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PODER JUDICIÁRIO VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS DA COMARCA DE JACARACI-BA AÇÃO DE ADOÇÃO Autos nº XXXXXXXXXXXXXXXXX Autores: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX e YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY Réus: ZZZZZZZZZZZZZZZ e WWWWWWWWWWWWWWW S E N T E N Ç A I – RELATÓRIO: Visto etc. XXXXXXXXXXXXXXXX e YYYYYYYYYYYYYYYYYY, devidamente qualificados nos autos, propuseram a presente ação de adoção, com o intuito de regularizar a situação de fato do menor SSSSSSSSSSSSSSSSS, em face dos genitores ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ e WWWWWWWWWWWWWWW, qualificados. Alegam os requerentes que estão com a guarda de fato da criança SSSSSSSSSSSSSSSSSS desde o nascimento, com a concordância dos pais biológicos, passada por escrito (fl. 14). Defendem que possuem plenas condições financeiras, morais, psicológicas afetivas para cuidar da citada criança, tendo como adotá-la como filho, de modo que pugnaram pela concessão da guarda legal provisória do menor e, no mérito, pela constituição do vínculo de filiação civil do infante por adoção, com a anterior destituição do poder familiar dos pais biológicos. A inicial veio instruída com os documentos de fls. 06/14. Recebida a inicial, foi determinada a citação dos genitores para apresentarem contestação, bem como, a elaboração de estudo social na residência do casal adotante. Citados, os requeridos não apresentaram contestação (fl. 21).

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PODER JUDICIÁRIO

VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E

COMERCIAIS DA COMARCA DE JACARACI-BA

AÇÃO DE ADOÇÃO

Autos nº XXXXXXXXXXXXXXXXX

Autores: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX e YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY

Réus: ZZZZZZZZZZZZZZZ e WWWWWWWWWWWWWWW

S E N T E N Ç A

I – RELATÓRIO:

Visto etc.

XXXXXXXXXXXXXXXX e YYYYYYYYYYYYYYYYYY, devidamente qualificados nos autos, propuseram a presente ação de

adoção, com o intuito de regularizar a situação de fato do menor SSSSSSSSSSSSSSSSS, em face dos genitores

ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ e WWWWWWWWWWWWWWW, já

qualificados.

Alegam os requerentes que estão com a guarda de fato da criança SSSSSSSSSSSSSSSSSS desde o nascimento, com a

concordância dos pais biológicos, passada por escrito (fl. 14).

Defendem que possuem plenas condições financeiras, morais, psicológicas afetivas para cuidar da citada criança, tendo como

adotá-la como filho, de modo que pugnaram pela concessão da guarda legal provisória do menor e, no mérito, pela constituição do vínculo de

filiação civil do infante por adoção, com a anterior destituição do poder familiar dos pais biológicos.

A inicial veio instruída com os documentos de fls. 06/14.

Recebida a inicial, foi determinada a citação dos genitores para apresentarem contestação, bem como, a elaboração de estudo

social na residência do casal adotante.

Citados, os requeridos não apresentaram contestação (fl. 21).

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Relatório social elaborado pelo CRAS do município de Mortugaba atestando a condição socioeconômica dos requerentes e o

ambiente familiar propício ao desenvolvimento sadio e harmonioso da criança (fls. 22/24).

Não foi apreciado o pedido de guarda provisória formulado

pelos requerentes na inicial.

Realizada uma primeira audiência de instrução, cujos depoimentos seguem gravados por meio de sistema audiovisual (mídia de fl.

43), os pais biológicos manifestaram arrependimento quanto à entrega do menor ao casal adotante e afirmaram que desejavam recebê-lo de volta. As

demais testemunhas, inclusive a conselheira tutelar Valdineia e o vereador Antônio Presley, informaram que a criança estavam sendo bem cuidada pelos requerentes, os quais devotavam amor e carinho na condição de verdadeiros

pais do infante , e atestaram, em suma, a idoneidade dos requerentes e a boa relação familiar entre os mesmos e os demais membros da família.

Os requerentes apresentaram as suas razões derradeiras com

documentos às fls. 45/70, dando conta de que a criança é portadora de algumas enfermidades congênitas, entre elas, complicações cardíacas cujos tratamentos já vêm sendo proporcionados pelos adotantes ao menor,

conforme robusta prescrição médica, e, no final, pediram a procedência da ação. Os requeridos deixaram transcorrer o prazo sem apresentar as suas últimas alegações.

Relatório social elaborado pelo conselho tutelar de Mortugaba opinando pela manutenção da criança no lar dos adotantes

(fls. 74/76).

Novo relatório social circunstanciado, elaborado pelo CRAS do Município de Mortugaba, atestando a constituição de vínculo afetivo,

psicológico e a completa adaptação do menor SSSSSSSS para com a família adotante, e que a retirada do menor desse núcleo familiar,

provavelmente, acarretar-lhe-ia transtornos e confusão mental irremediáveis (fls. 77/89).

Nova audiência para oitiva dos genitores e adotantes, a pedido do Ministério Público (fls. 96/101), na qual os requeridos

manifestaram, mais uma vez, arrependimento na entrega da criança para adoção e o desejo de tê-la de volta, sem, portanto, precisarem o

motivo de tal arrependimento.

Instado a manifestar-se, o representante do Ministério Público opinou pela improcedência do pedido de adoção por falta de

consentimento dos pais do menor (fls. 103/105).

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Em seguida, vieram-me conclusos os autos.

É o relatório. Passo a decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Conceitua-se a adoção como o ato jurídico, de cunho solene,

por ducto do qual, atendendo-se às formalidades legais, estabelece-se, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou

afim, um vínculo fictício de filiação.

A adoção, como uma das espécies de colocação da criança ou adolescente, ou até mesmo adulto, em família substituta, acarreta a

condição de filho, a uma pessoa, conduzindo-o a uma família que lhe é estranha.

O ordenamento jurídico pátrio acolhe duas espécies de adoção: a adoção civil, estampada no Estatuto Substantivo Civil; e a

adoção estatutária, capitulada no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A adoção estatutária configura o caso dos autos, evidenciando que a criança adotanda se mostrava, à época em que veio

para o convívio no lar dos requerentes, em situação de abandono, vez que entregue pelos pais biológicos, por livre e sponte própria, aos

requerentes, através de documento público lavrado em cartório (fls. 14).

WALTER CENEVIVA leciona: “As denominações civil e estatutária têm caráter apenas descritivo, para facilitar a clara indicação

de ambas as espécies. Tenho presente que o Estatuto revogou as disposições em contrário. Excluiu, assim, a normatividade anterior

apenas no referente à adoção de menores de 18 anos ou, sendo maior de idade, é interdito, valendo nas duas alternativas, a exigência de que

seja, pelo menos, 16 anos mais jovem que o adotante.” [Lei dos Registros Públicos Comentada - Ed. Saraiva - 12.ª Edição - página 193].

A adoção estatutária confere ao menor adotado,

irrevogavelmente, o status de filho legítimo dos adotantes, desaparecendo qualquer vínculo com os pais de sangue e parentes,

ressalvando-se apenas os impedimentos matrimoniais.

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No caso dos autos, a solução tornou-se dificílima diante do arrependimento dos genitores quanto ao anterior consentimento de

adoção da criança pelos requerentes e o desejo de ter o filho de volta em confronte com a situação de filiação socioafetiva já constituída entre

o menor SSSSSSS e o casal XXXXXXX e YYYYYYYY.

Porém, não é dado ao juiz o poder de não decidir, por vedação expressa no ordenamento jurídico ao non liquet (art. 126 do

CPC).

Vejamos o que disciplina o ECA acerca do consentimento

dos pais para a adoção de criança e adolescente e quanto ao direito ao arrependimento:

Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do

representante legal do adotando.

§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou

tenham sido destituídos do poder familiar. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

(...)

Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem

aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado

diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de

advogado. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 1o Na hipótese de concordância dos pais, esses

serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por

termo as declarações. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 2o O consentimento dos titulares do poder familiar será precedido de orientações e esclarecimentos

prestados pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, em especial, no caso de

adoção, sobre a irrevogabilidade da

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medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 3o O consentimento dos titulares do poder familiar

será colhido pela autoridade judiciária competente

em audiência, presente o Ministério Público, garantida a livre manifestação de vontade e

esgotados os esforços para manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou

extensa. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 4o O consentimento prestado por escrito não terá

validade se não for ratificado na audiência a que se

refere o § 3odeste artigo. (Incluído pela Lei nº

12.010, de 2009) Vigência

§ 5o O consentimento é retratável até a data da

publicação da sentença constitutiva da adoção. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

A adoção, como medida extrema e irrevogável de colocação

de criança ou adolescente em família substituta, exige o consentimento dos genitores para a efetivação da medida, excepcionando-se apenas

nos casos previstos no § 1º, do art. 45, do ECA.

Pois bem, vejamos que a lei é expressa ao permitir o

consentimento para a adoção, inclusive por escrito, como foi o caso dos autos. Porém, assegura o estatuto da criança e do adolescente que esse

consentimento não terá validade se não for ratificado em audiência perante a autoridade judiciária e presente o Ministério Público. Por fim,

aduz o ECA que o consentimento pode ser retratado até a publicação da sentença constitutiva da adoção.

É que, de um lado, a prova colhida, como já restou relatado,

aponta para a maneira caridosa, esmerada e afetiva como os autores cuidam da referida criança, sob seus cuidados desde o nascimento.

Entretanto, o mesmo estatuto menorista discorre que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o

adotando e fundar-se em motivos legítimos” (art. 43 do ECA).

Para a solução desse caso concreto, não posso apegar-me à letra fria da lei, devendo, pois, ponderar os princípios que regem os

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direitos fundamentais da criança, especialmente, quanto à sua proteção integral, disciplinada logo no art. 1º do ECA, e ao seu melhor interesse,

consistente em conviver com saúde, educação, amor em uma família que o acolheu como se filho legítimo fosse, desde os primeiros dias de

vida; com os direitos fundamentais dos pais biológicos de criarem os seus próprios filhos.

A análise dos autos, e, por consequência, do caso concreto,

revela um gesto de profunda dignidade dos adotantes, donde se extrai verdadeira lição de solidariedade humana, e encontra-se, por isso,

eivada da nobreza e honradez que só os espíritos elevados sabem ter.

Com efeito, os adotantes receberam o adotando, ao sair da

maternidade, no caminho de suas vidas e desde o primeiro momento devotaram a estima e o amor próprio da maternidade e paternidade,

dando-lhe um lar saudável, o aconchego e o conforto que se deve ministrar a um filho, conforme se pode comprovar a partir dos

depoimentos uníssonos das testemunhas e dos próprios pais biológicos, as quais atestaram a idoneidade dos requerentes, os cuidados para com

o adotando e a boa relação familiar entre os mesmos e os demais membros.

Inclusive, este humilde magistrado teve a grata

oportunidade de visualizar, pessoalmente, em audiência (mídia de fl.

43) o quanto os adotantes amam o adotando, os quais desolaram-se em choro ao saber da possibilidade de perder o menor SSSSSSS.

Naquele momento, o adotante XXXXXXXX, que trata SSSSSSS como filho, afirmou perante este magistrado que prefere morrer a ter

“arrancado” o menor do seu convívio, tamanha relação de afeto, que poucos pais biológicos nutrem pelos seus filhos.

Assim, é que permanecem os autores com a guarda da

criança SSSSSSSS, ora adotando, e em momento algum, pelo que se pode extrair do conjunto probatório existente nestes autos, faltaram

com a atenção que ela necessita, numa singular demonstração de que realmente o têm como filho, tanto é que pleitearam a adoção em foco.

De outro lado, os genitores, após mais de 2 anos da convivência do menor SSSSSSSS com os adotantes, hoje, caminhando

para os 4 anos, manifestaram arrependimento em audiência perante este juízo, porém sem convicção dos reais motivos pelos quais

pretendem ter o filho de volta, apenas por estarem arrependidos.

Sabemos que, até mesmo os animais irracionais criam vínculos de lealdade e afetividade para com os seus donos ou criadores,

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quanto mais o ser humano, que é da sua própria natureza nutrir vínculos de afetividade e aprender a orientar-se, desde os primeiros

passos, de que o pai e mãe são aqueles que estão ao seu lado ensinando-lhe os princípios e os valores familiares e sociais e

colocando-o a salvo de quaisquer riscos.

Dos documentos acostados aos autos (fls. 45/70), percebemos que o menor SSSSSSSS é portador de várias doenças

congênitas, algumas graves, como “descontinuidade interatriais na região apical do septo interventricular” e “comunicação interventricular

com risco de aumento para endocartite bacteriana”, necessitando de profilaxia em casos de tratamento cirúrgico, e os adotantes não têm

medido esforços para assegurar os tratamentos médicos de que

necessita o menor SSSSSSS.

A mãe biológica, a Sra. ZZZZZZZZ, afirmou em audiência que teria entregado o menor SSSSSSS, após sair da maternidade, para

os adotantes, com o consentimento do genitor, porque não tinha condições sociais e econômicas de criá-lo, haja vista já ter outros 3

(três) filhos, inclusive, afirmou que já havia entregado outro filho para adoção.

Realizada uma primeira perícia social em 21/03/2013, foi

observado que SSSSSSSS demonstra estar vinculado e adaptado à

família e ao ambiente do lar, recebendo proteção e carinho, e que, até aquele momento, os pais biológicos não tinham manifestado a intenção

de ter a criança de volta (fls. 22/24).

Já, o estudo social elaborado pelo Conselho Tutelar do Município de Mortugaba/BA, no dia 29/09/2014 (fls. 74/76), com a

entrevista dos adotantes e dos pais biológicos do adotando, apurou-se que a mãe ZZZZZZZZ entregou o menor SSSSSSS, no seu primeiro dia

de vida, para o casal XXXXXXX e YYYYYYY, porque não tinha condições financeiras para criar e educá-lo, e os adotantes aceitaram

receber o menor porque não tinham filhos, aceitando o pedido da mãe biológica com muito carinho e amor.

Apurou-se, ainda, naquele estudo social que ZZZZZZZZ afirmou que tomou uma decisão precipitada e que fará o que for

possível para ter o menor SSSSSSS de volta. Diz que sua intenção é retomar o filho, mas, ao mesmo tempo diz estar esperando uma

decisão judicial.

De sua vez, o genitor WWWWWW afirmou aos conselheiros que a sua esposa ZZZZZZZZ deu o menor SSSSSSSS para

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o casal XXXXXXX e YYYYYYY sem o seu consentimento, mas, se for permitido pela sua esposa, ele tanto aceita que o menor fique com o

casal adotante ou que volte para eles, estando disposto a um acordo, pois ele quer o melhor para a criança.

Constam, por fim, no relatório social que a senhora

ZZZZZZZZ é mãe de mais três crianças, as quais estão dando muito trabalho para a mãe, que no dia 03/09/2014 os menores L. da C. e I.

dos S. estavam na feira livre do município de Mortugaba quando pegaram uma caixinha de dinheiro da senhora Ana e saíram correndo,

tendo sido acionada a polícia e o conselho tutelar para averiguar o caso, motivos pelos quais foram notificadas as crianças e a senhora

ZZZZZZZZ, genitora dos menores.

Pois bem, vislumbra-se que os pais biológicos não dispõem

de um contexto familiar saudável, indene de riscos, para criar os filhos que já possuem, tampouco para proporcionar ao menor SSSSSSS uma

convivência familiar digna semelhante à que já se constituiu ao longo desses quase quatro anos com o casal XXXXXXX e YYYYYYY.

Em relatório social circunstanciado elaborado pelo CRAS de

Mortugaba, no dia 13/102014 (fls. 78/89), restou evidenciado que a senhora ZZZZZZZZ entregou o menor SSSSSSSS, logo após sair da

maternidade, ao casal XXXXXXX e YYYYYYY, por possuir mais três

filhos menores e não ter condições de criar e educar o adotando, conforme narrado pela própria mãe biológica.

Apurou a assistente social que a senhora ZZZZZZZZ, após

mais de dois anos e meio, resolveu que queria o filho de volta alegando que a senhora YYYYYYY não estava sendo mais simpática com ela e

que terceiros chegavam até esta para dizer que tinha visto o SSSSSSSS junto com a senhora YYYYYYYYY na rua e que a mesma não dava

importância ao passar próximo de parentes da criança.

O pai biológico do adotando, WWWWW, afirmou que retirar o menor SSSSSSSS do casal XXXXXXX e YYYYYYY, passados todos

esses anos, seria a mesma coisa de retirar-lhe o seu filho GGGGGGG (fl.

81). Percebeu a assistente social que o pai biológico do adotando não coaduna do mesmo pensamento da companheira ZZZZZZZZ de retirar

o menor dos adotantes.

Considera a expert, no que tange à motivação para retomada do vínculo com o filho, “que a requerida ZZZZZZZ tem sido

influenciada por outras pessoas para receber a criança de volta, porém,

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sem muita firmeza neste propósito, apenas com alegações genéricas de que está arrependida” (fls. 79/89).

De todo o arcabouço probatório, vislumbra-se que o menor

SSSSSSSS, que está com o casal XXXXXXX e YYYYYYY desde o primeiro dia de vida, já constituiu laço de afinidade e afetividade

imprescindíveis para o seu desenvolvimento.

Como bem ressaltou-se a competente assistente social, o tempo de vida que tem o menor SSSSSSSS está diretamente ligado à

referência de tudo que ele experimentou em vida, as experiências

físicas e psíquicas, de referência maternal e paternal, construída toda uma relação afetiva de família, cuja continuidade é importante para o

desenvolvimento psicossocial do adotando, livre de turbação e confusão mental de parentalidade.

A intenção do legislador ao disciplinar a norma do art. 116,

§ 5º, do ECA, com certeza, não foi a de desconstituir uma situação de fato estabelecida pelo decurso do tempo, qualificada pela situação de

posse de estado de pais e filho, no que a doutrina e a jurisprudência acostumaram-se a chamar de filiação socioafetiva, que, inclusive, em

algumas hipóteses, como sói ser a dos dos autos, deve sobrepor-se à filiação biológica.

Segundo Bruschini (1981), a família “não é a soma de indivíduos, mas o conjunto vivo, contraditório e cambiante de pessoas

com sua própria individualidade e personalidade” (p. 77). Ela é referência de afeto, proteção e cuidado, nela os indivíduos constroem

seus primeiros vínculos afetivos, experimentam emoções, desenvolvem autonomia, tomam decisões, exercem o cuidado mútuo e vivenciam

conflitos.

A família substituta é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.° 8.069/90, e refere-se à inserção de criança ou

adolescente que não tenha família em um seio familiar, para que possa se desenvolver nele.

O art. 28 do ECA dispõe “A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da

situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.” Portanto, a família substituta decorrerá necessariamente de guarda,

tutela ou adoção.

Ressalta-se que a colocação em família substituta deverá atender ao melhor interesse da criança ou adolescente que sempre

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que possível deverá ser ouvido (ECA, art. 28, §1º); atentando-se ao grau de parentesco ou relação de afinidade ou afetividade entre o

postulante e este (ECA, art. 28, §2º).

A família substituta representa mais uma das entidades familiares embasadas no afeto.

“A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar

a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito

civil: direito de família. Coleção direito civil; volume 6. 7ª edição. São

Paulo: Atlas, 2007. p.253).

DINIZ (2008), baseada nas formulações de diversos autores, vai além, ao conceituar adoção:

“A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual,

observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco

consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que,

geralmente, lhe é estranha” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 5º volume: direito de família. 23ª Edição.

Revisada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008. p.506.).

A família adotiva tem seus membros reunidos por laços de

amor, carinho e afeto. Como destacado acima, insere-se no seio familiar, por vontade própria, na condição de filho, pessoa que lhe é

estranha. Não se toma por base a genética, mas, o amor.

A Constituição Federal elenca entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa

humana, que busca a tutela integral às pessoas, e traz em seu conteúdo a tutela do ser humano em todos os seus sentidos. CF, art.

1°, III:

“Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela

união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e

tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana”.

Dessa forma, a valorização da verdade socioafetiva como elemento relevante para o estabelecimento de filiação busca na

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“realidade existente, ou em formação, o sustentáculo para determinar juridicamente quem é o pai. E isto, por vezes, independe de quem seja

o genitor” (CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade (coord.).Biodireito e dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2006. p. 313). Dando

azo, assim, a um novo modelo de família alicerçado nos laços afetivos e, não, biológicos.

Demonstra-se no entendimento de VENOSA (2007), que o

vínculo afetivo é o laço que une a família:

“A família, doravante, deve gravitar em torno de um vínculo

de afeto, de recíproca compreensão e mútua cooperação. A chamada família ou paternidade socioafetiva ganha corpo no

seio de nossa sociedade, com respaldo doutrinário e jurisprudencial. Lembre-se do art. 1.593, que se refere

precipuamente outra origem na filiação. A família passa a ter um conteúdo marcadamente ético e cooperativo e não

mais econômico, resquício este da velha família romana e, nesse contexto, não há espaço para qualquer discriminação”

(VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. Coleção direito civil; volume 6. 7ª edição. São Paulo: Atlas,

2007. p. 207/208).

E mais adiante, acentua que a paternidade socioafetiva é

representada pela posse do estado de filho, aludindo ao estado familiar:

“A filiação é, destarte, um estado, o status familiae, tal

como concebido pelo antigo direito. Todas as ações que visam a seu reconhecimento, modificação ou negação são,

portanto, ações de estado. O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram”(VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família.

Coleção direito civil; volume 6. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 2007. p. 206).

A paternidade afetiva decorre da convivência familiar, afeto, carinho e assistência recíproca. Não advém necessariamente

de fatores genéticos, podendo sê-lo, conforme se infere do julgado abaixo:

“RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE.

CANCELAMENTO PELO PRÓPRIO DECLARANTE. FALSIDADE

IDEOLÓGICA. IMPOSSIBILIDADE. ASSUNÇÃO DA DEMANDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. DEFESA DA ORDEM

JURÍDICA OBJETIVA. ATUAÇÃO QUE, IN CASU, NÃO TEM O

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CONDÃO DE CONFERIR LEGITIMIDADE À PRETENSÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Salvo nas hipóteses de erro,

dolo, coação, simulação ou fraude, a pretensão de anulação do ato, havido por ideologicamente falso, deve ser conferida

a terceiros interessados, dada a impossibilidade de revogação do reconhecimento pelo próprio declarante, na

medida em que descabido seria lhe conferir, de forma absolutamente potestativa, a possibilidade de

desconstituição da relação jurídica que ele próprio, voluntariamente, antes declarara existente; ressalte-se,

ademais, que a ninguém é dado beneficiar-se da invalidade a que deu causa. 2. No caso em exame, o recurso especial

foi interposto pelo Ministério Público, que, agindo na qualidade de custos legis, acolheu a tese de falsidade

ideológica do ato de reconhecimento, argüindo sua

anulabilidade, sob o pálio da defesa do próprio ordenamento jurídico; essa atuação do Parquet, contudo, não tem o

condão de conferir legitimidade à pretensão originariamente deduzida, visto que, em assim sendo, seria o mesmo que

admitir, ainda que por via indireta, aquela execrada potestade, que seria conferida ao declarante, de

desconstituir a relação jurídica de filiação, como fruto da atuação exclusiva de sua vontade. 3. Se o reconhecimento

da paternidade não constitui o verdadeiro status familiae, na medida em que, o declarante, ao fazê-lo, simplesmente lhe

reconhece a existência, não se poderia admitir sua desconstituição por declaração singular do pai registral. Ao

assumir o Ministério Público sua função precípua de guardião da legalidade, essa atuação não poderia vir a beneficiar, ao

fim e ao cabo, justamente aquele a quem essa mesma

ordem jurídica proíbe romper, de forma unilateral, o vínculo afetivo construído ao longo de vários anos de convivência,

máxime por se tratar de mera "questão de conveniência" do pai registral, como anotado na sentença primeva. 4. "O

estado de filiação não está necessariamente ligado à origem biológica e pode, portanto, assumir feições

originadas de qualquer outra relação que não exclusivamente genética. Em outras palavras, o

estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a não biológica (...). Na realidade

da vida, o estado de filiação de cada pessoa é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência

familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na

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maioria dos casos" (Mauro Nicolau Júnior in "Paternidade e Coisa Julgada. Limites e Possibilidade à Luz dos Direitos

Fundamentais e dos Princípios Constitucionais". Curitiba: Juruá Editora, 2006). 5. Recurso não conhecido (grifos nossos)”. (STJ. REsp 234833 / MG; RECURSO ESPECIAL

1999/0093923-9; Relator Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA; Órgão

Julgador 4ª Turma; Data do Julgamento 25.9.2007; Data da Publicação DJ

22/10/2007 p. 276).

A filiação advém da posse do estado de filho, se calca no

afeto existente entre as pessoas que ocupam os papéis de pai e filho respectivamente na relação. Concorre entendimento jurisprudencial:

“CIVIL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C NULIDADE DE REGISTRO CIVIL E ALIMENTOS - CRIANÇA

EM SITUAÇÃO DE RISCO - VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE - EXAME DE DNA - RESULTADO NEGATIVO

PARA A PATERNIDADE INDICADA PELA GENITORA DO MENOR - PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA DAQUELE QUE

PROMOVEU O REGISTRO DE NASCIMENTO - NÃO CONFIGURAÇÃO - RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE

NASCIMENTO COM EXCLUSÃO DO NOME DO GENITOR E DOS AVÓS PATERNOS - ALTERAÇÃO DO PATRONÍMICO DO

MENOR - SENTENÇA MANTIDA. 1. Cuida-se de ação de investigação de paternidade c/c com nulidade de registro

civil e alimentos ajuizada pelo Ministério Público do Distrito

Federal e dos Territórios em substituição processual de menor gerado à época em que a genitora prestava serviços

domésticos na residência do suposto pai. Os autos comprovam que a genitora permitiu que seu filho viesse a

ser registrado pelo companheiro do irmão daquele que acreditava ser o pai biológico da criança, autorizando que a

mesma viesse a residir com ele e seu companheiro no Canadá.2. Realizado o exame de DNA, comprovou-se que a

criança não é filha biológica daquele que era apontado pela genitora como pai, admitindo, por sua vez, o autor do

registro de nascimento que a paternidade assumida não é verdadeira. Invoca, contudo, a paternidade sócio-afetiva

para manter o vínculo civil com o menor.3. Segundo a doutrina e jurisprudência mais abalizadas "A filiação sócio-

afetiva decorre da convivência cotidiana, de uma

construção diária, não se explicando por laços genéticos, mas pelo tratamento estabelecido entre

pessoas que ocupam reciprocamente o papel de pai e

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filho, respectivamente". 4. Na hipótese, não se vislumbrando os elementos indispensáveis à caracterização

da filiação sócio-afetiva, mormente a convivência cotidiana, a afeição, a solidariedade, o auxílio, o respeito e o amparo

do registrando para com o menor, há que se dar prevalência à verdade real, de modo a propiciar, futuramente, a

identificação do genitor biológico da criança. 5. Apelação conhecida e improvida (grifos nossos)”. (TJDFT.

20070130052792APE, Relator HUMBERTO ADJUTO ULHÔA, TJDFT 3ª Turma Cível, julgado em 18/02/2009, DJ

06/03/2009 p. 81).

Não há distinção, nem tampouco discriminação, em razão

da origem da filiação, por expressa determinação constitucional, CF, art. 226, § 6°: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou

por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”; assim,

reconhece-se tanto a filiação biológica ou natural quanto a afetiva ou sociológica. Este é o entendimento da doutrina e jurisprudência

modernas:

“EMENTA: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. SOCIOAFETIVIDADE. DESCONSTITUIÇÃO DO REGISTRO

CIVIL. DESCABIMENTO. A moderna concepção de paternidade se enraíza no afeto entre o filho e quem o

ampara com o invólucro do carinho e do amor,

afastando a obrigação do vínculo biológico. É genitor quem contribui com a carga genética, mas é pai quem

cria e protege, dedicando seu sentimento a quem registra espontaneamente e cuida durante vários

anos. O desfazimento da anotação do nascimento, calcado em interesses apenas patrimoniais, compromete o caráter

ético que deve presidir a demanda de filiação. APELAÇÃO DESPROVIDA, VENCIDA A RELATORA, QUE DAVA

PROVIMENTO PARCIAL (grifos nossos)”. (TJRS. Apelação Cível Nº 70009571142, Sétima Câmara Cível, Tribunal de

Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 01/12/2004, DJ do dia 31/03/2005).

Conforme já mencionado, a filiação pode ser jurídica,

biológica ou afetiva. A posse do estado de filho é o elemento probante

que subsidia a paternidade socioafetiva, que se funda essencialmente no afeto, independente de fatores biológicos ou

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presunções legais, caracterizando-se pela intensa convivência entre pai e filho.

Neste diapasão já se pronunciou o TJRS, conforme

demonstra julgado:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE

SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO AGRAVÉS DO EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO

COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA.

POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de

buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de

filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e

deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do

Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da

convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor

uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem

parte da condição humana tridimensional, que é

genética, afetiva e ontológica. APELO PROVIDO (grifos nossos)”. (TJRS. Apelação Cível Nº 70029363918, Oitava

Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 07/05/2009, Diário da Justiça

do dia 13/05/2009)

Na paternidade socioafetiva, pai é aquele, que ligado biologicamente ou não, confere ao seu filho todo o seu cuidado,

afeto, amor, carinho, dedicação e participa do seu crescimento como indivíduo, propiciando-lhe educação, cultura e tudo mais

de que necessitar a fim de realizar-se como pessoa, ou seja, é a relação/ligação entre pai e filho exposta como fato social, como

demonstra julgado:

“EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO RESCISÓRIA.

ALEGAÇÃO DE ERRO DE FATO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Não se verifica erro de fato quando a prova

produzida foi devidamente analisada pelo magistrado.

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Sentença que reconhece estado de filha que se deu - de forma pública e respeitosa, onde ela "era

carinhosamente tratada pelo mesmo como filha". Relação de afeto que ao longo do tempo foi fincando

raízes a ponto de criar uma verdade social que independe da verdade biológica. Reconhecida - ausente

qualquer dúvida - a socioafetividade, a decisão rescindenda não incidiu em erro de fato por ignorar o laudo pericial.

Ação rescisória que se embasa em erro de fato pois o resultado da perícia que apontou que os embargantes não

são os avós biológicos da embargada. Novo DNA que concluiu que nenhuma conclusão verdadeira a respeito da

paternidade dos autores em relação ao investigado se pode realmente tirar do laudo. - Ver Embargos de Declaração

70009707449 - Ver Ação Rescisória 597245547 EMBARGOS

INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA (grifos nossos)”. (TJRS. Embargos Infringentes Nº 70004747143,

Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 18/06/2004).

Entretanto, este instituto não vem expresso no

ordenamento jurídico brasileiro, formou-se dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários com o fito de abarcar a realidade social

das famílias brasileiras. Portanto, a configuração da posse do estado de filho serve como prova de filiação e reafirma a paternidade socioafetiva.

Dessa forma, conclui-se que a posse do estado de filho se consubstancia nos seguintes elementos: utilização do nome daquele

considerado como pai; o tratamento, atos que expressem a relação paterno-filial; e a fama, que constitui a notoriedade

social. Contudo, deve-se ressaltar que, mesmo se o filho nunca houver usado o nome do pai, não se pode desconstituir a posse de estado, uma

vez presentes os demais elementos.

Hoje, devido aos avanços no campo da ciência, em especial, a genética, é fácil determinar, através do exame de DNA, o pai biológico

da criança, atribuindo-lhe responsabilidades e direitos inerentes à paternidade. Todavia, é insuficiente a simples verdade biológica para a

determinação da paternidade; é imprescindível observar a existência de laços sólidos de afeto, amor, solidariedade e

responsabilidade, pois estes caracterizam a relação entre pai e

filho.

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Através da exegese do texto constitucional, depreende-se que o afeto é fundamental na relação e convivência interpessoal. Assim,

o Código Civil prevê a mútua assistência no parentesco, art. 1694: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros

os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua

educação.”; e na relação entre os cônjuges, conforme dispõe o art. 1566, III: “São deveres de ambos os cônjuges: (...) III - mútua

assistência”.

A afetividade entre os integrantes da família surge como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Nos dizeres de

MORAES (2006), a dignidade da pessoa humana é:

“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à

pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida

e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo

estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício

dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª

Edição. São Paulo: Atlas, 2006. p. 16).

O ilustre jurista MONTEIRO (2007) vai além, ao explanar acerca da constitucionalização do direito civil destaca a importância da

dignidade da pessoa humana no direito de família:

“Nas relações familiares acentua-se a necessidade de tutela dos direitos da personalidade, por meio da proteção à

dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a família deve ser havida como centro de preservação da pessoa, da

essência do ser humano, antes mesmo de ser tida como célula básica da sociedade”. (MONTEIRO, Washington de Barros.

Curso de direito civil, volume 2: direito de família. 38ª Edição. Revista e

Atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 19).

Nesta esteira, surge este instituto calcado no afeto e na

efetiva posse do estado de filho, designado por alguns como filiação sociológica e por outros, como filiação socioafetiva. Esta paternidade

é muito mais ampla e profunda do que a verdade biológica, fulcra-se no zelo, amor e dedicação ao filho, constitui-se de

forma espontânea pelo desejo de assumir o papel de pai; desejo

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que nasce dos sentimentos que vão surgindo durante a convivência/interação com a criança.

O pai biológico é o doador de sêmen e a mãe biológica do

útero e, nem sempre, levando-se em conta a verdade social da relação, eles serão os biológicos pais da criança, porém os verdadeiros pais são

aqueles que detém a socioafetividade baseando-se na posse de estado de filho (o nome, o tratamento e a fama), sendo reconhecida pelo

permissivo legal do CC, art. 1605, II:

“Art. 1605 - A família, base da sociedade, tem especial

proteção do Estado. (...)

II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”.

Priorizando-se a dignidade da pessoa humana, a

paternidade e a maternidade, modernamente, fundamentam-se na diversidade de famílias que se formam com o objetivo de propiciar a

realização e felicidade de seus membros; na despatrimonialização das relações de filiação; na relativização da verdade biológica e na

integral proteção aos filhos.

O reconhecimento da realidade socioafetiva, em suma,

decorre da efetiva constatação da posse do estado de filho; da observância da dignidade da pessoa humana; da proteção integral a

família, prevista na CF, art. 226; e da proteção integral da criança e do adolescente, estabelecida na CF, art. 227:

“Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial

proteção do Estado”.

“Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado

assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão”.

Ora, diante do contexto trazido aos autos, e não obstante a excepcionalidade da colocação de criança em família substituta, o que

deve ser considerado, sobretudo, é a proteção integral e o melhor interesse do menor SSSSSSSS.

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Logo, não obstante se tratar de típica “adoção à brasileira” e ser incontroversa a burla à ordem de preferência estabelecida a partir

da lista de cadastro de adotantes, não se pode olvidar que tendo SSSSSSSS, atualmente, com 3 anos e 8 meses de idade, desde o

seu primeiro dia vida, convivido com os adotantes, reconhecendo-os como pai e mãe, em ambiente familiar adequado e saudável, onde

recebe atenção, carinho e tem todas as suas necessidades atendidas, estabelecendo-se fortes vínculos de afetividade, o mais adequado,

agora, é manter este arranjo familiar, já consolidado, em prol do infante.

Ademais, os laudos sociais e psicológicos realizados em face

dos requeridos não foram conclusivos em testificar suas reais condições

emocionais e subjetivas de assumir os cuidados do filho e reaver os laços familiares.

A par disso, saliento que o último laudo social revelou que

ZZZZZZZZZZ já havia gerado mais três filhos, de relacionamentos diferentes, não indicando firmeza quanto à motivação para retomar o

vínculo com o filho SSSSSSSS.

Portanto, em que pese o arrependimento da mãe biológica, já que o pai mostrou-se indiferente, em observância ao melhor

interesse da criança, deve o infante permanecer com os adoantes, não

sendo aconselhável reverter a situação, haja vista o vínculo afetivo já criado, conforme exaustivamente fundamentado acima.

Vejamos o que dispõe jurisprudência dos tribunais, em

especial, do STJ, do TJBA e do TJRS:

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. ADOÇÃO. FALTA DE CONSENTIMENTO DO PAI BIOLÓGICO. ABANDONO.

SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA EM BENEFÍCIO DO ADOTANDO. REQUISITOS PARA HOMOLOGAÇÃO DA

SENTENÇA ESTRANGEIRA. PREENCHIMENTO. 1. Nos termos do art. 45 do ECA, a adoção depende do consentimento dos

pais ou do representante legal do adotando, de modo que

tal consentimento pode ser dispensado quando os pais do menor forem desconhecidos ou tenham sido destituídos, por

decisão judicial, do pátrio poder familiar. A essas hipóteses de dispensa a jurisprudência desta Corte de

Justiça acrescentou mais uma, qual seja, quando, excepcionalmente, for constatada uma situação de

fato consolidada no tempo que seja favorável ao

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adotando, conforme ocorre no caso em exame. 2. É devida a homologação da sentença estrangeira de adoção,

porquanto foram atendidos os requisitos previstos no art. 15 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e nos

arts. 216-A a 216-N do RISTJ, bem como constatada a ausência de ofensa à soberania nacional, à ordem pública e

à dignidade da pessoa humana (LINDB, art. 17; RISTJ, art. 216-F). 3. Defere-se o pedido de homologação da sentença

estrangeira. (SEC 10700 / EX SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. 2013/0334402. Ministro RAUL ARAÚJO. CE -

CORTE ESPECIAL. J. 03/06/22015. DJe 04/08/2015). (grifei)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE ADOÇÃO C/C DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. IMPROCEDÊNCIA DO

PEDIDO, PRESERVADA A GUARDA ANTERIORMENTE DEFERIDA. MENOR ENTREGUE PELA MÃE BIOLÓGICA, DE

FORMA ESPONTÂNEA, AOS CUIDADOS DO CASAL REQUERENTE. AUSÊNCIA DE PROVA DE CAPACIDADE DA

MÃE BIOLÓGICA PARA PROVER A MANUTENÇÃO DA MENOR EM AMBIENTE FAMILIAR CONDIGNO COM O PLENO

DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL. EXISTÊNCIA DE FORTE VÍNCULO AFETIVO ENTRE A CRIANÇA E OS GUARDIÕES,

VERIFICANDO-SE TOTAL INSERÇÃO NA FAMÍLIA SUBSTITUTA. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA NO TEMPO

E MELHOR INTERESSE DO INFANTE. LAUDO SOCIAL FAVORÁVEL À ADOÇÃO. ANUÊNCIA EXPRESSA DO

GENITOR. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E

CONCESSÃO DA ADOÇÃO PLEITEADA. REFORMA DO DECISÓRIO. PROVIMENTO DO APELO. A adoção será

deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e estiver fundada em motivos legítimos,

como resulta da exegese do artigo 43 da Lei 8.069 de 13.07.1990. Efetivando-se a entrega da infante aos

guardiões, quando contava poucos meses de vida, restou incontroversa a formação de vínculo afetivo ao longo de

quase uma década de convivência familiar, laços fortes a serem preservados em respeito aos interesses do menor,

que se sobrepõem a quaisquer outros. Cedo às circunstâncias, especialmente em face do tempo de

convivência - quase 10 anos-, que gerou laços amorosos e proporcionou à criança o direito sagrado ao desenvolvimento

sadio e seguro em um ambiente familiar, para deduzir que

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não há razão de denegar-se o pedido dos autores.“ Segundo a legislação pátria, a adoção de menor que tenha pais

biológicos no exercício do pátrio poder pressupõe, para sua validade, o consentimento deles, exceto se, por decisão

judicial, o poder familiar for perdido. Nada obstante, o STJ decidiu, excepcionalmente, por outra hipótese de

dispensa do consentimento sem prévia destituição do pátrio poder: quando constatada uma situação de fato

consolidada no tempo que seja favorável ao adotando” . Consolidada a condição fática de filiação,

a adoção revela-se inquestionavelmente mais favorável aos interesses da menor. A manutenção do

status quo, em caráter excepcional, está justificada na preservação das únicas referências de amor e de

família conhecidas pela adotanda e dos valores

essenciais à sua formação psicossocial. RECURSO PROVIDO. (TJ-BA - APL: 00001316720098050220 BA

0000131-67.2009.8.05.0220, Relator: José Olegário Monção Caldas, Data de Julgamento: 29/05/2012, Quarta Câmara

Cível, Data de Publicação: 16/11/2012). (grifei)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. MENOR QUE ESTÁ SOB A GUARDA FÁTICA DOS AUTORES DESDE O

NASCIMENTO. ARREPENDIMENTO MATERNO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. VINCULO AFETIVO CONSOLIDADO. MELHOR

INTERESSE E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA. Não merece reparo a decisão que destituiu o poder

familiar, e concedeu a adoção do menor, que convive

com os autores desde tenra idade. Em que pese o arrependimento materno, o infante, atualmente com 5

anos de idade, está adaptado à família adotante, reconhece-os como pai e mãe, já consolidado o

vínculo afetivo. Manutenção deste arranjo familiar, considerando o melhor interesse da criança. RECURSO

DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70062283361, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena

Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 26/11/2014).(TJ-RS , Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de

Julgamento: 26/11/2014, Sétima Câmara Cível). (grifei)

Dessa feita, vislumbra-se a excepcionalidade de manter o

menor SSSSSSSSSSS no núcleo familiar onde se encontra desde o seu primeiro dia de vida, em detrimento ao direito de arrependimento dos

pais biológicos, vez que a situação de relação socioafetiva entre o

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menor e os adotantes é motivo suficiente de dispensa do consentimento para a constituição jurídica da adoção, que já fora constituía

faticamente.

Ora, estamos aqui a tratar de uma vida humana, com personalidade e sentimentos, não de um objeto inanimado que se

empresta e em qualquer momento pega-se de volta sem alteração do seu conteúdo e da substância.

Consolidada, pois, a condição fática de filiação entre

SSSSSSSS e os pais adotivos, XXXXXXX e YYYYYYY, a adoção

revela-se inquestionavelmente mais favorável aos interesses do menor. A manutenção do status quo, em caráter excepcional, está justificada

na preservação das únicas referências de amor e de família conhecidas pelo adotando e dos valores essenciais à sua formação psicossocial.

É evidente e inegável que o adotando encontra-se

plenamente amparado pelos adotantes, em todos os sentidos, e que os adotantes reúnem todos os requisitos legais para que seja deferida a

adoção em comento, tratando-se de pessoas de manifesta idoneidade moral, que muito bem se conduziu na criação do adotando, desde o

nascimento até o presente momento, propiciando-lhe uma vida saudável e um ambiente familiar adequado.

Convém mais uma vez lembrar que, segundo a dicção do art. 43, do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, a

adoção será deferida quando apresentar real vantagem para o(a) adotando(a) e desde que fundada em motivos legítimos, como sói

ocorrer no caso em comento.

Verifica-se ainda que a almejada adoção apresenta reais vantagens à criança, uma vez que ela vai, definitivamente, ser

integrada em uma família que apresenta condições morais, afetivas e financeiras para criá-la e educá-la.

Os motivos da adoção são legítimos e, acima de tudo, nobres e humanísticos, pois visa integrá-la em uma família, o que, sem

sombra de dúvidas, implica em efetivo benefício à criança, autorizando a adoção, segundo o comando normativo inserido no art. 39 e ss da Lei

8.069/90 (ECA).

Os documentos colacionados e a prova oral colhida atestam a plena capacidade dos requerentes de realizarem a adoção pretendida,

tendo os mesmos, conforme já supra referido, plenas condições, não somente de prover o sustento da criança adotanda, como também de

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possibilitar-lhe perspectivas de futuro, no tange à sua educação e, especialmente, à saúde do menor SSSSSSSS, que requer cuidados

médicos e tratamento de suas patologias congênitas, os quais vêm sendo promovidos pelos requerentes, sem medição de esforços,

conforme esposado acima.

Acerca do tema aqui em foco, vale ressaltar que a adoção legitimante apresenta os seguintes contornos jurídico-legais: efetivação

por maior de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil, ou por casal unido por casamento ou união estável, comprovada a

estabilidade familiar, diferença mínima de idade entre adotante e adotado de, pelo menos, dezesseis anos [art. 42, §§ 1.º, 2.º e 3.º do

E.C.A.]; limitação de idade do adotado até dezoito anos, em situação

regular ou irregular, podendo excepcionalmente, ser adotado plenamente o menor entre dezoito e vinte e um anos, se já estiver sob

a guarda ou tutela do adotante (Lei 8.069/90 - arts. 2.º, 39, 28 e 40); estágio de convivência entre adotante e adotado, dispensado pelo fato

de a criança já estar sob a guarda de fato dos adotantes por tempo suficiente à constituição do vínculo afetivo [art. 46, § 1.º – E.C.A.];

dispensa do consentimento dos pais biológicos, por motivos de constituição de relação socioafetiva entre adotantes e adotado, por

tempo juridicamente suficiente à manutenção do status quo ante [art. 41, § 2.º – E.C.A.]; intervenção judicial na sua criação (Lei 8.069/90,

arts. 148, III, 165, I a V, e parágrafo único, 39, parágrafo único, 50, § 1.º, 168, 28, § 2.º, 29, 42 e § 5.º, 43, 47, §§ 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e

6.º).

Na matéria vergastada, os pressupostos legais de adoção

estatutária se encontram plenamente evidenciados no caso de que se cuida, pois percebe-se que os documentos acostados retratam a plena

consonância com os requisitos estatutários arrolados nos dispositivos legais retro mencionadas.

O estágio de convivência é dispensado, considerando que o

menor SSSSSSSS está na companhia dos requerentes desde o nascimento, inclusive, com a constituição de parentalidade socioafetiva,

que recomenda, inclusive, a dispensa de autorização dos pais biológicos para a constituição da adoção, conforme fundamentado alhures (art.

46, § 1º da Lei nº 8.069/90).

Portanto, o status familiae socioafetivo entre o menor

SSSSSSSS e o casal XXXXXXX e YYYYYYY, constituído pelo decurso do tempo, por quase quatro anos, desde o primeiro dia

de vida do menor, impõe a destituição do poder familiar dos pais

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biológicos sobre a criança, com a consequente quebra de qualquer vínculo familiar dantes existente, exceto, para o

matrimônio, e a instituição desse arranjo de família por meio de sentença constitutiva de adoção (art. 47, § 7º, do ECA).

Ressalte-se, por fim, que embora no caso em comento não

tenha efetivado o cadastro de que trata o art. 50, do ECA, tal situação não tem o condão de anular a presente adoção, já que se trata de

criança exposta que estar na guarda de fato do casal adotante desde o primeiro dias de vida, constituído, assim, o vínculo afetivo entre a

criança e os pretendentes à adoção, embora estes não se encontrem sequer cadastrado no referido registro

Eventual retirada dessa criança dos adotantes em benefício de eventual cadastro só lhe causaria transtornos, porque seria

arrancada daqueles que lhe dão carinho e atenção desde a maternidade.

Coadunou-se, pois o vínculo afetivo entre a criança e os

adotantes, suficiente, por demais, a resguardar o melhor interesse da criança, que tem nos adotantes a referência de seus verdadeiros pais.

Tal situação, inclusive, se aplicada fosse, não se conformaria

com o disposto na Carta Magna, no tocante à proteção integral à

criança e ao adolescente.

Ademais, a intenção do legislador ordinário ao incluir a norma disposta no § 2º do art. 19 do ECA, através da Lei nº

12.010/2009, discorrendo que “a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional (ou familiar) não

se prolongará por mais de 2 (dois) anos”, foi justamente evitar a constituição de vínculo afetivo do infante para com os seus

cuidadores.

Assim, interpretada a contrário sensu a referida

norma, podemos concluir que, se a criança ou o adolescente já se encontra sob a guarda de fato dos adotantes por mais de dois

anos, constituído estará o vínculo afetivo, indicando ser a continuidade do menor com os adotantes o seu melhor

interesse, princípio básico de todo o sistema de proteção ao menor.

Portanto, atende o melhor interesse da criança a sua

manutenção com os requerentes, situação essa que se completará com o trânsito em julgado desta ação.

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Esse entendimento já está solidificado no Superior Tribunal de Justiça conforme se pode observar no seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL - AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE

O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR

INTERESSE DO MENOR - VEROSSÍMIL ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE

ADOTANTES NÃO CADASTRADOS - PERMANÊNCIA DA CRIANÇA DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA -

TRÁFICO DE CRIANÇA - NÃO VERIFICAÇÃO - FATOS QUE, POR SI, NÃO DENOTAM A PRÁTICA DE ILÍCITO - RECURSO

ESPECIAL PROVIDO. I - A observância do cadastro de

adotantes, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar

determinada criança não é absoluta. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor

interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir

vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer

cadastrado no referido registro; II - É incontroverso nos autos, de acordo com a moldura fática delineada pelas

Instâncias ordinárias, que esta criança esteve sob aguarda dos ora recorrentes, de forma ininterrupta, durante os

primeiros oito meses de vida, por conta de uma decisão judicial prolatada pelo i. desembargador-relator que, como

visto, conferiu efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento

n.1.0672.08.277590-5/001. Em se tratando de ações que objetivam a adoção de menores, nas quais há a primazia do

interesse destes, os efeitos de uma decisão judicial possuem o potencial de consolidar uma situação jurídica, muitas

vezes, incontornável, tal como o estabelecimento de vínculo afetivo; III - Em razão do convívio diário da menor

com o casal, ora recorrente, durante seus primeiros oito meses de vida, propiciado por decisão judicial,

ressalte-se, verifica-se, nos termos do estudo psicossocial, o estreitamento da relação de

maternidade (até mesmo com o essencial aleitamento da criança) e de paternidade e o conseqüente vínculo

de afetividade; IV - Mostra-se insubsistente o fundamento adotado pelo Tribunal de origem no sentido de que a

criança, por contar com menos de um ano de idade, e,

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considerando a formalidade do cadastro, poderia ser afastada deste casal adotante, pois não levou em

consideração o único e imprescindível critério a ser observado, qual seja, a existência de vínculo de

afetividade da infante com o casal adotante, que, como visto, insinua-se presente; V - O argumento de

que a vida pregressa da mãe biológica, dependente química e com vida desregrada, tendo já concedido, anteriormente,

outro filho à adoção, não pode conduzir, por si só, à conclusão de que houvera, na espécie, venda, tráfico da

criança adotanda. Ademais, o verossímil estabelecimento do vínculo de afetividade da menor com os recorrentes deve

sobrepor-se, no caso dos autos, aos fatos que, por si só, não consubstanciam o inaceitável tráfico de criança; VI -

Recurso Especial provido.(STJ, Resp nº 1172067/MG,

Relator Ministro Massami Uyeda, DJ 18.03.2010). (grifei)

Nesse mesmo sentido continua a jurisprudência do STJ, conforme podemos observar em julgado recentíssimo:

HABEAS CORPUS. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER

FAMILIAR C/C COM ADOÇÃO. DETERMINAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. CADASTRO DE

ADOTANTES. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ORDEM CONCEDIDA. 1.- Não é do melhor interesse da criança o

acolhimento institucional ou familiar temporário, salvo

diante de evidente risco à sua integridade física ou psíquica, circunstância que não se faz presente no caso dos autos.

Precedentes. 2.- A observância do cadastro de adotantes, não é absoluta. A regra legal deve ser

excepcionada em prol do princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de

proteção ao menor. Tal hipótese configura-se, por exemplo, quando existir vínculo afetivo entre a criança e o

pretendente à adoção, como no presente caso. 3.- Ordem concedida. (STJ, HC 294729 / SP, Relator Sidnei Beneti, T.

3, DJ 29.08.2014). (grifei)

O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia também possui entendimento firmado sobre o tema conforme se pode observar

nos seguintes julgados:

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE ADOÇÃO C/C

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. EXTINÇÃO DA AÇÃO

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SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR FALTA DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE ADOTANTES. IMPOSSIBILIDADE.

OBSERVÂNCIA DA PECULIAR SITUAÇÃO DO CASO CONCRETO EM PROL DO PRINCÍPIO DO MELHOR

INTERESSE DO MENOR. SENTENÇA ANULADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I – Cuida-se de Ação de Adoção

com Destituição do Poder Familiar, extinta, sem resolução de mérito, por entender o magistrado singular que os

autores não estavam habilitados no cadastro de adotantes e não se enquadravam nas exceções dispostas nos incisos do

§ 13º, do art. 50, do Estatuto da Criança e do Adolescente. II - Reconhece-se a importância, utilidade e celeridade que

o cadastro de pessoas interessadas em adotar crianças ou adolescentes propicia no procedimento de adoção, pois

facilita a constatação dos requisitos legais e permite o

exame da compatibilidade entre os interessados. No entanto, excepcionalmente, tal regra pode ser

afastada em prol do princípio do melhor interesse do menor, quando observado o vínculo afetivo entre a

criança e os pretendentes à adoção, mesmo que estes não se encontrem habilitados no cadastro de

adotantes. Precedentes do STJ. III - Sentença anulada. Remessa dos autos ao juízo de origem para que o processo

tenha o seu regular prosseguimento. APELO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-BA - APL: 00077553220118050113 BA

0007755-32.2011.8.05.0113, Relator: Maria do Socorro Barreto Santiago, Data de Julgamento: 18/09/2012,

Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 17/11/2012). (grifei).

Foi constatado, ainda, que a criança não possui bens ou direitos a receber, não sendo a adoção requerida, portanto, por

interesses patrimoniais.

Determinada a realização de vários estudos sociais, nos termos do art. 167 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais

concluíram pela concessão da adoção, corroborado, pois, pelos depoimentos testemunhas prestados em audiência (fls. 33/43).

Os requerentes não apresentam antecedentes criminais,

gozando de boa saúde física e mental.

Com isso, o deferimento do pedido de adoção é medida que

se impõe, tendo sido preenchidos todos os elementos legais exigidos, e

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notadamente por atender aos interesses do adotando, o qual, conforme supra mencionado, convive com os adotantes desde o nascimento.

III – DISPOSITIVO:

Isto posto, julgo PROCEDENTE o pedido apontado na peça exordial, com arrimo no art. 269, I, do Código de Processo Civil, com

fundamento na Lei nº. 8.069/90 (ECA), com as modificações introduzidas pela Lei nº 12.010, de 2009, e ainda em harmonia com o

entendimento jurisprudencial, para CONCEDER aos requerentes XXXXXXX e YYYYYYY a ADOÇÃO da criança SSSSSSSS, ficando os

pais biológicos destituídos do poder familiar.

Eventual recurso será recebido apenas no efeito devolutivo (arts. 199-A e 199-B, do ECA), de modo que a presente sentença

produzirá efeitos desde a sua publicação em cartório.

Dessa forma, expeça-se de imediato mandado para

inscrição no registro civil competente, cancelando-se o registro original de nº 1436850155 2012 1 00010 155 0010564 14, com assento no

Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais de Mortugaba/BA, lavrando-se um outro com o nome dos requerentes como pais da

criança, XXXXXXX e YYYYYYY, e os nomes de seus respectivos ascendentes como avós do infante (paternos: AAAAAAAAAA e

BBBBBBB; maternos: CCCCCCCCCCC e DDDDDDDDD), fazendo-se constar, ainda, o nome da criança como sendo SSSSSSSSSSS.

O cartório destinatário da ordem acima deverá ser

recomendado de que nenhuma referência pode ser feita em relação à

natureza deste ato, assim como que este é inteiramente gratuito, como disciplina a Lei. Ou seja, nenhuma alusão à filiação anterior (biológica)

poderá constar do referido registro, a teor do que dispõe o art. 47, § 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Sem custas, nos termos do art. 141, § 2º, da Lei nº

8.069/90).

Observe-se o sigilo inerente à causa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Expedientes de praxe. Notifique-se o Ministério Público.

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Após o trânsito em julgado e após o cumprimento de todas as determinações contidas no comando desta decisão, certifique o

ocorrido e, ato contínuo, arquivem-se os autos.

Jacaraci-BA, 29 de setembro de 2015.

TEOMAR ALMEIDA DE OLIVEIRA

Juiz de Direito