salão do humor de piracicaba/ divulgação humor...

2
De 24 de agosto a 20 de outubro deste ano acontece a 40ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no interior paulista. Co- meçou pequeno, como uma mostra de humor gráfico dentro do Salão de Arte Contemporânea de Piraci- caba, em 1974, em plena ditadura militar. Alceu Marozzi Righeto, Adolpho Queiroz e Carlos Colon- nese foram alguns dos idealizadores do evento que contataram os edi- tores do jornal Pasquim pelo apoio de Jaguar, Millôr Fernandes, Paulo Francis e Zélio Alves Pinto para a primeira edição do evento. A partir de então, grandes nomes do humor brasileiro levariam suas obras para o salão: Ziraldo, Fortuna, Henfil, Luis Fernando Veríssimo, Paulo e Chico Caruso, Miguel Paiva, An- geli, Laerte, entre outros. A grande repercussão logo na estreia anteviu a carreira da mostra que se tornou internacional a partir de sua terceira edição, e hoje é tida como a maior no gênero, exibindo trabalhos em cartum, charge, caricatura e tiras, além de mostras paralelas em vários espaços culturais da cidade. No Brasil, humor se mescla com a crítica política e social e virou uma das características nacionais mais marcantes. “Sem dúvida o povo 58 brasileiro é um constante piadista, faz humor de tudo e de todos. A possibilidade do riso abre a possibi- lidade de entender, ou pelo menos começar a entender, as questões, sejam trágicas ou cômicas”, afirma Edu Grosso, diretor do Centro Na- cional de Humor Gráfico de Pira- cicaba (CEDHU). O jornalista e escritor Barão de Itararé, pioneiro do humorismo político brasileiro, não poupava o governo brasileiro de suas críticas bem-humoradas já em meados de 1930. HUMOR E POLíTICA Até o período ante- rior ao governo militar muitas críticas eram feitas sob a égide do bom gosto e, como se vivia em tempos menos rígidos, elas eram melhor toleradas e, por isso, podiam ser mais explícitas e menos agressivas”, explica o psiquia- tra Francisco Baptista Assumpção Jr, do Instituto de Psicologia da USP. Mas o cenário mudou com a ditadu- ra militar, que censurou e até mesmo exilou muitos humoristas. Juca Cha- ves teve que se mudar para Portugal na década de 1970, mas não deixou de fazer suas sátiras lá – o que acabou incomodando o governo nacionalis- ta e repressor do primeiro-ministro António de Oliveira Salazar, obri- gando o humorista a se mudar nova- mente, desta vez para a Itália. Na ditadura, outros humoristas se destacaram por sua forte críti- Charge de Ivan Cabral (acima) apresentada no Salão do Humor de Piracicaba 2012 e caricatura de Lézio Custódio Jr (ao lado) premiada em 2011 HUMOR DOS TRAÇOS SOFISTICADOS AO VALE TUDO NAS REDES SOCIAIS Salão do Humor de Piracicaba/ Divulgação

Upload: lamkien

Post on 10-Feb-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

De 24 de agosto a 20 de outubro deste ano acontece a 40 edio do Salo Internacional de Humor de Piracicaba, no interior paulista. Co-meou pequeno, como uma mostra de humor grfico dentro do Salo de Arte Contempornea de Piraci-caba, em 1974, em plena ditadura militar. Alceu Marozzi Righeto, Adolpho Queiroz e Carlos Colon-nese foram alguns dos idealizadores do evento que contataram os edi-tores do jornal Pasquim pelo apoio de Jaguar, Millr Fernandes, Paulo Francis e Zlio Alves Pinto para a primeira edio do evento. A partir de ento, grandes nomes do humor brasileiro levariam suas obras para o salo: Ziraldo, Fortuna, Henfil, Luis Fernando Verssimo, Paulo e Chico Caruso, Miguel Paiva, An-geli, Laerte, entre outros. A grande repercusso logo na estreia anteviu a carreira da mostra que se tornou internacional a partir de sua terceira edio, e hoje tida como a maior no gnero, exibindo trabalhos em cartum, charge, caricatura e tiras, alm de mostras paralelas em vrios espaos culturais da cidade.No Brasil, humor se mescla com a crtica poltica e social e virou uma das caractersticas nacionais mais marcantes. Sem dvida o povo

58 59

brasileiro um constante piadista, faz humor de tudo e de todos. A possibilidade do riso abre a possibi-lidade de entender, ou pelo menos comear a entender, as questes, sejam trgicas ou cmicas, afirma Edu Grosso, diretor do Centro Na-cional de Humor Grfico de Pira-cicaba (CEDHU). O jornalista e escritor Baro de Itarar, pioneiro do humorismo poltico brasileiro, no poupava o governo brasileiro de suas crticas bem-humoradas j em meados de 1930.

Humor e poltica At o perodo ante-rior ao governo militar muitas crticas eram feitas sob a gide do bom gosto e, como se vivia em tempos menos rgidos, elas eram melhor toleradas e, por isso, podiam ser mais explcitas e menos agressivas, explica o psiquia-tra Francisco Baptista Assumpo Jr, do Instituto de Psicologia da USP. Mas o cenrio mudou com a ditadu-

ra militar, que censurou e at mesmo exilou muitos humoristas. Juca Cha-ves teve que se mudar para Portugal na dcada de 1970, mas no deixou de fazer suas stiras l o que acabou incomodando o governo nacionalis-ta e repressor do primeiro-ministro Antnio de Oliveira Salazar, obri-gando o humorista a se mudar nova-mente, desta vez para a Itlia.Na ditadura, outros humoristas se destacaram por sua forte crti-

Charge de Ivan Cabral (acima) apresentada no Salo do Humor de Piracicaba 2012 e caricatura de Lzio Custdio Jr (ao lado) premiada em 2011

HUMOR

Dos traos sofisticaDos ao vale tuDo nas reDes sociais

Salo do Humor de Piracicaba/ Divulgao

7_Cultura_43_p58a68.indd 58 7/4/13 3:52 PM

ca poltica e social. Foi a poca do humor refinado de Henfil, Millr Fernandes, Ziraldo e Jaguar marcos de inteligente e forte crtica poltica e social. E todos tiveram problemas com o regime militar. O governo militar no tolerava que se risse dele. Por isso as crticas no podiam ser explcitas, tendendo a ser metafri-cas, porque o humor s era tolerado se no fosse direto. E isso piorou a insatisfao e as vlvulas de escape se tornaram cada vez menores, ex-plica Assumpo. Segundo o pesquisador, enquanto o poder se manifesta atravs da fora, os oprimidos acabam se valendo do humor para criticar o estado das coi-sas. A nica possibilidade que sobra rir daqueles que oprimem e abu-sam, conclui.

politicamente incorreto A ditadu-ra militar terminou, mas o assunto para a crtica e para o humor, no. O cenrio voltou a mudar com a eleio de Luiz Incio Lula da Silva para a presidncia, em 2003. Com a eleio do Lula, originalmente um operrio pouco letrado, houve certa inibio, da parte de muitos humo-ristas engajados politicamente, de tomar o presidente como objeto da crtica humorstica, aponta o psi-canalista Daniel Kupermann, pro-fessor do Instituto de Psicologia da USP. Ele conta que houve uma esp-cie de esvaziamento da resistncia ao pensamento hegemnico que hoje vigora no pas, assim como um des-crdito generalizado das instituies reguladoras da vida social. Nos fal-ta, efetivamente, alguma reverncia em relao aos valores inegociveis para a vida cultural, afirma.

Se por um lado as ferozes crticas sociais e polticas sofreram um esva-ziamento, por outro o humor brasi-leiro tornou-se mais escrachado e at mesmo ofensivo. Os pesquisadores apontam que isso surge como uma revolta contra o politicamente cor-reto, que condena tudo o que possa ser discriminatrio e ofensivo. No somos perfeitos nem tendemos a is-so. Rimos daquilo que consideramos constrangedor, ridculo ou feio, e es-ses conceitos, nos ltimos anos, pas-saram a sofrer uma censura marcante por no serem considerados politi-camente corretos, diz Assumpo. No entanto, Kupermann lembra que o humor propriamente dito no poupa ningum, mas incide sobre os ideais que sustentam a ordem social, promovendo a abertura para o non-sense e o impensado.Por outro lado, essa terica liberali-zao contra a ditadura do politica-mente correto acaba considerando o desrespeito ao outro como uma ma-nifestao democrtica da prpria opinio. Em nome desse individu-alismo e da liberdade de expresso, muitos humoristas acabam exage-rando e fazendo comentrios ofen-sivos e preconceituosos. O privil-gio da individualidade possibilitou o surgimento da falta de educao e cortesia, como um atributo de uma ps-modernidade onde tudo flui-do, as relaes so descartveis e o respeito idem, analisa Assumpo.

o Humor caiu na rede Hoje, grupos de humor tm se tornado virais na internet. Youtube, redes sociais, blogs e vlogs so locais de comparti-lhamento de vdeos e tambm de ti-rinhas, charges e cartuns que abran-

gem uma temtica to vasta quanto seu pblico. A caracterstica mais marcante desse novo humor a acessibilidade. E podem ser compar-tilhados pelas redes sociais e outros tantos mecanismos disponveis pela internet. Esse compartilhamento faz com que ele atinja um nmero mui-to grande de pessoas, mesmo fora da grande mdia. Estar fora dos meios como a televiso, jornais e revistas, alis, permite que esse humor seja mais explcito e, at certo ponto, com menor censura.Alm disso, esse humor que circula na rede tem como principal pbli-co os adolescentes e jovens adultos, Isso porque, em termos psquicos, o adolescente se encontra em meio a um difcil trabalho, no qual precisa, para atingir a maturidade e respon-sabilizar-se pelos seus atos, romper os laos com os objetos que o sus-tentavam at ento notadamente os pais e as figuras s quais conferia autoridade, explica Kuppermann, que lidera o grupo de pesquisa no Laboratrio de Pesquisas e Inter-venes Psicanalticas do Instituto de Psicologia da USP. Alm disso, a urgncia em encontrar novos ter-ritrios existenciais favorece uma intensa adeso a grupos e a identi-dades prt--porter. Dessa maneira, no surpreendente que se busque uma via de escape, na qual tudo o que abominvel posto no ou-tro do qual se ri. Trata-se, assim, de usufruir de uma espcie de licena potica que a cultura tolera e, mes-mo, oferece, para que nossa agressi-vidade encontre uma via ldica de expresso, afirma.

Chris Bueno

58 59

7_Cultura_43_p58a68.indd 59 7/4/13 3:52 PM