rousseau a etica da vontade ou a cidadania mediocre

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Texto de Filosofia

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    Comum - Rio de Janeiro - v.5 - n 14 - p. 78 a 102 - jan/jul 2000

    1. tica e vontade

    tica um ramo da filosofia cujo objeto de estudo a moral. Se por moralentendemos o conjunto de normas ou costumes que orientam a conduta de umapessoa para que possa ser considerada boa, a tica a reflexo racional sobre o quese entende por conduta boa e em que se fundamentam os juzos morais. As morais,uma vez que fazem parte da vida humana concreta e tm seus fundamentos noscostumes dos povos, podem ser vrias (crist, muulmana, dos ndios guarani etc.) eso aceitas tal como so, enquanto a tica, que se apia na anlise racional da condu-ta moral, tende a uma certa universalidade de conceitos e princpios. Embora seadmita a diversidade de sistemas ticos ou formas concretas de refletir sobre amoral - basta ver os recentes estudos sobre tica e biologia -, o rigor filosfico exigeque esta reflexo seja fundamentada e possa ser objeto de crtica. Em resumo, atica est para a moral assim como a teoria est para a prtica, a moral um tipo deconduta, a tica uma reflexo filosfica sobre a conduta dos homens.

    Segundo Adolfo Snchez Vzquez (1978, p. 12):

    Assim como os problemas tericos morais no se identificam com osproblemas prticos, embora estejam estritamente relacionados, tambmno se podem confundir a tica e a moral. A tica no cria a moral.Conquanto seja certo que toda moral supe determinados princpios,normas ou regras de comportamento, no a tica que os estabelecenuma determinada comunidade. A tica se depara com uma experin-cia histrico-social no terreno da moral, ou seja, com uma srie deprticas morais j em vigor e, partindo delas, procura determinar aessncia da moral, sua origem, as condies objetivas e subjetivas do atomoral, as fontes da avaliao moral, a natureza e a funo dos juzosmorais, os critrios de justificao destes juzos e o princpio que rege amudana e a sucesso de diferentes sistemas morais.

    A TICA DA VONTADE OUA CIDADANIA MEDOCRE*

    Fernando S

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    A tica a teoria ou cincia do comportamento moral dos homens emsociedade. Ou seja, cincia de uma forma especfica de comporta-mento humano.

    Tanto a moral como a tica, termos que na prtica acabam sendo usados comosinnimos, tm uma funo prtica: referem-se, embora no exclusivamente, a situ-aes de conflito na vida das pessoas. Do ponto de vista da moral h de se tomaruma deciso prtica; do ponto de vista da tica h de se construir a conscinciamoral no hbito de saber decidir moralmente. Em ambos os casos estamos tratandode fundamentao moral.

    Esta fundamentao pode ser entendida de duas maneiras: como metatica oucomo tica normativa. A primeira procura entender qual a natureza da tica noplano da anlise dos conceitos e trata de questes tais como: o que se entende pormoral?; o que bom? etc. A segunda dedica-se justificao das normas, critrios evalores morais e da fundamentao dos juzos morais quando se depara com oseguinte tipo de questes apresentadas, respectivamente, por Plato e Kant: prefe-rvel sofrer a injustia que comet-la; age como a mxima de tua ao devesse sererigida, por tua vontade, em lei universal da natureza etc. Assim como h diversasclasses de metatica, tambm h diversos tipos de ticas normativas, chamadossistemas ticos ou morais que no se excluem mutuamente. Na realidade pode-sedizer que a metatica a ante-sala da tica normativa.

    Como a tica o ramo da filosofia que estuda a conduta humana em sociedade,a primeira questo metatica definir o que se entende por ato moralmente bom.As teorias metaticas que pretendem responder a esta questo se dividem em teori-as no cognitivas, que afirmam no ser possvel demonstrar a bondade moral atra-vs de meios racionais, e teorias cognitivas, que afirmam ser isto possvel. As teoriasno cognitivas so divididas em emotivismo e prescritivismo, enquanto as cognitivasem intuicionismo e descritivismo.

    O pensamento de G.E. Moore um bom exemplo do que representa uma teoriametatica. Em Principia Ethica (1903, p. 10), Moore sustenta que o conceito de bom,problema central da tica, indefinvel. Saber o que bom s possvel medianteuma intuio. Pretender analisar o conceito de bom, decompondo-o em proprieda-des ou caractersticas, confundi-lo com um objeto da natureza e cometer a falcianaturalista. A postura do intuicionismo tico, em oposio ao naturalismo tico,

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    afirmar que as verdades morais so conhecidas por intuio, ou seja, atravs daintuio que sabemos se um ato humano um ato moral. O intuicionismo tico foiquestionado pela teoria emotivista. Para Alfred J. Ayer, o mais radical dos emotivistas,sustentar que algo bom ou afirmar um enunciado moral carece de todo valorcognitivo e descritivo, pois um enunciado deste gnero no pode ser verdadeiro oufalso, dado que trata-se apenas de um pseudo-enunciado e com ele somente seexpressa a tendncia moral pessoal.

    O prescritivismo outra das metateorias no cognitivas sobre a tica segundo aqual os enunciados ticos expressam prescries ou mandatos, mas de tal ndoleque, no fundo, permitem adotar critrios de discusso sobre as argumentaes morais.Seu principal representante, Richard M. Hare, defende o ponto de vista que o moral aquilo que se apresenta como um mandato universal, isto , um enunciado tico um juzo prescritivo que pode ser um imperativo, uma norma ou um juzo de valor.Um imperativo impe-se a uma pessoa porque esta admite a existncia de normas edeve admiti-las porque participa da aceitao comum dos valores da sua sociedade.O prescritivismo recebeu crticas do descritivismo, teoria metatica cujos principaisrepresentantes so G. J. Warnock, Philippa Foot e Peter Geach. Segundo Warnock(1968, p. 67), por exemplo, o moral no se identifica forosamente nem com oprescritivo nem com o universal, mas simplesmente regulado com normas por seralgo que se considera vitalmente importante, ou fonte de conflitos internos ou causade conflitos externos.

    A tica normativa, por sua vez, um conjunto de concepes diferentes que searticulam em torno de princpios e mtodos nos quais se fundaria a vida moral.Dividem-se, basicamente, em ticas teleolgicas e ticas deontolgicas. As primeiras,tambm chamadas de finalistas ou conseqencialistas, se estruturam em torno dosfins ou das consideraes sobre as conseqncias das aes. As segundas se organi-zam em funo do princpio do dever. Exemplo claro de tica deontolgica amoral formal de Kant e de tica teleolgica o eudemonismo de Aristteles, paraquem a felicidade, eudaimona, o objetivo principal da vida humana e uma atividadenobre da alma, do mundo das idias. A tica grega de orientao teleolgica, temincio com Scrates, considerado o fundador da investigao tica. Realmente Scratestraz a luz os conceitos fundamentais para se definir o campo tico, mas este tipo dereflexo filosfica tem seu ponto alto com Aristteles. A tica grega, que tem origemno pensamento de Scrates, Plato e Aristteles , fundamentalmente, uma moralde virtudes (ticas e dianoticas).

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    As teorias deontolgicas tiveram como modelo a tica kantiana, que estrutura-sede acordo com o princpio de atuar conforme o dever que a conscincia humana a razo prtica se impe a si mesma mediante o imperativo categrico. Kantacredita que esta a nica tica racional, digna do ser humano, que no prescrevenada de concreto, nada de material mas que apenas impe um motivo formal vontade, vlido para todos os homens e para qualquer situao (universal e necess-rio). A esta tica Kant chama de formal e autnoma, enquanto que as restantes soconsideradas por ele como materiais e heternomas. A tica kantiana dignifica avontade e a pessoa humana, mas historicamente foi considerada rigorista, vazia dosvalores pelos quais as pessoas agem e no apta para fundar um comportamentomoral que leve em conta seres no humanos.

    O utilitarismo, opondo-se ao carter formal da tica kantiana, sistematiza-se emtorno da finalidade das aes humanas e da avaliao das suas conseqncias. ,portanto, uma tica finalista ou conseqencialista. A finalidade definida comoutilidade. O nico critrio racional que dispomos para avaliar a moralidade de umato considerar as conseqncias que derivam dele para a felicidade humana. J empleno sculo XX, com o chamado utilitarismo das preferncias, os utilitaristas pas-sam a considerar, como critrio para o clculo do bem estar, as preferncias detodos os envolvidos na deciso.

    Recentemente, a teoria da justia proposta por John Rawls1, que se inspira emKant e nas doutrinas contratualistas, tambm pode ser aplicado tica. SegundoRawls, para se decidir, em situaes conflitivas, sobre questes que envolvam benssociais primrios tais como liberdade, igualdade de oportunidades, renda, riqueza etc.deve-se recorrer ao princpio que denomina de maximin e que se traduz por maximizaras exigncias dos indivduos socialmente desprotegidos.

    Na sua principal obra, Uma Teoria da Justia (1971), o sentido que Rawls pretendedar justia fundado na teoria clssica do contrato social, considerado por elecomo o fundamento moral de uma sociedade. A idia deste contrato moral remetea uma posio original, ou situao original hipottica, na qual os indivduos deve-riam estabelecer as condies sobre as quais estariam dispostos a viver em socieda-de, isto , determinar quais normas de justia estariam dispostos a adotar. Numasituao onde cada indivduo ignora qual o lugar e a parte que lhe cabe vivendoem sociedade, suas decises no so resultado de escolhas racionais, mas de pr-julgamentos interessados, motivados apenas pelo egosmo e que prescindem de cri-

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    trios morais. Nestas condies no resta outro remdio seno adotar a estratgiaprpria da teoria dos jogos onde, dada a incerteza para a tomada de decises, deve-se assegurar a situao do mal menor. Nesta condio e por estratgia, os indivduosdevem escolher dois princpios: 1. O princpio da igualdade e 2. O princpio dadiferena. O primeiro princpio assegura o mximo de liberdade a cada um, compa-tvel com o mximo de liberdade de todos. O segundo justifica a desigualdade quan-do esta resulta em benefcios para todos (1997, p.64).

    Primeiro princpio:Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total deliberdades bsicas, compatvel com um sistema similar de liberdadepara todos.

    Segundo princpio:As desigualdades econmicas e sociais devem ser reestruturadas demaneira que sejam para: a) maior benefcio para os menos favoreci-dos, de acordo com um princpio de distribuio justa; b) a isto deveser agregado que os cargos e as funes sejam acessveis a todos,segundo condies de justa igualdade de oportunidades.

    Conceito geralTodos os bens sociais primrios liberdade, igualdade de oportunida-des, renda, riqueza e as bases de respeito mtuo devem ser distribu-dos igualmente, a menos que uma distribuio desigual de um ou detodos estes bens redunde em benefcio dos menos favorecidos.

    adoo destes princpos e de suas conseqncias Rawls chama de justiaeqitativa ou justia entendida como eqidade (fairness) ou imparcialidade. Ofilsofo americano sustenta que este conceito de justia, fundamentado na moral(reinterpretada) de Kant, superior ao conceito de justia desenvolvido peloutilitarismo.

    A palavra vontade (do latim voluntas), por sua vez, designa uma atividade superi-or da psiqu humana, orientada para a ao e entendida como capacidade de se autodeterminar livremente atravs dos fins designados pela razo.

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    Aristteles foi um dos primeiros pensadores a fazer uma relao direta da ticacom o ato voluntrio, ou da virtude com a vontade, afastando-se do intelectualismomoral de Scrates2 cuja tendncia era dar uma importncia excessiva razo quan-do se tratava da tica. Para Scrates a virtude se identifica com o saber e, para ele,apenas o ignorante seria capaz de praticar o mal. Aristteles critica as suposiessocrticas invocando o empirismo e a conscincia. Desta maneira, introduz o con-ceito de fraqueza da vontade ou acrasia, isto : faz-se o mal tambm sabendo-se quese pratica o mal, de modo que o conhecimento do que justo ou injusto condionecessria para se praticar o mal, mas no condio suficiente e, muito menos,condio suficiente e necessria.

    O conceito do termo vontade como faculdade humana livre, em seu uso filos-fico, tem origem na escolstica. Augustin de Hipona (Santo Agostinho) esboa, porrazes de moral e teologia, a questo do livre arbtrio3. A vontade entendida comoo apetite racional, o desejo submetido racionalidade ou ao conhecimento. A vonta-de seria, desta forma, a capacidade de se tomar decises livremente, assim como ,tambm, o prprio ato desta capacidade. A relao entre vontade e conhecimento,ou entre querer e conhecer no entendida da mesma forma entre os filsofosescolsticos. Os debates entre as diferentes correntes de pensamento deste perodoacabam por criar o conceito de voluntarismo, defendido pelo escotismo4 que, aocontrrio do tomismo, defendia a primazia da vontade e da liberdade humanassobre o conhecimento. Para alguns, principalmente para os seguidores de John DunsScot e William de Ocham5, a liberdade a caracterstica formal da vontade, enquan-to que, para outros, uma determinao da razo.

    Descartes (1973, p. 127), que identifica a vontade com o livre arbtrio, faz tam-bm a sua relao com a possibilidade do engano, afirmando que a vontade sertanto mais livre quanto mais submetida ao conhecimento; a vontade livre, e no oconhecimento, induz o homem ao erro. Spinoza (1973, p. 190) identifica a vontadesimplesmente com o conhecimento, de modo que as volies so maneiras de pen-sar e, por isso mesmo, no se pode falar de uma vontade livre, mas de uma vontadesubmetida a causas, assim como todas as outras coisas da natureza. Kant, por suavez, identifica a vontade com a razo prtica, cujo objetivo o desenvolvimento deuma vontade boa, aquela que age por dever, determinada pelo imperativo categ-rico. A razo prtica, livre e autnoma6, no apenas criadora da ordem moral, mas aquela que permite o conhecimento (prtico) do mundo inteligvel, lugar onde arazo terica no pode chegar. Note-se que o poder criador da razo prtica, segun-

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    do Kant e o kantismo, transformada no eu transcendental, constitui o ponto departida do idealismo alemo.

    F. Nietzsche cria a expresso vontade de potncia ou de poder (der Wille zurMacht) em sua luta contra a transcendncia. O mundo no obra de um Deus e aexistncia no determinada por um fim transcendente, mas a expresso de umavontade de potncia entendida por Nietzsche como uma expresso-simulacro oumetafrica. Vontade de potncia no quer dizer que a vontade queira o poder, nem uma noo antropomrfica, mas que o poder que necessita da vontade. Nietzsche(1973, p. 283) chama de vontade de potncia ao elemento genealgico da fora, eesta vontade de potncia no nem um ser nem um devir, um pathos. Assimcomo o eterno retorno o ser afirmando-se no devir, a vontade de potncia o unoque se afirma no mltiplo. A vontade de potncia o impulso que conduz a encon-trar a forma superior de tudo o que existe e afirmar o eterno retorno que separa asformas superiores, afirmativas, das formas inferiores ou reativas. Portanto, no sedeve encontrar nesta expresso qualquer conotao poltica.

    Na atualidade o conceito de vontade criticado por diversas correntes da filoso-fia e da psicologia. Para Gilbert Ryle, por exemplo, falar de atos voluntrios e livres uma demonstrao de erro categorial7, uma confuso atribuda por ele ao mitode Descartes. Na realidade, segundo Ryle, no h mais vontade que as volies eestas no so mais que outras maneiras de falar (o mundo mental) sobre a condutahumana observvel.

    Se vrios pensadores, em momentos e com intensidades diferentes nas suasobras, trabalharam com os conceitos de tica e de vontade, um deles praticamentetransformou a tica da vontade em eixo central da sua obra. Estamos nos referindoa Jean-Jacques Rousseau ao qual, a partir de agora, vamos dedicar algumas linhas amais deste pequeno ensaio.

    2. tica da vontade x cidadania medocre

    O pensamento de Jean-Jacques Rousseau no , certamente, o produto apenasde uma especulao racional, mas o resultado de sua prpria vida frente a todas asdificuldades que enfrentou, a expresso de um pensamento no qual cabe, comoem muito poucos filsofos, o nome de existencial. A tal ponto que, segundo Cassirer(1999, p. 37) no s a sua biografia parece explicar e justificar a sua obra, mas a sua

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    vida, como ele mesmo mostrara nas Confisses, est entrelaada s posies tericasque assumiu.

    Jean-Jacques Rousseau comea a manifestar sua rebeldia no Discurso sobre ascincias e as artes (1750), que obteve o primeiro lugar no concurso aberto pela Acade-mia de Dijon, cujo tema era a influncia das artes e das cincias no desenvolvimentoe elevao dos costumes. Em pleno Iluminismo Rousseau (1995, p. 252) defende atese que o desenvolvimento das artes e das cincias, alm de no terem aperfeioa-do os costumes, tinham conseguido corromp-los.

    Se o progresso das cincias e das artes nada acrescentou nossa feli-cidade, se corrompeu os costumes e se a corrupo dos costumeschegou a prejudicar a pureza do gosto, que pensarmos dessa multidode autores secundrios... Que pensarmos desses compiladores de obrasque indiscretamente foraram a porta das cincias e introduziram emseu santurio uma populaa indigna de aproximar-se delas, enquantoseria de desejar-se que todos aqueles que no pudessem ir longe nacarreira das letras fossem impedidos desde o incio e encaminhados sartes teis sociedade?

    Esta mesma linha de argumento foi defendida no Discurso sobre a origem e os funda-mentos da desigualdade entre os homens, onde apresenta o homem culto como o resultadode sucessivas impurezas que foram aderindo ao homem natural. Somente este lti-mo capaz de revelar, claramente, a bondade originria dos sentimentos e a relaodireta com a Natureza. bom que se diga, de imediato, que Rousseau no prega avolta ao homem natural como a regresso a um suposto estado primitivo - tal comoafirmou Voltaire, no calor da polmica travada com Rousseau, ao dizer que o agra-decia por ter recebido um novo livro contra o gnero humano -, mas este estadoconstitui, por assim dizer, o ponto de referncia sobre o qual devem se voltar todasas consideraes de tipo social e moral.

    Se o homem foi corrompido pela sociedade preciso refletir sobre a sua nature-za antes do pacto ou contrato social que institui o estado de sociedade. At ento, ahiptese do estado de natureza, o estado natural do homem, havia sido defendida,de perspectivas diferentes e opostas pelos patrocinadores do direito natural, Grocioe Pufendorf e pelos tericos ingleses Hobbes e Locke. Hobbes viu no estado denatureza o estado de guerra perptua de todos contra todos, enquanto Locke o via

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    como uma situao em que a racionalidade fazia-se desejvel para a sociedade pre-servar melhor sua liberdade e propriedade naturais. J os jusnaturalistas considera-vam que os homens eram livres e iguais em estado de natureza. Tanto uns quantooutros viram no pacto ou contrato social o meio convencional de estabelecer asociedade que, apesar de seus defeitos, criava uma situao de vida mais estvelpara os homens.

    Rousseau discorda desses argumentos. Recorre hiptese do estado de naturezacomo forma de estabelecer, com a contraposio entre natureza/sociedade, umaforma de entender o presente, apontando os males que foram impostos aos homensatravs da vida em sociedade: a natureza boa e generosa para os homens, a soci-edade os corrompe. No estado de sociedade o homem torna-se simples escravo,dominado pelo poder do mais forte, tal como acontece hoje na sociedade poltica.Ao contrrio, no estado de natureza o homem era livre, desejava apenas conservara vida e satisfazer suas necessidades naturais sem necessidade de trabalhar paraviver, sem um lar, sem linguagem, mas sem guerras e sem necessidade ou desejo depraticar o mal contra outros homens.

    O desenvolvimento da natureza humana foi levando gradualmente o homem necessidade de criar vnculos sociais, fonte de todas as suas desgraas. A criao doestado de sociedade se caracteriza pelo estabelecimento da propriedade privada,este o momento em que se rompe o encanto do estado natural. Ao introduzir-se apropriedade privada na vida dos homens se introduz, com ela, a desigualdade moralque, atravs do contrato social e suas leis, sanciona e perpetua o privilgio e aconseqente diviso dos homens entre ricos e pobres. Rousseau conclui que estetipo de desigualdade absolutamente contrria ao direito natural. Se a sociedade seestabeleceu mediante um pacto que privilegia o sistema proprietrio, origem dadesigualdade entre os homens, parece-lhe evidente - contra a opinio de todos osjuristas que legitimam o estado de coisas existentes com a teoria do contrato social que o que deve ser reformado a prpria teoria e natureza do pacto e no a ordemsocial. Para Rousseau, se o pacto social necessrio, ele deve ser concebido e orde-nado de tal forma que no anule a liberdade do estado de natureza. Em seu melhorestilo e sem nos dar qualquer chance para procurar atalhos secundrios, sua argu-mentao reforada com a apresentao de uma questo determinante, mas quehoje pode nos soar de forma aparentemente ingnua: como pode o homem perma-necer livre renunciando sua liberdade?

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    para tentar responder a esta pergunta que Jean-Jacques desenvolve toda aargumentao contida em O Contrato Social, paralelamente complementada com aobra pedaggica Emlio. As paixes e egosmos nascidos da euforia de uma socieda-de artificial ficam evidentes atravs da hiptese do contrato social, onde o indivduose desvincula voluntariamente das formas de relao interindividuais, para subme-ter-se, por livre consentimento, obedincia a leis determinadas por uma vontadegeral. Essas leis, que devem coincidir com a forma natural da existncia humana,no representam a coao imposta pelas paixes e pelo egosmo, mas a igualdadeque deve estar expressa, simultaneamente, na lei comum e no sentimento. Estecontrato no , por conseguinte, o produto de uma reflexo intelectual que estimulaa constituio da sociedade para evitar a destruio do indivduo, a manifestaoda soberania da vontade geral em um Estado verdadeiramente democrtico, quedeve acatar os direitos naturais de cada pessoa. Da sua teoria poltica, aquela quedecorre do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1758),do Emlio (1762) e, sobretudo, de O Contrato Social (1762) os comentadores farodiferentes avaliaes: para uns est na origem da teoria poltica da democracia, paraoutros est simplesmente alinhada entre aqueles trabalhos classificados como ro-mnticos, utpicos e visionrios.

    O conceito de vontade geral indica, em O Contrato Social, a vontade coletiva docorpo poltico e soberano que deve visar ao interesse comum. Deve emanar dopovo e se expressar atravs da lei, que votada diretamente em assemblia; sendogarantida e no limitada a liberdade do cidado. Para Rousseau somente assim pode-se falar em cidado e cidadania. Para que algum do povo torne-se cidado neces-srio que seja um ator da vontade poltica, somente desta forma o povo podeconsiderar-se soberano. Certamente enquanto for governado ser sdito, mas sersdito detentor da sua liberdade, porque obedece s leis que ele prprio ajudou afazer. Passa a obedecer, assim, a uma vontade que tambm a sua autntica vonta-de, o seu natural desejo de justia. Onde o homem e o povo no obedecem s leiscriadas por eles mesmos, devem ser obrigados a fazer isto pelo Estado, o que, emltima anlise, para Rousseau, significa serem condenados liberdade. Desta forma,a liberdade natural substituda pela liberdade civil, que consiste em obedecer so-mente lei, e em aquiescer vontade geral e jamais a uma vontade particular oucorporativa. Somente como agente e ator da vontade geral o homem pode realizarsua virtude plena, tanto tica quanto civil.

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    Por outro lado, Rousseau diferencia a vontade geral da vontade particular, davontade de todos e da vontade corporativa, que tendem ao interesse privado. Avontade geral distingue-se das outras vontades pelo seu carter tico, ou seja, pelointeresse comum a que esta aspira, como veremos em seguida8.

    Didaticamente Rousseau (1995, p. 363) afirma que cada ser humano tem umforte sentido de si mesmo. Com essa idia, o indivduo acaba por desenvolver todauma viso do que o seu interesse particular, em detrimento dos interesses dosoutros indivduos que fazem parte da mesma comunidade.

    Seu interesse particular pode ser muito diferente do interesse comum.Sua existncia, absoluta e naturalmente independente, pode lev-lo aconsiderar o que deve causa comum como uma contribuio gratui-ta, cuja perda prejudicar menos os outros, do que ser oneroso ocumprimento a si prprio.

    Atores deste conflito, os indivduos que fazem parte de uma comunidade podemno estar dispostos a fazer o que lhes solicitado pela vontade geral ou, ainda, podeser que tentem subverter a vontade geral, substituindo-a pela sua prpria vontadeparticular, camuflada em vontade geral. Em ambos os casos, a sociedade civil en-frentar crises polticas agudas.

    A diferenciao que Rousseau faz, sobretudo em O Contrato Social, entrevontade particular e vontade geral, levou alguns dos seus crticos, tal como A.Philonenko (1993, pp. 1024-1043), a supor que Rousseau acredita que s abando-nando a vontade particular e substituindo a existncia fsica e independente quetodos ns recebemos da natureza por uma existncia parcial e moral (1995, p. 381) que os homens podem tornar-se cidados satisfatrios e a sociedade civil pode serinstituda e se desenvolver. Essa leitura positivista deu origem crena de que suadoutrina era autoritria, pois o que de fato Rousseau desejava era destruir a indivi-dualidade dos homens e transform-los em meros ocupantes de um papel social.Crtica equivocada.

    Em primeiro lugar, Rousseau deixa claro que nem todos os poderes, bens eliberdade de um indivduo esto sob o controle da vontade geral e da lei (1995, p.373). Em segundo lugar, embora Rousseau trace uma linha divisria entre o interes-se privado e o interesse comum, seria absurdo supor que as vantagens desfrutadas

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    por um cidado no o sejam em seu interesse, mas contra este. Para Rousseau, oindivduo isolado quando se transforma em cidado passa a estar ligado a outroscidados numa causa comum, sob leis iguais, de tal modo que certas coisas que sopara sua vantagem ou desvantagem no estariam em questo se ele no tivesseligao alguma com os outros. O homem, at ento isolado, ao assumir a identidadede cidado se v obrigado a discernir sobre vantagens e desvantagens individuaisno sob um ponto de vista imutvel de uma identidade cristalizada, mas sob pontosde vista diferenciados que lhe sero impostos pela prpria vida em comunidade.Rousseau explica (1995, p. 364) que o homem isolado ao adotar a identidade decidado passa a desenvolver suas faculdades, ampliar suas idias e enobrecer seussentimentos de um modo que jamais ocorreria se ele ainda fosse depositrio de umaidentidade individual particular. Ao fazer parte ativa de uma comunidade justa eprspera, o ser de um indivduo ampliado e as suas possibilidades de vida tambm.

    Na realidade, no se trata simplesmente de trocar uma coisa pela outra, mas depassar a considerar uma nova escala de valores, objetivos, responsabilidades e re-compensas que estejam ao alcance de uma pessoa. De fato Rousseau pensa que aauto-realizao como cidado deve ter prioridade sobre a mera existncia individu-al. Mas isso no quer dizer que a existncia privada no deva ser considerada. Aoassumir um novo papel social o indivduo no deixa de ser o que era antes, nemperde a capacidade de ser algum que se esfora para realizar-se individualmente oupara adquirir certos bens. Se o conflito entre ser indivduo ou cidado se estabelecer,certamente isso obrigar o indivduo a estabelecer prioridades. Ao nos alertar sobrea existncia do conflito entre a vontade particular e a vontade geral, Rousseau estsimplesmente nos dizendo que assim que os homens agem quando se vem obri-gados a responder a estmulos conflitantes e que, em ltima anlise, acabam porrepresentar modos diferentes de ser.

    Mesmo no melhor modelo de Estado e sociedade sempre haver grupos depessoas que, em virtude da sua posio ocupada no Estado, tm necessidades einteresses comuns a defender e que, por sua vez, so diferentes dos interesses quetodas tm como indivduo ou pessoa privada. Considerando-se o grupo esses inte-resses comuns so gerais Rousseau refere-se a magistrados, membros do governoe da administrao pblica (1995, p. 400) mas so identificados como particularesem relao ao conjunto do Estado, embora tenham caractersticas diferentes do queele denomina a vontade particular de uma pessoa, a qual tende somente para sua

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    vantagem pessoal. Os interesses do grupo passam a ser os objetos de sua prpriavontade, e essa vontade comum do grupo denominada por vontade corporativa.

    Uma vez introduzida, a idia de uma vontade corporativa no fica necessaria-mente restrita aos organismos criados e estabelecidos pelo Estado, mas pode ampli-ar-se a grupos mais informais unidos por sua profisso, como os jornalistas; ou agrupos com um interesse comum, como os tricolores etc. Em conseqncia de seucargo, profisso ou interesse semelhante, pode haver certas coisas que, para cadaum deles, promover indistintamente o bem estar destas pessoas. Essas coisas aserem obtidas sero para vantagem comum do grupo e, por conseqncia, serobjetivo do grupo obt-las. Esse interesse comum, antes de tudo, porque comojornalista, tricolor, ou seja l o que for, h certas coisas que s so vantajosas paraquem for simplesmente considerado, em seu papel e funo de jornalista, tricoloretc. A comunidade de interesses no deriva da convergncia dos interesses de pesso-as privadas, mas da convergncia de pessoas privadas que desempenham papiscomuns dos quais so obtidas vantagens especficas do papel desempenhado ou dafuno exercida.

    Para um magistrado, pode ser vantajoso, uma vez incumbido da administraoda lei, estar apto a faz-lo rpida e facilmente, e a desfrutar do poder e dos recursosnecessrios para tanto. A vontade corporativa dos magistrados tender, portanto,para um aumento de poder na administrao da lei, por exemplo.

    Aqui, mais uma vez, talvez seja necessrio reforar a advertncia de que noestamos supondo a existncia de qualquer outra coisa que no sejam pessoas indivi-duais que tm razo para querer isto, aquilo ou uma outra coisa qualquer. No uma entidade abstrata, mas so os indivduos que tm interesses prprios comopessoas privadas e em seus papis; uma vontade corporativa apenas a vontade queuma pessoa tem, como pessoa pblica, de atuar e realizar seus desejos como mem-bro de uma instituio, classe social ou categoria profissional. Consideradas apenasem seu papel de membros de uma categoria profissional, as pessoas tero interessesmais ou menos idnticos, ento a vontade corporativa de, digamos, magistrados oujornalistas, ser exatamente a mesma vontade de qualquer magistrado ou de qual-quer jornalista isto , buscar racionalmente o que seja para sua vantagem.

    Podem ser distintas mas no conflitantes a vontade particular e a vontadecorporativa de uma pessoa. Caso eu me identifique fortemente com os objetivos damagistratura, ento alguns dos meus prprios objetivos sero os de um magistrado.

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    Neste momento, pode-se dizer que o meu interesse particular inclui agora o interes-se corporativista; ou que deixei de agir como uma pessoa puramente privada.Freqentemente, o conflito pode ocorrer entre as necessidades de famlia e de tra-balho. Em tais casos, necessrio determinar a prioridade ou prioridades sobretu-do no caso da vontade geral. Como uma corporao dentro do Estado, os magistra-dos existem para servir a propsitos essenciais, mediante autorizao do corpo so-berano. Uma vez regulamentada, a existncia deles no ameaa a estabilidade nem obem-estar do Estado. No entanto, Rousseau tinha conscincia de que tais corpos,com seus interesses especiais, os quais permanecem particulares em face do bemgeral de toda a comunidade, podem tentar favorecer cada vez mais seus interessessetoriais, por processos no autorizados e custa do bem geral. Ao desfrutarem dopoder necessrio para o desempenho de suas tarefas, os magistrados sero inclina-dos a aumentar esse poder, seja ampliando o papel da magistratura, seja usando omesmo poder para influenciar em outros assuntos. Esse impulso mais uma mani-festao de amor-prprio, embora a uma certa distncia pode ser a glria de serum magistrado que est sendo exaltada custa dos outros, ou ento uma extensoda ganncia e da ambio que toda a pessoa privada tende a levar para qualquerposio pblica que passe a ocupar. Instaura-se, assim, a competio entre pessoas,a competio entre grupos e faces, como tambm a opresso de indivduos priva-dos por faces. Esta competio coloca em perigo a harmonia social e impedeainda mais a realizao de qualquer bem comum.

    Diante desta possibilidade, Rousseau (1995, p. 372) preferia que o nmero, po-der e influncia de tais corpos intermedirios situados entre a vontade geral dacomunidade como um todo e a vontade particular de um indivduo fossem topequenos quanto possvel ao afirmar ser essencial, para se alcanar o verdadeiroenunciado da vontade geral, que no haja sociedade parcial no Estado e que cadacidado s opine de acordo consigo mesmo. No caso da existncia de sociedadesparciais, preciso multiplicar-lhes o nmero a fim de impedir-lhes a desigualdade.Para Rousseau, tais precaues so as nicas convenientes para que a vontade geralsempre se esclarea e o povo no seja enganado.

    Certamente o texto que transcrevemos em seguida uma das passagens maispolmicas das obras de Rousseau (1995, p. 371).

    H comumente muita diferena entre a vontade de todos e a vontadegeral. Esta se prende somente aos interesses comuns; a outra, ao inte-

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    resse privado e no passa de uma soma das vontades particulares.Quando se retiram, porm, dessas mesmas vontades, os a-mais e os a-menos que nela se destroem mutuamente resta, como soma das dife-renas, a vontade geral.

    Se o objetivo encontrar a coerncia no seu pensamento, necessrio, em pri-meiro lugar, compreender o que conceituado por vontade geral e por uma vonta-de particular; em seguida verificar como dos a-mais e a-menos de vontades particu-lares, poderia emergir a vontade geral.

    A vontade particular consiste no que ela quer s para si, para realizar o amor desi mesmo, no considerando os desejos e interesses dos outros, exceto na medida emque possa fazer uso desses para promover o seu prprio interesse individual. Pode-mos supor que esta pessoa considere como seus interesses particulares, em primeirolugar, alcanar o conforto material com um mnimo de esforo e, em segundo,exercer um controle sobre outros membros da comunidade, de tal modo que otrabalho deles possa ser dirigido para servir ao seu prprio interesse pessoal.

    Ora, outras pessoas tero objetivos semelhantes. Como nem todos podem des-frutar do controle sobre terceiros, algum esforo para obter os bens materiais terde ser realizado. Um a-mais pode ser alcanar a abundncia material com um mni-mo de trabalho, mas isso acaba sendo anulado pelo fato de que outros tambmquerem isso para si mesmos, e se ningum estiver disposto a trabalhar a abundnciamaterial no ocorrer. Um outro a-mais pode ser exercer o controle sobre os ou-tros; mas o a-menos que outros tambm ho de querer controlar. O que resta? Oresultado desta conta so resduos individuais, que incluem projetos para o benefciode cada um que podem ser realizados, enquanto projetos semelhantes esto sendoempreendidos por outros. A promoo de tais objetivos pode ser considerada umbem que seja comum para todos e pode coincidir, pelo menos aproximadamente,com o objetivo da vontade geral, que o interesse comum.

    Fica faltando a essa explicao da coincidncia da soma de vontades particularescom a vontade geral um esclarecimento sobre a lealdade e o destino comuns. Rousseaudestaca tais sentimentos como fundamentais para a existncia de uma sociedadecivil justa, eqitativa e prspera.

    Kant (1982, p. 54), que ainda hoje continua sendo o melhor intrprete de Rousseau,discute esse tema no ensaio Para a paz perptua, declarando que uma boa organiza-

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    o para o Estado pode ser obtida se for acordada de tal modo que as energiasegostas dos homens se oponham umas s outras, cada uma neutralizando ou elimi-nando assim os efeitos destrutivos do resto.

    Por fim chegamos noo de vontade geral, que ocupa um lugar estratgico naexplicao de Rousseau sobre a origem da lei justa e eficaz no Estado ideal descri-to em O Contrato Social. Aqui est a chave para se entender como podem ser legiti-mados o poder e a autoridade civil. Como no poderia ser diferente, a noo complexa e sua interpretao motivo de muita polmica.

    O corpo soberano do Estado cria e divulga leis para regulamentar a vida comumde todos os membros desse Estado. Essas leis que tm a forma de mandamentodevem ser entendidas como declaraes de vontade. Segundo Rousseau tais leis solegtimas, ordenam justa e corretamente que sejam obedecidas quando, e apenasquando, essa vontade soberana a vontade geral.

    O corpo soberano compreenderia, por sua vez, todos os membros adultos doEstado. Por conseqncia, a vontade geral, como vontade do corpo soberano, , decerto modo, a vontade de todos os membros desse Estado. A questo est emdeterminar como a vontade geral se relaciona com a vontade de todos os membrosdo corpo soberano, ou dela possa emergir. Diz Rousseau (1995, p. 373) que a von-tade geral, para ser verdadeiramente geral, deve s-lo tanto no objeto quanto naessncia, deve partir de todos para aplicar-se a todos. Determinar o que isso signifi-ca, pode determinar de que modo uma diretiva, oriunda de todos os membros docorpo soberano seria uma expresso da vontade geral.

    Aplicar-se a todos significa que ningum est isento, acima ou margem da lei; eque a lei est expressa em termos gerais para que nenhum indivduo ou grupoespecfico seja discriminado por ela. Embora algumas leis possam impor exignciasdiferenciadas aos membros da mesma comunidade, Rousseau sustenta que o princi-pal interesse da vontade geral impor condies e exigncias amplas e fundamentaisque vinculem as pessoas simplesmente como membros do Estado. A criao de leisespecficas e a aplicao da lei caso a caso no funo do Estado, mas do Governo.

    Logo em seguida, Jean-Jacques Rousseau estabelece uma distino entre a von-tade de todos e a vontade geral, embora considere que a vontade geral possa ser osomatrio da vontade de todos (1995, p. 371). Indica que haver algumas leis bsi-

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    cas s quais cada pessoa ter motivos idnticos para aceitar, tais como a seguranapessoal, a garantia de meios de subsistncia e a dignidade moral, que devem sercompartilhadas por todos. Uma lei que favorea uns mas prejudique outros indiv-duos, no poderia oferecer aos prejudicados qualquer razo para concordar comela. Apenas quando cada uma das pessoas tem uma razo igual de todas as outraspara concordar com a lei que, na opinio de Rousseau, essa lei pode ser correta-mente considerada como tendo partido de todos, da mesma maneira e pelos mes-mos motivos. S nessas condies que essa lei constitui a expresso de uma von-tade propriamente geral.

    Apenas quando a promoo dos interesses que todas as pessoas tm em comum, para cada pessoa individual, uma preocupao central, que a lei tem possibilida-de de ser, de fato, a expresso da vontade geral. Quando a efetiva promoo dosinteresses que todos tm em comum se converter no real interesse de cada um dosmembros, no ser possvel que interesses pessoais ou setoriais subvertam o interes-se comum, e a vontade geral seja corrompida. Exatamente por isso Rousseau pensano ser possvel que uma sociedade seja capaz de determinar a sua vontade geral seno tiver desenvolvido um certo senso de lealdade e destino comuns, de modo queo bem de todos se revista de capital importncia para cada um (1995, pp. 381-382).

    Entretanto, se uma pessoa ou grupo percebe que tem mais a ganhar de leis quelhes sejam particular ou corporativamente favorveis, por que razo iriam submeter-se s exigncias da vontade geral que favorece a todos por igual, sem diferenciaoalguma? O que determinaria ser a lealdade comum a sua principal preocupao?Diante desta pergunta Rousseau argumenta que uma pessoa ou grupo ganhariam parasi uma vantagem ilusria se colocar em primeiro lugar as suas vantagens particularesou corporativas. Os prejudicados tentaro obter o que lhes foi negado, de modo que avida nesta sociedade ser conduzida pela ecloso de conflitos e agresses.

    Rousseau percebe e admite a existncia de muitos motivos nas pessoas que asimpelem contra a realizao e aceitao desse estado de coisas. Isso s faz reforara sua idia de que somente aqueles que esto acostumados a compartilhar e colabo-rar com outros num esforo comum, possuem a perspectiva concreta de realizaruma existncia civil regulamentada por leis que derivam da vontade geral. No hrazo para duvidar da sinceridade de Rousseau quando escreve no Discurso sobreeconomia poltica (1995, p. 256) que a segurana dos indivduos est to intimamenteligada confederao pblica que essa conveno seria licitamente dissolvida se noEstado, a um nico cidado que poderia ter sido ajudado, fosse permitido perecer.

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    Em seguida pergunta: o empreendimento celebrado por todo o corpo da nao noo obriga a fornecer segurana ao mais humilde de seus membros com o mesmo zelodispensado a todos os demais?

    Para ser verdadeiramente geral, uma vontade deve dar voz aos interesses quecada pessoa tem em comum com todas as outras. Se apenas uma pessoa for desa-tendida, a vontade deixa de ser geral, a lei para essa pessoa tirania e ela no tem aobrigao de obedecer-lhe. Para que a justia seja feita a cada pessoa em comumcom todas as outras um imperativo que se estabelea a vontade geral. Obedecer vontade geral forosamente ser obrigado a respeitar as necessidades e a dignidadede todas as outras. Ao ser obrigada a agir desta maneira uma pessoa est sendoforada a ser livre ou seja, a fazer tudo aquilo que correto que faa, comopessoa moralmente responsvel que reconhece os direitos dos outros.

    No entanto, Jean-Jacques Rousseau introduz em O Contrato Social o critrio damaioria como mtodo emprico para reconhec-la. A vontade geral, mesmo sem sera rigor a vontade de todos, declara-se, na prtica, atravs da vontade de muitos,onde os cidados participam do direito do voto. A vontade geral vem a ser assim avontade racional do Estado, juntamente com a vontade racional do povo e do indi-vduo, cuja vontade est em conformidade com a do Estado. Com isso, Rousseauentende superar a anttese tradicional entre liberdade e autoridade, criando assim asbases para a teoria moderna da soberania popular.

    O conceito de vontade geral no se esgota com Rousseau, durante a RevoluoFrancesa torna-se popular. Na Assemblia Nacional seu nome invocado para de-fender a soberania popular num momento em que o povo ainda precisava seriluminado ou educado adequadamente. Em fins de 1791 Rousseau torna-severdadeiro dolo popular e a vontade geral transforma-se na vontade do povo.Mais recentemente e com uma certa freqncia, a teoria da vontade geral relaci-onada com o pensamento marxista e com os seus herdeiros, enquanto que, tambmpara estes, a sociedade livre aquela em que todos obedecem vontade geral. Narealidade, trata-se apenas de encontrar o tipo certo de sociedade na qual o interesseindividual coincida com o interesse geral, o egocentrismo e o apego individual aosprprios fins utilitrios sejam anulados e o indivduo se realize na coletividade. Associedades do chamado socialismo real so citadas, por vrios autores, como asherdeiras autnticas do esprito de Rousseau: mesmo se nelas a democracia tenhaum carter antiparlamentar e a vontade do povo pretenda afirmar-se diretamente

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    atravs das decises da opinio pblica que se expressam nas decises do partido;mesmo se nelas tambm se note a aspirao da unanimidade e se admita um nicocaminho reto e, por conseqncia, uma nica vontade determinante da qual ex-presso a comunidade, a coletividade ou o Estado.

    Em suma e guardadas as devidas propores, a aplicao prtica do conceito devontade geral em uma certa sociedade, tal como props Rousseau, seria um vigoro-so instrumento institucional para que esta mesma sociedade garantisse a existncia ea distribuio eqitativa dos bens sociais primrios (liberdade, igualdade de oportu-nidades, renda, riqueza etc.), tal como, mais de dois sculos depois, props Rawls.

    3. Uma utopia sensata

    Neste ponto gostaramos de voltar s questes apresentadas no incio deste tra-balho e rememorar as famosas palavras com as quais Rousseau comea O ContratoSocial (1995, p. 351):

    Os homens nasceram livres e em todo lugar encontram-se a ferros....Como veio a se dar esta mudana? Eu no sei. O que pode torn-lalegtima? Acredito que posso resolver esta questo.

    Como assinala Allan Blooom (1987, p. 559) eis aqui, em primeiro lugar, a colo-cao do problema poltico contemporneo na sua origem e radicalidade. ParaRousseau a garantia da propriedade privada, que inspirou a criao dos Estadosmodernos, fez com que eles estivessem voltados apenas para a sua prpria preser-vao e, quando muito, para a simples preservao da vida dos seus sditos. EsseEstado, criado para se auto-preservar, acaba por impor uma maneira de viver exa-tamente contrria quela que faria os homens felizes. A posse de bens, a proprieda-de privada, o dinheiro, passou a ser a medida dos valores e virtudes, isto pode nolevar guerra perptua hobbesiana, mas destri os fundamentos da confiana e dasociabilidade espontnea, conduzindo ao egosmo e a uma cidadania medocre. Mascomo h escassez e as necessidades e os desejos de todos os homens vivendo emsociedade no podem ser satisfeitos, os ricos so protegidos e os pobres oprimidos.

    Como o pensamento do sistema proprietrio hegemnico e raramente temosvisto a vontade geral do corpo soberano ter sido posta em prtica, as pessoas semostram predispostas ao ceticismo ou desconfiana a seu respeito, considerando

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    que tal idia de vontade possa parecer incoerente, utpica ou, ainda, o simples deva-neio de um viajante solitrio. Para Rousseau a sociedade civil deveria ser um estado deinterdependncia recproca entre os homens, mas a instituio de um sistema econ-mico, poltico e ideolgico, que tem por objetivo garantir a posse privada de bens,imps que a grande maioria seja forada a desistir da sua vontade para trabalhar paraa satisfao de muito poucos. Uma vez que essa minoria controla a formulao eexecuo das leis, muitos nem mesmo gozam da proteo, oferecida originalmentepelo contrato, e em razo da qual se supe que eles entraram na sociedade.

    Na atual fase de expanso e radicalizao do capitalismo, onde ser cidado signi-fica quase que exclusivamente ter o direito de consumir, j no se trata de sonharcom um modelo de cidadania como o originalmente proposto por Rousseau, nemsequer trata-se de tentar restaurar a mnima dignidade existencial duramente con-quistada mesmo pelos poucos includos no sistema proprietrio construdo pelamodernidade ocidental. Esta oportunidade j foi perdida mesmo por aqueles que,em troca da sua prpria incluso, optaram por viver de acordo com as regras cria-das por um Estado que nada mais lhes oferece seno uma existncia medocre.

    Hoje, trata-se, na realidade, de olhar para o futuro e imaginar as possibilidadesde recuperar o que determinante na humanidade do homem. Como diria o cida-do genebrino: esqueamos os fatos, no se trata de falar sobre o que , pois dissotodos ns sabemos, mas falar daquilo que no foi, mas que poderia ter sido. Seconcordarmos com Jean-Jacques quando diz que o ser humano destitudo da von-tade e da felicidade um animal intil, para conseguir recuper-las ser precisocomear por questionar o atual contrato social que, por no considerar a humanida-de dos que na prtica lhe do sentido, pode ser at legal mas, certamente, ilegtimo.

    Contra os modernos e atualssimos Leviats Jean-Jacques Rousseau nos indica apossibilidade de rever o atual contrato e desejar a construo de um novo pactosocial que no seja determinado prioritariamente pela lgica da propriedade privadamas, ao contrrio, seja iluminado por um conjunto de normas universais que te-nham por finalidade liberar os seres humanos de todas as formas de opresso,dominao, alienao e aviltamento. Acreditamos que, atualmente, a teoria da justiade John Rawls e o seu conceito de maximin podem servir de parmetro para que secomece a pensar sobre os princpios ticos que devem orientar este novo pacto.

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    A este conjunto de normas que orientariam o dever ser do homem vivendo emnovo estado de sociedade o que chamamos de tica da Vontade. Sabemos que,para ns, octanetos da modernidade, o simples exerccio de pensar e imaginar for-mas de praticar este novo pacto uma tarefa dificlima, pois isso significa criar umanova maneira de pensar a humanidade, significa ir de encontro s pseudo universa-lidades ideolgicas que fazem a apologia do status quo ocidental como sendo j ouniversal humano acabado, o esprito absoluto realizado. De imediato, enfrentartodas essas dificuldades pode nos parecer incuo por tratar-se de mais uma uni-versalidade utpica, mas o que se quer alimentar a paixo pelo que aparentemen-te impossvel, porque, tal como via Max Weber (1979, p. 153) ao final da sua clebreconferncia A poltica como vocao:

    Certamente, toda experincia histrica confirma a verdade - que ohomem no teria alcanado o possvel se repetidas vezes no tivessetentado o impossvel. Mas, para isso, o homem deve ser um lder, eno apenas um lder, mas tambm um heri, num sentido muito s-brio da palavra. E mesmo os que no so lderes nem heris devemarmar-se com a fortaleza do corao que pode enfrentar at mesmoo desmoronar de todas as esperanas. Isso necessrio neste momen-to mesmo, ou os homens no podero alcanar nem mesmo aquiloque possvel hoje. Somente quem tem a vocao da poltica tercerteza de no desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista,for demasiado estpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhedeseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode dizer Apesarde tudo! tem a vocao para a poltica.

    Portanto, uma utopia sensata exige lutar pelo impossvel para conseguir o poss-vel. Renunciar a esta luta seria discordar de Rousseau e de Rawls e concordar comos prncipes esclarecidos do obscurantismo, seria reduzir definitivamente os homensao triste papel de meros espectadores da sua prpria histria.

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    Notas

    * Este artigo, por ser de autoria do Coordenador Editorial desta Revista, foi avaliado e indicado parapublicao pelo Conselho Editorial da Comum e por Eduardo Neiva, Professor Titular do Departamento deEstudos em Comunicao da Universidade de Alabama, Birmingham.

    1. Filsofo norte-americano nascido em Baltimore, Maryland, em 1921. Estudou na Universidade dePrinceton e foi professor de filosofia em Princeton, Cornell e Harvard. Sua principal obra, Uma Teoria daJustia (1971), teve grande repercusso no mbito da filosofia angloamericana e converteu-se em textoclssico da filosofia poltica e do direito.2. O sentido do intelectualismo moral de Scrates deve ser visto na identificao prvia do conhecimentocom a forma de viver, onde o conhecimento no um mero saber ou contemplao intelectual distncia,mas o motor mesmo de toda a atividade vital do homem.3. Do latim liberum arbitrium, vontade livre, um dos nomes que foi dado historicamente liberdade humana.Liberdade interna, capacidade de querer ou decidir se fazer algo apenas por motivos interiores sua prpriavontade. No livro XI, captulo 26 de A cidade de Deus, Santo Agostinho escreve: O que no existe no podeenganar-se e, por isso, se me engano, existo. Logo, se existo, se me engano, como me engano de que existo,quando certo que existo se me engano?4. Conjunto sistemtico de afirmaes filosficas e teolgicas do escocs John Duns Scot (1266-1308) eseus seguidores. O escotismo supe uma reinterpretao de Aristteles atravs de Avicena e no de Averris,levando-se em conta, preferentemente, a tradio filosfica que tem origem com Santo Agostinho. Cf. Scot,John Duns. Sobre o conhecimento humano. So Paulo: Editora Abril, 1973, p. 245.5. Filsofo ingls (1290-1349) nascido no condado de Surrey, considerado um dos pensadores maisrepresentativos da Escolstica tardia, ao lado de John Duns Scot. O ponto de partida da proposta filosficade Ockham um empirismo epistemolgico que o leva a exercer uma crtica radical a todo elementodesnecessrio ao edifcio filosfico. Admitindo que possvel conhecer intuitivamente, constri sua prpriateoria do conhecimento usando o critrio da economia do pensamento, mais conhecido como a navalha deOckham. Cf. Ockham, William de. Fsica e tica. So Paulo: Editora Abril, 1973, p. 403.6. A razo terica e a razo prtica so os dois aspectos em que se divide a razo pura, segundo Kant. A razopura terica engloba o conhecimento e a razo pura propriamente dita; ao uso da razo que se ajusta ao usodas categorias no mbito do sensvel, chama Kant de conhecimento, enquanto que chama de razo pura aouso da razo alm da limitao do sensvel e cujo contedo so as idias da razo. A razo prtica adeterminao da conduta humana mediante conceitos. Deste duplo aspecto da razo procede tambm adupla diviso da filosofia em terica e prtica. Alm dos usos terico e prtico da razo, existe tambm afaculdade intermediria entre o conhecimento e a razo, que Kant chama de faculdade de julgar.7. Erro que ocorre quando uma determinada questo recebe uma resposta de tipo ou nvel diferente dorequerido. Segundo Gilbert Ryle, comete-se esta classe de erros quando se unem conceitos mediante umaconjuno ou uma disjuno que pertencem a categorias diferentes. Como categoria entenda-se como aclassificao lgica dos conceitos. Descreve, como exemplo, algum que ao visitar uma universidade comsuas bibliotecas, aulas, professores etc, comete o erro categorial ao perguntar: mas, onde est a universidade?Cf. Ryle, Gilbert. Categorias. So Paulo: Editora Abril, 1973, p. 29.8. O texto que segue sobre o conceito de vontade em Rousseau baseado em N.H.J. Dent, 1996.

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    Resumo

    No momento em que o Estado moderno enfrenta a pior das suas crises, aproposta deste texto , a partir das idias de Jean-Jacques Rousseau aqui chama-das de tica da Vontade -, estimular o pensamento sobre a possibilidade de constru-o de um novo contrato social que no seja determinado prioritariamente pelalgica da propriedade privada.

    Ao contrrio deste modelo de Estado proprietrio excludente, que nos conde-nou a todos viver uma cidadania medocre, desejar um novo pacto que contemple oprincpio da felicidade humana significa recuperar um conjunto de valores ticosuniversais que tenha por finalidade liberar os seres humanos de todas as formas deopresso, dominao, alienao e aviltamento.

    Palavras-chave

    Jean-Jacques Rousseau, tica da Vontade, Estado, Contrato Social

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    Abstract

    At this time when the modern State confronts its worst crisis, this papersproposition is to start with the ideas of Jean-Jacques Rousseau - designated here asEthics of the Will -, to stimulate the thought about the possibility of building a newsocial contract that will not be determined primarily by the logic of private property.

    Contrarily to this model of a proprietary and exclusionary State that has condemnedus all to live a mediocre form of citizenship, wishing a new pact that will embracethe principle of human happiness means to retrieve a set of universal ethical valueshaving as their purpose to liberate human beings from all kinds of oppression,domination, alienation and abasement.

    Key-words

    Jean-Jacques Rousseau, Ethics of the Will, State, Social Contract