salas de cinema de sp

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Pesquisa e texto Coleta de documentos Fotgrafo Seleo de imagens e projeto gra fico Produo Reviso Edio

Secretaria Municipal de Cultura de So Paulo Inim Ferreira Simes Joo Abdalla Saad Neto Joel La Laina Sene Ricardo Mendes e Joo Abdalla Saad Neto Thais Sandri Krystyna Okrent Brawerman PW Grficos e Editores Associados Ltda. Secretaria Municipal de Cultura de So Paulo Secretaria de Estado da Cultura do Estado de So Paulo Eugnio Alex Wissenbach PW Grficos e Editores Associados Ltda. Joo Antonio Santos PW Argefoto Bandeirante

Editor Produo Editorial Edio de texto Composio Fotolito Impresso e Acabamento

Bibliotecria: Tatiana Douchkin CRB8/586 S593s Simes, Inim Ferreira Salas de cinema de So Paulo. Pesquisa realizada pela Equipe Tcnica de Cinema, da Diviso de Pesquisa do Centro Cultural So Paulo. Pesquisador: Inim Ferreira Simes. Colaboradores: Joo Abdalla Saad Neto, Ricardo Mendes e Joel La Laina Sene. So Paulo, PW/Secretaria Municipal de Cultura/Secretaria de Estado da Cultura, 1990. 168p.il. 1- Cinema - Histria- So Paulo. 2 - Cinemas. l Equipe Tcnica de Cinema. Diviso de Pesquisas do Centro Cultural So Paulo, So Paulo. II Saad Neto, Joo Abdalla, colab. l;l - Mendes, Ricardo, colab. IV. Sene, Joel La Lana, fot V - Ttulo. CDD CDU CDU CDU (18. ed) 791.430816 (FID n. 316) 725.823.4 (FID n 541) 725.824 (FID n 541) 791.43

Capa e p.1: cine OLYMPIA (anos 20), no Brs. Fonte: O Espao dos Sonhos, de Joo L. Vieira e Margareth C. Pereira.

O preo de capa deste livro pde ser reduzido devido participao da Secretaria Municipal de Cultura de So Paulo e Secretaria de Estado da Cultura do Estado de So Paulo.

So Paulo, novembro 1990

Ao Gustavo, futuro espectador de cinema

SUMRIO

APRESENTAO MEMRIAS DE UM GAZETEIRO/Maria Rita KehI INTRODUO NAS PRIMEIRAS DCADAS DO SCULO OS PALCIOS CINEMATOGRFICOS A CINELNDIA D O TOM A CRISE DO MERCADO CONCLUSES CINE IMAGINRIO QUADRO DAS SALAS FONTES NDICE 7 9 13 35 67 105 143 147 158 162 165

Postal do cineteatro SANTA HELENA (1935): Exhibir em primeiro logar, no significa exhibir o melhor, Fonte: Arquivo Mximo Barro

MEMRIAS DE UM GAZETEIRO Bem no comeo da dcada de 60, quando a cidade de So Paulo ainda andava em lua-de-mel com suas enormes e suntuosas salas de cinema, um moleque de 11 anos costumava cabular aulas para pegar a sesso no cine Itapura, no Glicrio - onde hoje deve funcionar um aougue, uma loja de roupas baratas ou um atacadista de materiais de construo. Do primeiro filme roubado das horas de estudo e condimentado com o prazer da transgresso ele j no se lembra do nome ou enredo; s sabe que viu a Jacqueline Bisset, muito jovem; fiquei mais de uma semana chapado, sonhando com ela. O garoto Inim, como todo espectador de cinema at os anos 60, no se ligava especialmente no nome dos filmes e menos ainda no dos diretores. Se hoje a morada sai de casa para ver o ltimo Wim Wenders ou o ciclo Ozu, naquele tempo se ia ver uma fita de cowboy com John Wayne no Art-PalcioI um romance muito triste com a Vivian Leigh no Ipiranga... to importante quanto o gnero do filme e o elenco era a sala de o cinema, parte integrante do sonho cinematogrfico do paulistano. Foi o que Inim Simes veio a entender quase vinte anos depois, quando props Diviso de Pesquisas (exldart, onde pesquisador desde 1978) o levantamento da histria no do cinema, mas dos cinemas de So Paulo.

Aqui est a histria - inseparvel das imagens da relao do pblico paulistano com o hbito urbanssimo, moderno e popular de ir ao cinema- A histria de ambientes construdos maneira de cenrios hollywoodianos, de modo a acrescentar ao prazer de ver um filme a fantasia ingnua, provinciana e deliciosa de se sentir dentro de um filme De contrabando, passa tambm uma parte da histria do adolescente tarado por cinema, e de como alguma coisa foi se dessacralizando para ele na medida em que as salas de exibio iam perdendo seus encantos e sua pretenso de constituir cenrios elegantes e monumentais para o pblico elegante de uma cidade elegante e, claro, monumental. Este livro tem alguma coisa do esprito dos velhos cinemas paulistanos: luxo para todos. No um cult para cinfilos - o cinfilo em geral um cara chato, diz o prprio autor: quero escrever para o pblico normal que gosta de cinema. Mas quem conhece o Inim sabe que as aulas matadas no fim da sua infncia fizeram dele at hoje um cinfilo - e um gazeteiro. Um flneur sofisticado que percorre curioso todos os cantos da cidade, todos os mundos que existem dentro de So Paulo; e um cinfilo sui generis, capaz de ver bom cinema nos filmes mais despretensiosos, com o mesmo olho generoso de seu ex-professor Paulo Emilio Salles Gomes; mas tambm ultra-sensvel s falsificaes, s solues de efeitos fceis, at nos filmes mais consagrados. Aqui vai a histria das enormes salas de mais de trs mil lugares, onde se entrava com um certo respeito e, como eu mesma me lembro muito bem, com um pouco de medo: alguma coisa muito tora do comum estava para acontecer l dentro. Salas que se tornaram desadaptadas ao ritmo e diversificao de opes da cidade e foram desaparecendo como dinossauros, virando depsitos, estacionamentos e dando lugar s salinhas pequenas e promscuas, de onde se pode escutar trechos do filme que passa na sala ao lado. Mas no esperem por isso um texto nostlgico de desfecho melanclico. Inim objetivo: se as salas de cinema de So Paulo diminuram em nmero e tamanho, no porque o cinema esteja morrendo, como querem alguns, mas porque as opes de lazer da cidade se diversificaram muito nos ltimos anos. O cinema talvez no represente mais a maior diverso, como no slogan dos anos 40/50,-mas continua sendo um dos grandes prazeres da classe mdia paulistana. Maria Rita Kehl

INTRODUO

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Cine IMPERIAL(1984) Fonte: CCSP/Joel La Laina; Em 1982, a Equipe Tcnica de Cinema da Diviso de Pesquisas do Centro Cultural So Paulo/CCSP iniciou um levantamento sobre as salas de cinema da capital , com o propsito de oferecer alguns subsdios para melhor compreenso das causas e efeitos da crise que afeta o conjunto da atividade cinematogrfica. Em tal conjuntura, nada mais natural que tentar conhecer mais a fundo o circuito exibidor que, aps dcadas de decantada prosperidade, vinha apresentando, desde os anos 60, sintomas evidentes de deterioo, com seus reflexos atingindo reas conexas. O certo que em meio crise instalada, acentuou-se uma tendncia de atribuir ao segmento exibidor a responsabilidade maior na formao deste quadro adverso estigmatizando-o pelo suposto compromentimento de todo um esforo de viabilizao do cinema brasileiro, sobretudo no que diz respeito produo de filmes. De certa maneira poderia ser diferente, pois nos pimeiros anos de sculo, Produo & Exibio estiveram identificadas, confundindo- se muitas vezes nas mos dos imigrantes que introduziram o cinema entre ns, numa poca em que os filmes eram exibidos como atrao em feiras e parques de diverses, atravs de esquemas rapidamente superados com a implantao de pontos fixos exibio. Aqui em So Paulo, a primeira sala regular para projeo de filmes- o BIJOU-PALACE- data de 1907 e na sua esteira, inmeros outros endereos surgem no centro da cidade, principalmente no tringulo compreendido pelas ruas Direita, So Bento e XV de Novembro. A aceitao popular alcanada pelo cinema nos anos seguintes teve o efeito de multiplicar os pontos de exibio e promover

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a promover a primeira forma de hierarquizao das salas: de um lado as que funcionavam em instalaes mais apropriadas aos espetculos teatrais- com frisas, camarotes, balces em forma de U- e, de outro, as de funcionamento precrio, sem condies mnimas de higiene e com grandes riscos de acidentes. Se que existe uma grande matriz organizativa para o circuito cinematogrfica paulistano , ela vem dos EUA, sem dvida, onde j em 1910, mais ou menos, eram feitos grandes investimentos na construo de verdadeiros palcios cinematogrfico para atendimento de uma clientela obcecada pela arte das novas civilizaes. Neste projeto de popularizao do cinema, os estdios que se formaram na costa oeste tiveram um papel importante ao estabelecer vnculos estreitos com o setor da exibio, controlando milhares de salas em todo territrio norte-americano, at que a aplicao de uma lesgislao antitruste, j nos anos 50, pe fim integrao do trip produo/ distribuio/ exibio , desmantelando um sistema que havia sido a base do poderio da industria cinematogrfica. A concepo norte-americana de circuito acabou por vingar em boa parte do mundo e para isso contriburam decisivamente os interesses da Paramount, Fox, Metro, UA e outros estdios, que vislumbraram desde cedo a possibilidade de formaao de um mercado internacional para seus produtos . No de espantar , visto de hoje, que o ccine METRO paulistano, inaugurado em 1938, tivesse as mesmas caractersticas daqueles da Broadway ou Champs Elyses, como comenta um embascado cronista da poca. ele no sabia, mas o nosso Metro era igualmente muito parecido com os de Bogot e Cidade do Mxico sem contar o de havana. Estabelecido o padro arquitetnico, observa-se que ele transita na mesma vertente dos filmes realizados por 10 Holywood, ou seja, reflexo de uma mesma concepo artstico- comercial. Nesta linha o cinema, ou a situao cinema, como gostam de dizer os estudiosos franceses, no se limitava apenas quilo que ocorria na platia obscurecida, mas tambm a tudo que vinha antes ou depois. Os filmes podiam constituir a parte mais importante do espetculo, mas isso no encerrava a questo, pois a aventura abrangia a prpria arquitetura das salas, planejadas para preparar o esprito do espectador para o que seria projetado na tela. E no foi toa que os cinemas aqui em So Paulo ganharam nomes pomposos como REX, ROXY, CAPITLIO, IMPERIAL, PLAZA, ODEON, PALCIO, PERA, BABYLNIA,

e da por diante, palavras mgicas multiplicadas pelo tino comercial norte-americano e que se repetiam de cidade em cidade, de pas em pas como espcie de garantia de um grande espetculo. Em So Paulo, esta garantia se manifestava frequentemente na existncia de colunas(s vezessem nenhum sentido funcional ), utilizao massiva de espelhos, mrmores e veludos, compondo delrios metfricos no esforo de criar uma suposta originalidade que atrairia o espectador . A propsito desta arquitetura suntuosa , referente aos cinemas construdos principalmente entre o final dos anos 20 e a segunda metade da dcada de 50, alguma coisa ainda pode ser encrotada hoje em dia, geralmente em mau estado de conservao, supreendendo aqui e ali ao surgir por detrs de um painel que anuncia os mais recentes filmes de sexo no MARROCOS, ou sob a camada de p explcito que cobre as paredes de depsitos ou estacionamentos. O CINEMA A MAIOR DIVERSO Durantre mais de trinta anos, o cinema reinou absoluto em So Paulo enquanto forma de recreao coletiva, atraindo crianas, jovens, homens, mulheres e velhos indistintamente. Nem mesmo a inaugurao do Estdio Municipal do Pacaemb, em 1940, causou algum defeito maior, pois ainda que se realizassem ali grandes espetculos do esporte das multides, tratava- se de um programa exclusivamente masculino. Enquanto isso, o cinema era para todos , formando uma massa crescente de aficionados que tinham disposio um nmero cada vez maior de salas e at uma regio nobre ou chicno centro da cidade - a Cinelndia - cenrio apropiado para o desfilar da elegncia paulistana. Embora no tenha sido a primeira sala a ser construda segundo os cnones da arquitetura cinematogrfica, o UFAPALACE constituiu um marco deste tipo de edificaes. Rino Levi, autor do Projeto, se preocupa com questes do tipo visibilidade, acstica (os filmes j so sonoros), circulao de ar, acessos platia, tudo no sentido de atender com funcionalidade e conforto aos quase quatro mil espectadores de sua lotao mxima. Estamos em 1936, poca em que ainda so numerosos, cinemas como SANTA HELENA ou PEDRO ll, no deixam esquecer que o teatro o legitimo antecessor da sala de cinema, na medida em que configuram uma espcie de sntese entre a organizao interna do teatro e o ambiente obscurecido, onde o que brilha a tela iluminada O advento do cinema falado representa a decadncia dos

cinetreatos ( e cinemas meramentes adaptados) e assim, os camarotes - peas estranhas na nova disposio- perdem sentido. fcil entender isso. que o teatro enquanto espao fsico, proporciona oportunidade para exame mtuo da platia, espraiando o espetculo que se centraliza no palco para tudo em sua volta. No cinema no. Todos esto de olho fixo nas imagens projetadas na tela e o que destaca a tcnica que termina por deslocar a sociabilidade, os ndices da hierarquia social e os elementos decorativos baseados em principios da suntuosidade arquitetnica para a sala de espera , hall de entrada, marquise monumentalizada ou iluminao ferica. No seria exagero afirmar que o cinema nos colocou em contato com a tcnica moderna do sculo xx, determinando nosso ingresso na esfera da indstria cultural, a partir d influenciado os hbitos e padres de comportamento da populao,copiando penteados ou perfis de bigodes, maneiras de andar, beijar, de sorrir, antecipando como se fosse um trailler o que ocorreria dcadas depois sob o poder acachapante da televiso. Ns procuramos situar os cinemas na sua integrao ao ritmo da cidade, na sua sincronizao com os tempos correntes e no chegou a causar-nos supresa a constatao de que o slogan famoso- O CINEMA A MAIOR DIVERSO- refletiu fielmente o envolvimento profundo do paulistano com a stima arte, como se dizia. Nos anos 40 e 50, as salas de cinema eram frequentadas com uma assiduidade que poucas cidades do mundo podem ter hoje a seu crdito, inflando o orgulho paulistano , que se vangloriou na ocasio do IV Centenrio de vender mais ingressos na cidade que em vrios pases europeus. Mas seria isso apenas uma questo de gosto? Certamente que no. Entre outros motivos para a frequncia intensiva estavam tambm as prprias caractersticas da cidade que, apesar de seu crescimento geomtrico, nunca foi prdiga na oferta de opes de lazer aos seus habitantes( a no ser recentemente) o que , secundariamente serviu para consolidar uma imagem levemente caricatural do paulistano obcecado pelo trabalho e esquecimento da vida. O projeto AS SALAS DE CINEMA EM SO PAULO se props a realizar uma primeira aproximao com um tema praticamente intocado- o circuito cinematogrfico- no perodo que vai da chegada dos talkiens no final dos anos 20 at os nossos dias, quando o impulso de frequentar os cinemasse desvinculou das emoes especiais que cercam um evento

social, reduzido que est ao sentido prosaico de uma alternativa, provalmente a mais popular, entre outras modalidades de lazer ao alcance da maioria da populao. Este itinerrio percorrido no intervalo de dois anos,contm omisses e estas devem ser debitadas em sua maioria completa ausncia de informao sobre os nossos cinemas , principalmente se foram fechados h algum tempo. A falta de registro exigiu consultas memria de antigos frequentadores, que invariavelmente recuperam o ritual cinematogrfico: as multides, a elegncia das toilettes, o burburinho da platia e, afinal, o congo eletrnico precedendo a apagar das luzes......

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Uma noite no PERA (anos 40). Fonte: Cinemateca Brasileira

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NAS PRIMEIRAS DCADAS DO SCULOSe fosse possvel indicar, pelos traos de um diagrama, tudo quanto veio influindo sobre os rapazes e as moas de hoje, o football e o cinematographo que teriam, provavelmente, os pontos mais culminantes da curva. Porque, em verdade, nada tem empregado mais os rapazes do que o sport do ponta-p e, quanto as meninas, nada as tem interessado mais do que o cinematographo. (O Estadinho, 24/3/1919)

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Parque do Anhangaba (1928). Fonte: DPH / SMC

Neste mesmo local funcionou o BIJOU-PALACE (1907), primeira sala de exibio regular na cidade. Fonte: DPH/ SMC

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Ao final da primeira dcada do sculo, como observa a crnica Coisas da Cidade, publicada na edio vespertina de O Estado de S. Paulo (OESP), o interesse da populao paulistana por futebol e cinema (neste tempo ainda nomeado cinematographo) enorme, motivando desde j as preocupaes do colunista quanto s imagens projetadas na tela. Alqumas linhas adiante, ele vai se confessar chocado com os filmes que as crianas esto assistindo nas vesperais e especula at sobre a inoportunidade delas frequentarem tais ambientes dadas as cenas perniciosas que fariam - de acordo com suas prprias palavras - corar o clssico frade de pedra. Mas que imagens seriam estas afinal? Dante Ancona Lopes, com mais de 50 anos dedicados atividade cinematogrfica em So Paulo, arrisca um palpite: devia ser algum faroeste, dos primeiros que chegaram Importa reconhecer a popularidade do cinema na capital paulista, a esta altura com cerca de meio milho de habitantes e parcela significativa de sua populao constituda de imigrantes, principalmente italianos, espanhis e portugueses e seus descendentes, muitos deles participantes nas manifestaes operrias que haviam a balado a capital algum tempo atrs.1 A cidade est perdendo a inocncia do final do sculo XIX. Cresce em ritmo acelerado e alcana j, graas importncia econmica do Estado, uma repercusso alm- fronteiras. O grande poder de atrao exercido pelo sport do ponta-p e pelo cinematographo, situa a iminncia de um perodo em que tais modalidades de diverso pblica obtero a preferncia absoluta do

paulistano, com mobilizao de tal ordem, que se falar em multides e fortunas em arrecadao, coisa at ento insuspeitada. Mas o cinema ainda funciona em bases precrias, explorado por empresrios do ramo de diverses, pequenos negcios familiares, e falta-lhes uma viso moderna para desenvolver todo o potencial do mercado em formao. Com certeza, faltam tambm recursos para vos mais arrojados. De qualquer forma, entre os proprietrios de salas de espetculo destacamse alguns nomes, entre eles o de Francisco Serrador, pioneiro na explorao da primeira casa que se dedica integralmente ao cinematographo, o BIJOU-PALACE. E no decorrer dos anos 20 que os negcios no ramo da exibio tomam impulso definitivo e so abertas algumas salas ostentando j algum luxo e sofisticao. Em 1926, o correspondente paulista da revista Cinearte registrava: Abre-se o Cine ODEON... sem que haja uma s coluna a servir de empecilho vista do espectador, o novo ODEON a cpia de um desses esplndidos cinemas da Broadway. 2 Apesar da inaugurao auspiciosa, a cidade no conta com um sistema de exibio organizado, nos moldes do circuito existente em Nova York, onde a resposta apaixonada do pblico estimula lances audaciosos. A grande metrpole americana - para onde viaja regularmente F. Serrador a fim de se inteirar das novidades - j conta com uma infra-estrutura de exibio funcionando em harmonia com o setor de produo, compondo uma mquina perfeitamente azeitada. As salas - luxuosssimas - se multiplicam, e a fama dos palcios nova-iorquinos planejados por Eberson ou Rapp & Rapp corre o mundo e inevitavelmente chega tambm ao Brasil. Comenta-se a elegncia, o esplendor dos interiores inspirados em temas orientais ou clssicos, ambientes luxuosos que se pretendem culturais atravs da presena de esttuas de Beethoven, Scrates ou Michelangelo. No af de oferecer atraes cada vez mais extravagantes e chiques, chega-se rpido ao delrio. O Loews de Nova York, na rua 72, oferece at o dg-checkroom, composto de cinco canis, onde pressurosos funcionrios cuidam dos animais enquanto seus proprietrios desfrutam da beleza do espetculo Nossos cenrios no tm tantos recursos. Mas Serrador, j instalado no Rio de Janeiro, batalha pela implantao na capital da Repblica, de uma rplica, algo como uma mini-Broadway, a ser criada no centro da cidade e que ficar conhecida at os nossos dias como a Cinelndia. Ele se estabelece no Rio (deixando aqui funcionrios de sua total confiana, entre eles J. Llorente), porque ali existem mais condies e apoio para a implantao de uma moderna estrutura no ramo das

diverses, onde o cinema desponta soberano. Serrador tem plena conscincia de que em torno do cinema outros negcios rendosos surgiro. Gasto Pereira da Silva, em Serrador - o criador da Cinelndia, conta: -.. Foram ento aparecendo os primeiros bares da Cinelndia, as sorveterias, alguns pequenos cafs e, sobretudo, uma novidade que assinalou a poca: o cachorro quente. Vinha gente de longe, at mesmo de bairros distantes, procurar o sanduche famoso, que era um pedao de linguia quente num pozinho macio... Acreditamos mesmo que o cachorro quente muito contribuiu para a formao da Cinelndia. E ele era mais uma inovao de Serrador. O tom da biografia claramente incensatrio, deixando supor uma obra de empreitada, mas faz notar que ao redor do culto cinematogrfico que ocorrem inmeras mudanas nos hbitos e padres de comportamento da populao urbana. E ainda Serrador que tenta - numa poca em que o sistema exibidor funcionava em termos amadorsticos -introduzir algumas novidades como a exibio simultnea ou horizontalizada (road show), algo corriqueiro nos Estados Unidos. Antes de terminar a dcada, a empresa ensaia algumas tentativas em So Paulo. Mas o esquema, se por um lado era relativamente simples e funcional, revela tambm inmeros inconvenientes E que na falta de vrias cpias de um mesmo filme, um funcionrio da empresa, com flego de atleta, sai correndo pela cidade, de um cinema a outro, carregando as pesadas latas de filme. Termina um rolo no cinema A e ele sai disparado em direo ao cinema B. Obviamente no deu certo. Em 1927, um episdio agita o ambiente exibidor paulistano. A Metro arrenda vrios cinemas para descarregar neles sua produo, marginalizando, em consequncia, outros produtores/distribuidores. As boas perspectivas iniciais se revelam, algum tempo depois, desastrosas. A Metro desiste do negcio e, ao se retirar, 15 deixa inmeros proprietrios de cinema em situao difcil, pois haviam abandonado seus fornecedores tradicionais. Embora Serrador d demonstraes de ousadia empresarial, no ser ele quem oferecer a So Paulo a inovao saudada efusivamente na imprensa. A cidade obtm a primazia - em toda a Amrica do Sul - no lanamento do cinema sonoro, dos filmes falados, ou talkies, como se dizia. O cinema sonoro chega pelas mos de J. Quadros, empresrio do ramo, transformado em gerente geral do novo PARAMOUNT, cujas reformas custaram 400 contos de ris ao estdio americano para transform-lo num cinema de classe. O luxuoso PARAMOUNT, na avenida Brigadeiro Luiz Antnio, ficava afastado do centro da cidade (circunscrito na poca ao

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O cine ODEON (anos 30), na rua da Consoloo, funcionava com duas salas, Azul e Vermelha. Fonte: O Espao dos sonhos

tringulo formado pelas ruas Direita, So Bento, XV de Novembro e imediaes) e as novas instalaes fazem at esquecer que ali j funcionara uma praa de touros, diverso popular no incio do sculo, posteriormente adaptada em depsito da Prefeitura para abrigar os cadveres de vtimas da gripe espanhola que atingiu So Paulo em 1918. o PARAMOUNT o mximo. Seu estilo neo-clssico afrancesado e sua suntuosidade rivalizam com a do Teatro Municipal, calcado no Opera de Paris, at ento o parmetro mximo de elegncia e cultura. Otvio Gabus Mendes, correspondente paulista de Cnearte, sob as iniciais OM, comenta na edio de 24/4/1929: So Paulo lucrou com isso. Principalmente por ter um dos melhores cinemas da Amrica do Sul, e alm do mais pelo facto de terem sido nelle, introduzidos antes de qualquer outra localidade da Amrica do Sul, aparelhos movietone e vitaphone, que tanto vem dando comentrios s imprensas cinematogrficas mundiais. E o PARAMOUNT, alm do mais o cinema que fazia falta So Paulo. A beleza magnfica de sua construo tem dado o que falar e as enchentes formidveis que apanhou so, sem dvida, o testemunho que o pblico lhe d de que aplaude qualquer iniciativa, conquanto que ella seja ba de facto. Parabns!. Guilherme de Almeida, na sua coluna em O Estado de S. Paulo no fica atrs nos elogios: A Paramount acaba de dotar esta capital com um novo cinema perfeitamente altura do nosso progresso Sbrio e elegante, todo elle construdo, decorado mobiliado com intuito de proporcionar o mximo conforto. O cine PARAMOUNT obedece uma arquitetura discreta - Luiz XVI modernizado e a uma excellente disposio interna. Sob uma grande marquise que agasalha toda a calada de mosaico, as portas de fcil ingresso abrem-se amplas, ladeando a bilheteria onde vrios guichets facilitam a venda de entradas. O Hall que no bem uma sala de espera amplo, alegre e claro, com balces e galerias que do acesso s localidades do pavimento superior. A sala de espetculos, vastssima, com uma forte inclinao, para que de todos os pontos a viso seja fcil, tem um excelente systema de ventilao e de iluminao. (...) O apagar e acender das luzes faz-se por

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Os talkies alteram o padro tcnico para a exibio, ao mesmo tempo que a conquista do pblico ganha novos rumos: O cinema que vai ser o seu cinema. Anncio em O Estado de S. Paulo de 29/4/1929

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Arranhando o cu, o Martinelli. Anncio em O Estado de S.Paulo de 2/9/1929

nuances que no ofendam a vista. Construo toda de concreto armado, no h alli uma nica columna.4 O que sobressai nos comentrios so as expresses de jbilo pela chegada destas inovaes. OM diz que o novo PARAMOUNT um cinema que fazia falta a So Paulo, enquanto Guilherme de Almeida, mais explcito, agradece o novo cinema, que considera perfeitamente altura do progresso da capital. A concepo suntuosa das salas e o luxo ostentado parecem avalizar os esforos civilizatrios da elite local e por isso que se insiste tanto no mrito de ser a terceira cidade do mundo (fora dos EUA) e primeira da Amrica do Sul a contar com tal engenho. Isso j a coloca num patamar acima do habitual, equiparando-a a outras metrpoles. a nova dinmica do setor industrial que se impe, ampliando os limites rgidos da sociedade agroexportadora. A existncia de milhares de fbricas -cerca de 2 mil j em 1916 - contribui para a transformao da paisagem humana, com a presena dos operrios, artesos de pequenas oficinas e outros trabalhadores especializados. Mas isto no basta. So Paulo se ressente ainda da falta do verniz social, o que deixa a nova burguesia local em posio de inferioridade em relao ao Rio. Desta forma, todos os sinais exteriores do chamado processo civilizatrio - e os cinemas constituem elemento importante nisso - so bem-vindos pela imprensa. H muita empolgao e otimismo, sensaes que se exorbitam a cada arranha-cu levantado. Deste perodo, um dos marcos mais significativos ser o Prdio Martineili - o maior da America do Sul -, onde, ainda em 1929, mais precisamente em outubro, ou seja, meses aps o PARAMOUNT, abre-se com toda a pompa o cine ROSARIO. OM, de Cinearte, subiu no prdio impressionado com suas dimenses, e na descida descobriu o novo cinema, onde, de acordo com suas palavras, seria possvel passar horas de gozo espiritual imenso, graas ao Commendador Martineili, homem que comprehende a vida com as suas differentes nuanas, provando que homem de bom gosto. Inaugurado com a presena de importantes autoridades, no meio das quais se deptacava a figura nobre do Prncipe de Gales, o ROSARIO era um sonho. Para Rubem Bifora, decano da crtica cinematogrfica, nunca houve um cinema igual na cidade. Revestido em mrmore de Carrara, decorado com p de ouro, cabeas de animais em bronze, lees em tamanho natural formando o brao do sof em couro legitimo, cristais, lustres tchecos carssimos, foi dos prirneiros a ter poltronas estofadas e, para o crtico, o novo cinema era

superior, em muitos aspectos, aos teatros municipais de So Paulp e Rio. Para frequentar e usufruir do luxo do ROSARIO o paulistano se engalanava. Traje escuro para os senhores (polainas, cachecol, chapu) e toillete completa para as damas. A garoa paulistana cuidava de assegurar uma paisagem externa adequada: um ar londrino que tornava a capital, nas palavras de habitantes nostlgicos, uma das mais belas cidades europias do mundo. Mas, para a cena ficar perfeita, era preciso resolver alguns problemas surgidos justamente com o advento dos talkies. O filme falado provocou desemprego entre artistas e msicos. Os conjuntos musicais e orquestras, os treinadores de cachorros, ilusionistas, palhaos,

lutadores, perderam um ponto privilegiado para se apresentarem. o cinema mudo havia proporcionado o desenvolvimento de certos espetculos - pelo menos nas salas mais confortveis - agora no mais requisitados. Outra funo que se torna obsoleta a do contra-regra, responsvel at aqui pelos sons e rudos (patas de cavalo, tircs, troves, latidos etc.) que acompanham os filmes.

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Poltronas de couros, luzes indiretas e uma luxuosas decorao faziam ROSRIO o cinema mais chic da cidade. Fonte: A Cigarra, 1a quinzena de Setembro de 1929

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Sala de espera do cine ROSRIO Fonte: A Cigarra, 1A quinzena de setembro de 1929

A banda do antigo cine REPBLICA(1930) era uma das atraes dos programas Fonte: Arquivo Ricardo Mendes.

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O primeiro cine Repblica. Fonte: Agncia Folhas

Monteiro Lobato era francamente favorvel aos talkies e tinha opinio formada sobre o assunto. Segundo Mximo Barro, ele reagiu favoravelmente porque o cinema falado significava o fim daqueles tocadores de latinhas, daqueles arranhadores de barbante.... OM em Cinearte tambm critica os espetculos apresentados nos intervalos das sesses, segundo ele, repetitivos e pouco interessantes. De qualquer forma ficaram afastados dezenas de profissionais que se apresentavam nos palcos, alguns deles da estatura de um Batista Jr., Ernesto Nazareth, Maestro Souza Lima ou Cornlio Pires. Mas havia ainda um outro problema a ser resolvido. Era o prprio som dos filmes. A sincronia entre a faia e imagem era obtida atravs de um processo batizado de vitaphone, de concepo bem simples. A trilha musical, as falas, os efeitos sonoros vinham gravados num disco, colocado a rodar simultaneamente ao filme. S que no dava certo. A pelcula sempre est sujeita a acidentes, inevitveis com o passar dos dias de exibiao, implicando a inutilizao dos fotogramas a unidade bsica da imagem cinematogrfica - que so cortados do filme. A perda de poucos fotogramas geralmente no percebida pelo espectador, mas se a imagem est acoplada ao disco (e este permanece intacto ou quebra-se de vez) surgem situaes constrangedoras. A impossibilidade de compensar no disco a perda de imagem acabava com a sincronia, e a defasagem pode ser um pequeno descompasso labial ou atingir a dimenso grotesca quando num dilogo entre o casal, a fala feminina ouvida quando ele est confessando o seu amor. E vice versa.5 Com o vitaphone o cinema falado no teria futuro. O pblico reage e chama o processo de tapiofone, demonstrando com clareza seu nimo diante da inovao tcnica. A mudana veio um pouco depois com 22 o movietone, processo mais aperfeioado - o som j vem impresso na pelcula - que resolve a questo da sincronia e assim confere credibilidade aos talkes. Apesar de uma impresso geral bastante favorvel s condies de funcionamento dos cinemas neste momento de transio do perodo mudo para o sonoro - que vai marcar tambm a afirmao da Stima Arte como diverso de massa -, o fato que vez por outra surge uma crtica aos cinemas paulistanos. OM indiretamente cita as condies sanitrias deficientes, a higiene duvidosa. Inmeros locais abertos ao pblico so adaptaes bastante precrias, sem conforto. E nas telas de alguns cinemas projetam-se imagens chocantes!

So os cinemas s para homens. O TABARIS, na rua Formosa, vizinho ao Fronto Nacional, templo da pelota, especializa-se nestes programas. Os ttulos dos filmes so bastante sugestivos: Ginecologia e Obstetrcia, Rasputh e As Mulheres, geralmente pelculas antigas em que se faziam enxertos de cenas apimentadas. Em 1935, a Platea publica o anncio: cine TABARIS, rua Formosa, 18-A. Hoje, a partir das 14 horas, sesses corridas com a exibio do grandioso filme do gnem s para adultos: Vcio e Perversidada Magnficas cenas de forte realismo e n artstico: PROHIBIDO para menores e senhoritas. Simultaneamente, no Brs, inaugurado o maior cinema da Amrica do Sul - o BABYLNIA -, aclamado como tendo mais de quatro mil lugares mas que nos registros oficiais no ultrapassava 3.700. Para as duas sesses inaugurais foi escolhido Clepatra, com Claudete Colbert no papel-ttulo, visto por quase nove mil pessoas, confirmando o Brs como segundo territrio cinematogrfico em importncia na cidade, s perdendo para o centro. E preciso notar que, at aqui, vrios cinemas resultam de adaptaes de teatros, rinques de patinao ou galpes construdos para finalidades diversas. No caso dos teatros transformados, a tendncia conservar os interiores praticamente intocados, como se atesta no SANTA HELENA, que funcionava no palacete do mesmo nome. Segundo o crtico Rubem Bifora, a decorao era em art-nouveau, com escadarias em mrmore de Carrara, espelhos e vidros franceses. Na-o muito longe, na rua Direita, o ALHAMBRA, em estilo rabe, lembra uma mesquita. Um dos ltimos cinemas em estilo artnouveau o PEDRO II no Anhangaba, aberto em 1930. Instalado num palcio, tinha camarotes com portas individuais de acesso. No OBERDAN (Brs) existiam esttuas de cimento, o teto era em azulejos portugueses representando cenas e uma cpula semelhante do Teatro Municipal.6 Do outro lado da, cidade, em direo Lapa, o cine SANTA CECILIA, da Empresa Serrador, segue uma tendncia da arquitetura cinematogrfica americana, que se pauta pela opulncia e todo concebido sobre temas orientais, motivando os mais rasgados elogios da crnica especializada e do pblico, quando inaugurado em 1930.

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Um grande congestionamento nas proximidades do largo da Concrdia marcou a inaugurao do cine BABYLNIA.... Fonte: O Estado de S. Paulo de 14/4/1935.

NOTAS1. A participao de estrangeiros na populao paulistana em 1920 chegava a 35,7% (206.657). Fonte: IBGE. 2. No cine ODEON, o primeiro dividido em duas salas, na capital (a azul e a vermelha), era tambm o local onde se promoviam, nos anos 30, animados bailes carnavalescos. As poltronas eram retiradas para que o pblico casse na farra -de acordo com os padres em voga em meio a acirradas batalhas de confete e serpentina. 3. In Flim Comment The Late Great Movie Palaces, p. 31, MarchApril, 1979, vol. 15, n 2. 4.OESP, 14/4/1929, p. 14. O primeiro filme sonoro exibido na cidade Alta Traio, dirigido por Ernst Lubitsch, com o ator Emil Jannings. 5.O expediente mais utilizado quando ocorre algum dano que implica a perda de alguns fotogramas substituir o trecho danificado por um pedao de filme (ponta preta) na medida exata do que foi substituido. Mas nem sempre d certo. 6. Depoimento de R. Bifora, prestado Diviso de Pesquisas em 1982.

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Dramas e cinejornais so o forte da programao nos bairros na metade da dcada de 20, fazendo dos cinemas a grande opo para o divertimento familiar. Cineteatro SO JOS, no Belm. Fonte: O Espao dos Sonhos

1 O comeo da exibio cinematogrfica na cidade foi marcado pela adaptao de antigos teatros de variedades. A programao inclua espetculos intercalados com a projeo de filmes. 1. Cineteatro COLOMBO (anos 20), no Brs. 2. Cine CENTRAL (1916), no Abhagaba. 3. Cineteatro SO PAULO (anos 20). na S. 4. Cinetreato SANTA HELENA (anos 20), na Barra Funda. 5.Cineteattro SO PEDRO (anos 20), na Barra Funda.

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Na pgina seguinte , o cine avenida (anos 20), no largo do Paisandu Fonte: O espao dos Sonhos

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28Programas de cinema na dcada de 20 fonte: Cinemateca Brasileira

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Cine ALHAMBRA(anos 20), Localizada na Rua Direita, foi um dos primeiros cinemas elegantes do Centro Velho. Era Programa obrigatrio da sociedade paulistana, junto com as casas de ch e os cafs Fonte: O Espao dos Sonhos

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Cineteatro PAULISTANO (anos 20). Na rua Vergueiro, um exemplo da interao com o teatro Fonte: O Espao dos sonhos

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Localizado no Largo do Arouche, o COLYSEO PAULISTA (anos 30) exibia as produes da UFA. O logotipo da empresa alem sugeria a sustica Fonte: O Espao dos Sonhos

OS PALCIOS CINEMATOGRFICOS

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UFA-PALACE(1936) Vista noturna da fachada. Fonte: Rino Levi Arquiteto. Basilea/ So Paulo, Service des Pays S.A., 1940

O centro da cidade,no obrigatoriamente o geogrfico, mas o que se torna referncia obrigatria, ponto de passagem inevitvel que parece concentrar a alma da cidade, inicia o seu deslocamento -abandonando o tringulo formado pelas ruas Direita, So Bento e XV de Novembro - em direo avenida So Joo e arredores, onde j se concentram hotis luxuosos, leiterias, casas de ch, lojas modernas e cinemas. O UFA-PALACE, por exemplo. O UFA-PALACE est altura do progresso de So Paulo, dir mais uma vez o cronista da poca. Sua edificao expressa nova maneira de conceber uma sala decinema, pelo menos aqui entre ns. O projeto de Rino Levi est alerta a uma infinidade de detalhes. A visibilidade do espectador dever ser perfeita de todos os pontos, observando sempre que uma linha dos olhos at o limite da tela no pode ser interceptada por nada, pela cabea de ningum. So feitos estudos de acstica, iluminao, ventilao, acessos, qualidade de projeo, resultando num conjunto funcional e confortvel. A construo, sob responsabilidade da Sociedade Constructora Brasileira Ltda., iniciada em 15 de maio de 1936 e concluda ao final de outubro. So 3.139 lugares, divididos entre a platia (1.860 poltronas) e o balco (1.279). Completando, um pequeno palco para representaes e uma plataforma mvel. As paredes, de acordo com a descrio da Revista Po Iytechnica, eram de cor palha com leve matiz ouro, obtida com reboco de cimento penteado, um reboco composto de gros de quartzo e madreprola, p de mrmore, mica, cimento branco e pequena dose de tinta em p.1

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Com o UFA-PALACE, Rino Levi introduz uma arquitetura onde a luz a principal elemento Fonte: Rino Levi Arquitetura

A descrio do Correio Paulistano era mais entusiastica: O UFA-PALACIO, o novo cinema de So Pauio, parece que saiu de algum livro de WeIIs. As suas linhas lisas e modernssimas, o seu sistema de iluminaao que, no fazendo sombra nos rostos, torna todo mundo mais bonito e mais jovem. As duas cores escolhidas para a decorao, o creme e o brique, tudo numa harmonia deliciosa torna o UFA uma sala de diverso como antes s fora vista nos prprios filmes. A sesso de hontem, dedicada ao mundo oficial, imprensa e a um grande nmero de convidados, foi iniciada com um trecho de Carlos Gomes e causou impressao espiendida, no s como msica, como a orchestra brotando do solo, para em seguida desaparecer, logoterminada a msica.2

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Sala de espera Fonte: Rino Levi Arquiteto

Na sequncia, corte longitudinal da sala e acesso platia. Fonte: Rino Levi Arquiteto:

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Nos dias que antecederam a inaugurao,jornal cuidou de promover um concurso para saber qual filme alemo deveria ser exibido na abertura da sala, alimentando as expectativas com fotos dos diretores da UFA que deveriam chegar a bordo de um dingivel. O vencedor, na preferncia dos leitores1 foi Boccac lo, projetado na sesso de estria. Num momento em que o cinema americano ocupa a maioria das telas em So Paulo (e no resto do mundo), parece paradoxal que no sejam empresas americanas a investir na construo de cinemas, seguindo o exemplo da Paramount, e sim a UFA, empresa estatal alem. No deve ser desconsiderada a disputa diplomtica que se desenrola a nivel inter-nacional, onde o cinema arma valiosa para angariar simpatias. Ironicamente, a Inaugurao do belssimo e funcional UFkPALACE ocorre no mesmo dia em que as manchetes dos jornais paulista-nos noticiam a entrada de Franco em Madri, bombardeada pela aviao nazista. Mas acima das questes ideolgicas, o UFA deslumbrava por igual a todos os seus frequentadores. Foi um salto qualitativo na construo das salas e definiu de vez a localizao da Cinelndia paulistana, territrio de contornos flutuantes, mas que sempre inclui a avenida So Joo, o Largo Paissandu, o Santa Efignia, a avenida Ipiranga. Andando pela So Joo em direo ao bairro o limite ficar estabelecido com a edificao do Cine METRO.

A maioria dos cinemas da poca possua balces, permitindo a cobrana de preos diferenciados. No balco do UFA vemos nas laterais as fileiras de poltronas chamadas namoradeiras.

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Menos de dois anos depois do dbut consagrador do UFA, a Metro Goldwyn Mayer instala sua prpria sala: Um frmito de emoo! O METRO possui todos os aperfeioamentos das salas de exibio da Broadway e Champs Elyses!. As reportagens explicam como funciona o ar condicionado, equipamento desconhecido do pblico: um espectador que entrar molhado de chuva ou suor, pode, sem perigo algum para a sua sade, assistir a toda uma sesso no METRO: a roupa e a peile seccarse-o sem resfriamento.3 A entrada triunfal do Cine METRO no circuito ofusca um pouco o UFA. Guilherme de Almeida escreve: Um novo, poderoso eixo vara a cidade de So Paulo, girando, centrpeto. Esticada, recta, entre duas montanhas symblicas de nossa grandeza O Jaragu, a montanha histrica que Deus fez; e o Martinelli, a montanha moderna que os homens fizeram - a Avenida So Joo, centralizadora, attrahente, magntica, vae chamando a si a vida urbana, que a elIa se gruda e com elia roda empolhada toda de arranha-cus, apinhada de autos e trams, inchada de pencas de gente, borbulhada de cachos de luz... E - synthese da vida de hoje, indice infalvel do progresso desses tempos - o cinema tambm para all converge, escancarando as suas portas e imam para a dcil limalha humana. O BROADWAY, o UFA e agora, hoje, esta noite, mais um: o Cine METRO. Impresso geral recebida na tarde de hontem, durante o cordialssimo cocktail offerecido imprensa - o Cine METRO, como o metro, base do sistema mtrico, fixa tambm a base de novo sistema de construo especializada. Um cinema padro, puramente cinema. Em tudo; por tudo.4

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Fachada do cine Metro. Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

Tela do cine METRO(1938) na Inaugurao. Detalhe da entrada e da sala de espera do balco. Projeto do arquiteto norte- americano Robert R. Prentice Fonte: Acrpole/ Leon Liberman.

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A cidade parece viver em lua-de-mel com o cinema. Um pblico numeroso vem acompanhando o senados desde a dcada anterior, com o fervor que a transferido para as novelas de rdio e TV. Semana aps semana a histria era interrompida justamente no climax da ao, para ser retomada no episdio seguinte. Os senados monopolizam as atenes e esto na boca do povo. A esta altura, depois de enfrentar a popularidade de outras cinematografias como a italiana e a alem, os filmes americanos se impem definitivamente na preferncia popular. Com suas descries do estilo americano de vida, da velocidade da sociedade contempornea, mostrando a vertigem das grandes cidades, os empresrios operosos e mulheres elegantes, empolgam e emocionam o redivivo espirito bandeirante que pulsa ao ritmo das mquinas modernas e constri uma casa por hora na cidade. Proliferam os f-clubes, as revistas especializadas, e jornalistas brasileiros como Olmpio Guilherme so enviados a Hollywood para cuidar da correspondncia dos fs e contar as fofocas quentinhas da Sunset Boulevard e Beverly Hils. Os anncios publicitrios apelam para o fascinio do cinema. Este de 1938, por exemplo: SEX-APPEAL. As estrelas do cinema tem SexAppeal porque gosam boa sade que lhes d alegria de viver. Use Tanagran para ter sex-appeal! Tanagran o melhor tnico das moas e das senhoras - realando a suposta ligao entre sex-appeal (uma qualidade geralmente entendida como natural, espontnea) e o uso de um produto disponvel no comrcio local. Tem sentido. E que as estrelas so o destaque absoluto nas telas, roubando a cena dos grandes atores. Os filmes mostram heroinas que desafiam tribunais, enfrentam a guerra, a famlia, a honra, tudo enfim, pelo amor. ElIa encontrou por fim o amor... em suas promessas mais fortes de fascnio e de belleza. Algum 42 que a desejava como elIa sempre sonhara. Mas, no podia ser... era impossvel levar avante a aventura maravilhosa que elIa mesma provocara... E foge... Foge do amor que se lhe oferecia em toda plenitude de sua manificncia e sublimidade, so frases de divulgao de um filme da Paramount, com a dupla Lubitsch-Marlene Dietrich. Nada mais nada menos que uma hora e meia de lgrimas e 25 toaletes diferentes.5 O paulistano frequenta assiduamente os cinemas. de praxe. Crianas, moas, velhos, homens, casais. H filmes para gostos e idades diferentes. Gangsters e cowboys para os homens; romances arrebatadores para

as mulheres. Exotismo para todos, no centro ou nos bairros tradicionais, onde se multiplicam salas de grandes dimenses. Na vila Mariana, Cambuci, Lapa, Barra funda, Santa Ceclia e Brs. Neste ltimo so vrios: o BRS, o BRS POLITHEAMA, o MAFALDA, OBERDAN (adaptado de um teato), COLOMBO (cineteatro), BABYLNIA, e, em 1939, o maior de todos o UNIVERSO.

A correspondncia com os dolos, a proliferao dos lbuns de figurinhas e os altares montados s portas dos cinemas mantinham a aura do espetculo, fixando o cinema como o grande diverso do paulistano Fonte: Arquivo Ricardo Mendes / Cinemateca Brasileira (altar do cine PERA, anos 40)

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44 Outro projeto deRino Levi, agora no Brs, O UNIVERSO(1938), situado numa galeria, era maior cinema da cidade, com quase cinco mil lugares Fonte: Rino Levi Arquiteto.

Cine Universo Balces e tela. abaixo, corte longittudinal, em que se v a cpula mvel.

Fonte: Rino Levi Arquiteto

O Brs o segundo territrio cinematogrfico da cidade, em nmero de salas e bilheteria. Fracasso de pblico to raro que chama a ateno. Mximo Barro, professor de cinema e pesquisador conta a histria de um amigo, que na poca foi designado pela Cia. Matarazzo para investigar a queda de treqncia num cinema dali. Os borders indicavam uma queda sem precedente e a fiscalizao interna da empresa no descobre nenhuma irregularidade, s restando recorrer ao gerente, o suspeito da histria, que aponta os programadores como responsveis, por no entenderem o bairro que habitado por muitos simpatizantes da revolua-o de 1917 e, portanto, fs do cinema russo. Feita a experincia, o cinema encheu de novo.6 A localizao do UNIVERSO num dos bairros mais populosos - e de vasto estrato operrio - balizou o projeto de Rino Levi no sentido de observar algumas questes bsicas. O cinema deveria oferecera maior lotao possfvel dentro da mxima economiade construo, umaprioridadediversadaquela que fora dada ao UFAPALACE. Os primeiros estudos foram orientados para atender a 5.500 espectadores, divididos por uma platia (trs mil lugares), um 1.~ balco para mil pessoas e o 2? balco com 1.500. Frente a algumas exigncias do Cdigo Municipal de Obras ocorre um redimensionamento e a lotao fica ento fixada para 4.324 espectadores. Rino Levi discorda das disposies estabelecidas no Cdigo, na exigncia de um metro linear de portas de

sada ou de escada para cada grupo de 100 pessoas, mas segue as normas oficiais. Tudo pensado em detalhes e a sala ganha uma atrao extra: o forro mvel. Em noites de cu limpo e estrelado, aciona-se um mecanismo e a imensa clarabia se abre. Os cinemas so dimensionados para receber dois, trs, quatro ou at mais de cinco mil espectadores, como se previa para o Cine UNIVERSO. Na ordem de grandeza da cidade e da popularidade cinematogrfica, alguns destes transatlnticos estaro - para o agrado local entre os maiores do pais, qui da Amrica do Sul. E, de olho no recorde do Radio City Hall de Nova York, que se diz ter mais de sete mil lugares, divulgam-se nmeros fantasiosos, aumentando a capacidade dos cinemas. Outro estratagema diminuir a distncia entre as fileiras 45 para colocar mais cadeiras.7

A argumentao de Rino Levi sobre as relaes entre o espao interno x nmero de espectadores procedente, mas ocorre num momento delicado poisa cidade ainda no se recuperou do trauma provocado pela tragdia do OBERDAN, ali mesmo no Brs. As manchetes do dia 12 de abril de 1938 relatavam a cena terrvel: 31 pessoas mortas, sendo apenas um adulto, o restante com idade entre 8 e 16 anos. A reportagem do Correio Paulistano conta com detalhes: As 16 horas e 30 minutos apareceram alguns rolos de fumaa na tela, dando a impresso de que algum estava fumando no cinema~ As 16:40, quando a sesso j estava no final, exibindo Criminosos no ar... um avio que aparecia na tela se incendiou. O pano se toldou de fumaa e, justamente neste momento, novos rolos de fumaa foram vistos na platia. Uma voz masculina dali ento se levantou, gritando com estridncia: Fogo! No se sabe se a pessoa que gritou se referia ao avio ou, effectivamente suposio de um incndio. O certo no entanto, que as centenas de crianas e adultos que lotavam as galerias se ergueram num mpeto de seus lugares e aos brados de fogo, fogo, abandonaram-nas, escadas abaixo.8 Pelas escadas estreitas do OBERDAN (no muito longe seria construdo o UNIVERSO), os espectadores - adultos e crianas - se jogam em pnico, caem e so pisoteadas. A cidade se comoveu com a tragdia que desencadeou uma campanha no pas por melhores condies de segurana nos cinemas exigindo-se sadas mais largas, entre outras medidas. Palestras foram feitas nas escolas para orientar as crianas sobre o comportamento a adotar em situaes semelhantes. Mas a tragdia j havia acontecido. Os fatos dolorosos envolvendo o Cine OBERDAN no chegam a inibir o espectador7 nem a empanar o prestgio do cinema que se mantm inabalvel como 46 atrao suprema. E, em 1939, mais dois endereos sao incorporados Cinelndia: o OPERA e o BANDEIRANTE, que apresenta na estria o filme Suez, com todos os ingredientes para~ cair no ~osto geral, principalmente o feminino, que chora prazeirosamente Tyrone Power e Loretta Young, grandes bilhete-rias de Hollywood, esto frente do elenco e is50 J basta para garantir o sucesso. No se guarda o nome do diretor. O que vale o gnero (farwest, romntico, de guerra etc.) e o ei enco. Se o filme conta com determinados nomes ou segue frmulas bsicas, est garantido o sucesso. Filme com Greta Garbo mobilizava multides fascinadas pelo seu charme. Um fascnio que chegou a criar situaes embaraosas: Estava no fim daCorreio Paulistano, 1./4/1938.

temporada de A Dama das Camlias com a Greta Garbo e o filme seria levado embora no dia sequmte. Mas durante a noite, algum resolveu projet-lo e no sabendo mexer no projetor acabou danificando a cpia. A empresa proprietria do cinema fez uma rpida investigao e no encontrando o responsvel resolveu agir de maneira democrtica: puniu todos ns, que nos vimos obrigados a pagar a cpia inutilizada. Depois de um bom tempo, quando tudo j estava resolvido que se descobriu o autor da faanha: um viqianot urno, apai xonado pela Greta Garbo quis vzia ainda uma ltima vez antes de ir embora do METRO. E o resulta do foi um desastre total!.9 O fato est vivo na memria de Aldo Lcio (Ald cio Laurino), projecionista - ou operador, como prefere durante mais de 50 anos, a maior parte de tempo no METRO, onde projetou E o vento levou em 1940. Ficavam seis pessoas na cabine de projeo e um

gerente americano, extremamente rigoroso, que fiscalizava at a passagem de um rolo para outro. Os filmes exibidos no METRO s seriam projetados em outras salas depois de 60 dias no mnimo. Ser operador nunca foi coisa de dar muito prestgio, mas como eu trabalhava no METRO, a coisa era diferente. Eu passava e as pessoas comentavam - ele o operador do METRONaqueles tempos no entrava nem preto nem homen sem gravata e para ns trabalhadores nos cinemas, a situao geral no era muito boa. O nosso sindicato era atrelado ao dos exibidores e dos distribuidores e s depois com o Getlio Vargas que tivemos o nosso prprio sindicato. D.Mariinha Loureno Torres, interventora em 1964 e vrias vezes escolhida presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas empresas de exibio cinematogrfica do Estado de So Paulo, entrou para o cinema em 1935, enquanto ainda fazia o curso normal. Passou por uma seleo rigorosa e enfren tou estgio/curso de 15 dias, antes de assumir sua funo de bilheteira, um cargo fundamental no cinema, pois quem fecha diariamente os borders da sala e responde fiscalizao pblica inclusive. Os treinamentos incluiam noes de etiqueta, principalmente para os porteiros e indicadores (lanterninhas). O groom do METRO uniformizado como soldado da guarda de algum palcio imperial austriaco, precisa ter a postura correta para receber aqueles espectadores que descem do automvel. Os porteiros tinham que ficar de p recebendo os ingressos. Ficavam nesta posio horas e horas seguida e ns do sindicato tentamos vrias vezes convencer os donos dos cinemas a permitir o uso de um banquinho que no traria nenhum prejuzo ao trabalho, mas que em compensao representava um conforto muito grande para o funcionrio. Imagine que para atender uma reivindicao to simples como esta eles levaram mais de 10 anos.... (...) Seleo havia e muito rigorosa. Em alguns cinemas como o ART-PALACIO e METRO exigia-se que os homens tivessem mais de um metro e setenta e precisava ser branco, ou pelo menos moreno-claro.10 Novamente um projeto de Rino Levi. O IPIRANGA um monumento ao cinema, repetem os jornais. A gente se sente achatada, sumida, sob aquela marquise majestosa, cujas luzes insinuantes parecem dizer num convicte: isto no tudo. entre e veja o que h dentro. E l dentro h um hal grande como a sala dos passos perdidos - os passos porm no se perdem e vo dar direitinho nas escadarias que se cruzam sem nunca se encontrarem porque umas levam platia e outras ao balco; este tem cadeiras to confortveis que as pessoas nem se do conta da existncia de aristocrticos pulmans. Tudo isso dentro de linhas limpas de uma arquitetura moderna, original e honesta. Quem inventou o slogan acertou: O IPIRANGA um monumento ao

cinema.11 Vivemos em pleno fastigio cinematogrfico. O filme que bate na tela e a sala de projeo esto em perfeita harmonia, formam quase que uma coisa nica, uma unio consensual. O filme era uma parte do espetculo, a parte mais importante sem dvida, mas no era tudo. O espetculo comeava j na calada, muito antes da platia ser escurecida e bastante provvel que os frequentadores vissem apenas uma parte do que acontecia no filme, livrando um olho para acompanhar a atmosfera de encantamento. Isto acontecia entre ns porque o cinema se tornara o principal ponto de convivncia (convergncia) social, o programa preferido e para o qual todos se arrumavam com aprumo e gosto. Quando algum diz que viu Seis Destinos, no vem cabea o nome do diretor Julien Duvivier, mas sim uma constatao: Ah, esteve no IPIRANGA. Estes templos,erigidos para adorao das divindades cinematogrficas provocam de acordo com lgica pragmtica do sistema exibidor, um saudvel efeito psicol ico nos frequentadores, algo como uma gratificao - vivenciar por um certo tempo ambientes de luxo, com mrmores, veludos, espelhos, banh eiros deslumbrantes - que retemp era a energia do paulistano para sua jornada semanal. Na ausncia de Francisco Serrador, falecido em 1941, Julio Llorente se transforma no perso nagem principal, recebendo os convidados que acorrem pressurosospara conhecer o IPIRANGA. Liorente encarna perteio o mito do 881f-made-man, ele que havia comeado em funes subalternas num cinema de Serrador

Novos cinemas surgem no eixo da av.So Joo, caracterizando a formao de uma Cinelndia paulistana. O PERA, inaugurado em 1939, ento uma das salas lanadoras de produes da United artists Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

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E sobre o leito da grande via paulistana, como a repelir o gesto de Pedro 1, na sua tesa altivez de espada vertical, um arranha-cu de mrmores fidalgos ergue-se, nobre e orgulhoso. As luzes modernas e fortes escrevem sobre a sua fachada: PIRANGA. Ele um puro Monumento ao Cinema: a arte mais nova das mais novas civilizaoes. Na sua ansia de atualidade, sao Paulo recebe hoje o novo IPIRANGA como uma consequenia natural da sua grandeza: daquela grandeza nascida nas margens do riacho histrico que venteu, como um seio materno, o leite sagrado que amamentou a Ptria... GuilhermedeAlmeida no anncio de inaugurao do Cine IPIRANGA. Fonte; G Estado de S. Paulo de 7/4(1943

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e fora subindo at chegar testa da mais poderosa empresa exibidora de So Paulo, que domina amplamente o mercado com dezenas de salas espalhadas por todos os cantos da cidade. Mas justamente em frente ao IPIRANGA - carto de visitas de Serrador - que se instala um empresrio arrojado cujo nome estar em evidncia da por diante toda vez que se falar de cinema. Paulo B. S Pinto est ligado ao MARABA e ao RITZ, caulas da Cinelndia. O IPIRANGA o cinema nmero 1 da cidade. Nos primeiros anos de funcionamento, apresenta durante duas semanas um filme da Fox; duas semanas um da Warner, depois um da Paramount, outro da Universal, mais um da RKO, voltando ento ao incio da corrente. No topo da hierarquia cabe ao IPIRANGA o que havia de mais prestigio50 nas Companhias distribuidoras,. A segunda quota estava reservada ao ART-PALACIO e em seguida vinha o BANDEIRANTES. Todos da Serrador.12 Pelo censo de 1940, Sao Pauto tem uma populao de 1.317.396 habitantes e a oferta de assentos nos cinemas da capital se aproxima dos 100 mil (mais exatamente 95.754), ocupados por 19.526.224 espectadores. Tais nmeros mostram que o paulistano vai aos cinemas com assiduidade, uma freqncia per capita de 15 ao ano. Nos cinco anos seguintes, mais de 20 salas so inauguradas e o aumento de pblico mesmo superior ao crescimento demogrfico. Ou seja, h um crescimento real de pblico, as pessoas vo mais ao cinema, no se trata apenas de um incremento numrico. A Cinelandia, que abriga as principais salas - ARTPALACIO, AVENIDA, PERA,, BROADWAY, RITZ, IPIRANGA, METRO, MARABA, BANDEIRANTES, PARATODOS -, atrai a grande massa de pblico. Dentre as dez salas de maior frequ-ncia em 1945, seis delas esto ali. Outras trs no Brs e uma - o SANTA HELENA 13 - na Praa da S.

NOTAS1. Revista Polytechnica, 1936, n 126. 2.Correio Paulistano, 14111/1936, p. 9. 3.OESP, 151311938. 4.OESP, 1513/1938. 5.OESP, 181311938. 6.Depoimento de Mximo Barro, prestado Diviso de Pesquisa em 21711982. A exibio dos filmes em So Paulo obedecia a um roteiro preestabelecido, que privilegiava as salas lanadoras do Centro. Terminada a temporada, os filmes seguiam para o Brs e depois voltavam ao Centro, agora nos cinemas de 2a linha (So Bento, Paratodos) e da para Santa Cecilia e outros bairros menos importantes. 7.Em 1943, trs cinemas do Brs (UNIVERSO, PIRATININGA e BABYLONIA) oferecem juntos cerca de 12 mil assentos. Em 1984, tomando a mdia atual, esta oferta s ser coberta pela soma da capacidade de aproximadamente 20 cinemas. 8.O Correio Paulistano, 12/4/1938, p. 4-6. 9.Depoimento prestado por Aldo Lcio (Aldcio Laurino), em 16106/ 1982, p. 4, ainda em atividade como operador, ele que iniciou carreira em 1918 no Cine ROYAL. 10.Depoimento de Maninha Loureno Torres, presidente do Sindicato dos Empregados de Cinema do Estado de So Paulo, em 1416/1983. Tanto o sr. Aldo Lcio como a depoente aqui, afirmam a discriminao racial nos cinemas elegantes da cidade. Vale tambm registrar que existe atualmente um Sindicato dos Operadores (projecionistas), congregando apenas estes profissionais. 11.Vamos mudar um pouco: um monumento cinematogrfico. Cinematogra-fico no sentido que lhe d o uso cotidiano, adjetivando o que parece deslumbrante ou maravilhoso. Quem nunca ouviu expresses como manso cinematogrfica ou paisagem cinematogrfica? De qualquer forma, apesar dos tempos difceis para o cinema, est ainda l registrado no Aurlio. CINEMATOGRFICO: que por sua beleza e/ou por outra(s) qualidade(s) digno de ser cinematografado. 12.Rubem Bifora. Depoimento de R. Bifora prestado Diviso de Pesquisas em 1982. O Cine METRO um caso parte. Ele s exibe filmes da prpria Metro e, portanto, escapa classificao. 13.Baseados em dados do antigo Departamento de Estatsticas do Estado de So Paulo, atual SEADE. As salas de maior pblico em 1945, de acordo ainda com os dados do Depto. de Estatsticas so, em ordem decrescente: ART-PALCIO, BANDEIRANTES, IPIRANGA, MARAB, PERA, PIRATININGA (Brs), ROXY (Brs), SANTA HELENA (Pa. da S), UNIVERSO (Brs). Logo depois estavam o CRUZEIRO (Vila Mariana) e RITZ.

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A fachada Luminosa do BROADWAY(1942) era uma referncia no cenrio da Cinelndia. As formas arredondadas da sala lembravam o projeto do Radio City Music Hall de Nova Iorque. Fonte: Acrpole/ Neon Liberman

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Cine BANDEIRANTES Construdo pela Companhia Serrador no largo do Paissandu, em 1939. Fonte: Acrpole/ Leon Liberman.

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Bilheteria, hall e sala de espera na sequncia. Fonte: Acrpole/ Neon Liberman

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55O interior das salas construdas na dcada de 30 mantinha algumas caractersticas dos antigos teatros como a decorao da platia e do balco. No BANDEIRANTES (1939) estavam presentes o jogo de luz indireta e a valorizao dos pontos de iluminao o globo junto tela. Fonte: Acrpole/ Neon Liberman

Balco do cine BANDEIRANTES. Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

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Cine MARAB(1945) Construdo em frente ao IPIRINGA, traduziu a entrada de Paulo S Pinto, no mercado, inciando uma rivalidade tradicional com a Companhia Serrador. Sala de espera, entrada do Balco e tela.

58 Fonte: arquivo Paulo S Pinto.Na pgina seguinte, vista lateral da platia. Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

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Cine Marab, platia.

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Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

Praa da Repblica em 1943 ao fundo, o edfcio do cine IPIRANGA. Fonte: Rino Levi Milo, Edizione di Communit, 1970 Com o cine IPIRINGA(1943) Rino no consegue repetir o impacto inovador do UFA. apostando no Monumental, ele busca efeitos no uso de linhas curvas e poucos detalhes na decorao

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Platia, hall e bilheteria.

63Fonte: Acrpole/ P.C Scheier Acima a sala de espera que ainda mantm as caractersticas originais(1979). fonte: CCSP/ Alex Yared.

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Ipiranga com So Joo: a Cinelndia exercia uma atrao irresistvel na virada dos anos 50. Fonte: Arquivo Paulo S Pinto

A CINELNDIA D O TOM

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Piadinha da poca: -Quantos metros tem a Avenida So Joo? -??!! No sei...uns trs mil, ou quatro mil. -Errado. A So Joo tem s um METRO

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Em qualquer parte da cidade, o cinema a porta que se abre para o mundo... Cine AMAZONAS(1956) Fonte: Arquivo Paulo S Pinto

O fim da 2 Guerra Mundial traz cinematografias diversas a So Paulo. Filmes mexicanos (da Pelmex) e argentinos haviam merecido o passaporte para alcanar nosso circuito, graas Poltica de Boa Vizinhana. Ao mesmo tempo, retoma-se contato com a produo europia, destacadamente a italiana, embora filmes franceses, ingleses e alemes (estes exibidos no cine SO FRANCISCO, proximidades da Faculdade de Direito de So Francisco) chegassem tambm. Sucesso mesmo so os filmes mexicanos. A Pecadora, com Maria Antonieta Pons (que o pblico irreverentemente chamava Ps ou Puns) permanece vinte semanas em cartaz no BROADWAY, arrecadando Cr$ 2.500.000,00, contra Cr$ 1.700.000,00 de Escola de Sereias, exibido durante tres meses no METRO. Segundo dados da Subdiviso de Tributos lanados, da Prefeitura Municipal, citados por Carlos Ortiz, assim se distribuem os cinemas lanadores do Centro, em 1948:1 AHJ-PALCIO METRO IPIRANGA OPERA MARABA BANDEIRANTES BROADWAY RITZ (S.Joo) Empr. Serrador Metro G. Mayer Empr. Serrador Empr. Serrador Cinem. Paulista Empr. Serrador Empr. Serrador Cinem. Paulista espectadores 1.824.477 1.677.355 1.388.343 1.356.684 1.279.113 1.215.416 974.623 849.255

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Como se v, a supremacia da Serrador indiscutvel. A empresa conta no apenas com o maior conjunto de salasvrias dezenas - mas tambm, e principalmente, ria das mais prestigiosas e rentveis, o que lhe proporciona cacife forte para obter o fil miqnon das distribuidoras estrangeiras. Mas no s com o cinema que a cidade se distrai e diverte. Impossvel negar a presena marcante do futebol e do rdio. A inaugurao do Pacaembu representa a consagrao do futebol que, no intervalo de trinta anos, evoluL de sport do ponta-p para esporte das multides. Pelas ondas do rdio chegam as notcias, as novelas, os grandes nomes da msica popular, as transmisses esportivas e at o cinema, pela dramatizao radiofnica de alguns sucessos em cartaz. Cinema em Casa (rdio Difusora) e congneres tinham audincia cativa e traziam para a intimidade do lar os momentos mais sublimes da Stima Arte. A frmula era simples: traduzir os scripts cinematogrfico segundo a dinmica do rdio, compensando a falta das imagens com recursos de

sonoplastia, im postao de voz e imaginao do ouvinte Alguns anncios do programa Cinema em Casa, publicados nos jornais do grupo Associ~dos, mostravam uma ilustrao onde se viam trs ouvintes sentados diante do rdio, que ostentava uma tela de cinema, fazendo com que o aparelho se assemelhasse mais a uma televiso do que a um rdio. Fixar semelhanas ou estabelecer analogias com o cinema uma prtica corrente, que demonstra o empenho em contaminar-se com o seu prestgio indiscutvel. Nos tempos pioneiros da TV no Brasil, em 1950-51, os prprios anncios para venda dos aparelhos receptores investiam no analgico: Com tal aparelho, voc tem o cinema a domiclio. o cinema dentro de casa.... Mais de 100 cinemas oferecem uma enorme variedade de atraes ao pblico paulistano. A maioria deles - cerca de 80% - fica nos bairros, e at nos pontos mais distantes do centro h uma sala funcionando. A rea de prestgio - a Cinelndia - reservada para as ocasies mais solenes, quando se quer impressionar a namorada, presentear a me aniversariante ou pelo menos passear pelo centro, um programa especial para quem mora longe e vem de nibus ou bonde compartilhar um pouco da grandeza dos prdios, da elegncia dos restaurantes e cinemas. Nos bairros, onde a oferta de diverses pblicas bem menor que no centro da cidade, os cinemas ganham destaque supremo e sua localizao geralmente identifica o ponto central ou nobre da regio. O cinema e a parquia local so os plos de confluncia da populao e, como simbolos de emancipao da comunidade, por vezes exigiram esforos e mobilizao coletiva para sua edificao.4 Alguns cinemas de bairro merecem registro: o BRASIL (1.800 lugares), aberto em 1942, est em Pinheiros; no ano seguinte incorpora-se o CARLOS 69 GOMES, na Lapa, o CRUZEIRO, na Vila Mariana (2.352), o PIRATININGA, no Brs (4.300), e o CASA 3 VERDE, no bairro do mesmo nome; em 1946, a vez do HOLLYWOOD, em Santana (2.543), e o SAO JORGE, no Tatuap (2.113). Em 1947, o SAMARONE, no Ipiranga, com capacidade para 2.452 espectadores, e o ESMERALDA, para 1.694. Na Mooca surge o IMPERIAL, em 1948(1.820 lugares), o GLAMOUR (2.722), em Osasco,5 enquanto no bairro da Sade levanta-se o ESTRELA, com 1.760 lugares. A maioria dos cinemas tem a capacidade para abrigar pelo menos dois mil espectadores, confirmando a tendncia de construir saas mastodnticas.2

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A sala de cinema era uma referncia to importante no bairro quanto a igreja O CRUZEIRO (Vila Mariana), o HOLLYWOOD(Santana) e o ALADIM (Tatuap), entre outros, foram construdos nas principais ruas de seus bairros durante os anos 40. Fonte: Arquivo Paulo S Pinto

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72Salas como o TROPICAL(1951), na Lapa, tinham pblico para platia e balco. Fonte: Acrpole. Na pgina ao lado, cine PARIS (1952). Era comum a publicidade do comrcio do Bairro em folhetos e programas das salas de cinema. Fonte: arquivo Mximo Barro

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74 Projeto do cine YARA, inauguradocomo JPITER(anos 50). Fonte: Acrpole. Sala de espera do cine MARACH(anos 50) Fonte: Arquivo Karning Bazarian. Anncio de caranaval no cine ESTRELA(anos 50). Fonte: Cinemateca Brasileira

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O cine BRASIL(1942), em Pinheiros Fonte: Agncia Folhas

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78Entrada e aspectos da platia. Fonte: Acrpole /Leon Liberman

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Tela do cine ROXY em 1939. Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

Nesta atmosfera de otimismo fica difcil perceber as primeiras fissuras e estremecimentos nas slidas estruturas da atividade cinematogrfica. O Imprio onde o sol nunca se pe, como se chegou a mencionar em instantes de arroubo, est erodindo. De repente o paulistano surpreendido com uma greve que o deixa - pela primeira vez desde os tempos pioneiros - privado de assistir aos filmes no circuito comercial. O movimento paredista, ao final dos anos 40, liderado pelo Sindicato dos Trabalhadores, no desagrada totalmente os proprietrios, que procuram capitalizar a seu favor, deixando claro seu desagrado frente iniciativa dos rgaos pblicos de tabelar o preo dos ingressos.6 Em 1949, a primeira vez que se ouve falar em desinteresse do pblico. O termo, talvez inadequado, registra de qualquer modo as preocupaes com a diminuio das taxas de crescimento de pblico, inferiores mdia dos anteriores 10,15 anos. Perguntados sobre as causas, profissionais do ramo consideraram difcil indicar um motivo exato para explicar a retrao dos fs da stima arte. Mas suspeitam que o poder aquisitivo do povo est diminuindo, visto que nos bairros que se manifesta mais acentuada esta fuga dos amantes do cran. Se o pblico no voltar a crescer s taxas habituais, o circuito exibidor paulistano corre risco de instabilidade, uma vez que est organizado para crescimento contnuo. A retrao deprime a rentabilidade e traz reflexos imediatos nas condies de manuteno das salas.8 O censo de 1950 ir confirmar a capital paulista em p de igualdade - pelo menos em populao -como Rio de Janeiro. So 2.198.096 habitantes, provenientes de todos os recantos do pas e do mundo. E os 119 cinemas (dados do antigo Departamento de Estatsticas do Estado, atual SEADE) recebem uma avalanche de 35 milhes de espectadores que vem quase que compulsoriamente filmes estrangeiros.8 Sem contar com a simpatia dos exibidores e provocando repetidos muxoxos na crtica especializada, os filmes brasileiros, notadamente as chanchadas cariocas, obtm sucesso junto s platias consideradas menos exigentes Carlos Ortiz, atento aos fatos, observa - Folha da Manh, 16/ 02/1950 -que o gnero fcil e imensa a sua seduo. Basta ver as filas enormes que se formam diante do ART-PALCIO nestes dias, basta ouvir as estrepitosas gargalhadas que ressoam no recinto durante a projeo de Carnaval de FOGO, e ter-se- a explicao da insistncia com que a Atintida e

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demais produtoras cariocas nos fornecem anualmente esses pratos carnavalescos pobres de vitaminas mas fartamente apimentados.9 Alimentando expectativas de elevao do nve tcnicoesttico do cinema brasireiro a partir de So Paulo, a Vera cruz inicia a dcada rodando o seu primeiro longametragem - Calara - que ser lanado em noite de gala no cine holofotes, banda da Guarda Civil, autoridades em geral e o cordo de isolamento protegendo o elenco que acena para a multid5o, teste munha-se uma situaao particularmente indita, pois afinal um filme realizado aqui merece ser projetado em ambientes nobres dacinelndia. sem o risco da clandestinidade. O CINEMA A MAIOR DIVERSO A principal diverso do paulistano o cinema, segurdo constatou o conde Authos Pagano, cita o artigo de O Tempo (22/6/l952), ao oferecer os nu-meros de uma pesquisa efetuada entre 763 paulistaros situados na faixa entre 13 e 45 anos onde mais da metade das pessoas consultadas revela preferir o cinema como primeira opo entre todas as modalidades de entretenimento oferecidas. DIVERSO homens mulheres cinema 185 207 leitura 14 25 baile 19 44 passeios 12 10 convescotes 8 viagens 13 10 futebol 47 esportes 54 12 4 9 82 msica teatro 11 7 nataao 18 5 automobilismo 4 1 no tm preferncia 3 3 diversas 28 10 TOTAL 412 351 total 7c 392 51,38 39 5,11 63 8,20 22 2,88 8 1,05 23 3,01 47 0,10 66 8,05 13 1,70 18 2,30 23 3,01 5 0,66 6 0,79 38 4,98 763 100,00

Os itens apresentados na pesquisa confirmam que a opo pelo cinema no totalmentes ativa ou seja, a preferncia tambm se d peta ausencia de alternativas to abrangentes. O futebol coisa para homem (nenhuma mulher o citou) diverso estritamente masculina. As viagens e passeios sao pouco votados, porque o automvel ainda no se tornara produto acessvel populao. Quanto TV, recentemente implantada (e sequer citada na amostragem), no passa, neste momerto, de uma diverso restrita a alguns milhares de privile giados que podem adquirir aparelhos receptores caros e ver imagens fantasmagricas.

Explicando os resultados, o professor Authos Pagano diz que as pessoas justificam suas preferncias a partir de dois pontos bsicos: o primeiro que o cinema distrai e instrui e, logo em seguida, se coloca o argumento irrefutvel dos preos baixos e acessveis para a maioria dos oramentos.10

No mesmo ano (1952), a vez do cine MARROCOS se incorporar Cinelndia. Apontado como o mais luxuoso da Amrica do Sul, suas instalaes impressionam pela grandiosidade. O hal de entrada, evocando um estilo Versailles, conduz ao vestbulo circular onde um chafariz (fonte luminosa que d ao ambiente requinte de lenda e majestade) divide as atenes com um baixo-relevo em gesso, que descreve a epopia do cinema. Inspirado nas histrias de mil e uma noites, o MARROCOS foi concebido como um palcio em estilo mourisco modernizado, o que, traduzido, significa mistura de elementos e formas decorativas em tal medida que o resultado final de uma monumentalidade pesada e opressiva. Na entrada, o rigor absoluto e o pblico se veste com aprumo para freqent-lo. A semelhana de outras salas tradicionais, homem sem gravata no entra e caso algum seja surpreendido no seu interior sem este adereo, convidado imediatamente a se retirar. At aqui, de qualquer forma, no se trata de nenhuma novidade, pois vrias salas do centro fazem a mesma exigncia e, alm do mais, a gravata est to associada elegncia, distino masculina, que a maioria dos homens no reclama.11 O caso que o MARROCOS barreira aparentemente inexpugnvel falta de compostura - foi o palco de um episdio publicamente registrado de no-obedincia regra, tendo como protagonista o arquiteto e artista plstico Flvio de Carvalho. Mximo Barro conta que, saindo do Museu de Arte Moderna na rua 7 de Abril (onde se reunia boa parte da intelectualidade paulistana da poca, em volta dos Museus de Arte, redaes de jornal, filmoteca brasileira, livrarias, bares etc.), Flvio de Carvalho seguiu em direo Conselheiro Crispiniano vestindo o traje que ele idealizara para uso masculino em clima tropical. De saiote e meias entrou no Marrocos e ningum tentou barr-lo.12 Dois anos depois (1954, a cidade comemorava o IV Centenrio de sua fundaao, seguindo um calendrio de festas, desfiles, torneios, exposies, mauguraes (o Parque Ibirapuera, por exemplo), que se estendem pelo ano inteiro. Acontece tambm um Festival Internacional de Cinema, o presente da stima arte cidade que lhe destina verdadeira devoo, traduzida na vendade 50 milhes de ingressos no ano. A Cidade que mais cresce no mundo ou Maior Parque Industrial da Amrica Latina, conforme os siogans ufanistas, hospeda por alguns dias astros e estrelas do cinema, delegaes de vrios pases que comparecem s sesses de gala no cine MARROCOS. Nas suas escadarias estendida uma

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Cine MARROCOS (1951). Fachada e hall de entrada. Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

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O extico e o monumental. O MARROCOS(1951) reflete o esprito da cidade s vsperas do IV Centenrio... Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

passadeira que chega at o meio-tio, onde desembarcam, sob aplausos, os convidados especiais - Errol Flynn, Henri Langlois, Walter Pidgeon, Von Stronheim, Denise Vernake, Abel Grance e outros.13 Artistas brasileiros tambm esto presentes, entre eles Mazzaropi, sucesso na Cinelndia om Candinho, recentemente lanado no ART-PALACIO. Ele desce de seu carro novo (especialmente adquirido para a ocasio), reconhecido e ovacionado, passando no teste de 14 popularidade Embora o otimismo seja a tnica predominante no perodo em que se comemoro lV Centenrio, no h unanimidade quanto ao setorcinematogrfico. Q Tempo, em sua edio de 14/211954, oferece uma rpida radioq rafia do circuito exibidor e cita a experincia de 145 cinemas em funcionamento, 127 deles nos bairros e 18 no centro, sendo que destes ltimos nem todos esta-o funcionando - segundo a reportagem - em condies razoveis de conforto e igiene, revelando o descaso dos proprietrios para com o pblico. Duas salas so relacionadas: SANTA HELENA eCINEMUNDI.Entre osbairrosque dispem de maior nmero de cinemas, salienta o distrito da Consolao com 13 casas exibidoras, vindo a seguir o Tatuap com 10, Ipiranga com 9, Lapa 8, e da por diante. Os maiores, os mastodnticos, ficam tambm fora dos limites da Cinelndia e do Centro: o PIRATININGA (4.300 lugares), UNIVERSO (4.260) esto no Brs e o NACIONAL (3.250) fica na Lapa.15 A imprensa j critica o estado de conservao das salas e a qualidade dos filmes apresentados. A divulgao dos balanos financeiros das empresas leva alguns jornais a perguntar se, com tamanho lucro, no era poss(vel ter cinemas melhores. A falncia da Vera Cruz est ainda fresquinha na memria de todos, o que, de um lado, realimenta o pessimismo generalizado quanto nossa capacidade de fazer cinema, mas, por outro, destaca as caractersticas de um pas perifrico como o Brasil -que parece destinado a ser mero importadorde filmes. J no se trata agora de discutir as chanchadas, que nunca ameaaram de verdade a estrutura tradicional. Uma nova gerao de cineastas est surgindo, rejeitando o sistema de estdios sob a influncia de vrios movimentos - entre eles o neo-realismo italiano - e relativiza os parmetros at ento absolutosdocinemahollywoodiano.A stransformaes so lentas e difceis, pois a presena do filme brasileiro nas telas sempre foi vista como um trambolho para o exibidor. E no se trata neste caso de gosto pessoal ou preferncia dos empresa-

rios pelo filme estrangeiro. que, depois de dcadas de convivncia com os distribuidores dos filmes americanos, o exibidor brasileiro desenvolveu um mGdus operandi quanto diviso de renda, ao sistema de pacotes, divulgao etc. em que o cinema brasileiro corpo estranho. Os convnios e acordos estabelecidos no decorrer de dcadas de convivncia comercial limitam a flexibilidade do exibidor. Uma empresa como a Cinematogrfica Paulista, por exemplo, mantm contratos com a Fox e a Universal. Deve t-los com outros grupos tambm. Por que criar problemas com parceiros to poderosos em troca de alguns filmes feitos aqui e que lhes parecem (aos crticos e inteligncia local) mambembes demais?

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Como principal novidade, encontra-se nessa sala o magnfico bar, sem dvida alguma a grande idia dos construtores, a qual entre as demais um dos fatores que eleva o Marrocos a um lugar de destaque entre os principais cinemas do mundo. (Acrpole, 1951) Sala de espera e balces do cine MARROCOS(1951). Fonte: Acrpole/ Leon Liberman

O autor do dcor mourisco modernizado era tambm responsvel por ambientes dos refinados apartamentos de Higienpolis: Jacques Monet. Seu parentesco com o impressionista Claude Monet o credenciava junto burguesia paulista Tela do MARROCOS por ocasio do I Festival Internacional de Cinema em 1954. Fonte: Agncia Folhas

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A COMISSAO MUNICIPAL DE CINEMA Para fazer subir um pouco mais a temperatura reinante, surge um documento da Comisso Municipal de Cinema, rgo consultivo da Secretaria de Educao e Cultura do Municpio, divulgado em novembro de 1955. Numa carta enviada pela Comisso ao presidente da COFAP (Comisso Federal de Preos), o texto inicia observando que o filme cinematogrfico constitui uma mercadoria de uso coletivo que pode, sob o aspecto da amortizao do seu custo, ser equiparado a um servio pblico. Para esta amortizao, geralmente muito elevada, concorrem milhes de consumidores, pertencentes s classes sociais as mais variadas. Em seguida, nota que em outros pases estabeleceu-se um critrio que reserva s classes mais abastadas uma contribuio maior na formao das rendas, por meio da cobrana de preos mais elevados. Em outras palavras, isso significa a classificao de cinemas e a conseqaente diversificao do valor dos ingressos. Situao distinta ocorria aqui, onde o tabelamento dos cinemas foi em parte responsvel pela transformao de grande nmero de salas em cinemas lanadores, com o propsito de cobrar o preo mximo estabelecido (no caso, 10 cruzeiros). O sistema de lanamento simultneo, estabelecido em So Paulo, configura uma situao oposta deoutros pases como a Itlia, porexemplo. Enquanto em outros lugares o filme explora seu pblico no tempo, em So Paulo vigora o princpio da explorao do pblico no espao, pela exibio simultnea em nmero cada vez maior de salas, favorecendo os grandes circuitos, e qualquer produtor ou exibidor sabe que, para um filme ser fincanceiramente bem-sucedido, dever ser programado em vrios cinemas, e o exibidor que no dispuser de pelo menos 15 88 salas, estar condenado a exibir sempre fitas comercial mente fracas e portanto a sofrer a queda da freqncia em suas salas. Paralelamente, a Comisso observa, revelando sua preocupao com a defesa do.cinema brasileiro, que este sistema simultneo prejudica seriamente o filme nacional, que conta apenas com o mercado interno para a amortizao. ... Apenas trs circuitos de cinema em So Paulo e trs outros no Rio oferecem condies materiais de renda suficiente. Como cada um desses circuitos exibe, de acordo com o decreto de obrigatoriedade, 6 filmes brasileiros por ano v-se que a produo de filmes nacionais realmente rentvel no excedea l8 fitas anuais. Qualquer fita nacional, em

consequncia, lanada nos circuitos menores, ou em cinemas avulsos dessas capitais, automaticamente ter prejuzos j que os mercados do Rio e So Paulo representam 60% do mercado cinematogrfico brasileiro. S as fitas de baixa qualidade se submetem a esse prejuzo inevitvel, e no pois, de estranhar, que os circuitos menores (METRO, por exemplo), se limitem a apresentao das piores fitas nacionais. O documento oficial rejeita o sistema road show de exibio, afirmando o antagonismo entre este e a produo cinematogrfica nacional. A Comisso sugere, para atender aos interesses do pas, que o reajustamento dos preos de ingressos deveria ser feito em duas bases: - no permitir a continuao da vigncia do sistema de exibio simultnea, que condiciona um preo de ingresso igual para todas as camadas da populao - no permitir um aumento que atinja indistintamente todas as classes da populao. Se para a maior parte da populao, o preo atual representa uma despesa diticilmente majorvel, sob pena de priv-la de sua distrao mais popular, existe por outro lado uma minoria considervel capaz de arcar, muito facilmente, com um aumento substancial... E ainda solues prticas: a. alguns cinemas dos bairros mais abastados das capitais cobrariam preos mximos, com a condio de exibirem filmes em exclusividade; b. simultaneamente com esses cinemas, as mais luxuosas casas de espetculos apresentariam tambm filmes, em exclusividade, a preos mais acessveis; c. os outros cinemas, no lanadores (que voltariam aseragrande maioria), recuperariam toda umaclientela que atualmente os abandona para superlotar os cinemas de luxo, e veriam, as sim, suas rendas aumentarem pela elevao da frequncia. O aumento de preos nesses cinemas dever ser o menor possvel, podendo at em muitos casos, ser nulo.

Os dados disponveis no SEADE (ex-Departamento de Estatstica do Estado de So Paulo) mostraram que a dcada de 50 corresponde ao perodo de ouro do cinema em So Paulo. Nunca se frequentou tanto os cinemas. O quadro permite estabelecer a correlao entre o crescimento da populao e o crescimento de pblico cinematogrfico, projetando um perfil da sua popularidade. Na dcada de 40, a populao cresceu 60%, enquanto o pblico de cinema evoluiu mais: 83%. Na dcada seguinte, a situao se inverte. A populao continua crescendo a uma taxa constante (65% em 10 anos) e a frequncia cinematogrfica fica nos 27%, bem inferior alcanada nos anos 40. Caso o crescimento de pblico fosse mantido, deveriam ser 65 milhes de espectadores em 1960, nmero bem superior ao obtido no levantamento do Departamento de Estatstica. Se no h uma queda em termos absolutos (afinal os nmeros em 1960 so superiores aos de 1950), h pelo menos uma estagnao, pois a taxa inferior ao crescimento demogrfico. Considerando mais detalhadamente a dcada de 50, percebem-se dois perodos distintos. O primeiro vai de 1950 a 1955, com a populao crescendo 320/o, enquanto o salto de pblico maior: 61%. E, no lustro seguinte, a populao continua aumentando em ritmo constante (27% de aumento de 1955 para 1960), ao passo que a linha ascendente de pblico alcana um ponto mximo para ento despencar. Pela primeira vez diminui o pblico. O nmero de espectadores em 1960 e 25% menor que em 1955. Com base ainda nos dados fornecidos pelo SEADE, possvel comparar a frequncia dos principais cinemas em 1945 e 1957.ano 1940 1945 1950 1955 1956 1957 1958 1959 1960 populao 1.317.396 1.701.694 2.198.096 2.870.258 n.0 de lugares 95154 122.739 158.000 199.379 204.524 216.976 220.006 228.973 224.669 pblico 19.526.224 30.212.942 35.846.722 57.736.902 58.699.041 56.590.065 46.720.309 49.697.517 44.357.881

Os primeiros sinais emitidos ainda ao final dos anos 40, prenunciando uma queda de pblico, foram abafados pela recuperao. Lanada na primeira metade da dcada seguinte, perodo coincidente com a euforia do IV Centenrio. A recuperao no incio dos anos 50 apenas trouxe um pouco de oxignio ao circuito exibidor, e, se existe otimismo, porque se toma como referncia bsica o clima ferico da Cinelndia e no a cidade no seu conjunto. O quadro nos indica que em 1945, sete dos dez cinemas de maior pblico esto no Centro , IGUATEMI, ASTOR, GAZETA, PAULISTANO, GAZE-TINHA (onde A primeira noite de um homem se manteve por meses a fio) e outros tantos. A listagem acima, ainda que incompleta, revela que a Cinelndia no detm mais o monoplio das grandes inauguraes e nem mesmo os principais lanamentos da cidade, cedendo espao aos novos cinemas que se estabelecem na avenida Paulista e Jardins, marcando a passagem para uma nova fase na evoluo do circuito cinematogrfico paulistano. A antiga diviso entre cinema de bairro e cinema do centro tornase ento obsoleta. Com os anos 60, a regio compreendida entre a Paulista e o rio Pinheiros atrair os principais investimentos das empresas exibidoras, que revelam mais uma vez sensibilidade suficiente para ocupar seus lugares em territrio que se tornar o mais valorizado e prestigioso de toda a cidade. O Centro est congestionado, literalmente. Falta espao para expanso dos negcios, o acesso est cada vez mais comprometido, o que provoca transformaes na prpria estrutura de servios da cidade, que inchou a ponto de no comportar apenas um ncleo central. Centenas de bairros e vilas aparecem como num passe de mgica, ampliando o permetro urbano numa nova configurao que se chamar periferia, palavra que se incorpora rpido e definitivamente ao vocabulrio paulistano e nacional. Em decorrncia, alguns bairros tradicionais - Santo Amaro, Santana, Lapa, Pinheiros, Penha - assumem a tuno de centros regionais,

aparelhados para servir populao pelo menos nos servios bsicos e, assim, impedir a eventualidade de uma cena hipottica e chocante: se todos forem ao centro ser o colapso definitivo. Estas transformaes, aliadas degradao que j se faz sentir no centro (a Boca do Lixo avana sobre o centro tradicional), afastam os espectadores daqueles antigos palcios cinematogrficos onde se reunia a elegncia paulistana. Ao perder o status mantido por dcadas seguidas, s resta aos cinemas adaptarem-se s novas circunstncias, seja dividindo-se em salas liliputianas, seja partindo para a especializao - erotismo, lutas marciais etc.

Programao dupla em sesses corridas, utilizando westerns e filmes erticos, foi a alternativa adotada para atrair o pblico que circulava pelo centro da cidade. O CAIRO e o UREA| so dois exemplos. CAIRO (1967). AUREA(1961) Fonte: DPH/ SMC e Cinemateca Brasileira.

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Apesar da queda de frequncia, novas salas so inauguradas no centro, entre elas, o NORMANDIE, PREMIER e METRPOLE, sem impedir, no entanto, no deslocamento do eixo cinematogrfico elegante para a regio dos jardins. Os cines ORLY e REGNCIA, o RITZ CONSOLOO e o ASTOR, com programaes selelcionadas e maior conforto ganharam a preferncia do pblico Fonte: Dirio da Noite (NORMANDIE, 1953), Agncia Estado(PREMIER, 1967 e ASTOR, 1972), CCSP/Joel La Laina (METRPOLE, 1985), Cinemateca Brasileira(ORLY, anos 60) e Arquivo Paulo Sb Pinto(REGNCIA e RITZ, anos 60

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O cinema v a TV: programas de auditrio e televizinhos tomam a cena em Absolutamente Certo, realizado por Anselmo Duarte em 1957 Fonte: AMM/SMC

A TV EM PRIMEIRO PLANO At 1964-65 no se tinha notcia ainda de mobilizaes coletivas ligadas televiso brasileira, prerrogativa mais afeita ao cinema ou ao prprio rdio, que tinha a seu crdito as multides reunidas em praas da cidade para ouvir idolos da msica popular brasileira. Mas por este tempo a televiso d mostras de sua capacidade de mobilizao. O direito de nascer; velho sucesso radiofnico 15 anos antes, volta agora, pelas imagens da TV Tupi, a comover a populao. A cidade inteifa comenta os obstculos que se interpem trajetria do Dr. Albertinho Limonta. Em agosto de 1965, o elenco da 110 novela sai pelas ruas da cidade at aportar no ginsio do Ibirapuera, local de uma festa de encerramento que superou todas as expectativas.2 A crtica sria resiste em comentar a TV neste perodo, restando algum eventual artigo na imprensa sobre a sua penetrao junto aos lares paulistanos: o fenmeno da alienao do pblico freqentador dos cinemas pela TV fenmeno comprovado e exaustivamente estudado nos Estados Unidos, onde a queda de freqncia s casas exibidoras chegou a criar uma sria crise para a indstria cinematogrfica, forando-a a adaptar parte pondervel de sua produo TV - coincide em So Paulo com o incio da produo macia de receptores pela indstria nacional.3 Estima-se que em 1965 existam no munic