roteiro análise ergonômica do trabalho

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Capítulo III Análise Ergonômica do Trabalho III.1 - O projeto do trabalho e a Ergonomia Não deve existir nenhuma dúvida de que o fator trabalho é antigo e envolve as pessoas desde tempos imemoriais. Desta certeza primária e até primal decorre como pensamento inequívoco que a constituição antropológica do ser humano passou fundamentalmente por alguma espécie de construção de instrumentos 1 . Isto constitui uma historicidade particular, já que como o coloca LEROI-GOURHAN (1973) a tecnologia começa por ser vivida para em seguida, se necessário, ser então pensada. Exatamente por advir de tempos distantes na História e por ter tido uma evolução pontuada por dificuldades de diversas naturezas, muitas pessoas pensaram acerca dos instrumentos, sendo que alguns chegaram a pensar acerca do trabalho em si mesmo. COSA|TA LIMA (1987) apresenta esquemas construtivos grafados sobre pinturas orientais da Antigüidade, sugerindo que o pensamento organizacional teria uma idade próxima a das técnicas de pintura rupestres. Na modernidade, pensar e estruturar o trabalho persiste como necessidade de primeira ordem, mas que a nosso ver ainda se depara de uma impossibilidade de acontecer nos rumos do desenvolvimento tecnológico moderno. A Tecnologia continua a ser vivida para depois ser pensada. A diferença é que nossos tempos são marcados pela grandiloqüência da energia que os processos produtivos hoje manuseiam, assim como a precisão e focagem possível em suas instrumentações. O que constitui uma possibilidade tendencial dupla e paradoxal: as oportunidades que nunca tivemos para efetivamente projetar bem e corretamente o trabalho e as imensas implicações da ausência deste cuidado fundamental. Se os meios mecatrônicos e teleinformáticos abrem imensas possibilidades num sentido, as catástrofes de origem industrial, os acidentes ampliados e demais problemas dessa ordem - que invariavelmente tem sua causalidade atribuída a erro humano ou “culpa do piloto” mostram que o imperativo de organizar o trabalho jamais se colocou com tanta veemência como nos dias de hoje. A ergonomia é um campo disciplinar situada na arte da engenharia e que visa que o trabalho seja melhor organizado. Na consecução desta intenção, ela atravessou períodos evolutivos distintos desde uma abordagem experimentalista às concepções contemporâneas onde o estudo situado da atividade tem uma importância insubstituível em muitos casos, em 1A noção de instrumentos é mais abrangente do que a de ferramentas que, a rigor, designa apenas os instrumentos construídos em ferro, o que, devido a isto já delimita uma data e um períodos histórico. Por instrumentos entendemos, aqui os meios humanos elementares e manuais de instrumentação da natureza, em justaposição a engenhos (como as catapultas) e dispositivos (uma noção que requer uma ciência mecânica ou elétrica já desenvolvida)

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Documento do Professor Mário Vidal que traz considerações acerca de como proceder e interpretar o conjunto da Análise Ergonômica do Trabalho

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Capítulo IIIAnálise Ergonômica do Trabalho

III.1 - O projeto do trabalho e a Ergonomia

Não deve existir nenhuma dúvida de que o fator trabalho é antigo e envolve aspessoas desde tempos imemoriais. Desta certeza primária e até primal decorre comopensamento inequívoco que a constituição antropológica do ser humano passoufundamentalmente por alguma espécie de construção de instrumentos1. Isto constitui umahistoricidade particular, já que como o coloca LEROI-GOURHAN (1973) a tecnologiacomeça por ser vivida para em seguida, se necessário, ser então pensada.

Exatamente por advir de tempos distantes na História e por ter tido uma evolução pontuadapor dificuldades de diversas naturezas, muitas pessoas pensaram acerca dos instrumentos,sendo que alguns chegaram a pensar acerca do trabalho em si mesmo. COSA|TA LIMA(1987) apresenta esquemas construtivos grafados sobre pinturas orientais da Antigüidade,sugerindo que o pensamento organizacional teria uma idade próxima a das técnicas depintura rupestres.

Na modernidade, pensar e estruturar o trabalho persiste como necessidade deprimeira ordem, mas que a nosso ver ainda se depara de uma impossibilidade de acontecernos rumos do desenvolvimento tecnológico moderno. A Tecnologia continua a ser vividapara depois ser pensada. A diferença é que nossos tempos são marcados pelagrandiloqüência da energia que os processos produtivos hoje manuseiam, assim como aprecisão e focagem possível em suas instrumentações. O que constitui uma possibilidadetendencial dupla e paradoxal: as oportunidades que nunca tivemos para efetivamenteprojetar bem e corretamente o trabalho e as imensas implicações da ausência deste cuidadofundamental. Se os meios mecatrônicos e teleinformáticos abrem imensas possibilidadesnum sentido, as catástrofes de origem industrial, os acidentes ampliados e demaisproblemas dessa ordem - que invariavelmente tem sua causalidade atribuída a erro humanoou “culpa do piloto” mostram que o imperativo de organizar o trabalho jamais se colocoucom tanta veemência como nos dias de hoje.

A ergonomia é um campo disciplinar situada na arte da engenharia e que visa que otrabalho seja melhor organizado. Na consecução desta intenção, ela atravessou períodosevolutivos distintos desde uma abordagem experimentalista às concepções contemporâneasonde o estudo situado da atividade tem uma importância insubstituível em muitos casos, em

1A noção de instrumentos é mais abrangente do que a de ferramentas que, a rigor, designa apenas os instrumentos construídos em ferro, o que, devido a isto já delimita uma data e um períodos histórico. Por instrumentos entendemos, aqui os meios humanos elementares e manuais de instrumentação da natureza, em justaposição a engenhos (como as catapultas) e dispositivos (uma noção que requer uma ciência mecânica ou elétrica já desenvolvida)

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que pese a evolução de técnicas de simulação e de realidade virtual hoje passíveis deutilização2.

É nesta última orientação que tomamos neste capítulo e ela nos conduz a falar em açãoergonômica, onde se busca a contribuição à melhoria da organização mediante a analiseergonômica do trabalho. Para tanto exporemos as grandes linhas e os fundamentos da açãoergonômica, para em seguida delinearmos um roteiro da AET.

III.1.1 - Porque analisar o trabalho

Porque os engenheiros e arquitetos deveriam analisar o trabalho ?

Analisar o trabalho, enquanto postura de engenharia significa considerar a atividadede trabalho - uma das atividades humanas ao lado da atividade esportiva, das atividadesdomésticas, das atividades políticas - não apenas como existente, mas como o elementocrucial do uso e manuseio de tecnologias - conjuntos de conhecimentos essencialmentecientíficos aplicados a ramos de atividades particulares. A perspectiva da ergonomia -disciplina básica da engenharia do trabalho - é a da adequação dos produtos tecnológicos àspessoas que deles se utilizam num processo de produção. Analisar o trabalho, enquantopostura de arquitetura é entender toda uma série de pressupostos importantes e muitas vezesdecisivos para o sucesso de um projeto de espaços de trabalho, onde se trabalha.

Por produtos tecnológicos entenda-se tanto a base material das tecnologias, aíincluindo-se os artefatos físicos - equipamentos, mobiliários, instalações, ferramentas einstrumentos diversos - como os mentefatos - programas, softwares, rotinas, esquemas,raciocínios, estratagemas, artifícios e artimanhas - e os sociofatos - obrigações,responsabilidades, sanções, turnos, terceirizações, etc. Todos esses aspectos das tecnologiassão interrelacionados pois numa atividade de trabalho se empregam os artefatos de umatecnologia, mediante as possibilidades que são engendradas pelas características dosmentefatos e no contexto limitante ou estimulador dos sociofatos.

Tal perspectiva de encarar a atividade humana é rica para o crescimento interior efilosófico e fica aqui uma primeira proposta de se pensar acerca da atividade de homens emulheres, sejam crianças, adolescentes, adultos ou idosos. A Ergonomia como disciplinacientífica é resultado de uma história do conhecimento que bastante tempo levou paraassumir uma ocupação de desvendar uma pequena parte dos mistérios da vida naprodução/reprodução da sociedade.

Com a modernidade, muda o sentido do trabalho secular e o estudo do trabalho sobo enfoque ergonômico é conseqüência da complexidade crescente do meio e dos meios detrabalho, e através deles, dos meios de vida, a começar pela separação imposta entre o

2Ver VIDAL (1993), Os paradigmas em Ergonomia, Anais do II Congresso Latino Americano de Ergonomia, Florianópolis.

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mundo do trabalho e a esfera doméstica (dialética produção x reprodução) e maisrecentemente o surgimento do fenômeno de nichos de produção e de consumo.

Esta complexidade é fruto e causa das profundas modificações nas estruturassociais. Por exemplo, a passagem de uma sociedade agrícola para uma sociedade industrial,panorama brasileiro do primeiro quartel deste século, não foi uma mudança trivial, tantocomo as revoluções agrícola e do pastoreio foram, na Era Primitiva inovações tecnológicasbem mais difíceis do que uma simples automação de refinarias. É significativo para acompreensão da Ergonomia no Brasil o fato de dispormos de pouco mais de 100 anos detrabalho livre, embora eclodam denúncias de trabalho escravo no interior do Brasil. Talcomo na República Grega, o trabalho não tem merecido o devido destaque como construtorda riqueza nacional e uma boa parcela do empresariado brasileiro tem uma forte matrizescravocrata como assinala meu colega Miguel de Simoni. A profissionalização de relaçõesde trabalho, algo tão óbvio como necessário numa sociedade organizada é considerado,aqui no Brasil, como algo arrojado, inovador. Basta ver a repercussão do livro panfleto-biografico do Ricardo Semler para se ter uma medida disto. É evidente que essepensamento distorcido acaba contaminando também o corpo técnico das empresas, gerandoum conflito entre operários e supervisores, que é o mais danoso dos conflitos. Um colegaargelino, M.MADI (1992), demonstra, através de um estudo de caso em uma modernafábrica de cimento, que este tipo de conflito não somente cria mal-estar mas que define otrabalho realmente feito por ambos os grupos e que as perdas para a empresa sãoconcretíssimas, em termos de qualidade e de confiabilidade.

Somos um país que tem, hoje, uma razoável potência industrial e no qual aErgonomia é hoje requisitada tanto pelo empresariado mais consciente como pelosindicalismo mais avançado, com diálogo com as disciplinas científicas de fronteira doconhecimento, como as ciências da cognição, e com interações com as tecnologias de pontacomo a automação e a informática. O que explica esse ecumenismo acadêmico e social daErgonomia ? Acredito que seja a forma de se pensar e agir como Ergonomista que é,basicamente, não emitir opiniões, mas construir argumentações com base na análise daatividade de trabalho de pessoas reais, em situações reais, dentro de empresas reais eobservando fatos que ali se produzem.

III.I.2 - Resultados da Analise Ergonômica do Trabalho

Um bom exemplo é dado por um estudo ergonômico da informatização de umaagencia de notícias ( DURAFFOURG et al., 1980). Os jornalistas recebiam informações devárias partes do mundo e tinham de produzir as matérias para distribuir aos jornais domundo inteiro. Eles se distribuíam por Editorias como Economia, Esporte, etc. Antes dainformatização as informações chegavam por telex e radiofotos e cada jornalista produziasuas matérias espalhando o material na sua mesa e compondo seu texto. A informatizaçãoconsistiu em colocar terminais individuais por onde chegavam os elementos necessáriospara a editoração. Após a informatização, contrariando as expectativas, houve queda naprodutividade e na qualidade da agência ( que passou a produzir menor número de matérias

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com uma baixa na qualidade de cada uma). Além disso as reclamações dos jornalistas semultiplicaram até a eclosão de uma inédita greve na agência.

Os ergonomistas estudaram ambas as situações, registrando os comportamentos daspessoas em ambas as situações - antes e depois da informatização e evidenciaram que :

(i) o trabalho não era individualizado como se supôs e que a conversaentre colegas era fundamental; no entanto a informatização previupostos de trabalho onde para conversar com o colega era necessário selevantar ou se contorcer, implicando em problemas de postura;

(ii) a redação era feita mediante a consulta de vários elementos ao mesmotempo; no entanto a informatização permitia a consulta a uma parte decada documento por cada vez, gerando um num esforço dememorização que causava implicações na vida extraprofissional,particularmente no sono.

(iii) devido a uma representação equivocada do manuseio de material,acreditou-se que a tela do terminal eliminaria a necessidade demanuseio de papel e, portanto, as mesas foram reduzidas, implicandonum entulhamento do posto de trabalho na nova situação.

(iv) a falsa idéia de que a disponibilidade de informação no terminalfosse suficiente levou a empresa a minimizar gastos com impressoras;no entanto os jornalistas solicitavam listagens para minimizar osesforços de memorização e a impressão se tornou um gargalo noprocesso;

(v) a análise do conteúdo redacional mostrou uma forma de estruturaçãode textos que não se coadunava com as teorias lingüísticas existentes.Em outros termos os jornalistas teimavam em não obedecer às teoriaspsicolinguísticas em vigor.

O resultado desta análise ergonômica implicou, do ponto de vista tecnológico, naredefinição do material informático, dos programas de edição de texto (criação de janelas),do mobiliário e do próprio ambiente geral. Do ponto de vista científico se criaramdiscussões com a lingüística ( discussão acerca do comportamento redacional); com apsicologia ( evidenciação da baixa capacidade da memória imediata). No plano social, oestudo ergonômico permitiu esclarecer alguns termos do conflito entre a direção e osjornalistas, até então acusados de reativos à inovação, conservadores.

Agir como ergonomista foi, neste caso, partir de uma premissa básica efundamental: uma inovação tecnológica de grande potencialidade - como é a informática

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-implantada sem cuidados ergonômicos, sem levar em conta a atividade de trabalho daspessoas que manusearão a tecnologia, está fadada ao insucesso. Neste caso foi possívelanalisar o trabalho e corrigir uma série de deformações. Em outros podem ser criadassituações irreversíveis onde o custo da correção seja da ordem da implantação. E, o que épior, uma implantação inadequada de uma tecnologia projetada de forma insuficiente, semlevar em consideração os fatores humanos, a atividade de trabalho, pode implicar emacidentes e doenças. e até mesmo catástrofes como TMI, TCHERNOBYL, BHOPAL eBELFORT ROXO.

Pensar como um engenheiro que busca fazer uma prospectiva da Ergonomiasignifica entender como se chegou a isso. Significa, em termos mais amplos, ficar atentopara a construção da História e tentar nela permanecer embarcado. E particularmente a umprocesso histórico particular, a evolução do estudo do trabalho. E é o que faremos a seguir.

III.1.3 - A gênese do estudo do trabalho

O forte e o característico da Ergonomia Contemporânea emerge da adoção de uma prática oposta aoexperimentalismo puro, qual seja a busca de conhecimentos pela análise de situações de trabalho, ou sepreferirem, da análise do trabalho em situações reais e não simuladas. Esta postura observacional é menoscômoda do que a pratica simulativo-experimental, já que na observação de campo praticamente não existepossibilidade de separar e isolar variáveis ou "fatores" como num laboratório e, menos ainda, de podermosmanipular de acordo com nossa vontade, a forma, o momento e a intensidade da "entrada em cena" dequaisquer desses fatores.

Vale sublinhar que esta oposição de práticas não chegar a se configurar numa ruptura epistemológicajá que a forma e o recolhimento de dados em situação real não é algo mais dificil ou inviável do que naprática experimental, mas suas etapas, como veremos mais adiante, são perfeitamente equivalentes enquantométodo de abordagem, podendo ainda ser procedido ao tratamento de dados por uma mesma base matemática- o tratamento estatístico, que providenciará técnicas adequadas para cada caso: o quadrado latino e a análisede variâncias num caso, a estatística não paramétrica nos outros.

Em suma, pelo simples fato de cotejarem um maior número de fenômenos envolvendo tanto otrabalho (que querem adaptar aos trabalhadores) como os trabalhadores ( que como "clientes" deveriamsempre ter razão...) esta nova vertente da Ergonomia permitiu que a ela fossem incorporados uma série denovos critérios e mesmo de novas preocupações, a começar pelo relacionamento entre o sujeito pesquisador ea realidade que estuda. Agora desmunidos das paredes e da misteriosa aura protetora de suas instituições depesquisa, viram-se ergonomistas bastante atrapalhados em não somente observar e analisar a contento os fatospertinentes a seu estudo, mas principalmente em explicar-se - o que é Ergonomia? O que que você estáfazendo ali? Onde você esta querendo chegar? - mas também , em tentar convencer aos seus interlocutores davalidade e da importância de suas conclusões, uma verdadeira ousadia pagã para os homens de ciência:conformar-se aos ditames da realidade social e da correlação de forças existentes na sociedade no momentoda intervenção.

Em síntese, a idéia de um modelo operante de situações de trabalho que preconiza WISNER (1967),buscar conjugar um procedimento científico e praticado na engenharia, a modelagem, com a característicabásica da disciplina Ergonomia, que é seu sentido de ação - donde o adjetivo operante. O cuidado é grandepara não se retomar a redução funcionalista do Sistema Homem-Máquina, e nem deslizar para o terrenopantanoso da Psicossociologia. Uma coisa é certa: todos os ergonomistas trabalharam a partir de fatos ousentenças que trataram do comportamento dos operadores em situação experimental ou real. E essecomportamento é a resposta da pessoa ou do indivíduo à sua condição de trabalho, esta última constituita

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pelas condições de execução (as condições de trabalho no senso estrito) o delineamento da tarefa e osobjetivos da mesma, e as características individuais do(s) executante(s), conforme mostrado na figura 3.1.

O comportamento torna-se observável pela análise do trabalho, que reúne uma seqüências deprocedimentos e preceitos metodológicos para se formular um modelo operante de uma situação de trabalho.Os critérios empregados para avaliação são, os critérios socialmente aceitos para avaliar o desempenho dossistemas de produção, quais sejam saúde, qualidade e produtividade.

Esta ruptura relativa com o experimentalismo, ao jogar os ergonomistas na realidade social, com oscritérios de um negociação nela implícitos, implicou num novo-antigo paradigma, do trabalhador comosujeito da intervenção, enquanto um componente ativo de unidades sociotécnicas. Nesse sentido, oscomportamentos são parte do esforço consciente para a produção. E é isso que permite aos ergonomistas,finalamente falar mais em trabalho do que em condições de trabalho ou mesmo de elementos da atividade detrabalho. Embora o campo seja epistemológicamente limitado à compreensão dos comportamentos deregulação, a análise ergonômica procura ver a atividade de produção de bens e serviços "Por dentro dotrabalho" (título do livro de A. Wisner em português).

Inscrita como uma disciplina de ação, na realidade dos processos de trabalho, esta última vertentebusca identificar não mais parâmetros de projetação, como os paradigmas que lhe antecederam, masestabelece um protocolo de projetação, através de uma programação que parte das necessidades formuladasou de solicitações para intervir (análise da demanda) para estabelecer os limites do diagnóstico e do espaçopara a formulação de recomendações para a modificação da situação de trabalho (figura 3.2), que cabera aosengenheiros de produção especificar, detalhar, implantar e acompanhar o funcionamento. Donde aimportância para a profissão de EP.

III.1.4 - Os princípios da ação ergonomica

Nesta passagem da Ergonomia para a realidade social, incluindo a breve conjectura acerca da divisãointernacional do trabalho, fica uma questão no ar, e é algo absolutamente essencial: Que princípios adota oergonomista para efeito de considerar seu diagnóstico, ou, em termos de engenharia, os elementos para aprojetação?

Os princípios de desempenho aparecem sob quatro formas: os ganhos de produtividade, a melhoriade qualidade e o aumento da confiabilidade o ganho de saúde

Figura 3.1 - Focos e Perspectivas de Análise em Ergonomia Contemporânea

DesempenhoQualidade e Produtividade

SaúdeSegurança e Qualidade de vida

Nível das Repercussões

Atividade de trabalho

Condições de execuçãoObjetivos a alcançar Exigências da tarefaNivel dasdeterminantes

Nível dasobservações

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O ganho de produtividade tem sido um anátema para as ações de intervenção em matériade atividade humana no trabalho. Os autores mais contundentes da linha produtivista (e seus opositores mais rígidos) colocam a necessidade de se produzir mais e melhor amenor custo como uma questão secundária. No entanto a produtividade é umacategoria a que os inúmeros técnicos têm que se confrontar na realidade objetiva dasempresas onde trabalham.

A melhoria de qualidade é um tema que vem ganhando terreno no campo da retórica. Naverdade tudo se passa como a atitude de envolvimento, a filosofia da qualidade, tudo,enfim dependendesse de um voluntarismo que ignorasse toda uma série deinadequações do projeto das situações de trabalho. Como explicar, por exemplo queum plano de melhgoria da qualidade gerado em Brasília vingasse naquela cidade emesmo em vários pontos dos EUA, sendo deficiente na cidade do Rio de Janeiro?

O aumento da confiabilidade aparece com um maior destaque às custas das inúmerascatástrofes industriais deste final de século (Bhopal, Tree Miles Islands, Tchernobyl,Vila Socó, Bayer do Brasil). Em todos estes casos, verificaram-se funcionamentosinadequados das empresas onde estes casos se produziram, apesar do esforço que sefez para encontrar e atribuir tais problemas a "erros humanos" ?

Os ganhos de saúde ( conforto, adequação da carga, redução de acidentes e doenças) sãorelativamente absolutos, no sentido em que ninguém se coloca contrariamente, porémse tornam abstratos numa negociação imediata. A esse respeito vale sublinhar aimportância do uso de instrumentos legais como as Normas regulamentadoras,particularmente a NR-17 (Ergonomia) como argumento de autoridade. Em todo o casolá onde os trabalhadores possuem um grau mais elevado de organização, algumasações podem ser encetadas de uma forma mais concreta que o simples principiohumanista ademais pouco operacional na realidade empresarial e de forma menosimpositiva que a injução legal.

III.2 . Roteiro para Análise Ergonômica do Trabalho

Para realizar uma análise ergonômica do trabalho deve-se seguir um esquemametodológico básico que consiste em dividir o trabalho nas oito fases mostradas na figura3.2, quais sejam :

a) Constituição e Análise da Demanda;b) Estudos preliminares;c) Escolha de situações críticas;d) Análise global; e) Pré-diagnóstico;f) Diagnóstico e Caderno de Encargos;g) Projeto de situações de trabalhoh) Validação

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Estas nove partes podem ser ampliadas em função da especificidade de cadaintervenção e a história desta experiência de vida (acadêmica ou profissional). A estrutura é,pois, indicativa e não estritamente obrigatória. Vamos detalhá-la um pouco mais.

III.2.1 - Constituição e análise da demanda

A intervenção ergonômica acontece numa empresa ou instituição onde existe umahistória, várias histórias já aconteceram, etc. E onde existem problemas diversos, sonhosde várias pessoas em que algumas coisas3 mudem, mas também orgulho de se ter realizadovários feitos, vaidades diversas mais ou menos justificadas, enfim é uma realidade de vidaonde nem tudo se sabe à priori. Dependendo de quem fala e o que esta pessoa fala, pode serque outras pessoas falem outras coisas, façam menção a outros problemas e se orgulhem deoutros feitos.

Uma coisa é certa: nem todo o mundo sabe de tudo o que acontece - uns mais outros menose se deve exatamente tentar perceber estas diferenças. Por outro lado cada grupo éconstituído de pessoas, com pouca experiência profissional no domínio da Ergonomia e suapratica de intervenção na realidade do trabalho e, portanto, sabem apenas algumas coisas etêm, à partir das aulas alguns ideais e conceitos para fazer o estudo (ver títulos 3 e 4). Atéque consigam explicar e começar a perceber alguns dos problemas que merecem um estudode engenharia ou arquitetura de produção, isto leva um tempo, nem todos compreendembem o que é Ergonomia, o que é Engenharia do Trabalho, outros têm uma visão destorcidada Engenharia de Segurança, alguns mais são pessoas ótimas mas super-ocupados e assimpor diante. Todo este trajeto entre o contato inicial com a empresa e até que seja negociadoum contato ou , no caso acadêmico, autorizado o estudo, chama-se análise da demanda,.

Para efeito de roteiro, o trabalho de campo começa descrevendo esta “epopéia”inicial. Nesta etapa algumas coisas podem se modificar pois nem sempre o problemaapresentado pelas pessoas da empresa - sejam eles da alta administração, dos serviços desegurança, de medicina ou recursos humanos ou operários novos ou antigos - correspondeplenamente a indiscutíveis e precisas : uma grande empresa de digitação formulou à Áreade Engenharia do Produto da COPPE um pedido para especificar a mudança de mobiliáriopara melhoria de posturas e dores lombares de que se queixavam os(as) funcionários(as);este trabalho acabou por implicar num estudo de reorganização do trabalho de entrada dedados. Portanto deve-se conversar com pessoas diversas na hierarquia da empresa, desdegerentes a trabalhadores de forma a que se entenda quais as possibilidades de estudo dentrodaquela empresa.

3Utilizarei o termo coisas para designar os fatos da produção. Nesse sentido o termo pode designar tanto os fatos materiais imediatos - artefatos - como fatos mentais e cognitivos dele decorrente - mentefatos - como os fatos sociais prevalente - sociofatos. As coisas traduzem pois a realidade sistêmica que são ao mesmo tempo objeto e objetivo da arquitetura dos locais de trabalho ou, mais precisamente da produção dos ambientes profissionais construídos.

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Os tópicos mínimos a serem levantados aqui são: Apresentação da empresa e das pessoas com quem os primeiros contatos foramestabelecidos; Listagem dos problemas e dos resultados positivos por eles apresentadosnesses primeiros contatos;

Existência ou não de propostas ou ofertas de locais para o estudo

Impressão do grupo sobre esta etapa

Quadro 3.1 - Análise da demanda

Reconcepção global da situação de trabalho

Figura 3.2 - Demarche metodológica geral em Ergonomia Situada (Guérin et al., 1991)

Pré-diagnóstico

Escolha de situações críticasHipóteses de nível 1: escolha de situações a analisar

Estudos preliminaresEstudo das contingências e do contexto da empresaEstudo da população de trabalhadoresAnálise do funcionamento global da empresaAnálise do fluxo de atividades

Caderno de Encargos Ergonomico

Construção do diagnóstico ergonômicoFormulação de hipóteses de nível II : porque as pessoas se comportam desta maneira naquela situação ?Construção de um plano de observaçãoObservações sistemáticasTratamento de dadosValidação

Análise global das atividadesObservações abertasConversa-ação

Constituição e análise da demanda :a formulação das demandas, a identificação do contexto e das subjacênciasa reformulação da demandaa consensualização total ou parcial sobre o estudo ou intervenção

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III.2.2 - Estudos preliminares

III.2.2.1 - Contingências e Contexto da empresa

Vencida a primeira etapa, manda a metodologia que se entenda a empresa em seufuncionamento de uma forma sucinta porém extensiva. A idéia básica é que o grupo possaestabelecer o contexto no qual se exercem as atividades produção. Isto ajudará a entendermelhor a demanda, a avaliar algumas dificuldades, enfim a entender melhor o que se passanaquela empresa. Este é um trabalho para qualquer atividade em engenharia de produção e,naturalmente também deve ocorrer em engenharia do trabalho.

Os tópicos que aqui apresento são indicativos, o que significa que cada grupodeverá cobrir o que for possível, mas sem se preocupar em descer a detalhes muitoespecíficos, o que não seria possível nos limites deste curso. São eles:

Produto e Mercado: Setor de atividade e importância sócio-econômica daempresa. Qual a clientela, como está em termos de competição ? A firma éúnica no mercado ou existem muitos concorrentes ? Qual o mix deprodução ( fabrica muitas coisas diferentes?), que materiais emprega,existe alguma coisa em termos de qualidade de produto estabelecida ?Existem variação sazonal da produção ?

Geografia e História da firma : sua origem, tempo de existência, suaevolução, suas estratégias atuais; Localização, tecido industrial (existemoutras firmas por perto? existem serviços próximos e quais são eles?);

Organização geral e Tecnologia - Qual a tecnologia empregada ? existemfirmas de tecnologia mais avançada por perto ? concorrentes ? Estudo doprocesso, do fluxo; quais as características básicas do processo técnico,automação, informatização, robótica, partes convencionais etc. ?

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Organização do trabalho: Qual o modo de gestão do pessoal? Qual aformas de divisão do trabalho: em linhas ou grupos semi-autônomos ?quais as atividades próprias e terceirizadas? quais os horários, turnos eescalas de pessoal ? quais os diferentes postos na hierarquia e qual adiferença entre eles ?

Aspectos legais e Gerenciamento ambiental: legislação ambiental, normasregulamentadoras específicas da atividade daquela firma : Poluição, lixo,reciclagem, política ambiental, etc.

Quadro 3.2 - Contingências e contexto da empresa

III.2.2.2 - Estudo da população de trabalho

Um aspecto fundamental do levantamento que merece um destaque à parte é oestudo da população de trabalho. Afinal, a produção se faz com pessoas e necessita-se sabermuito sobre essas pessoas. Saber :

Quantos são no total e distribuídos entre os turnos e divisões dafirma ?

Onde moram e como vêm para o serviço ?

Qual o grau de instrução e de escolaridade ? Qual o nível e a forma deformação profissional e de qualificação para os diversos postos ?

Qual sua repartição por sexo e por faixa etária?

Qual o tempo de permanência na firma e na profissão ?

Existem muitas faltas e licenças médicas ?

Existe muita rotatividade deste pessoal ?

Quais as doenças e problemas de saúde que existem junto a essapopulação ?

Qual o regime salarial? Existem prêmios e outros benefícios ?

Há sindicato da categoria ? É forte ? Quantos sindicalizados ?

Quadro 3.3 - Dados sobre a população de trabalho

Esses dados estão dispersos em vários setores da firma ou na cabeça de algumaspessoas. É um importante trabalho organizá-los de forma coerente de forma a que se possavisualizar com quem se trabalha efetivamente. Isto causa um grande impacto e, destaforma, deve ser utilizado meticulosamente como passo metodológico de compreensão e de“venda do peixe” da intervenção ou do estudo ergonômico.

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III.2.2.3 - Funcionamento global da unidade produtiva

O objetivo, aqui, é o de situar-se no contexto no qual a empresa funciona, para quese tenha um maior aprofundamento dos aspectos subjacentes à demanda e permita detalhara metodologia do estudo ou da intervenção, situando de forma mais claras as dificuldades eexigências da tarefa. Este contexto pode ser esquematicamente subdivido nas seguintesdimensões : econômicas, sociais, legislativas, geográficas e técnicas .Esta análise sintetiza,complementa e orienta os primeiros estudos de conjunto, podendo confundir-se com eles,no caso de uma pequena ou média empresa. Deve ser detalhado no caso de uma instalaçãoindustrial específica de um grupo (por exemplo uma refinaria do sistema PETROBRÁS,uma das fábricas do grupo VOLKSWAGEN, uma filial de uma rede de supermercados,uma agencia bancária...). O quadro 3.4 mostra o conteúdo de cada uma destas dimensões daanálise do funcionamento global da unidade produtiva.

Dimensões do funcionamentoglobal da empresa

Objeto/Objetivo

Econômica Posicionamento da empresa no mercado

Momento comercial (concorrência forte ou fraca)

Social Evolução da população de trabalhadores da empresa;

Dados coletivos sobre a saúde do trabalhador;

Políticas sociais já tentadas;

Legislativa Regulamentação de atividade específica;

Zoneamento urbano e vizinhanças;

Gerenciamento ambiental;

Geográfica Variações climáticas (chuva/sol, frio/calor etc.);

Localização e Acessibilidade;

Transporte dos operários;

Técnica Descrição das etapas técnicas do processo produtivo

Terminologia, vocabulários e jargões da firma;

Objetivos quantitativos de produção

Ambiental Espaços, acessos e circulação

Ruídos e Vibrações

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Iluminação e claridade

Ambiente térmico, Poeiras e Ventilação

Outros riscos ambientais

Quadro 3.4 - Estudo do funcionamento global de uma empresa ou situação

Note-se que não de se trata de aprofundar ou detalhar estas características e, paratanto, existem uma série de propostas metodológicas como o MEPHISTO (SIMONI eMATTOS, 1987) que permitem fazer esta varredura, cuja finalidade é, aqui,especificamente instrumental.

III.2.2.4 - Análise do fluxo de atividades

Trata-se de um estudo clássico de engenharia de métodos que, aqui deve sersintetizado ao extremo, quer dizer, que se evidenciem os principais fluxos de materiais,informações e pessoas no espaço de produção. Os mapofluxogramas, esquemas dedeslocamento plotados sobre a planta baixa da instalação ou da seção fornecem umexcelente descritivos. Neste tipo de representação gráfica se utiliza a convenção ASME4:

Símbolo Significado

Transportes

Operação

Inspeção

D Espera

Estocagem

III.2.3 - Escolha de situações características.

Sendo a idéia básica da Engenharia do trabalho que através do estudo do trabalho seconsiga evidenciar pontos de intervenção do Engenheiro de Produção acerca do processo deprodução, resta um problema metodológico (de como fazer isto). Certas empresas podemchegar a contar com milhares de trabalhadores ocupando outros tantos postos de trabalho esituações intensamente variadas e que naturalmente não dará para analisar tudo. Assim aergonomia contemporânea propõe que se empregue critérios de escolha de situações para

4ASME = American Society of Mechanical Engineering. Esta pictografia é a recomendada pela OIT. Maioresdetalhes podem ser obtidos em BARNES, R.M. Estudo e medida do Trabalho, Ed. Edgard Blucher, São Paulo

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hierarquizá-las, formar uma dada ordem de importância. As situações características são asmais importantes de acordo com a aplicação de critérios de escolha.

Os critérios deverão surgir em função das solicitações iniciais trabalhadas naAnálise da Demanda e dos esclarecimentos e elementos obtidos na Exploração doFuncionamento da Empresa e do Estudo da População de Trabalhadores. Alguns critériosgenéricos para a escolha de situações críticas podem existir, tais como :

Critério de queixas - escolha de situação onde as queixas dostrabalhadores são mais numerosas ou contundentes;

Critério de conseqüências - escolha de locais onde as conseqüências deproblemas é mais grave;

Critério de centralidade - escolha de um dispositivo de cujofuncionamento dependem muitos postos acima ou abaixo na seqüência defluxo de produção;

Critério de modernidade - escolha de situações onde uma mudança amédio e longo prazo na tecnologia se faz necessária;

Critério de estabilidade - escolha de uma situação que não seja fortuita,efêmera e que se mantenha ao longo do estudo ( a menos que essainstabilidade seja a própria razão de ser do estudo);

Critério de acesso - escolha de uma situação onde o estudo possa ser feito

Quadro 3.5 - Critérios de escolha de situações características para a AET

Cada situação de estudo ou de intervenção deve, entretanto, formar um critériopertinente de escolha e validá-lo junto às pessoas na empresa para escolha das situaçõescríticas. A formação de um critério é, na verdade, uma especulação sobre o que sejarealmente importante para fins de análise e por isso GUÉRIN e al., 1991, propõem anoção de hipóteses de nível I, acerca do funcionamento da empresa e a pertinência de umou outro aspecto que explique um funcionamento inadequado ou, no caso de projeto, deum funcionamento desejável. O relato desta vivência da construção e aplicação de critériosdeve constar no relatório de trabalho de campo, pois ele se constitui no principal ganho deaprendizado ao longo de um estudo ou intervenção.

III.2.4 - Análises globais das atividades nas situações características

A análise global das atividades se opera como decorrência da aplicação dos critériosque nos conduzem a escolher determinadas situações e não outras para análise ergonômica.O objetivo é o de formular algumas questões chaves para a fase seguinte, de estruturação deum pré-diagnóstico Aqui, porém, não se trata, ainda, de estabelecer detalhes descritivos

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finos, mas de construir uma primeira imagem de como realmente se trabalha nessassituações, buscando, por esse viés, captar o funcionamento da organização como um todo.

As fases precedentes já devem ter permitido formar uma visão genérica daatividade, em geral descrita “de fora” de seu contexto de realização, ou seja, sem considerara atividade como situada - ações possíveis que se exercem numa situação e não em outra -e sim como uma tarefa que integra um sistema menos definido, a visão gerencial daunidade produtiva. Esta fase é a de checar estas imagens e acrescenta-las de detalhes queescapam às descrições de caráter genérico que pode ser fornecida pelas chefias esupervisões. Essas questões tratarão de dados específicos sobre o dispositivo de trabalho,sobre a organização do trabalho, sobre as variabilidades da atividade e sobre o meioambiente de trabalho. O quadro 3.3 mostra esses elementos.

Grupo de questões Dados a levantar

Dispositivo de trabalho Estrutura geral dos equipamentos e periféricos;

Esquemas pictóricos (croquis, fotos, templates);

Interfaces técnicas (ligações entre componentes)

Interfaces homem-máquina (dispositivos de informação econtrole, telas, alarmes etc.;

Problemas freqüentes (alimentação, travamentos, etc.);

Dispositivos de Proteção e Segurança;

Organização do trabalho Operadores que intervêm no posto;

Divisão de tarefas (estruturação coletiva da atividade);

Horários, modos de alternância, sucessividade;

população específica da situação de trabalho em estudo;

Esquemas operacionais (rotinas, fluxogramas, seqüências) ;

Comunicações entre trabalhadores

Escritos de trabalho;

Atividade em si mesma Principais gestos de trabalho

Posturas típicas

Deslocamentos

Consultas e outras tomadas de informação

Riscos mecânicos

Variabilidades da atividade Manutenção e panes;

Fluxo de maior ou menor atividade;

variabilidade inter e intra-individuais envolvidas;

Ações imprevistas ou não programadas;

Quadro 3.6 - Dados a serem obtidos em análises globais

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A obtenção destes dados se dá por dois meios distintos e complementares: asobservações abertas, onde se observa o que acontece e as interações ou conversa-ação5,onde os trabalhadores diretos ou próximos são entrevistados de forma a forneceremdetalhes interessantes sobre a(s) atividade(s). Estas duas formas se articulamdialeticamente: as observações ensejam temas para entrevistas e detalhes das entrevistasensejam observações abertas.

III.2.5 - Pré-diagnóstico

A complexidade das situações de trabalho escolhidas para a análise global trazem comocorolário analítico a dificuldade de se estabelecer relações causais simples, entre um dadodo contexto - que caracteriza a situação - um dado das condições de execução - quecaracteriza uma dificuldade específica naquela situação - e uma observação ou narrativa deuma atividade real - o que o sujeito fez naquela situação face àquela dificuldade tendo emconta os objetivos e exigências de sua tarefa.

Este tipo de resultado de uma análise global de situações de trabalho deve levar aque façamos uma serie de enunciados especulativos6, afirmações provisórias das relaçõesentre certas condições de execução da atividade, de certas características desta atividade ede seus resultados. Tais enunciados propõem uma primeira explicação dos problemasevidenciados ou assumidos como tal, apontam para alguns elementos sobre os quais umaintervenção - transformação, mudança, correção, ajuste - deve ser feita, e tenta justificar asinvestigações posteriores sobre eles.

Tais enunciados não são, todavia, puramente empíricos, derivados da observação global edas interações, já que experiências anteriores, referências bibliográficas, analogias e atéalguns insights cabem nesta formulação, na condição de que se consiga sustentar oformulado - a hipótese nula é sempre o abandono do enunciado em prol de uma melhorformulação deste(s) enunciado(s). O pré-diagnóstico, enquanto estrutura de textocomportará frases do tipo: “Aparentemente os fatores A,B e C que constamos fazem comque os trabalhadores trabalhem assim e assado, o que, é bastante provável que explique ofato de ter acontecido isto ou aquilo”.

Finalmente, apesar de sua estrutura um tanto o quanto curiosa para um estudotécnico - com especulações, insights, analogias etc., o pré-diagnóstico é um instrumento

5Para maiores detalhes sobre este método ver VIDAL M.C. Conversa-Ação : a interação orientada em Análise Ergonômica do Trabalho, GENTE/COPPE, 19956Por enunciados especulativos entenda-se enunciados provisórios a partir dos quais, com o acréscimo de alguns elementos circunstanciais, se pode formular uma hipótese de nível 2, ou seja, porque as coisas acontecem da maneira que foi constatada ou suposta.

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metodológico possante que deve viabilizar a construção do diagnóstico ergonômico, comoveremos a seguir, e manter a Analise afastada de seus dois grandes perigos, quais sejam:

a) A análise da atividade em si mesmo, desvinculada de uma problemática - nocaso estabelecida pela demanda;

b) Uma análise que emprega ótimas técnicas, muito bem conduzidas pelosanalistas, porém inadequadas para a problemática já definida.

Em outros termos o pré-diagnóstico é a primeira síntese importante da analiseergonômica e ela deve servir como o balanço da intervenção ou do estudo até este ponto. Opré-diagnóstico deve, assim , ser apresentado na empresa, para o conjunto dos participantes(chama-se a isso a restituição da Análise Ergonômica do Trabalho, que deverá tambémocorrer quando do diagnóstico ergonômico).

III.2.6 - O diagnóstico ergonômico

A partir do pré-diagnóstico a Análise Ergonômica do Trabalho deve buscar aconstrução de um modelo operante das situações de trabalho, onde os elementos do pré-diagnóstico serão, agora, corroborados por um tratamento científico, ou seja de umaanálise focada em torno de hipóteses de nível II : porque as pessoas se comportam destamaneira naquela situação. Tais hipóteses tem como premissas todo o conhecimentoacumulado em estudos e intervenções ergonômicas anteriores e em situações análogas ouassimiláveis e terão como fenômeno7 central a atividade de trabalho nas situaçõesescolhidas e que tem como objetivo maior a construção de sínteses, argumentações edemonstrações de natureza cientifica. A diversidade de finalidades e formas da AET, requerigualmente que estabeleçamos princípios de objetividade e de flexibilidade.Discorreremos, pela ordem, os seguintes aspectos constitutivos do diagnóstico(a)Construção de hipóteses de trabalho; (b) Formas de argumentação e demonstração; (c)Princípios de objetividade e de flexibilidade

III.2.6.1 - Construção de hipóteses de trabalho

O estabelecimento de fatos é por assim dizer, um nome pomposo, par uma coisa bastantesimples em Ergonomia : que existem constituintes de situação de trabalho que impedemum bom desempenho e que comprometem a qualidade de vida no trabalho. O pré-diagnóstico aponta os elementos que podem vir a explicar tais impactações (negativas ou

7Por fenomenologia entende-se a existência de um par ordenado sujeito cognoscente-objeto conhecido que significa uma relação em si mesma. Assim um fenômeno é algo que acontece em si mesmo, independentemente de seus problemas existenciais, históricos, probabilisticos e contextuais. Kant denomina de fenômeno qualquer objeto de experiência possível e susceptível de ser conhecido autenticamente - e não em função de contextos, históricos ou contingências. Husserl , um dos fundadores da filosofia moderna empresta ao fenômeno a idéia de quintessência dos fatos, no sentido de que os fenômenos não nos aparecem, são vivenciados”.

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positivas N.B. !). Um fato científico, porém, requer um tratamento mais rigoroso do que adémarche ate aqui levada a cabo. Se até então tratava-se de abordagens globais com afinalidade de estabelecer indicativos, nossa preocupação passa a ser de :

i. Verificar e tentar generalizar constatações particulares;ii. Estabelecer argumentações quantitativas de alguns aspectos bem

delimitados;iii.Pesquisar elementos da situação de trabalho onde os dados até então

obtidos sejam insuficientes para a argumentação;iv. Empregar outros métodos de investigação mais apurados;v. Descrever de maneira meticulosa alguns aspectos indicados como

importantes.

Por ser um tratamento de características científicas, a analise passa a ser focada emtermos de hipóteses. Entretanto, o que vem a ser uma hipótese ? De um modo geral trata-sede uma explicação antecipada deduzida da fase de observação global e esquematizada nopré-diagnóstico e que deve ser verificada pelo tratamento sistemático de dados, ou seja,examinada à luz das evidências : descrições, quantificações, esquematizações. Emmatemática as hipóteses constituem os enunciados iniciais dos quais se partem para ademonstração de um teorema. No nosso caso, da Ergonomia, estes enunciados devemprimeiramente existir (hipótese ou teorema de existência) para em seguida descreverpropriedades (hipóteses características).

Tomemos como exemplo a dificuldade da população feminina na adaptação aoposto de trabalho de motorista de ônibus em New York (Másculo, 1990). O teorema deexistência é demonstrado através de uma descrição do posto, onde existem dispositivos aacionar que requerem uma certa força física mensurável, através do estudo da população detrabalhadores que mostra a existência de um contingente feminino naquela ocupação e dedados bibliográficos etiológicos que mostram que a população feminina tem limites deforça máxima aquém do que existe na população masculina. As hipóteses característicasmostram que tais dispositivos devem ser acionados de determinadas maneiras em situaçõesde emergência, o que reduz mais ainda a força acionadora disponível, o que pode inclusiveser avaliado por simulação experimental. A combinação das hipóteses de existência doproblema e de suas características pode permitir a formulação de recomendações sobre amecânica de tais dispositivos e, com efeito, a partir disto, um redesenho do dispositivoacionador de frenagem de emergência foi incorporado aos coletivos na área da New YorkTransit Authority.

Como vimos nesse rápido exemplo, a elaboração de hipóteses resulta de uma leiturade fatos que relacionem o trabalho que as pessoas devem realizar com suas possibilidades elimitações de ordem física, cognitiva e organizacional, dentre outras. Esta elaboração éainda guiada pela análise da demanda que privilegia algumas das impactações com relaçãoa outras e pelo conhecimento e experiência dos ergonomistas e projetistas capazes dechamar a atenção para efeitos imprevistos. A visão dos trabalhadores e/ou usuários étambém significativa: um aluno da graduação em engenharia de produção da UFRJ

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observou que a compra de um ferro de engomar moderno acabou resultando em coisaalguma, já que a principal usuária - a empregada doméstica - se defrontou comdificuldades de manusear o sofisticado engenho e preferiu voltar a usar o aparelho antigo.

Além disso as hipóteses em ergonomia tratam de um elemento básico, a atividadede trabalho. Muitas vezes somos tentados a estabelecer relações causais diretas como : umasequncia postural que envolva o trabalho estático e o carregamento sobre as verterbras levaao surgimento de dores lombares; ou a má iluminação do posto causa problemas visuaisnaqueles trabalhadores. No entanto a construção de relações causais é formalmentedesaconselhada já que uma situação de trabalho se constitui como um sistema onde mexerem um elemento significa em agir sobre a estrutura como um todo: aumentar o tamanhodas janelas para melhorar a iluminação pode significar aumentar a carga térmica de umaedificação, um posto com um mobiliário sofisticado pode não eliminar problemas as doreslombares já que a postura não se explica unicamente pelo mobiliário e assim por diante.Além disso, nem sempre todos os elementos causais são imediatamente identificáveis,muitos deles somente aparecendo no decorrer de uma observação cuidadosa e meticulosada atividade. Trata-se de elaborar um sistema de hipóteses construídas a partir deconceitos e de leituras acerca da situação que permitam explicar os comportamentos,fugindo das relações causais que são,por natureza, parciais e simplificadoras dacomplexidade dos fenomenos do trabalho.

Assim sendo podemos sustentar que a elaboração de hipóteses em ergonomia temcomo aspecto genérico, uma explicação antecipada de porque as coisas acontecem destaforma, porque se trabalha desta maneira em certas circunstâncias e em determinadoscontextos, buscando ainda relacionar funcionamentos com os artefatos, mentefatos esociofatos que constituem uma situação de trabalho. Isto tudo para que se obtenha, nasequencia do trabalho de intervenção, a possibilidade de construir uma foma deargumentação e de de demontração mais efetiva.

III.2.6.2 - Formas de argumentação e de demonstração

Tendo formulado hipóteses, tratemos de demonstrá-las, ou seja, mostrar que asexplicações que adiantamos “funcionam”. Como fazer isto? A maneira mais eficaz é oexemplo ilustrativo de uma situação onde tudo o que se “adiantou” vem a acontecer. Istonem sempre deve poder acontecer - em casos onde a hipótese era a de um desastre, umacidente, uma morte tomara que nunca ocorra!

Nos casos onde uma situação exemplar pode ser descrita ou simulada isto é o quedeve ser feito, os resultados são por si só bastante impactantes. Acrescente-se a isso adescrição de comportamentos relacionados a circunstâncias bem definidas semnecessariamente recorrer a dados quantitativos: para certos travamentos de programas aúnica solução é dar um boot, o que significa que a eliminação de dispositivos de gravação

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automática de dados - autosave - para economizar memória pode vir a ser um erroirrecuperável de concepção de um sistema.

Em outras situações a demonstração deve recorrer a uma quantificação do tipofreqüência de uso ou repetição, associada ou não aos casos anteriores. Por exemplo paraconvencer dos riscos de um procedimento de total automatização de controles de tráfegono metrô mostrou-se que (a) uma determinada pane de instrumentação ocorria comfreqüência significativa (superior a 10% do tempo de observação) e que (b) nestascircunstâncias os procedimentos eram feitos sem uso do controlador automático de trafego- que regula a variação de velocidade das diferentes composições para impedir a colisãomúltipla.

A essencia da questão da demonstração e da argumentação, é que, por esteprocemiento se busque modificar a representação existente de como se trabalha naqueleambiente, representação esta que governou, até ali, as decisões e encaminhamentos acercado trabalho e dos projetos que a ele conernem)cieculações, abientes, tempos, rotinas, etc.).Toda a construção de hipóteses e as formas de demontração e argumentação existem nestaégide: Existe uma visão dstorcida, preconceituosa, defeituosa, equivocada, etc, à origem daconcepção do sistema de produção, isto devendo ser revisto para que os problemas possamser melhor equacionados8. III.2.6.3 - A sistematicidade da observação no diagnóstico

Os elementos para as argumentações e sua organização em demonstrações advêm de fatosestabelecidos e que devem ser colocados em evidência, ou seja, que devem ser destacados,ressaltados, enfim que apareçam com o devido destaque para que sejam objeto de atençãoprojetual. Este passo metodológico requer observações de um tipo particular quechamaremos de sistemáticas. Estas formas de observação diferem das observações de tipoglobal que ate aqui vínhamos discutindo por terem uma forte componente de orientação adeterminados focos ou objetos.

8Na verdade problema é o ponto comum entre a engenharia e a ciencia e a tecnologia. A partir de um problema, se refletirmos sobre sua natureza e gênese, buscando seus fundamentos teóricos, estamos trabalhando numa perspectiva científica; se olharmos um problema e buscarmos refletir sobre sus estrutura e formulação, estamos trabalhando numa perspectiva tecnológica. Já a engenharia vai buscar soluções aplicaveis naquele monemento, situação ou contingencia, nem sempre recorrendo a posturas cientificas e muitas vezes numa perspectiva tecnológica tornada sumária por uma série de interveniencias, dentre as quais as pressões de tempo e custo. Definamos a engenharia como métodos de busca, desenvolvimento e implatações de problemas de campo. No caso da engenharia de produção, a natureza dos problemas está nas opções organizacionais e é na teoria das organizações que os elementos científicos para a teoria da produção devem serbuscados.

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Em que consiste esta orientação ? Trata-se de planejar a observação sistemáticacom vistas à confrontação destes focos em diferentes circunstâncias e à quantificação deelementos constituintes que possa ser observados - o que chamaremos de observáveis.

Planejar uma confrontação é uma atitude crítica. Contrariamente ao que se toma nosenso comum criticar não significa contrapor um enunciado verdadeira a um enunciadofalso, mas, sobretudo, a fazer emergir o não dito, não observado, o escamoteado numdiscurso, numa descrição. Dois aspectos são, aqui, importantes: a emergência e aconfrontação.

A emergência de fatos a partir da observação sistemática, resultado de umaobservação crítica funciona como uma correção e um aprofundamento da analise globalque, ademais pode tão somente sugerir pistas de trabalho. É através da sistematicidade queos indicativos tomam uma forma mais legível. Entretanto quase sempre esta leitura nãopode ser direta e, tal como no trabalho sobre um texto existem muitos elementosescondidos nas entrelinhas. V. de KEYSER, uma importante ergonomista belga, fala acercadeste aspecto da analise ergonômica como sendo uma análise em terceiro nível, da seguinteforma:

“(...) Muitas vezes voltávamos da pesquisa de campo com um relatório queconsiderávamos muito bom e onde sustentávamos relações de causa e efeitoligando vários fatores da situação de trabalho ao desempenho ou à carga detrabalho dos operadores, Era quando FAVERGE, após nos escutar atentamente,nos provocava dizendo: Puxa, a situação era bem mais simples do que parecia.Dizendo isto saia como se o trabalho estivesse terminado. Voltávamos a campopara checar tudo o que afirmáramos, dado o mal-estar que aquela reaçãoinusitada de nosso chefe nos havia causado e, após um certo tempo nesta novaobservação, verificávamos que nossa explicação havia sido um tanto o quantoafobada e que certas sutilezas que nos haviam escapado eram, na verdade,preciosos constituintes de mecanismos da atividade, cuja desconsideração teriaposto por terra toda uma análise. Foi com este tipo de atitude crítica queFAVERGE nos levou a aprender a analisara atividade em seu terceiro nível, nemna superficialidade das primeiras constatações, nem no preconceito de algumesquema conceitual ou empírico preexistente, mas sim no âmago mesmo dasingularidade de cada processo individual que se encerra numa atividade detrabalho. (...)”

de Keyser (1982)

Os fatos que assim emergem de uma observação de uma situação devem serconfrontados com os resultados de uma outra observação. Isto é elementar na investigaçãocientífica, pois olhando para um objeto em si, nada é possível além de uma apreciaçãoestética absoluta e abstrata. É confrontando que se pode perceber a existência demecanismos da atividade de trabalho em relação com o contexto de cada atividade: Sequando existe uma tal dificuldade o operador age assim e quando existe uma outra o

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operador age assado, é permitido fazer a hipótese de relacionamento entre uma coisa eoutra. No entanto nunca é desnecessário frisar que somente podemos comparar observáveiscomparáveis, o que não é um mero jogo de palavras. Coisas comparáveis podem serentidades completas como a operação de duas máquinas iguais num mesmo ambiente emomento; coisas comparáveis também podem ser análogos9 de duas coisas a princípio bemdiferentes (aspectos ou mais precisamente características destas duas coisas.

Nesse último sentido a atividade de um caixa bancário pode ser confrontada à de umguichê da previdência social no aspecto formal de interação com o público na fila; umacentral de atendimento de cartão de crédito pode ser assimilada ao atendimento de umaempresa de marketing direto e assim por diante. Existem aspectos que se parecem e nistopode existir uma possibilidade de confrontação e quem sabe uma comparação10. Mas amesma situação pode ser completamente diferente se comparamos o atendimento de umacentral do tipo anúncios por telefone, onde se paga por minuto falado e/ou por tipo deanúncio - donde a conversa tenda a se estender um pouco mais com a situação de auxílio àlista (102), das companhias telefônicas do sistema TELEBRÁS, onde o tempo deatendimento é padronizado em 40 segundos por chamada, embora o posto físico detrabalho seja o mesmo: uma telefonista, um terminal telefônico acoplado a uma rede decomputadores (ETCHERNACHT, 1996).

O traço fundamental deste rigor é a coerência descritiva das observações, o que se traduzpela metódica forma de construir os observáveis. Mas, construir observáveis não seria algoesquisito, pouco científico, já que estamos falando de fatos e de sua evidenciaçãocientífica? Esta é uma questão de fundo, fundamental, portanto. Vamos a ela !

Estamos falando de algo bastante específico que é a observação sistema de umarealidade particular: a atividade de homens e mulheres em situação de trabalho. Estarealidade apesar de ser particular, específica, diferente de outras coisas , histórias e

9Analogia é uma importante operação analítica. Em seu sentido estrito é a identidade da relação que une de dois em dois os termos de uma relação. A proporção matemática é, por excelência, uma analogia entre duas quantidades. Num sentido mais concreto porém menosrígido dizemos que uma analogia designa a possibilidade de semelhança entre dois objetos em uma análise (objeto = aquilo sobre o que nossa atenção se volta). BUNGE (1974) estabelece duas categorias de analogias, a analogia formal - as formas de dois fenômenos separecem - e a analogia substancial - a substancia ou teor de dois fenômenos apresentam similaridades. Este autor chama de isomorfismos aos casos em que ocorrem concomitantemente as analogias formais e substanciais. No que tange às situações de trabalho, é praticamente impossível que ocorram isomorfismos, a menos que os objetos de análise e os observáveis sejam construídos com extremo cuidado e suas mensurações efetuadas com imensa acurácia. 10Bem rapidamente: confrontação é a tentativa de se fazer uma comparação; inversamente uma comparação é uma confrontação realizada com sucesso e que permitiu algum resultadoconclusivo

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processos que podem ser evidenciados a partir da observação do trabalho de homens emulheres11. Esta é uma operação metodológica básica, a escolha de determinados objetosde observação cuja descrição, análise, interpretação e estruturação em um sistema dáorigem a um modelo do real, que torne a realidade complexa e multidimensional algocompreensível e portanto operacional para fins de uma intervenção de arquitetura ou deengenharia. A fase de análise global que resulta num pré-diagnóstico é o primeiro grandepasso neste sentido. Aqui, estamos falando do segundo grande passo, o diagnóstico.

Para o diagnóstico se fazem necessárias observações sistemáticas e estas requerem umrecorte muito bem efetuado da realidade que observamos. A necessidade de uma coerênciadescritiva traduz esta necessidade em termos metodológicos. Assim ao menos doiscuidados devem ser observados para que esta necessidade seja satisfeita: a definição deindicadores e a lógica dos registros a coletar. A definição de indicadores nos vai permitirde encaixar o resultado de uma observação - do tipo: observei que naquela situação istoacontece - com uma categoria estabelecida a priori - tal como comportamento do operadorface a um defeito do equipamento, ou atitude cognitiva face a uma incerteza com relação àinformação que lhe foi disponibilizada por seu sistema de controle, ou resposta face a umasituação imprevista como a falta de energia num escritório fortemente informatizado etc. alógica dos registros conduz à estruturação do que se observará e do que se deixará deobservar, apesar do atrativo que possa representar - o que muitas vezes é fortíssimo. Alógica implica no rigor e disciplina e , por exemplo, caso se queira estudar a estabilidadede um processo, é lógico que se deve incorporar na observação o que possa vir a quebraresta estabilidade e não apenas se lamentar da dificuldade de se obter um período estávelonde a observação possa ser feita...

II.2.6.4 - Princípios de objetividade e de flexibilidade

Como último aspecto, não se deve perder de vista que o objetivo é o de analisar aatividade de trabalho sistematicamente e que isto significa conseguir dar conta da formacomo as coisas evoluem, como os processos se desenvolvem e como as histórias seconstituem. Portanto dois princípios deverão ser seguidos meticulosamente : a objetividadecriativa e a flexibilidade oportunista.

A objetividade criativa dá conta do fato de que o importante, aqui, é caracterizar ofluxo da atividade de trabalho, a mobilização da energia e das competências das pessoaspara produzir em boas condições para si mesmo. É este resultado que se procura e não orespeito à disciplina metodológica à toda prova. A metodologia da Analise Ergonômica doTrabalho não é bem empregada senão quando der conta da realidade que se propôs e nãoquando seus passos foram rigorosamente observados. No decorrer deste processo, senecessário, muita coisa poderá ser modificada e é neste sentido criativo e sensível queWISNER (1994) fala em arte e não em técnica para se referir à prática ergonômica.

11Note-se, en passant, a sutil diferença entre atividade e trabalho que esta frase emprega.

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A flexibilidade oportunista, decorrente imediata do princípio da objetividadecriativa, significa que nada deve ser estabelecido de forma rígida e imutável quanto asituações períodos e observáveis que devem, caso necessário, ser objeto de mudanças nocurso mesmo da análise. Claro que mudar seu plano no decurso da observação sistemáticaé uma decisão grave e com várias repercussões sobre o andamento da intervenção. Istosignifica que uma tal deliberação deve ser cuidadosa e bem levada a cabo. O princípio daflexibilidade oportunista lembra apenas que se for necessária e a ocasião se apresentar, eladeve ser feita. A Análise Ergonômica do Trabalho requer uma certa coragem e uma boadose de fôlego, nesse sentido...

III.2.7 - Do pré-diagnóstico ao diagnóstico ergonômico: as observações sistemáticas

A pergunta chave para a construção do diagnóstico, a partir das reflexões queviemos de fazer é a seguinte : como realizar a observação sistemática a partir doselementos pré-diagnosticados ? Esta estrutura, que se pretende científica, se caracteriza pordois movimentos complementares e intrinsecamente ligados: o estabelecimento de fatos e aadministração das evidências.

Trataremos aqui do estabelecimento de dados e sua estruturação final em laudo ourelatório contendo conclusões e recomendações. O uso e direcionamento destes elementospara fins de mudanças, predições, prospectivas e projetos será visto no item seguinte.

III.2.7.1 - Escopo da observação sistemática

Se nosso objetivo é o de confrontar observáveis parametrizáveis - ou sejaobserváveis que posam ser expressos de forma quantitativa com vistas à argumentaçãodemonstrativa futura, o corolário12 disto é que a observação sistemática seja bem planejada.em que consiste este planejamento e quais seus característicos de qualidade? Talplanejamento significa, dentre outras coisas, a escolha de situações - o que de certa formafoi visto quando da análise global: trata-se de repetir tal operação metodológica em funçãodos objetivos de sistematicidade desta fase da Analise Ergonômica do Trabalho - osperíodos em que se dará a observação e os observáveis. A figura 3.3 esquematiza aorganização de um plano de observações.

Um elemento metodológico importante a ser considerado é o do escopo da observaçãosistemática. Nesse particular cabe entender a perspectiva topológica e temporal em que seinscrevem os determinantes e resultados a partir dos quais se planeja a coleta de dados. Noâmbito topológico é possível que as situações e seus determinantes sejam característicasreprodutivas ou se inscrevam em processos de distintos estágios de avanço técnico o quealgumas vezes pode tornar mais complexa a análise e a confrontação. É o caso de umamodernização onde certos postos já foram modificados e outros não. À ocasião de umapesquisa para tese de doutorado (DUARTE, 1991) ao lado de uma sala de controle onde

12Proposição ou verdade que decorre logicamente de outra, conseqüência direta de um teorema já demonstrado

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havia sido implantado um sistema informatizado de instrumentação e controle, existia umaoutra sala onde os operadores se serviam da tecnologia precedente, de baseeletropneumática; foi o caso de minha própria tese de doutorado onde confrontei sistemasconstrutivos industrializados e semi-artesanais. Neste casos para se observar os mesmosprocessos os observáveis e os momentos de observação podem ser de natureza bastantediversa. No caso dos sistemas construtivos a opção metodológica foi a de construirmodelos funcionais da atividade equivalentes em cada uma das realidades bastantediferenciadas e que assumiam, a partir daí, formas situadas aparentemente diferentes.

Uma outra realidade topológica se dá quando as modalidades de observação variamno interior mesmo de uma dada situação. ë o caso analisado por ETCHERNACHT (1996),das variações de estratégias de atendimento numa mesma central telefônica, foi o casoestudado por DURAFFOURG e al. numa confecção, onde a estrutura de comunicaçõesentre operárias diferenciava-se em função da mudança de modelos e da destinação doslotes confeccionados. Neste casos a opção metodológica se orienta para a manutenção dosmesmos observáveis em circunstâncias distintas.

Realidades temporais são igualmente significativas neste planejamento. Levar emconta a impactação de fatores sazonais - concentração de atividades em períodos de pico deprodução, ou em certos dias ou horas da semana - ou imprevistos - como funcionamentosem períodos calmos e perturbados - é um passo decisivo para uma escolha acertada dequando observar a atividade de trabalho.

Estabelecimento de observáveis

Formas de parametrização

Escolha de situações

Estabelecimento deperíodos de observação

Desempenhos

Resultados variáveisnum dado período

Variabilidades

Fatores mutantes numdado período

Regularidades

Fatores estáveis num dadoperíodo

Resultados

SaúdeQualidade

Produtividade

A t i v i d a d e a a n a l i s a r

Determinantes

Condições de execução da atividadeExigencias da tarefaObjetivos a alcançar

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III.2.7.2 - O conceito de observáveis

As atividades de trabalho tem um significado claro para o ergonomista: trata-se daresposta comportamental da pessoa face à situação de trabalho para realizar sua tarefa:atingir os objetivos, respeitando as exigências e submetida às condições de execução e istotendo em conta seu estado pessoal. Os observáveis são os elementos integrantes destaresposta comportamental que podemos observar, para descrever ou inferir sua lógicaintrínseca. Conceitualmente, observáveis são características mensuráveis da atividade detrabalho.

Podemos classificar tais comportamentos em três tipos: os comportamentos de açãosobre os dispositivos, as tomadas de informação e as comunicações. Desta tipologiaderivam os observáveis que mais tem sido empregados em Análises Ergonômicas doTrabalho.

As ações sobre dispositivos são comportamentos operatórios de fácil notação, masde uma certa dificuldade inicial em captar sua lógica. na verdade tais ações devem sersempre associadas ao contexto em que ocorreram: se em situação calma ou perturbada, seem momentos de rotina ou subseqüentemente a incidentes, se inscritos numa seqüênciaprescrita ou parecem ser inusitados e assim por diante.

As tomadas de informação geralmente antecedem e se sucedem às ações sobre osdispositivos. Em geral este comportamento é o básico de uma atividade e é por onde alógica da atividade pode ser melhor captada já que o mínimo gesto está sempre inseridonuma perspectiva cognitiva, de raciocínios em situação de trabalho. As fontes deinformação podem estar aparentemente bem concentradas numa consolo e/ou numterminal, ou podem estar dispersas ao longo do espaço de trabalho. ë comum que aspessoas tenham que se deslocar ou se comunicar para obterem a informação necessáriapara sua atividade.

As comunicações, sejam elas de base oral ou escrita, podem estar associadas a umatomada de informação, podem fazer parte integrante da atividade em si mesma, epermitem, igualmente, uma criativa maneira de acessar e tratar disfunções da organizaçãodo trabalho, com o propõe FEITOSA (1995, em preparo). Por exemplo, é bastante comum,em salas de controle, que uma boa parte da jornada de trabalho seja consumida em contatoscom o pessoal de área, basicamente para dispor de informações que complementem osistema de instrumentação e que verifiquem o resultado dos acionamentos pelo sistema decontrole. Para o segundo tipo de comunicações temos as situações de manobras deelevação de cargas em construção, o trabalho em centrais de atendimento, e nosprotocolos administrativos, onde a comunicação é uma atividade em si mesma e que deveser considerada como tal, a intervenção Ergonômica podendo especificar protocolos típicos(como códigos adaptados a cada caso) e/ou suportes especiais para tais atos comunicativos(como fones hands free, que deixem as mão livres). No terceiro caso, podemos

Figura 3.3 - Esquema de um plano de observação (Leplat, 1989 e Guérin e al., 1992)

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exemplificar com dimensões comunicativas da atividade como o controle de trafego dometro, onde a comunicação é apenas parte da atividade, crescendo bastante comanormalidades e outras perturbações, ou com a atividade de trabalho de um gerente(LANGA, 1994), onde o tipo, freqüência e teor de comunicações orais ou escritas permiteevidenciar problemas e disfunções neste trabalho.

O tipo de comportamento (ativo, investigatório ou comunicativo) a privilegiar não édado numa situação de trabalho, tampouco se escolhe por critérios pessoais do analista. Naverdade pode-se observar todos eles e mais sua interrelação, pois são as hipótesesestabelecidas a partir do pré-diagnóstico que irão conduzir a observação, portanto,definirão o(s) tipo(s) de comportamentos a observar. Entretanto, os observáveis a adotarvariam de acordo com a natureza da análise, que tanto pode ser alguma coisa mais focada,dirigida ou pontual, como mais hermenêutica13, no sentido de que se inclua num processode interpretação a cargo do analista. Assim os observáveis, independentemente do tipo decomportamento a observar podem ser elementares ou compostos.

Os observáveis elementares articulam manifestações externas e visíveis do corpo humanocom a atividade de trabalho e requer que estejam ligados a hipóteses de trabalho muitobem definidas acerca do próprio observável em si mesmo. Assim um observável como afreqüência de mudança postural tem sentido numa atividade de grande intensidade física,como as manobras de escavação de túneis (VIDAL, 1980), perfuração de poços de petróleo(SILVEIRA, 1993); a freqüência de consulta a um determinado mostrador faz sentido numprojeto de disposição física de um console de instrumentação (BEZERRA, 1976), acomunicação freqüente a um determinado interlocutor o coloca como informante deplantão numa estrutura organizacional, sugerindo-o como atividade a investigar maisdetalhadamente (FEITOSA, 1994). Uma característica importante dos observáveiselementares é que o recorte que permite seu registro é o de referencia espacial: localizaçãodo corpo no espaço, posição da cabeça, posturas instantâneas etc.

Os observáveis compostos se estabelecem para relacionar comportamentos aoconteúdo da atividade de forma menos direta. Assim os deslocamentos de um operador,que numa perspectiva elementar servem para ajudar a organizar o layout de um posto detrabalho ou de uma secção de uma planta industrial, podem ser empregados para tentarentender uma estratégia de avaliação do estado de um processo. ABRAHÃO (1986) mostraque a diferença entre os deslocamentos do mestre destilador em duas destilarias de álcoolse explicavam não por características pessoais, mas devido ao fato de que numa situaçãoexistia maior competência coletiva para detectar problemas conquanto numa outra, amenor qualificação para avaliar indícios de processamento como o tipo de borra ou tempode acomodação empurrava o mestre a fazer ele mesmo estas leituras. O que caracteriza estetipo de observáveis é seu caráter de composição de elementares segundo um recorte queacresce aos anteriores o recorte por referencia temporal e de uma fração do processo de

13Hermenêutica significa etimologicamente a interpretação de textos bíblicos. Na verdade a atividade remonta à antiguidade, onde sacerdotes decifravam as profecias dos diversos oráculos, como o da pitonisa de Delfos. Modernamente significa a interpretação com vontade científica de qualquer texto difícil.

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trabalho, no sentido de que se identificam gestos, objetos manipulados, dispositivosacionados e instrumentação consultada, tudo isto num dado contexto, para definir umaunidade observacional singular.

Os observáveis não são dados em si mesmos, apenas tendo este caráter searticulados com um aspecto da atividade que se quer entender, ou, em termos maiscientíficos, de um artificio que permite conceituar fenômenos a partir de fatos da situaçãode trabalho, permitindo quantificações a partir das quais as argumentações e suaestruturação em demonstrações possa ser feita. Neste sentido cada observável deve ter umpossibilidade de leitura, possibilidade esta garantida pela articulação entre o observável e aatividade de trabalho. Já utilizamos anteriormente (VIDAL, 1985) a articulação entrecomportamentos globais (tarefas de recuperação e de correção) e o andamento de umaobra; REBELLO (1992) relaciona uma tipologia de intervenções manuais numprocessamento automático de recibos de pagamentos previdenciários com a velocidade deprocessamento da máquina e o volume de lotes a processar. Em todas essas articulaçõesdepreende-se uma importante variável a considerar, o tempo, ou melhor, a dimensão14

temporal da atividade.

A atividade de trabalho se desenvolve num ambiente temporal, ou seja, as ações seinscrevem no tempo e são condicionadas por ele. As tarefas profissionais sofrem a pressãodo tempo, requerem coordenação entre participantes, as reações químicas r6enm uma dadalatência, etc. Da mesma forma o tempo de aprendizado e experiência é decisivo naformação da competência de operadores. Tomando o cuidado de não resvalar para umasimplificação abusiva como a medida do trabalho por tempo-padrão como umquantificador absoluto, a articulação de observáveis numa perspectiva temporal devebuscar a identificação de pressões temporais, suas conseqüências sobre a atividade, oimpacto das dificuldades e dos incidentes no tempo, a variabilidade temporal de atividadesanálogas etc. DURAFFOURG e al.(1980) mostraram que as falhas da preparação decomponentes a inserir numa placa eletrônica alterava os dados de tempo padrão de formasignificativa: para uma previsão de 0,90 min/10015, incidentes chegavam a majorar umaoperação em quase 30% deste valor ! THEUREAU (1980) mostrou que a atividade dasenfermeiras era tentada em termos de uma seqüência bastante interrompida por pequenasurgências que faziam com que as atividades subsequentes devessem ser realizadas numtempo menor; AW (1990) mostra que a possibilidade de um corte súbito de energia. levadaem consideração por um operador de um guindaste portuário fazia com que o

14Estamos empregando muito o conceito de dimensões. O termo está sendo tomado no sentido topológico, segundo o qual uma entidade pode ser decomposta, rebatida ou derivada em dimensões constituintes, a partir de um contexto de referencia. Assim um ponto P se localiza no espaço euclidiano por sua distancia à origem numa dada trajetória T. Esta trajetória pode ser complexa (curva reversa, por exemplo). Neste caso projetar a trajetória T em eixos retilíneos X, Y e Z simplifica o calculo e a posição pode ser expressa em termos de valores x,y e z tomados sobre aqueles eixos. Neste sentido X, Y e Z são os domínios das dimensões x,y e z deque se compõe a posição do ponto P, uma forma mais fácil de trabalhar do que uma distancia d sobre uma trajetória complexa T.15Em engenharia de produção não se utilizam os segundos (min/60) e sim os centésimos de minutos (min/100) para facilitar os cálculos: duas frações centesimais podem ser simplesmente adicionadas

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deslocamento de cargas fosse realizado numa velocidade aparentemente lenta demais: orisco de que o guindaste tombasse por efeito da inércia era real!

Isto tudo deve ser cuidadosamente realizado, no sentido ético que distinga a analiseergonômica do trabalho com a avaliação individual de operadores, o que remete ao estudodo operador em si e não da situação em que se encontra. Ademais o impacto negativo dacronometragem como forma de pressão sobre os trabalhadores pode vir a comprometer acooperação entre trabalhadores e analistas...

III.2.7.3 - Observáveis elementares mais freqüentes

Como assinala WISNER (1996), a multiplicidade dos aspectos de uma intervençãoergonômica traz à baila a impossibilidade de uma metodologia que se exima de um exameteórico das questões que são suscitadas na intervenção pela constituição e análise dademanda e todos os elementos amealhados nas fases iniciais e que antecedem a analise dasatividades, sejam elas globais ou mesmo na fase específica. Dai decorre que é algoinadequado se falar num inventário de observáveis que serão sempre vinculados a umcontexto de observação. Entretanto, se colocarmos lado a lado, uma série de estudos daatividade em situação, podemos deduzir algumas classes mais freqüentes de observáveis.São eles : os deslocamentos, as posturas, as comunicações, a direção do olhar, as tomadasde informação e a aferição do estado dos equipamentos e uma categoria bastante especial eespecífica da AET, as verbalizações.

Os deslocamentos, salvo aqueles que tem função de repouso, descontração oupausa, sempre indicam algo que acontece. Se a organização do espaço corresponde afunções bem definidas, a posição do operador num dado momento, informa sobre odesempenho desta função. Em termos mais claros a seqüência de deslocamentos traduzuma estratégia de coleta de informações para o trabalho ou então informa sobre outrascarências no próprio local (inexistência do instrumento de trabalho ou do componente amontar, ou ainda do dossier que se deve trabalhar etc.).

Observe-se que os deslocamentos podem ter um significado em si, como vistoacima, ou pode se combinar com outras ações como verificações in loco de equipamentosou de circunstâncias ( estado de uma correia, aspecto do quarto do doente num hospital,conversa oportuna com um colega que passa, etc.).

A direção do olhar pode ter um sentido importante - o da exploração do campocognitivo - permitindo ao observador descobrir onde o operador obtém informações parasua atividade. Para que este observável tenha eficácia deve-se ter uma boa familiaridadecom o espaço de trabalho, com o equipamento, as normas de forma que uma olhada possaser imediatamente compreendida pelo observador. Por exemplo a insistência em olhar orelógio pode significar uma forma de cronometragem feita pelo operador e associarmosisto com a natureza do processamento. Numa cervejaria, MECKASSOUA (1985) mostrouque a velocidade de enchimento dos vasilhames era variada pelo controlador mediante uma

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observação do posto de encaixotamento, evitando o atolamento naquele setor (que quandoocorria redundava em algumas garrafas quebradas...).

As comunicações devem ser categorizadas e tratadas com esmero por ser umcomportamento típico. os observáveis comunicacionais mais freqüentemente observadossão diálogos (espontâneos ou estruturados), comunicados, ordens e sinais (verbais egestuais). As comunicações são tão importantes que mesmo uma avaliação grosseirapermite revelar fontes e tipo de informações além do fato de permitir descrever a atividadeem sua característica de trabalho coletivo (cooperação, direção, interação).

As posturas são a organização no espaço dos segmentos corporais e constituem-senum observável complexo, quando se trata de posturas de trabalho. Elas podem ser umobjeto de estudo em si mesmas (posturas que levam a problemas lombares, de fadigamuscular) ou servir de suporte ao entendimento de aspectos físicos (força e precisão dosgestos necessários para uma ação) ou ainda aspectos mentais (determinação do campovisual, complexidade variável da tarefa). As posturas, por outro lado, informam sobre oestado fisiológico do operador e são influenciadas pela relação antropométrica entre ooperador e seu posto de trabalho e/ou os espaços onde sua atividade se desenvolve.

Algumas hipóteses típicas envolvendo as posturas de trabalho são:

a atividade obriga o operador a assumir posturas desconfortáveis durante umlongo período;

Os contrantes16 da atividade limitam as possibilidades de ajustes emodificações posturais ao longo da atividade;

A evolução postural indica o surgimento e manifestação de dificuldades narealização da tarefa.

A organização de uma observação sistemática de posturas é ainda um problema de técnicade investigação em aberto. Vários autores propuseram métodos diversos, mas cada umdeles é limitado, pois, na verdade, a pergunta-chave é: o que o estudo da postura vai trazerpara a Análise Ergonômica da atividade ? Em geral sempre traz alguma coisa, dependendodo tipo de observação postural a ser feita...

III.2.7.4 - Observáveis compostos

16A noção de contrante, galicismo do termo contrainte , que propus em 1984, é na verdade de difícil traduçãoliteral, já que reúne os sentidos imperfeitamente sinônimos de restrição, obstáculo, dificuldade, constrangimento e incômodo. Nos textos de Ergonomia as formas adjetivadas mais freqüentes são: os contrantes temporais (contrainte de temps) contrantes posturais (contraintes posturelles) e contrantes ambientais (contraintes d’ambiance). Como conceito significa tudo aquilo que, na situação de trabalho contraria a intenção do trabalhador em realizar sua tarefa da melhor maneira para si, respeitando os objetivos e exigências que constituem o aspecto prático do contrato de trabalho

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As sequências de ações 17 constituem o primeiro tipo de observável composto namedida em que, ao contrário dos anteriores, não se trata de uma quantidade ou qualidadediretamente associáveis de uma manifestação do corpo a um significante ergonômico.Trata-se aqui de um comportamento estruturado e que admite subdivisões em conteúdoscomponentes (subsumições). Esta estruturação se dá tanto no tempo e no espaço, comoatravés de categorizações mentais que devem ser estabelecidas, dai advindo seu carátercomposto e consequentemente complexo. O cuidado maior ao se observar seqüências deações está na construção e definição explícita de elementos compósitos que as constituirão,de maneira que se possa observar ao menos duas seqüências isomorfas ou minimamenteanálogas. Um cuidado subsidiário é a atribuição de finalidade, que a define comoseqüência estruturada e não como conjunto inconsistente de ações isoladas. Esta atribuição,portanto algo fundamental, que a fundamenta enquanto seqüência, é um constructo18. Oterceiro aspecto desta complexidade é a sobreposição , ou seja que duas seqüências deações podem se sobrepor, contrariamente a um observável elementar, cuja existência éúnica: um operador está num lugar definido onde assume uma postura determinada numdado instante; já uma seqüência de regulações pode ocorrer simultaneamente a ações decontrole. Neste sentido o recorte da sequ6encia de ações a realizar se torna menos evidente( e portanto requerendo maior rigor da parte do observador !).

O segundo tipo de observável composto é a aferição do estado dos equipamentos einstalações, que podem explicar uma série de comportamentos elementares e seqüênciasde ações aparentemente bizarras. Em antropotecnologia WISNER (1982) propõe oconceito de modo degradado de funcionamento de uma instalação que caracteriza umcontexto onde ações inexplicáveis passa a assumir sentido, por exemplo a descrença emvalores da instrumentação, que passam a ser primariamente testados quanto à suaexistência concreta: ao acender um indicador de superaquecimento, a primeira formulaçãodo operador em tais circunstâncias pode vir a ser a de verificar a possibilidade de maucontato ou de pane no mostrador antes de dar crédito àquela informação transmitida.

III.2.7.5 - Verbalizações

Uma categoria de observáveis bastante especial e específica da A.E.T., são aschamadas verbalizações. Este tipo de observável tem a característica de ocorrer tão esomente por ocasião de uma A.E.T., e, por isso mesmo não podem ser consideradas nemum observável simples nem composto.

As verbalizações têm sua importância dada pelos seguintes fatos:

17Os ergonomistas franceses chamam a isso de cours d’action, quer significa o modo de articulação das ações no tempo e no espaço.18constructo significa uma inferência razoavelmente estabelecida, no sentido de que não se depreende imediatamente da observação e nem é observável em si mesma, devendo ser cosntruída consistetntemente a partir das observações de elementares.

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pelo fato de que a atividade de trabalho não pode ser reduzida ao que émanifesto e portanto observável: raciocínios, cálculos e deduções, planos deação e estratégias cognitivas não podem ser diretamente observáveis e nemconstruídos através de seqüências ou associados ao estado técnico em si mesmo;

pelo fato de que observações são, em geral, limitadas no tempo e asverbalizações permitem recuperar a dimensão temporal mais efetiva e pertinente;

pelo fato de que muitas conseqüências da atividade (e.g. fadiga) não sãoaparentes - muitas delas tem características sub-clínicas - e pela verbalização épossível que se estabeleçam nexos causais entre elas e o desempenho daatividade.

Obter verbalizações, entretanto não é uma coisa simples. e isso por três razões :pela dificuldade na transferencia de intenção, pela dificuldade de formalização de suaconstituição vivencial e pela dificuldade de manifestar verbalmente certas experiênciaspessoais. A primeira dificuldade consiste em que ao se tratar de uma interação entre umlocutor ( o trabalhador) e um interlocutor (o ergonomista) a transferencia de intençãopode não ser bem realizada e neste caso o locutor pode verbalizar o que ele julga ser dointeresse do interlocutor e não o que possa realmente interessar a este [interlocutor]. Oprocesso deste ajuste pode ser difícil e, em alguns caso o nível de entendimento idealjamais ser alcançado. A segunda dificuldade advém de que vários dos componentes daatividade a verbalizar - rotinas, estratégias de constituição e de resolução de problemas etc.- podem ter sido adquiridos ao longo de toda uma vivência pouco formalizada. Estaexperiência pode vir a ser impossível de ser narrada em sua completude: sua importância,motivações e conhecimentos operatórios subjacentes nem sempre serão fácil eespontaneamente evocados pelo locutor. A terceira dificuldade deriva das própriaslimitações da linguagem (palavras são expressões limitadas em si mesmas...), de suaconstituição nos sujeitos (afinal muitos operadores têm características de alfabetizaçãobastante precárias, com evidentes repercussões sobre suas capacidades verbais ) erelativamente aos objetos nomeados (descrever uma habilidade manual, uma sensação tátilou olfativa, etc.).

As verbalizações podem ser de três tipos: as espontâneas, as provocadas e asautoconfrontadas. As verbalizações espontâneas são comentários sobre a atividade queestá acontecendo, emitidos pelo operador sem que este tenha sido estimulado pelo analistasenão pelo fato de que ele ali esteja. As verbalizações provocadas pelo ergonomistadurante a AET, permitem que a verbalização e observação sejam concomitantementerealizadas, embora esta concomitância, seja uma modificação nas condições de execução epodendo ter impactos sobre a atividade e sobre o operador e/ou seus colegas, razão pelaqual a provocação deve se cercar de cuidados importantes. As verbalizações provocadaspoderão ser simultâneas à realização da atividade ou consecutivas, realizadas logo após.As autoconfrontações se dão quando o operador é chamado a verbalizar diante de algumaespécie de gravação de sua atividade - áudio, vídeo ou multimídia.

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Pode-se dizer que uma A.E.T. onde ocorrem verbalizações é tão significativamentediferente de uma outra que não o tenha feito, que pode-se, numa posição extremada,considerar esta última como uma analise incompleta da atividade de trabalho, já que osconteúdos veiculados numa verbalização não são apenas úteis, eles são indispensáveis parao diagnóstico e os projetos de transformação da situação de trabalho.

III.2.8 - Registro e tratamento de dados

O registro e tratamento de dados é a fase crucial da Análise Ergonômica dotrabalho, pois é quando se faz a administração das provas e evidencias que se dispõe paraconstruir argumentações e estruturá-las em demonstrações. Eles vão condicionar asvariedades descritivas possíveis da atividade observada e o tipo de tratamento aos dadosassim obtidos. É portanto, de especial importância estruturar à priori e conjuntamenteotipo de registro que se vai fazer, qual a forma de descrição pressentida (graficos, tabelas,videos, slides etc) e tipo de tratamento pretendido após obter dados (classifiocar por dia,por hora, por sujeito, por local pos situação, etc.).III.2.8.1 - Registro de dados

O registro de dados se reveste de toda uma sistemática que permita passar deobserváveis , vistos na seção anterior aos parâmetros que os modelam. A forma de registroinclue-se na regra geral para todos os componentes da A.E.T. : não são dados à priori, masdefinidos em função das circunstâncias e contingências de cada análise. Assim cada formade registro vai depender das restrições à presença direta do observador sobre os locais detrabalho, das propriedades dos observáveis estabelecidos e da precisão necessária namensuração de cada um, das hipóteses que guiam a observação e que, naturalmente vãoincidir sobre o tipo de dados. Por exemplo, observar o trabalho numa destilaria, poderequerer alguns dias e noites em continuidade, porém como fazer? Ficar acordado durante24, 36, 48 horas ? Para registrar comunicações entre sala de controle e campo. comofazer ? dois observadores, um ao lado de cada comunicante?

Três dimensões são importantes para diferenciar o tipo de registro: a importância dacontinuidade temporal para a analise, o tipo de aparelhagem, a possibilidade de análise expost facto.

As observações instantâneas de observáveis elementares, feitas segundo umprocedimento de amostragem do trabalho - seja aleatoriamente, seja em momentosespecificados, como troca de ferramentas ou de turno, seja em intervalos regulares - éinteressante caso a atividade se desenvolva numa jornada longa ou quando muitosobserváveis distintos foram julgados necessários. Elas fornecem indicações para a análise epodem elencar fatos não reconhecidos e, com isso, levar a que uma impactação possa vir aocorrer.

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As observações simples, na base do lápis e prancheta, são ainda o maior recurso doanalista do trabalho. Este método é sobretudo importante nas fases iniciais - análise dademanda, estudos preliminares e análises globais, quando os observáveis e suascaracterísticas não foram ainda estatuídas. Mas eles podem ser utilmente empregado emanálises sistemáticas através do artifício de notação sobre plantas, esquemas ou tabelas,sendo uma folha por observação e depois confrontando as folhas ou quantitativos delasobtidos.

Com o advento de recursos informáticos é possível o uso de pranchetas eletrônicasque podem ser conectados a microcomputadores e, com isso, agilizar a coleta e tratamentode dados. Os tipos mais comuns são certos palm-tops, os que dispõem da capacidade dearmazenar um código juntamente com o relógio interno. Uma série de outros auxílioseletrônicos ao registro de dados podem ser pensados nesta perspectiva, e isto vai de acordocom a criatividade e os recursos (humanos e financeiros) com que conta o analista.

Os suportes de gravação - audio, vídeo ou multimídia - apresentam algumasvantagens especificas aos métodos anteriores, sobretudo pela possibilidade dereconstituição da situação de coleta, da cronometragem e codificação ad-hoc, eprincipalmente pela possibilidade da autoconfrontação, talvez a mais potente forma deverbalização em A.E.T. Na autoconfrontação o sujetio filmado é confrontado a seucomportamento e chamado a adr explicações sobre passagens obscuras19.III.2.8.2 - Formas de descrição das situações de trabalho

O grande problema em administração das evidencias é o de representar sinteticamente aevolução temporal e espacial das características, à partir das categorias de observáveisestabelecidos eles mesmo de toda uma démarche que parte da Análise da Demanda. naverdade se a escolha de métodos e técnicas de registro já se faz mediante escolhas e opçõesquase sempre imputadas às características e contingências da observação, as formasdescritivas vão acentuar ainda mais este processo, sendo que não se pode perder emqualidade nesta passagem. É importante, aqui, escolher criteriosamente os destaques erelevos a fazer e é essa a questão crucial na administração das evidencias para aargumentação e sua estruturação em demonstrações.

Abordaremos os três principais tipos de descrição, a saber : as estatísticas, ascronologias e as narrativas.

As estatísticas mais freqüentemente empregadas são : as ocorrências, as durações eos sequenciamentos. As ocorrências consistem na contagem de quando e quando ocorremdeterminadas passagens escolhidas previamente. Uma descrição típica é : durante quatrohoras de observação, o operador consultou sete vezes seu bloco de anotações. As duraçõessignificam a contagem do tempo de duração de um determinado estado, ocorr6encia oufato inusitado. Num estudo ergonômico em construção (VIDAL, 1985) observamos que os

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operários passavam 23,4% de sua jornada a realizar atividades que teoricamente não seincluíam em sua atividade previsível: responsáveis pela aplicação e adensamento deconcerto na forma, nestes períodos eles saiam do posto, recolhiam coisas, ajudavam aoscolegas próximos etc. Verificou-se que estas atividades extras eram na verdade importantesprocedimentos para conseguir atingir a meta de produção no final do dia, apesar dasaparências e nada sugerissem esta relação. Os sequenciamentos, passagens de um estadoou tipo de ação a uma outra podem ser contados e inscritos no fluxo da atividade,informando sobre variações e flutuações de exigências e de pressão do tempo. Umadescrição típica seria: ajustes de mais de cinco minutos ocorrem sistematicamente a cadamudança de batelada.

A grande vantagem das estatísticas é que elas permitem uma confrontação quaseimediata entre duas observações e quando não permitem uma argumentação imediata,fornecem as pistas para um aprofundamento da analise com este intuito.

As cronologias devem ser feitas quando se possa claramente delimitar início e fimda observação e, desta forma articular observáveis elementares com o tempo. Tres tipos deregistros podem ser aqui elencados: os graficos de fluencia, as fichas de emprego de tempoe os mapas de interrupções. O modo de representação mais usual nestes casos é o uso dosgráficos de fluência, que consistem na esquematização da sequencia temporal deatividades que o operador relaiza num dado perído de tempo. Estes modelos esquemáticossão úteis para o analista mesmo que somente assinalem quando uma outra forma deregistro foi feita, pois o situa no tempo da observação. Eles serão úteis nas verbalizações,uma vez que situa o entrevistado em seu contexto temporal de atividade. Tecnicamente aconstrução destes modelos esquemáticos é difícil e o uso de meios informáticos éfortemente recomendado. As fichas de emprego de tempo (FET), aparecem comoalternativa para o registro sistemático. Trata-se de uma tabela com duas colunas, naprimeira se marca a hora e na segunda a atividade do operador. A coleta mediante FET’spode auxiliar na construção de graficos de fluencia

Horário Operador 1 Horário Operador 27:00 Desenforma 7:00 Se ausenta do andar7:15 Desenforma 7:15 Volta com uma caixa de espaçadores

Passa a desformar também7:28 Termina a desforma 7:28 Idem, vai ao almoxarifado logo em

seguida7:29 Inicia marcações na laje 7:39 Volta com uma certa quantidade de

perfis metálicosExemplo de uma tabela de emprego de tempo

O mapa de interrupções supõe o conhecimento da uma rotina ou de umanormalidade definida. Esta sequncia é assinalada como uma linha reta e assinalam-se com

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um simbolo gráfico qualquer uma interrupaçãp, que é devidamente registrada, com vistas auma análise ad-hoc.

As narrativas se assemelham aos scripts cinematográficos. Na falta de meios maissofisticados, pode-se substituir ao modelo esquemático por uma narrativa parecida com ade um jogo de futebol, com constantes referencias ao tempo e ao espaço. São sem sombrade dúvidas o recurso mais simples em termos de material, o mais impreciso e o que maisrequer argúcia e talento do analista. Muitas vezes não há possibilidade senão de se fazerumas quantas anotações esparsas e a capacidade de memorizar, prestar atenção e recuperara história em uma narrativa é a unica forma, naquele momento.

III.2.8.3 - Apresentação e tratamento e de dados

Obtidos os dados, deve-se apresentá-los de forma tão elegante quanto possível, eexistem vários aplicativos informáticos que facilitam enormemente esta tarefa. O uso degráficos - tortas, colunas e linhas - é infinitamente superior à apresentação de tabelas enúmeros, pois o pictórico é em si uma força argumentativa particular.

Os dados devem ser tratados, isto é, devem ser agrupados, organizados etrabalhados em função da contribuição que podem dar à argumentação. A técnica básica é ado contraste entre um destaque - o que se quer ressaltar - e seu simétrico - a inexistênciadisto. Dados quantitativos podem ser tratados mediante testes paramétricos - analise devariâncias - e não paramétricos - run-test, tendências etc. Observações de mesma naturezapodem ser confrontada mediante teste de correlações e de aparelhagem. Os resultadosdestas analises devem figura com destaque nas apresentações. Dados qualitativos requeremum tratamento diferenciado, quais sejam os modelos funcionais e genéticos. Os modelosfuncionais assinalam as disfunções, ou sejam os desvios com relação a um valor denormalidade. O método de construção de mapa de riscos se fundamenta neste modelo. Osmodelos genéticos tentam descrever a evolução de um estado de normalidade para um

Mapa de interferências durante um atendimento de um docente a seu orientando

Internas

Externas8" 19"Telefonema Telefonema

Telefonema 14" 24" Secretária Secretária

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estado de desfuncionamento. Um método potente para análises de acidente se baseia nessemodelo (arvore de causas).

III.2.9 - A construção do diagnóstico a partir da evidenciação dos fatos

A função do diagnóstico pode ser definida como a proposição de uma representaçãodo trabalho numa dada situação (ou num conjunto coerente de situações) que melhorexplicite as dificuldades e portanto permita tanto a tomada de providencias comopossibilite inferir desfuncionamentos futuros. A intenção - talvez a pretensão - é a decolocar um ponto de vista incontornável para a transformação do trabalho e de suas formasatuais, apontando para uma reconcepção global e localizada do ambiente e dos processos.

Se o pré-diagnóstico já indicava uma série de elementos, o diagnóstico recupera edá sustentação a estes elementos. Os diagnósticos podem ser de duas natureza: locais ,quando orientados para questões específicas e pontuais, engendrado projetos imediatos, egerais, quando apontam para classes de problema engendrando programas de alcance maisamplos e mediatos. As formas de difusão deste relatórios, laudos e resultados são distintase envolvem interlocutores diferentes. Os diagnósticos locais podem se dirigir a um nívelintermediário de gerência, conquanto os diagnósticos gerais somente fazem sentido sedirigidos ao topo da organização.

A estrutura de cada um entretanto é análoga. Deve-se distinguir o estudo, o relatórioe o laudo técnico. O estudo é o resultado documental final da intervenção e énecessariamente extenso, funcionando como a memória técnica da intervenção. Orelatório apresenta as descrições de forma sintética, os principais destaques , a lista derecomendações . Em alguns casos, pode-se construir um caderno de encargos onde asrecomendações são detalhadas na forma de programa de projeto, facilitando, destamaneira, seu aproveitamento para realizar as transformações necessárias. O laudo apenasassinala os principais elementos de nocividade, de dificuldades e as recomendações,remetendo para o relatório e ao estudo se for o caso. A efetividade de cada um deles varia:um laudo tem apenas a possibilidade de sensibilização e impacto, o estudo tem utilidade amédio e longo prazo e o relatório tem ampla eficácia, porém requer que o estudo exista...

III.3 Conclusão

Como vimos a ação ergonômica no sentido de transformar o trabalho é umademarche meticulosa e metódica, requerendo do analista um empenho elevado. O maisimportante, entretanto é que seja bem percebido que todos os seus passos são coerentesentre si e com a seqüência da intervenção. Também deve ser assinalado que o objetivo é seconcretizar em projeto de mudanças, sem o que todo o esforço se torna frustrante.

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A articulação entre analise da demanda, estudos preliminares, escolha de situaçõescaracterísticas, analise sistemática e formulação de encargos é uma demarque tipica daengenharia, da arquitetura e do design. A especificidade da Análise Ergonômica doTrabalho está em seu objeto, o trabalho, em sua intenção, a transformação e em sua forma,a intervenção.

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