romance -...

28
Romance “Os textos a seguir, foram vencedores do Concurso Municipal de Literatura Prêmio Jorge Amado - 2017, promovido pela Prefeitura do Município do Salvador”

Upload: lecong

Post on 04-Jan-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

19

Romance“Os textos a seguir, foram vencedores do Concurso

Municipal de Literatura Prêmio Jorge Amado - 2017, promovido pela Prefeitura do Município do Salvador”

Page 2: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

111

AutoraGeovanna Santos

Correia

A COLHEITA

Prólogo

Há mais ou menos 800 anos atrás, houve uma quarta guerra mundial, bombas nucleares foram jogadas para matar toda a população. Sabemos por fontes confiáveis que a guerra entre a Síria e o Iraque se espalhou por todo o mundo. Pai contra filho, país contra país, estado contra estado e população contra população. Esta foi a destruição total do planeta Terra. Por conta das bombas nucleares, radiação foi espalhada por todo o nosso planeta. Líderes de vários países se juntaram e tomaram uma decisão para salvar as vidas de suas famílias: Se mudar para o Espaço Sideral. A primeira nave espacial a vir para o espaço com cerca de trezentas pessoas do Estados Unidos foi a Êxodo. Aquelas pessoas conseguiram viver por um tempo em outro lugar completamente diferente da Terra. Logo depois, várias outras naves foram mandadas para o espaço. Ficou dividida assim: Os principais países mais ricos do mundo foram mandados para o espaço por uma ordem, e cada país tinha sua função no espaço.

1- Estados Unidos: Esse país por ser o mais rico é onde vive a família real e seus nobres. A família real é quem manda em todos nós, fazendo suas regras e cuidados dos assuntos políticos.

2- China: O país é responsável pelo nosso comércio, computadores, ingredientes, adaptadores, etc. China e Japão trabalham juntos para manter as naves espaciais com a tecnologia avançada e mantimentos.

3- Japão: O país é responsável pela nossa tecnologia, eles criam computadores, carros espaciais- capacitados para andar por todo o espaço- entre outras coisas.

4-Alemanha: O país cuida do nosso crescimento econômico, cuida do dinheiro público e de assuntos políticos junto com os Estados Unidos.

5- Reino Unido: O país é responsável pelos nossos serviços, eles criam novos trabalhos e fazem cursos para nos preparar para trabalhar em nossas áreas.

6- França: É responsável por indústrias, onde criam novas peças para os países China e Japão.

7- Índia: Eles são os médicos, cuidam de todos quando estão doentes e seus conhecimentos são muito importantes em algumas situações de casos grave.

8- Itália: São os cozinheiros, fazem doces e massas como ninguém.

2ºLUGAR

E.M. Brigadeiro Eduardo GomesProfessor(a) Orientador(a) - Eliane Souza da Silva NevesGerência Regional /GR - Itapuã

Page 3: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

112

9- Brasil: É responsável pela agricultura. Apesar de ser um ambiente totalmente diferente da terra, foram criadas substâncias que são capazes de se reproduzir no espaço. Ao ser colocado nas sementes, é uma questão de tempo até que todas elas se tornem temperos, folhas, ervas, entre outras coisas.

10- Canadá: Esses são os artistas, responsáveis pela nossa alegria.

E foi assim que as 10 naves espaciais foram trazidas para o espaço, cada um com sua função, ajudando um ao outro para não cometermos os mesmos erros dos nossos antepassados.

A família real inventou regras e uma delas é: A cada cem anos, a colheita será feita. Jovens a partir de quinze anos serão obrigadas a tirar sangue e algumas delas serão selecionadas para participar da colheita onde o príncipe escolherá sua nova princesa. Poderá ser qualquer uma, desde a mais nobre até a mais pobre. Será que a nova princesa vai superar a rainha Isabel?

Capítulo 1

- Cecília, me pega! Meu irmão grita correndo pela pequena sala onde estamos. Corro atrás dele, sem muito esforço consigo pegá-lo. Giro o mesmo no ar escutando sua gargalhada que é música para os meus ouvidos. - Danadinho - aperto seu nariz. - Não deveria correr tanto assim, se algum guarda nos pega estaremos ferrados.- Não ligo para os guardas, eu tenho você. Sorrio e abraço ele com todas as minhas forças. Tem sido difícil para nós desde que meus pais morreram. Entrei em êxtase quando recebi a notícia da morte deles, naquela época quase não tínhamos dinheiro e comida. Era sempre uma difícil decisão entre pagar a conta de luz ou comprar comida. Eu fazia o maior esforço possível para não sentir fome e dar toda minha comida para meu irmãozinho, Sam.Meus pais ficaram tão desesperados que resolveram ir para a nave Itália, roubar o máximo de comida possível. O plano parecia ótimo, meu irmão mais velho não gostou do nosso plano, era muito arriscado. Sam começou a chorar de fome, aquela foi a gota d’água. Meus pais foram para a nave Itália. Deu tudo certo, mas, quando eles iam voltar para nossa nave, o roubo foi descoberto. As regras são claras, qualquer crime que você fizer a sentença é a morte. Eles te colocam numa salinha e abrem as portas, assim você vai flutuar pelo espaço até morrer sem oxigênio. Malditas regras! A família real não teve dó nem piedade em deixar três crianças órfãs e sem sustento algum. Graças ao meu vizinho Stavo conseguimos sobreviver. Seis anos se passaram desde então, não sou mais aquela criança indefesa que chorava por tudo. Sou Cecília da nave Canadá, farei o possível e o impossível para proteger meus irmãos da família real.

- Cece? - Sam pergunta me puxando para deitar ao seu lado no chão. - Conte- me uma história. - Estou cansada Samis, que tal você me contar uma? - sugiro.- Era uma vez um mundo verdinho, crianças corriam pela grama e seus pais nadavam no mar.....Sam é interrompido por batidas na porta, me levanto e arrumo minha pequena peça de roupa. Ela está toda rasgada e completamente suja, vou até a porta e abro dando de cara com dois guardas e um médico.

Page 4: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

113

- Senhorita Cecília? - um dos guardas pergunta, sinto Sam abraçar minha cintura com medo. - Sim, sou eu - Estufo meu peito e faço cara de brava. - Estamos aqui a mando do príncipe William, você está convocada para a colheita que acontecerá amanhã de manhã no salão principal. -Sem chances- solto uma risada irônica.- Ordens do príncipe, senhorita. Se não cumprir, já sabe. Quem esse guarda pensa que é para me ameaçar? Meu sangue ferve e, quando tento fechar a porta, ele coloca seu pé, impedindo que a porta se feche. - Com licença, preciso organizar algumas coisas para a colheita - digo impaciente. - Que nos encontremos de novo. Fecho a porta com raiva, serei mesmo obrigada a participar disso! Que raiva! Sento-me com Sam ao meu lado, observo a pequena sala onde vivemos. As paredes são cinzas e o teto branco, a porta é de ferro. Uma pequena mesa com três cadeiras, um armário que só tem moscas e teias de aranha, um cômodo pequeno que é o banheiro. Digamos que de toda a nave Canadá somos os mais pobres, a nossa situação poderia mudar se.... Esquece. Nunca vou participar dessa colheita idiota. - Cece? - Sam me chama e desperto do meu transe. -Sim.- Sinto fome. - Olho em seus olhos azuis, que mesmo com tanta dificuldade ainda existe um brilho incrível, me parte o coração por ele ter apenas oito anos e ter que passar por isso. - Tem alguma comida aqui? - Tem uns biscoitinhos que eu não comi ontem. Pode pegar, estou sem fome.Ele se levanta saltitante, indo até o armário. Volta com um saco com alguns biscoitos. Minha barriga ronca só de sentir o cheiro adocicado dos biscoitos. Essa barriga não é minha amiga mesmo.-Quer um pouco? - Não, estou sem fome. Minto e minha barriga dá um ronco forte, barriguinha do mal!- Já volto, Samis. Não saia daqui. Ele assente, comendo seu biscoito, enquanto balança seus pés. Prendo meu cabelo e saio de casa. Sigo por toda nave até a sala do Jardim Secreto. Em todas as naves existe essa sala. Ela é cheia de pinturas da Terra, mar, grama, chuva. Invés dela ter paredes cinzas, ela é rodeada de vidro, dando-me uma visão perfeita do espaço e da Terra. Sento- me numa cadeira perto do vidro, meus dedos tocam aquelas estruturas gélidas e fecho meus olhos tentando imaginar como era a vida na Terra.Apesar de todas as guerras e conflitos políticos, as pessoas na Terra eram felizes, tendo sua liberdade para fazer o que quiser e quando quiser. Bem diferente daqui, o rei Jon sempre diz que as regras e as sentenças servem para não cometermos os mesmos erros dos nossos antepassados. Mas não podemos fazer nada aqui, vivemos presos cada um na sua estação. Mal sabe meu querido rei Jon que regras existem para serem quebradas. Um dia, ele querendo ou não, vai acontecer uma rebelião contra seus princípios e regras. Estarei assistindo à destruição da família real, aquela maldita família que destruiu a minha.- Olá - tomo um susto ao ver Stavo se sentando ao meu lado, ele passa seus braços pelo meu pescoço e beija o canto da minha boca. - Cuidado Stavo, se os guardas nos pegam vamos flutuar - repreendo meu namorado. - Até parece que você sente medo deles, Cecília.-Tenho um irmãozinho que precisa de mim - pego sua mão e deposito um beijo carinhoso na mesma. - Falando nisso, trouxe uma coisa para você. Ele tira sua mão do meu pescoço, de repente surge um pedaço de pão da sua camisa, uma alegria toma conta de mim e abraço Stavo com felicidade. Meu estômago ronca

Page 5: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

114

ao sentir o cheiro do pão fresquinho.- Obrigada! Estava mesmo com fome. Coloco um pedaço enorme de pão na minha boca, fecho os olhos de tanto prazer, por finalmente comer algo, depois de quase dois dias sem nada. Stavo começa a rir, abro os olhos sem entender o motivo da crise de risos. - O que aconteceu? – pergunto, limpando minha boca com a mão. - Sua cara de prazer foi a melhor - ele para de falar e deposita um beijo rápido em meus lábios. - Faz quanto tempo que você não come, Cece?- Dois dias - dou de ombros e me encolho, quando vejo sua cara de bravo.- Dois dias? Eu dou comida o suficiente para você e Sam! - ele aumenta o tom de voz.- Você sabe muito bem como minha família é tratada! - aumento minha voz também, passo as mãos pelo seu cabelo castanho. - Bellamy não estava lá para impedir que os guardas pegassem nossa comida!- Eles não têm esse direito! Stavo se levanta e passa as mãos pelo cabelo preocupado, me levanto e abraço seu corpo quente. Ele me envolve num abraço desesperado e delicado ao mesmo tempo, amo o jeito de como me sinto segura em seus braços grandes. Era naquele abraço que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre. - Eu sinto muito - sua voz sai rouca, seguro seu rosto com as minhas mãos e olho dentro dos seus olhos castanhos claros. - Você não tem culpa Stavo, ninguém aqui tem culpa se os nossos líderes são uns miseráveis. Eu e Bellamy daremos um jeito de conseguir mais dinheiro, logo você estará livre para se casar com quem quiser. - Eu quero casar com você, Cecília. - É contra regras que homens se casem com mulheres da própria nave. - Dane-se as regras! - ele tira o elástico do meu cabelo, sinto os longos fios tocarem meu corpo. - Por você eu sou capaz de negar o rei.- Espertinho, assim você seria morto. - Eu correria esse risco por você. Sem pensar duas vezes puxo sua nuca, fazendo seus lábios quentes encontrarem os meus. Coloco minha mão livre dentro da sua camisa, ele me puxa pela cintura fazendo nossos corpos se colarem ainda mais. Uma explosão de sentimentos que eu nunca tinha sentindo antes começa a surgir dentro de mim, quando ele coloca sua mão na minha nuca, dou mais velocidade ao beijo.Está muito calor aqui. - Poderia ter sido um guarda, sabiam? Escuto a voz do meu irmão e empurro Stavo, minha respiração está irregular assim como de Stavo. Sinto meu rosto corar por ser pega nessa situação por Bellamy, meu irmão mais velho. - Bellamy! - grito e corro para abraçá-lo.- Como vão as coisas por aqui? - meu irmão pergunta, balanço a cabeça negativamente. Bellamy entende o recado e suspira cansado. - Obrigado por cuidar dos meus irmãos Stavo, muito obrigado mesmo. - Imagina, Bellamy! Faço de tudo pela minha garota - Stavo pisca para mim.- Precisam tomar mais cuidado. Se tivesse sido um guarda, você seria condenado à morte e minha irmã presa - Bell nos avisa preocupado. - Vamos tomar cuidado, eu prometo. Bellamy assente e me puxa para fora da sala, sigo ele até a nossa casa. Sam, assim que vê meu irmão, abraça ele desesperadamente. Bell beija a cabeça de Sam, sorrio com a cena que vejo.

- Sam, está tendo uma atividade para as crianças no salão principal. Vai até lá. - Ok, Bell.

Page 6: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

115

Sam sai nos deixando sozinho, só então posso analisar meu irmão melhor. Seus cabelos pretos estão desgastados, seu corpo que antigamente era magro agora está cheio de músculos, até mesmo seu tamanho aumentou. Seus olhos azuis estão sem vida alguma, olheiras pretas marcam toda a extensão abaixo dos seus olhos. Quase não reconheço meu irmão, sempre foi cheio de vida, agora tornou-se frio e quase sem compaixão. Se não fosse pelo Sam... não sei o que seria de Bellamy.- Precisamos conversar - ele avisa.- Sobre? - Você precisa participar da colheita, Cecília. Só pode estar de brincadeira comigo.

Capítulo 2

Ando de um lado para o outro preocupada, o futuro da minha família está nas minhas mãos. É o meu dever protegê-los de tudo, já passei muita fome para dar o que comer para Sam. E agora isso! Com certeza o universo não está ao meu favor.- Não tem como você conseguir o emprego de volta? - pergunto sentindo meu coração saltar pela boca. - Não, minha única opção é ser guarda da família real. As eleições estão longe, até lá, morreremos de fome.- Temos Stavo...- Acha mesmo que ele teria comida para nós três? - Bellamy me interrompe. - Ele tem uma família, Cecília. - Eu sei.Olho para a nossa pequena sala, tudo está tão vazio, sem vida alguma. Consigo até imaginar Sam chorando pedindo por comida, como foi há seis anos atrás, não quero passar por isso novamente. Escuto um choro abafado, vejo meu irmão chorar como uma criança que acabou de se machucar. - Papai confiou a nossa família a mim - Bell diz, quando eu chego perto dele. Seguro sua mão e tento não chorar. - Esse era o meu dever, Cece. Eu falhei feio com vocês, minha irmã. - Não falhou Bell, tenho certeza de que tudo vai ficar bem.

- Bem? Acha mesmo? Não sou cego, eu vejo como você está emagrecendo. Daqui a pouco ficará doente e a única coisa que eu poderia fazer é sentar e assistir sua morte.- Eu sou forte, Bellamy. Não sou aquela menininha indefesa. Bellamy me puxa pela cintura me abraçando, sinto suas lágrimas molharem meu ombro nu. Passo minhas mãos pelo seu cabelo, preciso agir rápido. - As famílias das meninas que participam da Colheita ganham dinheiro, faça o possível para você passar e ficar lá até eu conseguir um emprego. Me desculpe mesmo. Sei o quanto você odeia a família real. - Ei, está tudo bem. Eu lhe darei a sua melhor chance, vou falar bem de você para eles. - Então você vai participar? - Com certeza, é o meu dever cuidar de vocês. Engulo em seco ao me imaginar naqueles vestidos de princesas. Odeio vestidos sem nem sequer ter tocado em um. Mas faria isso por Bellamy e Sam. Quando meu irmão consegui um novo emprego, vou me mandar daquela colheita. Vou dar um jeito de casar com Stavo, aí sim vou viver feliz para sempre. Embora que o “para sempre” não existe, acredito em finais felizes. Sei que a família real tem muita raiva da minha, as regras são bem claras, cada família só pode ter no máximo dois filhos. O sistema de oxigênio das naves um dia vai acabar, por isso eles precisam diminuir a população custe o que custar.

Page 7: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

116

Quando descobrimos que mamãe estava grávida de Sam tivemos que escondê-la durante nove meses. Aproveitamos uma festa que acontecia nas naves e fizemos seu parto. A família de Stavo, que só tinha ele como filho, assumiu Sam até ele completar 1 ano. Meu pai, em pessoa, foi pedir misericórdia para o rei. Fomos todos surpreendidos, quando o rei tomou a decisão de não matar Sam e deixá-lo crescer conosco.Por causa desse pequeno deslize do rei, ele e nossa rainha Isabel criaram uma lei que todos os dias guardas revistassem nossas casas. Se a família é composta por mais de quatro pessoas, toda a família é flutuada. - Você sempre será minha irmãzinha. Bellamy diz beijando minha testa, sorrio e enxugo suas lágrimas.- Vou dar o meu melhor, eu prometo. Acordo no dia seguinte sentindo um medo enorme, é a minha primeira vez na Colheita. Ainda não falei com Stavo sobre isso, acho melhor ser assim, não tenho chances nenhuma de passar mesmo. Pego meu único short jeans que tenho, ele está mais velho que minha vó. Visto uma camisa branca que felizmente está limpa, ajeito meus cabelos morenos em um penteado solto mesmo. Coloco meu sapato preto fechado, precisava dar um jeito de destacar meus olhos azuis, mas não tinha maquiagem. Olho-me no espelho e suspiro desapontada, um lado de mim quer passar para ajudar minha família, meu outro lado quer ficar aqui com eles e viver com Stavo. Não suporto a família real, nunca sequer vi o príncipe! Ele deve ser um verme ridículo e velho. Eca, agora sim estou com mais medo de ser escolhida. Saio do banheiro apressada, não posso me atrasar. Olho para a cama onde Sam dorme agarrado a Bellamy, que está acordado, parece que não dormiu de noite assim como eu.- Eu te amo- ele diz movendo os lábios. - Eu também - dou um beijo no ar para eles e saio de casa. Sinto meu coração se apertar ao passar pela porta de Stavo, precisava falar com ele. Mas tenho certeza que ele não deixaria eu fazer essa loucura, levaria tempo para explicar que estou fazendo isso pela minha família. Caminho pelos corredores cheios de meninas bem arrumadas e maquiadas até demais, uma parece até um palhaço. Chego ao salão principal depois de um tempo, a nave por incrível que pareça é grande. O salão principal é enorme, está cheio de meninas de todas as naves. Só então percebo que sou a única desarrumada aqui, não ligo para aparência, sou linda de qualquer jeito. Vários guardas estão espalhados por todo salão, consigo identificar o mesmo guarda de ontem, ele até me parece jovem demais para ser um guarda. Assim que percebe que estou o encarando, sorri de lado e pisca para mim, reviro os olhos irritada e faço cara de nojo. Babaca. - Atenção! - George, apresentador do programa real fala, chamando atenção de todas para o palco. - A nossa majestade quer falar. O rei e a rainha surgem de mãos dadas. Nos apressamos a fazer a reverência. Agora consigo vê-los de perto, o rei tem uma cara amarrada mas não deixa de ser muito bonito. Seus cabelos loiros estão penteados perfeitamente, seu terno bem passado marca seus braços fortes. Seus olhos são de um castanho escuro marcante. Me assusto com a sua beleza, imaginei ele como um verme nojento e velho. Diferente do rei, a rainha tem um ar de alegria e pureza. Ela sorri para nós com delicadeza, seus cabelos são morenos e cacheados. Sua pele negra brilha chamando atenção de todos, seus olhos cor de mel são cheios de vida e felicidade. O vestido vermelho destaca bem seu corpo perfeito. Sinto até inveja do ar de riqueza que ela traz.

Page 8: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

117

- Minhas jovens - a rainha Isabel fala com sua voz suave. - Estamos aqui hoje para celebrar mais uma Colheita! Dando assim a oportunidade de vocês serem a mais nova rainha da nave Êxodo, começaremos hoje a primeira etapa. Peço paciência de todas vocês para doarem seu sangue, o resultado sairá dentro de dois dias. Boa sorte a todas vocês, que nos encontremos de novo. Dito isso, ela se senta em seu trono. Cada uma das meninas é chamada para doar seu sangue e tirar uma foto. Fico observando o rei e a rainha, eles dão risadas juntos nem parecem as pessoas responsáveis pela destruição da minha família. - Senhorita Cecília Shepard - escuto meu nome ser chamado e levanto. Quase morro quando aquela agulha entra em mim, fico me perguntando para que serve esse sangue. Depois do que pareceu uma eternidade, finalmente vou tirar a foto, sento-me em um banco. Jogo meus cabelos para o lado e dou o meu melhor sorriso. Imagino como se Stavo estivesse aqui e dou meu sorriso para ele. Mas a minha realidade é outra, estou a um passo de pertencer à outro homem. Só de pensar nisso, sinto ânsia de vômito. Saio do banco após o homem bater umas três fotos, vou para uma mesinha e preencho minha ficha. - Que o universo esteja ao seu favor, querida - a mulher fala sorrindo quando entrego minha ficha. - Que nos encontremos de novo. Digo e sorrio para ela, saindo da cabine com uma sensação estranha. De uma forma ou de outra eu preciso passar, agora não tem mais volta. Entreguei minha ficha, fiz meu cadastro. Vou para o Jardim Secreto, sento perto do vidro e observo a Terra. Tão bonita! Às vezes, só queria sentir a grama verdinha nos meus pés. Imagino Sam e Bellamy brincando de correr lá em baixo, então começa a chover e eu me junto a eles brincando com a chuva. Não vou desistir de voltar pra Terra e fazer essa imagem se tornar realidade, nem que eu vire rainha e ordene que vamos voltar para Terra juntos. Bellamy e Sam são como meus filhos e uma mãe nunca foge sem eles.

Capítulo 3

Demorou uma eternidade para chegar o dia do resultado, quase não consegui pregar o olho com tantas preocupações rondando minha cabeça. Na nossa nave todas as meninas estão elétricas, cantarolando músicas e dançando por aí alegres.Não sei como uma pessoa consegue ficar feliz nessa situação, quem passar vai virar brinquedinho do príncipe. Pelo universo, isso é ridículo e extremamente vulgar. Quero ver a cara delas quando descobri que o príncipe William é um velho babão.Sento na primeira fileira do enorme salão principal, a nossa frente tem um telão onde veremos o príncipe pela primeira vez - sua aparência nunca foi revelada. Eu deveria estar como todas as outras, alegre e quase morrendo de ansiedade. Diferente de todas, eu sinto medo. Medo de não passar, medo até mesmo de passar e descobrir que o príncipe é um babaca. Medo de deixar meus irmãos sozinhos, medo de ficar sozinha! O medo segue os nossos sonhos Às vezes, é bom sentir medo para termos limites. Em outras situações, o medo é o nosso maior inimigo. Bellamy senta ao meu lado segurando minha mão, Sam deita sua cabeça em meu ombro. Sinto um aperto no coração só de pensar no meu irmãozinho passando fome, eu preciso fazer isso por eles. Essa é a nossa melhor chance, não tenho outra escolha.- Stavo está chateado - Bellamy fala. Viro minha cabeça para o lado para encará-lo melhor. - É bem melhor assim, Bell. Não queria preocupá-lo, nem sei se eu vou passar.

Page 9: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

118

- Claro que vai. Acredito em você, Cecília, comece a acreditar também. Viro para frente, olhando a grande movimentação das pessoas que trabalham para a família real. Sinto minhas mãos suarem, assim que o telão é ligado e uma imagem de um ser completamente diferente do que eu imaginei aparece no telão, arrancando suspiros apaixonados de todas. Menos eu.Príncipe William nem é tão feio assim, seus cabelos morenos estão penteados para o lado com bastante gel. Sua postura é rígida, consigo ver seus músculos quase estourarem pelo paletó. Sua roupa é tão bem passada e limpa que daria para eu usá-la como uma mesa de cirurgia. Seus olhos são de uma cor de mel tão clara, mas marcante. Sua boca é carnuda e rosada. Parece até um boneco. Admito, ele não é feio, mas prefiro Stavo. Mil vezes Stavo. - É... Boa noite! - o príncipe começa a falar, sua voz é grossa me causando arrepios.- Hoje é um dia muito especial para todos nós. Vamos descobrir as classificadas para a segunda etapa da Colheita Anual. Obrigado a todas belas jovens que participaram da primeira etapa. Foi bastante difícil escolher apenas dez entre milhares. Sem mais delongas, vamos começar!- Paz, força e união, maninha- Bellamy diz apertando minha mão. - Paz, força e união- repito sua fala para tentar me acalmar. - Britanny, da nave Itália!A imagem de uma menina com pele morena, com os cabelos ruivos e olhos verdes invadiu a tela. Ela tinha um olhar delicado. Sorrio da cara de William ao ver a foto. - Meredith, China! Uma menina loira dos olhos azuis com um sorriso encantador. Vejo pelo canto do olho meu irmão sorrir todo bobalhão para ela. Esses homens de hoje em dia....- Clarke, Estados Unidos! Fico com medo da imagem que eu vejo, uma morena com os cabelos longos e lisos. Pele branca como a neve- embora eu nunca tenha visto, - mas tem em alguns livros fotos de neve - olhos pretos e cheios de maldade. Sua cara já diz que ela não é de amigos, seu olhar intimida e sua postura é como se ela tivesse aulas de etiqueta desde bebê. Óbvio que ela é rica, nave Estados Unidos só tem pessoas nobres e de poder. Os minutos se passam e finalmente príncipe William vai dizer o último nome, já estou sem esperanças. Era de se esperar, uma pobre como eu não teria chance alguma de passar nessa Colheita Anual. Bebo um copo de água e espero pelo próximo nome. - Cecília, Canadá! Cuspo a água que estava na minha boca, escuto os aplausos e os gritos de comemoração de todos ali presentes. Bellamy e Sam me abraçam com emoção enquanto eu ainda estou em estado de choque, levanto-me da cadeira e vejo a festa que todos estão a fazer. Não existe tristeza aqui, até mesmo as meninas que participaram e não foram selecionadas estão a comemorar. - Paz, força e união. Estados Unidos é a nossa nação! - Todos gritam nosso hino. Dou meu melhor sorriso para eles, alguns me abraçam outros só me dão apertos de mão. Sinto meu braço ser puxado com força, sou guiada até uma sala que conheço muito bem. Jardim Secreto, como sempre. - Quando ia me contar?! - Stavo pergunta espumando de raiva. - Eu... eu... - gaguejo ao tentar falar. - Você não tinha esse direito, Cecília! Temos um relacionamento aqui, eu sou seu namorado! Você resolve agir pelas minhas costas e se inscrever para se casar com outro homem! Tento pegar em sua mão mas ele se esquiva, balanço a cabeça negativamente. Sei que fui errada em não dizer nada, mas eu imaginei que não iria passar! - Stavo, eu precisava fazer isso, me entende? Bellamy perdeu o emprego, eu não posso trabalhar porque sou menor de idade. Minha única chance era a Colheita! Você não ia

Page 10: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

119

poder nos sustentar durante muito tempo...- Eu trabalharia dobrado! Posso fazer isso pelas pessoas que eu amo - passo minha mão pelo seu rosto. - Não pode Stavo, você iria se desgastar muito. Você tem a sua família, você os ama e eu entendo isso, eu tenho a minha família e os amo também. Você faria de tudo por eles Stavo, assim como eu, a minha família precisava de mim...- Então você se inscreveu - sua voz sai cheia de emoção, seguro sua mão fortemente. - Foi preciso, eu não sabia se ia passar e...Sou interrompida por sua boca que invade a minha, fico um momento congelada pelo susto mas logo trato de colocar minha mão na sua nuca puxando-o para mim. Suas mãos apertam minha cintura e sua língua explora cada canto da minha boca, sinto novamente aquela explosão dentro de mim e sorrio entre o beijo quando ele puxa meus cabelos. Meus pulmões imploram por ar mas não quero parar esse beijo maravilhoso. Stavo distribui beijos pelo meu pescoço, viro minha cabeça pro lado para ele ter mais espaço. Tomo sua boca com urgência, mordo seu lábio inferior e me separo dele colocando nossas testas. - Eu te amo, Cecília Shepard. Eu sempre vou te amar. Stavo diz ofegante, abro minhas pálpebras fitando seus olhos castanhos. Deixo que uma lágrima caia do meu rosto. Depois de quatro anos de namoro essa será a nossa maldita despedida. - Eu te amo, Stavo Avery. Você sempre será meu príncipe. Deposito um beijo suave em seus lábios novamente, saio do seu abraço, ouvindo seu choro abafado. Olho para trás, Stavo está com os olhos vermelhos de tanto chorar. Sinto vontade de ir até lá e abraçá-lo, dizer que vai ficar tudo bem e que em breve vamos nos casar. Ilusão. Apenas ilusão, eu e ele sabemos que não podemos casar. Que nada vai ficar bem, que talvez eu nem o veja mais. - Que nos encontremos de novo. Digo e fecho a porta com meu coração partido. Saio correndo, sentindo meu rosto arder e meus olhos serem invadidos pelas lágrimas. Abro a porta da minha casa desesperadamente, caio sobre a cama e não me seguro mais. Choro pela vida ser injusta. Choro porque eu nunca vou poder me casar com o homem que eu amo. Choro com raiva da família real por ter inventado essa maldita Colheita. Choro com raiva de mim mesma por ser tão burra ao ponto de se apaixonar por um cara da própria nave. Em meio a esses pensamentos acabo dormindo.

Capítulo 4

- Você vai voltar? - Sam pergunta me puxando para não ir embora. - Claro que vou. É só uma questão de tempo para Bellamy arranjar outro emprego. Vai ser rapidinho Samis.- Promete? - Sam arqueia uma sobrancelha, solto uma risada por ele ser tão pequeno mas tão marrento.- Prometo, meio metro - beijo sua bochecha e lhe dou um abraço apertado. - Você é uma pessoa muito especial, Cece - Sam pega no meu rosto e olha profundamente em meus olhos. - Que nos encontremos de novo. - Que nos encontremos de novo. Abraço mais uma vez meu bebê, que choraminga algo que não consigo escutar quando eu o solto. Viro-me para Bellamy, seus olhos estão cheios de preocupação e insegurança. Seguro firme em sua mão, ele não pode continuar assim. - Cuide bem de Samis, não se jogue de novo na sua própria escuridão.

Page 11: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

120

- Me desculpe por te forçar a fazer isso. - Não estou sendo forçada, eu vou lhe dá a sua melhor chance, é bem diferente. - Que nos encontremos de novo. - Que nos encontremos de novo- abraço Bellamy e deposito um beijo carinhoso na sua testa. Entrego minha pequena mala para o serviçal, entro no carro espacial. Digamos que ele se parece muito com um disco voador. Sua estrutura é redonda, uma cabine onde fica o piloto, alguns bancos com cintos de segurança. As janelas são de vidro, dando- me uma visão perfeita do espaço, as estrelas brilhantes, algumas galáxias. Consigo ver as cores verde e azul da Terra. Quase perto da Terra consigo ver Marte e Vênus. Que visão maravilhosa! Olho pela última vez para a minha família, minha pequena e tão amada família. Eles acenam para mim com lágrimas nos olhos, aceno de volta e lá no fundo, bem no fundo consigo ver Stavo acenando para mim. Meu coração se quebra em mil pedaços quando a porta é fechada, sinto o carro sair da nave Canadá flutuando pelo Espaço Sideral como um trem-bala.Deixo ali naquela nave meu coração. Minha lealdade pode ser do príncipe, mas meu coração ele nunca terá. “Que nos encontremos de novo.” - Penso sentindo meu coração se partir em mil pedaços. - Olá querida, sou Sara. Sua tutora - uma mulher com um coque alto e cara amarrada chega até mim. Dou um sorriso amarelo para ela. - Temos que tratar sobre alguns assuntos. Está pronta? Não. - Sim - minha boca me obriga a dizer isso. - Durante sua estadia na nave Estados Unidos, sua família receberá cestas com comidas e dinheiro. Sua família agora é a nossa responsabilidade, cuidaremos de tudo e quando quiser se comunicar com eles é so avisar. Enviaremos uma carta sua para sua casa. Ok?- Ok.- Se importa se eu fizer algumas perguntas? - Não. - Ótimo - ela ajeita sua postura e pega uma pasta com vários papéis. - É virgem? Que tipo de pergunta é essa? Pelo universo! - Sim - respondo seco.- Jura sua total lealdade ao príncipe? - Sim.- Alguma vez já tomou vitaminas? - Não. - Tudo bem, quando chegarmos lá, você vai receber algumas pílulas de vitaminas. Assine alguns papéis, alegando que o príncipe pode fazer o que quiser com você...- Como assim? - pergunto interrompendo-a.- Se ele quiser dormir com você ele vai fazer.- Isso é contra as regras - falo indignada. Que tipo de leis são essas que não permitem que eu durma com meu namorado antes do casamento, mas permite que o príncipe faça o que quiser comigo e depois pode me descartar como lixo? Isso é ridículo! Minha vontade é de flutuar pelo espaço do que passar por isso. - Bobinha, as regras não se aplicam à família real. - Ah claro! - digo irônica. - Voltemos...Passei o resto da viagem assinando todos os papéis, hesitei no último que era sobre o príncipe fazer o que quiser comigo, mas assinei pensando nos meus irmãos. Terei que ser forte para aturar tudo isso sozinha, no final vai valer a pena, tenho certeza disso.

Page 12: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

121

Meu queixo vai ao chão quando chego na nave Estados Unidos, parece mais um castelo de tão grande! Invés das casas cinzas e brancas que toda população é obrigada a ter, no castelo são cores alegres. O portão é de ferro pintado de preto, as paredes são amarelas misturadas com azul. Em uma delas, existe uma pequena ilustração da vida na Terra. Dois guardas fazem a segurança do portão, o piloto entrega um cartão e eles liberam a nossa entrada. Fico admirada com a beleza da nave, aqui onde paramos está pintado de verde como se fosse grama. Uma árvore enorme está pintada na parede da entrada principal, com alguns pássaros “voando”. A Terra deve ser muito bela, como eu queria morar lá. - Siga-me - Sara diz e eu a acompanho com passos rápidos. - Está marcado um encontro com o príncipe, te deixarei em seu aposento. Peça ajuda da criada para se arrumar, temos um tempinho ainda, você sempre será a última a ser chamada. Concordo e abro a enorme porta branca, dando de cara com um quarto maior que a minha casa. Uma cama de casal enorme com lençóis brancos e travesseiros fofinhos, ao redor da cama tem um pano rosinha creio eu que seja uma cortina. Uma penteadeira cheia de assessórios, maquiagens e perfume. Fico encantada, nunca tive isso na vida! As paredes aqui são de vidro, minha cama fica de frente para Terra, amei essa visão! Em um canto, tem um guarda roupa enorme. Ao lado tem um pequeno cômodo o que me parece ser o banheiro. - Senhorita Cecília? - Levo um susto ao ver uma senhora baixinha vestida com um uniforme preto e branco me chamar.- É... sou eu mesma - sorrio simpática para ela que faz sinal para eu me aproximar, fecho a porta e me aproximo dela. - Sou Hannah, sua criada, senhorita. - Oh - exclamo surpresa. - Cecília, prazer. - Tudo bem. Temos um compromisso com o príncipe, vamos logo te arrumar. Hannah me ajuda a tomar banho, estou sem ânimo algum para ir nesse encontro especial com o príncipe e blá, blá, blá. Visto um vestido vermelho que destaca minha pele branquinha. Hannah me obriga a passar creme na pele e usar um perfume. Faço uma trança e a deixo de lado, preciso cortar urgentemente meu cabelo. Hannah faz minha maquiagem, não tenho experiência nenhuma com esse tipo de coisa. Ela passa uma coisa preta que não sei o nome nas minhas pálpebras, realçando a cor azul piscina dos meus olhos. - Eu não vou usar isso - digo apontando para o salto.- Você é pequena, o príncipe é muito alto. Não seria legal...- Quero usar um tênis. - Mas, Cecília...- Tênis, Hannah, isso é uma ordem. Ela abaixa a cabeça e pega um tênis branco para mim, bem melhor agora. Calço o tênis e fico satisfeita, estou confortável, isso que importa.- Terei que fazer vestidos novos para você - Hannah diz ajustando o vestido que cisma em cair.- Sou magra demais, Hannah. É normal. - Isso não é normal. Amanhã mesmo vamos começar a comer bastante. - Disso eu tenho certeza. Vamos? - Vamos. Pego em seu braço direito, ela se assusta com tamanha aproximação mas não diz nada. Andamos por longos corredores até chegar a uma porta enorme, engulo em seco e bato três vezes na porta. Escuto um “entre”, Hannah some pelos corredores e só me resta abrir a porta e encarar o príncipe. - Alteza - digo fazendo uma reverência. O príncipe está sem seu paletó, as mangas da camisa social estão dobradas até o cotovelo. Sua gravata está folgada e seu cabelo bagunçado de um jeito charmoso...

Page 13: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

122

quer dizer de um jeito horroroso. Muito feio ele, muito mesmo. - Senhorita Shepard, seja bem vinda - ele faz sinal para eu me sentar na sua frente. Assim faço, encaro aqueles olhos cor de mel, sentindo uma vontade de quebrar toda sua cara. - Está gostando?- Com certeza, sua casa é maravilhosa, Alteza. - Vamos direto ao ponto - ele pega alguns papéis, coloca a caneta na boca e analisa brevemente o conteúdo. - Cecília Shepard, dezesseis anos, filha de Mark e Lexie Shepard. Tem dois irmãos, Bellamy e Samis.- Sam - corrigi-o. - Samis só para os mais íntimos.- Certo. Qual foi o motivo de entrar na Colheita? - Sinceramente? Precisava de dinheiro e comida. - Sinceridade é tudo nessa vida, quais são seus planos para continuar aqui? Se quer me impressionar, a hora é agora. - Meu plano é aproveitar a comida e o dinheiro ao máximo até você me expulsar daqui - o príncipe William tira a caneta da boca e dá um sorriso de lado. - Apenas isso, senhorita Shepard? - Sim, Alteza. De forma alguma irei expor minha família assim para um desconhecido.- Você jura lealdade a mim? - Sim. - Ótimo. Que tal fazermos um trato? Trato? Gostei desse menino. - Que seria?- Você será minha amiga. De todas as nove meninas você foi a única que não deu em cima de mim. Será minha amiga, meus olhos e ouvidos, não vou poder estar com vocês o tempo todo. Por isso você vai ser meus olhos e ouvidos. - O que eu recebo em troca?- Você quem decide. - Vou ficar até o final da Colheita, quando eu falar que quero ir embora você não vai hesitar. Mas não vai poder me mandar até eu querer ir. Ok?- Trato feito. Por que quer ficar aqui até determinado tempo?- Tenho pessoas na minha estação que precisam de mim, e a partir de agora é Cecília e William. Nada de formalidades entre amigos. - Ok, Cecília. Pessoas tipo seu namorado? - Sim - sorrio ao lembrar de Stavo. - Estou doida para voltar. - Ele é um cara de sorte - vejo sua cara de espanto, achou que eu iria negar a informação e se deu mal. - Disso eu não tenho dúvidas. - Trato feito? - William estende sua mão, pego na mesma sem pensar duas vezes. - Trato feito. Até Bellamy chegar preciso manter minha amizade com o príncipe, ele não me parece má pessoa. Será um início de uma nova amizade?

Capítulo 5

- Senhorita Cecília, poderia me dizer como nosso mundo chegou a sua total destruição? - Sara pergunta para mim, coço a garganta incomodada com os olhares das cinco selecionadas restantes sobre mim.Já se passaram três semanas que estamos aqui, William dispensou cinco meninas. Foi o maior choro quando elas foram embora, enfim, agora estamos tendo aula de História com Sara. Rainha Isabel está sentada analisando toda nossa conversa e escrevendo

Page 14: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

123

algo no papel. Respiro fundo e começo a falar: - 2040 ou 2050, não me lembro muito bem. O presidente dos Estados Unidos lançou mais um feriado, o dia da purificação, onde uma vez ao ano era permitido por doze horas qualquer tipo de crime. Homicídios, estupros, roubos, entre outros. De início, toda a população americana se assustou, mas quando o dia da purificação chegou... - sinto medo só de pensar naquela situação, ajeito minha postura e continuo a falar. - eles diziam que era a data em que seu demônio interior era libertado, foi devastador, a população mais pobre era sempre a mais afetada. - Passaram-se anos tendo a purificação no Estados Unidos - Meredith fala quando Sara olha para ela. - Virou meio que um passeio turístico, pessoas de todos os países iam para o dia da purificação. Claro que o país ficou mais rico, com tantas pessoas nos aeroportos e comprando armas, Estados Unidos tornou-se o país mais rico de todos os tempos! Logo todo o mundo acatou a esse feriado, e foi assim que começou...Trocamos olhares tristes, pensar em como aquelas pessoas sofreram... Isso é terrível! O ser humano chegou ao nível extremo! Matar pessoas para se sentir purificado, universo! Isso é bárbaro. - Mas a Síria não aceitou esse feriado, pois as regras eram claras - Clarke diz, vejo que até esse coração de gelo se abalou. - Durante todo ano não era permitido matar, apenas na noite da purificação. Os terroristas Sírios iniciaram uma guerra com os americanos, a Síria criou uma bomba nuclear muito perigosa. Numa certa noite, os sírios atacaram toda a América, até mesmo América do Sul que não tinha nada a ver com a guerra. - Infelizmente a bomba espalhou radiação - digo, rainha Isabel para com as anotações e me olha atentamente. - Os níveis de radiação eram altíssimos, metade da população foi afetada com doenças causadas pela radiação. A Síria, não satisfeita com o resultado da população ter sobrevivido jogou outra bomba. O mundo ficou incapaz de ser habitado por qualquer ser humano. Líderes dos 10 países principais na questão da economia se juntaram. Eles tinham um plano para vir morar no espaço, felizmente deu certo. Por um momento coloco minha cabeça para funcionar, se foi o Estados Unidos que começou toda essa guerra, por que eles são nossos líderes? - Estão liberadas, lembrem-se de estudar para apresentar planos para a nossa estação! - Sara diz animada. Reviro os olhos me sentindo incomodada, aquele vestido pesa, a maquiagem incomoda, até mesmo o cabelo está incomodando. Estou com saudades da minha família, saudades do jeito atrapalhado de Sam. Da forma fria que Bellamy nos trata, dos beijos e carinhos de Stavo. Não é fácil ficar aqui, não mesmo, vontade que tenho é de sair correndo daqui todas as manhãs. Minha única motivação para ficar aqui é William e claro meus irmãos. William tem se mostrado um amor de pessoa. Ele se abre comigo todas as noites, após o jantar em meu quarto, por mais que seja estranho não ser Stavo com quem eu passo todas as noites eu até gosto do príncipe. Ele é gentil, alegre, bom ouvinte, e até mais aberto que seu pai que está sempre com a cara fechada. Acho que ele herdou isso da mãe, sua alegria que contagia todos aqui. Saio da sala de aula e ando pelo corredor, escuto a voz do rei e resolvo me esconder para ouvir sua conversa. - Temos mesmo que fazer isso, Majestade? - o chefe dos soldados pergunta para o rei preocupado. - Sim. Não temos escolhas. - o rei toca no ombro do chefe dos soldados, se eu não me engano seu nome é Bryan.- Podemos trazer a estação Canadá para cá, juntamos algumas pessoas em cada estação. - Assim seria mais oxigênio, muitas pessoas em um lugar só não daria certo. Pelo universo, de que raios eles estão falando?

Page 15: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

124

Me aproximo mais tentando não fazer barulho, me escondo em uma coluna de ferro. Concentro-me para ouvir melhor. - A senhorita Shepard é da nave Canadá, ela não vai gostar de saber da notícia. - Estou pouco me lixando para Cecília, meu filho cisma em deixá-la aqui. Todos sabem que ela não tem capacidade alguma de rainha...- Ela é uma boa líder, senhor. Lembra da atividade em grupo que elas fizeram? Cecília se destacou desde o primeiro momento. Agora a conversa era sobre mim? - Dane-se! Nunca irei deixar aquela menina ser rainha. -Entendo, Majestade. Voltando ao assunto...- A nave está morrendo, Bryan. Precisamos achar recursos o mais rápido possível, se for preciso desligar o oxigênio da estação Canadá, eu o farei. Congelo com aquelas palavras, meus olhos ficam arregalados, meu coração começa a bater mais forte por causa do meu desespero. A nave está morrendo? Nossos recursos estão acabando, se for preciso eles vão destruir nave por nave, até sobrar apenas a estação Estados Unidos. Isso não me surpreende, eles erraram no passado e vão cometer o mesmo erro de sempre. Destruir as pessoas que são mais vulneráveis. A estação Canadá é como vermes, destruindo sua pesquisa científica, se for preciso matar todos esses vermes eles farão sem dó e sem piedade. - Precisamos de mais sangue, quem sabe assim os E.T.s ficam satisfeitos e resolvem fazer um trato? - Bryan balança a cabeça lamentando. - A que ponto chegamos, Majestade? - Sobrevivência, fazemos de tudo para sobreviver. Dito isso eles desaparecem pelos corredores.Coisas não estão certas, por que eles iriam querer nossos sangue para fazer trato com os E.T.s que são nossos maiores inimigos? Oh, agora tudo faz sentindo! Os E.T.s são os únicos seres com capacidades de, transformar a gravidade em oxigênio. Eles se alimentam de sangue, e pelo o que eu ouvi falar suas reservas estão baixas. Todos comemoramos com essa notícia, teve uma mini “guerra “ entre os Starton - que somos nós- contra os ETs. Então em troca de oxigênio, o rei está doando nossos sangue. Por isso quase toda semana tiramos um pouco para Colheita, maldito seja esse rei!Não vou participar desse plano sujo, ele vai matar minha família de qualquer forma. Corro o mais rápido possível para o meu quarto, pego um papel com uma tinta. Sento- me no chão com as costas na parede, observo a terra por um instante. Começo a escrever para meu irmão, irei tirá-los de lá o mais rápido possível. Acho que estou tendo ideias para o dia da apresentação, meus planos para estação começam hoje. Paz, força e união. Estados Unidos não é mais a nossa nação. A suprema arte da guerra é derrotar seu inimigo sem lutar, o rei Jon irá cair. E eu não vou precisar levantar uma arma para isso.

Capítulo 6

- Seu pai te disse alguma coisa? Pergunto para William, que está sentado na minha cama com alguns papéis. Caminho de um lado para o outro nervosa, com as informações que eu consegui descobrir que nem todos que achamos que são nossos amigos são verdadeiros. Preciso saber se William está do meu lado, se tiver, seria um aliado muito bom.- Não, apenas me mandou escolher os novos soldados - ele tira os olhos do papel e me observa. - Aconteceu algo? - Não, tudo está no ponto - sorrio para ele e me sento ao seu lado. - Pensou no que eu

Page 16: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

125

te falei? - Sobre seu irmão? - concordo, ele me entrega um papel, fico feliz com o nome que eu vejo ali. - Foi o primeiro da lista. - Obrigada! – passo meus braços pelo seu pescoço, abraço ele bem rápido e logo volto para minha posição original. - Você não sabe como isso é importante para mim. - Agora é a hora que você vai embora? - Não.Tenho assuntos muitos importantes para tratar, tipo, como destruir seu pai. Concluo minha frase mentalmente. - Está me expulsando, Alteza? - Céus mulher! Você é a melhor companhia que eu tive na vida, acha mesmo que eu iria te expulsar? - sua gargalhada é tão gostosa de se ouvir que eu até me permito admirar as covinhas que se formam no canto da sua boca. - Sabe como é, uma dessas meninas será sua princesa. Creio que não serei eu - sorrio divertida para ele, o príncipe arqueia a sobrancelha. - Como pode ter tanta certeza? - O universo nunca está ao meu favor - faço minha melhor cara de drama. William balança a cabeça rindo, cada momento que passamos é especial. Ele é meu melhor amigo, vontade que eu tenho é de guardá-lo num potinho e levá-lo para todos os lugares comigo. - Eu tive uma ideia louca - ele diz com um sorriso do mal.- Vamos dar uma saidinha? - Vamos - pego na sua mão e saímos do quarto. Cruzo meu braço no seu, não me importo se estamos no corredor e que a qualquer momento alguém pode passar e nos vê. Will parece não se importar também, ele mantém um sorriso bobo nos lábios. - Tem alguém apaixonado? - pergunto balançando um pouco ele.- Sim, acho que encontrei a minha princesa. - Fico feliz. Por dentro estava brava! Ele se apaixonou muito rápido, droga, será que a menina pelo menos é uma boa opção? Se for eu não vou gostar de qualquer jeito, sinto raiva dessa menina sem nem conhecer. Passamos por alguns guardas, fico calada o caminho todo, William não tinha o sorriso bobo dos lábios e isso está me irritando. - Chegamos! - saio do meu transe, sinto suas mãos tamparem meus olhos para não ver sua surpresa. - Vai me matar agora? Sinto um arrepio só de pensar nessa possibilidade, William solta um riso e tira suas mãos dos meus olhos. Quase caio para trás com a visão que tenho. Duas roupas especiais para ir lá fora, logo atrás da roupa tem uma sala com um painel. A visão do espaço é ainda melhor daqui, olho confusa para Will.- Pronta para ir lá fora? - ele pergunta com um sorriso de lado, minha boca se transforma num perfeito ”0”.- Sério?! - grito empolgada. - Coloque a roupa, vamos dar uma voltinha.Dou um pulo de empolgação. Desde que nasci nunca havia saído da nave. Meus olhos brilham quando passo minha mão pela roupa especial, uma criada a qual eu não conheço me ajuda a vestir. Will parece preocupado mas logo que me pega o observando, coloca um sorriso nos lábios. Coloco o capacete sentindo uma felicidade enorme crescer dentro de mim.- Amarra isso na cintura- Will me entrega uma corda. Passo a corda ao redor da minha cintura, depois de um tempo Will volta vestido e com um homem. Suponho que ele vai controlar nosso oxigênio. - Vamos? - pego na mão de Will.

Page 17: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

126

Fecho a pequena frecha de vidro, Will dá o sinal e as portas são abertas nos jogamos para fora da nave. Sinto meus pulmões implorarem por ar, mas logo nosso oxigênio é ligado. Olho para o príncipe, nunca pensei que ele faria isso por mim.- Admire a vista- ele fala através do microfone.Viro-me com dificuldade por causa da gravidade, admiro a vista dos planetas alinhados perfeitamente. Mesmo estando longe do sol, é possível vê-lo brilhando como uma bola de fogo gigante. Alguns asteroides estão passando entre a gente, sorrio com essa sensação de liberdade! Céus! Como isso tudo é lindo.A sensação que tenho é que posso tocar as estrelas, o céu preto com pintinhas brilhantes é lindo! A lua... Ah a lua! Coisa maravilhosa que posso ver com muita facilidade. Olho para trás, vendo nossa nave, ela é enorme! Uma estrutura grande de ferro bem sustentável, algumas partes de vidro e com alguns satélites. - Será que podemos conversar? - o príncipe me tira dos meus pensamentos, viro para ele com um olhar de criança. - Podemos! Isso é lindo Will! Estou completamente apaixonada por tudo isso! - solto uma risada. - Fico feliz que esteja gostando. - Obrigada Will.Fico um momento admirando esse homem, seu sorriso é tão encantador. Seus cabelos estão bagunçados de uma forma fofa, seus olhos cor de mel me olham com um certo... desejo? - Cecília...- ele sussurra meu nome. - Pode me contar sobre sua relação com o seu namorado. - Stavo - digo seu nome após tanto tempo, me sinto até estranha com isso. - Quando minha mãe engravidou de Sam, precisamos esconder por causa da regra idiota do seu pai. Quando Sam nasceu, a família de Stavo assumiu o bebê até ele completar um ano. Foi assim que começou, viramos amigos e de repente rolou o primeiro beijo. - A menina que eu gosto, nós somos amigos... Acha que é possível ela se apaixonar por mim? - ele indaga pensativo. - Qualquer uma se apaixonaria por você, Will. Principalmente sendo esse fofo, te daria um beijo agora mesmo. - Faria isso? - pergunta com um olhar malicioso. - Baixa a bola, amigão. Tenho namorado. Escuto sua risada, ele pega na minha mão e olhamos juntos para Terra. Terra... Oxigênio... E.T.s ... Êxodo... É isso! Descobri a solução dos meus problemas, posso sugerir várias coisas, mas essa.... Com certeza vai fazer todos ficarem ao meu favor e contra o rei.- Eu sinto muito- murmuro triste. - Pelo quê? - Coisas que vou fazer Will, você não merece passar por isso. - Está maluca? Do que está falando? - Nada - suspiro fundo. - Nada. Depois de um tempo tivemos que voltar para nave, meus olhos se encheram de lágrimas, não queria ir embora de jeito algum. Me despedi de Will com um abraço apertado, dei um beijo em sua bochecha e saí em direção ao meu quarto. Will é um homem bom, não merece passar por tudo isso que eu pretendo fazer. Como as apresentações dos planos será daqui a dois dias, tenho tempo o suficiente para planejar tudo. Chego no quarto e tem uma carta para mim em cima da cama, já sei até de quem é. Abro a carta, sento na cama e começo a ler: Olá, Cecília querida, estamos com saudades! Venha o mais rápido possível, não

Page 18: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

127

sou cego e posso ver as movimentações dos soldados na nossa estação. Acho que tenho um jeito de salvar a nave, tente vir para cá o mais rápido possível pois essa oportunidade é única! Hoje bateram na nossa porta, era um grupo de manifestantes, sim manifestantes! Advinha quem era o líder? O pai do Stavo, senhor Alec. Podemos dar um jeito de vencermos o rei, venha para cá quando der. Toma cuidado, seja cautelosa e não deixe ninguém te ver. Juntos venceremos, estamos na torcida por você meu amor. Te amamos, atenciosamente Bellamy Shepard.

Capítulo 7

- Samis! - grito sentindo meu irmãozinho me abraçar apertado. - Oh Samis, senti tanto a sua falta! Sinto um bolo se formar na minha garganta e começo a chorar. Aperto Sam contra meu peito como se precisasse daquilo para sobreviver. Braços fortes nos rodeiam, sei que é Bellamy, choro mais ainda quando sinto que os dois engordaram um pouquinho. Graças ao meu pedido, William liberou todas as participantes para visitar suas famílias. Pulei de felicidade com a notícia que veria meus irmãos novamente, depois de uma breve viagem, aqui estou eu.- Eu amo vocês, amo muito. Não vou deixar ninguém machucá-los - sussurro entre as lágrimas. - Também te amo minha pequena, senti muito a sua falta- Bellamy diz, beijando minha testa. - Ei, vocês estão me apertando aqui- Sam diz com a voz falha, Bell gargalha.- Bobo - digo me soltando dos apertos do meu irmão mais velho. - Vamos direto ao assunto, chame Alec.Bellamy assente e se vai, sento na cama com Sam em meu colo. Seus braços que antigamente eram finos, agora estão grossos. Seu rosto ganhou um pouco de massa, até seu olhar está cheio de vida. - Eu acredito em você, sabia? - Sam fala alisando meu rosto delicadamente. - Mesmo? Fico muito honrada por isso - beijo sua mão. - Todos os filmes sempre tem aquela pessoa que salva o mundo, acredito que essa pessoa seja você, Cece. De alguma forma, tudo vai se encaixar, não deixe nada te abater. Estamos entendidos? - Sim, capitão. - bato continência e ele sorri, revelando seus dentinhos pequenos - Tem certeza que você tem seis anos? Sim. - diz sorrindo. - Sou bonitão pra ter essa idade, não é?- Disso eu não tenho dúvidas, bonitão. - faço cócegas em sua barriga, ele gargalha alto pedindo para eu parar. - Meu bonitão! A porta é aberta, paro imediatamente e me ajeito na esperança de ver Stavo. Meu sorriso some quando vejo que só Alec veio, tento não demostrar minha decepção. Sam beija o senhor Avery e sai da casa, nos deixando sozinhos. - Cecília, está belíssima minha jovem - Alec Avery diz se sentando na mesa, trato de levantar e cumprimentá-lo com um aperto de mão. - Obrigada tio, e Stavo? - pergunto de imediato quando me sento na mesa. - Ocupado, vamos tratar dos assuntos? - Vamos. - O que você ouviu? - O rei Jon conversava com Bryan, ele disse que a nave estava morrendo e que se fosse preciso iria desligar o oxigênio da nave Canadá. Quando soube mandei a carta para Bellamy, não sei se você sabe mas existe uma etapa da Colheita onde falamos para todas as naves nossos planos para toda estação. - Já tem um plano em mente? - sorrio para ele.

Page 19: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

128

- Sou Cecília Shepard tio, sempre tenho um plano. Conto para ele todo meu plano, Alec ouve tudo atentamente e parece gostar. Respiro fundo pensando nos danos que tudo isso traria, mas temos que tentar. - Que dia vai ser isso? - ele pergunta alisando seu queixo pensativo. - Amanhã, será que vai dar certo? - Isso vai causar pânico na população, todos vão estar a favor de você e contra o rei. Vai dar certo, ele vai ficar vulnerável, montamos um grupo com vários homens e atacamos a nave Estados Unidos. Matamos a família real...- O príncipe não! - digo nervosa, ninguém vai tocar no meu amigo. - Por que ele não? - pergunta colocando seu queixo apoiado na mão, engulo em seco. - Porque ele... pode nos ajudar. - Tem certeza disso? -Sim.NÃO! O príncipe nunca trairia seu pai, o que ele mais preza é a lealdade, por isso creio que depois desse golpe ele nunca mais vai falar comigo. - Tudo bem, apenas o rei - Alec se diz por convencido. - Forçamos a rainha a renunciar. - Ok.- O objetivo da guerra é a paz, Cecília. Só queremos paz, e viver numa sociedade sem esse tipo de gente. - Eu sei Alec, eu sei. Depois de mais alguns minutos de conversa ele se vai, Bellamy e Sam entram com cara de preocupação. Deito na cama, Bell deita de um lado e Sam de outro. - Houve uma invasão ontem- Bellamy diz, olho para ele preocupada. - Levaram algumas pessoas, crianças, Cecília! Crianças! - Não tentaram levar Sam? - Sim, mas eu resisti, ganhei isso aqui de brinde. - ele levanta a barriga demonstrando seu abdômen bem definido, havia um corte profundo bem perto da sua virilha.- Temos que cuidar, ela pode infeccionar....- Se acalma, Cece, está tudo bem agora. Dizem por aí que mulheres gostam de homens com cicatrizes, quem sabe assim eu possa conquistar Meredith.- Meredith? - Solto uma gargalhada, Sam se remexe e vem até mim, abraçando minha cintura e volta a dormir. - Sim, algum problema?- Só não machuque minha amiga, Bell. Ela é a única gentil comigo ali. - Pode deixar, trouxe o que eu pedi? - Sim, três armas, estão em baixo da mesa. Não deixe Sam pegar nelas, ouviu? - Ouvi, boa noite, te amo. - Eu também. Aliso os cabelos de Sam, só então percebo que seus braços tem marcas roxas de dedos. Obviamente eles estão pegando os sangue das crianças para dar para os E.T.s, malditos! Fazendo isso com as pobres crianças! - Cece? - Sam sussurra baixinho. - Sim? - O que acontece se os monstros voltarem? - Vamos matar todos eles.

Page 20: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

129

Capítulo 8

Mexo em todas as prateleiras do laboratório. Assim que voltei para a estação Estados Unidos, vim para o laboratório tentar descobrir algo. Estou aqui a muito tempo com medo de ser pega. Que o universo me ajude! - Achei! - grito empolgada. Pego os papéis e me escondo debaixo da mesa, alguns são exames de pacientes e outros são os resultados de sangue. Procuro pelo meu nome: Cecília Shepard 100% compatível. 100 % compatível? Compatível com o quê? Todas as outras meninas eram abaixo de 50%, sou a única com aquele nível tão alto. Acho a lista das crianças que foram levadas, todas são 100% compatíveis como eu. Pensei que nosso sangue seria usado para dar para os E.T.s. Então não deve ser isso. Não precisa ser compatível para eles tomarem sangue. - Droga Isabel! - escuto a voz alterada do rei, me encolho mais para não ser vista. - Se acalma Jon... - a voz doce e delicada da rainha tenta acalmá-lo. Escuto o estrondo e tapo minha boca para não gritar. Vejo a rainha cair no chão com o nariz sangrando. Faço sinal para ela não dizer nada, seus olhos se enchem de lágrimas. Ela assente e tenta se levantar. - Me desculpe meu amor, eu não queria... - rei Jon lamenta, acho que acabei de presenciar a rainha apanhando do próprio marido. - Tudo bem, só fique calmo, por favor. - Como ficar calmo numa situação dessa? William se nega a dar Cecília para transfusão de sangue! Desse jeito nossos inimigos vão atacar! - Você já pegou as crianças. Não acha que já basta? - Não. Se Cecília sendo adulta é 100% compatível, toda sua família deve ser. - Jon, não mexe com a família dela....- Quem é Cecília mesmo? Ah lembrei, uma simples plebeia, não vai poder fazer nada contra o rei.Sinto a raiva tomar conta de mim. Acha mesmo que não posso fazer nada contra você, rei Jon? Não estava gostando do meu plano por ter que afetar tantas pessoas, mas agora.... William não merece o pai que tem e a rainha não merece um marido desse. Escuto a porta bater, tiro metade da cabeça para fora da mesa. Tudo limpo. Saio da mesa e guardo os papéis em seu devido lugar, acho que não estou entendendo o plano do rei. Transfusão de sangue? Para que ele iria querer isso?Pouco me importo, preciso focar na apresentação de hoje, depois vejo esse assunto. Só espero que até lá, ele não ouse tocar em Bellamy ou Sam. Mexeu com eles, mexeu comigo, rei Jon ainda não conhece o que eu posso fazer. Mas garanto que quando conhecer, vai se surpreender. Saio do laboratório, sendo cautelosa, corro para o meu quarto. Abro a porta do mesmo, observo uma cena que me faz gargalhar até sentir minha barriga doer. - Príncipe William jogando xadrez com Hannah? - pergunto gargalhando ainda mais. William me olha feio e se levanta vindo em minha direção, Hannah abaixa a cabeça envergonhada. - Não precisa se sentir envergonhada Hannah, Nossa Alteza é muito generoso - digo dando um beijo rápido na bochecha de Will.- Vou deixá-los sozinhos - diz com o rosto todo vermelho.- Tchau, amor! - grito assim que ela sai.Deito na cama me sentindo exausta, essa vida não é fácil não. Will deita ao meu lado com cara de preocupação, deito minha cabeça em seu peito e fecho meus olhos sentindo sua mão acariciar meu cabelo. - Quer me contar alguma coisa? - pergunto depois de um tempo de silêncio. - Não, na verdade tenho que ir. - ele se levanta e me dá um beijo na boca.

Page 21: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

130

Ele sai e eu fico ali, intacta no meu lugar com minha mão no meu lábio. Ele acabou de me beijar e sai assim, sem dizer uma palavra! Respira fundo, Cecília. Ele nem deve ter percebido que fez isso. Acabei de ser beijava pelo príncipe, não tem como ficar calma numa situação dessa! Balanço minha cabeça para os lados, preciso me concentrar na minha apresentação. Chamo por Hannah que logo aparece, respiro fundo e decido tomar um banho. Hannah me ajuda a vestir um vestido preto com pintinhas brilhantes, parece até mesmo com o espaço. Ela faz uma maquiagem escura, pareço até mesmo uma pessoa malvada. Hannah faz um trabalho incrível no meu cabelo, com um coque alto deixando alguns fios soltos. Quando paro em frente ao espelho as lágrimas ameaçaram cair, mas eu segurei. Estava assustada, mas tinha muitos motivos para fazer aquilo. Todos merecíamos coisa melhor. Minha família, Stavo, Meredith, Hannah entre outras pessoas. - Ouça, preciso que você me faça um favor. - Qualquer coisa. - pude notar que Hannah era sincera. Peguei uma carta que estava comigo. - Poderia entregar essa carta para meu irmão? - Bellamy? - Sim, se acontecer alguma coisa comigo entregue isso a ele. - Ok.-Obrigada. Pego meu cartaz e saio do quarto. Entrei no estúdio para o Jornal, a disposição era a mesma de sempre: os assentos do rei, da rainha e de William a direita, perto da porta; os assentos das selecionadas à esquerda. Daquela vez, porém, no meio do cenário havia um espaço para nossas apresentações. Havia uma tela, concluí que alguém mostraria slides. Impressionante. Perguntei-me quem teria conseguido meios para ir tão longe. Tomei o último assento livre. - felizmente ao lado de Meredith - pus o cartaz no chão. Sara estava extremamente inquieta. Aquela era a nossa tarefa mais trabalhosa até o momento, e tudo o que fizéssemos também teria consequência para ela. Engoli em seco. Tinha me esquecido de Sara. Tarde demais. O rei entrou com a rainha, ambos conversavam aos sussurros sobre algum assunto importante. William entrou logo atrás, arrumando sua gravata borboleta. Assim que nossos olhares se cruzam, ele sorri. Continuo séria, ele não pode brincar com meus sentimentos assim! Ele me encara sem entender nada, resolvo virar para o lado e conversar algo com Meredith. - Vai dar tudo certo, amiga. - ela sorri para mim. - A propósito você está linda. - Você também. E não era mentira. Seus cabelos loiros estavam soltos e cheios de cachinhos, o vestido branco lhe dava um ar angelical e puro. Sua maquiagem estava leve, seus olhos olhavam para William com admiração. Por um momento me sinto incomodada, nunca tinha reparado como todas ali olham para William descaradamente. Sinto meu sangue ferver de raiva quando ele dá um sorriso encantador para elas, que suspiram apaixonadas. - Boa noite, estações! - George fala para câmera. - Que as apresentações comecem!Começo a suar frio quando meu nome é chamado, Meredith aperta minha mão me dando uma força. Pego meu cartaz com as mãos trêmulas, levanto-me sentindo minhas pernas tremerem. Ando meio zonza até o palco, tento me concentrar ao máximo.Por Bellamy e Sam, você precisa se manter forte. - Boa noite, a todas as estações que estão me assistindo- começo a dizer. - Hoje venho aqui como uma cidadã normal, não sou uma selecionada, não sou uma canadense,

Page 22: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

131

hoje sou apenas Cecília Shepard, uma cidadã que luta pelos nossos direitos. Apesar de ter crescido na pobreza, vendo meus pais serem mortos pelo nosso rei e apesar de ter sido obrigada a se separar da minha família - olho para as meninas -, amo esse país. O que eu proponho não seria simples. Pode até ser doloroso, mas eu realmente acredito que poderia ser benefício para todas as estações. Tomei fôlego. - Eu proponho que voltemos para Terra. Ouvi mais de uma expressão de pasmo. Preferi ignorá-las.- A nave está morrendo, meus queridos, palavras do próprio rei. Ele mesmo pretende desligar o oxigênio da estação Canadá, não podemos deixar isso acontecer. Hoje Canadá, amanhã Brasil, depois França e assim por diante. Proponho também que o rei Jon renuncie, não podemos deixá-lo cometer os mesmos erros dos nossos antepassados não é mesmo? Paz, força e união Estados Unidos não é mais a nossa nação. Abro meu cartaz, mostrando para todos eles o desenho da Terra, sorrio para câmera. - Este é o nosso lar, creio que com as forças da nossa tecnologia podemos conseguir voltar para lá. É isso. - fecho o cartaz. - Obrigada pela atenção de todos vocês. Morte ao rei! Grito a última parte, volto para o meu lugar tranquilamente, ignorando os olhares chocados das meninas. A situação era ruim, William tinha uma cara de assustado como se tivesse temendo alguma coisa. A rainha Isabel, mantinha-se calma e com um sorriso de satisfação nos lábios. Rei Jon me olhava completamente cheio de raiva, creio que se ele tivesse uma arma me mataria sem pensar duas vezes. Você pode fazer isso, Cecília. Você consegue. Vamos lá, ignore todos eles. - Desliguem as câmeras! - rei Jon gritou, vindo na minha direção. Ele pega no meu braço com força. - Você me paga, garota! - Você que vai pagar! Pegando crianças, seu monstro! Eu quero mais é que você morra! - grito tentando me soltar do seu aperto. Sou puxada para fora do salão, sinto como se meu braço fosse ser arrancado a qualquer momento. - Não tome decisões precipitadas, meu amor…- rainha Isabel diz vindo atrás da gente. - Eu vou matar essa garota! Sou jogada com força no chão, sinto um chute na minha barriga, grito de dor mas logo me calo sentindo mãos fortes apertarem meu pescoço. Arranho e puxo os cabelos do rei tentando me soltar do seu aperto, meus pulmões imploram por ar, mas ele não me solta.Meus olhos são tomados pelas lágrimas. Não posso morrer assim, pego uma faca que estava guardada dentro do meu vestido e enfio com força no braço do rei. Começo a tossir quando ele me solta, apertando o braço que sangrava, meu pescoço começa a arder. Fico meio tonta, mas logo fico de pé. Vejo William se aproximar de nós com cara de poucos amigos. Quando penso que ele vai gritar comigo, William dá um soco em seu pai que cai desmaiado. A rainha Isabel me ajuda a ficar de pé. - Corre, minha filha, corra o mais rápido possível até a sala das viagens. - ela diz, me dando um abraço. – Lá, vai ter um botão, vista a roupa especial e aperte ele, quando estiver dentro do carro espacial. Concordo sem conseguir dizer nada, minha garganta ardia muito. - Você é maluca! - Will fala sorrindo. - Gosto disso. Puxo sua nuca e lhe dou um beijo desesperado, diferente de Stavo, Will era mais carinhoso e delicado. Infelizmente ele se afasta rápido demais. Bufo impaciente. - Agora vá, meu amor. Estamos lutando pela nova era, você não pode morrer. - ele diz. Fico surpresa com suas palavras, olho para o lado vendo o rei se levantar. Corro o mais rápido possível sem olhar para trás, escuto os passos dos guardas correndo atrás de

Page 23: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

132

mim. Chego na sala de viagens ofegante, a mesma sala que eu e Will tivemos quando somos para fora da nave. - Não deixe ela fugir! - escuto a voz bem próxima de onde estou.Não vai dar tempo de vestir a roupa! Pego o botão que a rainha falou, entro na parte especial que é a saída para fora da nave. Aperto em um botão fechando o vidro, que separa eles de mim, os guardas chegam armados um deles aponta a arma para mim.Eu tenho duas opções: 1- Morro aqui mesmo como uma covarde que não lutou para viver. Ou 2- Aperto o botão. A porta será aberta, me expulsando com toda força para fora da nave. Assim morrerei no espaço, sem oxigênio e com frio, mas morrerei tentando. Não penso em nada, apenas aperto o botão sentindo ser puxada com tudo pra fora da nave.

Capítulo 9

Acordo sentindo tudo girar, abro minhas pálpebras devagar, fitando aquele lugar totalmente branco e com bastante claridade. Era para eu ter morrido. Como vim parar aqui? E onde estou? Minha pergunta é respondida um minuto depois, quando a porta é aberta e um ser verde adentra o pequeno cômodo onde estou. Fico chocada ao ver um E.T. de perto. Suas características são idênticas às que eu imaginei: Pele verde, olhos grandes e pretos, sua cabeça é de tamanho normal, mas não existe cabelo. Sua roupa é de alumínio personalizado com alguns botões, fico com medo do que ele vai fazer comigo. Quando ele se aproxima, pego um abajur, que estava no criado-mudo ao meu lado, e bato na sua cabeça com bastante força. O E.T. nem se mexe, apenas sorri debochando da minha tentativa falha de fugir. - Olá, Cecília. Finalmente nos encontramos. - sua voz é tão grave que me causa arrepios. - Onde estou? Como eu vim parar aqui? E quem é você? - Você está no meu disco voador, é claro. Quando você teve a brilhante ideia de sair da nave sem suas roupas especiais eu estava lá como o combinado para te salvar. E eu sou Kane, presidente do disco voador. Como combinado? Quem raios fez um trato com ele? Fico tão confusa que sinto meu mundo girar. - Obrigada, eu acho. Não tenho certeza se posso confiar em você. - O jogo pelo poder é um jogo perigoso não se deve confiar em ninguém, Cecília. Engulo em seco, essa deve ser a hora que ele me mata. - Quanto tempo eu dormi? - pergunto me levantando. - Cerca de nove horas. Está com fome? - Não. - visto minha roupa sobre o olhar de Kane. - Preciso voltar para a nave. - E como pretende fazer isso? Você está jurada de morte, não tem um exército, vai ser bem difícil. - Darei meu jeito. - amarro meu cabelo num rabo de cavalo. - Minha família está lá, tenho que impedir que o rei mate eles…- Bem que Will disse que você era teimosa. - olho para ele confusa. Kane suspira e levanta, vai até a porta e abre. - Vamos. Sigo ele, ficando admirada com aquele lugar. Eles tinham uma tecnologia muito mais avançada que nós. Crianças brincavam de correr sobre os olhares dos adultos, todos olham para mim com um sorriso de admiração. - Você sempre foi nosso plano, Cecília. Bellamy falou com William para te colocar na Colheita, desde o início foi um plano para acabar com o reinado de Jon. Só você tinha coragem o suficiente para fazer tudo isso, se colocássemos a vida de seu irmão Sam em risco, você faria de tudo para salvá-lo. William te conhecia há tempos, rainha Isabel

Page 24: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

133

acompanhou seu crescimento e quando se tornou adulta finalmente nosso plano poderia dar certo. - Não estou entendendo, como Bellamy e William se conheciam? Estamos numa sala com várias telas, ele faz sinal para me sentar e assim faço. - Bellamy nunca trabalhou como ator, ele passava a maior parte do tempo na nave Estados Unidos com Isabel e William para acabar com o reinado de Jon. A Colheita de sangue foi uma ideia espetacular, o rei bobo acreditou que a gente estava com falta de sangue e fez um trato conosco como você já sabe. Fiz ele acreditar que as crianças eram 100% compatíveis para transfusão de sangue, ele pegou milhares delas e trouxe para cá.As crianças estão bem, não tocamos nelas. Apenas fomos tirando a população de pouquinho a pouquinho para o nosso ataque final.- Ataque final? - pergunto confusa. - Sim, atacamos a nave e matamos o rei. Esse foi o acordo que fiz com Isabel, já sabíamos que você ia fazer essa escolha de sair da nave. Por isso acampei dias te esperando. Quando você foi jogada para fora, eu te salvei. - Obrigada. É muita informação para minha cabeça, sabe o motivo da rainha ter ido contra o rei? - Aprenda uma coisa, Cecília. Estamos em guerra, e na guerra todo mundo pode trair todo mundo. - Fiquei surpresa com isso. Quando vamos atacar? - Agora mesmo. Sam me disse uma coisa. - O quê?- Ele te fez uma pergunta. “O que acontece se os monstros voltarem?” Os monstros estão aí, Cecília. O que vai fazer? - Vou matar todos eles. Volto para o quarto onde estava, visto uma roupa de soldado preta. Pego armas e facas, ajeito meu colete e saio do quarto sentindo um medo tomar conta de mim. Pra que esse medo? Pergunto para mim mesma. Você é Cecília Shepard, tudo vai ficar bem.- Preparada? - Kane pergunta assim que eu me sento no carro espacial. - Já nasci preparada. Seguro firme a minha arma, respiro fundo e faço sinal para Kane decolar o carro espacial. A guerra não é uma coisa muito legal, cá estamos nós, eu segurando uma arma na mão pronta para tirar uma vida. Não importa o que façamos, não importa onde estamos, essa é a nossa natureza. Matar. Destruir. Enganar. Isso faz parte de nós, do que somos, e nada disso vai mudar.Estamos em um lugar totalmente diferente da Terra e, estamos cometendo os mesmo erros dos antepassados. A diferença é que não estamos jogando nenhuma bomba nuclear ou, inventando um feriado de purificação. A lei da sobrevivência faz parte de nós, é o que somos e não podemos negar. Faça dia ou noite, Terra ou Espaço Sideral, Nave ou Disco Voador, o ser humano vai continuar o mesmo.- Chegamos! - Kane interrompe meus pensamentos. Saímos do carro espacial, dando de cara com uma cena horrível. Corro o mais rápido possível até o centro onde tudo está acontecendo. - Vinte! - rei Jon fala sorrindo e dá mais uma açoitada. - Samis! - grito desesperada. Meu irmão, meu pequeno e tão lindo irmãozinho levanta sua cabeça lentamente. Já sem forças, seu rosto molhado pelas lágrimas, seus olhos transmitem dor e angústia. E foi tão de repente que meu mundo virou de cabeça para baixo, aconteceu tão rápido, num piscar de olhos. - Vinte e um! - rei Jon gritou olhando diretamente para mim, escuto o barulho do

Page 25: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

134

chicote contra a pele de Sam que grita de dor. - Desgraçado! - grito correndo até ele. Vejo Bellamy acorrentado ao lado de Will e Isabel. Bellamy está vermelho de tanta raiva e tenta se soltar para salvar o irmão, não penso mais em nada apenas corro para ajudar Sam. O salão é grande, não consigo chegar a tempo de salvá-lo. Paro assim que os olhos de Sam se encontram com os meus, mesmo em meio a dor de ter levado vinte e uma chicotadas ele sorri. Um sorriso lindo e sincero, assisto suas pálpebras se fecharem devagar e lentamente abrir sua mão, que estava fechada por causa da dor. - Samis! - grito chorando. Ele é apenas uma criança, o meu bebê, meu filho que cuidei desde pequeno. Uma raiva absurda toma conta de mim, seguro as lágrimas que ameaçaram cair e saco minha arma. Miro na cabeça do rei. - Se afasta do meu irmão! - grito, ele dá um sorriso cínico e levanta as mãos se afastando. - Sabe, Cece, estava pensando que somos iguais- ele diz sorrindo ainda mais. - Não somos iguais! - grito apertando a arma. - Somos sim. Eu matei seu irmão, e você com raiva vai me matar para se vingar. - ele sorri ainda mais. - De uma forma ou de outra, somos iguais, Cecília. Aceita esse fato. Controlo-me ao máximo para não estourar sua cara ali mesmo. Olho para o corpo falecido do meu irmão, a raiva só cresce dentro de mim. - Não sou igual a você, sabe por quê? Dominar um batalhão, uma companhia ou uma esquadra de cinco homens é melhor do que destruí-los. Por tanto, ajoelha-se perante mim ou morrerá. - Eu prefiro morrer do que me ajoelhar! - grita enfurecido. - Eu te dei uma escolha, e você fez a sua. - miro minha arma em seu coração. - Mas eu faço a minha. Abaixo a arma, suspiro e olho para Kane. - Eu escolho que você vai viver Jon, vai viver preso e morrer lentamente sem comida e sem oxigênio. Enquanto nós vamos está na Terra, a morte rápida seria muita misericórdia para você. E uma pessoa que faz isso - aponto para Sam - não merece misericórdia alguma. Kane prende Jon que começa a gritar com raiva. Me desligo de todo o universo, esqueço seus gritos de raiva e sigo até meu irmão. Meu coração se aperta ao ver sua costa em carne viva, tiro as amarras da sua mão com lágrimas nos olhos. Assim que desprendo suas mãos do tronco, seu corpo mole cai em cima de mim. - Vai ficar tudo bem meu amor. - aliso seu rosto angelical, ele abre os olhos devagar e sorrio para ele.- A força das estrelas é comparada a sua, Cece. - ele tosse sangue, meu coração se aperta, seguro sua mão. - Sabe o infinito? Infinito é o meu amor por você. Vocês, na verdade. É tão belo existir, por isso viva, não se apegue à minha morte. As estrelas são corajosas, assim como você...Ele fica com falta de ar e o aperto contra meu peito. - Me desculpe, Sam! - choro quando vejo seus olhos escurecerem. - Que nos encontremos de novo. - sussurra sem forças. - Não! Não! Acorda Sam! Por favor acorde! - grito balançando seu corpo mole. Foi aí que eu percebi, Sam não iria mais voltar. Ele partiu tão de repente, se foi e me deixou aqui. Com falta de ar, ele me explicou o universo, a força das estrelas e como elas são corajosas. Sam se foi. Não vai mais voltar. Assim como toda batalha deixa feridas, essa aqui também deixou. E são feridas que jamais vão cicatrizar.

Page 26: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

135

Capítulo 10

Conseguimos!

Depois de várias tentativas fracassadas conseguimos reconstruir a Nave Êxodo. Os E.T.s nos ajudaram bastante com sua tecnologia. Agora estamos aqui, embarcando para uma nova era na Terra. Vamos com a cara e a coragem, pois não sabemos se os níveis de radiação ainda estão altos. Creio que depois de séculos já tenha diminuído, assim espero. Fungo meu nariz colocando o corpo de Sam na Nave, prometi que iria levar ele para Terra. Mesmo que não esteja mais vivo, eu irei levá-lo e enterrá-lo no lugar que ele sempre quis estar. - Conseguimos minha irmã- Bellamy me abraça. Não consigo retribuir seu abraço, mudei completamente depois da morte de Sam. Assim como eu, Bellamy tem olheiras profundas e pretas. Mas ele ficou carinhoso, eu me tornei fria. Senti como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado, e saber que foi por minha causa que ele morreu me deixa mais brava ainda comigo mesma. Se eu não tivesse fugido como uma covarde... Sam estaria vivo, comemorando nossa mudança para Terra. - Conseguimos. - sorrio sem demostrar os dentes. Entro na Nave Êxodo e me sento, coloco o cinto de segurança. Observo as pessoas entrarem na nave sorridentes, cada um pega seu lugar e coloca o cinto. - Ei? - Stavo me chama. - Acho que as pessoas gostariam de uma palavrinha sua. - Já, já. Deixa todos embarcarem. Ele assente e se vai, seguro meus joelhos e abaixo minha cabeça. Antes de partir... Sentir sua respiração ficar irregular. Seus olhos perderem a cor da vida. Sangue tomar conta da sua boca. Um sorriso tranquilizador surge em meio a sua dor. Você tenta me consolar. Dizendo que existe um universo a ser descoberto através dos meus olhos. Tento escrever tudo que você diz, mas seria impossível encontrar uma caneta ali comigo, naquele maldito momento.Não importa a sua dor. Não importa a sua situação. Você sempre foi alegre, e naquele momento, onde você foi mais uma das vítimas de violência você sorriu, tomou um fôlego e explicou para mim como as estrelas são bonitas. Daria tudo para ouvir você dizer aquilo novamente. Acho importante você arranjar um tempo para dizer à pessoa que você ama o tamanho do seu amor enquanto ela ainda pode te ouvir. Tudo está perfeito. Mas tudo pode acabar amanhã, parceiro. - Para de se lamentar. - Meredith diz, segurando minha mão. Ela limpa as lágrimas do meu rosto. - Você fez o certo em fugir. Sem você nada disso estaria acontecendo. Não conhecia Sam, mas posso dizer que ele estaria feliz com tudo que você conquistou. - Eu nunca vou esquecer a cena dele morrendo em meus braços.... - engulo em seco. - Sempre serei assombrada por esse fantasma- É difícil perder alguém, eu sei. Mas levanta a cabeça, engole seu choro e sorria, Cecília. Eles acham que você é a nossa líder, por tanto haja como tal. - Tudo bem, mamãe. Brinco. Ela sorri e me abraça. Dou dois tapinhas nela e levanto. Bato palmas três vezes chamando atenção de todos. - Bom, queria dizer algumas palavras. - olho para Will, ele sorri, me passando confiança. - Passamos por muitas coisas, meus amigos, mas hoje, hoje começa uma nova era! Somos uma nova geração! Faremos tudo diferente! Sei que alguns estão com medo, mas não sintam, a Terra é nossa por direito e em poucas horas estaremos lá comemorando. Por isso, observem bem a visão que vocês têm do espaço. Pois nunca mais voltaremos aqui. Viva a nova era!

Page 27: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

136

- Viva a nova era! - todos gritam animados. Fecho a porta de vidro, olho para o espaço pela última vez e volto para o meu lugar. Coloco o cinto, seguro na mão de Stavo, minha outra mão livre vai de encontro com Will. Olho para Bellamy que abraçava Meredith, apesar de estar faltando Sam eu estou feliz. Estou feliz porque consegui cumprir minha promessa de levá-los para Terra. Estou feliz porque estou feliz, ué! Acho que até uma pessoa como eu merece ser feliz. - Senhorita? - o técnico me chama. - Sim? - Ouve um problema no lançamento, o botão falhou. Vai ser preciso ir até a cabine e apertar o botão de lançamento, mas a pessoa que for lá vai ficar aqui. - Oh... - digo surpresa. - Eu vou. - Stavo fala. - Não, você não vai! - aperto sua mão para ele não ir. Ficamos um tempo em silêncio, todos olhando um para a cara do outro sem saber o que fazer. William aperta minha mão, sei que ele está com medo assim como eu.Por trás de toda vitória, existem sacrifícios. Se você faz um juramento de cuidar de uma nação, você deve fazer o possível e o impossível para salvá-los. - Que nos encontremos de novo. - a voz da rainha ecoa pelo rádio. Só então percebo que enquanto ficamos em silêncio ela saiu e foi pra cabine, apertou o botão e fez a gente decolar em direção da Terra. Ela cumpriu o seu dever como rainha e seu sacrifício será lembrado para sempre. William chora pela perda da mãe enquanto sentimos o foguete entrar na atmosfera, a temperatura aumenta e fico com medo quando a nave bate com tudo numa estrutura sólida.- Está todo mundo bem? Pergunto e todos assentem. Abraço William que ainda chora. - Ela vai morrer, Cece! Ela se sacrificou para salvar a todos nós...- ele lamenta. - Shiiii. Chegamos na Terra, conseguimos. Que tal saímos dessa nave?Tiro o cinto de segurança, espero todo mundo se levantar e vou até a porta. Conto até três: Um... Dois... Três... Aperto o botão e a porta é aberta.- Pelo universo, o que é isso? - pergunto chocada.

Continua...

Sinopse

Após a quarta guerra mundial o mundo se tornou não habitável, líderes de vários países resolveram se mudar para o espaço sideral. Finalmente o ano da colheita chegou onde o príncipe William escolherá sua nova princesa, em meios aos transtornos políticos e alimentares pode nascer um amor inesperado? As naves espaciais não tem mais recursos por tanto eis a questão, voltar para a terra ou não?

Page 28: Romance - educacao3.salvador.ba.gov.breducacao3.salvador.ba.gov.br/premio-jorge-amado/download/Romance/... · que eu queria morar, naquele abraço que eu queria estar para sempre

242