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F A C U L D A D E C Á S P E R L Í B E R O Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Radialismo, Especialização e Mestrado em Comunicação Marcela Aparecida de Marcos SARAVIRTUAR Umbanda em Rede e Rituais On-line e Off-line São Paulo 2012

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Monografia apresentada à Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero em 5 de dezembro de 2012 para conclusão do curso de Jornalismo.

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F A C U L D A D E C Á S P E R L Í B E R O

Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Radialismo,

Especialização e Mestrado em Comunicação

Marcela Aparecida de Marcos

SARAVIRTUAR Umbanda em Rede e Rituais On-line e Off-line

São Paulo

2012

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MARCELA APARECIDA DE MARCOS

SARAVIRTUAR

Umbanda em Rede e Rituais On-line e Off-line

Monografia apresentada à Faculdade Cásper Líbero como pré-requisito para obtenção de Certificado de Conclusão de Curso de graduação em Jornalismo. Orientador: Prof. Dr. Liráucio Girardi Jr.

São Paulo 2012

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MARCOS, Marcela Aparecida de. 126 páginas. Saravirtuar: Umbanda em Rede e Rituais On-line e Off-line / Marcela Aparecida de Marcos – São Paulo, 2012. Orientador: Prof. Dr. Liráucio Girardi Jr. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo) Faculdade Cásper Líbero 1. Umbanda. 2. Rede. 3. Novas Tecnologias de Comunicação.

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MARCELA APARECIDA DE MARCOS

SARAVIRTUAR

Umbanda em Rede e Rituais On-line e Off-line

Monografia apresentada à Faculdade Cásper Líbero como pré-requisito para obtenção de Certificado de Conclusão de Curso de graduação em Jornalismo. Orientador: Prof. Dr. Liráucio Girardi Jr.

5 de dezembro de 2012

Data da Aprovação

Profª. Drª. Daniela Osvald Ramos

Faculdade Cásper Líbero

Profª. Drª Sandra Lucia Goulart

Faculdade Cásper Líbero

Dulcilei da Conceição Lima

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Ao povo de Umbanda, que em sua luta diária no exercício da fé me reafirma, a cada

amanhecer, o significado da palavra amor.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a meu orientador Liráucio Girardi Júnior, primeiro por me atentar para a

importância da realização dessa pesquisa; depois pela paciência e dedicação com

que me ajudou a desenvolvê-la.

À Faculdade Cásper Líbero e ao Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP),

especialmente à professora Maria Goreti Juvêncio Sobrinho, pela oportunidade da

iniciação científica, que me permitiu começar a pesquisar o tema que viria nortear

também este Trabalho de Conclusão de Curso.

Às professoras da Cásper Sandra Lucia Goulart, de Antropologia, por me ensinar a

me comportar diante de uma cultura; e Daniela Osvald Ramos, de Novas

Tecnologias, pela inspiração acadêmica e pelo incentivo à pesquisa em Novas

Tecnologias na Faculdade Cásper Líbero.

Ao Babalorixá Marco Antonio dos Santos e seus filhos do Gruel pela disposição

constante em me ajudar, em todos os sentidos; e pela oportunidade de pisar pela

primeira vez no solo sagrado, três anos antes dessa pesquisa.

A Isabelle Vázquez, Giovanna Sacche Salles, Vinícius Carini e Flávio Barolli,

estagiários e amigos da NextLeader Soluções Digitais, aos quais ensinei mas, muito

mais, aprendi sobre o “mundo digital”.

Aos queridos amigos do Estadão, especialmente Murilo Rettozi por me permitir

discutir a Umbanda a partir de sua experiência, observá-la e senti-la em sua

intensidade; e Iara Silva, que me acompanhou nessas discussões, observações e

sensações com o mesmo interesse contínuo.

A Andréa Destefani pelas contribuições textuais que, direta ou indiretamente, foram

essenciais para este trabalho.

A minha família; meus pais Marco Dorival de Marcos e minha mãe Vera Lucia Bueno

pela companhia durante algumas idas a campo, meu irmão Caio Vinícius de Marcos

pela opinião crítica, minha madrinha Janny Aparecida de Marcos por me entregar à

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Umbanda em um momento nebuloso de minha vida e minha tia Maria Helena de

Marcos Neves por me entregar em todos os momentos, estando eu pronta ou não

para essa entrega.

À Mãe Conceição Florindo (responsável pelo CEIE – Centro de Estudos Iniciáticos

Evolução) que conheci através de uma rede social e que por isso mesmo sintetiza o

que exponho nesse trabalho.

A Maria Aparecida Linares por me auxiliar enviando reportagens condizentes com a

proposta da pesquisa e, principalmente, por intermediar o contato com Pai Ronaldo

Linares, que difundiu a Umbanda de várias formas e, portanto, contribuiu para

chegarmos até aqui.

Faço um agradecimento especial a Betho Lima, que propiciou meu primeiro contato

com análises de redes sociais e incentivou meus estudos a respeito, sempre

disposto a me ensinar cada vez mais e a criticar de maneira construtiva o que eu

produzia. Sua experiência foi determinante para aprimorar meu olhar sobre a

comunicação em rede.

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“... Se o povo te impressionar demais É porque são de lá os teus ancestrais Pode crer no axé dos teus ancestrais

Pode crer no axé dos teus ancestrais...”

(Rosinha de Valença e Martinho da Vila – Semba dos Ancestrais)

“A internet é o tecido de nossas vidas”

(Manuel Castells – A Galáxia da Internet)

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RESUMO

Palavras-chave: Rede, Umbanda, Comunicação, ciberespaço, blogosfera, encantamento, magia, sincretismo.

Estamos interligados de várias maneiras. Muito antes do advento da internet, as pessoas já se “conectavam”, socialmente, por meio de uma rede de sinais, códigos, linguagens e, principalmente, interesses em comum. A ideia mais simples de rede pode ser um emaranhado de pequenas interligações. Quando uma rede que se forma no espaço físico, off-line passa a se constituir também on-line, esse fenômeno merece atenção sob diversos aspectos. Muito mais se todo esse processo envolver um tema que permite ligações entre vários “mundos”, além do físico, como é o caso da religião. Neste Trabalho de Conclusão de Curso proponho estudar a maneira pela qual as mudanças tecnológicas e a formação de novos ambientes comunicacionais são apropriadas por uma rede de práticas sociais, rituais, religiosas vinculadas à Umbanda. Procuro entender como essas conexões, ao mesmo tempo físicas, espirituais e virtuais são analisadas sob a perspectiva da Rede das redes, a Internet, e como podem alterar de modo quantitativo e qualitativo as possibilidades dessa conectividade.

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ABSTRACT

Keywords: Umbanda, Communication, New Communication Technologies, social networks, cyberspace, blogosphere, syncretism.

We are interconnected in so many ways. Long before the advent of the internet, people already did "connect" socially through a network of signs, codes, languages, and especially common interests. The simpler idea of network may be a small tangle of interconnections. When a network that forms in the physical space, offline, is also to be online, this phenomenon deserves attention in several respects. Much more if this whole process involves a theme that allows connections between various "worlds" beyond the physical, as in the case of religion. In this Work Completion of Course I purpose to study the way in which technological changes and the creation of new communication environments are suitable for a network of social practices, rituals, religious linked to Umbanda. I seek to understand how these connections, while physical, spiritual and virtual are analyzed from the perspective of the Network of networks, the Internet, and how they can change quantitatively and qualitatively the possibilities of connectivity.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO.................................................................................................................. 11

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1. A UMBANDA ......................................................................................................... 15

1.1 Surgimento da Umbanda: conceituação, termo e religião ................................ 17

1.2 Umbanda em termos ........................................................................................ 25

1.3 Gruel – Grupo Umbanda é Luz ....................................................................... 29

1.3.1 Mediunidade e a figura do dirigente ......................................................... 29

1.3.2 “Umbandas” e o referencial teórico .......................................................... 33

1.3.3 As giras no Gruel ..................................................................................... 35

1.3.4 Os trabalhos e a ideia de rede ................................................................. 45

2. DO RITUAL AO VIRTUAL ..................................................................................... 52

2.1 “Programa do Seu Tranca”: um estudo de caso .................................................. 52

2.1.1 Ausência e presença de elementos do ritual ........................................... 55

2.1.2 A interatividade e a quebra de barreiras .................................................. 59

2.2 A “Rede das redes” e o ciberespaço ................................................................ 67

2.2.1 As redes sociais e os vínculos on-line e off-line ....................................... 69

2.2.2 Uma nova esfera pública ......................................................................... 74

2.3 Capital na Umbanda: dentro e fora das redes ................................................. 80

3. INTERESSE PELA UMBANDA NA REDE ............................................................ 85

3.1. A Umbanda e a modernidade líquida .............................................................. 85

3.2 A Umbanda e o reencantamento do mundo .................................................... 91

4. MANIFESTAÇÕES IDENTIFICADAS COM A UMBANDA: REVISÃO DE

CONCEITOS ............................................................................................................. 95

4.1 Propósito de Exu na Umbanda ........................................................................ 96

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4.2 Reais contribuições virtuais: formação de redes de amizade e

compartilhamento de conteúdo ............................................................................ 105

4.3 O reencantamento do mundo nos terreiros virtuais ....................................... 111

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 116

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 118

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12

INTRODUÇÃO

Tendo em vista meu interesse pela pesquisa acadêmica, no final de 2010,

estava às voltas com o meu primeiro projeto de iniciação científica junto ao Centro

Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) da Faculdade Cásper Líbero. Foi quando o

professor Liráucio Girardi Jr., orientador dessa monografia e da pesquisa inicial,

atentou para o fato de que as diversas possibilidades de estudo das redes poderia

ser integrado a outro objeto que atraía muito a minha atenção naquele momento: a

Umbanda.

Meu interesse pela religião de Umbanda se deu de maneira crescente desde a

infância, ganhando até este momento certa projeção por razões que não cabem

serem desenvolvidas aqui, mas que me levaram a querer me aproximar de um

mundo que eu, inicialmente, considerava mágico - com seus rituais, suas muitas

origens, sua cosmogonia... Enfim, o universo sincrético no qual uma religião nascida

em solo brasileiro estava inserida.

Essa tentativa de aproximação se deu inicialmente on-line, quando eu me

conectava, em um sentido mais amplo, a pessoas que eu não conhecia

pessoalmente, mas que integravam minha rede social (virtual). Passei a observar

as várias ligações que se formavam entre os nós constituintes dessa rede – minha e

de tantas outras pessoas, já inseridas ou não no contexto religioso da Umbanda.

Passei também a acompanhar blogs cujo conteúdo era produzido por umbandistas

(sendo eles tanto os donos dos blogs como seus seguidores) e a segui-los no

Twitter e em outras redes sociais. Passei, finalmente, a observar sua linguagem, a

maneira como descreviam os rituais que eu pouco conhecia pessoalmente – já que

não basta frequentar um terreiro, por exemplo, para conhecer e saber descrever

cada detalhe daquilo acontece dentro de uma gira ou “sessão” religiosa de

Umbanda.

Dessa forma, quis conhecer melhor esses dois ambientes comunicacionais e o

modo pelo qual poderiam estabelecer múltiplas interconexões. A atenção deveria

estar voltada tanto para as práticas presenciais vistas no(s) terreiro(s), quanto para a

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relação que as pessoas que os frequentavam eram capazes de estabelecer de

variadas formas no mundo virtual.

A monografia de iniciação científica (Saravirtuar: A Contribuição das Redes

Sociais para a Umbanda) foi a etapa fundamental da realização desta monografia de

conclusão de curso de graduação. A partir dessa experiência consegui, de certa

forma, “iniciar” minha entrada nesses dois mundos relacionados à Umbanda: o

virtual e o físico-espiritual.

Quando falo em iniciação, em um primeiro momento, não estou aludindo ao

sentido ritualístico do termo, mas ao modo pelo qual procurei dar meus primeiros

passos no universo de crenças, signos, práticas, discursos etc. que caracterizam

essa religião.

Para desenvolver a monografia de graduação, tive como ponto de partida essa

pesquisa anterior, mas além de me aprofundar nas principais questões tratadas

naquele projeto, acrescentei a ela observações de campo em um terreiro específico,

o Gruel (Grupo Umbanda é Luz). Essa monografia, portanto, manteve algumas

análises já iniciadas na iniciação científica, mas procurou aprofundá-las, atualizá-las

e expandi-las.

A constatação da existência de diversos tipos de redes virtuais em torno da

Umbanda tornou-se fundamental para o presente trabalho. Muitas das referências

sobre Umbanda foram encontradas na própria internet, seja nos textos postados em

blogs e sites (escritos por umbandistas que compartilhavam experiências vividas nos

terreiros); seja nas páginas sobre Umbanda no Facebook ou nos vídeos de giras no

YouTube etc.

Porém, antes de se falar da religião umbandista na internet e assim verificar

como foram capazes de atrair comentários de umbandistas e não umbandistas

interessados no assunto procurei mostrar a formação off-line dessa rede religiosa,

principalmente durante as sessões realizadas nos terreiros.

A monografia foi dividida em quatro principais capítulos. No primeiro, “A

Umbanda”, procurei fazer um panorama geral sobre a religião, desde suas várias

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origens (passando também pelas origens do vocábulo Umbanda) como sua

fundação no Brasil em 1908. Neste capítulo também falo sobre termos que hoje

ainda se confundem com o ritual umbandista, como a ideia do “baixo espiritismo”, a

Quimbanda em oposição à Umbanda, “macumba” e “esquerda”. É nele também que

estão as observações de campo do terreiro Gruel.

No segundo capítulo, “Do Real ao Virtual”, o grande exemplo que me permitiu

relacionar a transposição dos rituais da Umbanda entre os espaços off-line e on-line

foi a análise de um programa (“Programa do Seu Tranca”) promovido por uma web-

rádio (“Toques de Aruanda”), transmitido ao vivo pela internet. Nele, a entidade

(Exu) Tranca Rua das Almas, conhecida entre umbandistas e não umbandistas

incorpora em uma médium para responder a dúvidas dos internautas. Neste capítulo

exploro alguns conceitos básicos referentes ao estudo da cibercultura e do

ciberespaço.

No terceiro capítulo, “Interesse pela Umbanda na Rede”, investigo os possíveis

motivos pelos quais a Umbanda tem gerado tanto interesse em um mundo moderno

ou pós-moderno que se desloca entre uma modernidade líquida e um

“reencantamento” do mundo.

No quarto e último capítulo, trabalho com a noção de terreiro virtual para falar de

manifestações identificadas com a Umbanda na rede e, por meio delas, revisar

conceitos anteriormente trabalhados. O que considero “identificável” com a

Umbanda, nesse caso, não se trata, necessariamente, dos aspectos ritualísticos

presentes nos terreiros, mas a certas imagens ou práticas que são associadas, de

alguma forma, a essa prática religiosa. Um exemplo disso é o ato de acender velas,

importante tanto para a Umbanda quanto para a Igreja Católica; uma ação que

experimenta também diversos tipos de “tradução” virtual, ou virtualmente possível.

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1. A UMBANDA

Refletiu a luz divina

Com todo seu esplendor

É do reino de Oxalá

Onde há paz e amor

Luz que refletiu na terra

Luz que refletiu no mar

Luz que veio de Aruanda

Para tudo iluminar

A Umbanda é paz e amor

É um mundo cheio de luz

É a força que nos dá vida

E à grandeza nos conduz

Avante, filhos de fé

Como a nossa lei não há

Levando ao mundo inteiro

A bandeira de Oxalá

Os versos acima são entoados por umbandistas como o hino que sintetiza a

religião que escolheram seguir. A Umbanda é, seguindo os versos, “luz divina”, que

“é do reino de Oxalá”, que “refletiu na terra”, que “refletiu no mar”, que “veio de

Aruanda para tudo iluminar”, que é “paz e amor”, “mundo cheio de luz”, “força que

nos dá vida e à grandeza nos conduz”, que tem uma “lei” e uma “bandeira”.

Mas, afinal, o que é a Umbanda? O que a difere de tantas outras religiões e o

que a torna, de fato, uma religião? Como surgiu a religião sobre a qual ainda há

tanta confusão, entre adeptos e não adeptos?

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Antes de abordar a discussão sobre Umbanda em rede, ideia norteadora

deste trabalho, é importante contextualizar a origem dessa religião capaz de causar

uma profunda atração em alguns e tamanha aversão em outros.

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1.1 Surgimento da Umbanda: conceituação, termo e religião

O ano de 1908 é reconhecido como o ano no qual a religião teria sido

fundada, no Rio de Janeiro, por uma entidade (Caboclo) incorporada no médium

Zélio Fernandino de Moraes. Embora ainda se entenda a Umbanda como integrante

uma classificação que abrange outras manifestações religiosas, como “afro-

brasileiras”, Zélio de Moraes, considerado o anunciador da Umbanda, nessa

anunciação – durante a incorporação que descreverei adiante – caracteriza a

Umbanda como uma religião fundada em solo brasileiro. O termo “afro”, por sua vez,

relaciona-se com algumas de suas matrizes:

Salientamos que ela [a Umbanda] tem na sua base de formação os cultos afros, os cultos nativos, a doutrina espírita kardecista, a religião católica e um pouco da religião oriental (Budismo e Hinduísmo) e também da magia. (SARACENI, 2001, p.12)

Ainda que haja muita confusão entre Umbanda e Espiritismo, estamos diante

de duas coisas diferentes, que suscitam confusão entre os próprios umbandistas.

Isso porque

embora o umbandista possa se identificar como espírita, o ritual da religião de Umbanda não pode ser definido como ritual espírita, pois Allan Kardec, com clareza, afirma em sua codificação que Espiritismo não é religião, não tem ritual e não aceita a prática de magia. Kardec é cientista e pesquisador, um homem do mundo moderno-positivista, para quem a magia representava algo atrasado com relação à religião, e esta atrasada com relação à ciência. (CUMINO, 2011, p.42)

Allan Kardec é o pseudônimo do professor e escritor francês Hippolyte Léon

Denizard Rivail. É comum ouvirmos e lermos o termo kardecistas para designar os

seguidores da doutrina postulada por Kardec. E em que consiste, então, essa

doutrina? Seus princípios, de acordo com aquele que os formulou, são:

sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade - segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com o concurso de diversos médiuns - recebidos e coordenados. (KARDEC, 1957).

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Uma das obras mais importantes de Kardec é O Livro dos Espíritos1. Na introdução

o autor situa as primeiras referências à comunicação com espíritos da seguinte

forma:

O primeiro fato observado foi o da movimentação de objetos diversos. Designaremos vulgarmente pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas. Este fenômeno, que parece ter sido notado primeiramente na América, ou melhor, que se repetiu nesse país, porquanto a História prova que ele remonta à mais alta antigüidade, se produziu rodeado de circunstâncias estranhas, tais como ruídos insólitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva. Em seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas partes do mundo. A princípio quase que só encontrou incredulidade, porém, ao cabo de pouco tempo, a multiplicidade das experiências não mais permitiu lhe pusessem em dúvida a realidade. (KARDEC, 1957, grifos do autor)

A partir do fenômeno das mesas girantes descrito por Kardec, podemos entender

outra denominação que ainda é muito comum: mesa branca. Não raro encontramos

o termo empregado como sinônimo da comunicação de médiuns com espíritos de

desencarnados (pessoas que já morreram) ao redor de uma mesa.

Kardec fala em “espíritos superiores” como os responsáveis por “ensinar” os

princípios da doutrina espírita. A ideia de superioridade e seu oposto, a inferioridade

dos espíritos está presente nas primeiras pesquisas de antropólogos e sociólogos

anteriores à própria afirmação da Umbanda como religião. Trata-se da denominação

de “baixo espiritismo”, que se propaga junto a outras oposições semânticas como

“verdadeiro” e “falso” espiritismo.

A partir de que bases e assumindo que formas uma distinção entre "falso" e "verdadeiro" pôde ser formulada pelos espíritas da Federação Espírita Brasileira? Antes de tudo, é preciso lembrar que uma distinção dessa natureza pode ser depreendida de algumas colocações do próprio Allan Kardec (1978), tido como o principal codificador da doutrina espírita. O Livro dos Médiuns dedica um capítulo inteiro a formas espúrias em que se envolve o "espiritismo", divididas em dois grandes grupos: as "fraudes" e as "charlatanices", as primeiras relacionadas aos enganadores e as outras aos que exploram pecuniariamente o exercício da "mediunidade". Como se percebe, os espíritas eram os primeiros a reconhecer que em torno

1 KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Reprodução fotomecânica da 1

a ed. francesa. 1

a ed, bilíngüe,

trad. e ed. Canuto Abreu. São Paulo, Companhia Editora Ismael, 1957.

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da "mediunidade", efetiva ou simulada, desenvolviam-se apropriações irregulares e reprováveis. (GIUMBELLI, 2003, on-line, grifos do autor)

Práticas mediúnicas identificáveis com cultos de matriz africana não

demoraram a ser relegadas à categoria do “baixo espiritismo” e à outra

denominação equivocada, a “macumba”.

Magnani traz duas importantes referências à macumba, baseado em Roger

Bastide e Arthur Ramos, dois antropólogos que se dedicaram ao estudo dos cultos

africanos:

No Rio de Janeiro, até o término da primeira década do século XIX, conservou-se a diferenciação por nações: as de origem sudanesa, principalmente nagôs, possuíam seus candomblés; as bantos, a cabula. As religiões dos bantos eram mais permeáveis à influência de outros cultos: dos candomblés nagôs, a cabula banto assimila a estrutura do culto e alguns orixás; em contato com outras crenças e ritos adota os caboclos catimbozeiros, práticas mágicas européias e muçulmanas, os santos católicos e, finalmente, sofre o influxo do espiritismo, que fora introduzido no Brasil por volta da segunda metade do século XIX. Está surgindo a macumba, descrita por Arthur Ramos como o ‘sincretismo jeje, nagô, muçulmano, banto, caboclo, espírita e católico’ e que para Bastide era, a princípio, a introdução de certos orixás e ritos das nações iorubás na cabula das nações bantos. ‘Bastará que a esses dois elementos se juntem os espíritos dos caboclos, os santos do catolicismo, enfim, os desencarnados do espiritismo, para que a macumba, tal qual existe

hoje em dia, nasça realmente’. (MAGNANI, 1991, p. 21, grifos meus).

A macumba, no período descrito (segunda metade do século XIX) era uma

designação empregada para abranger uma série de cultos sincréticos que foram

relacionados à feitiçaria. Práticas que hoje fazem parte do cosmo religioso do

Candomblé, por exemplo, também eram entendidas como “macumba”, talvez por

serem demasiado estranhas à cultura católica dominante. Mas basta recorrermos a

expressões populares que ainda são ditas para sugerir que pouca coisa tenha

mudado quando se emprega a palavra “macumba”. Isso porque, ainda hoje, o

vocábulo é relacionado a outros, como despacho e oferenda, e carrega um forte

apelo negativo (basta lembrar a expressão popular “chuta que é macumba!”).

Os cultos de matriz africana, inicialmente restritos a negros escravizados e,

portanto, proibidos pela Igreja Católica tiveram, em razão dessa resistência, de se

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disfarçar, fato que gerou correspondências entre os Orixás e os santos católicos;

correspondência, essa, que até hoje permanecem, a exemplo da identificação de

São Jorge com o Orixá Ogum e até mesmo com o Orixá Oxóssi. Ou, ainda, a

imagem católica de Jesus Cristo em alguns Congás de terreiros, em representação

a Oxalá. Nessa mistura de elementos ritualísticos africanos com elementos cristãos

e também de rituais indígenas é que a Umbanda estava surgindo.

Renato Ortiz fala da Umbanda como o “embranquecimento” de algumas

práticas do Candomblé, deixando para este último a preservação da herança

africana, enquanto na Umbanda os cultos aos Orixás são misturados a outros cultos.

Segundo o autor, “a Umbanda aparece como uma solução original; ela vem

tecer o liame da continuidade entre as práticas mágicas populares à dominância

negra e a ideologia espírita. Sua originalidade consiste em reinterpretar os valores

tradicionais, segundo o novo código fornecido pela sociedade urbana e industrial. O

que caracteriza a religião é o fato de ela ser o produto das transformações

socioeconômicas que ocorrem em determinado momento da história brasileira”

(ORTIZ, 1991, p. 48).

Ele insiste na contextualização social do surgimento da Umbanda, que “nasce

justamente no momento em que a sociedade de classes se consolida”. Um traço

marcante para Ortiz é a forte presença da classe média na formação da religião

umbandista, decisiva para tornar a Umbanda “o resultado de um movimento dialético

de embranquecimento e empretecimento”. Assim, para o autor,

como todo sistema simbólico, a Umbanda tende a legitimar a objetivação dos elementos de ordem sagrada que se encaixam dentro da lógica do seu universo religioso. Esse esforço de legitimação, de explicação do mundo, é necessário, pois não se deve esquecer que a religião umbandista é um novo valor que emerge no seio da sociedade brasileira. Isso faz com que a religião se aproprie dos valores dominantes da sociedade global como elementos legitimadores, num sentido que muitas vezes se assemelha àquilo que os antropólogos chamaram de ‘fundação do mundo’ quando estudaram os mitos das sociedades primitivas. O processo legitimador situa-se assim dentro de uma perspectiva histórica; ele determina o momento em que a religião busca um status, em conformidade com o conjunto de valores da sociedade brasileira. Encontramo-nos portanto diante de um processo de integração, mas de uma integração legitimada pela sociedade; daí a recusa e o horror das práticas negras e dos preconceitos de classe. A análise do discurso umbandista mostra como se desenvolve o trabalho da intelligentzia religiosa na busca de um status que corresponda aos

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valores dominantes da sociedade global. Ela ensina ainda de que forma estes valores dominantes agem como elementos e legitimação de uma religião emergente. (ORTIZ, 1991, p. 163, grifos do autor).

Já Roger Bastide enxerga na Umbanda “a única forma possível de adaptação

religiosa da comunidade negra à urbanização e à industrialização”. (1971, p. 302).

Se dentro do cosmo religioso da Umbanda há várias origens, por vezes

imprecisas essa imprecisão também se dá na medida em que teóricos tentam

buscar a origem da palavra “Umbanda”.

No documento referente ao Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de

Umbanda2, publicado em 1942, Diamantino Coelho Fernandes apresentou a tese O

Espiritismo de Umbanda na Evolução dos Povos, expondo uma origem sânscrita

para a palavra:

O vocábulo UMBANDA é oriundo do sânscrito, a mais antiga e polida de todas as línguas da terra, a raiz mestra, por assim dizer, das demais línguas existentes no mundo. Sua etimologia provém de AUM-BANDHÃ, (om-bandá) em sânscrito, ou seja, o limite no ilimitado. O prefixo AUM tem uma alta significação metafísica, sendo considerado palavra sagrada por todos os mestres orientalistas, pois que representa o emblema da Trindade na Unidade, pronunciado ao iniciar-se qualquer ação de ordem espiritual, empresta à mesma a significação de o ser em nome de Deus. [...] BANDHÃ, (Banda) significa movimento constante ou força centrípeta emanante do Criador, a envolver e atrair a criatura para a perfectibilidade. Uma outra interpretação igualmente hindu, nos descreve BANDHÃ (Banda) como significando um lado do conhecimento, ou um dos templos iniciáticos do espírito humano.

O escritor umbandista Alexandre Cumino, autor do livro História da Umbanda,

traz um levantamento teórico de outras origens do vocábulo, como a origem da

língua Quimbundo (de dialetos Bantos falados em Angola, Congo, Guiné e outros)

sugerida por Cavalcanti Bandera; origem tupi mencionada em entrevistas feitas por

João de Freitas; origem sânscrita também sustentada por Ramatis, dentre muitas

outras origens (CUMINO, 2011, p. 91-103).

2 Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, Rio de Janeiro, 19 a 26 de outubro

de 1941./Jornal do Commercio, RJ, 1942.

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Há também a herança oriental, que fica clara nas palavras de Baptista de

Oliveira na introdução do mesmo documento referente ao Primeiro Congresso de

Umbanda:

Umbanda veio da África, não há dúvida, mas da África Oriental, ou seja do Egito, da terra milenária dos Faraós, do Vale dos Reis e das Cidades sepultadas na areia do deserto ou na lama do Nilo. (PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRO DO ESPIRITISMO DE UMBANDA, 1942).

Mas se é difícil precisar de onde exatamente “veio” a Umbanda, não é tão

difícil falar de sua fundação, ou seja, do estabelecimento da Umbanda como religião,

que partiu de uma incumbência que teria recebido o médium brasileiro Zélio

Fernandino de Moraes.

Nascido em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, em 1891, ele teria sido

acometido por uma paralisia inexplicável, incompreendida pelos médicos e por

padres. Fatos estranhos começaram a acontecer quando ele tinha dezessete anos.

“Ora ele assumia a estranha postura de um velho, falando coisas aparentemente

desconexas, como se fosse outra pessoa e que havia vivido em outra época, e em

outras ocasiões, sua forma física lembrava um felino lépido e desembaraçado que

parecia conhecer todos os segredos da natureza, os animais e as plantas”.3

Zélio de Moraes foi submetido a três exorcismos, realizados por um tio dele,

que era padre (já que a família acreditava estar diante de uma possessão

demoníaca), mas não surtiram efeito. As manifestações prosseguiram até que Zélio

foi encaminhado à recém-fundada Federação Kardecista de Niterói.

A Federação era presidida pelo Sr. José de Souza, médium clarividente

(detentor da capacidade de “ver” espíritos), que começou um diálogo com o espírito

que se manifestava no corpo do jovem assim que o viu.

O espírito, então, contou ao médium que tinha sido padre em uma de suas

encarnações, mas foi acusado de bruxaria e sacrificado na fogueira da Inquisição

por ter previsto um terremoto que destruiu a capital portuguesa de Lisboa em 1755.

Mas em sua última existência física, segundo ele, Deus lhe havia concedido “o

3 Texto de Ronaldo Antônio Linares, presidente da Federação Umbandista do Grande ABC, publicado

no Jornal U&C, nº 92, em dezembro de 1995; referente a uma entrevista de Linares com o Caboclo das Sete Encruzilhadas, incorporado em Zélio de Moraes.

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privilégio de nascer como um caboclo brasileiro” (entenda-se por caboclo uma

entidade fundamental na Umbanda, representante dos espíritos de indígenas).

Ele se identificou com o nome de Caboclo das Sete Encruzilhadas, e justificou

a escolha de seu nome dizendo que para ele não existiriam “caminhos fechados”. O

Caboclo afirmou ainda ter uma importante missão: “trazer a Umbanda, uma religião

que harmonizará as famílias e há de perdurar até o final dos séculos”.4

A Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade foi a primeira a ser fundada, no

dia seguinte à primeira manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Outras

sete tendas foram criadas entre 1918 e 1935 e, mais tarde, outras dezenas de

tendas foram criadas com o intuito de disseminar a Umbanda em todo o Brasil.

As práticas identificadas com a feitiçaria, que já existiam antes da fundação

da Umbanda por Zélio de Moraes, também foram mencionadas pela fala do Caboclo

das Sete Encruzilhadas, como podemos ver no texto publicado em 26 de agosto de

2008 na página na internet da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade5:

No dia seguinte, na rua Floriano Peixoto, 30, na casa de Zélio de Moraes em São Gonçalo, próximo das vinte horas, estavam presentes membros da federação espírita, parentes, amigos, vizinhos e uma multidão de desconhecidos e curiosos, para verificar os acontecimentos.

Pontualmente às vinte horas, o Caboclo das Sete Encruzilhadas incorporou e iniciou o novo culto, proferindo as seguintes palavras:

- Aqui inicia um novo culto, em que os espíritos de pretos velhos africanos, que haviam sido escravos e que desencarnados não encontram campo de ação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas quase que exclusivamente para os trabalhos de feitiçaria e os índios nativos da nossa terra, poderão trabalhar em benefícios dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição social.

Perguntaram, os presentes qual seria o nome do novo culto.

- O novo culto se chamará Umbanda.

Ainda perguntam:

- O que quer dizer Umbanda?

O espírito responde:

- A manifestação do espírito para a caridade.

4 Trechos extraídos do texto publicado no site da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade,

disponível em http://www.tendaespiritanspiedade.com.br/>. Acessado em 21 de outubro de 2012. 5 Site da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. Disponível em:

http://www.tendaespiritanspiedade.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=62&Itemid=161>. Acessado em 21 de outubro de 2012.

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Ainda lhe perguntaram qual seria a base de seu novo culto e ele respondeu:

- A prática da caridade, no sentido do amor fraterno, será a característica principal deste culto, que tem base no Evangelho de Jesus, e Cristo como mestre supremo.

Após estabelecer as normas que seriam utilizadas no culto e com sessões diárias das 20 às 22 horas, determinou que os participantes devessem estar vestidos de branco e o atendimento seria gratuito.

Ainda falou como se chamaria o novo grupo:

- O grupo irá se chamar Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, pois, assim como Maria acolhe em seus braços o filho, a Tenda acolherá aos que a ela recorrerem nas horas de aflição.

Ainda respondeu perguntas de sacerdotes que ali se encontravam em latim e alemão. O Caboclo foi atender um paralítico e um cego, dizendo:

- Avistem todos: Se tem fé levanta, que quando chegardes a mim estarás curado.

Assim iniciou as primeiras curas na nova religião. Após trabalhar fazendo previsões, passes e doutrinas, informou que deviera se retirar, pois outra entidade precisava se manifestar.

Após a “subida” do Caboclo, incorporou uma entidade que parecia um senhor velho, saindo da mesa se dirigiu a um canto da sala onde permaneceu agachado. Sendo questionado do porquê não se sentar na mesa respondeu:

- Nego num senta não meu sinhô, nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nego deve arrespeitá.

Após insistência ainda completou:

- Num carece preocupa não. Nego fica no toco que é lugar di nego.

E assim continuou dizendo outras coisas, mostrando a simplicidade, humildade e mansidão daquele que, trazendo o estereótipo do preto-velho, identificou-se como Pai Antônio. Logo cativou a todos com seu jeito. Perguntaram-lhe se ele aceitaria algum agrado, ao que respondeu:

- Minha cachimba, nego qué o pito que deixou no toco. Manda mureque busca.

Todos ficaram perplexos, pois sem saber, estavam presenciando a solicitação do primeiro elemento a ser utilizado como material de trabalho dentro da Umbanda. Na semana seguinte, sobraram cachimbos, visto que todos os que presenciaram as palavras de Pai Antônio trouxeram o elemento por ele solicitado, escolhendo ele o mais simples de todos. Assim, o cachimbo foi instituído na linha de pretos - velhos.

No dia seguinte, formou-se verdadeira romaria em frente à casa da família Moraes. Cegos, paralíticos e médiuns, que eram tidos como loucos, foram curados. (2008, on-line, grifos meus)

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1.2 Umbanda em termos

Os umbandistas têm como princípio norteador de suas práticas a caridade,

como pudemos ver nas palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Os terreiros de

Umbanda recebem pessoas de todas as classes sociais para exercer a caridade,

que se dá por várias formas, seja pela comunicação com as entidades incorporadas

nos médiuns; por passes dirigidos por tais entidades; e até mesmo por trabalhos ou

descarregos, como veremos em um capítulo posterior. As entidades na Umbanda,

segundo Magnani,

são espíritos de mortos que descem do astral onde habitam para o planeta Terra – considerado lugar de expiação – onde, através da ajuda dos mortais, ascendem em seu processo evolutivo em busca da perfeição. (MAGNANI, 1991, p. 30)

Se os termos “macumba” e “baixo espiritismo” já eram explorados antes

mesmo da instituição da Umbanda como religião, depois de sua formação

esbarramos em outro termo: Quimbanda. Considerada uma ramificação da

Umbanda para alguns autores e o oposto da religião umbandista para outros, o fato

é que a Quimbanda também carrega elementos da magia.

São sempre os escritores umbandistas que falam da Quimbanda em termos de unidade que se opõe à Umbanda. Retendo-se essa idéia de ‘sistematização num conjunto coerente’, pode-se analisar a oposição Umbanda/Quimbanda numa perspectiva durkheimiana que opõe a religião à magia. Muito embora esta distinção seja difícil de ser estabelecida, pode-se dizer que a magia tende para um agregado de ritos pouco sistematizados dentro de uma totalidade, tendo por principal característica a eficácia; neste sentido as práticas mágicas são multiplicadas ao infinito. (ORTIZ, 1991, p. 145, grifo do autor).

Agrupou-se à Quimbanda entidades consideradas também como “de

esquerda”, a exemplo de Exus e sua equivalência feminina, as Pombas Giras (as

entidades consideradas “de direita” são Caboclos, Pretos Velhos, etc.). Sobre a

Quimbanda, a visão antropológica de Roger Bastide a considerou “uma forma de

espiritismo às avessas”:

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O macumbeiro tornou-se sinônimo de feiticeiro, e de feiticeiro temível ou malvado. Umbanda, em vez de mostrar que a macumba é uma religião, aceita como um dado real essa concepção popular errônea, a Quimbanda, identificada com a macumba, se torna uma forma de espiritismo às avessas, uma magia negra que trabalha com os selvagens desencarnados, as almas penadas e os esqueletos. Sob a presidência das duas mais temíveis divindades negras, Exu, deus das encruzilhadas perdidas, e Omulu, deus das varíolas (BASTIDE, 1971, p. 447).

Mencionar a concepção de Quimbanda analisada por Roger Bastide, no

entanto, não é suficiente quando se aborda a controversa figura de Exu, por

exemplo. Isso porque, ao mesmo tempo em que Exu torna-se sinônimo de entidade

“temível”, conforme cita Bastide, Exu tem importância crucial no ritual umbandista,

como mostrarei adiante.

Uma ressalva necessária quando se fala em Exu é lembrar que também se

fala em Exu como sendo um Orixá no Candomblé, enquanto na Umbanda Exu é um

guardião. A entidade-Exu na Umbanda, segundo uma visão partilhada por muitos

umbandistas, está “em evolução” (ou “ascensão”). Apesar disso, Exu aparece como

guardião de mistérios, capaz de “praticar o bem” assim como as entidades que se

considera de direita.

Embora exista no candomblé uma tênue separação entre bem e mal, pode-se afirmar que ela se refere exclusivamente aos ritos, não se aplicando porém ao cosmo religioso propriamente dito. Já na Umbanda, o universo sagrado se transforma, tornando-se os orixás guardiões das legiões e falanges espirituais, mensageiros da luz. (ORTIZ, 1991, p. 131)

As “legiões” e “falanges” espirituais mencionadas por Ortiz advêm de um

agrupamento, uma classificação que reúne uma série de entidades que se

manifestam na Umbanda, cada uma chefiada ou “comandada” por uma entidade ou

um Orixá específico.

Nesse agrupamento encontra-se a polêmica denominação das chamadas

sete linhas de Umbanda. Polêmica, pois, assim como a origem do vocábulo

“Umbanda”, muitos autores que se propuseram a estudar a religião umbandista

trouxeram sua própria visão sobre o que e quais seriam essas “sete linhas”. Leal de

Souza, o primeiro autor umbandista, escreve em 1933 o livro Espiritismo, Magia e as

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Sete Linhas de Umbanda, ou seja, já na primeira obra sobre Umbanda encontramos

uma referência clara a essas sete linhas, que inspirariam vários outros autores em

obras posteriores.

Uma dessas referências foi explorada por Ronaldo Linares, presidente da

Federação Umbandista do Grande ABC (mantenedora do Santuário Nacional da

Umbanda)6:

1. “A primeira linha é caracterizada pela cor amarelo ouro bem clarinho e que seria a cor da Tenda de Santa Bárbara. O Orixá correspondente é INHAÇÃ…”.

2. “A segunda linha é caracterizada pela cor rosa, correspondente a tenda Cosme e Damião… O Orixá correspondente é IBEJI…”.

3. “A terceira linha é caracterizada pela cor azul. Com vários Santos Católicos sincretizados com ela, a saber: Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora dos Navegantes e Nossa Senhora da Guia. O Orixá que corresponde é IEMANJÁ…”.

4. “A quarta linha é caracterizada pela cor verde, representando a Tenda São Sebastião… O Orixá correspondente é OXOSSE…”.

5. “A quinta linha é caracterizada pela cor vermelho, representando a Tenda São Jorge. O orixá correspondente é OGUM.”

6. “A sexta linha é caracterizada pela cor marrom, representando a Tenda São Gerônimo. Seu Orixá correspondente é XANGÔ…”.

7. “A sétima linha é caracterizada pela cor violeta ou roxo, corresponde a Tenda de San’Ana… O Orixá correspondente é NANÃ…”

8. “Finalmente temos a cor negra, corresponde a Tenda de São Lázaro. É a ausência da cor e da luz da vida. Zélio de Moraes explica que as cores branco e preto não fazem parte das sete linhas, pois o branco que é a presença da luz, existe em todas elas e o negro, que é justamente a ausência da luz, está justamente na ausência delas… O Santo Católico São Lázaro é sincretizado com o Orixá ABALUAÊ ou OMULU… Este Orixá é conhecido ainda pelos nomes de XAPANÃ, ATOTÕ, e BABALÚ.”

6 Extraídas por Alexandre Cumino do livro Iniciação à Umbanda, de Diamantino Fernandes Trindade.

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9. “O Orixá maior da Umbanda é OXALÁ… o Chefe para o qual convergem todas as linhas, assim perfeitamente identificado na invocação com Jesus Cristo.”7

Torno a dizer que se trata de uma visão em torno da divisão teórica da

Umbanda em sete linhas principais. É comum lermos que, para cada uma dessas

sete linhas existam agrupamentos de seus Exus e suas Pombas Giras

correspondentes. No entanto, não me cabe neste trabalho explorar essa

classificação teórica complexa. Interessa-me mais mostrar como se dá o contato

com essas entidades no ritual umbandista prático, a fim de, posteriormente, discutir

a comunicação com tais entidades na internet e a maneira como umbandistas e não

umbandistas falam a seu respeito nas redes sociais, por exemplo.

A escolha de um terreiro de Umbanda no qual eu pudesse observar

atentamente o ritual foi determinante para os resultados dessa pesquisa, antes,

ainda, de abordar a ideia de “como se fala” ou “como se pratica” Umbanda na rede.

7 Disponível em http://raizculturablog.wordpress.com/2008/03/28/sete-linhas-de-umbanda-parte-i-por-

alexandre-cumino/>. Acessado em 21 de outubro de 2012.

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1.3 Gruel – Grupo Umbanda é Luz

O objetivo deste subcapítulo é apresentar as principais características que

envolvem uma gira de Umbanda, a partir das observações etnográficas no GRUEL

(Grupo Umbanda é Luz) 8, localizado na Avenida das Cerejeiras, número 429, no

bairro de Vila Maria. Acompanhei as sessões de março a setembro de 2012, com a

frequência de dois sábados por mês.

1.3.1 Mediunidade e a figura do dirigente

A mediunidade é uma questão central para adeptos de religiões que lidam

com o espiritual, seja pelo contato com os espíritos de mortos, ou com Orixás. Meu

objetivo aqui, ao mencionar a ideia da mediunidade, é entendê-la no contexto da

prática da Umbanda nos terreiros para, mais tarde, contextualizá-la na prática da

Umbanda na rede.

No entanto, pude perceber que a concepção de “mediunidade” pode variar

entre os médiuns. Isso porque há umbandistas que acreditam, por exemplo, que

aqueles que, dentro do terreiro, exercem a função de cambones (que atuam como

ajudantes dos médiuns) o fazem porque “não têm mediunidade”, isto é, não dispõem

da faculdade necessária para a “incorporação”; enquanto outros, como os

integrantes da corrente do Grupo Umbanda é Luz, creem que todos eles sejam

médiuns, não apenas aqueles que incorporam os Orixás e as entidades.

Uma dificuldade encontrada no decorrer da pesquisa foi a de definir com

maior clareza a noção de “mediunidade”. Como explicar algo tão complexo, no

contexto acadêmico? Como diferenciar as várias visões sobre o que é ser médium e

encontrar nelas um elemento comum? Procurei recorrer a uma visão mais recorrente

sobre a mediunidade encontrada tanto em livros como em conversas com colegas

8 Disponível em <http://gruel.com.br/>

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30

kardecistas, umbandistas ou mesmo durante a pesquisa de campo sobre a qual

falarei melhor no decorrer deste capítulo9.

Embora este trabalho esteja necessariamente inserido no contexto

acadêmico, não se pode desprezar, ao menos para fundamentar essa afirmação em

torno da mediunidade, a obra do médium Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier,

já que os dizeres de seus livros, muitos deles ditados por um espírito desencarnado

são endossados por aqueles que lidam com questões espirituais. Sobre a

mediunidade ser inerente ao ser humano, menciono este trecho do livro Nos

Domínios da Mediunidade, ditado pelo espírito André Luiz:

Todos somos instrumento das forças com as quais entramos em sintonia. Todos somos médiuns, dentro do campo mental que nos é próprio, associando-nos às energias edificantes, se o nosso pensamento flui na direção da vida superior, ou às forças perturbadoras e deprimentes. (XAVIER, 1955, on-line)

Nas palavras do espírito, ditadas a Chico Xavier “todos somos instrumento

das forças com as quais entramos em sintonia”, o que não quer dizer que

precisamos incorporar (no sentido etimológico, de “dar corpo a”) tais “energias” (as

“edificantes” ou as “perturbadoras”) para senti-las, percebê-las. Diante disso, o que

se pode observar é que ser médium não significa, necessariamente, emprestar o

corpo a espíritos.

Todo ser humano, independentemente de suas crenças, teria a capacidade

de perceber sinais do mundo espiritual. Tais sinais se dão de várias formas (sonhos,

clarividência, psicografia, etc.) e em vários graus: em algumas pessoas os sinais são

mais intensos; em outras, menos, quase imperceptíveis.

Considera-se também que existam vários tipos de médiuns. Dentro de um

terreiro, por exemplo, pode haver os médiuns responsáveis por incorporar, de fato,

os chamados guias (Orixás e entidades) para a consulta ou para os passes,

emprestando seus corpos físicos para a comunicação com o espiritual. Mas há

também médiuns responsáveis por orientar os consulentes, agindo como

“tradutores” das práticas rituais que, muitas vezes, para o assistido que não está

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muito habituado a elas (como um consulente que visita o espaço pela primeira vez),

necessita de alguém que as explique. Esse último médium pode não incorporar, mas

tem a capacidade de entrar em contato com seus guias intuitivamente, sem

necessariamente emprestar-lhes seu corpo.

A mediunidade, como já foi dito, relaciona-se a um conjunto de práticas muito

amplo. A forma de contato entre o plano físico e o espiritual pode variar do

kardecismo para a Umbanda – como mencionou Alexandre Cumino ao dizer que

não se deve entender o ritual umbandista como sendo um ritual espírita, que

carregaria outros elementos em sua constituição - ou para o Candomblé

(principalmente pela natureza dos espíritos que se manifestam nas diferentes

religiões), mas a partir de então, feitas as breves considerações sobre a

mediunidade, interessa-me focar, agora sim, no Grupo Umbanda é Luz, dentro do

qual incorporar guias não é uma condição para o trabalho mediúnico nas giras,

como se denominam os rituais da Umbanda.

O título que dei a esse subcapítulo, Mediunidade e a figura do dirigente coloca

em discussão, ainda que breve duas questões importantes para uma pretensa

pesquisa que tenha a Umbanda em seu tema. São elas a mediunidade, da qual já

falei, e a figura do dirigente do terreiro, ou seja, o pai de santo (Babalorixá) ou mãe

de santo (Iyalorixá)10.

O papel do dirigente é central não só para este capítulo, mas talvez para esta

pesquisa inteira, já que torna a Umbanda peculiar, como bem notou Birman ao dizer

que

no plano da organização social a religião umbandista pode ser considerada um agregado de pequenas unidades que não um conjunto unitário. Não há, como na Igreja Católica, um centro bem estabelecido que hierarquiza e vincula todos os agentes religiosos. Aqui, ao contrário, o que domina é a dispersão. Cada pai-de-santo é senhor do seu terreiro, não havendo nenhuma autoridade superior por ele reconhecida. Há, portanto, uma multiplicidade de terreiros autônomos, embora estejam unidos na mesma crença. (BIRMAN, 1985, citada por CUMINO, 2011, p. 298)

10

Babalorixá e Iyalorixá são sinônimos de pai e mãe de santo em Iorubá, sendo Baba = pai – Ori =

cabeça – Ixá = guardião, assim como Iyalorixá é a denominação da mãe de santo (Yá = mãe).

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Não que isso signifique que não haja hierarquia dentro de um terreiro. Há

terreiros que classificam seus integrantes hierarquicamente ainda que a

superioridade do dirigente se mantenha (denominações como pai pequeno e mãe

pequena são exemplos disso; sendo eles os “substitutos” dos pais e mães de santo

quando estes se ausentarem, dentre outras funções que lhes cabem). Birman

constata que não haja uma organização central para Umbanda tal como o Vaticano

para a Igreja Católica.

O que existe são as federações de Umbanda; porém, estar ligado a uma

determinada federação (como a Federação Umbandista do Grande ABC, a

Federação Brasileira de Umbanda ou a Federação de Umbanda do Brasil) não é

condição determinante aos trabalhos em um terreiro. A própria existência de mais de

uma federação já deixa isso claro.

Voltando ao Grupo Umbanda é Luz, os médiuns da corrente enxergam no pai

de santo não só o desempenho do papel do líder, ou do dono do espaço do terreiro,

mas também as qualidades necessárias para exercer tal papel, pois é o pai de santo

o responsável por criar os fundamentos do terreiro a partir da interpretação de sua

raiz

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33

1.3.2 “Umbandas” e o referencial teórico

O Gruel é uma “escola iniciática da raiz Congo”. Nas palavras do Babalorixá,

Marco Antonio dos Santos, “todo terreiro de Umbanda é uma Escola iniciática, pois

se organiza a partir de um referencial teórico que justifica suas práticas, esse

referencial teórico é chamado de raiz” 11.

O conceito de raiz na Umbanda justifica a escolha de apenas um terreiro para

fundamentar a parte etnográfica deste trabalho. É na raiz umbandista, ou seja, é

nesse referencial teórico mencionado pelo Babalorixá que se encontram as

diferenças e semelhanças entre os rituais de Umbanda. O dirigente de um terreiro é

o responsável por respeitar determinada raiz, por colocar em prática o que aprendeu

na religião com aqueles que o iniciaram no culto e ter a capacidade de sustentar tais

práticas, a fim de ensiná-las a seus filhos. Cada raiz de Umbanda tem suas

peculiaridades, seu conjunto de práticas que seus adeptos deverão sustentar.

O Gruel segue a raiz Congo, isto é, o referencial teórico Congo, implantado

pela entidade conhecida como Pai Congo, incorporada no médium José Sanches

Haro na década de 197012. Cada detalhe da gira, dos elementos do Congá à

maneira como os banhos devem ser preparados pelos médiuns deve estar de

acordo com tal referencial teórico.

A primeira característica que me chamou a atenção no ritual do Gruel foi a

incorporação de Orixás. Isso porque, em minhas pesquisas teóricas sobre

Umbanda, encontrei diferenciações ritualísticas entre Umbanda e Candomblé

exatamente nesse ponto, na ideia de que no Candomblé os Orixás “baixam”, mas na

Umbanda, não.

Tal diferenciação, porém, carece de embasamento, já que no Gruel, por

exemplo, os médiuns incorporam Orixás (ainda que estes venham não para

consultas, mas para os chamados “trabalhos” como descreverei adiante).

11

Disponível em <http://gruel.com.br/wp-content/uploads/2011/10/A-raiz-Congo-e-a-Escola-Inici%C3%A1tica.pdf> 12

Idem à nota anterior.

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34

A escolha deste terreiro para minhas observações de campo tem como

objetivo mostrar um exemplo de um ritual particular (entenda-se “particular” não

como fechado, mas como próprio, ou específico) de Umbanda. Por razões

metodológicas, visitar terreiros, além do Gruel, que seguissem referenciais teóricos

distintos me tornaria responsável por diferenciá-los a todo o momento. Mas a religião

de Umbanda bebe em tantas fontes (católica, africana, indígena, espírita...), tem

tantos elementos que diferenciam um terreiro do outro, que talvez fosse melhor falar

em “Umbandas”, como se esse plural contivesse as várias raízes de uma mesma

religião.

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1.3.3 As giras no Gruel

A incorporação dos guias, bem como as giras como um todo acontece

necessariamente dentro do terreiro. Terreiro é como são denominados os pequenos

grupos que congregam em torno de uma mãe ou pai de santo (PRANDI, 2003, on-

line), mas não apenas isso: é o terreiro o espaço adequado para o ritual. Não se

incorporam guias espirituais em casa, na rua ou em qualquer outro lugar que não

seja o terreiro (discutirei melhor essa questão no capítulo a seguir quando

mencionar um estudo de caso de um programa de web-rádio).

No Gruel as giras acontecem duas vezes por semana: às quartas-feiras, às

19h30, e aos sábados às 17h. A distribuição de senhas é indispensável para que o

assistido possa se consultar com uma entidade através do médium. A senha é

composta por um número (impresso) e um nome, que indica a equipe à qual o

médium pertence. Cada equipe tem um número determinado de senhas, que são

distribuídas cerca de duas horas antes do início das sessões.

As consultas são gratuitas, individuais e requerem uma senha. Porém, no

terreiro também são realizados os passes, que não necessitam de senha; para

tomar passe os consulentes devem formar uma fila na entrada do terreiro. A

entidade que dá passes, entretanto, não conversa com o consulente (essa

comunicação se dará nas consultas).

O terreiro funciona na parte de baixo da casa do Babalorixá. Os consulentes

aguardam em filas pelo início dos trabalhos, até que um dos médiuns os chame

(pela senha para consulta; ou autorizando a entrada seguindo a sequência da fila, se

para o passe). Na fotografia abaixo, reproduzida do site do Gruel, pode-se observar

a fila para o passe na entrada do terreiro e um dos médiuns carregando uma

prancheta utilizada para organizar as consultas.

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Além das consultas e dos passes, no Gruel também são realizadas outras

atividades, como descarrego, energização e transporte. Por uma opção

metodológica, conduzi minha observação para alguns detalhes do ritual que me

ajudassem a compreender as possibilidades de transposição desses mesmos

detalhes para a Web.

Por essa razão, explicar em que consiste cada ritual particular neste terreiro

foi um enorme desafio por requerer uma experiência antropológica maior do que

aquela que geralmente é oferecida ao jornalista em termos de pesquisa de campo.

Ao tentar descrever um ritual de Umbanda, percebi que o exercício da descrição a

partir da observação torna-se muito mais amplo, já que descrever o que vejo é

diferente de saber exatamente a razão e eficácia de cada ritual que compõe uma

gira, como o ritual de defumação, Ipadê, etc., bem como saber a maneira correta de

manipular cada detalhe de acordo com os ensinamentos da raiz.

Achei prudente fazer essa ponderação, pois, antes de analisar detalhes que

se referem direta ou indiretamente ao ritual de Umbanda na internet, falar da religião

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37

de Umbanda “genericamente” me parece arriscado. Certas peculiaridades dos rituais

que compõem uma gira pertencem, muitas vezes, a uma herança passada de pai

para filho (de santo, no caso) e a exposição virtual pode esvaziar toda uma tradição.

Podemos encontrar bons exemplos dessa questão nos jogos divinatórios

originalmente africanos, como é o caso do Opele-Ifá, que são de conhecimento

exclusivo dos Babalawôs, sacerdotes conhecedores dos mistérios que cercam essa

prática. Eles são os responsáveis por preservar o segredo e transmitir seus

conhecimentos apenas aos iniciados. No entanto, é comum vermos anúncios na

internet de consultas divinatórias “on-line”, como é o caso dos sites que oferecem

consultas “grátis” dos búzios13. (Há também os cursos virtuais que oferecem

apostilas dessas artes divinatórias14; entretanto, estas devem ser compradas por

quem estiver interessado).

A internet pode funcionar, ainda, como um canal para solicitar consultas por

e-mail, por telefone ou até “marcar uma consulta presencial diretamente no terreiro”,

como o site de Mãe Preta Iyalorixá15. O interessado em uma breve consulta não

presencial deve preencher os campos obrigatórios com seus dados (sexo, idade,

data de nascimento, cidade e estado) e quase que imediatamente recebe, por e-

mail, seu “Orixá de proteção”. A diferença desse exemplo de Mãe Preta, no que diz

respeito ao esgotamento de uma tradição antiga que se quer preservada e

transmitida apenas àqueles que pertencem ao culto é que ela não explica como se

consulta o oráculo: essa tarefa cabe a ela enquanto Iyalorixá. Essa prática

representa um “risco”, porque, via internet, como é possível saber se ela, de fato,

manipulou os búzios? Se ela, de fato, o fez no território sagrado do terreiro? Ou

ainda, se ela detém o conhecimento necessário para fazê-lo?

Mencionar tais exemplos não significa necessariamente coloca-los à prova, o

que ficará mais claro no capítulo seguinte, no qual abordarei um estudo de caso de

13

Disponível em <http://horoscopovirtual.uol.com.br/jogo-de-buzios.asp> (acessado em 23 de outubro de 2012); consulta virtual gratuita do “jogo de búzios” para a qual basta que mentalizemos perguntas e cliquemos com o mouse sobre as conchas, que teremos imediatamente a “resposta” do oráculo. 14

Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=fTjwUkCQ8Qg>. Acessado em 23 de outubro de 2012. 15

Disponível em <http://www.maepreta.com/ficha.php>. Acessado em 23 de outubro de 2012.

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38

consulta on-line com uma entidade de Umbanda. Minha intenção ao descrevê-los é

mostrar que o advento da internet traz possibilidades de comunicação que vão além

do presencial, quando pensamos na ideia de se comunicar com o espiritual on-line

(seja essa comunicação eficaz ou não, o que vai depender da fé e do conhecimento

de quem estiver do outro lado do computador, iPad, celular, etc.).

Contudo, uma vez que observei as práticas rituais off-line e alguns modos por

meio dos quais essas práticas foram transpostas para o “mundo virtual”, não poderia

deixar de abordar também os problemas dessa transposição (ou tradução),

principalmente no que diz respeito à preservação de tradições. Neste caso:

As relações que se constroem na Web propõem uma possibilidade de angariar os saberes desta cultura [africana], desde que legitimados por um saber letrado. Não obstante, essa cultura revela-se apenas naquilo que se pode vivenciar no seio da comunidade. (...) Hoje essa manifestação religiosa encontra-se no âmbito da territorialidade e da temporalidade ocidental capitalista. Decerto que a inserção das religiões afro-brasileiras na Internet refletem um longo processo de plasticidade, adaptação e transigência no ambiente da metrópole contemporânea. (SANTOS, 2001, on-line, grifo meu)

As atividades que pude observar no Gruel estando de fora da corrente foram

essenciais para esse trabalho, mas o conhecimento de determinadas práticas ali

realizadas cabe aos médiuns da corrente, que as vivenciam, sendo que algumas

dessas práticas – como a consulta oracular – são exclusivas do Babalorixá.

Procurarei descrever algumas das práticas que pude observar no Gruel enquanto

pesquisadora, que vão desde o comportamento dos médiuns até o desempenho dos

trabalhos que realizam.

Ainda do lado de fora do terreiro, na entrada, vemos um espaço reservado

aos guardiões que, como mencionado anteriormente, são os Exus e as Pombas

Giras. Todos os médiuns, ao chegar ao terreiro, devem, antes de adentrar o espaço

sagrado, fazer uma saudação frente a este espaço, conhecido por umbandistas

como “tronqueira” ou “casa de força”.

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Antes de a gira começar, o Babalorixá conduz um procedimento durante o

qual os médiuns permanecem ajoelhados, de frente para o Congá, entoando uma

cantiga em Iorubá16 para saudar os ancestrais. Segundo Marco Antonio dos Santos,

a cantiga traz a seguinte mensagem: “cuidado com o chão onde pisa, pois ele

carrega as cinzas de seus ancestrais”. Saudar a ancestralidade, dentro deste ritual

inicial, significa para o médium do Gruel, saudar tanto seus ascendentes espirituais,

ou seja, os espíritos ancestrais que o guiam, como também ascendentes carnais,

sua família.

Da ideia de respeitar “o chão onde pisa” pude compreender outro ato de

respeito dos médiuns da corrente do Gruel quando, após saudarem o espaço dos

guardiões na entrada do terreiro, ajoelham-se rapidamente e encostam os dedos

das mãos no chão, “cumprimentando” o solo. Esse contato físico com o solo sagrado

é apenas um dos muitos atos simbólicos presentes nos rituais de Umbanda que, na

internet, evidentemente, vão se perder.

16

Conhecido como Ipadê, prática comum ao Candomblé de origem Ketu.

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40

Após o ritual descrito acima, os médiuns começam a entoar o que na

literatura umbandista se convencionou chamar de ponto cantado (cantigas

geralmente acompanhadas pelo toque de atabaque, instrumento musical sagrado,

cuja entoação “atrai” os guias nelas homenageados). O primeiro deles é um ponto

de defumação, cantado não apenas no Gruel, como em muitos outros terreiros de

Umbanda:

Corre a gira pai Ogum

Filho quer se defumar

Umbanda tem fundamento

É preciso preparar

Com incenso e benjoim

Alecrim e alfazema

Defumar filhos de fé

Com as ervas da Jurema

As ervas às quais o ponto faz menção são os elementos que compõem outro

ritual imprescindível às giras, que é a defumação. Nesses dois versos (“Umbanda

tem fundamento/ é preciso preparar”) uma afirmação importantíssima sobre a

Umbanda de que me valho para colocar em discussão as pretensas práticas

ritualísticas na Web: a Umbanda tem fundamento (ditado pela “raiz”) e é preciso

preparar – sacralizar - o espaço, o médium e tudo o que vai compor uma gira. Isso

tudo se perde quando se tenta tornar virtual uma gira, como procurarei demonstrar.

Voltando à descrição, enquanto entoam os pontos de defumação, defumam-

se os médiuns, um a um. As ervas aromáticas utilizadas e a maneira como o

processo de defumação ocorre no Gruel devem respeitar a raiz Congo17, porém, de

17

Disponível em “Defumação: Ritual Explicativo da Raiz Congo”: <http://gruel.com.br/wp-content/uploads/2011/10/Defuma%C3%A7%C3%A3o-ritual-explicativo-da-raiz-Congo.pdf>. Acessado em 12 de setembro de 2012.

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41

maneira objetiva, poderíamos entender a defumação como um ato de purificação do

médium a fim de prepara-lo para o contato sagrado que virá na sequência.

A ideia da formação de uma corrente, sendo essa corrente o conjunto dos

médiuns integrantes do terreiro, começa a ganhar força na abertura das giras. Todos

os médiuns cantam e dançam juntos, numa harmonia coletiva capaz de despertar

notado interesse em pessoas que passam pela avenida naquele momento.

A fumaça característica da queima das ervas tem a função de dissipar

energias ruins, sacralizando o ambiente. Na fotografia abaixo, um dos médiuns do

Gruel defuma o terreiro no início de uma gira.

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42

Na sequência são entoados outros pontos, mais específicos das entidades que ali

vão “trabalhar”, além de os médiuns saudarem Orixás e entidades com gestos e

saudações específicas de cada um desses guias. O Babalorixá diz, por

exemplo:_Saravá Iansã! Ao que os médiuns respondem com sua saudação

correspondente, Epahei! e seu gesto, com o braço direito erguido e a mão se

movimentando como os ventos (sendo Iansã Orixá dos ventos e tempestades).

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É preciso salientar uma característica das giras do Gruel muito comum em

outros terreiros de Umbanda: a organização das sessões de acordo com as

entidades que vão trabalhar naquele dia.

Há as giras de Caboclo, nas quais os médiuns vão incorporar

majoritariamente essas entidades, identificadas com índios, para as consultas; há as

giras de Preto Velho nas quais são os Pretos Velhos (comumente associados a

espíritos de negros que teriam sido escravizados) que ali incorporam. Se em um

sábado a gira foi de Caboclo, por exemplo, no próximo será de Preto Velho e assim

sucessivamente.

Na sequência de pontos cantados isso fica mais claro: após os pontos de

defumação, se a gira é de Caboclo, pode-se perceber que os médiuns cantam

pontos geralmente dedicados a Oxóssi (Orixá que “comanda” os Caboclos na

Umbanda). Já na abertura das giras de Exu – que também ocorrem no Gruel –

podemos ouvir pontos dedicados ao “povo da rua” (uma referência aos guardiões

Exu e Pomba Gira).

O Babalorixá então organiza uma espécie de círculo com médiuns de mãos

dadas e eis que, durante o toque dos atabaques com os pontos específicos, um a

um nessa corrente vai de fato “incorporando”. Numa gira de Caboclo, por exemplo, a

incorporação é imediatamente percebida pelos brados das entidades, próprios de

indígenas, assim como numa gira de Exu as gargalhadas são marcantes.

O uso de um elemento, durante as giras, pelo Babalorixá, chamou-me a

atenção, pois não o tinha notado em outros terreiros nos quais estive (não ainda

como pesquisadora): o adjá18. Trata-se de uma espécie de sineta de metal que, de

acordo com o que ele me explicou, serve para unir, no espaço do terreiro, dois

outros ambientes simbólicos fundamentais na tradição Iorubá: o Orum (plano

espiritual) e o Ayê (plano físico), análogos ao ambiente do céu (onde habitam Deus

e anjos na visão cristã) e da terra (onde nós, seres humanos, vivemos).

Quando o Babalorixá manipula o adjá – produzindo o som característico de

um sino - os médiuns concentram-se para a incorporação. O som do adjá, por sua 18

Termo de origem Iorubá.

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vez, faz com que os seres do Orum (os guias espirituais) entrem em sintonia com os

do Ayê (médiuns).

Assim que os médiuns de incorporação de fato incorporam e vão assumindo

seus lugares dentro do espaço físico do terreiro (o Babalorixá geralmente se coloca

ao centro e ao fundo, próximo ao Congá), os médiuns responsáveis pela

organização das consultas vão chamando os consulentes pelas senhas, ou

permitindo, na sequência da fila já formada do lado de fora, a entrada um por vez.

Os médiuns de consulta são sempre acompanhados por um cambone que,

como já foi dito de forma breve, atua como assistente do médium enquanto este

estiver incorporado, sendo responsável, no caso do Gruel, por anotar o que

acontece durante as consultas e entregar às entidades os elementos por elas

solicitados (como flores, garrafas d’água, velas, perfumes entre outros, que serão

manipulados de acordo com a necessidade da consulta; alguns entregues ao

consulente depois).

A atividade de um cambone não só é essencial para o médium que estiver se

iniciando dentro da corrente, para que este aprenda como se comportar durante as

giras, como também é fundamental para que uma consulta ocorra dentro do Gruel,

onde cada médium de consulta tem um caderno no qual são anotados pelo

cambone o nome de cada consulente, a data de cada consulta, as perguntas feitas

pelo consulente e as respostas dadas pela entidade, a data do retorno (caso seja

necessário o assistido pode retornar, com consulta pré-agendada) e o tipo de

atividade que a entidade solicita (a exemplo dos chamados trabalhos com Orixás e

outros guias, dos quais falarei a seguir).

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1.3.4 Os trabalhos e a ideia de rede

No campo espiritual, a palavra trabalho pode ter muitos significados. O termo

geralmente é utilizado, assim como outros dos quais já falei, como sinônimo de

feitiçaria, quando se fala, por exemplo, em trabalhos de magia negra.

Porém, além de a concepção de magia causar muita confusão quando

aproximada, teórica ou praticamente, da Umbanda (assunto que pretendo discutir

mais à frente), no Grupo Umbanda é Luz entende-se por trabalho uma ação

espiritual praticada por um médium incorporado (com entidades ou Orixás) para

equilibrar energeticamente o consulente. De modo sucinto, é como se a entidade ou

Orixá, através de um médium, pudesse emitir sua energia sagrada ao consulente,

reequilibrando-o de acordo com suas necessidades específicas. Diferentemente da

consulta, no trabalho as entidades não conversam com o consulente, apenas “agem”

sobre ele.

O tipo de trabalho a ser realizado é determinado durante a consulta. Um

exemplo é quando o consulente relata estar com baixa autoestima. A entidade,

então, pode solicitar um trabalho de Oxum, Orixá do amor, da beleza e também da

autoafirmação, para devolver-lhe o amor próprio. Oxum incorpora em outro médium

(não o mesmo da consulta, já que existem, na corrente, os médiuns próprios para a

realização dos trabalhos) transmitindo um pouco de seus predicados (de beleza,

autoestima, etc.) ao assistido.

Essa incorporação é percebida por meio de gestos característicos do Orixá

feminino Oxum: as mãos do médium movimentam-se lentamente, como as águas

dos rios (morada de Oxum nas lendas africanas); às vezes movimentando

lentamente os quadris e cantando, com um timbre frequentemente agudo, tudo isso

de maneira muito suave. É comum um cambone cantar pontos em homenagem a

Oxum durante a realização do trabalho, aconselhando que o consulente mantenha

os olhos fechados e pensamentos positivos.

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Os trabalhos são realizados majoritariamente nas giras de sábado. Um

detalhe importante dessas giras são as aulas ministradas pelo Babalorixá (que é

também professor) todo sábado, uma hora antes do início das sessões, ou seja, às

16h. A cada sábado, um tema é abordado pelo Babalorixá, que se utiliza de recursos

eletrônicos como apresentação de slides, ou mesmo de desenhos de próprio punho

em uma lousa dentro do terreiro.

As aulas são abertas. Embora alguns dos temas sejam pertinentes aos

médiuns da corrente e versem sobre as atividades e o comportamento dos mesmos

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dentro do terreiro, os visitantes também podem acompanhá-las, uma vez que o

Babalorixá aborda também, durante tais aulas, questões ligadas ao cotidiano de

todos nós (fala sobre relacionamentos afetivos, questões financeiras, felicidade,

prosperidade, liberdade, humildade... enfim, questões de interesse pessoal e não

apenas mediúnico).

O espaço físico onde as aulas ocorrem aos sábados é o mesmo onde o ritual

acontecerá uma hora depois. Essa delimitação do espaço é essencial, já que o

simples fato de estar “dentro” do terreiro não é suficiente para incorporar entidades.

Isso porque, no momento da aula, os médiuns estão desincorporados, ali se

tornando alunos, fazendo anotações em seus cadernos como se estivessem em

uma sala de aula; o dirigente do terreiro, ainda que detenha o conhecimento

necessário para ocupar esse papel na hierarquia do lugar, também está

desincorporado porque naquele momento assume o papel de professor, embora

suas experiências como pai de santo – e também como filho de santo, quando

menciona o terreiro ao qual pertencia antes de ter o seu – o auxiliem a lecionar.

A importância das aulas, conforme me explicou o Babalorixá durante minhas

visitas ao terreiro é fundamental para a preservação da raiz Congo, já que ele tem a

missão de transmitir o conhecimento adquirido com seu pai de santo a seus filhos

(os médiuns da corrente do Gruel), que deverão fazer o mesmo com os novos

integrantes da corrente e assim por diante. A ideia de rede, essencial nesta

pesquisa, começa a ser delineada.

As giras de quarta-feira não raro se estendem até depois da meia-noite. Já

aos sábados, as sessões terminam por volta das 21h. Durante as sessões, há

sempre uma mensagem predominante, uma energia percebida pelo Babalorixá ou

mesmo manifesta pelas próprias entidades durante as giras, algo como o que se

pôde aprender com as atividades realizadas naquele dia. Em uma das giras de

sábado cujo encerramento tive a oportunidade de observar, o Babalorixá transmitiu

aos médiuns uma mensagem da Pomba Gira Maria Padilha. Em outra gira, também

de sábado, a mensagem predominante foi relacionada à cura, à necessidade do ser

humano de se libertar de certos traumas que o aprisionam. Conforme me explicou

um dos médiuns antes do final da sessão, nesta gira especificamente foi possível

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48

“sentir a energia de Obaluaiê”, Orixá ligado às doenças e, portanto, responsável

também pela cura.

Ao final da sessão, quando todos os consulentes já foram atendidos, os

médiuns desincorporam e formam mais uma vez uma corrente, de mãos dadas em

círculo, e fazem uma oração em agradecimento por terem realizado mais um

trabalho juntos. Do início ao fim da sessão, não é difícil perceber que se vai

formando, naquele espaço sagrado, uma rede – seja ela espiritual composta por

todas as entidades que ali trabalham; seja ela social integrada pelos consulentes

que, do lado de fora, aguardam sua vez.

Uma gira no Gruel não existe só com o pai de santo. Além dele, estão

presentes os demais médiuns (de incorporação e cambones que os auxiliam, por

exemplo) e os próprios consulentes. Todos têm certa importância para a realização

das sessões. A ideia de que a Umbanda “não existe sozinha”, de que um médium só

ou uma entidade só não seja suficiente para que o ritual aconteça está presente até

mesmo na própria manifestação das entidades.

Cada entidade que se manifesta na Umbanda tem um nome e um

“sobrenome”, que indica a qual “família” essa entidade pertence. Para que isso fique

mais claro, tomemos como exemplo dois nomes de diferentes Pretos Velhos: Pai

Joaquim de Angola e Pai Joaquim de Aruanda. Embora os nomes sejam iguais

(“Joaquim”), os “sobrenomes” marcam sua vinculação a um grupo (um é “de

Angola”, outro “de Aruanda”). Pode-se dizer que eles se agrupam no plano espiritual

antes de incorporarem de fato (no plano físico, portanto). Não existe uma entidade

que não esteja “agrupada”, ou seja, que não pertença a uma determinada “família”

espiritual.

Essa noção de “grupo” é o que talvez aproxime o ritual de Umbanda (falando,

agora, da Umbanda de maneira geral, não apenas da raiz Congo) de uma das

hipóteses em torno do significado da palavra Umbanda, como sendo a junção da

palavra oriental UM (que significa Deus) com BANDA (que quer dizer agrupamento,

legião). (PINTO, 1971, p. 197, citado por CUMINO, 2011, p. 101-102)

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49

Corrêa Lages menciona uma “rede social formada pelos médiuns,

comunidade, cambones e por espíritos de antepassados” (2011, on-line). Ela fala,

ainda, da formação de outra rede, a rede familiar:

Na Umbanda, uma ampla rede de parentesco é encenada, estabelecendo novas relações de filiação, que são assentadas em afetos e cuidados com os seus filhos. Pretos-velhos e Pretas-velhas se tornam pais e avós, sendo chamados de Pai Joaquim de Angola, Pai Benedito de Aruanda, Pai João do Congo, Mãe Joaquina de Aruanda (...)

A autoconfiança proporcionada pela relação amorosa é a base indispensável para a participação autônoma na vida pública e ponte para a rede que vai sendo costurada rumo ao reconhecimento inter-subjetivo e auto-realização dos sujeitos. A reconstituição da família e dos laços paternais no terreiro promovem sentimentos de pertencimento a um grupo social que duramente desrespeitado pelas humilhações e agressões físicas da escravidão, continuam compartilhando semelhantes formas de opressão e sofrimento em suas vidas cotidianas, uma vez que continuam sendo afetados pela inequidade em saúde, o desemprego, a falta de acesso aos serviços públicos, o menor acesso à educação, à justiça. (2011, on-line, grifo meu)

A discussão que proponho neste trabalho de conclusão de curso é entender

como se apresenta a idéia de “rede” na Umbanda e quais são as possíveis relações

dessas redes físico-espirituais com as redes virtuais.

Durante o período em que frequentei o Gruel para anotar dados que seriam

descritos aqui, tentei entender como conceitos subjetivos como o amor, a felicidade,

a liberdade, a caridade etc., são aplicados ao ritual de Umbanda.

A prática da caridade existe quando não se cobra pelas consultas, passes ou

trabalhos. A humildade existe em pequenos gestos das próprias entidades, a

exemplo de uma Cabocla (incorporada em uma médium) que, durante uma consulta

– sendo eu mesma a assistida – ajoelhou-se diante de mim, explicando que o fazia

em respeito às atitudes que tomei em determinadas situações que não vou

mencionar aqui por razões evidentes. A fraternidade existe no comportamento de

respeito entre os filhos de santo (irmãos porque filhos de um mesmo pai de santo),

etc.

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50

Há inclusive uma música, Princesa Negra, de autoria da compositora

pernambucana Jeane Siqueira19 que é cantada em forma de ponto nas sessões do

Gruel. Por meio dos trechos que cito abaixo, é possível notar que a concepção de

liberdade e felicidade, na música, é adaptada à maneira como os médiuns do Gruel

entendem a Umbanda.

Bate tambor, bate atabaque

Repica agogô20 na imensidão

Hoje o decreto diz, seja livre e feliz

Minha palavra é lei (grifos meus)

Isso porque o decreto, como diz a música, de ser “livre e feliz” não só está presente

nas estrofes entoadas pelos médiuns durante as giras; é, também, orientação do pai

de santo, como é possível verificar no Código de Conduta para médiuns atuantes no

terreiro durante o ano de 2012:

Não acredite estar no terreiro apenas para praticar a caridade, você está aqui para evoluir emocionalmente, tornar-se mais feliz e ser uma referência para os que estão a sua volta. Só há um decreto na Umbanda: seja livre e feliz.21 (grifos meus)

Neste mesmo documento o Babalorixá enumera algumas regras que todos os

médiuns devem seguir, como vestir branco (todos usam um avental próprio do

Gruel), cuidar da higiene pessoal, não estabelecer vínculos (de amizade, sexual, etc)

com consulentes, entre outras exigências.

Por meio da convivência no Gruel, seja antes da pesquisa, como consulente;

ou depois, no papel de pesquisadora, observando, constatei que princípios como a

caridade, a humildade, a fraternidade entre tantos outros aos quais tanto se alude

19

Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=sdAmDM079KY>. Acessado em 14 de outubro de 2012. 20

Instrumento de múltiplos sinos, tradicional na cultura Iorubá. 21

Disponível em http://gruel.com.br/wp-content/uploads/2011/10/C%C3%B3digo-de-Conduta-para-

m%C3%A9diuns-atuantes-em-2012-nos-trabalhos-do-GRUEL-15.pdf>. Acessado em 14 de outubro de 2012.

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51

quando se fala da Umbanda, são importantes na prática. E é dessa prática (ou

tentativa de) que falarei no próximo capítulo.

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52

2. DO RITUAL AO VIRTUAL

2.1 “Programa do Seu Tranca”: um estudo de caso

Quando observamos um blog que fala sobre Umbanda ou mesmo um vídeo de

uma gira no YouTube, uma série de elementos que fazem parte do ritual no espaço

físico destinado a ele não está presente, como é o caso da defumação, dos passes

outros elementos, abordados anteriormente.

Por mais que se assista a um vídeo em que a defumação é feita dentro de um

terreiro, o internauta não é capaz de sentir o cheiro das ervas, nem de entrar em

contato com a fumaça, essencial para dissipar “más energias”, ou mesmo entrar em

sintonia com seus guias como por meio do adjá, instrumento do qual falei no capítulo

anterior.

Partindo de uma dificuldade que encontrei no trabalho de descrição das

práticas on-line no que diz respeito à transposição de práticas “físico-espirituais”

para práticas “virtual-espirituais”, cheguei aos estudos relacionados à netnografia.

Esse método pode ser caracterizado do seguinte modo:

O neologismo 'netnografia' (netnography = net + etnography) foi originalmente cunhado por um grupo de pesquisadores/as norte-americanos/as, Bishop, Star, Neumann, Ignacio, Sandusky & Schatz, em 1995, para descrever um desafio metodológico: preservar os detalhes ricos da observação em campo etnográfico usando o meio eletrônico para 'seguir os atores' (BRAGA, 2001, p. 5, citado por AMARAL, NATAL e VIANA, 2008, on-line).

A ideia de “seguir os atores” me pareceu adequada na medida em que havia a

possibilidade de encontrar e me comunicar com umbandistas na rede e assim

perceber como eles interagem com umbandistas e não umbandistas e,

principalmente, de que maneira se utilizam das novas tecnologias para falar sobre

sua religião.

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53

A partir dessa interação virtual com alguns umbandistas conheci a web-rádio

Toques de Aruanda22, responsável pelo programa “Conversando com Seu Tranca”

(ou Programa do Seu Tranca).

Nesse momento, essa web-rádio servirá de referência para o estabelecimento

de possíveis traduções entre o mundo físico-espiritual-ritual, etnográfico – das

observações no Gruel – e o mundo virtual- espiritual, “netnográfico” - que passarei a

abordar tomando como base a análise da Umbanda representada na Web, nos

blogs e nas redes sociais como Twitter e Facebook.

O programa é transmitido, ao vivo, todas as segundas-feiras das 21h às 23h

pela web-rádio. Funciona assim: cada dia um tema específico ligado à Umbanda é

discutido pelos apresentadores, Mãe Gladys Camorim e Alan Barbieri, das 21h às

22h.

Essa primeira hora do programa (21h às 22h) é dedicada à discussão do

tema a partir, principalmente, do conhecimento teórico e prático da médium (Mãe

Gladys) sobre a religião. Os internautas podem enviar suas perguntas por e-mail

([email protected]) ou via MSN, através do mesmo endereço. A

figura abaixo (um printscreen salvo no momento em que um dos programas estava

sendo transmitido) mostra a figura icônica da possibilidade de interação do espiritual,

sagrado (sintetizado na figura do Exu Tranca Rua das Almas, entidade popular na

Umbanda e que dá nome ao programa) com o virtual, por meio do MSN.

22

<http://www.radiotoquesdearuanda.com.br>; acessado em 10 de junho de 2012.

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54

Observem as características do desenho utilizado para representar este Exu: um

homem moreno, de bigode e cavanhaque, trajando uma roupa preta (possivelmente

uma capa), com uma espécie de cartola preta apoiada sobre a perna. Uma rápida

pesquisa no Google Imagens basta para encontrarmos várias representações

parecidas relacionadas ao guardião Tranca Rua das Almas23, chamado de “Seu

Tranca” pelos responsáveis pelo programa em questão.

Outra característica curiosa é a “disponibilidade” da entidade. Ao lado do

nome, vemos entre parêntesis que “Seu Tranca” está disponível. Mesmo a cor,

verde, em torno da figura dentro do quadrado, no canto esquerdo da caixa de

conversação é bem representativa para quem, alguma vez, já se utilizou do MSN

Messenger: “verde” indica que a pessoa (no caso, a entidade) está on-line.

É nessa caixa de conversação que o internauta digita sua pergunta. Durante a

transmissão do programa é comum até mesmo ouvir um som característico do MSN,

indicando o recebimento de uma nova mensagem.

Ao escutar todo um episódio24 pelo YouTube (todos vão para o canal da web-

rádio no YouTube após a transmissão ao vivo) pude perceber a predominância de

dúvidas de internautas umbandistas, ainda iniciantes na religião. Dúvidas, em sua

maioria, sobre o fato de frequentar um terreiro há algum tempo e “ainda não ter

incorporado”.

Na segunda hora do programa, portanto das 22h às 23h, a médium incorpora

o Exu Tranca Rua das Almas para que a entidade, que pode ser reconhecida pelo

timbre de sua voz e o modo como fala possa responder às perguntas enviadas por

e-mail ou pelo MSN. Ou seja, a partir de um rápido intervalo que antecede a

incorporação (a segunda hora do programa, portanto), quem responde às dúvidas

dos internautas é a entidade incorporada, e não mais a médium Gladys Camorim.

23

Disponível em https://www.google.com.br/search?hl=ptBR&tok=QC3HOyS6OLkKc85U5jrhIg&cp=16&gs_id=23&xhr=t&q=exu+tranca+rua+das+alma&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.r_cp.r_qf.&bpcl=3527702&biw=1024&bih=653&um=1&ie=UTF8&tbm=isch&source=og&sa=N&tab=wi&ei=4m17UL6eDu_H0AGFuoBY>. Acessado em 14 de outubro de 2012. 24

Disponível em “Programa Conversando com Seu Tranca: Hábitos das Entidades”, http://www.youtube.com/watch?v=Fi6oTHx2cFk>. Acessado em 10 de junho de 2012.

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55

2.1.1 Ausência e presença de elementos do ritual

Durante a comunicação da entidade com os participantes do programa, é

possível notar alguns aspectos comuns a uma incorporação, como a alteração na

voz. Percebe-se que se trata da mesma médium que apresentou o programa desde

o início, mas seu modo de falar se altera quase que completamente, assemelhando-

se à voz de um homem (embora ainda seja possível identificar o timbre de voz da

própria médium).

Outros participantes da transmissão do programa se encarregam de ler as

perguntas enviadas ao referido Exu, tratando-o por “Seu Tranca” a todo o instante.

Os apresentadores, no entanto, insistem em que as perguntas enviadas digam

respeito à religião de Umbanda, sendo questões menos pessoais e mais

abrangentes. Qualquer um pode participar enviando dúvidas ou comentários,

independentemente de sua religião, o que sugere uma democratização tanto da

religião umbandista, representada naquele momento pelos responsáveis pelo

programa, como da própria internet enquanto ambiente propiciador desse contato

“aberto” promovido pela rede (discorrerei melhor sobre essa ideia de “democracia

virtual” característica mais à frente).

Outra característica comum à incorporação – essa predominantemente

notada na incorporação de Exus e Pombas Giras – são as gargalhadas emitidas por

“Seu Tranca” durante a transmissão do programa. Em um dos episódios, quando

uma internauta que se diz médium questiona se é normal o fato de seu apetite

sexual aumentar após desincorporar sua Pomba Gira, “Seu Tranca” solta uma

gargalhada debochada25.

Outra característica indicativa de incorporação é quando a entidade

incorporada em Gladys Camorim afirma não saber falar algumas palavras que ela,

seu cavalo (termo que, assim como aparelho geralmente empregado por

kardecistas, é sinônimo de médium de incorporação), saberia dizer. É como se, ali,

25

Aos 1:35:20 do áudio disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Fi6oTHx2cFk&feature=related>. Acessado em 21 de outubro de 2012.

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56

enquanto o corpo da médium está ocupado pelo espírito da entidade, ela, Mãe

Gladys, se ausentasse da comunicação, embora ainda detivesse controle sobre a

incorporação.

Por todas essas características, o programa Conversando com Seu Tranca é

pertinente para discutir o conceito de terreiro virtual a ser explorado neste trabalho.

No entanto, também é capaz de incitar uma discussão muito mais ampla sobre a

transposição dos elementos rituais em torno da incorporação na Umbanda para o

espaço virtual, isto é, do off-line para o on-line. Nesse caso, cabem alguns alertas

sobre o trabalho netnográfico:

A netnografia, como transposição virtual das formas de pesquisa face a face e similares, apresenta vantagens explícitas tais como consumir menos tempo, ser menos dispendiosa e menos subjetiva, além de menos invasiva já que pode se comportar como uma janela ao olhar do pesquisador sobre comportamentos naturais de uma comunidade durante seu funcionamento, fora de um espaço fabricado para pesquisa, sem que este interfira diretamente no processo como participante fisicamente presente (KONIZETS, 2002, citado por AMARAL, NATAL e VIANA, 2008, on-line). Por outro lado, ela perde em termos de gestual e de contato presencial off-line que podem revelar nuances obnubiladas pelo texto escrito, emoticons, etc. (...) O pesquisador deve permanecer consciente de que está observando um recorte comunicacional das atividades de uma comunidade on-line, e não a comunidade em si, composta por outros desdobramentos comportamentais além da comunicação (gestual, apropriações físicas, etc.), sendo esse um dos principais diferenciais entre o processo etnográfico off-line e on-line. (AMARAL, NATAL e VIANA, 2008, on-line).

Tomando como principal exemplo, neste momento, o programa mencionado fica

claro que alguns elementos do espaço off-line da Umbanda são insubstituíveis on-

line e poderiam dar margem a dúvidas (do tipo “como saber se a médium está

vestida de branco?”, entre outras); isso porque após a transmissão ao vivo, apenas

o áudio do programa é disponibilizado.

Por outro lado, características da “vida real” parecem influenciar a

programação da web-rádio. No canal do YouTube encontram-se alguns episódios

cujos temas estão ligados a datas importantes na Umbanda, como os datas

comemorativas dos Orixás. Comemora-se o Dia de Ogum (sincretizado com a

imagem católica de São Jorge) em 23 de abril. O episódio do Programa do Seu

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57

Tranca de 23 de abril de 2012 tem como tema, em homenagem à data, “Orixá

Ogum” 26.

Quando os temas dos episódios do Programa do Seu Tranca estão ligados ao

calendário do cotidiano off-line, ainda que o episódio não tenha sido disponibilizado

no YouTube na mesma data que foi ao ar (dia 23 de abril de 2012 foi uma segunda-

feira, coincidentemente), podemos aproximar essa ideia da maneira como Pierre

Lévy entende as tecnologias: “como produto de uma sociedade e de uma cultura”

(LÉVY, 1997, on-line).

No programa Conversando com Seu Tranca a ausência de alguns elementos

que antecedem as incorporações no terreiro (como descrito no capítulo referente ao

Grupo Umbanda é Luz: pontos cantados em grupo, saudação aos ambientes

sagrados, aos guias, etc.) despertou meu interesse em mencioná-lo neste trabalho.

Mas o mais curioso talvez seja o fato de essa comunicação (entre dois mundos?)

tornar-se possível de alguma forma.

Além disso, naquele momento, ao menos na maioria dos episódios que ouvi

do início ao fim, apenas Mãe Gladys Camorim está incorporada, enquanto a

incorporação na Umbanda pressupõe um conjunto, uma rede que se forma no

espaço físico do terreiro, uma corrente de médiuns, daí a ligação entre o capítulo

anterior e este.

No programa, após a primeira hora, há um intervalo (ao vivo) destinado à

incorporação de “Seu Tranca”, mas não sabemos se todo o procedimento de

abertura de uma gira acontece durante esse intervalo, de cerca de cinco minutos,

embora, a todo instante, os apresentadores deixem claro que “o programa é

transmitido ao vivo do Templo Escola Caboclo Sete Espadas”.

Só a partir dessa menção durante o programa já seria possível identificar dois

espaços: espaço físico (do Templo Escola Caboclo Sete Espadas) e virtual (da

web-rádio e sua transmissão), que parecem estar unidos no momento da

transmissão do programa. Mas é exatamente no intervalo entre a primeira e a

26

Ver http://www.youtube.com/watch?v=uutlmO08li4&feature=relmfu>. Acessado em 14 de outubro

de 2012.

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58

segunda hora as práticas ritualísticas não ficam claras, já que não se sabe de que

maneira Tranca Rua das Almas de fato incorporou (se, no terreiro, cantaram os

pontos em sua homenagem; se houve a preparação prévia do espaço sagrado e do

corpo da médium, etc.)

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59

2.1.2 A interatividade e a quebra de barreiras

Ao ouvir o Programa do Seu Tranca, tendo eu antes acompanhado com

frequência giras de Umbanda presencialmente é clara a sensação de que a

comunicação entre entidades e consulentes, embora possa se dar por outras vias, é

de alguma forma reduzida.

Explico o porquê: no terreiro, o espaço físico ideal da incorporação, quando

há a consulta, o consulente não tem um tempo pré-determinado para “conversar”

com a entidade, podendo tirar quaisquer dúvidas. No caso do programa promovido

pela web-rádio, além de haver a limitação com relação ao teor das perguntas (não

devem ser pessoais e necessariamente precisam estar relacionadas à Umbanda),

há outra limitação ainda maior: o tempo de duração do programa. Não que as giras

de Umbanda não tenham hora para terminar: elas têm, mas tudo vai depender das

consultas.

Essa delimitação espaço-temporal é análoga ao estudo de Calil Júnior acerca

das comunidades virtuais de Espiritismo no Orkut (entenda-se por Espiritismo o

conjunto de ideias que constituem a doutrina espírita postulada por Allan Kardec,

citada no primeiro capítulo) quando menciona a moderação nessas comunidades.

Ao colocar a lente sobre a moderação presente no mundo espírita virtual, minha intenção é chamar a atenção para os processos de demarcação de fronteiras, mesmo em se tratando de um espaço aparentemente desterritorializado. (CALIL JÚNIOR, 2010, on-line, grifo meu).

O que o autor considera como “espaço aparentemente desterritorializado” é o

ciberespaço27. A desterritorialização para a qual ele aponta, permitida no

ciberespaço, é a quebra das fronteiras que se formam ainda no espaço físico,

quando diz que “o discurso de que na internet é possível falar e estudar o espiritismo

sem a censura e o cerceamento característico de muitos centros espíritas é

recorrente” (2010, on-line).

27

Tanto o conceito de ciberespaço como a relação que proponho entre esse conceito e as práticas relacionadas à Umbanda na internet serão explorados em um capítulo posterior.

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60

No entanto, com a moderação das comunidades - recurso comum nas redes

sociais, quando um internauta se responsabiliza por monitorar perfis e comentários

sobre o conteúdo postado – ocorre o fenômeno contrário, a re-territorialização,

entendendo novas fronteiras (a fronteira da moderação, do veto) como

demarcadoras de novos territórios reconfigurados (em uma comunidade moderada,

cria-se um perfil homogêneo que esteja de acordo com a permissividade do

moderador, embora heterogêneo já que é formado por espíritas – neste caso – de

diferentes lugares do mundo).

Seguindo este raciocínio, pode-se dizer que há uma re-territorialização

verificável também no Programa do Seu Tranca a partir da delimitação de assunto,

ou seja, do que o internauta pode ou não perguntar, e também porque as perguntas

enviadas por MSN pelos internautas passam, antes, pela seleção – ainda que “em

tempo real” – do assistente que as está lendo para a entidade, além da delimitação

do tempo de duração do programa.

Para Calil Júnior, no Espiritismo a ideia de desterritorialização já estava

presente muito antes do advento da internet, pois

a transposição das fronteiras pelos espíritas não se restringia aos limites temporais. No bojo da reencarnação não estavam implícitos não apenas outros tempos, mas também outros lugares. As experiências do espírito em reencarnações anteriores abriam as portas para o estabelecimento de relações com países e regiões que muitos , na atual existência, não teriam ou terão oportunidade de visitar (...) Muitos dos espíritas estabeleciam relações estreitas com lugares nunca vistos ou visitados. Este 'espiritoscape' e as paisagens e movimentos dele decorrentes eram facilitados a partir dos processos de desterritorialização e de re-territorialização engendrados na conformação do mundo espírita vitual que estaria submetido à virtualidade espírita de compreensão do tempo e do espaço, pela capacidade inerente ao espírito de juntar presente, passado e futuro. (CALIL JÚNIOR, 2010, on-line).

Isso significa que, muito antes de a internet existir, os médiuns já tinham

experiências que lhes permitiam o contato com encarnações anteriores, rompendo

as barreiras do tempo e do espaço atuais, por meio dos sonhos (é comum a ideia,

segundo as crenças espíritas, de que os espíritos saem de nosso corpo quando

sonhamos).

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61

O rompimento de barreiras de espaço-tempo através do contato com o espiritual me

obriga a citar um exemplo no qual a palavra “tempo” pode ser também entendida no

sentido meteorológico. Trata-se do texto escrito por Marcelo Tas em 28 de julho de

2012, sobre um fenômeno espiritual que teria tido influência sobre as condições

meteorológicas durante a abertura dos Jogos Olímpicos de Londres:

Este blog conversou com Osmar Santos, marido de Adelaide e porta-voz da Fundação [Cacique Cobra Coral], sobre a notícia de que eles teriam vindo a Londres, a convite da organização da Olimpíada, para travar um duelo com o tradicional mau tempo da capital britânica na cerimônia de abertura.

Por telefone, da sala de embarque de Heathrow, de onde retornou esta noite para São Paulo, Osmar confirmou e deu detalhes da “operação”, como ele mesmo denomina a atuação do espírito do Cacique. Por conta da instabilidade meteorológica na ilha da Rainha, ambos chegaram å Londres com antecedência- no dia 7 de Julho- para iniciar os trabalhos.

Durante a o dia de ontem, na cerimônia de abertura, Adelaide ficou em Dublin, na Irlanda, de onde garantiu que as ondas de pressão que entravam pelo Norte da ilha fossem desviadas para a Espanha, com a intenção de abrandar a seca daquela região no momento. Enquanto isso, de dentro do estádio, Osmar enviava informações em tempo real da situação em Londres.

Na cerimônia de ontem, ocorreram alguns pinguinhos de chuva antes do início e nenhuma mísera gota durante as mais de três horas do espetáculo dirigido por Daniel Boyle, que teve cenas que teriam sido bem complicadas de se realizar na chuva como o salto de paraquedas da Rainha (interpretada por um dublê, evidentemente) de um helicóptero que sobrevoava o estádio.28

Não se pode ignorar o caráter irônico da descrição do aspecto mágico da ação do

Cacique Cobra Coral à distância. Porém, segundo as informações que o texto nos

traz, o limite territorial, no caso entre Dublin e Londres não teria sido impedimento

para a atuação da entidade, cuja ação foi auxiliada pelo envio, “em tempo real, da

situação de Londres”.

28

TAS, M. Cacique Cobra Coral: medalha de ouro na abertura da Olimpíada. Disponível em <http://blogdotas.terra.com.br/2012/07/28/cacique-cobra-coral-medalha-de-ouro-na-abertura-da-olimpiada/>. Acessado em 24 de outubro de 2012.

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62

Já no caso do Programa do Seu Tranca essa ação mágica à distância é mais

clara, uma vez que os esclarecimentos de uma entidade representativa (Exu Tranca

Ruas) estão presentes em um programa transmitido por um player dentro do site da

web-rádio, o que torna seu conteúdo passível de ser acessado em qualquer lugar do

mundo (havendo, apesar disso, o empecilho do fuso-horário, sendo o programa ao

vivo no Brasil).

A própria noção de que, no MSN, “Seu Tranca está on-line” nos remete à

ideia de interatividade, característica marcante da linguagem da internet que

possibilita a troca com o outro virtualmente, sem haver deslocamento físico,

rompendo, mais uma vez, a barreira espaço-tempo (Alves: on-line).

A própria estrutura do site permite ao internauta entrar em contato com a

Umbanda também visualmente. Ao acessar a página da rádio Toques de Aruanda

(no próprio nome uma alusão aos atabaques), logo notamos se tratar de um site

voltado às religiões ditas afro-brasileiras. Já na homepage ouvimos pontos cantados

como trilha sonora, e os players para ouvir a programação da rádio naquele

momento são destacados na parte superior da página:

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63

As abas superiores agrupam todo o conteúdo visível também na página inicial,

dividindo-se em: comunicadores, programação; artigos e notícias; anuncie; players,

vídeos e fale conosco. Fica clara logo na página inicial a possibilidade de interação

com as redes sociais:

Até meu último acesso para análise, em 10 de junho de 2012, 7.360 pessoas haviam

curtido a página da Rádio no Facebook e o número de visitantes no site era

1225647.

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64

A interação não se estende somente às redes sociais. Há também a versão de

navegação, própria para celular, no site da web-rádio.

Os eventos e notícias em destaque são em sua maioria palestras, lançamento

de livros e cursos, mas há também coberturas de festas e manifestações em prol da

religião.

Quando o site serve como uma espécie de elo entre adeptos de Umbanda e

do Candomblé, o contrário do que eu vinha sinalizando também ocorre: a

transposição do espaço virtual – da página na internet, bem como seus perfis nas

redes sociais – para o espaço físico, uma vez que os internautas se utilizam do

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65

canal para não apenas se manter informados sobre assuntos relativos à sua crença,

mas também tornarem-se mais participativos de seus cultos presencialmente: seja

fazendo um curso (ministrando ou como aluno), ou até mesmo participando de

manifestações/passeatas em defesa de alguma causa pertinente à sua fé.

Mas a relação também pode se inverter quando um internauta se interessar

em fazer o “curso de mediunidade on-line” 29 promovido pela Rádio Toques de

Aruanda, o que traz à tona, mais uma vez, o paradoxo entre o exercício da

mediunidade e o conhecimento teórico deste exercício.

Sobre o Programa do Seu Tranca e outros programas semelhantes30

promovidos pela web-rádio Toques de Aruanda é importante deixar claro que minha

proposta, ao explorar características do ritual religioso que é feito dentro de um

terreiro, é mostrar como algumas dessas características se tornam possíveis

virtualmente, causando uma sensação de proximidade do internauta com um ritual

que ele não necessariamente precisa conhecer.

Ao me concentrar no fenômeno da comunicação com entidades espirituais

através da internet, não procuro discutir se os “conselhos” dados em resposta

aqueles que buscam ajuda através do Programa do Seu Tranca estão certos ou

errados ou se essa atividade é correta perante os umbandistas; mas procuro mostrar

como se torna possível uma tradução dessas experiências para o ciberespaço. Isso

porque

os espaços de interação dos blogs e outras ferramentas pessoais proporcionam o desenvolvimento de uma relação, funcionando como porta para que se dê uma troca simbólica de identificação. (...) Fotos, som (a voz) e vídeo tendem a deixar essa impossível tarefa de representar-se ao mundo de forma total um pouco mais próxima... (SILVA, on-line, grifos meus).

É essa relação que se estabelece entre internautas interessados na Umbanda de

forma geral que pretendo discutir nos próximos capítulos. Antes de direcionar o foco 29

Conteúdo programático e outras informações disponíveis em http://www.estudaremcasa.com.br/cursos-on-line/mediunidade-de-terreiro>. Acessado em 23 de outubro de 2012. 30

Ver também o “Programa Amigos do Seu Zé”, em referência a outra entidade conhecida na Umbanda: Zé Pelintra. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=R2h63bh7Alg>. Acessado em 23 de outubro de 2012.

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66

deste trabalho para a abordagem específica de possíveis manifestações virtuais

ligadas à Umbanda, é necessário discutir outros conceitos que surgiram a partir da

internet, como o ciberespaço do qual fala Calil Júnior ao abordar territorialização e

desterritorialização.

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67

2.2 A “Rede das redes” e o ciberespaço

A ideia que norteia este capítulo é explorar o conceito de rede, desde seu

entendimento mais amplo, como sinônimo de grupo ou família (conforme sugeri na

abordagem referente às observações no Gruel), até à Rede como sinônimo de Web.

Acerca do termo, conforme menciona Castells:

...rede é um conjunto de nós interconectados [...] estruturas abertas capazes de se expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam conectar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação. Uma estrutura social baseada em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio. (CASTELLS,1999, p. 566)

Quando se fala em Umbanda, muitos são os termos utilizados para

caracterizar os grupos que se organizam em torno da religião. Pode-se dizer que

são pessoas que compartilham, em primeiro lugar, um interesse comum, a própria

Umbanda, e depois vão se organizando por interesses mais específicos, como o

terreiro que frequentam. Um grupo dito “rede de Umbanda” é similar a um grupo que

se une para formar uma federação umbandista, já que uma federação (a exemplo da

Federação Brasileira de Umbanda31) é também uma rede.

Quando pesquisamos “rede de umbanda” (com aspas, para filtrar a busca e

obter um resultado mais preciso) no Google, encontramos aproximadamente 1560

resultados de páginas nas quais o termo aparece (conforme pesquisado em 23 de

outubro de 2012), sendo que grande parte desse resultado consiste em páginas de

organizações umbandistas, como a RBU ou Rede Brasileira de Umbanda32, uma

espécie de comunidade umbandista na “Rede das redes” (CASTELLS, 1999, p.

459): a internet.

Conforme menciona Girardi Júnior (2009, p. 93), a categoria “rede” foi

proposta para substituir e reavaliar a noção de grupo social. Podemos entender a

rede de Umbanda como uma organização de umbandistas conectados (não no

31

(Federação Brasileira de Umbanda) < http://www.fbu.com.br/> 32

(Rede Brasileira de Umbanda) <http://www.rbu.com.br/>

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68

sentido telemático, ainda) por um ideal comum. No momento em que a gira

acontece, fortalecem-se, por meio dos rituais, os “nós” e “conexões” de uma rede

híbrida (espiritual e física) de entidades. É preciso tentar entender o modo pelo qual

as diferentes redes relacionadas à Umbanda encontram seu lugar na Rede das

Redes; de verificar, mais precisamente, como uma rede de terreiros constituída off-

line reconfigura-se com a presença de uma possível rede de relacionamentos

virtuais vinculados a eles.

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69

2.2.1 As redes sociais e os vínculos on-line e off-line

Pelos usos e apropriações do ciberespaço, as pessoas constroem, de certo

modo, uma Web à sua imagem, na forma de uma rede de conexões mais ou menos

particular (CASTELLS, 2002, citado por PORDEUS JÚNIOR, 2004). Sendo assim,

as novas tecnologias parecem se tornar um instrumento útil a mais na construção de

uma nova comunidade de crentes (CAPONE, 1999, citado por PORDEUS JÚNIOR,

2004).

Pordeus Júnior (2004) estudou a Umbanda portuguesa na internet e

direcionou sua pesquisa para sites de Umbanda, especialmente o do Terreiro de

Umbanda Ogum-Megê33. O autor vê na internet um lugar onde se pode criar a idéia

do novo e, ao mesmo tempo, resgatar o passado. E entende os sites de Umbanda

como novos espaços de produção simbólica.

Afinal, respondendo a imagem do seu criador, tudo coexiste na internet: usos sociais, expressões políticas, redes de sociabilidade pessoal, busca de informações, movimentos associativos, e por que não, também proselitismo da magia e religião. (PORDEUS JÚNIOR, 2004, on-line).

O vasto conteúdo disponível na internet hoje – independentemente da

credibilidade que conquiste – é um reflexo da convergência digital tecnológica que

pavimentou a convergência de mídias, abrindo campo para o arquivamento, o compartilhamento e a distribuição de ativos digitais utilizados no relacionamento humano, por intermédio das máquinas computacionais e das redes telemáticas. Formou-se, então, um ambiente enredado que emula algumas das necessidades humanas, entre elas, o convívio por meio de comunidades. (LIMA JÚNIOR, 2009, on-line).

Trata-se de avaliar as possibilidades criadas a partir da social network ou

“rede social”, também chamada de “mídia social” (Lemos opta pelo termo “mídias on-

line” uma vez que considera toda mídia como sendo, de alguma forma, social). Vou

me utilizar do termo “rede social” para dar continuidade à ideia de rede trabalhada

acima.

33

O site citado pelo autor não está disponível. A página disponível refere-se à versão brasileira do TUOM, o Terreiro de Umbanda Ogum-Megê, que é <www.tuom.com.br>

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70

Lima Júnior observa que um dos motivos centrais encontrados na formatação

tecnológica dessas redes é proporcionar aos usuários a emulação de alguns

sentimentos que acontecem no relacionamento social tradicional (2009, p. 172).

No tocante às relações que se formam dentro das comunidades virtuais, o

que torna esses espaços únicos não é o fato de permitirem que indivíduos

conheçam apenas pessoas novas, mas o fato de eles darem visibilidade a seus

usuários, estreitarem seus vínculos (desterritorializados/ re-territorializados)

permitindo-lhes articular as mais variadas formas de ações em rede.

Isso pode resultar em conexões, entre indivíduos, que teriam poucas probabilidades

de acontecer de outra forma. Esses encontros podem ocorrer frequentemente entre

latent ties34, ou seja, entre aqueles que compartilham, também, alguma conexão off-

line (BOYD e ELLISON, 2007:on-line, tradução minha35). Desse modo, supõe-se que

comunicação nas redes sociais não seja necessariamente iniciada nelas próprias.

Em muitos dos grandes SRS (Sites de Rede Social) os participantes não estão necessariamente “se entrelaçando” a fim de conhecer novas pessoas; ao contrário, eles estão se comunicando com pessoas que já são parte de sua rede social estendida. (Boyd e Ellison, 2007:on-line, tradução minha36).

Essa noção é importante, pois permite analisar a integração entre as on-line e

off-line formadas em torno da (ou a partir da) Umbanda. A comunicação off-line entre

umbandistas pode ser estabelecida antes do seu encontro em ambientes virtuais. O

desenvolvimento das redes é fundamental para ampliar a visão ecumênica do social

e para reforçar laços (...) passando a compartilhar certa identificação (LEMOS, 2009,

p. 12).

34

Algo como “laços latentes”, em tradução livre. A ideia é de Caroline Haythornthwaite, disponível em <http://emmtii.wikispaces.asu.edu/file/view/Shakespeare+Hero+Demo.pdf>. Acessado em 13 de março de 2011. 35

Do original: What makes social network sites unique is not that they allow individuals to meet strangers, but rather that they enable users to articulate and make visible their social networks. This can result in connections between individuals that would not otherwise be made, […] and these meetings are frequently between "latent ties" who share some offline connection. 36

Do original: On many of the large SNSs (Social Network Sites), participants are not necessarily "networking" or looking to meet new people; instead, they are primarily communicating with people who are already a part of their extended social network.

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71

Entretanto, é evidente que, dada a capacidade da Rede em estabelecer

comunicações entre pessoas que compartilham um interesse comum, também é

possível criar vínculos com pessoas que não estavam “enredadas” fora da internet.

Por isso,

a vantagem da Rede é que ela permite a criação de laços fracos com desconhecidos num modelo igualitário de interação, no qual as características sociais são menos evidentes na estruturação ou mesmo no bloqueio da comunicação. [...] Tanto off-line quanto on-line, os laços fracos facilitam a ligação de pessoas com diversas características sociais numa sociedade que parece estar passando por uma rápida individualização e uma ruptura cívica. (CASTELLS, 1999, p. 465)

Para Castells (1999, p. 459) uma parte considerável das comunicações que

acontecem na rede é, em geral, espontânea não organizada e diversificada em

finalidade e adesão. O estabelecimento de conversações, bem como o

compartilhamento de conteúdos traduz o processo comunicativo posto em prática

pelas redes sociais, que, por sua vez, se organiza a partir das redes de usuários

estruturados por critérios de afinidade e/ou similaridade temática, de interesses, de

entendimento ou de conhecimento.

Tais redes se instalam em ambiências que oferecem aos participantes funcionalidades e microssistemas que estimulam e incentivam a ação coletiva. São ambiências como o Facebook, Myspace, LinkedIn, Orkut, Ning, Plurk, Twitter, entre outras, resultado de iniciativas privadas autônomas (não vinculadas a empresas de mídia) que visam agregar usuários e promover ações comerciais junto a essas audiências. (SAAD, 2009, p. 191).

Para Bucci (2009, p. 145), a internet não deve ser vista como meio de

comunicação; ela é muito mais um “ambiente para as relações humanas, para as

práticas sociais, para a cultura, para a própria gestão dos sistemas e subsistemas”.

Daí, quando falamos em internet como sendo um “espaço”, é imprescindível

sublinhar o conceito de ciberespaço – e de cibercultura - proposto por Pierre Lévy e

do qual já havia falado ao mencionar a noção de (des)território.

O ciberespaço (que também chamarei de "rede") é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que

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navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo "cibercultura", especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 17, grifo do autor).

Pode-se dizer então que a internet

“é uma rede distribuída que reproduz no ciberespaço o mundo da rua e as subculturas que compõem cada sociedade conectada. A internet é a construção coletiva de um arranjo comunicacional, por isso, a quantidade de informação será crescente, uma vez que a humanidade não aparenta dar sinal algum de que diminuirá seu ímpeto comunicativo. Pessoas continuarão a se comunicar em seus espaços georreferenciados e também no ciberespaço” (SILVEIRA, 200, p. 81, grifo meu).

Se é possível afirmar que o “mundo da vida” esteja reproduzido no ciberespaço, por

que não dizer que o “mundo dos terreiros” também cabe nele? Ou, ainda, em

sentido mais amplo, o “outro mundo”, como teoriza antropólogo Roberto DaMatta –

um mundo que reúne fantasmas, espíritos, espectros, almas, santos, anjos e

demônios e é entendido como “um local de síntese, um plano onde tudo pode se

encontrar e fazer sentido” (DAMATTA, 1997, p. 116).

Supor que as ligações entre umbandistas off-line se reproduzem on-line seria

afirmar que algo na constituição da prática religiosa da Umbanda esteja se

modificando com o ingresso na rede. É pertinente, portanto, introduzir aqui também

o conceito de hibridismo, de Néstor García Canclíni, que pode ser entendido como o

“processo sócio-cultural em que estruturas ou práticas, que existiam em formas

separadas, combinam-se para gerar novas estruturas, objetos e práticas”

(GAGLIETTI e BARBOSA, on-line).

Canclini fala da eficácia de se estar na rede quando menciona os estudos

sobre os movimentos políticos nacionais e sua relação com a formação dos bairros

populares em Buenos Aires37. Para o autor, as ações desses movimentos políticos:

37

Os estudos sobre a formação de bairros populares em Buenos Aires, na primeira metade do século, registraram que as estruturas microssociais da urbanidade - o clube, o café, a associação de vizinhos, a biblioteca, o comitê político - organizavam a identidade dos migrantes e dos criollos, interligando a vida imediata com as transformações globais que se buscavam na sociedade e no Estado. A leitura e o esporte, a militância e a sociabilidade suburbana uniam-se em uma continuidade utópica com os movimentos políticos nacionais. (CANCLINI, 1997, on-line)

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73

são de baixa ressonância quando se limitam a usar formas tradicionais de comunicação (orais, de produção artesanal ou em textos escritos que circulam de mão em mão). Seu poder cresce se atuam nas redes massivas: não apenas a presença urbana de uma manifestação de cem ou duzentas mil pessoas, porém - mais ainda - sua capacidade de interferir no funcionamento habitual de uma cidade e encontrar eco, por isso mesmo, nos meios eletrônicos de informação. (CANCLINI, 1997, on-line).

Diz ele ainda que “a urbanização predominante nas sociedades

contemporâneas se entrelaça com a serialização e o anonimato na produção, com

reestruturações da comunicação imaterial (dos meios massivos à telemática) que

modificam os vínculos entre o privado e o público”. Entrelaça-se, hibridiza-se... Uma

analogia a “enredar-se” parece caber nesta ideia.

Aproximando-nos da visão proposta por Canclini acerca da modificação de

vínculos que permite o avanço dos meios massivos38 à telemática, podemos crer

que a atuação dos indivíduos na rede seja uma demonstração dessa modificação de

vínculos entre privado e público. Isso porque, nas redes, tudo pode se tornar público,

havendo até mesmo a possibilidade de constituição de uma “nova esfera pública”, já

que, nos novos formatos comunicacionais pós-massivos

...a lógica comunicacional, cada vez mais banal e planetária, não se baseia apenas no consumo massivo para posterior conversação em uma esfera pública, como na estrutura massiva clássica. Ela se constrói na nova esfera pública que é o ciberespaço, em se fazendo através da produção, do compartilhamento e da distribuição de conteúdo. (LEMOS, 2009, p. 12)

38

Entenda-se “meios massivos” como “meios de comunicação de massa”, como jornais, revista, cinema, televisão e rádio, por exemplo.

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74

2.2.2 Uma nova esfera pública

Antes de introduzir a noção de esfera pública, menciono um trecho da

pesquisa de Joanildo Burity39 intitulada Redes Sociais e o Lugar da Religião no

Enfrentamento das Situações de Pobreza40, para exemplificar melhor o foco

pretendido com essa pesquisa, ao procurar mostrar que as noções de espaço

público e privado, no que diz respeito às experiências religiosas, têm se

reconfigurado na sua relação com os adventos tecnológicos de comunicação:

Percebe-se que a religião, na passagem dos anos 80 para os 90, não se circunscreve mais a um único domínio – o das convicções íntimas e privadas – nem se expressa no campo da militância social e política de forma estritamente remissível às expressões institucionalizadas tradicionais (igrejas). (BURITY, 2000, on-line)

Nos anos 1990, as manifestações religiosas já não se faziam presentes

apenas em seus locais de culto. Com o crescimento das redes sociais esse

processo não só aumentou como se modificou qualitativamente com a capacidade

dialógica das redes. Por exemplo: hoje não são apenas em igrejas que o fiel pode

ter contato com canções religiosas. Um claro exemplo disso é o site de

compartilhamento de vídeos religiosos, GodTube41 que, como o próprio nome diz,

disponibiliza vídeos relacionados a Deus. Assim,

as maravilhas das novas tecnologias da comunicação, sua forma de se apresentar para os consumidores como user friendly ou como capaz de resolver problemas de forma simples (por seu poder de exibir o que é real e de pautar o debate público; por seu potencial de acelerar efeitos e diminuir esforços de comunicação; etc.), suscita em muitas pessoas um senso de mistério, de fascínio, quase de transe. A experiência de fazer funcionar o que não se conhece “por dentro” e de conseguir “sozinho” resultados que não se poderia imaginar “antes” da tecnologia evoca aquela imagem durkheimiana do indivíduo que se torna mais forte, mais auto-valorizado, por sua crença em Deus. Ao mesmo tempo em que mantém entre o usuário de mídia(s) e os suportes técnicos desta(s) aquela distância que

39

Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e professor de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco; estuda, entre outros temas, a contribuição das novas tecnologias para a religião. 40

Disponível em <http://sala.clacso.org.ar/> 41

Disponível em < http://www.godtube.com/>

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75

separa, no discurso religioso, os seres humanos de Deus. (On-line)

Mais especificamente sobre a Umbanda, muitos sites relacionados à religião

umbandista disponibilizam pontos cantados em formato mp3 para ouvir ou para

fazer download. Cito como exemplo o site Pontos de Umbanda42, que divide os

pontos por categoria (boiadeiros, caboclos, defumação, espiritualidade, eventos,

Exu, Iansã, Ibejada, malandro, Obaluaê, Ogum, Oxosse, Oxum, povo cigano, pretos-

velhos, Xangô e Iemanjá) 43. Neste site, não só o áudio é disponibilizado, como

também a letra de cada ponto.

Quando Habermas propôs o conceito de esfera pública na sociedade

burguesa, seu objetivo não se destinava a fazer apontamentos acerca da religião,

menos ainda da alteração do espaço religioso. Mais tarde (ou seja, após 1990),

porém, Habermas reconheceria o papel das religiões como um possível identificador

de “situações-problema” no debate público.

Pretende-se trabalhar aqui com a noção tradicional de esfera pública, para,

posteriormente, introduzir a ideia de esfera pública interconectada na blogosfera,

tornando, assim, possível identificar a contribuição das redes sociais para a

transformação nos modos de representação da Umbanda.

Habermas define a esfera pública burguesa como “a esfera das pessoas

privadas reunidas em um público” (1984, p. 42); “uma estrutura comunicacional

enraizada no mundo da vida através da rede de associações da sociedade civil”

(1987, p. 453, citado por BUCCI, 2009, p.143). A esfera pública burguesa nasceu a

partir do momento em que a burguesia do final do século XVIII, frequentadora de

salons, cafés, livrarias, etc., passa a estabelecer um ritual social particular de discutir

publicamente temas pertinentes à época. A noção de “público” opõe-se,

naturalmente, à ideia de “privado”.

A rigor, qualquer instituição social – uma igreja, um partido político, uma associação – só ganha existência em termos sociais, ou visibilidade, no momento em que atinge a esfera pública. Portanto, os meios se tornam, na esfera pública, o grande canal de circulação dos

42

Disponível em < http://www.pontosdeumbanda.com.br/> 43

Optei por manter a nomenclatura utilizada no site.

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76

interesses e, até certo ponto, controlar os canais de acesso à esfera pública significa controlar os temas e debates que passam a constituí-la (MARTINO, 2009, p. 215).

Partindo do pressuposto de que os meios, de certa forma, possibilitem o

debate na esfera pública, podemos variar o foco para as “redes interconectadas”, ou

seja, a Web. Bucci cita um exemplo interessante ao falar das “miudezas” que têm

lugar na esfera privada, como a receita de uma galinha ao molho ou o jeito de se

rezar um terço e tenta mostrar, com isso, como se dão as transformações do público

e do privado produzidas pelas novas tecnologias de informação e comunicação.

Com as redes interconectadas, essas miudezas todas passam a estar acessíveis aos agentes com lugar na esfera pública. A qualquer momento, de qualquer lugar, alguém pode trazer à baila o modo de preparo da galinha ou o itinerário das rezas do terço. Tudo, ou quase tudo, é virtualmente acessível por todos, ou quase todos. Tudo parece ser visível, ao menos potencialmente. Deu-se um fenômeno curioso, pelo qual as antigas paredes da esfera íntima passaram a ser feitas de vidro. (BUCCI, 2009, p.147)

No próximo capítulo darei exemplos de como têm ocorrido essa

transformação de privado para público por meio das redes sociais, com foco para a

análise de blogs de umbandistas. Pode-se considerar que esses blogs (os blogs

selecionados para análise) possibilitam que tanto o leitor leigo quanto um

umbandista tenham conhecimento das práticas ritualísticas que acontecem dentro

de uma gira (em um espaço físico, portanto).

Essa possibilidade se dá em duas formas: primeiro, para criar um blog, não é

preciso pedir permissão a quem quer que seja; depois, o conteúdo uma vez

publicado em um blog torna-se de livre acesso a qualquer um que nele esteja

interessado, sem que a leitura do texto publicado necessite de permissão, ao

contrário das comunidades virtuais no Orkut, por exemplo, que, quando moderadas,

requerem autorização do moderador para que seu conteúdo esteja disponível para

leitura – de novo a ideia da territorialização e seu oposto.

Margaret Wertheim faz uma analogia a um apelo religioso cristão do

ciberespaço ao dizer que

como o cristianismo, também o ciberespaço está potencialmente aberto para todos: homem e mulher, Primeiro e Terceiro Mundos,

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77

norte e sul, Oriente e Ocidente (...) o ciberespaço está aberto para todos os que podem arcar com o custo de um computador pessoal e de uma taxa mensal de acesso à Internet. Cada vez mais, bibliotecas e outros centros comunitários estão também fornecendo acesso gratuito. Tal como a Cidade Sagrada, o ciberespaço é um lugar em que, teoricamente, pessoas de todas as nações podem se misturar. De fato, muitos ciber-entusiastas gostariam de nos fazer crer que a internet dissolve as próprias barreiras de nacionalidade, raça e sexo, 'elevando' a todos igualmente ao fluxo digital. O sonho de uma comunidade global é uma das fantasias fundamentais da 'religião' do ciberespaço, uma versão tecnológica da fraternidade humana de Nova Jerusalém (WERTHEIM, 2001, p. 18-19).

Ela também faz uma referência à onisciência, ou seja, à sensação de que tudo se

sabe através do ciberespaço, “destinado a se tornar a própria fonte do

conhecimento. À medida que um número crescente de bibliotecas, bancos de dados

e recursos de informação vai se tornando disponível on-line, a fantasia

da onisciência cintila no horizonte digital” (2001, p. 21).

Em relação a isso, minhas observações acerca dos rituais de Umbanda

permitem duas considerações:

1) a Umbanda, comparativamente à metáfora da “democratização” do ciberespaço

em Wertheim, também é aberta a todos. Qualquer pessoa, independentemente da

idade, classe social, sexo, opção sexual ou até mesmo credo (não necessariamente

um umbandista) pode frequentar um terreiro, assim como também pode se apropriar

da internet como uma ferramenta capaz de entrar em contato com a Umbanda por

meio de textos publicados em blogs, vídeos no YouTube, áudios de pontos

cantados, etc.

2) Embora haja a disponibilização desse conteúdo no ciberespaço, a ideia da

onisciência que parte dele não se aplica diretamente à Umbanda. Isso porque

“qualquer um” pode se apropriar desse conteúdo, mas ainda que todos os textos já

publicados sobre Umbanda, todos os pontos cantados, todos os vídeos de giras, etc.

estivessem disponíveis no ciberespaço, isso não seria suficiente para o exercício

mediúnico.

Ser um médium umbandista requer, portanto, uma prática que só é

possibilitada off-line. Pode-se saber muito sobre Umbanda em tese, mas não se

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78

pode praticar esse conhecimento em casa ou em qualquer outro lugar que não seja

um terreiro. Isso remete novamente à ideia já trabalhada, da necessidade de

preservação da herança ritualística da Umbanda, transmitida de pai para filho de

santo e de filho de santo para filho de santo na medida em que novos médiuns vão

se inserindo na corrente.

Toda essa relação, todo esse aprendizado se adquire no terreiro, embora a internet

contribua para permitir reforçar, on-line, um aprendizado adquirido off-line.

Ademais, não se pode confiar em tudo o que está na rede. O blog, por

exemplo, é, por definição, o lugar da subjetividade declarada (MARTINO, 2009, p.

212). Em tradução simples, “blog” seria a contração de “Web log” ou algo como um

“diário da web”.

Uma primeira aproximação para a discussão dos blogs seria notar sua condição híbrida negativa: eles não são apenas a transposição de uma escrita tradicional para o ambiente da internet, mas o espaço para a geração de possibilidades múltiplas de novas formas de comunicação e constituição de identidades textuais. (MARTINO, 2009, p. 209, grifos do autor).

O conceito de blogosfera foi proposto pelo blogueiro Brad L. Graham em 1999

nos remetendo à ideia de um universo de blogs (MALINI e WAICHERT, 2008, on-

line). No blog há o espaço destinado aos comentários, o que pressupõe a ideia do

debate, aproximando-se à noção de esfera pública. Assim, “como a blogosfera

fornece um novo ambiente de comunicação e conota implicações distintas com suas

características únicas, muitos estão entusiasmados com a possibilidade de um novo

espaço público”. (LEE, 2006, on-line, tradução minha44).

Não obstante sugerir um debate, o fato de um blogueiro querer passar sua

mensagem na blogosfera não garante, necessariamente, que essa mensagem seja

lida, muito menos comentada. Este já é uma das questões que limitam a

generalização da noção do debate proposta por Habermas. Nesse caso, embora a

esfera pública diminua consideravelmente os mecanismos de filtro nas trocas

44 Do original: As the blogosphere provides a new environment of communication and connotes

distinct implications with its unique characteristics, many are thrilled at the possibility of a new public

space.

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79

simbólicas, a “blogosfera tem o potencial tanto de abrangência quanto limites” (LEE,

2006, on-line, tradução minha45) dela.

Não cabe aqui aprofundar a discussão teórica em torno da blogosfera como a

nova esfera pública interconectada; mas me permito observar que o conceito

habermasiano ideal (LEE, 2006, on-line) pode ajudar os pesquisadores a pensar a

construção de novas redes simbólicas de representação das práticas relacionadas à

Umbanda.

A rede de relacionamentos e instituições tradicionais, que configuram as

práticas religiosas, são reconfiguradas (apropriadas, reinventadas, abandonadas) e

integram-se de modo complexo (e, muitas vezes, conflitante) à lógica das redes

virtuais. Com isso, novas formas de representação pública dessas práticas passam a

ser criadas. A seguir, exploro o conceito de “capital” para tentar entender o que de

fato garante ou não que uma ideia relacionada à Umbanda seja discutida, levada ou

não a sério no ciberespaço.

45

Do original: The public sphere allows all individuals to participate in discussions occurring in the

space—without any barrier. The blogosphere has both potential for inclusiveness and limits.

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80

2.3 Capital na Umbanda: dentro e fora das redes

A noção de “capital” se tornou célebre na teoria marxista; no entanto, é a

ampliação desse conceito, por Bourdieu, que me permite associá-lo às trocas

simbólicas na Web (para depois rearranjá-lo à Umbanda).

É possível entender a ampliação da ideia de “capital” a partir da noção de

campo. Um campo pode ser definido como

um universo simbólico de definição e gerenciamento de

determinadas práticas, ou seja, seria um espaço social de dominação

de conflitos, dotado de, em maior ou menor grau, autonomia e tende

a fundar suas próprias regras organizativas, princípios e hierarquias.

(SOUZA, 2002, p. 110-120; citada por FALCÃO, SILVA e AYRES,

2009, on-line46).

Por exemplo,

no campo da política, uma das regras é o voto. Os sistemas de classificação são regulados pelo número de votos. No campo da cultura, uma das regras são os títulos. No campo econômico, os capitais. Nenhum dos campos interinstitucionais, entretanto, reconhece as regras do outro como valor de classificação válido em seu campo. As trocas entre os vários campos, neste sentido, são simbólicas, isto é, reingressam num processo de disputas, lutas e classificações em torno do nomear e classificar o mundo (FERREIRA, 2005, on-line47).

O campo que permite melhor adequação dos conceitos com o tema proposto

neste estudo é o campo religioso. Isso porque, como apontam Vanda Serafim e

Solange Andrade, o conceito é largamente utilizado por teóricos que tratam das

religiões afro-brasileiras. Todavia, enfatizam, é preciso lembrar que a ideia do campo

religioso de Bourdieu pressupõe diferenciações entre magia e religião, que muitas

vezes são ignoradas.

Há na construção do campo religioso de Bourdieu a oposição entre manipulação legítima do sagrado (religião) e a manipulação profana e profanadora (magia ou feitiçaria), sendo que esta pode ser uma

46

Disponível em <http://www.slideshare.net/tarushijio/jogos-e-o fluxo-de-capital-simbolico-no-facebook-um-estudo-dos-casos-farmville-e-bejeweled-blitz#>. Acessado em 3 de outubro de 2011. 47

Disponível em <http://www.eptic.com.br/arquivos/Revistas/VII,n.2,2005/JairoFerreira.pdf>. Acessado em 18 de outubro de 2011.

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81

profanação objetiva (a magia ou feitiçaria como religião dominada) ou profanação intencional (a magia como anti-religião ou religião invertida) [...] Ao utilizarmos a noção de campo religioso para falarmos de “religiões” afro-brasileiras, estamos fazendo exatamente o contrário, ou seja, remetendo-as à magia, num sentido pejorativo de não-religião. (SERAFIM e ANDRADE, 2009, on-line, grifo das autoras).

Essa diferenciação desemboca naturalmente na institucionalização. Dizem

Serafim e Andrade que Bourdieu “entende que os leigos não esperam da religião

apenas justificações que os livrem da angústia existencial, esperam justificações

para sua posição social” (2009, on-line).

As autoras ressaltam que, quando o sociólogo fala em campo religioso, está

falando essencialmente da Igreja Católica; por isso é preciso tomar cuidado ao

utilizar a ideia do campo religioso para falar em Umbanda. Mas, guardadas as

devidas proporções, alguns conceitos que se agrupam à noção do campo são

importantes para a análise da Umbanda na internet.

Cardoso Filho (2011) menciona em estudo sobre o Festival de Iemanjá em

Belém do Pará48 que “a constituição de um campo religioso enquanto resultado de

monopolização de gestão de bens de salvação, por um grupo de especialistas

religiosos, reconhecidos socialmente como os detentores exclusivos de competência

para produção e reprodução de conhecimentos secretos, acompanha a gênese de

um grupo de leigos, ou excluídos de competência religiosa, por serem destituídos do

capital religioso” (BOURDIEU, 1992, p. 39, citado por CARDOSO FILHO, 2011, on-

line).

O autor está utilizando o conceito de campo religioso para analisar a

institucionalização da festa de Iemanjá naquele estado, que começou como uma

manifestação livre nas praias, até ter a necessidade de se organizar formalmente

para que os fieis pudessem promovê-la anualmente.

Surge, aí, também o conceito de capital religioso, que poderia se aproximar,

neste caso especificamente, com o entendimento e controle das práticas ritualísticas

oriundas da festa de Iemanjá.

48

Disponível em <http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1305507426_ARQUIVO_XICONLABArtigo.pdf>. Acessado em 13 de outubro de 2011.

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82

Um dos blogs selecionados para análise neste trabalho é o “Coisas da Vida”

49, de Andréa Deren Destefani. A criadora do blog e autora dos textos nele

publicados ou “postados” (numa linguagem própria da blogosfera) é médium

umbandista e, em 2011, quando do início de minha pesquisa, fazia parte da corrente

de médiuns do Terreiro do Pai Maneco, localizado em Curitiba.

No blog de Andréa Destefani, em cujos textos a Umbanda é frequentemente

mencionada em relação a assuntos do cotidiano, em muitos posts são utilizados

termos próprios de quem, se não “frequenta” giras, ao menos tem capital religioso

suficiente para entender seus aspectos ritualísticos.

Para prosseguir com a noção de capital, é preciso atentar também para as

noções de “capital social” e “capital simbólico”. Ainda falando em religião,

o homem religioso é tanto criador quanto usuário do conjunto simbólico do transcendente, portando crenças religiosas que regem sua vida e sua conduta. Cada religião tem uma posição específica em relação ao homem, à sua condição humana, auxiliando-o na sua inserção no mundo e na sociedade. Em toda cultura ou religião existe um capital simbólico, herança que é um patrimônio de funções relacionais e comunitárias. Para o homem religioso, sempre existe uma realidade invisível, misteriosa, transcendente, que ele percebe e que as diversas religiões designam, cada uma, com um termo específico. Mas em todas as religiões o homem que realiza um rito faz um gesto significativo para sua vida, mediante o qual entra em contato com essa realidade transcendente” (MALANDRINO, 2006, p. 191, grifo meu).

Grosso modo, o capital simbólico é uma medida do prestígio e/ou do carisma

de um indivíduo ou instituição (MELO, 2010, on-line). É composto por

formas de dominação, que envolvem a dependência perante os que ele permite dominar: com efeito, ele existe apenas na e pela estima, pelo reconhecimento, pela crença, pelo crédito, pela confiança dos outros, logrando perpetuar-se apenas na medida em que consegue obter a crença em sua existência (BOURDIEU, 2001, p. 202).

Deslocando o conceito para as redes sociais, isso permite questionar o capital

simbólico de que são dotados os blogueiros responsáveis pela disseminação dos

textos de Umbanda. Ainda que minha análise se centre em blogs de umbandistas,

não é preciso ser umbandista para falar de Umbanda em um blog, mas quem o faz

deve ser dotado de um mínimo de capital religioso.

49

Disponível em < http://coisasdecasados.blogspot.com.br/>

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83

Menciono rapidamente o blog do terreiro ao qual Destefani pertencia quando

comecei a reunir dados para este trabalho50, o Blog do Pai Maneco51, para levantar a

seguinte questão: o fato de os posts publicados no blog terem sido escritos pelo

próprio dirigente do terreiro, Fernando Guimarães, que trabalhava com a entidade

Pai Maneco aumenta seu capital simbólico e social?

O acúmulo de capital social conquistado por um indivíduo depende da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume de capital – econômico ou simbólico – que é posse exclusiva de um daqueles a quem está ligado. [...] Ou seja, para adquirir capital social um indivíduo precisa se relacionar com outro(s), e são estes a verdadeira fonte de seus benefícios. (FALCÃO, SILVA e AYRES, 2009, on-line, grifo meu).

O capital social, então, é o agregado dos recursos atuais e potenciais os

quais estão conectados com a posse de uma rede durável, de relações de

conhecimento e reconhecimento mais ou menos institucionalizadas, ou em outras

palavras, “à associação a um grupo – o qual provê cada um dos membros com o

suporte do capital coletivo”. (BOURDIEU, 1983, citado por RECUERO, 2005, on-

line52).

O capital social, para Bourdieu, não se encontra nos indivíduos, mas ao

contrário, encontra-se embutido nas relações sociais das pessoas (RECUERO,

2005, on-line, grifo da autora). Esse conceito [de capital social] pode ser encontrado

no papel que alguns blogs temáticos possuem na distribuição de informação,

formando, em torno deles, uma rede social de compartilhamento de conteúdo

(BRANDÃO e RIOS, 2011, on-line53). Isso porque os blogueiros utilizam-se dos

blogs não apenas para construir sua rede social, mas igualmente, para gerar

50

O dirigente do terreiro do Pai Maneco, Fernando Guimarães, faleceu em 2012, ainda durante o desenvolvimento da pesquisa. Antes disso (mas depois das informações que eu já havia colhido e que serão analisadas posteriormente), Andréa Destefani já não fazia parte da corrente. 51

Disponível em < http://paimaneco.blogspot.com.br/>. “Pai Maneco” é o nome do Preto-velho que o dirigente do terreiro, Fernando Guimarães, incorporava, ou, numa linguagem própria, entidade com a qual ele “trabalhava”. 52

Disponível em <http://200.144.189.42/ojs/index.php/famecos/article/view/454/381>. Acessado em 3

de outubro de 2011.

53 Disponível em <http://intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2011/resumos/R28-0666-1.pdf>.

Acessado em 18 de outubro de 2011.

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84

reputação e status dentro dela. O blog então é um instrumento de captação de

capital social para os blogueiros. (RECUERO, 2006, on-line54).

Os blogs, portanto, servem de meio para aprofundar as relações sociais entre

os indivíduos, já que, “quanto mais a parte coletiva do capital social estiver

fortalecida, maior a apropriação individual deste capital” (RECUERO, 2005, on-line,

grifos da autora). Foram destacadas, aqui, as noções de:

1) capital social quando se estabelece uma rede de relacionamentos, como já foi

assinalado anteriormente, em torno do grande tema que é a Umbanda e dos

subtemas que ela abarca, como a questão da caridade, da fé, do amor, etc.,

conceitos universais vistos logo no primeiro capítulo, quando falei do Gruel – Grupo

Umbanda é Luz, e que talvez por isso despertem tanto interesse, inclusive em não

umbandistas.

2) capital simbólico quando se analisa o prestígio desses blogueiros na rede em

meio aos seguidores dos blogs (se têm mais “audiência” por serem umbandistas

praticantes escrevendo sobre a Umbanda do que um leigo no assunto fazendo o

mesmo)

3) capital religioso, medido pelo “entendimento” individual sobre a Umbanda e suas

giras.

Daí se depreende que os blogueiros, quando praticantes dos rituais de Umbanda e

autores de posts sobre Umbanda, detenham um capital religioso muito maior do que

seus leitores não umbandistas. Principalmente Pai Fernando Guimarães, dirigente

do terreiro e autor de muitos posts do blog do Pai Maneco. A partir dessa explicação,

procurei entender também o que gera o interesse dos leitores frequentes desses

blogs.

54

Disponível em <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R0594-1.pdf>. Acessado em 18 de outubro de 2011.

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85

3. INTERESSE PELA UMBANDA NA REDE

3.1. A Umbanda e a modernidade líquida

Esse terceiro capítulo é norteado por uma pergunta fundamental: como uma prática

religiosa, muitas vezes, considerada uma prática mágico-religiosa se desenvolve em

meio ao mundo marcado pelo desenvolvimento racional e tecnológico

contemporâneo, valendo-se, por exemplo, das redes sociais?

Para responder a essa pergunta procurei explorar o conceito de “modernidade

líquida” de Bauman (2001) e o conceito de “desencantamento do mundo” de Max

Weber. Neste caso, seria importante para trabalhar com a ideia de um possível

“reencantamento” do mundo gerado pela apropriação religiosa das tecnologias e das

redes sociais. O uso da expressão “sincretismo” para representar as experiências

simbólicas no mundo contemporâneo, proposta por Massimo Canevacci(1996),55

também se revelou importante.

Neste capítulo, portanto, pretendo apresentar estes conceitos básicos para,

no capítulo posterior, utilizá-los na análise dos blogs selecionados. O mesmo

ocorrerá com outros conceitos já apresentados nos capítulos anteriores.

Em primeiro lugar, achei pertinente citar um pequeno texto publicado no site

do Pai Maneco, exatamente sobre a Umbanda na internet, escrito por Pai Fernando

Guimarães no dia 30/8/201156:

A modernidade trouxe ao mundo o fenômeno internet e com ela o que foi denominado mídia social que congrega um conjunto de ferramentas como o twitter, facebook, blog e outros nomes. A internet está tão arraigada nos impúberes que me contou uma pessoa uma passagem interessante. Ela estava assistindo um filme no cinema, quando aconteceu uma piada sobre o Google. Só os menores de dez anos caíram na gargalhada, para espanto dos assistentes adultos.

55

Antropólogo italiano, autor de Sincretismos (CANEVACCI, 1996), estudou os sincretismos no Brasil “como novas formas de conexões, contaminações, trocas entre culturas diversas”. 56

Disponível em http://www.paimaneco.org.br/textos/comentario-da-semana-13>. Acessado em 5 de setembro de 2011. Optei por manter a grafia original do texto.

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86

Como não gosto de depender dos outros, entrei de cara no computador e hoje manipulo tanto internet como outros programas. Há algum tempo escolhi para meu uso de comunicação o meio Blog e tenho recomendado a todos os Umbandistas que façam o mesmo para espalhar o nome da nossa religião. Acho uma ferramenta boa porque existe a possibilidade de haver recusa de comentários desairosos ou inconvenientes. Não gosto de falar com quem eu não conheço. A verdade é que quem posta um comentário sabe quem vai recebê-lo. Vou contar uma fraqueza que tenho: adoro mudar de repente tudo que estou fazendo. Inovo só por inovar. E sou radical. Não vou mais ler ou participar de blogs. Minha ferramenta daqui para frente serão duas cadeiras, uma na frente da outra. Estarei sentado em uma delas e quem quiser ocupar a outra é só ir à minha toca, o Terreiro do Pai Maneco, que trocaremos idéias olho no olho. Só para esclarecer, nada aconteceu de aborrecido comigo durante o uso do Blog, mas não resisto sair da mesmice aborrecida. O Blog do Pai Maneco57 continua a todo vapor com o retorno da Camila, a responsável por ele. FMG.

São palavras de um pai de santo que está se apropriando da internet para

tecer considerações sobre a própria internet. Ele fala no “fenômeno da internet” que

teria surgido com a modernidade e cita o blog como uma ferramenta escolhida por

ele “para espalhar o nome” da Umbanda. O fato de ter optado por deixar a

administração de seu blog para outra pessoa e de ter decidido parar de escrever em

blogs partiu, como ele mesmo disse, de uma decisão pessoal.

Fernando Guimarães fala em modernidade; Zygmunt Bauman, em

“modernidade líquida”. O que seria, então, a tal modernidade líquida, identificada

com a pós-modernidade? Trata-se da ideia de liquidez, no sentido de fluidez,

mesmo. Como a fluidez, a inconstância e a mobilidade são características dos

líquidos, a metáfora surge a partir de uma característica fluida da modernidade. Um

exemplo dessa inconstância é destacado por Bauman como o encontro entre

estranhos. Nele

não há uma retomada a partir do ponto em que o último encontro acabou, nem troca de informações sobre as tentativas, atribulações ou alegrias desse intervalo, nem lembranças compartilhadas: nada em que se apoiar ou que sirva de guia para o presente encontro. O encontro de estranhos é um evento sem passado. Frequentemente é também um evento sem futuro (o esperado é não tenha futuro), uma história para ‘não ser continuada’, uma oportunidade única a ser

57

Disponível em <http://www.paimaneco.blogspot.com/>

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87

consumada enquanto dure e no ato, sem adiamento e sem deixar questões inacabadas para outra ocasião.(BAUMAN, 2001, p. 111)

A metáfora, desenvolvida por Bauman, pode ser utilizada no entendimento

das trocas simbólicas nas redes sociais, em plataformas como a do Orkut ou do

Facebook, sugerindo que “quanto mais amigos se têm, maior parece a necessidade

de se mudar um perfil frequentemente. Muitas vezes podem mesmo chegar a ter

perfis para os quais a metáfora da fluidez é perfeitamente adequada” (MOCELLIM,

2007, on-line).

Essa “mobilidade” simbólica que as redes sociais permitem a seus usuários, a

partir da possibilidade de construir diversos “perfis” virtuais e modificá-los a qualquer

momento, pode ser considerada uma característica importante da modernidade

líquida.

O Orkut ou o Facebook surgem como uma ferramenta que possibilita o

encontro entre pessoas com interesses diversos, mas que, ao mesmo tempo, podem

compartilhar um mesmo interesse pela religião, por exemplo. Pesquisando a palavra

“Umbanda” no campo de busca da rede social encontram-se mais de 1000

resultados, ou seja, são mais de 1000 comunidades virtuais relacionadas à

Umbanda (independentemente de serem elas contra ou a favor da religião) e mais

de 1000 tópicos (fóruns de discussão). Eles

demonstram uma identificação dos usuários com interesses mais ou menos fluídos, não criando um vínculo de responsabilidade, mas servindo como modo de demonstra esses pequenos interesses. Podem ser, em determinadas situações, formas de ajuda mútua, como no caso de usuários que buscam trocar informações por meio das comunidades, mas não geram obrigações de longo prazo, geram o que Bauman chama de “vínculos sem conseqüências” – laços breves que não vinculam verdadeiramente. (MORTELLI, 2007, on-line, grifo do autor).

Pai Fernando fala de uma característica comum ao blog, que é permitir

comentários de diferentes opiniões sobre a religião. Mas, essa característica não é

exclusiva do blog, já que também no Orkut, no Facebook ou no Twitter - três

importantes redes sociais - isso acontece com frequência.

A ideia da modernidade líquida de Bauman pode ser utilizada para analisar o

modo pelo qual os usuários se apropriam de maneira fluida das redes sociais para

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88

construir e afirmar, mesmo que provisoriamente, sua identidade, suas crenças e

valores. Assim:

Por meio de blogs ou do Orkut e sites interativos, por exemplo, o sujeito pode (re)significar ou (re)criar e simular sua identidade de acordo com fluxo da situação ou das necessidades do momento. É por meio dessas ferramentas que o sujeito da sociedade liquido-moderna pode tornar-se visível, reconhecido e brilhar nas telas mesmo que provisoriamente. (OLIVEIRA, on-line, grifos do autor)

A oportunidade de “tornar-se visível” e “brilhar nas telas mesmo que

provisoriamente” é atrativa na rede. Pode ser utilizado como exemplo, aqui, o blog

“Coisas da Vida”. Nele, pude observar que cada post é seguido por diversos

comentários nos quais se compartilha uma história pessoal relacionada ou não à

Umbanda.

Em um post intitulado “Enquanto os anjos não falam”, publicado em 1 de

novembro de 2010, Andréa Destefani fala sobre as “mensagens” transmitidas “pelos

mortos”. Um dos leitores conta um episódio totalmente pessoal, compartilhando uma

“consulta” que teria tido com uma determinada entidade (Exu do Lodo) sobre o

falecimento de seu pai. Ele não apenas demonstra interesse em ser lido, como

também aproveita o espaço de comentários do post para pedir à autora que o avise

caso receba alguma mensagem pai já falecido.

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89

Além disso, como nesse caso o espaço de comentários é “aberto”, ou seja,

“qualquer um pode comentar”, abre-se a possibilidade de participação de outras

pessoas que não precisam ser umbandistas.

No caso do blog de Andréa Destefani, por exemplo, há um notável esforço

nos textos em despertar emoções em quem lê, por meio de uma linguagem simples

capaz de ser entendida não apenas pelos umbandistas, já que a autora partilha a

opinião e o objetivo de Pai Fernando Guimarães, de “espalhar o nome dessa

religião”, a Umbanda. Em um trecho do post mencionado58, a autora parece tentar

fazer com que sua experiência pessoal seja capaz de convidar o leitor a exercitar

sua própria experiência:

Todos dizem que as pessoas são materialistas no mundo atual. Podem até ser. Contudo, diante de uma lembrança de outros tempos, de uma outra vida vivida nesta encarnação mesmo, de filhos e netos que nascem, de pessoas amadas que desencarnam somos definitivamente espirituais. Temos que crer que algo nos conduz e nos protege e principalmente que temos braços que nos amparam quando precisamos. Quem já perdeu alguém que amava muito, há de concordar comigo. A dor que sentimos é algo lancinante. Nenhum consolo verbal é suficiente nesta hora. E então quando recobramos a respiração, nos pegamos em busca de sinais de vida de quem já se foi. Às vezes pode ser de forma discreta e íntima, às vezes mais contundente (grifo meu).

Ao mesmo tempo em que Destefani provoca a emoção de quem a lê,

transpondo sua experiência como médium por meio do texto escrito no blog, aquele

que comenta também o faz. De certa forma, sendo ou não umbandista, também o

leitor vai transpor para o mundo virtual, no espaço destinado aos comentários, sua

experiência com o acontecimento relatado.

O internauta comenta o post de Andréa demonstrando interesse pelas

informações ali contidas e quer estabelecer com ela uma comunicação

compartilhando um contato mediúnico. Uma relação restrita ao espaço do terreiro

pode ganhar visibilidade e abrir espaço para um novo vínculo desterritorializado: “...

se algum dia você receber notícias em alguma psicografia ou algo do tipo, por favor,

call me”. O autor do comentário indica já ter tido contato com Destefani antes, uma

vez que a chama de “amiga”. Ao analisar o perfil do internauta, que comenta o post

58

Disponível em <http://coisasdecasados.blogspot.com/2010/11/enquanto-os-anjos-nao-falam.html>

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90

com o perfil do Twitter @maxwell_r pude perceber que ele faz parte da lista de

pessoas que assinam o blog de Destefani, ou seja, da lista de membros do blog

“Coisas da Vida”.

Recuero (2009) explica a diferença do que seriam, conceitualmente, esses

membros de um determinado blog (o mesmo se pode dizer dos “amigos” do Orkut ou

“seguidores” do Twitter) e aqueles que efetivamente comentam os posts.

Enquanto as redes sociais decorrentes das conexões estruturais de

um sistema podem representar uma rede estática (por exemplo, os

“amigos” de alguém no Orkut), as redes sociais emergentes são

aquelas que mostram efetivamente, com quem ele interage e como

essas interações estão influenciando sua rede estruturada pelo

sistema. (RECUERO, 2009, on-line, grifos meus)

Ela denomina tais redes estáticas como redes de filiação, que é o que acontece

quando se “assina” o conteúdo de um blog, por exemplo. No caso do comentário

mencionado, o fato de @maxwell_r ser membro do blog de Andréa o aproxima do

que se pode chamar de uma rede de filiação; no entanto, a assiduidade com a qual

ele comenta o conteúdo disponível, independentemente de ser ou não membro, o

torna parte de uma rede emergente.

É importante destacar que ser membro de um blog não determina

assiduidade nos comentários dos posts. Particularmente no blog de Destefani,

comentários assíduos são gerados por um interesse comum pelo assunto

majoritariamente explorado: a Umbanda.

Retorno, então, à questão que se destaca neste capítulo: o que torna tão

interessante a Umbanda nas redes sociais? É possível que o interesse pela

Umbanda manifestado na Web seja capaz de sintetizar o reencantamento do mundo

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91

3.2 A Umbanda e o reencantamento do mundo

A noção de “reencantamento do mundo” é uma apropriação do conceito

weberiano de “desencantamento” presente na Sociologia da Religião. O conceito

aparece em A ética protestante e o espírito do capitalismo e A ciência como vocação

como sendo “a eliminação da magia do mundo”.

É importante destacar, no entanto, que no caso da ética protestante trata-se

de:

Aquele grande progresso histórico-religioso da eliminação da magia do mundo que começara com os velhos profetas hebreus e conjuntamente com o pensamento científico helenístico repudiou todos os meios mágicos de salvação como superstição e pecado, chega à sua conclusão lógica. O puritanismo genuíno rejeitava até todos os sinais de cerimônia religiosa na sepultura e enterrava seus entes mais próximos e mais queridos sem música ou ritual, a fim de que nenhuma superstição, nenhuma crença nos efeitos de forças de salvação mágicas ou sacramentais pudesse ser restabelecida. (WEBER, 2004, p. 72)

A ideia do desencantamento do mundo está ligada, portanto, ao que Weber

vai chamar de racionalização, ou, ainda, a uma visão da ascese secular como meio

de reconhecimento da salvação. Ele menciona, contudo, que:

os católicos não levaram tão longe quanto os puritanos (e antes deles os judeus) a racionalização do mundo, a eliminação da mágica como meio de salvação. Para eles, a absolvição de sua Igreja era uma compensação para sua própria imperfeição. O sacerdote era um mágico que realizava o milagre da transubstanciação e que tinha em suas mãos a chave da vida eterna. O indivíduo podia voltar-se para ele arrependido e penitente. (WEBER, 2004, p. 81). As seitas batistas, junto com os predestinacionistas - especialmente os calvinistas estritos - desenvolveram a mais radical desvalorização de todos os sacramentos como meios de salvação e realizaram assim, até as últimas consequências, a "desmistificação" religiosa do mundo. Somente a "luz interior" da contínua revelação podia habilitar alguém a entender verdadeiramente até mesmo as revelações bíblicas de Deus. (p. 104, grifos do autor).

Para Lísias Negrão (1997, citado por ASSUNÇÃO, 2011, on-line), os

sociólogos não interpretaram corretamente o conceito de desencantamento do

mundo à realidade brasileira, já que “no Brasil, não houve algo que se assemelhasse

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92

à mensagem profética racionalizadora e à implantação dos grupos protestantes

(batistas, presbiterianos e metodistas) que seriam os herdeiros do potencial

racionalizador”. Para o autor, Weber referia-se “no contexto da gestação do mundo

ocidental moderno, tanto à perda de conteúdos sacrais (seus encantamentos),

quanto à racionalização dos mesmos, internamente ao âmbito da religião”.

Neste caso, adaptar o “desencantamento do mundo” à realidade pós-moderna

traz problemas, já que

os conceitos de religião ou mesmo de campo religioso se tornaram um cobertor curto: eles não cobrem mais todas as modalidades, os espaços, a diversidade e a mutabilidade da experiência religiosa nos quadros da modernidade capitalista tardia. (...) A religião não deve mais ser procurada apenas em igrejas, templos e terreiros, onde ela se tematiza explicitamente, mas também lá onde ela não se chama de religião...” (MOREIRA, 2008, citado por ASSUNÇÃO, 2011, on-line)

Se pensarmos o desencantamento religioso como a eliminação das práticas

mágicas com o objetivo de atingir a pureza da alma no caminho da salvação, não

seria leviano supor que na pós-modernidade o processo de reencantamento, isto é,

de recuperação dessas práticas mágicas, esteja se configurando.

A (pretensa) transposição do ritual de Umbanda para o campo virtual é um

exemplo de que, como menciona Moreira, o espaço religioso sofre um processo de

desterritorialização e re-territorialização.

No blog de Andréa Destefani, uma rápida análise dos comentários de seus

posts revela a busca dos leitores por palavras de conforto da dor ou mesmo uma

aproximação – ainda que apenas virtual – com as entidades de Umbanda. Se não

necessariamente com essas entidades, ao menos a aproximação com o universo

mágico de um Espiritismo sincrético, que abriga diferentes manifestações religiosas.

O sincretismo, inclusive, nas palavras de Raymond Lee, “está evoluindo em

uma perspectiva funcional: este é o encantamento que consideramos como uma

solução radical para o desencantamento, mas um como uma ferramenta para

recuperar ou reinventar velhas crenças esotéricas, ao mesmo tempo em vantagem

de modernas tecnologias para melhorar o bem ser” (2008, citado por ASSUNÇÃO,

2011). A Internet é vista por Lee como um meio pelo qual o indivíduo pode recriar os

conhecimentos existentes, reencantando quem possui estes conhecimentos

(ASSUNÇÃO, 2011).

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93

Exemplo disso é o próprio texto de Destefani. Ao compartilhar os conhecimentos da

Umbanda que adquiriu no terreiro, ela desperta comentários relacionados ou não

com essas práticas. No post “Enquanto os anjos não falam”, que versa sobre as

mensagens dos mortos (uma relação clara com a prática da psicografia exercida

com mais frequência pelos kardecistas), outro comentário me chamou a atenção,

pois fala claramente do sincretismo religioso na Umbanda.

Ao admitir não saber o que significa ser filha de Iansã com Ogum59, a

internauta deixa claro que não é umbandista, mas demonstra o interesse em

aprender sobre a religião quando diz que respeitou a informação recebida. O

59

O termo “filho” de Orixá (ou “Santo”) é muito comum na Umbanda, assim como no Candomblé. Na Umbanda entende-se essa filiação por meio de pares de Orixás, feminino e masculino, com a ideia de que todos nós sejamos filhos de um casal deles. No caso da internauta referida, ela é filha de Iansã (Orixá feminino) com Ogum (Orixá masculino) e são as características desses dois Orixás que, no entrecruzamento, serão responsáveis por traços de sua personalidade.

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94

sincretismo está exatamente na imagem de Santa Bárbara, uma representação

católica de Iansã.

A ideia de sincretismo (sin-cretismo = união de cretenses60) é recorrente

quando se fala em religiões consideradas afro-brasileiras. Isso porque

o Brasil é um país que favoreceu ao máximo o fenômeno dos sincretismos religiosos. Mitos, ritos, divindades, cosmogonias, filosofias de origem africana disfarçavam-se em formas católicas para tornar aceitável um pacto implícito (...) (CANEVACCI, 1996, p. 20). Então Iemanjá disfarça-se (com seus seios túrgidos) de Nossa Senhora; Exu torna-se, impropriamente, o Diabo; os gêmeos Ibeji, os santos Cosme e Damião, etc. (...) Os novos sincretismos vestem os signos da oposição móvel, do ‘negativo’, irrequieto e permanente. O sincretismo é um orixá em movimento e do movimento61; contra os imobilismos psíquicos, as reproduções permanentes, as teorias cíclicas, as firmezas teóricas, as paradas arquetípicas. (CANEVACCI, 1996, p. 16, grifos do autor).

Se para Raymond Lee o sincretismo evolui “para encantar” o mundo, por que não

supor que o compartilhamento de ideias e experiências em rede não seja capaz de

criar novas experiências ritualizadas, sincretizadas?

60

Termo que nasce pela “determinação de unir grupos conflituais; busca de alianças entre diversas partes da própria Creta” – CANEVACCI, M. Sincretismos: uma exploração das hibridações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 1996. 61

O autor faz uma alusão a uma das descrições de Exu (frequentemente identificado com o Diabo principalmente por não umbandistas); esta, no caso, feita por Jorge Amado, que o caracteriza como “orixá do movimento”.

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95

4. MANIFESTAÇÕES IDENTIFICADAS COM A UMBANDA: REVISÃO DE

CONCEITOS

O título desse capítulo é essencial para que não haja confusão,

principalmente por parte de umbandistas, acerca das “manifestações” as quais

pretendo expor nas próximas páginas. Não digo que sejam manifestações de

Umbanda, mas identificadas com a Umbanda, ou seja, manifestações que tenham

alguma característica que se relacione à Umbanda de alguma forma.

Este capítulo final propõe ainda uma revisão dos muitos conceitos que foram

expostos nos capítulos anteriores, agora os relacionando com exemplos nos blogs

selecionados. Por uma questão metodológica, tive de selecionar algo em comum

tanto no blog do Pai Maneco como no blog “Coisas da Vida”, além de outro blog,

“Luzes e Sonhos”.

É evidente que, pelo vasto número de posts não é possível contemplar uma

análise de todos os aspectos que os envolvem. Por isso, escolhi um aspecto que, a

meu ver, é significativo por envolver questões sedimentadas pelo senso comum e

que, por isso mesmo, tornam-se desafiadoras quando transpostas do plano físico-

espiritual para o virtual: o realce da visão positiva sobre Exu. Isso porque, por

meio da leitura dos textos disponíveis nas redes sociais, pude perceber que o

umbandista-autor muitas vezes se esforça para mostrar àqueles que não conhecem

a Umbanda, que Exus e Pombas Giras “trabalham para o bem”. E é nesse esforço

que, a meu ver, os umbandistas blogueiros contribuem para a afirmação da

Umbanda nas redes sociais.

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96

4.1 Propósito de Exu na Umbanda

Começo citando trechos de um post publicado no blog “Coisas da Vida” em 30 de

março de 2011. A autora diz que “atribuir algo maligno a Exu é burrice”:

Uma linha que trabalha maravilhosamente com o resultado concreto

de nossos pensamentos é sem dúvida a dos Exus. Quando se fala

em Exu as pessoas ficam preocupadas e com medo. E devem se

não buscam uma cura. Porque Exu olha dentro de sua alma e vê

quais são suas intenções,analisa seus pensamentos, e te livra de

tudo o que eles causam em você. Porque seus pensamentos,

aqueles negativos, como a inveja, a frustração, tristeza contínua, o

ego inflado formam algo parecido com larvas astrais que atraem

outros bichos, que grudam no seu perispírito e te sugam cada vez

mais. [...] Exus são guardiões de um nível vibracional mais baixo

porque precisamos de entidades protetoras que tenham a

habilidade para circular livremente nestes níveis. O ser humano

não está livre de cair em armadilhas do nível mental, por mais que se

esforce. São muitas as tentações. Desde comentar com os outros

suas grandes conquistas e se vangloriar delas, até de seus projetos

ainda não concretizados. Dois grandes erros que seo Capa Preta62

sempre faz questão de lembrar a quem lhe procura. [...] Posso falar

aqui do que eu percebo, vejo e vivencio e não mais do que isso.

Atribuir algo malígno a Exu é burrice, como também pensar que

somos, apesar de bons em alguns momentos, seres repletos de

luz. Trazemos conosco sombras que podem com o tempo ir se

dissolvendo na medida de nosso entendimento63. (DESTEFANI,

2011, on-line, grifos meus).

Embora diga que os Exus são “guardiões de um nível vibracional mais baixo”, um

dos 22 comentários que o post recebeu expressa claramente uma visão diferente

sobre o assunto:

62

Exu Capa Preta, uma das entidades com a qual a médium “trabalha”. 63

“Exu”. Disponível em <http://coisasdecasados.blogspot.com/2011/03/exu.html>. Acessado em 12

de setembro de 2011.

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97

O internauta diz não acreditar que Exu “seja esse espírito inferiorizado e tão

injustamente julgado”; expressa, educadamente, uma visão contrária àquela que foi

apresentada por Destefani, que não é leiga no assunto (possui, portanto, capital

religioso para falar a respeito).

Não temos como saber se o autor do comentário é umbandista. O fato é que

ele deixa o endereço de seu blog (http://vazaante.blogspot.com/) e discorda de

Destefani. Isso pode indicar o surgimento de um novo espaço para o debate

religioso, aproximando-nos da ideia da blogosfera como uma nova configuração da

esfera pública.

Em outra postagem, com a temática Exu/Pomba Gira, Destefani expõe sua

vivência pessoal no contato com Exus e Pombas Giras, reforçando o caráter positivo

da atuação dessas entidades. Achei prudente reproduzir boa parte do post, já que

isso me permite uma aproximação maior com os conceitos que foram propostos

anteriormente.

Na Umbanda quem está contigo nas encruzilhadas desta vida é Exu,

ele é guardião e protetor. Tem uma coisa ainda que não aprendi

direito é ato de fazer pedidos. Tenho vergonha as vezes, confesso.

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Sempre que chego na frente do seo Tranca Ruas das Almas e sinto

uma energia imensa e ele me pergunta se está tudo bem, falo que

sim. Porque ao lado dele sempre está tudo bem. Seu abraço para

mim é o suficiente para desfazer qualquer energia ruim. Ele carrega

consigo o dom Divino do perdão às almas perdidas. E esta alma

aqui ,por mais que esteja perdida sempre tem a mão dele estendida

quando preciso passar minhas mensagens a quem busca consolo,

de problemas imensamente maiores que os meus. Outra que sempre

me auxilia é Dona Maria Padilha das Almas, pomba gira

maravilhosa que me dá colo quando eu preciso, e força quando

a minha está se esgotando. [...] Para quem não tem conhecimento

da religião, os exus e pomba-giras são sempre comparados a

demônios. Acredito piamente que nós temos várias vidas numa só.

Há momentos que nossas convicções nos aproximam de Deus e que

em outros nos deixam no limbo de nossas próprias emoções de

baixa vibração. São nossas encruzilhadas, momentos importantes

onde estamos fragilizados e precisamos tomar decisões. Então para

que possamos sair do limbo e ressuscitar nesta mesma vida eles

vem nos socorrer, mas as ações para se sair do fundo do poço cabe

somente a nós mesmos. A cada ciclo de ressurreição nesta vida nos

fortalecemos, porque reencarnamos mais fortes. [...] Quando

comecei a trabalhar com o seo Capa Preta confesso que fiquei

com medo. Disseram que era um exu muito severo e

incontrolável. Hoje, por tudo que já vivenciei ao seu lado sei que

a energia dele, combinada com a minha, possibilita que várias

pessoas saiam do terreiro um pouco mais leves do fardo de

problemas que carregam. Porque as entidades trabalham

também com os referenciais de vida e de crença dos médiuns. E

a Umbanda trabalha com energias de diferentes intensidades

visando o equilíbrio que deve haver na natureza humana.64

(DESTEFANI, 2010, on-line, grifos meus).

Destefani faz, portanto, mais do que meramente expor sua opinião sobre a figura de

Exu. Por meio do relato, a autora se coloca na posição de quem vivenciou a

energia da entidade e por isso mesmo pode dizer que ele é “guardião” e “protetor”,

assim como quando diz que a Pomba Gira Maria Padilha das Almas “dá colo” e

“força”.

A própria médium confessa ter ficado com medo quando começou a

incorporar Exu Capa Preta. Entretanto, esse “medo” não parece ser o mesmo medo

64

“Um encontro na encruza”. Publicado em 23 de junho de 2010. Disponível em http://coisasdecasados.blogspot.com/2010/06/um-encontro-na-encruza.html>. Acessado em 12 de setembro de 2011.

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99

proveniente do sincretismo pejorativo de Exu com a figura do diabo pregada pela

tradição católica; seu receio provém de relatos de outros médiuns (“... disseram que

era um Exu muito severo e incontrolável”). Analisando os 10 comentários que este

post recebeu, um deles merece destaque, por se tratar de alguém que declara ser

espírita, mas não conhecer muito sobre a Umbanda.

O comentário exemplifica a contribuição das redes sociais para a Umbanda

(“... estou gostando muito de ler seus textos e de entender cada dia mais um pouco

sobre Umbanda”). É um exemplo, também, da diferenciação entre espíritas –

inspirados pela doutrina espírita kardecista - e umbandistas. Ademais, nesse

comentário estamos diante da ideia da criação de laços por meio de um interesse

comum, já que o (a) internauta, da maneira como escreve, dá a entender que vai

continuar acompanhando o blog, já que está “gostando muito” dos textos. Daí,

também, a criação de uma rede que vai surgindo por meio desses laços; da ideia de

acompanhamento e continuidade motivados por um gosto comum.

Voltando ao propósito de Exus (e seu equivalente feminino, as Pombas Giras)

na Umbanda, outra menção que merece ser feita aqui é o relato de uma cambone

que sem estabelecer uma ligação direta com Destefani partilha a mesma visão –

positiva - sobre essas entidades.

Quando, pela primeira vez, estive nesta Casa, trazida pelo amor e

pela dor, fiquei encantada, literalmente hipnotizada, pela plasticidade

e pelo espetáculo cênico que vi. [...] Aquelas Entidades de olhar

penetrante, comandadas por Sr. Tranca Ruas das Almas, com suas

capas vermelhas e negras, movimentando-se pelo Terreiro, me

fizeram lembrar do fascínio, tantas vezes descrito, de Hemingway

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100

pelas touradas. [...] Quando vi Sr. Akuan65 repreender com os olhos

cheios de amor, lembrei do que é ser pai ou mãe. Quando vi Sr.

Folha Verde emocionar-se em meu casamento entendi que vale a

pena, sempre, chorar de emoção; quando levei um imenso puxão de

orelhas do Sr. Rompe Mato66 e, ao me desculpar ouvi dele “eu só

brigo com quem gosto” me certifiquei da profundidade de uma

verdadeira relação de amizade e afeto. [...] Deixei-me seduzir pelo

humor ácido da minha querida Velha do Cemitério, que me chamava

de ‘metida à sabichona e curiosa’, e que confiou a mim o motivo pelo

qual vem servindo a quem precisa, contando-me sua história, que

tentei reproduzir da maneira mais fiel possível, para conhecimento de

todos. [...] Presenciei Tio Antônio67 aborrecido e desconfortável por

beber uma bebida que não era a dele, mas mesmo assim, ser gentil

com quem esteve em sua frente. Até que, ao cambonear Caboclo

Boiadeiro, eu pude ver, com olhos que nem sabia ter; seu rosto de

homem agreste, magro e moreno, se formar por sobre as feições

loiras do seu cavalo. [...] Sr. Táta Caveira68 mereceria um capítulo à

parte. E ai de quem não andar na linha! Inclusive eu! Ele exige na

mesma proporção que entrega. Diz todos os palavrões que eu

mesma tenho vontade de dizer, e por vezes digo. Fica indignado com

a falta de vontade e força das pessoas, mas os acode sempre. Fica

bravo, mas protege; xinga, mas ajuda; reclama, mas está

sempre lá, às vezes de bom, às vezes de mau humor, como todos

nós, e recebe a todos com aquele olhar maroto de ‘lá vem mais

um...’. Conversa com Sr. Morcego69,com a intimidade de velhos

amigos, ao mesmo tempo em que me cobre com sua capa,

sempre que pressente que eu preciso de ‘colo’ e diz que só eu

mesma para gostar de ‘colo’ de Exu. E eu gosto! [...]70”

(PROCHMANN, 2004: on-line, grifos meus)

65

Caboclo Akuan. 66

Caboclo Rompe-Mato. 67

Usam-se vocativos tais como “tio”, “pai” e “avô” para designar Pretos-velhos 68

Exu Tata Caveira. 69

Exu Morcego 70

PROCHMANN, S. R. “Relato de um cambone”. Disponível em

<http://www.paimaneco.org.br/textos/relato-de-uma-cambone>. Publicado em abril de 2004.

Acessado em 24 de outubro de 2011.

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101

O relato foi publicado no site do Pai Maneco (http://www.paimaneco.org.br/). Embora

não seja necessariamente um post de blog71, é interessante para mostrar como

alguém que detém capital religioso para falar da Umbanda se utiliza de um meio

virtual para compartilhar sua experiência pessoal com a religião, desde as primeiras

impressões que teve da “casa”.

Tal como Destefani, Prochmann ressalta uma visão carinhosa de Exu, sem

deixar de mencionar aspectos que remetem a uma imagem pré-estabelecida da

entidade, como o olhar penetrante, as capas vermelhas e os xingamentos. No

Programa do Seu Tranca, analisado no início do trabalho, mencionei a gargalhada

de Exu como um desses aspectos.

Um espaço dentro do site do Pai Maneco é destinado a dúvidas de não

umbandistas, o que por isso mesmo já remete à contribuição das redes sociais para

a religião. Em uma das respostas, mais uma vez encontramos a visão positiva de

Exu por umbandistas72.

71

Há, além do site, o blog do Pai Maneco, sendo que o site trata mais do Terreiro do Pai Maneco, com espaços para fotos do local; vídeos, textos e imagens relacionadas ao terreiro; regras do terreiro, etc., enquanto o blog é utilizado para difundir textos de Umbanda em geral. 72

Disponível em < http://www.paimaneco.org.br/faq>. Acessado em 24 de outubro de 2011.

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102

“No meu livro eu conto fatos desse exu [Tranca Ruas das Almas], uma entidade

maravilhosa que só faz o bem”.

O fato de o administrador do site disponibilizar um local virtual para responder a

dúvidas de quem não conhece o ritual umbandista pode ser visto como um esforço

para tornar a religião mais próxima.

Para Ricardo Oliveira de Freitas73, que pesquisa o fenômeno dos “terreiros

virtuais” (explorarei mais adiante as implicações do termo)

a criação de fóruns, listas, sites, IRC’s74 e chat’s sobre religiões afro-brasileiras (umbanda e candomblé, sobretudo) assume diversas funções. [...] No Brasil, se caracterizará pelo lugar do debate e

73

Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 74

Internet Relay Chats, protocolo de comunicação utilizado na internet.

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103

conhecimento não encontrado no mundo real dos terreiros. O ciberespaço assume, aqui, um papel mais moderno ou contemporâneo, destinado, no passado, à mídia e à produção acadêmica. (FREITAS, 2002, on-line)

No Grupo Umbanda é Luz, que descrevi no primeiro capítulo, esse espaço do

conhecimento dentro do terreiro é territorializado, pois o Babalorixá se preocupa em

ministrar aulas aos médiuns antes das giras de sábado (ao contrário do que supõe

Freitas quando fala no “lugar do debate e conhecimento não encontrado no mundo

real dos terreiros”).

Não se pode afirmar, porém, que essa preocupação também parta dos

dirigentes de outros terreiros, e talvez isso explique por que muitos médiuns

recorrem à internet para obter explicações que não encontram em seus locais de

culto. Na dinâmica do Programa do Seu Tranca, por exemplo, essa característica é

marcante quando se percebe que grande parte das dúvidas (enviadas por e-mail ou

MSN durante a transmissão do programa) é de umbandistas.

Essa dinâmica de mundo real/físico do terreiro com o mundo virtual permitida

pela dinâmica do ciberespaço nos remete mais uma vez à noção de rede, pois

o espaço virtual vai criando novas redes de sociabilidade entre os adeptos do candomblé e das religiões afro-derivadas, tanto no Brasil quanto no exterior, unindo visões de mundo, estilos de vida, culturas tão distintas e distantes ao criarem uma rede cibernética para um povo-de-santo cibernauta (FREITAS, on-line75)

Os médiuns se utilizam também do espaço destinado aos comentários de

posts em blogs para sanar suas dúvidas. No post “Umbanda?” 76, a própria Andréa

Destefani comenta duas vezes, pedindo esclarecimentos a Pai Fernando Guimarães

sobre questões ritualísticas pontuais.

O estudo de caso do Programa do Seu Tranca dialoga com todos os capítulos

dessa pesquisa, pois permite, por meio da fala de alguém que agrega capital

75

<http://cencib.org/simposioabciber/PDFs/CC/Ricardo%20Oliveira%20de%20Freitas.pdf>. Acessado em 24 de outubro de 2011. 76

A autora da postagem é Camila (sem referência de sobrenome), que, como já mencionei anteriormente, ficou responsável pela administração do blog do Pai Maneco depois que o médium Fernando Guimarães resolveu parar de escrever na internet. O link para o post e comentários é <http://paimaneco.blogspot.com/2011/06/umbanda.html>, acessado em 12 de setembro de 2011.

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religioso considerável (tanto a médium que incorpora a entidade, como

principalmente a própria entidade), reforçar a visão positiva de Exu, desmistificar o

sincretismo diabólico e funcionar – característica principal – como canal de dúvidas.

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105

4.2 Reais contribuições virtuais: formação de redes de amizade e

compartilhamento de conteúdo

O que mais chamou minha atenção, antes mesmo de formular o meu projeto

da pesquisa de iniciação científica em 2010 e, consequentemente, este trabalho de

conclusão de curso, foi a minha própria experiência com a dinâmica das redes

sociais. Descobri que vários laços que me ligavam a alguns amigos (minhas

conexões) estavam, também, de alguma forma, ligados a Andréa Destefani.

Ao “segui-la” no Twitter, estava eu também me tornando parte daquela rede, ainda

sem saber. Pelos retweets diários de @andreadestefani

(http://twitter.com/#!/andreadestefani), que divulgavam textos de outros blogs de

umbandistas, pude então notar a formação de uma rede virtual de amigos que

tinham na autora uma conexão-chave. A partir daí descobri o blog “Luzes e Sonhos”

(http://luzesesonhos.blogspot.com/), que tem o subtítulo “Umbanda Sem

Preconceito”.

O blog tem 15477 membros e também contribui para difundir a Umbanda por

meio de suas postagens. Em 2011, ano em que comecei a colher os dados desta

pesquisa, fiz uma análise dessa relação entre as duas autoras, que se estabelecia

principalmente pelo Twitter.

Essa análise me levou aos seguintes resultados: entre os perfis

@andreadestefani e @luzesesonhos havia 110 amigos em comum78, ou seja, é

quase o total de membros do blog Luzes e Sonhos só no Twitter. Já uma relação

entre @luzesesonhos e @tpmanecoficial (Twitter do Blog do Pai Maneco) resulta em

83 amigos em comum. No post “Paraíso Pessoal” acessado em 12 de setembro de

201179, fica claro a relação de amizade e interesse comum.

77

Último acesso em 22 de outubro de 2012. 78

Para chegar a esse resultado (até 24 de outubro de 2011), utilizei a ferramenta “Find Who Follows”, disponível em http://whofollowswhom.com/#> 79

O link para o post não está mais disponível.

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Essa rede que se forma não abriga apenas umbandistas, já que não apenas

os umbandistas comentam os textos, como já foi dito. No post intitulado “Grande

Magia” 80 uma internauta chama a autora de “twigga”, uma referência conjunta ao

“Twitter” e à palavra “amiga” (ver anexo 7). O comentário é repleto de termos

próprios da internet, como o # (“jogo da velha”) para indicar uma hashtag81, o uso

das siglas RT (retweet), FF (follow friday) e SS (siga sexta)82, que dão a ideia de que

a relação entre Destefani e a internauta se estabeleceu primeiro no Twitter, depois

no blog.

Percebi, a partir dessa análise, que a relação que se estabeleceu em uma

determinada rede social poderia ser capaz de promover uma relação em outra rede

social ou transpor a relação de uma para outra (a linguagem do Twitter, com

80

DESTEFANI, A. “Grande Magia”, disponível em <http://coisasdecasados.blogspot.com/2011/06/grande-magia.html>. Publicado em 16 de junho de 2011. Acessado em 12 de setembro de 2011. 81

Termo utilizado por usuários do Twitter para delimitar um assunto, um tópico. 82

“Follow Friday”/#FF é também um termo do Twitter; é uma brincadeira que acontece toda sexta-feira com o intuito de indicar possíveis Twitters a ser seguidos, sendo #SS sua tradução em português.

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hashtags e siglas, é mantida no espaço de comentários do blog). Há aí a ideia do

“capital social embutido nas relações das pessoas” (Recuero, 2005), da criação de

laços fracos com desconhecidos, estabelecimento de conversações e

compartilhamento de conteúdo.

Pude perceber também, por meio dessa análise, que a relação entre os

blogs selecionados e a Umbanda não é só textual. Há um notável esforço para

influenciar adeptos e não adeptos e levá-los a ter algum tipo de contato virtual com a

religião umbandista, além de ajudá-los a ter o contato físico tão importante para a

prática mediúnica.

Um exemplo disso é a página “Terreiros Indicados”, que faz parte do blog Luzes e

Sonhos (http://luzesesonhos.blogspot.com/p/terreiros-indicados.htm).

Desse modo, a rede também adquire a característica de facilitadora

do encontro extra-limite dos terreiros (do encontro online, off terreiro,

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mesmo que virtual) que num passado ainda mais remoto foi

destinado às irmandades e confrarias negro-brasileiras (FREITAS,

2010, on-line).

No post do blog Coisas da Vida, intitulado “Oxalá” 83, Andréa Destefani fala da

linha de mendigos, que agruparia entidades de espíritos que em sua vida terrena

“foram mendigos” e que agora “trabalham na Umbanda”. Uma única postagem foi

capaz de reunir, dentre os comentários, uma Iyalorixá,

uma agnóstica

e até mesmo um umbandista que desconhecia a tal linha.

83

DESTEFANI, A. “Oxalá”, disponível em <http://coisasdecasados.blogspot.com/2010/07/oxala.html>. Acessado em 24 de outubro em 12 de setembro de 2011.

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109

Deixo claro que, ao expor tais exemplos, estou falando de Umbanda no

sentido amplo, uma vez que, na prática, cada umbandista deve respeitar o

referencial teórico do qual faz parte (como expliquei no capítulo sobre o Grupo

Umbanda é Luz). Isso não impede, entretanto, que esse mesmo umbandista queira

conhecer outros referenciais teóricos.

Outro exemplo de contribuição das redes sociais para o conhecimento sobre

a Umbanda é a página no Facebook intitulada “Umbanda, eu curto”, com 32.429

seguidores (ou pessoas que curtiram, na linguagem própria do Facebook) na última

análise, em 22 de outubro de 2012.

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As fotos compartilhadas diariamente por mantenedores da página no

Facebook mostram imagens de entidades, Orixás e paisagens comuns à Umbanda,

geralmente com uma explicação textual a respeito. Observando essa página

encontrei um fenômeno que vinha buscando desde o início da pesquisa em 2011: o

passe virtual.

O passe, antes uma forma de trabalho espiritual restrito aos terreiros e às entidades

incorporadas, agora também está disponível no Facebook. A validade de seu efeito

depende exclusivamente da fé, assim como a comunicação com Exu Tranca Rua

das Almas pelo MSN.

É importante destacar que procurei aqui analisar os exemplos mencionados

num amplo contexto, deixando a discussão sobre sua eficácia para aqueles que se

valem desse recurso (do passe virtual). Afinal, a fé de cada um é subjetiva, mas o

fato é que até mesmo o exercício da fé em suas mais variadas formas está on-line;

dito de outra forma, ainda mais característica, a Web incorpora (literalmente?) esse

exercício. O ato de acender uma vela é outro bom exemplo, a ser discutido a seguir.

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4.3 O reencantamento do mundo nos terreiros virtuais

Pesquisando na internet alguns exemplos para analisar o fenômeno dos

chamados “terreiros virtuais”, percebi que o termo tem diversos significados na rede.

Digitando “terreiro virtual” no Google (propositadamente com aspas, para filtrar a

busca), são aproximadamente 2.540 resultados de páginas. Porém, esse resultado

indica majoritariamente páginas relacionadas a pessoas que se utilizam da internet

para “negociar” trabalhos de feitiçaria. É como se os sites, blogs, fóruns cumprissem

também a função dos postes de iluminação que vemos nas ruas, com cartazes nos

que trazem os controversos anúncios do tipo “fazemos trabalhos de amarração”,

“trazemos seu amor de volta em X dias”, etc.

Já na teoria, a exemplo dos trabalhos acadêmicos de Ricardo Oliveira de

Freitas anteriormente mencionados, um terreiro virtual é um espaço na internet que

reconfigura o terreiro real, transformando “religiões centradas na tradição oral em

religiões hipertextuais, ao se (re) configurarem no espaço virtual, espaço da

imagem-texto, espaço do hipertexto” (FREITAS, 2010, on-line, grifos meus). Ele fala

em terreiros virtuais quando menciona fóruns e chats de discussão sobre religiões

que chama de afro-derivadas, que, no caso de sua pesquisa, contribuem para

aproximar dessas religiões adeptos e não adeptos que moram no exterior, fenômeno

por ele denominado macumba out Brazil (FREITAS, 2010, on-line).

Tomando como exemplo para “terreiro virtual” a proliferação de anúncios dos

trabalhos de amarração, um site me chamou muito a atenção: Macumba Online 2.0

(http://macumbaonline.com/). O slogan é direto: “faça suas macumbas sem sair de

casa!”. Um sapo com a boca costurada ilustra a homepage, fazendo alusão ao ícone

sedimentado pelo senso comum, de “botar o nome na boca do sapo”.

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O internauta que visita o endereço eletrônico pela primeira vez se depara logo

com a seguinte descrição:

Já pensou em fazer trabalho pra alguém? Tem preguiça de ir a um terreiro? Gosta de serviços ao estilo delivery, tudo feito de casa mesmo? Seja qual for o motivo, se você deseja fazer um trabalho para alguém, este é o local. Aqui você pode encomendar diversos trabalhos e despachos que acompanham a tecnologia. Faça sua macumba sem sair de casa, seja pra você mesmo ou para o seu vizinho, sua sogra, seu gato, seu professor, em busca de dinheiro, amarração, trazer a pessoa amada, tudo o que você conseguiria num terreiro, na tela do seu computador. O melhor de tudo: É GRÁTIS. Tenha comodidade: não faça o trabalho, deixe que o façam por você! Macumba Online, para facilitar a sua vida! (grifo meu)

O “serviço” oferecido no site é gratuito, ao contrário de outros tantos anúncios que

se utilizam do pagamento virtual. A “Macumba Online” apresenta ainda um ranking

das macumbas “mais procuradas”, sendo as campeãs: trazer a pessoa amada

(28239 macumbas feitas) e emagrecer (23081 macumbas feitas). Há também outro

ranking referente às visitas do portal (2589807 visitantes únicos desde janeiro de

2008), sendo que 75875 usuários, de acordo com o site, “fizeram pelo menos uma

macumba maligna”.84

Para fazer a “macumba online” é preciso ser cadastrado no site. Feito isso, o

usuário deve selecionar o “tipo de macumba” (são mais de noventa “tipos”, cujos

84

Os dados são referentes à análise de 2011.

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objetivos vão desde arranjar casamento até ganhar na loteria). Depois, deve colocar

um e-mail “para onde será enviada a macumba”. Há ainda a possibilidade de

escolher se a macumba será pública ou privada. No rodapé do site “Macumba

Online” vê-se ainda um anúncio de “vidência gratuita”, direcionando o visitante para

o site “Gabriella Vidente” (http://www.donagabriella.com), que oferece uma leitura

gratuita das cartas de tarô.

Outro exemplo, dessa vez envolvendo dinheiro, são os anúncios virtuais de

Mãe Cema de Oyá, que oferece consultas com búzios (por R$ 27,00) e com a

Pomba Gira Maria Molambo (por R$ 37,00).

Diferentemente dos textos em blogs de umbandistas, que eventualmente

trazem mensagens atribuídas a entidades incorporadas85 que, uma vez publicadas,

estão disponíveis “para todos” (ideia de coletividade), tais anúncios oferecem

consultas particulares (ideia de singularidade). Daí a alusão ao conceito de terreiro

virtual, onde não seria preciso se deslocar até o espaço físico das giras para “se

consultar” com oráculos e guias, ou, no caso do site “Macumba Online”, fazer ou

desfazer “trabalhos”.

85

No post intitulado “Por que voltei – recado de Maria Joana” no blog “Luzes e Sonhos” há uma mensagem que teria sido escrita por uma médium incorporada em uma baiana (entidade de Umbanda) contando porque havia voltado a “trabalhar” na Umbanda. Disponível em <http://luzesesonhos.blogspot.com/search?q=por+que+voltei>. Acessado em 24 de outubro de 2011.

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114

Há um paradoxo no que teoricamente se identifica como terreiro virtual:

enquanto a Umbanda genuína, sendo a “manifestação do espírito para a caridade”,

condena veementemente a cobrança financeira por práticas oriundas aos terreiros,

muitas pessoas estão se apropriando da Web como campo fértil para o comércio

utilizando o nome de entidades conhecidas do ritual umbandista.

As amarrações, tanto off-line como on-line, podem ser classificadas dentro de

qualquer denominação abrangente (feitiçaria, magia, etc), menos da Umbanda como

religião, que tem como característica principal não cobrar por seus trabalhos.

Além disso, há uma máxima que sustenta que “a Umbanda é religião, portanto só

faz o bem” (embora a ideia de bem e de mal seja relativa e também requeira

ponderações ao ser mencionada). Sendo a Umbanda uma religião, o fato é que

cada religião tem lugar certo para ser praticada por seus integrantes: os judeus na

sinagoga; os católicos, na igreja; os budistas nos templos; os umbandistas nos

terreiros.

Ao falar de manifestações identificadas com a Umbanda quis fazer um alerta

para esse conjunto de práticas identificadas acima.

Há ainda, uma proliferação de “Mães” e “Pais” (ou de pessoas que assim se

denominam) vendendo serviços sagrados através da internet. É possível sugerir que

esses “comerciantes” talvez estejam se apropriando melhor das ferramentas

disponíveis on-line, do que muitos Pais e Mães de Santo que preservam tradições

herdadas de uma cultura muito anterior ao surgimento da internet e da própria

Umbanda, conforme mostrei no primeiro capítulo, explicando a cultura dos jogos

divinatórios de consultas a oráculos sagrados como uma tradição repleta de

segredos que se quer mantida, preservada.

Se para Weber o desencantamento do mundo estaria ligado à eliminação da

magia como alternativa para a salvação, na internet essa realidade parece se

inverter, dada a intensa procura de internautas por essa aproximação, ainda que

virtual, com práticas mágicas. O site “Vela Virtual”

(http://www.velavirtual.com.br/asc/) ilustra bem essa possível realidade que emerge

no seio da modernidade líquida. O portal simula uma capela virtual, onde o

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115

internauta pode, gratuitamente, “acender uma vela”. Um printscreen da página

principal do site, em 22 de outubro de 2012, mostra um total de 21866 velas acesas

virtualmente naquele momento, e um total de 3886798 velas acesas no site.

Quando se fala em aproximação, tomando agora um exemplo diretamente ligado à

Umbanda, percebi também que há muitos vídeos no YouTube (929 resultados, na

última busca feita86) como resultado para a pesquisa das palavras-chave “giras de

Umbanda”. O que antes era estritamente privado agora está disponível para

download para quem quiser se chegar mais perto, saravar. “Saravirtuar”...

86

Disponível em <http://www.youtube.com/results?search_query=giras+de+umbanda&oq=giras+de+umbanda&gs_l=youtube.3..0l2.123.3336.0.3481.15.8.0.7.7.1.186.767.4j4.8.0...0.0...1ac.1.zlmVorwF_Sg> Acessado em 22 de outubro de 2012.

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116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de dois anos de envolvimento com o tema da Umbanda e,

paralelamente, observando a dinâmica da comunicação nas redes sociais – seja

como plataforma propiciadora do debate, compartilhamento de conteúdo ou portal

de comunicação com outro(s) mundo(s) – pude perceber que, embora a Web possa

contribuir para um maior contato e compreensão dos princípios dessa religião,

muitos dos aspectos que caracterizam seus rituais jamais poderão ser substituídos

on-line.

Conforme abordado no primeiro capítulo, no qual procurei mostrar um panorama

histórico referente às origens da Umbanda, tradições de diferentes matrizes

(africana, cristã, oriental, indígena, etc.) são importantes para sua constituição

ritualística. E quando se fala em tradição, especialmente oral como é o caso da

africana, e, mais ainda, quando se estuda um ou mais rituais religiosos que se dão

por meio de iniciação, a comunicação virtual pode se tornar um risco – tomando

como exemplo a exploração de jogos oraculares em sites e outros meios virtuais.

Os Babalorixás e Iyalorixás desempenham papeis tão fundamentais na

preservação da maneira como se cultuam os Orixás (suas saudações, suas cores,

seus pontos, os arquétipos de seus filhos...), entre outros cultos que fazem parte de

sua cosmologia religiosa, que quando tudo isso é “divulgado” na Web, (tornando-se

aberto a não iniciados, por exemplo), uma tradição divinatória mitológica toda está

em risco.

Por outro lado, não se deve desprezar a importância da comunicação no

ciberespaço para o rompimento de muitas barreiras que foram criadas desde a

fundação da Umbanda até sua atual forma. A afirmação positiva da figura de Exu na

rede é um claro exemplo do que chamo de contribuição das redes sociais para a

Umbanda, título pensado para essa monografia em seu pré-projeto de pesquisa.

Quando médiuns, que talvez nem se conheçam off-line, unem-se para mostrar a

leigos que “Exu faz o bem” – dando exemplos de acontecimentos de dentro dos

terreiros - uma corrente, uma rede de conhecimento e compartilhamento de

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117

experiências vai-se constituindo. Os elos que formam essa corrente virtual, análogos

aos laços “amarrados” das redes off-line e on-line, são principalmente um interesse

comum compartilhado (por umbandistas ou não, visto que até mesmo ateus se

dispõem a discutir a religião umbandista nos casos que procurei mostrar no decorrer

desse trabalho).

Observando o desenvolvimento tecnológico cada vez mais potente e

relacionando-o às experiências de observação da Umbanda, talvez nem possamos

afirmar que não será possível, um dia, sentir o aroma das ervas virtualmente. No

entanto, isso exige um conjunto de “transposições”, “mediações” e “traduções”. É

difícil transpor para o mundo on-line o ato sagrado de ser abraçado (a) por uma

entidade ou, através das mãos de um médium incorporado, receber com um toque

na fronte um pouco de seu axé. Mas todas essas ações podem ser descritas ou

vistas em blogs, no YouTube, Facebook, Twitter etc.

Finalizo mencionando o fato de muitos pontos cantados fazerem referência ao

ato simbólico (embora, antes disso, físico) de pisar no terreiro. Após minhas

experiências de pesquisa de campo no terreiro, “incorporadas” à análise da dinâmica

das redes sociais, percebi que se ainda não é possível pisar no terreiro virtual,

podemos, no mínimo, aprender um pouco mais sobre o significado de se pisar em

um terreiro físico.

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118

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