santuário do divino sr da serra.pdf

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    1/60

    S A N T U R I O D O D IV I N O

    S E N H O R

    D A

    S E R R A

    D E

    S E M ID E

    H is t r ia D e v o o

    e

    E s p i r i t u a l id a d e

    J O O P A U L O F E R N A N D E S R E G I N A A N A C L E T O

    T E R E S A

    O S R I O D E M E L O

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    SODVN

    S

    D

    aD

    d

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    3/60

    J

    TD

    SODN

    S

    SD

    SD

    H

    D

    S

    2

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    H i s r r i a ,

    Devoo

    e

    E s p i r i t u a l i d a d e

    utor s

    Joo

    P a u l oFernandes

    M a r i aTeresa Osrio

    de

    M e lo

    Reg ina

    Anac le to

    Contactos

    Comisso Adminis t r a t iva do Santu r io do Divino Senhor da Ser ra

    R ua D . Ma n u e l

    Bastos

    P i n a

    Senhor

    da

    Serra

    Se m ide

    3220 M i r a n d a

    do

    Corvo

    Tel:

    23 9

    549

    27 6

    som e n te

    a o

    dom ing o)

    Hrna i l ; sd iv inosenhordase r ra@gmai l .com

    Link:

    http://www.sdivinosenhordaserra.pt.vu

    Agradecimentos

    Arquivod a

    Bibl ioteca M u n i c i p a l

    d eC o i m b r a

    M u s e u

    N a c i o n a lM a c h ad o d eCastro

    Fam l i aLour e nc o

    G.C. - G R F I C A DEC OIM BRA, LDA.

    Palheira - Assafarge,

    3001-453 C O I M B R A

    Tel. 239 802450 Fax 239802459

    Emai l :

    p ro d u c a o @ g ra f i c a d e co i m b ra . p t

    Depsi to Lesai: 331537/11

    UMA

    LOUVVEL

    INICIATIVA PASTORAL

    O

    local abenoado

    do

    Divino

    Senhor da

    Serra

    um

    exemplar p erfei to

    d os

    muitos santur ios que,

    nos

    sculos

    precedentes ao nosso, polvilharam os montes e vales de

    Por tuga l .

    Dando

    incremento

    secular devoo

    do

    povo local

    a um velho crucif ixo cu l tuado em pequenina capela , o

    Bispo D . M anuel de Bas tos P ina abenoou a romar ia de

    Agosto, real izada ao jei to do povo s imples das redonde-

    zas, com a

    adeso

    de

    mu i tos popu l a res

    de

    Co im br a . Para

    c um pr i r o modelo t rad icional de santur io, concorre a

    sua

    localizao

    p roeminente e o panorama rasgado que

    dal i

    sed e s f r u t a .

    A t rad io, docu menta da na casa ep iscopal , re lata-nos

    a prt ica devocional e a sp romessas de sermes que pre-

    encheram

    as

    p r imei ras dcadas

    do

    sculo passado.

    O Sr.

    P. Antnio

    Pedro dosSantos desaudosa memria , sentiu

    anecess idade

    de

    g a r a n t ir

    ao

    local , templo

    e

    espaos adja-

    centes, as

    condies

    que a

    nossa poca requer ,

    b em

    como

    abelezad e am b ien t e que nos

    a j u d a

    ain tu i ros ag rado .

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    5/60

    E

    hoje?

    Tenho para

    mim que o

    actual Capelo

    P.Joo

    Paulo

    Fernandes e aqueles que o a c o mp a n h a m nas iniciativas

    sonhadas perceberam

    o que

    importa adquirir: qualidade

    valor.

    A s

    pessoas de h o j e ainda quando se l imitam ao

    tur ismo re l igioso que rem ser iedade competncia acolh i-

    mentoatencioso

    naquilo

    que lhes

    oferecido.

    A

    presente

    publicao comprova

    essa

    ateno na resposta.

    So prioritrios o

    zelo

    pela dignidade do culto aliexer-

    cido

    e o

    cuidado

    na

    doutr inao minis t rada

    ao s

    fiis

    que

    al i

    acorrem. Mas a par desse empenhamento

    pastoral

    vemos o

    interesse pelos aspectos histricos artsticos

    e

    tradicionais qu e agora se disponibilizam ao visitante e ao

    leitor.

    A

    cultura

    quando

    verdade ira isenta

    e

    acessvel

    f requentemente por ta aber ta para a f para o louvor

    para

    a aco de graas.

    Felicito os Auto res a quem agradeo a excelncia do

    trabalho

    e

    congratulo-me

    c o m o

    Capelo .

    L B I N O CLETO

    BispoEmrito

    de

    Coimbra

    M I L G R O S

    I M G E M

    D O S E N H O R D S E R R

    O E x.

    m t>

    Sr

    Nncio concede

    10 0

    dias de

    Indulgncias

    a

    guem rezar

    m P N .

    e A v e M .

    dianie

    d e s t a Imagem.

    C o l e c o

    F am l i a

    L o u r e n o )

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    fie

    fot^ci

    3

    O

    S E N H O R

    DA

    SERRA:

    ARTE EPATRIMNIO

    R E G I N A

    A N A C L E T O

    FLL/C/CEPESE

    A part i r de uma data indeterminada, mas que se pode

    situar

    e mtorno da pr imeira metade do sculo XVII, em

    Ceira, terra

    que se

    s i tua

    nas

    proximidades

    de

    Coimbra,

    o

    casal Martim

    o u M a r t i n h o ) A v e su a

    m u l h e r M a r i a

    G u i l h a l m e d e t i n h a m a posse de umCristo que passou a

    ser alvo de grande devoo.

    Devido a conflitos e desaguisados acontecidos entre os

    muitos que acorr iam a sua casa para venerar e implorar

    graas

    i m a g e m , ou por qualquer outra razo,ospossui-

    dores resolveram desfazer-se d e l a

    e

    esconderem-na

    num

    local e r m o.

    Na viz inhana da zona

    onde

    o casalvivialocalizava-se

    o

    mosteiro

    de

    Sem i d e , oc u pa d o

    por

    m onj a s bened i t i na s

    e um certo dia,quando os seus criados andavam a apa-

    nhar lenha, e ncontraram a imagem e le varam-na para o

    cenbio, a f im de a l i sercultuada. O local do achamento

    parece

    que

    ficava

    den tro da rea de jur isdi o do mos-

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    teiro

    e as

    religiosasfizeram

    a

    erguer

    um a

    cruz

    que

    passou

    a

    ser conhecida pelonomede

    Cruz

    de Longe .

    A

    com unidade, para que a Cruz pudesse continuar a

    se r

    venerada pelos m uitos

    q ue

    persistiam

    em

    acorrer ali,

    a

    fim de pedir a proteco do Senhor, acabou por m and ar

    construir um pequeno coberto abobadado no c i m o do

    monte que ficava sobranceiro ao complexo monstico. O

    alpendre, posteriorm ente, e no contexto de um a evolu-

    o habitual, deve ter visto fechados trs dos seus lados

    e

    virado capela num a data

    que se

    situa entre

    1553-1563;

    mas ,

    ao

    longo

    do s

    tempos,

    foi

    recebendo acrescentos

    e

    modificaes feitos a

    esmo. Tambm

    se lhe iam

    apondo

    casas

    destinadas

    a dar

    pousada aos, cada

    v ez

    mais nume-

    rosos, romeiros que ac orriam ao Santurio.

    Na sequncia da desam ortizao, o Sa ntur io e as

    esmolas dos

    fiis cont inuaram

    a

    passar pela administra-

    o m o n aca le

    foram

    estasque permit i r ama sobrevivn-

    cia

    da sltim as religiosas a perma necer no m osteiro que,

    apesar disso, seviram obrigadasa vender todas aspratas

    pertencentes

    ao

    DivinoSenhor

    da

    Serra.

    A 21 de Agosto de 1896 m orreu a ltim a residente,

    D. Maria dos

    Prazeres

    Pereira Dias e a

    capela

    passou a

    se r adm inis trada pela Fazenda Pblica; contudo, nesse

    mesmo ano e graas a uma portaria do governo, o bispo

    de Coimbra pde n o m e ar

    um a

    comisso destinada

    a

    receber

    e a

    adm in is t rar

    os

    donativos

    que os

    mui tos fiis

    entregavam

    na ermida.

    D.

    Manuel Correia

    de

    Bastos Pina (Costeira, Carre-

    gosa, 1830.11.19-Costeira, Carregosa, 1913.11.19) fo i

    sagrado Bispo a 12 de Ma io de 1872,tendo,de imediato,

    assumido a cadeira episcopal da diocese conimbricense.

    Hom em culto, de aprim orado gosto artstico e dinm ico,

    n o descurou, a par com aevangelizao,o engrandeci-

    mento mater ial

    da sua

    diocese.

    Foio

    57.

    (61.)bispode

    Coimbra

    e o

    22.

    (25.)

    conde

    de Arganil, ttulo outorgado a D. Joo Galvo e a todos

    os

    prelados m ondeguinos daqu i

    em

    diante para

    todo

    o

    sempre , por D. Afonso V, atravs de um decreto assi-

    nado a 25 de Setembro de 1472.

    Da actividade desenvolvida pelo Bispo-conde salien-

    tem-se

    asobras

    levadas

    a

    cabo

    no

    seminr io

    da

    Sagrada

    Famlia

    (seminr io maior de Coimbra) onde, para alm

    de ter ajardinado, de acordo com projecto previamente

    elaborado por Antnio Barata, o largo fronteiro estru-

    tura,

    acrescentou

    ao

    edifcio

    velho as

    chamadas casas

    nova e novssima. A par destes trabalhos, como conside-

    rasse

    ultrapassados

    o s

    curriculam inistrados

    no

    seminrio,

    modificou-os

    e, alm de outras, introduziu-lheas disci-

    plinas

    de

    Arte

    Sacra e de

    rcheologia

    Chist,

    esta ltima

    leccionada, desde 1904,

    por

    Eugnio

    de

    Castro.

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    Realizou-seem Lisboa, no ano de

    1882

    aExposiod e

    Arte Ornamental e a diocese de Coimbra enviou, a fim

    de

    serem apresentadas

    na

    mostra, muitas pratas

    e

    alfaias

    litrgicas.

    Aps

    o

    retorno

    dos

    artefactos,

    o

    Bispo-conde

    resolveu

    reunir

    no

    edifcio

    da S e no

    mbito

    de um con-

    texto museolgico epocal, as peas mais representativas,

    no s aspertencentes aocabido, mastambm as dealgu-

    mas outras

    freguesias

    da suadiocese. O

    enorme

    evalioso

    esplio de ourivesaria, actualmente pertena do Museu

    Machado de Castro, entrou na posse dessa instituio,

    apenasdepois da m orte do p relado, em 1913, como resul-

    tado da aplicao das leis republicanas de apropriao

    dos bens da Igreja.

    A S Velha necessitava de reformas urgentes: a sua

    integridade

    fsica perigava.

    D .

    M an ue l

    deu

    corpo

    tarefa

    de recuperao,

    com o

    auxlio m onetrio

    da

    rainha

    Dona

    Amlia

    e com a colaborao, digam os, cientfica de

    Antnio Augu sto Gonalves aco mpanha do pela pliade

    de artistas da Escola Livre das Artes do Desenho.

    Mestre Gonalves, homem dotado de grande capaci-

    dade de iniciativa e de vasta cultura , dava aulas na Asso-

    ciao

    dos Artistas, o que lhe permitiu aperceber-se, em

    vir tude

    do

    contacto mantido

    com os

    operrios,

    do

    inte-

    ressequ e estes demonstravam em ampliaros seus conhe-

    cimentos. Consciente

    de que

    aquele

    local

    no era o

    mais

    conveniente para desenvolver certas capacidades abso-

    lutamente necessrias aos artistas e como no havia em

    Coimbra

    um a

    escola

    de

    Belas Artes, acabo u

    por fundar,

    em

    1878, a Escola Livre das Artes do Desenho alfobre

    de

    muitos homens ligados

    aos

    mais diversos mesteres,

    que marcaram o panorama art st ico de Coimbra e no

    s

    at cerca dos

    finais

    da terceira dcada de Novecentos.

    A Escola Livre aprovou os seus estatutos, embora com

    carcter provisrio, na Assembleia-geral de 25 de Outu-

    bro

    de 1880.

    Em 1897, aquando das Bodas de Prata da sagrao

    episcopal

    do Bispo Bastos Pina, a diocese quotizou-se, a

    fim

    de lhe

    poder oferecer

    uma

    lembrana condigna. Con-

    tudo , o prelado, dando expresso s dou trinas preconi-

    zadas

    pelo Papa Leo X I I I na Encclica

    erum

    Nofarum,

    preferiu uti l izar esse capital na construo de umBairro

    Operrio, o primeiro a ser programado no pas , projec-

    tado

    po r

    Monteiro

    de

    Figueiredo

    e

    composto

    po r

    quinze

    moradias , escola ecapela, dedicada a Nossa Senhora de

    Lurdes. Foi este bairro, construdo na zona de Montes

    Claros, que esteve na base do desenvolvimento urba no da

    rea

    e na

    formao

    da

    actual parquia

    de

    Nossa Senhora

    deLurdes.

    A

    relao

    do

    Bispo-conde

    co m

    Mestre Gonalves,

    a

    desenvolver-se

    no campo artstico e no no ideolgico,

    levou-o

    a encarreg-lo de, em 1898, riscar um

    albergue

    destinado a dar gua rida aos romeiros, a erguer-se ju nto da

    12

    13

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    9/60

    velha capelinha do Senh or da Serra e pago pelasesmo-

    lasoferecidasao Santu rio. A fim de tomar contacto com

    o local, para

    melhor

    dar

    corpo

    obra,AntnioAugusto

    Gonalves de slocou-se ao Senhor da Serra na companhia

    de

    Monsenhor

    Jos

    Maria dos Santos. No ano seguinte,

    em Julho, antes da romaria, as hospedarias (afinal parece

    que

    se construiu mais do que um a ) j se encontravam

    concludas e uma delas tinha capacidade para acomodar

    200

    pessoas.

    Mas, l no cimo do monte,

    onde

    cus e terra quase

    se

    tocam, o prelado no se quedou por estes edifcios.

    Constatando

    que o

    pequeno templo

    no

    servia para

    dar

    resposta

    a uma romaria to concorrida como a que acon-

    tecia em Agosto de cada ano, pensou em fazer construir

    um a

    igreja

    condigna.

    Com efeito,aromaria ,ta lcomooperidicoResistncia,

    em

    1902,

    arefere era

    viva

    e

    pitoresca: Anda

    a

    cidade

    [de

    Coimbra] desde o dia 15,cheia do s ranchos do s romei-

    ros, que vo ou voltam do Senhorda Serra,cuja romaria

    anual

    acaba hoje.

    A estrada da Beira anda animada daqueles grupos,

    que vo de me rendas

    cabea,

    ou voltam com a imagem

    do Senhor, cuidadosamente metida na fita do chapu.

    Quando chegam Portela,selevam anim ais, atraves-

    sam

    o rio a vau, sem se imp ortarem com os risos e os

    ditos,

    que

    lhes gritam

    de

    cima

    os que vo

    pelaponte

    ao

    verem as mulheres levantarem cuidadosamente, e bem

    alto,

    as saias para lhas no molhar o rio.

    Depois

    l vai

    tudo

    at s

    Vendas

    de

    Ceira

    e

    da,

    ladeira acima,

    at ao

    alto

    do

    monte, donde

    se

    avista

    o

    telhado alegred ahospedaria da capela,ecomeaasentir-

    -se

    a

    carcia

    do

    vento

    fresco.

    Param

    a

    ouvir

    um

    sermo, depoisoutro.

    Lino da Assuno descreve o

    efeito

    cmico dos ser-

    mes pregados

    ao

    mesmo tempo,

    em

    pleno

    ar e

    plenosol.

    Ainda hojeafama doplpito para quem mais berra.

    O quadro no deixariade sersingularssimo,edigno

    dum pincel custico.

    O cu

    lmpido

    e

    azul,

    o sol

    claro

    e

    abrasador

    e a

    planura

    do

    cmoro apinhado

    de

    homens, suando den-

    tro nos grossos jaquetes de briche, e de mulheres com

    saias

    de

    seriguilha pela cabea deixando cair sobre

    as

    tes-

    ta s deprimidas as farripasdum cabelo empastado como

    linho antes

    de ser

    cardado. Aqui,

    no

    plpito

    do

    adro

    o

    pregador

    c onfun dindo a sua voz com o eco de outra que

    lhe

    vem l dedentrode junto do altar. Mais alm outro,

    na beira

    du m

    carro, encostado

    a uma

    pipa,

    e a

    quem

    o

    festeiro abriga com um enorme chapu vermelho, que

    mais

    vermelhas torna as bochechas luzidias do pregador.

    Debaixo du m toldo de barraca e sobre um a mesa, v se

    outro

    gesticulando, alagado em gua que lhe encharca

    a sobrepeliz e estola, procuran do dom inar com a voz as

    14

    15

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    10/60

    metforas

    do viz inho, que

    sobre

    uma

    cadeira

    sombra

    dos pinheiros conta dezenas de milagres acontecidos em

    favor

    dos

    devotos

    que

    mandam pregar sermes.

    E,

    aca-

    bado um sermo, retira-se o grupo que o encomendou e

    aproxima-seoutro

    que o

    prometeu.

    E

    todas estas

    vozesj

    roucas

    procurando dominar o rudo confuso dos descantes,

    da sgui tar ras ,

    das

    algazarras

    dos

    beberres,

    das

    altercaes

    das

    rivalidades

    estimuladas pelo lcool

    e at das

    in jr ias

    e grosserias

    das

    rixas travadas pela posse duma mulher,

    oupelaliquidao develhascontasquevieram abertasl

    desde asaldeias.E o sol deAgosto dardejando inclemente

    sobre oslargos chapusetornandoescurososrostos luzi-

    diose afogueados e

    ainda mais negros

    os

    beios enegreci-

    dos pelo vinho e pelo p; e como comentrio s palavras

    dospadres quasefonos, queclamam pela

    justia

    emise-

    ricrdia divinas ,asvozesvibrantesdastricanasde Coim-

    bra, menos devotas emais alegres, bailando e cantando

    ao som das

    violas

    o

    Manuel

    ceguinho

    o u o

    h

    ladro ladro

    Por

    fim

    entram

    na

    capela onde

    o

    Cristo agoniza

    numa

    cruz

    de

    pedra, deixando cair

    a

    cabea para mostrar

    o cabelo negro que cresce, como diz a lenda, todos os

    anos.

    Pelasparedes, pregadasem ripasde madeira, vem-

    -setranas

    de

    cabelo

    de

    todas

    as

    cores, votos

    que

    fazem

    osdoentes,

    por

    saberem

    que este o

    sacrifcio

    que

    mais

    gosto

    d ao Senhor daSerra .

    16

    Antnio Augusto Gonalves,

    que

    fora, como

    se

    refe-

    riu,

    o

    responsvel pelas hospedarias

    e que

    trabalhava

    com

    o prelado na interveno da S Velha, incumbiu-se de

    projectar anova

    fbrica

    eclesial.

    A construo do

    templo,

    que se processou em duas

    fases, iniciou-seem 1900, tendo sido adjudicada acons-

    truo

    dafachadae docorpoda igrejano dia l deNovem-

    bro desse ano a Abel Simes

    Mizare la

    pela quantia de

    3.990$900 ris. Quatro anos depois (Agosto

    de

    1904),

    a nave e o campanrio j se encontravam concludos.

    O antigo templo setecentista permaneceu no meio da

    nave e s quando esta se final izou que o demoliram.

    N a

    zona

    do

    arco cruzeiro levantou-se, ento,

    uma

    parede

    provisria destinada a cerrar a nave, de molde a que a

    estrutura pudesse funcionar como templo

    at

    conclu-

    s o da abside,acompanhada pela sacristiaepela casada

    administrao.

    Contudo,

    a

    construo

    no

    parou.

    A

    fbrica eclesial

    ia-se completando

    e, em

    1907, Gonalves desloca-se

    ao

    Senhor da Serra,a fim de,

    in

    loco,observar aobra que se

    andavaafazer;

    tratava-se

    da

    concluso

    da

    capela-mor

    e dos

    anexos,estruturaque seiniciaraem Janeiro ouFevereiro

    desse

    ano e que

    fora

    tambm arrematada pelo mesmo

    Mizarelapela quantia de 1.300$000 ris. Era conhecida

    a

    interferncia

    directa

    e

    constante

    do Bispo-conde na

    17

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    11/60

    fe i turado Sa ntur io , mas a imprensa local, longe de

    esca-

    motea rofacto, sublinhava-o.

    Carac t e r i za res t i l is t icame nte

    a

    igreja

    que se

    e rgueu

    nos

    pr imeiros anosdeNovecentosno

    Senhor

    da Serra, torna-

    -se

    ta re fa

    difcil, direi mesmo quase impossvel, porque

    e la n o apre sen ta un idade . Mas , quem melhor adescre-

    ve u foi o seu au to r quandodisse qu e no houve nunca

    o propsito de const ru i r u m a Capela qu e

    fosse

    escrava

    dum estilo. Teve-se ape nas em vista uma construo agra-

    dvel. Quem

    olhar

    pa r ao esguioda torre supor-se-em

    f ren te dum gt ico

    f l amejan t e ;

    qu em exam inar os capi t is

    e cachorros

    julgar-se-

    em f r en te du ma cons t ruo rom-

    nica .

    Ofor rodocorpodacapela dum certo sabor rom-

    nico mas j o da

    capela-mor,apainelado

    como , parece

    do

    sculo XVII .

    Quando

    se observa, mesmo super f i c i a lmen te , este

    templo, no pode deixar de

    notar,

    ne m m e s m odiss imu-

    lar,

    o parale l ismo exis tente ent re a SVelha aemin iense

    e aigrejado Divino Senhor da Ser ra ; mas esta s imil i tude

    no

    pode causa r e s t r anheza

    se se

    tiver

    em

    conta

    que

    Mes-

    t re Gonalves foi o responsvel pelo restauro da primeira

    epelo projecto

    da

    segunda. Desde

    a

    agulha (demolida

    na

    velha catedral),

    aos

    cachorros,

    aos

    capitis,

    aos

    lunetos

    e

    at ao

    re tbulo

    e

    azule ja r ia

    da capela-mor,

    esta

    a

    mos-

    trar-se nu m lambr i l de pseudocorda-seca, tudo

    joga

    em

    unssono.

    Constru iu-se a capela , mas es tava despida, nua e

    fr ia :

    sem mobil ir io . O rnament-la e inserir-lhe retbulos tor-

    nava-se imper ioso.

    Em Coimbra

    procedia-se,

    na

    a l tu r a ,

    demolio

    da

    igreja

    da

    Miser icrdia velha

    que se

    si tu-

    ava sobre

    o

    medievo templo

    de S.

    Tiago,

    ali na

    Praa

    do

    Comrcio.Osdois re tbu los la te ra is existentesno templo

    de ixa r amde t e rservent ia ,

    f icaram

    de sact ivados, acabando

    por ser

    comprados para

    o

    Senhor

    da

    Ser ra

    por

    150$000

    ris

    ea d a p t a d o sa olocal,em 1908, po r

    J o a qu im

    d eAbreu

    Couce i ro . A sua talha insere-se no cham ado estilo joa-

    nino e , face scaracter s ticas apresenta das, a f e i t u r a das

    peas aponta para os inciosd oscu lo XV III.

    Um dos

    retbulos f icou povoado

    com o seu

    orago,

    o

    Cris to Redentor , maspa r aooutro,Joo Ma chado, que

    t an tas

    e tore pet idas vezest em assinalado oprestgio da

    escola coimbr co m produes genia is e de ve rdade i ro

    t r i un fo pa r a o seu conce i tu ado nome escu lp iu uma ima-

    ge m

    da Senhora da Piedade,

    estofada

    nas of icinas de pin-

    t u ra deAntn io

    Eliseu,

    a r t i s t ade reputado mr i to . A

    imagem,

    que custou 180$000ris, foi ocupa r o seu

    lugar,

    em 1912,

    ano em que

    chegou

    ao

    Santur io .

    Em 1943 procedeu-se

    ao

    res tauro

    dos

    colaterais,

    que

    deve

    te r

    passado pelo

    redouramento e ,

    anos depois ,

    j

    nof inda rdo sculo (1996), o ento proco, padre

    Ant-

    ni o

    PedrodosSantos, despende u 150.000$00 numa nova

    reparao.

    18

    19

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    12/60

    A ut i l izao de retbulos decorre da necessidade de

    dignificar o

    microcosmo

    em que o

    sagrado

    se

    concentra

    com

    maior intensidade, deofereceru m cenrio condigno

    Eucaristia e de identificar o altar atravs da referncia

    ao santo ou ao mistrio a que est dedicado.

    E se o

    problema

    do s

    colaterais

    j se

    encontrava resol-

    vido, a

    verdade

    que na

    abside faltava

    o

    retbulo-mor.

    Mais

    uma

    vez,

    Antnio

    Augusto

    Gonalves o respon-

    svel pelo projecto e, em 1908 durante o tempo em que

    decorreu a romaria (Agosto), o esboo aguarelado esteve

    exposto, a fim de ser ratificado por todos q u a n t o s pas-

    savam pelo Senhor

    da

    Serra.

    No

    desenho,

    que

    revelava

    conhecimentos do s seus recursos decorativos , encon-

    trava-se patente a admirao do autor pelo esti lo gtico e

    a

    filiao no re tbulo da catedral velha mo ndeguina .

    A estrutura reveste a form a de trptico,onde se indivi-

    dual izao Corpus , queconst i tu iocentro narrat ivo,a ser

    ocupado com o antigo Cristo de Mar t imA v e deM a r i a

    Gu i l ha l m e, rematado

    por uma

    abbada complementada

    po r dossel rendilhado.

    Lateralmente , em dois nichos de maior envergadura,

    aparecem,

    cada um por banda , S. Pedro e S. Paulo qu e

    se encontram, respectivamente, ladeadospor uns outros

    menores, povoados porSantoAg ost inho e SoJe rnimo

    e

    por Santo Ambrsio e So Gregrio Mag no.

    A pa rt i r do sculo XV, a f im de tornar mais visvel o

    Co rpus , pa ssou a acrescentar-se aos retbulo s a predela;

    no Senhor da Serra el a evidencia-se divididae m peque-

    nos

    oratr ios que,

    no

    caso vertente, mostram

    a

    Ado-

    rao do s pastores , a Fuga para o Egipto , Cristo no

    Jardim

    da s

    Oliveiras ,

    a

    Flagelao

    e a

    Vernica .

    Os

    quatro Evangelistas, de vulto redondo, preenchem peque-

    nos nichos.

    Como estamos perante um retbulo de

    matr iz

    cris-

    tolgica, Cristo ressuscitado

    e

    dois anjos rematam

    o

    coroamento.

    Merece destaqu e

    a

    m o l d u r a ,

    e m

    escul tura ornam ental ,

    que bordeja toda a construo re tabula r eondese podem

    ver lees, anjos, ursos, porcos,

    amores

    aves, homens sel-

    vagens, etc. entrelaados

    em

    fo lhagem, a lguma

    a

    sair

    de

    est ru turasqu efazem lem bra r cestos de vime. Os smbolos

    eucarsticos ma terializ ado s no pelicano , nas videiras, nas

    parras

    e nas uvas tambm marcam presena.

    Opin tor , inspirando-senogosto f lam engo , patenteno

    retbulo da SVelha aem iniense,

    u t i l i zo u

    u m f u n d o azul

    onde se destaca a exuberncia doura da das msulas e dos

    ba l daqu i no sdest inados

    a

    albergar

    as

    escul turas

    de

    vu l to ,

    bem como

    os

    pseudodossis

    dos

    relevos

    da

    predela

    e do

    Corpus , a lembrar f i l igranados de requintada peca de

    ourivesaria.

    21

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    13/60

    A

    imprensa local,

    tal

    como acontecia

    com

    todos

    os

    trabalhos executados por alunos da Escola Livre, estru-

    tura

    que, a dada altura, se mescla com a Brotero, no se

    cansavade inserir notcias relacionadas com afeitura do

    retbulo queentretanto(1808) comearaa sertrabalhado

    nas

    oficinas

    da Escola Brotero. Tratava-se de um magn -

    fico altarde castanho , desenhado porAntnioAugusto

    Gonalves

    dentro

    doestilo gtico eexecutado sob ares-

    ponsabil idade de Joo M achado.

    Em 1910-11,Jos Paulo, artista tamb m ligado EL AD

    e

    Brotero, onde

    er a

    assistente

    na

    oficina

    de

    marce-

    naria, dirigida por Machado, deslocou-se ao

    Senhor

    da

    Serra,

    a fim de, sob o seu olhar atento , se assentar o altar.

    Os

    alunos

    da

    Escola Livre seguiram

    de

    perto, quer

    colaborando, quer colhendo ensinamentos, a feitura do

    Santurio impulsionado pelo Bispo-Conde

    e

    gizado

    po r

    Mestre

    Gonalves. Manuel Pedro de Jesus, artista ligado

    ao trabalho do

    ferro

    e que contr ibuiu para que Coimbra

    fosse apelidada por Feliciano Gu imares a cidade das

    grades ,

    encarregou-se de bater, a fim de serem colocadas

    sobretudo nas portas, as ferragens decorativas qu e mu ito

    honram aarte coimbr . Ogradeamentoquevedaoadro

    comeou a ser aplicado em 1931, tendo sido pago por ele

    a quantia

    de 16.492 00.

    As obras dos primeiros tempos foram sofrendo uma

    paulatina paralizao e, em 1913, o

    Dirio de

    Coimbra

    chamava

    a ateno para a necessidade de concluir o ret-

    bulo d capela-mor com o

    trabalho

    de pintura e

    dou-

    radura

    indispensvel para

    que ele

    ficasse completo,

    at

    porque representa

    dois

    anos de trabalho de umadezena

    de artistas novos e que primaram em conseguir nele o

    melhor xito .

    Depois da implantao da Repblica, quando se veri-

    ficou

    a nacionalizao dos

    bens

    da

    Igreja,

    a Comisso

    Adm inistrativa dos pertences do Santu rio foi extinta,

    mas,

    por via da

    forte personalidade

    do

    bispo Bastos

    Pina,os trabalhos foram-secontinuandoat sua morte,

    acontecida

    em

    Novembro

    de

    1913. Seg uiram -se ano s

    de

    marasmo e, em 1918, durante um curto lapso de tempo,

    vivificou no San turio uma Irmandad e que, apesar de

    quase mo men tnea, aind a teve capacidade para adjud icar

    a

    concluso

    do

    retbulo

    conhecida f irma conimbricense

    de Eliseu& Filho que,

    como

    sem pre, ali revelaramcrdi-

    to s

    qu e

    tanto

    os dist inguem .

    J referi,

    e volto a acentuar , embora salvaguardando

    a diferenade qualidade e de sumptuosidade, aligao

    quase umbilical

    do

    retbulo

    da

    capela

    do

    Senhor

    da

    Serra,

    com o da velha catedral conimbricense. Mestre

    Gonalves trabalhara na S, estivera ligado interveno

    levada a cabo no grande retbulo executado por Olivier

    deGand

    e Jean d'Ypres e, por isso, e no s, facilme nte se

    explicam asanalogias.

    23

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    14/60

    As

    catedrais medievas enriqueciam

    as

    aberturas

    co m

    vitrais que, para alm de lhes conferir imponncia, coa-

    vam a luz enchendo-as co m sombras coloridas e convi-

    dativas

    meditao. No novo templo, a erguer-se l no

    pncaro da serra, havia que tentar imitar os tempos de

    outrora; por isso, nas oficinas da Escola Brotero, o qu-

    mico C harles

    Lepierre,

    en to professor naquele estabele-

    cimento de

    ensino,

    tentavaproduzir,com os

    seus

    alunos,

    asvidraas brilhantes capazesdetornar intimista a igreja

    e de lhe

    conferir espiritualidade. Deparam-se

    co m

    in-

    meros problemas impeditivos de concretizar aempresa,

    mas,m esmo assim, ainda colocamnasventanas osvitrais

    que representam

    os

    quatro evangelistas

    e no

    culo

    o do

    Divino

    Salvador . Infelizmente,

    os

    originais perderam-

    -se, qui com excepo do do culo, mas recentemente,

    em 1996, o ento responsvel pelas almas e pelos bens

    doS anturio, padreAntnioPedrodos Santos encomen-

    dou, em

    Itlia,

    na casa Grassy Vetrate d'Arte, vidraas

    co midn tica temtica para fechar aqueles espaos emais

    quatro destinados

    a

    vedar

    a s

    frestas

    da

    nave

    do

    templo.

    Trs anos m ais tarde, na janela do coro, vindo da mesma

    casa, fo i

    aposto

    um

    vitral alusivo

    morte

    de

    Cristo

    que

    custou690.000$00.

    Asoficinas

    d a

    B rotero, relativamente

    igreja

    do

    Divino

    Senhor

    da

    Serra, funcionaram

    como

    verdadeiros labora-

    trios, pois tam bm fo i

    a ,

    nas de cermica,que Antnio

    24

    Augusto Gonalves deu corpo ao lambril de azulejos que

    reveste a nave, historiados com a vida de Cristo. Parece-

    -mepoder dedu zir, atravs da co nsulta do seu acervo e da

    da

    imprensa local, que eles foram assentes em duas eta-

    pas.

    A p rim eira, e mais vasta,decorreu at cerca de 1913

    e asegunda,em 1919-1920.

    E

    penso assim, porque

    na

    Gazeta

    de

    Coimbra

    se

    pode

    ler: com

    destino

    capela do

    Senhor

    da

    Serra acabam

    de

    sair

    das

    oficinas

    de

    cermica

    da

    Brotero dois belos pane

    au x representando os quadros Ecce

    Homo

    e Flagelato

    pr

    nobis

    cujo desenho se deve ao notvel artistaconim-

    bricenseAntnio Augusto Gonalves.maisu m aprodu-

    oque

    honra sobremaneira

    as

    oficinas

    da

    Escola Brotero

    e tambm a arte coimbr e o Jornal de Coimbra ainda

    acrescenta que esta obra de uma perfeio tcnica e

    artstica inexcedvel,honrado sobremaneira aqueles que

    nela cooperaram

    e

    evidencia

    a

    competncia

    do

    autor

    em

    assuntos

    desta natureza .

    Ambos

    osperidicos saramna

    primeira da sre feridas datas.

    Nos apontamentos

    goncalvianos

    relacionados com o

    Senhor da Serra e depositados na Biblioteca Municipal

    deCoimbra,

    entre

    outrasnotas,registei

    as

    seguintes:

    Em

    19Abril 1919 Recebi da C omiss o da M iseric rdia de

    Semide

    124$ escudos, imp ortn cia

    de

    10,3383

    m2 de

    azu-

    lejos que ultimamente executei para oSenhor da Serra ;

    Em

    19M aro 1919=G ratif icaoaAf fonso Pessoa pelos

    25

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    15/60

    ltimos q uadros

    d eazulejo(10,3383m2) =

    10$00 ;

    e Em

    20

    Abril 1919 =gratificao

    que dei ao S.

    Pinto =20$00 .

    Afonso Pessoa, ligado s oficinas da escola e artfice

    conhecido, colaborou

    com

    Gonalves nesta empreitada,

    tal como aconteceu com o arquitecto Silva Pinto, este

    tambm mui tasvezes cham ado a dar o aval cientfico

    construo.

    Quando, em 1907, se ergueu a abside do templo,

    apuseram-lhe,

    de um lado e do outro duas estruturasd e

    apoio aos servios cultuais e burocrticos: a sacristia e a

    casa da administrao. Para a pr imei ra mandaram

    fazer

    um arcaz com os seus gavetes, destinado a guardar os

    paramentos e Joo M achado esculpiu, em pedra, o magn-

    fico

    lavabo. Antnio Augusto Gonalves ofereceu

    a

    ima-

    gemdoSenhor Crucificado. Simultaneamente, o mesmo

    Machado trabalhou tambm as quatro pias dest inadas

    gua benta, colocadas, as de p, uma de cada lado da

    porta principal e as outras no corpo da capela, insertas

    naparede,a olado direitodecadauma dasporta s laterais.

    Nos

    ltimos anosdadcadadenoventadosculoXX,

    o responsvel pelo San tu rio, Padre Pedro, alterou a lgica

    inicial,transferindoasacristia paraazona inferiorda

    casa

    da adm inistrao. Decorrente desta deslocao, dado que

    o

    p-direito

    docmodo er a

    menor,

    o

    lavabo ficou embe-

    bido no solo, perdendo a sua proporcionalidade e, con-

    sequentemente, a inerente dignidade da pea alterou-se.

    26

    A sacristia foi transformada em Capela do

    Santssimo

    Sacramento

    e,

    simultaneamente,

    da

    Reconciliao.

    O

    velho

    Cristo

    de

    Antnio

    Augusto Gonalves preside

    ao

    altar; para tapar

    as

    aberturas foram encomendados

    ao s m esmo s artistas italianos da oficina Grassy Vetrate

    d'Arte, osvitrais, datados de 2001 e que, conjuntamente

    co m

    os da

    sacristia, custaram 1.900.000$00.

    Ergue-se

    ainda,noadro doSanturio a nastraseirasdo

    templo,

    uma

    pequena capela

    com a

    invocao

    do

    Senhor

    dos Passos. Construda em 1943, alberga,naactual idade,

    para almdo Orago, os ex-votosdos tempos modernos:

    fotografias.

    MasoSanturio,

    onde

    andano ar no sei quemsica

    celeste

    feita

    do zumbido de abelhas, de chilreio de pas-

    sarinhos,de oraes de

    crentes ,

    impe-se

    pelo

    seu

    todo

    embora a capela do Divino Senhor da Serra que, c de

    longe parece

    um

    grande corvo poisado

    no

    vrtice

    da

    serra,

    erg uend o para o ar, a perder-se no

    azul

    dos cus, o

    bicoalvo

    e

    esguio ,

    se

    assuma

    com o

    eixo central

    de

    todo

    o complexo.

    27

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    16/60

    ORIENT O BIBLIOGRFIC

    Fontes:

    ABMC.

    Acervo de

    Antnio

    Augusto Gonalves.

    Obras de consulta:

    G O M E S ,

    Marques D . M anoel Corra de Bastos

    Pina,

    Bispod e Coim-

    bra, Conde d Arganii. Esboo biograpfuco, Aveiro Minerva Central

    1897.

    MACEDO, Francisco Pato

    de, O

    re tbuio

    da S

    Velha

    de

    Coimbra,

    ern Portugale spanha entre a uropa e aim-mar. Actas do IV Simp-

    sio

    Luso-Espanhol de

    Histria

    daArte Coimbra

    IHAUC

    1988 p.

    303-319.

    N V S Campos O DivinoSenhordaSerradeS emide , Coimbra Gr-

    f ica

    Conimbricense 1920.

    Publicaesperidicas:

    Despertar

    (O )

    Dirio de Coimbra

    Gav e t a de Coimbra

    Jorna

    de Coimbra

    Notcias de Coimbra

    Resistncia

    Tribuno

    (O )

    Popuiar

    28

    r u z d e L o n g e

    29

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    17/60

    M o s t e i r o d e S a n t a M a r i a d e S e m i d e. V i s t a gera l

    3

    A n t n i o A u g u s t o G o n a l v e s .

    A

    c a p e l a

    d o

    D i v i n o S e n h o r

    d a

    S e r r a

    e m

    1 8 8 2

    A B M C .

    D e s e n h o a

    lpis

    3

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    18/60

    A n t n i o A u g u s t o G o n a l v e s . A l a d o

    princip l

    d a c a p e l a d o D i v in o S e n h o r d a S e r r a

    A B M C .

    A g u a d a )

    A n t n i o A u g u s t o G o n a l v e s . A l a d o l te r ld a c a p e l a d o D i v in o S e n h o r d a S e r r a

    A B M C . A g u a d a)

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    C a p e l a d oD i v i n o S e n h o rd a S e r r a b s i d e e a n e x o s

    C a p e l a

    d o D iv in o S e n h o r d a S e r ra F a c h a d a

    princip l

    C a p e l a d o D iv in o S e n h o r d a S e r r a C a c h o r r a d a d a a b s id e

    5

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    20/60

    C a p e l a d o D i v i n o S e n h o r d a S e r r a . F r e s t a d a a b s i d e

    C a p e l a d o D i v in o S e n h o r d a S e r r a . C a p i te l d a a b s i d e

    C a p e l a d o

    D i v in o S e n h o r

    d a

    S e r r a . R e t b u l o m o r

    7

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    21/60

    C a p e l a

    d o

    D i v in o S e n h o r

    d a

    S e r r a . P o r m e n o r

    d o

    r e t b u lo - m o r

    A n t n i o A u g u s to G o n a l v e s . D e s e n h o parc ia ld o c o r p o a z u l e ja r d o r o d a p d a n a v e d o

    templo

    A B M C .D e s e n h o a lpis

    A z u l e j o d an a v e d otemplo. P o r m e n o r

    9

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    22/60

    C h a r l e s

    L e p i e r r e

    (?).

    D i v in o S a l v a d o r

    Vitral

    d o c u l o d a n a v e d o

    t em p lo

    G r a s s y

    V e t ra te

    d Arte . S

    Mateus. V i t ral

    d e u m a d a s

    f r es tas

    d a n a v e d o

    t em p lo

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    23/60

    G r a s s y

    V e t r a t e d A r t e .

    Morte

    d e C r i s t o .

    Vitral

    a

    v e n t a n a

    d o c o r o

    4

    A n t n i o A u g u s to G o n a l v e s . C a p e l a d o S a n t s s i m o S a c r a m e n t o . C r is t o c r u c if ic a d o .

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    24/60

    G r a s s y

    V e t r a t e d Ar te . C a p e l a d o Sant ss imo Sacram ento . ltima C e i a Vi t ra l

    44

    C a p e l a

    d o

    S e n h o r

    d o s

    P a s s o s

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    O M

    M A R U S -

    C Q W S IA

    B S T O S P I N

    B I S P O C O H D C O E C 0 1 H 3 R A

    AT9

    9 3

    S a n t u r i o d o D i vi n o S e n h o r d a S e r ra - B u s t o d e D . M a n u e l C o r r e i ad e B a s t o s P i na

    Santurio do Divino S e n h o rd a S e r ra Busto de P a d r e Antnio P e d r o do s S a n t o s

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    27/60

    EX

    VOTOS NARRATIVOS

    M R I T E R E S OSRIO D E M E L O

    icenci d em

    Histrico Filosficas

    Um a abordagem sociolgica do universo esttico mos-

    tra

    que a produo artsticatem como

    referncia

    no

    condicionante

    o

    quadro

    de

    valores

    de um

    dado cenrio

    espcio-temporal.

    Os valores constituem uma unidade

    diferenciada

    e

    antropocntrica.

    Arte, M oral, Religio, Poltica, E conomia,

    so

    expresses dessa unidade,

    os

    seus domnios

    no se

    confundem mastodosem anam de uma mesma realidade

    essencial

    que tambmo seuprprio fim oHo me m.

    A

    arte popular

    reveladora desta proximidade, desta

    relao entre a Arte e os demais valores que constituem

    a

    ma triz axiolgica

    de um

    grupo social,

    O ex-voto narra-

    tivo

    milagre ,

    na

    linguagem popular

    representauma

    interessante expresso

    de

    arte popular

    e,

    sendo

    um

    arte-

    facto que evidencia uma vertente religiosa,reflecte, por

    outro lado, uma estrutura social

    cujo

    trao dominante

    a ruralidade.

    51

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    28/60

    O

    ex-voto

    no

    apenas

    um

    produto

    de

    arte

    com as

    suas

    carac ter s t icas pecul iares; tam bm um testemunho

    do seu

    tempo. Assim sendo,

    no tem

    apenas

    um a

    dimen-

    so esttica; tem igualmente uma dimenso histrica

    ganhando ,por isso,oestatuto deobjecto histrico.

    Rober t Chester Smith , autor de um estudo sobree x-

    -votos provenientes de vrios santurios portugueses,

    considera que em Portugal existe um notvel acervo de

    pin turapopula r , dos mais ricos da Europa . Porm, nem

    sempre

    foi

    reconhecido

    o

    valor esttico

    e

    histrico destes

    objectos.

    O

    prim eiro estudo sistem tico sobre

    os

    ex-votos

    deve-se

    a

    Antnio Augusto

    da

    Rocha Peixoto que,

    em

    1905, pu blico u Tabulae Votivae Hoje, como todosos pro-

    dutos da cul tura popular , susc i tamum olhar novo reco-

    nhecendo-se as suas virtudes estticas e o seu interesse

    histrico. Os ex-votos constituem um a herana colectiva

    epara a

    u s u f r u i r

    e transmitir aos vindouros indispens-

    ve l

    que acomu nidade se reconhea responsvel pela sua

    preservao

    e

    valorizao.

    Divulgando

    o

    ncleo

    de

    quadros votivos

    do

    Santur io

    do

    Senhor

    da Serra estamos aintervirnuma rea

    quase

    ignorada ou no reconhecida no seu valor real. Os ex-

    -votos

    so objectos nobres que, pela sua dimenso cultu-

    ral,valea pena proteger.

    52

    No seu significado ma is lato o conc eito ex-voto

    representa tudo

    o que o

    crente oferece

    divindade

    em

    reconhecimentopor graa

    recebida.

    Na extenso

    abran-

    gente

    do

    conceito cabem

    no

    apenas objectos

    mas

    t ambm

    comportamentos. So ex-votos as figuras de cera ou as

    simples velas,

    a s

    t ranas

    de

    cabelo,

    os

    cordes

    de

    ouro

    ou

    outras jias, os quadros votivos, imagens de santos, foto-

    grafias

    pessoais, edificaes - por exemplo, o Convento

    de

    M a f ra - registos deazulejos normalmente colocados

    nas fachadasd ascasas, nos ptios, escadas ouarcos, mais

    frequentes aps

    o

    terramoto

    de

    1755 porque

    o

    receio

    de

    ser

    atingida por alguma calamidade

    dominava

    e angus-

    tiava a populao crente, e ainda comportamentos de

    automort i f icao - longos percursos feitos a p dejoe-

    lhos,

    sem

    falar...

    -

    missas, oraes, etc.

    Segundo Eur ico Gama, o ex-voto to velho como

    o h o me m que sempre ter concebido representaes

    acessveis

    s suas capacidades perceptivas e a quem atri-

    bui

    poderes

    que

    transcendem

    oslimitesda sua condio

    h u m a n a .

    Angstias

    existenciais, interrogaes

    sobre

    a origem

    esentido da vida, a conscincia da vu lnerabilida de e da

    transitoriedade

    da

    prpria vida, geram

    na

    conscincia

    h u m a n a um a at i tude s imul taneamente ansiosa eindaga-

    53

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    29/60

    tiva.

    O

    homem questiona

    equestiona-see

    busca respos-

    tas. O m istrio foi sempre um desafio ao pensamento e

    imaginao: criadeuses

    e

    mitos

    imagem

    da sua

    prpria

    natureza

    e dos seus prprios cenrios e a eles recorre no

    desejo

    profundo decompreendera natureza e na necessi-

    dade

    urgente de se sentir protegido.

    Jos Leite

    de

    Vasconcelos escreve: Assim com o hoje

    quem se v doente ou na imin ncia de um perigo ou

    doena invoca

    os

    santos,

    a

    Virgem

    ou Cristo,

    assim

    na

    Antiguidadeum a

    pessoa

    n as

    m esmas circunstncias invo-

    cavaos

    deuses, fazendo-lhes

    votos,

    isto

    ,

    promessas

    de

    objectos

    (...) que depois lhes levava, quando se supunha

    atendida .

    Tambm

    as

    pinturas rupestres

    das

    cavernas

    pr-histricas

    e as

    ofertas

    s

    divindades

    do

    Antigo Egipto

    sero exemplos

    de

    antepassados histricos

    dos

    ex-votos.

    De

    facto,

    os que

    hoje encontramos

    em igrejas,

    capelas

    e

    museus,teroa sua origemremotanos ex-votosdopaga-

    nismo e deles no diferem substancialmente. So, eles

    tambm, aexpressode uma relao entre o crente que

    promete

    um a o ferta especificada e o sagrado que dever

    responder-lhe favoravelmente;

    de uma

    relao contratual

    ede

    troca

    -

    promessa

    - em que os

    desempenhos

    das

    partes envolvidas parecem condicionar-se.

    A

    ddiva divina

    - a

    graa

    -

    co rrelativa

    da

    contra-ddiva humana

    - a

    oferta votiva

    - mas no so

    equivalentes, isto

    , em

    ter-

    mos reais

    a

    relao entre

    o

    divino

    e o

    humano

    uma

    relao assim trica . Assim

    a

    define Joo

    de

    Pina

    Cabral

    em obra de referncia sobre esta temtica.

    Nos

    seus dram as pessoais

    e

    familiares,

    o

    recurso

    media-

    o

    dos

    santos

    - os

    santos advogados

    -

    constitui tamb m

    uma prtica frequente

    dos

    crentes.

    Se a

    mediao

    for bem

    sucedida, o santo receber em troca a

    oferta

    votiva .

    Os

    ex-votos, qualquer

    que seja a sua

    expresso,

    tm

    uma funo gratulatria e tornam pblica a relao de

    troca.

    Aformamais comum doquadro votivo op ainel rec-

    tangular, geralmente em madeira, no

    qual

    se historia o

    milagre.

    As narrativas so ingnuas e muito econmicas,

    temticae estilisticamente.

    A m aioria das situaes retratadas so enferm idade s

    que

    ocorrem

    no

    espao

    domstico.Com

    menosfrequn-

    cia

    o local do sucesso um cenrio exterior ao lar: o

    campo - acidentes compessoasouanimais - e o mar -

    naufrgios e

    outras tragdias.

    Normalmente, o painel exibe na zona inferior uma

    descrio

    sumria do

    evento.

    Esta inscrio comea,

    quase

    sempre, pela expresso

    MILAGRE

    QUE FEZ, por

    vezes

    substituda pela sigla

    M .Q.F., ou

    simplesmente pela

    palavra MILAGRE,tambm

    podendo

    esta

    ser

    substituda

    pela letra

    M .

    Nesta narrativa textual

    referem-se o

    motivo

    55

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    30/60

    queesteve

    na

    origem

    da

    splica,

    o

    nome

    do

    ofertante

    e

    a data do acontecimento; expressa-se ainda a dedicao

    do

    painel

    aoente

    sagrado

    cuja intervenofoi

    solicitada.

    So frmulas discursivas estereotipadas

    que

    recorrem

    a

    expresses repetitivas mas que constituem geralmente,

    matria

    bem

    valiosa para

    os

    linguistas

    -

    assim

    o

    assinala-

    ra mdiversos autores e ocomprovou, em 1895,

    Jos

    Leite

    de

    Vasconcelos

    como

    refere

    Agostinho

    Arajo.

    As

    com-

    ponentes visuais igualmente se vo repetindo e apenas

    esteticamente seregistam algumas singularidades.

    A composio pictrica

    pode

    integrar uma nica

    cena ou apresentar zonas diferenciadas como , com fre-

    quncia o caso dos milagres por doena em que se faz

    a representao, separada,

    de uma

    trilogia:

    o

    enfermo,

    o

    ou osseus familiarese o entevotivo -

    Cristo,

    aVirgem

    Mar ia

    os mais diversos Santos conforme a peculiaridade

    do problema em causa. Estas f iguras sagradas so coloca-

    das

    geralmente, direita no

    plano

    superior do

    quadro.

    Com

    menos frequncia

    se

    vem

    aocentroou

    esquerda,

    representados

    num

    quadro

    ou num

    retbulo integrando

    a

    decorao

    do

    espao domstico.

    A

    representao

    de

    pormenores arquitectnicos

    e

    decorativos, mobilirio, vesturio e outros adereos,

    objectosde usodomstico,

    alfaias

    agrcolas, etc., conferea

    estes ex-votosumvalor etnogrfico, iconogrfico eantro-

    polgico particularmente importante. AgostinhoArajo,

    56

    autor

    j

    referido, elaborou

    um estudo

    sobre

    o

    trajo

    a

    par-

    ti rdaspinturas votivas.Outrosestudos confirmamoreal

    interesse destes artefactos.

    A

    pintura, aplicada directamente sobre

    o

    suporte

    - em

    madeira

    papel, folha-de-flandres

    -

    tecnicamente

    inci-

    piente, esteticamentenaf.Oleo,aaguarelae olpisso os

    materiaispreferencialmente usados.Asmanchas cromticas

    so

    fortes

    por

    vezes

    mesmo agressivas nos seus contrastes.

    Muito raramente os ex-votos so assinados. Em regra,

    os

    seus autores

    so

    artistas modestos, annimos,

    mas com

    talento reconhecido eque,por isso,soescolhidos para

    darexpresso v isua l svivncias religiosas.

    So pouco frequentes ospainis votivos anterioresao

    sculo X V I I . N a

    primeira metade

    do

    sculo

    X IX

    atingem

    o

    auge

    e

    alguns, raros,

    so

    mesmo obra

    de

    notveis pin-

    tores, como

    o

    caso

    de Domingos

    Sequeira. Porm,

    na

    segunda metade do mesmo sculo, a burguesia foi desva-

    lorizando

    este tipo

    de

    oferta que,

    at ao

    sculo

    XX,

    conti-

    nuar

    a serpreferida pelos estratos sociais mais modestos,

    nomeadamente

    dos

    meios rurais.

    Pode dizer-seque a fotografia representa ogolpe fa ta l

    na

    produo

    dos

    painis votivos.

    Mas

    pela

    fotografia no

    sef iguram osacontecimentos, apenasa spersonagens que

    57

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    31/60

    neles

    intervm. Perde-se

    a

    riqueza intrnseca

    dos

    quadros

    votivos

    enquanto objectos histricos de memria.

    Em sntese,

    nos

    ex-votos narrativos

    os

    dramas vivi-

    dosso historiados visual e textualmente com recurso a

    esteretipos

    que

    condicionam

    o

    artista

    e no lhe

    deixam

    espao

    para revelar o seu esprito criativo.

    Enquanto

    cenas

    tipificadas, no

    transmitem

    a

    intensidade

    dos

    sentimen-

    to s experienciados mas tornam pblicos os milagres .

    Traduzem,na sua

    essncia,

    uma mudana,

    marca domi-

    nante

    dos

    episdios

    a que se

    referem:

    a um

    estado

    de dor

    sucede-se afelicidade sentida porquea dor foi dominada.

    A

    causa

    natural desta mudana no se

    conhece

    nem se

    indaga.

    Para

    o

    devoto,

    se o

    sofrimento termina

    e a ale-

    gria

    consequente o invade, isso deve-se interveno do

    sobrenatural.

    Alm

    das

    missas, novenas

    e

    sermes,

    os

    votos

    ao

    Senhor Santo

    Cristo

    do Santurio do Senhor daSerra

    assumiram,

    ao

    longo

    dos

    tempos,

    as

    mais diversas

    formas:

    sacrifcios,ofertasemdinheiroou emgneros, fotografias

    ou, ainda, ofertas de objectos. Entre estes ltimos

    mere-

    ce mdestaque os painis votivos que, em 1920, constitu-

    am

    um interessante conjunto de vinte e um exemplares.

    58

    Assim

    o testemunhou Campos Neves que jentodava

    notcia

    do

    desaparecimento

    de

    alguns. Hoje,

    a

    coleco

    in tegradezassete peas, marcas evidentesda devoo ao

    Senhor Santo Cristo cuja fama milagreira

    era

    outrora

    confirmada pelos milhares de romeiros provenientes de

    diferentesregies

    do

    pas que,

    em

    Agosto, vinham

    parti-

    ciparnas celebraes em sua

    honra.

    No actual conjunto de ex-votos narrativos do Santurio,

    exceptuando dois exemplares do sculo XX, osrestantes

    datam do

    sculo

    X I X ,sendoo

    mais antigo

    do ano de

    1822

    f i g . i .

    A

    narrativa textual destes ex-votos

    nem

    sempre cum-

    pre

    os critrios habituais da sua composio: dedicao

    expressa ao

    ente sagrado

    que fez o

    milagre,

    refernciaao

    motivo que determinou orecurso proteco do mesmo,

    identificao do

    ofertante, data

    do

    sucesso

    e, com

    fre-

    quncia, o local de origem do mesmo ofertante ou da

    ocorrncia.

    Verifica-se que apenas dois ex-votos no registama

    datado

    milagre

    e que

    tambm apenas dois

    no

    iniciam

    o

    texto com a

    frmula convencional.

    Os

    restantes uti l izam

    uma das

    expresses: M IL A G R E

    Q U E FEZ(S), M

    E

    q FEZ(S)

    ou M.Q.F.

    A

    dedicatria expressa-se

    sob a

    forma,

    por

    vezes

    abreviada, de um dos registos:

    S E N H O R

    DASERRA ou

    DIVINOSENHOR

    DA

    SERRA.Destaca-se

    um

    exemplar

    59

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    32/60

    cuja

    legenda

    se

    reduz

    a PELAS A L MA S

    reproduzindo,

    a

    composio pictrica,

    a

    habitual figurao

    da s

    Alminhas

    f i g . 1 7 .

    Num

    dos

    ex-votos

    no

    explicitado

    o

    motivo

    que

    levou

    invocao

    da

    proteco divina, referindo-se vaga-

    mente V E N D O S E E M H U A F L I O fig.4). E m dois

    dos

    painis

    o

    motivo

    no

    consta

    da

    legenda

    mas

    infere-

    -se,

    da composio pictrica,

    tratar-se

    de uma enfermi-

    dade , eventualmente do ofertante. As enfermidades

    so o motivo dominante das tbuas votivas do Senhor

    da Serra. Enfermidades de pessoas, mas no s. Numa

    das tbuas

    fig.3)

    diz-seque o devoto TENDO HUM BOI

    M

    TO

    DOENTE invocou a proteco do Senhor e o ani-

    m alLOGO SAROV. Noutro caso

    fig.5)

    historia-seumaci-

    dente ocorrido

    fora do

    espao domstico,

    no

    campo.

    Por

    f im,

    um terceiro ex-voto conta-nos a histria de um pote

    que caiu de grande altura e no partiu POR GRAA DO

    DIVINO

    S E N H O R DA

    SERRA

    f ig.15) .

    Paraalm da tbua votiva, o crente levava ao Santurio

    outras ofertas. Na composio textual de um dos ex-

    -votos

    pode

    ler-se:

    OERECERO

    A OM

    SENHORH U M A

    J U NTA

    DE BIS

    fig.7) cu j a

    representao ocupa metade

    dopainel

    -

    para traduzir

    o

    valor material

    da oferta?,

    para

    expressar

    a grandeza da graa recebida?

    O ente sagrado,oSenhor daSerra,no est

    f i gu ra d o

    num dos quadros votivos (fig.15). Nos restantes, quatro

    60

    representam

    Cristo

    Crucificadoaocentro dopainel, trs

    no canto superior esquerdo e todos os outros ao lado

    direito comomais comum.Emgeral,o

    ente

    votivo apa-

    rece emoldurado

    por uma

    cercadura

    de

    nuvens, delas

    irrompendo como

    se

    fora

    uma

    apario.

    No

    conjunto

    dastbuas votivas

    do

    Santurio

    do

    Senhor

    da

    Serra cinco

    no

    reproduzem este

    modelo:

    Cristo Crucificado

    no

    envolto por essa moldura. Em trs painis vem-se duas

    f iguras

    ladeando

    a

    Cruz, certamente Maria

    e

    Joo,

    o

    dis-

    cpulo amado.

    A

    identificao

    do

    ofertante

    - que

    pode

    ser

    simulta-

    neamente,e defactoo namaior partedoscasos, quem

    bene f i c iou

    da

    graa

    - no

    est assinalada

    em

    todos estes

    ex-votos mas apenas em dois se verifica esta omisso. Em

    quatro deles distingue-se entre

    o

    ofertante

    e o

    enfermo

    que recebeu ofavorda interveno divina, como o caso

    da

    legenda

    que

    parcialmente

    se

    transcreve: M IL A G RE

    QU E O

    SENHOR

    DASERRA FSA M A N O E L

    PIMENTA

    E

    M ARIA BRANCA (...) RESSUSCITANDO

    LHE H U M A

    FILHA D A I D A D E D E 8ANNOS

    fig.7).

    P orvezes, aiden-

    t if icaodo ofertante no explcita mas pode

    inferir-se

    ou colocar-se como hiptese. Assim, a legenda que acom-

    panha a representao pictrica de um dos painis voti-

    vos fig.10)

    - M I L A G R EQUEFEZOSENHORDASERRA

    A H U M A

    R E L E G I O Z A

    DE

    S EM IDE

    -permite admitirque

    61

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    33/60

    o ofertante ter sido a comun idade cenbica de Sem ide

    ou a

    prpria religiosacuja identidade

    no

    registada.

    As

    referncias tpicas, constituindo em geral um dos

    elementos

    integrantes

    da

    composio textual,

    no

    esto

    assinaladasem todas as tbuas votivas do Santurio.

    A composio textual encontra-se, por regra, na zona

    inferior

    do

    quadro. Pode ver-se

    no

    Senhor

    da

    Serra

    um

    modelo curioso

    fig.9)

    que no correspond e regra: a

    legenda dispe-se em moldura oval cercando a represen-

    tao

    pictrica. Esta moldura completa-se com a inclu-

    so, aos cantos, de elementos florais, resu ltand o um

    todo

    decorativo de belo efeito e revelador de alguma criativi-

    dade

    e

    cuidado esttico

    do

    artista,

    no

    muito comuns.

    Como

    j foi

    referido,

    a

    figurao

    dos

    milagres relati-

    vo s a enfermidades abrange, geralmente, trs espaos: o

    do

    ente votivo,

    o do

    enfermo muitas vezes acamado

    e o

    do sseus familiare s ou o utras p ersonagens. E uma trilogia

    que est presente em oito dos ex-votos do Santurio do

    Senhor

    da

    Serra.

    Os

    restantes

    s o

    alheios

    a

    este esquem a.

    Duas das tbuas votivas, pela forma de representao

    do

    mobilirio,

    dos

    adereos

    do

    leito

    e das

    vestes cuida-

    das,parecem oferta s provenientes de grupo social no to

    marcado pela ruralidade e mais prximo de uma classe

    mdia. A confirm-lo, a indicao numa destas tbuas

    da profisso

    do

    enfermo

    PROFESSOR

    EMPEREIRA

    fig.ll).

    62

    A data do sucesso , normalmente, registada na

    legenda destes artefactos. Nos exem plares do San turio

    encontram-se trs que no esto datados, dois que, para

    alm d o ano , registam o dia e o m s e os restantes assina-

    lam apenaso ano.

    Segun do A ugusto da Rocha Peixoto, as dimenses

    mais comuns

    dos

    quadros votivos

    s o 35x50 cm. Do

    conj unto exposto no S antu rio do Senhor da Serra, o ex-

    -voto

    de

    maior dimenso

    tem

    37,5x44,5

    cm. e o de

    menor

    dim enso 22,5x31,5 cm . Predom inam os que tm valores

    prximos deste ltimo.

    Com uma nica excepo em tela, a made ira constitui

    o m aterial de suporte destas pin turas votivas. Alg umas

    foram reproduzidasno revestimento em azulejo dosban-

    co s

    incrustados

    no

    m uro

    que

    limita

    o

    adro

    da

    capela.

    Reprodues ne m sempre fiis aos ex-votos originaisq ue

    lhes

    serviram

    d e

    modelo,

    t m

    sido alvo

    de

    actos

    de

    vanda-

    lismo,a olongo dos tempos. Oferecem,por isso,u mcen-

    rio

    triste do que pode resultar da ausn cia de civismo e

    sensibilidade cultural . Nunca demaisenfatizaro quanto

    urgente alertar

    as

    conscincias para

    a

    responsabilidade

    individuale colectiva na divulgao e proteco dosvalo-

    res patrimoniais, testemunhos de um passado pleno de

    saberes,

    sentimentos e memrias.

    63

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    34/60

    ORIENT O BIBLIOGR FI

    ARAJO,

    Agostinho,

    Pinturade milagres e

    estudo

    dotrajo:

    pequeno

    exemplo.In:A rqueologia ,

    Porto,

    4

    (1981)

    .

    A R A J O ,

    Agostinho, A p in tura popular votiva no Sc. XVI J : algumas

    reflexes

    a partir da coleco

    e Matosinhos, Porto:

    [s.

    n.], 1981.

    Separata

    da

    Revis ta de

    Histria, 2(1979).

    A artepopular

    em

    Portugal. Dir. de Fernando deCastroPires de

    Lima. [Lisboa]:

    Verbo, [s.d.]. 3

    vol.

    AS S U N O,

    Toms Lino da , A s monjas de Semide: reconstituio doviver

    monstico.

    Coimbra:

    Frana

    Amado,

    1900.

    CHAVES,

    Lus,

    Aslegendasdos

    milagres.

    In: Regis taLusitana,Lisboa,

    vol.

    19(1916).

    CHAVES,

    Lus, N a arte

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    do sex-votos: O s milagres .Separata da

    Revistade Guimares,vol.80(1970).

    C O R R E I A ,Verglio, inventrio artsticodePortugal:

    Distrito

    de

    Coimbra.

    Reorganizado

    e completado por AntnioNogueira Gonalves.

    Lisboa:

    Academia Nacional

    deBelas

    Artes, 1952.

    GAMA,Eurico,

    Os

    ex-votos

    da

    igreja

    do

    Senhor

    Jesus da

    Piedade

    de

    Eivas,

    Braga:

    Associao dos Arquelogos Portugueses, Seco de

    Histria

    da

    Sociedade

    de

    Geografia

    de

    Lisboa, 1972, vol.

    I.

    LAPA,

    Albino,

    Livro de

    ex-votos

    portugueses.

    Lisboa:

    [s.n.],

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    Milagreq fez... Coimbra: Museu Antropolgico da Universidadede

    Coimbra, 1997.

    PEIXOTO,

    Antnio AugustodaRocha, Tabulae Vootivae.In: Portuglia,

    vol.ll (1908).

    SMITH,Robert

    Chester,

    Duas tbuas votivas o norte ePortugal.[s,L:

    s.n.], 1968. Separata

    das Actas do V

    Colquio

    Internacionalde

    Estudos Luso-Brasileiros,5.

    SMITH,Robert Chester, Pinturas de ex-^otos existentes em Matosinhos e

    outros santurios portugueses.

    Matosinhos: Cmara Municipal

    de

    Matosinhos, 1966.

    64

    Jvtvido

    fie

    Ikt

    n

    2

    mi

    i g u r

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    r z

    o

    a

    O V S ia

    HXS3AM

    vs j a 3 wao Nac

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    F i g u r a 9

    _

    QVJpF Z O SENHORDA

    SERRA

    AHtJMA REIaEGOZA DO CONVEN

    DE S K 2 V D K .

    ANJVQ I1K

    1 H G /

    F i g u r a

    1

    QUE FEZ O

    SENHOR

    DA

    SERRA

    A J O Z l - J PEREIRA M A

    DO LUGEAR DO L AP O E

    PROFESSOR

    E M PE REIRA.QUE

    rANDO

    G R A V E M E N T E

    DOENTE

    APEQUERO SADE

    DE DE2.GA4BRO

    DE

    1875

    igur

    11

    73

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    F i g u r a

    6

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    MU K OVUIMAlfl l

    i g u r a i

    M N M 5788; Artes Grficas921

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    SANTO

    CRISTODA SERRA

    OLHAR

    O BELO COMUNGAR

    A

    V E R D A D E

    SEGUIRA VIDA

    J O O P U L O

    F E R N N D E S

    pelo

    No Portugal da poca Moderna urna dasprincipais

    manifestaes da f dos homens

    passa pelas deslocaes

    quotidianas a santurios onde se veneram relquiasou

    imagens

    deCristo deNossaSenhoraou dossantos.Nos

    sculos

    XVII

    e

    XVIII

    a f das

    gentes

    marcada pelacres-

    cente devoo popular ao Crucificado em sua paixoe

    morte alimentada pela pregao franciscana

    e

    pela afec-

    tividade

    do

    povo

    portugus

    que no

    esqueceu

    de

    colo-

    car

    em

    lugar

    de

    honra

    no

    escudo nacional

    as

    chagas

    do

    Redentor e sereflecte denorte a sul do

    pas

    naiconogra-

    fia daarte religiosa presente napintura em retbulos nos

    altarese nos templos.

    mbor

    continuassem a ser procurados os principais

    lugares

    daCristandade como Roma eJerusalm ostemplos

    de

    predileco encontravam-se

    a

    alguns dias

    de

    viagem

    integrados navida regional. Estes centros deperegrinao

    81

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    43/60

    maiores

    ou

    menores, conforme

    a

    grandeza

    das

    narrativas

    dos

    milagres,situavam-seno exterior daspopulaes, em

    capelas

    e ermidas isoladas, em altitudes elevadas, tocadas

    pelo cu, propcio aoencontro entre Deus e ohomem.

    Nestes templos, o

    fiel,

    num desejo de renovao

    inte-

    rior, acorria para procurar a proteco divina; "ouvir" e

    pagar

    missas e/ou sermes; obter perdo; fazer

    e

    cum-

    prir promessas. Algumas

    vezes

    depositando os seus ex-

    -votos de carizfigurativo-narrativo, peas que ilustravam a

    situao

    em que o

    milagre

    se

    realizou,

    em

    tbuas votivas;

    outrasvezes, entregando as mortalhas e objectos de cera,

    conforme asdoenas ou aspartes do corpo que tinham

    sido agraciadas;

    ou

    outros objectos, como azeite

    e

    cera.

    nestecontexto

    de

    romaria

    e

    vivncia

    de f que

    surge

    e sedesenvolve o culto ao Divino Senhor da Serra de

    Semide,o Senhor Crucificado.

    Desde do sculo

    XVII

    at s aparies de Nossa

    Senhora,emFtima,oSenhordaSerrafoi omaior Santu-

    rionaregiodocentrodopas. Poralturadasaparies

    da Senhora mais brilhante

    que o

    sol a

    este templo, acorriam

    maisde vinte mil peregrinos Assim, o afirmam os jornais

    de

    Coimbra por altura da romaria de Agosto de 1916,

    data em que romeiros, de todas as idades e de ambos os

    sexos,

    se

    cruzavam para

    o Senhor da

    Serra desde Ceira,

    Tremoa, Almalagus ou Semide, acantarolar asquadras

    populares dedicadas

    ao

    Divino

    Senhor,

    numa simbiose

    dereligiosoeprofano.NoacervodoSanturio, encontra-

    mos uma recolha dessas quadras, feita por Luiz Correia

    de

    Oliveira,

    que

    aqui indicamos

    e de que

    iremos fazer

    uso

    ao longo deste

    texto:

    AoSenhordaSerravai

    Gente de quatro naes

    Cavaleiros

    e

    Fonsecas

    Gonalves e

    Sacristes

    Ao

    Senhor

    daSerravai

    Gente

    detoda anao

    Ningum

    l vai que no tenha

    Penasno seucorao

    Divino Senhor da Serra

    Seucaminho pedras tem

    Se

    no

    fossem

    os

    milagres

    J no vinha c ningum

    Divino SenhordaSerra

    Mandai Agosto mais

    cedo

    Querover as

    moas bailar

    No

    areal

    do Mondego

    83

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    44/60

    SenhordaSerraacudi-me

    Que eu no sei

    dondeestou

    Ou os ares abaixaram

    Ou aterraalevantou

    Ao

    Senhor

    da

    Serra

    vai

    Gentede toda anao

    Ninguml vai que no chore

    Da

    raiz

    do

    corao

    AoSenhordaSerravai

    Gentede

    toda

    a

    comarca

    Ninguml vai que no chore

    Quando

    doSenhorse

    aparta

    Osromeiros vinham, de modo especial,detrs

    distri-

    tos:Coimbra,AveiroeLeiria.Que odigamasgentesdo

    Baixo

    Mondego, ou das terras gandaresas ou ainda as que

    so banhadas pelo Lis.

    Ei-los,

    no ms deNovembro, paraanovena dossantos,

    masprincipalmente em Agosto a romaria deste ms,

    est

    l igada

    festa

    da

    Assuno

    de

    Maria, padroeira

    do

    Mos-

    teiro de Semide, por isso, as gentes visitavam as monjas ,

    subindo depoisaoSanturio) paraaromaria de 15 a 23,

    vivendo

    afesta ao

    Divino Senhor,

    A

    subida

    rdua,

    mas

    deslumbrante pela paisagem, fei ta

    a p, a

    cavalo

    ou em

    carros

    d ebois parao sabastados. No

    de

    muitofci l acesso,

    o

    Senhor

    da

    Serra. Para

    se l

    chegar,

    mister trepar

    um a

    ladeira

    ngreme

    e

    longa. Parece

    qu e Nosso Senhor quere

    significar

    ao s

    romeiros

    que,antes de erguerem o seu espirito para ocu,tem

    de erguer o corpo. E a experincia mostrar-he-Ka que, se custa

    desprender

    o

    esprito

    e

    elev-lo

    aoAlto, no custa menos levar

    ao

    Senhor

    da

    serra, o

    pobre

    barro

    de que

    somos formados,

    e

    qu e cada

    qual

    de ns vai deslocando como pode, pelavida

    fora

    P.Campos Neves).

    L vo os

    romeiros,

    uns a

    rezar

    em

    agradecimento pelo benefcio alcanado, outros a pedir

    asgraas necessitadas. Pelo caminho, encontrandotantas

    vezesos

    pobres

    com

    quem

    o

    Senhor

    se

    identif ica,pratica-

    vama caridade.

    J no Santurio, deslumbrados pela natureza, cen-

    trados na s chagas

    do

    Santo Cris to ,

    a

    grandeza

    do seu

    amor ,

    vinham entregar

    o seu

    donativo quer fosse

    em

    gnero

    ou

    em

    dinheiro pela graa recebidafei taem hora de aflio:

    o salvamento de um pescador, a cura de uma doena

    grave,omilagrenum acidentedetrabalho. Entregavam-se

    tranas de cabelo, votos fei tos pelos doentes:

    feita

    a pro-

    messa e alcanada a graa, chegava a hora de a cumprir.

    Entregava-se

    odinheiro de uma junta deboispor se ter

    obtido a graa de o filho f icarlivre da

    tropa.

    Da romaria

    de

    1897,

    a

    nvel

    de

    esmolas assim

    se

    registou, conforme

    a

    obra do P.Campos Neves:em dinheiro,prata,cobree

    papel,

    832 505 ris; ouro

    (quatro

    libras) 18 ris;

    objectos:

    sete

    fios

    85

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    45/60

    co m duzentas e

    vinte

    e cinco

    contas

    de ouro; um par de

    argolas

    e um anel de ouro e uma garganta de prata, 30 quilos de cera,

    18 0 mortalhas.

    Ao

    chegar,

    o

    romeiro andava

    de

    joelhos,

    no

    recinto,

    com

    areia colocada para

    o

    efeito,

    volta

    dotemplo.

    Colo-

    cavaas suas preces, as penas e as dores, junto da imagem

    milagrosa, como rezam os ditos populares: Divino

    Senhor

    da

    Serra/

    Eu no vos

    peo

    fazenda/

    Peco-vos

    que me ds

    gente

    Daquela

    co m

    quem

    m eentenda Ao Senhor da

    Serra

    vai

    Gente de toda a nao Ningum l vai que no chore/ Da

    raiz

    do corao Ao

    Senhor da Serra

    vai

    Gente

    de toda a

    nao Ningum l vai que no tenha

    Penas

    no seu corao.

    EscutavaaPalavrade

    Deus,

    a sdoutrinado Evangelho.

    Ouvia a missa. Confessava-se.Rezavao tero ou outro tipo

    de

    devoo. Escutava

    o s sermes de

    voto,maioritariamente

    s chagas do Redentor, que chegaram a ser 700 por ano

    cumprimento de promessas

    fei tas

    pelos devotos, segundo

    o livro respectivo, em agradecimento pela cura obtida,

    pelo regresso

    de uma

    viagem atribulada,

    por um

    parto

    difcil

    ou por um parto feliz, f icar livre de dividas, no ir

    para

    a

    guerra,

    no

    exercer

    o

    servio militar, entre tantas

    outras questes fami l ia re s ;maleitas dogado...).Aqui per-

    maneciam dias consecutivos, muitos toda

    a

    novena,

    num

    ambiente de religiosidade, marcado pela partilha de usos

    e costumes, pela chanfana

    moda

    do Senhor da

    Serra,

    pelos cantares e pelo folclore. Eis uma cultura de um

    86

    povo crente, manifestando as suas particularidades epo-

    cais.

    Um a religiosidade

    maisafectiva

    qu ereflectiva, mais experi-

    mental que

    nocional,

    mais concreta que abstracta. Fenmeno

    complexo

    de

    grande interesse

    scio-culturaleeclesia l .

    Realmente, desde cedo

    a

    imagem

    do

    Santo Cristo

    da

    Serras eassumiud egrande venerao,porque,porestavene-

    randa imagem, faz

    Deus muitosprodgios

    e milagres, como

    m a n i f e s t o

    pelos ex-votos, de ontem, presentes no

    Corredor

    passagem semi-circular por detrs do retbulo, e como

    canta o povo:

    Quem

    vai ao Senhor daSena E no vai ao

    corredor/

    E como ir ao

    Cu

    E no ver

    Nosso

    Senhor.), m as

    tambm pelosdehoje,napequena capeladoSenhordos

    Passos,

    nas

    cercanias

    do

    edifcio principal,

    onde

    abundam

    asfo tog ra f ia sdaqueles que receberam a bno do Divino

    Senhor. Junto do Senhor Crucificado se

    fazia

    uma expe-

    r i nc iade f, que se queria repetir ano aps ano com esta

    ce r teza no

    corao:

    Oh admirvel poderdaCruz Oh inefvel

    glria da

    paixo

    A vossa

    Cruz

    a

    fonte

    de todas as

    bnos,

    a origem de todas as graas, e por Ela encont ram os crentes na

    debilidade a

    fora,

    na humilhaoa

    glria,

    na

    morte

    a

    vida S.

    LeoMagno).

    Hoje,os tempos so outros, os perodos ureos de aflu-

    nciade peregrinos deixam saudade.Nosculo passado,

    nos

    anos

    60,

    registou-se

    um

    decrscimo acentuado.

    Mas

    muito

    se tem feito nas ltimas dcadas para incrementar

    o culto, reviver constantemente esta devoo e tradio.

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    46/60

    Lembremoso trabalho apostlico do reverendo capelo

    P.

    Antnio Pedro

    dos

    Santos, coadjuvado pelas

    Comis-

    ses

    Administrativas. Lembremos

    a

    criao

    da

    Ordem

    do

    Romeiro

    do

    Divino

    Senhor da

    Serra, fundada

    por

    este

    sacerdote em 1991 eaprovada canonicamente em 2001,

    pelo bispo

    de

    Coimbra,

    D.

    Albino

    Cleto, tendo

    como

    finalidade principal oculto aoDivino Senhor daSerra.

    Lembremos

    a

    Liga

    dos

    Amigos

    dos

    Campos

    do

    Mondego

    (LAAM) empenhada em renovar o culto secular, mar-

    cando presena todos

    osanos.A

    acorrem

    a

    p, desde

    a

    Cruz

    de

    Longe, trajados

    a

    rigor como noutros tempos:

    romeiros que chegavam de comboio ou camioneta a Tr-

    moae,depois, subiama p,vivendooespritodoromeiro,

    no

    s no Santurio,mas no decurso do "arraial",com

    farnel

    e um p de dana, relembrando os bailaricos do

    sculopassado.

    Ontem,como hoje, neste templo, Deus, que ps a Sua

    tenda

    no

    meio

    de ns

    (cf.

    Jo ,

    14),

    vem ao

    encontro

    de

    cada

    peregrino derramando as suas bnos, o seu amor

    Encontro que encaminha cada romeiro profundidade

    do corao da f, junto da Cruz do Seu Filho, novo Tem-

    plo para a humanidade Na terminologia de Gregrio de

    Nissa,

    neste

    lugar santo

    reconhecemos

    os

    vestgios

    da grande

    bondade do Senhor

    para

    connosco, os sinais salvficos de

    De us

    que nos vivi ficou as recordaes da

    misericrdia

    do

    Senhor

    em

    relao a

    ns

    Eis oobjectivod e

    todo

    o trabalho levadoa

    cabo pela Comisso Administrativa actual: proporcionar

    este encontro

    salvfico

    Em

    Ano

    Paulino (2008-2009),

    com S.

    Paulo, procla-

    mmos que

    Cristo

    morreupor ns Em AnoSacerdotal

    (2009-2010), como Santurio

    Jubilar,

    centrmos

    o

    nosso

    olhar

    n'Ele, o Divino Senhor Crucificado, o Sumo e

    Eterno Sacerdote Ele prprio, ao fixar o nosso olhar,

    com

    amor

    que salva,

    convida-nos

    a

    permanecer

    com

    Ele,

    para que,conhecendo-Omelhor, mais o possamos amar

    e compartilhar.

    Onosso

    olhar cruzou-se

    com o de

    Nossa

    Senhora de Ftima, na sua imagem peregrina, e com Ela

    adormos

    o seu

    Filho.

    E

    tambm

    com Ela que desejmos

    este

    ano

    (2011) comear

    um

    plano pastoral centrado

    na

    meditao apartir das setes

    ltimas

    Palavras

    proferidas

    do

    altodaCruz.

    Se

    durante todo

    o ano se

    acorre

    ao

    Santurio, mor-

    mente, nagrande RomariadeAgostoqueaconteceuma

    experincia

    forte

    de f, de orao e amor: a celebrao

    daeucaristiae dosacramentoda reconciliao, adorao

    eucarstica, acelebrao da liturgia das horas, e a

    recita-

    o do tero; umaexperinciadepenitnciaeconverso;

    de

    caridade

    e

    piedade,

    de

    evangelizao

    eformao

    crist.

    Ao p da Cruz do Senhor, continua-se a contemplar as

    Santas Chagas pelas quais fomos curados

    e a

    escutar

    a s

    Suas

    Palavras.

    89

  • 7/24/2019 Santurio do Divino Sr da Serra.pdf

    47/60

    Esta

    grande experincia de f, orao e amor

    inicia-

    -senos primeiros instantes em que o peregrino, com esse

    desejo interior,

    se faz ao

    caminho

    em

    direco

    ao

    San-

    turio: peregrina Peregrinar toca o serhumano naquilo

    que

    nele

    mais profundo.

    O

    poeta Miguel Torga

    usa o

    termo peregrinao para definir

    a

    vida.

    O

    prprio Cristo

    fo i peregrino que saiu do Pai e veio ao mundo para dar

    a vida emabundncia epassou deste

    mundo

    parao Pai

    cf.

    Jo

    16,28).

    N'Ele somos peregrinos, nesta

    Igreja

    que

    peregrina at ao santurio celeste atravsdos santurios

    da terra.Aperegrinao um acto de culto, a f i rma D.

    Antonino Dias:

    operegrino caminhapara

    o

    Santurio para

    ir ao encontro de Deus, para estar na sua presena, prestando-

    - lhe a h omenagem da sua adorao silenciosa, abrindo-lhe o seu

    corao,

    realizando numerosos actos de culto atinentes quer

    s f r da liturgia quer da piedade popular. A sua piedade

    assume

    a

    forma

    de

    louvor

    e

    adorao

    ao Senhor

    pela

    suabon-

    dade e

    pela

    sua

    santidade;

    ou a forma de

    aco

    de graas

    pelos

    donsrecebidos;

    de cumprimentode um

    voto

    ou promessa a que o

    peregrino se tinha obrigado perante oSenhor; de splicas de gra-

    as necessrias para

    a

    vida;

    de

    pedido

    de

    perdo pelos pecados

    cometidos;

    de

    passar

    uns momentos de olhar fixo no fixo olhar

    da

    imagem, como

    se de

    pessoa presente

    se

    tratasse.

    N a

    verdade,

    ao

    olharaCruzdoSanto

    Cristo

    daSerra tem-seacerteza

    de que sinalsanto da presena divina e do amorprevidente

    de Deus;

    testemunha da orao que

    de

    gerao

    e m

    gerao,

    se

    90

    elevou diante dela como

    vo z

    suplicante

    do

    necessitado, gemido

    do aflito, jbiloagradecido

    dequem

    alcanou graa

    e

    misericr-

    dia. Ao admirar a imagem de Jesus de Naza rReis dos

    Judeus, fica esta prece: s o

    caminho

    que nos leva ao

    Pai

    a verdade que ilumina os nossos coraes, a fida da qual nos

    al imentamos e

    uivamos;

    s a luz que dissipa as nossas trevas, a

    porta que nos

    introduza

    na nova Jerusalm

    O cristo ao peregrinar proclama a sua condio de

    caminhante sobre a terra, com as suas tristezas e alegrias,

    sentindo-se atradopor um novo cu e nova terra,peregrino

    do eterno. O caminhante recebe um

    poder

    especialque

    emana

    do

    Santurio. Caminhar para

    e

    estar

    no

    Santurio

    renova espiritualmente, alcana graas especiais, leva

    converso pessoal

    e

    comunitria. Afirmava

    o

    ento Car-

    deal Joseph Ratzinger:pre m

    questo

    o

    prprio modo

    de

    viver;

    a

    deixar

    Deus entrar nos critrios da prpria vida; a no julgar

    simplesmentedeacordo com asopiniescorrentes

    (...)

    a noviver

    como

    vivem

    os outros, a n o fazer como fazem os outros; a no

    se

    sentir justificado em ac es duvidosas, amb guas, perversas,

    simplesmente porque h

    quem

    ofaa. No.Subir ao Santurio

    significa

    comear a ver a prpria vida com os olhos de Deus e a

    procurar o

    bem

    mesmo quando no agradvel; significa n o

    apostar no juzo da

    maioria,

    mas no

    juzo

    d e Deus. Por outras

    palavras: significa procurar um novo estilo de vida, um a vida

    nova que

    leve

    a

    abandonar

    a auto-suficincia, a descobrir e a

    a