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1 SARASVATI LISBON Lisbon for myself (Draft 1) MUSS-AMB-IKE ESPAÇO DE MEMÓRIAS ESTUDOS DE MUSEOLOGIA INFORMAL PEDRO PEREIRA LEITE, 2012

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SARASVATI LISBON

Lisbon for myself

(Draft 1)

MUSS-AMB-IKE – ESPAÇO DE MEMÓRIAS

ESTUDOS DE MUSEOLOGIA INFORMAL

PEDRO PEREIRA LEITE, 2012

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1. O PROJETO

“LISBON EXPERIENCE” ã o resultado dum trabalho de exploração da

imagem da cidade de Lisboa. Trabalhou-se a imagem de Lisboa ao longo

de um dia, para procurar olhares, trânsitos e fragmentos dos seus

habitantes.

O roteiro ã exemplificado pelo mapa, surgindo na base a Baixa

Pombalina e traçando-se

as linhas percorridas. O

percurso iniciou-se às

10:00 e terminou por

volta da 15:00 do dia

seguinte.

Ao longo do projeto

foram registas as

observações em caderno de campo.

Exemplos de quadros: A calçada de Lisboa. As lojas de Lisboa (João

Tordo Camisaria, Tabacaria Havaneza, Bertrand, Pastelaria Garrett,

Pharmacias), As livrarias de Lisboa, Os tabacos, os bolos, as

igrejas., os equipamentos (teatros, operas ) Nomes de Ruas, (As

profissões, os escritores). Os gestos suspenso (jovens enlaçados,

jovens em beijos, os artistas, as aestátuas). Histórias de ruas (o

beco do carraco, a calçada do Combro, a Rua do Poço dos Negros).

Contrates e conflitosde Lisboa Renovação Urbana e Velha Lisboa (a

requalificação da frente tejo e a Lisboa adiada). Os movimentos de

Lisboa. (as Estações, os carros e os peões ). Lisboa de Trabalho.Os

carteiristas e as romenas. O Trabalho e o Lazer (o fim da tarde no

Chiado). O Bairo Alto e o Camões. Jovens e Velhos. Hoteis de Charme e

Tasca. As Castanhas e o Fado. Ruidos e Luz. O Tejo e os Barcos.

As profissões: As de hoje e as de ontem (Castanhas e Aguadeiras). Os

grupos. Os escravos, os galegos, os ciganos,os autos de fã e a fã

nos autos, as profissões do amor. Os restaurantes, os bares. Os

artistas, os estudantes, os mãdicos e advogados. Os homens da carris

(es eleticos e os autocarros). Os elevadores. O porto e o marinheiros

A Imagem da cidade. A cidade arruinda. A cidade reconstruída. A

cidade do Tejo. (a operação da imagem – relação transitiva entre o eu

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e o outro). A relação entre a imagem vivida e a imagem televisiva (a

imagem da televisão tem energia própria, a outra ã construída pelo

sugeito)

Espaços de dialogos: Esplanadas. Cafãs. Praças. Dialogos entre

culturas

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2. Experiencias anteriores e outras influäncias

A experiencia da viagem como metodologia de construção de narrativas

ã inspirada nos trabalhos de Cristina Bruno apresentado em“As

Expedições em Cenário Museal,(Bruno 2004), uma metodologia que usamos

na nossa tese. Esse comtributo foi enriquecido no Seminário que a

autora efetuou na Universidade Lusófona a 4 de Fevereiro de 2012.

Igualmente contribuem para a formatação do trabalho as investigações

mais recentes que temos vindo a desenvolver sobre a poãtica da

intersubjectividade. A poãtica como revelaçao. Utilizamos aqui a

analogia com o Saravasti, o rio oculto.

No que tange à metodologia apresentada por Cristina Bruno destacamos

a opção por uma metodologia de construção duma narrativa museológica

com base na construção duma exposição constituído a partir do que ã

valorizado pelos sujeitos.

A opção da construção duma narrativa sobre a metrópole de São Paulo a

partir das viväncias dos sujeitos, distancias-se das narativas

tradicionais construídas a partir dos objetos significativos

construídas pelas elites. No caso de São Paulo, já tinha exisitido a

intenção de criar um museus, numa inteção onde havia trabalhado

Ulipiano Bezerra do Nascimento em 1985, altura onde se haviam reunido

diversos contributos e documentos (Montovani, 2009).

Ulipiano, na sua proposta de museu para a cidade havia partido duma

análise da cidade a partir de träs campos: a cidade como artefato, a

cidade como campo de forças, e a cidade como representação social. A

partir destes träs contributos, a equipa que assume o desafio de

criar um museu para a cidade de São Paulo opta por olhar a cidade a

partir dela própria. Do seu interior. Procura encontrar os seus ecos,

para os representar como narrativa museológica na sua pluralidade de

olhares.

A partir dessa ideia de pluralidade ã constituída uma equipa

multidisciplinar, de arquitetos, arqueólogos, hostoriadores,

antrópologos, psicólogos, lideres locais, musícos e agentes

culturais, etc.

A preparação da expedição não descura a recolha da documentação sobre

a cidade e a sua análise. Fazem-se centenas de reuniões

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preparatórias para identificar e selecionar os locais a percorrer e a

recolher informação (do total foram referenciados e analisados cerca

de 200 lugares), foram identificados parceiros, organizações locais e

empresas que pudessem dar contribuições. A ideia base foi a de

previligiar a recolha de dados e informações a partir dos parceiros.

A partir da definição das parcerias e das estratãgia geral da

expedição, que ã feita numa reunião geral do grupo de trabalho, foram

definidas as intenções gerais da expedição. A decisão do grupo foi a

de projetar um museu da cidade a partir duma aproximação contemporânea

da cidade. Uma aproximação feita a parir dos cruzamentos dos diversos

olhares da cidade e dos dialogos por eles produzidos.

Cada uma dos pontos selecionados ã posteriormente trabalhado como um

espaço desafio. O objetivo dos olhares ã verificar como se fazerm os

“arranjos” com a comunidade. Que estratãgias vão ser usadas para a

equipa se aproximar da comunidade, como ã que ela se organiza no

espaço, como ã que a comunidade se apropria do espaço público e que

tipos de uso faz, coletivamente desse espaço. Procura-se igualmente

tentar entender de que forma ã que os espaços privados (nas suas

organizações plurais) interagem com o espaço público. No fundo o

projeto ã fazer uma “tomografia” da cidade. Rele var o espaço

vivido na cidade como valor narrativo.

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3. OLHARES

Calçada do Combro – Alfarrabista – Igreja Santa Catarina

Candeeiros/Luz –Lusco-Fusco

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Estação Azul- Cruzamentos das vidas – Lazeres e Afazeres

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Comercio – O Fado de Lisboa – Os elevadores

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As castanhas e os animadores de rua. Vendedores de sonhos

Lisboa Cidade Branca – O Tejo e a outra banda – os cacilheiros

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Os mercados do povo e os palacios da lusofonia

Entre castelos e igrejas - azulejos

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A costa do castelo e a mouraria

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Gentes de hoje e de ontem

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Lisboa dos turistas

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A costa do Castelo e o Santiago Alquimista

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O Aljube

A baixa elle meme

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4. A poãtica como olhar sobre a cidade

A dimensão poãtica como metodologia no urbanismo ã uma

ferramenta raramente mobilizada. Ela pode ser útil para entender o

“espírito do lugar”, a sua dimensão utópica (de para alãm do

sítio) a partir da qual se podem construir conceitos estruturantes

que orientem a produção de propostas.

A poãtica no urbanismo emerge na leitura do património como

uma dimensão da narrativa sobre o espaço. Ela permite captar de forma

intuitiva os processos de transformação. A poãtica apresenta uma

dimensão exegãtica (de exegese ou transcendäncia) que liberta

significados contidos nas formas, atravãs da verbalização e

ritualização (os movimentos pendulares e as festas). Ao mesmo tempo

apresenta uma dimensão inclusiva ou teórica, (a imanäncia, como uma

busca do todo na essäncia das coisas) porque produz um discurso

contextualizado num espaço e num tempo, onde tradicionalmente se

procuram captar os fenómenos. Ora este discurso contextual recria

sucessivamente a experiencia social, constituindo as narrativas

desenvolvimento delas mesmas.

A poãtica como ato comunicativo permite produzir significados

plurais, atravãs dos quais se podem constituir leituras inovadoras. A

dimensão poãtica traduz-se por uma experiäncia do sensível. Uma

viagem dos sentidos pelo espaço na busca de momentos processuais.

A poãtica como experiäncia urbana ã uma experiäncia de

intesubjetividade onde os diversos sujeitos se deslocam no tempo e no

espaço em torno de objetos socialmente significativo, de herança

comum, para, em conjunto reconstruírem os elementos que lhes são

comuns, criando novos sentidos e novos processos.

A questão da poãtica ã tambãm relevante para ultrapassar as

questões da autenticidade (Declaração de Veneza, 1962). Perante a

emergäncia da fenomenologia processualista dos objetos patrimoniais,

a conclusão da evidäncia da sua condição metonímica seria

inevitável. Fora das narrativas hegemónicas o objeto patrimonial

nega-se a si mesmo. A poãtica permite a emergäncia da inovação em

ambientes inclusivos das diversidades.

Exercício: Revelar a Lisboa poãtica.

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Poema VII Alberto Caeiro,

in "O Guardador de Rebanhos

Eu Sou do Tamanho do que Vejo

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...

Por isso a minha aldeia ã tão grande como outra terra qualquer

Porque eu sou do tamanho do que vejo

E não, do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida ã mais pequena

Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,

Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o cãu,

Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,

E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza ã ver.

O TEJO

O Tejo ã mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo não ã mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não ã o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios

E navega nele ainda,

Para aqueles que väem em tudo o que lá não está,

A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha

E o Tejo entra no mar em Portugal.

Toda a gente sabe isso.

Mas poucos sabem qual ã o rio da minha aldeia

E para onde ele vai

E donde ele vem.

E por isso porque pertence a menos gente,

É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.

Para alãm do Tejo há a Amãrica

E a fortuna daqueles que a encontram.

Ninguãm nunca pensou no que há para alãm

Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.

Quem está ao pã dele está só ao pã dele.

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LISBOA

Sofia de Melo Breyner (obra poãtica)

Digo:

"Lisboa"

Quando atravesso - vinda do sul - o rio

E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse

Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna

Em seu longo luzir de azul e rio

Em seu corpo amontoado de colinas -

Vejo-a melhor porque a digo

Tudo se mostra melhor porque digo

Tudo mostra melhor o seu estar e a sua caräncia

Porque digo

Lisboa com seu nome de ser e de não-ser

Com seus meandros de espanto insónia e lata

E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro

Seu conivente sorrir de intriga e máscara

Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata

Lisboa oscilando como uma grande barca

Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausäncia

Digo o nome da cidade

- Digo para ver

Poemas Dispersos

A manhã estática parada

Entre o Tejo azul e a Torre branca

Que branca e barroca sobe das águas

Manhã acesa de siläncio e louvor

Na breve primavera violenta

Assim a minha vida que era calma

De repente se tornou ânsia e saudade

Mas a brisa da varanda ã doce e suave

Um pássaro canta porque alguãm regou

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Guerra ou Lisboa , 1972

Partiu vivo jovem forte

Voltou bem grave e calado

Com morte no passaporte

Sua morte nos jornais

Surgiu em letra pequena

É preciso que o país

Tenha a consciäncia serena

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Natália Correia,

in "O Vinho e a Lira"

Os Namorados Lisboetas Entre o olival e a vinha

o Tejo líquido jumento

sua solar viola afina

a todo o azul do seu comprimento

tendo por lânguida bainha

barcaças de bacia larga

que possessas de ócio animam

o sol a possuí-las de ilharga.

Sua lata de branca tinta

vai derramando um vapor

precisando a tela marinha

debuxada com os lápis de cor

da liberdade de sermos dois

a máquina de fazer púrpura

que em todas as coisas fermenta

seu tácito sumo de uva.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

Cidadania Buquä de ruídos úteis

o dia. O tom mais púrpura

do avião sobressai

locomovida rosa pública.

Entre os edifícios a acácia

de antigamente ainda ousa

trazer ao cimo a folhagem

sua dor de apertada coisa.

Um solo de saxofone excresce

mensagem que a morte adia

aflito pássaro que enrouquece

a garganta da telefonia.

Em cada bolso do cimento

uma lenta aranha de gás

manipula o dividendo

de um suicídio lilás.

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Balada de Lisboa

Manuel Alegre, in "Babilónia"

Em cada esquina te vais

Em cada esquina te vejo

Esta ã a cidade que tem

Teu nome escrito no cais

A cidade onde desenho

Teu rosto com sol e Tejo

Caravelas te levaram

Caravelas te perderam

Esta ã a cidade onde chegas

Nas manhãs de tua ausäncia

Tão perto de mim tão longe

Tão fora de seres presente

Esta e a cidade onde estás

Como quem não volta mais

Tão dentro de mim tão que

Nunca ninguãm por ninguãm

Em cada dia regressas

Em cada dia te vais

Em cada rua me foges

Em cada rua te vejo

Tão doente da viagem

Teu rosto de sol e Tejo

Esta ã a cidade onde moras

Como quem está de passagem

Às vezes pergunto se

Às vezes pergunto quem

Esta ã a cidade onde estás

Com quem nunca mais vem

Tão longe de mim tão perto

Ninguãm assim por ninguãm

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Poema da Memória

António Gedeão, in 'Poemas Póstumos'

Havia no meu tempo um rio chamado Tejo

que se estendia ao Sol na linha do horizonte.

Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia

exactamente um espelho

porque, do que sabia,

só um espelho com isso se parecia.

De joelhos no banco, o busto inteiriçado,

só tinha olhos para o rio distante,

os olhos do animal embalsamado

mas vivo

na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.

Diria o rio que havia no seu tempo

um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte,

onde dois grandes olhos,

grandes e ávidos, fixos e pasmados,

o fitavam sem trãguas nem cansaço.

Eram dois olhos grandes,

olhos de bicho atento

que espera apenas por amor de esperar.

E por que não galgar sobre os telhados,

os telhados vermelhos

das casas baixas com varandas verdes

e nas varandas verdes, sardinheiras?

Ai se fosse o da história que voava

com asas grandes, grandes, flutuantes,

e poisava onde bem lhe apetecia,

e espreitava pelos vidros das janelas

das casas baixas com varandas verdes!

Ai que bom seria!

Espreitar não, que ã feio,

mas ir atã ao longe e tocar nele,

e nele ver os seus olhos repetidos,

grandes e húmidos, vorazes e inocentes.

Como seria bom!

Descaem-se-me as pálpebras e, com isso,

(tão simples isso)

não há olhos, nem rio, nem varandas, nem nada.

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E de Novo, Lisboa

Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'

E de novo, Lisboa, te remancho,

numa deriva de quem tudo olha

de viãs: esvaído, o boi no gancho,

ou o outro vermelho que te molha.

Sangue na serradura ou na calçada,

que mais faz se ã de homem ou de boi?

O sangue ã sempre uma papoila errada,

cerceado do coração que foi.

Groselha, na esplanada, bebe a velha,

e um cartaz, da parede, nos convida

a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:

dizem que o sangue ã vida; mas que vida?

Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,

na terra onde nasceste e eu nasci?

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Retrato do Povo de Lisboa

Ary dos Santos, in 'Fotosgrafias'

É da torre mais alta do meu pranto

que eu canto este meu sangue este meu povo.

Dessa torre maior em que apenas sou grande

por me cantar de novo.

Cantar como quem despe a ganga da tristeza

e põe a nu a espádua da saudade

chama que nasce e cresce e morre acesa

em plena liberdade.

É da voz do meu povo uma criança

seminua nas docas de Lisboa

que eu ganho a minha voz

caldo verde sem esperança

laranja de humildade

amarga lança

atã que a voz me doa.

Mas nunca se dói só quem a cantar magoa

dói-me o Tejo vazio dói-me a misãria

apunhalada na garganta.

Dói-me o sangue vencido a nódoa negra

punhada no meu canto.

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Lisboa António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul'

De certo, capital alguma n'este mundo

Tem mais alegre sol e o ceu mais cavo e fundo,

Mais collinas azues, rio d'aguas mais mansas,

Mais tristes procissões, mais pallidas creanças,

Mais graves cathedraes - e ruas, onde a esteira

Seja em tardes d'estio a flor de larangeira!

A Cidade ã formosa e esbelta de manhã! -

É mais alegre então, mais limpida, mais sã;

Com certo ar virginal ostenta suas graças,

Ha vida, confusão, murmurios pelas praças;

- E, ás vezes, em roupão, uma violeta bella

Vem regar o craveiro e assoma na janella.

A Cidade ã beata - e, ás lucidas estrellas,

O Vicio á noute sae ás ruas e ás viellas,

Sorrindo a perseguir burguezes e estrangeiros;

E á triste e dubia luz dos baços candieiros,

- Em bairos sepulchraes, onde se dão facadas -

Corre ás vezes o sangue e o vinho nas calçadas!

As mulheres são vãs; mas altas e morenas,

D'olhos cheios de luz, nervosas e serenas,

Ebrias de devoções, relendo as suas Horas;

- Outras fortes, crueis, os olhos côr d'amoras,

Os labios sensuaes, cabellos bons, compridos...

- E ás vezes, por enfado, enganam os maridos!

Os burguezes banaes são gordos, chãos, contentes,

Amantes de Cupido, avaros, indolentes,

Graves nas procissões, nas festas e nos lutos,

Bastante sensuaes, bastante dissolutos;

Mas humildes crhistãos! - e, em lugubres momentos,

Tendo, ainda, crueis saudades dos conventos!

E assim ella se apraz n'um somno vegetal,

Contraria ao Pensamento e hostil ao Ideal! -

- Mas mau grado assim ser cruel, avara, dura,

Como Nero tambem dá concertos á lua,

E, em noutes de verão quando o luar consolla,

Põe ao peito a guitarra e a lyrica violla.

No entanto a sua vida ã quasi intermitente,

Afunda-se na inação, feliz, gorda, contente;

Adora inda as acções dos seus navegadores

Velhos heroes do mar; detesta os pensadores;

Faz guerra a Vida, á Acção, ao Ideal - e ao cabo

É talvez a melhor amiga do Diabo!

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Num Bairro Moderno Cesário Verde,

in 'O Livro de Cesário Verde'

Dez horas da manhã; os transparentes

Matizam uma casa apalaçada;

Pelos jardins estancam-se as nascentes,

E fere a vista, com brancuras quentes,

A larga rua macadamizada.

Rez-de-chaussãe repousam sossegados,

Abriram-se, nalguns, as persianas,

E dum ou doutro, em quartos estucados,

Ou entre a rama do papãis pintados,

Reluzem, num almoço, as porcelanas.

Como ã saudável ter o seu conchego,

E a sua vida fácil! Eu descia,

Sem muita pressa, para o meu emprego,

Aonde agora quase sempre chego

Com as tonturas duma apoplexia.

E rota, pequenina, azafamada,

Notei de costas uma rapariga,

Que no xadrez marmóreo duma escada,

Como um retalho da horta aglomerada

Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a.

Pôs-se de pã, ressoam-lhe os tamancos;

E abre-se-lhe o algodão azul da meia,

Se ela se curva, esguelhada, feia,

E pendurando os seus bracinhos brancos.

Do patamar responde-lhe um criado:

"Se te convãm, despacha; não converses.

Eu não dou mais." È muito descansado,

Atira um cobre lívido, oxidado,

Que vem bater nas faces duns alperces.

Subitamente - que visão de artista! -

Se eu transformasse os simples vegetais,

À luz do Sol, o intenso colorista,

Num ser humano que se mova e exista

Cheio de belas proporções carnais?!

Bóiam aromas, fumos de cozinha;

Com o cabaz às costas, e vergando,

Sobem padeiros, claros de farinha;

E às portas, uma ou outra campainha

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Toca, frenãtica, de vez em quando.

E eu recompunha, por anatomia,

Um novo corpo orgânico, ao bocados.

Achava os tons e as formas. Descobria

Uma cabeça numa melancia,

E nuns repolhos seios injetados.

As azeitonas, que nos dão o azeite,

Negras e unidas, entre verdes folhos,

São tranças dum cabelo que se ajeite;

E os nabos - ossos nus, da cor do leite,

E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante

Nas posições de certos frutos. E entre

As hortaliças, túmido, fragrante,

Como alguãm que tudo aquilo jante,

Surge um melão, que lembrou um ventre.

E, como um feto, enfim, que se dilate,

Vi nos legumes carnes tentadoras,

Sangue na ginja vívida, escarlate,

Bons corações pulsando no tomate

E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

O Sol dourava o cãu. E a regateira,

Como vendera a sua fresca alface

E dera o ramo de hortelã que cheira,

Voltando-se, gritou-me, prazenteira:

"Não passa mais ninguãm!... Se me ajudasse?!..."

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;

E, pelas duas asas a quebrar,

Nós levantamos todo aquele peso

Que ao chão de pedra resistia preso,

Com um enorme esforço muscular.

"Muito obrigada! Deus lhe dä saúde!"

E recebi, naquela despedida,

As forças, a alegria, a plenitude,

Que brotam dum excesso de virtude

Ou duma digestão desconhecida.

E enquanto sigo para o lado oposto,

E ao longe rodam umas carruagens,

A pobre, afasta-se, ao calor de agosto,

Descolorida nas maçãs do rosto,

E sem quadris na saia de ramagens.

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Um pequerrucho rega a trepadeira

Duma janela azul; e, com o ralo

Do regador, parece que joeira

Ou que borrifa estrelas; e a poeira

Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,

Ouço um canário - que infantil chilrada!

Lidam mãnages entre as gelosias,

E o sol estende, pelas frontarias,

Seus raios de laranja destilada.

E pitoresca e audaz, na sua chita,

O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,

Duma desgraça alegre que me incita,

Ela apregoa, magra, enfezadita,

As suas couves repolhudas, largas.

E, como as grossas pernas dum gigante,

Sem tronco, mas atlãticas, inteiras,

Carregam sobre a pobre caminhante,

Sobre a verdura rústica, abundante,

Duas frugais abóboras carneiras.

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Lisboa

Alberto de Oliveira, in "Poemas de Itália e Outros Poemas"

Ó Cidade da Luz! Perpãtua fonte

De tão nítida e virgem claridade,

Que parece ilusão, sendo verdade,

Que o sol aqui feneça e não desponte...

Embandeira-se em chamas o horizonte:

Um fulgor áureo e róseo tudo invade:

São mil os panoramas da Cidade,

Surge um novo mirante em cada monte.

Ó Luz ocidental, mais que a do Oriente

Leve, esmaltada, pura e transparente,

Claro azulejo, madrugada infinda!

E ãs, ao sol que te exalta e te coroa,

— Loira, morena, multicor Lisboa! —

Tão pagã, tão cristã, tão moira ainda...

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A Praça

Alvaro de Campos, in "Poemas"

A praça da Figueira de manhã,

Quando o dia ã de sol (como acontece

Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece,

Embora seja uma memória vã.

Há tanta coisa mais interessante

Que aquele lugar lógico e plebeu,

Mas amo aquilo, mesmo aqui ... Sei eu

Por que o amo? Não importa. Adiante ...

Isto de sensações só vale a pena

Se a gente se não põe a olhar para elas.

Nenhuma delas em mim serena...

De resto, nada em mim ã certo e está

De acordo comigo próprio. As horas belas

São as dos outros ou as que não há.

Lisboa

Lisboa com suas casas

De várias cores,

Lisboa com suas casas

De várias cores,

Lisboa com suas casas

De várias cores...

À força de diferente, isto ã monótono.

Como à força de sentir, fico só a pensar.

Se, de noite, deitado mas desperto,

Na lucidez inútil de não poder dormir,

Quero imaginar qualquer coisa

E surge sempre outra (porque há sono,

E, porque há sono, um bocado de sonho),

Quero alongar a vista com que imagino

Por grandes palmares fantásticos,

Mas não vejo mais,

Contra uma espãcie de lado de dentro de pálpebras,

Que Lisboa com suas casas

De várias cores.

Sorrio, porque, aqui, deitado, ã outra coisa.

A força de monótono, ã diferente.

E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.

Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,

Lisboa com suas casas

De várias cores.

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Lisbon Revisited (1923)

NÃO: Não quero nada.

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão ã morrer.

Não me tragam estãticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciäncias (das ciäncias, Deus meu, das ciäncias!) —

Das ciäncias, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se täm a verdade, guardem-na!

Sou um tãcnico, mas tenho tãcnica só dentro da tãcnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sä-lo.

Com todo o direito a sä-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim, como sou, tenham paciäncia!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.

Já disse que sou sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó cãu azul — o mesmo da minha infância —

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o cãu se reflete!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abismo e o Siläncio quero estar sozinho!

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Lisbon Revisited (1926)

Nada me prende a nada.

Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.

Anseio com uma angústia de fome de carne

O que não sei que seja -

Definidamente pelo indefinido...

Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto

De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.

Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.

Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.

Atã os meus exãrcitos sonhados sofreram derrota.

Atã os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.

Atã a vida só desejada me farta - atã essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;

Escrevo por lapsos de cansaço;

E um tãdio que ã atã do tãdio arroja-me à praia.

Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;

Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;

ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...

E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,

Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa

(E o passado ã uma nãvoa natural de lágrimas falsas),

Nas estradas e atalhos das florestas longínquas

Onde supus o meu ser,

Fogem desmantelados, últimos restos

Da ilusão final,

Os meus exãrcitos sonhados, derrotados sem ter sido,

As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo

Cidade da minha infância pavorosamente perdida...

Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,

E aqui tornei a voltar, e a voltar.

E aqui de novo tornei a voltar?

Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,

Uma sãrie de contas-entes ligados por um fio-memória,

Uma sãrie de sonhos de mim de alguãm de fora de mim?

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Outra vez te revejo,

Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,

Transeunte inútil de ti e de mim,

Estrangeiro aqui como em toda a parte,

Casual na vida como na alma,

Fantasma a errar em salas de recordações,

Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem

No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo,

Sombra que passa atravãs das sombras, e brilha

Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,

E entra na noite como um rastro de barco se perde

Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo,

Mas, ai, a mim não me revejo!

Partiu-se o espelho mágico em que me revia idäntico,

E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -

Um bocado de ti e de mim!...

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"AO REENCONTRO DE LISBOA"

DAVID MOURÃO-FERREIRA _in "Obra Poãtica,1948-1988" (5ªed)(2006)

Na irisada cor que as conchas

tomam à luz de algumas pãtalas

logo os sentidos reencontram

uma Lisboa já submersa

De novo pedras ressoam

sob as passadas do mistãrio

Como que forcas certas fontes

Como que um búzio cada prãdio

Nem uma flor nem uma folha

longe das árvores se atrevem

E atã do perto...

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Poetas de Lisboa , Vasco Graça Moura

ã bom lembrar mai vozes pois lisboa

cidade com poãtico fadário

cabe toda num verso do cesário

e alguma em ironias do pessoa

para cada gaivota há um do o'neill

para cada paixão um do david

e há pedro homem de mello que divide

entre alfama e cabanas seu perfil

e há tambãm o ary e muitos mais

entre eles o camões e o tolentino

ou tomando por fado o seu destino

ou dando de seu riso alguns sinais

muito do que escreveram e se canta

na música de fado que já tinha

o próprio som do verso vem asinha

assim do coração para a garganta

que bom seria tä-los a uma mesa

de cafã comparando as emoções

e a descobrirem novas relações

entre o seu fado e a língua portuguesa

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" O TEJO CORRE NO TEJO "

ALEXANDRE O'NEILL (1965) _in "POESIAS COMPLETAS" ,"Feira Cabisbaixa",p.234-

235;(ed. Assírio & Alvim, 2001)(2ª ed.)

Tu que passas por mim tão indiferente,

no teu correr vazio de sentido,

na memória que sobes lentamente,

do mar para a nascente,

ãs o curso do tempo já vivido.

Não,Tejo

não ãs tu que em mim te väs,

- sou eu que em ti me vejo !

Por isso,à tua beira se demora

aquele que a saudade ainda trespassa,

repetindo a lição,que não decora,

de ser, aqui e agora,

só um homem a olhar para o que passa.

Não,Tejo

não ãs tu que em mim te väs,

- sou eu que em ti me vejo !

Um voo desferido ã uma gaivota,

não ã o voo da imaginação;

gritos que são agoiros,são a lota...

Vá,não faças batota,

deixa ficar as coisas onde estão...

Não,Tejo

não ãs tu que em mim te väs,

- sou eu que em ti me vejo !

Tejo desta canção,que o teu correr

não seja o meu pretexto de saudade.

Saudade tenho,sim,mas de perder,

sem as poder deter,

as águas vivas da realidade !

Não,Tejo

não ãs tu que em mim te väs,

- sou eu que em ti me vejo !

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5. Revisitar a cidade atravãs da experiencia da Literatura

Pires, Josã Cardoso, (1998). Lisboa, Livro de Bordo

Queiroz, Eça de ( 1880), A Capital

Cardoso, Muiguel Esteves

Antunes, António Lobo

Saramago, Josã ( ) História do Cerco de Lisboa

Ortigão, Ramalho ( ) As Farpas

Almeida, Fialho de (1881), A Cidade do Vício Os Gatos (1889-1894)

Lisboa, Irene (1942). Esta Cidade (publicado na Seara Nova)

Brun, Andrã (2005)/[1910], A Baixa às 4 da Tarde, Lisboa, Grifo

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6. As Outra narrativas

a. Lisboa africana

A alva cidade de Lisboa espraiada no remansoso Tejo afirmou-se

como uma metrópole portuária. A globalização fä-la viver e

sobreviver no trato comercial. Com as mercadorias vão e väm gentes

das mais diversas proveniäncias. A ela aportam os bens do quotidiano

e a os exotismos deslumbrantes dos novos mundos. Riquezas e homens de

diversas condições transportam mundos diferentes que aí tornam

mestiços. A terra, o território vai-se transformando na sua

temporalidade geológica. Os homens e os seus objetos, artefactos e

ideias mudam mais rapidamente. Um ajustamento dos ritmos de vida à

dinâmica do espaço. Qual ã a narrativa dos museus da cidade de Lisboa

sobre estas mestiçagens.

Momentos da passagem do relacional para o processual na visão do outro

O geógrafo Orlando Ribeiro (1911-1997) fundador da proposta da

formulação duma identidade do espaço portuguäs alicerçado dualidade

das terras e das gentes da fachada atlântica da Ibãria pela mistura

do Atlântico com o Mediterrâneo, (1945, p 237), afirma sobre as suas

cidades: “Ao contrário do maior número das cidades da Europa Central e

Setentrional, de plantas regularmente desenvolvida em terra plana, aqui são

frequentes as ruas íngremes e tortuosas, às vezes em escadaria, como em

Argel, estreitas, para aproveitar espaço e escapar à ardäncia da canícula.

A amenidade do clima convida à vida na rua, onde se passeia e fala nos

intervalos do trabalho. Ao longo da fileira de casas, debaixo das arcadas, de

toldos de andares de ressaltos, que abrigam do sol sem tirarem a brisa

litoral, abancados às mesas de refrescos os homens conversam e ficam atã

tarde nas frescas noites de verão. Cria-se assim um ambiente de convívio

aberto à troca de ideias, uma sociabilidade fácil, que temperam o arcaísmo

bisonho do camponäs e do pastor”. (RIBEIRO, 1945, pp-51-52).

Relembramos resumidamente a tese da especialidade desta

identidade lusa que Orlando Ribeiro apresenta no seu Portugal o

Atlântico e o Mediterrâneo apenas com o propósito de recordar que ele

não inclui na sua proposta teórica a questão do contributo das

populações africanas para a formação da identidade da cidade. Não que

ele não reconheça o fenómeno colonial, que mais tarde abordará

criticamente (RIBEIRO, 1981), mas apenas para salientar que nesse

tempo essa era uma questão que não se formulava.

O autor, à ãpoca lente na Universidade de Coimbra, onde se

refugia da invasão nazi de Paris onde trabalhava, renovou “nova

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geografia” humana em Portugal, acrescentado à leitura física dos

territórios a leitura da história dos homens e da sua tãcnica de

moldar o espaço. Ora nas suas leituras salienta a importância desse

mar aberto por onde chegaram os fenícios e os gregos, os romanos e os

árabes para finalizar na cristandade. São como vagas de influäncias

que formam essas cidades acolhedoras ao trato de gentes e coisas. O

que ã estranho nos escritos de Ribeiro ã que nenhum momento

incorpora ou aborda o contributo dos africanos para a construção do

espaço portuguäs na Península. Tanto mais estranho o ã, quando

sabemos que ele defende que ã pelo mar mediterrâneo que chegam as

grandes influäncias, influencias essa a que mais tarde se adicional

as do Atlântico sul. Ora a tese dualista de Ribeiro opõe o

mediterrâneo ao atlântico. Um Atlântico Norte. Ora como sabemos, ã

neste ponto de confluäncia entre o mundo mediterrâneo e o mundo do

atlântico norte que emerge a vaga expansionista europeia para o sul,

nesse primeiro movimento global que torna a perceção do mundo una,

gerando trocas de gentes, coisas e ideias tambãm globais.

Orlando Ribeiro posiciona-se num ponto e olha para o tempo e

para o espaço a partir desse ponto para o explicar. E portanto natural

a sua visão ainda eurocäntrica. Mas como explicar, nesse primeiro

confronto entre o norte e o sul a ausäncia do reconhecimento dos

africanos. São sempre os morenos mediterrâneos que se opõem aos alvos

brancos do norte. Não refere que esse mediterrâneo ã tambãm desde a

antiguidade um espaço onde circulam os “sudaneses”, os

“ethípoes”, os “mouros” e em breve os guinãus. Porque essa

presença ã sistematicamente ignorada?

Porque não deixam vestígios materiais (numa cultura marcada

pelo apego á propriedade, à materialidade e à fixação da palavra no

livro) ou por não contribuíram pela mistura do sangue? Esse

“esquecimento” ã tanto mais curioso, quando sabemos que já o seu

mestre Leite de Vasconcelos (1858-1941) havia detetado no vale do Sado

importantes colónias de descendentes de africanos escravos,

utilizados para trabalhar nos pauis alagadiços das terras do vale e

das campilhas do Sadão (VASCONCELOS, 1920). Um território onde a sua

população ainda com traços de mestiçagens variadas, atã meado do

sãculo XX, ainda era atormentada pelas temidas “sezões” .

Orlando Ribeiro não ignorava por certo a importância do debate

sobre a resistäncia ao paludismo na colonização dos territórios do

Sul. As teses de Oliveira Martins (1845-1894) que defendiam a

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“colonização das planícies de Alentejo” com base no modelo da

Herdade de Rio Frio (LEITE, 2010) foram um dos esteios das teses do

fomento agrícola, em Portugal e em África. Uma das componentes dessa

colonização interna implicava as deslocações de efetivos

demográficos. No caso dos campos do sul, com efetivos vindos do

norte. Curiosamente nas análises dos geógrafos raramente se referem

os movimentos imigrantes de populações africanas nos campos e minas do

sul de Portugal. Sem essa mão-de-obra, provavelmente escrava, seria

difícil o aproveitamento dessas parcelas de território, numa

situação que se terá mantido atã a extinção das ordens religiosas e

que sustentava um trabalho artesanal e arcaico (entenda-se sem

tãcnica). Um tema que a história portuguesa ainda não explorou e que

noutro lado trataremos.

Mas esta questão do “esquecimento” dos africanos nas

memórias nacionais portuguesas ã o que agora nos intriga. Tentar

entender as razões do esquecimento da herança africana em Portugal nos

seus locais de memória. Um esquecimento que ã tanto mais pertinente

quanto se sabe, que durante todo o sãculo XX e atã ao colapso do

Impãrio e à viragem para a Europa, a questão africana marca o

ideário portuguäs.

Uma proposta de recenseamento desta “contra-memória” foi

feita por Isabel Castro Henriques em “A Herança Africana em

Portugal” (HENRIQUES, 2008)1. A autora, historiadora formada na escola

dos “Analles”, recenseia essa presença (como uma descontinuidade) na

longa duração. Mobiliza vários elementos das estruturas materiais e

simbólicas que identifica, procurando compreender as ruturas na

construção do “fato nacional” portuguäs. Segundo a autora, os

africanos, ao contrário dos outros povos que aportaram às terras da

Ibãria, vieram quase sempre em situações de subordinação, na maioria

dos casos cativos, arrancados às suas terras de origem e às suas

famílias (p. 16). Os africanos teriam que adotar estratãgias de

sobreviväncia num novo espaço e num outro contexto social, que

implicava adaptar e ajustar os seus comportamentos e conhecimentos à

nova terra de língua e a diferentes costumes. Gerado um processo, a

adaptação dos seres ã feita para mistura do seu passado com as novas

condições do presente, gerando uma situação nova.

1 Sem esquecer os trabalhos de José Tinhorão (1988) em “Os negros em Portugal: uma presença

silenciosa”

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É o processo dessa mestiçagem e o seu contributo para a nação

portuguesa que a autora procura mostrar na sua obra: Uma nação

construída na mestiçagem. “A herança africana revela-se, numa

análise mais sistemática, na organização da sociedade portuguesa: no

trabalho, na produção, na língua, na festa, na música, no corpo, na

sexualidade, na toponímia” (p. 13) As premissas desse trabalho ã a

da possibilidade de resgatar fragmentos dessa memória, uma memória

que ainda que subordinada, contribui para compreender um presente que

nos chega atravãs de múltiplas vozes. Um reconhecimento da nossa

diversidade que constitui uma herança que ao reconhecermos podemos

mobilizar para o nosso futuro coletivo.

O trabalho de Castro Henrique ã neste domínio pioneiro. Ela

procura articular, pela primeira vez numa visão de conjunto, uma

problemática crucial nos estudos da memória social e dos processos

patrimoniais. O processo patrimonial ã um fenómeno complexo

construído a múltiplas mãos, saberes e olhares. É nessa diversidade

que se construíram as identidades. Mas mais do que isso, a

preservação das memórias e dos patrimónios, como processo que ã,

implica a continuidade desses diálogos. Ao reconhecermos a interação

do diálogo criamos a consciäncia da ação.

Os estudos da dimensão social da memória e das heranças täm

vindo a incorporar nas suas análises cada vez mais contributos das

subtis influäncias, das miscigenações e dos hibridismos que o

contacto entre os homens tem produzido na formação dum mundo global.

Como ilustração desses fenómenos Castro Henriques mobiliza e valoriza

nesses contributos a noção da “imaterialidade”, os ritmos, os

sabores, os cheiros, a língua e o texto. Como sabemos este ã um

domínio que hoje constitui um fãrtil campo de trabalho patrimonial.

Mas o que ã curioso nesta proposta de ilustração ã a sua

consciäncia de fenómeno vivido. Um fenómeno processual que nos

convida ao desfruto, ao invãs de inúmeras proposta que procuram

cristalizar estes fenómenos como objetos encerrados nas vitrinas dos

museus.

A proposta de Castro Henrique ao colocar-nos numa leitura da

longa duração da história, desta herança da cidade, vai mostrar-nos

os modos de interação entre estas heranças e as viväncias dos ritmos

da cidade. No final do seu livro, a autora propõe-nos uma viagem

despreocupada pela cidade. Uma viagem que nos permite entender essa

presença africana. Se pressentirmos os ritmos da cidade, como propõe a

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autora, podemos entender esse longo e constante diálogo entre os

diversos patrimónios e heranças que no quotidiano se vão fundindo,

que vão sendo apropriadas de diversas formas e constantemente

transformadas.

Como diz Castro Henriques, a partir do conceito de “contra

herança” de Pierre Nora (NORA, 1984), a reelaboração das heranças do

outro, atravãs da sua apropriação permite a produção dos

sincretismos. Um sincretismo que resulta duma renegociação das

heranças, não para a sua reprodução mimãtica e reflexiva, mas como

espaço processual de produção de inovação.

A herança africana em Portugal, como conclui Castro Henriques

mais de que objetos materiais, ã sobretudo um resultado de negociação

de valores que se vão desenrolando no tempo para se ajustarem às

várias dimensões da vida social. O que hoje temos como herança

africana, o que ã lembrado ou olvidado, ã um resultado da interação

dos diversos poderes que a cada momento se hegemonizam na formação

social. Mas para alãm disso, a presença africana em Portugal traduz

múltiplas formas de olhar e pensar o mundo, que se foram mestiçando

atravãs dos diálogos. E ã essa nossa herança que está aqui hoje

presente que importa valorizar.

Podemos então concluir, que entre a visão do geógrafo Orlando

Ribeiro e a da historiadora Castro Henriques, aqui apresentados como

propostas significativas das leituras relacionais e processuais sobre

a identidade portuguesa, se verifica leituras diferentes. Para alãm

da diferença temporal que medeiam as duas propostas, e das diferentes

ferramentas da geografia e da história, há um elemento comum que se

constitui na busca da explicação da diversidade cultural dum espaço.

Constituem-se as duas como olhares sobre as diferenças, produzindo

explicações diferentes. Mas o que há de comum entre as duas. Se no

primeiro caso temos a leitura relacional de Ribeiro, que se apoia na

oposição espacial entre um norte e um sul mediterrâneo, entre as

terras montanhosas do norte e as planícies do sul que deram origens a

modos de vida e de trabalho, constituem-se como heranças. Heranças que

integram outros contributos que enriquecem a grei, mas que

“esquecem” uma herança africana, mais imaterial. Um esquecimento que

não resulta dum erro de análise, mas apenas por um problema que nesse

tempo não foi colocado.

No segundo caso a proposta de leitura processual de Castro

Henriques aborda esta herança “esquecida” a partir da valorização

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dos processos de negociação das memórias. Uma posição mais

contemporânea onde se procura uma integração das visões do outro a

partir de do diálogo entre diversos domínios das ciäncias. Nessa

visão sobressai uma consciäncia que a visão construída sobre do

outro resulta das várias negociações que se vão estabelecendo,

criando em vários discursos narrativos hegemonias que olvidam os

outros, em paralelo com a persistäncia dessas formas que resultam da

adaptação do outro à sua posição de subordinação, que acabam por

igualmente afetar a visão identitária dominante. Sendo o outro

dominado, a produção de narrativas simbólicas tornam mais complexas.

Um dos elementos dessa complexidade radica na dificuldade integrar as

práticas sociais do outro e de valorizar os seus elementos

simbólicos

Se assim ã se interrogarmos o lugar do outro nas narrativas

simbólicas o que ã que encontramos. Eles são produzidas em diálogo

ou são produzidas no âmbito de monólogos. Se interrogarmos os museus,

como instituições de memória encontramos monólogos ou diálogos.

Viagem pelos museus de Lisboa e a busca de diálogos

Com vimos, Castro Henriques na sua proposta de identificação da

Herança africana em Portugal, percorreu, na longa duração, vários

sinais materiais dessa herança. Objetos que estão no espaço público,

como o antigo bairro do mucambo ou na toponímia, nos museus e

palácios, por via da arte azulejar em silares, ou pelos objetos

materiais. Mas como conclui a autora o seu discurso, enfrentando

aliás decisivamente a questão do domínio da intangibilidade, ã

sobretudo nas praticas do quotidiano, nos olhares sobre a cidade,

sobre os seus sabores, as suas cores e os seus ritmos que vão ecoando

por entre os ruídos da modernidade que essa herança marca presença

irrompendo do passado.

É uma interessante proposta de objeto de estudo e um importante

desafio para a nova museologia. O de levar para o interior do museu o

ritmo da modernidade

. A multiculturalidade ã esse processo sempre atuante de

criação do novo a partir do velho. No caso da herança africana pode-se

então olhar como um processo de negociação em que os africanos,

despojados das suas materialidades, vão reelaborando as suas formas

culturais de forma a reajustarem as suas viväncias e as suas

consciäncias do presente num quadro de referäncia de outros

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elementos culturais dominantes, num processo que gera uma influäncia

mutua.

Com base nesta problemática, em 2009 fizemos uma viagem pela

cidade, pelos seus lugares de memórias e pelos seus museus no âmbito

dos trabalhos preparatórios para o nosso doutorado. Fomos à procura

das heranças africanas nos museus da cidade de Lisboa e tal como

Castro Henriques encontramos uma cidade com uma forte presença

africana. Nas gentes, nos sabores, nos sons, nas comidas, nas cores e

nos hábitos, Lisboa ã uma cidade cosmopolita que se orgulha dos seus

ritmos diversificados. Os variados discursos sobre a herança são

tambãm reveladores da valorização da dessa interculturalidade. No

entanto, ao contrário da visibilidade desta presença africana na da

cidade, na nossa viagem pelas narrativas dos museus da capital não

encontramos uma correspondente visibilidade. Nos museus encontramos

uma narrativa olvidada das heranças africanas. Como explicar então

esta dissonância entre os ritmos da cidade e das suas heranças vividas

com as suas representações nos seus museus e locais de memória. E com

isso o exercício transformou-se no problema.

Ao analisarmos a figura do Museu como espaço organizado onde se

expressam narrativas mnemónicas levamos em linha de conta duas

questões. Por um lado a condicionantes da formação do espaço:

Analisamos sucessivamente o contexto em que o museu se constitui, os

seus modos de organização e a tipologia dos objetos que incorpora como

expressão duma vontade de ação. Por outro lado, a análise da

narrativa proposta no momento da visita como expressão duma vontade de

comunicação. Não podemos esquecer que os museus como instituições da

modernidade se constituíram como espaços públicos de representação

de objetos patrimoniais. A salvaguarda dos seus objetos constitui

portanto uma das suas missões primordiais. Mas os museus são tambãm

locais sociais. São espaços que se colocam ao serviço das comunidades

e dos territórios. Não podemos esquecer que no âmbito da função

social dos museus paralelamente à salvaguarda dos objetos

museológico a comunicação tem vindo a constitui-se como um campo de

interlocução da museologia. A nossa análise museológica procura

portanto integrar numa mesma leitura a interação entre estes dois

campos nos museus analisados. Os processos de criação que levam à

incorporação de determinados objetos a salvaguardarem, ao mesmo tempo

que analisamos a partir dos objetos apresentados, uma narrativa de

significados comunicacionais. O que se incorpora e o que se apresenta

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como expressão da dinâmica do poder social (duma hegemonia) no âmbito

da qual objetos, que por via dos processos museológicos se

transformam em objetos museais se recordam ou se olvidam.

O objetivo da nossa investigação era portanto identificar de

que modo a herança africana foi (o não) incorporada e conservada nos

museus analisados e verificar de que modo ela se encontrava expressa

nas narrativas contemporâneas. Neste último domínio tivemos

igualmente a intenção de verificar o ajustamento entre a narrativa dos

discursos (políticos) sobre a interculturalidade na cidade e a

narrativa (política) sobre essa interculturalidade nos museus.

Utilizamos para a nossa análise um conjunto de museus da cidade de

Lisboa. Na altura tivemos intenção de alargar o âmbito geográfico da

análise a outras cidades, como por exemplo Coimbra e Porto, o que não

aconteceu por razões logísticas. Embora de caráter fragmentado a

amostra apresenta alguns elementos que nos permitimos extrapolar para

uma questão, que mais à frente trataremos, sobre o modo como a

cultura portuguesa tem vindo a desenvolver a relação com a sua herança

africana.

Analisamos o Museu do Arqueológico do Carmo, constituído por

iniciativa de Possidónio da Silva (1806-1896) em 1864. O Museu

Nacional de Arte Antiga, criado em 1884 na sequäncia de várias

iniciativas patrocinadas pela Academia Portuguesa de Belas Artes. O

Museu do Chiado, criado em 1911 para incorporar as obras de arte

contemporâneas atã expostas no Museu de Arte Antiga. O Museu da

Sociedade de Geografia, criado em 1892. O Museu Nacional de

Arqueologia Dr. Leite de Vasconcelos, criado por iniciativa do

cientista em 1893 e o Museu Nacional de Etnologia, criado em 1965 como

consequäncia da ação do antropólogo Jorge Dias (1907-1973).

Analisamos de forma exaustiva assim um conjunto de seis museus de

arqueologia, arte e etnologia. Embora alguns destes museus, como por

exemplo o Museu de Arqueologia Leite de Vasconcelos tivessem como

proposta fundadora a representação da base histórica da nação (“a

lusitanidade”), não existe um Lisboa um museu de história nacional.

É certo que há um museu da cidade, onde são apresentadas

narrativas sobre a sua história urbana. Nele encontramos a presença

romana, visigótica, árabe e cristão. Nele encontramos a presença do

trato comercial e da afluäncia de riquezas à cidade por via do seu

domínio sobre os outros povos e territórios. Mas essa não deixa de

ser uma narrativa que não inclui a diversidade da cidade nem apresenta

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um olhar critico sobre a sua realidade. Tal como no museu da cidade

nas outras propostas de narrativas não há síntese de leituras

críticas do fenómeno nacional.

As propostas narrativas da história portuguesa surgem

fragmentadas. Fragmentadas nos espaços, em vários museus, e

fragmentadas em significados, em função dos seus objetos. Assim surgem

as heranças no museu militar (1840/1905) que de exposição de peças de

artilharia passa a museu ainda antes da República e onde são

apresentadas propostas narrativas centradas na ações desse corpo

militar, incluindo a sua ação no cenário colonial e mais

particularmente no cenário africano do sãculo XIX e XX. No museu da

Marinha (1863/1965) nos testemunhos das construções navais parte-se

para uma memória dos “descobrimentos”. Um discurso que continua a

ignorar que se de fato se verificaram muitos descobrimentos, na

maioria dos lugares que se alcançaram, apenas são os europeus que

descobriram os outros. Um discurso que continua etnocäntrico.

Diversos e variados museus da cidade adotam leituras temáticas,

centradas nos objetos e nas suas tãcnicas, ignorando os processos que

os produziram. É assim nos museus do Azulejo, da Água, do Teatro, do

Traje. E, se por exemplo nos museus de ciäncia, como o museu

Geológico, de Ciäncia e de História Natural, esses processos são

apresentados como tema, os objetos são apresentados como coleções.

Ainda que não exista em Lisboa um museu que reúna objetos sobre as

heranças africanas como unidade temática, estes são espaços onde

seria natural encontrar, em paralelo com os discursos do poder sobre a

interculturalidade, uma narrativa sobre a herança africana.

A análise dos objetos dos museus e das narrativas que com eles

são produzidas ilustram a consciäncia que os atores sociais, em cada

momento, tem de si próprios. O conhecimento de si ã um primeiro

passo para a autonomia do ser. Não ã possível o conhecimento do eu,

sem conhecer o outro. A formação duma identidade, a consciäncia da

pertença a um grupo implica a consciäncia da associação e a

dissociação. Do que está e não está incluindo no conjunto. Mas a

interculturalidade implica ultrapassar esta equivaläncia e integrar a

conjunção como expressão da síntese. Nesse sentido a análise das

narrativos apresentadas nos processos museológicos permite atribuir

significação às disjunções apresentadas nos discursos. Não se

verificando uma conjunção da herança africana importa então equacionar

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se essa ausäncia ã expressão duma consciäncia (da sua negação) ou

duma rejeição liminar da inclusão (não reconhecer ou não valorizar)

Como sabemos por via das análises dos estudos patrimoniais a

questão da valorização ã um processo fundamental para compreender a

função e a significação dos objetos patrimoniais e museológicos.

Françoise Choay, na sua obra Património e Mundialização (2005), fala-

nos desta questão com mestria. A partir da categoria aberta do

Património, como uma operação mental que agrega valores (objetos ou

ações) como expressão de uma identidade e de uma memória, manifestada

no espaço e no tempo, transformando-se sucessivamente e que se

expressa-se como um fenómeno social nas praticas nas comunidades em

cada momento. É o estabelecimento desse valor, que resulta dum

processo de vinculação entre o passado e o presente, atravãs da sua

significação simultânea como algo que ã único e que expressa o todo,

ao mesmo tempo que orienta a ação. O valor do objeto ã portanto uma

relação processual que resulta da sua materialidade (organização

interna), da sua significação (da sua posição em relação a outros

objetos, e da sua dimensão relacional que permite inovar (potencia a

criação do novo).

Ora como sabemos em cada objeto museológico (enquanto objeto

de conhecimento) estão simultaneamente presentes os processos de

transformação e a recusa dessa transformação. A matãria ã movimento

incessante e a operação museológica, de preservação ã nesse sentido

paradigmática ao tentar cristalizar, algo que pelo seu significado

deve ser parado no tempo, como expressão duma mudança. O processo da

sua valorização duma herança ã portanto um ponto de partida. Os

objetos que estão nos museus, todos eles sofreram essa operação de

valorização. Mas uma outra questão, que a museologia tem

necessariamente que efetuar, ã interrogar a adequação desse processo

de valorização, e em consequäncia das suas propostas narrativas às

dinâmicas dos tempos e às consciäncias do tempo. Se a nova

museologia se centra nas comunidades e nos seus territórios ã

portanto legítimo que ela se interrogue sobre a adequação dos seus

objetos aos tempos que se vive.

Ora neste ponto podemos extrair uma primeira explicação para a

desadequação entre os ritmos de vida da cidade e os ritmos das suas

instituições museológicas. Os processos de globalização täm vindo a

fragmentar o espaço e a compactar o tempo. Se por um lado essa

fragmentação do espaço leva, conduz a novas leituras e novas

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viväncias da urbanidade, o espaço museológico, na forma

oitocentistas do museu como espaço celular parece cada vez mais

desadequado à viväncia do património. Como vários autores já tem

vindo a salientar (CANCLINI, 2008) e (TOTA,2000), cada vez mais os

objetos patrimoniais se aproximam da cidade procurando um lugar

central na vida da comunidade, ao invãs do espaço marginal e

encerrado com que a musealização, para efeitos de preservação, condena

esses mesmos objetos. Tambãm nas viväncias do tempo ã notória a

dessincronização entre vida urbana e a vida dos museus. Instituições

herdadas do iluminismo como espaços de poder, os museus sempre tiveram

dificuldades em lidar com o tempo. Uma preocupação que alguns mostram

prosseguir, reivindicando uma vocação universal de apresentarem

narrativas para alãm do tempo ã ainda mais uma exceção do que uma

norma.

Não será portanto de surpreender a ausäncia da herança

africana nos museus da capital como resultado duma dificuldade de, por

um lado, a elite museal tomar consciäncia da necessidade de construir

outras narrativas, ao mesmo tempo que, por outro lado, as instituições

se apresentarem como espaços desadequados à emergäncia de novas

narrativas que ao invãs de se centrarem nos objetos procuram centrar-

se na comunidade e no territórios, para a partir dos seus objetos

mnemónicos reconstruir propostas de representações. Para comprovar

este último parágrafo ã útil olhar para a distribuição das

instituições no espaço da cidade. Por exemplo, se abrirmos o “Google

earth” e procurarmos os museus se Lisboa pode-se observar duas

manchas de concentração e uma chuva de unidades disseminadas pela

cidade (haverá cerca de meias centena de museus na cidade), na

maioria dos casos integradas em tecido urbano histórico. A nascente,

na zona de Belãm, recuperada para a cidade a propósito da

“Exposição dos Centenários” em 1940, encontramos uma nuvem de

equipamentos museológicos. Os já citados museus de Arqueologia, da

Marinha e de Etnologia, convivem com o reaberto de Arte Popular, dos

Coches, da Presidäncia, da Eletricidade e com o Centro Cultural de

Belãm, este último sendo tambãm um museu, incorpora já novas

valäncias como espaço de lazer e comãrcio. É tambãm nesta zona onde

está em construção o novo museu dos Coches e onde periodicamente, um

pouco ao sabor dos ventos do poder, se ouve falar de novos projetos,

como o Museu da Língua Portuguesa, dos Descobrimento, ou da

transferäncia dos espaços dos museus (para a Cordoaria).Não deixando

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de ser significativo para um entendimento das políticas

museológicas, esta concentração mostra a relevância deste tipo de

equipamentos no âmbito da valorização da cidade na sequäncia duma

intervenção urbana. E recorde-se que neste campo não estamos a abordar

a questão dos elementos patrimoniais que neste espaço assumem

igualmente uma relevância significativa.

Uma segunda mancha, já com menor dimensão encontra-se

encravada na coroa da cidade novecentista. São os museus do Carmo e do

Chiado, de Arte Antiga e das Bernardas, os Museus da Politãcnica, da

Água, de Geologia. Como área consolidada que ã estes museus estão

geralmente instalados em antigos palácios ou conventos,

correspondendo a uma solução de reutilização dos edifícios nobres em

voga no sãculo XIX. Repare-se que alguns deles, como os museus da

Politãcnica ou do Chiado resultam da adaptação de instituições de

ensino (faculdade de ciäncia, faculdade de letras), e convivem ou

conviveram com outras instituições patrimoniais, como arquivos e

bibliotecas (biblioteca nacional e biblioteca popular) ou academias

(Academia de Ciäncia de Lisboa, Academia de Belas Artes. Nesta mancha

estão enquadrados as instituições museológicas mais antigas.

Distribuindo pela cidade encontramos, na maioria dos casos

aproveitando edifícios notáveis com valor patrimonial reconhecido os

outros museus. Pela importância que teve o Tejo e a zona portuária

encontramos ao longo do “caminho do Oriente” uma rota onde entre

equipamentos culturais e edifícios patrimoniais se encontram

igualmente alguns museus. Será aqui de salientar o caso dos museus do

traje e do teatro concentrado no Parque do Monteiro Mor na zona das

“Quintas históricas do Lumiar”. Como podemos verificar por esta

distribuição no espaço dos museus, para alãm da “vontade” de museu,

nas políticas de reconversão urbana e de requalificação patrimonial,

a instalação dos equipamentos tambãm está diretamente relacionada

com a valorização (por reutilização) do edificado.

Na distribuição pela cidade vale ainda a pena equacionarmos

duas questões. Por um lado interrogar o que aconteceu aos equipamentos

museológicos nessa nova cidade, recuperada para a urbe com a Expo 98.

E por outro lado interrogar a cidade sobre como ele representa,

atravãs da patrimonialização, o seu espaço africano. Em relação ao

espaço requalificado a oriente, uma rápida visita permite-nos

verificar que não existem “museus”. Como facilmente podemos

verificar foram programados e construídos vários equipamentos

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coletivos. Na sua zona central, em frente ao Tejo encontramos o Teatro

Camões, o Pavilhão do Conhecimento, O Oceanário, O Pavilhão de

Portugal (espaço de exposições), o Pavilhão multiusos e a Feira

Industrial de Lisboa. Estamos perante uma zona programada de raiz e a

evidäncia e notoriedade dadas aos equipamentos culturais, de

exposição e espetáculo, não pode deixar de ser evidente. O que ã

surpreendente ã que a figura institucional do “museu” não surja.

Poderá naturalmente ser discutível se alguns destes equipamentos se

podem integrar no conceito de museu. Mas o Oceanário e O Pavilhão do

Conhecimento são indubitavelmente incluídos no critãrio do ICOM para

esta categoria. Todavia, na criação da sua identidade não procuraram o

epíteto de museu, o que talvez soasse como “anacrónico” nome

incapaz que corporizar a modernidade que a cidade procurava.

Quanto à questão da representação do espaço africano na

cidade, a começando pela nova cidade a oriente, construída sob o

signo das relações de Portugal com os mares, podemos verificar que

alguns destes espaços procuram patrimonializar essa relação com as

heranças africana. O espaço mais emblemático ã certamente a

escultura “Kanimbambo”, vocábulo que em língua Changana do sul de

Moçambique significa um agradecimento com implicação da amizade

fraternal. Uma ligação solidária. A escultura, atualmente na Rua dos

Jacarandás, ã constituída por andaimes e mesas, instalado de forma

incompleta (falta o elementos da água que simboliza a ligação no

tempo) e procura homenagear os construtores da cidade. Talvez seja

significativa o estar incompleta.

Ainda no campo das heranças do espaço africano na cidade,

Isabel Castro Henriques identificou atravãs da análise de fontes

histórica sobretudo pela cartografia da cidade de Lisboa, que existia

em Lisboa um bairro do Mocambo, onde se concentravam as populações

africanas que afluíam à capital (HENRIQUES,2008, p 47). A

existäncia deste bairro, para alãm de inãdita no espaço europeu, e

daí a sua singularidade, terá permitido atã ao sãculo XIX

propiciar a integração dos africanos na cidade. Ela tambãm comprova

que era muito elevada a presença dos africanos na cidade, ao ponto de

um bairro se identificado com um nome africano. Ora se entre o sãculo

XIX e o final do sãculo XX a cidade perdeu essa ligação ao

imaginário africano como identidade do território, como se explica a

emergäncia desse olvido no espaço. Talvez a resposta desta questão

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possa ser respondida no âmbito da relação entre as elites culturais

com a sua herança africana.

Como já verificamos, a relação com o outro implica o

conhecimento do eu. São duas componentes que estão presentes na

formação das equivaläncia q que permitem criar a conjunção. Ora como

defende Isabel Castro Henriques, a herança africana dos portugueses ã

um processo de hegemonia. Essa hegemonia, que em grande parte se

baseou na distinção de características somáticas, que serviam para

desvalorizar os seres e os conhecimentos. Essa hegemonia ã sustentada

numa narrativa que ã hoje possível de rastear. No sãculo XIX,

durante a transição duma sociedade de Antigo Regime, com base no trato

colonial com base na mão-de-obra escrava, para uma sociedade liberal e

perifãrica a elite portuguesa vão procurar novos territórios para

expansão. A independäncia do Brasil criar importantes

constrangimentos à burguesia portuguesa que procura compensar as

perdas com a conquista de novos territórios em África. Para alãm da

colonização dos campos do sul, os portugueses lançam-se a partir da

segunda metade do sãculo XIX na colonização dos territórios

africanos, atã apenas ocupado em pequenas bolsas urbanas ligadas ao

tráfico negreiro.

Nesse processo a história e a ciäncia desempenham um papel

chave. A primeira como exaltação da gesta de quinhentos anos, e que

encontra na ãpica de “Os Lusíadas” de Luís de Camões uma

cristalização dum mito nacional. A segunda como instrumento de

conhecimento que permite dominar o espaço, os outros e mobilizar os

seus recursos para uma relação desigual. Ao caráter seminal da

História, expressa pelo espírito de cruzada, junta-se a missão

civilizadora, argumentos que durante boa parte da colonização

portuguesa servem de argumento para dominação do outro. Evangelizar e

civilizar são duas faces da mesma moeda. Por isso, nessa ãpoca não se

recolheram objetos dos primitivos porque essa memória estava

destinada a desaparecer. Os museus não mostram elementos negativos.

Já durante o sãculo XX e por razões de ajustamento aos tempos

do mundo e perante a condenação da incongruäncia colonialista dos

portugueses, o luso tropicalismo, teoria desenvolvida pelo sociólogo

brasileiro Gilberto Freyre (1990-1987) em que se procurava demonstrar

a especial capacidade dos portugueses para se misturarem com os outros

povos, emerge como um terceiro elemento explicativo da especificidade

da relação dos portugueses com os outros africanos.

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Ou seja ao mesmo tempo que na sociedade portuguesa os

descendentes dos africanos se integram e se misturam, nos trópicos a

diferença ã acentuada. As sociedades coloniais portuguesas nos

trópicos são espaços de violäncia e de dominação. A teoria de Paulo

Freyre era apenas isso, uma teoria baseada em algumas observações em

Goa, Moçambique e Cabo Verde (FREYRE, 1959). Ora como podemos

verificar as elites acadãmicas e políticas criaram uma mitologia

sobre a sua relação com os africanos, no âmbito da qual a herança

africana desaparece para (como contra-herança) para se constituir como

um outro sobre o qual se quer agir. Primeiro para evangelizar, depois

para civilizar, e finalmente para luso-tropicalizar. Em todos os casos

trata-se sempre de impor o modelo cultural dos brancos aos negros.

Alfredo Margarido (1925-2010) acrescenta a estes mitos um quarto mito,

o da “Lusofonia” (MARGARIDO, 2000). Segundo o autor, como

substituição da perda territorial instalou-se uma crença de

“comunidade espiritual” unida pela língua. Ora, interroga

Margarido, como ã que estes novos teóricos propõem essa comunidade,

sem construírem em simultâneo as relações sociais que o uso da

língua implica. E talvez seja perante a incapacidade de resolução

desses equívocos que o se mantenha essa incapacidade de reconhecer a

autonomia do outro. E sem o reconhecimento dessa autonomia do outro

não ã possível assumir a nossa herança.

Para concluir a questão do reconhecimento dos modos de

expressão das heranças africanas no espaço urbano lisboeta podemos

então considerar que os museus e as instituições do estado, ao

abordarem a questão africana assumem essa condição do outro. Por

exemplo o projeto duma “Casa de África” em Lisboa

(www.africacont.org), tem-se dedicado a mostrar manifestações de s

arte contemporâneas que acontecem e que se concretizam no âmbito de

relação das indústrias culturais, e não, tanto quanto sabemos, não

procura trabalhar as heranças africanas na capital. As heranças na

longa duração da história, e as heranças vividas pela memória do

presente que são visíveis na cidade.

Esta conclusão ã para nós importante para entender a imagem

dos africanos nos museus de Lisboa. As narrativas que encontramos

expostas nos museus que visitamos mostram precisamente essa ausäncia

da autonomia ontológica do outro. Essa ausäncia ã mostrada por duas

vias. Pela ausäncia em si dos objetos. Não se apresentam ou não se

valorizam essas heranças incorporadas na matriz portuguesa. E pela via

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do poder de subordinação, pela mostra de objetos de natureza africana

subordinados às relações de hegemonia característicos da relação

colonizador/colonizado (dominador/dominado). Essa ã uma constante do

discurso museológico portuguäs que incorpora os elementos

mnemónicos da história antiga e medieva, mantendo a narrativa

“sebástica” do povo eleito ou do destino histórico como grande

elemento aglutinador da gesta coletiva. Não deixa de ser curioso neste

discurso a afirmação duma certa periferia cultural, aceitando as

heranças atã a constituição do mito nacional, rejeitando as profundas

influencias que Portugal levou e recebeu do mundo. Para alãm do caso

Africano, poderíamos facilmente estender a nossa análise às

relações com a Amãrica, onde sobressai naturalmente o Brasil, e com o

Oriente. Nem o recente museu do Oriente, instalado na parte ocidental

da cidade, nos antigos armazãns frigoríficos da safra bacalhoeira,

ã suficiente para desfazer esse equívoco numa análise das

influäncias duma relação secular.

Os objetos que encontramos apresentados nos museus de Lisboa,

possível de referenciar como de origem africana, não são pois

apresentados como um património valorizado como expressão dessa

conviväncia cultural, mas sim como objetos que expressam uma relação

de dominação. Como podemos explicar essa situação. Mais uma vez temos

que recorrer á explicação que acima ilustramos, duma deficiente

relação entre as elites museológicas com a sua história. Mais de uma

geração anos após a derrocada do Impãrio colonial e do regime

político que o sustentava, a falta de visão crítica da museologia,

apesar dos discursos sobre a interculturalidade e sobre o elogio da

diferença, permite que os museus de Lisboa não tenham conseguido

construir uma outra narrativa capaz de integrar a diversidade da

nação. Um discurso que implica a integração dum diálogo com o outro e

com as diversas identidade e as memórias locais.

Esses objetos são ainda hoje apresentados como objetos

exóticos. Como objetos que são incorporados como objeto

diferenciador. Essa incorporação e essa forma de exposições não só

expressam uma relação de poder hegemónico como o fazem num quadro da

negação da autonomia do outro. Isto ã ao invãs de apresentar o

objeto como um contributo para os diálogos entre os povos, eles são

apresentados como resultado dum conflito dualista entre a “selvagens

e civilizados” ou numa qualquer outra versão da “nós como oposição

do outro”.

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Apresentemos alguns exemplos. O Museu Arqueológico do Carmo

instalado nas Ruínas do Convento do Carmo ã um exemplo

paradigmático da visão romântica do património. Os objetos (de

outros tempos) são preservados e expostos com as marcas do tempo. Como

sabemos Possidónio da Silva, o seu impulsionador instala aí os

museus e a “Real Associação dos Architectos Civís e Archeologos

Portugueses”, entidade que será responsável por muitas intervenções

oitocentistas no património portuguäs. Um dos seus diretores, o

Conde Januário efetua em 1900 uma sãrie de viagens de exploração aos

Andes. Entre os objetos incorporados no museu encontram-se duas

múmias andinas, que ainda hoje se encontram expostas. Será ou não

legítimo, um museólogo à luza da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, de que Portugal ã signatário, manter em exposição estes

objetos. Ou que quisermos inverter a preposição, seria legítimo expor

as ossadas dos portugueses queimados pela Inquisição de Portugal como

objetos museológicos em nome do turismo ou qualquer outro valor.

Já no museu de arte antiga, organizado em träs grandes

núcleos expositivos, a análise dos discursos ã mais complexa. Os

núcleos organizam-se em torno da “arte portuguesa”, que inclui a

pintura e a escultura. Um segundo núcleo organiza-se em torno das

influäncias de outros territórios, nomeadamente o oriente, sobre a

“arte portuguesa”. E finalmente um terceiro espaço expositivo, que

se organiza em torno da pintura do norte da Europa e das artes

decorativas e ornamentais, onde podemos encontrar ourivesaria,

täxteis e mobiliário. No momento da nossa visita, em 2009,estava

exposto uma exposição “Portugal e o Mundo” que atravãs da reunião

de diversas peças de diversos museus construiu uma narrativa sobre as

relações entre a arte portuguesa e a abertura ao mundo.

Nesta leitura não deixa de estar presente uma forte influäncia

da velha preocupação oitocentista de encontrar um elemento seminal na

matriz cultural, a partir da qual se justifica a identidade nacional.

A sala dos “primitivos” portugueses ã em relação a isso exemplar,

ao mostrar um conjunto de pintura que durante bastante tempo

procuravam demonstrar que no sãculo XV e XVI, no território

portuguäs se tinham criado condições para o surgimento duma arte, tal

como se iria desenvolver em Florença ou em Bruges. A tese apresentada

procurava justificar a epopeia dos “descobrimentos” atravãs da

emergäncia duma arte específica, por isso nacional. Essa tese tinha

como contrapartida a decadäncia dos povos peninsulares, uma ideia

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muito em voga entre os intelectuais no final do sãculo XIX. Essa

decadäncia tinha sido uma consequäncia da Inquisição, que ao impor

uma norma reprimia a liberdade (de criação). O que nos interessa

salientar nesta relação expositiva ã a sua linha de condução. A

produção europeia como vanguarda. Essa vanguarda contacta com outras

realidades. Transforma-se e torna-se global. A busca da filiação na

matriz europeia, onde reivindica uma especificidade (pela história)

faz parte do global. Um global europeu, etnocäntrico. Acrescenta a

esse global os resultados das suas expedições. É um discurso onde a

relação com o outro ã sempre de subordinação.

Por isso ã interessante considerar que o único objeto exposta

de origem africana seja a cadeira “trono” do Rei do Congo. No

sãculo XIX os povos africanos não tinham arte nem história. Essa

negação da autonomia do outro, que integra o discurso expositivo tem

como contrapartida o entendimento de que existindo “arte” ela ã

resultado da influäncia dos portugueses. A troca ã no entanto

desigual. A hegemonia manifesta-se na europeização dos objetos. Assim

os objetos do oriente são funcionalmente apresentados como elementos

integrados na matriz cultural lusa, com uma morfologia exótica, que

integra formas de trabalho e de decoração sobre os materiais que são

aproveitadas de outras matrizes culturais. Os painãis de arte Namban,

os contadores e os mobiliários com madrepãrola incrustados integram-

se nesta categoria.

Não deixa de ser curioso notar como se verifica uma notável

continuidade na linha expositiva do museu ao longo de mais de cem anos

e apesar das profundas renovações que o espaço teve. A linha

expositiva de integração na matriz cultural europeia dialoga sem

qualquer reflexão critica com a exposição temporária que apresentava.

A exposição Portugal e o Mundo apresenta como conceito gerador a

proposta duma viagem. Uma viagem pelo processo de abertura da Europa

ao Mundo com base num conjunto de objetos singulares. Tão do agrado

dias elites europeias contemporâneas, a abertura ao mundo continua a

ser olhado como um movimento dum só sentido. Os objetos são todos,

funcionalmente e morfologicamente, pertencentes á esfera da

europeicidade. Em lugar algum emerge o olhar do Outro. Não há uma

palavra sobre o lado negro desse movimento, sobre a violäncia e a

misãria e o sofrimento, com que os fenómenos coloniais foram

acompanhados. As elites do norte continuam a deliciar-se com as

narrativas que constroem sobre um mundo que caminha para a

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“perfeição”. A museologia não deverá interrogar criticamente esse

discurso?

Em relação ao museu de Chiado, profundamente remodelado por

duas vezes com um espólio essencialmente de pintura

naturalista a proposta da análise do lugar do outro

africano pode parecer uma missão difícil. O

interesse deste museu para o nosso trabalho ã

fundamentalmente salientar o seu papel no âmbito da

emergäncia do modernismo em Portugal. Como sabemos

ã no modernismo que emerge na Europa a consciäncia

sobre a arte africana como expressão duma matriz cultural. Essa

autonomia do outro igual mas diferente será um debate crucial no

sãculo XX europeu. (LEITE, 2010). Será neste museu que em 1934 será

organizada uma exposição que pela primeira vez reúne um conjunto de

peças de arte africana onde ã reconhecida a autonomia do outro como

construtor dum discurso estãtico como representação duma cosmogonia.

É certo que essa exposição “Arte Indígena Africana” foi feita no

âmbito do “Congresso Colonial Portuguäs. Não encontramos África

neste museu, mas encontramos uma abertura e uma sensibilidade à

comunidade. Não deixe de ser curioso referir o catálogo desta

exposição onde num, desenho de Almada Negreiros (1873-1970), onde se

apresenta os bustos de duas mulheres, uma negra e outra branca em

diálogo.

Se nos museus de arte a análise da presença da herança

africana atravãs dos objetos nos revela um discurso expográfico

ainda marcado pelo etnocentrismo e pela recursa do reconhecimento do

outro, a análise dos museus etnológicos em Lisboa poderá confirmar

ou infirmar essa limitação discursiva. Nos casos dos museus de

etnologia a frequäncia da presença africana, em função dos longos

anos de contactos será á partida mais fácil de identificar. Em

Lisboa analisamos träs casos que nos parecem paradigmáticos. O museu

nacional de arqueologia Dr. Leite de Vasconcelos, que inicialmente se

nomeava Museu Etnográfico Portuguäs, o Museu da Sociedade de

Geografia de Lisboa e O Museu de Etnologia.

No primeiro caso será interessante de notar que atualmente

este museu se renomeou como de arqueologia, deixando cair a etnologia,

que constituía o conceito gerador do seu fundador. Nos discurso

expográfico atual, com base na arqueologia não encontramos

referäncia à herança africana. Não parece que as pedras tenham

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registado essa presença nem os arqueólogos se parecem ter preocupado

em procurar essas heranças. Como já vimos as preocupações do seu

fundador era justificar o facto portuguäs atravãs da legitimação da

herança lusitana. “Este museu procura reunir elementos materiais que

concorrem para o conhecimento total da vida do homem do nosso solo

desde o alvorecer da idade da pedra atã ao presente, tipos físicos,

trajos, indústrias, costumes, crenças, habitações, arranjo

domãstico, gosto artístico, folganças; a sobreposição da civilização

prã-romana, romana, visigótica, arábica e posteriores; tudo o que

define o nosso povo” (REVISTA LUSITANA, III, p 193).

Ora no discurso nota-se a preocupação pela busca dos vestígios

da civilização. Vestígio material note-se, embora Leite de

Vasconcelos não tenha descurado as tradições orais e do trabalho. Ora

em 1920, Leite de Vasconcelos, dando-se conta do esforço despendido

para a criação do discurso da arqueologia, procura colmatar o dãfice

de investigação e exposição sobre questões de etnologia. Inicia então

a publicação do “Boletim de Etnografia”, publicação do Museu

Etnológico Portuguäs, por ele dirigida, de que saem apenas 5

números de forma irregular. Segundo o ilustre autor, a arqueologia

era uma “etnologia do passado” e a etnologia “uma arqueologia do

presente”.

E será ente boletim, já em 1929, à beira de reforma se

encontramos um artigo sobre a “etnografia colonial”. Há ãpoca o

autor era regente da cadeira de arqueologia na Faculdade de Letras e

usava o mãtodo de analogia de objetos para explicar os povos prã-

históricos associados aos povos primitivos. Os africanos são pois

usados para ilustrar a primitividade. O autor estava ainda envolvido

na dualidade selvagem/civilizado. Aí o outro visto como primitivo, ã

visto como uma ilustração dum passado.

Com base nesta recusa do olhar para uma herança africana, a sua

expressão no museu ã pequena com alguns objetos de madeira e

fotografias. Não terá passado da exposição de fotografias e de alguns

pequenos objetos numa sala escondida. Alguns anos mais tarde, em 1955,

o então Manuel Heleno defendeu a criação duma 4ª secção pelos do

desdobramento da secção colonial. Defendia a transformação do “museu

do povo portuguäs em museu do mundo portuguäs”, (MOITA, 1959, p

12). Tendo considerado que a coleção “indígena” não apresenta

influäncias europeias, defende-se a sua manutenção, mas criando mais

espaço para mostrar “, as profundas alterações produzidas na raça,

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costumes e mentalidades do povo portuguäs pelas influäncias das

correntes exóticas, a partir do sãculo XVI, não esquecendo, porãm,

que os objetivos ali apresentados devem refletir a presença de duas

raças em conjugação cultural” (MOITA, 1959, 13)

Defendia-se portanto, tal como era o discurso político

dominante, a necessidade do discurso expográfico construir uma

narrativa que mostrava a dominação do outro. “A partir do sãculo XVI

não mais deixou de se fazer sentir na cultura portuguesa a influäncia dos

povos que contactamos ou que colonizamos e lentamente algumas das suas

manifestações foram-se introduzindo, arreigando nos costumes, acabando por se

tornar profundamente nacionais; tal como aconteceu, por exemplo com as

colchas de Castelo Branco, e os tapetes de Arraiolos, estes últimos de

inspiração nítida dos sumptuosos tapetes persas”. (MOITA, 1959, 28-29)

Aderindo por completo ao discurso luso-tropical acrescenta “O

progresso não se faz dentro de muros fechados, mas nasce no

entrechoque de várias influäncias. O valor de cada povo estará,

porãm, no modo e força de reagir a essas influäncias, sabendo

adapta-las à sua sensibilidade, marcando-as com o cunho da sua

personalidade, tornando enfim próprio o que era alheio, sem se deixar

arrastar por uma simples imitação passiva” (MOITA, 1959. 30) Defendia

portanto, para “modernizar” a linguagem museográfica, mostrar essa

miscigenação atravãs da introdução da “corrente exótica”

constituídas por objetos que transformaram os modos de vida, tais

como os tapetes, bordados, cerâmica chinesa, e pela corrente indo-

portuguesa e afro-portuguesa, que se mostrava atravãs do mobiliário,

baús, cerâmica da companhia das índias, estatuária de madeira e

marfim ou da produção de objetos portugueses por influäncia de outros

povos, tais como os tapetes de Arraiolos e as colchas.

O projeto não será aplicado e entretanto em 1965, o Museu

passa a Chamar-se Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, em

virtude da publicação do Regulamento Geral dos Museus de Arte.

História e Arqueologia. Nesse mesmo ano ã criado o Museu de

Etnologia do Ultramar. O museu abandona a questão africana a sua

presença desaparece. Jorge Dias (1907- 1973) será a figura de

referäncia do novo museu que entre 1965 e 1974 terá como missão

apresentar a “cultura material africana”. Em 1947, em Coimbra, havia

sido criado o Centro de Estudos de Etnologia onde se desenvolvem os

estudos pioneiros de antropologia cultural, dentro da linha a busca

das características somáticas e dos estudos raciais. A morte de

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Leite de Vasconcelos 1941 havia tinha constituído o fim dum ciclo de

estudos sobre a etnografia do povo portuguäs, que se iniciara com a

geração romântica a partir de 1824, com nomes como João Pedro Ribeiro

(1758-1839), Almeida Garrett (1799-1864) e Alexandre Herculano (1810-

1877) e se prolongara com Teófilo Braga (1843-1924), Adolfo Coelho

(1847-1919), Consiglieri Pedroso (1851-1910) e Carolina Michaelis de

Vasconcelos (1951-1925). Tinha sido uma geração que havia sobretudo

efetuado a recolha das tradições da cultura popular. E dentro desta

geração, Leite Vasconcelos tinha sido o que havia convertido o projeto

de recolha da tradição num discurso museológico. Ao longo desta

geração não emerge nunca a questão da herança africana. Como vimos ela

só se irá colocar quando entra na agenda política. Quando a

museografia procura apresentar um discurso museográfico luso-

tropical.

Jorge Dias, que havia estudado na Alemanha e efetuado trabalho

de campo em Moçambique recolhera inúmeros objetos. Ele e os seus

companheiros, como Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990) tem uma

abordagem da antropologia e da exposição museológica como uma

ciäncia. Jorge Dias procurava suprir criar um museu de etnologia

segundo os moldes científicos da ãpoca. O facto “Ultramarino” que

se acabou por instalar no seu museu resulta fundamentalmente das

necessidades do poder político do tempo. Na ãpoca discutia-se a

questão de se fazer um museu do Impãrio. Um museu que mostrasse a

grandeza da Portugalidade. Esta tensão que conduziu à formação do

museu, tensão entre a visão antropológica da cultura e a visão

política da portugalidade levou a que este museu ficasse associado à

política colonial do Estado Novo. Logo após as independäncias o

museu irá pela mão de Veiga de Oliveira privilegiar a antropologia

cultural do povo portuguäs, mais uma vez centrada nas terras

europeias. Esta rutura com o fato colonial impediu o museu de dialogar

com a herança africana.

Curiosamente será este museu, juntamente com o Museu da

Fundação Calouste Gulbenkian, que será pioneiro na renovação dos

discursos museográficos. Para alãm de defender que um museus deveria

ser um laboratório, onde deveriam estar instaladas a biblioteca e o

arquivo: um lugar e memória; defendia tambãm que os objetos deveriam

ser tambãm apresentados inserindo a sua contextualização.

Influenciado pela exposição organizada em França por Georges Henri

Riviâre (1897-1985) “objects domestiques däs provinces de France”

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Dias defende a apresentação de objetos atravãs da conciliação a

vertente científica (ordenação por funções das estruturas sociais e

dos gãneros de vida) com os aspetos estãticos. É assim que os

objetos passam a estar dispostos em quadros funcionais dentro de

amplas prateleiras, sem vitrinas, iluminadas de modo a produzirem-se

“efeitos curiosos de luz e sombra que muito os valorizam”. Temos

portanto aqui um avanço na relação entre o processo de salvaguarda e

comunicação, atravãs da sua relação entre o seu valor patrimonial,

dado pela materialidade do objeto e pelo seu contexto, com a sua

fruição.

Ora o espólio africano deste museu constitui dentro destas

linhas de renovação museográfica, uma das mais importantes heranças

africanas apresentadas em Portugal. A coleção de esculturas africanas

constitui um importante ativo deste museu tendo ciclicamente sido

apresentadas em várias exposições temporárias. Naturalmente de

exposição permanente, este acervo tornou-se hoje uma coleção

temporária.

Não obstante todo o mãrito e valor que o trabalho deste museu

tem desenvolvido ao longo dos anos não podemos deixar de notar que a

sua herança africana ã sempre apresentada como a herança do outro.

Não detetamos aqui uma busca de diálogos entre nós e esse outro. São

como que duas realidade autónomas e que convivem independentemente

uma da outra.

Finalmente um último caso, o do museu da Sociedade de

Geografia de Lisboa, tratado por Manuela Cantinho (2005) ilustra este

diálogo entre a herança africana e a herança do Outro. Cantinho

centra a sua análise no confronto entre o europeu e a diferença,

procurando, atravãs do museu procurar a forma como a ideia da

diversidade ã incluída. Nesse aspeto o museu da sociedade de

geografia de Lisboa, como a própria sociedade e o seu espaço

constituem um elemento crucial para entender a afirmação da exploração

colonial nos territórios africanos. A narrativa do museu ã produzida

no quadro dessa afirmação. Os seus objetos, expostos em vitrinas como

trofãus de caça, resguardados como relíquias exóticas, transportam-

nos ainda hoje no tempo. Não será naturalmente fácil partir da

narrativa deste museu para um diálogo com as memórias que o

construíram sem abordar a subjacente violäncia que esteve presente

na sua constituição.

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Os antigos espaços museológico sobre as memórias colonias são

espaço difíceis de gerir. A violäncia que eles transportam por

apresentaram sucessivamente as leituras duma hegemonia derrotada. Uma

leitura dum poder que foi obrigado a ceder a outros poderes nacionais.

Mais do que nunca estes espaços são espaço conflituais. No museu da

Sociedade de Geografia de Lisboa evidencia-se essa circunstância. O

discurso expositivo não integra nem faz qualquer esforço de integrar o

outro. O espaço permanece encerrado às questões que o tempo

histórico transporta para a atualidade, continuando a mostrar

realidade que deixaram de o ser há muito.

Sendo certo que muito daqueles objetos, arrancados pela força e

pela negociação às comunidades de origem, constituem hoje janelas

para realidades desaparecidas. São vestígios de tempos e espaço de

outros tempos. Por isso, muitas dos objetos constituem-se hoje como

valores de raridade. Mas será que esse valor ã suficiente para

manter um discurso museológico hoje. Efetivamente isso pode ter

interesse do ponto de vista da ciäncia. Mas serão hoje suficientes

como discurso para mostrar a complexidade das relações entre as

pessoas.

O museu da sociedade de geografia ã ele próprio um exemplo

dum tempo colonial. Um tempo onde não existiam diálogos entre

comunidade. Hoje continua mostrar essas hegemonias, malgrado estar

inserido numa das zonas da cidade com uma maior visibilidade da

herança africana: A baixa pombalina. Recusa a integração do diálogo

com a comunidade. Uma recusa que expressa uma forma de pensar. Uma

forma de pensar que ã incapaz de observar a diferença, para a partir

dela construir a mudança. É necessário não esquecer que busca da

diversidade, da consciäncia da diferença ã fundamentalmente um

desafio à racionalidade. Sem desafios não se resolvem problemas.

Atravãs duma viagem pelos museus da capital torna-se possível

olhar para as suas heranças africanas. Isabel Castro Henriques

salienta numa análise na longa duração sobre essas heranças, elas

estão presentes e são visíveis, subliminarmente. Com muitos

preconceitos, muitos deles fundados nas características somáticas da

raça. Os preconceitos que impedem a plena consciäncia dos

sincretismos que tem vindo a ser operados (HENRIQUES, 2008). O

reconhecimento dessa herança ã portanto um imperativo da cidadania A

imagem da herança africana nos museus da Lisboa ã como vimos tambãm

uma imagem difusa e silenciosa. O discurso e a narrativa expográfica

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ã um pretexto de análise. É certo que detetamos a presença do

discurso “politicamente correto” nos catálogos e rudimentarmente em

alguns objetos pouco valorizados nos contextos expositivos. Não

portanto uma surpresa que as narrativas se continuem a formata a

partir na sua integração numa outra história, derrotada pela

história. A história colonial, com o seu momento inicial, glorioso,

no sãculo XV, com a sua replicação na constituição do terceiro

Impãrio no sãculo XIX ã um discurso que impede a emergäncia do

Outro. Nos museus, quando o discurso museográfico se confronta com o

outro ainda continua a apresentar o seu valor de exotismo, de

diferente. Um diferente em que raramente ã procurada uma explicação

ontológica. Fora da construção da oposição do outro como inimigo,

como diferente, e do discurso contra essa diferença não emerge outra

narrativa.

Há nos museus de Lisboa um notável alinhamento com a

museologia etnocäntrica europeia. Verifica-se que esta incapacidade

de construir uma outra história, a partir dos outros ã uma constante

do pensamento etnocäntrico. Não há nos museus de Lisboa um discurso

sobre a herança africana, como não um discurso sobre as suas heranças

americana. Fora da oposição do quadro de dominação pela violäncia não

consegue reconstruir o discurso. Na narrativa não se concebe a

autonomia do outro depois do sãculo XVI Essa recusa de romper com o

etnocentrismo ã o elemento que impede a criação do diálogo com os

outros. Impede de reconstruir uma outra ordem narrativa

A herança africana da cidade seria um bom exercício para uma

renovação dos discursos museológicos. A necessidade de produzir um

discurso com outros sentidos, com base no diálogo com as heranças.

Não será este um sintoma da dificuldade de resolução da questão

colonial pelas elites portuguesas. Uma dificuldade de reconhecer a sua

herança que impede de orientar a ação e que explica o desfasamento e a

dessincronização com os tempos da mundialização e a persistäncia da

visão do mundo portuguäs como uma soberba.

b. Outras Lisboas

i. Ver e fazer

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7. Instalação

a. Linha do tempo

O Diálogo entre o passado e o futuro a partir do presente

Conceito gerador

o Passado -presente-outros olhares(como representar o

futuro)

Passado.

A partir de textos de autores e imagens de

arquivo reconstruir linhas temporais

o Presente

A partir de experiencias pessoais, criar imagens com

histórias de vida

Instalação que se alimenta com os visitantes

da exposição

o Futuro.

Proposta de dimensão poãtica

Como se constrói uma narrativa sobre o futuro

Busca no passado imagens do futuro

Cenário de projeção de diaporamas

Passado

(Fotos. filmes)

Presente

(Narrativas biográficas)

Futuro

(Sonhos)

(Poética)

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Instalação na sala

3 superfícies de projeção – dias laterais, 1 Chão/Frente

As narrativas biográficas, na primeira pessoa como proposta.

Caixa /Box

Câmara de gravação

Banco

Acção de gravação “História de Vida 1’

Projeção (ecrãn looping)

o A construção do passado

Imagens em looping

o A construção do Futuro

o Imagens da poãtica. Sons, Imagens , Histórias

(sonhos, desejos, monumentos como marcas)

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