salama, pierre. globalização e desigualdades territoriais e salariais

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Original p. 66 Globalização e desigualdades territoriais e salariais Pierre Salama Professor da Universidade de Paris XIII, Greidt-Cedi A uma fase de abertura na movimentação de mercadorias e capitais sucedeu-se outra, mais fechada, de retraimento das nações, a qual preparou o terreno, ao se encerrar, para um novo período de abertura. Essa abordagem da história em termos de um pêndulo levou alguns economistas a considerarem que a mundialização ou globalização 1 foi mais importante no passado. Mas, se a comparação de períodos do fim do último século ou dos anos vinte com os de hoje é sem dúvida rica em ensinamentos, ela é também rica em confusões. À primeira vista, aqueles anos foram mais mundializados que os atuais, já que, na maioria das economias dominantes da época, as trocas de mercadorias eram mais livres e maiores do que hoje em termos de percentagens dos respectivos PIBs, as movimentações internacionais de capitais eram proporcionalmente superiores à formação bruta de capital fixo dos chamados países imperialistas da época basta pensarmos nas exportações de capital dos países europeus para o Império Britânico, em especial , e as movimentações internacionais da mão-de-obra eram quase isentas de obstáculos jurídicos 2 (os passaportes e vistos são uma invenção recente, como lembrou S. Zweig em suas memórias). Tudo isso é incontestável e explica, aliás, o fato de ter sido nessa época que se fundaram diferentes conceitos, como os de capital financeiro e imperialismo. A idéia do pêndulo, entretanto, é fonte de confusões, pois o que se compara, mais particularmente em relação às economias semi- industrializadas, não é realmente comparável. No fim do século passado e no início do atual, as relações estavam longe de ser todas de mercado. O interesse da análise do imperialismo de Rosa Luxemburgo, por exemplo, está em ela haver insistido, precisamente, na inexorabilidade da monetarização, e em ter visto no processo de crescente penetração do mercado, vivenciado pelas economias periféricas quando das conquistas políticas e/ou econômicas, a origem do caráter inelutável das crises nos países do centro. Não entra no âmbito do presente artigo discutir a exatidão dessa análise, mas sim sublinhar a importância do processo de monetarização/penetração do mercado, da desestruturação das antigas relações de produção e de sua adaptação original para produzir essas mercadorias. Sabemos, além disso, que é na violência na penetração dessas relações mercadológicas e/ou capitalistas, em sua rapidez, que encontramos as causas do subdesenvolvimento industrial. Nessas condições, é compreensível que o PIB (mercadológico) pouco tenha a ver com o conjunto das riquezas produzidas quando a monetarização da economia é fraca, quando uma parte substancial da reprodução sobretudo no campo repousa no consumo próprio, inclusive entre trabalhadores que recebem uma remuneração monetária ao trabalharem em setores exportadores, ao

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Análise primorosa das desigualdades atuais do mundo globalizado.

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  • Original p. 66

    Globalizao e desigualdades territoriais e salariais

    Pierre Salama

    Professor da Universidade de Paris XIII, Greidt-Cedi

    A uma fase de abertura na movimentao de mercadorias e capitais sucedeu-se outra, mais

    fechada, de retraimento das naes, a qual preparou o terreno, ao se encerrar, para um novo perodo de abertura. Essa abordagem da histria em termos de um pndulo levou alguns economistas a considerarem que a mundializao ou globalizao1 foi mais importante no passado. Mas, se a comparao de perodos do fim do ltimo sculo ou dos anos vinte com os de hoje sem dvida rica em ensinamentos, ela tambm rica em confuses. primeira vista, aqueles anos foram mais mundializados que os atuais, j que, na maioria das economias dominantes da poca, as trocas de mercadorias eram mais livres e maiores do que hoje em termos de percentagens dos respectivos PIBs, as movimentaes internacionais de capitais eram proporcionalmente superiores formao bruta de capital fixo dos chamados pases

    imperialistas da poca basta pensarmos nas exportaes de capital dos pases europeus para o Imprio

    Britnico, em especial , e as movimentaes internacionais da mo-de-obra eram quase isentas de

    obstculos jurdicos2 (os passaportes e vistos so uma inveno recente, como lembrou S. Zweig em suas memrias). Tudo isso incontestvel e explica, alis, o fato de ter sido nessa poca que se fundaram diferentes conceitos, como os de capital financeiro e imperialismo. A idia do pndulo, entretanto, fonte de confuses, pois o que se compara, mais particularmente em relao s economias semi-industrializadas, no realmente comparvel. No fim do sculo passado e no incio do atual, as relaes estavam longe de ser todas de mercado. O interesse da anlise do imperialismo de Rosa Luxemburgo, por exemplo, est em ela haver insistido, precisamente, na inexorabilidade da monetarizao, e em ter visto

    no processo de crescente penetrao do mercado, vivenciado pelas economias perifricas quando das conquistas polticas e/ou econmicas, a origem do carter inelutvel das crises nos pases do centro. No entra no mbito do presente artigo discutir a exatido dessa anlise, mas sim sublinhar a importncia do processo de monetarizao/penetrao do mercado, da desestruturao das antigas relaes de produo e de sua adaptao original para produzir essas mercadorias. Sabemos, alm disso, que na violncia na

    penetrao dessas relaes mercadolgicas e/ou capitalistas, em sua rapidez, que encontramos as causas do subdesenvolvimento industrial. Nessas condies, compreensvel que o PIB (mercadolgico) pouco tenha a ver com o conjunto das riquezas produzidas quando a monetarizao da economia fraca, quando uma parte substancial da reproduo sobretudo no campo repousa no consumo prprio, inclusive

    entre trabalhadores que recebem uma remunerao monetria ao trabalharem em setores exportadores, ao

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    mesmo tempo que tm o usufruto de pedaos de terra. A partir dessa simples observao, baseada no

    processo de monetarizao-mercadologizao das relaes sociais, podemos compreender como so fecundas as comparaes histricas, quando so efetuadas com rigor e comparam o que comparvel, mas tambm como podem prestar-se a confuses, quando se deixa de assinalar que, nos primrdios do impulso do capitalismo, o conjunto das riquezas estava longe de se reduzir medida do PIB do mercado. Hoje em dia, a monetarizao largamente dominante, inclusive no campo, nos pases desenvolvidos e nas economias semi-industrializadas. No entanto, a medida do PIB nestas ltimas no corresponde produo do conjunto das riquezas, visto que uma parte importante dessa criao de riqueza provm de atividades informais, monetarizadas mas difceis de contabilizar. Portanto, esses dois conjuntos de riquezas, produzidas ontem e hoje, diferem em sua estrutura e expressam coisas diferentes, razo por que difcil comparar de maneira pertinente a percentagem das exportaes em relao ao PIB, para deduzir

    se existe maior ou menor globalizao. A nica coisa que se pode dizer que, no passado, a economia de mercado era muito aberta para o exterior e que isso precipitou as mudanas das partes no mercadolgicas da economia, transtornando as antigas relaes de produo.

    Mas isso no o essencial. J podemos pressentir, ao evocar a rapidez da

    monetarizao/penetrao do mercado, a violncia de que ela precisou para ser implementada as

    formas particulares de legitimao simultaneamente baseadas no passado (as antigas relaes de submisso pessoal) e no futuro (a fetichizao da mercadoria e das relaes de produo capitalistas). As prprias expresses autoritarismo-paternalismo, revoluo conservadora etc. traduzem esses processos. Em outras palavras, apesar de interessante e embora se preste confuso, a tese do pndulo reducionista. Pensar nas fases de abertura e fechamento, insistindo nas causas endgenas do processo, no suficiente.

    Presente em todos os manuais de economia internacional, a teoria pura do comrcio internacional

    mostra, corroborada por hipteses particularmente fortes, que o livre intercmbio das mercadorias

    sendo os capitais considerados imveis para alm das fronteiras aumenta o bem-estar das naes que o

    praticam, graas a uma alocao tima dos fatores. Complementada pelo teorema de Stolper-Samuelson,

    essa abordagem demonstra que as remuneraes deveriam igualar-se. No objetivo deste artigo fazer uma sntese das crticas formuladas contra esse teorema. Elas so bem conhecidas, e os atuais avanos da nova economia internacional, tanto no nvel das trocas internacionais de mercadorias quanto no da anlise das causas da implantao das empresas multinacionais, substitutas dos fluxos de mercadorias, figuram entre elas, rompendo, ora claramente, ora de maneira ambgua, com esse paradigma. Mas foroso constatar que, rechaada porta afora, a teoria pura do comrcio internacional torna a entrar pela janela: as discusses quanto convenincia de proceder criao de mercados comuns, em vez de zonas de livre comrcio, so feitas em termos de desvios de mercado, desvios estes analisados a partir de uma

    norma de aumento do bem-estar que definida, precisamente, a partir da teoria pura do comrcio

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    internacional; o mesmo se d com as discusses sobre a liberalizao dos mercados como

    necessariamente constitutiva de uma melhor alocao dos recursos, muito embora essa abordagem seja esttica e a questo pertinente consista em saber como tornar menos raros os recursos que so escassos.

    Poderamos multiplicar os exemplos. A referncia histria, provavelmente, seria mais judiciosa: os trabalhos de P. Bairoch (1995) mostram abundantemente que as naes s praticaram, ou melhor, s exigiram a liberalizao do intercmbio quando ficaram suficientemente dominantes, e que justamente essa assimetria que explica que no se haja constatado, na realidade (a realidade teimosa), que as fases de liberalizao do intercmbio eram sempre sinnimas de um crescimento mais elevado que as de protecionismo.3 Mais prximas de ns, as trajetrias econmicas do Japo, da Coria do Sul e de muitos outros pases asiticos revelam que existem dois tipos de protecionismo possveis um rentista,

    experimentado durante muitos anos pelas economias latino-americanas (mas no durante todo o chamado perodo de substituio das importaes), e um colbertista, no qual o protecionismo um dos instrumentos de uma poltica industrial ativa , e que essas duas formas de protecionismo no so

    mutuamente excludentes. Em alguns momentos da histria, uma prepondera sobre a outra, mas nunca em definitivo.

    O debate j no se d entre livre comrcio e protecionismo. Ele evoluiu e, assim como j no se evoca a auto-suficincia h uns cinqenta anos, a perspectiva de uma volta ao protecionismo parece anacrnica, a tal ponto se imps a globalizao. Com os processos de regionalizao em curso, o debate

    circula entre as zonas de livre comrcio e a constituio de unies econmicas, deslocando-se de uma abordagem liberal da globalizao para uma concepo controlada desta.

    Esse duplo aspecto da globalizao comea a ser levado em conta pelos economistas nas novas teorias sobre o comrcio internacional e nos estudos sobre o mercado de trabalho, que abordam as desigualdades crescentes em termos da distribuio da renda entre os trabalhadores qualificados e os no qualificados, quando se desenvolve a liberalizao econmica.

    1. Processos de disperso, concentrao e excluso

    Os avanos da nova teoria do comrcio internacional no concluem pela produo de um espao equilibrado quando as fronteiras se abrem, mas apenas por uma possibilidade de harmonizao entre naes pequenas e grandes, caso sejam satisfeitas numerosas condies. Outras abordagens tericas, que privilegiam as condies de valorizao do capital e a evoluo do custo unitrio da mo-de-obra, bem como a anlise do curso recente das reestruturaes, mostram a forte probabilidade de uma acentuao das assimetrias iniciais, quando a abertura econmica acompanhada por um retraimento do Estado.

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    Em inmeros aspectos, a nova teoria do comrcio internacional rompe com a teoria pura.

    A geografia econmica, por exemplo, procura explicar o desenvolvimento ou at as causas do impulso do plo de crescimento em algumas regies e a desertificao de outras. Contudo, ela preserva dos neoclssicos a funo de produo, embora sua aplicao j no seja macroeconmica e ela no se comporte bem.

    Em geral, consideram-se duas empresas ou conjuntos de empresas, um com economias de escala crescentes e o outro, mais clssico, com economias de escala constantes; examinam-se as situaes de monoplio, levam-se em conta os custos do transporte (e, de maneira geral, o conjunto dos custos de transao), e se explora a anlise em termos da diversificao dos produtos. Evidentemente, a partir de tais hipteses, mais realistas, j no se pode conduzir a anlise sob a forma de uma alocao tima dos recursos e continuar a discutir em termos das vantagens comparativas. Sub-repticiamente, aproximamo-

    nos de uma concepo smithiana das trocas, na qual se trata de comparar custos absolutos e no custos relativos, o que leva a que se reencontre a abordagem dinmica dos grandes clssicos.

    Com essa nova abordagem, mostra-se que as atividades j no podem ser uniformemente distribudas no espao. Quando os custos de transao so significativos, a disperso da cadeia produtiva pequena, e, inversamente, quando esses custos so pequenos, as decises locacionais no so

    importantes.4 Em outras palavras, se supusermos a produo de diversos elementos um por firma, para

    simplificar , veremos que as empresas preferem instalar-se onde a demanda grande (quanto maior ela , mais se apia num nmero expressivo de elementos diversificados), caso os custos de transporte, ou os custos de transao de um modo mais geral, sejam altos. Nessas condies, provvel que a concorrncia pelos produtos seja elevada. Inversamente, a disperso da cadeia produtiva, estimulada pelos baixos custos de transao, pode significar que a concorrncia incide mais no mercado dos fatores de produo que no dos produtos (Krugman e Venables, 1995).

    Essas anlises so importantes para compreendermos a constituio dos plos de crescimento, ou, inversamente, a dificuldade que tem uma economia pequena, comparada a uma grande, de proceder, atravs da simples atuao das foras de mercado, a uma integrao dos encadeamentos da produo, para frente e para trs, que se tenham dispersado do centro (a economia grande). A difuso dos efeitos de encadeamento no a mesma, de acordo com a natureza do produto, a dimenso dos mercados no centro

    e na periferia tanto de produtos finais quanto dos intermedirios , a possibilidade de multiplicar as

    economias de escopo, a importncia dos custos de transao e das economias de escala crescentes, enfim, a presena de externalidades nas empresas nacionais (ou internacionais), ligadas oferta de trabalho e s relaes de encadeamento para frente e para trs na cadeia produtiva. Existe, pois, uma dialtica possvel entre, por um lado, os efeitos de aglomerao referentes aos produtos finais, relacionados com o tamanho relativo da demanda final, e por outro, os efeitos de aglomerao verticais, sobretudo os linkage effects

    [efeitos de encadeamento] analisados por Perroux e Hirschman.

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    O processo de concentrao/disperso locacional no estvel. Por exemplo, podemos considerar

    que, quando a concorrncia pelos produtos se intensifica muito, os custos de transao elevados passam a se afigurar relativamente menores, principalmente quando a diferena em relao aos salrios do pas de origem considervel e quando a legislao trabalhista e a relativa ao meio ambiente so menos restritivas, caso em que as empresas tendem a optar pela disperso. Essa disperso pode acarretar um processo cumulativo, quando as disperses macias resultam num tal aumento do custo dos fatores que o tamanho do mercado aumenta e, com ele, eleva-se o nmero de elementos diversificados da produo. Mas tambm compreensvel que a alta das remuneraes reduza a vantagem relativa do custo dos fatores e incite a uma nova disperso, sobretudo quando tende a aumentar a concorrncia em torno dos

    produtos. Esse aumento do custo dos fatores no certo, evidentemente, mas depende tambm das variaes da oferta de trabalho, que oscila de acordo com os ritmos demogrficos, a importncia das

    migraes inter-regionais e as especificidades da oferta e da demanda em termos de qualificao. A introduo de assimetrias (um mercado grande e um pequeno) e de escalas crescentes, bem

    como a anlise das externalidades, da concorrncia imperfeita e da diferenciao dos produtos e dos custos de transao, constituem uma contribuio notvel para explicar a geografia da economia. Uma pequena assimetria inicial pode ser ampliada ou reduzida, conforme o peso respectivo desempenhado por cada um desses fatores.

    A hiptese que formulamos que, num tempo t, pode haver um conjunto muito diversificado de tcnicas para fabricar um produto.5 Em relao a certos produtos e num momento t, existe a possibilidade de utilizar uma tcnica simples, aliada a uma mo-de-obra no qualificada e a uma

    organizao/utilizao da fora de trabalho que empregue esta ltima prematuramente, mas tambm possvel utilizar uma tcnica sofisticada, empregando mo-de-obra qualificada e respeitando um cdigo trabalhista relativamente rigoroso quanto preservao da fora de trabalho. Quando menor o custo unitrio do trabalho associado primeira combinao produtiva, e quando uma srie de condies favorvel valorizao do capital (infra-estrutura, legislao fiscal e trabalhista, transparncia dos mercados e/ou conhecimento mais ou menos aproximativo das regras no escritas do funcionamento desses mercados), e quando os custos de transporte no so elevados demais, possvel a transferncia geogrfica de um segmento de uma linha de produo de A (a economia do centro) para B (uma economia semi-industrializada). Em B, os salrios dos trabalhadores no qualificados so menores do que em A e, acima de tudo, a legislao trabalhista menos restritiva. Nesse caso, possvel utilizar tcnicas de produo produtos poluentes que desgastam prematuramente a fora de trabalho, e os quais no seria possvel utilizar nas economias do centro. Esse segundo aspecto freqentemente negligenciado pelos economistas. No entanto, est na origem de aumentos de produtividade considerveis. A livre

    gesto da mo-de-obra em B que permite uma elevada intensificao do trabalho e uma diminuio

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    dos perodos ociosos, pela pouca considerao, no plano da segurana, que se tem com as mquinas e

    produtos utilizados permite, portanto, compensar parcialmente a relativa deficincia de produtividade

    do trabalho ligada utilizao de uma tecnologia simples. Em outras palavras, se essa mesma tcnica tivesse que ser novamente utilizada nos pases desenvolvidos, ela seria acompanhada por uma produtividade menor do que a observada nas economias semi-industrializadas.

    Compreende-se, pois, o mecanismo de uma possvel reconcentrao locacional. Basta que surja uma nova tecnologia (robotizao, informatizao da produo etc.), que os salrios em B aumentem, que a legislao trabalhista se torne mais restritiva e que, inversamente, seja possvel uma mudana da legislao trabalhista e/ou das relaes de fora no seio da empresa, em favor de uma flexibilidade maior, para que o custo unitrio do trabalho em A se reduza em relao ao de B. Nesse caso, se os custos irrecuperveis no forem altos demais, a produo em A poder tornar-se mais lucrativa do que em B, realizando-se a reconcentrao.

    O processo de uma nova concentrao locacional pode ser mais complexo. A reconcentrao pode assumir a forma de uma nova disperso para pases C (economias perifricas, caracterizadas por um nvel de desenvolvimento inferior), com ndices salariais mais baixos e uma administrao mais flexvel da fora de trabalho. De fato, em B, o ndice dos salrios reais tende a aumentar acentuadamente, com o impulso duradouro e vigoroso do aparato industrial, s vezes mais acentuadamente do que a

    produtividade mdia do trabalho (como pudemos observar por muitos anos nas chamadas economias de primeira gerao do Sudeste Asitico, ou seja, Coria, Formosa, Cingapura e Hong Kong, antes que ocorresse a crise), e, em especial, a gesto da fora de trabalho torna-se menos livre medida que se desenvolve a democratizao. A diferena de competitividade se inverte quando, alm disso, surgem novas combinaes produtivas em A. As relaes comerciais entre B e C se intensificam e se desenvolve o investimento direto de B e A em C (pensemos nos investimentos de Formosa na Tailndia ou na China, por exemplo). Como foi possvel observar na sia, a integrao econmica de fato, chamada de silenciosa, adquire amplitude, e as relaes de troca entre as moedas de C (dlar, iene e marco alemo, principalmente) e B adquirem um alto poder desestabilizador, quando as moedas de B e C registram a evoluo de seu curso numa nica moeda de A (no caso, o dlar). Inversamente, quando as economias desvalorizam fortemente sua moeda em relao de A e quando as de B no o fazem, existem fortes possibilidades de que as empresas de A instaladas em B se transfiram para C, uma vez ultrapassada a crise atravessada pelas economias de C que as levou desvalorizao.

    As disperses sucessivas e o movimento de concentrao-reconcentrao concernem a produtos diferentes e/ou a maneiras igualmente diferentes de produzir. Por isso que podemos utilizar o termo gerao. Assim, foi possvel observar a sucesso de trs geraes na indstria de exportao na fronteira mexicana: a primeira, mais antiga, era de produtos simples, de montagem fcil de realizar. Requeria uma mo-de-obra pouco qualificada, mal remunerada e de utilizao intensiva. A segunda foi de

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    produtos mais complexos e, apesar de centralizar-se em atividades de montagem, implicou uma

    organizao do trabalho evoluda e uma qualidade do produto final que atendesse s normas internacionais. A terceira, por fim, ainda marginal, desenvolveu-se numa rede com filiais ou empresas nacionais, com atividades para frente e para trs na cadeia produtiva (houve um ligeiro aumento da integrao) e com um comeo de disperso de algumas atividades de pesquisa do centro. A percentagem de mo-de-obra qualificada aumentou.6 A indstria da primeira gerao tendeu ento a sair da fronteira mexicano-americana, deslocando-se para regies mais ao sul, onde havia uma abundncia de mo-de-obra menos qualificada e os salrios eram menores.

    Essa passagem de uma gerao para outra, sob a forma de uma reorganizao da especializao e

    de uma disperso da cadeia produtiva, encontrada, portanto, no apenas entre naes com diferentes graus de desenvolvimento, mas tambm entre regies desigualmente desenvolvidas no seio de uma

    mesma nao. Em outras palavras, a zona B, ao experimentar um certo crescimento, v suas condies de valorizao do capital se modificarem e surge uma zona C no mesmo pas. Foi isso que se pde observar no Mxico, com o deslocamento das antigas caractersticas da zona B para o sul, criando-se assim uma zona C, exceto pelo fato de que C no mais operou nas mesmas condies em que B havia originalmente funcionado, uma vez que, nesse nterim, a liberalizao comercial tinha-se ampliado e, em muitos casos, acentuara-se o retraimento do Estado. Alis, isso que explica parcialmente que, nos pases asiticos da segunda gerao (C), no tenha havido uma interveno estatal to colbertista quanto a experimentada a princpio pelos pases da primeira gerao (B), e que, em muito pouco tempo, a corrupo tenha manifestado seus aspectos mais negativos, sob a forma da busca do lucro e da atividade predatria.

    Assim, passa-se de A para B (investimento direto, exportaes cativas), retorna-se para A sob a forma de exportaes, e depois se tomam caminhos mais complexos e densos: ou um caminho que vai de A para B e para C, ento retornando a A e a B e voltando de B para A, ou um

    caminho mais direto, que vai diretamente de A para C; convm ainda acrescentar a estes as reconcentraes ocorridas em A, o que faz com que para B e (s vezes) para A constituam-se zonas C no interior dessas respectivas naes. Essa reorganizao da especializao tanto concerne aos mesmos produtos, mas com tcnicas e organizaes de trabalho diferentes, quanto a produtos diferentes, ficando os de alta tecnologia centralizados em A e os de menor grau de tecnologia, em B.

    Portanto, compreensvel que a globalizao, acompanhada por uma retirada do Estado do campo econmico, desencadeie um vendaval cujo resultado pode ser um enfraquecimento acentuado das naes pequenas diante das grandes. Setores inteiros da indstria nacional podem ser destrudos e substitudos por importaes, em razo de uma falta de competitividade no tempo t, persistindo nas entrelinhas a possibilidade de que, no futuro, essas importaes venham novamente a ser substitudas por uma

    produo local, caso as empresas multinacionais resolvam dispersar-se para l e produzir in loco. Do

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    mesmo modo, porm no nvel da nao, podem acentuar-se as desigualdades regionais. O surgimento de

    plos de crescimento acompanhado por disperses/reconcentraes no interior do pas, com a constituio das chamadas zonas cinzentas, ou seja, desertificadas, sobre as quais voltaremos a falar.

    A abertura das fronteiras e o quase desaparecimento dos subsdios produo, quaisquer que sejam suas formas, acentuam, por definio, a presso internacional. Os produtos atingidos pela concorrncia internacional passam a ser mais numerosos do que antes, com o aumento do grau de abertura da economia. A definio desses produtos e a maneira de produzi-los so fortemente influenciadas pelas restries internacionais de normas e de custos. Assim, cada vez mais difcil os

    pases se oporem padronizao de um nmero crescente de produtos, com base em caractersticas internacionais, e continuarem a produzir bens cujas especificidades sejam diferentes das dominantes no mundo. A produo dessas mercadorias cada vez mais coagida pela busca da competitividade e, mesmo que esta no se restrinja unicamente dimenso do custo, os custos unitrios da mo-de-obra tm um peso marcante. A escolha das tcnicas torna-se mais limitada do que costumava ser quando a industrializao se desenvolvia sob a proteo das fronteiras e do Estado, e torna-se mais imperiosa a obrigao de optar por tecnologias intensivas em capital. As empresas nacionais e as firmas multinacionais que produzem sobretudo para o mercado interno e que, embora as economias estejam muito mais abertas do que no passado recente, ainda exportam uma pequena percentagem de sua produo (SOBEET no 3, 1997), sofrem o pleno impacto dessas novas restries.

    Essa busca absoluta da competitividade feita nas piores condies nas economias latino-americanas: obsolescncia de uma parte expressiva do parque industrial, em conseqncia da dcada

    perdida, quase inexistncia de uma poltica industrial, forte valorizao da moeda nacional e liberalizao acelerada do comrcio exterior. isso que explica que uma parte do parque industrial seja destruda, que haja um processo de desverticalizao da indstria em andamento e que as empresas externalizem custos. A utilizao de novas tecnologias, no entanto, no basta para reduzir os custos. A limitao da progresso dos salrios, ou at a dimenso da massa salarial, assim como a reorganizao do

    trabalho com vistas a uma maior flexibilidade funcional e numrica (P. Salama, 1996, 1998), so condies ainda mais importantes do que nos anos sessenta e setenta de uma valorizao do capital que sofre o peso das restries internacionais. Os salrios, portanto, no evoluem, ou evoluem pouco com o aumento da produtividade do trabalho, contrariando aqueles que esperavam da elevao do PIB uma melhoria automtica do conjunto da renda, e as desigualdades se acentuam.

    Em termos mais exatos, a evoluo do custo unitrio dos bens intercambiveis (e dos que esto ameaados de s-lo, em funo da maior abertura) depende fundamentalmente de trs variveis: o aumento da produtividade do trabalho, a apreciao da taxa de cmbio e a evoluo do ndice dos salrios

    reais. A primeira varivel aumentou consideravelmente desde a sada da crise, por duas razes: a

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    diminuio da capacidade de produo ociosa, num primeiro momento, e a adoo de tcnicas modernas

    e de uma organizao do trabalho mais flexvel, num segundo momento. Mesmo assim, o nvel mdio da produtividade do trabalho continua muito aqum do da indstria norte-americana ou europia, embora se aproxime dele em algumas indstrias de exportao. A valorizao da taxa de cmbio real exerce, no conjunto, um efeito negativo sobre a evoluo do custo unitrio da mo-de-obra nos produtos do setor que fica exposto. A apreciao da moeda, com efeito, tem estado muito elevada, tornando mais difcil o aumento das exportaes num ritmo contnuo e, inversamente, facilitando o crescimento das importaes. Entretanto, a valorizao relativamente acentuada das moedas nacionais desde o fim das grandes inflaes reduz relativamente o valor dos bens de produo em relao aos bens de consumo, havendo,

    portanto, uma subvalorizao do valor dos investimentos, que quase todos concordam em estimar em dois pontos do PIB, aproximadamente. Essa relativa baixa do valor dos bens de produo desempenha o

    mesmo papel de um progresso tcnico capital saving [economizador de capital], no sentido usado por Joan Robinson: aumenta a eficincia do capital. Poderamos acrescentar que as importaes de equipamentos incorporam novas tecnologias, de modo que, retomando uma expresso de Kaldor, a forma do investimento se altera.

    Esses novos bens de investimento tendem a transtornar os parques produtivos que se tornaram obsoletos por causa da crise da dvida e da conseqente insuficincia simultnea de investimentos e de importaes, e aumentam a eficcia do capital e a produtividade do trabalho, ao mesmo tempo que suscitam modos de organizao do trabalho diferentes, e uma relao entre o trabalho qualificado e o no

    qualificado que favorece o primeiro (Feenstra e Hanson, 1997), como veremos mais adiante. A abertura, quanto a esse aspecto preciso, permite que as indstrias nacionais se beneficiem de economias de escala

    internacionais e obtenham lucros crescentes. Esse conjunto de efeitos positivos, todavia, no suficiente para compensar o encarecimento das exportaes e, acima de tudo, a queda dos preos relativos das importaes.

    A terceira varivel, os salrios reais, sofre o peso da relativa insuficincia do aumento da

    produtividade em relao aos atrasos acumulados e dos efeitos negativos que a forte valorizao da

    moeda exerce sobre a competitividade. isso que explica que, em diversos pases, os salrios reais tenham regredido (como na Argentina) ou evoludo aqum do que o aumento da produtividade teria permitido. Dessas evolues e restries decorrem a importncia da abertura comercial e a probabilidade de que, mantendo-se a igualdade das demais condies, os salrios reais possam aumentar de maneira significativa nos setores expostos a ela.

    A liberalizao da economia, ou globalizao, no produz necessariamente, portanto, uma melhoria do bem-estar, pela simples ao das leis do mercado e da abertura das fronteiras, e, com a retirada do Estado do campo econmico, pode acarretar uma destruio parcial do aparelho produtivo,

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    alterar acentuadamente seu grau de integrao e, por fim, produzir uma especializao que acentue a

    amplitude dos efeitos de dominao, com isso aumentando as assimetrias iniciais.

    2. As desigualdades crescentes entre o trabalho qualificado e o no qualificado

    As desigualdades mundiais aumentaram consideravelmente nestes ltimos anos. A pobreza, alm disso, tornou-se insustentvel. Sua extenso, sua profundeza e sua heterogeneidade levantam novos problemas nos pases do Terceiro Mundo sujeitos a um processo de urbanizao e monetarizao aceleradas. A maioria desses pases passou por um sensvel agravamento de sua pobreza nos anos oitenta, especialmente na Amrica Latina e na frica, bem como, a partir de 1997, nas chamadas economias exportadoras asiticas de primeira gerao (os quatro drages) e de segunda gerao (os tigres). Segundo o PNUD,7 20% da populao mundial detinham 82,7% da renda no final da dcada de 1980, os 20% seguintes detinham 11,7%, e os 60% restantes da populao mundial dividiam entre si apenas 5,6% da renda produzida pela totalidade do planeta. Os dois primeiros quintis, os mais pobres, compem-se integralmente de uma populao que vive nos pases subdesenvolvidos. No terceiro quintil, de maneira extremamente marginal (2/33), encontra-se uma populao que vive nos pases desenvolvidos. O quarto quintil, que divide entre si 11,7% da renda produzida, mais heterogneo, uma vez que se compe de uma populao da qual 33/83 vivem em pases subdesenvolvidos e 50/83 moram em pases desenvolvidos. O ltimo quintil, que, convm lembrar, detm mais de 80% da renda, quase integralmente composto por uma populao que vive nos pases desenvolvidos, uma vez que apenas 2/57 dela vivem nos pases subdesenvolvidos (PNUD, 1992, p. 97ss). Essas desigualdades se acentuaram: entre 1960 e 1991, a parte dos 20% mais ricos passou de 70% para 85%, enquanto a dos mais pobres baixou de 2,3% para 1,4% (PNUD, 1996, p. 15). Embora os mtodos de clculo sejam diferentes, as estimativas da CNUCED constataram a mesma evoluo: os 20% mais abastados da populao mundial recebiam, em 1965, 30 vezes o que era percebido pelos 20% mais pobres, e em 1990, 60 vezes mais (CNUCED, 1997).

    A distribuio da renda est longe de ser a mesma nos chamados pases subdesenvolvidos. particularmente desigual na Amrica Latina e na frica e menos desigual na sia, salvo algumas excees, como a Tailndia. Foi o que mostrou a CNUCED (1997, p. 106), ao reunir e classificar os pases segundo sua distribuio de renda.8 Para simplificar, a CNUCED props considerar em cada pas a participao que tm na renda os 40% mais pobres, os 20% mais ricos e os 40% qualificados como camadas intermedirias. Obtiveram-se, assim, cinco grupos de pases. O primeiro compe-se dos pases onde maior a desigualdade, pois os 20% mais ricos beneficiam-se de 60% ou mais das riquezas produzidas, as camadas mdias detm 30% e os 40% mais pobres ficam com 10% dessas riquezas. Os

  • Original p. 76

    dois grupos seguintes tm uma distribuio dita intermediria, j que a parte dos 20% mais ricos fica compreendida entre 60% e 50%, num caso, e entre 50% e 40%, no outro. O quarto grupo tem uma distribuio mais igualitria, na medida em que os 20% mais ricos detm 40% da renda, as camadas mdias tambm ficam com 40%, e os 40% mais pobres detm 20%. Por fim, o ltimo grupo ainda mais igualitrio. Compe-se de nove pases, todos desenvolvidos, razo por que no nos deteremos nele aqui. Ao classificar os pases segundo o grau decrescente de desigualdade, encontramos, no primeiro grupo, de distribuio particularmente desigual da renda, quatorze pases:

    Grupo dos 60-30-10: 1. Brasil; 2. frica do Sul; 3. Guatemala; 4. Zimbbue; 5. Qunia; 6. Chile; 7. Lesoto; 8. Panam; 9. Mxico; 10. Botsuana; 11. Guin Bissau; 12. Senegal; 13. Tailndia; 14. Venezuela.

    A renda mdia dos 40% mais pobres de cada um desses pases quase equivalente a 1/4 da renda mdia da totalidade da populao, e a dos 20% mais ricos doze vezes maior do que a renda mdia dos primeiros. Com exceo da Tailndia, todos esses pases so africanos ou latino-americanos. Essas desigualdades acentuadas so ainda mais intensas quando se faz uma comparao entre a renda desses 40% e a percebida pelos 10 ou 5% mais ricos.

    O grupo seguinte tambm se compe principalmente de pases africanos e latino-americanos:

    Grupo intermedirio 1: 15. Honduras; 16. Rep. Dominicana; 17. Nicargua; 18. Colmbia; 19. Malsia; 20. Sri Lanka; 21. Porto Rico; 22. Equador; 23. Filipinas; 24. Costa Rica; 25. Peru; 26. Turquia; 27. Madagascar.

    O terceiro grupo, composto por pases nos quais os 20% mais ricos detm entre 40 e 50% das riquezas produzidas, comporta um nmero mais expressivo de naes, dentre elas alguns pases desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Irlanda, a Austrlia, a Estnia e a Nova Zelndia, e mais pases

    asiticos:

    Grupo intermedirio 2: 28. Hong Kong; 29. Nigria; 30. Bolvia; 31. Uganda; 32. Jordnia; 33. Bahamas; 34. Cingapura; 35. Arglia; 37. Tunsia; 38. Mauritnia; 39. Marrocos; 40. Bangladesh; 42. Tanznia; 43. Jamaica; 46. Nger; 48. Costa do Marfim; 49. Mauritnia; 50. Vietn.

    Por fim, o ltimo grupo mais igualitrio, j que os 20% mais ricos dividem entre si apenas (?) 40% das riquezas produzidas, enquanto os 40% mais pobres acedem a 20% delas. Nele encontramos mais

  • Original p. 77

    pases desenvolvidos e ex-socialistas do que no grupo anterior (no apresentados aqui), com exceo da China:

    Grupo dos 40-40-20: 52. Coria, Gana; 58. China; 62. ndia; 63. Egito; 65. Indonsia; 68. Laos; 69. Paquisto; 70. Nepal; 73. Ruanda; 75. Formosa.

    Desigualdades crescentes de renda entre os mais ricos e os mais pobres, entre a renda do trabalho e a do capital e tambm entre os proventos do trabalho: aumenta a distncia entre a renda dos trabalhadores qualificados e no qualificados. Essa acentuao das desigualdades no era prevista pela

    teoria pura do comrcio internacional, uma vez que, segundo ela, o aumento do bem-estar consecutivo especializao internacional, conforme as respectivas dotaes dos fatores produtivos, deveria restringir

    as desigualdades aos pases com relativa abundncia de mo-de-obra, pois eles teriam que passar a importar bens que exigiriam muito capital e incorporariam sobretudo a mo-de-obra qualificada, e exportar bens que consumiriam pouco capital e incorporariam principalmente a mo-de-obra no qualificada. O processo deveria inverter-se nos pases ricamente dotados de capital. As elaboraes da teoria que introduziram um vnculo entre a intensidade do capital e a natureza da mo-de-obra utilizada, com isso distinguindo o trabalho qualificado do no qualificado, concluram que, com a liberalizao econmica, haveria uma desigualdade salarial maior nos pases desenvolvidos e um estreitamento da disperso dos salrios nos demais (Wood, 1994). A primeira concluso revelou-se correta, mas no a segunda. No apenas a distncia se acentuou, como tambm se observou que ela aumentou mais do que no conjunto dos pases desenvolvidos. Em 1988, a distncia entre a renda dos trabalhadores qualificados e no qualificados ficou 30% maior do que nos pases desenvolvidos, atingindo um pico em 1994 (duas vezes maior) e, em seguida, diminuindo ligeiramente (E. Lora e G. Marquez, em BID, 1998, p. 14). Inversamente, a distncia em relao aos pases desenvolvidos ter-se-ia reduzido marcantemente, de 1985 a 1997, nas quatro economias asiticas exportadores (os drages),9 j que a distribuio da renda entre esses dois tipos de trabalhadores era 40% maior em 1985 e, em 1997, passou a ser igual dos pases desenvolvidos. A diminuio dessa distncia entre tais economias asiticas e os pases desenvolvidos, entretanto, no significa que as desigualdades, em termos absolutos, tenham-se reduzido durante esse perodo. Muito pelo contrrio, outras estatsticas, salientadas por A. Wood (1997) e construdas a partir de uma definio diferente da qualificao, mostram que as desigualdades se acentuaram em alguns pases asiticos e em certos momentos.

    As pesquisas, de um modo geral, convergem para a constatao de que a liberalizao da economia nos anos noventa no diminuiu as desigualdades entre os proventos do trabalho nas economias latino-americanas, considerando-se os trabalhadores qualificados e os no qualificados, e de que,

    contrariando os ensinamentos da teoria padro (neoclssica), essas desigualdades aumentaram

  • Original p. 78

    profundamente em todas as economias latino-americanas (com exceo da Costa Rica), mais particularmente no Mxico e no Peru. A renda do trabalho assalariado, de modo geral, aumentou entre 1991 e 1996 (com a notvel exceo da Argentina, onde diminuiu), mas esse movimento de conjunto efetuou-se com uma disperso acentuada (inclusive na queda referente Argentina), um aumento da economia informal a taxa da informalidade passou de uma mdia de 51,6% em 1990, segundo o BID,

    para 57,4% em 1996 (op. cit., p. 10) e uma reduo da criao de empregos (com uma queda dos empregos pblicos, que passaram de 15,3% em 1990 para 13,2% em 1995, e um aumento do emprego nos setores no expostos concorrncia internacional, dentre eles a construo civil e os servios, nos

    quais essas percentagens passaram de 58,4% em 1990 para 63% em 1995; ver op. cit., p. 10 e 11). Grosso modo, portanto, as desigualdades se acentuaram entre os trabalhadores qualificados e no

    qualificados, a informalizao aumentou, assim como o desemprego, e o emprego nos setores expostos concorrncia internacional diminuiu percentualmente. Sem dvida, podemos contestar que isso seja um produto da liberalizao econmica (Krugman, 1998), sublinhando, com justa razo, que a parcela das exportaes relativamente pequena, tanto nos Estados Unidos quanto nas economias latino-americanas, e que, por conseguinte, os efeitos mecnicos da abertura econmica na distribuio da renda seriam relativamente reduzidos e no poderiam explicar a extenso do aumento das desigualdades. Tambm seria possvel (Wood, 1997) adaptar a realidade teoria, considerando que as economias semi-industrializadas j no deveriam ser classificadas na periferia e que, doravante, comportar-se-iam como as economias desenvolvidas, cabendo buscar a confirmao das teses da teoria pura nas economias menos desenvolvidas.10 Poder-se-ia ainda considerar que a demanda de mo-de-obra qualificada seria superior

    oferta, apesar do aumento do nmero mdio de anos de escolarizao,11 e que a elevao dos salrios seria proporcional ao nmero de anos de estudo contnuos e aos anos de experincia profissional12 (Epelbaum e Cragg, analisando a evoluo dos salrios no Mxico entre 1987 e 1993, p. 306ss, 1997). Por fim, poderamos considerar que as desigualdades crescentes foram trazidas pelo vis tecnolgico (Krugman, op. cit.; Wood, op. cit.; Feenstra e Hanson, 1997 etc.13).

    Por vezes, alguns debates ficam confusos, quando tentamos aquilatar a influncia da abertura crescente na evoluo dos salrios14 e na disperso salarial. A influncia do comrcio internacional sobre a distribuio da renda do trabalho no passa unicamente pela importncia das exportaes em relao ao PIB. No se pode medir a responsabilidade do comrcio internacional somente pelo peso das exportaes em relao ao PIB, para relativiz-la e deduzir que as desigualdades constatadas so o produto exclusivo de um vis no progresso tcnico, insistindo, em especial, na macia introduo da informtica ocorrida na produo. Como lembrou Giraud (1994, 1997), a decomposio dos diferentes setores da atividade econmica entre setores expostos e setores protegidos um tanto reducionista. Com efeito, seria preciso

    distinguir os setores (e os empregos, segundo Giraud) conforme eles sejam competitivos, expostos e, por fim, protegidos. Com a liberalizao econmica e os rpidos avanos da globalizao, evidente que os

  • Original p. 79

    dois primeiros aspectos adquirem uma importncia maior. Os efeitos da internacionalizao dos modos de

    valorizao do capital e dos estilos de consumo no se medem apenas pelo valor relativo das exportaes ou das importaes. Do mesmo modo, as empresas multinacionais no orientam suas atividades exclusivamente para o exterior e, excetuando as que se especializam em alguns segmentos voltados para a exportao, suas atividades principais so o atendimento do mercado interno do pas onde elas esto instaladas. No entanto, essas firmas sofrem as exigncias da competitividade, as quais so cada vez mais definidas num nvel internacional, tanto no tocante natureza dos produtos fabricados quanto no tocante s maneiras de produzi-los. uma trusmo dizer que, hoje em dia, as empresas multinacionais j no poderiam impor linhas de produo obsoletas e produtos que houvessem esgotado sua expectativa de vida

    nos pases desenvolvidos, da maneira como o fizeram em diversos pases latino-americanos no fim dos anos sessenta e incio dos setenta, no setor automobilstico. Essa observao no vlida apenas para as

    empresas multinacionais, quer elas exportem muito ou no, mas tambm para um nmero crescente de firmas, e significa, simplesmente, que a orientao do progresso tcnico no independente da abertura crescente e, portanto, do contexto dominante de globalizao de nossos dias (Paus e Robinson, 1997). Avancemos um pouco mais. O processo de segmentao-disperso que expusemos na primeira parte deste artigo no se resume unicamente em utilizar tcnicas de produo mais simples, as quais, combinadas com uma organizao do trabalho que contraria a legislao trabalhista dos pases do centro e com salrios mais baixos, permitam obter um custo unitrio do trabalho relativamente competitivo. O segmento produzido em outro lugar, em conseqncia da disperso da cadeia produtiva, muitas vezes traz

    a marca dos segmentos precedentes qualificada de outsourcing (Feenstra e Hanson, 1997) , e, nessa medida, a escolha das tcnicas e da qualificao no completamente livre, como se poderia supor. Esse segmento sofre presses no nvel das tcnicas utilizadas, que se traduzem num grau de qualificao que superior ao que provavelmente existiria, se toda a linha de produo, e no apenas esse segmento, fosse produzida no exterior, simplesmente em razo das exigncias de qualidade impostas. Em resumo, as tcnicas utilizadas, o grau de qualificao e as formas empregadas so diferentes, mas o grau de liberdade

    na escolha das tcnicas e do tipo de qualificao exigido no infinito. Eles trazem a marca dos segmentos anteriores, produzidos no Centro.

    Em geral, seja em razo das exigncias de valorizao do capital, mais internacionalizadas do que no passado, seja por fora de exigncias de ordem tcnica, a demanda de mo-de-obra qualificada tende a aumentar rapidamente. Segundo o relatrio do BID (1998), as elasticidades ex-post da demanda de mo-de-obra qualificada, na Argentina, foram de 12,2 nos produtos intercambiveis, 4,3 nos produtos protegidos e 3,5 nas administraes pblicas, entre 1980 e 1996. No Mxico, entre 1984 e 1994, essas elasticidades nos trs itens foram, respectivamente, de 2,4, 2,1 e 3,3 (p. 23). Inversamente, e limitando-nos apenas a esses dois pases, a ttulo de exemplo, as elasticidades da demanda de mo-de-obra no qualificada foram, nos produtos intercambiveis, de 1,1 na Argentina e 1,4 no Mxico; nos produtos

  • Original p. 80

    protegidos, de 1,0 na Argentina e 0,7 no Mxico; e nas administraes pblicas, de 1,6 e 2,1, respectivamente. A tendncia favorvel ao trabalho qualificado, portanto, evidente. Ela parece maior nos setores que produzem bens intercambiveis, por razes que analisamos ao sublinhar que a valorizao do capital sofria cada vez mais as presses internacionais. Estas so mais acentuadas no setor exportador, mas tambm existem nos setores ameaados de substituio de sua produo por importaes. Segundo Fitzgerald (in Bulmer-Thomas, 1997), a disperso salarial, aqui analisada pelo desvio crescente entre o salrio mnimo e o salrio real mdio, seria provocada pela maior participao das exportaes no PIB, com a liberalizao econmica. O setor exportador seria mais intensivo em capital do que o setor protegido. Assim, o aumento das exportaes manufatureiras em relao ao PIB provocaria uma

    modificao do espectro das qualificaes, em favor da mo-de-obra qualificada e mais bem paga. Relativamente abandonado, medida que a economia torna-se mais aberta, o trabalho no qualificado

    passaria por uma deteriorao de sua remunerao mdia (a evoluo do salrio mnimo parece corroborar esse movimento). As desigualdades crescentes entre os proventos do trabalho viriam, portanto, de uma modificao da relao entre mo-de-obra qualificada e no qualificada favorvel primeira (donde a alta de sua remunerao) e desfavorvel segunda (donde a queda de sua remunerao e o aumento da pobreza), e, por conseguinte, de uma subida potencial da qualificao mdia aps a liberalizao da economia. Nessas economias, o mpeto das exportaes provocaria um excesso de demanda de mo-de-obra qualificada, na medida em que, em geral, as exportaes so cada vez mais sofisticadas. E, como as empresas multinacionais tm um tamanho maior15 e exportam relativamente mais

    do que as empresas nacionais, sua maior penetrao no tecido industrial e o aumento das exportaes de produtos cada vez mais sofisticados, num ritmo superior ao do PIB, explicariam a disperso salarial.16 O

    nvel de qualificao dos trabalhadores das empresas exportadoras, seja esta sua atividade principal ou secundria, costuma ser superior ao encontrado nas empresas menores e que exportam pouco. Nesse sentido, o aumento do grau de abertura traduz um peso maior das grandes empresas e um aumento da

    qualificao mdia, um maior desvio padro na qualificao e uma desigualdade mais substancial na distribuio da renda do trabalho.17

    A globalizao, acompanhada pelo retraimento do Estado, provoca, direta e indiretamente, uma importante redistribuio da renda; as desigualdades entre o capital e o trabalho acentuam-se medida que se amplia a financeirizao das empresas e que os mercados financeiros tornam-se emergentes (Salama, 1996, 1998); e as desigualdades no interior da mo-de-obra se acentuam entre os trabalhadores qualificados e os no qualificados. A presso pela valorizao do capital, internacionalmente definida e se exercendo sobre um tecido industrial fragilizado pela dcada perdida na Amrica Latina, favorece uma desvinculao entre a evoluo dos salrios reais e o crescimento da produtividade do trabalho. A flexibilidade tende a se acentuar, em razo da evoluo geral das tcnicas, bem como em resposta s

    condies particulares de valorizao do capital, em economias submetidas a uma concorrncia que elas

  • Original p. 81

    so cada vez menos capazes de dominar. As desigualdades territoriais superpem-se s desigualdades de

    renda. A globalizao tende a ser mais e mais excludente, produzindo, aqui e ali, zonas de integrao e zonas de desintegrao do tecido social. Longe de provocar o universalismo a que aspira, a abertura rpida das fronteiras aumenta a vulnerabilidade e, com isso, provoca a criao de novos laos, a constituio de redes complexas, com modos de regulao originais. O desaparecimento das fronteiras visveis produz a ecloso de novas fronteiras, estas invisveis, com a consolidao de zonas de integrao e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das chamadas zonas cinzentas de excluso. A globalizao no se resume, atualmente, na simples abertura das fronteiras: traduz tambm o peso crescente dos mercados, o retraimento dos Estados nacionais, a dificuldade de instaurar formas de poder supranacionais capazes de

    orient-la, e o aumento das zonas cinzentas que ela produz e das quais se alimenta. Nesse sentido, ela excludente.

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    Bank Economic Review, vol. 11, no 1, Washington, D.C., 1997.

    NOTAS DO AUTOR:

    1. Utilizamos aqui essas duas expresses de maneira indiferenciada,

    embora consideremos a primeira mais pertinente que a segunda, cf.

    Chesnais (1994).

    2. Mesmo quando juridicamente possveis hoje em dia, como ocorre na Unio Econmica Europia com os cidados dos pases membros, as

    migraes internacionais, em seu conjunto, so marginais (apesar de ligeiramente maiores entre os trabalhadores muito qualificados

    que procuram explorar os diferenciais fiscais).

    3. Ver, em especial, o captulo 4 de seu livro (op. cit.), intitulado

    O impacto do protecionismo foi sempre negativo?. Antes de se

    perguntar, de maneira provocadora mas pertinente, se o livre

    comrcio equivale depresso e o protecionismo recuperao da

    economia, Bairoch justifica sua argumentao usando a tabela abaixo, da qual fornecemos um excerto (p. 70):

    Taxas anuais de crescimento em diversos setores da Europa

  • Original p. 85

    Exportaes PIB Indstria Agricultura*

    Protecionismo (1830-

    1844/1846)

    3,5

    1,7

    2,7

    (0,8)

    Liberalismo britnico

    (1844/1846-1858/1860)

    6,0

    1,5

    2,3

    (0,9)

    Liberalismo europeu

    (1858/1860-1877/1879)

    3,8

    1,7

    1,8

    0,5

    Retorno ao protecionismo

    (1877/1879-1890/1892)

    2,9

    1,2

    2,2

    0,9

    Protecionismo (1890/1892-

    1913)

    3,5

    2,4

    3,2

    1,8

    * Calculadas com base nas mdias anuais de sete anos, no caso da

    agricultura. Os parnteses indicam uma margem de erro superior s

    demais nos mesmos perodos.

    4. Convm, entretanto, nos prevenirmos contra qualquer determinismo

    tecnolgico ou econmico nessa matria, e dar aos acidentes

    histricos a oportunidade de explicar as escolhas locacionais.

    5. Isso nem sempre acontece: depende do produto e da evoluo da

    tecnologia. A utilizao da funo de produo, mesmo com

    economias de escala crescentes, no necessria. Preferimos

    referir-nos utilizao do espectro das tcnicas tal como

    definido por J. Robinson em The Accumulation of Capital (1956).

    6. Para maiores detalhes, ver os artigos muito estimulantes de J.

    Alonso e J. Carrillo (1996), de J. Alonso, J. Carrillo e T.

    Alegria (1997) e, por fim, de J. Carrillo e A. Hualde (1997).

    7. Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento. As avaliaes

    so feitas em dlar corrente e, portanto, no levam em conta as

  • Original p. 86

    diferenas no poder de compra do dlar conforme os pases em que

    ele gasto.

    8. A partir de dados estatsticos datados da segunda metade dos anos

    oitenta.

    9. Nesse estudo, os trabalhadores qualificados so assemelhados aos

    trabalhadores de escritrio, e os no qualificados so os

    trabalhadores manuais. Trata-se de remuneraes brutas em dlares

    e a comparao diz respeito a um conjunto de 24 cidades dos pases desenvolvidos, 4 da sia e 7 da Amrica Latina. De maneira geral, as comparaes s vezes so difceis. Alm da classificao acima,

    alguns autores utilizam o nmero de anos de escolarizao (BID,

    op. cit.; Bulmer-Thomas [org.], 1997 etc.); outros tomam o salrio

    mnimo como uma fronteira entre os dois tipos de mo-de-obra

    (Fitzgerald, in Bulmer-Thomas, op. cit.), e os dlares utilizados

    ora so correntes, ora constantes. Sabemos tambm que, hoje em dia, a idia de competncia tende a prevalecer sobre a de

    qualificao, estabelecida a partir de um certo nmero de anos de

    estudo (ver, a esse respeito, A. Gorgeu e R. Mathieu, que

    escreveram: a idia de competncia ultrapassa a dimenso tcnica,

    engloba as diferentes facetas do trabalho exigido, inclusive sua

    permeabilidade, e no implica o reconhecimento das qualidades

    exigidas pelas classificaes ou pela remunerao. Sob esse

    aspecto, ela se ope idia de qualificao [...] [1996, p.

    49]).

    10. Em termos mais exatos, A. Wood (1997) reconhece que a hiptese de

    um aumento das desigualdades nas economias latino-americanas, como

    conseqncia da entrada no comrcio internacional dos pases

    asiticos menos desenvolvidos, de baixa renda, mereceria ser

    objeto de estudos aprofundados.

  • Original p. 87

    11. Impe-se uma ressalva nessa matria. Em inmeros pases, a dcada

    perdida dos anos oitenta traduziu-se numa deteriorao da

    qualidade de ensino e numa reduo da freqncia regular das

    crianas nos estabelecimentos de ensino. O nmero de anos,

    portanto, no necessariamente significativo, sendo os perodos

    qualitativamente diferentes. Por outro lado, como j assinalamos, a competncia s vezes preferida qualificao, desde que os

    trabalhadores saibam ler e escrever fluentemente. Assim,

    trabalhadores qualificados com base nos anos de escolaridade

    teriam funes no qualificadas para as quais eles seriam

    competentes. Por exemplo, sabemos que, em mdia, a qualificao

    dos trabalhadores das maquiladoras da fronteira norte do Mxico

    superior mdia nacional. Sabemos tambm que, muitas vezes, eles

    ocupam cargos cuja qualificao fica abaixo de sua formao geral. Alis, essa distncia que explica a facilidade com que essa

    mo-de-obra, que sabe ler e fazer contas, pde adaptar-se s

    tcnicas modernas e s exigncias de qualidade. Por ltimo, note-

    se que, em alguns casos, como foi possvel observar na Tailndia,

    a mo-de-obra no qualificada pode comear a escassear, na medida

    em que a migrao do campo para as cidades seja insuficiente, mas sem que isso acarrete uma especializao em direo a produtos

    mais sofisticados, que utilizem um volume relativamente menor de

    trabalho no qualificado.

    12. Os autores estabeleceram quatro graus de instruo e, em cada

    grau, cinco subconjuntos (um por cada oito anos de experincia) para os homens e mulheres. No que concerne aos homens, aqueles

    cujo nvel de instruo era mais alto e que tinham 24 a 33 anos de experincia obtiveram um aumento do salrio real de 113% entre

    1987 e 1993. Inversamente, os de formao muito reduzida (seis a

    nove anos de escolarizao), tendo ou no experincia, passaram

  • Original p. 88

    por uma evoluo muito pequena de seu salrio real nesse perodo

    (menos de 1%; p. 309). Em seguida, os autores calcularam o desvio

    padro referente a cada conjunto de nveis de instruo. O desvio foi muito pequeno nos dois primeiros nveis e um pouco maior nos

    dois ltimos em 1987. Em 1993, houve neles um aumento acentuado: o

    desvio padro manteve-se mais ou menos estvel nos dois primeiros

    nveis e no ltimo, porm mais do que duplicou no terceiro. Nesse

    perodo, logo aps uma acentuada regresso do poder de compra no

    Mxico e pouco antes da importante crise de 1994, com suas

    conseqncias negativas para o poder aquisitivo, a renda melhorou

    durante uma fase de retomada do crescimento e as desigualdades

    salariais foram o resultado no de uma situao dos que ganhavam

    menos, mas de uma melhora dos que ganhavam mais (p. 310).

    13. Para uma sntese meio antiga, porm interessante, ver Cortes e

    Jean, 1994, e, mais recentemente, 1997.

    14. A abertura pode ter ou no uma influncia positiva nos salrios,

    conforme a influncia que possa exercer em variveis como o

    aumento da produtividade e do PIB, a participao do investimento

    no PIB, a proporo entre a dvida e o PIB etc. Esses autores

    sublinham que a abertura pode alterar o funcionamento do mercado

    de trabalho e, desse modo, o poder de negociao dos parceiros

    sociais, levando a uma evoluo menos favorvel para os salrios

    (p. 539). Os testes estatsticos no concluem por uma relao

    significativa direta entre um grau mais elevado de abertura e um

    crescimento mais acentuado dos salrios (p. 541).

    15. Um estudo economtrico interessante foi feito para avaliar o peso

    de diferentes fatores na utilizao da mo-de-obra qualificada no

    Mxico. Segundo esse estudo, no tanto o fato de a empresa

    utilizar tecnologias modernas que explica o emprego de mo-de-obra

    qualificada, mas sim a organizao do trabalho (just in time), a

  • Original p. 89

    busca da qualidade total e a dimenso (J. Sargent e L. Matthews,

    1997).

    16. evidente que essa anlise deveria incluir uma anlise da diviso sexual do trabalho, para ser pertinente (ver S. Seguino, 1997; H.

    Hirata, 1998). Mas ela ultrapassaria o mbito de nossa anlise.

    17. Essa tese, embora sedutora, criticvel, na medida em que o grau

    mdio de qualificao das empresas exportadoras, que decerto

    cresce mais rapidamente, tambm pode ser menos elevado que o das

    empresas pblicas cuja atividade tem por alvo a infra-estrutura de energia, transportes etc. e atividades a cargo do Estado, como o

    ensino, a justia e outras mais. Entretanto, o retraimento do Estado e as perdas substanciais de renda dos funcionrios pblicos

    com exceo das categorias mais qualificadas de pessoal

    traduziram-se, em inmeros casos, numa desvinculao entre a

    remunerao e a qualificao, de tal sorte que as desigualdades,

    nesse caso, foram acentuadas por um duplo movimento de

    liberalizao estatal, de um lado, e liberalizao comercial, de

    outro.