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Sara Rodrigues

Aos 6 anos escreveu o seu primeiro “livro”, para oferecer à pro-

fessora, e decidiu nessa altura que queria ser escritora.

Encheu cadernos e cadernos de histórias, algumas premiadas em

concursos literários, e aos 20 anos publicou os seus dois primeiros

romances. Acabou por enveredar pela área do guionismo e,

durante os anos que se seguiram, participou na escrita de várias

novelas e séries para televisão. Trabalhou como ghostwriter para

algumas editoras, e criou a marca “O Livro da Minha Vida”, que

se dedica à escrita de livros personalizados com edições limitadas

(www.olivrodaminhavida.com).

A maternidade fê-la render-se à literatura infanto-juvenil, e escre-

veu alguns volumes das colecções “Morangos com Açúcar” e “Os

Contos da Floribella” (adaptados de séries nas quais trabalhou).

Em 2005 lançou a colecção “Clássicos a Brincar”, com Cristiana

Resina, e mais tarde “Leo, o Menino do Circo” e “Maria e Sebastião”,

todas com vários títulos publicados. Muitas outras histórias povoam

o seu imaginário e aguardam vez para se transformarem em livros,

que Sara dedica sempre aos seus quatro filhos e seis sobrinhos –

a sua grande fonte de inspiração.

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Põe o capacete!

Já experimentaste olhar o céu e imaginar o que existe para além das estrelas?

O universo é grande de mais para caber naquilo que vemos, mas está ao alcance da nossa

imaginação.

Quantos mundos consegues imaginar?

Talvez o universo não seja infinito, mas a nossa imaginação é. Por isso cria, inventa, sonha,

imagina! Eu criei 100 mundos, povoados de criaturas diferentes, com formas e cores que

nunca vimos, e sabores que nunca experimentámos. Mundos de pernas para o ar, onde se

existe de outras maneiras.

Foram 100, apenas 100. Quantos mais consegues tu criar?

Sara Rodrigues

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No planeta do nada

No planeta do nada, existia apenas um menino… e mais nada. Era ummenino muito especial, com os dedos muito compridos, que serviam paraele desenhar tudo aquilo que ele queria que existisse no seu mundo. Demanhã, quando acordava, o menino decidia o que queria fazer e a quebrincar. Com os seus longos dedos, desenhava brinquedos, jogos, livros, umatelevisão ou um rádio para ouvir música. Se lhe apetecia pintar, desenhavapapel e canetas de muitas cores. Se lhe apetecia jogar à bola, desenhava umabola de futebol e uma baliza. Brincava e divertia-se a valer durante o dia,com as coisas que tinha inventado. Mas à noite… bem, à noite todas essascoisas desapareciam, e quando o menino acordava no outro dia de manhã, o planeta já era do nada outra vez. Apenas existia o menino… e mais nada.Mas o menino não se importava. Porque no dia a seguir tornava a desenhartudo aquilo com que lhe apetecia brincar. Para quê ficar com as coisas que

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desenhava, se no dia a seguir podia desenhar novas e diferentes? O meninogostava de viver no planeta do nada. E divertia-se a valer sozinho.

Até ao dia em que o menino desenhou uma poça de água para chapinhar,e viu nessa poça o reflexo de si mesmo. Lembrou-se então de desenhar outromenino igual a ele. Desenhou-lhe a cabeça, o tronco, os braços e as pernas.E, quando acabou de desenhar, esse menino de rabiscos transformou-se nummenino a sério, com vida. Quando o menino do planeta do nada desenhavaobjectos ou brinquedos, eles ganhavam forma, mas nunca tinham vida. Foi aprimeira vez que ele desenhou uma coisa que começou a mexer-se e a falarcomo ele.

– Queres brincar comigo? – perguntou o menino do planeta do nada ao menino que tinha desenhado.

E os dois passaram o dia todo a brincar. O menino do planeta do nadadesenhou brinquedos para brincarem a dois, como cartas, raquetes eberlindes. Desenhou comida para os dois partilharem. Até duas almofadaspara se deitarem os dois a ver o céu.

Mas a noite começou a cair. E o menino do planeta do nada, pela primeira vez desde que ali vivia, não quis que uma coisa que ele desenharadesaparecesse. Por isso, nessa noite, decidiu não adormecer. Talvez se elenão adormecesse, pensou, o menino não desaparecesse… E quando a noitecaiu e o menino desenhado começou a desaparecer, o menino do planetado nada começou a retocá-lo. Se era o cabelo que começava a desaparecer, o menino do planeta do nada desenhava-lhe uns cabelos ainda maiscompridos, que custassem mais a desaparecer. Se era a roupa que começavaa desaparecer, o menino do planeta do nada enchia-o de blusas e camisolasdesenhadas para ele demorar mais tempo a ficar despido. Mas quando o Solvoltou a nascer, o menino do planeta do nada estava cansado. Muitocansado. Não aguentaria outra noite como aquela. Mais cedo ou mais tarde,o menino que ele desenhara iria desaparecer.

Então, teve uma ideia. Se desenhara um menino como ele, esse meninotambém teria de conseguir desenhar. Então desenhou um lápis para essemenino ter na mão. Assim, sempre que ele começasse a desaparecer, à noite,bastava que se fosse desenhando, até nunca deixar de existir. E o planeta donada passou a ser o planeta do menino… e do outro menino.

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No planeta das línguas – As casas

No planeta das línguas, tudo o que existe consegue falar. As pessoas, os animais, as plantas, mas também todo o tipo de objectos criados pelaspessoas. Como por exemplo as casas.

As casas gostam muito de conversar com as vizinhas. Como não podemmexer-se, conversam com as outras casas na mesma rua. Conversam com a casa do lado e com a casa da frente, e gostam muito de contar umas àsoutras a vida das pessoas que moram nelas. Os prédios, que são as casasmaiores, têm sempre mais para contar, porque têm mais pessoas a viverneles. Por isso, às vezes são um bocado convencidos e julgam-se superioresaos outros. Há arranha-céus que até nem falam às outras casas. Tambémporque são tão altos, teriam de gritar para serem ouvidos pelas casas maispequenas. Muitos acabam por conversar só com as nuvens e os passarinhosque se atrevem a poisar neles.

Nem todas as pessoas gostam de viver em casas que falam. Há casas muitosimpáticas, que cumprimentam os seus donos quando eles entram ou saemde casa. Sobretudo quando são pequenas, ou não têm outras à volta, as casas tornam-se muito amigas das pessoas que vivem nelas. E ficam cheias de pena quando os donos trocam de casa. Mas também há casas que sãomuito aborrecidas. Queixam-se quando os donos convidam amigos e fazemfestas, ou quando decidem fazer obras – ainda que seja para as deixar mais bonitas. Também se queixam quando os donos são desleixados e as deixam sujas e desarrumadas. Mas aí têm razão, não vos parece?

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O planeta A

Existe uma galáxia no universo com vinte e três planetas. O planeta A, o planeta B, o planeta C, o planeta D, o planeta E, o planeta F, o planeta G,o planeta H, o planeta I, o planeta J, o planeta L, o planeta M, o planeta N,o planeta O, o planeta P, o planeta Q, o planeta R, o planeta S, o planeta T,o planeta U, o planeta V, o planeta X e o planeta Z. Todos alinhadinhos, por ordem, estes planetas formam um grande alfabeto, que pode ser visto de vários pontos do universo. São muitos os que gostam de os observar, mas poucos aqueles que sabem que, dentro de cada planeta, só podemexistir coisas e pessoas que comecem pela sua letra…

No planeta A todos os habitantes têm de chamar-se Ana, António, Alice,Artur, Andreia, André… ou qualquer outro nome começado por “A”. Sealguém quiser ser chamado por um nome com outra letra, é obrigado amudar de planeta.

No planeta A, também não há alimentos começados por outra letra. Osseus habitantes comem arroz, atum e alface, regada com azeite, e ananás eamoras de sobremesa. Comem em pratos de alumínio, e as casas são feitas de arame. Lá dentro, em vez de camas, existem alcofas, e ainda bem queágua começa pela letra “A”, senão os habitantes deste planeta não podiamtomar banho…

Nas ruas existem muitas árvores, onde vivem andorinhas, e os habitantesviajam de automóvel e de autocarro, em estradas feitas de aço.

Os habitantes do planeta A são muito felizes, porque existem muitas palavrascomeçadas por “A”. E lembram-se muitas vezes de como deve ser difícil avida noutros planetas de outras letras menos usadas, como o planeta Q ou o planeta X…

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No planeta da dança

No planeta da dança, todos os habitantes passam o dia a dançar. A músicanasce nas flores, e todos os habitantes, desde que nascem, não perdem umaoportunidade de balançar o corpo e as pernas ao som do ritmo que se ouve.

Cada família, neste planeta, tem o nome de um tipo de dança. Existe afamília do Tango, a família da Salsa, a família do Ballet e a família do Samba,a família da Kizomba, a família do Merengue, a família da Valsa e a famíliado Twist. Todas estas, entre outras mais antigas ou mais modernas, maistranquilas ou agitadas, só gostam de dançar a sua dança. Mas, de vez emquando, são desafiadas pelas outras famílias a dançarem outros ritmos. Seaceitarem o desafio, têm de ir até ao largo central do planeta e mostrarem o que valem noutra dança que não é a sua. Levam o desafio muito a sério, e tentam dançar o melhor possível. Muitas flores são chamadas ao local, para que a música do desafio se oiça por toda a parte e, no final, a famíliavencedora pode levar para casa essas mesmas flores, e embelezar a sua casa e o seu jardim com a música de que mais gostar… E, quanto mais música,mais a família sente vontade de continuar a dançar…

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No planeta dos números

No planeta dos números, havia apenas dez habitantes. O 0, o 1, o 2, o 3, o 4, o 5, o 6, o 7, o 8 e o 9. Já viviam lá todos há muitos anos, tantos que játinham perdido a conta. Nenhum deles crescia ou diminuía. O tempopassava e ficavam sempre iguais.

No início, quem mandava era o 0. Era o mais gordo e perfeitinho. Tãofácil de desenhar… Os outros números tinham-lhe muito respeito ecumpriam sempre a regra que ele tinha imposto: ficarem sempre à suadireita!

Até que, um dia, o 1 aborreceu-se de estar sempre à direita do 0 e,enquanto ele estava a dormir, resolveu passar para o seu lado esquerdo. Epercebeu que, daquele lado, tornava-se um número muito mais forte. Foi de tal forma, que quando o 0 acordou, percebeu que tinha deixado de serchefe do planeta dos números. Agora, o chefe era o 1, e também ele ditou a sua regra: que nenhum número passasse para o seu lado esquerdo.

Todos os dias, o 1 tinha um número a trabalhar para ele. Umas vezes era o 0, outras vezes era o 3, noutro dia o 4, e às vezes o 5, o 6, o 7, o 8 ou o 9.

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Ao lado de cada um destes números, o 1 parecia um número diferente, eresolveu arranjar nomes para os dias em que cada um dos outros númerosestivesse ao seu serviço. No dia em que o 0 trabalhasse para o 1, era o diaDEZ. No dia em que fosse o 2 a trabalhar para o 1, era o dia DOZE. E depoishavia os dias TREZE, CATORZE, QUINZE, DEZASSEIS, DEZASSETE,DEZOITO e DEZANOVE, conforme estivessem ao serviço o 3, o 4, o 5, o 6,o 7, o 8 ou o 9.

Mas também este “reinado” teve os seus dias contados, no dia em que o 2se encheu de coragem e passou para o lado esquerdo do 1. Começou aí aditadura dos Vintes, e nunca mais houve sossego no planeta dos números.Todos queriam mandar alguma vez, e todos sonhavam com o dia em queestivessem à esquerda dos outros números. Assim aconteceu o reinado doTrinta, do Quarenta, do Cinquenta, do Sessenta, do Setenta, do Oitenta e doNoventa. As coisas só acalmaram quando o 0 chamou todos os números parauma reunião e lhes explicou que tudo seria muito mais simples se todos seorganizassem. Todos juntos, num só número, teriam muito mais força do queum sozinho a liderar. E, a partir daquele dia, todos se juntaram e formarama Força Unida do 9876543210… e os números foram felizes para sempre!

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No planeta das línguas, tudo o que existeconsegue falar. As pessoas, os animais, as plantas,

mas também todo o tipo de objectos criados pelaspessoas. Como por exemplo as roupas.

Assim que acabam de ser costuradas ou tricotadas, asroupas começam a falar. Primeiro falam com a costureira ou

o alfaiate, falam com as máquinas que as costuram, com as agulhas que as tricotam, com as etiquetas que lhes pregam, e com os sacos que asembrulham. As roupas são muito curiosas. Querem sempre saber de ondevêm. Querem saber que ovelha lhes deu a lã, que bichos-da-seda lhe terãodado a seda, ou que antílope lhes terá dado a pele. Querem saber como se faz o plástico, quem inventou a licra ou sarja, ou como é a planta doalgodão. Depois olham-se, vaidosas, e querem aprender os nomes das suascores, das formas geométricas que lhes desenharam, e se são roupas deadulto ou de criança, de homem ou de mulher. Quando vão para as lojasficam todas contentes, porque sabem que, mais cedo ou mais tarde, vão sercompradas por alguém. Ficam quietinhas, embrulhadas, à espera da sua vez.Algumas são colocadas em manequins, e ficam todas contentes, porqueficam à vista de todos, e podem conversar com as outras roupas que osvestem. São normalmente as mais vaidosas de todas.

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No planeta daslínguas – As roupas