teledramaturgia em tv pública

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NOTA INTRODUTÓRIA O Programa Mais Cultura Audiovisual realizou no período de 28 a 30 de outubro o Seminário Juventude e Teledramaturgia. O Seminário promoveu debates visando gerar subsídios para a formatação do Edital FICTV/MAIS CULTURA – Edital de seleção de projetos de desenvolvimento e produção de teledramaturgia seriada para TV’s Públicas. O ponto de partida deste Seminário foi a apresentação de estudos e pesquisas sobre a juventude das faixas C, D e E abordando o perfil, as demandas e o imaginário desses jovens brasileiros. Os consultores da área de pesquisa contratados pelo Programa Mais Cultura Audiovisual tendo como base os resultados dos debates e de suas participações no Seminário produziram 2 (dois) textos de referência para auxiliar os participantes do Edital FICTV/MAIS CULTURA. O Programa Mais Cultura Audiovisual optou por disponibilizar os textos para que os proponentes possam se apropriar do conjunto das discussões sobre o tema juventude e teledramaturgia, oferecendo subsídios sobre o universo sócio-cultural-psicológico do público alvo do Edital, a juventude das faixas C, D e E da população brasileira. O primeiro texto de referência é de autoria da antropóloga e consultora de pesquisa do Programa Mais Cultura Audiovisual, Regina Novaes. Este texto intitulado “Juventude, Juventudes - Jovens das classes C e D frente aos dilemas de sua geração” é uma compilação das principais e atuais pesquisas sobre juventude organizada pela pesquisadora e resulta na construção de um painel de referência sobre o público alvo do programa como base de orientação a todo o processo de produção de conteúdos. O segundo texto de referência é de autoria do cientista político e consultor de pesquisa do Programa Mais Cultura Audiovisual, Carlos Novaes. Este texto intitulado “Teledramaturgia em TV Pública para jovens brasileiros das classes C, D e E – entre 15 e 29 anos de idade” é uma contribuição à elaboração bem sucedida da teledramaturgia a ser encomendada, consubstanciada em um apanhado de idéias e informações que reúnem o aproveitamento, pelo autor, de elaborações e dados relativamente recentes sobre o tema juventude(s).

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Page 1: Teledramaturgia em TV Pública

NOTA INTRODUTÓRIA

O Programa Mais Cultura Audiovisual realizou no período de 28 a 30 de outubro o Seminário

Juventude e Teledramaturgia. O Seminário promoveu debates visando gerar subsídios para a formatação

do Edital FICTV/MAIS CULTURA – Edital de seleção de projetos de desenvolvimento e produção de

teledramaturgia seriada para TV’s Públicas.

O ponto de partida deste Seminário foi a apresentação de estudos e pesquisas sobre a juventude das

faixas C, D e E abordando o perfil, as demandas e o imaginário desses jovens brasileiros.

Os consultores da área de pesquisa contratados pelo Programa Mais Cultura Audiovisual tendo

como base os resultados dos debates e de suas participações no Seminário produziram 2 (dois) textos de

referência para auxiliar os participantes do Edital FICTV/MAIS CULTURA.

O Programa Mais Cultura Audiovisual optou por disponibilizar os textos para que os proponentes

possam se apropriar do conjunto das discussões sobre o tema juventude e teledramaturgia, oferecendo

subsídios sobre o universo sócio-cultural-psicológico do público alvo do Edital, a juventude das faixas C, D

e E da população brasileira.

O primeiro texto de referência é de autoria da antropóloga e consultora de pesquisa do Programa

Mais Cultura Audiovisual, Regina Novaes. Este texto intitulado “Juventude, Juventudes - Jovens das

classes C e D frente aos dilemas de sua geração” é uma compilação das principais e atuais pesquisas

sobre juventude organizada pela pesquisadora e resulta na construção de um painel de referência sobre o

público alvo do programa como base de orientação a todo o processo de produção de conteúdos.

O segundo texto de referência é de autoria do cientista político e consultor de pesquisa do Programa

Mais Cultura Audiovisual, Carlos Novaes. Este texto intitulado “Teledramaturgia em TV Pública para

jovens brasileiros das classes C, D e E – entre 15 e 29 anos de idade” é uma contribuição à elaboração

bem sucedida da teledramaturgia a ser encomendada, consubstanciada em um apanhado de idéias e

informações que reúnem o aproveitamento, pelo autor, de elaborações e dados relativamente recentes sobre

o tema juventude(s).

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TELEDRAMATURGIA EM TV PÚBLICA PARA JOVENS BRASILEIROS DAS CLASSES CDE ENTRE 15 E 29 ANOS DE IDADE

Subsídios para o Seminário Juventude e Teledramaturgia

Carlos Novaes

“Cultura no sentido normativo, mais do que nunca é necessário lembrar, abrange a quintessência das tentativas de

provocar a massa em nós mesmos para decidir-se contra si mesmo. Ela é uma diferença para melhor que, como todas as diferenciações

relevantes, somente perdurará enquanto e sempre for feita.” Peter Sloterdijk.

O governo federal se colocou como meta diminuir a desigualdade social brasileira e o Ministério da

Cultura construiu um projeto de combate à desigualdade na área da Cultura. Nesse projeto há uma

preocupação com a situação de desigualdade social vivida pela juventude mais pobre e, por isso, buscam-se,

nele, meios para contribuir no sentido de uma mudança que impacte positiva e especialmente o público

juvenil, sem desconsiderar o proveito que possa haver para o público em geral. Identificou-se que parte da

motivação para a mudança está nos próprios jovens e, assim, imaginou-se um projeto de teledramaturgia

para jovens que a um só tempo retrate, problematize e aponte perspectivas para a situação malsã que se

deseja alterar. Nessa ordem de idéias, parece claro que a opção pela teledramaturgia nasce de escolha prévia

e, portanto, determinada, própria da esfera da comunicação e não tem como abrigar a indeterminação que

marca a volição para a arte. Através dessa iniciativa o Estado reúne recursos financeiros e humanos, convoca

inteligências e estimula o exercício de criatividades no intuito de realizar uma intervenção no mundo que é

planejada para objetivos, não indeterminada. Há um resultado edificante a ser alcançado pela produção e

geração públicas desses conteúdos, pois, do contrário, elas não se justificariam nos termos em que foram

propostas.

Esse resultado edificante dirigir-se-á, por assim dizer, a dois públicos espectadores: à sociedade

adulta em geral e aos jovens em particular, notadamente os das classes CDE. À primeira trata-se de

confrontar tanto com os próprios preconceitos acerca da condição juvenil dos segmentos mais pobres da

população, quanto de retrabalhar suas próprias responsabilidades naquilo em que não quer se reconhecer,

mas que fala dela; aos segundos buscar-se-á, em ponto de fuga (vale dizer, sem prédica e sem didatismo)

esclarecer sobre o que e como pode ser alterado na sua condição infeliz, enquanto infeliz, estimulando seu

papel de sujeito e problematizando o que resulta também de suas próprias escolhas, para o bem e para o

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mal. Naturalmente, cada realizador haverá de ter sua própria visão acerca dessas questões e, assim, haverá

ampla gama de tratamentos possíveis.

Nas linhas a seguir procurar-se-á oferecer uma contribuição à elaboração bem sucedida da

teledramaturgia a ser encomendada, consubstanciada em um apanhado de idéias e informações que reúnem

o aproveitamento, pelo autor, de elaborações e dados relativamente recentes sobre o tema juventude(s),

reconfigurados segundo uma inescapável apropriação tão interessada quanto realizada de maneira particular.

O autor agradece a profa. Regina Novaes pelos materiais cedidos e pela bibliografia sugerida, parcial e

criticamente aproveitados aqui. É quase dispensável dizer que os erros e as limitações identificáveis no

resultado desse esforço são mérito exclusivo do autor, já os acertos porventura alcançados deverão muito ao

trabalho realizado pelos que o precederam.

Preocupar-se com a condição da juventude pode parecer óbvio, afinal ela é, de certo modo, a

prefiguração do futuro que teremos e, por isso, precisamos nos ocupar dela para que esse futuro não se

realize de modo que nos pareça inadequado. Mas as motivações que animam as preocupações do mundo

adulto médio podem não ser tão banais assim e talvez valha a pena fazer uma breve incursão sobre esse

estado de coisas.

Um espectro ronda o mundo adulto brasileiro, é o espectro da juventude. O misto de apreensão e

perspectivas que a presença da juventude põe está na ordem do dia como nunca antes porque essa presença

impacta o mundo adulto atual em quatro registros ambíguos: eles, os jovens, aparecem como

1. Numerosos 2. Vigorosos 3. Desaforados 4. Gregários

1. Numerosos – Sua presença em grande número e por toda parte torna atual como nunca antes as

insuficiências graves de três dispositivos fundamentais: a família, a escola e o trabalho. No caso dos nossos

jovens (classes CDE, 15-29 anos) o problema é especialmente saliente porque os modelos idealizados

tradicionais falharam sem os colchões atenuadores que em alguma medida amparam os jovens mais bem

aquinhoados que, não obstante, também sofrem as conseqüências. Se pensarmos que estamos falando de

famílias cuja renda é de, no máximo, cerca de R$1.100,00 por mês, temos uma idéia de que escola estamos

tratando e de que tipo de emprego e de relação com o emprego se trata. Boa parte desses jovens é

empurrada para fora de casa e da escola em busca de renda complementar em ocupações do subemprego.

As deficiências de nossa oferta escolar são conhecidas, sendo menos observada, entretanto, uma condição

especialmente perversa de sua expansão recentíssima: os nossos jovens que agora estão na escola são filhos

de pais que ou não viveram essa experiência, ou passaram por ela de modo ainda mais precário. Em suma,

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nossa atual maioria jovem está tendo que descobrir/atribuir por si mesma, sem legado cultural efetivo, valor

para o conhecimento numa escola que não convida à valorização dele [não surpreende que a evasão escolar

dos que estão entre 15 e 17 anos seja provocada em primeiro lugar (40%) pela mera falta de interesse em

estudar, e não pela necessidade de trabalhar (17%)]. O desmantelamento do chamado mundo do trabalho

(que, no Brasil, nunca chegou a se configurar por razões que remontam à nossa longeva e recente

experiência escravocrata) em multiformas de precarização tampouco convida a uma valorização efetiva da

ordem do trabalho para além de um lugar onde se vai buscar algum dinheiro. Ou seja, os dispositivos

verticais (família, escola e trabalho) são vividos por nossos jovens sob o registro do desarranjo.

2. Vigorosos – O vigor juvenil é encarado com um misto de desejo e temor, pois atualiza o que o

mundo adulto já não tem ou vai perdendo (toda a vã luta estética em torno do “manter-se jovem” e em

torno do culto ao corpo ilustram isso) e se apresenta como ameaça numa sociedade em que a disposição ao

confronto direto cresce na exata medida em que decrescem os valores sociais de que os dispositivos verticais

antes mencionados deveriam ser portadores. Os jovens estão mais numerosos, mais soltos e os dispositivos

de integração social estão, no mínimo, fortemente questionados. Localizada no limite de uma disputa, a

inclinação para o crime passa a ser entendida por boa parte da sociedade, não mais como resultado de

determinações biológicas (!!) ou produto de desigualdades sociais (?), mas como a ponta mais extrema de um

continuum animado pela desobediência sem contraste legítimo.

3. Desaforados – A condição rebelde dos mais jovens é lugar comum até no mundo animal. Parte do

esforço das sociedades em busca do melhorismo consiste em absorver de forma profícua o impulso das

gerações mais jovens, ao tempo em que enquadra esse impulso de modo a conter seu potencial destruidor,

sempre presente. Quando os dispositivos de legitimação da verticalização perdem força diante de um

contingente mais e mais numeroso, abre-se uma época em que quem parece estar no comando vê-se

questionado em sua capacidade de ditar as regras: na família, um jovem que foi levado precocemente aos

maus empregos acaba tendo à mão dinheiro suficiente para gerar tensões numa ordem familiar fragilizada

pela redistribuição dos papéis (segundo pesquisa de 2003 da Fundação Perseu Abramo-FPA, cerca de 60%

dos jovens que trabalhavam davam em casa parte ou tudo que ganhavam); na escola (pública), um ensino de

faz de conta, prestado por professores tão mal pagos quanto despreparados e desassistidos em recursos

para-didáticos, conduz a uma reconfiguração improdutiva e conflituosa das relações professor-aluno, onde

são cada vez mais freqüentes os relatos de violência física (de novo, numerosos e vigorosos); no trabalho,

afazeres desinteressantes, mal remunerados e descolados de amarrações institucionais que sugiram melhoria

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ou progressão desestimulam a aplicação diligente e são vividos apenas como uma forma de defender algum

dinheiro.

4. Gregários – Jovens gostam da companhia de jovens. Sempre foi assim. Entretanto, quando eles são

especialmente numerosos e os dispositivos de verticalização legítima falharam, a tendência positiva de “estar

juntos” em experiências de reconhecimento horizontal ganha um sentido novo porque desproporcional: a

horizontalidade sem as estacas de contenção/formação da verticalidade leva ao narcisismo social. No limite,

já não importa buscar aprovação como filho, aluno ou empregado/funcionário, mas de encontrar

reconhecimento fundamentalmente entre pares, eles próprios no mesmo embalo de auto-legitimação. Nesse

cenário, o que está à mão para ganhar relevo são os atributos físicos e os valores a eles associados, tais como

coragem, sensualidade, beleza padrão, habilidade, os quais são perversamente estimulados por dois vetores:

no plano privado, pelo valor desproporcional que os adultos vêm crescentemente atribuindo ao corpo que

não exibe as marcas do tempo; no âmbito público, uma valorização da igualdade num sentido em que ela

despreza ou, no mínimo, dispensa o mérito. O fato de muita gente sentir saudade dos tempos em que

parecia fazer sentido atribuir a um jovem o elogio de “bom filho”, “melhor aluno” ou “empregado padrão”

deveria menos escandalizar do que levar a pensar em porquê, afinal, tais caracterizações já não fazem sentido

hoje. Talvez elas sejam inatuais não exatamente porque fossem pueris (e o eram!), ou porque nos novos

tempos tenha-se feito a crítica dos valores que orientavam aquelas distinções (não se a fez), mas

simplesmente porque o avaliar alguém segundo observação vertical é mais e mais recebido como pretensão

indevida num mundo de iguais presumidos. Sobraram as relações horizontais para o exercício do narcisismo

miúdo, da disputa espezinhante; e a verticalidade vicária da condição de celebridade, conquistada na

juventude por muito poucos e, em geral, em razão de beleza, destreza ou talento de expressão corporal

direta, combinação que quase sempre leva à interrupção dos estudos em troca de uma atividade muito

rentável em que os pais não raro se associam, literalmente, ao êxito material do(a) filho(a), sendo por ele(a)

sustentados, com as repercussões de praxe na ordem e nos afetos familiares.

Em linha com essa maneira de pendurar as evidências e sem ter de estar inteiramente de acordo com

ela, deixa de ser misteriosa, ou mesmo intrigante para o leitor a adesão de jovens mais abastados aos valores

e à estética da chamada “cultura da periferia”: sob o império da hipertrofia do reconhecimento horizontal,

os 12% de jovens da classe AB não são páreo para os 88% das classes CDE – afinal, a cultura dominante é

sempre a cultura da classe dominante! O fato de alguns observadores de prestígio pretenderem ver nessa

adesão a vigência de valores como justiça social e igualdade é o típico raciocinar com os próprios desejos

que deixa escapar o essencial: a verticalidade está perdendo legitimidade numa velocidade e intensidade

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jamais vistas num mundo que trouxe para a ordem privada ”valores” “democráticos” próprios da esfera

pública.

O problema tem larga tangência com nosso projeto também porque é precisamente o mundo da

cultura que se vê transformado no caldeirão complexo em que esse estado de coisas se dá de maneira mais

visível. Por exemplo, não há como deixar de registrar virtualidades positivas no irromper de fenômeno

como o hip hop na cena cultural pública, manifestação mais exibida e abrangente do que há de mais

vigoroso na, digamos, vanguarda juvenil da nossa cultura de massas. É interessante observar que um ponto

inaugural muito celebrado dessa história tão recente, e já tão cheia de lendas, do hip hop é o momento em

que certo ativista dos EUA passa a girar manualmente o disco ao contrário, provocando efeitos sonoros

novos extraídos de gesto que em tudo representava o oposto do cuidado que até então se tinha de não

arranhar o disco. É talvez um gesto de contestação, que pode benevolentemente ser encarado como

expressão da disposição de girar o mundo/sistema ao contrário do recomendado; pode ser observado como

uma rebelião do trabalho vivo contra o trabalho morto; pode mesmo ser apreciado como uma afirmação

reflexionante da inventividade humana, que se apropria do que ela mesma produz em novidadeiros e, quem

sabe, subversivos registros. Mas nenhuma interpretação pode deixar de ver, porém, a impotência do gesto,

que se dissipa como metáfora na fruição horizontal da batida que embala os corpos num mundo inundado

por CDs que substituíram o vinil também no cuidado para não serem arranhados. Em contrapartida,

precisamente por ser tão significativo, esse irromper na cena cultural, e não noutra esfera da atuação e

manifestação públicas, dá o que pensar: a carga de insatisfação embalsamada em ressentimento,

predominante nas letras das canções, narra, é verdade, a falência dos dispositivos verticais de que falamos

antes, denuncia, sem dúvida com coragem, a truculência e a corrupção dos aparelhos da ordem mobilizados

pelo estado, mas tudo se dá num jogo de espelhamentos horizontais regressivos, na maior parte das vezes

mataforizados na catártica celebração de laços de sangue, geracionais, territoriais e étnicos – dizendo de uma

vez: o avesso do republicanismo.

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Em suma (1) – Sem prédica ou civismo didático, nossos produtos de teledramaturgia destinados a jovens

devem valorizar a dimensão vertical da vida e relativizar/questionar a hipertrofia da horizontalidade.

(Atenção, não se está falando de hierarquia, mas de verticalidade). Ao valorizar a dimensão vertical, entretanto,

deve-se questionar tanto a repulsa fundada na disposição de não se deixar avaliar pelo mundo do outro, do

adulto; quanto a adesão oportunista/carreirista/careta a esse mundo. É entre esses dois extremos que se dá

o exercício efetivo de toda a riqueza da condição juvenil, a um só tempo carente de reconhecimento pela

ordem e contestadora dessa mesma ordem, que precisa dos influxos transformadores que só os jovens

podem oferecer. As relações horizontais, importantes, mas unilateralmente valorizadas, devem ser

trabalhadas sem que se adira ao ponto de vista médio hoje vigente, que resulta da disposição dos adultos

(temem e almejam sua aprovação, querem, no limite, ser jovens) de adularem os jovens, como se a

juventude não se desse, também ela, no âmbito da sociedade mal engendrada em que vivemos.

A multiplicidade de manifestações do fenômeno juvenil é de tal magnitude que praticamente ficou

convencionado entre os especialistas que se ocupam do tema que já não se trata de juventude, no singular,

mas de juventudes. Supõe-se que o emprego do plural, na batida da aparição empírica, conduza a

abordagens mais ricas sobre o objeto.

Embora pareça razoável em sua trivialidade, esse modo de acercar-se do problema apresenta limitações.

Desde logo, ainda não se conseguiu dizer quais são elas, as juventudes, ficando o plural a serviço de uma

indefinição em que tudo cabe. Depois, o referido plural tanto pode encobrir um ponto de partida

inconsistente sobre a singularidade histórica dessa “nova juventude”, quanto negligenciar a busca do que

haveria de iluminador numa possível condição comum, que enfeixe todos os jovens e, daí, reponha de

forma produtiva a juventude em sua singularidade.

Sem pretender resolver problema tão cabeludo nessas linhas, vale a pena indicar a suspeita de que o

que vem sendo apontado como distinguidor da juventude de nossos dias em relação às anteriores deve sua

aparente acuidade menos a traços dela do que às próprias abordagens de quem a observa com propósitos

analíticos em tempos mudados. Afinal, mesmo criticar o unilateralismo de quem limitou a juventude dos

anos 60 à juventude universitária de classe média para, nessa crítica, desqualificar como parâmetro de

conduta desejável aquele segmento estudantil é, de certa maneira, fazer o serviço pela metade e ainda deixar

de lado os jovens sambistas, os jovens operários, os jovens atores, os jovens camponeses, os jovens

militares, os jovens bancários e de serviços em geral, etc, que estavam lá. Essa omissão talvez revele que não

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se está fazendo a distinção necessária entre protagonismo/ativismo juvenil e exibição da condição juvenil

como questão em si mesma. Os jovens daqueles dias não eram tão numerosos, mas não foi por isso que não

deram lugar a uma “questão juvenil” com a centralidade que experimentamos hoje. Ela não teve lugar quer

porque nem eles estavam voltados para si mesmos (seu problema não era a juventude), nem a sociedade

havia se colocado o “problema dos jovens”, até porque os dispositivos verticais ainda ofereciam ilusões

sobre sua capacidade de promover integração social virtuosa: aqueles jovens estavam em luta com a ordem e

voltados para melhorar a ensino, questionar um ordenamento familiar tacanho, alterar as relações de

trabalho/aquartelamento, transformar a sociedade. O que singulariza os jovens de hoje é, antes de mais

nada, uma brutal exibição da sua condição juvenil (acham relevante e até exigem a palavra “juventude” na

Constituição!), exibição essa que descende em linha direta tanto do fato de que os dispositivos mencionados

foram flagrados em suas insuficiências e, em resposta, estado e sociedade passaram a ter de encontrar

enquadramento simbólico e material para uma juventude numerosa, vigorosa, desaforada e gregária que

passou a sobrar e cujo sofrimento/ameaça ficou visível como nunca antes; quanto de uma reação dos

próprios atores juvenis, notadamente das periferias, que se enxergam numerosos e têm um discurso

altissonante sobre juventude que nem os jovens da ruidosa classe média universitária do passado jamais

tiveram. Essa prática de massas vem sugerindo um protagonismo juvenil que pesquisas mais acuradas talvez

venham a mostrar que não é nem tão significativo nem tão novo como gostariam de acreditar alguns

observadores – a diferença estaria no que falta: um ativismo juvenil propriamente político. Seja como for,

segundo pesquisa UNESCO-2006, não chegam a 30% os jovens entre 15 e 29 anos que estejam ou tenham

estado engajados em alguma ação coletiva organizada, sendo que 81% desse contingente minoritário

apontam associativismo de base religiosa. Se considerarmos que os dados mostram que o engajamento

decresce à medida que decresce a renda, dentre os jovens de classe CDE os em algum momento engajados

devem representar algo como 25% (12 milhões de indivíduos), a imensa maioria deles em ativismo juvenil

religioso. Ademais, parece certo que mesmo boa parte dessa minoria dos jovens se reúne menos para

procurar formas novas de ação organizada do que pela experiência de estarem juntos, exercitando

horizontalmente suas, digamos, afinidades eletivas numa sociedade incapaz de ganhá-los para outras

dimensões desafiadoras e críticas.

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Em suma (2) – Considerando que não menos de 75% dos jovens que formam nosso público-alvo estão

fora do associativismo e não foram sequer ganhos para o ativismo de tipo religioso, não parece impróprio

concluir que esse tema teria pouco apelo se incorporado à nossa teledramaturgia. Nessa linha, não se deveria

temer tratar de maneira muito lateral o tema ou, até mesmo, simplesmente ignora-lo. Trabalhar a suposta

“cobrança” que há sobre os jovens (ela mesma pouco expressiva e quase restrita a certos nichos de classe

média), com base em valores do passado recente, de que deveriam ser mais engajados na ação coletiva

poderia ter seu lugar, mas, ainda assim, seria difícil obter um real interesse pelo tema.

Num outro plano, tendo em mente o que se disse antes sobre verticalidade e horizontalidade,

explorando as implicações e objetivos da decisão de, por assim dizer, filmar a(s) juventude(s), parece

interessante para os nossos propósitos introduzir a noção de reputação como recurso para operacionalizar a

noção de juventude no singular.

A construção, conquista ou obtenção de uma reputação se dá de fora para dentro do sujeito, tal como o

movimento de captação da sua imagem por quem o filma. A juventude é o período da vida em que se coloca

a formação de uma reputação e ser jovem é estar com a reputação em aberto: há expectativa em relação ao

que o indivíduo vai ser.

Em condições por assim dizer rotineiras, uma reputação se inicia na família e, então, passa

principalmente pela escola, pela relação com os pares geracionais e pelo trabalho. Nos termos empregados

mais acima, uma reputação é sempre a reputação que se obtém tanto na dimensão horizontal quanto vertical

da vida e sua conclusão marca o fim da juventude, que não estaria, assim, condicionada pelo estado civil, a

idade, a maternidade ou paternidade, a conclusão dos estudos. Jovem é aquele de quem ainda se espera algo

sob o registro da promessa. Quando a espera se conclui termina a juventude. Dessa perspectiva, faz todo

sentido entender que um artista genuíno é sempre jovem.

A reputação se constrói pelo embate entre as cobranças verticais e horizontais, sendo evidência de

amadurecimento a aceitação criativa das exigências verticais e a relativização da importância da chancela

horizontal, fornecida ou negada pelos pares de geração.

Diante dos questionamentos existentes ao desempenho prático dos dispositivos ou instituições da

cadeia vertical, dá-se, por extensão, que eles tenham dificuldades para serem reconhecidos como

possuidores de legitimidade para impor exigências reputacionais. Em contrapartida, a chancela horizontal

dos pares geracionais ganha relevo e as reputações passam a ser buscadas predominantemente nesse âmbito.

Como não poderia deixar de ser, mais uma vez o corpo e seus atributos prevalecem, em detrimento de

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qualidades do campo do conhecimento, da aplicação duradoura diligente e da ética. A ética se contrapõe ao

corpo porque as exigências impostas por uma ética seguida de modo coerente não podem ser contornadas

ou vencidas pela força ou agilidade próprias do corpo. Quando o corpo prevalece a ética sucumbe. O acento

anti-ético da esperteza dá-se precisamente porque esta se realiza na, por assim dizer, zona de influência do

corpo: esperteza é agilidade, reflexo, prontidão animal.

Como não existe cenáculo horizontal mais permissivo do que aquele proporcionado pelas

manifestações da cultura quando ela ganha o sentido da cultura de massas, onde tudo é permitido e tudo

deve ser, no mínimo, tolerado, a Cultura passa a ser valorizada também como extenção do valor corporal da

experimentação (se colar, colou) e qualquer um pode abrigar a expectativa de ser descoberto “gênio”. O

resultado mais abrangente dessa aparente sabedoria é o alastramento do mesmo, não a irrupção da novidade

criadora. Por isso mesmo, nossa TV aberta, avessa ao risco da criação, é mais e mais presidida pela idéia

“democrática” de que se as pessoas querem se ver, devemos “mostrá-las” a elas mesmas (realities,

telenovelas escritas ao sabor de pesquisas, e assemelhados).

Por outro lado, os espaços culturais para tomar contato com a cultura precificada produzida pelos

outros, tão fundamentais para a vida juvenil se exercer de forma plena em sua diversidade, estão interditados

antes de mais nada pela falta de dinheiro, carência que reforça a engrenagem ambivalente em curso: o

discurso da diversidade cultural associado ao confinamento em guetos de preferências surgidos também da

falta de oportunidade para conhecer o que é diferente. Formam-se trincheiras de espelhamento, onde um

grupo, por definição, não pode ser melhor do que o outro e toda exemplaridade vertical é negada.

Não poderia ser mais contraproducente, assim, celebrar sem maiores questionamentos o “tempo

livre” dos jovens como o intervalo de interação horizontal virtuosa e prometedora, ignorando que o tempo

não-livre não está em condições de fazer o seu papel compensador, tomado por uma verticalidade

desautorizada e desprestigiada.

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Em suma (3) – Os roteiros de nossa produção teledramatúrgica deveriam buscar materializar essa disputa

pela construção de reputações dialogando a partir dela com os conflitos vividos pela juventude em sua variada

diversidade. A vantagem é que ele ao mesmo tempo em que é transversal às classes sociais e permite a

amarração horizontal da carpintaria dramática, também propicia o tratamento da dimensão

vertical/intergeracional dos dilemas mais centrais para a juventude de nossos dias.

O trailer de DESCOLADOS apresentado no seminário foi, com ressalvas para a representação étnica pouco

verossimilhante, uma maneira involuntária interessante de materializar a questão: um jovem que viaja para

Londres para estudar acaba preso por posse de maconha e, repatriado ao Brasil, não revela à família o

retorno forçado. Quando o conhecemos já está faz 6 meses de volta ao país e revela angustiado que seus

pais não sabem do ocorrido, julgando que ele ainda está em Londres. Ou seja, impossibilitado de encarar as

exigências reputacionais dos pais (que muitas vezes são descabidas e implicam na anulação da vontade do

sujeito), o jovem prefere se esconder no próprio país, buscando um outro caminho para sua vida. Nessa

errância irá dividir a moradia com outros jovens na mesma condição de busca, sendo emblemática a cena em

que eles se reúnem num apartamento vazio, desprovido de memória, em que fica estampado o fato de que

só contam(?) uns com os outros. Essa horizontalidade poderá se revelar auspiciosa ou nefasta, a depender

da presença ou não da dimensão vertical e da sabedoria e integridade dos jovens.

Ou seja, a presença de exigências edificantes abstratas não necessariamente tolhe a criatividade. Por outro

lado, essas exigências talvez não precisem aparecer previamente, ficando como elementos orientadores para

o julgamento acerca da adequação das propostas aos objetivos de nosso projeto.

No Brasil os jovens entre 15 e 29 anos de idade das classes CDE somam cerca de 45 milhões de

indivíduos, eles são quase 9 de cada 10 jovens nessa faixa etária (os de classes AB são cerca de 12%) e cerca

de da população total do país. São a maioria esmagadora da maior fatia demográfica de juventude da

história brasileira. Tal como o restante da população (nessa e em muitas outras questões, claro) esses jovens

vivem predominantemente (mais de 80%) em áreas urbanas, ainda que cerca de 8% deles residam em

municípios com até 10 mil habitantes, e outros 27% vivam em cidades entre 10 mil e 50 mil habitantes,

localidades onde a experiência urbana é muito diferente das vivências cotidianas exibidas pelas cidades

maiores (50mil ou mais habitantes) e, com matizes, guardando semelhanças com as realidades que se

costuma identificar como rurais. Ou seja, dos 45 milhões, cerca de 17 milhões não vive a experiência das

grandes cidades, à qual têm acesso apenas pela TV aberta. Além disso, o caráter acelerado e recente da

nossa urbanização faz com que mesmo os que vivem nas grandes cidades ainda se reconheçam em gostos

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culturais que refletem essa irresolução campo-cidade: a maior evidência dessa incompletude talvez seja o

fato de que o gênero musical que figura em primeiro lugar na preferência dos jovens em pesquisa DataFolha

recente seja o forró: 25%. Depois vêm pagode e rock, 23%, axé (15%) e o samba (11%). Pesquisa de 2003,

da Fundação Perseu Abramo-FPA, registrava em primeiro lugar, com 30%, a música sertaneja.

Nessa linha, útil informar que desse nosso público juvenil o sinal da TV Pública brasileira deve estar,

no melhor cenário, em condições técnicas de atingir cerca de 55%, ou seja 25 milhões de indivíduos. Desses

25 milhões, cerca de 5% não vêem TV ou o fazem esporadicamente.

A experiência desses jovens com dramaturgia audiovisual fora da TV é reduzida, ainda que haja

matizes (insignificantes para o nosso objetivo) que resultam da presença ou não de salas exibidoras de

cinema na cidade em que moram e, em muito menor medida, do acesso à Internet que um reduzidíssimo

subconjunto possa ter. Dos dados estatísticos disponíveis pode-se afirmar que pelo menos 70% dos jovens

das áreas rurais jamais foram ao cinema, não sendo menor de 40% o percentual daqueles que nunca o

fizeram mesmo residindo em áreas urbanas. No geral, aproximam-se dos 70% aqueles que, embora já

tenham ido, não chegam a ser freqüentadores do cinema. Para além do que revelam sobre a reduzida

exposição ao que é diferente, a relevância desses números para o nosso projeto está sobretudo no que eles

dizem também da limitação estética a que esse público vem sendo submetido, com a decorrente falta de

treino para entender e, depois, apreciar, certas abordagens e soluções dramatúrgicas cognitivamente mais

exigentes.

Em Suma (4): Nossos produtos teledramatúrgicos contariam com um público-alvo possível da ordem de

20 milhões de indivíduos, que têm em comum a condição de serem jovens entre 15 e 29 anos, das classes

CDE, com nenhuma, ou muito reduzida, exposição à dramaturgia não-convencional, salvo aquela muito

esporadicamente ofertada pela TV aberta do Brasil. Eles vivem predominantemente em áreas urbanas, mas

há um contingente relevante de cerca de 35% que experimentam vivências próximas da configuração

cultural rural, cuja influência cultural permanece forte mesmo nos grandes centros. Assim, considerando que

estamos no campo da comunicação (há algo a ser emitido e recebido), torna-se imperioso ter em mente a

verossimilhança que deve haver entre a produção teledramatúrgica e a(s) vivência(s) do público a que ela se

destina, sem deixar de levar em conta que verossimilhança não é espelhamento (precisamente porque não se

trata de apenas retratar, mas, sobretudo, de intervir).

Page 13: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 13

A leitura proveitosa de uma peça audiovisual de comunicação requer mobilizar recursos intelectuais.

Se for assim, parece útil verificar quão equipado intelectualmente está o nosso público-alvo e, para isso, os

dados sobre a educação formal são informação indispensável, ainda que não suficiente.

Os jovens das classes CDE entre 15 e 29 anos estudam ou estudaram predominantemente na escola

pública (82%) e pelo menos 76% dos jovens que estão no ensino fundamental já repetiram o ano e,

independentemente de série, 54% já passaram pela experiência da reprovação, sendo que entre os homens o

percentual é de 63% (uma escola que se exibe assim sensível a uma diferença tão rombuda quanto a de

gênero não está mesmo em muita sintonia com o que se poderia imaginar como a aptidão básica dela –

ensinar a todos). Essas informações podem ser complementadas com aquela que descreve 64% da

população brasileira entre 15 e 64 anos que cursou ou cursa da 5a a 8a séries como “analfabetos funcionais”.

Segundo a mesma pesquisa do IBOPE para 2007, o percentual para o ensino médio é de 27%!

Os números acima não surpreendem quando se sabe que depois dos 20 anos fica cada vez menor o

número dos que conseguem conciliar estudo e trabalho: segundo o IBGE, em 2003 os percentuais para

aqueles que só trabalhavam segundo faixas etárias eram os seguintes: 15 a 17 anos, 8%, 18 a 19anos, 27%, 20

a 24 anos, 48%.

Esses dados descrevem uma situação que já foi registrada pelo próprio Ministério da Educação, que baseado

em avaliações por ele próprio patrocinadas, concluiu que os estudantes brasileiros têm deficiências básicas

no domínio da leitura e da matemática, sendo que a maioria não consegue ler mapas, tabelas ou gráfico

A tabela a seguir deixa muito clara a situação:

Page 14: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 14

FREQÜENTA ESCOLA? FREQÜENTA

ESCOLA IDADE Sim Não

Total

Menor de 15 anos

36452079

9274379 45726458

79,7% 20,3% 100,0%

De 15 a 17 anos 8429753 1832715 10262468

82,1% 17,9% 100,0%

De 18 a 20 anos 4276921 6168854 10445775

40,9% 59,1% 100,0%

De 21 a 24 anos 3083633 10316075 13399708

23,0% 77,0% 100,0%

De 25 a 29 anos 2004729 14153384 16158113

12,4% 87,6% 100,0%

30 ou mais anos 3944714 89883094 93827808

4,2% 95,8% 100,0%

58191829

131628501 189820330 Total 30,7% 69,3% 100,0%

IBGE_PNAD-2007

Desde os 18 anos a grande maioria já não estuda e nada menos do que 65% do total dos jovens nas

nossas faixas etárias de interesse não freqüentavam a escola em 2007, ou seja, para eles a escola ficou para

trás.

Não se pode deixar de concluir que nossos jovens (que incluem o intervalo entre 25 e 29 anos de idade, no

qual estudar é ainda mais difícil – quase 90% não o fazem) não podem dispor senão de uma mobília

intelectual rala e pouco diversificada, havendo grandes vazios a preencher. A boa notícia é que há entre eles,

segundo pesquisa do DataFolha, um contingente significativo que valoriza (71%), em tese, a educação

formal, ainda que possa não tê-la recebido, ou, o que é certo, está a recebe-la de maneira insuficiente,

precária.

Nossos jovens experimentam uma incongruência de status: de um lado, estão fisicamente prontos

para a vida, são dotados de seu quinhão de vigor físico e inteligência, são, dentro de seus limites, inventivos

e cientes da necessidade de aplicar seus cabedais em prol de uma vida que se pretende autônoma; de outro

lado, as insuficiências de sua aculturação vertical resultam na ausência de habilitação formal efetiva que lhes

permita uma entrada sênior no mundo do trabalho. Não só por isso, mas também por isso, o número dos

que na ocupação aparecem como “conta própria” já representa, na PNAD-007 do IBGE, cerca de 25% do

Page 15: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 15

total ocupado, sendo que há mais pardos/pretos nessa condição do que brancos. A tabela a seguir, com

números da PNAD de 2007, deixa clara a situação do registro em carteira.

Entre os empregados, o registro em carteira é alcançado por cerca de apenas 10% entre 15 e 17 anos, por

cerca de metade quando dos 18 aos 20 anos, e por cerca de 2/3 para os entre 21 e 29 anos de idade.

A próxima tabela mostra quão mal remunerados são os nossos jovens e dá o que pensar quando se compara

a incongruência entre o poder de consumo que essa renda confere e os apelos massivos da premiada

publicidade brasileira: quase 60% daqueles que têm alguma renda do trabalho ganham até R$ 500,00 reais

por mês, sendo que o limite de mil reais mensais abarca quase 90% deles. Mesmo entre os mais velhos, entre

CARTEIRA ASSINADA

FAIXAS ETÁRIAS

Sim Não

Total

Menor de 15

anos 0 392523 392523

,0% 100,0% 100,0%

,0% 1,9% ,7%

196667 1730781 1927448

10,2% 89,8% 100,0%

De 15 a 17 anos

,6% 8,4% 3,7%

2267238 2214455 4481693

50,6% 49,4% 100,0%

De 18 a 20 anos

7,1% 10,8% 8,5%

4444949 2694643 7139592

62,3% 37,7% 100,0%

De 21 a 24 anos

13,9% 13,1% 13,6%

5855810 2842174 8697984

67,3% 32,7% 100,0%

De 25 a 29 anos

18,3% 13,8% 16,5%

30 ou mais anos 1925779

6

10720326

29978122

64,2% 35,8% 100,0% 60,1% 52,1% 57,0%

32022460

20594902

52617362

60,9% 39,1% 100,0%

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Page 16: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 16

25 e 29 anos, as faixas de até mil reais mensais reúnem nada menos do que 80% deles. Os homens são 59%

desses que têm alguma renda do trabalho, restando às mulheres os outros 41%.

Renda do trabalho segundo faixas etárias

Faixas etárias Faixas de renda do trabalho De 15 a

17 anos De 18 a 20 anos

De 21 a 24 anos

De 25 a 29 anos

Total

1992762 3697731 4787031 5228534 1570605

8 12,7% 23,5% 30,5% 33,3% 100,0%

Até 500 reais

93,0% 73,5% 57,6% 46,7% 58,9%

143918 1190408 2692641 3791912 7818879 1,8% 15,2% 34,4% 48,5% 100,0%

Mais de 500 a 1000

reais 6,7% 23,7% 32,4% 33,9% 29,3%

3595 108301 508787 1060754 1681437 ,2% 6,4% 30,3% 63,1% 100,0%

Mais de 1000 a 1500

reais ,2% 2,2% 6,1% 9,5% 6,3%

2096 29320 268082 839412 1138910 ,2% 2,6% 23,5% 73,7% 100,0%

Mais de1500 a 3000

reais ,1% ,6% 3,2% 7,5% 4,3%

0 7387 58953 264557 330897 ,0% 2,2% 17,8% 80,0% 100,0%

Mais de 3000 reais ,0% ,1% ,7% 2,4% 1,2%

2142371 5033147 8315494 1118516

9 2667618

1 8,0% 18,9% 31,2% 41,9% 100,0%

TOTAL

100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% IBGE_PNAD-2007

A incongruência de status gera toda sorte de problemas, bem como atitudes variadas de resposta. Há

os que desistem e sucumbem ao desalento, há os que se conformam com o subemprego, experimentando a

incongruência como instransponível (para estes o ciclo da reputação se encerra precocemente), há os que

buscam realizar, ou se refugiam nos sonhos de êxito (alternativa para poucos) na cultura ou no esporte, e há

aqueles a quem a superação da incongruência aparece como desafio a ser vencido pelo engajamento tardio,

mas nunca anacrônico, na obtenção de treinamentos formais habilitadores. Esse último subconjunto, o dos

desafiados, é nosso público mais auspicioso se pensamos em audiência para uma teledramaturgia voltada a

contribuir para a diminuição da desigualdade, vale dizer, voltada a atuar sobre a incongruência de status que

aflige esse contingente de nossa juventude.

Page 17: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 17

Os que se sentem desafiados são os que mais procuram apoio (não esmola) no plano vertical porque

identificaram em si mesmos (aspecto perverso da realidade que os infelicita) carências cuja supressão

reconhecem depender da assistência de quem pode (e deve) ensinar e legitimamente avaliar seu

desempenho: suas reputações ainda estão em jogo. Indivíduos motivados desse modo provavelmente estão

em melhores condições intelectuais e emocionais para apreciar o tratamento teledramatúrgico dos dilemas e

desafios da juventude, até porque poderão buscar nesse entretenimento “pistas” para respostas que ainda

procuram e, não menos importante, elementos novos de crítica fecunda ao status quo.

Aqueles que estão voltados para a cultura e o esporte, encarados por muitos como atalhos para o

êxito, vêm recebendo incentivos por parte de agentes públicos e privados bem intencionados e também são

um público possível. Mas é oportuno acrescentar que nessas iniciativas há, por vezes, algo de panacéia, que

com freqüência deixa de lado o problema central: o despreparo intelectual e, até, cognitivo dos nossos

jovens (no filme “Linha de passe”, o personagem Dario dá testemunho cabal, e cruel, do que se tenta dizer

aqui, sem que se concorde com a “mensagem” geral do produto), que cada vez menos conseguem reunir

ânimo contestador com capacidade crítica, ficando ao sabor das ondas da cultura de massas.

Para al ém da busca de conhecimentos voltados, na ponta da linha, à habilitação para o trabalho,

nossos jovens vivem sua incongruência de status também como um déficit de informação: há a preocupação

de não ficar por fora.

Segundo a UNESCO-2006, em pesquisa sobre jovens citada por Regina Novaes, 96% dos jovens

vêem TV e 18% deles têm predileção por programas de informação jornalística, contra cerca de 50% que

preferem novelas ou filmes (“teledramaturgia”). Quando se pensa em mídia impressa, os jornais são os

preferidos por 19% dos jovens, segundo pesquisa recente do DataFolha, enquanto o Rádio aparece com

16% como veículo preferido para obter informação. Considerando nossos propósitos, esses números não

são desfavoráveis: há gente bastante querendo informação como primeira demanda e há um público amplo

para teledramaturgia, ainda que com as limitações já apontadas.

Embora a Internet venha crescendo, a TV ainda tem a liderança como veículo de informação para o

nosso público-alvo. A mesma pesquisa recente do DataFolha mostra que entre os jovens da classe C, 43%

dizem preferir a TV para se informar, contra 26% que mencionam a Internet. Nas classes DE, são 42% para

TV contra 10% para a Web. Esses números são compatíveis com os achados em pesquisa de 2004 da

UNESCO, também citada por Regina Novaes: nela haviam 43% de jovens de classe C que não sabiam usar

computador e 77% nas classes DE na mesma condição.

Ainda sobre o uso da Internet, quando se pensa na grande massa jovem de usuários, talvez valha a

pena destacar que ela ainda é valorizada menos pelos conteúdos do que como meio para exercício de uma

Page 18: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 18

horizontalidade bastante boboca. A grande força do Orkut (que põe o Brasil em tão saliente quanto

duvidoso primeiro lugar mundial), dos recursos de bate-papo atestam isso. A rede tem também um lado de

experiência grupal, que aparece no acesso em Lan Houses mesmo para aqueles que dispõem da conexão

doméstica: é necessário estar juntos ao vivo, a horizontalidade virtual não se basta. Segundo o DataFolha,

fazem a conexão fora de casa 57% dos jovens.

A imagem vanguardista do jovem atual como alguém em seu quarto ligado simultaneamente na TV,

na Internet, na radiodifusão MP3, ao celular, em jogos eletrônicos e nos deveres escolares é uma

generalização descabida que esbarra desde logo no fato de que a imensa maioria não tem computador

pessoal, está fora da escola e muito menos dispõe de quarto individual. A difusão dessa imagem se dá

porque o figurino veste um nicho da classe média adulta midiaticamente loquaz que experimenta o contraste

entre a própria ignorância na computação (e na eletrônica em geral) com a desenvoltura dos filhos

“multimídia” como uma presumida evidência reconfortante de que está criando prodígios.

Em suma (5) – A despeito do oba-oba com a Internet, a TV aberta ainda é, e será por bons anos, o veículo mais rentável para atingir a juventude imersa na cultura de massas que ainda pode ser tocada pela verticalidade do conteúdo diferente que busca puxa-la dois dedos para cima. Entretanto, nossos produtos teledramatúrgicos, até por estarem destinados à veiculação pela pouco assistida rede pública de televisão, deverão sofrer um envelopamento para divulgação pelas mídias de massa que destaque suas características de produtos voltados para o entretenimento qualificado dos jovens, qualidade que se verifica no diálogo com as dificuldades que nossos jovens enfrentam no Brasil contemporâneo. As dificuldades e entraves burocráticos para ter um negócio próprio, o pouco conhecimento sobre as profissões existentes, as dúvidas vocacionais, as dificuldades de conciliar estudo e trabalho, a inadequação da escola, onde há quem se esforce para ajudá-los, o subemprego, as exigências cabidas e descabidas para o primeiro emprego, a exploração, a inexistência de regras claras para a progressão no trabalho ou a dificuldade para alcançá-la, a remuneração baixa, são temas a serem tratados mais ou menos diretamente, a depender inteiramente da imaginação dos realizadores, mas levando em conta as insuficiências do mobiliário intelectual de nosso público. Dessa perspectiva, um subproduto interessante desse esforço seria lograr que a programações propriamente educativas e informativas das TVs públicas incorporassem como seu esse modo de “segmentar” o público telespectador na rubrica dos “desafiados”, ao menos para certos produtos, tornando mais eficaz seu papel e, se supõe, conquistando mais e melhores audiências. Um exemplo claro nessa direção é o Programa Tô Sabendo, veiculado pela TV aberta na Bahia.

Em política, quanto ao perfil ideológico clássico, a pesquisa recente do DataFolha encontra

resultados sem diferenças significativas com os encontrados pela Fundação Perseu Abramo-FPA há cinco

anos: 37% e 32% se dizem de direita, enquanto 28% e 26% se localizam como de esquerda nessas duas

pesquisas. A experiência com o uso de perguntas abertas para qualificar essas preferências mostra,

entretanto, que esses números devem ser relativizados, uma vez que há entendimentos muito diferentes

sobre o que é “esquerda” e o que é “direita” entre os entrevistados. Mais seguras podem ser as leituras sobre

Page 19: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 19

a preferência entre ditadura e democracia: segundo a FPA, a preferência pela democracia atingia apenas 53%

dos jovens pesquisados, sendo que 38% viam com indiferença a opção ou chegavam a admitir que uma

ditadura pode ser preferível. Segundo a pesquisa da FPA, em 2003 a distribuição das preferências dos jovens

pesquisados em temas considerados polêmicos foi a seguinte:

Tema A Favor

totalmente

A Favor

em parte

Soma do

A Favor

Contra

em parte

Contra

Totalmente

Soma do

Contra

Legal ização da

pena de mort e 32 16 48 11 39 50

Leg. União

en tre pes . do

mesmo sexo

26 18 44 9 43 52

Aborto de ixar

de s er c r ime 9 10 19 7 73 80

Uso da

Maconha de ixar

de s er c r ime

10 7 17 6 75 81

Superioridade

da raç a branca 4 3 7 4 88 92

Segundo o pouco que foi publicado pelo jornal Folha de S. Paulo a respeito da pesquisa

DataFolha já mencionada (FSP, 27/07/08), a juventude aparece também ali “contra a legalização do aborto

[?] e contra a descriminalização da maconha” (72%). Quando o tema é a pena de morte, a Folha diz que os

jovens estão divididos praticamente ao meio, tal como se pode ver nos dados acima, de quase quatro anos

antes.

Mais interessante para os nossos propósitos, entretanto, são as preferências acerca do que os grupos que

defendem essas idéias devem fazer:

Page 20: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 20

Tema Ter suas idéias, mas não

tentar convencer os outros

Deixar suas idéias e

seguir a maioria

Podem tentar

convencer os outros

Legal ização da

pena de mort e 42 25 30

Leg. União

en tre pes . do

mesmo sexo

52 21 25

Aborto de ixar

de s er c r ime 53 25 20

Uso da

Maconha de ixar

de s er c r ime

56 26 17

Superioridade

da raç a branca 57 25 14

O que chama a atenção é o alto percentual dos que se mostram avessos a tolerar seja a opinião

diferente, seja sequer o proselitismo dela. Ou seja, verifica-se, na pesquisa da FPA, uma baixa disposição

para a comunicação vertical das diferenças (vertical porque a pergunta fala de grupos defendendo ativamente

idéias, não de indivíduos). O fato de não haver diferença de percentual entre as opções Maconha e Racismo

intriga porque seria de esperar que no caso do racismo houvesse crescimento da opção que recomenda

abandonar as idéias em favor do que pensa a maioria. Esse é um tema que mereceria mais pesquisa para

tentar saber quanto dessa escolha já revela sobre a indiferença que pode estar sendo camuflada pelo pseudo-

respeito à diversidade: é como se qualquer absurdo pudesse ser tolerado se não se precisar agüentar a

argumentação de quem o defende (e, por extensão, não haveria razão para se dar ao trabalho de contra-

argumentar!). Nessa linha, a horizontalidade da cultura de massas estaria diante de um sintoma máximo

entre os nossos jovens: todas as preferências têm igual valor porque as preferências dos que pensam

diferente de mim e de meu grupo não me interessam – ficou fácil: o máximo de diversidade com o máximo

de indiferença.

Page 21: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 21

Em suma (6) – Como mais uma vez sabemos que a maioria dos jovens não tem participação política, diz

não confiar nos políticos (65%-FPA) e, não obstante, considera que a política influi na sua vida pessoal

(69%-FPA), o tratamento do tema, se ocorrer, deverá evitar as trivialidades comumente perguntadas nas

pesquisas e se concentrar nas tangências que ele tem com escola, emprego, cultura, violência e lazer,

evitando a adesão fácil ao pendor para simplesmente rejeitar os políticos e as instituições em que eles atuam.

Noutro registro, por tudo que tem sido dito, seria importante que não desperdiçássemos, na armação dos

conflitos, as oportunidades dramáticas de salientar a importância e a legitimidade do argumentar. E isso não

exatamente porque todos têm direito à voz, mas pela possibilidade real de ser tocado pela opinião de quem

pensa diferente.

Quando se foca a avaliação dos jovens sobre a própria aparência física a horizontalidade mais uma

vez cobra seu preço, dessa vez na forma de uma insatisfação significativa, e que cresce. Segundo o

DataFolha, em 1997 eram 82% os que se diziam muito satisfeitos com a própria aparência, hoje esse

percentual caiu para 59%. Se a questão peso for isolada, cai de 61% para 50% os que se dizem muito

satisfeitos com o próprio peso entre uma pesquisa e outra. Não deve haver surpresa nisso por duas razões:

como já vimos, há, de um lado (por todo lado!) a disseminação de padrões ditados pela obstinação dos

adultos de não aparentarem a idade que têm, conduta que legitima em último grau a preocupação com a

aparência segundo padrão estético que não se pode, por definição, atingir (pelo menos por ainda muitos

anos a serem gastos em pesquisas médicas) e, de outro lado, a hipertrofia da chancela horizontal entre os

jovens – que se dá segundo atributos do corpo etc – torna cada vez mais trivial e aceitável a crueldade de

recriminar o outro pela sua aparência externa, julgamento que pode diferir dos parâmetros da obstinação

adulta, mas que é filho direto dela no simulacro de utopia almejada: o corpo como causa!. Não é de

surpreender que em uma pesquisa do Hospital das Clínicas de SP com 757 universitários entre 17 e 26 anos

de idade tenham sido encontrados 44% que já teriam empregado algum método para emagrecer (Folha de S.

Paulo, 27/7/08). Também não causa espécie que na pesquisa DataFolha apareçam 42% de garotas e 16% de

rapazes desejosos de fazer alguma cirurgia plástica. Na mesma pesquisa, só 45% usam camisinha sempre.

Se o fato de ter ou não ter filhos não define a condição de jovem, com certeza a juventude é vivida

de maneira diferente segundo a maternidade/paternidade. Na tabela a seguir temos os números para as

mulheres conforme tenham ou não algum filho nascido vivo, segundo faixas etárias. Como seria de esperar,

com o avanço da idade cresce o contingente das que já tiveram filho. Como a variação entre as nossas

Page 22: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 22

jovens é significativa, indo as que já são mães de 6,4% entre as mais novas e chegando a 63% entre as mais

velhas, não há dúvida de que este tema é fundamental quando se pensa em teledramaturgia para e sobre

jovens.

ALGUM FILHO NASCIDO VIVO SEGUNDO FAIXAS ETÁRIAS

ALGUM FILHO NASCIDO VIVO

FAIXAS

ETÁRIAS Sim Não Total

13418 8653285 8666703 ,2% 99,8% 100,0%

Menor de 15 anos

,0% 28,6% 10,5% 320035 4679433 4999468 6,4% 93,6% 100,0% De 15 a 17 anos ,6% 15,5% 6,1%

1170287 3979301 5149588 22,7% 77,3% 100,0% De 18 a 20 anos 2,2% 13,2% 6,3%

2901942 3832232 6734174 43,1% 56,9% 100,0% De 21 a 24 anos 5,6% 12,7% 8,2%

5273370 3038298 8311668 63,4% 36,6% 100,0% De 25 a 29 anos 10,1% 10,1% 10,1%

42415294

6031656 4844695

0 87,5% 12,5% 100,0%

30 ou mais anos

81,4% 20,0% 58,9% 5209434

6 3021420

5 8230855

1 63,3% 36,7% 100,0%

Total

100,0% 100,0% 100,0% IBGE-PNAD-2007

Como segundo a pesquisa do DataFolha as jovens, em média, começam a fazer sexo com 16,3 anos

de idade, não deixa de ser intrigante que apenas 6,4% das que estão entre 15 e 17 anos tenha tido filho, dado

o que se divulga sobre a falta de cuidados contra a gravidez indesejada e considerando que pela pesquisa do

DataFolha são 4% as jovens que declaram já terem feito aborto (e mesmo levando em conta que pode estar

havendo subnotificação do procedimento polêmico). Seja como for, não se pode deixar de alertar para o

fato de que, ao contrário do que um certo enfoque jornalístico poderia indicar, tema para teledramaturgia

Page 23: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 23

são os filhos que os jovens têm e estão lutando para criar nas adversas condições conhecidas e não as

polêmicas sobre aborto, que atingem uma minoria (sem prejuízo de reconhecer no tema relevância

humanitária e de saúde pública).

A distribuição segundo a caracterização da cor da pele dos respondentes da PNAD-2007 pode ser

exibida como nas duas tabelas abaixo:

Cor

Cor2

COR Frequenc

y Percent

Valid Percent

Cumulative Percent

branca 93762324 49,4 49,4 49,4

parda/preta

94440639 49,8 49,8 99,1

outras 1617367 ,9 ,9 100,0

Total 18982033

0 100,0 100,0

A população brasileira tem praticamente o mesmo número de indivíduos se declarando brancos ou

pardos/pretos.

Entre os jovens, a distribuição é a que aparece a seguir:

COR Frequenc

y Percent

Valid Percent

Cumulative Percent

branca 93762324 49,4 49,4 49,4 preta 14138167 7,4 7,4 56,8 parda 80302472 42,3 42,3 99,1 Outras 1617367 ,9 ,9 100,0

Total 18982033

0 100,0 100,0

Page 24: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 24

COR SEGUNDO AS FAIXAS ETÁRIAS

COR FAIXAS ETÁRIAS

branca parda/pre

ta Outras RESP.

Total

2064319

8 24792734 290526

45726458

45,1% 54,2% ,6% 100,0%

Menor de 15

anos 22,0% 26,3% 18,0% 24,1%

4558176 5627875 76417 1026246

8 44,4% 54,8% ,7% 100,0%

De 15 a 17 anos

4,9% 6,0% 4,7% 5,4%

4863998 5491806 89971 1044577

5 46,6% 52,6% ,9% 100,0%

De 18 a 20 anos

5,2% 5,8% 5,6% 5,5%

6338350 6931501 129857 1339970

8 47,3% 51,7% 1,0% 100,0%

De 21 a 24 anos

6,8% 7,3% 8,0% 7,1%

7740730 8273385 143998 1615811

3 47,9% 51,2% ,9% 100,0%

De 25 a 29

anos 8,3% 8,8% 8,9% 8,5%

4961787

2 43323338 886598

93827808

52,9% 46,2% ,9% 100,0%

30 ou mais

anos 52,9% 45,9% 54,8% 49,4%

93762324

94440639 1617367 1898203

30 49,4% 49,8% ,9% 100,0%

TOTAL

100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

A tabela acima deixa claro que quanto mais jovens são os respondentes, maior é o percentual de

pardos/pretos. Na faixa menor de 15 anos os pardos/pretos superam os brancos em mais de 4 milhões de

indivíduos. No conjunto do nosso público alvo (15-29 anos), os primeiros superam os segundos em quase 3

milhões de jovens. Os brancos só superam os pardos/pretos em número na faixa dos 30 anos ou mais de

idade. Para as outras cores auto-atribuídas da nossa aquarela étnica só há algo de notável nas duas faixas

mais jovens: elas são ainda menos expressivas.

Page 25: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 25

Na tabela a seguir, temos os mesmos números acima, mas separando pardos de pretos. O

procedimento é relevante para que se possa observar de maneira mais acurada o que vem ocorrendo com a

auto-declaração de cor do nosso público.

FAIXAS ETÁRIAS SEGUNDO COR

COR FAIXAS ETÁRIAS parda branca preta outras resp.

Total

2209274

3 2064319

8 2699991 290526 45726458

Menor de 15 anos

48,3% 45,1% 5,9% ,6% 100,0% 4904486 4558176 723389 76417 10262468

De 15 a 17 anos 47,8% 44,4% 7,0% ,7% 100,0%

4714615 4863998 777191 89971 10445775

De 18 a 20 anos 45,1% 46,6% 7,4% ,9% 100,0%

5847513 6338350 1083988 129857 13399708

De 21 a 24 anos 43,6% 47,3% 8,1% 1,0% 100,0%

6902365 7740730 1371020 143998 16158113

De 25 a 29 anos 42,7% 47,9% 8,5% ,9% 100,0%

3584075

0 4961787

2 7482588 886598 93827808

30 ou mais anos

38,2% 52,9% 8,0% ,9% 100,0% 8030247

2 9376232

4 1413816

7 1617367 189820330

TOTAL 42,3% 49,4% 7,4% ,9% 100,0%

Interessante observar que os pretos fazem movimento praticamente inverso ao dos pardos:

enquanto a participação dos primeiros cresce ao passo que aumenta a idade, nos segundos ela claramente

cresce conforme cai a idade do respondente. Ou seja, a auto-identificação dos mais jovens se dá

crescentemente no sentido da miscigenação brasileira, e não no sentido da afirmação da negritude: enquanto

entre os com mais de 30 anos os pardos são apenas 38%, entre os mais jovens eles já chegam a 48%; na

outra ponta, os pretos são 8% entre os mais velhos e caem para 6% entre os mais jovens.

Esses aspectos têm relevância para nossos objetivos principalmente quando se tem em mente a

verossimilhança da dramaturgia com a realidade. Como mostra a tabela abaixo, a participação dos pardos e

pretos está muito acima da média entre os de mais baixa renda

Page 26: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 26

COR FAIXAS DE RENDA parda branca preta outras resp.

Total

Até 500 reais 60,8% 38,4% 58,0% 40,1% 48,9% Mais de 500 a 1000

reais 26,2% 31,6% 28,8% 24,6% 29,2%

Mais de 1000 a 1500 reais

6,4% 11,1% 6,6% 11,1% 8,9%

Mais de1500 a 3000 reais

4,8% 11,9% 5,2% 14,4% 8,6%

Mais de 3000 reais 1,8% 7,0% 1,5% 9,9% 4,5% TOTAL 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Enquanto a média no segmento de até 500 reais é de 48,9%, superam os 60% aqueles que estão no

segmento e se declararam pardos – entre os pretos chega-se a 58%.

Essa é uma distribuição bastante conhecida e contra ela é que se têm batido muito dos que lutam

contra a desigualdade no Brasil.

Menos conhecida é a distribuição exibida pela tabela abaixo:

FAIXAS ETÁRIAS SEGUNDO COR E FAIXAS DE RENDA

COR FAIXAS DE RENDA

FAIXAS

ETÁRIAS parda branca preta outras resp.

Total

De 15 a 17

anos 47,7% 44,2% 7,5% ,6% 100,0%

De 18 a 20

anos 47,8% 43,8% 7,5% ,9% 100,0%

De 21 a 24

anos 50,0% 40,0% 9,1% ,9% 100,0%

De 25 a 29

anos 51,3% 37,1%

10,8%

,7% 100,0%

30 ou mais

anos 49,0% 40,2%

10,2%

,6% 100,0%

Até 500 reais

subTotal 49,3% 40,3% 9,7% ,7% 100,0%

De 15 a 17

anos 35,7% 59,7% 3,4% 1,1% 100,0%

De 18 a 20

anos 29,1% 63,8% 6,5% ,7% 100,0%

De 21 a 24

anos 33,7% 58,3% 7,4% ,6% 100,0%

Mais de 500 a 1000 reais

De 25 a 29

anos 35,5% 56,0% 7,8% ,6% 100,0%

Mais de 500 a 1000 reais (CONTINUAÇÃO)

30 ou mais

anos 36,5% 54,3% 8,4% ,8% 100,0%

Page 27: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 27

subTotal 35,6% 55,5% 8,1% ,7% 100,0%

De 15 a 17

anos 55,5% 44,5% 0% 0% 100,0%

De 18 a 20

anos 27,8% 67,8% 4,2% ,2% 100,0%

De 21 a 24

anos 24,5% 69,9% 4,1% 1,4% 100,0%

De 25 a 29

anos 27,1% 66,1% 5,7% 1,2% 100,0%

30 ou mais

anos 29,1% 63,5% 6,4% 1,0% 100,0%

Mais de 1000 a 1500 reais

subTotal 28,5% 64,4% 6,1% 1,1% 100,0%

De 15 a 17

anos 45,7% 54,3% 0% 0% 100,0%

De 18 a 20

anos 26,1% 67,8% 5,3% ,8% 100,0%

De 21 a 24

anos 19,9% 72,9% 4,8% 2,4% 100,0%

De 25 a 29

anos 21,4% 73,2% 4,4% 1,0% 100,0%

30 ou mais

anos 22,7% 70,7% 5,1% 1,5% 100,0%

Mais de1500 a 3000 reais

subTotal 22,4% 71,1% 5,0% 1,4% 100,0%

De 18 a 20

anos 19,3% 80,7% 0% 0% 100,0%

De 21 a 24

anos 18,0% 78,5% 1,5% 2,0% 100,0%

De 25 a 29

anos 18,1% 77,3% 2,5% 2,1% 100,0%

30 ou mais

anos 15,5% 79,9% 2,8% 1,9% 100,0%

Mais de 3000 reais

subTotal 15,7% 79,7% 2,7% 1,9% 100,0%

Na tabela acima, as células sombreadas em vermelho são as únicas que discrepam da mais do que

conhecida correlação entre cor, renda e idade na sociedade brasileira. No geral, quão mais escura se tem a

pele, menor a remuneração que se recebe pelo trabalho. Depois, quão mais jovem se é, também é provável

uma remuneração menor, com matizes. De modo que ser jovem e não-branco é quase certeza de uma

remuneração baixa, salvo para alguns casos, como os das células em vermelho na tabela. Embora o autor

não tenha feito exploração detida, o mais provável é que essa elevada participação relativa dos pardos muito

jovens em extratos de renda mais alta (eles são cerca de apenas 3 mil indivíduos em todo o Brasil) se deva à

prática de esportes, mormente o futebol, uma vez que na faixa de renda de 1000 a 1500 todos os pardos

Page 28: Teledramaturgia em TV Pública

FICTV/MAIS CULTURA • 28

entre 15 e 17 anos são meninos e na faixa de renda seguinte, apenas cerca de 1/3 deles (957) é de meninas.

Um pequeno exemplo, talvez, do vigor e da destreza dos corpos abrindo caminho na desigualdade.

Em suma (7) – Muito bem faria nossa teledramaturgia se já na escolha dos elencos rompesse com o padrão do belo convencional. Não se trata de fazer a opção preferencial pelos feios, mas de questionar a noção do que é feio e do que é bonito. Segundo o padrão oculto vigente, ser negro ou mulato no Brasil ainda é meio caminho andado para não ser aceito, mesmo que tenha havido mudança nos últimos dez anos, mormente na TV aberta e na publicidade. Uma teledramaturgia que retratasse com verossimilhança o padrão étnico brasileiro teria de começar por contratar para o elenco mais de 50% de não-brancos, uma vez que a proposta não é retratar a vida dos mais ricos. Entre outros tratamentos possíveis, talvez desse resultado interessante uma proposta inteiramente composta por não-brancos. Imagina-se que o interesse aumentaria na exata medida em que não se buscasse, também, fazer do produto um libelo pró-negro ou pró-mestiçagem. Ou seja, um elenco não-branco representando uma história/situação/tema que não tratasse de questões étnicas. Numa outra chave, refletir sobre os filhos criados por jovens, eles próprios educados em meio ao crescente declínio das relações verticais, daria ensejo a uma ampla gama de tratamentos para as questões que se discutiu neste texto e em outros a que os realizadores terão acesso. Finalmente, parece relevante salientar que segundo projeções demográficas a magnitude atual da fatia de jovens na sociedade brasileira não se repetirá no futuro – os jovens vão diminuir em número. Se for assim, quando a mudança se der e eles forem os adultos que inescapavelmente se tornarão, haverá uma minoria de jovens buscando alternativas para suas vidas e querendo apoio. Encontrarão? Em que termos?

Quanto às relações parentais imediatas, tanto na pesquisa da FPA quanto na do DataFolha, a mãe é,

de longe, a figura em quem os jovens mais confiam, bem longe dos pais, dos pares fraternos ou dos avós.

Para além das banalidades biológicas e culturais que costumam, não sem acerto, serem invocadas para

explicar a preferência, o leitor dirá quanto o autor estaria forçando a barra ao ver também aí um sintoma do

deslocamento da verticalidade em favor da horizontalidade: afinal, são as mães as mais dispostas a

contemporizar com os filhos, não raro intercedendo por eles diante da severidade paterna, ou frente à

disciplina escolar, por exemplo. Além disso, em num registro ainda mais negativo, em nossa perversa cultura

as mães estão ainda muito desautorizadas na ordem familiar, mormente aquelas com menor escolaridade e,

por isso, tendem a se valer da relação com os filhos para demarcar um certo lugar, criando uma

cumplicidade que solapa a caracterização de papéis que seria desejável encontrar.