutrasemissoras,ascrticaseramdirecionadasaoProgramado RatinhoeDomingoLegal(SBT)eLeoLivre(Record).Napoca,umapesquisa encomendadapelaUnescorevelouque75%dosentrevistadosgostariaque houvessealgumtipodecontrolesobreoquevaiaoarnateleviso;destes,64% defenderam a classificao por faixa etria e horrio, enquanto 32% pediram a volta de algum tipo de censura (MATTOS, 2002). Em um sentido oposto ao grotesco e popularesco, os pesquisadores Valrio Cruz Brittos e Denis Gerson Simes afirmam, em artigo publicado no livro Histria da TelevisonoBrasil(2010),queaglobalizaotorna-seumaconstantenavidadas pessoas. Com isso, alm de os brasileiros passarem a consumir mais os produes importadas,asemissoras brasileiraspassamafocarmaisnomercadoestrangeiro. Com isso, as telenovelas e outros produtos miditicos passam a obedecer tambm padresinternacionais,oqueelevouaqualidadedosprogramastendocomo referencia o gosto dominante dos veculos de massa internacionais. Tambm marcou esta fase a estabilizao da economia, o que aumentou o consumoe,consequentemente,osinvestimentosdasmarcasempublicidade. Tendomaislucro,asempresasdecomunicaopuderaminvestirmaisemsua

21 Segundo Guy Debord (2003, p.13-17), toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condies de produo se apresenta como uma imensa acumulao de espetculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representao. [...] O espetculo em geral, como inverso concreta da vida, o movimento autnomo do no-vivo. [...] No um conjunto de imagens, mas uma relao socialentrepessoas,mediadapelascoisas.[...]Aatitudequeeleexigeporprincpioaquela aceitao passiva que, na verdade, ele j obteve namedida em que aparecesem rplica, pelo seu monoplio da aparncia. 41 programaocomoformadeadequar-seasdemandas.BrittoseSimes(2010) destacamqueessafragmentaodoconsumoemcertomomentotornouo investimentoemtelevisoarriscado.ElescitamoGrupoMidiaDados,queemseu relatriode1997(referentea1996),destacouquecompram-semais eletrodomsticos,masoterceirotelevisordacasapodeserpreteridoporuma viagem ao exterior (MIDIA DADOS, 1997, p. 9). Aovisualizaramudanadecomportamentodepartedapopulao brasileira,aomemsotempoemquequeriaatingirosbrasileirosqueviviamno exterior,aGlobodeuumnovosaltoelanou,em1999,aGloboInternacional. Malcher (2009) cita que inicialmente a emissora transmitia 24 horas via satlite, com 35%daprogramaoaovivo.Nofinaldadcada,aGlobocobria99,84%do territrionacional,com113emissorasgeradoraseafiliadas.Chegouaatingir74% deaudincianohorrionobre,56%nomatutino,59%novespertinoe69%no horrio noturno. 1.3.6 Fase da Convergncia e Qualidade Digital: a partir de 2000 Ao comemorar 50 anos de implantao no Brasil, a televiso chega ao ano 2000 aprendendo a lidar com as mudanas, pois a batalha pela audincia continua, acentuada pela expanso da TV fechada e a ampliao das ofertas de entretimento (MALCHER, 2009). Noinciodadcada,asgrandesredesdetelevisocomoGlobo,SBT, Bandeirantes,Manchete,RecordeCentralNacionaldeTeleviso(CNT)eram responsveis por mais de 97% da audincia total, ficando o restante distribudo entre as emissoras educativas e segmentadas, tais como a MTV, Rede Mulher, Rede Vida(MATTOS, 2002). Atelenovelaseguecomocarro-chefedohorrionobredasemissoras.A Globo, de 2000 a 2005, produziu 28 telenovelas, das quais 23 baseadas em textos originaise5adaptaesbrasileiras.Nomesmoperodo,oSBTapresentou11 adaptaes estrangeiras,enquantoaRecordproduziucincotextosoriginaiseuma adaptao nacional. Entre 2003 e 2004, a novelaCelebridade fez a Rede Globo voltar ao topo e bater recordes de audincia. No enredo, a relao de amor e dio entre protagonista MariaClaraDiniz(interpretadaporMaluMader)eantagonistaLauraPrudenteda 42 Costa(deClaudiaAbreu)eoassassinatodeLineuVasconcelos(personagemde HugoCarvana)afloraramacuriosidadedotelespectadore,consequentemente, fizeram aumentar a audincia. Em anos mais recentes, a Rede Globo sentiu novamente sua supremacia na produo de telenovelas novamente ameaada. A Record (comprada em 1989 pela Igreja Universal do Reino de Deus) emplacou diversas novelas com alta audincia, como Prova de Amor (2005), que bateu a liderana da Globo e fez a emissora tomar a vice-liderana do SBT (IMPRENSA, 2010). No final dos anos 2000, a criao de novas emissoras deu um novo ritmo televisobrasileira.ATVBrasil,rededetelevisopblicapertencenteEmpresa BrasileiradeComunicao(EBC),foicriadapelogovernofederalem2009 (IMPRENSA,2010).Noanoseguinte,aRedeGlobocriou ocanalacaboViva,no qualre-exibeprodues antigas.AnovelaValeTudo(1988),exibidadiariamentea 0h45min,voltouasersucessodeaudincia.SegundodadosdoIbopedivulgados pelo jornalista Lincoln de Brito22, o canal alcanou o primeiro lugar no ranking da TV por assinatura no total de indivduos, com quase dez pontos percentuais a mais que osegundocolocado.Nohorrioalternativodetransmisso,aomeio-dia,ocanal ficouemprimeirolugardaaudinciaentreoscanaispagosadultos,perdendo apenas para os infantis. Alm disso, a novela e suas personagens mais polmicas, comoavilOdeteRoitmanesuafilhaalcolatra,Heleninha,entraramdiversas vezesnostrendingtopics23,comoapontaojornalFolhadeSoPauloemsua verso virtual24. Hojesereconheceatelenovelacomoumainstituionacional.[...]A telenovelatornou-seumaarterespeitvelemsuasparticularidades.Uma artepopular,brasileira,comvidaprpria,desenraizadadosconceitos filosficos e acadmicos com que tentam interpret-la (FERNANDES, 1997, p.21). Dentrodestainstituionacional,aRedeGlobomereceumaateno especial.SegundoMalcher(2009),aemissorasempreutilizouodramaeafico

22 Informaes disponveis no blog TV Magazine (www.tvmagazine.com.br/blogs/post.asp?ID=7452), acessado em 29 de maro de 2011. 23ListadosassuntosmaiscomentadosdoTwitter(redesocialeservidordemicrobloggingque permiteoenvioerecebimentodeatualizaespessoaisdeoutroscontatos,emtextosdeat140 caracteres)24Informaesdisponveisemhttp://www1.folha.uol.com.br/multimidia/videocasts/829412-ainda-me-chamam-de-odete-roitman-diz-beatriz-segall.shtmleem http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/812186-reprise-de-vale-tudo-na-tv-paga-vira-fenomeno.shtml, acessados em 29 de maro de 2011. 43 como estratgia de forma de atrair o telespectador, inicialmente para se consolidar e se tornar lder e atualmente para manter-se viva na luta pela audincia.Tambm foi aGloboaemissoraqueinvestiusistematicamentenaconstruodoquehoje chamamosdeteledramaturgianacional,tornando-sereferncianoBrasileno mundo. A digitalizao marca este perodo da histria da televiso brasileira. Apesar deosprimeirosequipamentos(cmeraseilhasdigitais25)teremsidoadquiridos pelas grandes emissoras ainda nos anos 1990, somente aps a virada de milnio a produodeprogramaoemHDTV26ganha fora.Emartigopublicadono livroA Histria da Televiso no Brasil (2010), os pesquisadores Yvana Fechine e Alexandre Figuera destacam que foi nos anos 2000 que as emissoras assumiram a aposta na convergncia entre televiso e internet, Lanandoportaisqueintegramsuaprogramaotantocomcontedos exclusivosparaawebquantocomaproduodeoutrosmeios(jornais, rdio). Os melhores exemplos disso so os portais Globo.com, lanado em marode2000,queintegratodoocontedodasempresasdas OrganizaesGlobo,eoR7.com,umgrandeportaldejornalismoe entretenimentodaRecord,noardesdesetembrode2009(FECHINE, FIGUEROA, 2010, p.282). Esta convergncia gerou, na produo televisiva brasileira, o que conforme explicamFechineeFiguera(2010)aocitarHenryJenkins,quechamade narrativa transmiditica: quando a narrativa desdobra-se em diferentes plataformas, emcadaumacomumnovotexto,osquaiscontribuemparaouniversoficcional como um todo.Em uma narrativa transmiditica, o enredo original desdobra-se em distintos momentosdesualinhatemporal,enfocandonovosaspectosoupontosde vista, explorando personagens secundrios e/ou complexificando a atuao dosprotagonistasapartirdesituaeseambientesprpriosacada plataforma tecnolgica (FECHINE, FIGUERA, 2010, p.284). Baseando-senesteconceito,pode-secitaroexemplodaRedeGlobo,que investenarelaoentrecinemaeteleviso,adaptandofilmesparaoformatode microssriesoutransformandosuasminissriesemfilmes(FECHINE,FIGUERA, 2010). Na Rede Globo, cada uma das telenovelas conta com um site individual. Os pesquisadoresAnaSilviaMdolaeLoVitorRedondodestacam,emartigo publicadonolivroHistriadaTelevisonoBrasil(2010),quepermiteoacessoa

25Conjuntodeequipamentos(computadorescomsoftwaresespecficos)utilizadosnaedio (montagem) de um filme, conforme o site www.telabr.com.br/glossario/index.php, acessado em 29 de maro de 2011. 26 Sistema digital de alta definio. 44 informaessobrecaptulos,personagens,revista(entrevistascomosatorese equipetcnicaematriassobreocontedoeproduodanovela),crditos(ficha tcnica),histria(argumentodaproduo), galeriadefotos,bastidores,novidades, sinopse(resumodoscaptulos),trechosdevdeoseespaoparadownloads (ringtones27,papeisdeparedeparacomputador,etc).Osautoresconsiderameste contedoumaextensodanarrativaedestacamque,sendositesoficiaisdas emissoras,estesespaosvirtuaisgarantemaintegridadedoprodutoerivalizam com o trabalho amador realizado pelos fs (REDONDO, MDOLA, 2010).Em2011,aRedeGlobolanoumaisde50siteseblogs.Segundoa jornalistaPatrciaKogutafirmanoartigoCrtica:Ocasamentoentrea internete a televiso (2012), os sites das novelas tm nmeros de audincia crescentes. A cada estreia, osrecordesdevisitasanterioresforamsendoderrubadosenovos patamares se estabeleceram. O de Insensato corao cravou o recorde de mais de 3,6 milhes de visitas em um nico dia; alcanou a impressionante mdiadevisitasdiriasdemaisde1,1milho;teve5,4milhesde visitantesnicosnoms;esuamdiadiriadepageviewsfoide3,3 milhes.AmdiadevisitasdiriasaositedeFinaestampasuperaem 58% a sua antecessora, no mesmo perodo considerado para esta aferio (90 dias iniciais).28

Outroexemplodeprogramaqueesucessonainternet(enosomenteno siteoficial,mastambmnasredessociais)oBigBrotherBrasil,transmitido anualmentepelaRedeGlobo,dejaneiroaabril.Kogut(2012)enfatizaqueele acontececomforaigualparalelamentenasduasmdiasalmdoserviodo pay per view. o sonho realizado de todo mundo que faz TV agora: que as atraes fiquem no ar para alm do seu horrio de exibio na TV. Aaproximaoentretelevisoeinternetsomou-seaimplantaodo sistema de transmisso digital, que comeou a operar comercialmente no Brasil em dezembro de 2007. Alm da imagem em alta definio, o Sistema Brasileiro de TV Digitalpermiteamobilidade,a portabilidade einteratividade,comentamFechinee Figueroa (2010, p.282). Os pesquisadores contabilizam que em 2010 o sinal digital estava disponvel em 26 regies metropolitanas, atingindo 60 milhes de habitantes. 1.4 Da telinha para o sof: a telenovela e o telespectador

27 Toques de celular, em ingls. 28Informaesdisponveisemhttp://oglobo.globo.com/cultura/kogut/posts/2012/01/01/critica-casamento-entre-internet-a-televisao-423763.asp, acessado em 17 de janeiro de 2012. 45 Aps conceituar e caracterizar a telenovela brasileira, alm de conhecer sua histria,torna-seessencialparaodesenvolvimentodestapesquisacompreender qual arelaodanovelacomopblicoreceptor.Atelenovela,porserumproduto televisivo,temgrandepenetraonoslaresbrasileiroseapresentaaopblicoum repertriocomumatravsdoqualaspessoasseidentificamcomsuashistrias, independentedeclassesocial,cor,prefernciapolticaoureligiosa.Estarelao difunde o que a pesquisadora Maria Immacolata Vassalo de Lopes (2003) chama de comunidade nacional imaginada, a qual a televiso capta, expressa e atualiza. Para ela,ateleviso,principalmentepormeiodastelenovelas,expressaealimentaas angstiaseambivalnciasquecaracterizamasmudanassociaiseeconmicase que tem relao direta com o desenvolvimento da nao e de seu povo. Para destacar a relao da telenovela com o ambiente familiar, Lopes (2003) citaointelectualmexicanoCarlosMonsivas,queenfatizaqueatelenovelauma narrativa sobre a famlia, em uma nao. Assim, mesmo que sua histria relate uma guerra, o faz a partir da histria de um familiar que participou desta guerra ou a partir de ser o local a residncia dos personagens.ConcordandocomLopes,ajornalistaepesquisadoraRoseEsquenazi29 afirma que a telenovela uma psicanlise da famlia. Para ela, atravs das histrias dospersonagensaspessoasfalamdeseusproblemaspessoaisedosvizinhose conhecidos,gerandoumadiscussodotemapelafamlia.Esquenaziexemplifica com as aes de merchandising social (a incluso de temas socialmente relevantes no enredo) das novelas da Rede Globo, que para ela abordam temas ousados que fazem bem a populao. EstherHamburger(2005)tambmfalasobreapresenadafamliana novela. Ela comenta que na novela A Prxima Vtima (1995, Globo) a representao deumafamlianegra, estvel emarcadaporrelaescompreensivasagradouaos telespectadores, provavelmente por opor-se as famlias desestruturadas ou em vias de desagregao. A pesquisadora entende que os telespectadores reconheceram a representao positiva daquela famlia, elegendo-a como ideal de famlia brasileira. Hamburger(2005,p.58)completa:Essafamliaidealencarnouoqueos telespectadoresbuscamemumanovela:padresdecomportamento,alguns

29 Depoimento dado ao programa televisivo Observatrio da Imprensa, exibido em22 de dezembro de 2010. 46 considerados ideais, outros condenveis, para o que imaginam como a comunidade nacional brasileira.EstecenriocomeouaserconstrudoapartirdeBetoRockfeller, transmitidapelaTVTupientre1968e1969,atramadastelenovelaspassoua enfocaracontemporaneidadedascidadesbrasileiras,introduziualinguagem coloquial, o humor inteligente, personagens ambguos e referncias compartilhadas pelos brasileiros. Assim, transformou os dramas pblicos em privados e vice-versa. ParaLopes(2003,p.24),apartirdestemomentoatelenovelasintonizouas ansiedadesliberalizantesdeumpblicojovem,tantomasculinoquantofeminino, recm-chegadoametrpole,embuscadestainstruoeintegraoaosplosde modernizao. Com esta mudana, cada telenovela passou a precisar de uma novidade ao telespectador,diferenciando-sedaantecessoraeprovocandoointeressee comentriosjuntoaopblico,assimcomooconsumodeprodutosaela relacionados: livros, discos, roupas, etc (LOPES, 2003, p.25). A contemporaneidade percebida na moda, nas tecnologias e nas referncias a acontecimentos correntes, assimcomonaformacomooamoreossentimentossorepresentadosnas novelas.Astramasdasnovelasso,emgeral,movimentadasporoposiesentre homensemulheres,geraes,classessociais,urbanoerural,arcaicoemoderno. Almdisso,comodestacaLopes(2003),atelenovelasintetizapblicoeprivado, poltico e domstico, notcia e fico, masculino e feminino. Seguindo por este vis, a pesquisadora Anna Maria Balogh (2002) enfatiza que a novela contempla todas as classessociais,divididasentrepobres,classemdiaericos,emcenrios consagrados.issoquemaistipificaatelenovelabrasileiraaconstituirumparadoxode seidentificaroBrasilmaisnanarrativaficcionaldoquenotelejornal.So recorrentesnasnovelasaidentificaoentrepersonagensdeficoe figuraspblicasreais.[...] Talcombinaodegneroseinformaespode ser encontrada, por exemplo, no uso de documentrios de poca, inseridos nas sequncias de novelas desde Irmos Coragem (1970, novela de tempo atual) a Terra Nostra (1998, novela de poca) (LOPES, 2003, p. 25-26). A familiaridade na imagem ou na tcnica interpretativa de atores , segundo Sodr(1981),responsvelpelosucessodastelenovelas.Elecitacomoexemploo bicheiroTuco(interpretadoporPauloGracindo)nanovelaBandeira-2(exibida entre 1971e 1972).Odesempenhoartsticodoatorfoitoconvincenteque,como 47 conta Sodr (1981), um bicheiro real pediu para ser figurante na novela, carregando o caixo do personagem. Mais recentemente, percebe-se que a identificao com os personagenspodesermedidapelosucessodoseuestilo:Jaqueline(interpretada por Claudia Raia), do remake Ti Ti Ti (2010/2011), tem seu corte de cabelo, roupas e acessrios copiados em todo o Brasil.EstherHamburger(2005)segueopensamentodeSodrsobrea importncia da identificao do pblico com as personagens. Ela cita que o pblico torcepelosdesdobramentosdatramaafavoroucontraaspersonagens,comenta comamigosefamiliaresetambminforma-sesobreosfuturoscaptulosnamdia especializada.Paraela,assistiraumanovela incorporaratramaaocotidianoe de certa forma participar da dinmica social que vai definindo os rumos da narrativa (HAMBURGER, 2005, p.44). Paraapesquisadora(2005),quandootelespectadortomapartidodeum personagem em detrimento de outro, o faz porque se reconhece e se posiciona em relaoainterpretaodeseusprpriosdramas.Damesmaforma,opblicose posiciona quando comenta temas polmicos e acaba ecoando, em suas opinies, os seus dramas privados. Aqui, cabem tanto as referncias ao poltico e social quanto moda e consumo.Ao refletir sobre essa influncia das telenovelas sobre o pblico, o autor de novelasManoelCarlosafirmouqueela(ainfluncia)provisria:anoveladita alguns hbitos, aborda temas, os quais se diluem rapidamente, porque uma novela come a outra30. Tambmnestesentido,opesquisadorEugnioBucci31explicaqueessa influncianolinear,ouseja,oautorfazeropersonagemusardetermina expressoou roupanofar otelespectadorfazeromesmonodiaseguinte.Para ele, a telenovela absorve elementos diversos do dia a dia das pessoas, os quais tm origemnapoltica,noshbitosprivados,nasquestessexuais,eapartirdissose constroemsituaesfictciasquedialogamcomouniversodavidanacional, gerando um reflexo no pblico. Essaidentificaoentrepersonagemepblicotambmsedquandoas telenovelas praticam o merchandising social. Anna Maria Balogh (2002) explica que

30 Depoimento dado ao programa televisivo Observatrio da Imprensa, exibido em22 de dezembro de 2010. 31 Depoimento dado ao programa televisivo Observatrio da Imprensa, exibido em22 de dezembro de 2010. 48 estasaesestopresentesatravsdeinseresconstantesquecolocama realidade dentro da fico. Alm damanifestao no discurso dos personagens, as aessoreforadascomapresenadepersonalidadereaisatuandocomoelas mesmas. Foi o que ocorreu ao se falar sobre o reforma agrria e poltica na novela O Rei do Gado (Globo, 1996), na qual senadores reais (Eduardo Suplicy e Benedita daSilva)participaramdovelriodosenadorficcional,ouquandomdicosreais participaram da novela Laos de Famlia (Globo, 2000) para falar sobre a doao de rgos e o cncer de uma personagem.ApesardaidentificaocitadaporSodreLopes,necessriomaispara garantiraaudincia.Nestesentido,Balogh(2002)afirmaqueaextensoeas frequentesinterrupesdatelenovelacriamanecessidadedemecanismosde reiterao da narrativa. Com isso, o autor consegue reassegurar o entendimento do espectadorjcativo,masqueeventualmentetenhaperdidoalgumcaptulo,epara fisgar o espectador no cativo, seduzindo-o para o acompanhamento de uma trama maior com a qual no est familiarizado (BALOGH, 2002, p.166). Almdeserumaobradoautor,atelenovelabrasileiraconsideradauma obra aberta, pois leva em conta a participao dos telespectadores no momento da produo.Porisso,conformeLopes(2003),asproduescolocamemsintoniaos telespectadores com a interpretao e a reinterpretao dos temas tratados.A novela se tornou um veculo que capta a expressa a opinio pblica sobre padreslegtimoseilegtimosdecomportamentoprivadoepblico, produzindoumaespciedefrumdedebatessobreopas.Soinmeros os aspectos pelos quais se manifesta a construo dessa obra aberta. Eles sedoapartirdaescolhadotemadanovelaemformadesinopse, apresentadapeloautor,revelandoumamaioroumenossensibilidadee afinidade com as demandas embrionrias ou explcitas ao pblico. [...] Outro aspectoaconvenodeanovelairaoarquandosomente25captulos esto foram gravados, o que, segundo a produo, uma mdia suficiente para o trabalho das gravaes poder ser feito ao sabor das mudanas que se vo acontecendo no roteiro (LOPES, 2003, p. 26-27). A avaliao da telenovela junto ao pblico ocorre, segundo Lopes (2003), de duasformas:quantitativaeformalmente,atravsdaconfernciadiriadosndices deaudincia,equalitativaeinformalmente,atravsdeinformaesobtidasem conversascomostelespectadoresetambmpelaapropriaodegriase modismos,usodosnomesdosestabelecimentosedasprpriasnovelasem empresasreaisenomesdepersonagenstornam-seformadeadjetivarumaao, entre outras aes. Alm disso, a pesquisadora destaca a importncia de o pblico 49 torcerporpersonagensqueseencontramemconfrontoouquenecessitamde mudanas em seu comportamento.Ao tentar dizer ou representar o real, as produes televisivas controem uma realidadeatravsdeumsistemaderepresentaessociais.Comoodiscurso televisivosimulao real,suascaractersticas informativassodedutveis darelao quemantemcomojexistentenavidasocial,orealjdado.Comoestereal heterogneo,oveculousacategoriassimplesegenricas,homogeneizandosua produo,quefazalusoasituaesreaiscontemporneas,incluindonotcias, livros e filmes em destaque na mdia. A telenovela umdosmelhoresexemplosdessedramaespecificamentetelevisivo,em que se percebe o imaginrio comandado pelo princpio de realidade ou pelo realhistrico,desdeasexignciaseventuaisdaproduodetevouda censuraataincorporaonoenredodefatoscorrentes(SODR,1981, p.79). A ambgua relao com o real tambm ressaltada por Balogh (2002), que destaca que na segunda metade da dcada de 1980 e o incio da dcada de 1990 forammarcantesasnovelasurbanasdoautorGilbertoBraga,comoValeTudo (1988)eODonodoMundo(1991).EmValeTudo,apesquisadoraentendequea modernidadeeaousadiaaotratartemaspolmicosligadosasociedadecomo corrupo poltica e empresarial e ambio desmedida sem deixar de lado clichs novelsticos, como traio amorosa e profissional e intrigas familiares, entre outros. Balogh(2002,p.175) enfatizaque foi imensaamanifestaodo pblicoeatsua interveno,conformerevelamaspesquisasdoDatafolha.Elafrisaqueopbli co desenvolveuumacuriosidadequasemrbidapelodesenlacedanovela,oque obrigou a emissora a elaborar um complexo sistema de segurana para garantir que o final ficasse desconhecido do pblico at a hora da exibio.Estacuriosidadeemrelaoaodesenlacedasnovelastambmcitada pelojornalistaAlbertoDines.NaaberturadoprogramatelevisivoObservatriode Imprensatransmitidoem22dedezembrode2010,eledestacouqueduranteo perodoeleitoralde2010apreocupaodosbrasileirosnoerasaberquem ganhariaaeleioesimquemmatouSaulo,personageminterpretadopor Werner Schnemann na novela Passione, da Rede Globo.Osucessodasprincipaisproduesdadcadade1990podeestar relacionadoaumdescontentamentodapopulaocomaviolnciaurbana,a 50 nostalgiapeloparasoperdidoouasaudadedasgrandesfamliasreunidasem divertidos almoos. OenormeIbopedoscaptuloscorrespondentesaodesaparecimentode BrunoMezengapodeestarsinalizandoparaumcertosentimentode orfandade da nao brasileira que passou pela morte de Tancredo Neves, o desaparecimentodeUlissesGuimares,amortedeAirtonSennae... muitos anos assistindo corrupo e impunidade sem ter herois e lderes quepossamcorresponderaosseusideaiseesperanas(BALOGH,2002, p.187). o caso, como comenta Balogh (2002), das telenovelas de temtica rural de BeneditoRuyBarbosatambmque,segundoapesquisadora,podemdarsinais contundentessobreoquesepassanoimaginriodoespectador.Oentendimento que o telespectador tem da telenovela enquanto produto ficcional que representa o real torna-se objeto de anlise. Isto porque, em determinados momentos da histria brasileira, a fico e fatos relacionados a ela- tornou-se objeto de observao do telespectador, que acaba dando mais importncia ao ficcional do que ao real. 1.4.1 Quando ficcional e real se cruzam na teledramaturgia Ao recordar a influncia das telenovelas sobre a realidade brasileira, Esther Hamburger faz, na introduo do livro O Brasil Antenado A Sociedade da Novela (2005),refernciaaoassassinatodaatrizDanielaPerez,em1992.Napoca,a jovem atuava na novelaDe Corpo e Alma, de autoria de Gloria Perez sua me. A atrizfoiassassinadapeloatoreseuparromnticonoenredoGuilhermede Pdua e sua esposa, Paula Tomaz.AnotciadamortedeDanielaveioapbliconomesmodia29de dezembrode1992emqueoCongressoNacionalconfirmavao impeachmentdopres