o campeão do centenário

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www.jc.com.br/maisesportes » maisesportes Recuperação é um sonho de R$ 3,5 mi A grandiosidade do América Futebol Clube pode ser recuperada com um terre- no de seis hectares e R$ 3,5 milhões na conta bancária. O cálculo faz parte do planejamento da atual diretoria para a comemoração do ano de centená- rio de fundação, em 2014. Um pre- sente na Região Metropolitana do Recife com dois campos em boas condições para treinamentos, um prédio administrativo, um aloja- mento para 30 jogadores e, o mais imponente de todos, o estádio que o Mequinha nunca possuiu. O traba- lho de captação de recursos para tirar o sonho do papel já está na rua, baten- do à porta de possíveis patrocinadores, parceiros e simples colaboradores. A preocupação com a construção de estádios não era prioridade das equipes pernambucanas, assim como no restante do Brasil, no início do século passado. Os confrontos limitavam-se mesmo ao gra- mado. Tanto que o primeiro registro de es- tádio particular no Recife que se tem notí- cia data de 1937, quando o Sport inaugu- rou um pedacinho do que se transforma- ria na atual Ilha do Retiro. Só ganharam em importância, tanto do ponto de vista do orgulho quanto como fonte de recur- sos, quando o América já estava quebra- do. “Perdemos esses terrenos aqui do lado da sede. Dava para fazer um estádio”, la- menta Teófilo. O América atuou como mandante nos campos do British Club, dos Aflitos, do Derby, da Jaqueira e de diversos outros lo- cais. “O mais difícil de conseguir é o terre- no. Estamos em negociação com uma pre- feitura, mas não posso revelar o nome ain- da para ninguém achar que estamos pres- sionando, ou evitar precipitações. Tam- bém, se não conseguirmos com essa pre- feitura, procuraremos outra. E, se não re- cebermos o espaço, não tem problema. Nem que tenhamos de comprar, vamos dar um jeito de tocar esse projeto”, garan- te o presidente Sérgio Serpa. Alexandre Mirinda, de 56 anos, enge- nheiro civil e filho do ex-presidente José Augusto Moreira, calcula que o patrimô- nio físico do América em Casa Amarela va- lha cerca de R$ 5 milhões. “De fato, va- le um bom dinheiro. Mas é difícil transformar aquilo tudo em ativo financeiro porque, embora a locali- zação seja privilegiada, as possibilida- des construtivas naquele terreno são bastante restritas, por causa da legis- lação atual. Seria preciso, por exem- plo, um recuo muito grande por con- ta da proximidade com o Sítio da Trindade”, explica Mirinda, que é conselheiro do América, conselheiro benemérito do Santa Cruz e também ex-presidente do tricolor do Arruda. Serpa aposta no produto de mar- keting que o Campeão do Centená- rio pode representar para atrair par- ceiros. “Não estamos oferecendo um produto qualquer. Temos muita tradi- ção e história para contar. Talvez eu morra sem conseguir ver o clube entre os grandes novamente. Mas espero, pe- lo menos, deixar a minha contribuição com o caminho bem traçado para que isso possa ser realizado por outras gera- ções de americanos.” (R.C.) A fundação em abril de 1914 foi como João de Barros Futebol Clube, em alusão à rua onde ficava a primeira sede. Pouco mais de um ano depois, em agosto de 1915, a diretoria optou pela mudança. Como América Futebol Clube, a agremiação disputou a hegemonia do Campeonato Pernambucano com o Sport até a década de 1940. O clube que carregava a marca da disciplina chegará a 2010 vivo, mas mantém a grandeza apenas em memórias materiais e na lembrança dos mais velhos. O Campeão do Centenário fecha a série Quatro Campeões. Design: Yana Parente e Gustavo Correia Fotos: Rodrigo Lôbo/JC Imagem Tratamento de imagens: Alexandre Lopes, Claudio Coutinho e Jair Teixeira MEMÓRIA Teófilo é o guardião das relíquias do América Rafael Carvalheira [email protected] Marcos Leandro [email protected] O América sobreviveu ao tempo. Permaneceu em atividade estes anos todos. Mas apenas subsiste. Carrega o nome, as cores, a mas- cote. Para por aí. O time de futebol está distante do Recife. Vinculado a uma parceria com a Prefei- tura de Vicência, na Zona da Mata Norte, a 75 km da capital. O América de verdade já não está entre nós. O clube de João Cabral de Melo Neto, de De- quinha e dos irmãos Moreira; campeão no ano do Centenário da Independência do Brasil, Campeão da Disciplina, seis vezes campeão pernambucano; um dos mais glamourosos clubes da história do fu- tebol brasileiro; o Mequinha de seu Teófilo mor- reu e talvez nem tenha se dado conta. “Tá arrumadinho ou não tá? E tá tudo limpi- nho”. Quem fala é o próprio Teófilo Sérgio da Sil- va, de 85 anos, que cuida orgulhoso das lembran- ças espremidas em uma das salas da sede da Estra- da do Arraial. O casarão verde está alugado há 12 anos para um colégio particular. “Alugamos par- cialmente, porque ainda temos a nossa intimida- de”, diz o atual presidente do clube, o representan- te comercial Sérgio Serpa, de 63 anos. A “intimida- de” resume-se a dezenas de taças, documentos, fo- tografias e uma grande mesa que servia à direto- ria em encontros e eventos importantes. Quase não há espaço para se movimentar no ambiente. Guardião das memórias do América, Teófilo es- tá ligado ao clube desde 1950. “Meu pai era muito bem de vida e me deixou herança. Investi muita coisa aqui no América. Se pudesse pegar em di- nheiro, faria tudo novamente”, garante, ao lado do fiel escudeiro. Com 40 anos de Mequinha, Or- lando de Souza, de 74 anos, completa a dupla de funcionários. “Isso é um funcionário de luxo. Nunca se afastou”, elogia, entre uma demão e ou- tra de Basso, marca do produto utilizado para po- lir os troféus. “Nunca quis ser presidente. A minha vida é zelar pelo patrimônio do América. Minha paixão é isso aqui.” O patrimônio atual foi fruto do respiro derradei- ro de grandiosidade que o clube deu. Embora te- nha confirmado o último título em 1944, o alviver- de sofria um jejum desde 1927. A sexta conquista só foi possível por conta de uma força-tarefa execu- tada pelos irmãos José, João e Rubem Moreira, “prósperos comerciantes que sustentavam o clube alviverde”, define Givanildo Alves no livro Federa- ção Pernambucana de Futebol (1915 a 1999) – 85 Anos de Bola Rolando. O primeiro deles presidiu a agremiação e levantou recursos para a construção da sede em Casa Amarela. A placa comemorativa ainda está lá, do lado di- reito da porta de quem olha para a entrada princi- pal do casarão, indicando a inauguração no dia 16 de dezembro de 1951. “A festa mais bonita que havia era a Festa das Rosas, em maio. Era tanta gente por aqui que não cabia no clube”, relembra Teófilo. “Acho que o América escolheu o momen- to errado para investir no seu patrimônio. Cresce- mos no lado social, mas esquecemos o futebol. Quando fomos acordar, já estávamos na década de 70. Declinamos esportivamente e perdemos vá- rias gerações de torcedores”, teoriza Serpa. As festas também foram mirrando com as mu- danças dos costumes. A sociedade trocou a diver- são nos clubes por praia, shoppings, cinema, sho- ws... O América, que havia perdido há muito as glórias nos gramados, também ficou sem o gla- mour dos salões. Pior, sem dinheiro para se levan- tar. Caiu para a Segunda Divisão estadual nos anos 90 e rodou a buscar apoio em prefeituras de outros municípios. Passou duas vezes por Jaboatão dos Guararapes. Esteve também em Ipojuca, Goia- na e Timbaúba, antes de chegar a Vicência. A parceria consiste em suporte de infraestrutura e médico por parte de Vicência. O restante é banca- do pela diretoria. O clube gasta, no mínimo, R$ 120 mil para participar da Série A2. Podendo che- gar a R$ 180 mil, caso alcance as finais. Parte dos recursos vem do aluguel da sede ao colégio parti- cular. A parceria com o programa governamental de subsídios de ingressos Todos com a Nota banca a maior fatia. “O restante fica por conta daquelas 20 ou 30 pessoas que ajudam quando há necessi- dade”, contabiliza o presidente. Nesta temporada, o América terminou a Segundona na nona coloca- ção entre 12 times. O clube já não tem condições de estabelecer con- tratos longos com os jogadores, seguir um traba- lho de continuidade. Investir em categorias de base seria um luxo. Precisa sempre se capitalizar para disputar a Segunda Divisão do ano seguinte. Não cultiva mais novos ídolos. Mas ainda tem a sorte de conservar o nome, a sede, as cores, a mascote, as taças, as fotografias, a mesa da diretoria. Pelo menos, enquanto Teófilo estiver vivo para contar essa história. “Minha esperança é ver o América ga- nhando títulos de novo. Vou ficar aqui até quando chegar o meu dia, e Deus quiser me levar.” (R.C.)

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Recuperaçãoé um sonhode R$ 3,5 mi

A grandiosidade do América FutebolClube pode ser recuperada com um terre-no de seis hectares e R$ 3,5 milhões naconta bancária. O cálculo faz parte do

planejamento da atual diretoria paraa comemoração do ano de centená-

rio de fundação, em 2014. Um pre-sente na Região Metropolitana doRecife com dois campos em boascondições para treinamentos, umprédio administrativo, um aloja-mento para 30 jogadores e, o maisimponente de todos, o estádio que oMequinha nunca possuiu. O traba-lho de captação de recursos para tiraro sonho do papel já está na rua, baten-do à porta de possíveis patrocinadores,parceiros e simples colaboradores.

A preocupação com a construção deestádios não era prioridade das equipes

pernambucanas, assim como no restantedo Brasil, no início do século passado. Osconfrontos limitavam-se mesmo ao gra-mado. Tanto que o primeiro registro de es-tádio particular no Recife que se tem notí-cia data de 1937, quando o Sport inaugu-rou um pedacinho do que se transforma-ria na atual Ilha do Retiro. Só ganharamem importância, tanto do ponto de vistado orgulho quanto como fonte de recur-sos, quando o América já estava quebra-do. “Perdemos esses terrenos aqui do ladoda sede. Dava para fazer um estádio”, la-menta Teófilo.

O América atuou como mandante noscampos do British Club, dos Aflitos, doDerby, da Jaqueira e de diversos outros lo-cais. “O mais difícil de conseguir é o terre-no. Estamos em negociação com uma pre-feitura, mas não posso revelar o nome ain-da para ninguém achar que estamos pres-sionando, ou evitar precipitações. Tam-bém, se não conseguirmos com essa pre-feitura, procuraremos outra. E, se não re-cebermos o espaço, não tem problema.Nem que tenhamos de comprar, vamosdar um jeito de tocar esse projeto”, garan-te o presidente Sérgio Serpa.

Alexandre Mirinda, de 56 anos, enge-nheiro civil e filho do ex-presidente JoséAugusto Moreira, calcula que o patrimô-nio físico do América em Casa Amarela va-

lha cerca de R$ 5 milhões. “De fato, va-le um bom dinheiro. Mas é difíciltransformar aquilo tudo em ativo

financeiro porque, embora a locali-zação seja privilegiada, as possibilida-des construtivas naquele terreno sãobastante restritas, por causa da legis-lação atual. Seria preciso, por exem-plo, um recuo muito grande por con-ta da proximidade com o Sítio daTrindade”, explica Mirinda, que éconselheiro do América, conselheirobenemérito do Santa Cruz e tambémex-presidente do tricolor do Arruda.

Serpa aposta no produto de mar-keting que o Campeão do Centená-

rio pode representar para atrair par-ceiros. “Não estamos oferecendo umproduto qualquer. Temos muita tradi-ção e história para contar. Talvez eumorra sem conseguir ver o clube entreos grandes novamente. Mas espero, pe-lo menos, deixar a minha contribuiçãocom o caminho bem traçado para queisso possa ser realizado por outras gera-ções de americanos.” (R.C.)

Afundação em abril de 1914 foi como João de BarrosFutebol Clube, em alusão à rua onde ficava a primeira

sede. Pouco mais de um ano depois, em agosto de 1915, adiretoria optou pela mudança. Como América Futebol Clube,a agremiação disputou a hegemonia do CampeonatoPernambucano com o Sport até a década de 1940. O clubeque carregava a marca da disciplina chegará a 2010 vivo, masmantém a grandeza apenas em memórias materiais e nalembrança dos mais velhos. O Campeão doCentenário fecha a série Quatro Campeões.

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MEMÓRIATeófilo é o guardião dasrelíquias do América

Rafael [email protected]

Marcos [email protected]

O América sobreviveu ao tempo. Permaneceuem atividade estes anos todos. Mas apenassubsiste. Carrega o nome, as cores, a mas-

cote. Para por aí. O time de futebol está distantedo Recife. Vinculado a uma parceria com a Prefei-tura de Vicência, na Zona da Mata Norte, a 75 kmda capital. O América de verdade já não está entrenós. O clube de João Cabral de Melo Neto, de De-quinha e dos irmãos Moreira; campeão no ano doCentenário da Independência do Brasil, Campeãoda Disciplina, seis vezes campeão pernambucano;um dos mais glamourosos clubes da história do fu-tebol brasileiro; o Mequinha de seu Teófilo mor-reu e talvez nem tenha se dado conta.

“Tá arrumadinho ou não tá? E tá tudo limpi-nho”. Quem fala é o próprio Teófilo Sérgio da Sil-va, de 85 anos, que cuida orgulhoso das lembran-ças espremidas em uma das salas da sede da Estra-da do Arraial. O casarão verde está alugado há 12anos para um colégio particular. “Alugamos par-cialmente, porque ainda temos a nossa intimida-de”, diz o atual presidente do clube, o representan-te comercial Sérgio Serpa, de 63 anos. A “intimida-de” resume-se a dezenas de taças, documentos, fo-tografias e uma grande mesa que servia à direto-ria em encontros e eventos importantes. Quasenão há espaço para se movimentar no ambiente.

Guardião das memórias do América, Teófilo es-tá ligado ao clube desde 1950. “Meu pai era muitobem de vida e me deixou herança. Investi muitacoisa aqui no América. Se pudesse pegar em di-nheiro, faria tudo novamente”, garante, ao ladodo fiel escudeiro. Com 40 anos de Mequinha, Or-lando de Souza, de 74 anos, completa a dupla defuncionários. “Isso é um funcionário de luxo.Nunca se afastou”, elogia, entre uma demão e ou-tra de Basso, marca do produto utilizado para po-lir os troféus. “Nunca quis ser presidente. A minhavida é zelar pelo patrimônio do América. Minhapaixão é isso aqui.”

O patrimônio atual foi fruto do respiro derradei-ro de grandiosidade que o clube deu. Embora te-nha confirmado o último título em 1944, o alviver-de sofria um jejum desde 1927. A sexta conquistasó foi possível por conta de uma força-tarefa execu-tada pelos irmãos José, João e Rubem Moreira,“prósperos comerciantes que sustentavam o clubealviverde”, define Givanildo Alves no livro Federa-ção Pernambucana de Futebol (1915 a 1999)– 85 Anos de Bola Rolando. O primeiro delespresidiu a agremiação e levantou recursos para aconstrução da sede em Casa Amarela.

A placa comemorativa ainda está lá, do lado di-reito da porta de quem olha para a entrada princi-pal do casarão, indicando a inauguração no dia16 de dezembro de 1951. “A festa mais bonita quehavia era a Festa das Rosas, em maio. Era tantagente por aqui que não cabia no clube”, relembraTeófilo. “Acho que o América escolheu o momen-to errado para investir no seu patrimônio. Cresce-mos no lado social, mas esquecemos o futebol.Quando fomos acordar, já estávamos na décadade 70. Declinamos esportivamente e perdemos vá-rias gerações de torcedores”, teoriza Serpa.

As festas também foram mirrando com as mu-danças dos costumes. A sociedade trocou a diver-são nos clubes por praia, shoppings, cinema, sho-ws... O América, que havia perdido há muito asglórias nos gramados, também ficou sem o gla-mour dos salões. Pior, sem dinheiro para se levan-tar. Caiu para a Segunda Divisão estadual nosanos 90 e rodou a buscar apoio em prefeituras deoutros municípios. Passou duas vezes por Jaboatãodos Guararapes. Esteve também em Ipojuca, Goia-na e Timbaúba, antes de chegar a Vicência.

A parceria consiste em suporte de infraestruturae médico por parte de Vicência. O restante é banca-do pela diretoria. O clube gasta, no mínimo, R$120 mil para participar da Série A2. Podendo che-gar a R$ 180 mil, caso alcance as finais. Parte dosrecursos vem do aluguel da sede ao colégio parti-cular. A parceria com o programa governamentalde subsídios de ingressos Todos com a Nota bancaa maior fatia. “O restante fica por conta daquelas20 ou 30 pessoas que ajudam quando há necessi-dade”, contabiliza o presidente. Nesta temporada,o América terminou a Segundona na nona coloca-ção entre 12 times.

O clube já não tem condições de estabelecer con-tratos longos com os jogadores, seguir um traba-lho de continuidade. Investir em categorias de baseseria um luxo. Precisa sempre se capitalizar paradisputar a Segunda Divisão do ano seguinte. Nãocultiva mais novos ídolos. Mas ainda tem a sortede conservar o nome, a sede, as cores, a mascote,as taças, as fotografias, a mesa da diretoria. Pelomenos, enquanto Teófilo estiver vivo para contaressa história. “Minha esperança é ver o América ga-nhando títulos de novo. Vou ficar aqui até quandochegar o meu dia, e Deus quiser me levar.” (R.C.)