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PODER JUDICIÁRIO
VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E
COMERCIAIS DA COMARCA DE JACARACI-BA
AÇÃO DE ADOÇÃO
Autos nº XXXXXXXXXXXXXXXXX
Autores: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX e YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY
Réus: ZZZZZZZZZZZZZZZ e WWWWWWWWWWWWWWW
S E N T E N Ç A
I – RELATÓRIO:
Visto etc.
XXXXXXXXXXXXXXXX e YYYYYYYYYYYYYYYYYY, devidamente qualificados nos autos, propuseram a presente ação de
adoção, com o intuito de regularizar a situação de fato do menor SSSSSSSSSSSSSSSSS, em face dos genitores
ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ e WWWWWWWWWWWWWWW, já
qualificados.
Alegam os requerentes que estão com a guarda de fato da criança SSSSSSSSSSSSSSSSSS desde o nascimento, com a
concordância dos pais biológicos, passada por escrito (fl. 14).
Defendem que possuem plenas condições financeiras, morais, psicológicas afetivas para cuidar da citada criança, tendo como
adotá-la como filho, de modo que pugnaram pela concessão da guarda legal provisória do menor e, no mérito, pela constituição do vínculo de
filiação civil do infante por adoção, com a anterior destituição do poder familiar dos pais biológicos.
A inicial veio instruída com os documentos de fls. 06/14.
Recebida a inicial, foi determinada a citação dos genitores para apresentarem contestação, bem como, a elaboração de estudo
social na residência do casal adotante.
Citados, os requeridos não apresentaram contestação (fl. 21).
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Relatório social elaborado pelo CRAS do município de Mortugaba atestando a condição socioeconômica dos requerentes e o
ambiente familiar propício ao desenvolvimento sadio e harmonioso da criança (fls. 22/24).
Não foi apreciado o pedido de guarda provisória formulado
pelos requerentes na inicial.
Realizada uma primeira audiência de instrução, cujos depoimentos seguem gravados por meio de sistema audiovisual (mídia de fl.
43), os pais biológicos manifestaram arrependimento quanto à entrega do menor ao casal adotante e afirmaram que desejavam recebê-lo de volta. As
demais testemunhas, inclusive a conselheira tutelar Valdineia e o vereador Antônio Presley, informaram que a criança estavam sendo bem cuidada pelos requerentes, os quais devotavam amor e carinho na condição de verdadeiros
pais do infante , e atestaram, em suma, a idoneidade dos requerentes e a boa relação familiar entre os mesmos e os demais membros da família.
Os requerentes apresentaram as suas razões derradeiras com
documentos às fls. 45/70, dando conta de que a criança é portadora de algumas enfermidades congênitas, entre elas, complicações cardíacas cujos tratamentos já vêm sendo proporcionados pelos adotantes ao menor,
conforme robusta prescrição médica, e, no final, pediram a procedência da ação. Os requeridos deixaram transcorrer o prazo sem apresentar as suas últimas alegações.
Relatório social elaborado pelo conselho tutelar de Mortugaba opinando pela manutenção da criança no lar dos adotantes
(fls. 74/76).
Novo relatório social circunstanciado, elaborado pelo CRAS do Município de Mortugaba, atestando a constituição de vínculo afetivo,
psicológico e a completa adaptação do menor SSSSSSSS para com a família adotante, e que a retirada do menor desse núcleo familiar,
provavelmente, acarretar-lhe-ia transtornos e confusão mental irremediáveis (fls. 77/89).
Nova audiência para oitiva dos genitores e adotantes, a pedido do Ministério Público (fls. 96/101), na qual os requeridos
manifestaram, mais uma vez, arrependimento na entrega da criança para adoção e o desejo de tê-la de volta, sem, portanto, precisarem o
motivo de tal arrependimento.
Instado a manifestar-se, o representante do Ministério Público opinou pela improcedência do pedido de adoção por falta de
consentimento dos pais do menor (fls. 103/105).
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Em seguida, vieram-me conclusos os autos.
É o relatório. Passo a decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
Conceitua-se a adoção como o ato jurídico, de cunho solene,
por ducto do qual, atendendo-se às formalidades legais, estabelece-se, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou
afim, um vínculo fictício de filiação.
A adoção, como uma das espécies de colocação da criança ou adolescente, ou até mesmo adulto, em família substituta, acarreta a
condição de filho, a uma pessoa, conduzindo-o a uma família que lhe é estranha.
O ordenamento jurídico pátrio acolhe duas espécies de adoção: a adoção civil, estampada no Estatuto Substantivo Civil; e a
adoção estatutária, capitulada no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A adoção estatutária configura o caso dos autos, evidenciando que a criança adotanda se mostrava, à época em que veio
para o convívio no lar dos requerentes, em situação de abandono, vez que entregue pelos pais biológicos, por livre e sponte própria, aos
requerentes, através de documento público lavrado em cartório (fls. 14).
WALTER CENEVIVA leciona: “As denominações civil e estatutária têm caráter apenas descritivo, para facilitar a clara indicação
de ambas as espécies. Tenho presente que o Estatuto revogou as disposições em contrário. Excluiu, assim, a normatividade anterior
apenas no referente à adoção de menores de 18 anos ou, sendo maior de idade, é interdito, valendo nas duas alternativas, a exigência de que
seja, pelo menos, 16 anos mais jovem que o adotante.” [Lei dos Registros Públicos Comentada - Ed. Saraiva - 12.ª Edição - página 193].
A adoção estatutária confere ao menor adotado,
irrevogavelmente, o status de filho legítimo dos adotantes, desaparecendo qualquer vínculo com os pais de sangue e parentes,
ressalvando-se apenas os impedimentos matrimoniais.
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No caso dos autos, a solução tornou-se dificílima diante do arrependimento dos genitores quanto ao anterior consentimento de
adoção da criança pelos requerentes e o desejo de ter o filho de volta em confronte com a situação de filiação socioafetiva já constituída entre
o menor SSSSSSS e o casal XXXXXXX e YYYYYYYY.
Porém, não é dado ao juiz o poder de não decidir, por vedação expressa no ordenamento jurídico ao non liquet (art. 126 do
CPC).
Vejamos o que disciplina o ECA acerca do consentimento
dos pais para a adoção de criança e adolescente e quanto ao direito ao arrependimento:
Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do
representante legal do adotando.
§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou
tenham sido destituídos do poder familiar. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
(...)
Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem
aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado
diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de
advogado. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 1o Na hipótese de concordância dos pais, esses
serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por
termo as declarações. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2o O consentimento dos titulares do poder familiar será precedido de orientações e esclarecimentos
prestados pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, em especial, no caso de
adoção, sobre a irrevogabilidade da
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medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 3o O consentimento dos titulares do poder familiar
será colhido pela autoridade judiciária competente
em audiência, presente o Ministério Público, garantida a livre manifestação de vontade e
esgotados os esforços para manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou
extensa. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 4o O consentimento prestado por escrito não terá
validade se não for ratificado na audiência a que se
refere o § 3odeste artigo. (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009) Vigência
§ 5o O consentimento é retratável até a data da
publicação da sentença constitutiva da adoção. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
A adoção, como medida extrema e irrevogável de colocação
de criança ou adolescente em família substituta, exige o consentimento dos genitores para a efetivação da medida, excepcionando-se apenas
nos casos previstos no § 1º, do art. 45, do ECA.
Pois bem, vejamos que a lei é expressa ao permitir o
consentimento para a adoção, inclusive por escrito, como foi o caso dos autos. Porém, assegura o estatuto da criança e do adolescente que esse
consentimento não terá validade se não for ratificado em audiência perante a autoridade judiciária e presente o Ministério Público. Por fim,
aduz o ECA que o consentimento pode ser retratado até a publicação da sentença constitutiva da adoção.
É que, de um lado, a prova colhida, como já restou relatado,
aponta para a maneira caridosa, esmerada e afetiva como os autores cuidam da referida criança, sob seus cuidados desde o nascimento.
Entretanto, o mesmo estatuto menorista discorre que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o
adotando e fundar-se em motivos legítimos” (art. 43 do ECA).
Para a solução desse caso concreto, não posso apegar-me à letra fria da lei, devendo, pois, ponderar os princípios que regem os
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direitos fundamentais da criança, especialmente, quanto à sua proteção integral, disciplinada logo no art. 1º do ECA, e ao seu melhor interesse,
consistente em conviver com saúde, educação, amor em uma família que o acolheu como se filho legítimo fosse, desde os primeiros dias de
vida; com os direitos fundamentais dos pais biológicos de criarem os seus próprios filhos.
A análise dos autos, e, por consequência, do caso concreto,
revela um gesto de profunda dignidade dos adotantes, donde se extrai verdadeira lição de solidariedade humana, e encontra-se, por isso,
eivada da nobreza e honradez que só os espíritos elevados sabem ter.
Com efeito, os adotantes receberam o adotando, ao sair da
maternidade, no caminho de suas vidas e desde o primeiro momento devotaram a estima e o amor próprio da maternidade e paternidade,
dando-lhe um lar saudável, o aconchego e o conforto que se deve ministrar a um filho, conforme se pode comprovar a partir dos
depoimentos uníssonos das testemunhas e dos próprios pais biológicos, as quais atestaram a idoneidade dos requerentes, os cuidados para com
o adotando e a boa relação familiar entre os mesmos e os demais membros.
Inclusive, este humilde magistrado teve a grata
oportunidade de visualizar, pessoalmente, em audiência (mídia de fl.
43) o quanto os adotantes amam o adotando, os quais desolaram-se em choro ao saber da possibilidade de perder o menor SSSSSSS.
Naquele momento, o adotante XXXXXXXX, que trata SSSSSSS como filho, afirmou perante este magistrado que prefere morrer a ter
“arrancado” o menor do seu convívio, tamanha relação de afeto, que poucos pais biológicos nutrem pelos seus filhos.
Assim, é que permanecem os autores com a guarda da
criança SSSSSSSS, ora adotando, e em momento algum, pelo que se pode extrair do conjunto probatório existente nestes autos, faltaram
com a atenção que ela necessita, numa singular demonstração de que realmente o têm como filho, tanto é que pleitearam a adoção em foco.
De outro lado, os genitores, após mais de 2 anos da convivência do menor SSSSSSSS com os adotantes, hoje, caminhando
para os 4 anos, manifestaram arrependimento em audiência perante este juízo, porém sem convicção dos reais motivos pelos quais
pretendem ter o filho de volta, apenas por estarem arrependidos.
Sabemos que, até mesmo os animais irracionais criam vínculos de lealdade e afetividade para com os seus donos ou criadores,
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quanto mais o ser humano, que é da sua própria natureza nutrir vínculos de afetividade e aprender a orientar-se, desde os primeiros
passos, de que o pai e mãe são aqueles que estão ao seu lado ensinando-lhe os princípios e os valores familiares e sociais e
colocando-o a salvo de quaisquer riscos.
Dos documentos acostados aos autos (fls. 45/70), percebemos que o menor SSSSSSSS é portador de várias doenças
congênitas, algumas graves, como “descontinuidade interatriais na região apical do septo interventricular” e “comunicação interventricular
com risco de aumento para endocartite bacteriana”, necessitando de profilaxia em casos de tratamento cirúrgico, e os adotantes não têm
medido esforços para assegurar os tratamentos médicos de que
necessita o menor SSSSSSS.
A mãe biológica, a Sra. ZZZZZZZZ, afirmou em audiência que teria entregado o menor SSSSSSS, após sair da maternidade, para
os adotantes, com o consentimento do genitor, porque não tinha condições sociais e econômicas de criá-lo, haja vista já ter outros 3
(três) filhos, inclusive, afirmou que já havia entregado outro filho para adoção.
Realizada uma primeira perícia social em 21/03/2013, foi
observado que SSSSSSSS demonstra estar vinculado e adaptado à
família e ao ambiente do lar, recebendo proteção e carinho, e que, até aquele momento, os pais biológicos não tinham manifestado a intenção
de ter a criança de volta (fls. 22/24).
Já, o estudo social elaborado pelo Conselho Tutelar do Município de Mortugaba/BA, no dia 29/09/2014 (fls. 74/76), com a
entrevista dos adotantes e dos pais biológicos do adotando, apurou-se que a mãe ZZZZZZZZ entregou o menor SSSSSSS, no seu primeiro dia
de vida, para o casal XXXXXXX e YYYYYYY, porque não tinha condições financeiras para criar e educá-lo, e os adotantes aceitaram
receber o menor porque não tinham filhos, aceitando o pedido da mãe biológica com muito carinho e amor.
Apurou-se, ainda, naquele estudo social que ZZZZZZZZ afirmou que tomou uma decisão precipitada e que fará o que for
possível para ter o menor SSSSSSS de volta. Diz que sua intenção é retomar o filho, mas, ao mesmo tempo diz estar esperando uma
decisão judicial.
De sua vez, o genitor WWWWWW afirmou aos conselheiros que a sua esposa ZZZZZZZZ deu o menor SSSSSSSS para
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o casal XXXXXXX e YYYYYYY sem o seu consentimento, mas, se for permitido pela sua esposa, ele tanto aceita que o menor fique com o
casal adotante ou que volte para eles, estando disposto a um acordo, pois ele quer o melhor para a criança.
Constam, por fim, no relatório social que a senhora
ZZZZZZZZ é mãe de mais três crianças, as quais estão dando muito trabalho para a mãe, que no dia 03/09/2014 os menores L. da C. e I.
dos S. estavam na feira livre do município de Mortugaba quando pegaram uma caixinha de dinheiro da senhora Ana e saíram correndo,
tendo sido acionada a polícia e o conselho tutelar para averiguar o caso, motivos pelos quais foram notificadas as crianças e a senhora
ZZZZZZZZ, genitora dos menores.
Pois bem, vislumbra-se que os pais biológicos não dispõem
de um contexto familiar saudável, indene de riscos, para criar os filhos que já possuem, tampouco para proporcionar ao menor SSSSSSS uma
convivência familiar digna semelhante à que já se constituiu ao longo desses quase quatro anos com o casal XXXXXXX e YYYYYYY.
Em relatório social circunstanciado elaborado pelo CRAS de
Mortugaba, no dia 13/102014 (fls. 78/89), restou evidenciado que a senhora ZZZZZZZZ entregou o menor SSSSSSSS, logo após sair da
maternidade, ao casal XXXXXXX e YYYYYYY, por possuir mais três
filhos menores e não ter condições de criar e educar o adotando, conforme narrado pela própria mãe biológica.
Apurou a assistente social que a senhora ZZZZZZZZ, após
mais de dois anos e meio, resolveu que queria o filho de volta alegando que a senhora YYYYYYY não estava sendo mais simpática com ela e
que terceiros chegavam até esta para dizer que tinha visto o SSSSSSSS junto com a senhora YYYYYYYYY na rua e que a mesma não dava
importância ao passar próximo de parentes da criança.
O pai biológico do adotando, WWWWW, afirmou que retirar o menor SSSSSSSS do casal XXXXXXX e YYYYYYY, passados todos
esses anos, seria a mesma coisa de retirar-lhe o seu filho GGGGGGG (fl.
81). Percebeu a assistente social que o pai biológico do adotando não coaduna do mesmo pensamento da companheira ZZZZZZZZ de retirar
o menor dos adotantes.
Considera a expert, no que tange à motivação para retomada do vínculo com o filho, “que a requerida ZZZZZZZ tem sido
influenciada por outras pessoas para receber a criança de volta, porém,
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sem muita firmeza neste propósito, apenas com alegações genéricas de que está arrependida” (fls. 79/89).
De todo o arcabouço probatório, vislumbra-se que o menor
SSSSSSSS, que está com o casal XXXXXXX e YYYYYYY desde o primeiro dia de vida, já constituiu laço de afinidade e afetividade
imprescindíveis para o seu desenvolvimento.
Como bem ressaltou-se a competente assistente social, o tempo de vida que tem o menor SSSSSSSS está diretamente ligado à
referência de tudo que ele experimentou em vida, as experiências
físicas e psíquicas, de referência maternal e paternal, construída toda uma relação afetiva de família, cuja continuidade é importante para o
desenvolvimento psicossocial do adotando, livre de turbação e confusão mental de parentalidade.
A intenção do legislador ao disciplinar a norma do art. 116,
§ 5º, do ECA, com certeza, não foi a de desconstituir uma situação de fato estabelecida pelo decurso do tempo, qualificada pela situação de
posse de estado de pais e filho, no que a doutrina e a jurisprudência acostumaram-se a chamar de filiação socioafetiva, que, inclusive, em
algumas hipóteses, como sói ser a dos dos autos, deve sobrepor-se à filiação biológica.
Segundo Bruschini (1981), a família “não é a soma de indivíduos, mas o conjunto vivo, contraditório e cambiante de pessoas
com sua própria individualidade e personalidade” (p. 77). Ela é referência de afeto, proteção e cuidado, nela os indivíduos constroem
seus primeiros vínculos afetivos, experimentam emoções, desenvolvem autonomia, tomam decisões, exercem o cuidado mútuo e vivenciam
conflitos.
A família substituta é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.° 8.069/90, e refere-se à inserção de criança ou
adolescente que não tenha família em um seio familiar, para que possa se desenvolver nele.
O art. 28 do ECA dispõe “A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da
situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.” Portanto, a família substituta decorrerá necessariamente de guarda,
tutela ou adoção.
Ressalta-se que a colocação em família substituta deverá atender ao melhor interesse da criança ou adolescente que sempre
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que possível deverá ser ouvido (ECA, art. 28, §1º); atentando-se ao grau de parentesco ou relação de afinidade ou afetividade entre o
postulante e este (ECA, art. 28, §2º).
A família substituta representa mais uma das entidades familiares embasadas no afeto.
“A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar
a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito
civil: direito de família. Coleção direito civil; volume 6. 7ª edição. São
Paulo: Atlas, 2007. p.253).
DINIZ (2008), baseada nas formulações de diversos autores, vai além, ao conceituar adoção:
“A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual,
observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco
consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que,
geralmente, lhe é estranha” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 5º volume: direito de família. 23ª Edição.
Revisada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008. p.506.).
A família adotiva tem seus membros reunidos por laços de
amor, carinho e afeto. Como destacado acima, insere-se no seio familiar, por vontade própria, na condição de filho, pessoa que lhe é
estranha. Não se toma por base a genética, mas, o amor.
A Constituição Federal elenca entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa
humana, que busca a tutela integral às pessoas, e traz em seu conteúdo a tutela do ser humano em todos os seus sentidos. CF, art.
1°, III:
“Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: (...)
III - a dignidade da pessoa humana”.
Dessa forma, a valorização da verdade socioafetiva como elemento relevante para o estabelecimento de filiação busca na
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“realidade existente, ou em formação, o sustentáculo para determinar juridicamente quem é o pai. E isto, por vezes, independe de quem seja
o genitor” (CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade (coord.).Biodireito e dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2006. p. 313). Dando
azo, assim, a um novo modelo de família alicerçado nos laços afetivos e, não, biológicos.
Demonstra-se no entendimento de VENOSA (2007), que o
vínculo afetivo é o laço que une a família:
“A família, doravante, deve gravitar em torno de um vínculo
de afeto, de recíproca compreensão e mútua cooperação. A chamada família ou paternidade socioafetiva ganha corpo no
seio de nossa sociedade, com respaldo doutrinário e jurisprudencial. Lembre-se do art. 1.593, que se refere
precipuamente outra origem na filiação. A família passa a ter um conteúdo marcadamente ético e cooperativo e não
mais econômico, resquício este da velha família romana e, nesse contexto, não há espaço para qualquer discriminação”
(VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. Coleção direito civil; volume 6. 7ª edição. São Paulo: Atlas,
2007. p. 207/208).
E mais adiante, acentua que a paternidade socioafetiva é
representada pela posse do estado de filho, aludindo ao estado familiar:
“A filiação é, destarte, um estado, o status familiae, tal
como concebido pelo antigo direito. Todas as ações que visam a seu reconhecimento, modificação ou negação são,
portanto, ações de estado. O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram”(VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família.
Coleção direito civil; volume 6. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 2007. p. 206).
A paternidade afetiva decorre da convivência familiar, afeto, carinho e assistência recíproca. Não advém necessariamente
de fatores genéticos, podendo sê-lo, conforme se infere do julgado abaixo:
“RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE.
CANCELAMENTO PELO PRÓPRIO DECLARANTE. FALSIDADE
IDEOLÓGICA. IMPOSSIBILIDADE. ASSUNÇÃO DA DEMANDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. DEFESA DA ORDEM
JURÍDICA OBJETIVA. ATUAÇÃO QUE, IN CASU, NÃO TEM O
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CONDÃO DE CONFERIR LEGITIMIDADE À PRETENSÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Salvo nas hipóteses de erro,
dolo, coação, simulação ou fraude, a pretensão de anulação do ato, havido por ideologicamente falso, deve ser conferida
a terceiros interessados, dada a impossibilidade de revogação do reconhecimento pelo próprio declarante, na
medida em que descabido seria lhe conferir, de forma absolutamente potestativa, a possibilidade de
desconstituição da relação jurídica que ele próprio, voluntariamente, antes declarara existente; ressalte-se,
ademais, que a ninguém é dado beneficiar-se da invalidade a que deu causa. 2. No caso em exame, o recurso especial
foi interposto pelo Ministério Público, que, agindo na qualidade de custos legis, acolheu a tese de falsidade
ideológica do ato de reconhecimento, argüindo sua
anulabilidade, sob o pálio da defesa do próprio ordenamento jurídico; essa atuação do Parquet, contudo, não tem o
condão de conferir legitimidade à pretensão originariamente deduzida, visto que, em assim sendo, seria o mesmo que
admitir, ainda que por via indireta, aquela execrada potestade, que seria conferida ao declarante, de
desconstituir a relação jurídica de filiação, como fruto da atuação exclusiva de sua vontade. 3. Se o reconhecimento
da paternidade não constitui o verdadeiro status familiae, na medida em que, o declarante, ao fazê-lo, simplesmente lhe
reconhece a existência, não se poderia admitir sua desconstituição por declaração singular do pai registral. Ao
assumir o Ministério Público sua função precípua de guardião da legalidade, essa atuação não poderia vir a beneficiar, ao
fim e ao cabo, justamente aquele a quem essa mesma
ordem jurídica proíbe romper, de forma unilateral, o vínculo afetivo construído ao longo de vários anos de convivência,
máxime por se tratar de mera "questão de conveniência" do pai registral, como anotado na sentença primeva. 4. "O
estado de filiação não está necessariamente ligado à origem biológica e pode, portanto, assumir feições
originadas de qualquer outra relação que não exclusivamente genética. Em outras palavras, o
estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a não biológica (...). Na realidade
da vida, o estado de filiação de cada pessoa é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência
familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na
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maioria dos casos" (Mauro Nicolau Júnior in "Paternidade e Coisa Julgada. Limites e Possibilidade à Luz dos Direitos
Fundamentais e dos Princípios Constitucionais". Curitiba: Juruá Editora, 2006). 5. Recurso não conhecido (grifos nossos)”. (STJ. REsp 234833 / MG; RECURSO ESPECIAL
1999/0093923-9; Relator Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA; Órgão
Julgador 4ª Turma; Data do Julgamento 25.9.2007; Data da Publicação DJ
22/10/2007 p. 276).
A filiação advém da posse do estado de filho, se calca no
afeto existente entre as pessoas que ocupam os papéis de pai e filho respectivamente na relação. Concorre entendimento jurisprudencial:
“CIVIL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C NULIDADE DE REGISTRO CIVIL E ALIMENTOS - CRIANÇA
EM SITUAÇÃO DE RISCO - VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE - EXAME DE DNA - RESULTADO NEGATIVO
PARA A PATERNIDADE INDICADA PELA GENITORA DO MENOR - PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA DAQUELE QUE
PROMOVEU O REGISTRO DE NASCIMENTO - NÃO CONFIGURAÇÃO - RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE
NASCIMENTO COM EXCLUSÃO DO NOME DO GENITOR E DOS AVÓS PATERNOS - ALTERAÇÃO DO PATRONÍMICO DO
MENOR - SENTENÇA MANTIDA. 1. Cuida-se de ação de investigação de paternidade c/c com nulidade de registro
civil e alimentos ajuizada pelo Ministério Público do Distrito
Federal e dos Territórios em substituição processual de menor gerado à época em que a genitora prestava serviços
domésticos na residência do suposto pai. Os autos comprovam que a genitora permitiu que seu filho viesse a
ser registrado pelo companheiro do irmão daquele que acreditava ser o pai biológico da criança, autorizando que a
mesma viesse a residir com ele e seu companheiro no Canadá.2. Realizado o exame de DNA, comprovou-se que a
criança não é filha biológica daquele que era apontado pela genitora como pai, admitindo, por sua vez, o autor do
registro de nascimento que a paternidade assumida não é verdadeira. Invoca, contudo, a paternidade sócio-afetiva
para manter o vínculo civil com o menor.3. Segundo a doutrina e jurisprudência mais abalizadas "A filiação sócio-
afetiva decorre da convivência cotidiana, de uma
construção diária, não se explicando por laços genéticos, mas pelo tratamento estabelecido entre
pessoas que ocupam reciprocamente o papel de pai e
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filho, respectivamente". 4. Na hipótese, não se vislumbrando os elementos indispensáveis à caracterização
da filiação sócio-afetiva, mormente a convivência cotidiana, a afeição, a solidariedade, o auxílio, o respeito e o amparo
do registrando para com o menor, há que se dar prevalência à verdade real, de modo a propiciar, futuramente, a
identificação do genitor biológico da criança. 5. Apelação conhecida e improvida (grifos nossos)”. (TJDFT.
20070130052792APE, Relator HUMBERTO ADJUTO ULHÔA, TJDFT 3ª Turma Cível, julgado em 18/02/2009, DJ
06/03/2009 p. 81).
Não há distinção, nem tampouco discriminação, em razão
da origem da filiação, por expressa determinação constitucional, CF, art. 226, § 6°: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou
por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”; assim,
reconhece-se tanto a filiação biológica ou natural quanto a afetiva ou sociológica. Este é o entendimento da doutrina e jurisprudência
modernas:
“EMENTA: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. SOCIOAFETIVIDADE. DESCONSTITUIÇÃO DO REGISTRO
CIVIL. DESCABIMENTO. A moderna concepção de paternidade se enraíza no afeto entre o filho e quem o
ampara com o invólucro do carinho e do amor,
afastando a obrigação do vínculo biológico. É genitor quem contribui com a carga genética, mas é pai quem
cria e protege, dedicando seu sentimento a quem registra espontaneamente e cuida durante vários
anos. O desfazimento da anotação do nascimento, calcado em interesses apenas patrimoniais, compromete o caráter
ético que deve presidir a demanda de filiação. APELAÇÃO DESPROVIDA, VENCIDA A RELATORA, QUE DAVA
PROVIMENTO PARCIAL (grifos nossos)”. (TJRS. Apelação Cível Nº 70009571142, Sétima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 01/12/2004, DJ do dia 31/03/2005).
Conforme já mencionado, a filiação pode ser jurídica,
biológica ou afetiva. A posse do estado de filho é o elemento probante
que subsidia a paternidade socioafetiva, que se funda essencialmente no afeto, independente de fatores biológicos ou
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presunções legais, caracterizando-se pela intensa convivência entre pai e filho.
Neste diapasão já se pronunciou o TJRS, conforme
demonstra julgado:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE
SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO AGRAVÉS DO EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO
COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA.
POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de
buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de
filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e
deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do
Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da
convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor
uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem
parte da condição humana tridimensional, que é
genética, afetiva e ontológica. APELO PROVIDO (grifos nossos)”. (TJRS. Apelação Cível Nº 70029363918, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 07/05/2009, Diário da Justiça
do dia 13/05/2009)
Na paternidade socioafetiva, pai é aquele, que ligado biologicamente ou não, confere ao seu filho todo o seu cuidado,
afeto, amor, carinho, dedicação e participa do seu crescimento como indivíduo, propiciando-lhe educação, cultura e tudo mais
de que necessitar a fim de realizar-se como pessoa, ou seja, é a relação/ligação entre pai e filho exposta como fato social, como
demonstra julgado:
“EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO RESCISÓRIA.
ALEGAÇÃO DE ERRO DE FATO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Não se verifica erro de fato quando a prova
produzida foi devidamente analisada pelo magistrado.
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Sentença que reconhece estado de filha que se deu - de forma pública e respeitosa, onde ela "era
carinhosamente tratada pelo mesmo como filha". Relação de afeto que ao longo do tempo foi fincando
raízes a ponto de criar uma verdade social que independe da verdade biológica. Reconhecida - ausente
qualquer dúvida - a socioafetividade, a decisão rescindenda não incidiu em erro de fato por ignorar o laudo pericial.
Ação rescisória que se embasa em erro de fato pois o resultado da perícia que apontou que os embargantes não
são os avós biológicos da embargada. Novo DNA que concluiu que nenhuma conclusão verdadeira a respeito da
paternidade dos autores em relação ao investigado se pode realmente tirar do laudo. - Ver Embargos de Declaração
70009707449 - Ver Ação Rescisória 597245547 EMBARGOS
INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA (grifos nossos)”. (TJRS. Embargos Infringentes Nº 70004747143,
Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 18/06/2004).
Entretanto, este instituto não vem expresso no
ordenamento jurídico brasileiro, formou-se dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários com o fito de abarcar a realidade social
das famílias brasileiras. Portanto, a configuração da posse do estado de filho serve como prova de filiação e reafirma a paternidade socioafetiva.
Dessa forma, conclui-se que a posse do estado de filho se consubstancia nos seguintes elementos: utilização do nome daquele
considerado como pai; o tratamento, atos que expressem a relação paterno-filial; e a fama, que constitui a notoriedade
social. Contudo, deve-se ressaltar que, mesmo se o filho nunca houver usado o nome do pai, não se pode desconstituir a posse de estado, uma
vez presentes os demais elementos.
Hoje, devido aos avanços no campo da ciência, em especial, a genética, é fácil determinar, através do exame de DNA, o pai biológico
da criança, atribuindo-lhe responsabilidades e direitos inerentes à paternidade. Todavia, é insuficiente a simples verdade biológica para a
determinação da paternidade; é imprescindível observar a existência de laços sólidos de afeto, amor, solidariedade e
responsabilidade, pois estes caracterizam a relação entre pai e
filho.
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Através da exegese do texto constitucional, depreende-se que o afeto é fundamental na relação e convivência interpessoal. Assim,
o Código Civil prevê a mútua assistência no parentesco, art. 1694: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros
os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua
educação.”; e na relação entre os cônjuges, conforme dispõe o art. 1566, III: “São deveres de ambos os cônjuges: (...) III - mútua
assistência”.
A afetividade entre os integrantes da família surge como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Nos dizeres de
MORAES (2006), a dignidade da pessoa humana é:
“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida
e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício
dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª
Edição. São Paulo: Atlas, 2006. p. 16).
O ilustre jurista MONTEIRO (2007) vai além, ao explanar acerca da constitucionalização do direito civil destaca a importância da
dignidade da pessoa humana no direito de família:
“Nas relações familiares acentua-se a necessidade de tutela dos direitos da personalidade, por meio da proteção à
dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a família deve ser havida como centro de preservação da pessoa, da
essência do ser humano, antes mesmo de ser tida como célula básica da sociedade”. (MONTEIRO, Washington de Barros.
Curso de direito civil, volume 2: direito de família. 38ª Edição. Revista e
Atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 19).
Nesta esteira, surge este instituto calcado no afeto e na
efetiva posse do estado de filho, designado por alguns como filiação sociológica e por outros, como filiação socioafetiva. Esta paternidade
é muito mais ampla e profunda do que a verdade biológica, fulcra-se no zelo, amor e dedicação ao filho, constitui-se de
forma espontânea pelo desejo de assumir o papel de pai; desejo
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que nasce dos sentimentos que vão surgindo durante a convivência/interação com a criança.
O pai biológico é o doador de sêmen e a mãe biológica do
útero e, nem sempre, levando-se em conta a verdade social da relação, eles serão os biológicos pais da criança, porém os verdadeiros pais são
aqueles que detém a socioafetividade baseando-se na posse de estado de filho (o nome, o tratamento e a fama), sendo reconhecida pelo
permissivo legal do CC, art. 1605, II:
“Art. 1605 - A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado. (...)
II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”.
Priorizando-se a dignidade da pessoa humana, a
paternidade e a maternidade, modernamente, fundamentam-se na diversidade de famílias que se formam com o objetivo de propiciar a
realização e felicidade de seus membros; na despatrimonialização das relações de filiação; na relativização da verdade biológica e na
integral proteção aos filhos.
O reconhecimento da realidade socioafetiva, em suma,
decorre da efetiva constatação da posse do estado de filho; da observância da dignidade da pessoa humana; da proteção integral a
família, prevista na CF, art. 226; e da proteção integral da criança e do adolescente, estabelecida na CF, art. 227:
“Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado”.
“Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão”.
Ora, diante do contexto trazido aos autos, e não obstante a excepcionalidade da colocação de criança em família substituta, o que
deve ser considerado, sobretudo, é a proteção integral e o melhor interesse do menor SSSSSSSS.
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Logo, não obstante se tratar de típica “adoção à brasileira” e ser incontroversa a burla à ordem de preferência estabelecida a partir
da lista de cadastro de adotantes, não se pode olvidar que tendo SSSSSSSS, atualmente, com 3 anos e 8 meses de idade, desde o
seu primeiro dia vida, convivido com os adotantes, reconhecendo-os como pai e mãe, em ambiente familiar adequado e saudável, onde
recebe atenção, carinho e tem todas as suas necessidades atendidas, estabelecendo-se fortes vínculos de afetividade, o mais adequado,
agora, é manter este arranjo familiar, já consolidado, em prol do infante.
Ademais, os laudos sociais e psicológicos realizados em face
dos requeridos não foram conclusivos em testificar suas reais condições
emocionais e subjetivas de assumir os cuidados do filho e reaver os laços familiares.
A par disso, saliento que o último laudo social revelou que
ZZZZZZZZZZ já havia gerado mais três filhos, de relacionamentos diferentes, não indicando firmeza quanto à motivação para retomar o
vínculo com o filho SSSSSSSS.
Portanto, em que pese o arrependimento da mãe biológica, já que o pai mostrou-se indiferente, em observância ao melhor
interesse da criança, deve o infante permanecer com os adoantes, não
sendo aconselhável reverter a situação, haja vista o vínculo afetivo já criado, conforme exaustivamente fundamentado acima.
Vejamos o que dispõe jurisprudência dos tribunais, em
especial, do STJ, do TJBA e do TJRS:
SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. ADOÇÃO. FALTA DE CONSENTIMENTO DO PAI BIOLÓGICO. ABANDONO.
SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA EM BENEFÍCIO DO ADOTANDO. REQUISITOS PARA HOMOLOGAÇÃO DA
SENTENÇA ESTRANGEIRA. PREENCHIMENTO. 1. Nos termos do art. 45 do ECA, a adoção depende do consentimento dos
pais ou do representante legal do adotando, de modo que
tal consentimento pode ser dispensado quando os pais do menor forem desconhecidos ou tenham sido destituídos, por
decisão judicial, do pátrio poder familiar. A essas hipóteses de dispensa a jurisprudência desta Corte de
Justiça acrescentou mais uma, qual seja, quando, excepcionalmente, for constatada uma situação de
fato consolidada no tempo que seja favorável ao
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adotando, conforme ocorre no caso em exame. 2. É devida a homologação da sentença estrangeira de adoção,
porquanto foram atendidos os requisitos previstos no art. 15 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e nos
arts. 216-A a 216-N do RISTJ, bem como constatada a ausência de ofensa à soberania nacional, à ordem pública e
à dignidade da pessoa humana (LINDB, art. 17; RISTJ, art. 216-F). 3. Defere-se o pedido de homologação da sentença
estrangeira. (SEC 10700 / EX SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. 2013/0334402. Ministro RAUL ARAÚJO. CE -
CORTE ESPECIAL. J. 03/06/22015. DJe 04/08/2015). (grifei)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE ADOÇÃO C/C DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO, PRESERVADA A GUARDA ANTERIORMENTE DEFERIDA. MENOR ENTREGUE PELA MÃE BIOLÓGICA, DE
FORMA ESPONTÂNEA, AOS CUIDADOS DO CASAL REQUERENTE. AUSÊNCIA DE PROVA DE CAPACIDADE DA
MÃE BIOLÓGICA PARA PROVER A MANUTENÇÃO DA MENOR EM AMBIENTE FAMILIAR CONDIGNO COM O PLENO
DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL. EXISTÊNCIA DE FORTE VÍNCULO AFETIVO ENTRE A CRIANÇA E OS GUARDIÕES,
VERIFICANDO-SE TOTAL INSERÇÃO NA FAMÍLIA SUBSTITUTA. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA NO TEMPO
E MELHOR INTERESSE DO INFANTE. LAUDO SOCIAL FAVORÁVEL À ADOÇÃO. ANUÊNCIA EXPRESSA DO
GENITOR. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E
CONCESSÃO DA ADOÇÃO PLEITEADA. REFORMA DO DECISÓRIO. PROVIMENTO DO APELO. A adoção será
deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e estiver fundada em motivos legítimos,
como resulta da exegese do artigo 43 da Lei 8.069 de 13.07.1990. Efetivando-se a entrega da infante aos
guardiões, quando contava poucos meses de vida, restou incontroversa a formação de vínculo afetivo ao longo de
quase uma década de convivência familiar, laços fortes a serem preservados em respeito aos interesses do menor,
que se sobrepõem a quaisquer outros. Cedo às circunstâncias, especialmente em face do tempo de
convivência - quase 10 anos-, que gerou laços amorosos e proporcionou à criança o direito sagrado ao desenvolvimento
sadio e seguro em um ambiente familiar, para deduzir que
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não há razão de denegar-se o pedido dos autores.“ Segundo a legislação pátria, a adoção de menor que tenha pais
biológicos no exercício do pátrio poder pressupõe, para sua validade, o consentimento deles, exceto se, por decisão
judicial, o poder familiar for perdido. Nada obstante, o STJ decidiu, excepcionalmente, por outra hipótese de
dispensa do consentimento sem prévia destituição do pátrio poder: quando constatada uma situação de fato
consolidada no tempo que seja favorável ao adotando” . Consolidada a condição fática de filiação,
a adoção revela-se inquestionavelmente mais favorável aos interesses da menor. A manutenção do
status quo, em caráter excepcional, está justificada na preservação das únicas referências de amor e de
família conhecidas pela adotanda e dos valores
essenciais à sua formação psicossocial. RECURSO PROVIDO. (TJ-BA - APL: 00001316720098050220 BA
0000131-67.2009.8.05.0220, Relator: José Olegário Monção Caldas, Data de Julgamento: 29/05/2012, Quarta Câmara
Cível, Data de Publicação: 16/11/2012). (grifei)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. MENOR QUE ESTÁ SOB A GUARDA FÁTICA DOS AUTORES DESDE O
NASCIMENTO. ARREPENDIMENTO MATERNO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. VINCULO AFETIVO CONSOLIDADO. MELHOR
INTERESSE E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA. Não merece reparo a decisão que destituiu o poder
familiar, e concedeu a adoção do menor, que convive
com os autores desde tenra idade. Em que pese o arrependimento materno, o infante, atualmente com 5
anos de idade, está adaptado à família adotante, reconhece-os como pai e mãe, já consolidado o
vínculo afetivo. Manutenção deste arranjo familiar, considerando o melhor interesse da criança. RECURSO
DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70062283361, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena
Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 26/11/2014).(TJ-RS , Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de
Julgamento: 26/11/2014, Sétima Câmara Cível). (grifei)
Dessa feita, vislumbra-se a excepcionalidade de manter o
menor SSSSSSSSSSS no núcleo familiar onde se encontra desde o seu primeiro dia de vida, em detrimento ao direito de arrependimento dos
pais biológicos, vez que a situação de relação socioafetiva entre o
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menor e os adotantes é motivo suficiente de dispensa do consentimento para a constituição jurídica da adoção, que já fora constituía
faticamente.
Ora, estamos aqui a tratar de uma vida humana, com personalidade e sentimentos, não de um objeto inanimado que se
empresta e em qualquer momento pega-se de volta sem alteração do seu conteúdo e da substância.
Consolidada, pois, a condição fática de filiação entre
SSSSSSSS e os pais adotivos, XXXXXXX e YYYYYYY, a adoção
revela-se inquestionavelmente mais favorável aos interesses do menor. A manutenção do status quo, em caráter excepcional, está justificada
na preservação das únicas referências de amor e de família conhecidas pelo adotando e dos valores essenciais à sua formação psicossocial.
É evidente e inegável que o adotando encontra-se
plenamente amparado pelos adotantes, em todos os sentidos, e que os adotantes reúnem todos os requisitos legais para que seja deferida a
adoção em comento, tratando-se de pessoas de manifesta idoneidade moral, que muito bem se conduziu na criação do adotando, desde o
nascimento até o presente momento, propiciando-lhe uma vida saudável e um ambiente familiar adequado.
Convém mais uma vez lembrar que, segundo a dicção do art. 43, do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, a
adoção será deferida quando apresentar real vantagem para o(a) adotando(a) e desde que fundada em motivos legítimos, como sói
ocorrer no caso em comento.
Verifica-se ainda que a almejada adoção apresenta reais vantagens à criança, uma vez que ela vai, definitivamente, ser
integrada em uma família que apresenta condições morais, afetivas e financeiras para criá-la e educá-la.
Os motivos da adoção são legítimos e, acima de tudo, nobres e humanísticos, pois visa integrá-la em uma família, o que, sem
sombra de dúvidas, implica em efetivo benefício à criança, autorizando a adoção, segundo o comando normativo inserido no art. 39 e ss da Lei
8.069/90 (ECA).
Os documentos colacionados e a prova oral colhida atestam a plena capacidade dos requerentes de realizarem a adoção pretendida,
tendo os mesmos, conforme já supra referido, plenas condições, não somente de prover o sustento da criança adotanda, como também de
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possibilitar-lhe perspectivas de futuro, no tange à sua educação e, especialmente, à saúde do menor SSSSSSSS, que requer cuidados
médicos e tratamento de suas patologias congênitas, os quais vêm sendo promovidos pelos requerentes, sem medição de esforços,
conforme esposado acima.
Acerca do tema aqui em foco, vale ressaltar que a adoção legitimante apresenta os seguintes contornos jurídico-legais: efetivação
por maior de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil, ou por casal unido por casamento ou união estável, comprovada a
estabilidade familiar, diferença mínima de idade entre adotante e adotado de, pelo menos, dezesseis anos [art. 42, §§ 1.º, 2.º e 3.º do
E.C.A.]; limitação de idade do adotado até dezoito anos, em situação
regular ou irregular, podendo excepcionalmente, ser adotado plenamente o menor entre dezoito e vinte e um anos, se já estiver sob
a guarda ou tutela do adotante (Lei 8.069/90 - arts. 2.º, 39, 28 e 40); estágio de convivência entre adotante e adotado, dispensado pelo fato
de a criança já estar sob a guarda de fato dos adotantes por tempo suficiente à constituição do vínculo afetivo [art. 46, § 1.º – E.C.A.];
dispensa do consentimento dos pais biológicos, por motivos de constituição de relação socioafetiva entre adotantes e adotado, por
tempo juridicamente suficiente à manutenção do status quo ante [art. 41, § 2.º – E.C.A.]; intervenção judicial na sua criação (Lei 8.069/90,
arts. 148, III, 165, I a V, e parágrafo único, 39, parágrafo único, 50, § 1.º, 168, 28, § 2.º, 29, 42 e § 5.º, 43, 47, §§ 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e
6.º).
Na matéria vergastada, os pressupostos legais de adoção
estatutária se encontram plenamente evidenciados no caso de que se cuida, pois percebe-se que os documentos acostados retratam a plena
consonância com os requisitos estatutários arrolados nos dispositivos legais retro mencionadas.
O estágio de convivência é dispensado, considerando que o
menor SSSSSSSS está na companhia dos requerentes desde o nascimento, inclusive, com a constituição de parentalidade socioafetiva,
que recomenda, inclusive, a dispensa de autorização dos pais biológicos para a constituição da adoção, conforme fundamentado alhures (art.
46, § 1º da Lei nº 8.069/90).
Portanto, o status familiae socioafetivo entre o menor
SSSSSSSS e o casal XXXXXXX e YYYYYYY, constituído pelo decurso do tempo, por quase quatro anos, desde o primeiro dia
de vida do menor, impõe a destituição do poder familiar dos pais
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biológicos sobre a criança, com a consequente quebra de qualquer vínculo familiar dantes existente, exceto, para o
matrimônio, e a instituição desse arranjo de família por meio de sentença constitutiva de adoção (art. 47, § 7º, do ECA).
Ressalte-se, por fim, que embora no caso em comento não
tenha efetivado o cadastro de que trata o art. 50, do ECA, tal situação não tem o condão de anular a presente adoção, já que se trata de
criança exposta que estar na guarda de fato do casal adotante desde o primeiro dias de vida, constituído, assim, o vínculo afetivo entre a
criança e os pretendentes à adoção, embora estes não se encontrem sequer cadastrado no referido registro
Eventual retirada dessa criança dos adotantes em benefício de eventual cadastro só lhe causaria transtornos, porque seria
arrancada daqueles que lhe dão carinho e atenção desde a maternidade.
Coadunou-se, pois o vínculo afetivo entre a criança e os
adotantes, suficiente, por demais, a resguardar o melhor interesse da criança, que tem nos adotantes a referência de seus verdadeiros pais.
Tal situação, inclusive, se aplicada fosse, não se conformaria
com o disposto na Carta Magna, no tocante à proteção integral à
criança e ao adolescente.
Ademais, a intenção do legislador ordinário ao incluir a norma disposta no § 2º do art. 19 do ECA, através da Lei nº
12.010/2009, discorrendo que “a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional (ou familiar) não
se prolongará por mais de 2 (dois) anos”, foi justamente evitar a constituição de vínculo afetivo do infante para com os seus
cuidadores.
Assim, interpretada a contrário sensu a referida
norma, podemos concluir que, se a criança ou o adolescente já se encontra sob a guarda de fato dos adotantes por mais de dois
anos, constituído estará o vínculo afetivo, indicando ser a continuidade do menor com os adotantes o seu melhor
interesse, princípio básico de todo o sistema de proteção ao menor.
Portanto, atende o melhor interesse da criança a sua
manutenção com os requerentes, situação essa que se completará com o trânsito em julgado desta ação.
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Esse entendimento já está solidificado no Superior Tribunal de Justiça conforme se pode observar no seguinte julgado:
RECURSO ESPECIAL - AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE
O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR
INTERESSE DO MENOR - VEROSSÍMIL ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE
ADOTANTES NÃO CADASTRADOS - PERMANÊNCIA DA CRIANÇA DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA -
TRÁFICO DE CRIANÇA - NÃO VERIFICAÇÃO - FATOS QUE, POR SI, NÃO DENOTAM A PRÁTICA DE ILÍCITO - RECURSO
ESPECIAL PROVIDO. I - A observância do cadastro de
adotantes, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar
determinada criança não é absoluta. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor
interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir
vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer
cadastrado no referido registro; II - É incontroverso nos autos, de acordo com a moldura fática delineada pelas
Instâncias ordinárias, que esta criança esteve sob aguarda dos ora recorrentes, de forma ininterrupta, durante os
primeiros oito meses de vida, por conta de uma decisão judicial prolatada pelo i. desembargador-relator que, como
visto, conferiu efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento
n.1.0672.08.277590-5/001. Em se tratando de ações que objetivam a adoção de menores, nas quais há a primazia do
interesse destes, os efeitos de uma decisão judicial possuem o potencial de consolidar uma situação jurídica, muitas
vezes, incontornável, tal como o estabelecimento de vínculo afetivo; III - Em razão do convívio diário da menor
com o casal, ora recorrente, durante seus primeiros oito meses de vida, propiciado por decisão judicial,
ressalte-se, verifica-se, nos termos do estudo psicossocial, o estreitamento da relação de
maternidade (até mesmo com o essencial aleitamento da criança) e de paternidade e o conseqüente vínculo
de afetividade; IV - Mostra-se insubsistente o fundamento adotado pelo Tribunal de origem no sentido de que a
criança, por contar com menos de um ano de idade, e,
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considerando a formalidade do cadastro, poderia ser afastada deste casal adotante, pois não levou em
consideração o único e imprescindível critério a ser observado, qual seja, a existência de vínculo de
afetividade da infante com o casal adotante, que, como visto, insinua-se presente; V - O argumento de
que a vida pregressa da mãe biológica, dependente química e com vida desregrada, tendo já concedido, anteriormente,
outro filho à adoção, não pode conduzir, por si só, à conclusão de que houvera, na espécie, venda, tráfico da
criança adotanda. Ademais, o verossímil estabelecimento do vínculo de afetividade da menor com os recorrentes deve
sobrepor-se, no caso dos autos, aos fatos que, por si só, não consubstanciam o inaceitável tráfico de criança; VI -
Recurso Especial provido.(STJ, Resp nº 1172067/MG,
Relator Ministro Massami Uyeda, DJ 18.03.2010). (grifei)
Nesse mesmo sentido continua a jurisprudência do STJ, conforme podemos observar em julgado recentíssimo:
HABEAS CORPUS. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER
FAMILIAR C/C COM ADOÇÃO. DETERMINAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. CADASTRO DE
ADOTANTES. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ORDEM CONCEDIDA. 1.- Não é do melhor interesse da criança o
acolhimento institucional ou familiar temporário, salvo
diante de evidente risco à sua integridade física ou psíquica, circunstância que não se faz presente no caso dos autos.
Precedentes. 2.- A observância do cadastro de adotantes, não é absoluta. A regra legal deve ser
excepcionada em prol do princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de
proteção ao menor. Tal hipótese configura-se, por exemplo, quando existir vínculo afetivo entre a criança e o
pretendente à adoção, como no presente caso. 3.- Ordem concedida. (STJ, HC 294729 / SP, Relator Sidnei Beneti, T.
3, DJ 29.08.2014). (grifei)
O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia também possui entendimento firmado sobre o tema conforme se pode observar
nos seguintes julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE ADOÇÃO C/C
DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. EXTINÇÃO DA AÇÃO
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SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR FALTA DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE ADOTANTES. IMPOSSIBILIDADE.
OBSERVÂNCIA DA PECULIAR SITUAÇÃO DO CASO CONCRETO EM PROL DO PRINCÍPIO DO MELHOR
INTERESSE DO MENOR. SENTENÇA ANULADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I – Cuida-se de Ação de Adoção
com Destituição do Poder Familiar, extinta, sem resolução de mérito, por entender o magistrado singular que os
autores não estavam habilitados no cadastro de adotantes e não se enquadravam nas exceções dispostas nos incisos do
§ 13º, do art. 50, do Estatuto da Criança e do Adolescente. II - Reconhece-se a importância, utilidade e celeridade que
o cadastro de pessoas interessadas em adotar crianças ou adolescentes propicia no procedimento de adoção, pois
facilita a constatação dos requisitos legais e permite o
exame da compatibilidade entre os interessados. No entanto, excepcionalmente, tal regra pode ser
afastada em prol do princípio do melhor interesse do menor, quando observado o vínculo afetivo entre a
criança e os pretendentes à adoção, mesmo que estes não se encontrem habilitados no cadastro de
adotantes. Precedentes do STJ. III - Sentença anulada. Remessa dos autos ao juízo de origem para que o processo
tenha o seu regular prosseguimento. APELO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-BA - APL: 00077553220118050113 BA
0007755-32.2011.8.05.0113, Relator: Maria do Socorro Barreto Santiago, Data de Julgamento: 18/09/2012,
Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 17/11/2012). (grifei).
Foi constatado, ainda, que a criança não possui bens ou direitos a receber, não sendo a adoção requerida, portanto, por
interesses patrimoniais.
Determinada a realização de vários estudos sociais, nos termos do art. 167 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais
concluíram pela concessão da adoção, corroborado, pois, pelos depoimentos testemunhas prestados em audiência (fls. 33/43).
Os requerentes não apresentam antecedentes criminais,
gozando de boa saúde física e mental.
Com isso, o deferimento do pedido de adoção é medida que
se impõe, tendo sido preenchidos todos os elementos legais exigidos, e
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notadamente por atender aos interesses do adotando, o qual, conforme supra mencionado, convive com os adotantes desde o nascimento.
III – DISPOSITIVO:
Isto posto, julgo PROCEDENTE o pedido apontado na peça exordial, com arrimo no art. 269, I, do Código de Processo Civil, com
fundamento na Lei nº. 8.069/90 (ECA), com as modificações introduzidas pela Lei nº 12.010, de 2009, e ainda em harmonia com o
entendimento jurisprudencial, para CONCEDER aos requerentes XXXXXXX e YYYYYYY a ADOÇÃO da criança SSSSSSSS, ficando os
pais biológicos destituídos do poder familiar.
Eventual recurso será recebido apenas no efeito devolutivo (arts. 199-A e 199-B, do ECA), de modo que a presente sentença
produzirá efeitos desde a sua publicação em cartório.
Dessa forma, expeça-se de imediato mandado para
inscrição no registro civil competente, cancelando-se o registro original de nº 1436850155 2012 1 00010 155 0010564 14, com assento no
Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais de Mortugaba/BA, lavrando-se um outro com o nome dos requerentes como pais da
criança, XXXXXXX e YYYYYYY, e os nomes de seus respectivos ascendentes como avós do infante (paternos: AAAAAAAAAA e
BBBBBBB; maternos: CCCCCCCCCCC e DDDDDDDDD), fazendo-se constar, ainda, o nome da criança como sendo SSSSSSSSSSS.
O cartório destinatário da ordem acima deverá ser
recomendado de que nenhuma referência pode ser feita em relação à
natureza deste ato, assim como que este é inteiramente gratuito, como disciplina a Lei. Ou seja, nenhuma alusão à filiação anterior (biológica)
poderá constar do referido registro, a teor do que dispõe o art. 47, § 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sem custas, nos termos do art. 141, § 2º, da Lei nº
8.069/90).
Observe-se o sigilo inerente à causa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Expedientes de praxe. Notifique-se o Ministério Público.
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Após o trânsito em julgado e após o cumprimento de todas as determinações contidas no comando desta decisão, certifique o
ocorrido e, ato contínuo, arquivem-se os autos.
Jacaraci-BA, 29 de setembro de 2015.
TEOMAR ALMEIDA DE OLIVEIRA
Juiz de Direito