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7053 RUDOLPH STAMMLER E A INTEGRAÇÃO ENTRE DIREITO E ECONOMIA * RUDOLPH STAMMLER AND THE INTEGRATION BETWEEN LAW AND ECONOMY Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães RESUMO Desde o século XVIII economistas, juristas e filósofos se debruçam sobre as relações entre Direito e Economia. Uma das visões acerca deste diálogo reside no pensamento de Rudolph Stammler, jurista alemão que, em 1929, escreveu obra onde rechaça o materialismo histórico e traz a idéia de monismo social. Pelo monismo social, Direito e Economia tratam de uma só coisa, cujo objeto de estudo deve ser o homem, enquanto ser social que, sob uma regulação, coopera com outros homens para a satisfação de suas necessidades. Assim, o Direito seria a forma da vida social – regulação exterior, não necessariamente jurídica – e a Economia seria a matéria da vida social – cooperação para satisfação de necessidades – não havendo a distinção entre necessidades materiais e ideais. A contribuição de Stammler para um entendimento das relações entre Direito e Economia vem a fazer frente ao movimento da Análise Econômica do Direito – AED, que vê a Economia como importante ferramenta para a elaboração de normas mais eficientes, partindo de pressupostos de racionalidade, eficiência e maximização das necessidades. A intenção é ampliar o debate sobre o diálogo entre Direito e Economia, apontando para outras maneiras de se compreender este fenômeno. PALAVRAS-CHAVES: RUDOLPH STAMMLER, DIREITO E ECONOMIA; CONCEPÇÃO MONISTA DA VIDA SOCIAL. ABSTRACT Since the 18th century has economists, jurists and philosophers studied the relation between Law and Economics. One of the views of this dialogue lies on the writings of Rudolph Stammler, German jurist that, in 1929, wrote an essay where he repels the historical materialism and brings the idea of social monism, meaning that Law and Economics is an one and only thing, which their focus should be the man while social being that, under a regulation, cooperate with others for the satisfaction of his needs. Thus, Law represents the form of the social life – exterior regulation, not necessarily juridical – and Economy is the matter (substance) of social life – cooperation for the satisfaction of one`s needs – regardless the distinction between material needs and ideal needs. Stammler`s contribution for the understanding of the relations between Law and Economics comes face-to-face to the Economical Analysis of Law movement, which sees Economy as an important tool for the elaboration of more efficient rules, departing * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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RUDOLPH STAMMLER E A INTEGRAÇÃO ENTRE DIREITO E ECONOMIA*

RUDOLPH STAMMLER AND THE INTEGRATION BETWEEN LAW AND ECONOMY

Lucas Noura de Moraes Rêgo Guimarães

RESUMO

Desde o século XVIII economistas, juristas e filósofos se debruçam sobre as relações entre Direito e Economia. Uma das visões acerca deste diálogo reside no pensamento de Rudolph Stammler, jurista alemão que, em 1929, escreveu obra onde rechaça o materialismo histórico e traz a idéia de monismo social. Pelo monismo social, Direito e Economia tratam de uma só coisa, cujo objeto de estudo deve ser o homem, enquanto ser social que, sob uma regulação, coopera com outros homens para a satisfação de suas necessidades. Assim, o Direito seria a forma da vida social – regulação exterior, não necessariamente jurídica – e a Economia seria a matéria da vida social – cooperação para satisfação de necessidades – não havendo a distinção entre necessidades materiais e ideais. A contribuição de Stammler para um entendimento das relações entre Direito e Economia vem a fazer frente ao movimento da Análise Econômica do Direito – AED, que vê a Economia como importante ferramenta para a elaboração de normas mais eficientes, partindo de pressupostos de racionalidade, eficiência e maximização das necessidades. A intenção é ampliar o debate sobre o diálogo entre Direito e Economia, apontando para outras maneiras de se compreender este fenômeno.

PALAVRAS-CHAVES: RUDOLPH STAMMLER, DIREITO E ECONOMIA; CONCEPÇÃO MONISTA DA VIDA SOCIAL.

ABSTRACT

Since the 18th century has economists, jurists and philosophers studied the relation between Law and Economics. One of the views of this dialogue lies on the writings of Rudolph Stammler, German jurist that, in 1929, wrote an essay where he repels the historical materialism and brings the idea of social monism, meaning that Law and Economics is an one and only thing, which their focus should be the man while social being that, under a regulation, cooperate with others for the satisfaction of his needs. Thus, Law represents the form of the social life – exterior regulation, not necessarily juridical – and Economy is the matter (substance) of social life – cooperation for the satisfaction of one`s needs – regardless the distinction between material needs and ideal needs. Stammler`s contribution for the understanding of the relations between Law and Economics comes face-to-face to the Economical Analysis of Law movement, which sees Economy as an important tool for the elaboration of more efficient rules, departing

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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from a point of view that considers rationality, efficiency and maximization of the needs. This article intends to enlarge the debate about Law and Economics, pointing towards different views of the phenomena.

KEYWORDS: RUDOLPH STAMMLER, LAW AND ECONOMICS; MONIST CONCEPTION OF THE SOCIAL LIFE.

1. Introdução

A discussão acerca das relações entre Direito e Economia, em especial os efeitos da norma no âmbito econômico, é antiga. Rachel Sztajn, em artigo sobre o Law & Economics, lembra que Adam Smith e Jeremy Bentham, no século XVIII, estudaram os efeitos econômicos decorrentes da formulação das normas jurídicas e a relação entre legislação e utilitarismo, respectivamente. Tais estudos já apontavam para a importância da análise interdisciplinar de questões que tenham a sociedade como foco de estudo.

O problema que se coloca neste artigo consiste em verificar até que ponto as idéias de Stammler podem ser aplicadas aos dias atuais, tendo em vista o crescente movimento da Análise Econômica do Direito (ou Law & Economics, para alguns), que entende a Economia como importante ferramenta para o Direito, no que se refere tanto à atividade legiferante quanto à judicante. Consoante será visto, há um choque entre o que Stammler pensa acerca da relação entre Direito e Economia, e o que os aplicadores da AED entendem por esta relação. Para o autor alemão, não há que se falar em Economia como ferramenta para o Direito. Chega-se a tal entendimento a partir do momento em que se coloca o homem, enquanto ser social, no centro da análise, seja jurídica, seja econômica. Assim, haveriam dois campos bem delimitados onde atua a Economia e onde atua o Direito – matéria e forma da vida social. Segundo Paulo Dourado de Gusmão, Stammler vê o Direito como uma categoria transcendental, absoluta, imutável e universal, e a Economia como empírica, relativa, histórica e variável.

Para o aprofundamento do estudo do Direito e Economia, este artigo parece de grande valia, uma vez que busca reavivar o pensamento de um autor, ao que indica, esquecido por grande parte daqueles interessados na relação destes dois campos do conhecimento. Embora escrita em 1929, sua obra Economia y derecho según la concepción materialista de la história contém, entende-se, idéias que podem ser aplicadas aos dias atuais, eis que apontam para uma integração entre Direito e Economia, conceito este em voga nos meios acadêmicos.

Stammler entende que o Direito é a forma da vida social, enquanto a Economia é a matéria. Assim, reduziu a relação entre Direito e Economia a uma relação lógica entre forma e matéria da vida social, sendo o Direito condicionante lógico – não temporal-causal – da Economia. Ficará claro, no tópico devido, que não há uma preponderância de um campo sobre o outro. Para Pierre Bourdieu, a noção de submissão da prática social a uma determinada regra é equivocada. Para o francês, não é a obediência à

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determinada regra que determina uma prática. Bourdieu aponta ser uma falha o estudo do Direito que se paute na autonomia da forma jurídica:

“Uma ciência rigorosa do direito distingue-se daquilo a que se chama geralmente ‘a ciência jurídica’ pela razão de tomar esta última como objeto. Ao fazê-lo, ela evita, desde logo, a alternativa que domina o debate científico a respeito do direito, a do formalismo, que afirma a autonomia absoluta da forma jurídica em relação ao mundo social, e do instrumentalismo, que concebe o direito como um reflexo ou um utensílio ao serviço dos dominantes”.

Neste ponto específico, vê-se uma concordância entre o pensamento dos dois estudiosos. Para Stammler, consoante será visto mais abaixo, não é que há uma obediência ou submissão da prática à regra exterior, mas sim que tal regra é condição lógica de existência de qualquer ato da vida social. Ainda, ao se referir à regra exterior, Stammler não quer dizer necessariamente uma regra jurídica.

Rudolph Stammler, assim como muitos outros, debruçou-se sobre o problema da investigação de uma técnica fundada sob bases científicas para a existência das relações sociais. Em outras palavras, buscou investigar a existência de uma “ciência social”. Stammler assim coloca a questão:

“Uma investigação precisa sobre um ponto concreto somente tem verdadeiro valor quando aparece reduzida a uma lei geral última e orientada no sentido de uma linha diretiva de alcance geral dentro do saber. Desligado desta lei última fundamental e sem relação com um ponto de vista harmônico de alcance absoluto frente ao todo perquirir concreto, este não pode socorrer-se a meio algum para justificar sua existência”.

O mesmo autor ressalta que os ramos da ciência social, buscam suas bases fundamentais apenas para justificar seu próprio ramo do conhecimento, sem perceber que tal intento é desagregador de uma base comum para a ciência social. No mesmo sentido vai a crítica de Bourdieu aos juristas e historiadores do direito, que afirmam o direito como um sistema autônomo e fechado, cujo entendimento somente pode ser obtido segundo uma “dinâmica interna”.

De outro modo, há quem coloque a economia como base de todas as ciências sociais:

“As similitudes entres os processos que são levadas a cabo nas ciências sociais hoje em dia e as examinadas por Kuhn passam ao primeiro plano e levam à conclusão (ou previsão) tentativa de que o enfoque econômico, como definido anteriormente, proporcionará um marco uniforme no qual se basearão as ciências sociais”.

Muito mais que mero problema acadêmico, o “problema da lei última pela qual se rege a vida social se traduz praticamente numa fundamental concepção acerca das relações entre indivíduo e comunidade”. A preocupação neste tema se traduz na impossibilidade de, sem uma pauta geral de toda vida social, submeter a juízo crítico uma ordem social concreta. Ademais, há outra preocupação:

“Desentranhar cientificamente a lei que rege toda vida humana social é o que condiciona a possibilidade de moldar sob leis a convivência humana em um estado

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histórico qualquer e de qualificar como objetivamente legítimas as aspirações concretas determinadas, devendo a solução de toda questão político-social possível ser guiada e determinada pela lei última fundamental da vida social, e não deixada à sorte do indivíduo interessado”.

Para Stammler, para chegar-se à unidade de estudo de uma ciência social, necessário se faz que haja uma desintegração sistemática dos conceitos sociais, para investigar quais seriam os elementos conceituais que de um modo geral ofereça a unidade de estudo aventada.

Neste ponto se inicia a crítica do autor alemão à concepção materialista da história, posto que esta “afirma como lei pela qual a vida social toda se rege e, conseguintemente, como método de alcance absoluto para o saber científico desta, a relação natural de dependência da ordem jurídica, enquanto forma da vida social, à Economia da sociedade de que se trate”. Nesse sentido, uma transformação dos fenômenos econômico-sociais implicaria necessariamente numa transformação do Direito vigente.

2. O materialismo histórico: a Economia como fim último da vida social

O conceito de sociedade e de convivência humana é um conceito fundamental e primeiro, abaixo do qual estão os conceitos do que venha a ser Direito e do que venha a ser Economia, integrantes de uma unidade superior, que é a ciência social. Ora, estando o homem e suas interações com outros homens no centro do estudo do que venha a ser a ciência social, forçoso concluir, então, pela necessidade de ver-se Direito e Economia como instrumentos para a realização das necessidades humanas. Contudo, o pensamento de Stammler choca-se com o que preconiza o materialismo histórico, assim sintetizado pelo autor alemão:

“O Direito de um povo, como forma que regula sua convivência e cooperação, é um simples instrumento na luta pela existência, que deve ser livrada vinculatoriamente e em comum. Impossível, pois, em absoluto, que o Direito apareça senão em um segundo plano com relação à Economia social. O Direito é algo subordinado, chamado a prestar serviço e obediência; e assim deve ser, a menos que haja de perder todo sentido. A Economia social é a que determina e ordena; como matéria da vida social, a Economia é sua substância real, sua realidade verdadeira. E às peculiaridades das circunstâncias econômicas se subordina como condicionada a ordem jurídica”.

Na opinião de Stammler, ao se ver o Direito como subordinado à Economia social, as únicas explicações possíveis para as mudanças da ordem jurídica serão fatos conseqüentes de alguma mudança na Economia.

Embora ciente de que a Economia, dentro da vida social, não seja tudo, na passagem abaixo Richard Posner parece colocá-la como parte indispensável daquilo que se deve saber para um correto entendimento do funcionamento da sociedade:

“Em diferença dos dias de Langdell, diferença esta que foi legada por Holmes e os realistas jurídicos, a lei agora era reconhecida como um instrumento deliberado de

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controle social, devendo-se saber algo acerca da sociedade para ser capaz de entender, criticar e melhorar a lei. Contudo, esse ‘algo’ era o que qualquer pessoa inteligente com uma boa instrução geral e um pouco de senso comum sabia ou podia recorrer dos próprios textos legais ou que, se estas fontes de conhecimento falhavam, naturalmente adquiriria em poucos anos da prática do direito: um conjunto de valores éticos e políticos básicos, certo conhecimento das instituições e certa idéia geral do funcionamento da economia”.

Quando se muda a estrutura de fenômenos econômicos cria-se tensões entre este novo modelo e a ordem jurídica vigente. Assim, necessário se faz a transformação do Direito para fazer frente à novidade. Desta forma, estaria assim justificada a concepção materialista da história, que entende que “a lei última que rege a vida social humana é a lei que rege os fenômenos econômicos”, que, por sua vez, se desenvolvem segundo leis naturais.

É de se notar a grande característica determinista dela linha de pensamento, ao atribuir aos fenômenos econômicos a característica de naturais. É daqui que se entende ser possível reduzir os fenômenos econômicos a um sistema científico, a exemplo do que ocorre com outras ciências que lidam com fatos naturais, tais como a física e a química. Ademais, sendo os fenômenos econômicos algo natural e inevitável, é de se reconhecer, para o materialismo histórico, a dependência de outros ramos do conhecimento, tal como o Direito, à sua inafastabilidade.

Já foi afirmado acima que o materialismo histórico inverte a relação de dependência entre os ideais humanos e os fenômenos econômicos. Stammler ressalta esse ponto na seguinte passagem de sua obra:

“A concepção materialista da História se coloca, desde logo, por exigência própria, em antítese com a concepção ideológica da História humana, frente a quantos creem que as idéias surgem por si e atuam como algo substantivo. (...) Não são as idéias, afirma, as causas verdadeiras na vida social: as idéias nascem senão como reflexo de uma Economia social determinada”.

Com relação ao Direito, o raciocínio imposto pelo materialismo histórico é o mesmo:

“Pois se, segundo a concepção materialista da História, toda idéia de justiça é simples imagem refletida das verdadeiras realidades do estado econômico de fato, sem substantividade própria alguma, toda reforma do Direito que em nome da justiça se exija ou implante será, igualmente, na verdade, obra das circunstâncias econômicas que a fundamentam”.

Para se reformar um Direito, os analistas econômicos chegam a afirmar que a análise (econômica) é feita tanto ex ante quanto ex post, com o fim de examinar os efeitos da norma sobre o comportamento humano. Essa presença inarredável e constante da análise econômica reforça a idéia do materialismo histórico de que as circunstâncias econômicas são a lei maior que determina a vida social.

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Há um efeito perverso das análises ex post, pois, conforme aduz Bourdieu, moldam acontecimentos prévios a elas, limitando as ações humanas e fazendo com que “os acontecimentos mais improváveis se encontrem excluídos”. Nas palavras do autor:

“As práticas podem encontrar-se objetivamente ajustadas às chances objetivas – tudo se passa como se a probabilidade a posteriori ou ex post de um acontecimento, que é conhecida a partir da experiência passada, comandasse a probabilidade a priori ou ex ante, a ela subjetivamente combinada – sem que os agentes procedam ao menor cálculo ou mesmo a uma estimação, mais ou menos consciente, das chances de sucesso”.

Em suma, os pontos essenciais do materialismo histórico são “a evolução do fenômeno econômico conforme leis naturais, e afirmação desta evolução como a única realidade e a única lei que rege a vida social”. Como conseqüência disto, tem-se a necessária condicionalidade da ordem jurídica aos fenômenos econômicos.

Stammler, ao criticar os críticos do materialismo histórico, aduz que as afirmações de que determinados fatos da vida social não derivam diretamente de fenômenos econômicos não servem para contradizer o que prega o materialismo histórico, pois esta doutrina entende que os fenômenos econômicos são sempre a causa última da vida social. Sendo o materialismo histórico um método com alcance absoluto para discernir a unidade da vida social, contra ele não serão eficazes argumentos de ordem histórica concreta. Mais uma vez, deve-se questionar se são, de fato, os fenômenos econômicos que regem, em última instância, a vida social, e não apontar que há determinadas situações concretas em que não se verifica influência de algum fenômeno econômico.

O que Stammler busca é saber qual é a lei última que rege a vida social humana e em que sentido pode dar-se uma justificação do querer das aspirações sociais. Sem resposta a estas indagações, resta impossível saber se, num caso concreto, determinada aspiração social, seja ela qual for, é justificada ou legítima.

O materialismo histórico não explica o que entende por fenômenos econômicos, o que é vida social, o que são circunstâncias econômicas. De um modo geral, falta delimitar e explicar o que venha a ser o social. O materialismo histórico fala em relação de dependência necessária do Direito frente à Economia; afirma que esta guia aquele. Contudo, sequer se propõe a explicar que dependência necessária seria essa. Sem esta base de conceitos, resta impossível, para Stammler, qualquer investigação no sentido de alcançar uma “ciência social”.

3. A forma da vida social: o conceito de regra exterior

Com o fim de descobrir a lei última que rege a vida social, Stammler inicia sua investigação pelo conceito mesmo de sociedade. Primeiramente, aponta que a distinção fundamental do conceito de sociedade para o conceito de convivência está em que naquele primeiro há a noção de regras exteriores da vida que regem os homens, enquanto tal não se verifica no conceito de convivência. A nota diferencial da sociedade para a mera convivência está na existência de um conjunto de regras que os homens

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ditam a si próprios para regular sua convivência. Assim, “vida social não é, em rigor, mais que uma convivência humana presidida por regras exteriores”-.

De posse desse conceito, deve-se perquirir o porquê de se ter regras exteriores numa convivência humana, já que os homens poderiam ser conduzidos a se relacionar em razão de fatos naturais, por instinto ou por leis causais. Stammler vai trazer daí a idéia de cooperação, alicerçada na relação entre meio e fim.

“Não basta considerar a conduta do homem como puro fato natural e como fenômeno regido por leis causais, nem enfocar suas atividades em estado de total isolamento. É mister buscar a relação que guardam entre si os fins de diversos homens, e então é quando se percebe a rede de fins e de meios recíprocos que entre eles tece a vida. Surge assim o conceito de cooperação, como objeto peculiar e independente de uma ciência, a cuja explicação não se pode chegar pelos métodos exclusivos da investigação natural. Esta nova ciência faz-se logicamente condicionada pela relação de meio a fim; ou seja, pelo que nós chamamos de lei da vontade vinculatória”.

A diferença que separa homens de animais é o fato de que, embora em sociedades – as abelhas e as formigas são os maiores exemplos de sociedades organizadas de animais – os animais assim se organizam por razões de instinto, meramente, enquanto os homens, por regras exteriores para viabilizar a cooperação.

Não obstante, estabelecida a diferença da sociedade de homens para a sociedade de animais, por meio da noção de regras exteriores, poderia ser alegado, e Stammler traz esta hipótese em sua obra, que uma comunidade de seres racionais podem viver isolados uns dos outros. Assim, mesmo havendo uma coincidência da existência de homens num determinado tempo e espaço – lembrando que não se concebe homens no mesmo estado de isolamento que Robinson Crusoé –, estes poderiam viver isolados uns dos outros, já que dotados de extrema racionalidade. Haveria, assim, o que Stammler chama de “comunidade puramente ética”. Nesse sentido, não seria necessário, para este tipo de vida social, uma regra exterior de conduta. Ao que afirma Stammler que o indivíduo neste estado de isolamento “não se limitaria a viver para seus próprios interesses egoístas e sem visões para ninguém, senão que adotaria como seus os fins dos demais homens que com ele convivessem”. Assim, em seguida desta mínima inteligência entre dois indivíduos, surgiria o conceito de regras exteriores de convivência, ficando abolida a idéia de isolamento desde já.

Ora, devendo o homem ser concebido como em convivência social com seus pares, deve-se, então, ultrapassar o conceito de “indivíduo” e passar a admitir a existência de duas pessoas, associadas. Mas para proceder a tal concepção, faz-se necessário “instituir uma vontade que enlace os fins dos diversos indivíduos como meios recíprocos para a realização de suas aspirações. Esta vontade, que chamamos vinculatória, é o que em outras palavras se denomina regra exterior de conduta”.

Por esta definição, tem-se que é a regra exterior que vai dar o tom conceitual de cooperação humana, é ela que vai dar sentido metodológico a qualquer investigação que tenha por objeto a vida social humana. Sem a regra exterior, a vida social torna-se objeto de outra coisa – talvez da biologia ou de outra ciência natural, deixando de ser objeto de uma ciência social.

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É importante apresentar uma ressalva que Stammler faz em sua obra a respeito da regra exterior. Esta regra exterior que harmoniza a cooperação humana não é primeira e prévia dentro de uma relação temporal, mas sim do ponto de vista lógico. Desta forma, a regra exterior é condição lógica dentro do conceito de cooperação humana.

Esta noção de regra exterior é importante na medida em que é ela o fator de rompimento e que vai dar à ciência social a possibilidade de ser estudada de forma independente das ciências naturais. Somente de posse da regra exterior é que é possível erigir uma “ciência da vida social” frente à ciência natural.

É notório o fascínio que alguns economistas têm pelas ciências naturais e seus métodos, sua precisão. A explicação de Bourdieu para tal fenômeno é colocada nos seguintes termos:

“O interesse apaixonado que os pesquisadores em ciências sociais têm pelas ciências da natureza não poderia ser compreendido de outro modo: é a definição dos princípios de avaliação de sua própria prática que está em jogo na pretensão de impor, em nome da epistemologia ou da sociologia da ciência, a definição legítima da forma mais legítima de ciência – a ciência da natureza”.

Fica mais fácil entender o porquê de Omar Aktouf rechaçar de forma tão veemente a tendência da ciência econômica do mundo moderno, que busca matematizar conceitos e adotar práticas crematísticas. O erro da economia e dos economistas estaria na própria origem, a saber, essa aproximação da economia com as ciências naturais e exatas acabaria por contradizer a própria independência da ciência social, dentro da qual está a Economia.

Esse assunto também foi revirado por Fritjof Capra, que tece contundentes críticas à economia atual, que, influenciada pela física newtoniana e pela estrutura de pensamento cartesiana, afastou-se da descrição correta da realidade. A economia de hoje, portanto, caracterizar-se-ia por um enfoque reducionista e fragmentário, passando ao largo da noção de que há todo um contexto social, do qual a economia é apenas parte.

Ademais, não se afigura coerente a Economia buscar uma “meia-aproximação” com as ciências naturais, ou seja, ela busca assumir um status de precisão, mas não reconhece que o conhecimento destas ciências é sempre imperfeito e incerto. Com isso, quer-se dizer que, enquanto as ciências naturais lidam bem com as incertezas de seus modelos, a Economia não. A Economia, assim como qualquer outro ramo de conhecimento social (história, direito, antropologia), deve primeiro refinar seus pressupostos – tarefa notadamente difícil quando se tem o homem como objeto de estudo –, para depois lançar-se ao status de ciência.

Outra diferença muito importante entre ciências naturais e ciências sociais diz respeito ao “ritmo” de suas respectivas dinâmicas. Consoante o entendimento de Capra:

“Um outro aspecto dos fenômenos econômicos, crucialmente importante mas seriamente negligenciado pelos economistas, é o da evolução dinâmica da economia. Em sua natureza dinâmica, os fenômenos descritos pela economia diferem

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profundamente daqueles abordados pelas ciências naturais. A física clássica aplica-se a uma gama bem definida e imutável de fenômenos naturais. (...) A evolução dos padrões econômicos, ao contrário, ocorre num ritmo muito mais rápido. Os sistemas econômicos estão em contínua mudança e evolução, dependendo dos igualmente mutáveis sistemas ecológicos e sociais que estão implantados. (...) A maioria dos economistas contemporâneos lamentavelmente (...) ainda estão fascinados pelo absoluto rigor do paradigma cartesiano e pela elegância dos modelos newtonianos; assim, estão cada vez mais distanciados das realidades econômicas atuais”.

Assentadas tais premissas, Stammler vai adentrar especificamente na relação entre Direito e Economia, por meio de uma análise do que seja a forma da vida social e do que seja a matéria da vida social.

Entende referido autor que a forma da sociedade humana é a noção de regra exterior. Para que a noção de regra exterior seja a forma do conceito da vida social humana é necessário que se veja a regulação social como algo acima de reflexões pessoais psicológicas. Nas palavras do autor:

“Mas a noção de toda regulação social, como o elemento sem o qual não seria possível uma ciência social com traços fundamentais próprios, esta noção se faz, nesta função lógica que lhe corresponde, em absoluto sobreposta a toda especial reflexão psicológica. (...) Este é o fundamento de alcance geral que faz da noção geral da regulação exterior a forma do conceito da vida social humana. Finalmente, um estudo psicológico-social poderá levar-se a cabo no sentido de investigar a eficaz atuação de uma regra social sobre os homens a ela submetidos”.

Deste modo, os fatos concretos de uma relação social somente poderão ser objeto da ciência social sob a condição de existência de uma regra exterior que determina a peculiaridade do fato estudado.

Dentro do conceito de forma, dado por Stammler, surge a distinção entre normas jurídicas e regras convencionais. A dificuldade na distinção reside no fato de que ambas normas jurídicas e regras convencionais são regras exteriores que se sobrepõem ao indivíduo, com o fim de regular sua conduta.

Na teoria da Stammler, a diferença estaria no sentido em que a norma social busca reger. O Direito é um “preceito autárquico”; suas disposições estão acima do consentimento daqueles que a elas se submetem. Já a regra convencional tem o sentido de um “convite condicional”. Deve-se lembrar que regra convencional não seria aquela que somente seria acatada após convicção interna de alguém, pois, ainda que seja regra convencional, trata-se de regra exterior; portanto, sobreposta ao indivíduo. Assim, a regra convencional em nada tem a ver com os desejos interiores do homem.

4. A matéria da vida social: cooperação humana para satisfação das necessidades

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Existindo a forma, regulando situações concretas, seja por meio de normas jurídicas, seja por regras convencionais, deve também existir a matéria, pois, do contrário, a forma não teria razão de ser, não teria objeto sobre o qual recair.

As leis naturais, por exemplo, não podem ser objeto da forma, visto que não há regulação humana para a gravidade. Não faria sentido uma lei ordinária para dizer as condições em que a gravidade se aplica, ou coisa parecida. Aos homens, basta lidar com essa lei [da gravidade] e aceitá-la como dado.

O que, de fato, no entender de Stammler, é a matéria da vida social é o fato de usar destas leis naturais e do que mais seja natural numa atividade combinada de vários, sob regras exteriores de conduta. Em outras palavras, “todos os esforços e atos do homem tendem à satisfação das necessidades humanas. Matéria da vida social será, por conseguinte, a cooperação humana para a satisfação das necessidades dos conviventes”. Os três elementos, portanto, para o conceito de matéria da vida social são: (a) cooperação humana (b) regida por regras exteriores (c) para a satisfação das necessidades.

É interessante notar, aprofundando-se neste conceito, que a cooperação humana pode sempre ser analisada enquanto possibilidade natural ou enquanto à base de uma regulação determinada. Stammler vai chamar de Economia social esta cooperação para satisfação das necessidades humanas. Entende o autor alemão que “ainda dentro do sistema da mais livre concorrência entre indivíduos vinculados socialmente mediará uma cooperação para a satisfação das necessidades humanas”.

Stammler chama a atenção para a impossibilidade, sem cair num subjetivismo arbitrário, de se fazer distinções entre necessidades materiais e necessidades ideais:

“o que é sobretudo falso é introduzir aqui, como tem tentando alguns, a distinção entre necessidades ‘superiores’ e ‘inferiores’ como decisiva enquanto para a determinação do conceito de Economia social; como se à Economia social somente houvesse de atribuir-se o estudo das necessidades materiais que se denominam econômicas e dos bens e das atividades a que sua satisfação tendem, excluindo-se de sua esfera o que recai sobre necessidades de ordem ideal”.

Ainda a respeito, Stammler aduz que a doutrina econômica se utiliza deste argumento – afastamento do estudo das necessidades ideais – para tentar transparecer seu caráter de ciência social, que os problemas sobre os quais recai derivam-se do fato de uma convivência humana submetida a regulação, como uma modalidade própria da existência do homem.

Na verdade, o que importa à Economia, enquanto ramo da ciência social, é saber mediante qual cooperação submetida a regras pode o indivíduo valer-se para satisfazer às suas necessidades. O ponto de partida da Economia, para construção de suas doutrinas e pensamentos, deve ser, necessariamente, já que inserida dentro de uma ciência social, a própria existência social humana, ou o que constitui a vida social – e não meramente os atos econômicos do homem por si. Não tendo a economia, por objeto, a cooperação humana para satisfação das necessidades, invariavelmente seu objeto recairá sobre a concepção de homem como ser isolado, ainda que se chegue a tal constatação de modo inconsciente. Contudo, homem enquanto ser isolado é objeto das

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ciências naturais, pois, consoante já visto no pensamento de Stammler, neste estado age-se por instinto.

Passeron critica a afirmação de que o homem “é um animal social”, pois entende não ser possível elaborar uma teoria adequada para as ciências sociais tendo um conhecimento biológico do homem como ponto de partida para dita elaboração.

Assim, não pode a Economia querer, ao mesmo tempo, ser ciência social e estudar o homem enquanto ser isolado, com meras necessidades instintivas e psicológicas. Se quer ser ciência social, a Economia deverá repousar seus estudos sobre o homem enquanto ser social e, aí, “cairá necessariamente sob uma nova condição inarredável: a da regulação exterior”.

Ao explicar os objetos das ciências naturais e das ciências sociais, Stammler afirma o seguinte:

“São dois objetos distintos os que em um ou outro caso se oferecem para investigação: de um lado, as necessidades do indivíduo e os meios técnicos de que para satisfazê-las pode dispor; e de outro lado uma conduta de cooperação sujeita a normas. Este último conceito condiciona-se por um ponto de vista que lhe é exclusivo e peculiar, sem que de modo algum possa concorrer com o primeiro: a regulação exterior que como um querer vinculatório articula os fins dos indivíduos como meios recíprocos de atuação”.

Com isso, Stammler derruba concepções econômicas que tratam de ver como objeto da Economia o homem enquanto ser isolado, detentor meramente de necessidades individuais. Não haveria, então, uma Economia in abstrato, superior, dividida entre a Economia que tem por objeto o homem isolado e a Economia social. Já que a Economia busca mover-se dentro da ciência social, seu objeto deve ser o homem enquanto ser sujeito a regras exteriores que coopera com seus pares para satisfazer suas necessidades. Logo, não pode o homem isolado ser seu objeto de estudo, mais afeto às ciências naturais, pois, do contrário, não se teria um objeto especial que justificasse uma ciência própria.

5. Monismo social

Colocadas as idéias de Direito como forma e Economia como matéria da ciência social, cujo objeto é o estudo do homem enquanto ser que coopera, sob regulação exterior, para satisfação de suas necessidades, Stammler vai apresentar a idéia de monismo social, assim conceituada por ele:

“Por monismo da vida social se entende aqui não apenas a unidade de objeto sobre o qual a ciência social recai, em cuja virtude não se deve simplesmente ver na ordem jurídica e na vida social a forma e a matéria de um objeto único e não duas entidades independentes com existência própria, ainda que influídas reciprocamente de um modo qualquer; sob esta expressão se concebe também a unidade da vida social no sentido de que a dinâmica toda da sociedade humana e, portanto, os fundamentos determinantes das transformações jurídicas, se faz sujeita em seu modo de se manifestar e de atuar à mesma lei última”.

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Essa idéia não passa de uma conseqüência do pensamento até aqui desenvolvido, ainda mais se se tem em mente que não é possível ter uma regulação vazia, uma regulação de nada. Assim, não se pode estudar a Economia social sem estudar o Direito que a rege, nem estudar o Direito sem o objeto por ele regulado.

Pela concepção “stammeleriana”, constitui-se equívoco estudar Direito e Economia social de forma separada, como se fossem dois objetos independentes de investigação. Em outras palavras, a norma jurídica não pode ser analisada de forma independente ao fato concreto, pois é para regulá-lo que ela existe. A própria razão de ser da norma é a regulação de um fato concreto que ela traz em seu bojo.

Diferente situação vê-se na matemática, por exemplo, cujos estudos têm por objeto formas puras e ideais. Assim, atua em separado de toda experiência concreta. Com o Direito, a situação é distinta, não sendo possível atribuí-lo alcance absoluto e substantivo, pois, consoante lição de Stammler:

“a possibilidade de uma cooperação humana para a satisfação de necessidades se fará por força subordinada a suas necessidades efetivas e à capacidade real para satisfazê-las; esta possibilidade se oferece empiricamente no curso histórico da existência humana, varia constantemente, se faz sujeita a movimentos, vacilações e transformações incessantes, sem que pelo que a ela se refere seja possível fazer afirmação alguma com alcance absoluto”.

O Direito atua sobre essas possibilidades de realização da cooperação humana, para alcance de suas necessidades. Na verdade, o Direito regula essas possibilidades. Tais possibilidades somente existem enquanto possíveis de serem realizadas, ou seja, passíveis de se tornarem efetivas no plano concreto. Vê-se, assim, que o objeto do Direito é intrinsecamente ligado com a realidade. Reside aí sua impossibilidade em alçar status de um estudo absoluto e substantivo, livre de qualquer vínculo com a experiência concreta.

Se ao Direito, que não é o fato concreto em si, mas algo que o regula, não é possível afirmá-lo como algo absoluto, muito menos se poderia fazer com a Economia, que é o próprio fato ou, na linguagem de Stammler, é a própria cooperação humana para satisfação de suas necessidades.

Voltando ao Direito, é de se notar que a impossibilidade de dotá-lo de alcance absoluto reside também no fato de que a própria condição humana está constante e necessariamente se transformando, se alterando. Neste sentido, quanto mais afastada da realidade uma norma jurídica, maior o risco desta de perder atualidade e aderência. Stammler, ao discorrer sobre a impossibilidade de se reduzir o Direito a uma unidade de alcance absoluto, é preciso no ponto:

“Enquanto por natureza humana se entende um modo geral e idêntico de propor e perseguir metas, nos homens não se trataria, pois, realmente, de um objeto que pudesse se apresentar dentro de uma unidade com alcance absoluto. E isto porque as qualidades do homem que pretendem se reduzir a uma tal noção se fazem condicionadas necessariamente por dois fatores inconstantes que são impossíveis de se conceber harmonicamente: pelas faculdades subjetivas inatas e pela atuação de infinitas e

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inescrutáveis influências por meio da educação e da cultura, seja espontaneamente ou com sujeição a um plano”.

Pelo exposto, pode-se concluir que, ao passo que a Economia social depende de uma regulação exterior e, em última instância, do Direito em si, este último também depende da Economia enquanto matéria da vida social.

Vê-se uma relação entre todas estas idéias trazidas por Stammler. Tendo-se por objeto de investigação a vida social humana, único objeto que dota a ciência social de um objeto próprio, o Direito assume a forma e a Economia a matéria desta vida social. Sendo os fundamentos determinantes destes dois campos o mesmo, não há que se falar em dualismo, mas sim em monismo da vida social. Logo, não há que se procurar o fim do Direito longe da Economia, nem a base desta longe daquele. A resposta para a Economia não está na análise do homem enquanto ser isolado e racional e regido apenas por leis naturais, nem a gênesis do Direito se encontra num Direito natural absoluto e substantivo. Direito e Economia devem voltar-se um para o outro.

A propósito do Direito natural, não sendo a forma da vida social que lhe dá sentido de unidade, em caráter absoluto, é de se perguntar, então, o que seria, nas palavras do autor alemão, “a lei última que rege a vida social”. A solução é dada nos seguintes termos:

“O que há por cima dos distintos direitos não é um sistema jurídico ideal de conteúdo concreto, ainda que imutável, mas sim unicamente um ponto de vista harmônico para julgar e submeter a crítica todo Direito concebível. E se se saiba chegar a desenvolver, de um modo consciente, qual é a lei última que rege toda vida social, será desde então possível, em cada caso em que a dúvida possa surgir, investigar com base em uma argumentação metodicamente infalível, o que seria o que nesta situação concreta deva estimar-se como o objetivamente justo, tomando por base a lei última da vida social” .

Pode-se entender então que o que dá sentido absoluto ao Direito não é um Direito natural, já que este se distancia da realidade e não tem sob domínio as infinitas variantes da vida social. Por conseguinte, o que está acima dos diversos direitos, regendo seus conteúdos, é um ponto de vista capaz de julgar e criticar estes direitos. Sabendo qual é esse ponto de vista, é possível regular situações concretas de modo justo, ou seja, em acordo com este ponto de vista último. Este ponto de vista recai justamente sobre a forma da vida social, sobre a condição do saber enquanto objeto de investigação.

Embora a regra não exista sem o fato concreto, pois, do contrário, tal regra seria vazia e deixaria de ter razão de ser, é possível estudá-la independentemente da realidade concreta que ela regula. Já com a Economia social acontece situação diferente: por ser o Direito condição lógica do conceito de cooperação humana, não é possível estudar a matéria da vida social – a Economia social – de forma independente da regulação que sobre ela se impõe. Stammler aduz este raciocínio da seguinte forma:

“a norma edilícia, interpretada de um ou outro modo, terá sem dúvida que reger a Economia social, (...) mas a prova de sua exatidão empírica, a realidade de seu conteúdo positivo, em um ou outro aspecto, não se condiciona pela atividade econômica concreta que regula”.

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Diferente situação ocorre na Economia social, que tem por condição de existência lógica o Direito. De posse dessa idéia, perde todo o sentido debater taxas de juros, contratos, funcionamento dos mercados financeiros, por exemplo, sem levar em conta a regulação determinada para cada assunto. Estar-se-ia meramente no plano ideal, não se tratando, portanto, da matéria da vida social, mas sim de técnicas ou de ciências naturais.

Sintetizando o que fora colocado, somente terá a Economia social (cooperação humana para satisfação de necessidades) um objeto próprio de investigação se submetida a uma regulação determinada. Nota-se que não há objeção alguma ao estudo da Economia em seus aspectos técnico-naturais. Somente que tais estudos não terão um objeto próprio, sendo nada além “da aplicação de um saber geral de ciências naturais ou, no máximo, um dos capítulos destas ciências”. E, querendo-se estudar a Economia nestes termos, claro está sua impossibilidade de aplicação e diálogo frente ao Direito e demais ramos da ciência social.

Pelo contrário, se os estudos da Economia social se realizam com base numa regulação determinada, aí sim tem-se um objeto próprio, pois que se distancia das ciências naturais, cuidando, então, da cooperação humana para satisfação de suas necessidades, sob uma regulação. Tal noção reforça ainda mais a concepção monista da vida social. Stammler vai afirmar que “a sociedade humana não se desenvolve em uma vida econômica por si e numa existência jurídica como algo em separado: ordem jurídica e ordem econômica são necessariamente um e o mesmo”.

Em síntese, o objeto da Economia não deve ser o homem (enquanto ser que atua apenas em interesse próprio), suas necessidades ou a Economia in abstrato, mas sim a vida social humana. A Economia deve investigar a realização da vida social do homem. O erro maior dos economistas, no entender de Stammler, é ver a Economia como possuidora de um conteúdo absoluto e ver que, frente à discussão acerca da lei última que rege os movimentos econômico-sociais, a resposta estaria na Economia.

É muito importante que a teoria de Stammler seja entendida nos termos certos. O autor traz essa preocupação no seguinte trecho de sua obra:

“...seria, finalmente, um grande erro de interpretação de nossa doutrina e uma precipitação imperdoável – como alguns materialistas sociais tem feito – que o que esta doutrina tende é fazer ver que o curso da História universal se rege por ‘idéias jurídicas’ ao invés de ajustar-se às circunstâncias econômicas. De modo algum. A única coisa que aqui se afirma é que as circunstâncias econômicas, enquanto supõem relações humanas no seio da vida social, somente podem conceber-se como relações exteriormente reguladas”.

Ademais, outro ponto da teoria “stammeleriana” que merece correto entendimento é aquele com relação ao fato de não haver em seu bojo, consoante já afirmado acima, uma relação causal entre Direito e Economia. Na verdade, há uma interdependência direta destes dois campos, uma vez que o objeto de estudo reside na vida social humana (e somente este pode ser o objeto da ciência social, pois, do contrário, estar-se-ia entrando na seara das ciências naturais). Assim, a relação entre Direito e Economia se dá dentro de um diálogo entre forma e matéria, não sendo uma determinada regulação a causa da Economia regulada.

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6. Conclusões

Dentro das possibilidades de se estabelecer um diálogo entre Direito e Economia, a visão de Rudolph Stammler, autor alemão que escreveu sua obra principal em 1929, se apresenta como aquela que busca uma integração entre estes dois campos, ao contrário, por exemplo, da Análise Econômica do Direito – AED, que aponta a Economia como uma importante ferramenta para o Direito, na medida em que dispõe de mecanismos, tais como a racionalidade e a eficiência, que podem ajudar a se construir leis melhores e mais eficientes.

Rudolph Stammler, ao contrário, buscou ver estes dois ramos do conhecimento como inseridos dentro de um campo maior, que é o campo social, que tem por objeto o homem, enquanto ser social. Estando o Direito e a Economia inseridos dentro do campo social, não há que se falar em autonomia de nenhum destes ramos do conhecimento. Na verdade, o que há é uma influência recíproca, uma integração. O ponto central da teoria social de Stammler está na afirmação de que o Direito cinge-se à forma da vida social, enquanto a Economia é a matéria.

Os materialistas históricos, autores criticados por Stammler, tendem a ver a Economia como fim último da vida social. Nesse sentido, o Direito seria algo subordinado à Economia, visto que esta seria o único fator que guiaria uma sociedade, que a ordenaria. Ademais, entendem que os fenômenos econômicos comportam-se e desenvolvem-se como se leis naturais fossem. Deste modo, abre-se espaço para ver a Economia como uma ciência natural exata. Todavia, é inegável que há uma inversão indesejável nesta concepção, pois o materialista histórico coloca como fim último da vida social os fenômenos econômicos, em detrimento dos ideais humanos, que são o que, realmente, guiariam os homens. Assim, se justiça e bem-estar social são ideais humanos, na verdade não são mais do que meros reflexos da Economia social. A Economia seria o fundamento da vida social, a partir da qual tudo depende, tudo condiciona.

Partindo de uma crítica aos críticos do materialismo histórico, Stammler constrói sua teoria alicerçando-a no conceito de monismo social. A crítica ao materialismo histórico estaria na alegação de que esta corrente de pensamento não esclarece os conceitos fundamentais para a construção de seus princípios. Passa em branco o que sejam fenômenos econômicos, o que seja vida social, o que se entende por dependência do Direito frente a Economia.

Stammler, portanto, ao apresentar sua teoria, traz a noção de regra exterior. Seria a regra exterior o elemento diferencial do conceito de sociedade para o conceito de convivência. Ainda, seria essa mesma regra exterior a característica que dotaria a ciência social de um objeto próprio, sem se assemelhar às ciências da natureza. A regra exterior surge concomitantemente à verificação da existência de duas pessoas associadas. Sendo a história de Robinson Crusoé um mero mito, forçoso concluir que a noção de regra exterior é ínsita à noção de sociedade. Onde houver cooperação humana, haverá esta regra exterior. A regra exterior é a forma da vida social, para Stammler; é condição lógica para se chegar ao conceito de cooperação social humana.

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Ao lado da forma da vida social, que é a regra exterior, há a matéria da vida social, justamente para dar sentido à forma. A matéria da vida social é, portanto, a cooperação humana para satisfação das necessidades humanas. Alinhando os dois conceitos, referida cooperação se regeria por regras exteriores.

Sendo o Direito a forma e a Economia a matéria da vida social, têm-se os elementos necessários para a idéia de monismo social, traduzida na noção de que a dinâmica da vida social se manifesta a uma lei última. Monismo social é também entender a vida social como dotada de unidade. Direito e Economia seriam, portanto, inseparáveis, numa análise da vida social e dos homens, já que a razão de ser de uma norma é a regulação de um fato concreto. O fundamento para estes dois campos é o mesmo, a saber, a vida social humana. Sendo o mesmo fundamento, não há que se falar em autonomia ou independência destes campos. Tendo a ciência social o homem por objeto, deve-se ver Direito e Economia como instrumentos daquela.

Sendo a cooperação humana o objeto da Economia social, esta apenas terá um objeto próprio se submetida a uma regulação determinada, pois, do contrário, não passará de uma técnica ou uma ciência natural. Prevalecendo esta interpretação, claro está sua impossibilidade em dialogar com o Direito.

Não deve haver prevalência da Economia sobre a vida social, nem uma história universal que se regeria pelo Direito. Na verdade, há um diálogo entre Direito e Economia, diálogo este cujo assunto é o homem enquanto ser social, que coopera com seus pares, sob uma regulação exterior, para a satisfação de suas necessidades.

Embora a teoria de Stammler não seja a única para explicar as relações entre Direito e Economia, dela se depreende a idéia de que qualquer coisa que tenha participação de mais de um homem deve ser regulado, sejam trocas comerciais, seja relações familiares, seja o mercado, ainda que situado no ambiente da mais livre concorrência. A noção de regra, portanto, seria ínsita à existência do homem.

Desta forma, a noção de monismo social de Rudolph Stammler pode ser aplicada aos dias de hoje, principalmente no que se refere à regulação de mercados. Esta regulação, contudo, não necessariamente precisa ser uma regra jurídica, lei positiva. O que não se pode afirmar é uma total e completa ausência de regra, visto que, tal anomia somente é possível se se concebe o homem como ser isolado.

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STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, pp. 13-14.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 14.

A outra conclusão não chega Pércio Arida: “A pesquisa em Direito, ao iluminar a historicidade das normas, pode também aqui interagir de forma profícua com a pesquisa econômica na busca das maneiras pelas quais a sociedade pode amadurecer”. ARIDA, Pércio. A pesquisa em Direito e em Economia: em torno da historicidade da norma. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito & Economia – análise econômica do Direito e das organizações. 1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 71.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 23.

7071

Há autores com visões interessantes acerca da função do Direito dentro da vida social: “Na empresa científica o advogado docente tem a vantagem de seu domínio do direito e dos materiais jurídicos; mas outros campos, como a história, psicologia, ciência política, sociologia, antropologia e economia desempenham também um papel importante. O direito como fenômeno social não é terreno exclusivo de nenhum departamento ou disciplina”. KITCH, Edmund W. Los fundamentos intelectuales del análisis económico del derecho. In: ROEMER, Andrés. Derecho y economía: una revisión de la literatura. México: Fondo de cultura económica, 2000, p. 53.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 24.

POSNER, Richard A. La decadencia del derecho como disciplina autónoma: 1962-1987. In: ROEMER, Andrés. Derecho y economía: una revisión de la literatura. México: Fondo de cultura económica, 2000, p. 104.

Érica Gorga, ao estudar a possibilidade de se aplicar as idéias da Law & Economics aos países de tradição da civil law, ressalta a importância de se levar em conta características outras que não as meramente econômicas, pois são várias as características que influem num ordenamento jurídico determinado. Afirma a autora que: “Essas considerações demonstram a importância do estudo de fatores históricos, sociais e culturais, os quais produzem efeitos sobre a eficiência do ordenamento jurídico. Normas informais ou normas sociais chegam muitas vezes a prevalecer sobre o direito estatal, devendo, portanto, ser incorporadas na análise sobre a eficiência de determinado ordenamento jurídico”. GORGA, Érica. Tradições do Direito. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito & Economia – análise econômica do Direito e das organizações. 1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 179.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 25.

Sendo os fenômenos econômicos naturais, basta à Economia tratar os dados, dados estes que, embora relacionados ao que é humano, poderiam ser objetivos, mensuráveis e quantificáveis. Ao tentar a Economia buscar soluções em comportamentos ditos racionais, calculáveis e previsíveis, erige-se ao status de ciência. Segundo Omar Aktouf: “A economia transformada em ciência tinha a obrigação de não mais se desviar de seu caminho ao tentar colocar-se questões de ordem moral. A economia transformada em ciência tem como dever constatar e medir, tem como obrigação ‘dar conta do real sem erro’, como afirma um Karl Popper a respeito das ciências em geral”. AKTOUF, Omar. Pós-globalização, administração e racionalidade econômica – A síndrome do avestruz. São Paulo: Atlas, 2004, p. 67. Contudo: “Diferentemente do cálculo das probabilidades que a ciência constrói metodicamente, com base em experiências controladas e a partir de dados estabelecidos segundo regras precisas, a avaliação subjetiva das chances de sucesso de uma ação determinada numa situação determinada faz intervir todo um corpo de sabedoria semiformal, ditados, lugares-comuns, preceitos éticos e, mais profundamente, princípios inconscientes do ethos, disposição geral e transponível que, sendo o produto de um aprendizado dominado por um tipo determinado de regularidades objetivas, determina as condutas ‘razoáveis’ ou ‘absurdas’ (as loucuras) para qualquer agente submetido a essas regularidades”. BOURDIEU, Pierre. Sociologia. 1. Ed. São Paulo: Ática, 1983, pp. 62-63.

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STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 26.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 30.

Deve ser anotado que a análise ex post não é isenta de críticas. Gordon Tullock, citado por Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi “argumenta que a análise do Direito & Economia pode tornar o direito eficiente no sentido ex ante e em termos de grandes números, todavia trata-se de uma eficiência que pode não ser observada ex post e em casos individuais. Por exemplo, não raro o resultado final da aplicação do direito não depende apenas da legislação substantiva, mas também dos procedimentos adotados e do fato de se contar com bons advogados. Para Tullock, a pressuposição sobre a abrangência das prescrições de Direito & Economia foi longe demais e é necessário reconhecer certos limites à sua aplicabilidade”. PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 92.

KORNHAUSER, Lewis A. El nuevo análisis económico del derecho: las normas jurídicas como incentivos. In: ROEMER, Andrés. Derecho y economía: una revisión de la literatura. México: Fondo de cultura económica, 2000, p. 31.

BOURDIEU, Pierre. Sociologia. 1. Ed. São Paulo: Ática, 1983, p. 63.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 57.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 64.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 68.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 78.

Por regras sociais (exteriores), Stammler não quer dizer regras instituídas pelo Estado, muito menos regras jurídicas. Assim, entram no conceito de regras sociais também os hábitos e usos sociais, tais como as regras de etiqueta. STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 80.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 79.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 86.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 90.

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Para Aristóteles, lembrado por Omar Aktouf, “o homem foi feito para viver junto, enfatizando ainda, em certos textos: em estado de comunidade. É, sem dúvida alguma, em virtude de tal definição, que a ‘política’, para Aristóteles, consiste, antes de tudo, em ‘organizar e manter o estado de amizade entre os cidadãos’”. Aktouf, quando da sua proposta de humanismo, principalmente no que refere à relação do homem com a empresa para a qual trabalha, vai basear-se em Aristóteles, Weber e Marx, cujos pensamentos, embora de modos diferentes, concluem para a “natureza sociocomunitária inamovível do homem”. AKTOUF, Omar. Pós-globalização, administração e racionalidade econômica – A síndrome do avestruz. São Paulo: Atlas, 2004, p. 58 e p. 214.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 93.

Do entendimento de que a regra exterior é condição lógica e formal no conceito de lei da vida social, decorrem três advertências, feitas por Stammler: (i) esse conceito de regra exterior não implica numa organização em forma de Estado. O Estado não passa de uma dentre várias possibilidades de modalidades de vida social; (ii) a função lógica que a regra exterior desempenha não é precisamente uma função causal. Não há interesse em saber como a sociedade humana se formou, nem a origem dos povos; importa saber sob quais condições lógicas pode-se estudar a convivência humana como objeto de uma ciência social; e (iii) não há grau de transição entre o modo de vida de total isolamento para a vida social. STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, pp. 96-97.

BOURDIEU, Pierre. Sociologia. 1. Ed. São Paulo: Ática, 1983, pp. 129-130.

“Acredito que ninguém descreveu melhor do que John Kenneth Galbraith os processos, de resto bastante triviais, que nos levaram da filosofia social (filosofia que marcou todas as primeira incursões intelectuais relativas à economia e às relações sociais que com ela têm conexão, de Rousseau aos clássicos – de Adam Smith, John Suart Mill, David Ricardo até, em particular, Karl Marx) à pretensa ciência econômica, assepsiada e expurgada de todas as questões de finalidade e de ética, definitiva e oportunamente desqualificada por não-cientificidade. Foi ao redor do último terço do século XIX, explica Galbraith, com a escola dita neoclássica e sua encarniçada obsessão por imitar as grandes ciências – notadamente a Física –, que se começou a assistir a um matematicismo exagerado do pensamento econômico que iria servir propriamente a sua obliteração”. AKTOUF, Omar. Pós-globalização, administração e racionalidade econômica – A síndrome do avestruz. São Paulo: Atlas, 2004, pp. 64-66.

Vale notar que a “matematização”, para alguns, é decorrência do fato de a economia ter adotado, no passado, um marco uniforme para seu campo. Nesse sentido, afirma Reuven Brenner: “que o trabalho publicado recentemente em economia se ocupe de uma variedade mais reduzida de temas que no passado, que a análise seja mais complexa matematicamente e que se usem mais os métodos quantitativos, são traços característicos de um campo quando um enfoque uniforme começa a ser dominante”. BRENNER, Reuven. Economía: una ciencia imperialista? In: ROEMER, Andrés. Derecho y economía: una revisión de la literatura. México: Fondo de cultura económica, 2000, p. 95.

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Crematística é “a acumulação de meios de aquisição em geral, (...) no sentido de acumulação da moeda pela moeda”, ou “a prática crematística consiste em colocar a perspectiva financeira, ou mais exatamente a procura da maximização da rentabilidade financeira (acumulação de numerário) antes de qualquer outra coisa (em duro detrimento, se necessário, dos seres humanos e do ambiente)”. AKTOUF, Omar. Pós-globalização, administração e racionalidade econômica – A síndrome do avestruz. São Paulo: Atlas, 2004, pp. 58-59.

“Não obstante, para esmagar na origem qualquer discussão, em geral os economistas do neoliberalismo invocam com grande arrogância a cientificidade de seu discurso. Assim, eles usam e abusam do que eu chamo de ‘argumentos de força’, argumentos cujo autoritarismo está dissimulado debaixo de uma aparência de ciência – de matemática, de biologia, de psicologia – para poder apresentar esses argumentos como verdades irrefutáveis”. AKTOUF, Omar. Pós-globalização, administração e racionalidade econômica – A síndrome do avestruz. São Paulo: Atlas, 2004, p. 46.

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CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. 25. Ed. São Paulo: Cultrix, 2005, pp. 181-182.

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STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 107.

Stammler chega a afirmar que “estes fenômenos não existiriam de modo algum como fenômenos sociais, se não mediasse a condição desta determinada ordem social. A esta é a quem os fenômenos sociais devem sua existência, pois a regulação da vida social tem lugar mediante a atuação sobre os diferentes indivíduos, membros da comunidade”. STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la historia. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 279.

Não necessariamente as regras jurídicas serão sempre fruto de um poder do Estado. Stammler anota que, por muito tempo, houve regras editadas pela Igreja, e há muitas regras de cunho jurídico que se sobrepõem aos Estados, tais como algumas de Direito Internacional. STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 110.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 113.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 119.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 120.

Stammler dá o exemplo da construção de uma ferrovia nas montanhas da Suíça. Se é possível do ponto de vista natural e técnico, pouco importa à regulação jurídica, pois

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não há regra exterior determinada pelo homem que possa influenciar-se sobre questões naturais. Assim, não entra na análise jurídica se o trem não deve ser construído porque a região é suscetível de avalanches ou porque não há conhecimento suficiente sobre engenharia para construção de trilhos acima de determinada altitude. Importa, para a regulação jurídica, enquanto reguladora de relações humanas, se a construção é rentável para a empresa, se há disposição constitucional que autoriza a construção e exploração da ferrovia. Stammler afirma: “mas que a possibilidade natural e técnica que se ofereça para a construção da ferrovia se faça sob a influência da regulação jurídica é algo inconcebível”. STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 121.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 122.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 125.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 129.

PASSERON, Jean Claude. O raciocínio sociológico. 1. Ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2005, p. 29.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 133.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 134.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 137.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la historia. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 292.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 158. Não sendo, portanto, dois objetos distintos, mas sim duas partes do mesmo, não há que se falar em influência causal entre Direito e Economia, como uma relação de causa e efeito. Para haver relação de causa e efeito, deve-se ver Direito e Economia como ramos que gozassem de existência independente, como dois objetos distintos. Contudo, tomando por objeto de investigação a vida social humana, cai por terra qualquer esforço no sentido dessa separação.

Stammler vai partir sua análise da concepção monista da vida social de uma crítica ao Direito natural, teorizada como o Direito que tem alcance incondicionado e absoluto. Stammler afirma: “não procediam devidamente os antigos juristas ao seguir as pegadas de um determinado Direito com transcendência absoluta; mas seus esforços teriam sido justificados se, ao invés de tender a descobrir este sistema imutável, houvessem proposto investigar um Direito natural de conteúdo variável: é dizer, regras jurídicas tais

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quais aquelas que sob circunstâncias condicionadas empiricamente contivessem o Direito teoricamente justo”. STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 166.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 159.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 162.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 168.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 168.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 170.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 173.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 176.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 194.

STAMMLER, Rudolph. Economia y derecho según la concepción materialista de la história. 4. Ed. Madrid: Editorial Réus, 1929, p. 197.