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UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro. CFCH Centro de Filosofia e Cincias Humanas. ESS Escola de Servio Social - Programa de Ps-Graduao em Servio Social. Doutorado em Servio Social

- PARA UMA INTERPRETAO MARXISTA DA PREVIDNCIA PRIVADA -

Orientador: Professor Doutor Jos Paulo Netto.

Sara Granemann Rio de Janeiro, setembro de 2006.

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro. CFCH Centro de Filosofia e Cincias Humanas. ESS Escola de Servio Social - Programa de Ps-Graduao em Servio Social. Doutorado em Servio Social

- PARA UMA INTERPRETAO MARXISTA DA PREVIDNCIA PRIVADA -

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Servio Social da Escola de Servio Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do Ttulo de Doutor em Servio Social.

Orientador: Professor Doutor Jos Paulo Netto.

Sara Granemann Rio de Janeiro, setembro de 2006.

- PARA UMA INTERPRETAO MARXISTA DA PREVIDNCIA PRIVADA Sara Granemann

Tese submetida ao corpo docente da Coordenao de Ps-Graduao em Servio Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessrios obteno do Ttulo de Doutor em Servio Social. Banca Examinadora: _________________________________________________________ Professor Doutor Jos Paulo Netto (Orientador ESS/UFRJ). __________________________________________________________ Professora Doutora Marilda Vilela Iamamoto (FSS/UERJ). __________________________________________________________ Professor Doutor Ronaldo Coutinho (FD/UERJ/UFF) ____________________________________________________________ Professor Doutor Roberto Leher (FE/UFRJ) _____________________________________________________________ Professora Doutora Maria Magdala Vasconcelos de Arajo Silva (ESS/UFRJ)

Tese aprovada em:______________________/_____________/___________.

RESUMO A presente tese examina, nos marcos da tradio marxista, o desenvolvimento da previdncia privada como uma das mais importantes expresses contemporneas da expanso das finanas pelo mundo. A evidncia central que se pretende consolidar a de que a previdncia privada somente cresce e acumula monumentais somas para disponibiliza-las ao capital fictcio e especulao. Todavia, para que a previdncia privada logre ter sucesso a previdncia social sem rodeios, pblicas e por repartio deve ser amputada, reformada, reduzida a uma poltica mnima para os mais pobres dentre os trabalhadores que possuem vnculo empregatcio. As denominadas contra-reformas previdencirias, assim qualificadas por fazerem regredir os direitos da classe trabalhadora, esto em curso no mundo desde o incio da dcada de 1980. Para alm de coincidncias as contra-reformas articulam-se com as necessidades do grande capital que tem no Banco Mundial, atualmente, o grande executor de tais polticas. Por ltimo, cumpre notar: as contra-reformas previdencirias puderam ser levadas a termo em nosso pas como em outros porque contaram com a fundamental adeso de parte de dirigentes sindicais e partidrios da classe trabalhadora na sua implementao. Palavras-chaves: capital fictcio, previdncia privada, contra-reformas previdncia social, Banco mundial. RSUM de THSE La prsente thse de doctorat examine, selon les bases de la tradition marxiste, le dveloppement de la scurit sociale prive, comme tant lune de plus importantes expressions contemporaines de lexpansion des finances travers le monde. Lvidence essentielle que lon y vise consolider, cest le fait que la scurit sociale prive ne cesse de crotre et de cumuler de colossales sommes, pour les rendre disponibles au capital fictif et la spculation. Cependant, pour que lassurance prive parvienne russir, il faut que la scurit sociale carrment publique et rpartition soit extirpe, reformule et rduite des politiques drisoires et ne sappliquant quaux ouvriers les plus dmunis parmi ceux qui sont engags par contrats de travail. Les dnommes contre-rformes scuritaires, ainsi qualifies par le fait de porter en arrire les droits acquis de la classe ouvrire, sont en cours dans le monde ds le dbut des annes 80. Au-del des coincidences, les contre-rformes sarticulent aux besoins du grand capital, qui fait de la Banque Mondiale, actuellement, le principal excuteur de telles politiques. Finalement, il faut reprer que les contre-rformes scuritaires ont pu tre menes terme au Brsil, et dans dautres pays, grce ladhsion fondamentale de part des dirigeants sindicalistes et des partisans de la classe ouvrire, leur implmentation. Mots-cls : capital fictif, scurit sociale prive, contre-rformes, scurit sociale publique, Banque Mondiale, assurance prive

Aos que dedicam suas vidas construo da sociedade comunista mesmo quando seria mais fcil ceder.

SUMRIO

Introduo ................................................................................................................... Captulo 1. Achados da dinmica do capital: a financeirizao da previdncia ..... 1.1. Mutaes do dinheiro em Marx o capital produtor de juros .............................. 1.2. Gnese e necessidades da previdncia privada fechada ..................................... 1.3. 1.3 A previdncia privada no Brasil ................................................................... 1.4 Capital portador de juros e previdncia privada: os juros dos assalariados......... 1.5 Governana corporativa: expresso contempornea da separao da propriedade da gesto ................................................................................................... 1.6 Salrios de direo e stock-options ........................................................................ 1.7 Trabalho, sobre-trabalho e previdncia .................................................................. 1.4 Salrios e financiamento das aposentadorias: a mistificao liberal...................... Captulo 2. O grande capital e a previdncia: recomendaes do Banco Mundial ..... 2.1 O Banco Mundial e a reforma das aposentadorias: a concepo do grande capital............................................................................................................................ 2.2 A economia poltica da previdncia: o documento do Banco Mundial de 1994 ... 2.3 Balanos de resultados e as inflexes necessrias: nota de 2005............................ 2.3.1 Os argumentos fundadores da perspectiva do Banco Mundial ........................... 2.3.2 A proposta da reforma ......................................................................................... 2.3.3 O instrumental para viabilizar as reformas da aposentadoria ............................. 2.3.4 Estratgias para a implementao da contra-reforma de aposentadorias............. 2.4 Banco Mundial e previdncia no Brasil: o relatrio de 2000.................................. Captulo 3. Gnese e desenvolvimento da previdncia privada no Brasil ............... 3.1. Criao e desenvolvimento da previdncia privada no Brasil ............................ 3.2 Previdncia privada no Brasil: a necessidade do capital financeiro elevada necessidade universal.................................................................................................... 3.3 As razes da burguesia ...........................................................................................

08 14 19 30 43 65 72 81 89 93 100 102 107 128 134 143 149 151 160 168 169 175 176

3.3.1 Nas pginas da Revista Viso......................................................................... 3.3.1.1 Sociedades annimas e gesto dos negcios..................................................... 3.3.1.2 Ajustes necessrios: reduzir e privatizar, reduzir para privatizar .................... 3.3.1.3 Previdncia privada: fundos de penso e montepios ..................................... 3.3.1.4 Previdncia privada: fundos de penso versus fundaes de seguridade....... 3.3.1.5. Os limites da lei aprovada segundo a anlise empresarial .............................. 3.4 Estado em contra-reforma: mudanas na legislao previdenciria ...................... 3.4.1. 1988 a 2006: da Constituio Federal s contra-reformas ................................. 3.4.1.1 a natureza pblica da previdncia privada .................................................... 3.4.1.2. a exclusividade dos planos de benefcio por contribuio definida ................ Consideraes finais - da previdncia pblica previdncia financeirizada: a solidariedade do capital dinheiro ...............................................................................

178 188 192 194 198 201 207 219 227 231 234 240

Bibliografia.................................................................................................................. 265 Anexo I Emendas Constitucionais relativas seguridade social ......................... 268 Anexo II Mapa das contra-reformas..........................................................................

APRESENTAOPara ser universal basta cantar a sua aldeia. Leon Tolstoi.

O ponto de partida deste estudo arrancou de uma preocupao crescentemente aguada no convvio com estudantes e assistentes sociais e as suas enormes frustraes em relao ao acesso dos trabalhadores aos direitos materializados nas polticas de seguridade social. Afligia-lhes viver aquilo que identificavam ser uma profunda contradio: a necessidade de realizar a defesa do sistema de seguridade social diante dos ataques e desmontes em curso ao longo dos anos 90 e a insatisfao com os limites estreitos e possveis de efetivao do atendimento aos trabalhadores nas instituies responsveis por viabilizar, cotidianamente, as polticas de seguridade social. De modo acentuado, estas frustraes ganhavam densidade na anlise da poltica previdenciria que, mais alm de quase sempre figurar em pginas policiais, era tida como uma conquista do mundo do trabalho cuja defesa deveria ser inconteste. A crtica e a insatisfao dos envolvidos profissionais e estudantes no provimento do acesso dos trabalhadores a estas polticas, para ser tcnica e politicamente eficientes, deveria superar aquilo que os prprios envolvidos viviam como contradio. Ao mesmo tempo em que defendamos a necessidade da crtica s instituies e aos arranjos constitutivos das polticas sociais tambm insistamos na defesa das conquistas do mundo do trabalho materializadas nas polticas sociais em geral e nas de seguridade social, em particular. Redimensionar os limites dados pelas cercas de nosso quintal exigiu-nos no apenas o estudo interno da poltica social previdenciria, mas, sobretudo, o entendimento das foras externas do capital determinantes das contra-reformas. Redimensionamos nosso estudo da previdncia social para a anlise dos investidores institucionais; da poltica social para a compreenso do movimento do capital portador de juros na sua captura incessante de maisvalia socialmente produzida e de suas sempre criativas, criadoras e destrutivas modalidades de especular (Mszros; 2002; 2003). Dentre as novas formas, mais graves e alienantes, encontram-se aquelas capazes de transmutar a solidariedade em lucrativas aplicaes e investimentos para os que mercadejam com o capital-dinheiro.

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A anlise da literatura da poltica de previdncia social com mais de 80 anos de existncia no Brasil - e da produo relativa previdncia complementar exigem do estudioso um esforo considervel. Talvez a razo de uma to vasta produo deva-se, em primeiro lugar, a importncia da poltica previdenciria no provimento da vida de uma parcela considervel da classe trabalhadora que a cada dia mais dela depende para sua sobrevivncia e, assim, faz desta poltica um espao privilegiado da luta de classes; pode-se tambm pensar na importncia desta rea como campo de pesquisa e anlise pela monumentalidade de recursos que a previdncia pblica e/ou privada consegue mobilizar e com isto definir sua importncia para o financiamento de algumas das funes do estado capitalista na idade dos monoplios1, instrumentos vitais realizao da acumulao capitalista2. A importncia do tema para a economia e para a vida social em geral, tambm pode ser atestada pelo interesse que desperta nas mais diferentes especializaes do conhecimento: do direito economia, da engenharia de produo s cincias sociais, da administrao ao servio social, da aturia cincia poltica, das cincias da sade histria, da filosofia matemtica, da educao estatstica, em todas as lentes do conhecimento encontraremos mltiplas obras que discorrem sobre aspectos diferenciados e, quase necessariamente, fragmentados do tema em apreo. Um outro veio analtico, minoritrio, reivindica a anlise deste tema sob a inspirao da totalidade e dos interesses de classe que atravessam a conformao desta poltica e direito social do mundo do trabalho. Mais do que a tecnicalidade tais estudos demonstram interesses econmicos, polticos e sociais de classes sociais na conformao de uma luta por direitos que dura, no mnimo, oitenta e dois anos, se pensarmos apenas em sua institucionalizao pelo Estado brasileiro. Outro ponto a ser notado e criticado o trato da gnese e do desenvolvimento da previdncia social como algo resultante das aes de proteo familiar que remontam aos primeiros habitantes do planeta e, como se fora algo decorrente de prticas cada vez mais aperfeioadas, que em certo passo da histria converteram-se em polticas de seguridade e de previdncia social. Desnecessrio dizer que tais anlises suprimem todas as formas de luta das classes e ignoram que sua produo histrica s foi possvel em um determinado1

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Ver Netto (1992) sobre as funes do estado na idade dos monoplios. suficiente lembrar do discurso do ex-Ministro Jos Dirceu quando em viagem oficial Itlia prometeu que as Parcerias Pblico Privadas proporcionariam recursos para o desenvolvimento dos negcios dos capitais. 9

modo de produzir mercadorias: o modo de produo capitalista. Alm de naturalizar as lutas sociais e desprov-las de sua fora, estas anlises pavimentam o desdobramento tambm naturalizado, da previdncia social para a previdncia privada como etapa necessria e sem traumas de uma evoluo inconclusa e, sobretudo, benfica ao conjunto dos homens, tambm estes, apartados de classes e de interesses sociais. No que se refere construo da histria da previdncia social e da previdncia complementar curioso notar como ambas reivindicam os mesmos acontecimentos, as mesmas lutas e a mesma institucionalizao para escreverem a sua gnese e desenvolvimento, como se o marco comum pudesse justificar e equalizar sob o manto da neutralidade iniciativas e interesses to diversos para diferentes e excludentes formas previdencirias. Ao anotar tais angulaes como as mais gerais e visveis de nossa reviso bibliogrfica, delimitamos o universo da argumentao que desenvolveremos nesta tese: a intrnseca relao da crise3 da previdncia pblica como razo do crescimento da previdncia privada; dito de outro modo: sustentaremos aqui que a lenta eroso da previdncia pblica condio econmico-financeira e poltico-ideolgica e tambm produto para/da construo da previdncia complementar. O suposto o de que a previdncia privada apenas uma mediao para a realizao do capital portador de juros em uma poca em que o crdito para o financiamento do capital produtivo se torna cada vez mais caro e, simultaneamente, uma fora mobilizadora, sem precedentes, de recursos para investimentos em mercados de capitais e capitais fictcios especialmente na sua dimenso especulativa. Esta a dimenso econmico-financeira da previdncia privada Outra funo a que se realiza conexa destruio ou s tentativas de da previdncia pblica e faz erigir uma confiana desmesurada na iniciativa privada e nas instituies tpicas da forma capital portador de juros como o lugar eficiente para a garantia das aposentadorias. A esta funo chamamo-la poltico-ideolgica porque pretende levar a crer que a noo central da relao previdncia privada a previdncia e a conseqncia lateral o negcio privado de carter financeiro apenas por ser urgente dar uso e destino a3

Por esta razo reivindicamos o caminho aberto pela professora Ana Elizabete Mota que, com sua tese de doutorado, analisa a previdncia e os discursos sobre sua crise a partir dos interesses e as lutas das classes sociais. 10

um capital que est parado e carece de se reproduzir somente para no se desvalorizar enquanto sua destinao fundamental o pagamento das aposentadorias no ocorrer. As idias presentes nesta tese, na contramo da maioria quase absoluta dos estudos brasileiros, esto condensadas nas seguintes snteses: 1. A previdncia privada uma forma privilegiada de realizao do capital portador de juros nos dias atuais; 2. A prevalncia da previdncia privada4 a de se realizar como capital e somente em alguns casos como produto secundrio na proteo ao envelhecimento; 3. A previdncia privada no uma expresso da luta do trabalho contra o capital por melhores condies de vida e trabalho e por proteo na velhice; , ao contrrio, uma estratgia do capital para alargar a acumulao e assim, a explorao do mundo do trabalho. (razes econmicas e financeiras). 4. A previdncia privada ao financerizar as lutas e os direitos da classe trabalhadora contribui para o aprofundamento da alienao de fraes da classe dos trabalhadores e refora a aristocracia operrio-trabalhadora que passa a administrar partes do capital financeiro. 5. O encolhimento da previdncia pblica pela transferncia de trabalhadores para a previdncia privada leva reduo e ao desmonte das polticas pblicas. 6. Os trabalhadores contribuem com salrio para a formao do capital portador de juros posto que os investimentos da previdncia privada privilegiam e patrocinam a hipertrofia do capital em sua dimenso fictcia com acento na especulao. O conjunto das afirmaes acima exposto constantemente questionado pelo grande capital, com relevo especial por seus organismos em cujo lugar as produes do Banco Mundial so as mais difundidas: a) a previdncia completar para no diz-la privada - uma demanda imprescindvel aos tempos atuais; b) a soluo para as crises das economias modernas; c) cabalmente tida como um sucesso ao redor do mundo;

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Por no ser a previdncia privada uma forma de previdncia mas um investimento como qualquer outro, sempre usaremos a expresso previdncia privada entre aspas. 11

d) a comprovao definitiva do alcance de um estgio superior das relaes capitaltrabalho, dita tambm concertao, e prova inconteste da superao dos interesses antagnicos entre as duas classes sociais, esta categoria ela mesma ultrapassada; e) a expresso definitiva da construo do socialismo de mercado j que os trabalhadores so os proprietrios de significativas parcelas da riqueza mundial; Na exposio do nosso argumento sobre a previdncia privada como uma expresso atual do capital portador de juros recorremos com constncia ao texto marxiano para sustentar, diferente do que hoje comum na produo brasileira atual, que a crtica da economia poltica da previdncia somente possvel se reivindicarmos a tradio terica iniciada por Marx. Tambm no captulo que toma em anlise os documentos do grande capital, matrizes para a realizao das contra-reformas e de defesa da previdncia privada pela planeta, lanamos mo, numerosas vezes, da apresentao das idias presentes nos textos originais. Aqui no o fizemos por defendermos aquelas idias, mas para torn-las mais acessveis crtica dos trabalhadores j que os documentos so de difcil acesso porque no disponveis na lngua portuguesa. No captulo final nossa pretenso foi a de reconstituir o debate ocorrido no momento da elaborao de legislao que estimularia a criao dos fundos de penso no Brasil. As pginas da Revista Viso produziram argumentos snteses do capital nacional e a, tambm, tornou-se imprescindvel a transcrio dos textos originais. No j distante momento da qualificao o professor Ronaldo Coutinho ponderou sobre a importncia de analisar o Estado como ponto de partida para a compreenso das reformas efetuadas em benefcio da previdncia privada. No apresentamos um captulo especfico sobre o estado em contra-reforma, mas pensamos ter realizado a anlise por dentro dos captulos II e III quando discutimos a noo de Estado que o grande capital supe para oportunizar a previdncia privada e na anlise da legislao, ela mesma uma expresso importante das necessidades do capital para o seu Estado a cada momento. Sou-lhe grata pela orientao. Ao professor Roberto Leher devo as primeiras conversas sobre a conformao do tema de investigao. Na qualificao sua contribuio seguiu-se no sentido de nos fazer ver a importncia de nos apropriarmos dos documentos fundantes do grande capital para a

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efetivao das contra-reformas no mundo j que este estudo revelaria a origem e os alicerces dos argumentos postos na realidade brasileira pelos representantes do capital. No captulo II pretendemos ter realizado este esforo e antecipadamente agradecemos ao professor. Embora os numerosos limites deste trabalho devam ser creditados unicamente a sua autora, seu resultado inscreve-se como herana de um rico momento de lutas de fraes da classe trabalhadora no Brasil. Referimo-nos ao tempo que vai de junho de 2002 quando da divulgao do programa de governo do Partido dos Trabalhadores e das demais candidaturas aos primeiros meses de 2004. Vivemos intensamente estas lutas e pudemos testar as idias aqui apresentadas em mais de trs centenas de debates com movimentos sociais de diferentes extraes, parlamentares, professores, juzes, estudantes, lavradores, operrios e economistas; em duas dzias de debates em rdios e televiso e em numerosos artigos de opinio e propaganda que cometemos ao longo daqueles dias. No mbito do Servio Social tivemos a interlocuo dos rgos dirigentes da categoria e aps a efetivao da reforma passamos a debater tambm nos espaos da formao, processo que se estende aos dias de hoje. Sou gratssima a todos os protagonistas desta luta. Em um trabalho de tanta exposio acumulei muitas dvidas, mas quero especialmente agradecer Sil pelo acolhimento e pela pacincia por transformar os meus nmeros em grficos pleno de cores; ao Jorge pela troca, pelas dvidas sanadas e pelo material sobre o tema. Snia Lcio Lima e Jos Miguel Bendro, companheiros constantes nas passeatas e nas reflexes. ngela, Tereza Menezes, Flvia, Magdala, Norma, Juarez, Cris, Marcelo e Mrio tornaram alegre e solidrio o espao acadmico. Ilma e Leila Rodrigues pela disponibilidade amvel de ajudar sempre. Toms de risonhas madeixas que nas manhs de tese me fez ter alguma cultura futebolstica. Por fim, sou agradecida ao professor Jos Paulo Netto por suas pacincia e generosidade comunistas com os meus limites e pela enorme erudio sempre tranqilamente partilhada com seus alunos.

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Captulo 1. Achados da dinmica do capital: a financeirizao da previdncia..

Depois do anseio de ganhar dinheiro, o mais imperioso o de desembaraar-se dele mediante qualquer aplicao que proporcione juro ou lucro; pois dinheiro de per si nada rende. (Karl Marx; 1985:479)

Por saber a realidade mais rica do que as inferncias produzidas a seu respeito so provisrias, porque incompletas, as snteses apresentadas neste trabalho. Ainda assim, a perspectiva terico-metodolgica reivindicada a da totalidade. O ponto de partida desta investigao objetivava desvelar a relao existente entre as formas - aberta e fechada - de previdncia privada e o capital financeiro, mas a fora da vida real ela mesma tratou de nos fazer ver que seus movimentos revelam dimenses outras, diferentes das questes levantadas no incio da pesquisa. Sem querer adiantar resultados, trata-se hoje de uma nova compreenso: a previdncia privada entendemo-la como uma manifestao do mundo das finanas, recentemente desenvolvida. Dito de modo diverso, no h entre previdncia privada e as atuais expresses das finanas uma relao de exterioridade seno que os desdobramentos e a sofisticao das relaes sociais tpicas da produo capitalista moldaram, pela deformao da noo de previdncia como lugar da solidariedade de classe e construda como demanda da luta dos trabalhadores, um de seus mais importantes achados para dinamizar o modo de produo capitalista no tempo presente. Elucidar os processos relativos previdncia privada na dinmica da acumulao, na atualidade, exige-nos dirigir o olhar [...aos] aspectos financeiros da organizao capitalista e [...ao] papel do crdito. Harvey (1989; p.184). Para examinar a essncia da previdncia privada foroso estabelecer uma anlise do capital dinheiro e das expresses financeirizadas assumidas pelo capital nos dias que correm. Todavia, uma tal imposio do objeto implica tarefa de razovel complexidade, especialmente, porque somos informados talvez melhor dizer-se desinformados

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cotidiana e incessantemente da importncia do capital financeiro para fenmenos e registros muito diversos no obstante abrigarem-se todos sob o mesmo mote. Ademais das dificuldades mencionadas, pode-se dizer, to variado e amplo leque de fenmenos sociais ditos capital financeiro no revelam seno a sua superfcie. Tal profuso de fenmenos, como j o disse algum, nada alm de um sinal, uma espuma sobre um rio que no revela os movimentos das correntes das guas ao observador da tranqilizadora paisagem. Entretanto, a espuma e os mais profundos movimentos das correntes aquticas compem o rio e fazem-no o que ele . A evidncia da presena do capital financeiro na superfcie da vida social atestada at em dicionrio empregado em um grande conglomerado bancrio-financeiro; curioso notar: ali o capital5 e as mltiplas manifestaes do fenmeno financeiro recebem quatorze diferentes definies. Para o capital financeiro o mesmo texto assim o distingue: Ttulos, obrigaes, ativos financeiros, certificados e investimentos negociveis, com liquidez nos mercados organizados. (Rudge; 2003; p.69). V-se, no somente nas profundezas fluviais encontra-se opacidade; tambm a espuma pode apresentar enigmas quase indecifrveis como parecem ser os conceitos utilizados nas instituies do capital para caracterizar os seus negcios. A existncia de tipologias as mais fragmentadas6 e especficas para tratar de um mesmo fenmeno da vida burguesa, parece teimosamente querer revelar a natureza fetichizada que acompanha o capital em geral e as diferentes formas assumidas pelo capital dinheiro em particular. Na superfcie da vida cotidiana toma-se por capital financeiro os instrumentos por ele utilizados para executar determinadas operaes prprias de sua rbita que quase nada revelam da natureza mesma, da essncia do capital financeiro. As pesquisas realizadas por analistas que reivindicam a Teoria Social de Marx e a tradio marxista para explicar a vida social no dias presentes, enfrentam-se com as formulaes e ideologias da economia burguesa e tambm com razovel debate operado no interior da5

Para capital h quatro sub-definies da quais duas relativas ao dinheiro. As demais adjetivaes ao capital so, respectivamente: aberto, circulante lquido, de giro, de giro lquido, de risco, de terceiros, fechado, financeiro, integralizado, realizado, segurado, subscrito, votante, conforme Rudge (2003; os. 68 a 70). 6 Lukcs ao analisar a cincia da sociedade burguesa a sociologia mostra que por ela ser incapaz de tratar da totalidade vive em permanente criao de subdivises e fragmentaes especializada em minudncias para tentar explicar a totalidade da vida social sem, no entanto, conseguir alm de explicaes parciais. Como a lgica da especializao os fenmenos so sempre delegados a prxima especialidade parcial. A sada: recortar cada vez mais os fenmenos sociais na tentativa v de explic-los. Lukcs (1981) 15

prpria matriz analtica fundada por Marx, na tentativa de, primeiro, compreender a nova natureza dos fenmenos financeiros para poder transformar este modo de produo. Como nos chama ateno Harvey (1990, p.145), Para comezar, sera til que recordemos que si Marx nos ense algo esto era, seguramente, que el mundo de las apariencias nos engaa y que la tarea de la cincia es penetrar detrs de las apariencias e identificar las fuerzas que all se encuentran. Na direo de investigar os processos postos pela previdncia privadaos quais podem conter aspectos novos e essenciais para a compreenso dos movimentos das finanas e, por conseguinte, das modificaes e das permanncias na esfera da circulao e de sua relao com a produo, recorrer-se- Marx e a outros autores filiados tradio marxista com produes j clssicas no mbito do conhecimento do capital dinheiro, tais como Hilferding e Lnin. O debate em torno de que categoria em Marx origina novo entendimento a respeito dos fenmenos financeiros encontra justificativa em razo de as tradues, no Brasil e em outros pases, no terem guardado fidelidade aos escritos marxianos originais. Texto de Carcanholo e Nakatani (1999; p.13) informa que a categoria capital financeiro no deve ser atribuda Marx. Tal categoria teria sido contrabandeada para o universo analtico marxiano com base em textos de marxistas, por bvio, posteriores Marx. Lemos sobre capital financeiro: Foi usada, inapropriadamente, em uma das tradues dO Capital para o portugus e isso bem explicado por Klagsbrunn: Na edio de O Capital da Editora Civilizao Brasileira, essa funo especfica foi traduzida como capital financeiro, expresso que pouco tem a ver com a original geldhandlungskapital, tanto em termos literais quanto em contedo e que apresenta o agravante de avanar desenvolvimentos tericos de outro autor Hilferding , que se referem a aspectos mais especficos. A edio brasileira posterior de O Capital, da Editora Abril Cultural, foi, nesse particular, bem mais precisa e correta. Ao que tudo indica, a origem do erro est na traduo francesa da Editions Sociales, Paris, 1976 (traduo de Mm. Cohen-Solal e M. Gilbert Badia), na qual o ttulo do cap. 19 p. 301 aparece como Le Capital Financier (Capital Marchant). Isso levou a empreendimentos incuos, como, por exemplo, o de Brunhoff (1978a, p. 103 e seguintes) de contrapor a noo de capital financeiro apresentada por Marx com a de Hilferding [17]. Klagsbrunn (1992), p. 603).

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Ademais, induziram equvocos duas outras compreenses igualmente recorrentes: o carter de texto inacabado que por natureza suscita dvidas por seus vazios7 e o ralo interesse pelo tema8 delimitariam as dificuldades relativas ao universo que tomamos em investigao. (Carcanholo e Nakatani ; 2006. Harvey, 1990 e 1992. Dumnil e Lvy, 2006 e 2006a). No presente item no se ambiciona realizar uma exegese da obra de Marx para pronunciar a ltima palavra e resolver o debate em curso sobre a financeirizao da vida social. A dimenso do que pretendemos bem menor e mesmo assim no nos fcil. Trata-se de construir, com base na obra de Marx, os fundamentos para a tese de que a previdncia privada um das recentes solues do modo de produo capitalista para dinamizar os lucros. Marx, sabe-se, conseguiu ver publicado em vida apenas o Livro Primeiro de O Capital, sua mais importante obra. Os Livros Segundo e Terceiro no foram finalizados para publicao por seu ator. Karl Marx morreu em 1883 e seu fiel companheiro Friedrich Engels, nos doze anos em que sobreviveu ao amigo, dedicou-se inteiramente publicao e organizao dos textos constitutivos de O Capital com base nos manuscritos e extratos de Marx, nem sempre os mais legveis. O autor de O Capital desejava com o livro um todo artsticoe mesmo sem o finalizar no h como o leitor autonomizar partes de seu estudo e dispensar as demais.Para Harvey (1990:244), Marx no completo su anlisis de los fenmenos monetarios y financieros. Present una teora del dinero muy general y sumamente abstracta en el primer volumen de El capital (resumiendo all los anlisis ms extensos per ms tentativos que aparecen en los Grundrisse y en la Contribucin a la crtica de la economa poltica). Asimismo, dej en gran confusin sus notas sobre el funcionamiento del sistema de crdito. Engels tuvo grandes dificultades para ordenarlas a fin de publicarlas en el tercer volumen de El capital. En el prlogo de esa obra Engels se quej de que no tenamos um proyecto terminado, ni siquiera un esquema cuyos rasgos generales pudieran irse completando, sino simplesmente un conato de elaboracin del problema, que en ms de una ocasin acaba en un nontn dessordenado de notas, observaciones y materiales. Engels le fue fiel a Marx y termin produciendo la mayor parte del desorden. ste fue un asunto sin terminar de gran importancia en la teora de Marx (grifos no original). 8 Harvey, ao mencionar a importncia do crdito para o capital como parte dos esforos do ltimo em contornar as suas contradies ao mesmo tempo em que as acirra, assinala: Desgraciadamente, los marxistas han prestado poa atencin a este aspecto de la teoria. Este descuido es tanto ms sorprendente si consideramos la importancia que le han dado muchos, tomando el ejemplo de Lenin principalmente, a la forma financiera de capitalismo como una etapa especfica en la historia del desarrollo capitalista. La obra de Hilferding (de la cual hizo uso Lenin directamente) fue publicada en 1910 y ha seguido siendo, hasta muy recientemente, el nico intento importante de tratar del sistema de crdito en forma directa. Rosdolsky y De Brunhof vuelven a poner el anlisis de Marx del dinero en una posicin central durante la dcada de los sesenta, pero los frutos recogidos por la bibliografa marxista sobre el sistema de crdito siguen siendo notablemente escasos. (1990; ps. 244/5). 177

O tema em anlise nesta tese diz respeito s complexas formas assumidas pelo dinheiro como capital-dinheiro, capital portador de juros, crdito, simultaneamente, esferas relativas produo e circulao. No mtodo de investigao da realidade partimos da esfera da produo para compreender o novo papel da previdncia privadaali criada como uma necessidade da acumulao capitalista. Todavia, no mtodo de exposio, na apresentao dos resultados, ser central ao debate o mbito da circulao sem deixar de ter na produo o seu suposto. Para capturar a elaborao marxiana atinente aos movimentos do dinheiro e as formas por ele assumidas deve-se ter em conta que uma determinada categoria pode aparecer com maior centralidade em um texto, mas ter sua inteligibilidade melhor desenvolvida e aprofundada no conjunto da obra; seguramente este o caso do autor e do tema selecionados por este estudo. Entretanto, mesmo ao correr o risco de realizar uma escolha arbitrria, o presente esforo limitar-se- aos seguintes textos da obra de Karl Marx: 1. as partes quarta e quinta9 do livro terceiro de O Capital, intituladas, respectivamente, Transformao de Capital-Mercadoria e Capital-Monetrio em Capital de Comrcio de Mercadorias e Capital de Comrcio de Dinheiro (Capital Comercial) e Diviso do Lucro em Juro e Lucro do Empresrio. O Capital Portador de Juros10. Conforme sublinhou-se acima, as demais partes do livro terceiro e dos demais so fundamentais para a compreenso do processo global de produo capitalista, como anunciado no subttulo do livro. Contudo, no exameSobre este volume pronunciou-se Engels, seu editor: A maior dificuldade encontrei na parte quinta, que trata da matria mais complexa do livro. (Marx; 1987;p.07). 10 A edio de O Capital utilizada foi a da Editora Abril Cultural, sempre cotejada com a edio da Bertrand Brasil. Na publicao desta ltima editora, assim denomina-se a Parte Quinta: Diviso do Lucro em Juro e Lucro do Empresrio. O Capital Produtor de Juros No texto da Bertrand Brasil: Converso do Capitalmercadoria e do Capital-dinheiro em Capital Comercial e Capital Financeiro como Formas do Capital Mercantil; vale dizer, o Capital-Dinheiro transforma-se em Capital Financeiro e ambos os Capitais, Comercial e Financeiro, so formas do Capital Mercantil. Na traduo da Abril Cultural ocorre a Transformao de Capital-Mercadoria e Capital Monetrio em Capital de Comrcio de Mercadorias e Capital de Comrcio de Dinheiro, ambos componentes do Capital Comercial. Nesta no h meno ao capital financeiro. Outra curiosidade: A seo V do Livro Trs da editora Abril Cultural distribui-se por dois volumes e neles a mesma seo recebe ttulos com uma pequena variao. No volume I a seo V intitula-se: Diviso do Lucro em Juro e Lucro do Empresrio. O Capital Portador de Juros e no volume II a mesma seo recebe a designao, Diviso do Lucro em Juro e Ganho Empresarial. O Capital Portador de Juros. Na edio da Bertrand Brasil a Parte Quinta qualificada Diviso do Lucro em Juro e Lucro de Empresrio. O Capital Produtor de Juros. A definio do capital como produtor de juros pode sugerir entendimentos equivocados como se a produo de excedentes pudesse se realizar na esfera da circulao. Ao contrrio, portar juros parece evocar uma noo mais precisa de que tais capitais apenas carregam uma parte do sobre- valor gerado na produo para a esfera da circulao sem que ali se possam criar novos valores. (grifos adicionados) 189

dos processos constitutivos da previdncia privada sero as partes relativas s especificidades do dinheiro que podero nos auxiliar no entendimento da gnese e de seu lugar na conformao do capitalismo atual. 2. o texto denominado Aditamentos, parte integrante das Teorias da Mais-valia, escrito entre janeiro de 1862 e janeiro de 1863. 3. De maneira suplementar: da seo I - O Processo de Produo do Capital - os captulos I a III, e da seo II - A Transformao do Dinheiro em Capital - o captulo IV. Estes captulos compem o Livro Primeiro de O Capital. Os volumes 1 e 3 de Elementos Fundamentales Para la Crtica de la Economia Poltica (Grundrisse) 1857 1858, ambas obras de Karl Marx. 1.1. Mutaes do dinheiro em Marx - o capital produtor de juros:A cincia real da economia moderna s comea quando a anlise terica se desloca do processo de circulao para o de produo. Por certo, o capital a juros tambm forma arcaica de capital. (Karl Marx; 1985;p.388)

Ao anunciar o ttulo de abertura da seo IV do livro III de O Capital, a Transformao de Capital-Mercadoria e Capital-Monetrio em Capital de Comrcio de Mercadorias e Capital de Comrcio de Dinheiro (Capital Comercial), Marx apresenta as origens, os fundamentos e a importncia do capital comercial no modo de produo capitalista. Dito de modo diverso, o autor expe a relao das duas formas de capital comercial com a mais importante forma de capital da sociedade capitalista: o capital industrial. Nos cinco captulos11 seguintes apresenta os processos percorridos na histria, saturados de determinaes, at chegar as duas formas do capital comercial: o capital de comrcio de mercadorias e o capital de comrcio de dinheiro. Aps, na parte quinta do mesmo livro e ao longo de dezesseis captulos, do XXI ao XXXVI, desvela a forma ou variedade de capital investigada, a do capital portador de juros.

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Referimo-nos aos captulo de nmeros: XVI - O Capital de Comrcio de Mercadorias; XVII - O Lucro Comercial; XVIII - A Rotao do Capital Comercial - Os Preos; XIX - O Capital de Comrcio de Dinheiro e XX - Consideraes Histricas sobre o Capital Mercantil. 19

Mas da obra Teorias da Mais-Valia de Marx que se recolhe preciosa sntese, expresso da gnese e da relao existente entre as diferentes formas de capitais: o industrial, o de comrcio de mercadorias e o de comrcio de dinheiro. Afirma Marx: As formas o capital comercial e o capital gerador de juros so mais antigas que a oriunda da produo capitalista, o capital industrial, a forma fundamental das relaes de capital regentes da sociedade burguesa e com referncia qual as outras formas se revelam derivadas ou secundrias: derivadas como o capital produtor de juros; secundrias, isto , como capital numa funo especial (pertencente ao processo de circulao), caso do capital comercial. E por isso que o capital industrial, no processo de seu nascimento, tem primeiro de subjugar aquelas formas e convert-las em funes derivadas ou especiais de si mesmo. Encontra, ao formar-se e ao nascer, aquelas formas mais antigas. Encontra-as como condies prvias; mas no so precondies por ele mesmo determinadas, nem formas de seu prprio processo vital. Do mesmo modo, na origem, encontra a mercadoria, mas no como seu prprio produto, e a circulao de dinheiro, mas no como elemento de sua prpria reproduo. (Marx; 1985a: 1508). Da citao anterior importa especialmente destacar duas notaes. A primeira, a mercadoria e o dinheiro j existiam antes de se constituir o modo capitalista de produo. Ao capital industrial coube em seu nascedouro a tarefa de submet-los e torn-los suas formas funcionais. A concretizao desta metamorfose somente possvel no processo produtivo no qual a mercadoria transmuta-se em capital-mercadoria e o dinheiro em capital-dinheiro; no processo de produo no qual ocorre a extrao de sobre-trabalho que, apropriado pelo capitalista, constitui a mais-valia. Estabelecidas tais condies uma segunda e simultnea necessidade se pe ao capital industrial: a de fazer circular o capital-mercadoria e, por conseqncia, organizar os montantes de capital-dinheiro decorrentes do processo de produo. A autonomizao do capital-mercadoria e do capital-dinheiro, exigncias da prpria acumulao, se estabelece pela diviso social das tarefas: o capital mercadoria transforma-se em capital de comrcio de mercadorias e o capital-dinheiro em capital de comrcio de dinheiro como funes e tarefas prprias de diferentes capitalistas organizados em empresas e instituies especializadas. O capital industrial, sntese do capital global, aps ter submetido e dinamizado em seu prprio proveito o capital de comrcio de mercadorias e o capital de comrcio de dinheiro d-se a conhecer por suas formas autnomas: como capital produtivo, capital portador de

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juros e capital comercial. Da trade o nico capaz de produzir mais-valia o denominado capital produtivo. Assim, no parece correto dizer que o capital industrial sofre oposio do capital portador de juros e ainda menos acertado seria trat-los como capitais excludentes entre si e a seus proprietrios como classes em luta. Ao contrrio, o mximo que pode ocorrer no mbito da burguesia12 so disputas pontuais pela apropriao de parcelas da mais-valia no mbito destas especializaes do capital industrial. Na histria do desenvolvimento do modo de produo capitalista foi e vital a constante subordinao de todos os espaos e esferas da vida social ao domnio da produo capitalista de mercadorias, inclusive ao determinar novas funcionalidades aos capitais e relaes existentes no perodo anterior ao surgimento do capitalismo.13 Essa permanente troca metablica da produo capitalista, estabelecida com dimenses e processos de produo de mercadorias caractersticos de modos de produo anteriores, perfeitamente palatvel ao objetivo capitalista da maximizao dos lucros. Posto de outro modo, a produo domstica realizada nos dias de hoje guarda existncia antediluviana a expresso est em Marx por sua anterioridade ao modo de produo capitalista e mesmo por ter alcanado certo desenvolvimento no prprio modo capitalista de produo em seus momentos anteriores. Ela, a acumulao capitalista atual, ao conservar vrios dos traos da produo domstica realizada em tempos passados tambm a redimensiona em um patamar superior e prprio das reinantes condies sociais de produo e cuida, especialmente, para que no caia a produtividade do trabalho, os tempos normais de execuo das mercadorias e, sobretudo, para que se multipliquem os excedentes de valores extrados da fora de trabalho em ao. No entanto, vrios dos custos de produo que em condies normais de produo, vale dizer na fbrica capitalista, reapareceriam no valor da mercadoria so, agora, de responsabilidade da atualssima produo domstica, nada mais seno uma forma de12

Decerto no ignoramos as acirradas disputas e concorrncias que os capitais e seus proprietrios individualmente mantm no cotidiano da vida sob o capitalismo. Nossa nfase refere-se, entretanto, ao aguado senso dos capitalistas de no levarem suas disputas a por em risco de destruio o prprio modo de produo. Dito de modo diverso, os desacordos em torno da concorrncia e a luta pela apropriao de parcela da mais valia nunca pem em causa a existncia da extrao do trabalho excedente: sobre isto a classe burguesa no possui divergncias. 13 Tenho grande apreo pelas discusses realizadas, em torno deste ponto, no Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Frederich Engels e na obra O Capitalismo Tardio de Ernest Mandel. Na ltima ver especialmente no captulo A Estrutura do Mercado Mundial Capitalista, as pginas 30, 31 e 32 relativas

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terceirizao da produo. Poder-se-ia dizer que ali tambm os valores reaparecem integralmente no valor dos produtos; porm, estes produtores so pressionados pelas grandes indstrias para produzirem mercadorias com preos cada vez mais baixos ao mesmo tempo em que devem assumir todas as despesas, os custos da produo. Assim, o que se percebe que a produo domstica rearticulada no sentido de estabelecer novas e maiores quantidades de extrao de trabalho excedente em uma situao de plena subordinao do trabalho ao capital ao combinar a subordinao formal e a real em um nico processo produtivo e de extrao de valor excedentrio. De igual forma, capital comercial e capital de comrcio de dinheiro so exemplos de capitais anteriores ao modo de produo capitalista14. Mas, sua formao na fase prcapitalista no lhes poupou do roldo estruturante e, na sua gnese, civilizador do capitalismo industrial tal um Fausto estupefato diante das transformaes postas em curso pelos poderes de Mefistfoles - que a tudo submete. Capital de comrcio de mercadorias e capital de comrcio de dinheiro so, segundo Marx, duas formas ou variedades do capital comercial. O autor justifica seu estudo em razo de o debate dos economistas modernos confundirem capital mercantil e capital industrial e omitirem as peculiaridades caractersticas do primeiro. (Marx; 1985; p.309). No intento de desfazer as confuses e explicitar os traos tpicos do capital mercantil os dois primeiros captulos do volume 5, do livro III, dedicam-se ao estudo de uma de suas variedades, o Capital Comercial e a sua forma de lucro. Na explicao do capital comercial a remisso totalidade do capital existente na sociedade, na forma dinheiro e na forma mercadoria, retomada. Indica-o Marx: Considerando todo o capital da sociedade, vemos parte dele embora variem seus componentes e mesmo sua magnitude constituda de mercadorias lanadas ao mercado para converter-se em dinheiro, e parte que est no presente, porquanto ainda hoje observvel, acumulao primitiva, tpica do modo de produo capitalista. 14 Ao comentar os arranjos predominantes no perodo anterior a 1840, no qual para Harvey as finanas ainda no estava inteiramente subordinadas ao capital industrial, o autor o assinala: Algunas de las principales casa de banca, como Baring y Rothschild, estaban en posicin de levantar o hundir a los gobiernos, y el poder de estos ltimos para imponer tributos estaba integrado cada vez ms em el mundo de las altas finanzas a travs de las deudas del gobierno. Em estos terrenos haba muchas quejas sobre la inmensa concentracin de poder econmico y financiero, pero la actividade industrial y agrcola, en general, era en pequea escala, bastante descentralizada y generalmente independiente del control financiero directo por los altos financieros que, en general, se resistan a participar en forma directa y prolongada en la produccin industrial y agrcola. La principal conexin entre la actividade productiva y el mundo de las finanzas estaba en que ste daba crdito comercial a corto plazo. (Harvey; 1990; p.149) 22

mercado, configurada em dinheiro, para converter-se em mercadoria. Est ele sempre em via de transformar-se, de efetuar essa mera mudana de forma. Quando essa funo do capital que est no processo de circulao adquire autonomia como funo particular de um capital particular, tornando-se, em virtude da diviso do trabalho, funo prpria de determinada categoria de capitalistas, converte-se o capital-mercadoria em capital comercial. (Marx; 1985;p.310). a perseverana da metamorfose do capital-mercadoria em capital-dinheiro e vice-versa, existentes no mercado como parte do capital total da sociedade, acima referido, que se constitui como uma fase do processo de reproduo do capital industrial sem com ele confundir-se e ao qual se denomina capital de circulao. Esta forma particular de capital, que guarda peculiaridades caractersticas ganha, no processo de desenvolvimento do modo de produo capitalista, um lugar e uma funo prprios na diviso do trabalho. Ao tornar-se matria e negcio de uma categoria de capitalistas, diversa do capitalista produtor ou industrial, realiza a transformao do capital-mercadoria em capital-dinheiro e adianta ao capital industrial um valor x. A realizao da segunda metamorfose do capitalmercadoria em capital-dinheiro (agora um ato de venda do comerciante) possibilitar acrescer o valor de x para x. Na qualidade de capitalista, o comerciante aparece no mercado antes de mais nada representando certa soma de dinheiro, a qual adianta como capitalista, isto , com o propsito de transformar x (o valor da soma original) em x + x (a soma original + o lucro). evidente que a qualidade de capitalista e sobretudo a de comerciante exigem, de incio, que aparea no mercado com o capital na forma dinheiro, pois no produz mercadorias, apenas negocia com elas, propicia o movimento delas, e para mercadejar, tem antes de convert-las, de ser possuidor de capital-dinheiro. (Marx; 1985; p.311). Estes movimentos realizados na esfera do capital comercial lhe conferem um certo grau de autonomia. Mas, a relativa autonomia deste capital no o liberta de permanecer parte do capital total da sociedade. O capital especializado e a autonomia que possui tornam possvel, no plano preciso do conhecimento da realidade, desvendar-lhe a lgica interna e os traos tpicos porquanto ser este um tal capital com uma forma determinada, com funes e lugar claramente identificados sem que se possa confundi-lo com outras formas de capital e, sobretudo, com a do capital industrial.

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O capital comercial, portanto nada mais do que o capital-mercadoria que o produtor fornece e tem de passar por processo de transformao em dinheiro, de efetuar a funo de capital-mercadoria no mercado, com a diferena apenas de que essa funo, em vez de ser operao acessria do produtor, surge como operao exclusiva de variedade especial de capitalistas, os comerciantes, e adquire autonomia como negcio correspondente a um investimento especfico. (Marx; 1985; ps.312/313). Relativamente autnomo em razo da limitao de seus movimentos prprios por uma outra forma de capital que lhe superior embora no lhe seja historicamente anterior. Dito de modo diverso, o capital comercial como fase de reproduo do capital industrial no se confunde com ele, mas com ele guarda uma relao de dependncia que, embora recproca, a cada novo estgio de desenvolvimento do capitalismo confirma-se e aprofunda-se sem que se altere a determinao ontolgica da produo sobre a circulao e do capital industrial sobre o capital comercial, sob o capitalismo. A razo, aps os estudos de Marx, releva-se lmpida; veja-se em suas prprias palavras: Patenteia-se a, portanto, de maneira contundente que as operaes do comerciante no passam de operaes indispensveis para transformar em dinheiro o capital-mercadoria do produtor e que por intermdio delas se efetuam as funes do capital-mercadoria no processo de circulao e de reproduo Essa conexo ntima ficaria totalmente descoberta, se, em vez de um comerciante independente, um mero empregado do produtor fosse o encarregado exclusivo dessas vendas e tambm das compras. (Idem; ibidem: p.313). Mas, se o produtor se ocupasse dos movimentos e metamorfoses das mercadorias na esfera da circulao, certamente, a converso da mercadoria em dinheiro seria muito mais lenta e incidiria sobre a prpria rotao do capital industrial. Assim, ademais de saber porque esta forma de capital exige uma categoria prpria de capitalistas para realizar determinadas funes necessrias ao processo de reproduo do capital industrial e do processo de reproduo geral do modo de produo capitalista, importa anotar o que ensina Marx acerca do propsito do comerciante de transformar um valor x em um valor x na esfera de circulao das mercadorias, ou nas letras do captulo XVII O Lucro Comercial - do livro em estudo, trata-se de saber como ele se configura. Veja-se o que diz o prprio autor: (...) as funes puras do capital na esfera da circulao no produzem valor nem mais-valia. Compreendem as operaes que o capitalista industrial tem

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de empreender, primeiro para realizar o valor de suas mercadorias, e segundo para reconverter esse valor nos elementos de produo da mercadoria, as operaes destinadas a propiciar as metamorfoses do capital-mercadoria M D M, os atos, portanto, de compra e venda. Patenteou-se que o tempo exigido por essas operaes levanta barreiras objetivamente com relao s mercadorias e subjetivamente com relao ao capitalista criao de valor e de mais-valia. (Idem; ibidem; p. 324). O autor inicia o captulo XVII com clara advertncia: na esfera da circulao no h gerao de valor e de mais-valia. Ao contrrio, como o capital comercial pertence ao processo de circulao cabe-lhe funo secundria, especial, realizada atravs de atos de compra e venda. Na transferncia de uma mo para outra tm-se, nestes atos, a realizao da maisvalia. A gerao da mais-valia lhe um ato anterior extrado no momento da produo e se as mercadorias no entrarem na esfera da circulao a mais-valia j extrada no passar de uma possibilidade de lucro para o capitalista industrial. Todavia, a funo de realizao da mais-valia proporciona ao capital comercial um determinado lucro mdio. E, se esta esfera do capital no produz mais-valia, seu lucro mdio constitudo por parte de mais-valia produzida pelo capitalista industrial. A razo pela qual o capitalista industrial cede parte da mais-valia ao capitalista comercial assim explicada: Prolongando-se o ato de circulao 1) o capitalista industrial perde tempo pessoal, ao ficar impedido de exercer a funo de dirigente do processo de produo; 2) seu produto, na forma de dinheiro ou na forma mercadoria, demora no processo de circulao, ou seja, em processo em que no se valoriza e o processo imediato de produo se interrompe. Para evitar essa interrupo, mister ou limitar a produo, ou adiantar capital-dinheiro adicional, a fim de o processo de produo prosseguir sempre na mesma escala. (...) do comerciante o capital que fica por inteiro encerrado no processo de circulao, substituindo parte maior do capital industrial que nele sempre se encontrava; e o capitalista industrial tem de ceder parte do lucro ao comerciante, em vez de fazer lucro menor. (...) com essa diviso das funes do capital, menor tempo se empregar especificamente no processo de circulao, menor capital adicional se adiantar para esse processo e a perda no lucro total, configurada no lucro mercantil, se reduzir. (Idem; ibidem; p.335). Ao capital produtivo ou industrial imperativa a dissociao entre ele mesmo e o capital comercial porque a centralizao dos custos comerciais leva diminuio destes e isto de interesse especial do capitalista industrial. O preo pago consentido materializa-se no repasse de uma parte da mais-valia ao capital comercial pelo capital industrial. A noo

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instrumental de tempo dinheiro aqui tornada um cnone sempre repetido e atualizado na busca de novos e maiores patamares de lucratividade. Todavia, uma vez assente as bases sobre as quais Marx desenvolve seu argumento sobre uma das formas o capital comercial do capital mercantil, tempo de tomar em exame os fundamentos da segunda forma daquele capital: o capital do comrcio de dinheiro, categoria central ao nosso estudo. Ainda na parte quatro Marx examinar, no Captulo XI O Capital de Comrcio de Dinheiro15, no qual apresenta os traos mais distintivos e ao mesmo tempo mais gerais desta forma de capital para, na parte quinta do volume V, desenvolver minuciosa anlise do que denominou Capital Portador de Juros. A observao que abre o captulo XIX, do volume V do Livro 3 de O Capital, esclarece que no processo de circulao dos capitais industrial e comercial o dinheiro desenvolve movimentos puramente tcnicos. O desenvolvimento de um certo grau de complexidade das relaes de produo e as exigncias de atendimento de necessidades sociais, tpicas de um determinado modo de produo, levam o capital de comrcio de dinheiro a exemplo do que ocorreu com o capital comercial a constituir-se uma forma de capital com particularidades caractersticas no modo de produo capitalista. A exigncia de o dinheiro efetuar movimentos puramente tcnicos determina o lugar do capital de comrcio de dinheiro e do capital portador de juros na diviso social e tcnica do trabalho. Marx explica-o do seguinte modo: Esses movimentos ao se tornarem funo autnoma de um capital particular que os executa, como operaes peculiares, e nada mais faz alm disso transformam esse capital em capital financeiro. Parte do capital industrial, e tambm do capital comercial, na forma dinheiro, existiria sempre no s como capital-dinheiro em geral, mas como capital-dinheiro empenhado apenas nessas funes tcnicas. Da totalidade do capital destaca-se e se torna autnoma determinada parte, na forma de capital-dinheiro, tendo a funo capitalista de efetuar com exclusividade essas operaes para toda a classe dos capitalistas industriais e comerciais. Como se d com o capital comercial, parte do capital industrial existente no processo de circulao na figura de capital-dinheiro se destaca e executa essas operaes do processo de reproduo para todo o capital restante. Os movimentos desse capital-dinheiro portanto so, por outro lado, movimentos apenas de parte que se tornou autnoma do capital industrial empenhado no processo de reproduo. (Marx;1985:364). Contudo, se nosso entendimento correto, possvel tecer trs afirmaes:

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1) caractersticas como a de pagar, receber, realizar contabilidades e saldar ativos e passivos so funes puramente tcnicas e neste aspecto j existentes anteriormente ao modo de produo capitalista; nesta dimenso o comrcio do dinheiro encontra-se na sua forma pura, pois somente se relaciona com a circulao do dinheiro e com as funes que da derivam. 2) tais atividades puramente tcnicas16 so, no modo capitalista de produo, exercidas por uma categoria de capitalistas exclusivamente a elas dedicadas: os banqueiros que a tornaram uma especialidade na diviso do trabalho, a de mercadejar com o capital portador de juros. Ademais, este negcio especializado requer condies aperfeioadas de trabalho, caractersticas do ramo e que sero doravante como no capital comercial exercidas em grande escala para o conjunto da classe dos capitalistas. Conforme em Marx: (...) vimos que se concentraram nas mos dos banqueiros a guarda dos fundos de reserva dos homens de negcios, as operaes tcnicas de receber dinheiro e pagar, as de efetuar pagamentos internacionais e em conseqncia o comrcio de barras de ouro ou prata. Ligado a esse comrcio de dinheiro desenvolve-se o outro aspecto do sistema de crdito, a administrao do capital produtor de juros ou do capital-dinheiro como funo particular dos banqueiros. Tomar dinheiro emprestado e emprest-lo torna-se negcio especial deles. So os intermedirios entre o verdadeiro emprestador e o prestatrio de capital-dinheiro. De modo geral, o negcio bancrio, sob esse aspecto, consiste em concentrar grandes massas de capital-dinheiro emprestvel, e assim, em vez do prestamista isolado, os banqueiros, representando todos os prestamistas, se confrontam com os capitalistas industriais e comerciais. Tornam-se os administradores gerais do capitaldinheiro. Alm disso, concentram todos os prestatrios perante todos os prestamistas, ao tomarem emprestado para todo o mundo comercial. Um banco representa, de um lado, a centralizao do capital-dinheiro, dos emprestadores, e, do outro, a dos prestatrios. Em geral, seu lucro consiste em tomar emprestado a juro mais baixo que aquele a que empresta. (Marx; 1985; p.463).

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Na edio de O Capital da editora Bertrand Brasil o captulo XIX denominado, como j o sinalizamos, O Capital Financeiro. 16 Atividades que, como lembra Harvey (1999), foram desenvolvidas originalmente por traficantes de dinheiro que em troca de um percentual de custos da transao manejam os elementos puramente tcnicos da circulao do dinheiro. Estes traficantes de dinheiro se convertem em banqueiros quando acham mais conveniente substituir com suas letras de cmbio a de numerosos produtores individuais.

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3) o ponto diferencial do capital-dinheiro no modo capitalista de produo alcanado quando ao comrcio de dinheiro para alm das suas demais funes tcnicas serem preservadas adiciona-se uma nova funo tcnica: administrar o capital produtor de juros ou, para dizer de forma diferente, emprestar, tomar emprestado e negociar com o crdito. Talvez por isso a categoria capital-dinheiro seja, em Marx, progressivamente substituda pela de capital produtor de juros17 a medida em que o crdito e o emprstimo de capital passam a ter uma centralidade para esta forma de capital. Outra hiptese o autor entender a produo do juro como uma funo puramente tcnica do capital-dinheiro. Entretanto, quer nos parecer que esta dimenso de o capital produtor de juros tornar-se central na compreenso da financeirizao da vida social a ponto de merecer crescer em importncia no momento da apresentao dos resultados dos estudos sobre o capital e suas formas, e isto parece ser uma evidncia de que para Marx o principal trao da financeirizao da vida social o da produo de juros pelo emprstimo e pelo prprio crdito. O exame da parte quinta do texto em considerao, com maior acuidade, poder revelar a correo ou o inoportuno de tal afirmao. Contudo, julgamos valer observar que antes de finalizar o captulo XIX O capital de comrcio de dinheiro - Marx assinalou a origem do capital e das fontes de lucro de capitaldinheiro manipulado pelos comerciantes de dinheiro. Enfatizou: evidente que a massa de capital-dinheiro, que os comerciantes de dinheiro (banqueiros) manipulam, o capital-dinheiro que est na circulao, dos capitalistas comerciantes e industriais, e que as operaes que realizam so apenas as operaes desses capitalistas a que servem de intermedirios. (Idem; ibidem; p.371). Nos pargrafos seguintes do mesmo texto no restam dvidas quanto a origem nica e mesma dos lucros dos capitais comercial e do capital portador de juros. So ambas dedues de mais-valia do capital industrial. A diferena que o capital comercial tem a funo de realizar a mais-valia extrada no ato da produo pelo capital produtivo ou industrial, ao passo que o capital produtor de juros lida com valores j realizados, com formas-valor que esto na esfera da circulao e que por pertencerem aos capitais industrial e comercial resultam da partilha de mais-valia efetivada entre aqueles capitais. Todavia,

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talvez seja prudente afirmar: em Marx cristalino, o dinheiro manipulado pelos banqueiros o dinheiro da totalidade das classes sociais sob a guarda destes capitalistas; esta a sua atribuio social no presente modo de produo. A centralidade da ao dos banqueiros como especialistas na guarda do dinheiro e nos mecanismos algo esotricos do capital portador de juros comea a ser questionada em fins dos anos de 1950 quando a reconstruo da Europa duramente destruda em partes importantes ao longo da II Grande Guerra Mundial - j fora realizada e a expanso do grande capital monopolista dos Estados Unidos em primeiro plano, seguido neste movimento por capitais monopolistas de alguns poucos pases e grupos financeiros das mesmas naes imperialistas, tornara imperativa a expanso dos negcios do grande capital para os demais continentes. Todavia, a abertura de novas frentes de expropriao de mais-valia pelo capital monopolista e de realizao de lucratividade requeria encontrar dinheiro barato para ser convertido no capital que expandiria suas fronteiras na direo das naes da periferia do mundo capitalista. Mais alm de consolidar a repartio do mundo entre as grandes potncias e entre os grandes grupos proprietrios do capital dinheiro, o subproduto da nova colonizao mundial implicava em desenvolver naquelas naes as foras produtivas e as relaes de produo sob a lgica dos monoplios. (Lnin; 1986 e Ianni; 1981). Ademais, a motivao por encontrar dinheiro barato para o financiamento da indstria, em uma poca em que ocorrem generalizadas possibilidades de expanso dos negcios de acumulao capitalista propiciadas pelo ps segunda grande guerra mundial possibilitou o surgimento e a expanso da previdncia privada como estratgia financiadora do crescimento em importantes mercados consumidores em formao e implicava realizar nova partilha do mundo (Lnin; 1986). Foi neste perodo de reconstruo do mundo e de expanso dos grandes capitais norteamericanos pelo planeta que, em uma das indstrias smbolos do capitalismo americano (Gounet; 1999), a General Motors implementou-se a modalidade de previdncia privada por empresa ou os fundos de penso. A partir de ento, a forma de previdncia privada j conhecida da nao norte-americana desde os princpios do New Deal ganhou impulso e foi

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Ver, especialmente, a parte V do livro 3 vol.V e as Teorias da Mais-Valia o volume III. 29

seguida na implementao por diversas empresas smbolos do capitalismo dos Estados Unidos. 1.2 Gnese e necessidades da previdncia privada fechadaLadro no o que assalta o banco, mas o que o criou. Bertold Brecht

A previdncia privada organiza-se na maioria dos pases do mundo por meio de Entidades Fechadas de Previdncia Complementar (EFPC) e de Entidades Abertas de Previdncia Complementar (EAPC). As primeiras so conhecidas por Fundos de Penso e, de modo menos difundido no Brasil, tambm por aposentadoria profissional. O parmetro da previdncia privada encontra-se nos Estados Unidos pas que, por t-la criado e popularizado esta configurao de previdncia, a matrizou da nominao estrutura do novo negcio. As Entidades Fechadas de Previdncia Complementar, os fundos de penso, recebem tal designao por serem organizadas no mbito de um grupo empresarial ou de vrias empresas de um mesmo conglomerado ou setor produtivo e de atividades e congregam exclusivamente os trabalhadores empregados naquele negcio18. So tambm entidades fechadas de previdncia complementar as institudas pelo Estado em qualquer uma de suas

18 As Leis ns 6435/77 e 6462/77 foram substitudas pela Lei Complementar n 109 de 29 de maio de 2001 que no Captulo III define o que so as Entidades Fechadas de Previdncia Complementar . Veja-se os seguintes artigos: Art. 31. As entidades fechadas so aquelas acessveis, na forma regulamentada pelo rgo regulador e fiscalizador, exclusivamente: I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, entes denominados patrocinadores; e II - aos associados ou membros de pessoas jurdicas de carter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores. 1 As entidades fechadas organizar-se-o sob a forma de fundao ou sociedade civil, sem fins lucrativos. 2 As entidades fechadas constitudas por instituidores referidos no inciso II do caput deste artigo devero, cumulativamente: I - terceirizar a gesto dos recursos garantidores das reservas tcnicas e provises mediante a contratao de instituio especializada autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil ou outro rgo competente; II - ofertar exclusivamente planos de benefcios na modalidade contribuio definida, na forma do pargrafo nico do art. 7o desta Lei Complementar. 3 Os responsveis pela gesto dos recursos de que trata o inciso I do pargrafo anterior devero manter segregados e totalmente isolados o seu patrimnio dos patrimnios do instituidor e da entidade fechada. 4 Na regulamentao de que trata o caput, o rgo regulador e fiscalizador estabelecer o tempo mnimo de existncia do instituidor e o seu nmero mnimo de associados. (MPAS; 2002)

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instncias para a fora de trabalho ali empregada e as criadas por entidades classistas, profissionais ou setoriais. No ltimo caso denominam-se Fundos de Instituidor. Para a Revista Viso19 (1978) a necessidade dos fundos de penso ao redor do mundo, arranca de um feixe de determinaes que impuseram o surgimento de tais instituies. Veja-se: (...) presso dos sindicatos em busca de maiores benefcios; crescente longevidade da populao mais gente recebendo aposentadoria por mais tempo; difuso de amplos e diversificados padres de consumo o que reduzia a acumulao de poupana no perodo ativo e levava a populao idosa a depender exclusivamente, ou principalmente, da aposentadoria; necessidade de renovar a fora de trabalho nas empresas (a renovao era freada basicamente pelo baixo nvel da aposentadoria oferecida pela previdncia social estatal); interesse e atuao positiva dos executivos, desejosos de compensar a brutal diferena entre o salrio que recebiam e a aposentadoria que receberiam da previdncia social; e incentivos fiscais concedidos aos fundos de penso. (Pg. 48) As Entidades Abertas de Previdncia Complementar constituem-se sob a forma exclusiva de sociedades annimas e tm por objetivo instituir e operar planos de benefcios de carter previdencirio concedidos em forma de renda continuada ou pagamento nico, acessveis a quaisquer pessoas fsicas. (MPAS; 2002; p.48) Planos de previdncia privada aberta so os oferecidos por Bancos, Entidades de Previdncia e Seguradoras e deles podem tomar parte toda a pessoa que se submeta ao contrato estabelecido e, naturalmente, quite as cotas mensais necessrias aquisio do produto. Os planos de aposentadoria oferecidos pelas diferentes formas de previdncia privada tem um espectro de alternativas bastante limitado no mundo todo. Basicamente eles podem operar por Benefcios Definidos e por Contribuio Definida e este um critrio importante para diferenciar os diversos planos de previdncia privada. O Benefcio Definido promete a garantia de uma aposentadoria mensal com base em um montante pr-definido no momento do trabalho e relaciona-se, fundamentalmente, com o lugar do trabalhador no espao produtivo, isto , vincula-se aos salrios do trabalhador ao longo de sua vida laborativa.

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No captulo III deste trabalho realizamos anlise do debate que teve lugar na Revista Viso nos anos de 1977 e 1978, especialmente, em torno da lei disciplinadora da criao dos fundos de penso. 31

Os planos de aposentadoria por Contribuio Definida foram criados pelo artigo 401 (K) do Cdigo Americano de Impostos de 1978. Com a instituio de tais planos a contribuio dos trabalhadores feita em uma conta individual e o resultado das aplicaes realizadas ao longo de sua vida produtiva sero conhecidas no momento da aposentadoria. Se os investimentos lograram sucesso haver uma substantiva aposentadoria; mas, na ocorrncia do contrrio, isto se a gesto de seus ativos no tiver obtido sucesso o trabalhador poder no ter aposentadoria. Nestes planos os trabalhadores so instados a aplicar o mximo de valores em operaes as mais arriscadas para esperar uma aposentadoria a mais elevada possvel, da que as carteiras de aplicaes destes planos so quase que majoritariamente em aes e fundos de renda varivel. Na considerao de Lavigne (2004; p.37), O objetivo dos planos por Contribuio Definida consiste por fim em selecionar as empresas que permitiram uma valorizao mais elevada dos capitais investidos pelos acionistas e, por conseqncia, para os trabalhadores. Finalmente, o risco assumido pelos beneficirios do plano j que o valor da aposentadoria recebida em uma conta individual incerta. (Traduo e grifos nossos) Em essncia tal planos de aposentadoria imputa a quem caber os riscos das aplicaes financeiras ditas previdencirias. Nos planos de Benefcio Definido os riscos so em geral divididos pelo capital e pelo trabalho se a referncia for a contribuio de ambos; pelo capital, se somente este suportar os recursos para a previdncia privada. Se o plano por Contribuio definida os riscos de no se ter aposentadoria ao final de uma vida de trabalho sero inteiramente assumidos pelo trabalhador.20 Um olhar ainda que rpido sobre o modo como a maioria dos planos de previdncia privada foram construdos evidenciar: nas primeiras dcadas da institucionalizao desta previdncia eram comuns os planos por Benefcio Definido, talvez mesmo porque ao longo daqueles anos no havia um grande nmero de aposentadorias a ser paga. Nos anos que se seguiram ao final da Segunda Grande Guerra Mundial proliferaram planos de Benefcio Definido nos fundos de penso criados nos Estados Unidos. Em tais fundos de penso to logo recolheram-se os vastos montantes de dinheiro pode a lgica que os regeNeste momento o que analisamos a lgica crua da economia poltica. A crtica do financiamento das aposentadorias com base nos salrios a faremos em item posterior neste captulo mesmo. Por enquanto suficiente lembrar que toda riqueza gerada pelo trabalho no pago e expropriado pelo capital. 3220

ento evidenciar-se: a do comrcio do dinheiro portador de juros. A conseqncia mais visvel de os recursos da previdncia privada aflurem aos mercados expressou-se na organizao dos planos de previdncia privada que sofreu considerveis modificaes. Em uma poca em que a mo de obra tornou-se enormemente abundante em razo da substituio do trabalho vivo pelo trabalho morto em gigantescas propores, dissipou-se o objetivo de fidelizar a mo de obra empresa por meio do oferecimento da previdncia profissional, ligada ao emprego. Da ser a alterao mais visvel no universo da previdncia privada a que substituiu o plano de Benefcio Definido pela Contribuio Definida. O plano estruturado sob a forma de Benefcio Definido guarda maior proximidade com os planos de previdncia social porque permite ao trabalhador saber qual o valor de sua aposentadoria no futuro e assim contribuir no presente. Em um fundo de penso o trabalhador ao chegar ao momento da aposentadoria dever ter ao menos hipoteticamente, j que no incomum a quebra das previdncias privadas e a ausncia de recursos e de responsveis para o cumprimento do acordado com os trabalhadores o valor esperado. Em caso de as aplicaes realizadas no mercado de capitais no terem logrado sucesso cabe ao patrocinador, isto , o patro21, o provimento dos recursos para honrar a expectativa da aposentadoria. No h que se fazer enorme esforo para compreender que, antes cedo do que tarde, o capital viu-se emaranhado no seu prprio argumento j que o Benefcio Definido fora uma espcie de atrativo aos trabalhadores quando de sua criao. Mais uma vez a criatura voltase contra o criador que deve extingui-la rapidamente sob pena de ver-se em difcil situao: por em risco no somente os capitais instituidores de previdncia privada como tambm estender a responsabilidade do provimento das aposentadorias aos negcios nos quais os fundos de penso participam como acionistas. A soluo ao crescimento e consolidao dos mercados de capitais inverteu-se em responsabilidades para o capital que exigiu reformas mais alongadas do que as efetuadas nos limites da previdncia social.21

Por esta razo a contra-reforma da previdncia de 2003 constituiu o mesmo pacote da contra-reforma na Lei de Falncias aprovada em fevereiro de 2005. No cerne da lei a garantia dos direitos dos credores permitiulhes posio privilegiada no recebimento das dvidas da empresa falida. Os trabalhadores que antes detinham a prioridade nos pagamentos devidos pela massa falida agora padecem restries no recebimento: o que exceder R$ 39 mil dever ir para o final da fila de recebimentos. As dvidas tributrias ocupam o terceiro

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Das estruturas dos mercados de capitais s instituies financeiras, das responsabilidades pela falncias e quebras da empresas aos direitos trabalhistas da fora de trabalho quando eventos crticos ocorrem ao capital, da liberdade migratria dos capitais pelo planeta s privatizaes, tudo deve ser reformado para receber os volumosos recursos das previdncias privadas a serem convertidas em capital. Como j o indicamos, removidos os obstculos pores do trabalho necessrio, a renda do trabalho, pode ser vertida em capital em geral e em capital que rende juros, em particular. Atualmente aos fundos de penso - s seguradoras, aos fundos de investimento e aos fundos mtuos so conhecidos por Investidores Institucionais22 e considerados os atores chaves do modelo do capitalismo americano, qualificado por capitalismo institucional (Lavigne; 2004; p.15). Sua importncia nos Estados Unidos deriva do papel central que desempenham nas sociedades por aes e por serem os principais responsveis pelas transaes realizadas no mercado: 80% de tais transaes so controladas por eles. Dentre os Investidores Institucionais os fundos de penso detm 25% do capital do conjunto das firmas americanas e cerca de metade do capital das vinte e cinco maiores grandes sociedades em 1997, conforme Lavigne (2004) e Nikonoff (2000). A importncia destes capitais na dinmica do capitalismo nos dias que correm de primeira ordem. Os dados a seguir apresentados revelam a grandeza dos ativos dos fundos de penso em relao aos PIB das regies e dos continentes nos quais estes capitais esto inseridos.23

lugar dentre as prioridades. No conjunto da obra garantiu-se, com as duas reformas, s empresas que no podem alterar os planos de benefcio definido limites bastante claros para o pagamento de dvidas trabalhistas. 22 Investidor Institucional: Mais importante participante dos mercados financeiros e de capitais, em face de sua imensa massa de manobra, que so os recursos captados junto a seus pblicos. So os profissionais da aplicao de recursos de terceiros, entidades que merecem ateno especial da autoridade monetria, quando se trata de manter a liquidez dos mercados financeiros. Os principais investidores institucionais so: a) fundos de penso e entidades de previdncia privada; b) montepios; c) fundaes de seguridade social; d) fundos de investimento; e) companhias de seguros e capitalizao; f) companhia de investimentos. Em alguns casos, como nas companhias de seguros, melhor ser cham-los investidores profissionais, porque dificilmente sua lucratividade nas operaes com ttulos pode ser diretamente repassada ao universo dos clientes (Rudge; 2003; ps.192/3). 23 Quando se menciona a totalidade dos Investidores Institucionais os nmeros impressionam ainda mais: 60% do capital das grandes sociedades por aes americanas so controladas por estes agentes financeiros que, em 2001, controlavam ativos de aproximadamente 191% do PIB americano. (Lavigne; 2004. Blackburn; 2002 e Nikonoff; 2000). 34

A tabela abaixo relaciona os capitais manipulados pelos fundos de penso em importantes pases do mundo em face do Produto Interno Bruto (PIB) de cada um dos pases selecionados. Com tal relao pretende-se demonstrar a influncia que esta modalidade de previdncias privada guarda na definio dos rumos da economia do planeta. Nos Estados Unidos pas com o maior PIB do planeta os capitais controlados pelos fundos de penso j alcanavam nos anos de 2004 e 2005 quase o valor de 100% da renda e servios anualmente produzidos. Ademais, em pases como a Holanda e a Sua os capitais TABELA N 01 ATIVOS DOS FUNDOS DE PENSO 2004/05 (em US$ bilhes) Pases Ativos % do PIB Amrica do Norte 11.536 93% Estados Unidos 11.090 95% Canad 446 52% Amrica do Sul 263 30% Argentina 22 13% Brasil 137 17% Bolvia 2 22% Colmbia 16 13% Chile 75 65% Peru 9 14% Uruguai 2 13% Europa 2.619 71% Alemanha 104 4% Dinamarca 73 30% Finlndia 84 45% Frana 123 7% Holanda 545 106% Irlanda 77 43% Itlia 44 3% Noruega 10 7% Reino Unido 1.175 65% Sucia 23 13% Sua 361 112% sia 1.171 38% Japo 661 14% Austrlia 465 73% China - Hong Kong 45 17% Total 15.589 84%Fonte: Elaborao prpria com base em dados divulgados na Gazeta Mercantil, Suplemento Especial - Fundos de Penso, 9 de outubro de 2006.

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acumulados nos Fundos de Penso j so superiores ao PIB. Tambm no insignificante observar que vrias naes com economias bem localizadas em grandeza no planeta tenham fundos de penso que acumulem entre 50% e mais de 70% de seus PIB. Na demonstrao grfica abaixo pode-se precisar a ordem de grandeza dos capitais acumulados pelos fundos de penso em alguns blocos de pases do mundo. GRFICO N 01Ativos dos Fundos de Penso 2004/05 (em US$ bilhes)

Europa 2.619 71%

sia 1.171 38%

Amrica do Norte 11.536 93%

Amrica do Sul 263 30%

Amrica do Norte

Amrica do Sul

Europa

sia

Fonte: Elaborao prpria com base em dados divulgados pela Gazeta Mercantil, Suplemento Especial - Fundos de Penso de 09.10.2006.

Entretanto, a existncia de pases, especialmente na Europa do Leste24 que at recentemente estiveram sob regimes socialistas e na Amrica do Sul nos quais os capitais dos fundos de penso esto bastante abaixo dos ndices em referncia ao PIB na comparao com os dos

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pases centrais revela, no mnimo, possibilidades prodigiosas de crescimento desta forma de finanas. De posse desta avaliao h muito o capital tem conduzido as contra-reformas nos mbitos da previdncia social e do sistema financeiro em tais partes do mundo com uma prioridade que quase beira a fria. Como informa Lavigne (2004) os fundos de penso ou as aposentadorias profissionais nos Estados Unidos no so as mais importantes e abrangentes formas de aposentadorias j que no representam em mdia mais do que 20% do total das aposentadorias pagas aos trabalhadores aposentados. Sua importncia reside no papel que estes fundos de penso jogam na dinmica dos mercados financeiros por intermdio dos enormes montantes de ativos que esto sob seu gerenciamento e que os habilitam a definir os rumos das economias e a formatao do modo de produo capitalista, inclusive nos pases centrais como os Estados Unidos e o Reino Unido. No Brasil, no ocorre de modo diverso. As quantidades de aposentadorias pagas e a abrangncia de trabalhadores do total da fora de trabalho coberta por aposentadorias privadas, especialmente pelos fundos de penso, so impressionantemente baixas. A crescente importncia de tais fundos de penso, de previdncia privada, no pode ser medida por sua capacidade de prover aposentadorias capazes de alcanar uma parte significativa da fora de trabalho, com valores mdios mais generosos para um nmero expressivo de trabalhadores do que as aposentadorias providas pela previdncia social. Os trabalhadores que possuem previdncia privada, em geral, somente conseguem ter uma aposentadoria diferenciada, mais alta do que a provida pela previdncia pblica por no deixarem de contar com os benefcios da previdncia social. Se deixassem de receber a previdncia social as mdias pagas pela previdncia privada no seriam significativamente mais elevadas para o conjunto dos trabalhadores com aposentadorias em fundos de penso do que o so os benefcios pagos pela previdncia pblica. Dito de modo diverso, o eventual sucesso da previdncia privada somente se constitui se existir a solidariedade da previdncia pblica: a previdncia privada em si mesmo no tem como produzir aposentadorias na mdia muito mais elevadas do que o faz a previdncia social. Sua importncia reside, ento, no papel que a previdncia privada desempenha nos

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Ver material anexo. 37

mercados de capitais25 e, especialmente, nas especulaes financeiras que tem propiciado e financiado ao redor do mundo. No h objetivamente razes para a classe trabalhadora assumir tais projetos por serem de interesse exclusivo do capital. Conforme o grfico a seguir apresentado podemos aferir que os monumentais valores movimentados pela previdncia privada no Brasil ultrapassam os valores anuais mobilizados pela previdncia social, sem que se tenha levado em considerao a fatia de GRFICO N 02

Valores Previdncia - 'Privada' e Pblica

R$ 146.839.000.000,00 30%

R$ 344.552.000.000,00 70%

Valores 'Previdncia Privada'

Valores Previdncia Pblica

Fonte: Elaborao prpria com base em dados divulgados pela Abrapp e pela Anfip.

No mbito da vida cotidiana dos fundos de penso as gerncias de investimento so chamadas de setores fins dos negcios ali realizados e seus trabalhadores, tal qual nas demais agncias do setor financeiro, ganham percentuais superiores em torno de 30% - aos dos demais trabalhadores da mesma entidade. Como as aplicaes so de fato o fim, o objetivo central deste negcio e no a previdncia! os operadores do mercado financeiro agregam aos seus salrios a taxa de sucesso pelo seu desempenho no mundo das especulaes, no seu prprio jargo, pelo acerto nas aplicaes e investimentos. 38

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previdncia privada organizada por entidades abertas de previdncia complementar. Se considerssemos todo o universo previdencirio a poro da previdncia social seria ainda menor. Como temos argumentado previdncia privada no previdncia, mas dinheiro em gigantescas propores a procura das mais lucrativas aplicaes ao capital. Todavia, a previdncia social no Brasil e no mundo tem sido capaz de recolher, na forma de impostos e contribuies, importantes fraes da mais-valia produzida pelo trabalho. O reconhecimento pelo capital de que partes do seu lucro so carreadas ao Estado para a formao do fundo pblico o faz mover-se na direo de produzir contra-reformas no mbito das polticas sociais dentre as quais tm lugar privilegiado a previdncia pblica, no por outra razo seno a dos grados recursos que capaz de mobilizar. Porm, para que as diversas formas de previdncia privada possam prosperar inescusvel reduzir em eficcia e amplitude os direitos garantidos pela previdncia pblica, conforme pretende-se demonstrar nos captulos II e III deste trabalho. Veja-se a seguir: GRFICO N 03Nmero de Benefcios Distribudos

970.269 4%

23.500.000 96%

N Benefcios 'Previdncia Privada' (agosto/2006) N Benefcios Previdncia Pblica (2005)Fonte: Elaborao prpria com base em dados divulgados pela Abrapp e pelda Anfip.

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Ao se comparar a capacidade de distribuir benefcios prprias da previdncia social com o limitado alcance da previdncia privada, reforar-se- a compreenso de sua natureza: seus recursos tm por vocao a acumulao capitalista e no o suprimento de necessidades sociais, humanas. Nota-se acima a evidente superioridade na capacidade de distribuio de benefcios da previdncia pblica em nosso pas quando comparada com a previdncia privada, ainda que os dados para a primeira sejam os do ano de 2005 e da segunda os do ano de 2006. Mesmo que os dados pudessem beneficiar o argumento em favor da previdncia privada por serem mais recentes, abissal a distncia em favor da capacidade de realizar direitos previdencirios do sistema pblico de aposentadorias. A primeira entidade de previdncia complementar fechada26 ou o surgimento do primeiro fundo de penso nos moldes do que conhecemos hoje no Brasil, de que se tem notcias, foi constitudo na dcada de 50 do sculo XX, nos Estados Unidos, por iniciativa de Charles Wilson, presidente da General Motors, ento a maior empresa do mundo. Sua estratgia consistiu, durante negociaes trabalhistas, na proposio ao sindicato de trabalhadores da empresa de formar-se um fundo de penso para os trabalhadores da General Motors. Antes de Wilson, Everett T. Allen ([et all] 1994) e Blackburn (2002) anotam que a American Express Company27, em 187528, foi precursora dos planos de aposentadoria na26 Como j assinalamos os fundos de penso surgem no mbito do New Deal, mas somente alcanam notoriedade a partir da iniciativa da grande corporao. 27 Conforme a histria da empresa, disponvel no endereo eletrnico http://www.americanexpress.com/br/. Consulta realizada em outubro de 2004. A empresa American Express iniciou suas atividades como transportadora de valores e de cargas em 1850 em Bfalo, Estados Unidos pela reunio dos seguintes scios: Wells, Fargo, Butterfield, Livingston e Wasson. Todavia, foi necessrio que pouco tempo se passasse para que a companhia- de pronto - tivesse estendido seus servios a produtos financeiros como ordens de pagamento e cheques de viagem. Alguns anos mais tarde, Marcellus Berry criou duas grandes inovaes relativas as atividades do capital financeiro; a ordem de pagamento "Money Order" da American Express em 1882 e em 1891 os Travelers Cheques. A justificativa ao surgimento das novas mercadorias capitaldinheiro dizia respeito s necessidades daqueles que realizavam viagens extensas, principalmente viagens internacionais, e que necessitavam de uma forma simples e segura de transportar valores. Novamente, em 1958, as exigncias de internacionalizao promovidas pelo capital financeiro levaram-na ao lanamento de seu dinheiro-plstico, comumente conhecido como carto de crdito. O crescimento gigantesco desta forma de riqueza fez com que, em menos de uma dcada, em 1964 o carto j contasse com um milho de associados e em 1970 j estivesse presente em 10 pases do mundo. Em 1980, a empresa passou a operar no Brasil e para divulgar seu produto em um mercado promissor, mas que no tinha formado a necessidade de consumo desta mercadoria, ainda desconhecida por aqui. Seu primeiro produto no Brasil foi o American Express Card, o tradicional carto verde, que foi lanado como patrocinador de um grande evento de arte moderna em So Paulo, j antecipando a preocupao da empresa com aes humanitrias e culturais. (...) A partir da dcada de 90, a American Express concentrou suas atividades como provedora global de servios de viagens, financeiros e de cartes, expandindo suas operaes atravs de alianas e co-brandings, contando atualmente com mais de 1.700 escritrios de viagens em mais de 130 pases. Os nmeros que a empresa parece ter orgulho de divulgar dizem respeito ao seu tamanho: emprega mais de 80 mil funcionrios; emite

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indstria e nos servios, nos Estados Unidos. Cinco anos mais tarde, em 1880, a Baltimore and Ohio Railroad Company segue-lhe a iniciativa e o segundo plano formal de aposentadorias foi estabelecido. Ao longo das cinco dcadas seguintes mais 400 planos surgiram