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“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

Assim, prevista na Constituição e no Código de Processo Penal, esta norma é ponto fundamental para o estudo das provas ilícitas. Sendo o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma importante garantia processual inserida nos quadros dos direitos fundamentais do cidadão, sendo respaldado na cláusula do devido processo legal e nesse sentido este princípio se torna instrumento decisivo de proteção dos direitos individuais contra uma possível arbitrariedade do Estado e de seu poder de polícia.

Assim, o regime adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro regula o Processo Judicial de forma que devem ser desconsiderados e excluídos dos autos do processo, as provas obtidas de forma ilícita ou ilegítima, tornando-as ineficazes e inaplicáveis ao processo por não observarem o principio da inadmissibilidade e por ferirem as garantias fundamentais do cidadão.

Porém, a aplicação desse princípio, indisciplinadamente, pode provocar situações em que o fato cometido tenha sido muito mais gravoso do que o direito transgredido para se alcançar a prova do tal fato. Assim, o Estado se depara com a necessidade de balancear princípios fundamentais para solucionar este conflito e, em alguns casos, a aplicação da norma pode gerar grande comoção e até indignação social, como o caso da Operação Satiagraha que será abordada neste artigo.

O Direito Processual Brasileiro teve a necessidade de fazer a da ponderação entre o dever constitucional de afastar do ordenamento jurídico processual as provas obtidas de forma ilícita e o dever da busca da verdade real e a busca pela justiça, utilizando-se do princípio da proporcionalidade para auferir no fato concreto a possibilidade de aceitação da prova ilícita em prol da sociedade e/ou em prol réu.

Desta forma, busca-se demonstrar através deste trabalho que há a possibilidade de afastar a norma constitucional que determina a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos desde que passe pelo crivo do princípio da proporcionalidade e respeitando seus requisitos de aplicabilidade.

Para melhor entendimento, será feito uma abordagem sobre o instituto da prova no atual Processo Penal, discorrendo sobre temas relevantes, como o conceito de prova, suas peculiaridades, sua utilização em benefício do réu, as teorias já existentes no ordenamento como exceção à não utilização da prova ilícita e o direito fundamental à sua não utilização.

Posteriormente, um adendo sobre o princípio da proporcionalidade, que será

fundamental sempre que houver a necessidade de relativização de um princípio em detrimento de outro, observando-se a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, para afastar a norma que proíbe a utilização das provas obtidas por meios ilícitos, buscando, sempre que possível, resguardar ao máximo, o princípio colidente, assim como respeitando, o princípio fundamental do contraditório e da ampla defesa, diretamente ligado à não utilização da prova ilícita no Processo Penal Brasileiro.

2. A PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

No processo judicial brasileiro, salvo as peculiaridades de cada área de atuação, procura-se o esgotamento dos meios legais para se comprovar a veracidade dos fatos alegados. Desta forma, só após essa comprovação de veracidade, é possível estabelecer a relação entre o fato praticado e sua possível consequência jurídica. O magistrado é o responsável por esta averiguação, e por esse motivo, é o destinatário da prova e formará, por meio dela, seu convencimento para julgar a lide.

Os meios legais para se comprovar a veracidade dos fatos, segundo Tourinho Filho :

É tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à comprovação da verdade que se procura no processo: testemunha, documento, perícia, informação da vítima, reconhecimento, tudo são meios de prova. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de processo Penal, 14 edição. Ed. Saraiva, p.563

Isso porque, está previsto no Código de Processo Penal Brasileiro , em seu artigo 155 paragrafo único, com redação pela lei 11.690/2008 que :

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos informativos colhidos na investigação, ressalvados as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Paragrafo único: Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Neste momento, faz-se necessário definir a palavra “prova” que vem do latim probatio, proba, de probare (demonstrar, verificar, examinar, reconhecer, formar juízo de...). A palavra “prova” possui várias definições e pode ser utilizada em vários sentidos, porém, será abordado estritamente seu sentido jurídico neste trabalho.

Para Fernando Capez a prova :

É o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, I e II, com a redação determinada pela Lei,

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11.690/2008, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 18 edição. Ed. Saraiva, p.344

No conceito de Aranha, a prova “representa os atos e os meios usados pelas partes e recolhidos pelo juiz como sendo verdade dos fatos alegados”. ARANHA,Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, 7 ed. Ver. e atual.- São Paulo:Saraiva, 2006,p. 5.

Tourinho Filho afirma que :

Para se julgar a lide deve-se, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade ; e as provas são os meios que procuram estabelece-la. É demonstrar a veracidade do que se afirma, do que se alega. Entendem-se, também, por prova, de ordinário, os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio Juiz visando estabelecer dentro do processo, a existência de certos fatos. É instrumento de verificação do Thema probandum. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de processo Penal, 14 edição. Ed.

Saraiva, p.522.

Guilherme de Souza Nucci, que em sua obra traz um tríplice significado para o termo prova, trazendo o ato de provar, meio de provar e o resultado da ação de provar em sua definição:

A – ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória);

B – meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal);

C – resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato.

Já quanto ao objetivo da prova, Mirabete ensina que é “produzir um estado de certeza, na consciência e na mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da veracidade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.” MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 edição. Ed. São Paulo: Atlas: 2007, p. 249.

Conforme dispõe o artigo 156, caput, 1ª parte do Código de Processo Penal Brasileiro, depois de oferecida a denuncia ou a queixa, cabe unicamente as partes e de forma subsidiária ao

magistrado, a produção de provas para se comprovar o fato alegado ou refutá-lo , no que se subscreve: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo porém, facultado ao juiz de oficio”.

Em relação ao que dispõe sobre a produção de provas ex ofício pelo Juiz é regulamentado pelo mesmo artigo em seu inciso I, de forma que está autorizado o magistrado ordenar , mesmo antes do inicio da ação penal, a produção antecipada das provas que considerar urgentes ou relevantes, desde que essa determinação atenda aos requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade da medida.

Desta forma, o ônus da prova para a acusação será relacionado aos fatos constitutivos da pretensão punitiva como a tipicidade, dolo, culpa, autoria, dentre outros. Já para a defesa será relacionada com os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos da pretensão punitiva que podem ser a inocorrência do fato, negativa de autoria, excludentes de ilicitude, causas de diminuição de pena.

O objeto da prova é a necessidade de comprovação dos fatos alegados pelas partes, pois a prova é a base sobre a qual se forma a dialética processual, não cabendo nenhuma discursão caso não existam provas idôneas que comprovem os fatos alegados. Assim, é admitido pelo Código de Processo Penal Brasileiro como meios legítimos os elencados nos artigos 158 a 250, como um rol exemplificativo, já que nesta parte aplica-se o artigo 332 do Código de Processo Civil, que dispõe que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.” Ou seja, desde que não haja força de lei que proíba a utilização, tudo que tenha o cunho de provar o fato alegado é meio de prova.

Nesse sentido, Norberto Avena dispõe que:

[...] o Código de Processo Penal como limitativo em termos de meios de prova, tampouco interpreta-lo de forma restrita a ponto de considerar-se como exaustiva a regulamentação nele inserida. Bem pelo contrário. Na atualidade, é preciso ter em mente que a regulamentação dos meios de prova existente no Código de Processo Penal não é taxativa, podendo ser aceitos meios de provas atípicos ou inominados, vale dizer, sem regulamentação expressa em lei, amplitude esta que se justifica na própria busca da verdade real que, sempre, será o fim do processo penal. Enfim, desde que não importe em violação à Constituição Federal e às normas processuais gerais, essa categoria de provas despida de regulamentação própria terá, em tese, o

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mesmo valor das provas consideradas típicas ou nominadas (objeto de regulamentação legal), ou seja, um valor relativo, condicionado ao exame conjunto dos elementos de convicção incorporados ao processo. AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado, 4 edição. Ed. Método, p. 439

É relevante, por sua vez, que o julgador conheça o suficiente do fato objeto do processo, para acolher ou rejeitar o pedido da parte acusadora, fazendo o que estiver a seu alcance legal para alcançar a verdade real, também conhecida como verdade material do processo.

2.1 FATOS QUE INDEPENDEM DE PROVA

Alguns fatos independem de prova, pois são circunstâncias incidentais, sem significância ou com foco secundário, absolutamente desnecessário à solução da lide. Noberto Avena em sua obra aborda esta questão sob o seguinte enfoque:

Fatos axiomáticos: são aqueles considerados evidentes, que decorrem da própria intuição, gerando grau de certeza irrefutável. Trata-se, enfim, dos fatos indiscutíveis, induvidosos, que dispensam questionamentos de qualquer ordem. Por exemplo: a prova da putrefação do cadáver dispensa a prova da morte, pois a primeira circunstância (putrefação) decorre, inequivocamente, da segunda (a morte).

Fatos notórios: assim considerados os que fazem parte do patrimônio cultural de cada pessoa. Por isso mesmo, aqui se aplica o princípio notorium non eget probatione – o que é notório dispensa prova. Exemplos: Na Comarca de Camaquã, denunciado o Ministério Público determinada pessoa por crime contra a honra do Prefeito Municipal, será desnecessário comprovar, naquele juízo, que a vítima realmente foi diplomada como Chefe do Executivo, pois essa circunstância é por todos sabida na localidade, inclusive pelo juiz que lá jurisdiciona. Outros Exemplos: moeda nacional, condição de Presidente da República, um feriado nacional etc.

Presunções legais: são juízos de certeza que decorrem da lei. Classificam-se em absolutas (presunções jure et de jure) ou relativas (presunções júris tantum). As primeiras não aceitam prova em contrário, sendo exemplo a condição de inimputável do indivíduo menor de dezoito anos. Já as segundas admitem a produção de prova em sentido oposto, como a presunção de imputabilidade do maior de dezoito anos, que pode ser descaracterizada a partir de laudo de insanidade mental apontando que o indivíduo não possui discernimento.

Fatos inúteis: são os que não possuem nenhuma relevância na decisão da causa, dispensando, inclusive, a análise pelo julgador.

No que se refere aos fatos incontroversos, torna-se necessário fazer a distinção entre o Processo Penal com o Processo Civil. Fatos incontroversos no Processo Civil são regulamentados pelo artigo 334,III, que dispõe que possuem presunção de veracidade, sendo um dos efeitos da revelia, dessa forma, é dispensável a produção de provas em relação a ele. No Processo Penal a produção da prova não é dispensada, pois não há esta presunção em relação a estes fatos.

Assim, no Processo Penal a prova deve ser fundada em fatos juridicamente relevantes e que deve ser provado qualquer fato alegado, esta é uma peculiaridade da área penal e se difere do Processo Civil, pois o magistrado não precisa acatar o que foi alegado pelas partes, mesmo que as alegações correspondam e confirmem o mesmo fato.

Capez ensina que a prova deve ser:

a. Admissível (permitida pela lei ou costume judiciários). É também conhecida como prova genética, como tal entendida toda a prova admitida pelo direito;

b. Pertinente ou fundada (aquela que tenha relação com o processo, contrapondo-se à prova inútil);

c. Concludente (visa esclarecer uma questão controvertida); e

d. Possível de realização

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 18 edição. Ed. Saraiva, p.346.

3. A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O direito à produção de provas para a comprovação de um fato está assegurado nos princípios do contraditório e da ampla defesa estampados no inciso LVI do artigo 5º da Carta Magna Brasileira, mas também estão previstos limites para o exercício desta prerrogativa.

Apesar do direito à prova ser protegido constitucionalmente, foram definidos limites para a utilização da prova, pois tal direito deve conviver em harmonia com os outros também de mesma ordem e magnitude, de maneira que nenhum deles seja irregularmente exercido, sacrificando a ordem pública e os direitos de terceiros.

A Constituição Federal Brasileira, que ocupa o topo do ordenamento jurídico e, por consequência, todas as demais fontes de direito devem estar de acordo com suas disposições e

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princípios, determinou a ilegalidade da utilização das provas obtidas por meios ilícitos.

Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci, em sua obra, doutrina que:

Cabe ao Estado – através de seus poderes – cumprir e fazer cumprir a Constituição, concretizada pela vontade do povo, autêntico titular do poder constituinte. Sob tal prisma, nenhuma norma infraconstitucional pode conflitar com a Constituição sem ter de ceder o seu espaço para a supremacia da Lei Fundamental. Tanto é assim que o governante não está obrigado a cumprir leis inconstitucionais, nem o Legislativo deve criá-las e cabe ao judiciário zelar pelo controle de constitucionalidade das normas em geral. NUCCI, Gulherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6a Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

Posteriormente, com o advento da lei 11.690/2008, que deu nova redação ao artigo 157 do Código de Processo Penal o referido artigo passou a ter a seguinte redação: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Logo, conclui-se que o Processo Penal deve se formar em torno de produção de provas legais e legítimas, sendo inadmitido qualquer prova obtida por meio ilícito.

Assim, estabelece-se uma diferença entre a nomenclatura do princípio: inadmissibilidade das provas ilícitas, com sua verdadeira função que é a inadmissibilidade da utilização das provas obtidas por meio ilícito.

Importante ressaltar que as Provas Ilícitas podem ser analisadas sob duas óticas: À luz do Direito Material ou sob a ótica do Direito Processual, pois a lesão pode ter sido gerada pelo modo como a prova foi colhida ou pela forma como foi produzida. Neste ponto, incide a diferenciação entre as provas ilícitas e as provas ilegítimas.

Na Prova ilícita em si, a ofensa está no momento em que a prova é colhida, seja durante o processo ou não, pois a ilicitude está no ato da sua obtenção/produção. Um bom exemplo é o da prova testemunhal obtida mediante tortura, pois demonstra claramente que a prova obtida ofendeu norma de Direito material. Diferente disso, a Prova ilegítima depende, exclusivamente, do processo em que será inserida, pois ocorre na sua introdução na ação penal, como é o caso da oitiva de testemunhas em maior número do que o permitido por lei, que de acordo com o Código de Processo Penal, em seu artigo 566, III, pode ocasionar até mesmo a nulidade da prova em questão.

Nucci ensina que:

materialmente ilícito (a forma de obtenção da prova é proibida por lei) e o que é formalmente ilícito (a forma de introdução da prova no processo é vedada por lei). Este último enfoque (formalmente ilícito) como defendemos, é o ilegítimo. NUCCI, Gulherme de Souza. Manual de Proceso Penal e Execução Penal. 6a Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 88.

Noberto Avena aduz em sua obra que a prova ilegal seria o gênero, de forma que as espécies seriam as provas ilícitas , ou seja, aquelas obtidas mediante violação direta ou indireta da Constituição Federal; as provas ilícitas por derivação seriam as que forem pela ilicitude da prova que as gerou ou pela ilegalidade da situação em que foram produzidas; e ainda, as provas ilegítimas, aquelas obtidas ou produzidas em afronta à normas de natureza processual.

Nesse aspecto, converge na doutrina o entendimento quanto a ilicitude formal e material. Vejamos nas palavras de Fernando Capez:

A ilicitude formal ocorrerá quando a prova, no seu momento introdutório, for produzida à luz de um procedimento ilegítimo, mesmo se for lícita a sua origem. Já a ilicitude material delineia-se através da emissão de um ato antagônico ao direito e pelo qual se consegue dado probatório, como nas hipóteses de invasão domiciliar.

Todo o Processo Penal é regido pelo princípio da legalidade e esta condição o faz seguir a rigor todos os ditames constitucionais e legais que regem o ordenamento jurídico. Assim para que o ato judicial produza os efeitos desejados, ele precisa ser perfeito perante o direito, sob pena de ser declarado inválido ou ineficaz no processo.

Já a inadmissibilidade da prova ilícita trata da valoração prévia feita pelo legislador, com o principal objetivo de evitar que a forma para obter as provas não ultrapassassem os direitos individuais e meios legais estipulados pelo ordenamento.

3.1 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO

Entendem-se como provas ilícitas por derivação aquelas provas adquiridas em conformidade com o ordenamento jurídico e de forma lícita, porém derivada de prova ilicitamente colhida/produzida; com isso, a prova lícita acaba se tornando imprópria e inadequada para ser utilizada no processo, pois foi maculada pela sua origem. Pode servir como exemplo o caso de uma interceptação telefônica clandestina, em que o acusado venha a indicar onde se encontra o produto do crime, este sendo regularmente apreendido pela autoridade competente. Assim, o

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ponto crucial é saber se essas provas, formalmente lícitas, apesar de derivadas de provas materialmente ilícitas, podem ser admitidas no processo.

Tourinho Filho traz a seguinte exposição sobre prova ilícita por derivação, considerando a Teoria dos frutos da árvore envenenada :

Na verdade, ao lado das provas ilícitas, temos a doutrina do Fruit of the poisonous tree, ou simplesmente fruit doctrine, “frutos da arvore envenenada”, adotada nos Estados Unidos desde 1914 para os Tribunais Federais, e nos Estados por imperativo constitucional desde 1961, United States, 251 US 385 (1920), quando a corte decidiu que o Estado não podia intimar uma pessoa a entregar documentos cuja a existência fora descoberta pela policia por meio de uma prisão ilegal. Nisso consiste a doutrina do fruto da arvore envenenada. Aliás, a Suprema Corte já vinha sufragando a tese de inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou doutrina denominada fruit of the poisonous tree. No Habeas Corpus n. 69.912/RS, Ministro Sepúlveda Pertence, como relator observou : ‘Vedar que se possa trazer ao processo a própria gravação das conversas telefônicas, mas adminitr que as informações nelas colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evidentemente, é estimular, e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina e conversas privadas... E finalizando: ou se leva as ultimas consequências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida.’

O STF já julgou e se posicionou sobre o assunto:

A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (‘FRUITS OF THE POISONOUS TREE’): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do ‘due process of law’ e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer

acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos ‘frutos da árvore envenenada’) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. (informativo STF nº 36de 21/06/1996). http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo583.htm

A nova redação do artigo 157 do Código de Processo Penal, traz a previsão desta modalidade de prova ilícita e também o seu afastamento e proibição:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da

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prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 4o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Mesmo proibindo a utilização das provas ilícitas por derivação, o Código de Processo Penal trouxe duas exceções: A primeira, quando não houver o nexo de causalidade entre a prova ilícita e a lícita e a segunda quando a prova derivada puder ser obtida por outra maneira ou por uma fonte independente da primeira. O próprio artigo revela o conceito de fonte independente, como sendo “aquela que por si só, seguindo os tramites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”.

Portanto, se ficar demonstrado que a prova lícita derivou de prova ilícita através do nexo de causalidade, não há que se falar em contaminação ou derivação do ilícito. Igualmente se uma prova lícita for obtida através de uma prova ilícita, mas que poderia ser obtido por outros meios legais independentes dos já contaminados pela ilicitude, também neste caso, não há que se falar em prova ilícita por derivação, pois a prova poderia ser produzida de forma independente da prova ilícita.

4. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A POSSIBILIDADE E UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL EM FAVOR DO RÉU

O Princípio da Proporcionalidade é o que torna possível a utilização de provas ilícitas no processo, posto que sua utilização veio a relativizar a rígida exclusão da prova ilícita que poderia levar a inúmeras distorções de grande gravidade para a justa aplicação do direito. Mas este princípio só tem validade em caráter excepcional e em casos extremamente graves nos quais sejam demonstrados que o direito tutelado é mais importante do que o direito a intimidade, por exemplo.

Importante definir o que se entende por proporcionalidade em sentido geral antes de se aprofundar no assunto. A proporcionalidade abordada por este trabalho, está vinculada à limitação do poder do estado de investigar e punir, quando colocada frente à tutela dos direitos individuais de privacidade e integridade do cidadão. Em linhas gerais, cabe ao Estado proceder à limitação destes direitos, de forma que

atenda toda a necessidade individual e aos interesses públicos. Assim, o agir estatal deve observar a proporcionalidade dos meios a serem empregados para alcançar o seu objetivo final.

Além disso, o mencionado princípio possui como principais elementos: a adequação, segundo o qual os meios eleitos pelo Estado devem ser adequados para atingir os fins pretendidos; A necessidade ou exigibilidade, que impõe que o meio escolhido seja o de menor gravidade para o cidadão; e, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, a relação custo-benefício para o Poder Público, de forma que o ganho obtido seja necessariamente maior do que o prejuízo suportado pela coletividade.

Acerca do conteúdo do Princípio da Proporcionalidade, Frederico Sousa Barroso leciona:

(...), o princípio da proporcionalidade, em um primeiro momento, foi utilizado para preservar a liberdade individual diante das ingerências e dos excessos praticados pelo Estado, mormente na seara do poder de polícia estatal, com o escopo de impor medidas razoáveis e proporcionais aos atos da Administração Pública. Posteriormente, já em um segundo momento, foi englobado pelo direito constitucional para solucionar o conflito de direitos fundamentais. Desse modo, apresenta duas funções nítidas: controle estatal contra a ação limitativa do Estado sobre os direitos fundamentais; e, ainda, como critério pacificador na colisão de direitos fundamentais por meio de juízos comparativos e de ponderação entre os interesses envolvidos no caso concreto. Hoje, é também empregado no combate e no controle dos excessos legislativos que imponham limitações demasiadas ou inaceitáveis aos direitos fundamentais (excesso/desvio do poder legislativo), configurando-se em controle de constitucionalidade das leis e limites à liberdade de conformação do legislador. BARROSO, Frederico Sousa. Provas Ilícitas: Confronto entre as Liberdades Públicas e a Efetividade do Processo Judicial. In: Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. v. 12, Ed. Especial, p. 87-137, 2004. p. 112-1 13.

De acordo com a doutrina de Raimundo Amorim de Castro, sobre o referido princípio em relação à Constituição Federal:

É bem verdade que o princípio da proporcionalidade ainda não é um cânone expresso no texto constitucional, mas está claramente implícito quando o legislador constituinte de 1988 adotou a cláusula do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV); o sistema misto do controle jurisdicional da constitucionalidade (art.102 e incs.); o sistema difuso em que

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a inconstitucionalidade de uma lei pode ser declarada por um juiz a quo, somente gerando efeitos entre as partes; e o sistema concentrado em que a inconstitucionalidade de uma lei é declarada por um Tribunal Superior, gerando efeitos vinculados erga omnes. CASTRO, Raimundo Amorim de. Provas ilícitas e o sigilo das comunicações telefônicas. Curitiba: Juruá, 2007, p. 109-110.

Portanto, com aplicação do critério da proporcionalidade, reconhece-se a ilicitude e, consequentemente, a ineficácia da prova colhida com infração a alguma norma de direito processual ou de direito material; ao mesmo tempo, relativiza a proibição a ponto de tornar a prova relevante para o processo, em casos excepcionais, como, por exemplo, no processo penal, quando a prova ilícita for favorável ao réu ou em outros casos em que se objetive tutelar outros valores fundamentais de mesma magnitude. Trata-se, portanto, de uma questão de ponderação entre os valores que foram lesados pela ilicitude da prova e aqueles interesses que se visa protegerem no processo, no caso concreto.

De acordo com os ensinamentos de Luiz Francisco Torquato Avolio:

A teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, também denominada teoria do balanceamento ou da preponderância dos interesses, consiste, pois, exatamente, numa construção doutrinária e jurisprudencial que se coloca nos sistemas de inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente, permitindo, em face de uma vedação probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os valores constitucionalmente relevantes postos em confronto. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas – Interceptações Telefônicas e Gravações Clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.pg58.

Assim, na jurisprudência brasileira, o princípio da proporcionalidade somente é aplicável pro reo, admitindo-se a exclusão da ilicitude em prol da presunção de inocência, do direito de defesa, da busca da verdade real, do ideal de justiça e dos valores supremos da liberdade humana. A esse respeito, é pacífica a jurisprudência, conforme os julgados a seguir:

O Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n. 2120812/RO, decidindo por relativizar a norma, admitindo a prova produzida oor meio ilícito através de gravação ambiental sem autorização, como legítima defesa:

Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de

concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu.

A utilização do princípio da proporcionalidade nesse caso concreto, contrapõe os valores da liberdade e o direito à intimidade, permitindo que prevaleçam aqueles, por serem valores jurídicos de maior relevância a luz do direito, evitando assim que o Estado condene um individuo porque a prova capaz de provar sua inocência foi considerada ilícita.

4.1 DA UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS EM BENEFÍCIO DO RÉU

Não há divergência na doutrina a respeito da utilização das provas obtidas por meios ilícitos e destinada à absolvição do réu. Sobre esta questão, é certo que referida prova, ainda que obtida por meio ilícito, poderá ser utilizada no processo em favor do réu, desde que esta prova seja suficiente para evitar o mais grave erro do judiciário: a injusta condenação.

Nucci ensina que :

Tal posição é, de fato, justa, fazendo-nos crer que é caso até de inexigibilidade de conduta diversa por parte de quem está sendo injustamente acusado, quando não for possível reconhecer a legítima defesa NUCCI, Gulherme de Souza. Manual de Proceso Penal e Execução Penal. 6a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 90

Esta explicito o princípio da proporcionalidade neste ato, pois o direito a liberdade do cidadão inocente é fato garantido pela constituição, assim como o devido processo legal, mas neste caso, entende-se razoável a reavaliação da norma para evitar o dano mais gravoso.

Nesse sentido, o doutrinador Norberto Avena aborda esse tema de forma diretamente ligada a esse trabalho, dispondo que:

[...] a doutrina e a jurisprudência majoritárias há longo tempo têm considerado possível a utilização das provas ilícitas em favor do réu quando se tratar da única forma de absolvê-lo ou, então, de comprovar um fato importante à sua defesa. Para tanto é aplicado o princípio da proporcionalidade, também chamado de princípio do sopesamento.

Portanto, a prova ilícita poderá ser admiti-da em favor do réu por força do princípio da pro-porcionalidade. E se de um lado há a proibição da prova ilícita, do outro há a presunção de inocência, e entre os dois deve prevalecer à presunção de inocência. Assim, a prova ilícita não serve para

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condenar ninguém, mas apenas para absolver o inocente.

5. ANALISE JURISPRUDENCIAL

CASO HABEAS CORPUS Nº 149.250/SP (2009⁄0192565-8)STJ.

Um caso de fundamental importância para o tema deste trabalho é o Habeas Corpus nº 149.250/SP (2009/0192565-8) STJ, denominado Operação Satiagraha, que levantou a importância do esgotamento da averiguação buscando a verdade real em grau mais elevado.

A Operação Satiagraha ganhou uma atenção especial devido a grande comoção popular em busca da devida investigação e punição dos crimes praticados em razão da corrupção brasileira, investigando diversas pessoas envolvidas, a pratica de vários delitos, entre eles, desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro.

A Operação Satiagraha é uma operação da Polícia Federal Brasileira contra o desvio de verbas públicas, a corrupção e a lavagem de dinheiro (em Portugal branqueamento de capitais) desencadeada em princípios de 2004 e que resultou na prisão, determinada pela 6ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, de vários banqueiros, diretores de banco e investidores, em 8 de julho de 2008. As chamadas operações policiais são conjuntos de diligências realizadas pela polícia durante uma investigação, geralmente relativas a um inquérito policial. Todo inquérito, por sua vez, ao ser concluído, é enviado ao Ministério Público, responsável por decidir se é caso ou não de iniciar um processo criminal contra os investigados. Satyagraha foi o termo usado pelo pacifista indiano Mahatma Gandhi durante sua campanha pela independência da Índia. Em sânscrito, Satya significa 'verdade'. Já agraha quer dizer 'firmeza'. Assim, Satyagraha é a 'firmeza na verdade', ou 'firmeza da verdade'.

Satyagraha significa o princípio da não-agressão, ou uma forma não-violenta de protesto, como um meio de revolução. Satyagraha também é traduzido como "o caminho da verdade" ou "a busca da verdade".

Segundo Igor Gielow, secretário de Redação da Sucursal de Brasília da Folha de S. Paulo: A Operação Satiagraha abriu uma verdadeira "caixa de Pandora". Negócios ligados ao nome do banqueiro Daniel Dantas, desde o governo Fernando Henrique até a gestão Lula, foram colocados no centro do debate político de uma hora para outra. O Judiciário está em

polvorosa por conta do embate entre a Justiça Federal de primeira instância e o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal). É discutida a necessidade de manter ou não o banqueiro preso.

Revelações do delegado da Polícia Federal Carlos Eduardo Pellegrini, que atuou na Operação Satiagraha, indicam que a PF apreendeu, no apartamento do banqueiro Daniel Dantas, documentos que comprovam o pagamento "de propinas a políticos, juizes, jornalistas" no valor de R$ 18 milhões.

Ao julgar o Hábeas Corpus de nº 149.250/SP, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que eram ilícitas as provas que compunham o inquérito policial, determinando a anulação de todas as provas produzidas, deferindo o seguinte Acordão:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO SATIAGRAHA. PARTICIPAÇÃO IRREGULAR, INDUVIDOSAMENTE COMPROVADA, DE DEZENAS DE FUNCIONÁRIOS DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE INFORMAÇÃO (ABIN) E DE EX-SERVIDOR DO SNI, EM INVESTIGAÇÃO CONDUZIDA PELA POLÍCIA FEDERAL. MANIFESTO ABUSO DE PODER. IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAR-SE A ATUAÇÃO EFETIVADA COMO HIPÓTESE EXCEPCIONALÍSSIMA, CAPAZ DE PERMITIR COMPARTILHAMENTO DE DADOS ENTRE ÓRGÃOS INTEGRANTES DO SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE PRECEITO LEGAL AUTORIZANDO-A. PATENTE A OCORRÊNCIA DE INTROMISSÃO ESTATAL, ABUSIVA E ILEGAL NA ESFERA DA VIDA PRIVADA, NO CASO CONCRETO. VIOLAÇÕES DA HONRA, DA IMAGEM E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INDEVIDA OBTENÇÃO DE PROVA ILÍCITA, PORQUANTO COLHIDA EM DESCONFORMIDADE COM PRECEITO LEGAL. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. AS NULIDADES VERIFICADAS NA FASE PRÉ-PROCESSUAL, E DEMONSTRADAS À EXAUSTÃO, CONTAMINAM FUTURA AÇÃO PENAL. INFRINGÊNCIA A DIVERSOS DISPOSITIVOS DE LEI. CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA IMPARCIALIDADE E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL INQUESTIONAVELMENTE CARACTERIZADA. A AUTORIDADE DO JUIZ ESTÁ DIRETAMENTE LIGADA À SUA INDEPENDÊNCIA AO JULGAR E À IMPARCIALIDADE. UMA DECISÃO JUDICIAL NÃO PODE SER DITADA POR CRITÉRIOS SUBJETIVOS, NORTEADA PELO ABUSO DE PODER OU DISTANCIADA DOS PARÂMETROS LEGAIS. ESSAS EXIGÊNCIAS

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DECORREM DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS E DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS INSCRITOS NA CONSTITUIÇÃO. NULIDADE DOS PROCEDIMENTOS QUE SE IMPÕE, ANULANDO-SE, DESDE O INÍCIO, A AÇÃO PENAL.

1. Uma análise detida dos 11 (onze) volumes que compõem o HC demonstra que existe uma grande quantidade de provas aptas a confirmar, cabalmente, a participação indevida, flagrantemente ilegal e abusiva, da ABIN e do investigador particular contratado pelo Delegado responsável pela chefia da Operação Satiagraha.

2. Não há se falar em compartilhamento de dados entre a ABIN e a Polícia Federal, haja vista que a hipótese dos autos não se enquadra nas exceções previstas na Lei nº 9.883⁄99.

3. Vivemos em um Estado Democrático de Direito, no qual, como nos ensina a Profª. Ada Pellegrini Grinover, in “Nulidades no Processo Penal”, "o direito à prova está limitado, na medida em que constitui as garantias do contraditório e da ampla defesa, de sorte que o seu exercício não pode ultrapassar os limites da lei e, sobretudo, da Constituição."

4. No caso em exame, é inquestionável o prejuízo acarretado pelas investigações realizadas em desconformidade com as normas legais, e não convalescem, sob qualquer ângulo que seja analisada a questão, porquanto é manifesta a nulidade das diligências perpetradas pelos agentes da ABIN e um ex-agente do SNI, ao arrepio da lei.

5. Insta assinalar, por oportuno, que o juiz deve estrita fidelidade à lei penal, dela não podendo se afastar a não ser que imprudentemente se arrisque a percorrer, de forma isolada, o caminho tortuoso da subjetividade que, não poucas vezes, desemboca na odiosa perda da imparcialidade. Ele não deve, jamais, perder de vista a importância da democracia e do Estado Democrático de Direito.

6. Portanto, inexistem dúvidas de que tais provas estão irremediavelmente maculadas, devendo ser consideradas ilícitas e inadmissíveis, circunstâncias que as tornam destituídas de qualquer eficácia jurídica, consoante entendimento já cristalizado pela doutrina pacífica e lastreado na torrencial jurisprudência dos nossos tribunais.

7. Pelo exposto, concedo a ordem para anular, todas as provas produzidas, em especial a dos procedimentos nº 2007.61.81.010208-7 (monitoramento telefônico), nº 2007.61.81.011419-3

(monitoramento telefônico), e nº 2008.61.81.008291-3 (ação controlada), e dos demais correlatos, anulando também, desde o início, a ação penal, na mesma esteira do bem elaborado parecer exarado pela douta Procuradoria da República.

Portanto, o entendimento do STF, que poderia se valer do Princípio da Proporcionalidade para a admissão das provas, não as aceitou por considera-las “irremediavelmente maculadas”, levando a anulação da ação penal movida contra os acusados em questão.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal, por vezes, acaba gerando conflito com os demais direitos e bens jurídicos. O ordenamento considera ilegal a utilização das provas obtidas por meios ilícitos para fundamentar uma condenação e, em virtude da proteção ao direito fundamental do indivíduo, deve ser, caso sejam efetivamente consideradas ilícitas, desentranha dos autos, pelo que dispõe o art. 5, inciso LVI da Constituição Federal e o art. 157 do Código de Processo Penal.

A ilicitude da prova tem o condão de contaminar as que delas advém, conforme a teoria dos frutos da árvore envenenada, a não ser quando rompido o nexo de causalidade entre a prova ilícita e a derivada, ou quando a prova derivada seria produzida de forma inevitável, razão pela qual poderia ser utilizada no processo, pelo que dispõe o parágrafo 1º do art. 157 do CPP.

O presente artigo discute a efetividade do processo na atividade jurisdicional, a procura da verdade real, e o objetivo maior da realização da justiça. E ainda, as liberdades públicas, mas principalmente as inviolabilidades individuais como a intimidade e a vida privada do cidadão.

A relatividade entre os direitos fundamentais é indispensável para que não se torne insustentável e injusta a ponderação de valores igualmente consagrados pela Constituição Federal. Sob pena de se tornar um fator gerador de injustiças, resultando no enfraquecimento dos valores constitucionais e na descrença no Poder Judiciário, nenhuma garantia, ainda que fundamental, pode receber caráter absoluto.

Limitar os direitos fundamentais por meio do critério da proporcionalidade é preservar esses mesmos valores, mas mantendo a força normativa dentro dos limites respectivos a cada caso concreto. Nesse contexto, o referido Princípio da Proporcionalidade surge como agente flexibilizador da rígida norma positivada, a fim de que esta se amolde às mais diversas situações com elasticidade e conveniência, com o intuito de harmonizar o caso concreto e os diversos princípios existentes no ordenamento jurídico e

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com vistas à tão almejada decisão justa.

A ponderação dos direitos fundamentais, através da aplicação do referido princípio, parece ser a solução para a questão da admissibilidade ou não das provas ilícitas e suas derivadas no processo, a fim de que seja preservada a justiça na prestação da tutela jurisdicional.

Agradecimentos

Agradeço a Deus, antes de tudo, por me presentear com esta vontade de querer ir além

independentemente das circunstancias; A minha família pelo carinho, apoio e compreensão em todos os momentos; Aos meus amigos que me acompanharam nesta jornada e se mantiveram presentes mesmo na minha indisponibilidade; A minha orientadora Prof. Dionne Felipe por sua generosidade em partilhar do seu conhecimento.

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REFERÊNCIAS:

1. AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado, 4. ed. Brasília: Método, 2012.

2. ÁVILA, Thiago André Pierobom. Provas ilícitas e proporcionalidade: uma análise da colisão entre os princípios da proteção penal eficiente e da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

3. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

4. D’URSO, Flavia. Princípio constitucional da proporcionalidade no processo penal. São Paulo: Atlas, 2007.

5. TOURINO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo Penal, 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

6. FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2005.

7. MENDES, Gilmar Ferreira. A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2 ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999.

8. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

9. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

10. NUCCI, Guilherme Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

11. SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In: SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

12. SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, v.798, 2002.

13. TÁVORA, Nestor e Rosmar Rodrigues Alencar. Curso de Direito processual Penal, 6 ed. Salvador: Jus Podvim, 2009

14. Supremo Tribunal Federal.HC 83.515.Relator: Min. Nelson Jobim, 16 de setembro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 17 out. 2014.

15. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. HC 70.814/SP. Relator: Min. Celso de Mello, 1º de março de 1994. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 out. 2014.

16. Supremo Tribunal Federal. RE 251.445/GO.Relator: Min. Celso de Mello. 21 de junho de 2000. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 out. 2014.