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ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECÇÃO DE SÃO PAULO ROGÉRIO GUIMARÃES FROTA CORDEIRO A DIFÍCIL COMPROVAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO INSTITUTO DO ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO - ÁREA DA SAÚDE SÃO PAULO SP 2009

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ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO

ROGÉRIO GUIMARÃES FROTA CORDEIRO

A DIFÍCIL COMPROVAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO INSTITUTO DO ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO

PÚBLICO - ÁREA DA SAÚDE

SÃO PAULO – SP

2009

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ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO

ROGÉRIO GUIMARÃES FROTA CORDEIRO

A DIFÍCIL COMPROVAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO INSTITUTO DO ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO

PÚBLICO - ÁREA DA SAÚDE

Monografia apresentada à Escola Superior de Advocacia – OAB/SP, para a obtenção do título de Especialista em Direito do Público. Orientador: Profª.Drª. Lívia Maria Armentano Koenigstein Zago

SÃO PAULO – SP

2009

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ROGÉRIO GUIMARÃES FROTA CORDEIRO A DIFÍCIL COMPROVAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO INSTITUTO DO ASSÉDIO

MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO - ÁREA DA SAÚDE

TERMO DE APROVAÇÃO

Esta monografia apresentada no final do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Direito Público, na Escola Superior de Advocacia da Seccional da OAB São Paulo, foi considerada suficiente como requisito parcial para obtenção do Certificado de Conclusão. O examinado foi aprovado com a nota __________

B A N C A E X A M I N A D O R A

N O M E A S S I N A T U R A

1.

2.

3.

São Paulo, _____ de __________________ de ______.

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DEDICATÓRIA

À jovem psicóloga Valéria Silva do CRT/AIDS que nos faz sentir jovem e

vislumbrar um futuro grandioso em tudo que fazemos.

À Escola Superior da Advocacia, pela sabedoria em escolher alguns

professores, os quais nos orgulhamos de ter tido.

Ao Deputado Antonio Mentor pela sensibilidade e atenção ao tema do

assédio moral no serviço público paulista, e a permanente luta para que o servidor

público conheça e pugne por sua dignidade.

À orientadora Profª.Drª. Lívia Maria Armentano Koenigstein Zago pela sua

competente, precisa e rigorosa orientação

Ao meu irmão Ruben Guimarães Frota Cordeiro pela amizade e

compreensão.

A minha mãe pelo eterno incentivo aos que aprendem e ensinam.

À Sara Brenda T. G. F. Cordeiro cuja capacidade supera em muito a

minha e está esculpindo um futuro brilhante.

Aos diretores e chefes assediadores cuja história os julgará, não antes da

conclusão do processo administrativo, criminal e judicial.

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AGRADECIMENTOS

À Dra. Ely Cristina Alves de Lima sempre solícita a esclarecer nossas

dúvidas durante todo o Curso de Especialização em Direito Público da ESA.

À Profª. Sônia Pizarro pela leitura crítica deste trabalho.

À Dra. Maria Cristina Bruder pelas orientações internas sobre tema.

Ao Prof. Clóvis Luiz Alonso Júnior pela parceria no trabalho.

À Profª. Maria do Carmo Carrasco pela leitura criteriosa e revisão do

trabalho de acordo com as Normas da ABNT.

À tradutora Helena Sofia Delgado pela contribuição.

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“Por que fenômeno um homem pode se

transformar em patrão de outro homem e por

que espécie de magia incompreensível foi

possível se transformar em patrão de

inúmeros outros homens? [...] Ignoro como

andaram as coisas na ordem dos tempos,

mas na ordem natural devíamos pensar que,

nascendo os homens todos em estado de

igualdade, a violência e a astúcia criaram os

primeiros patrões; as leis, os mais recentes”.

Voltaire, Dicionário Filosófico.

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RESUMO

O trabalho consiste em versar sobre o assédio moral no serviço público, com ênfase na área da saúde. Para tanto, inicialmente se procurou levantar alguns aspectos do tema: o aspecto sociológico, o histórico, o psicológico e o de Direito. Em continuidade, desenvolveu-se a relação entre o assédio moral e o serviço público na área da saúde. Com base em textos teóricos, procurou-se explicitar certos traços da realização do ato do assédio moral, construindo-se um modo de percepção e conseqüente configuração do problema, para mais bem o combater. Palavras-chave: Assédio moral; serviço público; área da saúde.

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ABSTRACT

This monographic study aims at analyzing the bulling in public service with emphasis on health. Therefore, initially it looks for some of its aspects as the sociological, the historical, the psychological and the rule of law. Then, it illustrates the relationship between bullying and public service in health. Based on theoretical texts, we have tried to explain certain features of the bulling act, by pointing the issue in order to find out the best way to solve it. Keywords: Harassment; public service health.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Tipos de assediadores .......................................................................... 26

Quadro 2 - Sinais e sintomas oriundos do Assédio Moral ...................................... 27

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10

1 ASSÉDIO MORAL .................................................................................... 12

1.1 Introdução ao problema ......................................................................... 13

1.2 Raízes culturais do Assédio Moral no Brasil .......................................... 14

1.3 Que se pode entender sobre Assédio Moral? ........................................ 17

1.4 Tipos de Assédio Moral .......................................................................... 31

2 O SERVIÇO PÚBLICO ............................................................................. 35

2.1 Breve história do serviço público no Brasil ............................................ 35

2.2 Os conflitos do serviço público no Brasil ............................................... 36

2.3 A especificidade das relações de trabalho no campo estatal ................ 38

3 ASPECTOS LEGAIS, JUDICIAIS E PRINCIPIOLÓGICOS SOBRE O

ASSÉDIO MORAL .......................................................................................

42

3.1 Aspectos legais que caracterizem Assédio Moral ................................. 42

3.2 Decisões judiciais sobre o Assédio Moral .............................................. 45

3.3 Impessoalidade e imparcialidade no serviço público ............................. 49

4 ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO .......................................... 53

4.1 Assédio Moral no serviço público .......................................................... 53

4.1.1 Assédio Moral na área da saúde pública ........................................... 57

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 66

ANEXO ........................................................................................................ 71

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INTRODUÇÃO

“As relações de poder são, possivelmente, as estratégias

Mais bem escondidas no corpo social” Michel Foucault

Não existem dados fidedignos sobre assédio moral exercido sobre o

servidor público, em particular o servidor da Secretaria de Saúde do Estado de São

Paulo. Trata-se de área em que o trabalho é particularmente tenso, em função do

seu objeto e das relações interpessoais próprias ao serviço público. Assim, a

intenção deste trabalho é trazer a problemática a lume para que sejam realizados

outros trabalhos de cunho sociológico, psicológico, administrativo e jurídico sobre a

matéria. Faz-se necessário avaliar se há diferenças nas variáveis sexo, raça/etnia,

status social, orientação sexual, estado civil, idade, grau de escolaridade, profissão,

função, entre outros fatores, a fim de agir de maneira pontual e sensibilizar para o

fenômeno do assédio moral os conselhos de saúde, os sindicatos, os conselhos de

fiscalização profissional, as câmaras municipais, as assembléias legislativas, o

Ministério Público estadual, o federal e o do trabalho. O tema é amplo e pouco

estudado no serviço público do ponto de vista teórico. Existem julgados que

envolvem servidores públicos. Trata-se, no entanto, de julgados que não

reconhecem o assédio moral ou entendem que determinado procedimento não seja

assédio moral, muito em função da difícil caracterização e comprovação do

fenômeno segundo os critérios utilizados na doutrina.

Em um Estado e em um país nos quais existem pessoas sujeitas a

condição de trabalho análoga à da escravidão, trabalho infantil, ou mesmo

desemprego e uma informalidade crescente nas relações de trabalho, dissertar

sobre assédio moral parece irrelevante.

Nosso entendimento, no entanto, é que pari passu deva a sociedade

combater sem trégua as diversas ilegalidades, lutar incansavelmente contra o

trabalho escravo e outras posturas coloniais ligadas ao trabalho e, ao mesmo tempo,

contra o assédio moral. No serviço público e especialmente na área da saúde, é

cediça a prática do assédio moral, mas ainda nos parece distante a possibilidade de

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trazer o tema à baila para discussão e enfrentamento, em função da baixa

sensibilidade para o tema, do baixo nível de percepção do funcionalismo público em

geral e, muitas vezes, das desfavoráveis características das relações de trabalho,

precipuamente certo amadorismo das gerenciais, chefias e diretorias.

Nascimento (2004) traz alarmantes dados estatísticos sobre o assédio

moral relacionados à União Européia, discriminadamente a França, e à Grã

Bretanha. Menciona a pesquisadora que “[...] em pesquisa realizada no Brasil com

um universo de 4.718 profissionais ouvidos em todo o território, 68% deles

afirmaram sofrer algum tipo de humilhação várias vezes por semana, sendo que a

maioria dos entrevistados (66%) disseram ter sido intimidados por seus respectivos

superiores”.

Ainda que não disponhamos de consistentes dados estatísticos estaduais

e nacionais, a atenção que demos ao tema é justificada pela incipiente proteção

dirigida ao trabalhador contra o assédio moral, problema abrangente, tanto que

estende suas raízes às esferas social, econômica, cultural e organizacional.

O método de pesquisa adotado foi consulta à bibliografia técnica – teses,

dissertações, livros, legislação – e à bibliografia de divulgação do assunto – jornais,

revistas e sites.

Foi necessário demarcar os limites do estudo, tendo em vista a ampla

bibliografia sobre o tema assédio moral, muito embora seja pouca na área da saúde.

A característica deste Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização na Escola

Superior de Advocacia também limita em tempo e em extensão a abordagem do

tema, complexo e profundo.

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1 O ASSÉDIO MORAL

1.1 Introdução ao problema

O assédio moral ou agressão psicológica é um fato social que ocorre no

meio social, familiar, estudantil e, mais intensamente, no ambiente de trabalho,

abrangendo tanto o setor privado quanto a Administração Pública, e, embora na

atualidade tenha atraído estudos no campo da Psicologia, Sociologia, Medicina do

Trabalho e do Direito, tem origem na organização do trabalho, considerada a relação

domínio-submissão entre o capital e força do trabalho. (BATALHA, 2009)

Schmidt (2001) menciona que o assédio moral foi, de maneira inédita,

objeto de pesquisa, em 1996, na Suécia, do psicólogo do trabalho Heyns Leymann,

que, por meio de levantamento junto a vários grupos de profissionais, chegou ao

processo que qualificou de psicoterror, cunhando o termo mobbing (derivado de

mob, que significa “horda”, “bando” ou “plebe”), em função da similaridade entre tal

conduta e um ataque rústico, grosseiro.

Em seu trabalho Schmidt (2001), menciona que o assédio moral tem

várias denominações: na França é harcèlement moral, mobbing na Itália, na

Alemanha e nos países escandinavos, bullying na Austrália e na Grã Bretanha;

emotional abuse ou mistreatment nos Estados Unidos.

Dois anos após, Marie-France Hirigoyen, psiquiatra e psicanalista de

grande experiência como psicoterapeuta familiar, popularizou o termo por meio do

livro Lê Harcèlement moral: la violence perverse au quotidien, um best-seller que

ocasionou a abertura de inúmeros debates sobre o tema, tanto na organização do

trabalho como na estrutura familiar.

A sociedade atual vive em um sistema em que a “racionalidade

instrumental” se sobrepõe à “racionalidade comunicativa” (para usarmos a

expressão de Habermas em Teoría de la Acción comunicativa: crítica de la razón

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funcionalista), o que gera distorção comunicacional; a violência torna-se resposta a

sistema desumano e não pode ser considerada mero mecanismo individual. Em

outras palavras, nesse processo a violência passa a ser perversão da perversão, ou

seja, armadilha motivada pela crueldade do sistema.

O assédio moral geralmente nasce com pouca intensidade, como algo

inofensivo, pois as pessoas tendem a relevar os ataques, considerando-os

brincadeira; depois, propaga-se com força, e a vítima passa a ser alvo de maior

número de humilhações e de brincadeiras de mau-gosto.

Isso talvez ocorra justamente porque as vítimas temem denunciar

formalmente, com medo do “revide” que poderia ser a demissão ou o rebaixamento

de cargo, por exemplo; além disso, denúncias tornariam público o processo de

humilhação, o que deixaria as vítimas ainda mais constrangidas e envergonhadas.

Assim, o medo (de caráter mais objetivo) e a vergonha (mais subjetiva, porém de

conseqüências devastadoras) unem-se, acobertando a covardia dos ataques.

Embora seus agressores tentem desqualificá-las, normalmente as vítimas

não são pessoas doentes ou frágeis. São pessoas portadoras de forte senso crítico

personalidade transparente e sincera, que se posicionam, algumas vezes,

questionando privilégios, e não têm grande talento para o fingimento e para a

dramaturgia. Tornam-se alvos das agressões justamente por não se deixar dominar,

por não se curvar à autoridade de um supervisor sem nenhum questionamento a

respeito do acerto das determinações.

Em nosso meio, na área da saúde no setor público, é muito freqüente o

assédio moral, muito embora faltem dados tanto de pesquisas quanto de julgados

que mensurem o problema.

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1.2. Raízes culturais do Assédio Moral no Brasil

O assédio moral não é um tema novo, menciona Durães (2007), porém

recentemente passou a despertar grande interesse entre os autores, talvez pelo

próprio dinamismo imprimido pelas mudanças sociais.

A violência moral no trabalho não é novidade. Existe há muito tempo em

todo o mundo. O que é novo é a gravidade, a generalização e a trivialização do

problema. Há vinte anos, a maioria das pessoas poderia acreditar que trabalharia

durante os anos necessários à sua aposentadoria sem um incidente sério de

assédio moral. Hoje, ao contrário, quase todos os trabalhadores parecem correr

riscos de ser seriamente assediados em suas carreiras, talvez mais de uma vez.

Além dos aspectos econômicos, outros fatores influenciam a

consubstanciação do assédio moral no trabalho. O direito sempre foi,

intrinsecamente, ligado à cultura, tendo, com essa, uma retroalimentação constante.

No caso do assédio moral, tais ligações são nítidas. Dessa forma, as raízes culturais

brasileiras, também, influenciaram no desenvolvimento do modo como o assédio é

praticado no Brasil; conforme Aguiar (apud Thome, 2008), o assédio moral é

[...] o resultado do abuso de poder, da permissividade de agressões no local de trabalho e também da impunidade para atitudes dessa natureza, além de refletir o autoritarismo e a forte hierarquização das organizações atuais, bem como a influência da cultura nacional na sua forma de gerir as pessoas”, acrescentando-se “os traços típicos e característicos da cultura brasileira não estão distantes do cotidiano organizacional: o estilo paternalista e autoritário de administrar foi gerado no engenho, na casa-grande e na senzala, fortalecido pelo coronelismo e solidificado pela gerência empresarial.

Segundo Thome (2008) o estudo de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque

de Holanda, é extremamente relevante, porque o identifica as origens,

características e motivos da falta de coesão social nos movimentos brasileiros e da

repulsa a todas as modalidades de racionalização e, por conseguinte, de

despersonalização. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque, no capítulo “Fronteiras da

Europa”, toma como base de sua afirmação o fato de ter sido transportada para o

Brasil a cultura européia, especificamente a ibérica. A cultura ibérica, zona de

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transição que se adiantou à Europa no final do século XV, não teve grandes

problemas em assimilar a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, porque,

em verdade, “a burguesia mercantil não precisou adotar um modo de agir e pensar

absolutamente novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre os quais se

firmasse permanentemente seu predomínio. Procurou, antes de associar-se às

antigas classes dirigentes, assimilar muitos de seus princípios [...]”.

Dessa forma, apegada à tradição, a cultura ibérica não aderiu por

completo às idéias do livre-arbítrio, da importância do trabalho, pois “uma digna

ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais nobilitante, a um bom

português, ou a um espanhol, do que a luta insana pelo pão de cada dia. O que

ambos admiram como ideal é uma vida de grande senhor exclusiva de qualquer

esforço, de qualquer preocupação”. Princípios como hierarquia e obediência nunca

tiveram presença constante na cultura ibérica, já que “entre espanhóis e

portugueses, a moral do trabalho sempre representou fruto exótico”.

Sérgio Buarque, citado por Thome (2008) conclui que: “podemos dizer

que de lá [tradição ibérica] nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi

matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma”

As idéias de Raízes do Brasil servem, também, como legitimação às

fortes críticas que Sérgio Buarque fazia aos tradicionais europeístas, que pretendiam

formar um Brasil melhor, retornando às origens portuguesas. Ora, como teria o Brasil

maior coesão social, quando da retomada das tradições ibéricas, se foram essas

tradições o que originou as características sociais brasileiras?

Fortemente influenciado pelos movimentos modernistas brasileiros e pelo

“Manifesto Futurista”, de Marinetti, Sérgio Buarque afirma, após a publicação de

Raízes do Brasil, que “a fase atual da sociedade exige uma hierarquização de

postos na máquina produtiva que eclipsa as relações pessoais, incute nas relações

antes orientadas pelo difuso emocionalismo brasileiro o padrão da produtividade, da

impessoalidade das relações entre empregados e patrões [...]” e que “essa

modificação vem pôr abaixo também a visão fidalga que os brasileiros tinham do

trabalho manual”

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Conforme continua Thome (2008),

[...] pode-se apontar, em suma, como características típicas da cultura brasileira a concentração de poder, o personalismo, a postura de espectador, o evitamento de conflitos, a lealdade às pessoas, o formalismo, a flexibilidade e a impunidade. Se, por um lado, a exacerbação da impessoalidade do trabalho, nos dias atuais, causou distorções terríveis nas relações de trabalho, „tornando inevitável um sentimento de irresponsabilidade, da parte dos que dirigem, pela vida dos trabalhadores manuais e, ainda que tenha havido um movimento de moralização da sociedade, não se pode negar que, mormente nos casos de pequenas empresas e das relações domésticas, essa relação senhorial ainda pode ser visivelmente notada, tanto no que concerne à falta de coesão da sociedade brasileira quanto no que se refere à motivação histórico-cultural, como relatado por André Luiz Sousa Aguiar, quando afirma que, tal como os senhores escravocratas, as armas utilizadas por muitos empregadores assediadores são o afeto e a violência‟”

Como afirma Aguiar 1,

[...] como legado da exploração da mão-de-obra escrava, da extorsão praticada contra imigrantes assalariados e da prática abusiva aplicada à classe operária no início da industrialização, as relações de trabalho em nosso país são impregnadas pela falsa idéia de que o subalterno é obrigado a se submeter a uma forte depreciação enquanto ser humano, aceitando como condição normal de trabalho todo tipo de maus-tratos.

Segundo Heloani (2004), que situa o próprio discurso em momento

anterior da história brasileira,

No Brasil colônia, índios e negros foram sistematicamente assediados, ou melhor, humilhados por colonizadores que, de certa forma, julgavam-se superiores e aproveitavam-se dessa suposta superioridade militar, cultural e econômica para impingir-lhes sua visão de mundo, sua religião, seus costumes. Não raro esse procedimento, constrangedor sob vários aspectos, vinha acompanhado de um outro que hoje denominamos assédio sexual

2, ou seja,

constranger-se uma pessoa do sexo oposto ou do mesmo sexo a manter qualquer tipo de prática sexual sem que essa verdadeiramente o deseje. De fato, as idéias de Gilberto Freire, em sua obra clássica Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, as relações entre brancos e “raças de cor” foram, no Brasil, condicionadas bilateralmente – de um lado pela monocultura latifundiária (o cultivo de cana-de-açúcar) no que diz respeito ao sistema de produção econômica; e de outro, pelo sistema sócio-familiar de cunho patriarcal, que se caracterizava pela escassez de mulheres brancas na colônia. Essa

1 Idem.

2 A título de comparação entre possíveis tipos de assédio, veja-se o Anexo III sobre quadro

comparativo entre Assédio em geral e assédio moral.

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monocultura açucareira acabou impossibilitando a existência de uma policultura e de uma pecuária que pudessem se instalar ao redor dos engenhos, para suprir-lhes, inclusive, as carências alimentares. A criação de gado deslocou-se para o sertão, e a casa-grande adquiriu características alimentares. A criação de gado deslocou-se para o sertão, e a casa-grande adquiriu características essencialmente feudais – senhores de engenho, em sua maior parte patriarcas e devassos, que dominavam, do alto de suas moradias, escravos, lavradores e agregados, com mão-de-ferro” (p. 2).

Em um movimento dialético, pode-se fazer avançar o discurso para os

dias atuais, re-situando-o no estado da problemática, e evocando as palavras de

Batalha (2009):

Constitui marco na história recente da República o assédio moral coletivo capitaneado por Fernando Collor, o pseudo-caçador de marajás, que levou milhares de servidores à disponibilidade contando com apenas 30% da remuneração, sem atribuição, sendo pagos para não trabalharem, já que não podiam ser demitidos em razão de direito adquirido. Ocorreu o fato em 1989. Não houve critério algum a ação [do presidente], nem objetivo, nem subjetivo, sendo apenas declarado nos bastidores que o „critério‟ era banir os indesejáveis (p. 2)

1.3. Que se pode entender por Assédio Moral?

Existem vários conceitos sobre assédio moral. Leitura obrigatória sobre a

matéria é o texto Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano, de Marie-France

Hirigoyen (2002), quando trata das relações de trabalho públicas e privadas,

conceitua o assédio moral como:

Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

O ponto de partida do assédio moral, segundo leciona Hirigoyen (2002), é

o abuso de poder do superior hierárquico que esmaga seus subordinados com o

poder, “meio de um pequeno chefe valorizar-se”, evoluindo para as “manobras

perversas”, até a fase de destruição moral (psicoterror), que pode, inclusive, ter a

conivência da empresa ou de dirigentes do serviço público, que se omitem.

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A existência de comportamentos assediantes em um indivíduo revela

mais sobre o seu ambiente do que sobre ele mesmo ou sobre aquele que é seu

objeto.3

O assédio não provoca exclusivamente um face a face; inscreve-se em

um espaço social e político que lhe possibilita os meios de desenvolvimento ou, ao

contrário, impede-lhe o desenvolvimento. O assédio faz parte, portanto, dos gestos e

comportamentos que formam a sociedade, que constroem as esferas de

socialização ou de dessocialização.

Mais amplamente do que as relações interpessoais, todo assédio é forma

indireta de questionamento de poder, de perda de confiança na estabilidade das

instituições, de perturbações e desordens no interior de uma relação social.

Não existe assédio individual de um sobre o outro sem a cumplicidade

dos outros, testemunhas silenciosas ou coniventes com o fenômeno e atores

implícitos ou explícitos da dominação ou de seu agravamento; no plano político, não

existe conquista ou defesa dos direitos e liberdades sem a expressão de exigências

e ações de resistência em relação às instituições de poder. Por um lado, o assédio é

destruidor do laço social; por outro, é promotor da solidariedade civil. Noutras

palavras, se, por um lado, o assédio é socialmente desorganizador e, quiçá,

desestruturador, por outro lado é, ou deveria ser, promotor de certa ordem de

reorganização social e restabelecimento dos vínculos sociais, mediante a

solidariedade.4

No campo delimitado das relações interindividuais, no entanto, o

fenômeno do assédio é constante, abrindo-se, na ordem racional, para a observação

crítica: a política do assédio é essencialmente conduzida pelos "dominantes

fragilizados", por aqueles que estão a um passo de perder a legitimidade de seu

poder, por aqueles cuja força de imposição está prestes a se desfazer, portanto, em

poucas palavras, por aqueles que, usando imprudentemente da força para se impor

3 SEIXAS, J. et al. (org.). Assédio Moral: desafios políticos, considerações sociais, incertezas

jurídicas. Uberlândia: EDUFU, 2006, p. 28. 4 Ibid, p. 29.

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aos outros, em face de contestações e oposições, assumem atitude inflexível; em

resumo, por aqueles que temem perder o poder de que dispõem, por mais limitado,

mais simbólico ou imaginário que seja ele.

O assédio tem geralmente por objeto o indivíduo que constitui a fonte

potencial do questionamento do poder que o assediador detém, e também aquele,

em virtude de sua vulnerabilidade ou de eventual antipatia, por meio de quem o

assediador confere sentido a suas próprias capacidades, a suas próprias aptidões, e

dá visibilidade à sua dominação. 5

Esse ataque é uma defesa que usa de todos os meios contra aquele

"agitador", rebelde, indisciplinado, insolente, espírito livre, podendo ir do insulto à

difamação, passando pelos apartes difamadores e a difusão de rumores caluniosos.

Diz Seixas (2006):

Vale-se o assediador, igualmente, de atos de difamação sistemáticas [sic], de falsas confidências destiladas de má fé, mentiras institucionais, acusações reiteradas ao encontro daqueles que usam sua liberdade de expressão e de ação ou que se recusam a obedecer às codificações comportamentais oriundas de pressões sociais conformistas. São estas mesmas técnicas as empregadas contra jornalistas, cineastas, homens e mulheres, políticos, militantes de associações de defesa dos direitos dos povos ou de proteção dos direitos do homem – de todos os direitos do homem e não apenas de alguns ou de alguns poucos em um único sentido – professores, artistas, trabalhadores ou empregados, cidadãos.

6

Segundo Heloani (2004):

Observa-se que em épocas passadas, no Brasil, o assédio moral se dava basicamente com o peão, o serviçal sem maiores qualificações. Hoje, abrange todas as classes, infelizmente „democratizou-se‟ no mau sentido; juízes, desembargadores, professores universitários, médicos e funcionários de funções diversas, muitas vezes bastante qualificados, também são atingidos por esse fenômeno.

O intuito do assédio é, para o assediador, obstruir a independência do

outro, o assediado, negar-lhe a autonomia e provocar o deslocamento de seu meio

5 Ibid., p. 30.

6 Acrescem-se a esse rol advogados, farmacêuticos, médicos, enfermeiros, entre outros.

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social; em última instância, a intenção é provocar a destruição de toda forma de

solidariedade social.

Em breve incursão no Direito Comparado, verifica-se que na legislação

trabalhista francesa se menciona que “é da alçada do chefe da empresa tomar todas

as providências necessárias tendo em vista prevenir [estas] manobras”. Segundo tal

legislação, "Nenhum assalariado deve sofrer manobras repetidas de assédio moral

que têm por objetivo ou efeito uma degradação das condições de trabalho passível

de atingir seus direitos ou sua dignidade, alterar sua saúde física ou mental ou

comprometer seu futuro profissional.”.7

Há, particularmente nos locais de trabalho, múltiplos códigos de

comportamento – atitudes, gestos, olhares e expressões do rosto, hostilidade difusa

composta por reticências, sarcasmo, ironia, reservas, certo ostracismo – que podem

ser traduzidos em normas que atuarão sobre as condutas.8

Esses códigos tendem a especificar comportamentos, sentimentos que

provocam, ou apenas suscitam, ofensas, humilhações e ultrajes, configurando-se

situações específicas em diferentes formações históricas e sociais, diferentes locais

de atuação, que sofreram mudanças no decorrer do tempo, tendo-se em vista as

transformações da sociedade e da conjuntura política e administrativa.

No Brasil há dificuldade de comprovar o assédio moral quando ele tem

aparência sutil, quando há uma hostilidade difusa. No entanto a justiça e a legislação

brasileira são aliadas do assediado se bem aplicadas em determinados casos.

Por sua vez, a lei francesa entende por hostilidade difusa "manobras

repetidas de assédio moral que têm por objetivo e efeito uma degradação das

condições de trabalho passíveis de ferir os seus [da pessoa] direitos e a sua

dignidade, alterar sua saúde física ou mental ou comprometer seu futuro”, segundo

Ravisy (2002 apud HAROCHE, in SEIXAS, 2006, p. 37).

7 SEIXAS, 2006, p.33.

8 Id., p.36.

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Se, por um lado, se pode entender que o relativo descompasso e a

diferença de aplicação entre a atual legislação brasileira e, por exemplo, a francesa

sejam desvantajosos para o Brasil – no sentido de considerar positivo o alto grau de

normatização de uma sociedade –, é, por outro lado, forçoso admitir o excessivo

cerceamento a que são submetidos os indivíduos pertencente às sociedades

altamente regulamentadas. Paralelamente, porém, ao estabelecimento e

desenvolvimento de um aparato regulamentador, há a questão individual, privada,

que deve ser levada em consideração relativamente ao tratamento da questão do

assédio.

A vergonha de ser fraco, a vergonha de ser vulnerável, de ser insultado

impede o assediado de tomar medidas para mitigar ou mesmo acabar com o

problema. Diz Haroche (in SEIXAS, 2006):

No início dos anos 1930, convencido do caráter fundador da lei nas sociedades humanas, Freud exprimiu um profundo pessimismo quando, em sua reflexão sobre o mal-estar na civilização, afirmou que, se a lei „buscava impedir os excessos mais grosseiros da violência bruta dando a si mesma o

direito de usar de violência contra os criminosos‟9.

Freud, (1981 apud HAROCHE, in SEIXAS, 2006), ela não possuía, no

entanto, condições de „levar em conta as manifestações mais prudentes e mais

sensíveis da agressão humana‟ 10.

Em interessante trabalho de Marie-Grenier Pezè (2004), aparecem alguns

conceitos que poderiam ser aplicados ao trabalho no setor público, quando a autora

menciona:

[...] A subordinação própria à definição jurídica de contrato de trabalho prende o assalariado numa toxicidade contextual experimental. Com efeito, o aparelho psíquico só pode se afrontar a [sic] uma situação excessiva fonte de excitação graças a duas grandes vias de expressão: o pensamento, que permite trabalhar o „excesso‟ intrapsíquico, o movimento, que descarrega o corpo do excesso de tensão. Numa situação de assédio, a repetição das humilhações aos novatos, os vexames e as injuções paradoxais têm valor de destruição psíquica e suspendem todo trabalho do pensamento. A impossibilidade de demitir-se sob pena de perder seus direitos sociais barra a descarga sensório-motora. O impasse criado nestas

9 FREUD, 1981 apud HAROCHE, in SEIXAS, 2006, p.41.

10 Id.,p.41.

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duas grandes vias de escoamento das excitações traumáticas convoca fatalmente a ruína depressiva e a via somática mais ou menos a longo termo.

Haroche (in SEIXAS, 2006) afirma que:

As qualidades e comportamentos exigidos dos indivíduos na esfera do trabalho nas sociedades contemporâneas fornecem as razões pelas quais o assédio irrompeu hoje com tal intensidade: a flexibilidade, o caráter contingente e efêmero que conduz à precarização, à vulnerabilidade, ao isolamento do indivíduo em formas extremas de individualismo que implicam em [sic] uma grande violência psíquica.

O assédio moral, segundo Haroche (in SEIXAS, 2006), é sorrateiro e

progressivo; a auto-estima da personagem afetada se esvazia pouco a pouco,

conduzindo de maneira quase inapelável à sua destruição na instituição.

Nesse contexto, as licenças de trabalho por motivos de saúde são

bastante comuns, salientando-se amplamente as que se devem a motivos

psiquiátricos. Entre esses, as depressões e os quadros psicossomáticos certamente

são dominantes. É evidente que as licenças psiquiátricas reforçam ainda mais a

experiência de destruição social da personagem afetada, confirmando a posteriori a

desconfiança dos superiores e dos colegas sobre a credibilidade e a competência

funcional desta, realimentando no imaginário as idéias da trama diabólica e da

"conspiração", silenciamento da solidariedade11.

Há que se considerar também o medo, que se dissemina como verdadeira

peste nas instituições, no que tange à possibilidade de perda de emprego. No setor

público existem perdas de privilégios, ostracismo, ou dificuldade de ascensão na

carreira. A segurança das pessoas nos postos de trabalho não tem mais

salvaguardas jurídicas consistentes, já que podem ser cortadas de seus empregos a

qualquer momento, por razões de produtividade e de equilíbrio orçamentário das

empresas. Com isso, o Estado, como figura de mediação, posição que ocupava no

espaço social da modernidade e por meio da qual oferecia formas de proteção para

11

No serviço público paulista as pessoas preferem dizer que estão com problemas de outra ordem, como ortopédicos e outros que não toquem a questão laboral, embora o setor de RH, que é poroso, muitas vezes deixe vazar a informação sobre a real patologia do assediado.

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os cidadãos, começa a ser ostensivamente desconstruído. É a perda de poder de

mediação o que permite que os superiores de uma empresa se autorizem a fazer o

que querem e bem entendem com os subalternos, num evidente abuso de poder. É

também por causa disso que os demais subalternos se aliam ao chefe e não ao

colega assediado, já que, não podendo mais acreditar e confiar na mediação do

Estado para limitar efetivamente tal abuso de poder, preferem associar-se ao

superior para manter o seu lugar institucional e não ser assim excluídos

definitivamente também do espaço social.

O contexto suscita uma pressão contínua, o sentimento de nunca estar

fazendo o suficiente, a angústia de não estar à altura daquilo que a empresa exige.

O sistema empresarial suscita um modelo de personalidade narcisista,

agressiva, segura de si, pragmática, insensível, centrada mais sobre a ação do que

sobre a reflexão, pronta a oferecer corpo e alma para o trabalho, pronta a tudo para

vencer.

O gozo do poder, todavia, tem o seu reverso: a angústia da perda do

objeto, angústia arcaica que revela o medo de perder o amor do ser amado. Daí, a

tensão permanente para estar à altura das exigências.

Segundo Gaulejac (in SEIXAS, 2006, p.79),

[...] Uma organização não é neurótica, nem paranóica, nem perversa. No entanto, seu mecanismo de funcionamento pode suscitar nos empregados comportamentos neuróticos, paranóicos ou perversos. Ela pode, particularmente, operacionalizar modos de administração que favoreçam o assédio, isto é, as relações de violência, de exclusão, de crise de vigilância. [§] A noção de assédio moral tende a focalizar o problema sobre o comportamento das pessoas, em vez de focar os processos que os geram. [...] Na maioria dos casos, o assédio não é obra de uma pessoa particular, mas de uma situação de conjunto. (grifo nosso)

Magalhães (in SEIXAS, 2006) defende que:

A percepção de que o assédio possa ser uma estratégia de poder de mão dupla, leva-me a propor aqui uma reflexão sobre um tipo de assédio que se caracteriza como uma determinada relação de sedução entre desiguais, por

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certo, uma ação de humilhação do outro, mas que pode vir a ser, dada a situação de isolamento em que o alvo do assédio se encontra inclusive, consentida, por propiciar vantagens recíprocas. (p.83)

Nota-se que no assédio moral, por sua vez, não raro o assediado se

beneficia do processo de assédio: não lhe sendo delegada nenhuma atividade,

deixando-o na “geladeira”, nem lhe sendo solicitado nada, ele volta o interesse para

outras atividades, distanciando-se da instituição e perdendo o vínculo, sublimando o

sofrimento; esse distanciamento do problema e da instituição lhe propicia ser

transferido ou posto à disposição de autoridade superior. (grifo nosso)

Embora problematizado pela própria autora, o seguinte silogismo é

apresentado por Nelly Ferreira (in SEIXAS, 2006):

Se o assédio é manifestação de todo poder de dominação, e o Estado é, em si mesmo, um poder de dominação, então o Estado dispõe conseqüentemente de métodos de assédio. Estes fariam parte da sua natureza, da sua identidade de potência dominadora; constituíram assim um critério do poder de dominação. (p.108)

Nesse sentido é que instrumentos de assédio moral no serviço público

são mais institucionalizados, pois a malha de proteção do funcionário é mais tênue –

uma vez o executivo é na teoria controlado pelo legislativo, embora tal controle seja

pífio, permitindo que haja uma política discricionária e permissiva, que viabilize o

assédio moral –, e os mecanismos de assédio são produtos da estrutura, dos

processos e da hierarquia no serviço público.

Não se pode olvidar que é prerrogativa do administrador público manter

um andamento no trabalho, e para isso deve exercer determinada pressão, pois

qualquer pressão, mesmo persistente, ainda que mais ou menos incessante, não

constitui automaticamente ato de assédio. Assediar é realizar uma ação que guarde

a conotação de ilegalidade, de infração; deve existir verdadeiro abuso de

autoridade.

João (2006) menciona que as normas coletivas de diversas categorias

profissionais apresentam cláusulas que visam à prevenção ou à denúncia de

práticas de assédio moral. Os sindicatos exercem importante atuação no avanço da

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proteção do trabalhador, em especial por atender as especificidades das categorias

profissionais e econômicas.

Em seminário realizado em 2006, a Sra. Osksana Maria Dziura Boldo,

membro do Ministério Público do Trabalho, defendendo a atuação do sindicato e a

interação entre o trabalhador e o sindicato na consecução da mitigação do assédio

moral no serviço público, disse que:

[...] existe [...] uma lei no âmbito municipal [...] que [...] que prevê [...] escala punitiva, mas ainda não tem se mostrado muito eficaz porque as pessoas têm ainda receio, as pessoas preferem se fechar, se guardar, mais do que numa empresa privada, no âmbito público, do funcionalismo público é muito mais forte a situação de assédio moral, muito mais contundente e muito mais difícil de esse revelar, do trabalhador revelar e do trabalhador receber a justa reparação pelo dano que ele sofre, mas recebe desde que ele consiga a prova, o problema é ele conseguir a prova, por isso da união, da representação ao sindicato, consolidação do sindicato, do apoio que o trabalhador deve dar ao sindicato para fortalecimento dele para que ele possa dar o retorno ao trabalhador [...]. (Seminário Antonio Mentor, 2006)

Schmidt (2001) menciona que o assédio moral pode ser também visto

pelo ângulo do abuso de direito do empregador de exercer seu poder diretivo ou

disciplinar, porque é no exercício normal das prerrogativas patronais que o assédio

se manifesta mais freqüentemente. Exemplo de tal manifestação de assédio é

transferir o funcionário de local de trabalho com o intuito de desestabilizar o

empregado. Trata-se de caso de abuso de direito sutil e, portanto, mais difícil de

demonstrar. A obrigação de executar o contrato de trabalho de boa-fé pode,

contudo, vir em auxílio do trabalhador, já que se impõe a ambas as partes ligadas

por uma relação de trabalho. Esse autor menciona também que o assediador seria

uma pessoa incapaz de viver sem um alvo, já se falando em serial bully. Existem

vários tipos de assediadores, apresentados de forma bem-humorada no quadro 1.

Quadro 1 - Tipos de assediadores.

Profeta Sua missão é enxugar a máquina demitindo

indiscriminadamente os trabalhadores (as). Humilha com

cautela, reservadamente. As testemunhas, quando existem,

são seus superiores, mostrando sua habilidade em

„esmagar‟ elegantemente

Pit- Bull É o chefe agressivo, violento e perverso em palavras e atos.

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Demite friamente e humilha por prazer

Troglodita É o chefe brusco, grotesco. Implanta as normas sem pensar

e todos devem obedecer sem reclamar. Sempre está com a

razão. Seu tipo é> “eu mando e você obedece”

Tigrão Esconde sua incapacidade com atitudes grosseiras e

necessita de público que assista a seu ato para sentir-se

respeitado e temido por todos

Mala –babão Aquele chefe que bajula o patrão e não larga os

subordinados. Persegue e controla cada um com “mão de

ferro”. É uma espécie de capataz moderno

Grande irmão Aproxima-se dos trabalhadores (as) e mostra-se sensível

aos problemas particulares de cada um, independentemente

se intra ou extramuros. Na primeira “oportunidade”, utiliza

estes mesmos problemas contra o trabalhador, para rebaixá-

lo, afastá-lo do grupo, demiti-lo ou exigir produtividade

Garganta É o chefe que não conhece bem o seu trabalho, mas vive

contanto vantagens e não admite que seu subordinado saiba

mais do que ele. Submete-o a situações vexatórias, como,

por exemplo, colocá-lo para realizar tarefas acima do seu

conhecimento ou inferiores à sua função

Tasea (“Tá se achando”) Confuso e inseguro. Esconde seu conhecimento com

ordens contraditórias: começa projetos novos, para no dia

seguinte modificá-los. Exige relatórios diários que não

serão utilizados. Não sabe o que fazer com as demandas

dos seus superiores. Se algum projeto é elogiado pelos

superiores, colhe os louros. Em caso contrário,

responsabiliza a “incompetência” dos seus subordinados.

Fonte: SCHMIDT, M.H.F.M, 2001.

No campo legislativo, já existem previsões administrativas do assédio

moral nas relações de trabalho que envolvem o serviço público. Veja-se, no Anexo II

- Previsões administrativas do assédio moral nas relações de trabalho envolvendo o

serviço público.

Nascimento (2009) compilou leis de vários municípios e realizou um

cotejo sobre os conteúdos nelas presentes; verificou que se trata do mesmo

conceito, indiscriminadamente tratado. Aqui se defende, entretanto, que a prática

adequada seria dar atenção à peculiaridade de cada município no que se refere ao

assédio moral, procedendo-se a uma exaustiva discussão sobre o problema

particular de cada município antes da promulgação da lei. Acrescente-se que, além

da necessidade de especificidade, deve-se construir um modus operandi também

adequado a cada caso, mantendo-se o devido sigilo: está-se propondo, aqui, que há

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uma carência tanto na adequação de teor das leis, quanto na implementação das

mesmas, levando-se em consideração a peculiaridade do objeto da lei.

Na esteira da necessidade da especificidade, cabe observar que existe

um tipo de assédio moral incidente sobre um grupo de assediados, ou seja, o

assédio moral pode ser coletivo, conforme menciona Batalha (2009); em se tratando

de servidores públicos organizados em carreira, se os colegas o assediam

moralmente, cabe argüir assédio moral coletivo.

Barreto (2000), em estudo com 2072 trabalhadores de 97 empresas dos

setores químico, farmacêutico, de plásticos e similares, de portes variados, dentro da

região da grande São Paulo, verificou a exposição de trabalhadores a situações

vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função, de

forma repetitiva, caracterizando uma atitude desumana, violenta e antiética nas

relações de trabalho, assédio este realizado por um ou mais chefes contra seu

subordinado. Trata-se de estudo sobre um universo específico; pode, no entanto,

servir de balizamento para uma aplicação à problemática do assédio moral ao

servidor público, uma vez realizados estudos destinados a verificar a aplicabilidade

deste quadro 2 quanto aos sinais e sintomas eventualmente presentes no servidor

público vítima de assédio moral.

Quadro 2 - Sinais e sintomas oriundos do Assédio Moral.

Sintomas Mulheres Homens

Crises de choro 100 -

Dores generalizadas 80 80

Palpitações, tremores 80 40

Sentimento de inutilidade 72 40

Insônia ou sonolência

excessiva

69,6 63,6

Depressão 60 70

Diminuição da libido 60 15

Sede de vingança 50 100

Aumento da pressão arterial 40 51,6

Dor de cabeça 40 33,2

Distúrbios digestivos 40 15

Tonturas 22,3 3,2

Idéia de suicídio 16,2 100

Falta de apetite 13,6 2,1

Falta de ar 10 30

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Passa a beber 5 63

Tentativa de suicídio - 18,3

Fonte: BATALHA, L.R., 2009.

Segundo Heloani (2004), a maioria das pesquisas aponta que as

mulheres são, estatisticamente, as maiores vítimas do assédio moral. Também são

elas as que mais procuram ajuda médica ou psicológica e, não raro, no seu próprio

grupo de trabalho, verbalizando suas queixas, pedindo ajuda.

Em relação aos trabalhadores, Schmidt (2001) menciona que, em

pesquisas realizadas na França, com 153 médicos da região de Poitou-Charentes,

95% responderam que já tiveram conhecimento, ao menos uma vez, de um caso de

assédio moral. Os médicos avaliam que essas situações são pouco freqüentes em

63,5% dos casos e freqüentes em 21% dos casos. As situações consideradas

graves ou muito graves representam 75% das respostas. De outro lado, em 82 dos

casos assinalados, os médicos diagnosticaram incapacidade (em metade dos casos,

temporária, e em outra metade, definitiva) e 65% dos médicos pensam que a

situações aparentes de assédio moral estão em progressão nos últimos anos.

Santos (2008) veicula a seguinte contribuição estatística: “Pesquisas

foram realizadas pelas Universidades de Estocolmo, na Suécia, e Alcalá, na

Espanha indicando que 27% (Estocolmo) e 16,39% (Alcalá) dos entrevistados

admitiam a redução da eficácia em razão do assédio psicológico.”. Trata-se de

dados preocupantes, ainda que se considere que:

O trabalho, hoje, absorve a maior e melhor parte do tempo dos indivíduos, sendo, portanto, um espaço/tempo para a exposição da subjetividade, considerando que o trabalho realizado pelo homem diz respeito a ele mesmo, por expressar suas escolhas, opiniões, características, dentre outras revelações de si explicitadas cotidianamente. [§] [...] [§] Além do contexto da organização do trabalho em si, o sofrimento psíquico, no trabalho, pode ser ainda decorrente da incompatibilidade entre a história individual do sujeito e uma organização de trabalho objetiva, racional e intolerante. O quadro seria a famosa cena do filme de Chaplin, „Tempos Modernos‟: o homem tragado pela engrenagem; percebe-se claramente na metáfora um sistema de nervos, cérebro, sentimento e alma, devorados por um sistema mecânico, racional e desumano, que leva o homem a uma sensação de impotência. [...] [§] [...] [§] O assédio moral é um conceito muito subjetivo. O nível de desrespeito exercido e sofrido é variável de acordo com a percepção individual. É imprescindível considerar a cultura, a história

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de vida e vários outros aspectos específicos de cada indivíduo. Porém, a constatação de comportamentos abusivos que se mostram muito freqüentes é de suma importância para que se possa entender melhor esse fenômeno. [§] [...] [§] Observa-se que indivíduos que de alguma forma se destacam dentro da organização tornam-se possíveis alvos de assédio moral. Isso pode ocorrer até mesmo com funcionários honestos que reclamam da impunidade, quando percebem que regras não estão sendo cumpridas, ou com sujeitos que tentam cumprir as suas funções da maneira mais competente possível. [...] [...] Comecei a escutar muita reclamação dos pais e mães porque a instituição não funcionava. Então eu pensei em fazer alguma coisa e primeiro eu fui falar com a minha chefe, para saber qual era a posição dela. [...] Eu já senti nela um tom de ameaça quando ela me disse que era assim mesmo, que ali era um serviço público e que se você quiser continuar ali, funciona dessa forma. [sic] (MARTINS, 2009)

Barreto, citada por Batalha (2009), menciona que:

[...] o perfil pessoal da vítima é delineado por uma inteligência, geralmente, um pouco acima da média, uma personalidade altruísta, ingênua, insatisfeita, honesta e consideradora dos valores morais, apegada ao trabalho e à instituição pública, o tipo de pessoa que não tolera injustiça com ninguém.

Apesar das discussões em grandes fóruns sobre o tema, no nível micro,

local, vê-se muito pouca discussão sobre o tema e pouca ação no sentido de mitigar

o problema. Acrescenta-se o fato de os sindicatos estarem pouco preparados e

pouco disponíveis para o enfrentamento da matéria, pois sabem que terão de sair da

sonolência na qual grande parte deles está, como se se tratasse de repartição

pública, para enfrentar a tensão das discussões com as direções, principalmente no

serviço público, onde algumas lideranças estão acomodadas em seus nichos, sem

querer sair de suas zonas de conforto.

Um dos fóruns dos quais acima se falou foi a 3ª Conferência Nacional de

Saúde do Trabalhador, realizada em 2006, que deliberou sobre os itens abaixo,

tocantes ao assédio moral:

Item 54. Desenvolver ações no sentido de agilizar a tramitação do Projeto de Lei nº 2.369/03, que trata o assédio moral nas relações de trabalho como ilícito trabalhista e conceitua essa violência, com o objetivo de obter sua aprovação. Item 78. Incluir os impactos psicofísicos na saúde, resultantes do assédio moral, como fator de risco ocupacional, caracterizado como crime, ficando

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as empresas públicas e privadas obrigadas a emitir a Comunicação de Acidente do trabalho – CAT. Item 151. Definir que sejam investigadas, pelos setores da Saúde e do Trabalho e Emprego, as empresas nas quais sejam registrados casos de assédio moral no trabalho, no sentido da prevenção do sofrimento mental dos trabalhadores e trabalhadoras. Item 155. Incluir no Observatório de Saúde do Trabalhador informações específicas (notificação, estatísticas, pesquisas e divulgação de casos) sobre assédio moral e sexual nas relações de trabalho em todos os níveis de atenção à saúde, especialmente os atendimentos realizados pelos Centros de Atenção Psicossocial – CAP‟s. Divulgar as empresas campeãs nesse "ranking" perverso. Promover ações educativas e esclarecedoras em âmbito nacional no intuito de construir a conscientização da sociedade sobre essa violência e a desnaturalização dessa prática na organização do trabalho. (Relatório Final da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador - 24/3/2006).

O que se verifica é que existe certa ingovernabilidade no serviço público.

Há concessões entre a direção e funcionários, acordos tácitos de estabilidade

efêmera; por conforto ou por medo de perder privilégios ou a tranqüilidade no

trabalho, mantêm-se a estrutura em funcionamento. As pessoas têm medo de sair

da sua zona de conforto; então não fazem o que vai de encontro à direção e suas

ordens, mesmo que isso lhes pareça incorreto ou muitas vezes alheio à legislação,

permitindo que haja pequenos desvios da legalidade, que só poderão ser aferidos

com base na legislação ou por meio de apurações, sindicância ou processo

administrativo. Quando determinado funcionário não demonstra medo, existe

processo de cooptação para que ele não aja contra a ordem preestabelecida; se não

for cooptado, no entanto, ou não aceitar as regras, o procedimento normalmente é

deixá-lo de lado, na “geladeira”, sem função e, se estiver em algum cargo, esvaziar

as atribuições do cargo, cada vez mais. Para determinado tipo de funcionário, isso é

pretexto para a inação; não obstante, trata-se do tipo de funcionário aqui já descrito

como aquele que tem o perfil de participação e se sente muito mal em estar em tal

situação.

O assediado muitas vezes demora a perceber que está sendo assediado,

pois o assédio é processo quieto, imperceptível. A literatura menciona que ele, após

algum tempo, tem um “insight” do problema que está passando.

A alegoria da caverna platônica nos fornece elementos para analisar um

processo de assédio, quando menciona:

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Portanto, se alguém o [o homem preso na caverna] forçasse a olhar a própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objectos para os quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam?

12 (A alegoria da

caverna 2006)

Muitas vezes o assédio é coletivo, mas apenas um ou alguns, em função

de sua sensibilidade ou idiossincrasia, conseguem percebê-lo. Muito embora alguns

consigam percebê-lo, existe uma falta de mecanismos capazes de reverter o

processo de assédio: o senso ético é muito tênue, há falta de regulamento interno na

instituição, há dificuldade em obter provas e testemunhas, falta orientação

adequada, existe uma fragilidade emocional na qual se encontram os funcionários

da determinada repartição, e, entre outros fatores, falta sensibilidade ou há

acobertamento pela alta direção dos procedimentos que ocorrem na intimidade da

instituição.

A perversidade muitas vezes chega a tal ponto, que o assediador, quando

observa que o assediado começa a apresentar os primeiros sinais e sintomas

decorrentes do processo de assédio e que isso pode causar comprometimento,

transfere-o ou põe-no à disposição, o que configura a dimensão do problema.

1.4. Tipos de Assédio Moral

Koubi (in SEIXAS, 2006) menciona que o assédio pode ser de ordem

policial, judiciária, administrativa, fiscal, em associação com estratégias de

hostilidade ou brutalidade, de rigor ou severidade abusiva por parte de instituições

ou pessoas determinadas, muitas vezes interessadas em obter proveito próprio em

função de alguma fragilidade, ainda que pressuposta, de outrem.

Da mesma forma, sem cair na descrição de uma burocracia kafkaniana, é possível a certos usuários se dar [sic] conta de um assédio administrativo, principalmente quando os funcionários públicos solicitam através de pedidos

12

A Alegoria da Caverna - Platão.. Brasília: LGE, 2006.

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ou de toda uma série de operações – seja por má fé [sic], obediência obrigatória às ordens de superiores hierárquicos ou simplesmente em razão do desconhecimento dos textos aplicáveis – peças inúteis documentos inexistentes, provas impossíveis de serem localizadas, títulos inverossímeis. Qualquer que seja o caso, estudar a situação do assediado exige conhecer a posição do assediador: trata-se de fazer a distinção entre a pretensão de um e a situação do outro segundo os contextos e as circunstâncias nos quais se realiza, teórica ou concretamente, o assédio. (p.23) (grifo nosso)

Quanto à pretensão do assediador, Ansart (in SEIXAS, 2006) apresenta

uma tipologia teleológica do assédio:

Um assédio ascendente [vertical13

praticado por subalterno e dirigido, portanto, a superior hierárquico] visa finalidades [sic] concretas: organizar a resistência à autoridade, obter uma melhoria das condições de vida. Um assédio descendente [vertical praticado por superior hierárquico e dirigido, portanto, a subalterno] visa o [sic] reforço da autoridade, a melhoria da produtividade, o reforço da „cultura de empresa‟, etc. Mas, estes são objetivos gerais e permanentes. A noção de assédio comporta finalidades mais imediatas: em um assédio ascendente, obter resultados imperativos, reforçar ameaças, denunciar as injustiças mais patentes. Em um assédio descendente, se quer [sic] não apenas reforçar as obediências, mas, de maneira eventualmente brutal e urgente, impor comportamentos conformistas, ameaçar de sanção as resistências, alimentar um clima de medo ou de resignação.

O assédio moral é mais etéreo e difícil de caracterizar do que, por

exemplo, o assédio sexual.

Decca (in SEIXAS, 2006) defende que:

No Brasil é comum se dizer que as leis pegam ou não pegam. E um país como o nosso, em que se faz lei para tudo, a lei que criminaliza o assédio [sexual] ainda não pegou. O projeto-lei do assédio surgiu em 1995, por iniciativa da ex-prefeita da cidade de São Paulo, a sexóloga Marta Suplicy, e apenas em maio de 2001 esta lei foi introduzida em nosso código penal.

13

“Vilja Marques Asse (in Pereira, 2009) assim define: “[...] O fenômeno vertical se caracteriza por relações autoritárias, desumanas e aéticas, em que predominam os desmandos, a manipulação do medo, a competitividade, os programas de qualidade total associados à produtividade. Com a reestruturação e reorganização do trabalho, novas características foram incorporadas ã [sic] função: qualificação, polifuncionalidade, visão sistêmica do processo produtivo, rotação de tarefas, autonomia e flexibilização. Hoje em dia, se exige dos trabalhadores maior escolaridade, competência, produtividade, eficiência, competitividade, criatividade, qualificação, responsabilidade pela manutenção do seu próprio emprego, tudo visando produzir mais com baixo custo. O fenômeno horizontal está relacionado à pressão para produzir com qualidade e baixo custo. O medo de perder o emprego e não voltar ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O enraizamento e disseminação do medo, no ambiente de trabalho, reforça atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias. Os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, ao passo em que os sadios, que carregam a incerteza de um dia vir a apresentar dificuldades produtivas, assimilam o discurso das chefias e discriminam os 'improdutivos', humilhando-os, provocando comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento do outro".”

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Ainda mal conhecida lei nº 10.224 afirma em seu Artigo 216-A: „Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função: Pena - detenção, de 1(um) a 2(dois) anos.‟.(p.142)

Na esteira da discussão da lei acima, referente ao assédio sexual, Pereira

(2009), em Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, assim se expressa:

Pese embora com algumas dúvidas conceptuais, optou-se por qualificar o assédio sexual como integrando o mais amplo assédio moral [...] [Em nota de rodapé:] a dificuldade conceptual deste tipo de assédio [o sexual] reside desde logo no seu início. Numa socaiede [sic] ainda profundamente machista, ainda que travestida de uma aparente igualdade dos sexos, não falta quem interprete um inequívoco „não‟ como um convite à insistência ou até como uma concordância envergonhada. A respeito do tema da recusa ao assédio significando uma anuência, não se resiste a citar uma passagem heróica de Camões, descrevendo a volta dos Portugueses à terra mãe, quando desembarcando numa ilha, onde as ninfas já flechadas por Eros por desígnios dos deuses se entremostram aos lusitanos. No Canto Nono, Os Lusíadas, conta-se que um dos heróis, Veloso, vislumbrando aquelas ninfas disse: ‘Sigamos estas deusas e vejamos Se fantasias são ou se verdadeiras. Isso dito, velozes mais que Gamos, Se lançam a correr pelas ribeiras. Fugindo as ninfas vão por entre os ramos, Mas mais industriosas que ligeiras, Pouco a pouco, sorrindo e gritos dando, Se deixam ir dos galgos alcançando.’ Pois bem, já camões vislumbrava a fuga posta como meio de incentivar a perseguição. A pergunta que, contudo, subsiste, é que [sic] alguma coisa mudou desde então.

Entre os tipos de assédio, verificam-se várias manifestações no modo de

realização. “O assédio moral manifesta-se, assim, de forma subtil, através de uma

sequência de comportamentos, melhor ou pior encadeados [...]” (PEREIRA, 2009)

Segundo as palavras Bresciani (in SEIXAS, 2006):

A relação íntima ou próxima entre quem assedia e sua vítima, pressupondo sempre a presença física na situação de assédio, indica de modo enfático a força expressiva da palavra oral: tonalidade da voz, as expressões faciais, o voltar-se as costas à vítima, quando esta procura argumentar a seu favor, em suma, as manifestações de desprezo ou de ironia agressiva atingindo diretamente a pessoa assediada.

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Em tom conclusivo Pereira (2009) diz:

[...] pode dizer-se que, na maior parte dos casos, o progresso não foi acompanhado de uma crescente humanização dos ambientes e das relações de trabalho, mas, ao invés, contribuiu para que os mesmos se automatizassem até o limite do insuportável, pese embora tendo como pano de fundo pretensas preocupações sociais.

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2 O SERVIÇO PÚBLICO

2.1. Breve história do serviço público no Brasil

No Brasil colônia, segundo Faoro (2001),

O cargo público em sentido amplo, a comissão do rei, transforma o titular em portador de autoridade. Confere-lhe a marca de nobreza, por um fenômeno de interpretação inversa de valores. Como o emprego público era, ainda no século XVI, atributo do nobre de sangue ou do cortesão criado nas dobras do manto real, o exercício do cargo infunde o acatamento aristocrático aos súditos. Para a investidura em muitas funções públicas era condição essencial que o candidato fosse „homem fidalgo, de limpo sangue‟ (Ordenações Filipinas, L. I, tít. I), ou de „boa linhagem‟ (idem, tít. II). Nas Câmaras se exigia igual qualificação para a escolha dos vereadores entre os „homens bons‟ - embora, na realidade, esses caracteres fossem muitas vezes ignorados. Os „homens bons‟ compreendiam, num alargamento contínuo, além, dos nobres de linhagem, os senhores de terras e engenhos, a burocracia civil e militar, com a contínua agregação de burgueses comerciantes. Os Livros da Nobreza, guardados pelas Câmaras, sofriam registros novos e inscrições progressivas, sem, contudo, eliminar a categoria aristocrática. Não tardaria muito e a venda dos empregos elevaria aos cimos da nobreza a burguesia enriquecida, para indignação e pasmo das velhas linhagens. O severo Critilo, representante da nobreza letrada, ou nobre porque letrada, retrata bem os valores dominantes, na repulsa às ascensões plebéias aos postos de governo. Conheço, finalmente, a outros muitos Que foram almocreves e tendeiros

14,

Que foram alfaiates e fizeram, Puxando a dente o couro, bem sapatos. Agora, doce amigo, não te rias De veres que estes são aqueles grandes Que, em presença do chefe, encostar podem Os queixos nos bastões da fina cana. Os postos, Doroteu, aqui se vendem, E, como as outras drogas que se compram, Devem daqueles ser, que mais os pagam. ...................................................................... E também, Doroteu, contra a polícia Franquearem-se as portas, a que subam Aos distintos empregos, as pessoas Que vêm de humildes troncos. Os tendeiros, Mal se vêem capitães, são já fidalgos; Seus néscios descendentes já não querem Conservar as tavernas, que lhes deram Os primeiros sapatos e os primeiros

14

Almocreve: Homem que se ocupa em conduzir besta de carga; tendeiro: homem que vende em tenda.Dicionário Buarque de Holanda, 1981.

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Capotes com capuz de grosso pano. Que império, Doroteu, que império pode Um povo sustentar, que só se forma De nobres sem ofícios?

15

A burguesia, nesse sistema, não subjuga e aniquila a nobreza, senão que a esta se incorpora, aderindo à sua consciência social. A íntima tensão, tecida de zombarias e desdéns, se afrouxa com o curso das gerações, no afidalgamento postiço da ascensão social. A via que atrai todas as classes e as mergulha no estamento é o cargo público, instrumento de amálgama e controle das conquistas por parte do soberano. [...] [...] Os privilégios inerentes ao cargo público no sistema patrimonial estamental, sem o racionalismo da estrutura burocrática, impedem o controle de revisão e de substituição de autoridade, em graus. Daí os conflitos, as disputas de atribuições, as resistências de funcionários que se dirigem diretamente ao Conselho Ultramarino, com proteções poderosas de pessoas da corte, encostados no setor ministerial do governo.

Hodiernamente, o serviço público no Brasil tem realizado, por meio de

alguns atores, um esforço para empreender mudanças no seu modo de operar,

porém ainda incipientes, consideradas não só as raízes coloniais marcadas pelo tipo

de prática interpessoal verificado na citação acima, mas também a persistência de

tal prática.

2.2. Os conflitos do serviço público no Brasil

De acordo com Medici e Silva (in NOGUEIRA, 2007), Nas origens da administração do Estado (era absolutista) os funcionários públicos nada mais eram do que funcionários do Rei, ou seja, apaniguados do poder que recebiam um salário e administravam o Estado segundo seus próprios lemas e determinações. A vontade do povo não tinha influência na organização do Estado. O advento das democracias participativas e a eleição dos líderes do executivo e do parlamento trouxeram várias mudanças no escopo e na representatividade da administração pública. No entanto o corpo de funcionários governamentais continuava com raras exceções a separar o planejamento e a ação da determinação da vontade social. A fase taylorista sancionou tal comportamento, e o fordismo, a despeito de proporcionar espaço para as mudanças, não transformou substancialmente tal prática, que tornou-se [sic] arraigada no âmbito das

15

Critilo. Op. cit. [Cartas chilenas], p.210 e 250.

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administrações públicas dos países centrais. Uma primeira mudança de comportamento, produzida pela introdução da administração flexível, ocasionou uma transformação na visão de mundo da administração pública: a sociedade não é composta de súditos ou concorrentes, mas sim de clientes e cidadãos.

Diz Nogueira (2007) que os conflitos são inerentes às relações entre

trabalho e capital na sociedade. Questiona, então, quais são as fontes do conflito no

interior do Estado, a que assim responde: “As fontes do conflito no estado capitalista

encontram-se duplamente determinadas pelas relações diretas entre funcionários e

níveis de governo do Estado e pelas contradições do regime capitalista de

produção.”.

Poulantzas (in NOGUEIRA, 2007) afirma que:

[...] a crise política se traduz no próprio interior do corpo do pessoal estatal de várias maneiras: a) como crise institucional do Estado, quer dizer precisamente como reorganização do conjunto dos aparelhos de Estado; b) como acentuação, com traços próprios, da luta e das contradições de classe tal como, elas se exprimem, [sic] de modo específico, no seio do pessoal de Estado; c) como ascensão das reivindicações e das lutas próprias ao pessoal do Estado.

Nogueira (2007) também afirma que:

[...] ocorrem divisões e contradições internas acirradas no seio do pessoal do Estado, colocando em questão a sua própria unidade específica, no que se refere à estrutura organizacional própria dos aparelhos de Estado, seguindo a trama de sua autonomia relativa. Diferente do conflito entre capital e trabalho, no aparelho de estado esses conflitos se revestem da forma de brigas entre membros de diversos aparelhos e ramos do Estado, fissuras e reorganizações destes, fricções entre facções e corporações dentro do Estado. Ocorrem também divergências de natureza política e ideológica que dividem o pessoal do Estado entre posições mais à esquerda e à direita, muitas vezes, estranhas ao papel ideológico e aparente de neutralidade e de árbitro, acima das classes, que o Estado exerce na sociedade. [...] [...] o que ocorreu com o Estado em geral entre os fins dos 70 e inícios dos anos 2000, foi uma profunda transformação no sentido da crise mesma do Estado ganhando cada vez mais espaço o programa do Estado mínimo ou enxuto informado pela hegemonia neoliberal em contraponto ao Estado do bem estar social. [...]”.

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2.3. A especificidade das relações de trabalho no campo estatal

Hyman (in NOGUEIRA, 2007) menciona que:

Para o caso do setor público, ou para a esfera interna do Estado capitalista, o termo relações industriais

16, evidentemente, não seria adequado. Por isso

é mais adequado adotar a noção de relações de trabalho no setor público, cuja especificidade, [sic] não nega sua condição de pertencer a uma totalidade de relações sociais de produção, predominantemente capitalistas, que informam as fontes dos conflitos do trabalho no setor público e no Estado. (grifo nosso) No entanto, as especificidades do setor público devem ser apontadas. Em primeiro lugar, são relações de trabalho entre não proprietários de meios de produção entre si (funcionários e governo ou governantes e dirigentes), ao invés de relações sociais diretamente capitalistas. Isto significa, no parâmetro de Marx, que não há no relacionamento coletivo dentro do Estado, nas atividades de administração, controle e de prestação de serviços públicos, produção direta de valor para acumulação de capital. Trata-se então de trabalho assalariado improdutivo [...]. Isto, porém, não significa que não haja exploração direta do trabalho pelo Estado. A exploração ocorre na esfera da reprodução do capital, ou seja, nos processos de serviços e administração voltados à esfera da reprodução social e política do conjunto da sociedade de classes. A taxa de exploração do trabalho no Estado envolve a quantidade de salário em relação à jornada de trabalho e às condições necessárias de vida em sociedade, mas, [sic] não é realizada para produzir, e sim reproduzir o capital. A questão dos salários informa sobre o padrão de vida dos assalariados. Assim, as políticas de contenção dos gastos públicos para enfrentar as crises dos Estados capitalistas submetem os funcionários públicos a permanentes arrochos salariais e deteriorações das suas condições de trabalho. Qualquer proposta atual sobre um sistema de relações de trabalho para o setor público, [sic] depende do encaminhamento dessas questões da defasagem salarial, das perdas salariais históricas e da melhoria das condições gerais de trabalho.

No caso do Estado de São Paulo, os funcionários do setor público se

dividem em diferentes regimes de trabalho: o dos servidores estatutários, o dos

temporários e o dos assalariados. Tais regimes subdividem-se em diferentes

profissões e diferentes categorias, às quais se associam diferentes status. Esses

diferentes status e as relações de poder a eles relacionadas dão margem a conflitos

16

“Relações Industriais é outra área relacionada a Pessoal, que cuida das relações trabalhistas externas da empresa com os sindicatos, com o Governo e com outros órgãos públicos. Em muitas empresas há um setor específico com esta denominação, além do de Pessoal ou de Recursos Humanos, para os relacionamentos explicitados.” (OLIVEIRA, 1998)

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que propiciam a prática do assédio moral. Categorias com contratos temporários e

terceirizados estão mais susceptíveis ao assédio moral, em função da fragilidade do

contrato, da diferença salarial e das condições de trabalho. Acrescenta Nogueira

(2007):

Nesse âmbito situam-se as relações de conflito entre indivíduo e organização burocrática [...]. [§] No campo público, as relações coletivas se dão diretamente na superestrutura política e jurídica e dependem dos estatutos específicos das diversas categorias, ou seja, do estatuto jurídico oriundo do direito administrativo e constitucional, que regula as circunstâncias e os interesses em jogo. A relação existente entre o servidor público e a unidade administrativa é de natureza diversa da existente na iniciativa privada. O administrador público está sujeito ao „princípio da legalidade‟. Assim, a organização sindical dos servidores públicos tem maior dificuldade em alterar as condições de trabalho de forma abrangente, porque estas dependem das instâncias políticas e administrativas.

Até a Constituição de 1988 e a Convenção 151 da Organização

Internacional do Trabalho, o servidor público não poderia ter sindicato que o

representasse. A Convenção 151 da OIT está tramitando no Congresso Nacional

desde 2008; incrementa a organização sindical e fomenta processo de negociação

dos trabalhadores do serviço público; dessa forma, a partir de sua incorporação ao

ordenamento jurídico, passará a vigorar como lei ordinária e facilitará as relações do

servidor público com o Estado, tendo como intermediários os sindicatos. Veja-se o

Anexo VI - Convenção 151 – OIT.

Nogueira (2007) prossegue dizendo que:

“[...] a essência do trabalho no serviço público é o processamento intelectual e administrativo e uma operação não produtiva. O processo de trabalho lida diretamente com a informação, o atendimento, a prestação de serviços além das atividades de planejamento, a administração e o controle. [...] [§] [...] Ainda nos processos de trabalho do setor público há conflito potencial nas relações entre áreas de controle administrativo e áreas de prestação dos serviços, estas últimas ligadas diretamente à prestação dos serviços à população e que, também do seu lado, podem resistir a qualquer forma de controle sobre seu trabalho e resultado. [§] Há na verdade maior complexidade das fontes contraditórias do confronto e no conflito coletivo do Estado. Com efeito, é preciso captar e inserir a questão das relações de trabalho no setor público em uma rede de relações mais complexa entre funcionário público assalariado e Estado e os seus diferentes poderes, mercado capitalista e sociedade civil. [§] No setor público, a área de Recursos Humanos [também chamada Departamento Pessoal ou Coordenadoria de Recursos Humanos], coordena restringe-se à tradicional função de administração de pessoal, concentrando

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seus esforços basicamente nos processos de seleção, treinamento e remuneração não desenvolvendo qualquer ação no campo das relações coletivas ou como instâncias mediadoras dos conflitos dentro das diversas instituições ou órgãos. [...] no Estado, a velocidade das mudanças é muito menor, e a conservação do sistema tradicional de gestão do pessoal incapaz de responder às novas demandas tende a permanecer. Isto é conseqüência do pouco investimento na qualificação profissional de pessoal específico de Recursos Humanos e da intervenção direta do nível político nas questões sindicais e das relações de trabalho no Estado. (grifo nosso) (p.22)

Freitas (2007) considera que as assim chamadas áreas de Recursos

Humanos estão particularmente preocupadas com sua própria sobrevivência e em

mostrar serviços, “aplicando a última moda de pacote prêt-à-porter”; omitem-se e

deixam “em aberto o caminho para que situações degradantes se repitam e se

incorporem à cultura da organização. O setor que deveria ser guardião de alguns

princípios básicos da boa convivência organizacional pode ser o primeiro a exibir a

dolosa política de avestruz”.

Heloani (2004) afirma que:

[...] se podem criar mecanismos, por meio do departamento de Recursos Humanos da empresa [ou do serviço público], para dar ao trabalhador agredido [por assédio moral] o direito de denunciar a agressão de que tenha sido vítima, por escrito e sigilosamente; com esse fim, o indivíduo agredido pode utilizar caixas postais e mesmo „urnas‟ em dependências isoladas dentro da organização, para que, em tese, possa ter seu anonimato garantido. São passos para amenizar o problema, mas não bastam. [§] [...] Poderíamos começar pela criação daquilo que Christophe Dejours, em várias de suas obras, chama de espaço público, ou espaço de discussão, ou seja, um local que, no caso, poderia existir dentro das próprias empresas, onde os membros da organização pudessem expor seus problemas, angústias e expectativas, facilitando o entendimento. Seria o caso, como diria Habermas, da [sic] „racionalidade instrumental‟, ou seja, da [sic] lógica do sistema, vir a ceder espaço à „ação comunicativa‟, que tenha por base argumentos justos e transparentes. Em outros termos, tal discussão, que no atual momento nos parece utópica, pode levar as pessoas a perceberem que seu problema não é individual, que não lhes falta competência. Trata-se de um fenômeno que envolve interações sociais complexas e, portanto, as vítimas da violência não devem se culpar.

O departamento de Recursos Humanos em grande parte das vezes é

composto por profissionais despreparados para enfrentar a questão do assédio

moral. Pertencem a uma categoria intermediária entre os ditos funcionários “do chão

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de fábrica” e a diretoria, que os tem na mão – pois alguns funcionários do RH podem

vir a receber benefícios de toda ordem e se esforçam para pertencer à classe

dirigente –; vivem, no entanto, as contradições do funcionário “do chão de fábrica”

que também são; ficam em uma área intermediária entre a área estratégica – de

comando – e a operacional; também sofrem as ameaças da classe dirigente; têm

medo de perder os privilégios e a credibilidade dos funcionários da base; recebem a

pressão dos sindicatos e das associações. Muitas vezes sabem da existência do

problema do assédio moral; estão, porém, sujeitos às mesmas normas; temem

posicionar-se, mesmo porque os mecanismos administrativos e legais são muito

frágeis e de difícil acesso no serviço público. O tema é ainda tabu nas repartições

públicas, e a falta de conhecimento e reconhecimento da matéria é um dos motivos

que levam à permanência do assédio moral em nosso meio.

O setor de Recursos Humanos, muitas vezes desprovido de pessoas

competentes para verificar o caso do assédio moral e modificar a situação, deve

intervir no nível do clima organizacional e da cultura organizacional, para que se

evite tal tipo de assédio. Muitas vezes, o setor de Recursos Humanos é tão

submisso à direção, que não se faz possível empreender qualquer ação autônoma

no enfrentamento do problema.

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3. ASPECTOS LEGAIS, JUDICIAIS E PRINCIPIOLÓGICOS DO ASSÉDIO MORAL

3.1. Aspectos legais que caracterizem Assédio Moral

Concorda Nascimento (2004) com que a natureza jurídica do assédio

moral pode inserir-se no âmbito do gênero “dano moral” ou mesmo do gênero

“discriminação”.

Embora não haja especificidade para o enquadramento do assédio moral

na legislação no setor privado, há com abundância normas de alcance administrativo

no setor público.17 Poder-se-ia, no entanto, enquadrar o problema do assédio de

maneira transversa na constituição e na legislação trabalhista, cívil e penal em nosso

ordenamento jurídico. Manus (2006) menciona em proveitoso trabalho sobre o tema

que, muito embora não haja especificidade para o enquadramento do assédio moral

no trabalho, pode haver enquadramento por meio de várias legislações, entre elas o

artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho, que menciona “praticar o

empregador ou seus prepostos, contra o empregado ou pessoas de sua família, ato

lesivo da honra e da boa fama” não é figura que atualmente se denomine assédio

moral. Nas discussões judiciais sobre assedio moral, porém, acredita-se que a

consagração pelo artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, da dignidade

da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de direito foi

importante passo na defesa do respeito aos valores mais caros ao cidadão. Isso

quer dizer que, na análise de Manus, além do direito do trabalhador ao posto de

serviço, ao salário digno, reconhece a Constituição Federal o direito de o cidadão ser

tratado com isonomia, merecendo respeito, como contrapartida de seu dever de

respeitar o empregador e seus prepostos.

O empregador pode vir a ser responsabilizado pelo assédio cometido por

ele ou por um dos prepostos e condenado a indenizar o empregado quando

17

Garbin (2009) faz lembrar que “O ordenamento jurídico brasileiro não possui legislação específica sobre o tema que defina o assédio moral. No âmbito da Administração Pública, em nível municipal e estadual verificamos a existência de leis. Em nível federal tramitam alguns projetos de leis.”

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comprovada a hipótese de assédio moral, com ofensa à dignidade do empregado,

configurando-se dano moral, que implica direito a indenização, à luz do artigo 5º,

inciso V, da Constituição Federal. Não se pode olvidar que o artigo 932, inciso III, do

Código Civil responsabiliza o empregador objetivamente pelos danos causados a

terceiros pelos seus empregados, serviçais ou prepostos – o que implica o dever da

empresa de informar seus empregados, gerentes e prepostos da vedação de atos

que possam vir a configurar assédio moral, cabendo-lhe, ademais, fiscalizar os atos

por estes praticados, a fim de coibir a prática de atos ilícitos. Em complementação

ao acima descrito, o artigo 944 do Código Civil aduz sobre o direito de indenização,

estando a fixação do valor relacionada à proporção do dano causado.

Heloani (2004) menciona que, dependendo-se da forma do assédio,

poder-se-ia fundamentá-lo nos parágrafos II e III do artigo 5º da Constituição

Federal, que abrangem o assédio moral e sexual respectivamente, e nos artigos

138, 139, 140, 146 e 146-A do Código Penal.

Quanto à possibilidade de indenização pelo dano moral, em nosso caso

ensejado pelo assédio moral, Guerzoni (2008) defende que os incisos V e X do

artigo 5º da Constituição Federal podem ser utilizados como supedâneos da

reparação do dano. O autor, em robusta análise dos institutos jurídico-legais que

podem fundamentar, do ponto de vista penal, uma demanda de assédio moral,

afirma ser possível que o assédio atue como circunstância agravante ou

qualificadora do tipo penal, a ser ponderada pelo julgador no momento da

quantificação da pena. O fundamento para essa agravante é o artigo 61, inciso II,

“a”, do Código Penal, que versa sobre o motivo fútil, como no caso de o trabalhador

ser humilhado por pura diversão, e sobre o motivo torpe, como na situação em que o

assédio tenha por intuito forçar o trabalhador a cumprir uma jornada sobre-humana.

Diz o mesmo autor que também podem funcionar como agravantes do

assédio moral a dissimulação (artigo 61, inciso II, “c”), que dificulta ou torna

impossível a defesa do ofendido, e a prática de meios insidiosos (artigo 61, inciso II,

alínea “d”), que não demonstram todo o potencial ofensivo. No assédio moral

descendente, configuram-se as circunstâncias de abuso de autoridade (artigo 61,

inciso II, alínea ”f”), quando praticado no âmbito de empresas privadas, ou abuso de

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poder (artigo 61, inciso II, alínea “g”), naqueles casos em que as agressões partirem

de servidores públicos. “O grande desafio é definir o momento em que tais condutas

se tornam suficientes [sic] graves para justificar a intervenção do Direito Penal”.

(GUERZONI, 2008)

Esses mesmo [sic] fundamentos [criminais] também tornam possível enquadrar a conduta do agente ativo no crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (artigo 122 do Código Penal), sempre que o assediador criar ou reforçar o propósito da vítima de se suicidar, ou quando fornecer os instrumentos ou cooperar ativamente para que o suicídio se consume. [§] As agressões psicológicas poderão, ainda, ser empregadas com o intuito de interromper a gravidez, configurando-se o crime de aborto (artigo 124 do Código Penal). [...] [§] Sempre que a conduta do assediador ofender a incolumidade pessoal da vítima, causando uma perturbação no seu equilíbrio fisiológico ou psíquico, estaremos diante do crime de lesões corporais (artigo 129 do Código Penal). Mesmo que o assédio moral tenha sido praticado pelos colegas da vítima, o empregador pode ser enquadrado no delito de lesões corporais culposas, em razão de não ter implementado medidas que garantissem a segurança do ambiente de trabalho, bem como por não ter fiscalizado os seus empregados, impedindo-os de prejudicar a saúde física e psíquica dos demais trabalhadores. [...] [§] Se o sujeito ativo, mediante violência ou grave ameaça, constranger a vítima de assédio moral a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, incorrerá no crime de extorsão (artigo 158 do Código Penal). Trata-se de figura semelhante ao constrangimento ilegal, residindo a diferença no fato de que, na extorsão, o lesado sofre um prejuízo patrimonial. [§] É possível a caracterização de crimes contra a organização do trabalho, previstos no Título IV da Parte Especial do Código Penal. O artigo 197, inciso I, refere-se ao atentado contra a liberdade de trabalho, que ocorre quando se utiliza a violência ou grave ameaça para constranger alguém a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias. A liberdade de filiação e desfiliação sindical é tutelada pelo crime de atentado contra a liberdade de associação (artigo 199 do mesmo diploma legal), que coíbe os atos de violência ou grave ameaça que tenham por objetivo obrigar uma pessoa a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional. O artigo 203 define o delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, praticado mediante fraude ou violência. [§] Quando o autor do assédio moral for servidor público, sua conduta pode ainda se enquadrada no crime de violência arbitrária, previsto no artigo 322 do Código Penal, ou nos delitos de abuso de poder cominados na Lei n.4.898, de 09 de dezembro de 1965. Dentre os diversos tipos penais dispostos nessa lei especial, assumem especial relevância para o presente tema, os atos lesivos da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticados com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal (artigo 4º, alínea “h”)”. Veja-se Anexo V- Abuso de autoridade.

Ainda o mesmo autor, de maneira irrepreensível, afirma que:

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[...] não se esgotaram as tentativas de solução do problema no âmbito do Direito do Trabalho e do Direito Administrativo. Antes de se recorrer a medidas penais, é necessário constatar que as sanções de outra natureza se mostraram inadequadas para prevenir e reprimir os atos de assédio moral. O Direito Penal deve conservar o seu caráter de ultima ratio, somente intervindo quando se mostrar absolutamente imprescindível para a proteção da dignidade do ser humano.

3.2. Decisões judiciais sobre o Assédio Moral

Reproduzem-se, abaixo, trecho de doutrina sobre o tema e textos que

veiculam decisões judiciais, mais precisamente sentenças e acórdãos, a respeito de

pedidos de reparação de danos morais e a respeito de competência.

De igual forma, Valdir Florindo, em sua obra “Dano Moral e o Direito do

Trabalho” 18, assim se posiciona:

Assim, pode-se dizer que é uma busca minuciosa de elementos objetivos que haverão de presidir o valor adequado para o caso concreto que houver lhe apresentado. Pensamos, também, que o valor a ser arbitrado deve estar em sintonia com a extensão ou intensidade da ofensa, a estrutura psíquica do trabalhador, com a sua personalidade abalada ou não, que pode ser demonstrado por laudo psicológico, sem constrangimentos; o grau de cultura, a educação, a profissão, a repercussão do fato no meio social em que vive, as condições e as circunstâncias em que o fato-causa do dano moral se verificou. Deve-se, fundamentalmente, considerar a quantidade de tempo em que o dano persistiu, ou persiste, afetando a vítima, para a duração no tempo do sofrimento moral, fato esse de inegável importância como elemento objetivo para fixação do valor.

Assédio moral – Contrato de inação – Indenização por dano moral. A tortura psicológica destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar a sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassada o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer o trabalho, fonte de dignidade do empregado. Recurso improvido" (TRT – 17ª R – RO nº 1315.2000.00.17.00-1 – Relª. Sônia das Dores Dionísa).

18

FLORINDO, V. Dano Moral e o Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 310.

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I – Dinâmica grupal – Desvirtuamento – Violação ao patrimônio moral do empregado – Assédio moral – Indenização. A dinâmica grupal na área de Recursos Humanos objetiva testar a capacidade do indivíduo, compreensão das normas do empregador e gerar a sua socialização. Entretanto, sua aplicação inconseqüente produz efeitos danosos ao equilíbrio emocional do empregado. Ao manipular tanto a emoção, como o íntimo do indivíduo, a dinâmica pode levá-lo a se sentir humilhado e menos capaz que os demais. Impor pagamentos de prendas publicamente, tais como, „dançar a dança da boquinha da garrafa‟, àquele que não cumpre sua tarefa a tempo e modo, configura assédio moral, pois, o objetivo passa a ser o de inferiorizá-lo e torná-lo „diferente‟ do grupo. Por isso, golpeia a sua auto-estima e fere o seu decoro e prestígio profissional. A relação de emprego cuja matriz filosófica está assentada no respeito e confiança mútua das partes contratantes, impõe ao empregador o dever de zelar pela dignidade do trabalhador. A CLT, maior fonte estatal dos direitos e deveres do empregado e empregador, impõe a obrigação de o empregador abster-se de praticar lesão à honra e boa fama do seu empregado (art. 483). Se o empregador age contrário à norma, deve responder pelo ato antijurídico que praticou, nos termos do art. 5º, X, da CF/88. (Recurso provido)...” (TRT – 17ª R – RO n. 1294.2002.007.17.00.9 – Relª. Juíza Sônia das Dores Dionísio). Dano moral – Empregado submetido a constrangimentos e agressão física, em decorrência de sua orientação sexual, praticados por empregados outros no ambiente de trabalho e com a ciência da gerência da empresa demandada – Imputabilidade de culpa ao empregador. Se a prova colhida nos autos revela, inequivocamente, que o autor sofrera no ambiente de trabalho discriminação, agressões verbais e mesmo físicas por sua orientação homossexual, mesmo que não pudesse o empregador impedir que parte de seus empregados desaprovasse o comportamento do reclamante e evitassem contato para com ele, não poderia permitir a materialização de comportamento discriminatório grave para com o autor, e menos ainda omitir-se diante de agressão física sofrida pelo reclamante no ambiente de trabalho; mormente se esta agressão fora presenciada por agentes de segurança do reclamado, os quais não esboçaram qualquer tentativa de coibi-la. Se o reclamante, como empregado do demandado, estando no estabelecimento do réu, sofre, por parte de seus colegas de trabalho, deboches e até chega a sofrer agressão física, e se delas tem pleno conhecimento a gerência constituída pelo empregador, este último responderá, por omissão, pelos danos morais causados ao reclamante (CCB então vigente, art. 159 c/c art. 5º, X, da CF). Sendo o empregador pessoa jurídico (e não física), por óbvio os atos de violação a direitos alheios imputáveis a ele serão necessariamente praticados, em sentido físico, pelos obreiros e dirigentes que integram seus quadros. “Recurso ordinário do reclamado conhecido e desprovido” (TRT – 10ª R – 3ª T – RO n. 919/2002.005.10.00-0 – Rel. Paulo Henrique Blair – DJDF 23.5.2003 – p. 51). A Reclamação constitucional (Rcl) no 5.381/AM (DJE 8.08.2008) adotou um paradigma ainda mais abrangente do que aquele firmado na ADIN no 3.395-6 – DF. No limiar do julgamento daquela demanda, o paradigma hermenêutico ao art. 114, da Constituição Federal, abarcou qualquer interpretação ao referido dispositivo, o que significa dizer que qualquer funcionário público que se atenha a um regramento administrativo, deverá ser julgado pela justiça comum (federal ou estadual). Tal entendimento, recentemente, ficou estampado no julgamento da Rcl nº 7.109, AgR/MG, Rel. Min. Menezes Direito (julgado no dia 2/4/2009). Somente servidores das pessoas governamentais de Direito Privado da Administração Pública Indireta devem ter suas pretensões julgadas pela

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Justiça laboral. O que define a competência jurisdicional em pauta é a incidência ou não de um regime jurídico público, que, no caso dos funcionários mencionados, não existe, porque as entidades privadas da Administração Pública Indireta atuam, em regra, como se particulares fossem. Percebam-se, antes de tudo, que há duas espécies de servidores estatais. A ADIN nº 694-1 salienta ser de competência da Justiça Comum a discussão acerca do regime jurídico próprio dos servidores admitidos em caráter temporário, dado o caráter indisponível (e administrativo) da contratação, bem como determinam a incompetência da Justiça Trabalhista para o seu julgamento – matéria de Direito Administrativo a ser discutida na Justiça Estadual. Não é a categoria jurídica em que os servidores estão inseridos que determina a competência para julgamento de pretensão dos daqueles em relação ao Estado, mas sim a presença ou não do regime jurídico administrativo, não havendo, assim, competência bastante da Justiça do Trabalho para julgá-los. Quanto a isto, há algumas premissas: a) Que os empregados públicos detêm um vínculo jurídico-administrativo para com o ente estatal, por estarem inseridos no conceito maior de "servidores públicos". Sendo assim, compete à justiça comum analisar tal relação; b) Há uma tendência do Supremo Tribunal Federal (STF) em assim se posicionar; c) E mais, se para os vínculos mantidos por contratação temporária, o entendimento do STF consolidou-se em definir a incompetência da Justiça do Comum para analisar pretensões advindas do vínculo mantido entre o agente e o Estado "lato sensu", com muito mais razão merece ser proclamado o presente entendimento no que tange aos detentores de empregos públicos admitidos por concurso ou estabilizados, pelas características administrativas ainda mais intensas que esta reação possui. EMENTA: DANO MORAL - PRESSUPOSTOS - RISCO DE BANALIZAÇÃO - O direito à indenização por danos morais requer a presença simultânea do ato ilícito, do implemento do dano, do nexo causal e da culpa do réu. Sem a comprovação da ocorrência desses pressupostos, não pode prosperar a pretensão. Se, por um enfoque, o reconhecimento do dano moral e sua reparação pecuniária representa progresso extraordinário da ciência jurídica, para melhorar a convivência respeitosa e valorizar a dignidade humana, por outro lado, não se pode levar a extremo sua aplicação, com o risco de banalizar a conquista ou levá-la ao descrédito. Não cabe o deferimento de dano moral pelas ocorrências rotineiras das atividades profissionais, pelo simples melindre, contrariedades ou pequenas mágoas. Como assevera o Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, da 2a. Câmara Cível do TJRJ, no julgamento da Ap. 7.928/95, "mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos". DECISÃO: A TURMA, à unanimidade, conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento. (TRT 3ª Região, DECISÃO: 28/11/2001, TIPO: RO, NUM: 13494, ANO: 2001 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - TURMA: Terceira Turma, FONTE DJMG DATA: 18-12-2001 PG: 10, RELATOR Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira) DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. O fato de superior imediato não tratar com urbanidade seus subalternos, não configura o dano moral. Tal

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comportamento por certo gera descontentamento e mal-estar no empregado, mas não demonstra ser abusivo quando se limitou a advertir faltas procedimentais do obreiro, sem que tivesse o fim de denegrir sua honra e boa fama junto aos colegas de trabalho. Não se constatando, ademais, a prática reiterada, constante, de tratamento grosseiro, por parte da superiora hierárquica, nada conduz a que se possa vislumbrar o indesejado mobbing. (TRT 5ª, Processo 00977-2005-020-05-00-7 RO, ac. nº 020810/2006, Relator Desembargador VALTÉRCIO DE OLIVEIRA, 4ª. TURMA, DJ 24/08/2006.) “Dano Moral. Necessariamente ele não existe pela simples razão de haver um dissabor. A prevalecer essa tese, qualquer fissura em contrato daria ensejo no dano moral conjugado com o material. O direito veio para viabilizar a vida e não truncá-la, gerando-se um clima de suspense e de demandas. Ausência de dano moral, no caso concreto.” (TJRS - 6a Câm. Civ., Ap Cív. N. 596185181, Rel. Des. Décio A. Erpen) JUIZ CONDENA GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO POR DISCRIMINAÇÃO E ASSÉDIO MORAL PRATICADO POR DIRETOR DE HOSPITAL DE SÃO PAULO. Uma sentença proferida pelo juiz da 7ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA, Dr(a). Emílio Migliano Neto em 28 de setembro passado nos autos do processo número 053.08.115559-9 em que são partes A. N. S., A. C. S. e D. C. D. condenou o Estado de São Paulo a pagar DEZ salários mínimos para cada servidora por dano moral. O réu é a Fazenda Pública do Estado de São Paulo e o fato ocorreu no Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros, que fica na zona leste da Capital. Dos Fatos, conforme narrado nos autos pelo Juiz: “as autoras são funcionárias do mencionado hospital, e no dia 30 de maio de 2006, nas dependências do hospital foram ofendidas pelo seu diretor, C. M. N., durante uma manifestação liderada pelo Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde do Estado de São Paulo, por reajuste salarial da categoria; aduziram que em relação à autora A. o referido diretor proferiu as seguintes palavras: “você está muito gorda e tampa até o portão com o próprio corpo”; em relação à autora, ofendeu-a com o xingamento: “negra loira”; e em relação à co-autora A., xingou-a de “porca”; e ainda ofendeu as três autoras com os dizeres: “cambada de porcas”, “umas gordas, umas porcas, um bando de desocupadas”. Ainda, ameaçou-as, dizendo que iria suspender seus salários e baixar seus prêmios incentivos, pois no seu hospital não permitia movimento grevista. Por último, retirou o crachá que estava entre os seios da autora Áurea, introduzindo suas mãos dentro da blusa que trajava, praticando ato atentatório ao pudor da ofendida. Sustentam que esses fatos foram praticados por aquele diretor do hospital em local aberto ao público, fazendo com que as ofendidas passassem por constrangimentos, humilhações, ofensas, e inclusive abalo de suas saúde”. O Juiz aponta na sentença que: “3. Quanto aos danos morais, que teriam advindo da manifestação realizada às portas do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, com alegadas ofensas praticadas pelo diretor do hospital, C. M. N., às pessoas das manifestantes, ora autoras, a prova oral produzida é contundente em apontar as praticas dos atos considerados ofensivos. 4. Com efeito, o próprio diretor do hospital, C. M. N., como não poderia ser diferente, quando inquirido em Juízo (fls. 81/82), negou a autoria das ofensas e contato físico às pessoas das autoras”. Ficou provado no processo que durante a “manifestação promovida pelo sindicato dos trabalhadores ligados à área da saúde, e que reivindicavam melhores salários, e quando se encontravam na parte externa do hospital ali chegou o diretor C. M. N. e começou a gritar com os funcionários, afirmando que iria descontar as horas paralisadas, inclusive com a suspensão do pagamento do prêmio de incentivo, e foi quando o diretor arrancou o crachá de dentro das vestes da autora A.; que o diretor também chamou a autora D. de “negaloira”, ameaçando-a de suspender o pagamento de prêmio de

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incentivo que ela recebia”. Ficou provado que este Diretor do hospital “xingou a autora de “nega-loira”; ele ainda “tentou puxar o crachá da D., o qual estava pregado na camisa dela, e com esse gesto o diretor acabou provocando um risco próximo ao peito de D.”. O Juiz afirmou mais que “A prova produzida revela mais do que excessos verbais, com emprego de palavreado grosseiro, rústico e vulgar, sem sombra de dúvida, mas, afinal, incompatível com o fato de partir do médico diretor do hospital, habituado ao uso de linguagem culta, às regras de protocolo ou etiqueta”. Por isso o Juiz afirmou que:” A conduta do diretor do hospital ao tentar, com as próprias mãos, debelar o movimento paredista do qual participavam as autoras acabou caracterizando uma conduta abusiva, merecendo reparação”. O juiz sentenciando afirmou ainda que “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X, da Constituição Federal)” por isso, arremata: “O convívio em sociedade pressupõe alguns inconvenientes, que quando saem do comum podem causar danos às pessoas, danos estes que devem ser indenizados. É esse o caso deste feito. Nosso ordenamento jurídico prevê possibilidade de indenização por dano moral para aquelas hipóteses em que a conduta do agente atinge a psique e os atributos pessoais da vítima, causando-lhe dor. A indenização, assim, procura ressarcir essa dor suportada pela pessoa, muito embora seja o dano de difícil liquidação”. O Juiz entendeu que o diretor do hospital se exacerbou e por isso a Fazenda do Estado deverá indenizar cada uma das autoras no valor equivalente a dez salários mínimos vigentes à época do efetivo pagamento, acrescidos de juros de mora, à razão de 6% ao ano e com isso ele entende que:”A reparação do dano moral, além da compensação às lesadas, tem também como objetivo o desestímulo ao que causou a lesão, inibindo a repetição da conduta ilícita”. Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados Em se analisando os julgados acima, verifica-se que já existe, em nosso meio, um amadurecimento em relação ao tema do assédio moral. Isso nos leva a depreender que qualquer demanda dessa natureza deva estar bem fundamentada, para que não haja indeferimento do pedido e trivialização da matéria. O advogado, quando procurado para esse tipo de demanda, deve, pois, ser muito cuidadoso com relação às provas e testemunhas indicadas pelo cliente, além de identificar a competência jurisdicional. Deve também informar o cliente, com muita cautela, sobre a extensão e complexidade da ação, mencionando as possíveis conseqüências resultantes da demanda, preparar o cliente, já fragilizado, a respeito de que a ação pode ser demorada, e aconselhá-lo a procurar manter o necessário equilíbrio emocional. (7ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA / São Paulo)

3.3. Impessoalidade e imparcialidade no serviço público

“Os erros dos homens não provêm apenas da ignorância, mas principalmente da paixão. A paixão é a que erra, a paixão a que os engana, a paixão a que lhes perturba e troca as espécies para que vejam umas coisas por outras. Os olhos vêem pelo coração e, assim como o que vê por vidros de diversas cores, todas as coisas lhe parecem daquela cor; assim as vistas se tingem dos mesmos humores, de que estão, bem ou mal, afetos os corações.” Essas são palavras do Sermão da Quinta Quarta-Feira da Quaresma de 1669, do padre Antônio Vieira. Pascal, um século depois, repetiria o

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pensamento com exemplar concisão: “O coração tem razões que a própria razão desconhece.”

As apurações preliminares, sindicâncias e processos administrativos

devem ser considerados com muita cautela e vigilância, pois não há que olvidar que

as comissões de apuração preliminar no âmago do Estado são compostas por

membros de confiança da diretoria, que hierarquicamente está acima do suposto

assediador, muitas vezes tem conhecimento do fato mas é conivente com ele. Para

não haver pessoalidade na apuração da questão – uma vez que, no decorrer da

apuração, podem vir a lume diversas irregularidades e ilegalidades tão graves

quanto o assédio ou mais graves do que ele –, cabe discutir a impessoalidade e a

imparcialidade da administração pública no que se refere às apurações preliminares,

sindicâncias e processos administrativos.

No Estado de São Paulo a composição da comissão processante tem

como presidente um Procurador, e, por força do decreto paulista nº 54.050, de 20 de

fevereiro de 2009, passará a comissão a ser centralizada na Procuradoria do

Estado, no que supostamente haverá marcada imparcialidade em relação às

matérias lá processadas. Faz-se necessário, no entanto, que a Ordem dos

Advogados do Brasil, seção São Paulo, esteja atenta aos procedimentos, para que

não haja desrespeito à Constituição e à legislação. 19

Na esteira do raciocínio de Zago (2001), pode-se deduzir que a

administração pública, quando se trata de assédio moral, é impessoal, mas nos

parece conseguir ser eqüidistante do problema, ou seja, imparcial. Alia-se a isso,

consoante a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, a não-

obrigatoriedade de defesa técnica; se, no entanto, o advogado realizar a defesa

técnica, deverá atentar ao cumprimento de todas as normas, principalmente as

principiológicas, pois o não-cumprimento das normas do estado de direito colabora

para o estabelecimento e a manutenção do estado autoritário. Veja-se o Anexo I:

Súmula Vinculante nº 5 STF.

19

Decreto nº 54.050/2009.

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O trabalho de Zago (2001) é primoroso ao discutir sobre a impessoalidade

e a imparcialidade no serviço público. A autora menciona que:

A impessoalidade na atividade administrativa caracteriza-se, pois, pela valoração objetiva dos interesses públicos e privados envolvidos na relação jurídica a se formar, independentemente de qualquer interesse público. (grifo da autora) Não pode a administração agir por interesses políticos, interesses particulares, públicos ou privados e interesses de grupos. [§] [...] o princípio da impessoalidade é a proibição de trato subjetivo, é a determinação de objetividade, é o sentido do interesse público. Não depende necessariamente de valoração, como ocorre com o princípio da imparcialidade, que depende desta valoração para o alcance de uma ação de justiça e de equilíbrio.

A autora, agora buscando em Aurélio Buarque de Holanda a etimologia

da palavra imparcialidade, percebe que seu significado condiz com “aquele que julga

desapaixonadamente, reto, justo”, com eqüidistância e justiça. “[...] A imparcialidade

condiz com a atividade de avaliar, de sopesar, de equilibrar interesses diversos ou

antagônicos, buscando a melhor solução para o alcance do resultado justo.”.

Para retomar o problema do processo administrativo, devolvemos a

palavra à autora, que diz: “No processo administrativo disciplinar pode-se levantar o

impedimento ou suspeição dos membros da Comissão Processante, que também

têm o dever de fazê-lo e a faculdade de declarar-se suspeito ou impedido por

motivos íntimos.”. Desse modo, tanto a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 –

Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União –, como a Lei 8.989, de 29

de outubro de 1979, Estatuto dos Funcionários Civis do Estado de São Paulo,

aduzem sobre a matéria. Entende-se que, se se pode levantar impedimento ou

suspeição no processo administrativo, pode-se fazê-lo também na apuração

preliminar.

Nesse sentido, entendemos que tanto o funcionário que realizou

acusação de assédio como o suposto assediador devem receber acompanhamento

de advogado qualificado na área de apuração preliminar, sindicância, processo

administrativo e assédio moral, para que não haja problema de nulidade ou visível

parcialidade da comissão processante. Na Secretaria de Estado da Saúde,

elaborou-se Manual de Apuração Preliminar e as Penalidades, importante

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instrumento a observar no encadeamento procedimental da apuração preliminar.

(Manual de Apuração Preliminar e as Penalidades)

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4. ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO

“Enquanto você não parar de escalar, os degraus não cessarão de subir ao

mesmo tempo que seus passos avançam” Kafka, O processo

4.1. Assédio Moral no serviço público

Segundo Reis (2008),

O tema „servidor público‟ é pouco debatido em termos de estudos acadêmicos, sendo a sua literatura escassa e, [sic] raros são os trabalhos publicados sobre o tema tratando-o de uma maneira abrangente. Já a doutrina brasileira insere o tema, principalmente, no âmbito do direito administrativo, do direito constitucional e previdenciário perpassando, em determinados momentos, por outras disciplinas jurídicas. As maiores produções foram organizadas por estudiosos de linha conservadora, na sua ampla maioria, administradores/gestores, sem uma vivência cotidiana de servidor público voltado para a prestação de serviço público de qualidade à sociedade brasileira.

A pouca literatura e a falta de debate sobre o tema servidor público

dificultam o entendimento do problema pela liderança sindical e a gestora do setor

público, que se limitam a tratar as fricções diárias do ponto de vista prático, sem

visão geral e a longo prazo, deixando que as contradições se esvaziem ou se

acirrem nos vários níveis do serviço público e colaborando para que se estabeleça

permissividade relativamente a certas práticas como o assédio moral.

Novamente na esteira de Batalha (2009), “O desgaste psicológico

causado pelo assédio moral vem sendo estudado no mundo inteiro, sendo a Suécia,

a Alemanha, os Estados Unidos, a Itália e a Austrália países pioneiros nesse campo,

principalmente na área trabalhista, traduzindo uma verdadeira „guerra psicológica no

local de trabalho‟, caracterizada pelo „abuso de poder‟ e pela „manipulação

perversa‟.

Já segundo Fiorelli (2007),

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Nessa área, que congrega um imenso contingente de profissionais, um dos fatores essenciais no processo de assédio moral são as normas de movimentação de pessoal. Referimo-nos principalmente às Organizações Públicas, entidades que admitem seus colaboradores por meio de concurso que lhes dá o direito à estabilidade no emprego. [§] Nelas, conforme mencionado anteriormente, os critérios de indicação de cargos de maior autoridade (aqui denominados chefias), além do mérito profissional, incluem como importante variável a proximidade com os detentores de cargos eletivos, os quais privilegiam, para essas posições, elementos de sua confiança. Surgem, pois, descompassos entre os processos de admissão dos colaboradores e os procedimentos institucionalizados de nomeação das chefias, gerando naturais conflitos de interesses e personalidades, muitas vezes representados pela distância entre a busca do bem público por uns e a defesa de interesses político-partidários por outros. Observe-se que as chefias sabem-se transitórias, enquanto os colaboradores percebem-se „permanentes‟, o que dispensa maiores comentários. [§] Para agravar a situação, nas Organizações Públicas existe a figura do „empréstimo de pessoal‟, praticada ad nauseum em todos os níveis (municipal, estadual, federal) e Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário). Criada para dar conta de desesperadora necessidade de pessoal originária da combinação mórbida de orçamento reduzido e concursos inexistentes, originou vasta quantidade de pessoas que viram suas competências desaparecerem e, em significativa proporção, divorciaram-se dos objetivos de prestação de serviços que seriam sua razão de ser na atividade. Escoradas na legislação, elas e suas chefias aguardam que o tempo solucione a questão. [§] Chefias exemplares, empenhadas na melhoria da produtividade, valem-se dos mais exóticos mecanismos para forçar esses profissionais a requerer aposentadoria ou a transferir-se para outros organismos, empregando o conhecido jargão do serviço público, „com vaga e tudo‟. O drama encontra-se no „tudo‟. O assédio moral espia, sorrateiro, esse jogo de interesses. [§] No serviço público convivem chefias altamente dedicadas com outras que têm por objetivo um trampolim para novos saltos; empregados que abraçam a causa do contribuinte e outros que aguardam monotonamente o advento da aposentadoria redentora. Conhecemos chefias que lutam para promover mudanças, verdadeiros heróis, e aquelas que buscam perpetuar o status quo onde se sentem confortáveis. Empregados revoltados com a falta de produtividade e oportunidades profissionais e outros que se transformam em obstáculos, ancorados na ociosidade legalizada. [§] Esse caldo administrativo compõe um laboratório para desenvolver os mais inusitados vírus de assédio moral ascendente, descendente e horizontal e um campo fértil para os testes de inoculação, seja para que chefes ou colegas „livrem-se‟ de pessoas-obstáculos empenhadas na desmoralização dos serviços, seja para atuar em sentido inverso, neutralizando a autoridade daqueles que são riscos para a estabilidade mórbida de sistemas improdutivos. [§] Agregue-se a isso o despreparo de inúmeras chefias para a missão de comandar pessoas – há aquelas que se encastelam em suas posições e sentem-se proprietárias do tempo e da alma dos subordinados, ainda que atuem em feudos temporários e elas mesmas possam retornar para a condição de simples colaborador.

Consoante João (2006),

As relações de trabalho relativas aos servidores públicos apresentam algumas peculiaridades que favorecem a ocorrência de práticas de assédio

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moral. Dentre estas destacamos duas de maior importância: a) a estabilidade conferida pelo artigo 41 da Constituição Federal; b) a alternância de poder nas esferas da administração pública. (Grifos nossos.) [§] Estes aspectos com certeza devem justificar o elevado número de leis municipais sobre assédio moral aprovadas por todo o Brasil, como, por exemplo, nos municípios de: Americana, Cascavel, Campinas, Guarulhos, Iracemópolis, São Paulo e outros tantos projetos em andamento. [§] Tomando-se como exemplo a lei municipal 13.288, de 10 de janeiro de 2002, aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo, em geral as leis municipais estabelecem a aplicação de penalidades administrativas em caso da prática de assédio moral nas dependências do local de trabalho. [§] Na esfera Estadual, dois Estados tiveram suas leis aprovadas pela Assembléia Legislativa: São Paulo e Rio de Janeiro. Veja-se o Anexo II - Previsões administrativas do assédio moral nas relações de trabalho envolvendo o serviço público.

Relativamente à lei paulista, nº 12.250, de 9 de fevereiro de 2006, que

veda o assédio moral no âmbito da administração pública estadual direta, indireta e

fundações públicas, e que hoje tem vigência plena, o Governador do Estado interpôs

uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) – 3980 – STF 172398, 23.10.2007 –,

cuja liminar não foi concedida e cujo julgamento do mérito agora se aguarda. Muitos

procuram atribuir ao veto um caráter político, uma vez que se trata de iniciativa de

deputado da oposição ao governo; relativamente aos fundamentos constitucionais

do veto, não foram, entretanto, opostas quaisquer razões jurídicas suficientes para

afastá-los.20

Existem várias cartilhas, em diversos sites, sobre o problema do assédio

moral (ex.: http://www.assediomoral.org), algumas destinadas a servidores públicos,

sugerindo como devem portar-se a fim de que as demandas judiciais tenham êxito,

uma vez que muitas das ações ajuizadas são frustradas ou por equívoco de

configuração do problema, ou seja, por não se tratar de assédio moral, ou por falta

de provas, de testemunhas e do devido encaminhamento do processo.

Em site sobre assédio moral intitulado “O assédio moral na administração

pública”, Lopes (2009) defende que não haja diferenças significativas entre a ação

de assediadores no universo público e a situada no privado. Em virtude da natureza

20

A relação de trabalho nas Secretarias de Estado de São Paulo é tão marcadamente conflituosa, sem que haja perspectiva de melhora em curto prazo, que os atuais gestores temem receber grande número de reclamações, algumas vezes estendidas ao próprio Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público, dificultando a governabilidade.

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do serviço público, porém, o assédio é considerado mais grave, pelo fato de que na

administração pública existe não relação patronal direta, mas, sim, hierarquia que

deve ser respeitada.

Segue o autor dizendo que:

A relação patronal no serviço público reside no dever do [sic] agente público tratar com respeito, decoro e urbanidade todo e qualquer cidadão. Este é o verdadeiro „patrão‟, que custeia a remuneração do agente público por meio do pagamento de tributos. Na relação de trabalho, o agente público está sujeito ao princípio da hierarquia, constituída principalmente para estabelecer um grau de responsabilização e ordem, objetivando que o serviço público alcance seu objetivo maior, que é o bem comum.

A hierarquia no serviço público, segundo Hely Lopes Meirelles, citado por

Lopes (2009),

[...]é o princípio da administração pública que distribui as funções dos seus órgãos ordenando e revendo a atuação de seus agentes [,] e ainda estabelece a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal.”. Disso Lopes (2009) conclui que “o servidor somente tem a condição de subordinado em relação ao princípio orientador da hierarquia entre a instituição e a função, e não porque é agente de menor ou maior capacidade do que o funcionário numa função acima da sua. A distribuição dessa hierarquia é questão de organização da Administração Pública e também modo de operação dos atos e não uma divisão de castas de pessoas ou funções. Na administração Pública, o funcionário dos serviços gerais tem a mesma importância que um chefe de gabinete e, dentro de sua categoria, é igual hierarquicamente a outros. Suas funções são diferenciadas apenas por questões de organização, mas sua importância é a mesma dentro do quadro do funcionalismo. [§] [...] [§] Não se pode admitir um funcionário de grau hierárquico maior prejudicar toda uma administração, todo um bem elaborado sistema de controle de trabalho, simplesmente por querer humilhar seus subordinados. [§] Conclui-se que a hierarquia não significa superioridade de cargo ou pessoal, e sim de função dentro da organização estatal. [§] [...] [§] O gestor público tem o dever de zelar por um bom ambiente de trabalho, coibindo e punindo casos de assédio moral. Ele não pode compactuar com expedientes odiosos, devendo aplicar seu poder disciplinar sobre seus subordinados, para restabelecer a ordem no ambiente de trabalho”.

Freitas (2007), analisando as organizações como palcos de interpretações

e de ações de indivíduos e grupos, considera que um ambiente em que existe

competição exacerbada, onde tudo é justificado em nome da guerra para sobreviver,

gera permanente pretexto para que exceções sejam transformadas em regras

gerais, em que os chefes são seres intocáveis e inquestionáveis, torna o

comportamento decente e democrático uma falha ou uma debilidade em face da

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tirania dos intocáveis. (grifo nosso) Parece que, no serviço público, verifica-se essa

realidade apenas em parte pelo ethos intocável e inquestionável das chefias: no

Estado de São Paulo, por exemplo, chefias permanecem nas Secretarias durante

décadas, algumas com inclinação ideológica partidária; a longa permanência é

motivada muitas vezes por benefícios que, em função do tempo de permanência no

cargo, vão incorporando-se ao salário; muitas vezes o investido do cargo de chefia é

advindo de outro ente federativo com determinada incumbência ideológico-

partidária; outras vezes se trata da falta de Planos de Cargos, Carreiras e Salários

(PCCS), que lança o funcionário público em luta pelo poder administrativo e político

e pela manutenção em tal poder, gerando-se conflito e eventual abuso.

Nesse sentido, quando os conflitos geram o assédio moral, percebido

pelo servidor público, este deve resistir à pressão e recolher provas, entre outras

atitudes que Batalha (2009) consubstancia no que chama “dez conselhos úteis para

configurar e argüir com sucesso o assédio moral em face do servidor público” e aqui

serve de inspiração para o que chamamos “onze conselhos úteis para configurar e

argüir com êxito o assédio moral sobre o servidor público”. Veja-se o Anexo IV -

“Onze” conselhos úteis para configurar e argüir com sucesso o assédio moral em

face do servidor público.

4.1.1. Assédio Moral na área da saúde pública

“Tudo o que é necessário para o triunfo do mal

É que os homens nada façam”

Edmundo Burke

Em nosso meio, o assédio moral, muito embora seja cediço problema de

saúde pública, pouco tem sido objeto de estudo. É pertinente, pois, que aqui

estudemos o assunto, haja vista a preocupação internacional com o tema focado no

setor da saúde pública. Segundo relato de Thome (2008),

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Em 2002, um programa conjunto do Bureau International du Travail (BIT), do Conselho Internacional das Enfermeiras – Conseil International des Infirmières (CII), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Internacional de Serviços Públicos (ISP) adotou as „Diretivas gerais sobre violência no trabalho no setor de saúde‟. [§] Posteriormente, o conjunto de diretivas práticas sobre a violência no trabalho no setor de serviços foi adotado e o Conselho de Administração, na 288ª sessão, autorizou o Diretor-Geral a publicar tal documento com o nome de Repertório de diretivas práticas da OIT sobre a violência no trabalho no setor de serviços e meios de combater o fenômeno (Recueil de directives pratiques de l’OIT sur la violence au travail dans le secteur des services et moyens de combattre le phénomène). Esse instrumento tem como escopo a redução ou eliminação da violência no trabalho no setor de serviços. [§] Quando da realização de tal instrumento, a comissão de peritos empregadores afirmou que era difícil definir se o estresse estava relacionado ao trabalho ou à vida privada do empregado. Os peritos trabalhadores não concordavam com tal assertiva, uma vez que tinham a intenção de incluir o estresse em tal documento. A alegação era de que os precedentes jurídicos já haviam estabelecido uma relação de causalidade entre uma carga de trabalho excessiva e o estresse. Depois de longas discussões, foi decidido que o estresse não seria incluído no preâmbulo do documento mencionado, perdendo-se uma oportunidade para normatizar, no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, os efeitos psicológicos de condições perniciosas de trabalho.

Freitas (2007) realiza interessante análise do problema do assédio moral

ao considerar que:

[...] pressupomos que o assédio ocorre não porque os dirigentes queiram que ocorra, mas porque eles não dizem que não querem que ele ocorra. Na vida organizacional fazemos muitas interpretações e leituras da realidade, do que é possível, do que é certo, do que é desejável, do que é necessário. Os limites dessas interpretações são geralmente estipulados ou guiados pelas regras, pelas normas, pelos regulamentos e também pelas nossas consciências; a ausência de limites nos sugere que a fronteira é subjetiva e flexível ou que podemos empurrá-la um pouquinho para lá se isto for conveniente ao nosso objetivo ou ainda que o único julgamento de nossa ação é o resultado prático atingido.

A autora acredita que não existe organização perfeita, que:

[...] É da natureza das organizações a busca de um comportamento controlado de pessoas e de grupos, e algumas condições internas, próprias da definição e do controle da organização do trabalho, favorecem ou dificultam interações mais saudáveis e produtivas. (grifo nosso) Acreditamos que o assédio moral ocorre porque ele encontra um terreno fértil e que tende a se cristalizar como uma prática porque os seus autores não encontram maiores resistências organizacionais nem nas regras, nem na autoridade, nem na filosofia, ou seja, uma instância que impeça e puna essas ocorrências perversas. [§] ...] Terceirizações podem gerar conflitos entre os funcionários efetivos e os prestadores de serviços, criando um

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ambiente de primeira e segunda classes para algumas categorias, o que estimula humilhações e exclusões [...]”.

Verifica-se que, embora possam ser observadas na área de saúde do

serviço público paulista, várias características do assédio moral assumem formas

peculiares e dimensionam-se em graus diferentes de um local para outro. Ao mesmo

tempo, há perceptível recorrência na prática desse ato ilícito, dando-se a sensação

de falta de criatividade dos assediadores, pois se repete o modus operandi nos

locais de mesma coordenadoria, como se um diretor ou chefe de setor o partilhasse

com outro, ou como se o próprio ambiente propiciasse o exercício de determinado

tipo de assédio moral. Repete-se porque há pouca reclamação, haja vista ao fato de

que poucos dirigentes têm sido apenados exemplarmente por assédio moral tanto

individual como coletivo; então, a fórmula parece que está certa, o que daria margem

a configurar maneira de apurar a prática, verificando-se os traços gerais nela

recorrentes. Atualmente o trabalhador deve estar alerta: os dirigentes assediadores

ou dirigentes que deveriam tomar medidas contra o funcionário assediador muitas

vezes não permitem que o assediado esteja acompanhado durante conversas com a

chefia; ao contrário, impõem, perversamente, a presença de funcionário de sua

confiança, para eventualmente testemunhar contra o funcionário, ou seja, a chefia se

protege, e o funcionário fica à mercê dessa conduta perversa da chefia. É por isso

que o assediado deve buscar a ajuda de um advogado, do sindicato etc., para que

seja orientado e não se comporte de modo a dificultar a sua defesa.

Vários órgãos de classe e sindicatos da área da saúde ainda estão pouco

atentos para o problema do assédio moral nas áreas pública e privada; não

obstante, o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, em ação de

vanguarda, em 2005, publicou matéria sobre o tema, e houve resposta rápida de

alguns colegas identificando-se com o conteúdo da matéria. O processo de resposta

ao problema do assédio está, no entanto, ainda aquém do necessário; caminha-se

no sentido correto, mas a velocidade é lenta. Entendemos que é um tema a ser

discutido no Fórum dos Conselhos de Fiscalização de Atividade Fim da Saúde do

Estado de São Paulo, envolvidos todos os profissionais de nível superior da área da

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saúde, ensejo para capitanear o debate com os demais funcionários da área e seus

órgãos representativos. 21

No caso do assédio moral especialmente exercido sobre o farmacêutico

que atua na área pública, assim como sobre outros profissionais que também

trabalham em área da saúde susceptível à pressão externa ao órgão público, o

assédio moral pode levar o profissional a certa permissividade ética à qual ele não

teria tolerância em condições de ausência do assédio: por medo de perder o

emprego, pelo desejo de eliminar o mal-estar gerado pelo assédio, o profissional

realiza práticas que normalmente não realizaria e, ao invés de trabalhar como

guardião das normas sanitárias e éticas, sujeita-se a se omitir de desempenhar

plenamente sua função. Produto dessa preocupação, publicou-se, na Revista do

Farmacêutico, matéria sobre a necessidade de iniciar processo de discussão sobre a

defesa das prerrogativas desse profissional. 22

Outros profissionais também relatam que o assédio moral faz parte de seu

cotidiano no trabalho. Uma publicação sobre a violência ocupacional em serviço de

urgência hospitalar da Cidade de Londrina demonstra que 16,7% dos médicos e

30% dos trabalhadores de enfermagem relataram assédio moral, dados

preocupantes, muito embora a amostra tenha sido de 12 e 7 profissionais

respectivamente. Técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem relataram ter

sido vítimas também de violência no trabalho. Veiculados por Cezar (2006), tais

dados informam ainda que essas violências desencadeiam e perpetuam “violências

menores”: negligências, imperícias, atendimento fragmentado, baixa auto-estima,

entre outras. O objeto de estudo do referido trabalho acadêmico centra-se na

violência ocupacional, apontando o assédio moral praticado no trabalho como

espécie pertencente ao gênero violência ocupacional. O autor menciona que “O

expressivo número de trabalhadores do setor de saúde que são atingidos pela

violência em diversos países chamou a atenção da Organização Internacional do

Trabalho (OIT) e de outras instituições que estabeleceram diretrizes para combater o

medo, a humilhação, as agressões e os homicídios nos locais de trabalho.”. Assim, o

profissional da área da saúde pode estar sujeito tanto à violência interna, praticada,

21

Conselho Regional de Farmácia, 2005 . 22

Idem, 2006.

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a título de exemplos, por meio do assédio moral e da competição entre colegas,

como à violência externa, a dos pacientes e parentes ou amigos dos pacientes que

exercem agressões verbais e físicas.

A ausência de convenções coletivas ou de acordos coletivos de trabalho,

a ausência de uma Justiça do Trabalho que possa dirimir os conflitos e a ausência

de outros mecanismos efetivos de mediação e arbitragem explicam também a

recorrência do conflito no serviço público da área da saúde. Quem deveria exercer

esse papel é o poder legislativo, desde que agisse politicamente independente e

afinado com os eleitores. Algumas iniciativas, contudo, têm sido realizadas pela

Assembléia Legislativa. Por exemplo, interpôs-se requerimento de informação, o de

nº 24 de 2007, por meio do qual o Deputado Carlos Neder auferiu informações a

respeito de denúncia de abuso de poder e assédio moral realizado por funcionário

do Gabinete da Secretaria de Estado da Saúde; não se conseguiu, no entanto, saber

sobre o andamento do problema. A denúncia em tela foi realizada por funcionário

que não quis identificar-se, por medo de represálias. 23

23

Requerimento Carlos Neder – ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Determinados órgãos da administração pública são verdadeiros feudos,

onde a diretoria técnica e administrativa tem poder incontrastável, que filtra e

manipula as informações, uma vez que o pessoal da administração, que está acima

da diretoria, muitas vezes não tem conhecimento do que ocorre na repartição ou

setor, por falta de diálogo com os funcionários. A isso acresce que a falta de

solidariedade no serviço público faz que haja proliferação do assédio moral tanto

individual quanto coletivo.

O sistema de avaliação de prêmio-incentivo utilizado na Secretaria de

Estado da Saúde, além de ser instrumento pouco adequado para bem avaliar o

funcionário, é exemplo de elemento que pode ser usado como fator de ameaça ao

trabalhador e muitas vezes é acionado como ferramenta configuradora do assédio

moral. Ardis que tais podem não ser percebidos pelo assediado, principalmente

porque o assediador muitas vezes apresenta discurso aparentemente inofensivo,

amigável, dissonante com a prática do assédio.

A essa possível sutileza do modo de realizar o assédio moral se

contrapõe a prática grosseira, que é o que ocorre na maioria das vezes, fazendo jus

ao nome mobbing, derivado de mob, que significa “horda”, “bando” ou “plebe”,

indício de pejoratividade. Os mecanismos de combate são, no entanto, pouco

efetivos e há descrença na punibilidade dos assediadores, associada ao medo de

perseguição mais violenta, de modo que muitos dos processos administrativos,

sindicâncias e apurações preliminares permanecem exclusivamente em sede

administrativa – os assim chamados processos internos, processos endógenos –,

não chegando à apreciação do judiciário, fato recorrente e perigoso, uma vez que

sói não haver resultado efetivo, dando-se margem, ironicamente, a que o assediador

possa ser transferido ou até mesmo promovido, como fator amenizador do problema.

Ademais, a falta de discussão e a falta de programas de atuação entre os sindicatos,

os conselhos de saúde, os conselhos de fiscalização de classes e as associações

de funcionários públicos propiciam o assédio moral.

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Associações e sindicatos de trabalhadores do serviço público, que

guardam privilégios para os dirigentes, parecem compostos por “castas intocáveis”,

desde que estas cumpram determinados acordos, entre vários, que podem incluir a

desconsideração da gravidade de determinados problemas.

A falta de mudança política no governo em todos os níveis também

propicia a existência de uma “casta” de pessoas que vão perpetuando-se,

alternando-se nas respectivas funções sem a devida competência, perfil ou

capacitação. Observam-se hoje na área da saúde pessoas no comando há cerca de

quinze anos, pois há um natural desgaste político e administrativo, necessitando-se

de uma alternância de poder.

Quanto ao agressor, sua ação raramente é percebida ou combatida pelos

outros funcionários, muitas vezes permanecendo impune, porque os instrumentos

legais postos à disposição da vítima ainda não estão bem sedimentados: em

princípio, protegem-na somente nos casos em que se têm evidências concretas o

mais possível. A dificuldade está, pois, exatamente no fato de que no mais das

vezes o que se tem são elementos de prova pouco consistentes para configurar o

assédio.

De qualquer modo, não basta haver somente legislação que proteja o

servidor público; é necessário que haja órgãos ativos que o protejam. Tanto a

Delegacia Regional do Trabalho – Núcleo de Promoção de Igualdade e de Combate

à Discriminação –, quanto a Secretaria de Estado da Saúde – que deveria conter

uma área no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador que acolhesse as

reclamações sobre o assédio moral – são muito incipientes, e os dirigentes de

sindicatos e conselhos de fiscalização profissional devem estar sensibilizados

quanto à extensão do problema, dispor de preparo, pessoal capacitado e local

adequado para o acolhimento e encaminhamento das reclamações nas instâncias

jurídica, policial, administrativa e até psicológica, entendemos que a ouvidoria não é

instância legítima para averiguação do assédio moral. Antes disso, como

contraponto da fragilidade da assistência ao assediado, existem mesmo certos

modos de proteção contra o assédio moral no serviço público: são as relações

interpessoais de amizade, de namoro, de casamento e de nepotismo, as relações

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associativas de sindicato, de conselhos de fiscalização de classes, de partido

político, e as relações de apadrinhamento político. Por meio delas o servidor se

sente protegido, ou relativamente protegido, muito embora haja casos em que

qualquer um daqueles tipos de relações tenha funcionado de maneira contrária,

quando do desfazimento da relação.

Na outra ponta do problema, a possibilidade de indenização pecuniária

deve ser considerada quando se verifica que a organização falhou na obrigação de

implementar meios eficazes de denúncia, apuração e recomposição da auto-estima,

das condições adequadas de trabalho e do pleno desenvolvimento profissional do

trabalhador. Nesse sentido, o papel do judiciário é de fundamental importância na

apreciação do caso concreto, não só para punir, mas também para estabelecer uma

linha de apreciação do que não se deve permitir na sociedade, indicando-se o valor

que se deve dar a determinado fato.

Ponderado o problema, ora propomos um conjunto de sugestões. No

âmbito interpessoal, deve-se, antes de tudo, fomentar o debate sobre o assédio

moral em vários fóruns; para isso, devem existir espaços para discussão e

orientação dos trabalhadores, conscientizando-se os funcionários e as chefias sobre

o problema, cultivando-se os valores éticos da organização, que devem ser

expressos em regulamentos nas repartições, códigos de ética elaborados e

discutidos com os próprios funcionários, e expondo-se o conteúdo das leis sobre

assédio moral em locais de fácil acesso visual. É importante, então, que se procure

despertar a solidariedade entre os trabalhadores, para enfrentar esse e outros

problemas nas repartições, incrementando as comissões de saúde do trabalhador

(Consat e Cipa), que devem atentar ao problema do assédio moral, seja ele vertical

(descendente ou ascendente), horizontal ou misto. No âmbito legal, deve-se

demandar mais direta e intensamente o Ministério do Trabalho e Emprego e o

Ministério Público do Trabalho, que atuam de maneira ainda muito tímida em relação

ao tema.

A prática do assédio moral deve ser séria e exaustivamente investigada e

exemplarmente combatida, com punição. O agressor, entretanto, além de receber as

penas previstas na legislação, deve ser psicologicamente amparado, para se ajustar

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à sua atividade ou para integrar-se a outra; deve haver acompanhamento da

direção, para que não venha a repetir-se a conduta do assédio moral. Não se trata,

pois, de proposição maniqueísta, santificação do assediado e demonização do

assediador; trata-se, sim, de tentativa de ponderar o problema, buscando-se

estabelecer boas condições laborais e saudáveis relações interpessoais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ASSÉDIO MORAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Disponível em: <http://protogenescontraacorrupcao.ning.com/profiles/blogs/o-assedio-moral-na> Acesso em: 28/07/2009. ASSÉDIO MORAL: JÁ ACONTECEU COM VOCÊ? Disponível em: <http://paginas.terra.com.br/educacao/clementino/assediomoral.htm> Acesso em: 31/1/2008. BAETA, Z.. TRTs condenam por assédio moral. Valor econômico, 27/06/2005, Legislação, p.E1. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/23880/1/noticia.htm> Acesso em: 22/09/2009. BERNARDES, A.; GARCIA, R. Provar é difícil, diz advogado. Jornal do Brasil, 07/08/2005,Brasília, p.D4. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/7531/1/complemento_2.htm> Acesso em: 22/09/2009. BERNARDES, A.; GARCIA, R. Assédio moral chega, enfim, à justiça. Jornal do Brasil, 07/08/2005, Brasília, p.D4. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/7531/3/complemento_2.htm> Acesso em: 22/09/2009. BERNARDES, A.; GARCIA, R. Empresas processadas evitam até mencionar as acusações. Jornal do Brasil, 07/08/2005, Brasília, p.D4. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/7531/4/complemento_2.htm> Acesso em: 22/09/2009. BERNARDES, A.; GARCIA, R. Pressionado, vendedor recorre à Promotoria e ganha indenização. Jornal do Brasil, 07/08/2005, Brasília, p.D4. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/7531/2/complemento_2.htm> Acesso em: 22/09/2009. BRASIL, Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995. Proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências. CANÇADO, P.; NEVES, M. L.. Quando o chefe vira réu. Revista Época. São Paulo, 27 set. 2004.p.8-11. Nov/Dez. 2004. CORRÊA, A. M. H.; CARRIERI, A. P. O assédio moral degradando as relações de trabalho: um estudo de caso no Poder Judiciário. RAP 38(b): 1065-84, FOLHA DE SÃO PAULO. Vilas Boas, Sérgio. Perseguição no trabalho é assédio moral.

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ANEXOS

Anexo I: Súmula Vinculante nº 5 STF

Redação da nova súmula vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal

“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não

ofende a Constituição”

Com a aprovação, da sua 5ª Súmula Vinculante, o Supremo Tribunal Federal (STF)

pacificou o entendimento do poder Judiciário em um tema que envolve mais de 25

mil processos em [...].

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Anexo II- Previsões administrativas do assédio moral nas relações de trabalho envolvendo o serviço público.

Lei/Projeto de lei/

Decreto

Ente da federação Data Origem

Lei 13.288 São Paulo 11.01.2002 Dispõe sobre a aplicação de penalidades à

prática de “assédio moral” nas

dependências da Administração Pública

Municipal Direta e Indireta por servidores

públicos municipais

Lei 1.163

Decreto

Regulamentador

1.134/2001

Iracemópolis/SP 24.4.2000

Proj. lei Federal

4.591

União (servidores

federais)

2001

Proj. Lei Federal

5.972

2001

Lei 12.250 Estado de São

Paulo

09/01/2006 Veda o assédio moral no âmbito da

administração pública estadual direta,

indireta e fundações públicas.

Lei 8.122

(funcionário

público federal)

1990

Lei Estadual 3921 Estado do Rio de

Janeiro

23.8.2002 Veda o assédio moral no âmbito dos

órgãos, repartições ou entidades da

administração, autarquias, fundações,

empresas públicas e sociedade de

economia mista, do poder legislativo,

executivo ou do poder judiciário do Estado

do Rio de Janeiro, inclusive

concessionárias e permissionárias de

serviços estaduais de utilidade ou de

interesse público, e dá outras providências.

Decreto 1.171 Código Ética

Profissional do

Servidor público

Civil do Poder

Executivo Federal

22.6.94

Lei 3.671/ âmbito

municipal

Americana 7.6.2002 Dispõe sobre aplicação de penalidades à

prática de “assédio moral” nas

dependências da Adm. Públ. Mun. direta e

indireta por servidores públicos

municipais.

Lei 3508.42/âmbito

municipal

Guarulhos Dispõe sobre a aplicação de penalidades à

prática de “assédio moral” nas

dependências da administração pública

municipal direta e indireta por servidores

públicos municipais.

Lei 11.409/âmbito

municipal

Campinas 4.11.2002 Veda o assédio moral no âmbito da

administração pública municipal direta e

indireta nas autarquias e fundações

públicas.

Projeto Lei Federal 2001

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5970

Lei 8.213 1991 Equipara ao acidente de trabalho as

doenças profissionais e as doenças do

trabalho

Projeto de lei 4.591 Servidor Federal

Lei 2.982 Jaboticabal/SP 17/12/2001 Dispõe sobre a aplicação de penalidades à

prática de assédio moral nas dependências

da Administração Pública Municipal

Direta, Indireta, Autárquica e Fundacional,

por servidores ou funcionários públicos

municipais efetivos ou nomeados para

cargos de confiança.

Lei 1078 Sidrolandia/MS 05/11/2001 Dispõe sobre a aplicação de penalidades à

prática de assédio moral no âmbito da

administração municipal e dá outras

providências.

Lei 1.163

Decreto

Regulamentador

1.134/2001

Iracemópolis/SP 24.4.2000

Proj. lei Federal

4.591

União (servidores

federais)

2001

Proj. Lei Federal

5.972

2001

Lei nº12.250 Estado de São

Paulo

09 de

fevereiro de

2006

Veda o assédio moral no âmbito da

administração pública estadual direta,

indireta e fundações públicas.

Lei 8.122

(funcionário

público federal)

1990

Lei nº 3.921, Rio de Janeiro 23 de agosto

de 2002

Veda o assédio moral no trabalho, no

âmbito dos órgãos, repartições ou

entidades da administração centralizada,

autarquias, fundações, empresas públicas e

sociedades de economia mista, do poder

legislativo, executivo ou judiciário do

Estado do Rio de Janeiro, inclusive

concessionárias e permissionárias de

serviços estaduais de utilidade ou interesse

público, e dá outras providências.

Lei Complementar

nº 12.561

Rio Grande do Sul 12 de julho

de 2006

Dispõe sobre assédio moral na

administração estadual do Rio Grande do

Sul.

Lei complementar

nº 4

Mato Grosso 15 de

outubro de

1990

Acrescenta dispositivo à Lei

Complementar nº 04, de 15 de outubro de

1990. A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

DO ESTADO DE MATO GROSSO,

tendo em vista o que dispõe o Art. 45 da

Constituição Estadual, aprova e o

Governador do Estado sanciona a seguinte

lei complementar:

Art. 1º Fica acrescido o inciso XIX ao

Art. 144, da Lei Complementar nº 04, de

15 de outubro de 1990, com a seguinte

redação: "XIX - assediar sexualmente ou

moralmente outro servidor público."

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Projeto de Lei nº

12.819

Bahia 2002 Dispõe sobre o assédio moral no âmbito da

administração pública estadual direta,

indireta, fundacional e autárquica e dá

outras providências.

Projeto de Lei Ceará 2003 Dispõe sobre assédio moral no âmbito da

administração pública do Ceará.

Projeto de Lei nº

128

Espírito Santo 2002 Veda o assédio moral no âmbito da

administração pública estadual, direta,

indireta e fundacional, e dá outras

providências

Projeto de Lei Pernambuco s/d Visa vedar a prática de assédio moral no

âmbito da administração pública estadual

Lei 13036 São Paulo 29 de maio

de 2008

Artigo 1º - Fica instituído o "Dia Estadual

de Luta Contra o Assédio Moral nas

Relações de Trabalho", a ser comemorado,

anualmente, no dia 2 de maio

Projeto de lei nº

4.326

Federal 2004 Dispõe sobre a criação do Dia Nacional de

Luta contra o Assédio Moral e outras

providências

Lei 11.948 Federal 16 de junho

de 2009

Constitui fonte adicional de recursos para

ampliação de limites operacionais do

Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social - BNDES e dá outras

providências. Conversão da Medida

Provisória nº 453, de 2008

Projeto de lei Federal Introduz artigo 146-A, no Código Penal

Brasileiro - Decreto-lei nº 2848, de 7 de

dezembro de 1940 - , dispondo sobre o

crime de assédio moral no trabalho.

Projeto de lei Federal Reforma do Código Penal, sobre coação

moral. Altera dispositivos do Decreto-Lei

nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -

Código Penal.

Projeto de reforma

da Lei 8112, sobre

assédio moral

Federal Dispõe sobre a aplicação de penalidades à

prática de "assédio moral" por parte de

servidores públicos da União, das

autarquias e das fundações públicas

federais a seus subordinados, alterando a

Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990

Projeto de lei Federal Projeto de reforma da Lei nº 8.666, sobre

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coação moral Altera dispositivos da Lei nº

8.666, de 21 de junho de 1993, que

"regulamenta o art. 37, inciso XXI, da

Constituição Federal, institui normas para

licitações e contratos da Administração

Pública e dá outras providências", e

institui o Cadastro Nacional de Proteção

contra a coação moral no emprego..

Projeto de lei 5.970 2001 Sobre coação moral

Altera dispositivos do Decreto-Lei nº

5.452, de 1º de maio de 1943 -

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

Projeto de lei nº

2.369

Federal 2003 Dispõe sobre assédio moral nas relações

de trabalho

Estados e municípios tais como: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Americana, Amparo/SP, Campinas/SP, Cruzeiro/SP, Sidrolândia/MS, Guararema/SP, Guaratinguetá/SP,Guarulhos/SP (, Iracemópolis/SP, Jaboticabal,/SP,, São José dos Campos/SP, São Paulo/SP, Ribeirão Pires/SP, Cascavel/PR, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS, Reserva do Iguacú/RS, Natal/RN, São Gabriel do Oeste/MS, e Vitória/ES.(MASCARO, 2004); (site www.assediomoral.org)

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Anexo III- Quadro comparativo entre Assédio em geral e assédio moral.

Assédio em geral Assédio moral Tem um grande componente físico,

e.g., contatos e toques em todas as

formas, intrusões no campo pessoal e

possessões, etc.

Predominantemente psicológico (e.g.,

críticas), pode se tornar físico mais

tarde, especialmente com agressores,

mas quase nunca com agressoras.

Tende a focalizar nos indivíduos,

pelo que eles são(e.g., mulheres,

negros, deficientes, etc.)

Qualquer pessoa pode ser vítima,

especialmente se ela for competente,

famosa e vulnerável (e.g., viver

sozinha, ter compromissos

financeiros sérios, estar se separando

do cônjuge, ter mais de 50 anos, ter

alto salário)

Está normalmente ligado a raça,

sexo, discriminação, etc.

Sexo e raça não influenciam, ou

muito pouco. Trata-se de uma

discriminação que é baseada na

competência.

Pode consistir em um único

incidente, em poucos incidentes ou

em muitos incidentes

Raramente é um único incidente e

tende a ser uma acumulação de

muitos pequenos incidentes

A vítima sabe imediatamente que

está sendo assediada

A vítima pode não perceber que está

sendo assediada por semanas ou

meses – até que ela tem um insight

Todo mundo pode reconhecer um

assédio, especialmente se há uma

agressão, indecente ou sexual

Poucas pessoas podem reconhecer

um assédio moral

Revela-se freqüentemente através do

uso de vocabulário ofensivo

Revela-se por meio de críticas

triviais, falsas alegações de

incompetência ou até mesmo por

falsos elogios; palavras ofensivas

raramente aparecem, ainda que

possam ser utilizadas na privacidade

Quase sempre há um elemento de

possessão

A fase do assédio moral é o controle

e a submissão; quando isso falha, a

segunda fase é a eliminação do alvo

Quase sempre tem um foco bem claro

(e.g., sexo e raça)

O foco é na competência ou nas

posses (inveja) e na popularidade

(ciúme, medo de ser excluído do

grupo)

Geralmente é feito com a finalidade

de obter aprovação pública, imagem

do “machão”.e.g.,

Tende a ser secreto, a portas fechadas

e sem testemunhas

Acontece tanto no trabalho quanto

fora dele

Na maioria das vezes, acontece no

trabalho

O alvo é percebido como algo fácil

ou então como um desafio

O alvo é percebido como uma

ameaça, que precisa primeiro ser

controlada e subjugada; se isso não

funciona, precisa ser eliminada

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Geralmente é dominação para que

seja manifestada a superioridade do

agressor

O objetivo é o controle do assediado,

porque ele constitui uma ameaça

O agressor não tem autodisciplina O agressor é um invejoso (das

habilidades ou das posses) ou

ciumento (das relações pessoais),

agindo com grande autodisciplina

O agressor geralmente tem

incompetências específicas (e.g.,

sexual)

O agressor é deficiente na área de

qualidades interpessoais

Fonte: UK National Workplace Bullyng Advice Line citado por Schmidt-2001.

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Anexo IV - “Onze conselhos úteis para configurar e argüir com êxito o assédio moral sobre o servidor público” [adaptado de Batalha (2009)].

Aqui se delineia uma linha de conduta para argüir o mobbing consubstanciado na paciência, no destemor, no arregimentar de testemunhas, no recolhimento de provas documentais, no registrar diário das ocorrências, no atestar dos danos à saúde, no contabilizar dos gastos médicos, e na busca da tutela jurisdicional, na denúncia ao Ministério do Trabalho e na denúncia ao ministério da Saúde, tudo explicitado, a seguir: 1º Conselho: Paciência. É imprescindível a paciência na caracterização do dano, pois, o tempo correrá a seu favor em forma de lucros cessantes, danos emergentes, juros, correção e mora. O temor de represálias e da demissão, neste contexto, também deve ser evitado, pois, assim, só se facilitará o caminho para o assediador, e este só irá libertar o assediador do problema, para isso, é preciso que o assediado lance mão de suas licenças de saúde, prêmio, capacitação, férias, para buscar a tutela jurisdicional com tranqüilidade. 2º Conselho: Resista. É preciso, pois, as ações contra assediados custam à Administração Pública, em geral, cerca de 190% da remuneração anual bruta de um funcionário, custos consubstanciados no tempo empregado pelo assediador para arquitetar novas formas de oprimir ou perseguir; os dias de trabalho perdidos em razão da licença por causa da Agressão de Estado as custas decorrentes de tratamentos de funcionários doentes em razão do assédio moral no serviço público: perda de funcionários competentes e produtivos; a substituição do funcionário dispensado tem custos para a Administração, em termos de Know how, os ressarcimentos por causas civis aos funcionários assediados. 3º Conselho: Documente-o. Na configuração do assédio moral, é imprescindível documentá-lo, para isso, mister se faz, que, o funcionário recolha documentação sobre as ações sofridas; elas se consubstanciam em ações por infrações penais e administrativas, tas como: abuso de poder (atacável por Mandado de Segurança); vias de fato, ameaças (crime de ameaça), difamação e calúnia (crimes contra a honra) e lesão corporal. Em relação aos ilícitos administrativos, danos ao patrimônio e falsificação.

4º Conselho: Arregimente testemunhas. Torna-se necessário que se documente as ações assediantes contra o assediado. Assim, não se pode prescindir do testemunho de colegas. É imprescindível, para isso, arregimentar aliados o que não é fácil, pois, os colegas se afastam pra que a Agressão de Estado dirigida À vítima não os afete. SE contar que, no assédio moral transversal ou horizontal são os próprios colegas os assediadores.

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5º Conselho: Organize um diário. Uma ótima sugestão para a documentação é ter um diário de cada ação “mobizante”, pela qual se indique data, hora, autor, descrição da ação assediante, pessoas presentes. Faça uma relação dos distúrbios físicos e psíquicos todos documentados e atestados dos danos que o assédio venha causando à vitima, bem como os prejuízos pecuniários, resultantes dos mesmo, tudo devidamente comprovado. Isso poderá ajudar a identificar os danos causados e a configurar o assédio com vistas à indenização. 6º Conselho: Protocole-o. Outra maneira de configurá-lo é protocolá-lo, encaminhando ao órgão competente, em questionamento escrito. Muitas vezes não virá resposta, mas isso pode ser suficiente para provar uma ação “mobizante”. A denúncia do mobbing é necessária para evitar que o fenômeno se propague, para isso deve-se escrever a história pessoal de assédio moral sendo claro e conciso, fazendo uso de jornais, rádios, associações de classe denunciando fatos reais e documentados. 7º conselho: Reúna provas. Outro direito que assiste aos “mobizados” é obter cópias de documentação que existem nos assentamentos individuai os, trata-se de direito amparado pelo habeas data. 8º Conselho: Denuncie na Delegacia Regional do Trabalho. Aos servidores Celetistas e funcionários do serviço público é possível denunciar o assedio moral no Núcleo de Discriminação do Trabalho na Delegacia Regional do Trabalho. Em São Paulo o endereço é: Rua: Martins Fontes, 109, 8º andar - Núcleo de Discriminação do Trabalho. Setor de Assédio Moral Esse comando vem da art. 2º, II, VI, da Portaria 604, de 1 de junho de 2000, do Ministério do Trabalho e do Emprego, que institui os Núcleos de Promoção e Igualdade e Oportunidades e de Combate à Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão. 9º Conselho: Denuncie o assédio moral junto ao Ministério da Saúde. Denuncie o assédio moral junto às Coordenadorias Estaduais de Saúde do Trabalhador. Pois, este, se tornou um caso de saúde pública. Em São Paulo o endereço é: Centro de Referência de Saúde do Trabalhador: Rua Martins Fontes, 109, Centro 10º Conselho: Busque as vias legais. Por fim, há que se buscar as vias legais: neste caso o tempo conta a seu favor. Na escolha entre procedimento penal, civil ou federal para requerer

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indenização por dano biológico é preferível o procedimento cível para a reparação do dano biológico, dano patrimonial, moral e lucros cessantes. No caso federal, de reintegração, indenização por danos, re-enquadramento, lucros cessantes, danos morais e materiais. Neste último caso, se poderá também documentar o dano ao Erário público por aquele que o prejudicou pela agressão de Estado. 11º Conselho: Paciência dupla. Depois de começado a jornada, os órgãos públicos muitas vezes são difíceis de serem encontrados, é importante que uma terceira pessoa, preferencialmente seu advogado faça esta busca, pois o assediado na maioria das vezes está fragilizado e tem dificuldades de entender o emaranhado de órgãos públicos e pode se estressar com isso.

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Anexo V- Abuso de autoridade.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Centro de Documentação e Informação

LEI Nº 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965

Regula o Direito de Representação e o Processo de

Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos

casos de abuso de autoridade.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA,

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal,

contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente Lei.

Art. 2º O direito de representação será exercido por meio de petição:

a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar à autoridade civil ou

militar culpada, a respectiva sanção;

b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime

contra a autoridade culpada.

Parágrafo único. A representação será feita em duas vias e conterá a exposição do fato constitutivo

do abuso de autoridade, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e o rol de testemunhas, no

máximo de três, se as houver.

Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

a) à liberdade de locomoção;

b) à inviolabilidade do domicílio;

c) ao sigilo da correspondência;

d) à liberdade de consciência e de crença;

e) ao livre exercício do culto religioso;

f) à liberdade de associação;

g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;

h) ao direito de reunião;

i) à incolumidade física do indivíduo.

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Alínea acrescida pela Lei

nº 6.657, de 5/6/1979)

Art. 4º Constitui também Abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou

com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em

lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer

pessoa;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou

qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto ao seu

valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de

carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

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h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com

abuso ou desvio de poder ou sem competência legal.

i ) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de

expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade; (Alínea acrescida pela Medida

Provisória nº 111, de 24/11/1989, convertida na Lei nº 7.960, de 21/12/1989).

Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função

pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.

§ 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e

consistirá em:

a) advertência;

b) repreensão;

c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de

vencimentos e vantagens;

d) destituição de função;

e) demissão;

f) demissão, a bem do serviço público.

§ 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma

indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.

§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e

consistirá em:

a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;

b) detenção por dez dias a seis meses;

c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até

três anos.

§ 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.

§ 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer

categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de

natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos.

Art. 7º Recebida a representação em que for solicitada a aplicação de sanção administrativa, a

autoridade civil ou militar competente determinará a instauração de inquérito para apurar o fato.

§ 1º O inquérito administrativo obedecerá às normas estabelecidas nas leis municipais, estaduais

ou federais, civis ou militares, que estabeleçam o respectivo processo.

§ 2º Não existindo no município, no Estado ou na legislação militar normas reguladoras do

inquérito administrativo serão aplicadas supletivamente, as disposições dos arts. 219 a 225 da Lei nº 1.711, de 28

de outubro de 1952 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União).

§ 3º O processo administrativo não poderá ser sobrestado para o fim de aguardar a decisão da ação

penal ou civil.

Art. 8º A sanção aplicada será anotada na ficha funcional da autoridade civil ou militar.

Art. 9º Simultâneamente com a representação dirigida à autoridade administrativa ou

independentemente dela, poderá ser promovida, pela vítima do abuso, a responsabilidade civil ou penal ou

ambas, da autoridade culpada.

Art. 10. Vetado.

Art. 11. À ação civil serão aplicáveis as normas do Código de Processo Civil.

Art. 12. A ação penal será iniciada, independentemente de inquérito policial ou justificação, por

denúncia do Ministério Público, instruída com a representação da vítima do abuso.

Art. 13. Apresentada ao Ministério Público a representação da vítima, aquele, no prazo de quarenta

e oito horas, denunciará o réu, desde que o fato narrado constitua abuso de autoridade, e requererá ao Juiz a sua

citação, e, bem assim, a designação de audiência de instrução e julgamento.

§ 1º A denúncia do Ministério Público será apresentada em duas vias.

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Art. 14. Se o ato ou fato constitutivo do abuso de autoridade houver deixado vestígios o ofendido

ou o acusado poderá:

a) promover a comprovação da existência de tais vestígios, por meio de duas testemunhas

qualificadas;

b) requerer ao Juiz, até setenta e duas horas antes da audiência de instrução e julgamento, a

designação de um perito para fazer as verificações necessárias.

§ 1º O perito ou as testemunhas farão o seu relatório e prestarão seus depoimentos verbalmente, ou

o apresentarão por escrito, querendo, na audiência de instrução e julgamento.

§ 2º No caso previsto na letra a deste artigo a representação poderá conter a indicação de mais duas

testemunhas.

Art. 15. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia requerer o

arquivamento da representação, o Juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa

da representação ao Procurador-Geral e este oferecerá a denúncia, ou designará outro órgão do Ministério

Público para oferecê-la ou insistirá no arquivamento, ao qual só então deverá o Juiz atender.

Art. 16. Se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo fixado nesta lei, será

admitida ação privada. O órgão do Ministério Público poderá, porém, aditar a queixa, repudiá-la e oferecer

denúncia substitutiva e intervir em todos os termos do processo, interpor recursos e, a todo tempo, no caso de

negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

Art. 17. Recebidos os autos, o Juiz, dentro do prazo de quarenta e oito horas, proferirá despacho,

recebendo ou rejeitando a denúncia.

§ 1º No despacho em que receber a denúncia, o Juiz designará, desde logo, dia e hora para a

audiência de instrução e julgamento, que deverá ser realizada, improrrogàvelmente, dentro de cinco dias.

§ 2º A citação do réu para se ver processar, até julgamento final e para comparecer à audiência de

instrução e julgamento, será feita por mandado sucinto que, será acompanhado da segunda via da representação e

da denúncia.

Art. 18. As testemunhas de acusação e defesa poderão ser apresentadas em Juízo,

independentemente de intimação.

Parágrafo único. Não serão deferidos pedidos de precatória para a audiência ou a intimação de

testemunhas ou, salvo o caso previsto no artigo 14, letra "b", requerimentos para a realização de diligências,

perícias ou exames, a não ser que o Juiz, em despacho motivado, considere indispensáveis tais providências.

Art. 19. A hora marcada, o Juiz mandará que o porteiro dos auditórios ou o oficial de justiça

declare aberta a audiência, apregoando em seguida o réu, as testemunhas, o perito, o representante do Ministério

Público ou o advogado que tenha subscrito a queixa e o advogado ou defensor do réu.

Parágrafo único. A audiência somente deixará de realizar-se se ausente o Juiz.

Art. 20. Se até meia hora depois da hora marcada o Juiz não houver comparecido, os presentes

poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar do livro de termos de audiência.

Art. 21. A audiência de instrução e julgamento será pública, se contrariamente não dispuser o Juiz,

e realizar-se-á em dia útil, entre dez (10) e dezoito (18) horas, na sede do Juízo ou, excepcionalmente, no local

que o Juiz designar.

Art. 22. Aberta a audiência o Juiz fará a qualificação e o interrogatório do réu, se estiver presente.

Parágrafo único. Não comparecendo o réu nem seu advogado, o Juiz nomeará imediatamente

defensor para funcionar na audiência e nos ulteriores termos do processo.

Art. 23. Depois de ouvidas as testemunhas e o perito, o Juiz dará a palavra sucessivamente, ao

Ministério Público ou ao advogado que houver subscrito a queixa e ao advogado ou defensor do réu, pelo prazo

de quinze minutos para cada um, prorrogável por mais dez (10), a critério do Juiz.

Art. 24. Encerrado o debate, o Juiz proferirá imediatamente a sentença.

Art. 25. Do ocorrido na audiência o escrivão lavrará no livro próprio, ditado pelo Juiz, termo que

conterá, em resumo, os depoimentos e as alegações da acusação e da defesa, os requerimentos e, por extenso, os

despachos e a sentença.

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Art. 26. Subscreverão o termo o Juiz, o representante do Ministério Público ou o advogado que

houver subscrito a queixa, o advogado ou defensor do réu e o escrivão.

Art. 27. Nas comarcas onde os meios de transporte forem difíceis e não permitirem a observância

dos prazos fixados nesta Lei, o juiz poderá aumentá-los, sempre motivadamente, até o dôbro.

Art. 28. Nos casos omissos, serão aplicáveis as normas do Código de Processo Penal, sempre que

compatíveis com o sistema de instrução e julgamento regulado por esta Lei.

Parágrafo único. Das decisões, despachos e sentenças, caberão os recursos e apelações previstas no

Código de Processo Penal.

Art. 29. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 9 de dezembro de 1965; 144º da independência e 77º da República.

H. CASTELLO BRANCO

Juracy Magalhães

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Anexo VI - Convenção 151 – OIT.

Número 60

Fevereiro de 2008

As Relações de Trabalho

no

Setor Público: Ratificação

da

Convenção 151

As relações de trabalho no setor público:

ratificação da Convenção 151

No dia 14 de fevereiro de 2008, o Presidente da República, Luís Inácio Lula da

Silva encaminhou para apreciação do Congresso Nacional as Convenções 151 e 158

da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A 151 trata da organização sindical e

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do processo de negociação dos trabalhadores do serviço público. Já a convenção 158,

trata da garantia do emprego contra a dispensa imotivada.

Esta Nota Técnica procura comentar o significado das normas internacionais

do trabalho e os trâmites até a sua ratificação. Ela procura esclarecer o que é a

convenção 151 e as possibilidades que se abrem para o movimento sindical do setor

público a partir dela.

Nesta quinta-feira, será divulgada nova nota técnica, que trata da convenção

158 e possíveis efeitos para o emprego.

A OIT e as Normas Internacionais do Trabalho

A Organização Internacional do Trabalho é uma Agência do Sistema das

Nações Unidas fundada em 1919. É uma estrutura tripartite, que reúne representantes

dos empregadores, dos trabalhadores e dos governos.

As normas internacionais do trabalho são instrumentos jurídicos que

estabelecem princípios e direitos básicos no trabalho. As normas são preparadas pelos

dirigentes da OIT (governo, empresários e trabalhadores) e aprovadas na Conferência

Internacional do Trabalho da OIT. As normas elaboradas podem tomar a forma de

Convenção ou Resolução.

As Convenções da OIT são tratados internacionais “legalmente vinculantes”

que, uma vez aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho, podem ser

ratificadas ou não pelos países membros. Pela Constituição da OIT, para que um país

ratifique uma Convenção esta deve ser apreciada pelas suas autoridades competentes,

normalmente o Parlamento. Caso um país membro decida ratificar uma convenção, em

geral, esta entra em vigor nesse país um ano depois da aprovação da ratificação.

Os países que ratificam uma convenção “estão obrigados a aplicá-la em sua

legislação e em suas práticas nacionais”, tendo que enviar regularmente relatórios

referentes à sua aplicação.

Até o momento a OIT formulou e aprovou 185 Convenções, das quais 156

estão em vigor. O Brasil é signatário de 80 delas.

O processo de ratificação

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O envio da proposta de ratificação da Convenção 151 e 158 pelo Executivo

Federal para o Congresso Nacional é tão somente o primeiro passo para efetivação de

sua ratificação pelo país.

Depois de receber as mensagens encaminhadas pela Presidência da República

para ratificação, a Câmara dos Deputados deve - segundo o regimento da casa –

apreciá-la. Após sua aprovação na Câmara, os textos seguem para apreciação do

Senado.

Apenas com aprovação pelas duas instâncias do Congresso Nacional, a

ratificação segue para promulgação presidencial. Um ano depois de sua promulgação,

a Convenção entra em vigor, devendo sua forma de efetivação ser disciplinada por

instrumentos jurídicos próprios, ou seja, por leis e decretos.

A Convenção 151

A Convenção 151 da OIT aplica-se a todas as pessoas empregadas pelas

autoridades públicas (nos níveis municipal, estadual e federal) e se refere a garantias a

toda organização que tenha por fim promover e defender os interesses dos

trabalhadores da função pública. Nela está previsto:

1- Proteção contra os atos de discriminação que acarretem violação da

liberdade sindical em matéria de trabalho;

2- Independência das organizações de trabalhadores da função pública face às

autoridades públicas;

3- Proteção contra atos de ingerência das autoridades públicas na formação,

funcionamento e administração das organizações de trabalhadores da função pública;

4- Concessão de facilidades aos representantes das organizações reconhecidas

dos trabalhadores da função pública, com permissão para cumprir suas atividades, seja

durante as suas horas de trabalho ou fora delas.

5- Instauração de processos que permitam a negociação das condições de

trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as organizações de trabalhadores

da função pública;

6- Garantias dos direitos civis e políticos essenciais ao exercício normal da

liberdade sindical.

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Histórico

A ordem jurídica brasileira nunca reconheceu o direito de os servidores

participarem da elaboração de regras aplicáveis às relações de trabalho com o poder

público. Em outras palavras, sempre foi negada aos servidores a autonomia coletiva

(ou negociação coletiva). Suas condições de trabalho sempre foram definidas

unilateralmente pela União, pelos Estados Federados, Distrito Federal ou municípios.

Com o advento da Constituição de 1988, os servidores públicos civis tiveram

reconhecido o direito de organização sindical (artigo 37, VI, CF) e o direito a greve,

porém não foi explicitada a garantia do direito à negociação coletiva (artigo 39, § 3°,

CF).

Em 1992, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 492-1 que questionava o direito à negociação coletiva no

setor público.

Por sua vez, a “Reforma Administrativa” de 1998 acrescentou aos princípios

constitucionais que regem a Administração Pública o princípio da eficiência, ao

mesmo tempo que derrubou o Regime Jurídico Único1 (estatutário).

Com tais mudanças, o debate sobre o direito à Negociação Coletiva retornou e,

amparado nas alterações contidas na Emenda Constitucional 19, processos

sistemáticos de Negociação Coletiva passaram a ser experimentados em diversas

instituições públicas. Isto se tornou possível a partir da recuperação de uma concepção

de democratização das relações de trabalho defendida pelo Movimento Sindical no

processo de discussão da Constituição de 19882.

Com base na experiência concreta da efetividade da prática da negociação no

setor público, o movimento sindical passou a debater a necessidade de sua

regulamentação no âmbito dos debates do Fórum Nacional do Trabalho com a criação

da Câmara Setorial do Serviço Público. Após dois anos de debate, a Câmara do

Serviço Público indicou a necessidade de ratificação da Convenção 151.

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1 Com a decisão da ADIN nº 2135/2000 (02/08/2007) que restabeleceu o caput do art. 39 da CF, com efeitos ex

nunc (não admitindo a retroatividade da decisão a situações jurídicas já consolidadas no tempo), os servidores

voltam a ser regidos por um RJU.

2 Em 2002, é instituído em São Paulo e em Recife o Sistema de Negociação Permanente (SINP-SP); em 2003, o

governo federal cria a Mesa Nacional de Negociação Permanente da Administração Pública Federal e a Mesa

Nacional de Negociação Permanente do SUS; em 2007, essa mesma metodologia é adotada nos estados da Bahia

e Sergipe; além dessas experiências, um conjunto de outras mesas é aberto em diversos municípios ancorado

nessa metodologia.

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Já no início do segundo mandato do presidente Lula, o debate foi reaberto no

Grupo de Trabalho da Mesa Nacional de Negociação Permanente3 (MNNP), criada no

âmbito da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão. Também nesta instância, foi indicada a ratificação como um

passo essencial para a consolidação da experiência de negociação realizada pela

MNNP.

Enfim, o envio da proposta de ratificação da Convenção 151 é resultado desse

processo de luta dos trabalhadores do setor público na busca de garantir um efetivo

processo de democratização das relações de trabalho no Estado Brasileiro.

Considerações Finais

O paradigma orientador que vem norteando todo processo de luta pela

ratificação da Convenção 151 é a construção do Estado democrático de direito,

conforme definido pela Constituição Brasileira. Neste contexto as organizações de

trabalhadores, e em especial as dos servidores, reafirmam-se como importantes

elementos para a constituição de uma sociedade mais justa e participativa.

Além disso, a ratificação da Convenção 151 da OIT tem como propósito

romper com os resquícios do Estado autoritário, na medida em que caminha na defesa

da tese da autonomia sindical por parte do movimento sindical brasileiro. Aponta, com

isso, para o estabelecimento de novos padrões de relações de trabalho no setor público.

O processo iniciado com a ratificação da Convenção 151 da OIT pode e deve

gerar um novo arcabouço doutrinário e jurídico para as relações de trabalho no setor

público, já muito debatido tanto no âmbito da Câmara Setorial quanto pela sociedade.

A implementação das garantias definidas na Convenção 151 da OIT dialoga

com o aprofundamento da democracia no país; avança na transformação do Estado e

contribui para assegurar direitos essenciais para o pleno exercício da liberdade sindical

ao conjunto dos trabalhadores, em especial, os do serviço público.

Porém, há de se ressaltar que a ratificação da Convenção 151 pelo Congresso

Nacional é tão somente um passo nesse processo. Devem ser implementadas, ainda,

medidas regulamentadoras que coloquem em prática o que nela está determinado, em

especial no que se refere ao direito à negociação coletiva no serviço público, objeto de

muitas polêmicas na tradição.

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3 A Mesa Nacional de Negociação Permanente foi um espaço institucional criado pelo governo federal para

buscar soluções negociadas entre os interesses da Administração Pública, dos servidores e da sociedade civil

através de processo de diálogo formalizado.

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Neste sentido, Executivo Federal, Congresso Nacional e Movimento Sindical

devem continuar o processo de discussão dos instrumentais jurídicos que

regulamentam o processo de negociação para o setor público. Esta regulamentação

deve, necessariamente, ser válida para os três poderes da República, bem como para os

três níveis da Federação.

A seguir, o DIEESE reproduz o texto da Convenção 151, com base em sua

tradução de Portugal. Foram feitas algumas adaptações para o português usual do

Brasil.

Convenção nº 151

Convenção Relativa à Proteção do Direito de Organização e aos Processos de

Fixação das Condições de Trabalho na

Função Pública

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho:

Convocada para Genebra pelo Conselho de Administração da Repartição Internacional

do Trabalho, onde reuniu, em 7 de Junho de 1978, na sua 64.ª sessão;

Considerando as disposições da Convenção Relativa à Liberdade Sindical e à Proteção

do Direito Sindical, 1948, da Convenção Relativa ao Direito de Organização e

Negociação Coletiva,

1949, e da Convenção e da Recomendação Relativas aos Representantes dos

Trabalhadores, 1971;

Recordando que a Convenção Relativa ao Direito de Organização e Negociação

Coletiva, 1949, não abrange determinadas categorias de trabalhadores da função

pública e que a Convenção e a Recomendação Relativas aos Representantes dos

Trabalhadores, 1971, se aplicam aos representantes dos trabalhadores na empresa;

Considerando a expansão considerável das atividades da função pública em muitos

países e a necessidade de relações de trabalho sãs entre as autoridades públicas e as

organizações de trabalhadores da função pública;

Verificando a grande diversidade dos sistemas políticos, sociais e econômicos dos

Estados Membros, assim como a das respectivas práticas (por exemplo, no que se

refere às funções respectivas das autoridades centrais e locais, às das autoridades

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federais, dos Estados Federais e das províncias, bem como às das empresas que são

propriedade pública e dos diversos tipos de organismos públicos autônomos ou semi-

autônomos, ou ainda no que respeita à natureza das relações de trabalho);

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Considerando os problemas específicos levantados pela delimitação da esfera de

aplicação de um instrumento internacional e pela adoção de definições para efeitos

deste instrumento, em virtude das diferenças existentes em numerosos países entre o

trabalho no setor público e no setor privado, assim como as dificuldades de

interpretação que surgiram a propósito da aplicação aos funcionários públicos das

pertinentes disposições da Convenção Relativa ao Direito de Organização e

Negociação Coletiva, 1949, e as observações através das quais os órgãos de controle

da OIT chamaram repetidas vezes a atenção para o fato de certos Governos aplicarem

essas disposições de modo a excluir grandes grupos de trabalhadores da função

pública da esfera de aplicação daquela Convenção;

Após ter decidido adotar diversas propostas relativas à liberdade sindical e aos

processos de fixação das condições de trabalho na função pública, questão que

constitui o quinto ponto da ordem do dia da sessão;

Após ter decidido que essas propostas tomariam a forma de uma convenção

internacional:

Adota, no dia 27 de Junho de 1978, a seguinte Convenção, que será denominada a

Convenção Relativa às Relações de Trabalho na Função Pública, 1978.

PARTE I

Esfera de aplicação e definições

ARTIGO 1

1 - A presente Convenção aplica-se a todas as pessoas empregadas pelas autoridades

públicas, na medida em que lhes não sejam aplicáveis disposições mais favoráveis de

outras convenções internacionais do trabalho.

2 - A legislação nacional determinará em que medida as garantias previstas pela

presente Convenção se aplicarão aos trabalhadores da função pública de nível

superior, cujas funções são normalmente consideradas de formulação de políticas ou

de direção ou aos trabalhadores da função pública cujas responsabilidades tenham um

caráter altamente confidencial.

3 - A legislação nacional determinará em que medida as garantias previstas pela

presente Convenção se aplicarão às forças armadas e à polícia.

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ARTIGO 2

Para os efeitos da presente Convenção, a expressão «trabalhadores da função pública»

designa toda e qualquer pessoa a que se aplique esta Convenção, nos termos do seu

artigo 1.

ARTIGO 3

Para os efeitos da presente Convenção, a expressão «organização de trabalhadores da

função pública» designa toda a organização, qualquer que seja a sua composição, que

tenha por fim promover e defender os interesses dos trabalhadores da função pública.

PARTE II

Proteção do direito de organização

ARTIGO 4

1 - Os trabalhadores da função pública devem se beneficiar de uma proteção adequada

contra todos os atos de discriminação que acarretem violação da liberdade sindical em

matéria de trabalho.

2 - Essa proteção deve, designadamente, aplicar-se no que respeita aos atos que

tenham por fim:

a) Subordinar o emprego de um trabalhador da função pública à condição de este não

se filiar a uma organização de trabalhadores da função pública ou deixar de fazer parte

dessa organização;

b) Despedir um trabalhador da função pública ou prejudicá-lo por quaisquer outros

meios, devido à sua filiação a uma organização de trabalhadores da função pública ou

à sua participação nas atividades normais dessa organização.

ARTIGO 5

1 - As organizações de trabalhadores da função pública devem gozar de completa

independência face às autoridades públicas.

2 - As organizações de trabalhadores da função pública devem se beneficiar de uma

proteção adequada contra todos os atos de ingerência das autoridades públicas na sua

formação, funcionamento e administração.

3 - São, designadamente, assimiladas a atos de ingerência, no sentido do presente

artigo, todas as medidas tendentes a promover a criação de organizações de

trabalhadores da função pública dominadas por uma autoridade pública ou a apoiar

organizações de trabalhadores da função pública por meios financeiros ou quaisquer

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outros, com o objetivo de submeter essas organizações ao controle de uma autoridade

pública.

PARTE III

Facilidades a conceder às organizações de trabalhadores da função pública

ARTIGO 6

Devem ser concedidas facilidades aos representantes das organizações de

trabalhadores da função pública reconhecidas, de modo a permitir-lhes cumprir rápida

e eficazmente as suas funções, quer durante as suas horas de trabalho, quer fora delas.

2 - A concessão dessas facilidades não deve prejudicar o funcionamento eficaz da

Administração ou do serviço interessado.

3 - A natureza e a amplitude dessas facilidades devem ser fixadas de acordo com os

métodos mencionados no artigo 7 da presente Convenção ou por quaisquer outros

meios adequados.

PARTE IV

Processos de fixação das condições de trabalho

ARTIGO 7

Quando necessário, devem ser tomadas medidas adequadas às condições nacionais

para encorajar e promover o desenvolvimento e utilização dos mais amplos processos

que permitam a negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas

interessadas e as organizações de trabalhadores da função pública ou de qualquer outro

processo que permita aos representantes dos trabalhadores da função pública participar

na fixação das referidas condições.

PARTE V

Resolução dos conflitos

ARTIGO 8

A resolução dos conflitos surgidos a propósito da fixação das condições de trabalho

será procurada de maneira adequada às condições nacionais, através da negociação

entre as partes interessadas ou por um processo que dê garantias de independência e

imparcialidade, tal como a mediação, a conciliação ou a arbitragem, instituído de

modo que inspire confiança às partes interessadas.

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PARTE VI

Direitos civis e políticos

ARTIGO 9

Os trabalhadores da função pública devem se beneficiar, como os outros trabalhadores,

dos direitos civis e políticos que são essenciais ao exercício normal da liberdade

sindical, com a única reserva das obrigações referentes ao seu estatuto e à natureza das

funções que exercem.

PARTE VII

Disposições finais

ARTIGO 10

As ratificações formais da presente Convenção serão comunicadas ao diretor-geral da

Repartição Internacional do Trabalho e por ele registradas.

ARTIGO 11

1 - A presente Convenção obrigará apenas os membros da Organização Internacional

do Trabalho cuja ratificação tiver sido registrada pelo diretor-geral.

2 - A Convenção entrará em vigor doze meses depois de registradas pelo diretor-geral

as ratificações de dois membros.

3 - Em seguida, esta Convenção entrará em vigor para cada membro doze meses após

a data em que tiver sido registrada a sua ratificação.

ARTIGO 12

1 - Qualquer membro que tiver ratificado a presente Convenção pode denunciá-la

decorrido um período de dez anos após a data da entrada em vigor inicial da

Convenção, por comunicação ao diretor-geral da Repartição Internacional do Trabalho

e por ele registrada. A denúncia apenas produzirá efeito um ano depois de ter sido

registrada.

2 - Qualquer membro que tiver ratificado a presente Convenção e que, no prazo de um

ano após ter expirado o período de dez anos mencionado no número anterior, não fizer

uso da faculdade de denúncia prevista pelo presente artigo ficará obrigado por um

novo período de dez anos e, posteriormente, poderá denunciar a presente Convenção

no termo de cada período de dez anos, nas condições previstas no presente artigo.

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ARTIGO 13

1 - O diretor-geral da Repartição Internacional do Trabalho notificará todos os

membros da Organização Internacional do Trabalho do registro de todas as

ratificações e denúncias que lhe forem comunicadas pelos membros da Organização.

2 - Ao notificar os membros da Organização do registro da segunda ratificação que lhe

tiver sido comunicada, o diretor-geral chamará a atenção dos membros da Organização

para a data em que a presente Convenção entrará em vigor.

ARTIGO 14

O diretor-geral da Repartição Internacional do Trabalho comunicará ao Secretário-

Geral das Nações Unidas, para efeitos de registro, de acordo com o artigo 102 da Carta

das Nações Unidas, informações completas sobre todas as ratificações e atos de

denúncia que tiver registrado de acordo com os artigos anteriores.

ARTIGO 15

Sempre que o considere necessário, o Conselho de Administração da Repartição

Internacional do Trabalho apresentará à Conferência Geral um relatório sobre a

aplicação da presente Convenção e examinará a oportunidade de inscrever na ordem

do dia da Conferência a questão da sua revisão total ou parcial.

ARTIGO 16

1 - No caso de a Conferência adotar uma nova convenção que reveja total ou

parcialmente a presente Convenção, e salvo disposição em contrário da nova

convenção:

a) A ratificação, por um membro, da nova convenção revista acarretará, de pleno

direito, não obstante o disposto no artigo 12, a denúncia imediata da presente

Convenção, desde que a nova convenção revista tenha entrado em vigor;

b) A partir da data da entrada em vigor da nova convenção revista a presente

Convenção deixará de estar aberta à ratificação dos membros.

2 - A presente Convenção permanecerá em todo o caso em vigor, na sua forma e

conteúdo, para os membros que a tiverem ratificado e que não ratificarem a convenção

revista.

ARTIGO 17

As versões francesa e inglesa do texto da presente Convenção fazem igualmente fé.

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DIEESE

Direção Executiva

João Vicente Silva Cayres – Presidente

Sindicato dos. Metalúrgicos do ABC

Carlos Eli Scopim – Vice-presidente

STI Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Osasco e Região

Tadeu Morais de Sousa - Secretário

STI Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos de São Paulo e Mogi das Cruzes

Antonio Sabóia B. Junior – Diretor

SEE Bancários de São Paulo, Osasco e Região

Alberto Soares da Silva – Diretor

STI de Energia Elétrica de Campinas

Zenaide Honório – Diretora

Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp)

Pedro Celso Rosa – Diretor

STI Metalúrgicas, de Máquinas, Mecânicas, de Material Elétrico de Veículos

e Peças Automotivas de Curitiba

Paulo de Tarso G. B. Costa – Diretor

Sindicato dos Eletricitários da Bahia

José Carlos de Souza – Diretor

STI de Energia Elétrica de São Paulo

Carlos Donizeti França de Oliveira – Diretor

Femaco – FE em Serviços de Asseio e Conservação Ambiental Urbana

e Áreas Verdes do Estado de São Paulo

Mara Luzia Feltes – Diretora

SEE Assessoramentos, Perícias, Informações, Pesquisas e de Fundações Estaduais do

Rio Grande do Sul

Josinaldo José de Barros – Diretor

STI Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos de Guarulhos, Arujá, Mairiporã

e Santa Isabel

Eduardo Alves Pacheco – Diretor

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes da CUT - CNTT/CUT

Direção técnica

Clemente Ganz Lúcio – diretor técnico

Ademir Figueiredo – coordenador de estudos e desenvolvimento

Nelson Karam – coordenador de relações sindicais

Francisco J. C. de Oliveira – coordenador de pesquisas

Cláudia Fragoso – coordenadora administrativa e financeir

Equipe técnica

Ademir Figueiredo (revisão técnica)

Fausto Augusto Junior

Patrícia Toledo Pelatieri

Patrícia Lino Costa

Revisão

Iara Heger