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Santos Rocha

A Arqueologiae a Sociedade do seu Tempo

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Santos Rocha

A Arqueologiae a Sociedade do seu Tempo

Coordenação

Raquel Vilaça e Sónia Pinto

Figueira da Foz | 2012

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FICHA TÉCNICA

TÍTuLoSantos Rocha, a Arqueologia e a Sociedade do seu Tempo

COORDENAÇÃORaquel Vilaça e Sónia Pinto

EDIÇÃOCasino Figueira

DESIGN GRÁFICOJosé Luís Madeira

CAPA

António dos Santos Rocha (Arquivo Fotográfico do Museu Municipal Santos Rocha)FoToCoMPoSiÇÃo: João Ricardo Cruz

PAGINAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGEMJosé Luís Madeira

IMPRESSÃO E ACABAMENTOTipografia Lousanense, Lda. – Lousã

TIRAGEM1000 exemplares

DEPÓSITO LEGAL352300/12

ISBN978-989-97881-3-8

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SanToS roCha no Algarve (Arquivo Fotográfico do Museu Municipal Santos Rocha)

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Apresentação

A obra que o leitor tem em mãos assume-se como homenagem a António dos Santos Rocha, falecido a 28 de Março de 1910, com 57 anos. Cem anos depois decorreu, na Figueira da Foz e ao longo de mais de um ano, um conjunto diverso de iniciativas que pretendeu evocar e comemorar o ilustre figueirense, o notável arqueólogo, o sagaz investigador.

Santos Rocha não só foi actor, como agente de mudança, inovando e criando. Pioneiro em diversas frentes, inicia-se em arqueologia na primeira metade da década de 70 do séc. XIX, na secção do então Instituto, em Coimbra. A viagem que realizou depois, em 1883, ao Sul de Espanha, marcou-o de forma indelével. Homem de campo e de gabinete, sabendo trabalhar em equipa, às prospecções e escavações a que imprimiu invulgar rigor metodológico, aliou o estudo do que encontrou, publicando. A curiosidade e a necessidade de fundamentar o seu pensamento e descobertas empreendidas na região natal, levaram-no mais além, pelo rio acima, até à Beira Alta, e para sul, pela Beira Litoral e Oeste adentro. E, particularmente, até ao Algarve, promovendo as peculiares “excursões científicas” consubstanciadas em quatro viagens (1894 a 1906). Homem empreendedor, criou o que não existia, mas fazia falta: um Museu (1894) e seu Catálogo (1905); uma sociedade científica, a Sociedade Archeologica da Figueira (1898), seus Estatutos e Boletim (1904). No conjunto, um programa completo que fez dele um arqueólogo e investigador de corpo inteiro.

A abertura oficial das comemorações concretizou-se com a inauguração de uma exposição no Museu Municipal Santos Rocha sobre a vida e obra do seu fundador. O seu encerramento culminou com o Colóquio Santos Rocha, a Arqueologia e a Sociedade do seu Tempo, realizado a 6 de Maio de 2011, data do 116.º aniversário da criação do museu.

A organização deste colóquio resultou de parceria entre o Museu Municipal Santos Rocha - Divisão de Cultura do Município da Figueira da Foz e o IARQ - Instituto de Arqueologia do Departamento de História, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, entidades cientes da importância do legado ímpar, nos domínios científico e patrimonial (incluindo a vertente conservação, raramente evocada), do investigador figueirense e da imprescindibilidade do seu (re)conhecimento nos dias de hoje.

A forma como decorreu, reunindo mais de 90 inscritos, com esmagadora presença de estudantes universitários, mas a que também acorreram múltiplos figueirenses interessados, foi para todos nós motivo de grande honra e satisfação. Estruturado em função de dois painéis temáticos, respectivamente “Historiografia e percursos de Santos Rocha” e “A arqueologia de Santos Rocha, do seu ao nosso tempo”, contou com inestimáveis contributos de investigadores que, em parte, tomam agora letra de forma. A eles juntam-se outros testemunhos que, então, não foi possível apresentar.

O primeiro texto, assinado por Ana Cristina Martins, reflete, com exaustividade, o percurso e tributo científicos de Santos Rocha contextualizando-os na época, numa altura da história portuguesa em que a arqueologia se afirmava decididamente como ciência. Sublinhando o papel cimeiro

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do arqueólogo figueirense dentro de fronteiras, a autora demonstra também a sua proximidade à arqueologia de além-fronteiras.

Pedro Callapez e Miguel Carvalho analisam, de forma articulada, o povoamento pré-histórico da serra da Boa Viagem — palco privilegiado da praxis científica de Santos Rocha — com a envolvente geológica e geomorfológica, chamando a atenção para a importância da sua vertente sul, nomeadamente na bacia do rio de Carritos, mas também a do sopé setentrional, onde achados recentes exigem redobrada atenção.

João Luís Cardoso ajuda-nos a entender como Santos Rocha se interessou pela exploração das grutas da Estremadura, concretamente a da Lapa do Suão (Bombarral), cuja importância se confirmaria no séc. XX.

O contributo de Rui Boaventura revela que Santos Rocha não se limitou a realizar escavações, mas também as promoveu junto de jovens, seus admiradores, como as que ocorreram em monumentos megalíticos da região de Monforte (Alentejo).

E entre as que realizou, nomeadamente na Beira Alta, conta-se a escavação da Arcainha do Seixo (Oliveira do Hospital) que, como as demais, também publicou. Da minuciosa intervenção e reabilitação do monumento, já em inícios deste século, dão conta João Perpétuo e Luís Filipe Gomes, trazendo novos elementos para as ocupações desse espaço funerário.

Por seu lado, Isabel Pereira conduz-nos à, talvez, mais simbólica estação associada ao nome de Santos Rocha — Santa Olaia —, primeiro sítio de influência fenícia trazido à luz em território português. Conhecendo bem a estação, onde trabalhou, a autora debruça-se, em particular, sobre as arquiteturas e cronologias das diversas fases.

O testemunho de Ana Margarida Arruda e de Carlos Pereira faz-nos viajar com Santos Rocha até ao Algarve (região de Faro e Barlavento), acompanhando-o nas suas “explorações”, devidamente programadas, ou adaptadas em função de informações junto de populares, que se nos revelam com pormenor e de forma esclarecida. A atenção do notável arqueólogo centrou-se no concelho de Lagos e, em particular, em Bensafrim.

É precisamente para Bensafrim, para a necrópole de Fonte Velha, que remete o último texto, da autoria de Raquel Vilaça e de Barbara Armbruster. Nele é analisada, com minúcia, uma das mais notáveis e conhecidas peças aí encontradas, um disco de ouro, que se valoriza na sua dimensão técnica e simbólica.

A terminar, queremos expressar uma palavra muito sentida sobre a publicação deste livro. A sua existência é possível porque devedora do patrocínio exclusivo do Casino Figueira, a quem se agradece penhorada e reconhecidamente.

Raquel VilaçaSónia Pinto

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Nota Prévia

Os colóquios de Arqueologia realizados sob a égide da figura de António dos Santos Rocha, pessoa maior da cultura figueirense por via dos seus trabalhos na área da Arqueologia e da história do concelho, vieram iluminar, de forma clara e consistente, a importância que tiveram e têm o seu legado e o espólio que nos legou. Quase se poderia dizer que o conhecimento da história do concelho tem dois períodos claramente distintos: antes e depois de Santos Rocha.

A capacidade que demonstrou de captar interessados para o seu mundo do conhecimento e de se ter rodeado e formado especialistas alguns dos que o acompanharam é, a todos os títulos, notável. António dos Santos Rocha foi, na tradução de Unanumo, o homem e as suas circunstâncias, mas estas soube ele criá-las e organizá-las, de forma a prosseguir com o rigor científico necessário que imprimia ao seu trabalho. Foi assim que fundou a Sociedade Arqueológica Figueirense, foi assim que tornou alguns dos seus amigos e companheiros, também eles, homens de ciência. Foi, portanto, não só impulsionador e inovador, mas também mestre entusiasta.

Pensar, hoje, que o cientista que foi Santos Rocha se fez autodidacta, lendo, estudando, e permutando saberes e experiências com os seus iguais, demonstra a sua notabilidade. Saber-se que o fazia numa dedicação quase exclusiva, com sacrifícios pessoais onde se incluem os de carácter meramente material, torna a sua dedicação numa quase paixão, no sentido próprio do termo, ou seja, sofrer com o gosto de alcançar um objectivo quase transcendente.

Sobre os seus achados, base material dos seus projectos, Santos Rocha produziu pensamento, quer pelo recurso prudente à interpretação etnográfica, quer pela base experimental do seu método. E aqui reside a importância das comprovações científicas a que chegou, sem esquecer as suas constantes inquietações epistemológicas em relação à ciência que desenvolvia.

Os Colóquios tiveram a bondade de acrescentar, à luz do que já se sabia do homem e do seu trabalho, um marcante sentido, que não pode deixar de ser reverencial, às suas práticas e saber; e isto, para nós, figueirenses, é motivo de sentido orgulho.

O Vereador do Pelouro da CulturaCâmara Municipal da Figueira da Foz

António Silva Tavares

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António Augusto dos sAntos RochA (1853-1910)e A ARqueologiA nA viRAgem do novo século

ana CriSTina MarTinS (*)

“Os monumentos e objectos de arte ou industria são como um livro,onde se acha escripta a vida dos povos.

Quem souber consultal-os poderá ver n’elles quaesos usos, costumes, crenças, aspirações, necessidades e sentimentos

d’aquelles que os construíram, embora pertençam ás mais remotas edades.”(Rocha, 1888, 32)

1. No início, era o empenho

No ano em que António dos Santos Rocha (1853-1910) nasceu, Portugal encontrava-se mergulhado há dois anos no processo de regeneração e expansão africana, após a queda definitiva do cabralismo, enquanto D. Fernando II (1816-1885) assumia a regência do país, na menoridade de seu filho, o futuro D. Pedro V (1837-1861), por falecimento de D. Maria II (1819-1853). Entretanto, ciente das novas prioridades impostas pelo xadrez político europeu e do imperativo desenvolvimentista, a classe política dirigente lançou linhas férreas para acelerar procederes e estreitar contactos, renovando esperanças e mantendo atento quem entrevia o devir português no progresso científico, tecnológico e cultural. O país animava-se ante planos grandiosos, contrariando pessimismos e antipatias multiplicados em corredores silenciosos e praças tumultuadas por crescentes e diversificados descontentamentos, alimentados por desencantos agigantados à medida do desfalecer de ideários semeados no ardor liberal.

Embora de modo menos acintoso e patente, as desilusões tocavam de igual modo as malhas culturais. Não que se cerceassem manifestações ou se coarctassem discursos. A liberdade de imprensa instalara-se e as críticas verrinosas ecoavam em desfiladeiros de aplausos, mas também de indiferença. Torpor revelado perante assuntos pouco (ou nada) metrizáveis, como os de índole

(*) Investigadora Auxiliar do Instituto de Investigação Científica Tropical. UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa. Professora Auxiliar Convidada na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Email: [email protected]

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cultural. Secundarizados ou subestimados face a exigentes prioridades contextuais, que pouco espaço deixavam a elucidações epistémicas, eles eram sorvidos por uma plêiade ávida de saber e ansiosa por disseminar conhecimentos para desentorpecer a letargia endémica do nosso historial.

Não obstante, planeava-se a reforma do ensino, incentivando-se os estudos técnicos e industriais, a par dos artísticos, ao mesmo tempo que se motivava o ecumenismo, como esteio da nova sociabilidade. Entre as novidades, pontuavam disciplinas emergentes, como se de códigos genéticos da positividade se tratassem, timbrando procederes; moldando pensamentos e rasgando caminho a agrupamentos fundeados em ideários contemporâneos. Delas, notabilizavam-se, quase sem cautela e com plena firmeza, as ciências vocacionadas para o estudo do homem e das comunidades humanas, viventes e desaparecidas. Assomava, pois, também a arqueologia, afastada de posições antiquaristas conducentes ao seu surgimento.

Com efeito, seis anos após A. dos Santos Rocha despertar para o mundo, a arqueologia principiava uma longa e, por vezes, sinuosa senda, rumo à sua afirmação no seio académico. Mormente com a oficialização da Pré-história, por parte de um escol de geólogos, antropólogos, arqueólogos e antiquários, decorrida no mesmo ano (1859) em que Charles Darwin (1809-1882) dava à estampa a obra The origin of species. O tempo histórico dilatava-se, assim, para além dos registos bíblicos, da imaginação mais fértil e de optimismos incontidos, permitindo, sem as ancestrais grilhetas dogmáticas, teorizar a partir de associações seladas de artefactos e vestígios osteológicos humanos e de animais há muito extintos. Mas, se era tema sensível numa sociedade ainda fortemente arreigada à criação divina estribada por uma Igreja milenar, era de igual modo apetecível a quem lhe divisava potencial inegável para afirmar o ideário liberal, substanciado pelo desenvolvimento científico e tecnológico favorecido por uma convicção medrante na criatividade humana. O contexto era, francamente, mais favorável ao germinar de tais pretensões, quando comparado ao pretérito recente, lançando as bases de um pensamento liberal que não mais se arredou dos horizontes ocidentais, antes fortalecendo perante sucessivas novidades aportadas quase diariamente. Por isso, também as Academias se multiplicavam num fervor neo-iluminista sustentado por casas reais despertas para a sua relevância na manutenção do seu prestígio secular, assim como por agendamentos forçados a encontrar novos intermediários e palcos para afirmação de seus poderes. Rasgando novos caminhos científicos, culturais e, acima de tudo, mentais, a pré-historicidade acolhia, ao mesmo tempo que substanciava, requisitos de natureza e tipologia diversa, embora quase sempre relacionados com aspirações, entre o pessoal e o transnacional, numa tentativa de matizar os ímpetos engrandecidos com o programa unificador napoleónico. Perscrutaram-se, então, vários domínios, sobrepujando veredas, rompendo solos e penetrando em abrigos e grutas, em demanda de materialidades identificadoras de um modo de ser, estar e fazer, destrinçável dos envolventes, para legitimar pretensões de índole diversificada. Tradição enraizada em terras britânicas quando do bloqueio continental, forçando as elites a peregrinar sobre si mesmas, enquanto não volviam às viagens iniciáticas e socializáveis do Grand tour.

Quando A. dos Santos Rocha viu a luz do dia pela primeira vez, a ocidentalidade tornava-se ciente do tempo longo que a precedia e da qual herdara o seu presente, condicionando e influindo no seu quotidiano, entusiasmando estetas, literatos, religiosos, militares e profissionais libertos de horários implacáveis, a prospectar, escavar, coleccionar e a musealizar, evocando tempos idos de seus termos e interesses, mais ou menos pessoais, com altruísmos tantas vezes duvidosos. Assim nasceram museus de referência internacional consagrados na actualidade. Assim se edificaram e preencheram pavilhões nacionais das Exposições de âmbito universal, entrecruzando ambições hegemónicas e imponentes, das quais beneficiou a própria actividade arqueológica, entendida politicamente como recurso imprescindível à justificação de seus planos e ao reacender de forças necessitadas de ampliar fronteiras, recuperando recessos considerados seus ancestrais. A burguesia realçava sobre as ruínas da nobreza histórica inadaptada aos novos tempos comtenianos, escorada em recentes arquétipos

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científicos para reforçar suas aspirações, muitas das quais validadas por uma panaceia contemporânea, a evolucionista, suportada pelo conceito de “cultura material” libertador das galés ecossistémicas. Abordagem apresentada de modo firme em 1867, na Exposição Universal de Paris, onde o labor humano protagonizou a Galérie du Travail, num continuum desde os alvores pré-históricos, introduzidos para sempre no quotidiano ocidental, embora sem consenso, como testemunham escritos retirados, também, da imprensa portuguesa. Mormente num dos seus palcos privilegiados, agora que os novos meios e vias de comunicação estreitavam gentes, saberes e ideários, rumo à estandardização fundamental ao arraigar e sobrevivência da novel agenda. Não só. Todo este movimento em prol da abertura de mentalidades beneficiou as ciências então despontadas. Entre elas, a arqueológica foi uma das que melhor positividade colheu, por razões já enunciadas neste texto. Paulatinamente, abriam-se novas eiras para consumo cultural de gentes sôfregas de algo que as surpreendesse e merecesse admiração. Por isso, se ergueram pavilhões com gramáticas decorativas evocativas de tempos idos, mais ou menos conhecidos, quando não ignorados na totalidade. Ao recuperá-los para o diário ocidental, o exercício arqueológico prestigiava-se, tornando-se imprescindível a quem procurava justificar seus anseios. Mais do que isso, 1867 conjugou factores determinantes para o encontro da arqueologia com os diferentes públicos e entrada nos círculos mais cerrados e apreensivos do academismo europeu. Disso mesmo nos dão conta a realização, no seu decurso, da 2.ª sessão do Congrès International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistorique, e a inauguração do Musée des Antiquitées (posteriormente, Nationales). Certamente que não por casualidade. Pelo contrário, traduziam o anticlericalismo de Gabriel de Mortillet (1821-1898), figura influente e determinante dos estudos pré-históricos oitocentistas, conquistando a sua liderança momentânea para França, revelada na revista Matériaux pour l’histoire positive et philosophique de l’homme (1864), designação assaz elucidativa da filosofia, metodologia e propósitos que lhe subjaziam.

Portugal não foi indiferente a este processo. Dificilmente sê-lo-ia. Situado, embora, no extremo ocidental, com convivência fronteiriça apenas com Espanha, os seus portos primaciais acolhiam diariamente novidades provindas de outras paragens, através do verbo impresso em monografias e periódicos de maior circulação. Mas também oralmente. Em especial, por intermédio de quem, exilado das lutas liberais em cidades, como Londres e Paris, regressava entusiasmado com a possibilidade de implementar no país que reencontrava premissas originais e inovadoras do pensamento actuante além-fronteiras, com resultados evidentes para o desenrolar cultural de suas gentes imersas num novo sistema económico, político e social. Tarefa, porém, hercúlea, se não inglória, num território devastado por batalhas fratricidas, debatendo contrapoderes e inércias locais, a par de uma percentagem indecorosa de analfabetismo que tudo parecia adiar. Não esmoreceram, porém. Ao contrário, lançaram brados em páginas ilustradas do jornalismo português, abeirando suas vozes dos corredores decisórios para que, em uníssono, institucionalizassem procedimentos. Era o caso da actividade arqueológica, como esteio de memórias fundamentais a uma ideia de ser, estar e fazer português que urgia firmar para nele se rever a agenda liberal e unir o país em seu torno. Esbarraram, porém, com uma indiferença desconcertante para seus anelos. Torpor explicável pelas prioridades de cada momento vivido intensamente perante eventos assomados. A arqueologia era, assim, relegada para outras oportunidades e esferas de actuação. Sobretudo privadas. Confundiam-se, todavia, amiúde com demais interesses de seus mentores, algumas vezes apoiados pelo governo central. Puderam, então, participar em certames e encontros científicos internacionais. Presença que lhes permitiu ingressar redes de contactos essenciais a seus projectos, iniciar permutas e publicações em periódicos de maior visibilidade europeia, enquanto planeavam fundar sociedades eruditas dedicadas a assuntos históricos, artísticos e arqueológicos. Promoviam, ademais, escavações arqueológicas e a abertura de espaços museológicos centrados nos artefactos encontrados por cultores da (ainda) jovem ciência. Mais do que isso, apreendiam e mutuavam experiências e saberes.

Apesar dos esforços verbais e literários envidados junto dos principais círculos do poder político,

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tornava-se difícil materializar um processo que supunham veloz, como célere o fora em capitais europeias demandando o passado para estabilidade presente e validações futuras. Não obstante, reuniram-se elementos suficientes para justificar o lançamento de um novo e consistente projecto numa área autonomizada noutros recantos do velho continente, onde o pretérito (re)vitalizava ideologias e agendamentos. Talvez este fosse o óbice principal ao seu reconhecimento e subsequente enraizar entre nós. Ao invés da maioria dos termos que cedo abraçaram a causa patrimonial, o nosso país dispensava os tempos idos para ancorar procederes. Portugal não carecia de imagens passadas para alicerçar a sua actualidade. Não, do modo obstinado como outros o fizeram, porquanto inseguros da génese de seus reclames, independentemente da sua natureza e categoria. Ainda assim, havia que acompanhar, também neste assunto, o progresso europeu, sob pena de permanecermos periféricos para sempre. Observaram-se, então, necessidades, recolheram-se informações e cogitaram-se desenlaces.

Foi neste fervilhar de sentires e quereres que A. dos Santos Rocha nasceu, embalado pelos ecos já algo distantes do primeiro périplo patrimonial de J. Possidónio N. da Silva (1806-1896), fidalgo e arquitecto da Casa Real. Mas também da desventurada Sociedade Arqueológica Lusitana (1849), inovadora nos propósitos e ousada nos métodos, enquanto a pré-historicidade principiava a agitar consciências e oportunidades científicas e ideológicas. Entretanto, D. Pedro V parecia manter acesa a esperança de quem nele entrevia a contemporaneidade do território. No capítulo patrimonial, a ele se deve uma das primeiras tentativas de promover o inventário das tangibilidades imóveis, autorizando-a por intermédio do Ministério do Reino. Ensaio, contudo, de pouca duração. A isso impeliam as finanças do Estado. A isso obrigava a inércia institucional para com temática tão lateral aos imperativos diários de um país confrontado com a dureza dos dados pouco abonatórios para a sua própria soberania. Lançou-se, então, mão das esferas privadas. Por isso surgiu a Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses (RAACAP) (1863 e 1871), animando os mais cépticos, ao divisarem-lhe forças basilares à concretização de seus desideratos. Na verdade, o tempo confirmou que apenas o sentir, a querença e o préstimo pessoal vingavam nesta demanda. Como, ademais, o faziam noutras áreas culturais entendidas transversais ao cerne da educação nacional, admitindo, embora, a relevância de exposições, mesmo que preferencialmente industriais.

Em Lisboa, persistia-se, contudo, na urgência de institucionalizar o exercício arqueológico associado a uma política equilibrada de protecção de vestígios de antanho. Entretanto, Francisco Martins Sarmento (1833-1899) montava um dos projectos associativos mais indicativos e estáveis neste âmbito, numa localidade distante do centro administrativo que lhe ficava mais próximo, o Porto. Parecia, pois, que a união de esforços, fossem eles de natureza intelectual ou material, começavam a colher bons frutos, força da tenacidade e empenho denodado de seus dirigentes e actuantes principais. Atmosfera reforçada pelo labor exemplar das figuras de proa dos estudos geológicos conduzidos à época entre nós, revelando ocupações pré-históricas que remetiam para os primórdios da História do território actualmente português. Principiávamos, por conseguinte, a cotejar com pares europeus nesta matéria científica e conflituosa para as mentalidades coevas. Não surpreende, assim, que os estudos então efectuados em diversas frentes, com realce para a noite dos tempos, merecesse uma atenção redobrada de colegas estrangeiros em busca de paralelismos e de confirmações teóricas, enquanto se interrogavam sobre um país do qual pouco ou nada sabiam. A ocasião parecia, pois, propícia ao reconhecimento político, académico e público da ciência à qual tantos se votavam em crescendo entre nós. A oportunidade parecia assomar. Nos últimos anos da década de 70, G. de Mortillet demonstrou interesse em que Lisboa acolhesse a 9.ª sessão do Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-histórica (CIAAP), de modo a observar in loco escavações realizadas nos arqueossítios da Ota e analisar directamente os artefactos retirados das jazidas consideradas do Terciário, como defendera Carlos Ribeiro (1813-1882), designadamente durante a Exposição Universal de 1878 (Paris). Para um ateu, como o orientador de parte significante da investigação pré-histórica europeia, seria um ensejo para relançar debates e sustentar posições.

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A verdade é que os políticos resolveram apoiar esta iniciativa. Ou talvez temessem a imagem menos abonatória de um país que, ao arrepio da tendência europeia, ignorava, quase por completo, a actividade arqueológica. Em especial, a pré-histórica, porquanto mais recente e polémica. Não obstante, compreendia-se a dimensão do encontro; o impacte da sessão além-fronteiras; a possibilidade de Portugal se afirmar internacionalmente nesta esfera científica. Mas, para isso, havia que acelerar procedimentos. Urgia, sobretudo, reunir materiais passíveis de despertar o interesse das iminências europeias deslocadas a Lisboa, sequiosas de novidades e entusiasmadas em nos (re)descobrir. Portugal não podia desperdiçar esta ocasião, nem embaraçar seus intelectuais perante colegas estrangeiros. Se ambicionava colocar-se no epicentro do xadrez político da época, não podia descurar a ciência, um dos motores de excelência das rivalidades contemporâneas. Reconhecendo a premência do assunto, o governo requisitou os préstimos de Sebastião Estácio da Veiga (1828-1891) para executar a carta arqueológica do Algarve, seleccionando objectos a integrar uma colecção sobre a História mais remota da região. Entretanto, as figuras proeminentes dos estudos geológicos e pioneiras das análises pré-históricas entre nós, avançavam com as investigações iniciadas na Ota, enquanto as principais sociedades eruditas engrandeciam sedes, museus e pesquisas no terreno. Aos poucos, assegurava-se o sucesso do encontro na Lisboa em fim de época estival. As desilusões assomaram, porém, antes da inauguração oficial dos trabalhos. Motivado pela tarefa que lhe fora atribuída e embrenhado na formação do ‘Museu Arqueológico do Algarve’, Estácio da Veiga desalentou-se com a inconsequência, a longo prazo, do seu labor. Enviados para Lisboa, por exigência administrativa, os materiais coligidos serviam apenas como montra da actividade arqueológica portuguesa, a exibir aos delegados estrangeiros. No cômputo geral, as sessões, descerradas com a presença de membros da Casa Real, marcaram uma época da ciência portuguesa, encorajando quem reivindicava a institucionalização da arqueologia no país. O cair do pano desenganou-os. As disciplinas envolvidas na sua organização não beneficiaram no imediato, nem em quantidade, nem em qualidade.

Interiorizou-se, no entanto, a premência de assumir a questão patrimonial como demanda da política interna, semelhantemente ao que sucedia em modelos europeus desde o dealbar do século. Por isso, o Governo atribuiu à RAACAP a listagem de estruturas ancestrais merecedoras de serem classificadas como monumento nacional. Também por isso criou, no ano seguinte (1881), a Comissão dos Monumentos Nacionais, (CMN) conquanto esvaziada, quase por inteiro, de recursos humanos e materiais basilares ao cumprimento da sua missão, numa atitude perversa ou apenas incompetente.

Nada surpreendente, se relembrarmos que a primeira metade portuguesa de oitocentos primara pelo combate intelectual por uma lei protectora dos monumentos, ponderando-se formar uma comissão de salvaguarda monumental com inspectores ou comissões de inspectores nas capitais distritais. Procurava-se dar, assim, os primeiros passos neste âmbito, constituindo-se, em 1868, o fugaz Real Instituto Arqueológico de Portugal (RIAP), vários anos antes de o Ministro do Reino, António Rodrigues Sampaio (1806-1882), nomear (1875) uma Comissão para estudo da defesa monumental, desenvolvimento arqueológico e reforma artística (Montez, 1985, 24), dissolvida logo em 1877, com a sua saída do Governo, reconfirmando quanto os projectos nesta área dependiam ainda demasiado de interesses e empenhos pessoais. A convicção de que os políticos nacionais secundariam exemplos coetâneos transfronteiriços e acolheriam a arqueologia nos círculos académicos, desfez-se rapidamente. Mas, se somente os ventos republicanos concretizaram tal desiderato, o Governo não foi totalmente insensível à força do encontro. Sobretudo quanto ao resgate de testemunhos avoengos, até pela importância crescente que assumiam numa das mais recentes e portentosas indústrias oitocentistas, a turística. O exame aturado do nosso território era, todavia, relegado para outros planos, cabendo a estrangeiros a sua realização. Foi o caso de Émile Cartailhac (1845-1921), subsidiado pelo Estado francês, na sequência do CIAAP de Lisboa e da confirmação do muito por cumprir no país neste âmbito, daí resultando a obra de referência Les ages pré-historiques de l’Espagne et du Portugal (Paris, 1886), numa confirmação mais do ascendente francês nestas matérias. Ao contrário

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da maioria dos países europeus, Portugal parecia dispensar as valências ideológicas consolidadas pela arqueologia. Fazia-o, acima de tudo, por não carecer de afirmar fronteiras, nem de legitimar posições. Seria esta a razão principal de um aparente desprendimento institucional por questões desta natureza.

A. dos Santos Rocha assistiu a todos estes episódios. Tudo isto assimilou e de tudo isto retirou ilações. Uma delas, o centralismo da actividade científica na capital, a julgar por determinados pormenores. Como outros cultores da arqueologia, o advogado figueirense defendia a descentralização dos estudos na área, de modo a promover as regiões, valorizando-as junto das respectivas populações nas quais se encontravam os seus defensores mais veementes. Algumas viagens organizadas no quadro do 9.º CIAAP demonstraram aos congressistas a excelência de trabalhos regionais, a exemplo da realizada a Guimarães. Era, pois, tempo de olhar para a interioridade ou sobre o litoral distante de Lisboa, para descortinar quem se empenhava em conhecer holisticamente seus termos, realçando a particularidade na unidade do país. Para isso, bastava seguir, alargando e aprofundando, trilhos já desbravados, embora muitas vezes sofridos e nem sempre produtivos. Disso nos dão conta os trabalhos de A. da Rocha Peixoto (1866-1909) e de Francisco Tavares Proença Júnior (1883-1916).

Apesar dos obstáculos, decepções e delongas, A. dos Santos Rocha enveredou pelo caminho da regionalização do exercício arqueológico, até que a morte o surpreendeu, como quase sempre, cedo de mais.

2. O primeiro andamento

A. dos Santos Rocha pertencia a uma plêiade crescente de intelectuais de origem local determinada a sobrepujar o desconhecimento do país face às suas valências. Tornou-se, então, prioritário para o jovem advogado figueirense promover o estudo, a conservação e a divulgação da riqueza de um património integrado numa identidade mais vasta: a do próprio país.

Nascido a 30 de Abril de 1853 na Figueira da Foz, concluiu o bacharelato de Direito na Universidade de Coimbra. Estava-se em 1875. Portugal perpassara várias tormentas políticas, económicas e sociais, desde a implantação liberal. O país era, no entanto, beneficiado com equipamentos e ideais, bebendo sofregamente novidades aportadas de além-fronteiras. Vivia-se para ampliar horizontes esperançosos, entusiasmados com a aclamação (1855) de D. Pedro V. Havendo que relançar o país nos cenários europeus, investia-se na formação educacional das suas gentes e na representação nacional em certames internacionais, enquanto palcos (re)afirmativos de poderes. Em concomitância, promovia-se o desenvolvimento industrial, congregando saberes e perspectivas em exposições temáticas, ao mesmo tempo que se fundavam novos cursos superiores e escolas politécnicas, até que a morte levou D. Pedro V e, com ele, vigores momentâneos de quem lhe divisava querenças imperceptíveis noutros soberanos portugueses. Prosseguiu-se, contudo, nesta senda, favorecendo áreas vitais para a afirmação de Portugal perante si e os outros, evitando eclipsar-se por entre fachos maiores do progresso científico-tecnológico. Multiplicaram-se bibliotecas e salas de leitura; fomentou-se a impressão de inúmeros títulos; redobraram-se palestras; incentivou-se o conhecimento para ultrapassar inércias. Ao invés, porém, de se comedir e satisfazer com planos regeneradores, a nação inquietava-se, pronunciando-se. Clima fértil ao assomar das Conferências do Casino, num ano (1871) de particular relevância para a política europeia, conglutinando intelectos insatisfeitos com o rumo nacional e predizendo caminhos a pisar. Nomeadamente quanto ao sistema educativo. Enquanto isso, a Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL) (1875) surgia para cessar pretensões exógenas sobre territórios africanos administrados por Portugal, em antevésperas de uma crise financeira que abalou profundamente os seus alicerces.

A maior parte destes episódios ocorreu enquanto o jovem A. dos Santos Rocha sorvia palavras

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ditadas por seus mestres coimbrões. Mas, longe de o afastar dos desígnios nacionais, é possível que a experiência colhida nas margens mondeganas o tenha persuadido da relevância do país para o evoluir do próprio país. Por outras palavras, os muitos ensaios de aproximação ao escol intelectual europeu timbraram o seu ser, a sua sensibilidade, o seu fazer, despertando-o para a necessidade de retirar do pretérito justificativos de actuações presentes e de almejos futuros. Nos anos em que permaneceu na cidade universitária, A. dos Santos Rocha não pôde ficar indiferente ao desenrolar de actividades directamente conectadas ao conhecimento, preservação e divulgação de materiais de antanho para glorificação de diferentes comarcas. Mais do que isso, terá acompanhado o desenrolar dos acontecimentos assomados nesta área, um pouco por todo o país. Em especial, no respeitante à criação do efémero RIAP, numa atenção política ilusória sobre a salvaguarda monumental e sua institucionalização. Injuriadas, as expectativas regeneraram-se com a SGL, ao considerar assuntos arqueológicos e instituir a Secção de Geografia Histórica e Arqueologia, designação expressiva da união entre contexto geográfico e cultura material, tão em voga em determinados círculos académicos europeus, mormente alemães. Como contemporâneos e correligionários, como demais contemporâneos A. dos Santos Rocha procurava conciliar interesses aparentemente dissociáveis, mas indistintivos de quem buscava concorrer para a história dos termos onde nasciam, devolvendo-lhes páginas de um passado que os unia ou diferenciava dos restantes. O passado era, assim, assumido como inextricável do ser, estar e fazer de comunidades de cada recanto nacional, unidas na sua diversidade; diversas na sua unidade. Disso dependia, em boa medida, o desígnio liberal; disso se nutriam constitucionalistas, independentemente da ideologia perfilhada. Advogado, de formação, A. dos Santos Rocha dedicou-se em pleno ao escrutínio da páginas transactas. Do passado da sua região, Figueira da Foz, mas também de outros recessos, alguns estudados anteriormente, como forma de (in)firmar teorias e de programar uma metodologia de trabalho aplicável a todo o território nacional.

Coimbra podia ser um bom laboratório para os seus intentos. Ou melhor, Coimbra tê-lo-á introduzido, em definitivo, em matérias congéneres, acompanhando controvérsias, diálogos, realizações e desilusões emergidas em seu torno. Neste entretanto, uma das figuras mais gradas, ao mesmo tempo que polémicas, do resgate patrimonial oitocentista, Augusto Filipe Simões (1835-1884), regressava à capital do Mondego, proveniente de Évora, onde desenvolvera trabalho notável e se entrosara nos meandros artísticos e arqueológicos. Doutorando-se em Medicina (1872), apoiou (1873) a criação de uma secção de arqueologia e respectivo museu no Instituto de Coimbra, formado em 1851. Redigiu então o respectivo catálogo, reservando uma das salas a artefactos arqueológicos, sobretudo epigráficos, pouco antes da fundação da Comissão Geral de Monumentos Históricos (1875), desmantelada em dois anos, por ausência de apoio firme aos seus objectivos, fruto da contínua (e aparente) prescindibilidade ideológica do exercício arqueológico.

Ao deixar Coimbra, A. dos Santos Rocha percepcionaria quão difícil era o caminho de asserção patrimonial entre nós, necessitado de convencimento, perseverança e resolução. Solidez de pressupostos e processos, mas também de uma hipérbole de noções para assegurar o percurso a seguir. Havia, por isso, que recorrer a expedientes já utilizados por colegas nacionais e estrangeiros, organizando palestras e cursos temáticos, alertando-se em simultâneo populações mais avisadas para o interesse e utilidade do seu passado. Somente assim, montando uma vasta rede de contactos e de eventuais colaboradores, se recolhiam memórias e se retiravam materialidades do olvido. Por isso reconheceu, como outros contemporâneos e correligionários destas jornadas, quão imprescindível era o periodismo. Veículo central e excepcional de difusão de conhecimentos, sustentando sobremaneira o resguardo de anamneses, o jornalismo foi enlaçado, de imediato, por A. dos Santos Rocha. Experiência revigorada em colaborações diversas, desde o órgão oficial da RAACAP (Boletim de Arquitectura e Arqueologia), até aos referenciais Revista de sciencias naturaes e sociaes (1889) e O Archeologo Portuguez (OAP) (1895), porquanto “impunha-nos quasi o dever de facilitarmos a sua aproximação, legando á nossa terra, onde as revistas scientificas estão ao alcance de poucos, mais

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este punhado de noticias sobre o passado.” (Rocha, 1897, p. 6. Nosso itálico). Publicando nestes periódicos, A. dos Santos Rocha redobrava atenções sobre o seu labor e o território onde actuava preferencialmente, ao mesmo tempo que lhe eram reconhecidas as qualidades intelectuais e éticas exigidas por órgãos orientados por abordagens científicas destinadas a implementar o seu exercício no país. Mais do que isso, o arqueólogo figueirense perfilhava o entendimento de quem, comprometido na agenda liberal de elevação cultural do país, recorria a um dos expedientes mais céleres e eficazes de circulação de conhecimentos, formatando pensamentos e acções junto da percentagem ainda indigna de alfabetizados e letrados nacionais, perspectivando arregimentá-los para seus desígnios.

3. Assim no terreno, como no gabinete

Entusiasmado com a aproximação do CIAAP e sabedor da diferença crescente registada entre investigação arqueológica espanhola e portuguesa, A. dos Santos Rocha decidiu contribuir para o prestígio da sua cidade natal, nela fixando o seu próprio nome. Procurando corresponder ao muito já realizado por pares europeus, mormente espanhóis, e pretendendo estudar segundo as linhas de força estabelecidas além-fronteiras, atendeu com alguma ênfase a temática megalítica. Com efeito, o exemplo de investigadores coetâneos; a proximidade geográfica; o rescaldo da 9.ª sessão do CIAAP; tê-lo-ão decidido a estreitar relação com arqueólogos espanhóis, entre os quais George Edward Bonsor (1855-1930) – mais conhecido por Jorge Bonsor –, arqueólogo nascido em França, de nacionalidade britânica e residente em Espanha. Proximidade nada intrigante. J. Bonsor constituía um mensageiro primacial da salvaguarda dos arqueossítios e precursor da arqueología moderna em Espanha, descobrindo, por exemplo, a necrópole e o anfiteatro de Carmona e adensando o conceito de museu de sítio vulgarizado mais tarde.

Mas A. dos Santos Rocha considerou de igual modo outros temários essenciais ao conhecimento do passado mais remoto do termo da terra que o vira nascer, descortinando aspectos menos observados entre nós, conquanto basilares para responder a diferentes questões sobre a origem, afirmação, desenvolvimento e disseminação de diferentes tipos de cultura material. Exercendo a actividade para a qual se formara nas margens coimbrãs, A. dos Santos Rocha cultivou, em concomitância, a actividade arqueológica ao longo dos anos, assinando opúsculos de referência ainda nos nossos dias. Disso é exemplo a investigação conduzida no povoado pré-romano de Santa Olaia, primeiro sítio orientalizante identificado em Portugal, teorizando e abrindo caminho a novas percepções do pretérito. Inovações reconhecidas por coevos e novas gerações de arqueólogos. Entre eles, o sucessor de José Leite de Vasconcelos (1858-1941) à frente do Museu de Etnologia Português (1893) e dos estudos arqueológicos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1911), Manuel Heleno (1894-1970), figura ainda pouco estudada em razão das sucessivas polémicas suscitadas pela cumulação de protagonismo. Num rasgo, contudo, de inequívoca lucidez historiográfica e inesperada modernidade, M. Heleno analisou o processo de formação da ideia de pré-história, começando nos escritos de Tito Lucrécio Caro (c. 98 -55 a.C.), a exemplo do De natura rerum, passando por Michele Mercati (1541-1593), até autores portugueses de oitocentos, com destaque para A. dos Santos Rocha (Heleno, 1956).

Dos assuntos dissecados pelo autor figueirense, distinguia-se a proto-historicidade, pelas novidades que trazia ao conhecimento de especificidades enxergadas e ansiadas, dependendo dos agendamentos subjacentes, (re)lançando geografias para o centro de atenções regionalistas e nacionalistas. Sobretudo no referente à idade do cobre e transição do Bronze Final para a 1.ª Idade do Ferro. Ainda mais, quando se avaliava o ascendente fenício na emergência e desenvolvimento de culturas materiais identificadas no terreno. Aspecto relevante num momento em que a Europa era varrida de algum modo por uma vaga anti-semita que remetia para este universo pré-clássico a raiz dos

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maiores males da contemporaneidade ocidental. Perdurava, no entanto, a visão tradicional de ancorar a génese civilizacional europeia na Ásia Menor. Pressuposto impeditivo de aceitar surgimentos culturais independentes em recônditos longínquos deste epicentro. Era o caso de Tartessos, aos quais se negava origem ibera, atribuindo-a a cretenses ou povos provindos da Ásia Menor, contraditando a transformação de Argantónio num símbolo da resistência nacional (Albuquerque, 2003, 159-173).

Um pensamento divisado na intelectualidade portuguesa, a exemplo de A. dos Santos Rocha, sobre quem J. Bonsor ascendeu, a julgar pela correspondência mantida entre ambos. Advogou-se, então, a influência fenícia e cartaginesa nos povos ibéricos, atribuindo, por exemplo, materiais recolhidos na região mondegana e uma época “luso-cartaginesa”, até porque “Bem sabemos que há quem pense que nada existe na archeologia que seja reconhecidamente d’origem phenicia; mas nós seguimos os que sustentam o contrario, até que se prove de modo convincente que os monumentos e vestígios a que estes attribuem essa origem, pertencem a outra civilisação.” (Rocha, 1897, p.7). Comungava, pois, de outros autores, embora alguns se expressassem de forma menos matizada sobre o tema. Era o caso de Adelino de Abreu (1869-?). Embora remontando os vestígios d’essas tribus selvagens aos troglodytas, considerava os íberos e os celtas procedentes de successivas migrações asiaticas, africanas, os primeiros povos, enfim, “que, vindos da Asia, habitaram a peninsula iberica.” (Abreu, 1895, 21-23). Era uma ideia parcialmente corroborada por outros hodiernos, para os quais “os indigenas primitivos foram os Herminios, eram os povos mais antigos e aguerridos dos Montes Herminios, eram da familia dos Lusitanos que habitavam os herminios menores; os lusitanos pertenciam à Familia Celta, que veiu das Gallias e de Asia. Os Celtas pertenciam à Familia dos Aryos asiaticos, que eram povos cultos e até fabricavam bronze.” (Lacerda, 1908, p. 21). Para o próprio A. dos Santos Rocha, existiriam razões antropológicas e arqueológicas para acreditar que os lusitanos da Idade do Ferro eram de raza gala (carta n.º 50, Maier, 1999, 43). Razão suficiente para suscitar o interesse de J. Bonsor em viajar até Portugal, após percorrer a Galiza em demanda de paralelos artefactuais para objectos vítreos de proveniência oriental (carta n.º 51, Maier, 1999, 43-44). Era uma abordagem, em todo o caso, contestada com veemência por nomes maiores da arqueologia espanhola, especialmente catalã, ainda que formados sob o signo de Gustaf Kossinna (1858-1931). Entre eles, Pere Bosch-Gimpera (1891-1974), para quem, indutivamente, a cultura ibérica,

tiene el sello de una indiscutible personalidad étnica, a pesar de hallarse impregnado de las influencias griegas y fenicio-cartaginesas que intervinieron en su formación, el hecho de la existencia en la cultura ibérica de un fondo primitivo, en el que se acusa la persistencia de la manera de ser indígena, que tiene sus raíces en épocas antiquíssimas que se pierden en la Prehistoria. […] vamos a parar a la civilización llamada de almería, que en tales épocas anteriores: la Edad del Bronce, el neolítico y el neolítico, floreció en el mismo territorio ocupado luego por la cultura ibérica. (Bosch Gimpera, 1928, 5. Nossos itálicos)

Não deixava, porém, de ser interessante que, em pleno Estado Novo, durante o qual se hasteou o estandarte da homogeneização de pensamento e acção, um grupo de arqueólogos defendesse o direito à diferença, ainda que muitos apoiassem o regime imposto no país desde longa data. Não devemos olvidar, no entanto, que um dos principais eixos de actuação política instituída entre nós se circunscrevia, na verdade, à (presumida) exaltação da variedade regional e/ou local, mesmo que inserida num contexto mais abrangente, configurando aquilo que se denominava de “nação”. Motivo pelo qual a já Associação dos Arqueólogos Portugueses, entre demais organismos, não desperdiçava oportunidades para sublinhar a relevância do seu estudo, como por ocasião do falecimento de A. dos Santos Rocha, a quem coubera “a gloria de haver revelado o facto, até então ignorado, de que a Figueira e os seus arredores haviam sido importante centro de população em eras remotas, fazendo remontar a antiguidade ás epochas prehistoricas.” (Dr. Antonio dos Santos Rocha, 1910, 76). Além disso, o arquétipo etnogénico apresentado era exógeno ao actual território português, conquanto se

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reportasse a uma realidade preexistente, bem aquém de quaisquer pretensões integracionistas que pudessem emergir na actualidade. Designadamente, num contexto de pós-guerra que avigorava a supervivência dos componentes caracterizadores dos recantos europeus que um ideário totalitário pretendera aniquilar em nome de uma ambição desmedida. Não obstante,

Infelizmente, no nosso país, a Arqueologia ainda não atingiu foros de ciência digna de merecer as atenções dos poderes públicos, que a consideram uma espécie de caturrice de alguns maníacos tolerados à margem da lei. Estamos muito longe, sob este ponto de vista, de atingir o nível dos países civilizados, ou mesmo igualar o que vulgarmente se denominam regiões de colonização. Daí a premente necessidade, que por uma questão de brio nacional, tem os poucos que nela militam por simples carolice, de se esgotarem, para que Portugal figure no convívio das nações um pouco acima do Zero arqueológico (Paço, “Padre Eugénio Jalhay”, 65-66. Nossos itálicos)

Os esclarecimentos sobre os verdadeiros objectivos desta actividade científica ainda não eram divulgados o suficiente junto das populações locais, em especial num país onde o analfabetismo constituía um infeliz traço saliente da política (não) conduzida entre nós. Bastará, talvez, reproduzir as palavras enunciadas por A. Santos Rocha durante uma comunicação apresentada à Sociedade Arqueológica da Figueira (SAF) (1898) para entendermos este fenómeno:

A exploração foi feita com difficuldade, ora debaixo de chuva, ora no meio d’um povo ignaro e desconfiado, que se apinhava para tudo vêr, interrompendo-nos constantemente, cobrindo-nos de chufas e procurando ás vezes prejudicar os trabalhos. No dolmen do Seixo um precioso fragmento de ceramica foi partido, para vêr se teria outro dentro; e no da Sobreda, ao segundo dia de trabalho, encontramos dentro da crypta as pedras que havíamos feito extrahir na vespera. Sem o auxilio d’algumas pessoas de Paranhos e do Seixo, a quem foramos recommendados, não teria sido possivel levar a cabo semelhante exploração. O povo acreditava que procuravamos haveres escondidos, guiando-nos por algum roteiro; e não podia conformar-se com a ideia de nós o irmos esbulhar d’essas riquezas [...] [e] um dos interessados levara o proprio entulho carregado de carvões, acreditando que estes continham ouro! (Rocha, 1929, 13-14. Nossos itálicos)

Mas a inércia não atingiria apenas os políticos, de quem, dependia em última instância, institucionalizar o exercício arqueológico em Portugal. A apatia, filha da ignorância, derramava-se sobre quem podia e teria o dever de se alimentar e nutrir investigações na área. Sobretudo, após as janelas de oportunidade abertas com a 9.ª sessão do CIAAP, onde se apresentaram dados aparentemente inequívocos quanto à presença, por exemplo, em solo espanhol, da idade do cobre. A mesma que centrava atenções em A. dos Santos Rocha, tal como em demais contemporâneos, nomeadamente estrangeiros, privilegiando-a no âmbito dos estudos paleoetnológicos (Rocha, 1897, p. 6), para aferir a filiação do Homem português, como designava J. Leite de Vasconcelos, mediante análise de documentos não históricos. Motivo suficiente para que a, ainda, reduzida comunidade arqueológica portuguesa procurasse no solo nacional evidências dessa mesma realidade, cotejando-a ou não. Mas tal não sucedeu. Pelo menos com a prontidão expectável. Ao menos, por A. dos Santos Rocha. Desde então, além de indicações de É. de Cartailhac e trabalhos de Estácio da Veiga, apenas o mineralogista Alfredo Bensaúde (1856-1941) se dedicara a analisar artefactos pré-históricos considerados de bronze até então. Impunha-se, no entanto, sistematizar o “estudo d’essa interessante phase da civilisação no territorio portuguez.” (Rocha, 1897, p. 6), para aferir questões relacionadas com a ontogénese nacional, semelhantemente ao modo como procediam no seio de outros agrupamentos arqueológicos europeus. Ademais, a paleoetnologia movia A. dos Santos Rocha, nela centralizando os seus principais esforços (Rocha, 1897, p. 7). Por isso calcorreou o concelho da Figueira da Foz

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a longo de nove anos, assim como o Algarve durante meses, com sacrifícios pessoais, pelas longas, incommodas e dispendiosas pesquizas (Rocha, 1897, p. 7).

Enquanto isto, trilhava a esfera complexa da interpretação de artefactos encontrados, procurando descortinar a utilização, por exemplo, de machados de pedra. Esforço, por vezes, inglório, porquanto insuficiente para o nosso espírito exigente e inquieto (Rocha, 1897, p. 21). Cautelas e insatisfações compreensíveis quando “O que póde com muita probabilidade considerar-se amuleto é a hacha furada.” (Rocha, 1897, p. 24). Também nisto se revelava prudente e circunspecto, evitando precipitações susceptíveis de críticas acintosas de adversários e cobiçosos. Neste, como noutros assuntos que dissecou, revelava bom senso, obrigando a repensar preconceitos e prejuízos, percorrendo especulações por ser demasiado,

fácil e commodo dizer que hachas mui pequenas, inferiores a 0m,05 ou 0m,04, não poderiam ser applicadas como taes; mas, não conhecendo nós todos os processos da arte ou industria primitiva, nada nos auctorisa a rejeitar a hypothese de terem essa applicação, como verdadeiros instrumentos, e de que seriam encabadas por um modo diverso das outras, como indica o sr. de Baye […]. Contudo também pensamos que esses objectos poderiam ter algum outro emprego desconhecido; e que, sem novas descobertas, não póde aspirar-se a resolver inteiramente o problema (Rocha, 1897, p. 26-27. Nosso itálico)

O desconhecimento, se não total, quase completo, da produção primitiva era problemática central dos estudos sobre este período da evolução humana. Recorria-se, todavia, com demasiada frequência à comparação etnográfica, apesar dos anacronismos inerentes. Não a descartando por completo1, A. dos Santos Rocha preferia lançar mão do que designaríamos na actualidade por arqueologia experimental. Mais. Reconhecendo impossível distinguir a finalidade do equipamento pela sua forma (Rocha, 1897, p. 30), sublinhava que a ausência material não significava, necessariamente, a sua inexistência: “Pelo facto de não termos encontrado ainda vestígios de cabos [dos machados de pedra], não pode já concluir-se que estes não existiram.” (Rocha, 1897, p. 32). O que fazer, então? Como proceder? Com precaução; com cientificidade. Urgia, por isso, prospectar e escavar sistematicamente testemunhos de uma mesma tipologia artefactual identificados em arqueossítios contendo determinados pacotes materiais (Rocha, 1897, p. 32). Enquanto tal não sucedesse – concluía –, “segundo o estado actual dos nossos conhecimentos, […], as pequenas hachas de pedra polida das nossas estações eram indubitavelmente objectos votivos; mas que, fora das sepulturas, deviam também, salvo melhor juízo, ter sido usadas como instrumentos cortantes.” (Rocha, 1897, p. 34).

Se a situação era complexa quanto a materialidades, o que exprimir quando o assunto respeitava a ideias, pensamento e desejos vertidos em imagens, bi e tridimensionais? Não era claro e, muito menos, consensual. Em especial para épocas sobre as quais não se detinham outros testemunhos para lá dos imagéticos. Sobretudo quando alguém da envergadura e ascendente de G. de Mortillet negava reiteradamente a existência de arte neolítica por não exibir representações naturais. Mas, apesar da notoriedade deste decano da antropologia e da arqueologia pré-histórica, A. dos Santos Rocha imprimiu posição contrária. Convicto dos resultados das investigações cumuladas ao longo dos anos e firme nas suas reflexões sobre este e demais conteúdos, declarou, por exemplo, que “os simples dentes de lobo ou linha em ziguezague e as linhas em xadrez ou losango, que se encontra, nas louças e nas placas de suspensão neolithicas, sendo motivos de decoração, pertencem tanto ao domínio da

1 “Entre os selvagens modernos taes pontas [de dardo ou setta] não são raras. Encontrámos muitas nas collecções do museu ethnographico do Trocadero (Paris), provenientes do Huapi, das margens dos rios Chubut e de Santa Cruz e outros logares da Republica Argentina.” (Rocha, 1888, 253. Nosso itálico).

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arte como as imitações da flora e da fauna nas obras do antigo Egypto.” (Rocha, 1897, p. 36). Mais do que isso, os estudos efectuados em território português desdiziam o cepticismo mortilleniano, revelando figurações naturais em suportes utilizados no neolítico, de uma profundidade já abstracta, sendo,

licito affirmar, em face dos dados colligidos até hoje, a existência d’uma arte neolithica, que, em logares muito distantes, se elevou até á imitação da natureza viva e ás concepções religiosas. N’essas esculpturas da divindade, a que nos referimos, está sem duvida já manifestado o gérmen do anthropomorphismo, que mais tarde, em epochas históricas, provocou as bellas artes […]. Só um sentimento artistico muito desenvolvido podia, com o auxilio dos metaes, levar muito mais longe as imitações da natureza na architectura (Rocha, 1897, p. 40-41. Nosso itálico)

Uma vez mais, a chave residia no trabalho de campo, fazendo quanto podemos para tentar a fortuna, andarilhando léguas metodicamente exploradas para recolher artefactos de interesse para a questão em debate. Não pretendia, contudo, teorizar. A. dos Santos Rocha era claro quanto a isso. Aspirava somente confirmar a ideia enunciada anos antes por Estácio da Veiga em relação à existência d’uma arte neolithica no actual território português, observável em determinadas gramáticas decorativas, incluindo a própria figuração humana (Rocha, 1897, p. 43-44). Temática saliente ao multiplicarem-se estudos sobre o megalitismo que, ao invés de reunir unanimidade académica, pulverizava abordagens em face das especificidades estruturais e do mobiliário funerário encontrado em dólmenes. Indo além do visível, A. dos Santos Rocha ponderava a sua finalidade, observando-os como meros ossários de sepultados provisoriamente noutros lugares (Rocha, 1897, p. 59). Hipótese retirada da análise das superfícies ósseas e do conhecimento de ocorrências similares registadas entre selvagens “que viviam na idade da pedra antes da communicação com os europeus, e tendo essa interpretação a seu favor o parecer d’um vulto da sciencia, como era o sr. Quatrefages.” (Rocha, 1897, p. 61). Recurso e palavras surpreendentes, se descontextualizados do tempo e do espaço, na medida em que os finais de oitocentos se arreigavam ainda demasiado às comparações etnográficas para explicar determinadas realidades pouco ou nada entendíveis de outro modo. Mais do que isso, as palavras, assim proferidas, revela-nos quão prestigioso continuava a ser o nome do naturalista e antropólogo Armande de Quatrefages (1810-1892), reforçando, assim, com G. de Mortillet, o protagonismo francês na produção científica europeia. Mas, de novo, era a investigação fora do gabinete, esquadrinhando termos inteiros, que permitia corroborar ou refutar ideias. Por isso, A. dos Santos Rocha concluiu, após hesitações metódicas, serem os dólmenes estruturas de enterramento primário e definitivo (Rocha, 1897, p. 62), porquanto, por exemplo,

No megalitho de Santo Amaro da Serra […] se este monumento fosse um mero recipiente de ossos disjunctos, nem os esqueletos estariam tão distanciados, nem teriam sido enterrados, nem o espaço entre elles e o eixo longitudinal do megalitho estaria desoccupado […]. De facto não se comprehende facilmente a utilidade de enterrar ossos dentro d’um recinto de pedra hermeticamente fechado, nem a de desperdiçar espaços consideráveis em monumentos de tão custosa fabrica (Rocha, 1897, p. 67)

O que não significava que não houvesse muito por explorar e saber. Particularmente no que respeitava à Idade da Pedra, sendo que “Centenares de dolmens e grutas aguardam o paciente investigador; e por conseguinte podem ainda descobrir-se outros objectos semelhantes ou que concorram para explicar d’outro modo aquelle de que nos temos occupado.” (Rocha, 1897, p. 77). Por outras palavras, os artefactos eram, no seu entender, livros abertos em permanência, nos quais se rascunhavam, rasuravam, imprimiam e reviam procedimentos e conceitos. Mais. As nomenclaturas e os conceitos eram fulcrais para A. dos Santos Rocha. Por isso questionava J. Bonsor a propósito

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de sepulturas celtas, requerendo-lhe esclarecimento quanto ao sentido que dá usted a estas palavras (carta n.º 48, Maier, 1999, 42). Estaria bem ciente de como o conhecimento resulta de saberes cumulados em cada momento, espaço e comunidade intelectual, sendo com frequência imposto por grupos dominantes em cada instante, independentemente do seu acerto epistemológico. Tal como a humanidade, o sentido histórico e natural mutava-se gradativamente, consoante novas experiências e (re)descobertas. Nada era, pois, imutável e decisivo. Não o reconhecer, era adversar a essência científica.

Em conformidade a contemporâneos, A. dos Santos Rocha agitava-se por entre diversos assuntos arqueológicos, como se fora um neo-enciclopedista. As questões levantadas coincidiam, no entanto, num ponto: na vontade de entender a emergência das comunidades humanas no actual solo nacional e a deriva das inovações definidoras dos estádios principais da evolução humana. Mais do que isso, movia-o a querença de asseverar a originalidade de produções coetâneas, a fim de reclamar a criatividade exaltada noutros recantos europeus, dispensando, embora, manifestações nacionalistas demasiado óbvias. Era, porém, delas que se nutria parte substancial da arqueologia coeva, justificando investimentos insuspeitos de pastas governamentais e de sociedades eruditas. Releiamos, pois, as suas palavras:

Que povo construiu estes monumentos, e nos deixou tão numerosos vestígios? Em que tempo existiu? Quaes as suas origens, raça, usos e costumes, crenças, instituições, artes, e grão de aperfeiçoamento moral? Taes são as questões que suscita o exame de tudo o que temos descripto. A todas ellas, porém, pouco podemos responder. Algumas são completamente insoluveís para nós; outras há sobre que apenas podemos estabelecer hypotheses. Entretanto o assumpto é interessante; e por isso merece que, bem ou mal, nos occupemos d’elle (Rocha, 1888, 31. Nossos itálicos)

Também por isto, ou sobretudo por isto, A. dos Santos Rocha esquadrinhou terrenos para localizar cerâmica calcolítica (Rocha, 1897, p. 113) comprovativa da posição de Estácio da Veiga quanto à sua particularidade distinta da conhecida até então para o Neolítico e a Idade do Bronze (Rocha, 1897, p. 113-127). A realidade do terreno afigurou-se-lhe, no entanto, contrária à posição do autor da carta arqueológica algarvia. Carta que considerou, nalguns casos, de pouca utilidade ao não encontrar monumentos nela assinalados. Preferia, então, recorrer a gentes locais para os achar, numa crítica a Estácio da Veiga, em cujo trabalho reconhecia deficiências incómodas, entre as quais “a maior e mais rica necrópole prehistorica até hoje descoberta n’esta região.” (Rocha, 1897, 113-114), de Faro a S. Brás de Alportel, encontrada por ele próprio. Facto explicável, no seu entender, pela pouca minúcia de seu predecessor naquelas prospecções. Nomeadamente quanto à “situação dos ossos e objectos no entulho das sepulturas, circunstancias que tinham uma importância capital para a ethnographia.” (Rocha, 1897, 121), relevando o registo como essencial a ilações de vária índole. Sem a sua observação, os objectos localizados permaneceriam estéreis para a investigação. Anotações ademais exigidas para os agrupar de modo a inferir aspectos de contorno histórico. Entre eles, a eventual forma typica dos monumentos funerários, se porventura alguma existiu. Aqui, questionava a substância da linha de investigação determinada a reconstituir o pressuposto percurso da “cultura dolménica” no continente europeu, a partir das teorias difusionista e migracionista prevalecentes então. Com efeito, não parece ter-se esforçado em demasia por traçar esse hipotético trajecto a partir da complexidade estrutural dos exemplares dolménicos assinalados, numa adopção inequívoca do método tipológico thomseniano e da objectividade (aparentemente) conferida pela análise material. Nem defensou, como A. F. Simões (Simões, 1878, p. 97-98), a expansão, de Sul para Norte, do fenómeno megalítico em território nacional, e de ocidente para leste, em termos ibéricos. Aparente alheamento que estranharia, na medida em que abundavam causídicos europeus das origens primevas das populações actuais registadas nas estratigrafias mais profundas, associando território, cultura

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material e grupo étnico (a “raça” oitocentista), numa busca por legitimar os estados-nação na mais alta pré-historicidade, dela retirando argumentos inabaláveis a favor e contra aspirações expansionistas.

A. dos Santos Rocha objectava, assim, um pouco a centralidade da investigação arqueológica portuguesa da segunda metade de oitocentos na procura de especificidades materiais ilustrativas da antiguidade e originalidade de existências compreendidas como únicas e comuns às gentes do seu território, para suavizar, tanto quanto possível, uma certa visão “orientalista” preponderante na bibliografia coeva. A. dos Santos Rocha não interiorizava, por conseguinte, reflexões nacionalistas substanciadas pelo escrutínio megalítico. Relativizava, pois, a fixação, ainda quase exclusiva, da arqueologia portuguesa na análise tipológica, de modo a definir evoluções (lineares) e com elas identificar e acompanhar migrações ou difusões (Simões, 1878, p. 98). Além disso, A. dos Santos Rocha reiterava a censura lançada a Estácio da Veiga, ao mencionar as suas explorações em Fonte Velha (Bensafrim), por se desconhecer se os sepulcros eram lajeados, se continham um único esqueleto, o posicionamento dos restos osteológicos e a presença de indícios de profanação, circumstancias que, a nosso ver, eram da máxima importância (Rocha, 1897, 144). Além disso, equivocara-se ao interpretar como construção romana vestígios de outra sepultura no local, tendo sido “precisamente a que nos forneceu o melhor dos resultados que colhemos n’aquella necrópole.” (Rocha, 1897, 145-146)2.

Neste sentido, A. dos Santos Rocha evidenciou novas preocupações epistemológicas, interrogando “Se as explorações proseguirem n’este e n’outras estações ainda ignoradas, serão regras ou excepções os caracteres estabelecidos por aquelle illustre archeologo? Ninguem o poderá prever.” (Rocha, 1897, 123). O arqueólogo figueirense terá sido dos poucos investigadores nacionais a interessar-se, com maior profundidade, por questões metodológicas. Ainda que inserto num quadro geral de tendências temáticas de estudo, o final de oitocentos trazia para a mesa problemas a solucionar com alguma urgência, sob pena de a arqueologia se desmoronar na sua demanda de reconhecimento académico, político, social e, por que não dizê-lo, económico. Nisto, como noutros pormenores estruturantes, demonstrou seriedade intelectual e clareza de espírito.

Por isso também, questionava afirmações de outros arqueólogos, analisando-as à luz dos factos encontrados no terreno. Disso mesmo nos dá prova a incerteza quanto à convicção de Estácio da Veiga de uma forma cerâmica característica do calcolítico, com formas “melhoradas”. A. dos Santos Rocha julgava, contudo, a forma hemispherica enquadrável ainda no neolítico, em razão do exemplar que descobrira numa anta da Serra do Cabo Mondego. Era, porém, um problema em aberto a exigir prospecções e escavações sistemáticas (Rocha, 1897, 124). Imposição tanto mais importante, quando considerava o calcolítico “uma das epochas mais obscuras e mais interessantes da idade dos metaes no Algarve” (Rocha, 1897, 127), urgindo explorar metodicamente as estações arqueológicas correspondentes. Sendo um assunto de interesse crescente na sua actividade, discordava, por completo, da sua omissão na obra do arqueólogo belga Louis Siret (1869-1934), “tanto más cuanto que sus proprias excavaciones demuestran, por el contrario, su existência.” (carta n.º 129, Maier, 1999, 75), contraditando a circunscrição do cobre à Idade do Bronze. Por isso, também, recorria a um expediente vulgar(izado) entre arqueólogos do seu tempo. No início de 1901, enviou fragmentos de cerâmica pintada a J. Bonsor para que os comparasse a eventuais exemplares de su Museo (de Carmona), identificando a sua procedência, ao mesmo tempo que solicitava outros para investigações em curso no museu da Figueira (carta n.º 46, Maier, 1999, 41). Noutras ocasiões, pretendia confirmar

2 Estácio da Veiga não errara, porém, na totalidade. Numa das estratigrafias superiores, A. dos Santos Rocha identi-ficou uma necrópole luso-romana de incineração, embora nem todas de planta rectangular, como afirmara o autor da carta arqueológica do Algarve (Rocha, 1897, 145-146).

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a origens cartaginesas (carta n.º 48, Maier, 1999, 42), conjecturando a existência de produções regionais, mormente do sul espanhol (carta n.º 94, Maier, 1999, 60), numa permuta simetrizada por ambos (carta n.º 94, Maier, 1999, 60), ao trocarem também fotografias dos artefactos a estudar (Idem).

Forçosa era, ainda, a comparação tipológica. Assim nascera, em boa verdade, a ciência arqueológica. Por isso, A. dos Santos Rocha viajou por diferentes países, sequioso de museus onde encontrasse proximidades formais a artefactos descobertos em Portugal, escalpelando as obras de arte contendo testemunhos que lhe pudessem valer nesse sentido, percorrendo França e estudando em Itália, na Primavera de 1899 (Pereira, 1993-1994, 8). Razão também pela qual desejou deslocar-se a Sevilha para visitar a necrópole de Carmona e observar os materiais nela recolhidos (carta n.º 53, Maier, 1999, 44-45), pertencente à comarca de Los Alcores (carta n.º 71, Maier, 1999, 52). Viagens destinadas, acima de tudo, a verificar a sua ideia sobre a procedência orientalizante de fragmentos cerâmicos escavados em arqueossítios mondeganos (carta n.º 50, Maier, 1999, 43). Infelizmente, os seus múltiplos comprometimentos impediam-no de concretizar tais deslocações com a brevidade ambicionada, lamentando-se a J. Bonsor, volvidos dois anos, que os negócios públicos eram-lhe implacáveis (carta n.º 94, Maier, 1999, 60), conseguindo chegar a Sevilha apenas no início de 1905. Devedor da hospitalidade de J. Bonsor (carta n.º 128, Maier, 1999, 75) e admirador da sua actividade arqueológica, inflamou-se, poucos anos decorridos, com o que cuidava ser uma apropriação indevida de trabalhos seus, expressando uma honestidade intelectual e científica ainda incomum, ao mesmo tempo que reconhecia as limitações da arqueologia portuguesa por ausência de divulgação:

Há sido Ud. la primera persona que há señalado la influencia púnica en la industria ibérica y non el Sr. [Pierre] Paris. Es, a vuestra obra Les Colonies y a sus indicaciones personales, a las que, antes de la publicación de la obra del Sr. Paris, debo los elementos suficientes para estudiar las estaciones de la Edad del Hierro del Valle del Mondego, época luso-cartaginesa.Así, la Ciencia le es deudora de una fase, hasta Ud, ignorada de la Arqueología Ibérica; es lo que non dicen los Srs. Siret y Paros, pero que su oscuro amigo ha destacado notoriamente en su obra sobre la Edad del Hierro en Figueira.Es preciso darle a César lo que és de César. (carta n.º 162, Maier, 1999, 90)

De qualquer dos modos, o tema do calcolítico era por demais sensível no manto de (re)afirmações nacionais e regionais para ser tomado superficialmente. Ao contrário, A. dos Santos Rocha admitia, por exemplo, que “a presença do ferro não seria bastante para attribuir a necrópole aos primeiros tempos do uso d’este metal, assim como a sua falta não seria argumento absolutamente seguro para demonstrar que aquella pertenceria a uma epocha anterior” (Rocha, 1897, 152). Até porque, também nas suas palavras, “Ainda ninguém fez estudos bastantes para se estabelecerem as características da primeira epocha do ferro em Portugal” (Ibid.).

Com efeito, era assunto central da comunidade arqueológica europeia. Especialmente, ao estribar-se a convicção de que uma civilisação quasi uniforme tinha preponderado na bacia mediterrânea entre o fim do neolítico e a idade do cobre (Rocha, 1911, 9). Em Portugal, porém, recolhiam-se materiais que pareciam contraditar tal pressuposto. Mais. Era como se houvesse uma premência intrínseca de estudiosos nacionais em salientar a especificidade do curso histórico do actual território português. Mesmo que o país não carecesse de se legitimar, fosse porque razão fosse; fosse com que intuito fosse. Daí que A. dos Santos Rocha sublinhasse a existência de artefactos representativos de várias phases evolutivas de uma multidão de povos, à qual atribuía o início da grande civilisação do bronze no mediterrâneo (Rocha, 1911, 9-10). Evidência consolidada por outras leituras, como a da ligação “entre o ornato de folhinhas emparelhadas das louças dos nossos monumentos de S. Martinho e das estações da Rotura em Setubal e o das louças do valle do Pó e da Liguria.” (Rocha, 1911, 13).

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A presunção de ligação com a realidade ligúrica não era recente, plasmando-se, por exemplo, em Lusitanos, lígures e celtas (1893), onde o autor, F. Martins Sarmento, rechaçava a existência de um substrato celta nas populações lusitanas, perfilhando-as, mesmo que indirectamente, em culturas mediterrâneas (carta n.º 53, Maier, 1999, 44-45).

Entretanto, a comparação tipológica alargava-se a outras evidências. Por exemplo, à arquitectura funerária, para a qual se descortinavam paralelismos, uma vez mais, no mediterrâneo oriental. Era o caso da inumação dos corpos em posição fetal, como “temos verificado nas necrópoles da idade do cobre no Algarve.” (Rocha, 1911, 20-21). Mas era também o das placas de xisto gravadas retiradas de várias antas, algumas das quais estudadas por A. dos Santos Rocha ao longo de um decénio, “que alguns sabios julgam representar as palettes das sepulturas predynasticas do Egypto.” (Rocha, 1911, 25). Ficava, contudo, por esclarecer se, mais do que uma proximidade formal, existia uma união étnica, defendida pelo investigador figueirense ao relembrar os neolíticos dolicocéfalos (Homo sapiens mediterraneus) de baixa estatura que habitaram o termo português (Rocha, 1911, 26). Para ele, o litoral algarvio podia esclarecer em definitivo este assunto. Desde logo, pelos trabalhos de Estácio da Veiga, aos quais se somavam os seus próprios. Articulados, podiam identificar estações pré-históricas, devido “á densidade das populações que se accumularam n’aquella parte do nosso territorio, e também ás circumsntancias especiaes do solo e das culturas reinantes.” (Rocha, 1911, 27). Esquecia, no entanto, que a quantidade de arqueossítios localizados dependia, em boa medida, da intensidade da prospecção. Faltava, em todo o caso, o que julgava mais importante: testemunhos da transição do neolítico para o calcolítico. Até porque, como admitia, “A chronologia absoluta é privativa da historia: só esta póde ter datas precisas. Na prehistoria apenas há uma chronologia relativa, fundada na ordem de sucessão de certos factos.” (Rocha, 1888, 31). Por isso, rumou de novo ao Algarve, em Outubro de 1906, para tentar reconstruir páginas do quotidiano humano a partir das suas remanescências identificadas na mesma unidade estratigráfica (Rocha, 1888, 236), deduzindo complexidades estruturais e superstruturais das comunidades suas fazedoras, cumprindo, assim, o objectivo último da actividade arqueológica:

Uma organisação social, baseada na supremacia d’uma classe, já nós tínhamos inferido das differenças entre os túmulos-dolmens das cumiadas da Serra e as sepulturas da Asseiceira; e esta ideia está ainda profundamente arreigada no nosso espírito, apesar de combatida por outros mais eruditos do que nós […]. As distincções sociaes deviam realmente existir; e nós recolhemos mais uma prova, poisque entre a gente sepultada nos grandes monumentos surge-nos uma entidade superior, rei ou chefe, que tinha o mando supremo. Os seus restos jaziam na necrópole do Cabeço dos Moinhos, cuja posição, dimensões e extraordinária riqueza a distinguem de todas as outras sepulturas: alli estava o bastão de pedra, a insígnia da sua superioridade (Rocha, 1888, 174-175)

Desta feita, A. dos Santos Rocha dirigiu-se ao sul de Portugal em companhia de Joaquim Pereira Jardim, membro da SAF, fundada entretanto:

O nosso plano foi traçado de modo a preenchermos as deficiências que ficam notadas. Procurar monumentos de transição da pedra para o cobre, a fim de estudarmos a autoria do metal, era o primeiro capitulo das nossas investigações. Depois descobrir e explorar novas estações funerárias do cobre, onde pudéssemos repetir as nossas anteriores observações, e determinar o modo de distribuição das necrópoles (Rocha, 1911, 31-32. Nosso itálico)

Seleccionado, como paradigma de actuação, o sítio da Mexilhoeira Grande, descobriram uma necrópole megalítica de transição para o cobre, e três outras do calcolítico pleno (Rocha, 1911, 32). Equacionando, porém, descenderem os inumados dos identificados em Alcalar ou no Monte

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Velho, A. dos Santos Rocha relembrava nada se poder ainda ajuizar com segurança sobre este assumpto (Rocha, 1911, 66). Havia que repetir observações, prospectando e escavando com sistema e tenacidade. Por outro lado, a ausência de evidência material não significava a inexistência de comportamentos que lhe eram tradicionalmente associados. Era o caso da presumida inexistência de povoados fortificados neolíticos no actual termo nacional. O que, nas palavras de A. dos Santos Rocha, não pressupunha a inexistência de episódios bélicos (Rocha, 1897, 97-98). Além disso, a percentagem das amostragens era fundamental para concluir o que quer que fosse. Exemplo? A apresentação de Estácio da Veiga sobre a dupla inumação em monumentos megalíticos, a partir da análise de três sepulcros da necrópole de Alcalá, quando, pela descrição das observações, tudo teria sido “profanado, profundamente remexido e confundido.” (Rocha, 1897, 69). Os reparos à ineficácia de Estácio da Veiga eram amiúdes e em crescendo. Mais do que interpretar desacertadamente as estações, Estácio da Veiga era acusado de destruí-las parcialmente, comprometendo investigações futuras ao não deixar registos de resultados obtidos. Isso mesmo sucedera em Marim (concelho de Olhão), onde, segundo o arqueólogo figueirense, não se explorara com minúcia as terras retiradas da escavação (Rocha, 1897, 164). Por outro lado, parecia descuidado nas prospecções (Rocha, 1897, 177) e na preservação de ruínas descobertas (Rocha, 1897, 229-230). A metodologia de trabalho de campo era basilar. Sem ela, desmoronariam teorizações. Por isso também atendia os eventuais fósseis-directores, como as cerâmicas pintadas de Santa Olaia, como “aviso aos que explorarem estações da mesma epocha em Portugal” (Rocha, 1897, 357).

Inserto no seu tempo, A. dos Santos Rocha dificilmente podia ignorar procedimentos seguidos pela maioria dos coetâneos. Semelhantemente a muitos destes, viam-no como peregrino do saber, à guisa de eruditos anteriores em deambulação pelo passado mais remoto dos lugares e gentes portugueses, indagando a particularidade no seio da presumida coerência concedida por culturas dispersadas pelo continente, de modo mais ou menos estruturado.

Prospectando terrenos em busca de vestígios antigos, interrogando, em simultâneo, as populações locais para a sua localização, A. dos Santos Rocha observava atentamente a superfície dos solos na tentativa de encontrar fragmentos indiciadores de estações arqueológicas soterradas. Detectadas as estruturas, A. dos Santos Rocha evitava danificar demasiado as plantações agrícolas. Tema por demais relevante, mormente quando a maioria das estações arqueológicas se localizava em contexto rural, onde os terrenos eram imprescindíveis à sobrevivência das populações. Optava, por isso, e sempre que possível, por explorar em caminhos vicinais que atravessam propriedades (Rocha, 1897, 115). A isso, acrescia o facto de lhe permanecerem práticas herdadas dos primeiros cultores arqueológicos, quando as escavações privilegiavam a localização de estruturas, prosseguindo ao longo dos alçados e segundo os pontos cardeais, para fazer descer até encontrar-se a base da camada de terra vegetal (Rocha, 1897, 165). Recorria, ademais, à abertura de poços para sondar o terreno, convertendo-os de seguida em amplas trincheiras, “segundo o methodo que costumamos seguir nas nossas explorações.” (Rocha, 1897, 235-236), levantando com o maior cuidado eventuais vestígios osteológicos (Rocha, 1888, 19). Tudo compreensível, quando parte expressiva dos arqueólogos procedia nessa conformidade. Incompreensível, porém, se relembrarmos a data de publicação deste enunciado: 1897. Com efeito, e adversando a actualização de conhecimentos que parecia impor a si mesmo3, A. dos Santos Rocha manifestava parca relação com metodologias interiorizadas noutros

3 Em Janeiro de 1901, mencionava a J. Bonsor ter adquirido uma das suas obras citadas por Emil Hübner (1834-1901) (carta n.º 448, Maier, 1999, 42), manifestando-lhe, já em Março, interesse por obter Les tombeaux puniques de Car-thage (1890), de Alfred Louis Delattre (1850-1932) (carta n.º 53, Maier, 1999, 44), antes de agradecer-lhe o envio da sua publicação Los pueblos antiguos del Guadalquivir (1902) (carta n.º 71, Maier, 1999, 52).

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círculos europeus, a exemplo do britânico, onde o registo criterioso dos vestígios encontrados era palavra de ordem, ao importarem todos à recomposição dos modus vivendi e faciendi das populações correspondentes, facilitada por metodologias de trabalho, na sua maioria retiradas à geologia. Mais do que isso, algumas agendas políticas entreviam-lhe jurisdição para reclames históricos, aferindo origens geográficas, cronologias e pertenças culturais. Tudo a partir de materialidades, numa ilusão ou vã esperança de se proceder com isenção e positivismo absolutos. Intento desvirtuado rapidamente, adaptando-se, ao invés, as materialidades a discursos vigentes ou a vingar, quase todos envoltos em pretensões hegemónicas.

Não obstante as dificuldades e resistências registadas entre nós, ia-se atendendo à nova praxis, apesar de ser novidade recente no meio arqueológico português, já de si exíguo e fragilizado por multíplices razões, impedindo que se implementasse com celeridade, asserto e rigor, embora o exemplo de geólogos pioneiros dos estudos pré-históricos em Portugal aí estivesse para declarar a sua relevância. Entre tais raridades indispensáveis, contavam-se as análises químicas. Especificamente as utilizadas para aferir composições metálicas. Numa época em que o seu recurso ainda rareava, A. dos Santos Rocha denotou bem o modo como se actualizava. Leitor cuidado das novidades sobrevindas de urbes europeias, pugnava por escorar cientificamente posições sobre o passado mais remoto do território português. Tratando-se de uma área do saber muito novel, a arqueologia filiava-se nas humanidades, destituindo-se, por conseguinte, da positividade conferida por disciplinas, como a química, a física ou a própria matemática. Aspecto de não somenos relevância quando o século assentava no neo-racionalismo, num derrube permanente, quase insano, de ambiguidades e contradições, intrínsecas à natureza humana. Cientificar um saber, equivalia conferir-lhe um objecto, metodologia e finalidade de estudo. Arredá-lo da incerteza, exigia transversalidade de experiências e erudições. Assim o percebeu A. dos Santos Rocha e assim o praticou quando pôde, mercê de amizades4 firmadas com quem dominava outros ramos científicos. Entre eles, a química. Por isso, conseguiu determinar a natureza do metal de alguns artefactos, para dela retirar ilações históricas. Não apenas quanto à destreza dos fabricantes, como também acerca da origem de matérias-primas e procedimentos associados. Mais do que isso, tal aferição era capital para determinar o carácter autóctone, ou não, por exemplo, da metalurgia do cobre, mormente para execução de machados (Rocha, 1897, 136-137). A imprescindibilidade de outras ciências para compreender elementos retirados das correlativas unidades estratigráficas era secundada quando A. dos Santos Rocha apelava ao saber de antropólogos físicos para analisar vestígios osteológicos. Foi o caso de Ricardo Severo (1869-1940) e de A. Fonseca Cardoso (1865-1912). Em 1899, estudaram, a pedido do colega figueirense, ossos humanos reunidos no Museu da Figueira, registando as observações segundo os methodos indicados pela sciencia, conquanto a insuficiência de dados não lhes permitisse ir além de meras induções (Rocha, 1888, 259).

4. O museu e o resgate do passado

Acompanhando a maioria de contemporâneos e conterrâneos cultores da arqueologia, A. dos Santos Rocha privilegiou os estudos pré-históricos. Fê-lo, no interesse do museu figueirense, razão pela qual a archeologia histórica se encontrava menos representada, solicitando, por isso, benevolência para com “erros e incorrecções que devemos ter commettido.” (Rocha, 1897, 7). Até porque,

4 Caso do “sr. Sotero Simões d’Oliveira, habilíssimo pharmaceutico da Figueira, que se tem encarregado das analyses chimicas para o Museu Municipal.” (Rocha, 1897, 119. Nosso itálico).

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Entretanto a critica, que nada poupa, sem mesmo se importar com os motivos que nos forçaram a levar a cabo um trabalho a que quizeramos esquivar-nos, pretendeu tornar bem manifesta a deficiência do escripto, arguindo-nos a sobriedade na exposição e nas conclusões; e, para supprir as nossas faltas, proclamou abertamente descobertas que infelizmente ainda não tínhamos feito (Rocha, 1897, 12)

Enveredando pela arqueologia, A. dos Santos Rocha colheu materiais a expor no museu de sua responsabilidade, enriquecendo, também assim, o respectivo acervo, ao mesmo tempo que concorria para a sua notabilidade expositiva no (ainda escasso) quadro museológico português, asfixiado pelo centralismo fruído pelo MEP (Museu Etnográfico/Etnológico Português) dirigido por J. Leite de Vasconcelos, desajustado a interesses brotados fora dos circuitos lisboetas.

Quanto à arqueologia clássica, escasseavam no país especialistas, escavações e resultados. Situação algo surpreendente quando o apreço pela antiguidade grega e romana fora o mote primordial da ciência arqueológica. Além do mais, multiplicavam-se iniciativas na área fora das malhas nacionais, organizando-se expedições, institutos, colecções, museus, monografias, cursos, etc.. Em Portugal, não tínhamos formação específica e rareavam os que, mercê de capitais próprios, atravessavam as fronteiras em sua demanda. Sobejava a troca de correspondência, a presença intermitente em reuniões científicas e visitas periódicas a espaços museológicos e escavações arqueológicas. Mas, como A. dos Santos Rocha reconhecia, preservava-se somente o que se apreciava, e para estimar havia que estar inteirado da sua relevância. A realidade demonstrava isto mesmo, como o desconhecimento das valências intrínsecas e extrínsecas permitiam a destruição costumeira de testemunhos de outros tempos. Como escreveu o arqueólogo da Figueira da Foz, “a rapidez com que os monumentos se destroem n’este paiz, logo que o acaso, a cubiça ou o interesse scientifico os faz sair da terra, era caso para não subtrahir á publicidade esse pouco que póde interessar a historia nacional. Se fizéssemos o contrário, a falta podia ser irreparável.” (Rocha, 1897, p. 7). Cenário ultrapassável com o estudo aturado dos materiais encontrados, acautelando a sua destruição para memória e investigações futuras, evitando circunscreverem-se “as nossas humildes e insufficientes notas sobre a existência d’essas interessantes estações mortuárias.” (Rocha, 1897, 8). Por essa mesma razão, entendia básico disponibilizar, aos investigadores, as colecções da epocha luso-romana (Rocha, 1897, 243).

A verdade é que, apesar das muitas diligências levadas a efeito por diferentes entidades públicas e privadas, individuais e colectivas, o ambiente nacional era ainda algo adverso ou impassível aos quesitos arqueológicos. A. dos Santos Rocha não ignorava que o panorama generalizado nesta matéria era preenchido por um desinteresse da maioria das autoridades locais pelas suas riquezas artísticas e arqueológicas. Sublinhava, aliás, repetidamente o assunto, preocupando-se com o destino mais próximo, por exemplo, do espaço museológico que idealizou e montou. Com inesperada clareza de espírito, sentido crítico e interpretação isenta, afirmava, com apontamentos de amargura e desânimo, que,

Por um lado, sendo raras as vezes no nosso paiz as pessoas que occupam d’estes estudos, acontece que, fallecendo algum iniciador, que consagrou todos os seus esforços á fundação d’um muzeu, não há na localidade quem os substitua na iniciativa, e as corporações acabam por não fazerem caso d’estes estabelecimentos. […]. Por outro lado, a ignorancia, as rivalidades locaes, as invejas, os despeitos, as intrigas e todas as miserias da politica local, não respeitam estas instituições5 (Arquivo Histórico da

5 “Não foram apenas o desamparo dos governos e das corporações administrativas, e mudez das escolas e o desdém público que ocasionaram a destruição de muitas antiguidades nacionais: a ignorância e a superstição do povo rural, à falta de vigilância protectiva, concorrem diariamente para o desaparecimento total de preciosidades que ficam portanto sem relato.” (Peixoto, 1892, p. 243-244).

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Academia Nacional de Belas Artes, Commissão dos Monumentos Nacionaes. Correspondência (1882-1893).) 23/12/1902. Inédito. Nosso itálico)

Era um diagnóstico alinhado da realidade em que o país afundara. Os libelos lançados de vários púlpitos contra diversos programas, alheavam as populações e os poderes decisórios de questões tão importantes quanto as científicas e culturais. Enredados nos seus próprios agendamentos, desmereciam potenciais centralidades de existências locais, regionais e nacionais. Sobretudo o que exigisse persistência e envolvimento denodado e gracioso. Era o caso de quem se dedicava aos estudos arqueológicos, no sentido mais abrangente do termo, abarcando a divulgação e preservação, independentemente dos meios e das formas. Na verdade, ecoavam neste seu pergaminho palavras enunciadas por contemporâneos sujeitos às mesmas intempéries pessoais, para quem a falta de uma política científica esclarecida amolgava intenções arqueológicas e mergulhava organismos governamentais na indefinição. Sobejavam, de novo, e sempre, interesses circunstanciais, órfãos de uma consciência colectiva relativa à sua pertinência. Era como se apenas o sopro pessoal velejasse no travo nacional, sem o qual se silenciavam feitos, saberes e quereres, numa iconoclastia assaz corrosiva, como sucedera ao ‘Museu Arqueológico do Algarve’.

Enquanto isto, a condição de orientador e dirigente principal do museu figueirense, instava A. dos Santos Rocha a não perfilhar por completo a crítica dirigida aos espaços museológicos enquanto guardiões de matérias e projectos individuais de quem os arrancava aos respectivos contextos. Contextos fundamentais à compreensão e leitura integral dos objectos expostos. Sem aqueles, estes esvaziavam-se do sentido primevo e primacial. Sem aqueles, estes transformavam-se em meras visões estéticas. Mas, enquanto responsável por um desses novos paradigmas da contemporaneidade – os museus –, A. dos Santos Rocha coligia o maior número possível de artefactos ilustrativos das ideias que pretenderia explanar ao longo das sucessivas salas expositivas. Desde logo, uma síntese alargada dos tempos passados, ao mesmo tempo que de realidades presentes, reunindo numa única área objectos evocativos de momentos entendidos à época e por si próprio como essenciais à formação complementar das populações directamente mais interessadas nos aspectos apresentados. Por isso também, os museus fundados gradativamente no país deviam garantir (quase) sempre e (quase) em definitivo a preservação dos artefactos arqueológicos e trechos arquitectónicos exibidos no seu interior. Mormente num país como o nosso, onde a ignorância e a displicência administrativa contribuíam largamente para a destruição de inúmeros exemplares antigos, sem atender a categorias, tipologias e episódios históricos a eles associados.

Não surpreende, pois, que perfilhasse este pensamento em carta endereçada (1902) ao Conselho Superior dos Monumentos Nacionais (1899), num momento em que a área patrimonial se afirmava mediante legislação própria. Compreende-se, assim, que, a par da classificação de imóveis como monumentos nacionaes, decretada pela tutela (1901), o advogado e arqueólogo figueirense defendesse a protecção legal de:

Todos os museus archeologicos que ao presente existem, fundados pelas camaras municipaes, para os effeitos somente de não poderem ser extinctos, nem mandada a sua actual installação, sem auctorização do Governo, ouvido o Conselho dos Monumentos Nacionaes, e de ficarem sujeitos á fiscalisação d’este Conselho (Id., Commissão dos Monumentos Nacionaes. Correspondência (1882-1893). 23/12/1902. Inédito. Itálico nosso)

Como outros intelectuais coevos, temia que acervos cumulados ao longo de anos por distintas individualidades, quantas vezes a título gratuito, fossem desbaratados, como se delapidavam inúmeras memórias, independentemente do suporte, forma, estilo, signo e significado.

Com estas palavras, A. dos Santos Rocha ilustrava o amadorismo contumaz destes estudos no

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território, não obstante a criação de cadeiras universitárias que os promoviam e a forma, por vezes unipessoal e modal, como se engrandeciam, por ausência de uma política concertada nesta área. Desassossego que não seria desmedido ou extemporâneo. A legislação omitia ainda a condição dos objectos móveis, por mais valor histórico, arqueológico e/ou artístico que encerrassem, permitindo avultar reutilizações menos adequadas. Enquanto isso, avolumavam furtos, em especial no interior do país pela carência de meios humanos e materiais basilares ao despertar de consciências locais e regionais para a preservação de mnemónicas de seus passados e tradições, mesmo que (re)criados, (re)pensados e (con)figurados por conveniências esporádicas e datáveis. Mas, A. dos Santos Rocha ia mais longe nas suas apreensões. Em epístola endereçada à RAACAP, questionou a preservação dos acervos museológicos municipais. Ele, a quem se devia, em boa medida, a criação do museu figueirense, cujos destinos orientava. Mas talvez por isso mesmo. Com efeito, os muitos escolhos encontrados na sua preparação, inauguração e manutenção tornaram-no ciente dos obstáculos permanentes enfrentados pela maioria dos espaços congéneres portugueses. Ao invés, os associativos preservavam-se melhor, mercê do compromisso assumido por seus membros, em nome de ideais e propósitos dificilmente esvanecidos dos seus horizontes, porquanto avivados em contínuo. Enquanto isso, os museus centrais, de carácter nacional, encontrar-se-iam também garantidos. Em rigor, era como se apenas os camarários motivassem dúvidas neste sentido, ao evoluírem concordantemente a interesses identificáveis, quantas vezes despojados de sentir histórico, arqueológico e artístico. Mais do que isso, convergiam, quase em constância, para o desbaratar patrimonial imposto por tensões económicas. Um despesismo (voluntarismo ou arrivismo local e regional) que mais não seria do que uma face visível das contradições manifestadas com afinco perante éditos emanados da capital, sua (presumida) antagonista principal. Mas, A. dos Santos Rocha era sagaz bastante quanto aos radicais da situação, enunciando-os com uma lucidez perturbadora, mas não muito divergente de brados desferidos por contemporâneos: “Eu conheço um possuidor de soberbas collecções pre-historicas que não tem fundado um museu municipal na sua localidade, com receio de que futuras vereações o extingam, ou lhe dêem tão má installação que forcem a extinguil-o (A.H./A.A.P., Ibidem).

Nada que o desmotivasse, a ponto de renunciar a um dos projectos nucleares de sua vida. Pelo contrário, a adversidade fortalecê-lo-ia, como apanágio dos mais tenazes. Por isso se manteve atento ao desenrolar epistemológico nesta área. Por isso também considerou essencial produzir o catálogo geral do museu municipal. Não, sem antes instalar as colecções nas salas correspondentes no novo edifício dos paços do concelho (Rocha, 1897, 243), numa comprovação da influência que detinha nos círculos de poder locais. À semelhança, todavia, de espaços congéneres da época, as colecções dispostas revelavam um certo eclectismo, ainda tão ao gosto do período finissecular, contendo, a par de testemunhos de passados continentais, artefactos de paragens conquistadas no além-mar6. Nada menos surpreendente, se lembrarmos a importância de objectos de outras paragens, mormente africanas, nas agendas coevas. Além disso, a gestão ultramarina começava a colher múltiplos contratempos no país. Nada mais actual e pertinente. Em contrapartida, o museu figueirense não dispunha de materiais de origem árabe, como os encontrara em abundância no museu de Córdova, numa das suas digressões

6 Vários intelectuais discorreram sobre este assunto, sobretudo por importar ao desenvolvimento cultural das popula-ções locais, regionais e nacionais. Entre essas vozes, encontrava-se a de Félix Alves Pereira (1865-1936), no artigo “Museu Municipal de Castello Branco”, publicado em O Archeologo Português, vol. XIII, n.ºs 1-6, 1908, p. 117-118: “Mas não convem ficar ainda por aqui. O museu não deveria ser exclusivamente archeologico. O alargamento da sua esfera assegu-raria tambem, creio eu, a sua futura conservação. […] Pois abranja a instituição toda a vasta ethnographia local, isto é, a ethnographia do districto ou da provincia. O livro tem assim mais algumas paginas, mas as do passado comprehender-se-hão melhor ao lado das do presente. E, de patamar em patamar, sou ainda levado a abrir nova secção para a historia natural do districto ou da provincia.”.

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de conhecimento (Rocha, 1886, 34). Nas terras crestadas do sul espanhol, observou, contudo, que os monumentos desse período se encontravam menos preservados do que os atribuídos a outras origens culturais (neste caso, religiosas). Dissemelhança que interpretava como sinónimo do pouco apreço histórico pelos primeiros, embora, na sua opinião, somente a ignorância da história o justificasse, desmerecendo-se assim Alhambra (Rocha, 1886, 148-149).

Eram preocupações compreensíveis para quem se movia em torno de um olhar mais abrangente sobre o passado do seu país, conhecendo o histórico sinuoso da preservação patrimonial entre nós, embora sem desalentar, insistindo em sensibilizar populações e edilidades públicas e clamando, em simultâneo, pela urgência da inventariação, protecção e divulgação do remanescente. Procurava-se, é certo, desbravar nessa direcção, como testemunhava a CMN, conquanto coarctada na sua missão ao ser esvaziada dos meios humanos e materiais necessários ao seu cumprimento, aliada à incompetência, ignorância e indiferença institucional. Longe de abater perante tais escolhos, havia que reerguer a auto-estima portuguesa face a episódios que a podiam esmagar, esmorecer e condenar num ápice e para sempre, reduzindo-a ao mais aviltante esquecimento e anonimato. Havia, sobretudo, que entender a agitação vivida no país, circundado por derrotismo e impossança que instava contender e superar, antes que pulverizasse. Apesar disso, não divisamos nos escritos de A. dos Santos Rocha o nacionalismo exacerbado de hodiernos, à semelhança de A. Rocha Peixoto (Monteiro, 1966, p. 59), para quem a fundação da “Sociedade Carlos Ribeiro”, que teve por órgão a Revista de Ciências Naturais e Sociais, não produzira o efeito pretendido de início, apesar de enriquecer o panorama editorial português, e agitar, aqui e além, o exercício arqueológico. E, conquanto menos vezes do que devido, A. dos Santos Rocha era realçado por contemporâneos pela diferença que trazia ao panorama editorial português no concernente à actividade arqueológica, Com efeito, António Mesquita de Figueiredo (1880-1954) referia-se-lhe nos seguintes termos, em carta endereçada a J. Bonsor:

El señor Santos Rocha, presidente de la Sociedad Arqueológica de esta ciudad publica sus descubrimientos en unas memorias de las que ya han aparecido cuatro. La mayoría de los arqueólogos son únicamente colectores, no publican sus descubrimientos. Los estudios monográficos siguen siendo arduos y monótonos (carta n.º 40, Maier, 1999, 39)

A. dos Santos Rocha revelava, contudo, um certo desfasamento conceptual no referente à finalidade da prática arqueológica, ao privilegiar a exposição de peças arqueológicas, embora se fosse actualizando também neste domínio. Com efeito, há já algum tempo que nomes, como o do inglês Augustus Pitt Rivers (1827-1900), acautelavam a premência de registar todas as realidades observadas, recolhendo-as e mantendo a associação original dos artefactos para melhor analisar e apresentar os respectivos contextos. Em substância, no entanto, o proceder do investigador figueirense não desigualava dos demais adoptados entre nós. Mas, não era menos verdade que circulavam já edições e resultados de encontros científicos da especialidade sobre metodologias mais recentes, sobrelevando a reconstituição do quotidiano de comunidades extintas, a partir de fragmentos de matéria e suporte diverso. O cenário interno parecia, porém, não se conformar, em pleno, a estes ditames, a julgar por J. Leite de Vasconcelos, ao calcorrear o território em busca de objectos para o museu que dirigia, de modo a suster a sua própria agenda etnológica. Perdurava, por conseguinte, a ideia de que eram as peças a justificar, em primeiro lugar, a existência museológica, e não os contextos, remetidos para teores colaterais, conquanto fundamentais. Vivia-se, então, o apogeu da cultura visual, mesmo no exercício científico, justificando permutas de objectos entre museus.

Enquanto isto, reconhecia, como demais estudiosos, a imprescindibilidade de divulgar para consolidar a prática arqueológica, incluindo a vertente dos museus. Por isso, A. dos Santos Rocha recorreu a estratégias comuns a colegas nacionais e estrangeiros, imprimindo ideias em periódicos. O que não impedia ou contraditava a edição de textos de maior fôlego, reforçando, assim, a propagação de conhecimentos

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arqueológicos junto de um público mais vasto, associando-os a um movimento ampliado de propugnadores e defensores patrimoniais. Com o tempo, este assunto centralizou parte significante das suas actividades, engrandecendo o espaço de sua responsabilidade, harmonizado com letrados movidos por desígnios similares.

5. Desfecho, ou a importância de ser insistente

A ausência de problemas de ordem nacional e regional no nosso país, por um lado, e a desnecessidade de afirmar fronteiras políticas, por outro, justificou a inexistência de um discurso arqueológico estruturante de desígnios portugueses, centrados sobretudo na medievalidade alicerceadora do Portugal contemporâneo. Cenário oposto ao espanhol, onde o assomar sucessivo de interesses e conflitos regionais e autonomistas incentivou a arqueologia a afirmar-se de modo mais célere e categórico. Não que houvesse um vazio total no campo arqueológico entre nós. Prospectava-se, escavava-se, preservava-se e divulgava-se. Em escala muito reduzida, é certo. Entretanto, leccionava-se, desde 1885, uma cadeira na Universidade de Coimbra abrangendo a temática pré-histórica. Era, contudo, escasso para as ambições de quem abraçava a arqueologia no seu quotidiano, espraiadas em associações privadas com edições próprias, enquanto Lisboa montava o MEP, acolhia O Archeologo Portuguez e assistia a aulas de numismática, epigrafia e arqueologia asseguradas na Biblioteca Nacional e na Faculdade de Letras por J. Leite de Vasconcelos. Mas, apesar dos esforços aduzidos, parecia falhar-se no desiderato principal, ou seja, na institucionalização do exercício arqueológico. As razões seriam múltiplas, urgindo elencá-las para melhor apreender as raízes de alguns contornos menos explicitados até ao momento. Não lhes terá, no entanto, alheado a ausência de motivações políticas. As mesmas que sustentavam a sua afirmação noutros países, onde era contemplada há muito nos mais restritos círculos académicos. Entre nós, a agenda nacionalista prescindia da pré-medievalidade, limitando-se a transpor legislação patrimonial do modelo francês, enquanto paradigma de um estado contemporâneo.

O que não impediu os arautos da(s) memória(s) de ecoarem diatribes e protestos por entre páginas de periódicos e tribunas diversos. Pelo contrário, vemo-los alimentados pela adversidade, enquanto outros feneciam perante escolhos sucessivos e engrandecidos pela adversidade ideológica e desvanecimento de princípios partilhados outrora. A documentação coeva desvela-nos uma vontade febril e acção menos cumprida de comissões e conselhos de salvaguarda patrimonial. Sobretudo em 1911, quando, após a implantação republicana, imergimos em escritos de uma diligência inesperadamente sôfrega. A inquietude era, no entanto, insuficiente. Havia que ser eficaz. Mas, como, se não eram dotados de meios humanos e materiais, em número e qualidade? Não dispondo de um quadro próprio de funcionários, recorria-se ao anterior modelo dos “vogais-correspondentes”, designadamente para debelar óbices logísticos. Por outro lado, crescia o domínio do MEP mediante legislação publicada desde 1901, desajustando intenções locais e regionais, quaisquer que fossem os objectivos, motivações e natureza. Entretanto, a arqueologia padecia de representação mais ampla e assertiva nesses órgãos, confinando-se, quase em exclusivo, às conveniências do museu de Belém. A custo, assumia-se no seio de determinados grupos cujos líderes a faziam vingar, orientando-a no sentido pré-histórico pelas novidades que aduzia e possíveis abordagens transversais, cientes da necessidade de lançar pontes entre grupos de trabalho transfronteiriços.

Não obstante, o infortúnio lançou o seu manto sobre pioneiros de excelência de finais de oitocentos, inícios de novecentos. Deixando-nos cedo de mais, Estácio da Veiga, A. dos Santos Rocha e F. Tavares Proença Júnior abriram caminho, suscitaram interesses, construíram obra prosseguida, revista e alargada por outros, mesmo que de modo intermitente. Houve que sobrepujar muralhas de indiferença e veredas de incompreensão, quando não de resistências cimentadas há longo tempo e difíceis de derrubar. As limitações eram, de facto, muitas e múltiplas. Ousaram, todavia, enfrentá-

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las, reinventando espaços e descobrindo fontes de energia própria para avançar, talhando modelos de actuação em ambientes adversos, porém compostos de cumplicidades com as quais tudo, ou quase tudo, se obtinha. Longe dos Vencidos da Vida, recuperavam forças e vigoravam anseios em nome do passado para sobrevivência futura mediante uma conciliação presente. Mas, enquanto a sua importância política, económica, social e cultural não fosse reconhecida, em definitivo, pelas esferas supranacionais, a arqueologia permanecia encolhida na sua privacidade, borbulhando em redutos intelectuais e por entre caprichos diletantes, com sucessos, por vezes inopinados, mas quase sempre insuspeitos. Desmontar esta dura, contudo inequívoca, realidade, exigia ultrapassar a reverência constante ao estrangeiro, dele retirando apenas o que valesse a desígnios nacionais. Apesar disso, a sombra do pessimismo verificado no dealbar da nova centúria continuava a planar sobre o fado de instituições como a idealizada por A. dos Santos Rocha, motivando textos duros, atilados e clarividentes:

Que destino espera o seu museu quando desamparado do seu ardor? Que virá a ser o museu de Guimarães quando findarem os ultimos amigos de Sarmento? Quem prosseguirá na obra consideravel de Santos Rocha com o desvelo, o sacrificio e a exempção que tem comportado a sua fadiga delirante? Se o sr. Albino Lopo só há encontrado os tropeços que justificam os seus queixumes, imagine Bragança desembaraçada das suas diligencias e rogações, das suas raivas e dos seus amuos! Lá vae o museu para a cantaria! A pulverização dos museus regionaes, excellente em principio, tem entre nõs este resultado final – excepção de tres ou quatro cidades onde é possivel recrutar competencias: ao brilho do impulso inicial, não logra, aliás, conquistar mais do que adhesões de necessidade ou de polidez, succede o desamparo, pouco a pouco o tumulto e emfim a dispersão. Começa-se a vêr isso... (R. P., 1905-1908, 120. Nossos itálicos)

A. dos Santos Rocha testemunhava este cenário. Inaugurado a 6 de Maio de 1894, o Museu Municipal da Figueira da Foz transformara-se no motivo e na consequência de várias páginas e capítulos de investigações conduzidas no concelho que o acolhia, assim como na nas beiras e no sul do país. A sua actividade pautou-se, pois, por uma assinalável dispersão geográfica e cronológica, como apanágio de muitos dos seus contemporâneos, incidindo o seu acervo preferencialmente em materiais arqueológicos, dos quais se destacavam os epigráficos. Projecto substanciado com a criação da SAF, redenominada, em 1903, de Sociedade Arqueológica Santos Rocha, competindo-lhe assegurar prospecções e escavações arqueológicas, adquirir peças para as colecções, velar pela preservação monumental e promover a sua divulgação nacional e internacional. Tudo decorrido num período assaz conturbado da história portuguesa, entre o declínio monárquico e o formigar republicano. Tudo concretizado sem recurso a subsídios e com a sensatez de se afastar do epicentro das principais polémicas que desgastaram, desgostaram e venceram alguns dos seus colegas. Manteve-se, no entanto, mais próximo dos grupos arqueológicos do norte do país. Na verdade, os trabalhos iniciais da SAF foram dados à estampa na Portugalia, com cujos editores J. Leite de Vasconcelos estabelecera forte celeuma. O que não inibiu A. dos Santos Rocha de reservar teores pré-históricos aos periódicos portuenses, enquanto destinava ao OAP os de perfil clássico. Facto que o entrosou no curso de antipatias fixadas com Lisboa, em concreto com o decano da arqueologia portuguesa, com quem permutou correspondência entre finais dos anos 90 e 1909, evidenciando fortes discordâncias quanto às pretensões de exclusividade territorial sobre prospecções e escavações, por parte do investigador de Lisboa, enquanto o arqueólogo figueirense criticava a organização do museu de Belém (Pereira, 1993-1994, 89-101).

Talvez assim se entenda a cumplicidade mantida com nomes destacados da acção patrimonial e dos estudos arqueológicos centrados a norte de Coimbra, relacionando-os a círculos de saber estrangeiros alicerçados em trocas epistolares (Maier, 1999).

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Entretanto, a arqueologia no país continuava a ser maioritariamente assegurada, nos primeiros anos de novecentos, por entusiastas que lhe dedicavam os escassos tempos livres encontrados por entre compromissos pessoais e profissionais: “Somos pocos. Yo [José Fortes], por mi parte, soy abogado y juez administrativo, así pues, no dedico a nuestra arqueología más que algunos momentos libres de mis ocupaciones profesionales y oficiales.” (carta n.º 121, Maier, 1999, 72). E, a propósito das actividades desenvolvidas pela SAF, parece-nos interessante reproduzir algumas palavras significativas do pessimismo que envolvia as iniciativas de carácter associativo, sobretudo quando despontavam em localidades fora dos grandes circuitos culturais e económicos do país:

Noticiava a Gazeta da Figueira, no seu numero 15 de dezembro, em 1897, que se preparava a organisação de uma Sociedade Archeologica, sympathica congregação de individuos, decididos a trabalhar e promover por todos os meios o estudo e progresso dos diversos ramos que constituem as sciencias archeologicas; e n’est[e] local se lançava o convite para que concorressem á inscripção para socios todos os homens intelligentes, sem distincção de classes, tanto da Figueira, como a ella extranhos, que quizessem auxiliar esta iniciativa de estudo e vulgarisação [...]. O insucesso era de prever, com solido fundamento n’este caso, pela experiencia de muitas tentativas em centros de maior densidade. Seria pois mais um caso de miragem, fruste projecto a nota na historia das nossas instituições ou collectividades similares, que viveram apenas no alvará official ou no estatuto, outras terminando em breve por falta de energia, socios ou subsidio, (“A Sociedade Archeologica e o Museu Municipal da Figueira da Foz”, p. 156. Nossos itálicos)

Lisboa, Outono - Inverno de 2011

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contRibutos dA envolvente geológicApARA o povoAmento dA seRRA dA boA viAgem

duRAnte A pRé-históRiA Recente

Pedro M. CaLLaPez (*)MigueL CarvaLho (**)

1. Introdução

Os dados arqueológicos hoje disponíveis, assim como os numerosos materiais recolhidos desde a época de Santos Rocha (Rocha, 1949, 1971, 1975), concordam na evidência de que o maciço calcário da Serra da Boa Viagem terá sido uma das áreas da região do Baixo Mondego em que a ocupação e povoamento do território terá atingido maior relevância, durante a Pré-história Recente. A diversidade de locais com ligação ao megalitismo funerário e de estações de superfície com indústrias líticas e materiais cerâmicos, a par de numerosos achados dispersos de diversa ordem e com tipologias representativas do Mesolítico à Idade do Ferro, aparentam comprovar este facto, por comparação com dados de outras áreas da região centro oeste de Portugal.

Conservados, em grande maioria, no Museu Municipal Dr. Santos Rocha da Figueira da Foz (Cruz, 1900; Rocha, 1905; Guerra & Veiga Ferreira, 1979; Pereira, 1985, 1999), os espólios subsequentes são parte integrante do próprio património histórico da Arqueologia portuguesa e resultam de mais de três décadas de pesquisa pioneira, por parte deste emérito figueirense tão bem retratado por Vilhena (1937), com extensa resenha bibliográfica da sua obra.

( * ) Centro de Geofísica (CGUC-FCT) e Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, Apartado 3000-272 Coimbra. E-mail: [email protected]

( ** ) Rua de Baixo, Nº 6, Coimbra, Portugal. E-mail: [email protected]

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Desde essa época a Pré-história figueirense tem vindo a suscitar novas abordagens, fruto da necessidade de entendimento dos seus significados cronológico e cultural, bem como da sua inserção em modelos explicativos da neolitização e do megalitismo, ou de fases subsequentes da ocupação do território português. Entre estes, ao abrangerem aspetos da arqueologia da Serra da Boa Viagem, salientam-se os estudos de Figueiredo (1943), Guerra & Veiga Ferreira (1968-70, 1971, 1979), Guilaine (1970), Jorge (1979), Vilaça (1988), zilhão (1992), Perpétuo & Carvalho (2004) e Carvalho (2008).

Independentemente de como e quando se terão processado o povoamento e a antropização da área considerada, desde a passagem do Mesolítico ao Neolítico e no âmbito de modelos ainda em discussão (zilhão, 2003; Carvalho, 2003), é certo que a fisiografia local e a envolvente ambiental com ela interligada terão influenciado e condicionado, até certa medida, as estratégias de ocupação territorial. Neste sentido, a natureza geológica da Serra da Boa Viagem, nas suas componentes geomorfológica, litológica e estrutural, terá sido determinante. A implantação de um maciço calcário na proximidade da faixa litoral e, em simultâneo, de um domínio estuarino amplo e abrangente, apenas encontra paralelo próximo com o Tejo, na sua margem direita, e com o extremo leste da Arrábida. Nestas áreas, a diversidade ecológica e ambiental é considerável e, à amenidade dos espaços, acresciam uma certa abundância de recursos e de matérias-primas, estratégicas para a economia de pequenas comunidades pré-históricas, dedicadas à caça e recoleção ou a atividades agro-pastoris.

No texto que se segue e sem mais pretensões do que relevar a importância da inter-relação meio ambiente - espaço físico - substrato geológico - ocupação do território, desenvolvem-se ideias sobre alguns dos principais aspetos da Geologia da Serra da Boa Viagem, assumindo que estes terão sido um dos fatores condicionantes da presença humana na região, durante várias etapas da Pré-história Recente e com destaque para o Neolítico.

2. O espaço e sua envolvente geológica

Considerada num sentido amplo que abrange, também, as toponímias de Serra das Alhadas, Serra de São Bento e Serra de Castros (Fig. 1), a Serra da Boa Viagem é um dos muitos maciços calcários que integram a Orla Meso-Cenozóica Ocidental de Portugal (Soares & Rocha, 1984). Esta grande unidade morfoestrutural da fachada ocidental da Península Ibérica é composta, na sua quase totalidade, por rochas sedimentares, para além de registar uma história geológica ligada, em grande parte, à fraturação da Pangaea e consequente génese do Atlântico Norte, no decorrer do Mesozóico (Ribeiro et al., 1979).

Embora a sua extensão e altitude sejam moderadas, sobretudo se em comparação com outros maciços calcários da Estremadura e Beira Litoral, mais imponentes e de modelado cársico mais profundo (Almeida et al., 1990; Cunha, 1990), a Serra da Boa Viagem não deixa, contudo, de sobressair como o principal relevo do concelho da Figueira da Foz, sobrepondo-se à paisagem circundante de terras baixas e arenosas, ligadas ao estuário do Rio Mondego e ao extenso coberto eólico da bordadura atlântica da Beira Litoral (Almeida, 2006). Desta forma, entre a planura arenosa da Gândara, situada a Norte (Carvalho, 1964) e os domínios estuarinos que se abrem a jusante de Lares e da confluência com o Rio Pranto, bordejados pelos campos aluvionares e salinas da Ilha da Morraceira (Martins, 1949), a planura litoral é interrompida por uma sucessão de alinhamentos de costeiras e de alcantilados calcários que denunciam uma estrutura alongada, levemente arqueada segundo uma direção WNW-ESE e com uma cumeada que excede os 200 m de altitude.

À junção do maciço calcário com o litoral atlântico corresponde um troço de costa de arriba calcária, exposto frente ao antigo Couto Mineiro do Cabo Mondego. Nesta faixa é possível a

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observação contínua, em corte transversal à estrutura, da sucessão de unidades calco-margosas do Jurássico, dispostas segundo uma estrutura monoclinal em que os estratos pendem suavemente para Sul (Rocha et al., 1981; Barbosa et al., 1988). Este arqueamento do bloco estrutural da Serra da Boa Viagem ocorreu na dependência de uma importante falha inversa WNW-ESE, exposta na proximidade do cemitério de Quiaios e com possível atividade neotectónica (Cabral, 1995).

O desenvolvimento plio-quaternário do relevo da serra foi, por conseguinte, condicionado pela disposição assimétrica desta grande estrutura monoclinal, assim como pela própria diversidade litológica das rochas aí aflorantes, para além de outros fatores de natureza não geológica. Assim sendo, as vertentes com exposição virada tendencialmente a Norte apresentam, quase sempre, pendores mais acentuados do que as suas opostas (Correia, 2012), algo escarpados entre o miradouro da Bandeira e o parque eólico da serra, mas esbatendo-se pouco a pouco se situadas a leste da Brenha e da estrada nacional 109. No sopé destas vertentes desenvolveram-se vales de erosão, escavados em unidades margosas, mais friáveis, do Jurássico Inferior e antecedendo novo ressalto ligado à frente da grande falha.

Pelo contrário, da maior resistência à erosão das unidades do Jurássico Médio, estas sim francamente mais calcárias, resultou o desenvolvimento da longa e expressiva linha de cumeada da Serra da Boa Viagem, aproveitada pela sua grande imponência na paisagem, para a edificação de um núcleo numeroso de monumentos megalíticos funerários (Rocha, 1949, 1971, 1975; Guerra & Veiga Ferreira, 1968-70; Pereira, 1975; Vilaça, 1988).

Tanto nas vertentes viradas ao Cabo Mondego, como nas viradas a Norte, abundam depósitos de cobertura de diversa ordem e cuja cronologia resulta complexa dentro do quadro de evolução morfogénica e paleoclimática da serra durante o Quaternário (Soares et al., 1993; Almeida, 1995, 2006). Alguns destes corpos foram gerados em estreita ligação com antigas plataformas de abrasão marinha, começando pelo depósito culminante da serra, de composição areno-pelítica (Almeida, 1992, 1995). Merece também destaque o depósito do “Nível do Farol” (Soares et al., 2007), associado à plataforma de 80-90 m onde se edificou o atual farol do Cabo Mondego, a qual forma um ressalto bem visível no extremo ocidental da serra.

Um olhar sobre a longa vertente sul da Serra da Boa Viagem mostra uma realidade algo diferente da anterior, em que os calcários e margas de idade jurássica (Oxfordiano Superior) cedo dão lugar a uma sucessão muito espessa, de natureza greso-conglomerática e lutítica avermelhada (Formação dos Arenitos de Boa Viagem, Rocha et al., 1981), a qual se prolonga até Buarcos e Tavarede. Sobre ela assenta nova unidade detrítica, composta por conglomerados e arenitos grosseiros (Formação de Figueira da Foz, in Dinis, 2001, = Arenitos de Carrascal, Rocha et al., 1981), sendo que o retorno a litologias carbonatadas só se verifica na proximidade do braço norte do estuário, através de uma faixa marginal de costeiras calcárias, mais expressiva entre Lares, Vila Verde e Salmanha, esta última ligada à grande pedreira existente perto da entrada da cidade.

O comportamento bastante mais friável da maioria dos estratos destas unidades, sobretudo os lutíticos, conjugado com pendores suaves para Sul, possibilitaram o encaixe de redes de drenagem dendríticas na região, relativamente densas e convergentes para o estuário ou para o litoral oceânico. Entre estas destacam-se as dos ribeiros de Tavarede e de Vila Verde, assim como a do Rio de Carritos, particularmente importante para o Neolítico da região. Também é digna de relevo a existência pontual de cornijas no topo das vertentes de alguns destes vales, quer associadas à transição entre calcários e litologias detríticas, quer formadas por erosão diferencial entre estratos greso-conglomeráticos e lutíticos.

No flanco sul da Serra da Boa Viagem também se encontram diferentes tipos de depósitos de cobertura, parte deles de composição areno-cascalhenta e associados a níveis de antigos terraços fluviais que se repartem por patamares até cotas próximas do aluvião moderno (Ramos et al.,

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2009, 2010). Outros ainda, de composição arenosa fina, estão ligados à erosão do substrato detrítico jurássico e cretácico, ou ainda a uma possível ressedimentação de materiais finos provenientes do desmantelamento de depósitos pré-existentes, em que o transporte eólico terá desempenhado algum papel. Encontram-se, entre estes, as Areias de Várzea do Lírio (Callapez & Carvalho, 2011), unidade de cobertura com certa expressão no troço superior da bacia de drenagem do Rio de Carritos (Fig. 2) e fortes implicações no padrão de povoamento da região, durante o Neolítico.

3. Ambiente e ocupação do território

O povoamento da Serra da Boa Viagem durante a Pré-história Recente insere-se num quadro, mais abrangente, que aborda questões relativas à ocupação do território no espaço do Baixo Mondego. Nesse sentido e tendo por base uma inventariação e representação cartográfica de locais e contextos, o estudo monográfico de Vilaça (1988) colocou em evidência uma maior densidade de sítios arqueológicos na Serra da Boa Viagem, incluindo o importante conjunto de monumentos megalíticos funerários referenciado para a faixa envolvente à sua cumeada (Guerra & Veiga Ferreira, 1968-70; Pereira, 1975). Apesar deste facto poder resultar, ainda que em parte, de levantamentos de campo particularmente extensos durante a época de Santos Rocha (Vilaça, op. cit.), traduzindo-se no reconhecimento de um grande número de novos locais, dos quais muitos hoje destruídos ou cobertos pela florestação densa da serra, é certo que essa ocupação terá sido das mais expressivas de toda a região do Baixo Mondego.

Os fatores e condicionamentos que terão contribuído para tal realidade perdem-se num puzzle de razões de ordem ambiental e cultural, das quais as relativas à envolvente geológica desempenharam, por certo, um papel significativo. Neste contexto, a natureza geológica da região, expressa quanto à composição, diversidade, geometria e volume dos materiais líticos aí existentes, a par da sua hierarquização e atitude estrutural, constituiu um dos elementos basilares da morfogénese do espaço da Serra da Boa Viagem, gerando formas de relevo locais selecionadas para ocupação humana.

A mesma componente geológica do meio natural desempenhou, também, um papel substancial na disponibilização de matérias-primas necessárias à continuidade dos primeiros núcleos de povoamento, ao ter propiciado materiais adequados para a construção de estruturas e confeção de artefactos, mitigando a necessidade da sua importação a partir de locais exógenos.

3.1. Inter-relação com o espaço físico e natural

Os dados arqueológicos relevantes para a reconstituição de aspetos do povoamento pré-histórico do maciço calcário da Serra da Boa Viagem (Rocha, 1949, 1971, 1975, Vilaça, 1988; Carvalho, 2008; Callapez & Carvalho, 2011), sugerem a existência de um padrão de repartição tripartido, em que a generalidade dos locais de ocupação se concentram em áreas arenosas do sopé setentrional e da vertente sul da estrutura monoclinal, separados pelo longo alinhamento de monumentos megalíticos funerários que acompanha a sua cumeada calcária.

Neste contexto, os locais de ocupação fronteiros ao sopé setentrional da serra localizam-se, sobretudo, entre as povoações de Quiaios, Brenha, Alhadas de Baixo e Broeiras, em áreas de cobertura arenosa sobranceiras aos primeiros afloramentos calco-margosos que constituem a ossatura da serra. As suas cronologias são variadas, abrangendo a generalidade da Pré-história Recente.

No Casal do Arneiro, extenso local de superfície situado entre Brenha e Quiaios e com materiais sugestivos da presença de Calcolítico a possível Bronze Inicial, a adequação ao espaço físico foi

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indissociável da evolução holocénica local, pautada pela proximidade da serra e do litoral oceânico, bem como do campo dunar e de uma área considerável com lagoas de água-doce ou salobra (Almeida, 1995, 2006; Danielsen, 2008; Danielsen et al., 2008, 2011). A diversidade ambiental local terá propiciado, em simultâneo, um território favorável a diferentes estratégias de recoleção (caça, pesca, recolha de moluscos, etc.), a par de atividades agro-pastoris adaptadas a solos arenosos.

No extremo leste da mesma bordadura do maciço calcário destaca-se, também, a estação de superfície da Quinta das Pitanças (Redondos), em que a espessa cobertura arenosa e, sobretudo, uma localização estratégica frente aos campos aluvionares da Quinta da Foja, Maiorca e Montemor-o-Velho, terá propiciado uma ocupação mesolítica, de certo modo inédita para o Baixo Mondego. À semelhança de contextos comparáveis dos vales do Tejo e Sado, os efeitos conjugados da “transgressão flandriana” e de um assoreamento ainda incipiente dos vales fluviais seriam conducentes à existência de um espaço de “mar interior” contemporâneo do “ótimo climático” do Holocénico (circa 8000-5000 BP), em que as influências estuarinas e marinhas se fariam sentir particularmente. A presença de níveis arenosos ou areno-lodosos sob o assoreamento aluvionar moderno destas áreas, por vezes com níveis conquíferos ricos em Cerastoderma edule, Scrobicularia plana, Ostrea edulis e outros moluscos salobros ou marinhos (Rocha et al., Seabra, 1994), constitui um testemunho óbvio desta profunda revolução paisagística e paleoambiental no Baixo Mondego, extensível aos seus domínios mais internos e distantes (Aubry, 2006; Neves, 2006). Durante este intervalo concomitante com o Mesolítico Final e o Neolítico e, em especial, a partir do momento em que o nível do mar se aproximou da sua cota atual (Granja, 1998; Dias et al., 2000), a acessibilidade por via terrestre à Serra da Boa Viagem, a partir das terras do interior, teria de ser feita por Norte, através de um corredor situado entre Pincho, Alhadas e Brenha, sendo necessário contornar previamente, por Leceia ou Ferreira-a-Nova, o extenso braço de estuário onde hoje flui o Rio da Foja.

Passando aos locais de ocupação situados na vertente sul da Serra da Boa Viagem, é interessante notar que, para o Neolítico e Calcolítico, eles se concentram na área ocupada pela bacia de drenagem do Rio de Carritos (fig. 2), em estreita ligação com o enchimento arenoso aí existente, disperso por pequenas plataformas e antigos valeiros colmatados (Callapez & Carvalho, 2011). É precisamente nesta área que se localizam as estações de superfície clássicas do Lírio e da Junqueira, mas também de Cubelo, Arruelas e Prazo, todas elas obedecendo ao mesmo tipo de padrão da sua envolvente geomorfológica e geológica: (1) ocupação de pequenas plataformas e vertentes suaves, viradas tendencialmente a sul e protegidas dos ventos dominantes; (2) localização próximo de linhas de água com nascentes perenes; (3) existência de solos arenosos móveis, particularmente favoráveis à desmatação e a atividades agro-pastoris rudimentares e; (4) ligação a depósitos de cobertura arenosos, assentes sobre níveis lutíticos avermelhados do Jurássico Superior. É interessante notar que esta última componente hidrogeológica ligada à proximidade de zonas de descarga de toalhas aquíferas é, precisamente, a mesma que presidiu à escolha do local de abastecimento à Figueira da Foz, em finais do século XIX (Brandão & Callapez, 2012).

Também a proximidade ao estuário do Rio Mondego e aos seus recursos poderá, aqui, ter sido determinante. Com efeito, os principais vales confluentes com o seu braço norte, hoje assoreados, estariam, ao tempo, parcialmente preenchidos por pequenas rias e esteiros, incluindo o do Rio de Carritos.

3.2. Matérias-primas

A facilidade de utilização local de materiais geológicos de diversa ordem, como matérias-primas para a construção de edificados e elaboração de utensílios de uso quotidiano ou ritual, terá sido um critério condicionante adicional na ocupação pré-histórica do território em análise. Nesta ordem

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de raciocínio, a edificação dos monumentos megalíticos funerários da Serra da Boa Viagem passou pelo aproveitamento local de estratos de calcário e de arenito jurássico (Fig. 1, unidades 2, 3 e 4), de extração facilitada se moderadamente espessos e diaclasados em paralelepípedos com área adequada para permitir o seu transporte e utilização como esteios.

Quanto ao fabrico de recipientes cerâmicos, a fixação de núcleos de povoamento local nas áreas periféricas aos afloramentos calcários foi, também, beneficiada pela abundância de argilas vermelhas, bastante plásticas, em níveis lutíticos do Jurássico Superior e do Cretácico (Fig.1, unidades 4 e 7).

Na debitagem de materiais líticos é notória a ausência de rochas siliciosas nas unidades geológicas da Serra da Boa Viagem, com exceção de pequenos seixos rolados de lidito cinzento escuro, ou negro, bandado, que ocorrem em níveis conglomeráticos do Jurássico Superior. A diversidade do sílex proveniente do Lírio e da Junqueira aponta para uma importação de diferentes locais, incluindo o sílex vermelho do Sítio da Nazaré. Não obstante, são dominantes os produtos e restos de debitagem sobre sílex elaborados a partir de rognons de cortex branco, análogos aos que se encontram, com relativa abundância em calcários do Jurássico Médio da região de Outil - Portunhos (Ançã), mas também, localmente, próximo de Verride.

Também de importação, mas mais longínqua, destacam-se peças de anfibolito, jaspe e cristal de rocha, assim como pequenas placas de filádio, mais próprias de matérias-primas extraídas de áreas com rochas metamórficas e granitos com filões pegmatíticos, como os que afloram na Beira Alta, entre Santa Comba Dão, Viseu e Mangualde.

Um último aspeto inédito, ligado ao talhe lítico no Neolítico figueirense, prende-se com a abundância significativa de debitagem sobre quartzo, incluindo a de lâminas e lamelas extraídas por pressão, a partir de seixos e de pequenos núcleos prismáticos. Nestas situações, a matéria-prima utilizada é local e recai, quase sempre, sobre seixos de quartzo leitoso a levemente hialino e córtex amarelado, com eixos maiores inferiores a 10 cm e abundantes em níveis conglomeráticos da Formação da Boa Viagem (Fig. 1, unidade 4).

4. Conclusão

Do exposto em parágrafos anteriores transparece a importância que a envolvente geológica do maciço calcário da Serra da Boa Viagem, na sua apreciável diversidade de formas, materiais líticos e estruturas, terá tido em diferentes etapas do povoamento e antropização da região, durante a Pré-história Recente, com destaque para o Neolítico. A necessidade de estudos futuros, nomeadamente de mais levantamentos de campo conducentes à finalização de uma carta arqueológica, passa pelo reconhecimento de que a localização e distribuição espacial dos locais de ocupação obedece, de certa forma, a um padrão condicionado por fatores de ordem geomorfológica, litológica e estrutural, a par de outros ligados, necessariamente, à evolução paleogeográfica e paleoclimática, no quadro do Holocénico. Neste contexto, a ligação das estações de superfície a áreas com solos e depósitos de cobertura arenosos, já antevista por Santos Rocha, é um dos aspetos mais importantes a levar em linha de conta, não só quanto a prospeções futuras, mas também devido à sensibilidade de muitas áreas do Concelho da Figueira da Foz, face a uma pressão antrópica crescente, da qual poderá resultar a destruição de muitos locais de interesse arqueológico em anos futuros.

Agradecimentos: à Prof. Raquel Vilaça da Universidade de Coimbra e à Dra. Sónia Pinto, arqueóloga do Museu Municipal Dr. Santos Rocha, devemos o convite persistente para elaborar este estudo. A ambas deixamos os mais expressivos agradecimentos.

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Fig. 2 - Carta geoarqueológica da bacia do Rio de Carritos, no flanco sul da Serra da Boa Viagem. 1 – Unidades margo-calcárias (Toarciano e Jurássico Médio); 2 – Calcários e calcários margosos (Jurássico Superior); 3 – Conglomerados, arenitos e lutitos ver-melhos (Jurássico Superior); 4 – Conglomerados e arenitos grosseiros (Cretácico Inferior); Quaternário: 5 – Depósito culmi-nante da serra; 6 – Areias de Várzea do Lírio; 7 – Depósitos coluvionares em trânsito; 8 – Aluviões e coluviões de fundo de vale. Principais locais de superfície com contextos de Pré-história Recente: L1 – Lírio 1; L2 – Lírio 2; L3 – Lírio 3; L4 – Lírio 4; L5 – Lírio 5; L6 - Lírio 6; AS – Asseiceira; CN – Cubelo Norte; CS – Cubelo Sul; PR – Prazo; J1 – Junqueira 1; J2 – Junqueira 2; J3 – Junqueira 3; AN – Arruelas Norte; AS – Arruelas Sul; Círculos pequenos – achados dispersos; A vermelho – locais afetados re-centemente por obras. Base topográfica adaptada da Carta Militar de Portugal, escala 1:25.000, folha nº 231 – Figueira da Foz.

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António dos sAntos RochA(30 de abriL de 1853; 28 de MarÇo de 1910)

e A exploRAção ARqueológicA dAs gRutAs dA columbeiRA (boMbarraL)

JoÃo LuÍS CardoSo (*)

1. O ambiente económico e social da Figueira no final do século XIX: consequências culturais

O ambiente cultural na Figueira da Foz no final do século XIX encontrava-se em pleno desenvolvimento devido à crescente afirmação de uma economia de lazer, favorecida e proporcionada pelo Fontismo: a franca expansão de uma rede de caminhos de ferro, a par da abertura e melhoria das principais estradas do País, veio facilitar a circulação de pessoas; entre estas, contava-se a burguesia oriunda de muitas povoações do interior que, de forma crescente, procurava os centros de lazer emergentes, onde sazonalmente acorria: assim se afirmou a Figueira da Foz como uma das principais estâncias balneares do País e, ao mesmo tempo, sede de uma dinâmica vida social e cultural.

Atracção turística de veraneantes que, mesmo de Espanha, a procuravam, com exigências culturais decorrentes do seu estatuto económico e social, na Figueira dos finais do século XIX se desenvolveram importantes actividades económicas, baseadas no comércio marítimo nacional e internacional. Note-se que, à época, era preponderante a navegação de cabotagem, para transporte de mercadorias e também de pessoas, correspondendo a Figueira à terceira Associação Comercial do País, em termos de importância económica.

Foram, pois, diversos os factores que explicam o desenvolvimento das actividades culturais na cidade, entre os quais se destacam:

(*) Universidade Aberta (Lisboa). Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras). Email: cardoso18@netvisão.pt

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- a presença de uma associação de comerciantes poderosa (alguns deles nobilitados);- a presença de uma classe média numerosa e influente, a que se juntava sazonalmente um

avultado contingente com idênticas características sociais e interesses culturais;- a presença de um operariado diversificado e instruído (para os padrões da época).

2. António dos Santos Rocha: aspectos idiossincráticos e profissionais

António dos Santos Rocha desenvolvia a sua actividade profissional como Advogado, com escritório aberto na cidade (Fig. 1). Foi Provedor da Misericórdia (1876-1881), Vereador da Câmara Municipal e seu Presidente, em dois mandatos (1878-1880; 1902-1904). Entre outros melhoramentos realizados sob a sua presidência, destacam-se três: o abastecimento de água à cidade (o que estreitou as suas relações com o eminente geólogo e arqueólogo Joaquim Filipe Nery Delgado); a criação do mercado municipal; e o serviço de incêndios (1902-1904).

O seu gosto pela horticultura e pelos trabalhos agrícolas favoreceu a atracção pelas actividades arqueológicas, ainda muito antes de as iniciar. Henrique de Vilhena, seu biógrafo (Vilhena 1937), caracterizou o quotidiano de Santos Rocha dos 32 aos 43 anos, que envolvia diariamente actividades de jardinagem na casa materna, perto daquela onde morava, após o trabalho no escritório, da parte da tarde, depois do jantar (cerca das 16.00-16.30 h); tais actividades eram substituídas frequentemente pelas idas à Fontela, a pé ou de barco, onde se entretinha trabalhando “na terra e sua produção, sachando, regando, podando, plantando, e limpando árvores e alinhando ruas e canteiros, numa faina verdadeira e directa, até perto do crepúsculo, em que voltava” (op. cit., p. 50).

O referido autor informa que foi numa dessas ocasiões, “laborando numa terra de jardim” (sem dúvida o da casa materna), “que Santos Rocha notou em porções dela, que mandara vir de outro sítio da Figueira, vestígios de estação humana prèhistorica nesse lugar (…)” (op.cit., p. 51). O acaso favoreceu o destino arqueológico de Santos Rocha, cujo o espírito já se encontrava predisposto, ainda que de forma inconsciente, para abraçar aquela que viria a ser a actividade que o tornaria célebre.

3. A criação da Sociedade Arqueológica da Figueira e do Museu Municipal

Face aos aspectos económicos e sociais que anteriormente se expuseram de forma resumida, compreende-se a lógica da criação, em 1898, e por iniciativa de Santos Rocha, de uma sociedade científica na Figueira dedicada aos estudos arqueológicos, integrando alguns dos figueirenses mais ilustrados de então. Logo no Art.º 1.º dos seus estatutos se declara o seguinte:

“ A Sociedade Archeologica da Figueira, com sede na cidade da Figueira da Foz, destina-se, em geral, ao estudo dos diversos ramos das sciencias archeologicas, procurando contribuir para a resolução dos problemas da prehistoria e da historia antiga do occidente da peninsula; e, em especial a auxiliar o desenvolvimento do Museu Municipal da Figueira, onde se acham colligidos numerosos e importantes elementos para estes estudos”.

Verifica-se, assim, apesar de a sua actividade se encontrar centrada, no respeito pelos estatutos, na região figueirense, que eram evidentes as preocupações científicas da nóvel sociedade científica pelo enquadramento dos resultados das investigações obtidas naquele domínio geográfico circunscrito, para o que seria necessário alargar o espaço da intervenção arqueológica da Sociedade. Tais preocupações explicam a iniciativa de explorar as antiguidades de outras paragens e regiões: avultam, desde logo, a região beirã, onde se exploraram dólmenes, com o objectivo de se obterem elementos de comparação com as explorações efectuadas na área dolménica da Serra da Boa Viagem, objecto de estudos modelares de Santos Rocha publicados em quatro volumes entre 1885 e 1900 pela Imprensa

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da Universidade de Coimbra sob o título “Antiguidades Prehistoricas do concelho da Figueira”; e a região algarvia, aqui com o intuito de se procurarem sobretudo elementos de comparação com os materiais encontrados no povoado da Idade do Ferro de Santa Olaia, cujas influências mediterrâneas, expressas pela tipologia dos materiais arqueológicos tinham sido nele claramente identificadas por Santos Rocha. Tal estratégia impunha-se, ainda, pelo facto de Estácio da Veiga, falecido em 1891, ter deixado incompleta a sua obra genial “Antiguidades Monumentaes do Algarve”, de que saíram em vida do próprio quatro volumes, o último dos quais publicado precisamente em 1891, havendo por isso lugar a muitas outras promissoras descobertas, como de facto veio a verificar-se.

Nestes termos, como explicar o interesse de Santos Rocha e da Sociedade a que presidia pela exploração das grutas da Estremadura (temática apenas representada pelas explorações realizadas na Lapa do Suão), objecto do repto que me foi lançado pela organizadora ?

Essa resposta deve procurar-se tanto no conhecimento das prioridades arqueológicas da época, por via das relações científicas estabelecidas e mantidas por Santos Rocha, como nos objectivos do Museu destinatário de tais espólios.

Começando pela caracterização deste último, verifica-se que, após uma primeira instalação do mesmo na Casa do Paço, entre 1894 e 1899, o Museu foi transferido em 1899 para o andar nobre do edifício da Câmara Municipal, então recém-construído, contemplando:

1 – Sala de Arqueologia Pré-Histórica (Fig. 2) 2 – Sala de Comparação 3 – Sala de Proto-História 4 – Secção de Arqueologia Histórica, incluindo duas sub-secções, “Época Luso-Romana e

“Da Idade Média aos tempos modernos”.

Na sua organização entrevêem-se influências diversas, tanto de instituições museológicas nacionais, como estrangeiras, que Santos Rocha bem conhecia. Entre as primeiras, é de destacar a Galeria de Antropologia do Museu da então designada Direcção dos Trabalhos Geológicos de Portugal (1892-1899), instituição dirigida por Joaquim Filipe Nery Delgado (1835-1908) (Fig. 3), que Santos Rocha muito estimava e respeitava, a ponto de o fazer sócio honorário da Sociedade, tendo presidido à sua Quinta Sessão Plenária, realizada a 28 de Outubro de 1900. Esta sessão foi de grande relevância por ter sido a primeira que foi publicada em edição própria (Fig. 4), depois das quatro primeiras terem sido publicadas na revista Portugália, de que apenas se fizeram separatas (Fig. 5).

Por outro lado, transparecem as influências que a Sociedade da Figueira (que em 1903 viria a mudar o seu nome, por aclamação, para o nome do próprio Santos Rocha) recebeu da Sociedade Carlos Ribeiro, agremiação portuense onde se destacaram as figuras de Ricardo Severo (1869-1940) e de Rocha Peixoto (1866-1909), cuja concepção integrada da investigação científica, valorizando a importância da interrelação efectiva entre as ciências naturais, físicas ou exactas, e as ciências sociais era o seu traço mais marcante. Não se esqueça que os dois principais responsáveis da Revista Portugália – Ricardo Severo (Director) e Rocha Peixoto (Redactor em Chefe) – tinham sido os principais impulsionadores da Revista de Ciências Naturais e Sociais, órgão científico da Sociedade Carlos Ribeiro, de quem Nery Delgado fora próximo colaborador e amigo, sucedendo-lhe à frente da Comissão dos Trabalhos Geológicos, logo após a sua morte, verificada em 1883.

Assim, de novo se evidencia a importância do convívio mantido por Santos Rocha com Nery Delgado, respeitadíssimo geólogo, estratígrafo, paleontólogo e arqueólogo de projecção internacional, proporcionando ao primeiro e à Sociedade a que presidia, a obtenção de orientações para concretização de projectos científicos na área da Arqueologia, os quais se vieram a revelar de primeira grandeza no panorama da época.

A oportunidade de Santos Rocha estreitar os laços de amizade e de trabalho com Nery Delgado

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resultou da estada deste último na Figueira, onde desempenhou papel determinante no âmbito do abastecimento público de água à cidade. Assim, na qualidade de sócio honorário da Sociedade, Nery Delgado contribuiu decerto com ideias para a concepção e o desenvolvimento das actividades da Sociedade e do seu Museu. Prova evidente desses contributos, é a colecção de peças pré-históricas, pertencentes ao Museu da Comissão dos Trabalhos Geológicos, reproduzidas por moldagem, que se encontram inventariadas no Catálogo das Geral das Colecções do Museu, publicado em 1905 (Fig. 6).

Tendo presente a justa projecção granjeada por Nery Delgado na exploração arqueológica de diversas grutas da Estremadura, entre as quais aquela que corresponde à primeira monografia publicada em Portugal de uma delas – a gruta da Casa da Moura (Peniche), publicada em 1867, seguida da apresentação à IX Sessão do Congresso Internacional de Antropologia e de Arqueologia Pré-Históricas realizado em Lisboa em Setembro de 1880, das explorações realizadas na gruta da Furninha (Peniche), é natural que Santos Rocha tivesse sido por essa via inspirado a encetar explorações também neste domínio, por forma a enriquecer o Museu com exemplares característicos de tais contextos, ainda não representados nas colecções.

Uma vez mais, o acaso proporcionou a oportunidade, como se verá a seguir.

4. As explorações conduzidas na Lapa do Suão

No Relatório da Gerência da Sociedade de 1902/1903 (Rocha, 1907 a), lê-se (p. 116):“Tendo ensejo de irmos às Caldas da Rainha em Agosto último (1903), fomos alli informados

pelo nosso consocio sr. dr. Cymbron de que havia um grupo de grutas, distante 15 kilometros, no sitio da Columbeira, concelho de Óbidos, que poderia interessar o nosso Museu; e isso foi confirmado, com maiores detalhes, pelo nosso consocio sr. José Henriques da Silva, que as visitara (…)”. Com efeito, o mesmo número do Boletim integra um artigo assinado por Santos Rocha, onde descreve os trabalhos efectuados nas diversas grutas do sítio da Columbeira, das quais apenas encontrou vestígios arqueológicos significativos na gruta designada por Lapa do Suão, ulteriormente explorada no século XX por diversas equipas e com resultados bem diferentes dos obtidos pelo pioneiro da Figueira (Rocha, 1907 b). A descrição por ele apresentada dificilmente se compagina com a realidade de terreno (Fig. 7); mas, pelo pitoresco do exagero, tendo presente que Santos Rocha, à data, tinha apenas 50 anos, vale a pena descrevê-la (op. cit., p. 118):

“(…). Perguntámos pela Lapa do Suão, resolvidos a marcharmos para ella imediatamente; e indicaram-nos um nível muito mais alto do que o da Lapa Larga, e em sitio onde o declive era verdadeiramente assustador.

Começámos a subir junto a uma penedia quasi vertical (…) agarrando-nos ás saliencias da rocha e a alguns arbustos selvagens, fizemos a travessia de parte da encosta até uns dez metros do ponto indicado e quasi ao nível d´elle. A nossos pés abria-se então um abysmo de mais de 70 metros! Não tendo o habito de semelhantes ascensões e de ver grandes espaços abaixo de nós, sentimos uma certa perturbação. Pareceu-nos que não poderíamos manter o equilíbrio n´aquelle enorme plano inclinado; e resolvemos descer”.

Os resultados desta primeira exploração na Lapa do Suão, realizada pelo sócio Dr. Vicente Rocha, evidenciaram a existência de uma necrópole neolítica ou calcolítica, encontrando-se os ossos humanos misturados com abundantes fragmentos de cerâmicas manuais, que comprovavam a idade do depósito. Existiam, contudo, alguns outros fragmentos que denunciavam o uso da roda do oleiro, tendo sido atribuídos à Idade do Ferro. Talvez por isso, o autor considerou que as marcas de calor patentes nos ossos humanos, desde os simplesmente queimados (incarbonização total ou parcial), de coloração negra lustrosa, até aos “calcinados” de cor branca, eram o resultado de uma necrópole

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de incineração instalada naquela época na gruta. Em alternativa, admite que tais marcas fossem expressão de algum rito funerário, ou o simples resultado das desinfecções periódicas praticadas pelo fogo na cavidade, à semelhança do que anteriormente tinha admitido para algumas das criptas megalíticas da Serra da Boa Viagem, por si exploradas.

O estado de evidente mistura dos materiais atribuiu-o Santos Rocha em parte, à acção das explorações efectuadas em 1880, antecedendo a realização em Lisboa da IX Sessão do Congresso Internacional de Antropologia e de Arqueologia Pré-Históricas, dado que alguns habitantes ainda guardavam memória da presença daqueles primeiros exploradores, por conta do Governo. Consultado Nery Delgado, confirmou-se efectivamente a existência de espólios em Lisboa com a referência às grutas da Columbeira, ainda hoje conservados no actualmente designado Museu Geológico, explicando-se a iniciativa com o desejo de Carlos Ribeiro mostrar aos congressistas o maior número possível de materiais, aquando da sua visita ao Museu.

A peça mais notável recuperada no tempo de Santos Rocha corresponderá a um fragmento de enxó votiva, desde logo relacionada com os exemplares das grutas de Poço Velho (Cascais) e da anta da Estria (Sintra), exploradas por Carlos Ribeiro. Com efeito, esta peça possui, no Catálogo Geral de 1905, o número de inventário 8210, descrita como “Objecto feito de calcário mutilado representando a herminette encabada”. Trata-se sem dúvida de exemplar de elevado interesse científico. Não obtivemos contudo a confirmação de tal objecto ainda se conservar entre os espólios do Museu.

No número seguinte do Boletim (o n.º 5), publicado igualmente em 1907, apresenta-se o relato da segunda exploração da Lapa do Suão, também redigido por Santos Rocha com base no relatório que lhe foi remetido por Artur Salles Henriques, tendo os respectivos materiais dado igualmente entrada no Museu (Rocha, 1907 c). A intervenção, que foi aprofundada cerca de 1,50 m, até encontrar o substrato calcário, teve lugar em Janeiro de 1904, e nela participou, tal como na primeira, o Dr. Cymbron Borges de Sousa; os resultados confirmaram as conclusões já anteriormente apresentadas por Santos Rocha, com pequenas diferenças. Agora, admite-se que os putativos vestígios de sepulturas de incineração possam ser atribuídos também à época romana.

Além de espólios pré-históricos (ponta de seta e lâmina de sílex), recolheu-se um curioso instrumento de bronze romano relacionado com a higiene (limpeza de dentes e ouvidos), designado pelo próprio por dentiscalpium, para o qual invoca paralelos tanto em Portugal como no estrangeiro, o que bem evidencia a sua boa preparação científica (Fig. 8). No conjunto, estariam, deste modo, representadas na cavidade várias épocas, designadamente o Neolítico/Calcolítico, a Idade do Ferro e a época romana.

Os materiais tiveram o devido destaque no Catálogo do Museu de 1905, onde se encontram inventariados.

5. Conclusão

O Dr. António dos Santos Rocha foi personalidade marcante da vida cultural da Figueira dos finais do século XIX e inícios do século XX. Propenso ao contacto com o campo, confrontado com a origem recuada de espólios cerâmicos com que ocasionalmente se deparou, depressa desenvolveu extraordinário interesse pela Arqueologia, a ponto de o levar a prolongadas explorações, tanto no aro da sua terra natal, como em outras regiões do País, na procura incessante de paralelos para as notáveis descobertas que ali efectuou. O prestígio que lhe advinha do exercício da advocacia na sua terra natal, somava-se ao facto de pertencer a uma família respeitada da burguesia figueirense; e os cargos públicos que desempenhou, a par do ambiente favorável que então se vivia naquela progressiva cidade comercial, permitiram-lhe concretizar as duas iniciativas que maior projecção deram ao seu nome: a criação do Museu, suportado pela existência de uma sociedade que integrava

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muitos outros notáveis figueirenses, agregados em torno do prestígio de Santos Rocha. Pode, pois, estabelecer-se um paralelo entre a trajectória do arqueólogo da Figueira e a de dois outros arqueólogos seus contemporâneos que, vivendo fora dos centros urbanos de Lisboa e do Porto, almejaram e conseguiram a fundação de Museus, nas suas terras natais, a partir dos espólios por si reunidos: Francisco Martins Sarmento (1833-1899), em Guimarães, aliás suportado por uma Sociedade que adoptou, igualmente, o nome do seu patrono, e Francisco Tavares de Proença Júnior (1883-1916), em Castelo Branco.

Do contacto com diversas personalidades com projecção nacional, merece destaque o estabelecido com o seu amigo Joaquim Filipe Nery Delgado, que, tendo estanciado recorrentemente na Figueira da Foz, no âmbito dos estudos geológicos do abastecimento doméstico de água à cidade, ascendeu a sócio honorário da Sociedade Archeologica Santos Rocha. Terá sido por via do convívio com este ilustre director da então designada Direcção dos Trabalhos Geológicos de Portugal que Santos Rocha, apoiado por outros elementos da Sociedade, empreendeu a exploração da Lapa do Suão (Bombarral), realizada em duas campanhas sucessivas. Os relatórios redigidos por Santos Rocha – conquanto não tivesse participado nas escavações – evidenciam o rigor que caracterizava a sua actividade arqueológica, neste caso motivada também pelo interesse de ver acrescentadas as colecções do Museu com espólios de natureza ainda não representados nas respectivas colecções. Mais do que a importância dos resultados obtidos em tais explorações, o interesse destas reside sobretudo por comprovar a intenção de Santos Rocha, a par do estudo de monumentos megalíticos, povoados e estações da Idade do Ferro e dos testemunhos da época romana, em que tanto se distinguiu, procurar investigar também os vestígios das épocas pré-históricas mais antigas, dando continuidade às notáveis explorações de Nery Delgado, mais de 25 anos antes, em diversas grutas da mesma região.

Agradece-se à Doutora Raquel Vilaça o convite em participar neste encontro de Homenagem a Santos Rocha, com a apresentação das explorações por ele realizadas en grutas da Estremadura (aproximadamente a área hoje correspondente ao Distrito de Lisboa); por tal razão, excluiu-se a caracterização de trabalhos realizados por Santos Rocha em grutas fora da referida região, tais como na caverna da Fórnea (concelho de Porto de Mós) e na dos Alqueves (concelho de Coimbra).

Bibliografia

ROCHA, A. dos SANTOS (1905) – O Museu Municipal da Figueira da Foz. Catálogo Geral. Figueira: Imprensa Lusitana.

ROCHA, A. dos SANTOS (1907 a) – Relatório da gerência 1902-1903. Boletim da Sociedade Archeologica Santos Rocha. Figueira. 1 (4), p. 115-117.

ROCHA, A. dos SANTOS (1907 b) – As grutas da Columbeira. Boletim da Sociedade Archeologica Santos Rocha. Figueira. 1 (4), p. 118-122.

ROCHA, A. dos SANTOS (1907 c) – Novas explorações na gruta da Lapa do Suão. Boletim da Sociedade Archeologica Santos Rocha. Figueira. 1 (5), p. 150-153.

VILHENA, H. de (1937) – O Dr. António dos Santos Rocha. Lisboa: edição do Autor.

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Fig. 1 - Foto tirada na época correspondente à exploração da Lapa do Suão (in Vilhena, 1937)

Fig. 2 - Joaquim Filipe Nery Delgado. Foto tirada na época correspondente à de maior relacionamento com António dos

Santos Rocha (arquivo J. L. C.)

Fig. 3 - Aspecto da sala de Arqueologia Pré-Histórica do Museu Municipal da Figueira da Foz.(postal antigo editado pelo Museu, arquivo J. L. C.)

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Fig. 4 - Capa da primeira edição autónoma do Bole-tim, correspondente à sessão presidida por Nery Del-

gado (arquivo J. L. C.)

Fig. 5 - Capa do primeiro fascículo do Boletim, pu-blicado sob a forma de separata da revista Portugá-

lia (arquivo J. L. C.)

Fig. 6 - Capa do primeiro catálogo das colecções do Museu Municipal.

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Fig. 7 - Vista parcial da subida para a Lapa do Suão, através de escarpa de calcários jurássicos: do lado es-querdo a gruta Nova da Columbeira, em curso de exploração, em 1962; em segundo plano, a Lapa Larga.

Fig. 8 - Dentiscalpium romano, recolhido na Lapa do Suão (in Rocha, 1907 c, Fig. 12 e 13).

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o “pAe RochA”e o megAlitismo de monfoRte (aLenTeJo):

luz sobRe As AntAs pesquisAdAs AtRAvés do ARquivo leisneR

rui boavenTura (*)

1. Introdução

Em finais da primeira década do século 20 foram realizadas as primeiras pesquisas arqueológicas, que se conhecem, em cinco antas da região de Monforte (Alentejo). Estas acções foram promovidas por António Santos Rocha (Fig. 1) e concretizadas por Luiz Wittnich Carrisso (Fig. 2) e António Sardinha (Fig. 3). Acerca destas pesquisas apresentei noutro local (Boaventura, 2008) os dados que foi possível coligir, deduzindo parcialmente os motivos e os intervenientes directos e indirectos daquela empresa, onde os laços institucionais que ligavam estes indivíduos se misturavam com a admiração e relações de amizade que existiam entre os jovens licenciados e o seu “Pae Rocha”.

A criação da Sociedade Archeologica da Figueira da Foz, cuja paternidade se deve a Santos Rocha, procurava, de acordo com os seus estatutos, solucionar várias questões relacionadas com a “prehistoria e [a] historia antiga do occidente da peninsula” (SAFF, 1898: art. 1º), mas também enriquecer o acervo do Museu Municipal (SAFF, 1898: art. 1º). Para tais fins a Sociedade propunha-se realizar “pesquizas e excavações (…) em todas as freguezias do concelho da Figueira” (SAFF, 1898: art. 2º), ainda que posteriormente as respostas para tais desígnios, sobretudo acerca da 1ª Idade dos metais – Idade do cobre, obrigassem à sua busca noutras regiões (Pereira, 1994 e 1999: 33), nomeadamente no Algarve, nas Beiras, na Estremadura e, como se tornou evidente pelo caso presente, no Alentejo.

(*) Arqueólogo; PortAnta, Associação de Arqueologia Ibérica; UNIARQ - Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa; Município de Odivelas. Email:[email protected]

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Contudo, as “excursões” da Sociedade nem sempre foram bem vistas por alguns arqueólogos, nomeadamente por José Leite de Vasconcelos, director do então Museu Ethnologico Português1 e defensor de uma política de recolha e depósito centralizado dos vestígios nacionais do passado, inclusive reivindicando certas áreas como feudos privados daquele Museu, caso da necrópole de Alcalar (Pereira, 1993-94: 94-95; Boaventura, 2008). Talvez por isso as pesquisas nas “necrópoles” megalíticas de Monforte tenham sido realizadas com alguma discrição, ainda que a morte de Santos Rocha possa ter sido, de facto, o principal motivo por nada se saber acerca destas até a publicação do casal Leisner (1959).

Mesmo com a notícia do casal alemão, a informação disponibilizada acerca das antas pesquisadas era reduzida, facto admitido por estes, considerando insuficiente a informação recolhida, ou mesmo pouco fiável (Leisner e Leisner, 1959: 44). Por outro lado, o estudo dos materiais adscritos a cada uma das antas, a publicar noutro local, veio ainda realçar que o casal Leisner apenas apresentou graficamente uma parte reduzida dos espólios, apesar de os ter listado. A falta de adscrição segura a denominada anta terá sido eventualmente o motivo para essa solução.

Os trabalhos desenvolvidos acerca do Megalitismo da região de Monforte (Boaventura, 2000, 2001, 2006 e 2011; Boaventura e Langley, 2006), o prosseguimento do estudo dos espólios monfortenses do Museu da Figueira (Boaventura, 2008), bem como o acesso a espólio epistolar do casal Leisner, de que se apresentam três cartas em apêndice (documentos 1-3), permitiram compreender melhor o processo de identificação deste conjunto de antas pelos arqueólogos alemães. Mas, também, possibilitou alguma clarificação e proposta de relação entre os respectivos conjuntos de espólio dos “Dólmens 1 a 5” e os sepulcros megalíticos hoje conhecidos.

2. As necrópoles de Monforte: Quando, onde e como?

Em folhas manuscritas, ainda com a caligrafia de Santos Rocha, organizadas por secções e vitrinas, existe um “Aditamento nº 3” ao Catálogo do Museu Municipal (Rocha, 1910), onde este registou os espólios que chegaram àquela instituição. Entre eles, o referente à “Prehistoria, Vitrina 15ª ”, com os números de inventário de 8884 a 8950, corresponde a cinco dólmens ou “necrópoles de Monforte” das “explorações do Dr. Luiz Carrisso e António Sardinha” (Rocha, 1910) mas sem qualquer referência a uma data concreta da acção, a especificação das antas ou apontamento acerca dos trabalhos desenvolvidos.

No livro de entradas por depósito do Museu, o último registo quedou-se pelo número de inventário 8883, referente à entrada nº 450, realizada a 10 de Janeiro de 1909, reportando-se a esculturas em madeira da África Ocidental. Portanto, ficaram por dar entrada, além dos materiais de Monforte, outros de vários sítios da Figueira, nomeadamente Brenha, Cumieira, Praso e Loriga, ou do monumento do Barro em Torres Vedras (Rocha, 1910), todos eles com números de inventário posteriores aos alentejanos.

Tal como para a caracterização dos personagens implicados nas pesquisas arqueológicas de Monforte, também para o enquadramento cronológico da acção foi necessário compilar e cruzar as informações disponíveis, entretanto explanadas noutro local (Boaventura, 2008). Desse exercício deduziu-se que as pesquisas nas antas de Monforte terão sido desenvolvidas por Wittnich Carrisso e António Sardinha no último trimestre de 1909, provavelmente durante as férias de Natal e, posteriormente, os espólios recolhidos foram depositados no Museu Municipal da Figueira,

1 Actualmente Museu Nacional de Arqueologia.

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devidamente numerados e atribuídos aos dolmens nº 1 a 5, infelizmente sem a referida menção a topónimos específicos.

Durante a primeira visita de investigação itinerante do casal Leisner por museus e outros espaços de Portugal com colecções pré-históricas, provenientes de sepulcros megalíticos, estes tiveram a oportunidade de anotar em 1933, no Museu da Figueira da Foz, a existência de materiais arqueológicos de antas de Monforte, mas sem o conhecimento das suas designações ou localizações. Só em 1953, provavelmente na sequência da sistematização e ultimação do segundo volume dos “Megalithgräber” (Leisner e Leisner, 1959), G. Leisner contactou o director do Museu Municipal Dr. Santos Rocha, então António Vitor Guerra, indagando acerca da identificação dos sepulcros cujos espólios tinha registado (Leisner, 1953).

Vitor Guerra (1953) deu então a conhecer ao arqueólogo alemão os topónimos mencionados em três tiras de papel associadas ao referido aditamento, hoje com paradeiro desconhecido: “2º Dólmen do Vale-de-Romeiras”; “3º Dólmen de Entre-as-Ribeiras”; “5º Dólmen de Alfumar”. Mas nada referiu acerca dos dólmens numerados 1 e 4.

Terá sido com base nesta informação que o casal Leisner produziu a informação publicada (Leisner e Leisner, 1959). De facto, G. Leisner (1954) na resposta para V. Guerra procurou estabelecer a correspondência com os dados já compilados para os sepulcros, que entretanto tinha idenficado na área de Monforte, e que hoje é possível rectificar e adicionar alguns novos dados (Fig. 4):

“Dolmen nº 2” - Primeiramente, G. Leisner (1954) revelou desconhecer a existência da anta de Vale de Romeiras, mas cujo Monte homónimo sabia situar-se a 3 km a sul de Monforte. Posteriormente, terá localizado o dito sepulcro, publicando um machado atribuído ao “Dolmen 2” (Leisner e Leisner, 1959: Tafel 8: 2).

Porém, no âmbito dos trabalhos de prospecção realizados nas últimas décadas, além da relocalização da anta apontada pelo casal Leisner, hoje designada Vale de Romeiras 1 (Código Nacional de Sítio2 (CNS)- 7558; Fig. 5), foi possível verificar a presença de outra anta em Vale de Romeiras (Vale de Romeiras 4, CNS- 17229; Fig. 6), a cerca de 250 metros para nordeste da primeira, confirmando um apontamento vago de António Cunha (1985a e 1985b) para a existência plural de antas naquela área3. Assim, estes dois sepulcros, da mesma zona toponímica, colocam a possibilidade dos referidos Dólmen nº 1 e Dólmen nº 2, pesquisados em 1909, poderem corresponder de facto àquelas duas antas.

Aliás, o espólio “mais completo” do “Dólmen nº 1” (Leisner, 1954), além dos materiais típicos destes contextos funerários, apresenta artefactos (Leisner e Leisner, 1959: Tafel 8: 3) recolhidos com maior frequência em contexto doméstico. Desconhecendo-se se todos aqueles artefactos foram recolhidos dentro do sepulcro, importa realçar que na vertente este-sudeste, a escassos 30-40 metros da anta de Vale de Romeiras 1, foram recolhidos materiais compatíveis com aqueles, podendo presumir-se uma ocupação de cariz habitacional.

Além do material pré-histórico, regista-se ainda no “Dólmen nº 1” a presença de recipientes cerâmicos atribuíveis ao Bronze final, o que parece coincidir com a recolha recente, junto à anta, de cerâmica com características proto-históricas (Boaventura e Mataloto, 2011), bem como de época romana – estes últimos materiais, “fragmentos de telha e louça romana” foram interpretados como “introduzidos nas profanações” (Rocha, 1910). Além dos artefactos refira-se ainda a recolha de material osteológico humano incinerado, ainda em processo de estudo, mas frequentes em contextos

2 CNS obtido na base de dados do Património Arqueológico - Endovélico.3 “47 - Vale de Romeiras. antas mais ou menos danificadas” (Cunha, 1985a).

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funerários dos períodos proto-histórico e romano.Perante o exposto é plausível admitir que o “Dólmen nº 2” corresponda à anta Vale de Romeiras

4, hoje esmagada sob o peso de um morouço, onde apenas afloram alguns esteios (Fig. 6).“Dolmen nº 3” - A correspondência proposta por G. Leisner (1954) do “Dólmen nº 3”, de Entre-

as-Ribeiras, com a anta da Serrinha (CNS- 11881; Fig. 7) suscita poucas dúvidas. De facto, M. Heleno (1947 e 1962: 314; cit in Machado, 1965: 93) identificava esta mesma anta com o topónimo local antigo de Juntas da Ribeira (ainda hoje com CNS- 4813), situada num terraço da margem esquerda, junto às confluências da Ribeira da Leca com a Ribeira do Almuro, e desta com a Ribeira Grande4. Neste caso também o espólio depositado no Museu da Figueira é compatível com aquele recolhido junto da anta.

“Dólmen nº 5” – A proposta de G. Leisner (1954), posteriormente publicada (Leisner e Leisner, 1959: 47; Tafel 8: 4) do de Alfumar, corresponder à anta de Rabuje foi um equívoco. Este autor confundiu a denominação “Alfumar” com aquela da ribeira de “Assumar” (Leisner, 1954), pois este curso de água atravessava o vale onde se situava o Monte de Rabuje, no qual J.L. Vasconcelos (1927-29) tinha indicado a existência de uma anta.

Hoje conhecem-se sete antas do cluster de Rabuje (Boaventura, 2000, 2001 e 2006), mas à data da tentativa de identificação do arqueólogo alemão com base no apontamento de J.L. Vaconcelos, este deveria referir-se à actual Rabuje 1 (CNS- 11876; Fig. 8), que ainda na década de 1940 mantinha a sua laje de cobertura ou chapéu in situ (informação pessoal de Francisco Crescêncio, proprietário do Monte de Arrabujo, em 1998, e que naquela década rondava os 10 anos de idade).

Apesar do equívoco mencionado, o casal Leisner (1959: 46) identificou duas antas em redor da Quinta de Santo António, então designadas por aquele topónimo e numeradas 1 e 2. Hoje, mantêm-se designadas por Santo António 1 e 2 (respectivamente com os CNS- 11879 e 11880; Fig. 9 e 10). Porém, a anta de Santo António 2 situa-se a cerca de 150 metros para sul-sudeste do Monte do Alfumar. Por isso é plausível que aquele sepulcro corresponda de facto ao “Dólmen nº 5” pesquisado por Wittnich Carrisso e António Sardinha.

Infelizmente, à semelhança do “Dólmen nº 1” a informação para o “Dólmen nº 4” é omissa, dificultando o estabelecimento de uma correspondência com algum dos sepulcros conhecidos. Há, no entanto, à semelhança do que foi para o “Dólmen nº 1”, alguns aspectos que poderão ser ponderados, numa tentativa de correlação.

As antas pesquisadas pelos colaboradores de Santos Rocha foram sempre de dimensões consideráveis, provavelmente por se destacarem no terreno e daí mais facilmente reconhecidas. Por outro lado, localizavam-se nos arredores da vila de Monforte (Fig. 4), local de residência de António Sardinha, o que terá facilitado a logística implicada naquelas acções, se não um dos principais motivos da empresa.

Quando se observa a dispersão das antas conhecidas, nota-se de imediato duas antas próximas à povoação, Fonte do Chão e Tapada das Noras, já desaparecidas. Aliás, o facto do parco espólio conhecido destas antas se encontrar no Museu de Elvas, leva a crer que este terá ali chegado por intermédio de Tomás João Pires, de Barbacena, que no virar do século 19 para o 20 minerava as antas e vendia os seus espólios para museus e privados, nomeadamente para o Museu de Elvas e outros em Espanha (Leisner e Leisner, 1959: 44). Por coincidência, ou não, parte das antas mineradas por este comerciante de antiguidades foram aquelas que mais cedo se desmantelaram e desapareceram. É de reter ainda que a área da Tapada das Noras ficava no enfiamento do Vale de Romeiras, a pouco mais

4 As denominações Serrinha (CNS- 11881), Juntas da Ribeira (CNS- 4813) e Herdade da Serra (CNS- 7559; Silva, 1989) correspondem à mesma anta, sendo utilizada correntemente a primeira daquelas.

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de 1-1,5 km para nordeste das duas antas ali implantadas. Presumindo-se que, à data das pesquisas de Wittnich Carrisso e António Sardinha, os sepulcros referidos já se encontravam muito afectados, ou mesmo desaparecidos, torna-se compreensível a escolha das outras antas em redor da vila de Monforte, nomeadamente os dólmens de Vale de Romeiras 1 e 4, Serrinha e Santo António 2 e, quiçá, Santo António 1.

Tendo en conta os considerandos mencionados, creio que a anta de Santo António 1 (CNS- 11879)5 poderá corresponder ao “Dólmen nº 4”. Era uma anta de dimensão considerável, situada no topo do cabeço de calcários cristalinos, junto à estrada entre Monforte e Vaiamonte de onde seria facilmente avistada. Dista cerca de 1,6 km para oes-noroeste de Santo António 2. Quando o casal Leisner visitou esta anta em 5/4/1946, encontrava-se já bastante destruída, esventrada por trabalhadores locais, subsistindo apenas alguns esteios, um deles com cerca de 3,20 m de altura (Leisner e Leisner, 1959: 46). Dada a sua implantação e exposição é pois provável que este sepulcro tenha sido remexido ao longo dos séculos, justificando o parco espólio do “Dólmen nº 4”, caso lhe corresponda. Por outro lado, a recolha de ossos humanos é consistente com o grau de preservação do substrato geológico da anta de Santo António 1, a única da região implantada em calcários.

Creio que os dados e propostas apresentados ajudam ao esclarecimento possível das identidades sepulcrais depositadas no Museu da Figueira, contribuindo para a sua valorização e um melhor entendimento do Megalitismo da região de Monforte, sobretudo pela futura apresentação dos seus respectivos espólios.

3. Em jeito de conclusão: porquê?

Recordando os objectivos de António Santos Rocha, da sua Sociedade e do Museu Municipal, de imediato o motivo para a incursão no Alentejo seria o conhecimento daquela região e o enriquecimento do acervo museológico. Para tal, nada mais conveniente do que os trabalhos serem realizados por membros da Sociedade, como Luiz Wittnich Carrisso e António Sardinha, e na qual, posteriormente, poderiam depositar os respectivos espólios para ingresso no Museu da Figueira, escusando-se assim a possibilidade de entrega ao Museu Ethnologico Português, de Lisboa.

Contudo, à época, como Santos Rocha escrevia “a região do Algarve [era] sem dúvida a mais rica do paiz em monumentos prehistoricos. Dizem-n’o os trabalhos consideráveis de Estacio da Veiga; e confirmam-n’o as modestas investigações que por mais d’uma vez alli temos feito” (Rocha, 1911: 27). Assim, o arqueólogo procurava naquela região testemunhos “sobre a transição da pedra para o cobre ou epocha cuprolithica” (Rocha, 1911: 29), ainda que tivesse conhecimento de outros exemplos na Estremadura e no Alentejo. Especificamente no concelho de Avis (Rocha, 1911: 29), pois provavelmente referia-se às notícias acerca das antas da Ordem, Capela e Assobiador, realizadas por M. Silva (1895a, 1895b e 1896), em estreito contacto com J.L. Vasconcelos. Portanto, a região alentejana não surgia como prioritária na resposta às questões de ASR, mas as circunstâncias acabaram por proporcionar as condições para tais pesquisas.

A relação de amizade e proximidade de António Sardinha com pessoas do círculo sócio-cultural de Santos Rocha, bem com o seu interesse pela História local, terão sido factores importantes na prossecução da exploração monfortense (Boaventura, 2008). Por outro lado, também se enquadraria nos estudos que ASR desenvolvia então – a Idade do Cobre. Se existiam exemplos de dólmens de momentos da transição da Idade da pedra para o cobre em Avis, penso que o raciocínio de Santos

5 É a mesma anta designada por Manuel Heleno (1947 e 1962: 314) como Alto do Pironga (CNS- 4812).

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Rocha admitiria a sua provável existência também na área próxima de Monforte.A escavação do dólmen do Casal do Matto, por Wittnich Carrisso em colaboração com

Santos Rocha (1909), terá sido um bom momento para o primeiro se familiarizar com os detalhes da exploração daquele tipo de vestígio, conhecimentos que se revelariam úteis nas pesquisas de Monforte.

Por outro lado, um pequeno estudo acerca de dois ídolos-placa do dólmen da Lameira, no Crato (Rocha, 1908), terá com certeza chamado a atenção de Santos Rocha para a presença crescente daquele tipo de artefacto na região alentejana, quando comparada com a apresentada por E. da Veiga (1887: VIII), aproveitando este autor apenas para adicionar alguma informação acerca da cartografia das placas, características do “neolithico de Portugal”, registando a existência de fragmentos na Figueira e a sua ausência noutras áreas beirãs, justificando esse vazio porque os “povos neolithicos d’estas regiões não tinham semelhante uso” (1908: 175).

Pelo exposto acima parece evidente que a “excursão científica” a antas de Monforte ocorreu pela conjugação das diversas circunstâncias mencionadas, ainda que se possa presumir a preocupação do “Pae Rocha” pelo devido enquadramento científico daquela acção.

Agradecimentos: Ao Museu Municipal Dr. Santos Rocha (Figueira da Foz), nomeadamente a Sónia Pinto, Ana Paula Cardoso, A. Margarida Ferreira e Isabel Pereira; a Raquel Vilaça; a Paulo Ferreira e Fernando Real pelo acesso ao Arquivo Leisner.

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Apêndice:

Documento 1

Leisner, G. (1953) – [Carta] 1953 Dezembro 12 [a Vitor Guerra] [Duplicado dactilografado]. Arquivo Leisner. Acessível no Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico. Lisboa, Portugal.

«Dr.G.LeisnerLisboa, 12.12.1953Travessa de Dom Vasco 4/I E

Exmo. Sr.Conservador do Museu Municipal de Figueira da Foz

Excelentíssimo Senhor,Queira Va Exca. permitir que venho com umas preguntas.O Museu de Figueira guada alguns objectos provenientes de // explorações efectuadas por Dr.

Luiz Wittnich Carriso e Sr. An-//tonio Sardinha em dólmenes do concelho de Monforte, os quais // já foram estudados por nos no ano 1933. Muito agradeceria uma // informação, se existem, no museu, quisquer indicações sobre // os nomes e a localização das dichas antas. No catalogo são os números 8884 e seguintes e citam-se 5 dólmenes.

No mês passado realizamos, em campanha do Sr. Engenheiro // da Veiga Ferreira, dos Serviços Geológicos, uma viagem de es-//studo à região de Montargil. Dizeram-nos ali, que varios dól-//menes naquela regiao – por exemplo na herdade de Portugal - // foram excavados pelo Sr. Calinas Salado, irmao de nossos // saudoso amigo Dr. Calinas Salado, conservador do museu no ano // 1933. Há, destas excavações, quaisquer objectos no Museu de // Figueira? Em caso afirmativo, teria Va exca. a amabilidade // de me dar, sobre lees, algumas indicações? (Proveniencia, nu//mero e genero dos objectos).

Esperamos passar, na primavera, outra vez, por Figueira // para realizar novos estudos nas suas valiosas colleçoes.

Agradecendo desde já a sua amabilidade // subscrevo-me com a maior consideraçao // atenciosamente

[sem assinatura] »

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Documento 2

Guerra, A. V. (1953) – [Carta] 1953 Dezembro 19 [a] Georg Leisner [dactilografada em papel timbrado do Museu Municipal Dr. Santos Rocha]. Arquivo Leisner. Acessível no Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico. Lisboa, Portugal.

«Figueira da Foz, 19 de Dezembro de 1953Exmº. Snr. Dr. Georg LeisnerM.D. ArqueólogoLisboa

Excelentíssimo Senhor:Gostosamente respondo à carta de V. Exª de 12 do corrente, // só penalizado por me não ser

possível corresponder plenamente ao // seu apelo.Na verdade, os objectos que cita provieram de 5 dólmenes do // concelho de Monforte, resultantes

de explorações efectuadas pelos // Drs. Luís Carrisso e António Sardinha. É só o que consta do catá-//logo – 3º Aditamento – manuscrito, ainda pelo fundador do Museu.

Juntamente com ele, encontram-se 3 tiras de papel, bastante amarelecido pelo tempo, lendo-se, em cada uma o seguinte: 2º Dól-//men do Vale-de-Romeiras; 3º Dólmen de Entre-as-Ribeiras; 5º Dól-//men de Alfumar.

Oxalá estas indicações, embora em tudo incompletas, consigam // fazer alguma luz, na identificação que pretende.

A propósito, permito-me a liberdade de rogar-lhe o obséquio // do informe onde publicou o estudo destes achados, que fiquei com // muito interesse em conhecer.

Ácerca das explorações na “Herdade de Portugal”, de que // me fala, nada entrou neste Museu, nem no meu tempo, nem do meu sal-//doso antecessor. É possível que tudo se encontre, ainda, na posse // de seu irmão e meu particular Amigo, Snr. Dr. Rafael Salinas Calado, // residente em Lisboa, na Avenida Miguel Bombarda, 141-1º-Telef.44367.

Para tudo mais, dsiponha V. Exª. Do que lhe deseja um feliz // Natal e um próspero Ano Novo, e que envia respeitosos cumprimen-//tos, extensivos ao Snr. Engº. Veiga Ferreira, de quem guarda as mais // gratas recordações de afectuosa amizade.

Muito atenciosamente, De V. Exª.O Director do Museu[assinado](António Vítor Guerra) »

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Documento 3

Leisner, G. (1954) – [Carta] 1954 Março 15 [a] Vitor Guerra [Duplicado dactilografado]. Arquivo Leisner. Acessível no Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico. Lisboa, Portugal.

«Dr.G.LeisnerLisboa, 15.3.1954Travessa de Dom Vasco 4/I E

Exmo. Sr. António Vitor GuerraDirector do Museu Municipal Dr. Santos Rocha // Figueira da Foz.

Excelentisimo Senhor,queira Va Exca. desculpar que, por causa de um trabalho // urgente, só hoje respondo à sua

estimada carta de 19. de De-//zembro. Agradeço as valiosas informações que me remeteu. // Com respeito aos dólmenes de Monforte podia tratar-se, no // Nr. 2, da Anta da Serrinha, situada na junta da ribeira de // Almuro com a ribeira grande: é um monumento grande e relati-//vamente bem conservado. O Vale de Romeiros fica a três qui-//lómetros de Monforte, ao sul, perto da estrada de Veiros. // Ainda não tinha noticia de anta ali. No Nr. 3 devia-se ler // provàvelmente “Assumar”, onde há noticia de uma anta perto // do Monte dos Sardos, ao norte da vila de Monforte (O Archaeó-//logo português XXVIII, p.199, noticia de Dr. Leite de Vascon-//celos: Anta de rabuje, monte que fica pertissimo). E pena que // não há indicações acerca da anta Nr. 1 que continha um espólio // mais completo.

Muito agradeço também a indicação sobre os presumtivos acha-//dos em dólmenes da herdade de Portugal. Tenciono dirigir-me // ao Sr. Dr. Rafael Salinas Calado. Como Va Exca. disse, que é // amigo intimo daquele senhor, permito-me pedir que me dê um // bilhete de apresentação, avisando o Sr. Salinas Calado da // minha visita.

A viuva do Sr. Calinas Salado, antigo director do Museu // Santos Rocha, ainda mora em Figueira da Foz? Neste caso, // pedimos de remeter a ela os nossos respeitosos cumprimen-//tos. Talvez se lembra ainda dos dias passados com ela e // suas encantadoras filhas.

Agradecendo desde já as suas amaveis diligências // em favor dos nossos estudos // fica com a maior estima // muito attenciosamente

[sem assinatura] »

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Fig. 1 - António Santos Rocha, provavelmente entre 1900-1905, segundo Isabel Pereira.

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Fig. 2 - Luiz Wittnich Carrisso, em 1908, no final da sua licenciatura.

Fig. 3 - António Sardinha em 1909 (foto publicada em Ventura e Ladeira, 1988: foto 12).

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Fig. 4 - Antas conhecidas da região de Monforte com numeração daquelas mencionadas no texto.

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Fig. 5 - Anta de Vale de Romeiras 1 em 2009, com a vila de Monforte no horizonte setentrional (Foto de R. Boaventura).

Fig. 6 - Anta de Vale de Romeiras 4 em 2009, sob o mourouço, com a vila de Monforte no horizonte. Pormenor de um dos esteios aflorando entre as pedras do morouço (Foto de R. Boaventura).

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Fig.. 7 - Anta de Serrinha em 1946 (Foto CF3014 - IAA1009, Arquivo Leisner, IGESPAR).

Fig. 8 - Anta de Rabuje 1 em 1998 (Foto de R. Boaventura).

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Fig. 9 - Anta de Santo António 2 em 1997 (Foto de R. Boaventura).

Fig. 10 - Anta de Santo António 1 em 1997 (Foto de R. Boaventura).

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A ARcAinhA do seixo

(oLiveira do hoSPiTaL, CoiMbra)um século depois de sAntos RochA

JoÃo MigueL andré PerPéTuo (*)

LuÍS FiLiPe CouTinho goMeS (*)

1. Introdução

O Dólmen do Seixo da Beira, também conhecido por Arcainha do Seixo, é um dos maiores monumentos do género ainda preservados em toda a região centro/norte de Portugal, cujas diversas intervenções e violações a que foi sujeito nos dois últimos séculos — sem que merecesse qualquer acção de conservação e restauro —, muito contribuíram para um processo de acentuada degradação, chegando aos dias de hoje muito arruinado e descaracterizado, com algumas das suas estruturas tombadas, fragmentadas ou mesmo espoliadas.

Perante tal cenário, e por meados de 2007, o Município de Oliveira do Hospital, atento à necessidade da reabilitação do seu passado histórico, solicitou à Arqueohoje a implementação de um circuito turístico megalítico, recorrendo-se, para o efeito à escavação, conservação e valorização do Dólmen do Seixo da Beira e da Anta da Cavada, bem como a limpeza e recuperação pontual do Dólmen da Sobreda e o de Bobadela. Estes elementos patrimoniais, de invulgar interesse regional e nacional, apresentavam as estruturas internas, de grandes dimensões, instáveis e fragmentadas, para além de estarem votadas ao abandono e sem a promoção cultural que lhes era devida.

(*) Arqueólogos dos quadros técnicos superiores da Arqueohoje, Ldª. E-mail: [email protected]

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Não obstante o acentuado estado de degradação do Dólmen do Seixo da Beira, e ao longo dos meses de Novembro de 2007 a Julho de 2008, foi possível a sua estabilização e restauro, culminando, nos dias de hoje, numa visão muito próxima daquela que ostentaria em plena utilização funerária. Com efeito, e para além da intervenção científica, reposicionou-se a pesada laje de cobertura, a qual se apresentava muito inclinada, assim como alguns dos monólitos da câmara e do corredor, parcialmente tombados, fracturados ou fragmentados. De igual modo se procedeu à reprodução parcial ou total dos esteios em falta, bem como ao alteamento da colina artificial envolvente1.

2. Geomorfologia, localização geográfica e situação jurídica

O concelho de Oliveira do Hospital, situado nas faldas da Serra da Estrela, no extremo norte do distrito de Coimbra, encontra-se integrado na vasta plataforma que serve de bacia hidrográfica ao rio Mondego e seus afluentes, apresentando-se geograficamente delimitado a sudeste e a sul pelo Maciço Central, sequência das serras da Lousã, Açor e Estrela, a oriente e a norte pelo rebordo da Meseta Norte e a ocidente e noroeste pelo Maciço Marginal que, ligando a serra do Caramulo à da Lousã, o separa da orla ocidental (Ribeiro, 1986) (Fig.1).

A parte central de toda esta área é constituída por uma ampla superfície de aplanamento inclinada para sudoeste, encaixada entre as serras da Estrela e Caramulo e entalhada pelo rio Mondego e seus afluentes, entre os quais se destacam o Alva e o Dão.

Geologicamente, esta região, na qual imperam os invernos frescos a frios e verões quentes a moderados, é caracterizada pela presença de granitos hercínicos e por áreas de depósitos, destacando-se a mancha compreendida no interflúvio Seia-Mondego, local onde se encontra implantado o monumento em estudo (Ferreira, 1978).

A proliferação de águas e as largas manchas de solos férteis fazem desta região uma zona privilegiada em termos agrícolas. As abundantes pastagens convidam à criação de gado, sendo esta, até tempos recentes, uma das actividades económicas mais importantes do concelho. Os grandes rebanhos, hoje quase desaparecidos, dominavam estas pastagens durante todo o Inverno, congregando-se num só, que no Verão rumava para a Serra da Estrela, onde permanecia até chegar o tempo mais frio. Esta prática de transumância, hoje praticamente só relembrada na memória dos mais velhos ou em estudos etnográficos, poderá ter tido origem nas primeiras comunidades de pastores que, há cerca de 6.000 anos, por aqui deambularam, perpetuando a memória das suas comunidades através da construção de grandes sepulturas (Dias, 1951).

O Dólmen do Seixo da Beira, destacado na paisagem circundante e com amplo campo visual,

1 Estes trabalhos, superiormente autorizados pelo IGESPAR através do processo 2007/1(603), ofício 14140, datado de 03.10.2007, foram executados sob a orientação científica de João Miguel André Perpétuo e por Luís Filipe Coutinho Gomes, contando com a participação permanente dos arqueólogos Rita Gaspar, João Tereso e Rui Miguel Silva, bem como a presença pontual de Helena Barranhão (autora do tratamento, em gabinete, dos desenhos de campo), Rui Filipe Barbosa, Rui Carlos Carvalho, Rui Óscar Rodrigues, Eugénio Martinho, António Felgueiras e Tiago Santos. As acções de conser-vação e valorização foram da responsabilidade de Joaquim Garcia, técnico de conservação e restauro, tendo o estudo do material cerâmico e respectivo desenho sido efectuado por Iva Botelho, arqueóloga da Metro do Porto, S.A. O tratamento informático dos dados de topografia foi da autoria de Sónia Cravo, contando-se ainda com a colaboração de Nádia Figueira e Carla Santos. Especial deferência para o Presidente do Município, Dr. Mário Américo Franco Alves, o Arquitecto Carlos Dias Coelho, o Engº Melo Cruz e ainda o Dr. Pedro Sobral, sem o empenho dos quais tais acções não teriam sido possíveis. O mesmo é extensivo ao Professor Domingos Cruz, pela leitura crítica do texto, bem como à Direcção Regional de Cultura do Centro e IGESPAR.

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encontra-se localizado a cerca de 2 km para sul da aldeia com o mesmo nome, em área de pinhal no lugar de Carvalhal e contíguo a um caminho de terra batida, próximo de um complexo de afloramentos graníticos, quase no topo de uma suave encosta sobranceira a uma pequena linha de água subsidiária da margem direita do rio Seia.

Administrativamente, integra-se na freguesia do Seixo da Beira, concelho de Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra, com as seguintes coordenadas geográficas (“Carta Militar de Portugal”, na escala 1:25.000, folha 211, 2001): 40° 26’ 36,8” Latitude Norte; 07° 50’ 36” Longitude Oeste Greenwich; 340 metros de altitude média.

3. História das pesquisas

Nesta região, por finais do século XIX, logrou o advogado e eminente arqueólogo figueirense Santos Rocha escavar e estudar dois majestosos monumentos megalíticos ainda preservados na freguesia de Seixo da Beira, no concelho de Oliveira do Hospital — as antas do Seixo da Beira e da Sobreda (Fig. 2).

A Arcainha do Seixo descreveu-a Santos Rocha como possuidora de um tumulus com 20 m de diâmetro, encerrando uma estrutura megalítica profundamente remexida cuja câmara, com laje de cobertura, conservava oito esteios visíveis. Do corredor, observava-se uma laje de cobertura, deslocada, a respectiva “porta”, bem como seis monólitos no lado NE e três no lado oposto. Do espólio, Santos Rocha refere o aparecimento no interior da câmara de alguns fragmentos cerâmicos decorados — pertencentes a um recipiente com decoração em pontilhado de estilo campaniforme —, bem como de um fragmento de bordo de um recipiente de fabrico manual com decoração digitada sobre o bordo (Rocha, 1899: 13-16; Senna-Martinez, 1982: 22; idem, 1989: 36-39).

Posteriormente, na década dos anos 60 do século passado, o monumento foi visitado por Vera Leisner, tendo registado a sua planta e espólio (Leisner, 1998: 138, figs. 99 e 100). Neste espaço de tempo o monumento terá sido alvo de fortes perturbações, notando-se, no lado SO da câmara, a espoliação do primeiro esteio e a deslocação do terceiro. No corredor, onde ainda se conservava a referida porta, verifica-se que se encontra em falta o primeiro esteio do lado NE, apresentando-se deslocados os do lado oposto.

Em 1967, Castro Nunes realiza uma pequena intervenção sobre os dois terços dianteiros do corredor, cujos resultados e materiais compulsados são mais tarde estudados por Senna-Martinez, efectuando ainda este último, no ano de 1981, um novo registo, por desenho em planta e alçado (Senna-Martinez, 1989: 36-39). O vandalismo havia provocado o desmoronamento parcial do lado SO do corredor, permanecendo um único esteio em posição próxima do original. No lado oposto já não se observava o penúltimo esteio, nem é representada a dita “porta”.

Mais recentemente, por meados da década dos anos 80, terá havido uma tentativa de destruição, com recurso a uma retroescavadora, por parte de um indivíduo, a qual foi gorada graças à pronta intervenção de um grupo de populares.

4. Contexto arqueológico

Não obstante o isolamento local, o Dólmen do Seixo da Beira integra um grupo de monumentos que foram implantados na paisagem granítica da plataforma do Mondego, mais concretamente no interflúvio entre os rios Seia e Mondego.

A este propósito, refira-se desde já o Dólmen da Sobreda, também conhecido por Arcainha ou Curral dos Mouros, distando cerca de 3 km para NE do Dólmen do Seixo da Beira, igualmente

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intervencionado em finais do século passado por Santos Rocha (Rocha, 1899: 17-22) e mais tarde por Castro Nunes (Senna-Martinez, 1982: 22; idem, 1989: 39-42; Leisner, 1998: 134-138, Figs. 93-99 e 151). Trata-se de uma outra sepultura pré-histórica de grandes dimensões, já desprovida da totalidade das lajes que originalmente cobririam toda a estrutura interna, merecendo particular destaque a disposição, pouco comum, dos monólitos da câmara, propiciando um espaço de planta tendencialmente subcircular, presumivelmente lajeado, ao qual se acedia através de um extenso e largo corredor. Num dos esteios da câmara, e por finais do século XIX, o investigador Santos Rocha anotava ainda a presença de uma pintura a ocre vermelho recobrindo traços pouco profundos.

Sensivelmente a 7 km para SSO do Dólmen do Seixo da Beira preserva-se a Anta da Cavada, implantada no limite sul de uma pequena plataforma, sobranceira à margem direita do rio Seia. Trata-se de mais uma sepultura pré-histórica do género, sendo composta por uma câmara de planta tendencialmente sub-rectangular alargada, de nove esteios, coberta por uma enorme laje de cobertura, à qual se acederia por um corredor pétreo, presentemente apenas testemunhado por um fragmento de um dos seus monólitos.

Para além destes, e ainda no concelho de Oliveira do Hospital, refira-se o Dólmen da Quinta da Profia, do qual se preserva um enorme montículo tumular localizado a cerca de 2 km para NO da Arcainha do Seixo, o Dólmen de Pedras Ruivas e o de Bobadela, este último já na margem esquerda do rio Seia (Leisner, 1998: 134, 138-139, figs. 101-104), os Dólmens 1 e 2 do Chaveiral, a Anta da Mondegã e a Anta do Fontão (Silva, 1985), já no concelho vizinho de Seia, e ainda o Dólmen de Rio Torto (Gouveia) (Leisner, 1998: 83-85; Senna-Martinez, 1989: 42-48), todos eles de grandes dimensões, ostentando características tipológicas bastante comuns.

5. Descrição dos trabalhos 5.1. Metodologia aplicadaNuma primeira fase, e após o registo fotográfico do local, procedeu-se à remoção de tudo quanto

era alheio ao monumento, bem como à limpeza da cobertura vegetal do terreno numa área de 520 metros quadrados, correspondendo à demarcação de um rectângulo com 26 metros de comprimento por 20 metros de largura, abrangendo a totalidade do monumento (Figs. 3 a 5).

Concluídas as limpezas superficiais, quadriculou-se o interior do rectângulo com uma rede de quadrados de 2 x 2 m orientados pelos pontos colaterais e passando o eixo longitudinal central sensivelmente pelo meio do monumento. Assim, no eixo SO-NE, das abcissas (x), foram atribuídas letras de A a J; no eixo NO-SE, das ordenadas (y), números de 1 a 13.

Posteriormente, procedeu-se ao levantamento topográfico da área demarcada, correspondendo o ponto 0.00 convencional ao topo do esteio 11 do corredor. As leituras, ao centímetro, daí resultantes e em toda a intervenção arqueológica, foram sempre negativas, sendo excepção os topos dos esteios conservados da câmara e respectiva laje de cobertura.

No que concerne à escavação propriamente dita, a metodologia utilizada foi a mesma a que normalmente se recorre para o estudo de monumentos com tumulus, conjugando-se a amostragem por sondagem e a escavação em área.

5.2. O sepulcroO Dólmen do Seixo da Beira é um dos maiores monumentos do género ainda preservados

em toda a região Centro Norte de Portugal, sendo composto por uma câmara coberta por uma grande laje pesando cerca de 15 toneladas, à qual se acedia através de um corredor originalmente também coberto por lajes dispostas na horizontal (Fig. 6). A entrada era fechada por uma outra pedra

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funcionando como porta, a qual seria arredada aquando da necessidade de uma nova deposição, sendo ainda observável por meados do século passado. Estas estruturas internas, a par de outras mais complexas, possibilitando por exemplo o acesso ao interior do sepulcro, apresentavam-se imersas num enorme montículo artificial de terra e pedras (mamoa), presumivelmente deixando apenas visível a monumental laje de cobertura do espaço da câmara. O passar do tempo, a compacticidade dos sedimentos, a erosão e a acção destruidora humana contribuiu para que este montículo se espraiasse e perdesse a sua monumentalidade.

As diversas intervenções e violações a que foi sujeito nos dois últimos séculos, sem que merecesse qualquer acção de conservação e restauro, fez com que o mesmo entrasse num processo de acentuada degradação, chegando aos dias de hoje muito arruinado e descaracterizado, com algumas das suas estruturas tombadas, fragmentadas ou mesmo espoliadas.

5.2.1. A câmara e o corredorNuma primeira fase, começou-se por remover a camada de terra e pedras (c.1) que, em tempos

recentes, se depositou no interior do monumento, cuja espessura variava entre os 8 cm (no corredor junto ao esteio 2, tombado para o interior/quadrado F7) e os 30 cm (junto ao esteio de cabeceira/quadrado F9).

Finda esta acção, e após a retirada de um fragmento de uma laje de cobertura ou da laje de cutelo que jazia tombada à entrada da câmara (B), prosseguiu-se com a continuação da escavação, culminando na remoção da camada de terra e pedras que, aos poucos, se acumulou no interior da câmara (c.3c com uma espessura máxima de 70 cm no quadrado F9) e corredor (c.3a, com características similares, medindo 65 cm de espessura máxima em F6), bem como na constatação dos profundos remeximentos de que foi alvo, afectando o substrato saibrento de base.

De acordo com os dados acumulados, podemos caracterizá-lo como um dólmen de corredor, medindo, ao nível de base, cerca de 9,00 m de comprimento e orientado a ESE (126°N), bem diferenciado da câmara, quer em planta quer em altura. A matéria-prima utilizada foi o granito, abundante na região circundante.

A câmara, poligonal alargada — compr.: 3,30 m, no término dos esteios 2 e 11; larg.: 4,00 m, entre os esteios 4 e 9; alt.: 3,40 m, a meio do esteio de cabeceira (E.6); vão de entrada: c. de 1,80 m, entre os esteios 2 e 10 —, seria originalmente composta por nove esteios sobrepostos directa e indirectamente à laje de cabeceira, já não se preservando o primeiro do lado SO, posicionado entre os esteios 2 e 3. Ao nível da base, onde se observam as fossas de assentamento previamente abertas no saibro compacto, foram adossados calços, por vezes de dimensões consideráveis, sendo de destacar o bloco de quartzo leitoso (0,50 m de comprimento, 0,42 m de largura e 0,44 de altura) posicionado entre o esteio 3 e a fossa do seu congénere lateral, já espoliado.

Deste modo, a situação dos esteios nesta parte do monumento era a seguinte: E3 — base parcialmente deslocada para o exterior (c. de 10 cm) no lado oeste pela sua subverticalização em tempos recentes, fragmentado ao nível médio, com 1,76 m de altura preservada; E4 — base in situ, completo, com 3,10 m de altura; E5 — base in situ, completo, com 3,06 m de altura; E6 — esteio de cabeceira, base in situ, completo, com 3,40 m de altura; E7 — base in situ, reduzido ao nível da base, com 0,30 m de altura preservada; E8 — base in situ, inclinado para o interior, fragmentado ao nível médio com uma altura máxima de 1,64 m; E9 — base in situ, inclinado para o interior, fragmentado ao nível médio superior com uma altura máxima de 2,08 m; E10 — base in situ, inclinado para o interior, completo, com 3,22 m de altura. Tendo em conta o posicionamento dos calços preservados junto aos esteios 8 e 9, é de crer que o primitivo piso deposicional se apresentasse a c. de 2,60 m abaixo do topo do esteio de cabeceira, perfurando no saibro compacto em c. de 0,80 m. Os esteios deslocados foram posteriormente recolocados na posição original.

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O corredor é longo, com 5,70 m de comprimento, conservando dois dos presumíveis cinco primitivos esteios no lado SO e seis no lado oposto, justapostos ao nível da base e ligeiramente sobrepostos lateralmente, aumentando de altura — 1,62 m / 2,54 m — à medida que se progride para o interior. A largura, a meio e junto à câmara, é de 1,18 m e 1,80 m. O desnível entre a altura da câmara (topo do esteio de cabeceira) e do corredor (topo do esteio 11) é de 0,64 m, assentando a laje de cutelo nos esteios 2 e 11.

A situação dos esteios nesta parte do monumento, subverticalizados, era a seguinte: E1: base in situ, inclinado para o interior, fragmentado ao nível médio com uma altura máxima preservada de 1,44 m; E2: base in situ, inclinado para o interior, parcialmente fragmentado no topo, com 2,24 m de altura; E11: base in situ, completo, com 2,54 m de altura; E12: base in situ, fragmentado ao nível médio, com 1,54 m de altura preservada; E13: base in situ, parcialmente inclinado para o interior, fragmentado ao nível médio, com 1,46 m de altura preservada; E14: base deslocada, inclinado para o interior, completo, medindo 1,72 m de altura; E15: deslocado, tombado para o interior, completo, com 1,44 m de altura; E16: deslocado, tombado para o interior, completo, com 1,62 m de altura. À semelhança da câmara, também aqui os esteios deslocados foram reposicionados nas suas posições originais.

Foram ainda identificadas as fossas de assentamento do primeiro esteio da câmara do lado SO, bem como o que originalmente antecederia o esteio 1 do corredor.

Do seu sistema de cobertura, manteve-se apenas a laje do espaço da câmara e uma do corredor, já fragmentada (B), não sendo de descartar a possibilidade de se tratar da laje de cutelo. Quanto à primeira, completa, de configuração tendencialmente subquadrangular arredondada (4,20 x 4,06 m) e espessa (0,54 m na cabeceira e 0,34 m à entrada da câmara), pesando cerca de 15 toneladas, apresentava-se inclinada para ESE por cedência dos esteios 8, 9 e 10.

5.3. O tumulus

À data do início dos trabalhos, e quando observado superficialmente, o montículo artificial envolvente do Dólmen do Seixo da Beira apresentava-se parcialmente compactado, truncado no limite NO pela abertura de um estradão e rebaixado na área fronteira pelos sucessivos revolvimentos clandestinos (Figs. 5 e 7).

Ostentava um contorno tendencialmente subcircular com c. de 22 metros de diâmetro, atingindo uma altura máxima de 1,30 m por detrás do esteio de cabeceira (quadrado F11), o qual se sobrelevava em cerca de 1,70 m, sendo notória a rarefacção dos elementos pétreos que afloravam à superfície.

Após as devidas observações e remoção de todos os elementos alóctones ou deslocados, e com base na quadriculagem inicialmente criada, procedeu-se à demarcação de áreas preferenciais de intervenção, dando-se particular destaque à zona exposta a SE.

5.3.1. A sanja sudoeste

A vala de sondagem que compreende os quadrados A’9 a G9, com 16 metros de comprimento e 1,60 m de largura, proporcionou o registo do contraforte consolidando externamente as bases dos esteios 4, 5, 8 e 9 da câmara, sendo observável, no quadrado D9, a profunda destruição aquando da tentativa de espoliação dos monólitos. Composto maioritariamente por lajes de dimensões medianas dispostas em escama, media 4,10 m de extensão e 0,90 m de altura preservada. Na sua periferia apresentava-se coberto pelas terras compactas da mamoa (c.2), as quais findavam junto a um “empedrado” de pedras miúdas, em granito, conferindo ao montículo um raio de 10,20 m registados desde o ponto central da câmara.

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5.3.2. A sanja noroeste

A intervenção por detrás do esteio de cabeceira, definida pelos quadrados F10 a F13 e findando junto ao estradão, com 8 m de extensão e 1,60 m de largura, proporcionou uma realidade estrutural em perfeita sintonia com a sua congénere anteriormente descrita: contraforte bem preservado composto maioritariamente por blocos e lajes graníticas de médias e grandes dimensões, dispostas em escama, medindo 4,60 m de extensão e uma altura máxima de 1,10 m, em grande parte ainda coberto pelas terras compactas do tumulus (c.2), ostentando 4,40 m de extensão e uma altura máxima de 0,66 m.

5.3.3. As sanjas laterais da estrutura dolménica

A abertura das áreas laterais do corredor e de parte da câmara justificou-se pela necessidade de reposição dos monólitos deslocados e/ou tombados, os quais tinham provocado a movimentação das estruturas pétreas contíguas. Mais uma vez se observou o poderoso e bem elaborado contraforte, por vezes integrando blocos e lajes de dimensões megalíticas, posicionados nos níveis mais inferiores (quadrados E6 e G10). Refira-se a sua profunda destruição junto aos esteios 3, 7, 8 e 9, presumivelmente com o intuito de espoliação dos mesmos em tempos mais recentes ou numa fase mais antiga, quiçá pré-histórica com o propósito da sua reutilização.

5.3.4. O quadrante sudeste

Neste tipo de monumentos, a intervenção da área fronteira revela-se de capital importância para um melhor conhecimento das soluções estruturais e/ou cultuais adoptadas na edificação e utilização dos mesmos.

Assim — e se por um lado as valas já abertas permitiam averiguar algumas das características da mamoa —, pretendia-se agora saber algo mais relativamente ao modo de acesso ao espaço deposicional e subsequente encerramento.

Infelizmente, os resultados foram muito parcos, confirmando-se a profunda destruição e invalidando qualquer possibilidade de identificação do tipo de estruturas de acesso, a descoberto, que aqui poderão ter existido. Contudo, e face ao desenvolvimento do contraforte para sudeste, não findando junto ao início do corredor ortostático, acreditamos ter aqui existido um corredor intratumular e/ou átrio.

Na sua periferia, e à semelhança do já constatado na sanja sudoeste, observava-se um “empedrado” de pedras miúdas (quadrados E3 e E4, D4 e C5).

5.4. Estratigrafia

O Dólmen do Seixo da Beira, a partir da análise de quatro perfis, proporcionou uma leitura estratigráfica que em muito contribuiu para um melhor entendimento do modo de construção e das características estruturais do monumento (Figs. 8 e 9). Infelizmente, e face ao adiantado estado de degradação do montículo envolvente, não foi possível definir com precisão os seus limites mais periféricos, nomeadamente no lado NO, parcialmente truncado pela abertura de um caminho em terra batida.

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5.4.1. Quadrante SE e sanja NO, perfil SE-NO, lado SO (F1-F13)

O corte estratigráfico 1, com 24 metros de extensão, secciona longitudinalmente todo o monumento, incidindo sobre a área fronteira e interior do sepulcro, desenvolvendo-se pelo lado NO da mamoa.

Ainda que os níveis estratigráficos e estruturas registadas se encontrassem muito profanadas, foi possível observar as suas principais camadas, bem como a vista, em secção, dos esteios tombados do lado SO corredor (E1 e E2), da laje de cutelo (B), do esteio de cabeceira (E8) e respectiva fossa de implantação, bem como o contraforte, em excelente estado de preservação. Este registo permitiu ainda a seguinte leitura estratigráfica:

Camada 1 — Terra humosa superficial, castanha escura, com muitas raízes de calibre diverso, elementos pétreos dispersos à mistura, de compacticidade mediana. Camada resultante de remeximentos no interior do sepulcro e da progressiva acumulação de sedimentos sobre o montículo envolvente. Na área da câmara, apresentava-se associada a uma significativa quantidade de carvões resultantes de fogueiras recentes. A sua espessura variava entre os 30 cm na zona da câmara e os 10 cm sobre a mamoa e área fronteira de acesso. Foram exumados alguns materiais arqueológicos, dispersos e descontextualizados.

Camada 2 — Terra castanha-amarelada com algumas raízes de calibre diverso e elementos grosseiros, muito compacta, correspondendo às terras originais do tumulus, envolvendo a quase totalidade do contraforte (quadrados F10 a F13). A sua espessura variava entre os 0,14 m e 0,66 m. Alguns materiais, dispersos e descontextualizados, maioritariamente concentrados no topo e relacionando-se com perturbações subsequentes.

Camada 3a — Terra castanha escura com raízes de calibre diverso e alguns elementos carbonosos, dispersos, compacticidade mediana, distribuindo-se pelo corredor e área fronteira (quadrados F2 a F7), sendo o resultado das violações tidas ao longo dos tempos, por vezes atingindo o afloramento rochoso. Apresentava uma espessura em tornos dos 0,65 m, diminuindo significativamente (c. de 0,20 m) na área periférica. Foi recolhido um significativo conjunto de artefactos pertencentes pelo menos a dois momentos distintos de utilização do monumento, dispersos e descontextualizados.

Camada 3b — Terra castanha escura com inclusão de pequenas bolsas de saibro maioritariamente observadas na base da camada, com raízes de diversos calibres e fortes inclusões de elementos pétreos descontextualizados, diferenciando-se da anterior pela maior compacticidade. Patenteava-se por detrás da câmara, encostando aos esteios 6, 7 e 8, sendo o resultado da acumulação de sedimentos remexidos aquando da tentativa de remoção dos esteios 7 e 8, atingindo uma espessura máxima de 1,20 m e perfurando o substrato saibrento de base. Inclusão de alguns materiais arqueológicos, dispersos e descontextualizados.

Camada 3c — Terra de coloração castanha escura com bolsas de saibro amarelo e forte inclusão de elementos pétreos, de compacticidade reduzida, sendo o resultado dos constantes remeximentos e intervenções de que foi alvo. Circunscrita ao espaço da câmara e na saída para o corredor, atingia uma espessura máxima de 0,70 m, preenchendo invariavelmente as fossas de violação identificadas no substrato de base. Inclusão de um significativo conjunto de materiais arqueológicos, descontextualizados e integráveis cronologicamente em períodos distintos.

Camada 4 — Terra castanha clara, granulosa, com raízes de calibre médio/fino, medianamente compacta, circunscrita à periferia da área fronteira ao monumento (quadrados E2, F2 e G2). A sua escavação permitiu a recolha de um conjunto de fragmentos cerâmicos, exclusivamente manuais, remetendo esta camada, sobrejacente ao substrato de base e com uma espessura média de 0,20 m, para uma possível pré-ocupação do local2.

2 A validação desta hipótese talvez seja possível com um futuro alargamento da área intervencionada.

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Camada 5 — Terra de tonalidade acastanhada, granulosa, com algumas manchas amareladas resultantes do contacto com o substrato saibrento de base, medianamente compacta, possuindo uma espessura média de 0,15 m. Esta camada relacionar-se-á com os restos preservados do solo antigo cujo topo, presumivelmente, terá sido utilizado como piso de circulação no interior do corredor, identificando-se apenas numa diminuta área (quadrados F6 e F7). Foi igualmente observada na área fronteira do monumento, espaço onde se desenvolveriam as estruturas de acesso ao interior do sepulcro, nomeadamente um átrio e/ou corredor intratumular, infelizmente já destruídas. Refira-se a presença de um limitado número de cerâmicas, nomeadamente ao nível de topo, no interface com a camada 4.

Camada 6 — Terra de tonalidade cinzenta, comportando pequenas bolsas de saibro amarelado, de matriz argilosa. Compacticidade elevada. Desenvolvia-se exclusivamente sobre os elementos pétreos do contraforte identificado por detrás da câmara funerária, com uma espessura média de 0,10 m. Relacionar-se-á com a camada 2, que se lhe sobrepõe, formando com esta o conjunto de terras in situ do montículo.

5.4.2. Área fronteira do monumento, perfil SO-NE, lado NO (C5-G5)

No corte estratigráfico 2, posicionado transversalmente à entrada do corredor e com 10 m de com-primento, é bem visível o adiantado estado de destruição da área fronteira e do montículo tumular. Ainda assim, foi possível observar os restos do fecho do tumulus, restringido a um pequeno conjunto de elemen-tos pétreos (quadrado C5), bem como o contraforte, truncado, dos primeiros esteios do corredor. De tipo “cairn”, este contraforte, não findava à entrada da estrutura interna megalítica, mas desenvolvia-se para além desta (ESE) em cerca de 2,20 m, ainda que o lado NNE se apresentasse destruído. No quadrado F5 é possível observar a amálgama de pedras resultante das violações deste espaço.

Do ponto de vista estratigráfico, as camadas registadas são as mesmas anteriormente descritas, sendo de destacar as terras do tumulus (camada 2) cobrindo por completo o contraforte (E5 e G5).

5.4.3. Sanja SO, perfil NE-SO. lado SE (K9-A’9)

No corte estratigráfico 3, com 24 m de extensão e seccionando sensivelmente a meio o tumulus e a câmara funerária, é observável a deterioração/compactação do montículo, bem como as perturbações tidas ao nível do topo do contraforte, a perspectiva, em corte, da laje de cobertura e dos esteios 4 e 9, bem como o contraforte, muito danificado, com uma extensão de 4,10 m e uma altura máxima preservada de 0,90 m. O limite do montículo, materializado pela colocação de um empedrado constituído por pequenos elementos de granito, não é observável no registo gráfico vertical.

Estratigraficamente, e para além da camada humosa superficial (c.1), das terras compactas do tumulus (c.2) das coevas à pré-ocupação do local (c.4) e as associadas às perturbações do contraforte (c.3b), distingue-se uma nova realidade:

Camada 3d — Terra de coloração castanha escura, de compacticidade reduzida, com muitas raízes de calibre diverso e elementos pétreos dispersos, sendo o resultado dos remeximentos inerentes à tentativa de espoliação do esteio 3. Inclusão de alguns materiais, dispersos e descontextualizados.

5.4.4. Quadrante SE, Perfil SE-NO. lado NE (E4-E6)

O corte estratigráfico 4, com 6 m de comprimento e posicionado lateralmente no lado SO da área fronteira do monumento, seccionando longitudinalmente parte do contraforte do corredor e o seu prolongamento para SE, possibilitou o registo, no quadrado E4, de um pequeno empedrado

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composto por elementos de reduzidas dimensões que, grosso modo, define o terminus da mamoa, bem como o desenvolvimento do contraforte para SE, sendo composto por lajes graníticas, de pequeno e médio porte, sobrepostas obliquamente e assentes sobre as terras do solo antigo (c.5). Observa-se ainda o contraforte do lado SO do corredor, numa área onde os esteios haviam já sido removidos, sendo maioritariamente constituído por lajes e blocos graníticos de grande porte, sobrepostos obliquamente e assentando directamente nas terras do solo antigo (c.5). O ponto de encontro desta estrutura com a congénere, que se desenvolve para SE, marca o arranque do corredor.

5.5. O espólio

A intervenção da Arcainha do Seixo permitiu a recolha de um interessante e diversificado con-junto artefactual, correspondendo a toda uma panóplia de oferendas mais ou menos comuns a outros monumentos do género existentes na Beira Alta, com particular destaque para os implantados nesta plataforma do Mondego, sendo possível distinguir pelo menos duas fases distintas de ocupação. Refira-se ainda um outro “pacote” artefactual, presumivelmente reportando-se a uma fase de ocupação ante-rior à construção deste megálito.

O espólio exumado encontrava-se, na sua maioria, descontextualizado e disperso pelas camadas de terra que compunham o enchimento da câmara, do corredor e área fronteira (c.3a e 3c), ou nas perturbações identificadas no tumulus (c.3b e 3d), sendo o resultado das sucessivas violações de que o monumento foi alvo.

Ainda do interior da estrutura ortostática, mais precisamente no topo das terras sobrejacentes aos calços do esteio 13 e que também preenchiam o interstício entre os esteios 8 e 9 (camada 7, de cor acinzentada, medianamente compacta, homogénea), correspondendo a restos do primitivo piso de construção/utilização, foi recolhido um conjunto de materiais constituído por pontas de seta evolucionadas e fragmentos de vasos campaniformes, não muito deslocados das suas posições originais, relacionando-se com deposições secundárias.

No topo da camada 4, preservada na periferia da área fronteira da Arcainha do Seixo, compulsou-se um conjunto de fragmentos cerâmicos manuais lisos, indiciando uma pré-ocupação do local.

A localização tridimensional dos artefactos fez-se com a indicação do quadrado e respectivas coordenadas: o primeiro valor (x) reportou-se, em cada quadrado de 2 m, à distância relativamente ao lado SE, seguindo-se o valor medido ao lado SO (y) e a profundidade (z), tendo por referência o ponto zero convencional implantado no topo do esteio 11.

5.5.1. Lítico

Relativamente ao espólio lítico, maioritariamente descontextualizado, temos a evidenciar, dentro dos artefactos em pedra lascada, duas lamelas, em quartzo hialino, uma das quais fragmentada ao nível mesial, oito lâminas, em sílex, uma das quais completa e um fragmento apresentando retoques em ambos os bordos, vinte e um micrólitos geométricos e vinte e nove pontas de seta, em sílex, apresentado estas uma significativa variedade tipológica. O material de pedra polida é bastante reduzido, reportando-se exclusivamente a dois fragmentos de artefactos inclassificáveis, em anfibolito3. Foi ainda recolhido

3 Na intervenção efetuada em 1967 por João de Castro Nunes recolheram-se três enxós e uma peça inacabada (Senna-Martinez, 1989: 36-39 e 597).

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um fragmento do elemento movente de moinho manual. No âmbito dos objectos de adorno, refira-se a presença de cinco contas de colar, em variscite.

Se, por um lado, os componentes de adorno, as lamelas, as lâminas e os micrólitos, marcadamente arcaizantes, poderão integrar um momento primário de utilização do monumento, estamos em crer que as pontas de seta, maioritariamente de base côncava ou bicôncava, apresentando retoques marginais bifaciais cobridores, algumas das quais com mais de 6 cm de comprimento total, pertencerão a um segundo momento de utilização, presumivelmente ocorrido nos finais do Calcolítico.

No que concerne aos micrólitos geométricos (Quadro I), exclusivamente representados por trapézios, todos em sílex, revelam-se predominantes os trapézios rectângulos (48% — 10 exemplares), seguidos dos assimétricos (38% — 8 exemplares), escasseando os simétricos (14% — 3 exemplares)4. Dentro dos trapézios assimétricos, encontramos dois exemplares cujas bases menores apresentam dimensões muito reduzidas, aproximando-os à forma triangular. Quer os trapézios rectângulos como os assimétricos apresentam maioritariamente truncaturas côncavas, nomeadamente ao nível da truncatura menor dos rectângulos. Em toda a amostra apenas três exemplares ostentam truncatura maior longa, predominando as truncaturas curtas.

Do conjunto de lâminas (Quadro II), apenas uma se apresentava completa, correspondendo as restantes a fragmentos variados da zona distal (5 exemplares), mesial (2 exemplares) ou próximal (1 exemplar). Predominância da utilização do sílex (8 exemplares) sobre o quartzo hialino (1 exemplar). Destas, apenas três se terão mantido numa posição próxima à deposição primária, com inclusão do exemplar completo, tendo sido recolhidas no topo das terras que preenchiam o interstício entre os esteios 8 e 9 (camada 7), relacionando-se com restos do primitivo piso de construção/utilização. As restantes peças, descontextualizadas, provêm da câmara, do corredor e da área fronteira. Deste grupo de artefactos, três não apresentam qualquer tipo de retoque, outros tantos ostentam retoques marginais incipientes e os restantes retoques abruptos e semi-abruptos marginais contínuos.

As lamelas (Quadro III), representadas por dois exemplares, são em quartzo hialino, sem retoques, encontrando-se uma completa e a outra reduzida à extremidade distal. Uma provém do interior da câmara, descontextualizada, e a outra do topo da camada 4, podendo não ter uma relação directa com a fase de construção/utilização do monumento.

As pontas de seta (Quadro IV) surgem-nos como o artefacto dominante dentro do material lítico lascado, tendo sido identificadas vinte e nove peças, provenientes na sua larga maioria do interior da câmara (19 exemplares), encontrando-se as restantes dispersas pelo corredor e área fronteira do monumento, em contexto arqueológico pouco seguro. Dos exemplares recolhidos no interior da câmara, ainda que algumas (5 exemplares) sejam provenientes da base da camada 3c (nível estratigráfico associado aos revolvimentos tidos no interior do monumento), sob um conjunto pétreo deslocado da posição original mas que pode ter funcionado como calços internos do esteio 3, julgamos que deveriam estar em posição muito aproximada do contexto primário de deposição, divididas em dois grupos distintos. Um, localizado no interstício do esteio 8 com o 9, ao nível do topo das fossas de implantação dos mesmos, e outro, no topo e interior da fossa de implantação do esteio 3. Em ambos os casos todos os exemplares se encontravam muito próximos, não sendo descabido pensar que se possa tratar de dois conjuntos de oferendas distintos, referindo ainda que entre os esteios 8 e 9, em contexto idêntico, foram recolhidos alguns fragmentos de vasos campaniformes.

4 Castro Nunes terá recolhido um micrólito trapezoidal (idem, ibidem: 39).

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Pela sua tipologia, estamos em crer que a maioria destes artefactos corresponda a deposições secundárias. Predominância das bases bicôncavas (41% — 12 exemplares) ou côncavas (31% — 9 exemplares), encontrando-se as bases triangulares apenas representadas por dois exemplares (7%), completando-se o conjunto com cinco bases rectas (14%) e uma inclassificável (4%). O corpo das peças é alongado (55% — 16 exemplares) ou mediano (31% — 9 exemplares), não sendo possível classificar os restantes quatro exemplares (14%)5. Os retoques, semi-abruptos ou rasantes, são na larga maioria invasores, bifaciais dispostos de modo escamoso com distribuição contínua. São todas peças evolucionadas, demonstrando uma técnica apurada e um investimento de tempo na sua elaboração.

As pontas de seta de base triangular, de tradição mais antiga, encontram-se quase ausentes, prevalecendo as de base bicôncava e côncava, por norma associadas a contextos calcolíticos, motivo que nos leva a supor que todos estes artefactos pertençam a uma fase de reutilização do monumento, contemporânea das deposições campaniformes.

Os componentes de adorno (Quadro V), ainda que em reduzido número, encontram-se igualmente representados por cinco contas de colar em pedra verde, provavelmente variscite. Quatro são cilíndricas e uma é globular.

Refira-se por último a presença do elemento movente de um moinho manual (Quadro VI) fragmentado, recolhido fora de contexto no interior da câmara.

5.5.2. Cerâmico6

Genericamente, o espólio cerâmico compulsado pela presente intervenção no Dólmen do Seixo da Beira, composto por mais de três centenas de exemplares, apresenta-se muito fragmentado e desgastado, distribuindo-se heterogeneamente pelos diferentes níveis estratigráficos7. Neste aspecto, há que realçar a abundância de material exumado na camada 1, descontextualizado e directamente relacionado com os profundos remeximentos a que o monumento foi sujeito ao longo dos tempos.

Rivalizando com a camada 3a na supremacia da distribuição, a camada 1 integra um considerável conjunto de fragmentos cerâmicos de tonalidades dominantes acastanhadas, apresentando, quando conservadas, superfícies alisadas e, ocasionalmente, levemente cepilhadas. Estes exemplares caracterizam-se também pelas suas pastas maioritariamente compactas, se bem que pouco homogéneas devido a inclusão abundante de e.n.p.s de grande calibre (igual ou superior a 1 mm), sendo neste aspecto de realçar também a presença frequente de elementos micáceos. Pelas suas espessuras dominantes, entre os 4 e 7 mm, pertenceriam maioritariamente a vasilhame de capacidade mediana e residualmente a peças de grande porte, como para tal apontam os fragmentos com espessuras entre os 14 e os 19 mm, possivelmente pertencentes a quatro recipientes diferentes. Trata-se também de um conjunto cerâmico predominantemente liso, sendo de exceptuar um fragmento

5 Na intervenção efetuada em 1967 por Castro Nunes recolheram-se quatro peças de base côncava, uma bicôncava e outra recta (Senna-Martinez, 1989: 36-39).

6 O estudo do material cerâmico e elaboração do respectivo capítulo foi efectuado de colaboração com a Drª Iva Botelho, a quem muito agradecemos.

7 A propósito do estudo do material cerâmico recolhido nas intervenções efectuadas por Santos Rocha e Castro Nunes, Senna-Martinez (1982 e 1989) refere a identificação de pelo menos 100 recipientes e 8 bases planas: 8 pratos, 45 taças, 3 taças carenadas, 15 tigelas, 9 esféricos, 12 globulares, 3 globulares achatados, 1 tigela funda, 1 vaso campaniforme, 1 taça de carena baixa, 1 taça de carena média/alta e ainda 1 troncocónico invertido, remetendo estes quatro últimos para uma utilização tardia do monumento.

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penteado e nove com decoração campaniforme. As pastas destes últimos, bastante mais homogéneas e finas na textura, demarcam-se claramente das restantes. No conjunto de fragmentos, será possível reconhecer residualmente vinte e oito peças, dezoito das quais a partir da diferenciação de bordos que, maioritariamente, indiciam formas globulares, apesar de se contar também com a presença de dois bordos planos e de duas possíveis formas carenadas. Remete-se para nota abaixo os apontamentos sobre os fragmentos campaniformes. O conjunto completa-se com dois fragmentos de telhas e de duas peças de jogo, de cronologia mais recente.

No topo da camada 2, relacionando-se com as perturbações subsequentes tidas nas terras compactas do tumulus, compulsou-se um conjunto residual sem informação, descontextualizado, destacando-se um fragmento com decoração penteada e um pequeno fragmento de bordo.

A camada 3a, igualmente resultante dos remeximentos subsequentes, incorpora uma amostra de tamanho razoável, mas constituída por espécimes na generalidade muito fragmentados e evidenciado grande desgaste de superfícies que se apresentam maioritariamente corroídas, bem como as fracturas roladas. Quanto à informação cultural extraível, desde já se saliente a afinidade aparente deste material com o da camada 1. Tal é evidente no que concerne à presença de pastas compactas mas pouco homogéneas devido à presença frequente de desengordurantes de grande calibre (tamanho igual ou superior a 1 mm), bem como à sua articulação com vasilhame de capacidade média, não obstante a presença residual de fragmentos pertencentes a vasilhame de grande porte (nove exemplares apresentam espessuras superiores a 10 mm). Amostra maioritariamente lisa, sendo que dos cinquenta e dois bordos identificados serão vestigialmente reconhecíveis apenas vinte e cinco recipientes (um deles integrará um bordo recolhido na camada 1), a que se juntarão dois exemplares carenados sem bordo. Entre o pequeno conjunto de cerâmica decorada, registe-se novamente a identificação de um fragmento com vestígios de decoração penteada ou com tratamento da superfície a cepilhado, para além de cinco exemplares com decoração campaniforme.

Na camada 3b, resultante da acumulação de sedimentos remexidos aquando da tentativa de espoliação dos esteios 7 e 8, registe-se a presença de uma pequena amostra onde é possível identificar quatro bordos diferentes dos anteriores, sendo de destacar a presença de um fragmento campaniforme muito degradado, bem como um fragmento pertencente a um vaso de grandes dimensões, cuja pasta bastante compacta e a tonalidade bege o assemelham a um dos fragmentos identificados na camada 1.

Relativamente à camada 3c, conectada com os constantes revolvimentos tidos no interior da câmara, é de destacar a boa representação de pastas homogéneas a par das heterogéneas semelhantes às das amostras anteriores. No entanto, mais uma vez é notório o estado desgastado do conjunto, patenteado tanto pelas frequentes fracturas boleadas, como nas superfícies corroídas. Ainda assim, quando conservada a superfície, é de registar que mais uma vez o tratamento privilegiado foi o alisamento, possivelmente com recurso a pente fino resultando num efeito levemente cepilhado. É certo que a ocorrência da técnica “cepilhado” no tratamento das superfícies pode ser uma ilusão criada pelo desgaste da superfície de vasos que seriam decorados a penteado. Por exemplo, levanta esta dúvida um fragmento com 4 mm de espessura, sendo certa, contudo, a presença de decoração penteada pelo menos em dois casos. Entre estes, destaque-se a possibilidade de identificação de um vaso de grande porte com 15 mm de espessura e pasta compacta e homogénea, de forma possivelmente ovóide com colo, marcando-se a transição do bojo para este com uma banda penteada ondulada de desenvolvimento muito sinuoso, evidenciando ainda tratamento levemente cepilhado na superfície maioritariamente alisada (Fig. 10,V). A este recipiente poderá pertencer o fragmento penteado de vaso de grande porte identificado na camada 1. Ainda dentro dos decorados, de realçar a presença de quatro fragmentos, relevantes pela possibilidade de identificação de dois vasos campaniformes. Refira-se a identificação de um recipiente de pequena capacidade reconhecido em três fragmentos que não colam (1 bordo e 2 fragmentos amorfos), de forma possivelmente globular e que se diferencia no conjunto pela sua pasta porosa e textura fina. Contudo, predominam largamente os fragmentos

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cerâmicos lisos, sejam eles bordos ou amorfos, sendo apenas passível de reconhecimento cinco recipientes, distribuídos por tipologia morfológica diversificada: forma ovóide com colo, globular fechada, paredes rectas (?) com fundo plano.

Da camada 3d, mais uma vez relacionada com os remeximentos inerentes à tentativa de remoção do esteio 3, compulsou-se uma amostra muito residual, sendo apenas de destacar a identificação de um vaso de fundo plano, reconhecido apenas ao nível desta base, com espessura de 10 mm, apresentando uma pasta muito grosseira, ainda que medianamente compacta, heterogénea e com desengordurantes de grande calibre.

A camada 4, remetendo para uma pré-ocupação do local, integra uma amostra inferior mas de tamanho razoável, caracterizando-se, quando reconhecível dado o estado maioritariamente corroído, pelo seu tratamento de superfície alisado. Trata-se de uma amostra com espessuras medianas (4 a 7 mm), pastas compactas e equilíbrio entre as texturas homogéneas e heterogéneas, apontando para vasilhame de capacidade mediana. Em termos de recipientes, de referir a identificação de nove bordos diferentes entre si, maioritariamente pertencentes a vasos globulares, embora seja possível identificar um hipotético troncocónico e ainda um vaso carenado, presumivelmente relacionando-se com deposições secundárias do sepulcro. Mencione-se ainda um pequeno fragmento amorfo pertencente a um vaso de suspensão, indiciado por orifício na parede, e também um fragmento cerâmico de textura porosa.

Na transição da camada 4 para a 5 encontram-se contextualizados quatro bordos que, pelas suas dimensões, apenas permitem diferenciar um vaso, bem como um pequeno bordo plano.

5.5.2.1. A cerâmica campaniforme

Também o conjunto de fragmentos campaniformes identificados (32 ex.) se caracteriza pelo seu estado fragmentário e fortemente corroído (Fig. 10). A maioria reporta-se a bojos e panças de diminutas dimensões, cuja decoração, executada com matriz denteada formando impressões rectangulares, se integra no complexo Marítimo, estilo pontilhado de bandas, variante internacional ou linear.

Ainda assim, tendo em conta as afinidades técnicas de execução dos motivos decorativos e semelhanças entre pastas, é possível identificar entre três e cinco recipientes:

— Um ou dois exemplares decorados por bandas preenchidas com linhas pontilhadas oblíquas, mudando sequencialmente de sentido, delimitadas, acima e abaixo, por uma linha horizontal, alternando com bandas, mais estreitas, lisas brunidas (variante internacional) ou preenchidas por uma ou mais linhas horizontais contínuas (variante linear), integráveis no complexo Marítimo, estilo pontilhado de bandas8. Provêm, respectivamente, do enchimento do interior da câmara (c.3a, sendo composto por quatro fragmentos) e das camadas 1, 3a e 3c (catorze pequenos fragmentos).

— Um ou dois exemplares reconhecido(s) a partir de dez fragmentos distribuídos pelas camadas 1 e 3a, integrando bordo e colo de perfil aparentemente acampanulado e cuja organização decorativa configura duas bandas aditivas preenchidas a pontilhado organizado em alinhamentos oblíquos cruzados, delimitadas por uma linha horizontal e separadas por uma banda lisa mais estreita,

8 A propósito do estudo do material cerâmico recolhido em finais do século XIX por parte de Santos Rocha (Rocha, 1899:14-16; Leisner, 1998: fig 99), Senna-Martinez refere que os quatro fragmentos integráveis na variante linear não são provenientes da Arcainha do Seixo mas sim de dois recipientes acampanulados provenientes do Dólmen da Sobreda (Senna-Martinez, 1982: 19-34).

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integráveis no complexo Marítimo, estilo pontilhado de bandas, variante linear9. A possibilidade de identificação de um segundo recipiente decorre da identificação de inclinação diferenciada de um dos bordos identificados;

— Um exemplar reconhecido a partir de quatro pequenos fragmentos descontextualizados provenientes das camadas 1, 3a e 3c, ostentando uma decoração pontilhada organizada em triângulos invertidos internamente preenchidos por incisões verticais, integrando-se no estilo pontilhado geométrico10.

Para além do contributo para a contextualização cronológica e cultural oferecida por estes vestígios, será de destacar o seu contributo documental para a demonstração de contacto entre as formações das camadas 1 e 3a.

6. Conservação e valorização

Concluída a intervenção arqueológica, acautelou-se a preservação das estruturas identificadas no processo de abertura das sondagens, recorrendo-se à colocação de rede sintética coberta com terras crivadas da escavação, compactadas com um cilindro. Com o auxílio de meios mecânicos, procedeu-se à remoção e subsequente recolocação dos elementos pétreos tombados ou deslocados, com particular destaque para os do corredor. Com uma auto-grua, iniciou-se o processo de estabili-zação e conservação do espaço da câmara, sendo necessário erguer-se a pesada laje de cobertura para recolocação dos esteios deslocados, pousando novamente a tampa em posição muito próxima da ori-ginal. Um trabalho de precisão, em que a laje de cobertura nunca chegou a ser totalmente removida, permanecendo sempre em contacto com o esteio de cabeceira. A estabilização interna da estrutura pétrea megalítica foi feita através da colocação de uma sapata pétrea colmatada com saibro. No corredor foi aberta uma vala para colocação de um geodreno, possibilitando a drenagem das águas pluviais. Procedeu-se ainda à recriação dos esteios em falta, com dimensões e orientações idênticas, utilizando-se muretes em alvenaria consolidados com argamassa hidráulica, inertes leves e resinas, conferindo-lhe impermeabilidade. Após a recriação dos esteios em falta, foram moldados com ar-gamassas feitas a partir da mistura de diversos tipos de cal hidráulica, secando lentamente. Por fim, estas réplicas foram revestidas com argamassa e inertes graníticos, conferindo-lhe textura. Após se-cagem e escovagem obteve-se uma recriação muito próxima do original. No interior do monumento recriou-se o primitivo piso deposicional funerário através da colocação de uma camada de areão do rio de diversas tonalidades, criando um contraste com o montículo artificial envolvente. Por último, alteou-se a mamoa, atingindo o topo dos esteios do corredor, conferindo-lhe uma forma próxima da original. Quem hoje visita a Arcainha do Seixo, auxiliado pelo leitor de paisagem aí colocado, consegue facilmente percepcionar e entender os diferentes elementos constituintes do monumento.

9 Estes fragmentos poderão pertencer ao recipiente acampanulado cuja reconstituição é apresentada por Vera Leis-ner (Leisner, 1998: fig. 100).

10 Ainda a propósito do estudo do material cerâmico recolhido em finais do século XIX por parte de Santos Rocha (Rocha, 1899:14-16) e mais tarde por Castro Nunes, Senna-Martinez faz referência a seis fragmentos cerâmicos pertencen-tes a um vaso de carena média decorado segundo o mesmo estilo, podendo os presentes fragmentos pertencer a este mesmo recipiente (Senna-Martinez, 1982: 19-34). Este investigador, ao contrário de Vera Leisner (Leisner, 1998: fig. 100), inclui no mesmo recipiente os fragmentos cuja gramática decorativa incorpora bandas com linhas pontilhadas oblíquas cruzadas. Contudo, tendo em conta a falta de afinidade técnica de execução dos motivos decorativos, e apesar das semelhanças entre pasta, não nos quer parecer que os fragmentos cerâmicos por nós recolhidos façam parte do mesmo recipiente.

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7. Considerações finais

O Dólmen do Seixo da Beira é um monumento de tipo “clássico” cuja estrutura dolménica, orientada a ESE, é composta por uma câmara poligonal alargada, tendencialmente sub-rectangular, de nove esteios (3,30 m x 4,00 m), e corredor longo, talvez com seis esteios de cada lado (5,70 m). O comprimento total é de 9 m, utilizando-se o abundante granito local como matéria-prima por excelência.

Trata-se de um dos maiores monumentos do género ainda preservados em toda a região Centro e Norte de Portugal, coberto por uma grande laje pesando c. de 15 toneladas, atingindo o esteio de cabeceira uma altura máxima de 3,40 m, pese embora o primitivo piso de ocupação se apresentasse a c. de 2,60 m abaixo desta, tendo em conta o posicionamento de alguns dos calços preservados. O corredor, diferenciado em planta e alçado, com os seus monólitos justapostos ao nível da base e, em alguns casos, ligeiramente sobrepostos lateralmente, aumentava de altura à medida que se desenvolvia para o interior (1,62 m / 2,54 m), assim como de largura (1,18 m a meio e 1,80 m junto à câmara).

Tipologicamente, este tipo de monumento, com câmara e corredor de grandes dimensões, constitui uma solução arquitectónica com paralelos na região, podendo-se genericamente referir-se, e para o caso particular da presente plataforma do Mondego definida pelo interflúvio entre os rios Seia e Mondego, o Dólmen da Sobreda, localizado a cerca de 3 km para NE (Rocha, 1899:17-22; Nunes, 1967: 17; Senna-Martinez, 1982: 22; idem, 1989: 39-42), assim como a Anta da Cavada (Arqueohoje, 2009), os Dólmens 1 e 2 do Chaveiral (Senna-Martinez, 1989: 44-46) e a Anta do Fontão (idem, 1989: 46-48), já no concelho vizinho de Seia, assim como o Dólmen de Rio Torto (Gouveia) (idem, 1989: 48-50) ou, já no prolongamento terminal desta superfície de aplanamento, na margem esquerda do rio Seia, o Dólmen de Bobadela (Senna-Martinez, 1982: 20; idem, 1989: 34-36).

O Dólmen do Seixo da Beira encontra-se imerso num montículo artificial de terra e pedras com cerca de 20 m de diâmetro, conservando uma altura máxima de 1,20 m junto aos esteios laterais da câmara.

A intervenção nesta parte do monumento possibilitou a observação de um poderoso contraforte, definido por lajes de médio e grande porte, que não se limitava a contornar a construção dolménica, findando junto aos primeiros esteios do corredor, mas prolongando-se para SE em cerca de 2,00 m, presumivelmente definindo um espaço de acesso, a descoberto, infelizmente destruído. Quando deixou de ser utilizado, este espaço de acesso terá sido obliterado com terra e pedras, cujas evidências se perderam pelas sucessivas violações.

Aqui se terá depositado um reduzido número de indivíduos os quais se fariam acompanhar por um diversificado conjunto de materiais líticos, cerâmicos e até de madeira ou osso, estes últimos facilmente degradáveis pela forte acidez dos solos e de difícil percepção no registo arqueológico. Após um curto período de utilização, terá sido encerrado, sendo que ao longo dos dois milénios seguintes foi sendo alvo de deposições pontuais por parte de outras comunidades que já nada tinham a ver com as que, há muito tempo, haviam construído esta sepultura.

O espólio exumado é disso um exemplo. Se por um lado as contas de colar, as lamelas, as lâminas e os micrólitos poderão facilmente integrar as oferendas da fase primária de utilização, acreditamos que as pontas de seta mais evolucionadas, maioritariamente de base côncava ou bicôncava, algumas das quais com mais de 6 cm de comprimento, pertencerão ao mobiliário dos momentos de reutilização. A par destes artefactos líticos destacam-se as formas cerâmicas tardias — carenadas, os fundos planos e as cerâmicas campaniformes.

Infelizmente, dado os remeximentos profundos, não foi possível recolher, em contexto seguro, qualquer amostra de carvão vegetal ou outro tipo de material passível de ser datado pelo método

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de C14. Ainda assim, e face aos resultados obtidos, acreditamos que o Dólmen do Seixo da Beira terá sido construído no primeiro terço do IV milénio a.C., com reutilizações durante o Calcolítico e, talvez, nos inícios da Idade do Bronze, face ao campaniforme e cerâmica com decoração penteada (Cruz, 1995 e 2001; Gomes, 1996; Carvalho, 2005).

Na periferia do monumento, e quando se procedia à abertura de uma vala para colocação de um dreno já em fase de restauro, identificou-se uma estrutura pétrea, já muito destruída, envolta em terra com manchas muito escuras indiciando a presença de fogo. Esta assentava sobre uma plataforma de argila cozida sobre a qual se recolheram alguns fragmentos cerâmicos manuais, podendo tratar-se de uma estrutura relacionada com um possível habitat, anterior à construção do monumento11. Tal indício foi igualmente observado aquando da escavação da área fronteira (quadrado F2, topo da camada 4), tendo proporcionado a recolha de alguns fragmentos de cerâmica manual lisa, arcaizantes (formas globulares e em calote), sem no entanto se ter identificado qualquer estrutura. Estes testemunhos, a par das estruturas de combustão, dos fragmentos cerâmicos frequentemente contidos nas terras dos tumuli ou dos elementos de mós reutilizados como materiais de construção, comprovam a pré-ocupação destes espaços, tornando-se cada vez mais importante a intervenção arqueológicas das áreas envolventes destes arqueossítios.

11 Esta situação não ficou muito clarificada, pois não era objectivo da presente intervenção sondar as áreas periféricas do monumento.

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Fig. 1 - Localização do Dólmen de Seixo da Beira.

Fig. 2 - Dólmen do Seixo da Beira. Registos em planta e alçado.

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Fig. 3 - Levantamento topográfico do Dólmen de Seixo da Beira. Equidistância das curvas de nível de 10 cm.

Fig. 4 - Projecção ortogonal oblíqua do Dólmen de Seixo da Beira. Vista de SSE.

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Fig. 5 - Dólmen do Seixo da Beira. Plano de intervenção.

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Fig. 6 - Dólmen de Seixo da Beira. Planta e alçados (antes da reposição do E.10 e da laje de cobertura).

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Fig. 7 - Dólmen de Seixo da Beira. Plano de intervenção após a remoção dos sedimentos.

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Fig.

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Fig. 10 - Dólmen de Seixo da Beira. Fragmentos cerâmicos com decoração campaniforme (I a IV) e penteada (V).

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Fig. 11 - Dólmen de Seixo da Beira. Vista geral após a intervenção.

Fig. 12 - Dólmen de Seixo da Beira. Aspecto das estruturas antes da intervenção.

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Fig. 13 - Dólmen de Seixo da Beira. Aspecto do interior da câmara após a remoção dos sedimentos.

Fig. 14 - Dólmen de Seixo da Beira. Aspecto geral da área fronteira.

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Fig. 15 - Dólmen de Seixo da Beira. Aspecto geral após a remoção dos sedimentos.

Fig. 16 - Dólmen de Seixo da Beira. Aspecto geral após os trabalhos de conservação e valorização.

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sAntos RochAe o estudo dA idAde do feRRo em poRtugAl

iSabeL Pereira (*)

1. Introdução

(*) Arqueóloga, Conservadora de Museu.

António dos Santos Rocha (1858-1910) foi pioneiro em Portugal dos estudos relativos à Idade do Ferro. Identificou, recolheu documentos e estudou as estações da Bacia do Mondego.

Santos Rocha era um cidadão com formação jurídica e política consistente. Quando foi presidente, pela 1ª vez, da Câmara da Figueira da Foz (1878 - 1880), contactou com o arqueólogo-geólogo Nery Delgado, dos Serviços Geológicos, no sentido de abastecer de água a cidade. Daí, à paixão arqueológica o tempo foi curto. É certo que o Eng. Adolfo Loureiro, arqueólogo e sócio do Instituto de Coimbra e seu amigo pessoal foi o seu orientador inicial.

Começou pelas escavações das estações da Serra da Boa Viagem, orientou a prospecção de toda a freguesia de Brenha com o apoio da Sociedade Arqueológica da Figueira da Foz. Dirigiu viagens científicas, com programa pré-delineado no sentido de debater e esclarecer problemas arqueológicos e antropológicos, pendentes na época. Escolheu material e fundou e organizou o Museu em 1894. Compreendeu facilmente a necessidade da existência de uma “equipa” nas ciências Arqueológicas e Antropológicas. Fomentou debates e discussões, fazendo nascer a necessidade do não isolamento. Fundou Sociedades científicas (Sociedade Arqueológica da Figueira da Foz), participou activamente

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em Institutos, congressos, associações e grupos. Relançou a crítica e a discussão relativamente à problemática dos Museus e da Arqueologia. Criticou trabalhando e aceitou o debate aberto. Discutiu inflamadamente os problemas, envolvendo-se em polémicas, sendo célebre aquela que manteve com Leite de Vasconcelos e que envolveu os mais conceituados arqueólogos portugueses, conhecida então pela “Polémica Portugália” (PEREIRA, 1986; 1993-1994).

2. Estações da Idade do Ferro na bacia do Mondego

Santos Rocha, nos arredores da Figueira da Foz, exumou arqueossítios (Fig. 1) da Idade do Ferro, nomeadamente Arneiro, freguesia de Brenha; Bizorreiro de Castela, freguesia de Alqueidão; Chões, freguesia de Brenha; Fonte de Brenha, freguesia de Brenha; Pardinheiros, freguesia de Quiaios, Crasto em Tavarede e Santa Olaia na Freguesia de Santana. Bizorreiro de Castela e Lírio são pequenos planaltos que dominavam várzeas húmidas, abrigadas, com bons terrenos de cultura. Em Bizorreiro de Castela não foram encontradas estruturas. É a única estação que conhecemos, desta época, no sul do concelho, na freguesia de Alqueidão, no estuário Mondego-Pranto. Outras existem no concelho de Soure. No Lírio, freguesia de Brenha, foi registada a existência de um forte muro, com um grande pano de provável muralha, ligado às estruturas defensivas do sítio. Areeiro, Fonte de Cabanas e Chões são pequenos povoados de média altitude que percorrem o vale da freguesia de Brenha. Podem ser incluídas na categoria de “Casais” Agrícolas, juntamente com Pardinheiros, na freguesia de Quiaios.

Foi, todavia, em Crasto, freguesia de Tavarede e em Santa Olaia, freguesia de Santana, que os seus estudos mais insistiram e se notabilizaram. A abundância de material e as estruturas arqueológicas encontradas notabilizaram-no.

Os materiais arqueológicos do Casal da Serra de Santa Marina, que nos artigos científicos de Santos Rocha aparecem como neolíticos, no catálogo do Museu (cat. 4719 – 4724), talvez, por lapso, e ao contrário, foram classificados e atribuídos à Idade do Ferro (Rocha, 1905; Pereira, 1994).

Mesquita de Figueiredo não é concludente, nos seus cadernos de campo (arquivo do Museu), nas observações efectuadas sobre este arqueossítio (Figueiredo, 1897; manuscrito).

3. Santa Olaia / Ferrestelo

3.1. Introdução

Santa Olaia / Ferrestelo e Crasto são incontestavelmente sítios importantíssimos na Arqueologia Portuguesa. Chamaremos a atenção para a estratigrafia, muralhas e urbanismo.

O arqueossítio de Santa Olaia / Ferrestelo fica situado no limite leste do concelho da Figueira da Foz, na freguesia de Santana, a cerca de 20 metros de altitude (P.355, 9595,7; M.149/96215; folha 239 da “Carta Militar de Portugal”, 1947).

Pela sua localização estratégica, Santa Olaia foi sendo progressivamente danificada pela passagem das sucessivas estradas de ligação a Coimbra, desde a antiga Estrada Real até à actual A14 (Estrada Real; estrada de 1937; estrada IP3, actual A14).

A área de Santa Olaia, na Idade do Ferro, era estruturalmente diferente da actual. Constituíam-na um planalto superior, acrópole, com grandes habitações amuralhadas a norte, e com habitações distribuídas em socalcos. Aos socalcos habitacionais seguia-se uma extensa zona de fundição que terminava junto da laguna, com uma potente muralha, com base pétrea e, possivelmente, alteada com adobe (Figs. 2 e 3).

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3.2. A estratigrafia

Os primeiros anos de trabalho, depois dos anos 80, realizados pelo Museu Municipal Dr. Santos Rocha, na estação de Santa Olaia, limitaram-se à limpeza da estação, retirando terras deixadas pelas escavações de Santos Rocha e outros, em grande quantidade, provenientes dos da abertura das sucessivas estradas, em especial das profundas obras realizadas em 1937. Terminados esses trabalhos procederam-se a parciais levantamentos topográficos. Os trabalhos arqueológicos propriamente ditos, nesta época, foram reduzidos. Só nos anos 90 se realizaram escavações no planalto, no sentido de esclarecer os restos das estruturas existentes e de solucionar problemas de datação e do limite da estação. Os dois objectivos foram completamente atingidos. Assim, o norte ficou limitado por uma potente muralha e o sul por uma íngreme escarpa, virada à laguna.

A estratigrafia mostra a existência de três níveis culturais distintos e outros de ocupação contínua e intermediário: estabelecimento fenício arcaico, a primeira fixação habitacional fenícia, o desenvolvimento da “cidade” e a II Idade do Ferro. Outras épocas, fora do tema em estudo, documentam ocupação medieval e presença de cerâmica islâmica.

Quando, em 1988, o acesso leste foi desmatado e alargado, utilizando restos da lixeira amontoada a norte, e outros entulhos deixados nos arredores da estação, examinamos o respectivo perfil. Não surgiram materiais mas a sucessão de pavimentos constituídos por argila/cinzas ou argila/pedra reflecte nitidamente a existência de três níveis atestados pelas camadas 3, 5 e 10. As cinzas que cobrem a camada (7) serão possivelmente materiais de depósito provocados por infiltração na bolsa (1A). É, pois, possível distinguir neste corte três níveis ocupacionais distintos (Fig. 4).

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Outros perfis foram analisados no decorrer dos trabalhos; corte A-B; C-D e E-F (Fig. 5). O corte A-B resultou de uma sondagem efectuada no pavimento do quadrado sul de uma

habitação. A camada 1 corresponde a um pavimento endurecido com cinzas e pode ser interpretada como última utilização da habitação. As camadas 2 e 3 são contemporâneas da camada 1 (enchimento). As camadas 4 a 6 são pavimentos de cinza, construídos sobre argila, acastanhada. Correspondem a pavimentos ou níveis anteriores à construção do muro. As camadas 7, 8 e 9, são anteriores ao muro e aos pavimentos 4 e 6. As camadas 7, 8 e 10 são enchimentos do pavimento 6 e são igualmente anteriores à construção do muro. A área assinalada por (9), não foi escavada. A bolsa 3A isolou a estratigrafia do respectivo muro. Apagou as evidências arqueológicas (Fig. 6).

O corte C-D corresponde ao perfil estratigráfico efectuado no forno da II Idade Ferro. Os muros assinalados nas extremidades e a camada 1 correspondem a edificações do forno semi-circular, da II Idade do Ferro. É totalmente forrado de argila S1, no fundo e lateralmente. Foi ligeiramente danificado pela camada 2 de argila castanha com cinzas. Este forno assenta sobre as camadas 3, 4 e 5. O muro 6 é correspondente ao arranque de um torreão de pedra circular, da I Idade do Ferro, contemporâneo da chegada dos fenícios a Santa Olaia. Do mesmo período será a camada 5, com muita pedra. Será, possivelmente, correspondente ao período do estabelecimento fenício. O fragmento de cerâmica grega, do séc. IV a.C., foi encontrado no nível correspondente ao período de construção do forno, II Idade do Ferro (Fig. 7).

Quanto ao perfil E-F, as camadas 1, 2 e 3 correspondiam à II Idade do Ferro. Ao nível destas camadas foi encontrado o forno metalúrgico circular forrado com fragmentos de ânfora datada do séc. V-IV a.C. (Ramon, 1991; PE13).

Quando estas estruturas metalúrgicas foram construídas, a casa anexa, representada pelo muro 10 e o pavimento 11 já tinham sido abandonados. As camadas de argila e cinzas 1 e 2 cobriam o muro 10. A camada 5 de argila, cinzas e pequenas pedras, corresponde ao pavimento da casa, da qual faz parte o muro 11. As camadas 6 e 7 de argila e pedra, correspondem ao enchimento. A camada 8, de cinzas, corresponde à 1ª ocupação do ferro atribuída ao séc. VII a.C. A camada 9 não foi escavada.

Para não nos alargarmos no campo da estratigrafia, enunciaremos os dados relativos às análises do C14 realizadas em conchas e carvões, correspondentes a um outro pavimento de uma casa de ocupação mais antiga, cujo solo de cinzas e conchas adossava ao muro de sustentação de terras.

Os materiais exumados nas camadas deste nível, apontam para uma construção do séc. VIII-VII a.C., misturados com alguns fragmentos de pequenos potes negros, brunidos, atribuídos ao Bronze Final-Ferro Inicial e grandes vasos, feitos à mão, carenados, com paralelo em outras encontradas na

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necrópole de Setefilla, em Sevilha (Aubet Semmler, 1983) e La Joya, Huelva (Garrido Ruiz, 1970).

3.3. Estruturas arquitectónicas: muralhas

Voltado a norte, sobre a ravina e, em arco, na direcção este-oeste, com cerca de 12 metros de comprimento, encontra-se o muro de sustentação das terras da primeira plataforma do planalto (Fig. 9 e 12). Desenvolvia-se em duas secções independentes, com processos de construção diferentes. A primeira secção, de pedra de tamanho mediano, tinha por base outras grandes pedras colocadas em cutelo. No interior grandes blocos suportam o peso da terra. A segunda parte da construção arranca de uma posição ligeiramente dianteira, fazendo ângulo recto, com a outra secção já descrita e é edificado por grandes blocos (Fig. 12). Trata-se, pois, de uma construção de inspiração oriental, semelhante e com a mesma função da encontrada em Huelva, em S. Pedro.

Estas estruturas além de sustentarem as terras, definindo os sucessivos socalcos do povoado, servem também de defesa. O torreão visível na planta comprova esta hipótese (Fig. 9). A pseudo espessura da muralha, a sua adaptação ao terreno, a sua disposição em arco e as técnicas de construção encontram paralelo na muralha da cidade portuária fenícia de La Fonteta, na foz do rio Segura, Alicante (González-Prats et al., 1999).

Limitando o povoado, a norte, virada à laguna, encontrámos uma grande muralha pétrea de 40 metros de comprimento e com cerca de 2 metros de largura. O interior, virado ao povoado, é construído por pedra de dimensão mediana, trabalhada e nivelada por pequenas lascas de pedra (Fig. 10 e 13). A cor argilosa da pedra, correspondendo a uma espessa camada avermelhada, faz supor que a parte superior seria edificada com adobes. A parte exterior era edificada com grandes blocos de pedra, colocados sobre a areia geológica da laguna (Fig. 10). O centro da edificação era construído por pedras de pequenas dimensões. Junto a ela encontramos fornos de fundição. A leste foi detectada, em muito bom estado, a porta de entrada do povoado (Fig. 10).

Pelas cerâmicas encontradas, datamos esta construção do séc. VII a.C., de edificação posterior ao grande muro de suporte de terras, do socalco superior.

a) Estruturas habitacionais, muros, pavimentos e lareiras

As estruturas habitacionais (Fig. 9) são espaçosas, de planta quadrangular ou rectangular, normalmente com três divisões à frente, funcionando as laterais como cozinhas, dada a existência de pedras e de vestígios de restos de fogueira. As paredes eram feitas de pedra solta, na base, alteadas com adobe. As coberturas eram de adobe, colocadas sobre elementos vegetais. Os pavimentos eram de argila batida, consolidados com areia, cal, cascas de marisco ou fragmentos de cerâmica. Eram consertadas sempre que necessário dando uma sucessão de pavimentos, impossíveis de atribuir uma cronologia precisa. Os três compartimentos do fundo, no geral, continham fragmentos de vasos contentores e serviriam para armazenagem.

Estas estruturas mantiveram-se do séc. VIII a.C. até ao VII a.C., sofrendo alterações internas, mantendo-se, todavia, no exterior, quase que inalterável com a mesma área e estrutura arquitectónica (Fig. 9).

No total somam três grandes edificações quase que fortificadas.Sobre estas estruturas foram edificados no séc. V a.C. grandes fornos de fundição, datados pela

cerâmica ática encontrada (Pereira, 2006) e pela ânfora datada do V-IV século (Ramon, 1991; PE 13).Pelo que já conhecemos de Santa Olaia, é-nos permitido afirmar tratar-se de povoamento,

sito numa colina onde no topo foram implantados três grandes edifícios amuralhados de planta

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quadrangular-rectangular, edificado na transição do séc. VIII-VII a.C. A planta comparável a outras bem conhecidas sofreu sucessivas modificações durante a sua utilização até ao séc. V a.C. Nesta altura foram totalmente abandonadas, edificando-se sobre elas fornos de fundição. Contam-se igualmente estruturas da Idade Média, correspondendo ao castelo de Santa Olaia mencionado nos textos medievais até D. Manuel (Fig. 9).

b) Actividade metalúrgica (área sul)

A metalurgia, na 2ª época do Ferro ocupou uma longa extensão a sul, atingindo o topo do planalto limitado pelo muro de sustentação. Toda a zona ribeirinha até à muralha norte foi do mesmo modo ocupada pelos trabalhos de transformação do metal (Fig. 10).

A muralha, de grande porte, delimitava, a norte, a área. As terras eram sustentadas por estruturas pétreas no sentido de não permitir o arrastamento, pelo peso, daquelas sobre a muralha. Esta era ligeiramente ondulante edificada com grandes blocos virados à laguna e fileiras de pedras médias trabalhadas e cortadas em diamante, assentes sobre pequenas lajes de pedra (Fig. 10 e 13). Nas camadas mais profundas desta zona foram encontrados materiais datados do séc. VII-VI a.C. Esta muralha é, pois, ligeiramente posterior às construções primitivas do topo do planalto. A zona metalúrgica foi ininterruptamente utilizada até à II Idade do Ferro. Aparecem, ainda, nas camadas superficiais, fragmentos de cerâmica campaniense.

Os fornos são de formas variadas, cobertos, no interior, de argila destinada à fundição do minério triturado. Ao lado existem grandes áreas calcetadas construídas para esse efeito (Fig. 14). Os fornos eram de forma circular, pavimentados a cerâmica e pedra (Fig. 15) com outra igualmente circular, justapostos; outros de forma ovoide e um corredor que funcionava de fornalha. A presença de lareiras e restos de fogueiras era frequente. A oeste, encontramos uma grande zona enrocada, coberta de argila calcinada e dispersa. Consideramos que esta forma de construção, enrocamento, era destinada a modificar a cota do pavimento de modo a não permitir a intervenção da humidade da laguna no pavimento dos fornos aí construídos (Fig. 10).

Finalmente, apareceram ainda no recinto, vestígios de três fornos de transformação do calcário em cal viva (Fig. 11). Eram fornos com fornalha e câmara enterradas, com cúpula em campânula. Na câmara de cozedura foram encontradas concentrações de cal (Fig. 11).

Por todo o terreno, em zonas diversas, estavam presentes fragmentos de conchas que trituradas eram utilizadas como fundentes. A cal tinha a mesma utilização.

Tubeiras de oxigenação, e pequenos fragmentos de minérios encontravam-se dispersos no terreno. As escórias que possuímos são poucas e libertavam-nas para a laguna (Pereira, 2009).

Pensamos que Santa Olaia não foi um centro de fabrico de objectos metálicos. Transportavam o minério pelo rio, transformavam-no em metal e exportavam-no via Gades de onde seguia para as rotas do Médio-Oriente, em direcção a Tiro.

Em conclusão, poderemos afirmar que Santa Olaia teve uma ocupação contínua do séc. VIII a.C. ao séc. III d.C.

A ocupação do séc. VIII-VI a.C. foi a mais intensa, com relações comerciais muito fortes. Prova-o a abundância de cerâmica, nomeadamente pratos, com bordo estreito, copa pouco profunda, com engobe vermelho, de fíbulas e de uma bacia de luxo tipo “mãozinha”.

O metal foi exportado desde a fundação do povoado, no séc. VIII a.C., embora as estruturas metalúrgicas mais marcantes se reportem à II Idade do Ferro, onde é frequente a presença de cerâmicas áticas, de pratos de engobe vermelho, pouco denso, com bordas largas e copas fundas e de cerâmica estampilhada.

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No planalto superior, as três estruturas habitacionais de pátio e amuralhados foram edificados nos finais do séc. VIII-VII a.C. e modificados essencialmente no séc. VI a.C.

Da II Idade do Ferro, no planalto existem dois fornos de fundição do séc. V-IV a.C. que foram edificados depois da destruição e desocupação total das casas.

Como notou Santos Rocha, existem ainda estruturas tardias, árabes ou medievais, associadas à respectiva cerâmica.

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Fig. 1 - Carta Arqueológica da Idade do Ferro / Concelho da Figueira da Foz.

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Fig. 2 - Localização de Santa Olaia.

Fig. 3 - Localização de Santa Olaia.

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Fig. 4 - Corte da ravina leste.

Fig. 5 - Localização dos cortes A-B, C-D e E-F.

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Fig. 6 - Corte A-B.

Fig. 7 - Corte C-D.

Fig. 8 - Corte E-F.

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Fig. 12 - Muro de sustentação em arco — plataforma superior — forno metalúrgico da IIª Idade do Ferro.

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Fig. 13 - Muralha interior.

Fig. 14 - Fornos metalúrgicos e área de trituração do minério.

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Fig. 15 - Forno metalúrgico.

Fig. 16 - Forno metalúrgico.

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de sAntA olAiA A bensAfRim:itineRáRios e peRcuRsos de sAntos RochA no AlgARve

ana Margarida arruda (*)

CarLoS Pereira (*)

1. Introdução

A presença de António dos Santos Rocha no Algarve não é alheia à existência para a região de um levantamento arqueológico prévio. Com efeito, o trabalho que Estácio da Veiga desenvolveu no século XIX, e de que resultou a publicação da respectiva Carta Archeologica, foi, certamente, determinante na escolha do sul de Portugal como área a explorar pelo fundador do Museu da Figueira da Foz.

As viagens do advogado figueirense ao Algarve, cujos itinerários aqui apresentamos de forma mais ou menos detalhada, foram prévia e cuidadosamente preparadas em função dos seus próprios objectivos, mas tendo por base o trabalho do pioneiro algarvio.

Nos objectivos que nortearam as deslocações, que conhecemos através dos resultados publicados das suas “explorações” (Rocha, 1971, 1975, 1895a, 1895b, 1895 c, 1895d, 1896, 1904b, 1904c, 1904d, 1904e, 1904f, 1906a, 1906c, 1907a, 1907b, 1908a, 1908b, 1908c), das notas que constam dos cadernos pessoais e do que podemos ainda deduzir do estudo minucioso da sua actividade por terras meridionais, sobressai a necessidade de “…engrandecer as suas [entenda-se do museu da Figueira] collecções…” (Rocha, 1895a, p. 113), intenção que estava à partida facilitada pelo conhecimento de sítios concretos, já cartografados e classificados de acordo com cronologias mais ou menos precisas. Estava assim dispensada a necessária prospecção, podendo o trabalho ser direccionado para sítios específicos, de localização e cronologia já conhecidas.

(*) UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected]

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Assim, a ausência de dados sobre as primeiras Idades dos metais na região da Figueira, e por conseguinte a sua escassa representação no Museu (Rocha, 1904c, p. 35), podia ser colmatada com elementos recolhidos, por exemplo, na então já famosa necrópole de Alcalar, bem como em outras, da mesma época, que Estácio da Veiga também referira, elementos esses que contribuíram, decisivamente também, para o seu trabalho “Material para o estudo da Idade do Cobre em Portugal” (1904e).

Por outro lado, a necrópole de Bensafrim exercia uma particular atracção para Santos Rocha, uma vez que era, do ponto de vista cultural e cronológico, afim de Santa Olaia, e permitia-lhe prosseguir a investigação sobre uma temática a que já tinha dedicado alguns estudos. Por isso mesmo se compreende que, num primeiro momento, o seu pensamento se tenha, justamente, fixado naquela necrópole do Concelho de Lagos, e que a ela tenha dedicado a maior parte do tempo em que esteve no Algarve (Rocha, 1885b, p. 208).

As excursões efectuadas decorreram entre os anos de 1894 e 1906. Nas duas primeiras (1894 e 1985), para as quais obteve financiamento da Sociedade, fez-se acompanhar por Francisco Ferreira Loureiro e pelo colector Francisco Dias Cardoso (Pereira, 1994, p. 166). Nas duas últimas, ocorridas já no século XX, Santos Rocha foi auxiliado por Joaquim Jardim, seu cunhado.

O primeiro e segundo percurso deste investigador no Algarve podem ser seguidos através dos artigos publicados na “Gazeta da Figueira” por José dos Santos Pereira Jardim, sendo mais detalhados os que se referem ao primeiro (Jardim, 1894a, 1894b, 1895a, 1895b, 1895c, 1895d, 1895e). Os trabalhos dados à estampa no “Archeologo Português”, no ano de 1895, sobre a primeira excursão, e, em 1896, sobre a segunda, bem como os relatórios da gerência da “Sociedade Archeologica Santos Rocha” contribuem também, decisivamente, para esclarecer certos aspectos dos respectivos itinerários.

Para a “excursão” realizada no ano de 1900 pudemos consultar um caderno pessoal onde Santos Rocha relata as “explorações” por si levadas a efeito. Sobre a última das viagens, do ano de 1906, a informação é mais escassa, sendo difícil traçar o itinerário. Santos Rocha apenas fez referência aos sítios “explorados” no relatório da gerência da sociedade.

Só uma abordagem global de todos estes dados permite esboçar os percursos de Santos Rocha no Algarve. De facto, a informação disponível é muitas vezes contraditória e apenas quando cruzamos todos os elementos existentes podemos seguir, com relativo detalhe, os passos deste figueirense por terras do sul.

Se é verdade que os trabalhos efectuados na área meridional do território português pelo investigador figueirense são já bem conhecidos, pretendemos que este trabalho contribua para lhes dar alguma ordem e sobretudo esclarecer o contexto pessoal e científico em que decorreram.

2. As “explorações” 2.1. Percurso de 1894/1895

A primeira visita de Santos Rocha ao Algarve teve lugar entre Dezembro de 1894 e Março de 1895. Seguiu, grosso modo, um percurso este/oeste, tendo-se iniciado em Tavira e terminado em Bensafrim. É perceptível a existência prévia de um roteiro bem definido, que não foi, contudo, cumprido de forma estrita (Fig. 1).

Em Tavira, onde começou a viagem, tinha como objectivo confirmar a presença de silos a sul da cidade, informação que obteve na “carta archeologica do Algarve”, tendo contactado com o Dr. Trindade, mas nada encontrou, conforme informou em artigo publicado na “Gazeta da Figueira”, no qual referiu que “Ao sul de Tavira não se conhece presentemente nenhum dos silos ou tulhos marcados na mesma carta.” (Jardim, 1894a).

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Partiu de seguida para a área de Moncarapacho, onde investigou as Grutas do Abysmo e Ladroeiras, registadas na Carta Arqueológica do Algarve, concluindo que “…não apresentam caracteres alguns que possam fazer suspeitar que tivessem servido de habitação ou abrigo ao homem em qualquer época.” (Ibidem).

Em Santa Bárbara, concelho de Faro, apenas parece ter efectuado prospecções com o objectivo de relocalizar o sítio de Matos da Nora referido por Estácio da Veiga, mas não teve qualquer sucesso na sua busca. O topónimo Nora foi, contudo, verificado, mas a ele não estava associada qualquer estação arqueológica. Nas suas proximidades, Santos Rocha encontrou a Gruta do Algrão, junto à qual procedeu a trabalhos arqueológicos no sentido de procurar vestígios de uma necrópole, uma vez que teve notícia que, nesse local, tinham sido encontradas e destruídas algumas sepulturas. Refira-se que o sítio se encontrava inédito, não constando no levantamento de Estácio da Veiga. Porém, da hipotética necrópole também nada encontrou.

Até 26 de Dezembro de 1894, Santos Rocha escavou na Quinta de Marim, em Olhão, algumas sepulturas e restos de construções em área contígua à investigada por Estácio da Veiga (Rocha, 1895, p. 9), a quem, aliás, critica pela forma como efectuou a intervenção de terreno, bem como pelo facto de nada ter publicado sobre as suas descobertas (Ibidem, p. 8).

Ainda na publicação de 26 de Dezembro de 1894, no periódico “A Gazeta da Figueira”, é referida uma deslocação a Albufeira com o objectivo de averiguar as Grutas das Gralheiras. Não sendo possível datar com precisão esta visita, ela deve ter correspondido uma “inspecção” rápida, o que entra, de alguma forma, em conflito com o itinerário mais ou menos linear desta excursão que, como já dissemos, se desenvolveu de este para oeste.

Após a primeira intervenção efectuada em Marim, e ainda no mês de Dezembro, Santos Rocha deslocou-se ao território de Faro, onde visita a Quinta do Sr. Pinto, com o objectivo de avaliar um pavimento e materiais que tinham aparecido “…em escavação para uma nora…” (Rocha, 1895, p. 200; Santos, 1927, Pereira, no prelo a).

Ainda em Faro, onde não efectua qualquer trabalho de escavação, são-lhe mostradas algumas peças de ouro que, dias antes, haviam sido descobertas (Rocha, 1908). As peças acabariam por ser vendidas a peso, pelo proprietário, a um ourives da cidade. O facto de, á época das excursões, a capital do Algarve não se identificar ainda com a Ossonoba das fontes clássicas pode justificar o pouco interesse que Santos Rocha lhe dedicou (Viana, 1952, Viegas, 2008, p. 97 e 98, Pereira, no prelo a).

A 29 de Dezembro do mesmo ano, Santos Rocha estava a intervir em São João da Venda, mais precisamente em propriedade do Sr. Baptista Relva, onde permaneceu, pelo menos, até 16 de Janeiro de 1895, ainda que neste mesmo intervalo de tempo tenha voltado novamente a Marim onde escavou “…mais três sepulturas da necrópole…” (Jardim, 1895a). A visita ao sítio de Cancela, onde assinala a presença de ruínas de “obras” romanas, algumas correspondentes a sepulturas, é ainda efectuada enquanto decorrem os trabalhos de São João da Venda. Contudo, não há qualquer indício de que tenha aí procedido a quaisquer escavações.

Durante toda a estadia deste investigador no concelho de Faro, são frequentes as suas visitas ao sítio romano de Milreu “…com o intuito de fazer alguns estudos sobre certos materiais de construção, …” (Rocha, 1895b).

A 26 de Janeiro do ano de 1895, temos notícias que tiveram início os trabalhos na necrópole da Fonte Velha de Bensafrim (Jardim, 1895b). No entanto, até 13 de Fevereiro Santos Rocha terá explorado a necrópole da Campina, a Norte de Faro.

Mais uma vez, o percurso não é linear, verificando-se movimentações em direcção oposta à que estaria previamente definida. Esta situação pode ter correspondido a duas possibilidades: ou Santos Rocha deixou temporariamente Bensafrim para escavar na Campina, ou então trabalhou nos dois sítios em simultâneo. Neste último caso é obrigatório pensar no papel que os seus dois acompanhantes,

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Francisco Ferreira Loureiro e Francisco Dias Cardoso, podem ter representado, admitindo-se que, em certos momentos, terão tido um qualquer protagonismo na direcção dos trabalhos de campo.

Certo é que os trabalhos em Bensafrim foram os que mais se prolongaram no tempo, tendo durado cerca de dois meses e meio, o que significa que Santos Rocha investiu bastante tempo desta excursão para intervir nesse local. Simultaneamente a estes trabalhos, teve conhecimento, através de José Joaquim Nunes, da existência de uma necrópole nas imediações de Lagos. Não parece ter-se deslocado ao local, pelo que desconhecemos a que sítio se refere Santos Rocha, a Marateca ou a Monte Molião.

Também o prior da Luz deu então conhecimento a Santos Rocha da descoberta de uma outra necrópole a dois ou três km da povoação. Infelizmente, as sepulturas encontravam-se já destruídas. De qualquer modo, Santos Rocha estava então totalmente empenhado em Bensafrim, não mostrando um qualquer particular interesse em outros sítios. Tudo indica, portanto, e como já referimos antes, que a expedição que tinha encetado ao Algarve levava já claros objectivos e destinos programados.

Parece assim importante determo-nos, um pouco mais aprofundadamente, sobre a importante necrópole orientalizante do concelho de Lagos.

Em Bensafrim, Santos Rocha encontra-se com o prior António José Nunes da Glória, o grande informador de Estácio de Veiga, que o auxiliou na própria localização dos vestígios, tendo os trabalhos sido iniciados de acordo com essas informações, próximo da povoação e junto a uma nora, local onde, segundo Nunes da Glória, teriam aparecido sepulturas. Mas, por aí nada se ter encontrado, passaram para um terreno onde o proprietário referiu haver ruínas. Aí pôs a descoberto uma série de estruturas, que, afirmou, não parecerem ser romanas, mas antes árabes.

Na área contígua àquela onde Estácio da Veiga escavou a necrópole de Fonte Velha, Santos Rocha identificou, por fim, enterramentos, romanos (Fig. 2) e, sob estes, da Idade do Ferro afirmando que [“…para chegarmos a essa necrópole, tivemos que atravessar uma necrópole romana por incineração, que estava situada superiormente…”] (Rocha, 1895c, p. 291).

A propósito da necrópole romana, a grande questão de Santos Rocha prendia-se com o tipo de incineração aí praticado. Para ele, não era claro se a incineração era feita em ustrinum ou em bustum. Por um lado, colocava a hipótese de a estrutura rectangular que Estácio da Veiga tinha escavado (Fig. 3) ter sido o local público de incineração (ustrinum), por outro, afirmava que a significativa quantidade de cinzas junto à grande maioria das urnas cinerárias parecia contrariar a existência de uma área especificamente destinada à incineração (Rocha, 1895c, p. 291 a 293). Inclinou-se, pois, para a segunda possibilidade, defendendo que as incinerações seriam feitas “in situ”. As duas urnas que não se encontravam cercadas por cinzas comprovavam, contudo, a existência de incinerações em lugar próprio (Rocha, 1895c, p. 294).

São notáveis o estudo e a interpretação efectuados por este pioneiro da arqueologia portuguesa. Não só compreendeu que muitas das sepulturas romanas tinham afectado, irreversivelmente, os contextos das sepulturas da Idade do Ferro, como também concluiu que a necrópole romana apresentava duas práticas rituais distintas, concretamente incineração “in situ” e em ustrinum, com posterior colocação da urna na sepultura.

2.2. Percurso de 1895

A excursão de Setembro de 1895 teve início no concelho de Lagos, onde, mais uma vez, Santos Rocha investiu a maior parte do seu tempo. Voltou a Bensafrim, cuja necrópole parece ter constituído o motivo principal do regresso ao Algarve. Aí, “…a exploração proseguiu pelos quadrantes O os trabalhos já feitos em Março ultimo.” (19 de Out. de 1895, p. 1) Foi, precisamente, desta excursão que resultou o artigo do “Archeologo Português” de Março de 1896.

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Santos Rocha deslocou-se ainda a Sobões da Mina, próximo de Bensafrim, onde constatou a existência de um lagar romano em propriedade de José Nobre, do qual faz uma pormenorizada descrição. Deu ainda notícia de outros locais do concelho, aos quais se deslocou apenas com o intuito de os observar. São eles: Vale da Vinha, Monte Amarelo, caverna da Sabrosa e Portela (Fig. 4). Presumimos que estes sítios foram sendo visitados pelo investigador enquanto decorriam os trabalhos na necrópole de Bensafrim.

Por razões muito concretas, outra necrópole do concelho de Lagos mereceu a atenção de Santos Rocha. Trata-se da Marateca a propósito da qual comenta “…se nos aproximarmos de Lagos, passando a ponte, em direcção à Ermida de São Pedro, a 300m pouco ou mais ou menos para E. d`este edifício, em prédio da Srª D. Theodora Amalia da Silva Machado, encontramos obra de maior vulto.” (Rocha, 1896, p. 68).

A curiosidade do arqueólogo pelo sítio cresceu quando José Joaquim Nunes lhe mostrou um “…vaso de barro fabricado à mão, que se encontrava associado às peças metallicas…” recolhido em contexto romano (Ibidem). Com efeito, o investigador figueirense estava decidido a comprovar que a “…cerâmica de feição primitiva…” coexistia em plena época romana. No entanto, e como hoje bem sabemos, a necrópole da Marateca foi utilizada durante a Antiguidade Tardia, conforme os materiais arqueológicos depositados no Museu da Figueira e, sobretudo, do MNA (Fig. 5), bem evidenciam, época em que a cerâmica manual era de utilização comum quer em sítios de habitat quer em necrópoles (Pereira, no prelo b).

Nesta segunda excursão, Santos Rocha não abandonou o concelho de Lagos sem antes fazer uma visita ao sítio romano da Boca do Rio, pois os seus trabalhadores eram de Búdens e, com frequência, lhe falavam do sítio (Rocha, 1896, p. 77). Não parece ter feito aí qualquer trabalho de escavação, mas fez uma detalhada descrição das estruturas postas a descoberto pela acção do mar. Referiu ainda que teve conhecimento de que apareceram sepulturas no cabeço a oeste do local das estruturas e que identificamos com o Serro das Alfarrobeiras.

Contrariando o rumo que teve a primeira excursão (E/W), o percurso decorreu então de oeste para este. Por este motivo, o advogado da Figueira da Foz terminou “explorando” novamente os sítios de São João da Venda e da Campina, ambos no concelho de Faro.

2.3. Percurso de 1900

Ainda que o primeiro e principal destino desta excursão fosse o Serro do Algarve, em Monchique, esta acabou por se desenvolver maioritariamente, e uma vez mais, no concelho de Lagos. O primeiro sítio onde Santos Rocha escavou quando aí chegou foi, precisamente, o Monte Molião (Fig. 6), local onde procedeu a trabalhos em um par de sepulturas (Rocha, 1906c).

Como foi referido, o seu primeiro ponto de interesse era a caverna do Serro do Algarve. Porém, “…o proprietario, aliás bastante rico, era um velho sonhador de riquezas escondidas no seio da terra, e obrigou-nos, com a recusa do seu consentimento, a irmos divagar, durante alguns dias, pelos montes do concelho de Lagos, enquanto altas influências de Monchique procuravam encaminha-lo para uma solução que nos fosse favorável.” (Rocha, 1904c, p. 35). Santos Rocha viu-se assim obrigado a alterar o seu itinerário.

Em Lagos, Santos Rocha e o seu cunhado Joaquim Nunes estiveram com o reverendo António José Nunes da Glória, pároco de Bensafrim, seu já conhecido. Juntos procuraram umas sepulturas que este havia explorado em Corte do Bispo, tarefa que não foi bem-sucedida, tendo, ainda assim, encontrado umas ruínas romanas, que foram descritas (Rocha, 1904c, p. 35 e 36).

Encontraram também o parceiro de explorações de outro tempo, Joaquim Nunes, capelão do regimento de infantaria 15, com o qual vão então ao Monte Molião.

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A 11 de Dezembro, dirigem-se para a Mexilhoeira Grande onde são recebidos pelo pároco Manuel Dâmaso da Rocha, que os alojou (Rocha, 1904c, p. 36). É então que decidem, talvez pela escassez de tempo, dividir os trabalhos. Joaquim Jardim iria incidir esforços em Alcalar e Santos Rocha prospectaria a restante área e interviria em alguns sítios. É, precisamente, a escavação efectuada em Alcalar que parece provocar uma querela entre Santos Rocha e Leite Vasconcelos (Pereira, 1993-1994).

Mas deixemos Joaquim Jardim, que ficou ocupado de Alcalar, e retomemos o percurso de Santos Rocha. Dirigiu-se ao sítio da Donalda, onde encontrou as sepulturas escavadas na rocha referidas por Estácio da Veiga, mas nada mais. Por informação oral, tomou conhecimento que um lavrador «deu com umas lajes», em local próximo. Corresponde à necrópole da Baralha, a qual deixa o figueirense ocupado nos dois dias seguintes (Rocha, 1904c, p. 36).

Sabemos que no dia 14 do mesmo mês Santos Rocha se deslocou a Eira Velha, em Senhora do Verde, onde detectou construções e sepulturas romanas. Talvez ainda nesse mesmo dia, chegou a si a informação de que teria aparecido uma sepultura no sítio do Serro de Bartolomeu Dias, para onde se dirigiu com o objectivo de investigar a dita sepultura, tendo, após análise, procedido à execução de sondagens nas cercanias do achado (Ibidem).

No sítio da Norinha, Mexilhoeira Grande, Santos Rocha detectou e descreveu um lagar, descrição ainda conservada em um dos seus cadernos de apontamentos (Fig. 8). Esta excursão não terminaria sem que tenha explorado o Serro do Algarve, que era o seu destino inicial. Com efeito, de alguma forma o proprietário terá sido persuadido a permitir os trabalhos, cujos resultados não foram afinal proporcionais ao esforço efectuado.

2.4. Percurso de 1906

Esta é a excursão sobre a qual a informação é mais escassa. Apenas no relatório da gerência da sociedade pudemos encontrar a referência mais directa sobre a sua ida ao Algarve, no ano de 1906, durante a qual se “exploraram” e detectaram quatro novas necrópoles. São elas “…Varzea do Farello (próxima do Serro de Bartolomeu Dias), outra na base do Serro do Poio, outra no Vidigal, todas da idade do cobre e outra no Serro do Algarve…” (Rocha, 1906a, p. 194).

Santos Rocha diz ainda que “Em um serro do Monte Velho, freguesia de Alvor, descobriu-se e explorou-se uma necrópole dolménica de transição para o cobre. O material recolhido foi muito importante, e já se acha arquivado no museu.” (Rocha, 1906a, p. 195).

Sobre esta excursão, Santos Rocha não foi tão detalhado no percurso efectuado (Fig. 7) e as datas são, na maior parte dos casos, senão sempre, desconhecidas. Esta situação poderá indiciar que o investigador figueirense esteve ausente na maior parte das explorações efectuadas nos sítios, delegando essa tarefa no seu cunhado Joaquim Jardim.

Na publicação efectuada sobre a “necropole wisigotica do Serro do Algarve” (Rocha, 1908c), Santos Rocha deixou bem claro que quem laborou nesse local, próximo da caverna com o mesmo topónimo que tinham já investigado, foi efectivamente o seu cunhado, o que poderá extrapolar-se para a realidade da “excursão” anterior, ou seja, houve intervenções em simultâneo e por isso mesmo responsabilidades divididas.

3. Reflexões

Como já referimos, foi o conhecimento então existente sobre a arqueologia algarvia, de que Estácio da Veiga foi responsável, que impulsionou a deslocação de Santos Rocha para o extremo sul

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português. A constatação da rica e densa existência de vestígios arqueológicos com diversificadas cronologias de ocupação levaram este figueirense a efectuar as “excursões” citadas, com objectivos concretos a cumprir, concretamente enriquecer as colecções do seu museu e obter dados para o estudo da “Idade dos metais”. Não obstante, há indícios que transparecem outros objectivos que foram sendo adoptados com o evoluir das referidas “excursões”.

De facto, e apenas para “…não deixarmos perder para a sciencia alguns vestígios interessantes das epochas romana e árabe que por ali encontrámos…” Santos Rocha se “desviou do objecto das suas investigações”, que era objectivamente a Pré-história (Rocha, 1895a). Por outro lado, e porque tinha a “…cargo a direcção do Museu Muncipal da Figueira, que muito carecia de engrandecer as suas collecções com artefactos d’aquella epochas, em que a região da Figueira é notavelmente pobre…” as intervenções em sítios romanos estavam também justificadas.

Certo é que a primeira viagem teve um carácter essencialmente exploratório (Fig. 9). Santos Rocha pretendia efectuar um reconhecimento alargado da região algarvia e das suas ocupações antigas, reconhecimento que ultrapassou a simples prospecção e re-localização de sítios, tendo passado também por “explorações” em alguns locais. Só com a informação compilada desta forma estaria em condições de optar por determinadas áreas concretas de intervenção que permitissem cumprir os propósitos que tinha definido previamente. Por isso mesmo, as restantes jornadas foram já claramente direccionadas para sítios específicos (Fig. 10), estando, sobretudo as duas últimas, consideravelmente circunscritas quer do ponto de vista geográfico, quer no que se refere à cronologia e ao tipo de sítio a intervencionar.

Esta situação fica bem evidenciada pelo mapear das deslocações de Santos Rocha nas diferentes viagens e pela dispersão geográfica dos sítios investigados nos quatro itinerários que traçámos. A primeira visita é bastante abrangente, sendo as restantes mais focadas no que se refere à área.

Assim, pode concluir-se que o programa algarvio do pioneiro figueirense foi, em grande parte também, moldado pelos resultados do reconhecimento efectuado durante a primeira excursão, ainda que tendo sempre presente os objectivos iniciais.

Mas a dedicação à necrópole de Fonte Velha de Bensafrim, que se destaca no conjunto das acções levadas a efeito nas duas primeiras excursões, até pelo tempo que nela é dispendido, é por demais evidente e deve ser relacionada com a sua ocupação proto-histórica de características eminentemente mediterrâneas, próxima, na matriz cultural da que o investigador figueirense encontrara em Santa Olaia, sítio para o qual pretendia encontrar paralelos.

A justificação para este objectivo principal da primeira excursão esteve, precisamente, na elaboração de uma segunda, iniciada apenas cinco meses após o término da anterior. Acreditamos que esta nova viagem não havia sido programada antecipadamente, como acontecera com a primeira. Decerto que foram as descobertas efectuadas na necrópole de Bensafrim, e a consequente maior dedicação a este sítio, que levaram o investigador a realizar uma nova deslocação, pouco tempo depois.

Em determinado momento, Santos Rocha afirmou mesmo que a deficiente existência de vestígios de certas ocupações no concelho figueirense era um dos motivos para as digressões levadas a efeito por terras algarvias. Esta passagem deixa claro que, de facto, se pretendia encontrar paralelos para os sítios figueirenses investigados, como é o caso de Santa Olaia e da necrópole do Ferrestelo.

Bensafrim correspondia, assim, à Meca algarvia. Por um lado apresentava as duas ocupações sobrepostas, por outro, e por se tratar de necrópoles, fornecia materiais em muito bom estado de conservação.

As duas primeiras viagens apresentam um itinerário composto, maioritariamente, por sítios com ocupação da Idade do Ferro e da época romana (Fig. 9 e 10).

A terceira e a quarta excursão são sobretudo dedicadas à Pré-história antiga (Fig. 11 e 12), com uma única excepção, necrópole de Monte Molião, que foi intervencionada na primeira destas.

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Lembre-se, contudo, que estes trabalhos resultaram, principalmente, do facto de a equipa do Museu da Figueira se encontrar a aguardar autorização para concretizar trabalhos arqueológicos no Serro do Algarve, em Monchique e, assim, tratava-se de aproveitar o tempo disponível, rentabilizando a deslocação.

Em 1900, e após a intervenção em Monte Molião, os exploradores viraram então a atenção para Alcalar, Donalda, Baralha, Serro de Bartolomeu Dias e Serro do Algarve (Fig. 12 e 13). Visitaram ainda Eira Velha e a Norinha.

Em 1906, é ainda, e, neste caso, em exclusividade, a Pré-história a que se dedicou, com a escavação das necrópoles da Várzea do Farello, do Serro do Poio, do Vidigal, do Serro do Algarve e do Monte Velho.

No seu derradeiro trabalho, os resultados das explorações levadas a efeito nos sítios pré-históricos do Algarve foram apresentados. Em “Materiais para o estudo da Idade do Cobre em Portugal” (1911) ficou clara a sua pretensão de efectuar um estudo de fundo sobre a cerâmica da “…primeira idade dos metais…”. Afirmou ainda que o Algarve era “…a região mais rica em estações típicas desses tempos, …” (Rocha, 1975, p. 97).

A Pré-história, e mais concretamente a Idade do Cobre, constituíram efectivamente um dos grandes objectivos das viagens de Santos Rocha ao Algarve, objectivo que foi conseguido, sobretudo, nas excursões de 1900 e de 1906. Esse interesse pela primeira Idade dos Metais tinha origem na escassez de dados sobre o período na região da Figueira, e também se pode justificar pela atenção dada ao tema durante o IX Congresso Internacional de Antropologia e de Arqueologia Pré-Histórica de 1880, onde Santos Rocha não participou, mas de que teve ecos (Gonçalves, 1980).

E o interesse pelo mundo indígena é de tal forma grande que os trabalhos na necrópole da Marateca só aconteceram pelo facto de se tratar de um sítio onde “…a cerâmica de feição primitiva…” existia em contextos romanos (Pereira, no prelo b).

Se as duas primeiras viagens foram subsidiadas pela Sociedade, as duas últimas decorrem já a expensas dos excursionistas, como referiu o próprio em relatório apresentado à gerência e posteriormente publicado no Boletim da Sociedade Archeologica Santos Rocha.

Todos os materiais que resultaram dos trabalhos de Santos Rocha no Algarve foram cedidos à instituição, mesmo aqueles recolhidos nas excursões por si financiadas (Rocha, 1906, p. 193).

É indiscutível o grande peso que os trabalhos de Estácio da Veiga tiveram na programação das estadias do grupo da Figueira no Algarve. No entanto, o próprio Santos Rocha admitiu que a partir de determinado momento passaram a privilegiar as informações directas das populações (Pereira, 1994, p. 165), devido à grande dificuldade em relocalizar os sítios assinalados na “Carta Acheologica do Algarve”. Poderemos afirmar que, a partir desse momento, se inicia a verdadeira “expedição” de reconhecimento.

Os diversos trabalhos publicados pelo investigador que agora se homenageia acerca das suas quatro expedições ao Algarve, e que totalizaram cerca de seis meses de trabalho de campo, espelham um profundo conhecimento das estações arqueológicas algarvias, as quais soube confrontar com as que estudava na sua terra natal.

Destaque-se ainda as descrições cuidadas e a análise penetrante que este notável arqueólogo da Figueira da Foz concretizou, por exemplo, para os monumentos megalíticos de Alcalar e de Monte Velho e ainda para a necrópole de Bensafrim.

Estas viagens permitiram-lhe também efectuar estudos de fundo, contribuindo para a discussão e esclarecimento de questões científicas nacionais (Gonçalves e Diniz, 1993/1994), tentando sempre integrá-las no âmbito internacional.

Santos Rocha, conhecedor da arqueologia do seu concelho (Vilhena, 1937; Fontes, 1955), mostrava de igual forma um profundo conhecimento da arqueologia que se praticava em território

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nacional, fazendo com frequência referência a sítios portugueses como Alcoutão ou Granja do Oliveira (Cascais). Não esquecia ainda a investigação que se efectuava a nível internacional, chamando com frequência à colação sítios franceses, espanhóis e italianos, como Mouy-Bury (Oise), Poitiers, Saint-Jean-sur-Tourbe (Marne), Almeria (Espanha), Pollazzolo Vercellese (Itália), por exemplo.

É ainda de realçar a sua constante preocupação em divulgar os estudos e “explorações” que efectuava. O legado que nos deixou é, sem dúvida, inestimável.

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Fig. 1 - Localização dos sítios visitados e explorados durante o percurso de 1894 / 1895.

Fig. 2 - Urna cinerária e materiais pertencentes a uma caixa ou arca funerária recolhidos por Santos Rocha, hoje depositados no Museu Dr. Santos Rocha (Figueira da Foz).

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Fig. 3 - Planta da “Necrópole Luso-Phenicia da Fonte Velha em Bensafrim” com localização do possível ustrinum escavado por Estácio da Veiga. Elaborada pelo Reverendo José Nunes da Glória.

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Fig. 4 - Localização dos sítios visitados e explorados durante o percurso de 1895.

Fig. 5 - Planta da necrópole da Marateca (Lagos) e jarro recolhido em uma das sepulturas, depositado no Museu Nacional de Arqueologia.

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Fig. 6 - Localização dos sítios visitados e explorados durante o percurso de 1900.

Fig. 7 - Localização dos sítios visitados e explorados durante o percurso de 1906.

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Fig. 8 - Descrição de um lagar explorado no sítio da Norinha, Mexilhoeira Grande, conservada em um dos manuscritos de Santos Rocha depositado no Museu Municipal Dr. Santos Rocha.

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Fig. 9 - As “explorações” de finais do século XIX e os seus objectivos.

Fig. 10 - As “explorações” de finais do século XIX e os seus objectivos.

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Fig. 11 - As “expedições” do século XX.

Fig. 12 - As “expedições” do século XX.

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Fig. 13 - Apontamentos sobre a necrópole explorada no Serro de Bartolomeu Dias.

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o disco de ouRo

dA necRópole dA fonte velhA de bensAfRim

(LagoS, aLgarve)

raqueL viLaÇa (*)

barbara arMbruSTer (**)

1. IntroduçãoO disco de ouro da Fonte Velha de Bensafrim (Lagos) é sobejamente conhecido entre a

comunidade científica nacional e internacional como bem revelam múltiplas referências que, ao longo do séc. XX, deram igualmente conta da sua importância. Publicado por Santos Rocha em inícios do século passado num pequeno trabalho com desenho da autoria de Rita Jardim (Fig. 1), nele encontramos rigorosa descrição da peça e correcta atribuição cronológica, i.e. anterior ao período romano (Rocha 1904).

As circunstâncias de achado são também mencionadas nesse trabalho e entende-se igualmente o motivo pelo qual a peça viajou do Algarve até à Figueira da Foz. Para além da ligação do sagaz arqueólogo, que é agora homenageado, à região algarvia, bem expressa nas suas quatro peculiares “excursões científicas” realizadas entre Dezembro de 1894 e Outubro de 1906 (Pereira 1994, 1997; Arruda e Pereira, neste volume), o arqueólogo figueirense havia parcialmente explorado, logo em 1895, a necrópole de Fonte Velha onde o disco viria a ser depois casualmente encontrado pelo reverendo José Nunes da Glória (Rocha 1904: 64).

(*) Instituto de Arqueologia. Departamento de História, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. CEAUCP-CAM/FCT. E-mail: [email protected]

(**) CNRS-UMR 5608. Universidade de Toulouse. E-mail: [email protected]

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O disco faz parte das coleções do Museu Municipal Dr. Santos Rocha (Figueira da Foz), onde se encontra exposto1, tendo sido, entretanto, apresentado (no original ou em réplica) em diversas exposições temporárias2.

No âmbito da investigação sobre discos, botões e apliques de ouro pré e proto-históricos que as autoras têm em mãos3, a peça de Bensafrim foi analisada em Dezembro de 2010, surgindo agora a oportunidade de divulgar o resultado desse estudo.

2. A necrópole da Fonte Velha de Bensafrim

Era já conhecido o interesse arqueológico do sítio da Fonte Velha de Bensafrim quando Estácio da Veiga aí iniciou os seus trabalhos em 1878 (Veiga 1891: 250 e segs.). As escavações que realizou permitiram-lhe identificar, na realidade, duas necrópoles, uma da Idade do Ferro, de inumação, a que se sobrepôs outra, romana, de incineração. Quase duas décadas depois dos trabalhos pioneiros de Estácio, foi Santos Rocha, também auxiliado pelo reverendo Nunes da Glória, que prosseguiu as investigações, ampliando a área da escavação, realizando nova planta e compreendendo verdadeiramente a estação (Rocha 1975: 127-14; Arruda e Pereira, neste volume). Em anos mais recentes, e com base nas criteriosas informações prestadas pelos dois ilustres arqueólogos, foi possível valorizar culturalmente a necrópole sidérica (Arruda 1999-2000: 57; Correia 1995-1997).

A necrópole ocuparia uma área de mais de 300 m2, tendo sido escavadas um total de 31 sepulturas de tipo cista sem qualquer estrutura tumular, à exceção de um caso. Predominavam as de planta rectangular, mas também se encontravam algumas trapezoidais, bem assim como os casos de uma triangular e de uma outra semicircular (construída em alvenaria seca). Uma das sepulturas escavadas por Santos Rocha era de inumação dupla, possuindo também planta mais complexa (Rocha 1975: 130). Ignoramos em rigor de que forma seriam feitos os enterramentos, mas é admissível, tendo em contas as dimensões de algumas das cistas (1,10 m a 1,35 m de comprimento e 0,70 m a 0,80 m de largura), que o fossem em decúbito lateral, ou de cócoras, como bem observou Santos Rocha (1975: 133). O espólio cerâmico era residual, predominando as contas de colar, algumas oculadas, e ainda alguns objectos metálicos. Foi precisamente a sepultura B, sobre a qual viria a ser construída o que se supôs ser uma casa romana, que forneceu o maior número de artefactos, concretamente dezoito contas de vidro azul, três braceletes abertos de cobre, uma argolinha de ouro, fragmentos de urna e ossos queimados (Veiga 1891: 253).

Conforme já foi sublinhado por Ana Margarida Arruda, o que surpreende nesta extensa necrópole é o contraste entre a sua dimensão e a escassez dos materiais (Arruda 1999-2000: 57). E se tomarmos em conta a invulgar concentração de lápides epigrafadas (um total de seis) com escrita do Sudoeste, uma das quais, pelo menos, servira de tampa (com a inscrição voltada para baixo) a uma das sepulturas (Rocha 1975: 134), teremos de reconhecer a invulgar importância de todo o conjunto. Nesse mesmo

1 Deu entrada com o n.º inv. 7674 (Rocha 1905: 105) tendo correspondência no novo inventário a 09.A.216. 2 Por exemplo, em 1996, no Museu Nacional de Arqueologia, na exposição “De Ulisses a Viriato. O primeiro mi-

lénio a.C.” (Catálogo 1996: 228-229) e, em 1997-98, no Museu Municipal de Portimão, na exposição “Outras Viagens, outros Tempos, outro Algarve” (Jornal da Exposição).

3 Investigação desenvolvida no âmbito do projeto “Questionando o Bronze e o Ouro: produção e deposição do metal na Idade do Bronze do Ocidente Peninsular”, apoiado financeiramente pela Fundação Calouste Gulbenkian, a quem se agradece. Agradecemos igualmente aos responsáveis do Museu Municipal Dr. Santos Rocha a autorização para o estudo do disco e muito em especial à Dr.ª Sónia Pinto por todo o apoio prestado.

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sentido, Virgílio Hipólito Correia admitiu a existência de um centro de notável predominância em Bensafrim tendo em conta a quantidade de inscrições (Correia 2000: 705-708). Naturalmente que a existência do disco em ouro, a que se deve juntar uma segunda peça (pequena argola) no mesmo material proveniente das escavações realizadas por Estácio da Veiga, reforçam o carácter elitista de, pelo menos, algumas das tumulações de Bensafrim. Por outro lado, tem-se insistido na inexistência de um povoado coevo correlacionado com a necrópole (Arruda 1999-2000: 57; Correia 2000: 708) ou que, pelo menos, a existir, não foi ainda possível identificar.

Importa ainda chamar a atenção para a longa diacronia de ocupação da área da necrópole, continuidade essa que deverá traduzir importante carga simbólica do sítio no devir da transmissão e reconstrução das memórias das comunidades. Para além da perenidade de utilização em termos funerários que as necrópoles sidérica e romana testemunham, de resto e ao que parece circunstancialmente entrosadas como é o caso do depósito luso-romano de cinzas no interior de uma sepultura sidérica (Rocha 1975: 131), deverá ser ainda recuperada uma outra informação de Santos Rocha relativa a achados superficiais na mesma área de cerâmicas neolíticas, de outras idênticas às da necrópole da Campina, i.e. calcolíticas4, e algumas ainda de feição árabe (Rocha 1975: 131).

É neste quadro de verdadeiro palimpsesto que Nunes da Glória viria a encontrar o disco de ouro junto a uma urna cinerária, enviando-o depois ao arqueólogo figueirense (Rocha 1904: 64). Quer um, quer outro intuem, corretamente e não obstante as circunstâncias de achado, uma cronologia pré-romana para o disco. Tem sido pacífica a sua integração nos sécs. VII-VI a.C. e este estudo não o desmente.

3. O disco

Trata-se de fina chapa de ouro (Fig. 2 e 3) com orifício circular no centro encontrando-se hoje ligeiramente deformada e fissurada. O seu diâmetro máximo é de 3,6/3,7 cm e a espessura de 0,09 mm; o peso é de 1,1 g. O disco não corresponde a um objeto completo nem teria uso independente ou autónomo. Pelo contrário, seria fixado sobre um suporte (tecido, couro, osso, madeira?), conforme revelam o rebordo externo, que está dobrado para trás, enquanto o interno está dobrado para cima. Uma pedra ou outro material seria engastado no orifício central, cujo diâmetro é de 0,4 cm. Daí resultaria, provavelmente, efeito bicromático com finalidade simbólica ou, tão-só, estética.

O disco apresenta profusa decoração executada em relevo por cinzelagem (Fig. 4, 5 e 6). As linhas foram traçadas com cinzéis e a restante ornamentação realizou-se com punções que possuíam um elemento decorativo inerente. Quer dizer que os punções foram concebidos de modo a possuírem um motivo específico em relevo para ser imprimido na chapa. No caso deste disco correspondem a séries de motivos repetidos distribuídos em bandas concêntricas. Quatro linhas foram traçadas com um cinzel reto. Da periferia para o centro, observa-se uma primeira banda decorativa no rebordo externo, ladeada por duas linhas em relevo, que contem uma série de impressões de punção com motivo em forma de S. Na larga banda intermédia encontra-se motivo complexo concebido radialmente e distribuído por dez secções. Metade dos segmentos está composta por dupla espiral com pequeno círculo entre as espirais. A outra metade integra-se alternadamente entre estas espirais

4 Tais materiais encontram-se, quase todos por estudar, no Museu Municipal Dr. Santos Rocha. Destacamos, por exemplo, um pequeno machadinho de fibrolito (Guerra e Ferreira 1979: 323), uma lasca de sílex “com cavidades em um dos bordos” (Rocha 1905: 39) e que verificámos não ser mais do que um elemento de foice, cerâmicas diversas, lisas e decoradas, entre as quais se encontra uma colher, bem como um interessante ídolo em pedra a urgirem publicação.

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duplas e apresenta uma composição de motivo estilizado, provavelmente de uma abelha, e duas a quatro linhas pontilhadas retas ou curvas. Na parte central que delimita o orifício foram definidas as outras duas linhas em relevo.

3. A “caixa de ferramentas” e a técnica de cinzelagem

Numa perspectiva tecnológica, o estudo do disco de Bensafrim permite-nos recuperar, até certo ponto, gestos que não observámos e instrumentos de trabalho que não se conservaram. Quanto a estes, e embora virtuais porque não os conhecemos, fariam parte de um kit de trabalho da “caixa de ferramentas” do ourives a quem o disco foi encomendado. E, nessa caixa, encontravam-se, pelo menos, sete punções ou cinzéis distintos (Fig. 7)5: um reto, um em forma de S, um outro pequeno circular, um em forma de espiral dupla, um em forma de “abelha”, um reto com seis pequenas bocetes ou corcovas e um curvo também com sete pequenas corcovas. Vê-se que as espirais duplas foram realizadas com ajuda de um punção possuindo esse desenho, porque aparece o mesmo defeito sobre cada impressão de ferramenta. Talvez existisse ainda um punção com dois ou três círculos concêntricos para obter o motivo central.

A cinzelagem é uma técnica decorativa da ourivesaria que dá volume ou relevo a uma chapa fina de ouro (Destrée 1983; Bois 1999). Efetua-se a frio e sem remoção da matéria. Os cinzéis (sem motivo) e os punções (com um motivo) são feitos a partir de hastes em metal (bronze ou ferro), mas também podem ser em osso ou outro material duro. As hastes possuem uma extremidade que receberia os impactos do martelo, enquanto a outra se encontra trabalhada com o motivo a imprimir na superfície da chapa. Estas ferramentas fundamentais da cinzelagem são utilizadas em articulação com um instrumento de percussão, como um martelo, em pedra ou em metal, sendo ainda imprescindível a existência de matéria elástica de suporte que permitiria a modelação plástica da chapa. Esse material, ou pez do cinzelador, é constituído hoje em dia por pez grega de almagre, de sebo e de terebintina. A receita do pez arcaico não é, porém, conhecida. A chapa de ouro deveria ser fixada sobre o pez pegajoso, que era aquecido para esse fim, podendo depois ser trabalhada dos dois lados, dependendo do relevo desejado. Seriam ainda necessários ao ourives um compasso e uma ponta para definir e traçar a distribuição da decoração sobre o disco e de segmentar o círculo em cinco secções. A obra foi finalizada por polimento com auxílio de uma matéria fina, por exemplo cinzas.

Comparativamente ao volume de obras produzidas nas Idades do Bronze e do Ferro são parcos os instrumentos de trabalho conservados, quer à escala peninsular, quer europeia. Ferramentas de cinzelagem em bronze conhecem-se em contextos de depósito e funerário (Armbruster 2001; Jiménez Ávila 2002: 309). Cinzéis e punções em associação com martelos de alvado em bronze aparecem desde a Idade do Bronze Final, como bem ilustram os depósitos franceses de Larnaud (Jura) e de Génelard (Saône-et-Loire) (Armbruster 2008). E, recentemente, o estudo do equipamento de ourives da Idade do Ferro do túmulo de Cabezo Lucero (Alicante, Espanha) deu também a conhecer, entre outros, instrumentos como cinzéis, punções, um martelo de alvado e matrizes para a produção de elementos decorativos em chapa (Perea e Armbruster 2011).

No território português conhecem-se igualmente diversos punções e cinzéis, seja em contexto

5 Agradecemos a José Luís Madeira (Departamento de História, Arqueologia e Artes da FLUC) a concepção deste conjunto de cinzéis com base nos motivos decorativos.

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de habitat, seja em depósitos. Pelo contrário, não há registo de martelos em bronze, o que só se explica pelo recurso preferencial a martelos de pedra de uso possivelmente casuístico e descartável. Mas os punções, embora de dimensão e robustez muito variáveis, são sempre retos. Por isso continua a ser excecional o caso do punção decorativo do povoado da Moreirinha (Monsanto, Idanha-a-Nova) datável do Bronze Final (Vilaça 1995: 228, 338 e Est. CCXLV-3; Vilaça 2005). Trata-se de um punção circular, terminado em meia esfera oca, utilizado na decoração de pequenos círculos (Fig. 8).

4. Discos, botões e apliques

O disco de Bensafrim integra-se numa vasta família de peças de ouro de uso muito diverso — discos, botões, apliques — que se exibiam mediante a respetiva fixação sobre outros tipos de suporte. Neste sentido, nenhuma delas é, em si mesmo, um objeto específico e completo, constituindo antes parte de um todo, em regra desconhecido.

Contextos e cronologias são igualmente variados, correspondendo as doze estações do território português6 que forneceram peças como a que ora nos ocupa a situações de natureza habitacional, funerária, cultual e de depósito (vulgarmente designados por “tesouros”), das Idades do Bronze e do Ferro (Quadro 1). É manifesto o desconhecimento rigoroso dos contextos de achado da maioria das peças. Com exceção das que decorreram de escavações mais recentes, como as de Fonte Santa e do Castro de Ratinhos, onde foi possível fazer um registo adequado, em todos os outros casos a informação é mais vaga ou mesmo bastante mais imprecisa. É também notório, face à documentação conhecida, que o uso de discos, botões ou apliques terá tido maior aceitação na Idade do Ferro e nesta, na sua fase inicial.

No caso dos discos, a sua distribuição tem alcance europeu embora com marcada distribuição na área atlântica. Aqui, é igualmente ampla a sua cronologia, já que os primeiros discos em ouro são conhecidos pelo menos desde o Bronze Antigo, em contextos funerários e de depósitos, por exemplo na Irlanda e no Noroeste peninsular, sendo a sua principal característica, como diversos investigadores bem têm sublinhado, os achados aos pares, caso dos de Cabeceiras de Basto (Braga) (Fig. 9), talvez associado a uma lúnula, e de Oviedo (Armbruster e Parreira 1993: 56-57; 166-167; Case 1977). Um exemplo comparável da associação rara de um par de discos com uma lúnula apareceu recentemente na Irlanda (Kelly e Cahill 2010).

Ao longo da Idade do Bronze parecem ter perdido relativo protagonismo para voltarem a conhecer expressiva relevância na I Idade do Ferro. Todavia, é naquele período que se insere o magnífico e exclusivo exemplar de Sobreiral (Ninho do Açor, Castelo Branco), se bem que permaneça em aberto uma cronologia rigorosa mais precisa. Com 11 mm de diâmetro, apresenta decoração repuxada com cinquenta cones e três linhas de pontilhado na moldura (Fig. 10) (Armbruster e Parreira 1993: 170; 172-173).

Na Idade do Ferro os discos tanto foram usados de modo singular como formando conjuntos de vários. Entre aqueles contam-se, para além do de Bensafrim, os de Fonte Santa (Ourique), com suporte, incompleto, em prata e decoração centrada (Beirão 1986: 71) e de Conimbriga (Condeixa-a-Nova), neste caso com suporte de bronze, exibindo decoração com sete circunferências (Correia

6 De todos os exemplares inventariados, apenas desconhecemos, por se manter inédito, o do Castro de S. Bento (Évora), adquirido por compra, em 1957, para o Museu Nacional de Arqueologia (Machado 1965: 120). Não nos foi pos-sível averiguar a situação desta peça, sabendo-se apenas que não se encontra incluído na respetiva Matriz (agradecemos à Sr.ª D. Luísa Guerreiro esta informação).

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1916: 261), sendo, respetivamente, de contextos funerário (sepultura b do túmulo 4) e habitacional.Conjuntos de discos foram encontrados em Fortios (Portalegre) (Ferreira 1964) (Fig. 11), Outeiro

da Cabeça (Torres Vedras) (Heleno 1935: 254-257) e Castro dos Ratinhos (Moura) (Berrocal-Rangel e Silva 2010: 321-326), correspondendo a tesouros ou depósitos, neste último caso efetuado em contexto de carácter cultual e em edifício específico num povoado.

Não pela forma, que é cónica, mas pelo número e carácter repetitivo como estes últimos, devem ainda ser mencionados outros exemplares auríferos7 conhecidos no território português como são os seis apliques com pequena aba de São Martinho (Alcácer do Sal) (Fig. 12) pertencentes a tesouro com várias espirais datável do Bronze Médio (Armbruster e Parreira 1993: 168-169), ou as doze aplicações do tesouro de Baião (concelho), já da I Idade do Ferro, onde também se encontram um colar articulado, dois pares de arrecadas e uma pulseira ou gargantilha (Silva 1991). De forma cónica seriam os dois exemplares, hoje perdidos, achados conjuntamente com um diadema em Mira de Aire (Porto de Mós) (Heleno 1935: 235, fig. 3; Armbruster e Parreira 1993: 42-43).

Verifica-se, assim, que, do ponto de vista numérico e, consequentemente, se uso e função, são três as situações conhecidas: casos singulares, como os de Bensafrim, Conímbriga e Fonte Santa, a que correspondem também as peças de maior dimensão, com destaque para a de Sobreiral, com 111 mm de diâmetro; situações aparentemente só com pares, como Cabeceiras de Basto e Mira de Aire; em número, e uso, múltiplo, como revelam os conjuntos de São Martinho, Baião, Outeiro da Cabeça, Fortios e Ratinhos, bem característico de inícios da Idade do Ferro do território português.

A diversidade não se reduz à forma, dimensão e número de peças por achado. Variáveis são também as soluções de fixação nos respetivos suportes, aspeto particularmente importante porque nos indica, ou pelo menos sugere, a natureza destes e, portanto, a funcionalidade efetiva de cada caso. Utilizaram-se pelo menos três sistemas de preensão distintos: com perfuração (com dois ou quatro orifícios, central ou periférica), como nos discos de Cabeceiras de Basto (Fig. 9), de São Martinho (Fig. 12) e de Mira Daire; com presilha, quer pequena e central, como no de Sobreiral, quer em fita, curta, como nos de Fortios (Fig. 11), por exemplo, ou abrangendo o diâmetro dos discos, como nos de Baião; com rebordos dobrados, como nos de Conimbriga e de Bensafrim (Fig. 13).

Parece ser possível deduzir que o primeiro sistema, com perfurações, se circunscreve aos discos mais antigos, o que se articula bem com uma tecnologia mais simples característica das fases mais antigas da Idade do Bronze.

Com as duas primeiras soluções, discos, botões e apliques podiam ser cosidos, i.e. fixados com auxílio de um fio directamente sobre superfícies maleáveis como tecidos, nomeadamente peças de vestuário sumptuárias. Evidências arqueológicas como a do excecional caso das sepulturas 4, 36 e 43 de Varna (Bulgária) e outras que também contemplam pequenos apliques em bronze, como os casos das tumulações de Lübz (Mecklenburg, Norte da Alemanha), de Hügel (Starnberg, Munique) (Randsborg 2011: 78), suportam esta interpretação, indicando uso em capas, mantos e saias. A este propósito, deve também ser sublinhada a importante observação dos responsáveis pela escavação do Castro dos Ratinhos que identificaram, junto aos sete botões, um pedaço de terra argilosa com impressão do tecido ao qual eles estariam cosidos (Berrocal-Rangel e Silva 2010: 322 e fig. 150).

Com a terceira solução os discos seriam fixados sobre suportes rígidos e duros, como madeira, couro ou metal. Neste campo, abrem-se múltiplas hipóteses quanto ao tipo de objetos de que fariam parte, pelo que não podemos apontar, de modo devidamente fundamentado, qual o objeto em que se integraria o disco de Bensafrim.

7 Peças formalmente idênticas, em cone ou calote, mas executadas em bronze, são bem conhecidas em contextos do Bronze Final.

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Por vezes, as delicadas folhas de ouro das peças eram reforçadas, pelo reverso, com uma alma rígida em outro metal, como encontramos nos discos de Conimbriga, com suporte em bronze, e no de Fonte Santa sobre placa de prata8 (Beirão 1986: 71). No norte da Europa são bem conhecidas jóias e outros objetos de prestígio em bronze decorados e de discos em fina chapa de ouro. Botões, alfinetes e fíbulas da Dinamarca e do norte da Alemanha, mas também o carro votivo de Trundholm (Dinamarca), integram-se neste grupo de objetos discóides, bimetálicos e bícromos (Armbruster 2010: 280).

Numa realidade completamente distinta, mas que faz sentido referir neste texto, encontram-se outros discos metálicos. Num caso, cujo contexto foi recentemente valorizado (Comendador Rey e Méndez Fernández 2009), temos o disco de bronze do chamado “tesouro de Urdiñeira” (A Gudiña, Ourense), bimetálico, por integrar também dois braceletes de ouro fabricados pelo método da cera perdida e relacionáveis com a ourivesaria de âmbito Villena / Estremoz, estudados por uma de nós (Armbruster 2000: 209 e Tafel 98 e 99). Trata-se de um disco (4,5 cm de diâmetro) formalmente distinto de todos os outros por apresentar uma das faces convexas decorada com ranhuras puncionadas e abertura central cruciforme, também fabricado pelo método da cera perdida (Comendador Rey e Lackinger 2011). O outro caso, que mereceria estudo aprofundado, corresponde ao disco metálico9 de grande dimensão (7,5 x 7 cm) recolhido na estrutura periférica do dólmen dos Moinhos de Vento (Arganil) (Senna-Martinez e Luz 1983: 113 e fig. 10; Leisner 1998: 141 e Tafel 117).

Do ponto de vista formal, funcional e tecnológico, os paralelos mais próximos para o disco de Bensafrim encontram-se nos de Conimbriga e de Fonte Santa. Com o primeiro partilha o mesmo sistema de preensão, de rebordo, para prender na superfície de base; com o segundo, e aliás também com o de Arganil atrás mencionado, oferece idêntica solução decorativa que passaria pela integração no orifício central de um outro elemento (pedra, âmbar, marfim, coral?) com efeito decerto cromático. Tal como os dois primeiros, os motivos decorativos foram executados por cinzelagem.

Não obstante estas similitudes técnico-estilísticas, o disco de Bensafrim distancia-se, em parte, dos demais pelo programa iconográfico que exibe. É que, para além de uma composição de motivos concêntrica e raiada, incorpora dois motivos particulares, um deles não geométrico — a dupla espiral e a abelha —, que se repetem de forma alternada.

Diversos trabalhos que se têm debruçado sobre a ourivesaria, iconografia e simbólica das sociedades arcaicas, nomeadamente do mundo circum-mediterrâneo orientalizante, encaram a dupla espiral como símbolo da fecundidade (Nicolini 1990: 616). Quanto à representação da abelha, sendo familiar aos mundos egípcio e micénico, foi igualmente motivo de reinterpretação por parte dos Fenícios e do mundo que influenciaram como bem ilustram, por exemplo, o anel do túmulo 18 de Cádiz (López de la Orden e Garcia Alfonso 2010: 318) onde esse animal está presente. Em estudo mais aturado, Fernández Uriel (2004)10 debruça-se sobre a simbologia da abelha e seus atributos sublinhando o seu carácter mágico-religioso inerente à própria natureza, simultaneamente religioso e económico, i.e. como símbolo de divindade da fertilidade, de riqueza e de produção. Entre os Fenícios a sua vinculação ao culto de Astarté manifestou-se pelo poder no campo da fertilidade e também como protetora na morte.

8 O disco (Au 982) encontra-se atualmente separado da respetiva placa de suporte que possui pequena presilha cir-cular central de fixação.

9 As publicações não identificam a matéria-prima do disco, mas talvez o indicassem de forma explícita caso fosse em ouro. Não nos foi possível observá-lo. Segundo Schubart (1975: 158) encontra-se guardado no Seminário de Gouveia.

10 Agradecemos a Ana Margarida Arruda a chamada de atenção para este trabalho.

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Pela cronologia, contexto arqueológico e âmbito cultural, a linguagem iconográfica do disco de Bensafrim poderá aproximar-se destes considerandos. Mas não devemos ignorar uma outra dimensão simbólica inerente à forma e matéria-prima. Como é sabido, os discos de ouro, de cor amarela, próxima da do Sol, são normalmente relacionados com o seu culto, de tradição milenar (Kaul 2004).

Em síntese, o disco de Bensafrim, pela matéria-prima, simbolismo formal e iconográfico, deve ser interpretado como elemento de prestígio ou de status, de âmbito funerário e certamente de cariz individual. Contudo, não é possível determinar, em absoluto, o tipo de objeto em que se integraria. O valor intrínseco e social do ouro foi sublinhado nesta peça, que atribuímos à I Idade do Ferro, pela incorporação de simbólica oriental manifestamente estranha às tradições indígenas do Extremo Ocidente Peninsular. Tratar-se-á, de certa forma, de um fenómeno de recontextualização cultural recuperando um tipo de suporte cujas origens mais profundas e longínquas remetem para inícios da Idade do Bronze. Por outro lado, não deve ser ignorado que na área de achado do disco foram recolhidos outros materiais de cronologias diversas (neolítica, calcolítica, sidérica, romana e árabe), o que confere importante carga simbólica ao próprio sítio, expressando também um processo sequencial de temporalidades múltiplas (Lucas 2005: 39).

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Fig. 1 - Disco de Bensafrim (Desenho de Rita Jardim).

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Fig. 2 - Disco de Bensafrim (anverso).

Fig. 3 - Disco de Bensafrim (reverso).

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Fig. 4 - Disco de Bensafrim (decoração em relevo por cinzelagem).

Fig. 5 - Disco de Bensafrim (pormenor da decoração).

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Fig. 6 - Disco de Bensafrim (pormenor da decoração; motivo estilizado, provavelmente uma abelha).

Fig. 7 - Idealização dos cinzéis utilizados na decoração do Disco de Bensafrim (seg. José Luís Madeira).

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Fig. 8 - Punção circular do Povoado da Moreirinha (Idanha-a-Nova).

Fig. 9 - Discos de Cabeceiras de Basto (Braga).

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Fig. 10 - Disco de Sobreiral, Ninho do Açor (Castelo Branco).

Fig. 11 - Discos de Fortios (Portalegre).

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Fig. 12 - Apliques em aba de S. Martinho (Alcácer do Sal).

Fig. 13 - Disco de Bensafrim

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Resumos

Ana Cristina MartinsAntónio Augusto dos Santos Rocha (1853-1910) e a arqueologia na viragem do novo século.

António dos Santos Rocha (1953-1910) viveu numa época assaz estimulante e complexa da história portuguesa, e certamente numa das mais decisivas para a investigação arqueológica conduzida no país. Entre planos animados por empenhos e recursos pessoais, e outros tantos frustrados por insensibilidades e impossibilidades institucionais, a arqueologia foi rompendo caminho por entre elites que lhe reconheciam valências na afirmação da ciência nacional e no desenvolvimento cultural do território. Foi, com efeito, um período de encantos e desencantos; de conquistas e contratempos, protagonizados por figuras determinantes no longo processo de institucionalização da arqueologia no país. Entre eles, a de Santos Rocha, figura ímpar da produção científica e exemplo maior de quem, com os instrumentos devidos, soube concretizar um projecto de âmbito regional, transformando-o porém num modelo de actuação passível de ser seguido por demais cultores da ciência arqueológica. Traduzido nas actividades da Sociedade Arqueológica da Figueira da Foz (1898), nas publicações do seu Boletim e no Museu Municipal (1894), o seu labor demonstrou quão próximo se encontrava do desenvolvimento arqueológico registado entre nós e além-fronteiras, contribuindo para o seu engrandecimento, mediante estudos e acções de protecção e divulgação dos sítios que identificava.

Pedro M. Callapez e Miguel CarvalhoContributos da envolvente geológica para o povoamento da Serra da Boa Viagem durante a Pré-história Recente.

O povoamento e antropização do maciço calcário da Serra da Boa Viagem, no decorrer da Pré-história Recente e, em especial, durante o Neolítico, obedeceu a uma série de condicionantes ambientais locais, das quais as de natureza geomorfológica e geológica (litologia, estrutura, abundância de matérias-primas) terão contribuído fortemente para uma melhor adaptação das populações ao meio natural envolvente. O volume de dados sobre locais de ocupação e monumentos megalíticos funerários sugere um modelo de repartição espacial em três faixas que seguem o desenvolvimento longitudinal das unidades calcárias e greso-argilosas e depósitos arenosos. A norte, em áreas arenosas situadas junto ao sopé do maciço calcário, encontram-se estações de superfície representativas do Mesolítico ao Calcolítico e possível Bronze Inicial. Á cumeada calcária da serra corresponde o longo alinhamento de megalitos. Por fim, os locais de ocupação neolíticos estão, sobretudo, presentes no seio da bacia de drenagem do rio de Carritos, em zonas de depósitos arenosos circundados por lutitos vermelhos de idade jurássica, ricos em matéria-prima para a produção de cerâmica.

João Luís CardosoAntónio dos Santos Rocha (30 de Abril de 1853; 28 de Março de 1910) e a exploração arqueológica das grutas da Columbeira (Bombarral).

Com base na documentação publicada que foi possível compulsar e ter acesso, pretendeu-se reconstituir a actividade da Sociedade Santos Rocha na exploração arqueológica de diversas grutas naturais da Estremadura, procurando-se identificar os respectivos intervenientes, os objectivos a atingir e os resultados obtidos.

Rui BoaventuraO “Pae Rocha” e o Megalitismo de Monforte (Alentejo): luz sobre as antas pesquisadas através do Arquivo Leisner.

Nos últimos anos da primeira década do século 20 foram realizadas as primeiras escavações arqueológicas conhecidas na região de Monforte (Alentejo), promovidas por António Santos Rocha, mas concretizadas por António Sardinha e Luiz Wittnich Carrisso em 5 antas daquele concelho. Se a resposta a questões científicas, pertinentes à época, terá regido aquelas intervenções, o enriquecimento do acervo museológico da Sociedade Arqueológica de Santos Rocha e o seu Museu Municipal, foi com certeza outro dos motivos, pacificamente justificado pela ligação que ambos os intervenientes tinham com aquela instituição, obstando a entrega ao centralizador Museu Etnológico. Assim, procura-se nesta apresentação ilustrar sucintamente as condições que tal acção foi desenvolvida, bem como quais as antas intervencionadas e as leituras hoje possíveis para aqueles espólios no âmbito do Megalitismo alentejano.

João Perpétuo e Luís Filipe GomesA Arcainha do Seixo (Oliveira do Hospital, Coimbra) um século depois de Santos Rocha.

Tendo como ponto de partida a intervenção arqueológica desenvolvida por Santos Rocha em finais do século XIX, apresentam-se os resultados da escavação, restauro e valorização promovida pelo Município de Oliveira do Hospital

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e executada pela firma ARQUEOHOJE no Dólmen do Seixo da Beira (Oliveira do Hospital, Coimbra), também conhecido por Arcainha. Trata-se de um monumento de tipo clássico, sendo composto por uma câmara poligonal alargada de nove esteios e corredor de dimensões medianas aberto a sudeste. Estas duas estruturas, bem diferenciadas em planta e alçado, encontram-se imersas num enorme montículo artificial de terra e pedra, com um diâmetro superior a 20 m. O monumento encontrava-se em adiantado estado de degradação, colocando em causa a estabilidade de todo o conjunto. Com efeito, a câmara apresentava-se já desprovida de dois dos seus esteios e o corredor, do qual haviam sido já removidas todas as tampas de cobertura, achava-se tombado. No decurso dos trabalhos de escavação foi possível verificar que espólio exumado evidenciava duas fases de ocupação: num primeiro momento, o enxoval fúnebre dos inumados incluía micrólitos, lâminas e pontas de seta, em sílex, utensílios em pedra polida e vasos cerâmicos de formas globular ou em calote. Por sua vez as deposições secundárias, pertencentes ao inicio da Idade do Bronze, caracterizam-se sobretudo pela inclusão de pontas de seta mais evolucionadas e por recipientes cerâmicos campaniformes com as suas típicas decorações impressas.

Isabel PereiraSantos Rocha e o estudo da Idade do Ferro em Portugal.

Este trabalho informa sobre as escavações arqueológicas, realizadas na década de 90, na zona metalúrgica de Santa Olaia, freguesia de Santana, concelho da Figueira da Foz. Estuda, no geral as características da área, incluindo a muralha, os acessos ao povoado e os fornos metalúrgicos. Descreve a tipologia dos fornos exumados, relacionando-os com os materiais arqueológicos encontrados.

Ana Margarida Arruda e Carlos PereiraDe Santa Olaia a Bensafrim: itinerários e percursos de Santos Rocha no Algarve.

António dos Santos Rocha esteve directamente ligado à Arqueologia do Algarve, tendo aí efectuado vários e diversificados trabalhos. Nas quatro viagens que efectuou ao Extremo Sul, coligiu informação, recolheu espólios e escavou sítios, tendo-se centrado, na área de Faro e, sobretudo, no Barlavento. A consulta dos dados publicados e da documentação inédita que relata, com detalhe, as viagens por terras algarvias, indica que a primeira delas se destinou, essencialmente, à concretização de um diagnóstico rigoroso da arqueologia local, de forma a poder definir a estratégia a seguir nas “explorações” seguintes. De facto, e como é visível através dos percursos que pudemos traçar com a elaboração dos mapas das viagens, só na primeira delas houve actividade em torno de Faro, ainda que tenha sido no Concelho de Lagos, concretamente em Bensafrim, que permaneceu mais demoradamente. As restantes estadias são já direccionadas, quase em exclusivo, para o Barlavento. Tudo indica que esta fixação em Bensafrim se prendia com a sua ocupação proto-histórica, e, mais concretamente, com as suas características mediterrâneas, de alguma forma, próxima da que o investigador figueirense encontrara em Santa Olaia e para a qual pretendia encontrar paralelos. A actividade arqueológica de António dos Santos Rocha no Algarve foi também diversificada em termos cronológicos. A Idade do Ferro e a época romana dominaram nas primeiras “excursões”, tendo as últimas sido ocupadas pelas épocas pré-históricas. A existência de abundante e bem organizada informação sobre a arqueologia do Algarve, fruto do trabalho que Estácio da Veiga desenvolveu na região, foi certamente determinante na preparação e concretização destas excursões ao sul. De facto, uma Carta Arqueológica como a que estava elaborada para o Algarve permitia que os trabalhos de campo pudessem ser direccionados previamente, facilitando assim um dos seus principais objectivos “…engrandecer as suas colecções” [entenda-se do Museu da Figueira].

Raquel Vilaça e Barbara ArmbrusterO disco de ouro da necrópole da Fonte Velha de Bensafrim (Lagos, Algarve).

Casualmente encontrado, fora do contexto de origem, pelo reverendo José Nunes da Glória e publicado de forma exímia por Santos Rocha, em 1904, o disco de ouro da necrópole de Fonte Velha de Bensafrim é agora reestudado pelas autoras. Após breves considerações sobre o sítio de proveniência, o texto centra-se em meticulosa análise da peça nas suas vertentes formais, tecnológicas, decorativas (círculo, dupla espiral e motivo estilizado, possivelmente de uma abelha), funcionais e simbólicas. Com base no fabrico e nos elementos decorativos, que foram executados por cinzelagem com, pelo menos, sete punções distintos, reconstitui-se, idealmente, a “caixa de ferramentas” do ourives a quem o disco foi encomendado. O disco não corresponde a um objeto completo nem teria uso independente ou autónomo, mas não foi possível determinar, em absoluto, o tipo de objeto em que se integraria. Pela matéria-prima, simbolismo formal e iconográfico, deve ser interpretado como elemento de prestígio ou de status, de âmbito funerário. É datável da I Idade do Ferro, nomeadamente pela incorporação de simbólica oriental, estranha às tradições indígenas do Extremo Ocidente Peninsular. A propósito desta peça, são ainda revistos, na generalidade, outros discos, apliques e botões auríferos conhecidos no território português.

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Índice

Apresentação ............................................................................................................................................... 9

Nota Prévia .................................................................................................................................................. 11

Ana Cristina Martins .................................................................................................................................. 13António Augusto dos Santos Rocha (1853-1910) e a arqueologia na viragem do novo século.

Pedro M. Callapez e Miguel Carvalho ....................................................................................................... 41Contributos da envolvente geológica para o povoamento da Serra da Boa Viagemdurante a Pré-história Recente.

João Luís Cardoso ....................................................................................................................................... 53António dos Santos Rocha (30 de Abril de 1853; 28 de Março de 1910) e a exploraçãoarqueológica das grutas da Columbeira (Bombarral).

Rui Boaventura ........................................................................................................................................... 63 O “Pae Rocha” e o Megalitismo de Monforte (Alentejo): luz sobre as antas pesquisadas atravésdo Arquivo Leisner.

João Miguel Perpétuo e Luís Filipe Gomes ............................................................................................... 81A Arcainha do Seixo (Oliveira do Hospital, Coimbra) um século depois de Santos Rocha.

Isabel Pereira .............................................................................................................................................. 115Santos Rocha e o estudo da Idade do Ferro em Portugal.

Ana Margarida Arruda e Carlos Pereira .................................................................................................... 133De Santa Olaia a Bensafrim: itinerários e percursos de Santos Rocha no Algarve.

Raquel Vilaça e Barbara Armbruster ......................................................................................................... 153O disco de ouro da necrópole da Fonte Velha de Bensafrim (Lagos, Algarve).

Resumos ..................................................................................................................................................... 173

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