sabões e detergentes como tema organizador de aprendizagens no

5
15 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000 RELATOS DE SALA DE AULA Na seção “Relatos de sala de aula” são socializadas experiências desenvolvidas por professores de química na perspectiva de se ampliar as reflexões sobre as práticas de sala de aula, de reconstruí-las e de melhorá-las sistematicamente. Neste número a seção apresenta dois artigos. Aulas experimentais de química no ensino médio continuam problemáticas, seja pela ausência de material e infra-estrutura adequados, ou por serem muitas vezes vistas como um “recreio intelectual”, no qual os alunos reproduzem experimentos sem conexão entre suas vivências e os tópicos teóricos discutidos em classe U ma preocupação constante dos educadores na atualidade é a priorização de metodologias aptas a tornar o processo ensino- aprendizagem mais produtivo (Herron e Nurrenbern, 1999). Um número signi- ficativo de pesquisas em ensino de química no país reflete essa neces- sidade, sendo que estudos têm sido publicados, por exemplo sobre quí- mica ambiental, visando a abordagem construtivista (Rodrigues e Jucá, 1993) e a cinética química para avaliar a fragmentação do conhecimento dos alunos (Justi e Ruas, 1997). Apesar dessa produção marcante, aulas expe- rimentais de química no ensino médio continuam problemáticas, seja pela ausência de material e infra-estrutura adequados seja por serem muitas ve- zes vistas como um “recreio intelec- tual”, no qual os alunos reproduzem experimentos sem conexão entre suas vivências e os tópicos teóricos discu- tidos em classe. Partindo do postulado de que aprender é relacionar, interagindo com linguagens que desafiem o aluno e promovam a compreensão de temas Cláudio Nazari Verani, Débora Regina Gonçalves e Maria da Graça Nascimento O presente artigo trata de uma experiência desenvolvida junto a estudantes da primeira série do ensino médio que se refere a uma abordagem de conteúdos de química articulada a vivências cotidianas dos alunos - no caso o tema social ‘sabões e detergentes’. sabões e detergentes, ensino médio, técnicas de ensino, química experimental de vivência articuladamente a concei- tos científicos (Kinalski e Zanon, 1997), elaborou-se um programa no qual dife- rentes enfoques e técnicas de ensino, que promovem o pensamento crí- tico dos alunos, são utilizados no estudo de um te- ma organizador relacionado ao cotidiano dos alunos. O presente re- lato refere-se à exploração do te- ma ‘sabões e de- tergentes’ - pro- cessos de sapo- nificação e ação de tensoativos. Este tema foi estudado objetivando (1) a abertura de vias de comunicação entre alunos e o profes- sor, (2) a auto-organização dos alunos em grupos de estudo, (3) o aprendizado cooperativo, (4) o uso de pesquisa bibliográfica e da Internet como suporte para redação de monografia com tema afim e (5) apresentação de seminários. Acredita-se que por meio dessas ativi- dades as aulas podem adquirir uma conotação investigativa, fundamentada em um comprometimento mútuo entre educadores e educandos, visando a estruturação for- mal do conhecimento ba- seado em conceitos cien- tíficos. Essa aproximação é particularmente importante quando as atenções se vol- tam ao estudante do ensino médio, pois o processo de formação de conceitos mo- vimenta-se entre um estágio mais primitivo de pensa- mento e outro mais ama- durecido (Romanelli, 1996). Despertar a sua atenção, “conduzindo-o” em seu pró- prio aprendizado dentro de uma lógica coerente e sistematizadora passa a ser o maior desafio do professor. Abordagem desenvolvida O estudo foi realizado com 88 alu- nos de química experimental de 1 o ano em um colégio da rede particular em Florianópolis, 1 sendo um de nós o pro- fessor. Teve duração de 7 semanas, com 2 sessões de 50 minutos por se- mana. Assim, um total de 12 horas-aula foi empregado para desenvolver o Sabões e detergentes

Upload: duongdat

Post on 10-Jan-2017

254 views

Category:

Documents


15 download

TRANSCRIPT

Page 1: Sabões e detergentes como tema organizador de aprendizagens no

15

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000

RELATOS DE SALA DE AULA

Na seção “Relatos de sala de aula” são socializadas experiências desenvolvidas por professores de química na perspectivade se ampliar as reflexões sobre as práticas de sala de aula, de reconstruí-las e de melhorá-las sistematicamente. Nestenúmero a seção apresenta dois artigos.

Aulas experimentais dequímica no ensino médiocontinuam problemáticas,

seja pela ausência dematerial e infra-estruturaadequados, ou por seremmuitas vezes vistas comoum “recreio intelectual”,

no qual os alunosreproduzem experimentos

sem conexão entre suasvivências e os tópicosteóricos discutidos em

classe

Uma preocupação constante doseducadores na atualidade é apriorização de metodologias

aptas a tornar o processo ensino-aprendizagem mais produtivo (Herrone Nurrenbern, 1999). Um número signi-ficativo de pesquisas em ensino dequímica no país reflete essa neces-sidade, sendo que estudos têm sidopublicados, por exemplo sobre quí-mica ambiental, visando a abordagemconstrutivista (Rodrigues e Jucá, 1993)e a cinética química para avaliar afragmentação do conhecimento dosalunos (Justi e Ruas, 1997). Apesardessa produção marcante, aulas expe-rimentais de química no ensino médiocontinuam problemáticas, seja pelaausência de material e infra-estruturaadequados seja por serem muitas ve-zes vistas como um “recreio intelec-tual”, no qual os alunos reproduzemexperimentos sem conexão entre suasvivências e os tópicos teóricos discu-tidos em classe.

Partindo do postulado de queaprender é relacionar, interagindo comlinguagens que desafiem o aluno epromovam a compreensão de temas

Cláudio Nazari Verani, Débora Regina Gonçalves e Maria da Graça Nascimento

O presente artigo trata de uma experiência desenvolvida junto a estudantes da primeira sériedo ensino médio que se refere a uma abordagem de conteúdos de química articulada a vivênciascotidianas dos alunos - no caso o tema social ‘sabões e detergentes’.

sabões e detergentes, ensino médio, técnicas de ensino, química experimental

de vivência articuladamente a concei-tos científicos (Kinalski e Zanon, 1997),elaborou-se um programa no qual dife-rentes enfoques e técnicas de ensino,que promovem opensamento crí-tico dos alunos,são utilizados noestudo de um te-ma organizadorrelacionado aocotidiano dosalunos.

O presente re-lato refere-se àexploração do te-ma ‘sabões e de-tergentes’ - pro-cessos de sapo-nificação e açãode tensoativos. Este tema foi estudadoobjetivando (1) a abertura de vias decomunicação entre alunos e o profes-sor, (2) a auto-organização dos alunosem grupos de estudo, (3) o aprendizadocooperativo, (4) o uso de pesquisabibliográfica e da Internet como suportepara redação de monografia com temaafim e (5) apresentação de seminários.

Acredita-se que por meio dessas ativi-dades as aulas podem adquirir umaconotação investigativa, fundamentadaem um comprometimento mútuo entre

educadores e educandos,visando a estruturação for-mal do conhecimento ba-seado em conceitos cien-tíficos. Essa aproximação éparticularmente importantequando as atenções se vol-tam ao estudante do ensinomédio, pois o processo deformação de conceitos mo-vimenta-se entre um estágiomais primitivo de pensa-mento e outro mais ama-durecido (Romanelli, 1996).Despertar a sua atenção,“conduzindo-o” em seu pró-

prio aprendizado dentro de uma lógicacoerente e sistematizadora passa a sero maior desafio do professor.

Abordagem desenvolvidaO estudo foi realizado com 88 alu-

nos de química experimental de 1o anoem um colégio da rede particular emFlorianópolis,1 sendo um de nós o pro-fessor. Teve duração de 7 semanas,com 2 sessões de 50 minutos por se-mana. Assim, um total de 12 horas-aulafoi empregado para desenvolver o

Sabões e detergentes

Page 2: Sabões e detergentes como tema organizador de aprendizagens no

16

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000

R

O

O

H2C C

H

O

CH2

O + 3NaOH 3R

O-Na+

O

+

OH

H2C C

H

OH

CH2

OH

Glicerídio(gordura)

Base Sais de ác. graxos(sabões)

Glicerinas

R = Cadeias iguais ou diferentes contendo entre 18 carbonos.

R

O

R

O

12 e

Figura 1: Reação genérica que descreve o processo de saponificação.

conteúdo resumido na Tabela 1, eenvolveu o levantamento do conheci-mento dos alunos sobre o tema organi-zador (sabões e detergentes); passoupara o desenvolvimento ou formali-zação de conteúdos via aulas teóricas,experimentos, comparação entreprodutos obtidos e comerciais; pesqui-sa bibliográfica e em rede Internet; efoi concluído com a elaboração detexto escrito, apresentação de seminá-rios e avaliação final dos alunos. Estesformaram equipes espontâneas entre3 e 5 componentes baseadas em cri-térios pessoais.

Partindo da reação genérica quedescreve o processo de saponificação(Figura 1), foram utilizados óleos desoja e milho, gordura de coco, marga-rina, manteiga e gordura animal emreação com hidróxido de sódio, visan-do a produção de sabões duros ehidróxido de potássio para a obtençãode sabões moles.

O suporte teórico sobre sabões du-ros e moles,2 aquo e lipofilicidade e mi-celas,3 água dura e sabões insolúveis(cracas),4 detergentes e sabões empó,5 biodegradabilidade e redução datensão superficial da água6 foi obtidoem textos de reforço paradidático(Vanin, 1995) e complementado comtextos de química orgânica (Morrison& Boyd, 1992 e Allinger et al., 1985).

A descrição experimental7 foi adap-

tada de literatura difundida no ensinomédio (Reis, 1993) e a obtenção dedetergentes foi adequada, tendo comoreagentes de partida o ácido para-do-decil benzenossulfônico e o hidróxidode sódio. Aos sabões e detergentesobtidos foram acrescentados corantes,essências, espessantes e hidratantesdisponíveis em casas de artigos detoucador. Todos os produtos são deorigem comercial e de fácil aquisição.O comportamento dos produtos em‘água dura’, bem como a síntese inten-cional de sabões insolúveis com hidró-xido de cálcio também foram estudados.

Optou-se pela apresentação préviados tópicos teóricos com posterior de-senvolvimento dos experimentos, po-rém a inversão dessas atividades emque os conceitos são primeiramenteintroduzidos em nível fenomenológicopara depois serem abstraídos também

pode gerar bons resultados (Spencer,1999), sendo essencial o estabeleci-mento das inter-relações teoria-prática.Como exibido na Tabela 1, procurou-se alternar as abordagens teóricas epráticas.

Ainda que o estudo não seja de cu-nho avaliativo, os resultados foram mo-nitorados por meio de duas avaliações.A primeira, com perguntas dissertati-vas, visou o levantamento do conheci-mento prévio dos alunos e foi aplicadaantes do início das atividades, consis-tindo nas cinco perguntas a seguir:

1) O que é sabão?2) Para que são usados sabões e

detergentes?3) Por que se usam sabões e deter-

gentes na limpeza?4) Você tem idéia de como é obtido

o sabão?5) Sabão bom tem de fazer espu-

ma?Após o estudo detalhado desta

avaliação, a totalidade das respostasfoi reunida em grupos semelhantes,aqui chamados de “sistemas de simi-laridade”, em ordem crescente de exa-tidão e complexidade química. Paratodas as perguntas, agrupou-se res-postas nulas e/ou em branco e/ou forade contexto (ex.: resposta à 4ª ques-tão: “É só comprar na loja”). Esses sis-temas não foram divulgados aos alu-nos e serviram de base para o segundoquestionário, com perguntas objetivas8

e enunciados cientificamente rigoro-sos, objetivando avaliar o conheci-mento adquirido.

Resultados e discussãoA escolha do tema visou aproveitar

um assunto comum às vivências dosalunos, previamente conhecido peloseu uso cotidiano e pela sua ampla

Tabela 1: Resumo das atividades desenvolvidas.

Aula Atividade Conteúdo

1a Avaliação inicial Levantamento do conhecimento dos alunos

2a Teoria Saponificação, classificação dos sabões, aquo elipofilicidade

3a e 4a Prática Produção de sabões duros e comparação com ‘sabõesem pedra’, ‘ sabão de coco’ e sabonetes

5a Teoria Sabões moles, aplicações comerciais e sabões insolúveis

6a e 7a Prática Produção de sabões moles e comparação com cremesde barbear, espuma, ‘água dura’ e sabões insolúveis(cracas)

8a Teoria Detergentes e ‘sabões em pó’, micelas e mecanismos

9a Prática Produção de detergentes

10a Teoria + prática Detergentes e redução da tensão superficial da águaem lagos

11a Pesquisa Consulta à biblioteca do colégio

12a e 13a Seminários Temas: sabões duros, sabões moles, detergentes,‘sabões em pó’, biodegradabilidade e redução datensão superficial da água, mecanismos

14a Avaliação final 5 perguntas objetivas

Sabões e detergentes

Page 3: Sabões e detergentes como tema organizador de aprendizagens no

17

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000

Embora tendendo arespostas de estrutura

simples, a grande maioriados participantes demons-

trou ter conhecimentosespontâneos sobre o tema e

na medida em que oexperimento evoluiu foipossível perceber que osalunos re-elaboraram seus

conhecimentos

divulgação na mídia. As aulas teóricasforam preparadas de forma a eviden-ciar aos alunos que a obtenção desabões e detergentes não é resumidaao trabalho manual de ‘misturar dife-rentes ingredientes’ eque existem teoriasque explicam ade-quadamente os fenô-menos ocorridos.

Os alunos manti-veram-se atentos àsaulas experimentais eàs diferentes formasde sabões obtidos e,amiúde, trocavam in-formações entre si e/ou recorriam ao pro-fessor a respeito deproblemas e dúvidaspertinentes. Freqüentemente, concei-tos foram revistos inter-relacionandoteoria e prática, de modo a esclarecero significado dos experimentos. Osalunos foram incentivados a buscar asrespostas e discutir entre si. Ainda quevárias perguntas levantadas fossemsemelhantes, cada grupo teve suasdúvidas trabalhadas individualmente afim de valorizar a troca de idéias e acomunicação entre os seus membros.

A consulta à biblioteca trouxe deimediato duas constatações. A grandemaioria dos alunos de 1º ano ainda nãoestá acostumada com a rotina de talpesquisa, necessitando de constanteauxílio, porém o estímulo ao uso dediferentes referências resulta em textosorganizados e redigidos de forma es-pontânea, notadamente superiores àsconhecidas “cópias cegas”, em que otrabalho de criação mental é subs-tituído pelo trabalho manual de copiarum texto preexistente. A pesquisa naInternet também forneceu dadosvaliosos para o texto e mostrou a forçapotencial deste meio quando aplicadoà educação. Dada a ampliação darede, futuros trabalhos similares po-dem considerar a troca de informaçõesvia uso de chatts e congêneres.

Comparando as duas avaliaçõesrealizadas - conforme descrito anterior-mente - observou-se que enquanto aprimeira privilegia formas mais simplesde respostas, a segunda evidencia umaumento significativo de respostascientificamente mais complexas do

ponto de vista químico.Na questão 1, referente à ‘definição

de sabões e detergentes’, a avaliaçãoinicial apresentou 85,0% das respostascomo variantes de ‘produto de lim-

peza’, indubitavel-mente correta, porémsuperficial. A avaliaçãofinal teve dois sistemasde resposta bastantecitados: (a) ‘mistura degordura e base utili-zada para limpeza’,com 49,0% e (b) ‘subs-tância química queage sobre/remove su-jeiras’, com 46,6%. Aprimeira resposta po-deria ser problemática,todavia este sistema

foi freqüentemente complementado noitem ’Outra resposta‘ referenciandoessa “mistura” como ‘produto da rea-ção química entre gordura e base’.Sugere-se que houve má interpretaçãopor parte dos alunos no tocante aosubstantivo substância como algo dife-rente de produto de reação química.Essa dificuldade ratifica o trabalho deAraújo et al. (1995), em que muitas defi-nições do ensino médio estão basea-das em conceitos aristotélicos quetornam inacessíveis ou inaceitáveisconceitos mais modernos e flexíveis,fazendo atuais as preocupações deGiesbrecht (1979) de20 anos atrás.

A questão 2, refe-rente ao ‘objetivo dautilização de sabões edetergentes’ foi res-pondida por 87,5% dosalunos como ‘promo-ver a limpeza’ na ava-liação inicial, caindopara 13,7% na final, en-quanto o sistema ‘eli-minar sujeiras, gordu-ras, germes e bactérias’, consideradaa resposta de maior abrangência, su-biu de 5,7% para 64,7%. É importanteobservar que inicialmente apenas 6,8%dos alunos relacionaram sabões comhigiene pessoal, na forma de sabo-netes, xampus e cremes de barbear.

A questão 3, referente ao ‘fundamen-to da utilização de sabões e detergentes’mostrou o declínio de respostas como

‘eliminação de sujeiras’, consideradassuperficiais, de 51,1% para 8,0% e a as-censão do sistema ‘auxiliar químico daágua na eliminação de sujeiras’, consi-derada a mais satisfatória, supondo quea água e não o sabão/detergente é oresponsável pelo processo de lavagem,de 17,0% para 78,4% nos questionáriosinicial e final, respectivamente.

Inicialmente, 53,4% dos alunos re-conheceram ignorar o ‘processo deobtenção de sabões’, assunto daquestão 4. Após o estudo, 73,9% dosparticipantes escolhiam o sistema‘reação entre glicerídeos (gorduras) euma base’ como a resposta correta.

Na questão 5, 50,0% dos alunos jácitava a ausência de ‘relação entrequalidade do sabão e quantidade daespuma produzida’. Esse porcentual foiainda maior na avaliação final, na qual92,1% dos alunos responderam nãohaver tal associação. Coincidentemen-te, o estudo foi efetuado no mesmo pe-ríodo de lançamento da campanha pu-blicitária de um gel detergente na mídiae, quando inquiridos individualmente,os alunos citaram produtos comerciaisgeralmente relacionados a uma marcade prestígio.

Freqüentemente, as respostasescolhidas foram complementadas noitem ’Outra resposta’.

O somatório das respostas embranco e/ou fora decontexto em ambasas avaliações foisempre inferior a4,5%, mostrando obom nível de compro-metimento dos alu-nos em relação aoestudo. Também éimportante observarque embora tenden-do a respostas de es-trutura simples, a

grande maioria dos participantes de-monstrou ter conhecimentos espon-tâneos sobre o tema e na medida emque o experimento evoluiu foi possívelperceber que os alunos reelaboraramseus conhecimentos.

Considerações finaisA proposta aqui descrita valoriza o

aluno como indivíduo pensante, e

Sabões e detergentes

O estímulo ao uso dediferentes referências

resulta em textosorganizados e redigidos de

forma espontânea,notadamente superiores àsconhecidas “cópias cegas”,

em que o trabalho decriação mental é subs-tituído pelo trabalho

manual de copiar um textopreexistente

Page 4: Sabões e detergentes como tema organizador de aprendizagens no

18

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000

valoriza o uso do pensamento critico,promovendo o papel do professor amediador e orientador do processoeducacional.

A abertura de vias de comunicaçãocentradas no diálogo é um instrumentopoderoso de motivação da aprendi-zagem. Assim sendo, uma atmosferafavorável ao ensino é alcançada quan-do as tentativas de aprender dos alu-nos são valorizadas, quando há ausên-cia de comentários desfavoráveis,dosagem dos conteúdos e, princi-palmente, a inter-relação de informa-ções entre prática e teoria.

A organização dos alunos em gru-pos espontâneos - considerando-secritérios pessoais - permite a divisãode responsabilidades, a troca de infor-mações e a necessidade de compa-tibilizar divergências, resultando emcooperação. É importante ressaltar,que adotar uma postura não autori-tária, não significa passividade econdescendência, permitindo que otrabalho de criação mental seja ofus-cado pela falta de método e de disci-plina dos próprios alunos.

A série de sabões e detergentesobtidos teve por finalidade estimular areconstrução interna do objeto de es-tudo, valorizando o papel da imitaçãode processos de produção. As técni-cas utilizadas (sínteses e comparaçõescom produtos comerciais) foram se-melhantes, porémconduziram a resulta-dos diferentes (tiposde sabões e deter-gentes).

As pesquisas bi-bliográficas, a reda-ção do texto escrito ea apresentação dosseminários viabiliza-ram uma troca de idé-ias e conhecimentosentre alunos e profes-sor. Esse contexto valoriza o papel de-sempenhado pela escola e contribuicom o processo de aprendizagem daquímica.

Por tudo isso, parece válido afirmarque a utilização deste programa favo-rece, encoraja e sustenta a auto-construção e o desenvolvimento do co-nhecimento por parte dos alunos.

AgradecimentosAgradece-se à Profa. Isabel Cunha,

da Fundação Barddal, pela viabilizaçãodo projeto, e ao Prof. Dr. Marcos Airesde Brito, do Departamento de Químicada Universidade Federal de SantaCatarina (UFSC), por sugestões ecríticas.

Cláudio Nazari Verani ([email protected]), mestre emquímica pela UFSC e doutor pelo Max-Planck-Institutfür Strahlenchemie (Alemanha), foi docente no ensinomédio e atualmente é pesquisador convidado (pós-doutorando) na Univ. Johns Hopkins, em Baltimore,EUA. Débora Regina Gonçalves, psicóloga do SAIS -Serviço de Atenção Integral à Saúde, é mestrandaem educação e coordenadora-adjunta doDepartamento de Psicologia da Universidade do Sulde Santa Catarina. Maria da Graça Nascimento([email protected]), doutora em química pelaUNICAMP, é docente do Departamento de Químicada UFSC.

Notas1. Por adequação de horário e es-

paço, as turmas foram subdivididas emgrupos de aproximadamente 20 alu-nos.

2. O termo ‘sabão duro’ é comu-mente empregado a sabões de sódio,destinados à limpeza comum. Gordu-ras animais são usadas na obtençãode ‘sabões em barra’, enquanto sabo-netes (destinados à higiene pessoal)são obtidos com óleos vegetais. ‘Sa-bão mole’ designa sabões de potássiode consistência mais mole, como cre-mes de barbear.

3. Moléculas desabão são anfipáticas,isto é, possuem umaporção polar solúvelem água (aquofílica) euma cadeia apolarapta a dissolver-se emgordura (lipofílica).Geralmente, sujeirassão ou contêm gor-dura e, desta forma, aporção lipofílica dosabão se dissolve

nessas partículas de sujeira, formandoagregados esféricos denominadosmicelas. A superfície da micela éformada pela porção polar da moléculae, por isso, solúvel em água.

4. O termo ‘água dura’ designa águarica em sais de cálcio e magnésio, quereagem com o sabão substituindo osódio presente. Os sabões de cálcio e

magnésio, assim formados, são insolú-veis em água e formam a ‘craca’ ou‘crosta’ presente em ralos e banheiros.

5. Detergentes são sais derivadosde ácidos sulfônicos de cadeia longae têm um poder de limpeza (ação ten-soativa e emulsificante) maior que ossabões normais.

6) Sabões e detergentes lançadosem rios e lagos sem tratamento préviodiminuem drasticamente a tensão su-perficial da água, e eliminam microor-ganismos chamados fitoplânctons exis-tentes na superfície. Como esses orga-nismos são responsáveis pela oxigena-ção da água, organismos maiores comozooplânctons e peixes acabam por se‘afogar’, causando desequilíbrio nessesecossistemas. Desde 1965, detergentesbiodegradáveis (aptos a serem destruí-dos por microorganismos naturais) vêmsendo empregados por serem menosofensivos ao meio ambiente.

7) Procedimento típico (Atenção!Atenção!Atenção!Atenção!Atenção!hidróxidos de sódio e potássio sãocorrosivos. É necessário tomar os devi-dos cuidados, que incluem o uso deguarda-pó e óculos de segurança): emum béquer de 100 mL contendo 10 mLde água são dissolvidos cuidadosa-mente 3 g de NaOH, 20 mL de óleo ou25 g de gordura e lentamente aqueci-dos sob agitação em um bico de Bun-sen, até o desaparecimento completodas gotículas de gordura. O aqueci-mento é interrompido e a massa resul-tante continua a ser agitada com umbastão de vidro por mais 10 min. 30 mLde uma solução saturada de NaCl (salde cozinha), preparada em paralelo,são adicionados vagarosamente e osistema é aquecido novamente pormais 5 min. A massa amarelada sobre-nadante é o sabão, que pode ser isola-do por filtração (sem vácuo) em umfunil de Buchner. Ao sabão são adicio-nados essências, corantes e espes-santes comerciais. A obtenção de ‘sa-bões moles’ é similar, apenas substi-tuindo NaOH por KOH.

8) Os itens de resposta foram colo-cados propositadamente de modo aquebrar a complexidade crescente. Oitem ’Outra resposta‘ também foi adi-cionado.

Sabões e detergentes

Uma atmosfera favorávelao ensino é alcançada

quando as tentativas deaprender dos alunos sãovalorizadas, quando háausência de comentáriosdesfavoráveis, dosagem

dos conteúdos e,principalmente, a inter-relação de informaçõesentre prática e teoria

Page 5: Sabões e detergentes como tema organizador de aprendizagens no

19

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000

Referências bibliográficasALLINGER, N.; CAVA, M.; DEJONGH,

D.; JOHNSON, K.; LEBEL, N. e STEVEN,C. Trad. de R.B. de Alencastro, J.S. Peixotoe L.R.N. de Pinho. Química orgânica. Riode Janeiro: Guanabara 2, 1985. p. 173.

ARAÚJO, D.X.; SILVA, R.R. e TUNES,E. O conceito de substância apreendidopor alunos do ensino médio. QuímicaNova, v. 18, p. 80-90, 1995.

GIESBRECHT, E. O ensino de químicano Brasil, problemas e perspectivas. Anaisda Associação Brasileira de Química, v. 30,p. 5-9, 1979.

HERRON, J.D. e NURRENBERN, S.C.Chemical education research. Journal ofChemical Education, v. 76, p. 1354-1361,1999.

JUSTI, R.S. e RUAS, R.M. Aprendiza-

gem de química, reprodução de pedaçosisolados de conhecimento? Química Novana Escola, n. 5, p. 24-27, 1997.

KINALSKI, A.C. e ZANON, L.B. O leite co-mo tema organizador de aprendizagens emquímica no ensino fundamental. QuímicaNova na Escola, n. 6, p. 15-19, 1997.

MORRISON, R. e BOYD, R. QuímicaOrgânica. Trad. de M.A. da Silva e A.J. deGouveia. Lisboa: Fundação C. Gulbenkian,1983. p. 1238.

REIS, M. Química Integral. São Paulo:FTD, 1993. p. 337 e 110.

RODRIGUES, J.F. e JUCÁ, M.E.W. Refle-xões sobre a utilização de metodologiaspara o ensino de química geral. QuímicaNova, v. 16, p. 60-62, 1993.

ROMANELLI, L.I. O papel mediador doprofessor no processo ensino-aprendiza-

gem do conceito átomo. Química Novana Escola, n. 3, p. 27-31, 1996.

SPENCER, J.N. New directions in teach-ing chemistry: a philosophical and peda-gogical basis. J. Chem. Ed., v. 76, p. 566-569, 1999.

VANIN, J.A. Alquimistas e Químicos.São Paulo: Ed. Moderna, 1995. p. 49.

Para saber maisBARBOSA, A.B. e SILVA, R.R. Xampus.

Química Nova na Escola, n. 2, p. 3-6, 1995.GALLET, C. Problem-solving teaching in

the chemistry laboratory: leaving thecooks... Journal of Chemical Education, v.75, p. 72-77, 1998.

HOWE, A.C. Development of scienceconcepts within a vygotskian framework.Science Education, v. 80, p. 35-51, 1996.

Sabões e detergentes

Linguagem e Formação de Conceitosno Ensino de Ciências

Este livro é um desdobramento datese de doutorado de Eduardo FleuryMortimer, um dos melhores trabalhosde pesquisa da área de ensino deCiências, aprovada na Faculdade deEducação da USP, em 1994.

Ele relata uma intervenção real, emuma sala de aula concreta do ensinofundamental, com estudantes reais. Oleitor encontrará diversas transcriçõesde trechos dos debates entre os alunose de produções deles, buscando cons-truir significados para as noções de ummodelo atômico da matéria.

Essa experiência é analisada deforma crítica e erudita, sob diversospontos de vista. A teoria piagetiana daequilibração é um dos referenciaisprivilegiados da análise; a idéia deBachelard dos perfis epistemológicosdos conceitos é ampliada, adquirindo,além da dimensão epistemológica,uma outra, ontológica, idéia originalde Mortimer. Há, também, uma incur-são competente pelos domínios dahistória da Ciência.

Seguros da qualidade do trabalho,o autor e sua orientadora, a profa. AnaMaria Pessoa de Carvalho, perce-beram a importância de que ele enri-quecesse a sua formação em Leeds,

Resenha

Inglaterra, onde Mortimer participoudo grupo de Rosalind Driver eexercitou outros referenciais teóricos:a corrente sócio-histórica da psico-logia soviética e as idéias de Bakhtinda heterogenia discursiva.

Num momento em que se anun-ciava uma crise da concepção cons-trutivista de ensino, particularmente doseu modelo da aprendizagem pela mu-dança conceitual, o autor tevea coragem de se arriscar aproduzir um modelo alterna-tivo, a aprendizagem comoreformulação de um perfil con-ceitual.

Eis a obra que a EditoraUFMG hoje disponibiliza aosleitores, um raro testemunhode um pensamento em per-manente reformulação e o re-gistro das múltiplas vozespresentes na voz do autor:dos estudantes, sujeitos desua pesquisa, das eminentespesquisadoras que o orien-taram, dos autores que oinspiraram... Vozes que o au-tor consegue harmonizar, de-monstrando, pelo exemplo, aidéia bakhtiniana da polifonia.

(Luiz Otávio FagundesAmaral DQ/UFMG)

Liguagem e formação de donceitosno ensino de ciências. Eduardo FleuryMortimer. Belo Horizonte: EditoraUFMG, 2000. 383p. ISBN 85-7041-181-2. Onde encontrar: A Editora UFMGtem representantes em diversos esta-dos. Caso você prefira, o livro pode seradquirido pela Internet no endereçowww.editora. ufmg.br/.