rubens barrichello um perfil de campeão · 2013-02-06 · ... marcar pontos, conquistar um pódio,...

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Primeiro Rubens Barrichello falou-nos dos automóveis e do trânsito caótico das ruas de Istambul. São os ‘ossos do ofício’ de um piloto ou o olhar tendencioso de um homem que aos seis anos já estava ‘contaminado pela velocidade’. Só depois falou da carreira, das vitórias e das desilusões. Na pista guia-se pelo contra-relógio, na vida aguarda tranquilamente pela conquista do título de campeão mundial da Fórmula 1. ENTREVISTA Vanda Jorge: Está de regresso ao Grande Prémio da Turquia e a uma cidade que o encanta... Rubens Barrichello: Esta é uma das cinco provas que faltam para completar o Grande Prémio. É uma prova muito difícil até porque está muito calor, mas o circuito é muito seguro e a pista, ape- sar de desgastante fisicamente, é muito emocio- nante e um desafio para qualquer piloto porque permite muitas ultrapassagens. Como piloto tenho pouco tempo para conhecer a cidade mas o pouco que vi, gostei muito. De certa forma, Istambul é semelhante a São Paulo com todo este trânsito, e esta ponte que divide a Europa da Ásia é uma coisa inédita, é natural que vejamos tantos turistas nas ruas. VJ: Fala no desafio que este circuito representa, mas como piloto há algum circuito mais mítico para si? RB: Pessoalmente gosto muito de Silverstone, em Inglaterra. É um Grande Prémio especial onde já venci na Fórmula 1, na Fórmula 3 e na Fórmula Opel. Sem dúvida que é um circuito que me traz boas memórias. VJ: Memórias diferentes daquelas de quando decide deixar o Brasil e entrar no circuito profissional na Europa. Mostrou desde logo um perfil de campeão... RB: A minha primeira viagem para a Europa, sozinho e com apenas 17 anos, ainda sem carta de condução e a ter que depender de outras pes- soas foi, sem dúvida, um momento muito difícil para mim. Fui sempre uma pessoa com uma for- te ligação à família, passei muito tempo, como se diz no Brasil, “na bainha da calça do meu pai”, e quando me vi sozinho, obrigado a pagar contas, a ter que lavar a roupa, tudo junto foi um choque para mim. Por momentos chega-se a pensar em desistir, mas quando começava a conduzir, todos os receios desapareciam. VJ: Hoje já consegue que a sua família faça parte quase do staff que viaja consigo? RB: Nem sempre é fácil porque o meu filho Eduardo tem cinco anos e já anda na escola e o Fernando tem apenas 11 meses, por isso é que é um sentimento tão bom o de regressar a casa e estar com eles. Quando é possível viajam comi- go, ou então viaja só a minha mulher, por exem- plo, este ano já esteve comigo nas provas na Ma- lásia e no Barein. VJ: Quem deve vibrar com o ambiente dos bastidores dos circuitos é o seu filho Eduardo que, ao que pare- ce, herdou os ‘genes da velocidade’... RB: Quando o vi conduzir um Kart fiquei muito emocionado e é engraçado que como pai sinto-me mais apreensivo quando ele está a trepar uma ár- vore ou a jogar futebol ao fim do dia do que quan- texto Vanda Jorge > fotos Nuno Correia ¥ Istambul - Turquia «A primeira vitória foi a que mais me marcou. Estava a 10 voltas do final quando começou a chover, foram todos à boxe e eu fiquei na pista com pneus para piso seco. Chamavam-me através do rádio e diziam que eu era louco, mas eu achava que ia perder muito tempo a trocar de pneus. E assim ganhei a minha primeira prova.» Rubens Barrichello ESPIRAL DO TEMPO > 35 Um perfil de campeão Rubens Barrichello

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Primeiro Rubens Barrichello falou-nos dos automóveis e do trânsito caótico das ruas de Istambul. São os ‘ossos do ofício’ de um piloto

ou o olhar tendencioso de um homem que aos seis anos já estava ‘contaminado pela velocidade’. Só depois falou da carreira, das

vitórias e das desilusões. Na pista guia-se pelo contra-relógio, na vida aguarda tranquilamente pela conquista do título de campeão

mundial da Fórmula 1.

ENTREVISTA

Vanda Jorge: Está de regresso ao Grande Prémio da

Turquia e a uma cidade que o encanta...

Rubens Barrichello: Esta é uma das cinco provasque faltam para completar o Grande Prémio. Éuma prova muito difícil até porque está muitocalor,mas o circuito é muito seguro e a pista, ape-sar de desgastante fisicamente, é muito emocio-nante e um desafio para qualquer piloto porquepermite muitas ultrapassagens. Como pilototenho pouco tempo para conhecer a cidade maso pouco que vi, gostei muito. De certa forma,Istambul é semelhante a São Paulo com todoeste trânsito, e esta ponte que divide a Europa daÁsia é uma coisa inédita, é natural que vejamostantos turistas nas ruas.

VJ: Fala no desafio que este circuito representa, mas

como piloto há algum circuito mais mítico para si?

RB: Pessoalmente gosto muito de Silverstone, emInglaterra.É um Grande Prémio especial onde jávenci na Fórmula 1, na Fórmula 3 e na FórmulaOpel. Sem dúvida que é um circuito que me trazboas memórias.

VJ: Memórias diferentes daquelas de quando decide

deixar o Brasil e entrar no circuito profissional na

Europa. Mostrou desde logo um perfil de campeão...

RB: A minha primeira viagem para a Europa,sozinho e com apenas 17 anos, ainda sem carta

de condução e a ter que depender de outras pes-soas foi, sem dúvida, um momento muito difícilpara mim. Fui sempre uma pessoa com uma for-te ligação à família, passei muito tempo, como sediz no Brasil, “na bainha da calça do meu pai”, equando me vi sozinho, obrigado a pagar contas,a ter que lavar a roupa, tudo junto foi um choquepara mim. Por momentos chega-se a pensar emdesistir, mas quando começava a conduzir, todosos receios desapareciam.

VJ: Hoje já consegue que a sua família faça parte

quase do staff que viaja consigo?

RB: Nem sempre é fácil porque o meu filhoEduardo tem cinco anos e já anda na escola e oFernando tem apenas 11 meses, por isso é que éum sentimento tão bom o de regressar a casa eestar com eles. Quando é possível viajam comi-go, ou então viaja só a minha mulher, por exem-plo, este ano já esteve comigo nas provas na Ma-lásia e no Barein.

VJ: Quem deve vibrar com o ambiente dos bastidores

dos circuitos é o seu filho Eduardo que, ao que pare-

ce, herdou os ‘genes da velocidade’...

RB: Quando o vi conduzir um Kart fiquei muitoemocionado e é engraçado que como pai sinto-memais apreensivo quando ele está a trepar uma ár-vore ou a jogar futebol ao fim do dia do que quan-

texto Vanda Jorge > fotos Nuno Correia ¥ Istambul - Turquia

«A primeira vitória foi a que

mais me marcou. Estava a 10

voltas do final quando começou

a chover, foram todos à boxe e eu

fiquei na pista com pneus para

piso seco. Chamavam-me através

do rádio e diziam que eu era

louco, mas eu achava que ia

perder muito tempo a trocar de

pneus. E assim ganhei a minha

primeira prova.»

Rubens Barrichello

ESPIRAL DO TEMPO > 35

Um perfil de campeãoRubens Barrichello

do está a conduzir. Se for essa a vontade serei umgrande apoiante, neste momento ele já conhecetoda a gente na Fórmula 1, e com quatro anosliga-me a dar conselhos para as provas.

VJ: O percurso é em tudo semelhante ao seu que

também se deixou fascinar pelo Kart em criança...

RB: Tinha seis anos quando recebi o meu pri-meiro Kart e em menos de dez minutos estava acorrer na pista, foi amor à primeira vista. E é en-graçado que o meu filho mais velho pede-mepara lhe contar as histórias de quando eu era pe-queno e o que fazia com o meu Kart, ainda hádias lhe mostrei as fotos dessa altura.

VJ: Em 1993, quando chegou à Formula 1, traçou na

altura vários objectivos: marcar pontos, conquistar

um pódio, vencer e conquistar um titulo de campeão

mundial. Alterou os seus objectivos?

RB: Os objectivos são os mesmos. Já tenho 9vitórias, 13 pole positions, ou seja, consegui ter osobjectivos sempre em dia, só ainda não venci ocampeonato do mundo.Temos ainda três ou qua-tro anos para que isso aconteça, porque o maiorsonho do mundo é ser campeão mundial de Fór-mula 1. Esse é um sonho que acho que pode seratingido, há algumas dificuldades sempre porquenão é só uma corrida, são 16 ou 17, e dependetambém do ano, mas acho que é possível.

VJ: Quando entra na Ferrari criam-se muitas expecta-

tivas à sua volta mas os resultados não foram os me-

lhores. Saiu desiludido?

RB: Na vida podemos ter uma forma positiva ounegativa de olhar para as situações. Prefiro acre-ditar que a minha vida na Ferrari foi 99% muitopositiva, e que até as experiências mais frustran-tes me fizeram crescer e ser um piloto e um serhumano melhor. Muita gente na minha situaçãotalvez dissesse que tudo foi negativo.

VJ: Algumas das críticas prendiam-se com o facto de

ter desaparecido o Ayrton Senna e olharem para si

como um sucessor. Lidou bem com essa pressão?

RB: Lidei bem até um certo ponto, porque sepensarmos, eu tinha apenas 22 anos quando o

Ayrton morreu. O meu pai sempre me disse paraeu dar “tempo ao tempo”, mas eu queria muitoconquistar títulos para o Brasil, mais do que paramim. Sofri muito durante bastante tempo atéentender porque é que eu estava ali: eu estava aliporque amava o desporto. Quando pus de ladoessa pressão tudo começou a fluir naturalmente.

VJ: No Brasil parece haver uma pré-disposição genéti-

ca para os pilotos com sucesso no mundo automóvel:

Ayrton Senna, Nelson Piquet, Felipe Massa, o Rubens.

Encontra alguma explicação?

RB: É difícil responder a essa questão até porquese falam em muitas hipóteses. O karting no Bra-sil é muito forte o que faz com que os pilotos jásejam fortes quando saem do País. Mas há tam-bém quem diga que o trânsito do Brasil, que é deloucos,nos torna bons pilotos.Pessoalmente acre-dito mais no Kart. (Risos)

VJ: A Fórmula 1 reúne uma importante fasquia do in-

vestimento em marketing desportivo. O piloto chega

a abstrair-se das pressões motivadas pelo negócio

que se gera neste desporto?

RB: É um exercício que tem que ser feito e achoque até nos saímos muito bem. Mas quando seestá na Ferrari sabemos muito bem o que signifi-ca o valor da pressão, mas também é uma coisaque acontece muito naturalmente.

VJ: E a competição em pista permite desenvolver

amizades na Fórmula 1?

RB: Eu sou uma pessoa que faz muitos amigos,não gosto de inimizades e acho que o perdão ésempre a alma do negócio. Mas a Fórmula 1 éum mundo complicado e nem todos são amigos.Tenho conversas com muita gente mas só souamigo de dois ou três pilotos como o FelipeMassa, o David Coulthard e o Jenson Button.Dou-me bem com Fernando Alonso e com opróprio Tiago Monteiro também tenho uma boarelação.

VJ: Voltou a encontrar um amigo como o Ayrton?

RB: O Ayrton foi sempre uma pessoa especial epor quem eu me guiava. Foi uma pena ter desa-

«É uma honra poder fazer parte

da família Audemars Piguet.

Para mim este é um dos

relógios mais bonitos e espero

mostrar o nosso relógio no

pódio quando levantar o braço

para comemorar as vitórias.»

Rubens Barrichello

Rubens Barrichello

36 < ESPIRAL DO TEMPO

Qualquer peça criada e produzida pela Audemars Piguet

dispensa apresentação. No entanto estes especialíssimos

modelos do clássico Royal Oak Offshore Chrono são o sublimar

da perícia, do design e da qualidade de manufactura que

poucas marcas no mundo conseguirão igualar.

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parecido tão cedo porque ele teria feito muitopelo automobilismo. Conhecemo-nos em 1987 efoi o Ayrton que me ajudou a chegar ao Mundialde Kart. Na altura apresentou-me a equipa emque corria e ficámos amigos até 1994.

VJ: Apesar de toda a inovação dos automóveis e da

electrónica, o piloto continua a ser uma peça funda-

mental na Fórmula 1. O que faz falta a um piloto?

RB: Um piloto não pode ser só agressivo ou calmo,ele precisa de ter cada uma destas posturasno momento certo. Tem que ter ambição e aomesmo tempo saber que pode chegar lá. Julgoque a Fórmula 1 não é para todos, é para pessoasespeciais e eu sinto-me muito especial por láestar.

VJ: Há quem defenda que, por exemplo, um nórdico

que tem aquele sangue frio, será um piloto diferen-

te, por exemplo do Rubens, que é brasileiro e tem as

emoções mais à flor da pele? Essas diferenças sen-

tem-se realmente na pista?

RB: Eu acredito que com o tempo se aprende aser uma pessoa fria e calculista porque, de facto,a Fórmula 1 requer essa frieza. Mas não conside-ro que um nórdico seja melhor que um brasi-leiros só por isso. Aprende-se a dosear, no iníciohá diferenças culturais mas no final de contasacabamos por ser parecidos.

VJ: Já se vai habituando a viver na Europa, longe do

Brasil.

RB: O Mónaco é onde passo a maior parte dotempo. Em Portugal estou basicamente entreJaneiro e Fevereiro e depois entre Setembro eOutubro. Alugo sempre uma casa no Algarvepara estar com a minha família. É óptimo falar-mos a mesma língua, nas lojas os produtos sãomuito parecidos com os brasileiros, e além dissoestamos apenas a 8 horas do Brasil o que é muitobom. As praias são óptimas e aproveito semprepara ir visitar o meu amigo Gigi.

VJ: E vai também fazendo carreira no golfe...

RB: É uma das minhas paixões actuais. Descobrio golfe apenas há cinco anos o que já é um pouco

tarde. Os meus sogros já jogavam e confesso queachava que era um desporto de velhos. Descobrique é completamente o contrário, é um desportodivino, quando acerto numa bola sinto a veloci-dade do carro.

VJ: E o stress da competição, passa com um jogo de

golfe ou com uma performance de Karaoke ?

RB: Hoje em dia o que me alivia mais o stress ésem dúvida o golfe. Mas no Brasil cantamos mui-to e o karaoke já faz parte das festas e das reuniõesde família. A minha voz não é das melhores masquando bebo uma ‘caipirinha’ ela revela-se.

VJ: Esta parceria com a Audemars Piguet surge na

sequência de uma paixão antiga...

RB: É uma paixão que surgiu quando comecei aguiar os karts e depois a viajar pelo mundo. Aper-cebi-me que gostava cada vez mais de relógios e jánão só para ver as horas mas por gostar de olharpara o pulso e ver um objecto bonito. Há muitotempo que gostava da Audemars Piguet, o meuamigo Juan Pablo Montoya tinha um Royal Oake confesso que eu tinha inveja. (risos). Quandosoube que o Juan Pablo Montoya, que era um dos embaixadores da marca ia mudar para a Mc-Laren e deixar de ser um dos rostos da Audemars,pedi-lhe o contacto e liguei para Georges-HenriMeylan a propor uma parceria porque era fã desterelógio. No fundo continuei o processo iniciadopelo Juan Pablo.

VJ: Parece ser uma tendência para ficar, esta ligação

entre a relojoaria e a mecânica automóvel...

RB: Os dois mundos cruzam-se provavelmentena forma complexa de funcionamento de umrelógio e também porque cada vez mais temosrelógios com um carácter desportivo. Há relógioscom um perfil mais social mas, por exemplo, esteAudemars Piguet com a minha assinatura reflec-te muito bem o que eu estava a dizer, inspira-seem pormenores do meu carro de Fórmula 1,na parte dianteira, traseira e também no travão.Estou muito orgulhoso do resultado, o interior émuito mais complexo que o exterior, o que acon-tece também na Fórmula 1. ET

Georges-Henri MeylanCEO Audemars Piguet

O Royal Oak Offshore Rubens Barrichello foi uma

das peças que abrilhantou a edição deste ano do

Salão de alta-relojoaria de Genebra. Na altura, os

comentários e os pedidos de encomenda justifi-

cavam-se pelo nível de complexidade do relógio

e pelo preciosismo com que cada detalhe fora

pensado. É uma versão mais forte, desafiadora e

ainda mais masculina. A moda tem ditado reló-

gios grandes e, por isso, fizemos um relógio de

grandes dimensões e uma linha mais provocado-

ra» explica Georges-Henri Meylan. Segundo o CEO

da Audemars Piguet, o novo cronógrafo é lançado

numa série limitada a 1650 peças e conhece três

versões diferentes: 1000 peças em titânio; 500

peças em ouro rosa de 18 quilates e um terceiro

modelo de 150 peças em platina. «É assumida-

mente um relógio desportivo e as características

de design dos botões de cronógrafo e dos

próprios parafusos, a cerâmica ultra resistente e

anti-choque da luneta, ligam-no à Fórmula 1»

explica Georges-Henri Meylan. Este elegante

cronógrafo com um mostrador desportivo, que

deixa a descoberto o movimento, é segundo o

responsável da marca «um relógio destinado aos

amantes da Fórmula 1 e também amantes da

bela relojoaria». Segundo o CEO da marca, os

valores que estiveram presente no momento

da fundação da manufactura – tradição, excelên-

cia e audácia – ainda hoje estão presentes na

Audemars Piguet. E são esses mesmos valores

que a aproximam de Rubens Barrichelo. «O

Rubens pediu-nos que o dinheiro que lhe deve-

ríamos dar, já que ele é embaixador da marca,

fosse entregue a uma fundação que ele criou para

ajudar na formação profissional de jovens brasi-

leiros, e há também algum dinheiro das vendas

do relógio que vai ser entregue à mesma fun-

dação» adiantou Georges-Henri Meylan.

Rubens Barrichello

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