rodrigo fialho letras em punho

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Programa de Pós-graduação em História Social Letras em punho: o vocabulário político de um periódico mineiro oitocentista. (O Amigo da Verdade, 1829).

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História da imprensa

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  • Programa de Ps-graduao em Histria

    Social

    Letras em punho: o vocabulrio poltico de um

    peridico mineiro oitocentista. (O Amigo da Verdade, 1829).

  • Letras em punho: o vocabulrio poltico de um peridico mineiro oitocentista. (O Amigo da Verdade, 1829).

    Rodrigo Fialho1

    A dcada de 1820 foi marcada por vrios fatos significativos da histria poltica

    brasileira como o processo de independncia, a primeira constituio do pas, a formao

    das assemblias e eleies para deputados, o que proporcionou acalorados debates pblicos

    promovidos pela imprensa peridica.

    A imprensa foi um importante artefato poltico, alm de um veculo formador e

    mobilizador da nascente opinio pblica brasileira. Era responsvel por registrar e divulgar

    os mais variados assuntos, porm, destaca-se o interesse dos redatores em discutir os

    aspectos polticos, principalmente aps o ano de 1822, onde diferentes propostas foram

    apresentadas pelas elites brasileiras nas pginas dos peridicos brasileiros e, em Minas

    Gerais no foi diferente.

    Meses depois da Independncia, em Minas Gerais, a imprensa peridica veio

    luz. Capaz de informar, mas, sobretudo formar o pblico leitor, a imprensa teve um papel

    preponderante nas discusses polticas e culturais, pois, cabia aos redatores a especial

    tarefa de contribuir para civilizar os leitores e assinantes dos peridicos, pois civilizar

    significava abolir todas as asperezas e as desigualdades grosseiras2 e apagar toda a

    rudeza3 atravs da leitura e do dilogo impresso4.

    Data de 1822, a criao das primeiras tipografias mineiras. A primeira delas foi

    estabelecida pelo governo provincial e administrada pelo major Luiz Maria da Silva Pinto e

    a segunda, criada por Manoel Jos Barbosa, responsvel pela edio do primeiro peridico

    mineiro, nessa perspectiva, poo depois surgem os primeiros peridicos mineiros.

    O ano era o de 1823. Nesta poca, a ento capital mineira assistiu ao surgimento

    do primeiro jornal da provncia. O Compilador Mineiro veio a publico descortinar uma

    pratica ainda inexistente entre os habitantes de Minas Gerais e que a partir dessa atitude

    1 Mestre em Histria Social pela Universidade Severino Sombra, professor do departamento de Histria das Faculdades Integradas de Cataguases e da FAFI-PRONAFOR, em Alm Paraba. Professor a de Histria da Rede Municipal de Ensino da Prefeitura de Leopoldina, MG.2 A palavra grosseiro tem, de acordo com Roger Chartier, uma carga negativa em relao s sociedades do Antigo Regime francs. Sobre o assunto consultar Roger CHARTIER, Leituras e leitores na Frana do Antigo Regime, So Paulo, Unesp, 2004, p. 74. 3 Jean STAROBINKI, As mscaras da civilizao, So Paulo, Cia. das Letras, 2001, p. 26.4 Ver Rodrigo Fialho SILVA, Por ser voz pblica: intrigas, debates e pensamento poltico na imprensa mineira (Vila de So Joo dEl-Rei, 1827-1829), USS, 2006. (Dissertao de Mestrado).

  • inicial, outros peridicos, vieram baila passando a compor o cenrio poltico, social e

    cultural da provncia.

    A imprensa peridica j era uma prtica em muitas regies do Brasil,

    principalmente na Corte desde 1808. Porm, somente a partir de 1820, em funo da

    Revoluo do Porto observa-se o surgimento de jornais de cunho poltico que vo discutir

    temas e assuntos referentes ao destino do Brasil e de Portugal, alm de terem sido

    importantes veculos de informao e formadores de opinies pblicas na poca5.

    Assim, ao traar uma geografia da imprensa deste perodo6, se observa em Minas

    Gerais que tal instituio foi implementada num momento posterior s efervescentes

    discusses inter-regionais e internacionais estabelecidas entre os anos de 1820 e 1822, entre

    os redatores no Brasil e esses com os de Portugal e vice-versa.

    Os jornais anunciam, o surgimento em Minas de variadas formas de

    sociabilidades que passam a compor e formar um espao pblico moderno. Embora Hlio

    Vianna tenha caracterizado a imprensa referente ao primeiro reinado como uma pequena

    imprensa, esse foi um dos perodos onde se manifestou uma intensa disputa pelo poder,

    seja no mbito municipal7, provincial ou nacional e um dos principais palcos para essa

    disputa, segundo Marcello Octvio N. de C. Basile foi a imprensa8 responsvel pelo

    aparecimento, nas palavras do autor, da politizao das ruas9, e em Minas no foi diferente.

    Nesta poca, os jornais no se restringiam somente s localidades onde eram

    impressos e ultrapassavam os limites das Vilas e cidades, configurando um intenso trnsito

    cultural entre os leitores que atingiam e embora no fosse o nico espao de sociabilidade,

    era um dos principais, onde o pensamento poltico se manifestava.

    Para Ana Rosa Cloclet da Silva, o clima poltico da provncia mineira, nos anos

    5 Lcia Maria Bastos Pereira das NEVES, Corcunda e constitucionais, Rio de Janeiro, Revan, 2003.6 Sobre os jornais surgidos no Brasil no incio do sculo XIX ver:Nelson Werneck SODR, Histria da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro, Mauad, 1999. Lcia Maria Bastos Pereira das NEVES, Corcunda e constitucionais, Rio de Janeiro, Revan, 2003. Isabel Lustosa Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na independncia (1821-1823). So Paulo: Companhia das Letras, 2000. Marco MOREL e Mariana Monteiro de BARROS. Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do sculo XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.7 Em So Joo dEl-Rey, o Astro de Minas informou ao pblico leitor os passos do processo eleitoral de 1828, para deputado. Noticiou as brigas, confuses e motins ocorridos entre os homens envolvidos com a poltica local, como foi o caso das desavenas com o seu redator, Batista Caetano de Almeida que acusou publicamente Lus Jos Dias Custdio, vigrio da matriz, de fraudar as lista de eleitorais. Rodrigo Fialho Silva. Por ser voz pblica: intrigas, debates e pensamento poltico na imprensa mineira (Vila de So Joo dEl-Rei, 1827-1829), USS, 2006. (Dissertao de Mestrado).8 Marcello O. N. de C. BASILE, O imprio brasileiro: panorama poltico, IN: Maria Yedda LINHARES

    (org), Histria geral do Brasil, Rio de Janeiro, Campus, 2000, p. 209.9 Marcello O. N. de C. BASILE, Op. cit., p. 204.

  • iniciais da dcada de vinte, alm de se fazer representar nas Cmaras, nas Juntas de

    Governo10 e no Conselho da Provncia, encontra no periodismo mineiro,

    um veculo formador da opinio pblica e, especialmente, da imprensa liberal moderada, atravs da qual as elites da regio Metalrgica - Mantiqueira exerceram um verdadeira relao pedaggica com a incipiente sociedade civil das Minas -buscando construir o consenso em torno de seu projeto de Estado -, bem como um novo canal de contigidade com a corte do Rio de Janeiro, j precedida pelas conexes comerciais e polticas11.

    Era comum a circulao desses peridicos at mesmo fora da provncia12. Dessa

    forma, os peridicos foram responsveis pela criao do que Jos Murilo de Carvalho

    chamou de frum alternativo para a tribuna13, onde muitos polticos, que tambm exerciam

    o jornalismo, ao escreverem nos peridicos, utilizavam pseudnimos formando uma

    cultura poltica do anonimato14 , diziam publicamente o que no ousariam na tribuna da

    Cmara ou do Senado.15 Ao observar a histria poltica brasileira nos anos vinte do sculo

    XIX, em Minas Gerais, nota-se a presena de discusses, algumas de tom conservador16,

    outras de tom liberal, nos peridicos publicados nesse perodo.

    10 De acordo com Ana Rosa Cloclet, as Juntas de Governo estenderam-se at 20 de outubro de 1823, quando D. Pedro sancionou a indicao da Assemblia Constituinte da Lei que dava nova forma aos governos provinciais, agora confiados a um presidente, nomeado pelo Imperador e a um Conselho de carter eletivo, no permanente e composto por seis membros. Porm, a autora reitera que no caso de Minas, as Juntas funcionaram at fevereiro de 1824. Ana Rosa Cloclet da SILVA, De comunidades a Nao. Regionalizao do poder, localismos e construes identitrias em Minas Gerais (1821-1831), Almanack braziliense, So Paulo, n. 2, nov, 2005. 11 Ana Rosa Cloclet da SILVA, De comunidades a Nao. Regionalizao do poder, localismos e construes identitrias em Minas Gerais (1821-1831), Almanack braziliense, So Paulo, n. 2, nov, 2005. p. 53.12 O Astro de Minas era vendido na loja de Evaristo da Veiga, no Rio de Janeiro, ver: Rodrigo Fialho SILVA. Por ser voz pblica: intrigas, debates e pensamento poltico na imprensa mineira (Vila de So Joo dEl-Rei, 1827-1829), USS, 2006. (Dissertao de Mestrado).

    13 Jos Murilo de Carvalho, A construo da ordem: a elite poltica imperial, Braslia, UnB, 1981, p. 44.14(...) o conjunto de normas, valores, atitudes, crenas, linguagens e imaginrio, partilhados por determinado grupo, e tendo como objeto fenmenos polticos cf. Rodrigo Patto S Motta, A histria poltica e o conceito de cultura poltica, LPH: Revista de Histria, n. 6, p. 86, 1996. Sobre o conceito de cultura poltica ver tambm: Serge BERSTEIN, A cultura poltica, In: Jean - Pierre RIOUX; Jean-Franois SIRINELLI, Para uma histria cultural, Lisboa, Estampa, 1998, p. 13-36.15 Jos Murilo de CARVALHO, Op. cit., p. 44.16 Aqui usamos o conceito formulado por Tiziano Bonazzi no Dicionrio de Poltica, organizado por Norbert

    Bobbio et al., quando afirma que a palavra conservadorismo designa idias e atitudes que visam a manuteno do sistema poltico existente e de seus modos de funcionamento, apresentando-se como contraparte das foras inovadoras. Tiziano BONAZZI, Conservadorismo, In: Norbert Bobbio et al., Dicionrio de poltica, Braslia, UnB/Imprensa Oficial, 2000, p. 242.

  • Sendo assim, a partir do movimento de independncia e sua efetivao em 1822, o

    Brasil e, especificamente Minas Gerais, se tornaram campos de disputas polticas entre a

    elite que, de acordo com Richard Graham, tinham opinies ambivalentes sobre o governo

    central17.

    Na conjuntura da Independncia e no incio do Primeiro Reinado, sabe-se que a elite

    mineira apia a Monarquia Constitucional e figura de D. Pedro I, atitude essa que no

    ocorrer tempos depois na crise que lavar a abdicao. Existiam, portanto, de maneira

    geral, os grupos favorveis ao centralismo monrquico, chamados de conservadores18, e os

    que desejavam a descentralizao do poder da Monarquia e maior autonomia poltica das

    provncias denominados liberais via Assemblia Legislativa, que transformam a

    imprensa numa arena de discusses pblicas acerca das questes polticas19.

    Esses grupos polticos eram formados por proprietrios de terras e de escravos,

    profissionais liberais e eclesisticos, cuja participao na imprensa era de grande

    importncia devido facilidade que tinham em comunicar-se pela escrita20 e mobilizar a

    opinio pblica21.

    A imprensa na Vila de So Joo dEl-Rey.

    Em 1827, foi criada, na rua Direita prxima da Matriz de Nossa Senhora do Pilar

    a primeira tipografia da Vila de So Joo dEl-Rey, responsvel pela imprenso do Astro

    de Minas. Entusiasmados, os habitantes letrados, passaram a colaborar com o peridico

    atravs de suas correspondncias semanais.

    Durante praticamente dois anos, muitas foram s correspondncias que elogiavam

    a iniciativa do rico comerciante e tambm redator Batista Caetano de Almeida pela ao de

    ter criado na Vila o primeiro peridico responsvel por levar as luzes aos seus

    compatriotas.22

    O Astro de Minas tinha uma caracterstica interessante ao reservar um espao para

    publicao de seus correspondentes que poderiam ser assinantes23 ou no. As reflexes

    giravam em torno de temas e assuntos caros ao destino do Brasil, como: as eleies, a

    liberdade de expresso e, principalmente, sobre a Constituio. Dessa maneira, variados

    17 Richard GRAHAM, Clientelismo e poltica no Brasil do sculo XIX, Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p. 67.18 Rodrigo Fialho SILVA. Por ser voz pblica: intrigas, debates e pensamento poltico na imprensa mineira (Vila de So Joo dEl-Rei, 1827-1829), USS, 2006. (Dissertao de Mestrado).

    19 Cf. Francisco IGLSIAS, Trajetria poltica do Brasil, So Paulo, Cia. das Letras, 2000.20 Wlamir Silva, Liberais e Povo: a construo da hegemonia liberal-moderada na Provncia de Minas Gerais (1830-1834), Rio de Janeiro, IFCS, 2002, (Tese de doutoramento). p. 106

  • eram os estilos das correspondncias. No geral, eram cartas que pediam explicaes acerca

    dessas temticas.

    Durante praticamente dois anos, o Astro de Minas iluminou sozinho os seus

    leitores. Porm, dois anos aps o seu surgimento O Amigo da Verdade, veio eclipsar as

    luzes do Astro de Minas. Dentre os redatores do O Amigo da Verdade estava Lus Jos Dias

    Custdio, o vigrio colado da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, um inimigo poltico de

    Batista Caetano de Almeida. Assim como o Astro de Minas, O Amigo da Verdade tambm

    tinha muitos assinantes, que participavam dos debates atravs de freqentes

    correspondncias publicadas pelo peridico.

    Surpreende o nmero de depoimentos publicados pelo O Amigo da Verdade

    contrrios ao Astro de Minas, o que configura uma bipolarizao das opinies,

    principalmente no que diz respeito s querelas pessoais e polticas envolvendo os

    respectivos redatores. At o aparecimento do O Amigo da Verdade, em 1829, o Astro de

    Minas circulou por dois anos, sendo o nico peridico local da Vila de So Joo dEl-Rei.

    A partir de maio de 1829, com O Amigo da Verdade em cena, percebe-se a

    configurao de um novo instrumento de debate, agora, direcionado contra o primeiro

    peridico da Vila. Ambos se tornam verdadeiros campos de disputa das opinies dos

    leitores. O Amigo da Verdade em comparao com o Astro de Minas extraiu poucos textos

    de outros peridicos. Percebe-se em suas publicaes mais um propsito de difundir

    sermes filosficos e de cunho moral do que, eminentemente idias polticas, como se

    propunha o Astro de Minas, como pode ser observado na citao abaixo:

    21 Rodrigo Fialho SILVA. Por ser voz pblica: intrigas, debates e pensamento poltico na imprensa mineira (Vila de So Joo dEl-Rei, 1827-1829), USS, 2006. (Dissertao de Mestrado).

    22 De acordo com o professor Francisco J. C. Falcon a respeito da palavra Luzes: O ponto de partida da idia de Luzes a multissecular metfora da luz: a oposio entre luzes e sombras, entre o dia e a noite, cujas origens remontam s pocas mais remotas da humanidade, expressa nos cultos solares e em seus variados mitos. Ao longo dos sculos, muitos foram os valores e tema associado quer noite, quer ao dia, sempre com tendncia positiva do dia e da Luz. Francisco C. FALCON, O Iluminismo, So Paulo, tica, 2002, p. 15. Robert Darnton informa que a palavra luzes pode ser encontrada em escritos desde a antiguidade, mas que no sculo XVIII, ela adquire uma nova fora, e exprime o nascimento da modernidade. uma palavra arregimentadora, lanada contra as foras de represso, ao lado de outras palavras-chave: razo, natureza, tolerncia, liberdade, felicidade, progresso. Essas palavras delimitam um novo sistema de valores, pondo contra a parede as ortodoxias consagradas no Velho Regime, e se entrelaam nas ideologias que sustentaro todos os regimes democrticos depois das revolues da Amrica e da Frana. Robert DARNTON, A ecloso das Luzes, In: DARTON, Robert; DUHAMEL, Olivier, Democracia, Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 21. A idia das luzes, sempre divulgada tanto pelos redatores do Astro de Minas quanto pelos correspondentes, se relacionava com o futuro, a instruo e o progresso trazidos pela informao, ou seja, pela imprensa peridica.

    23 Astro de Minas, tera-feira, 28 de abril de 1829, p. 4.Nesta edio, os redatores afirmavam que o peridico Astro de Minas tinha cerca de 300 assinantes.

  • Ningum ignora, que da boa, e s educao provem a civilisao, e desta o aumento, e prosperidade dos Estados. Bem convencidos deste infallvel principio, resolvemo-nos a transcrever na nossa Folha o Cathecismo moral intitulado = Deveres do homem = [...] impresso em Lisboa em mil oito centos e desenove [...] cuja excellente doutrina julgamos mui conveniente transmittir aos nossos leitores com desejo, que della possao tirar aquelle fructo, que he de esperar de tao bellos princpios, que hiremos annunciando em nossos nmeros, conforme a occasiao der lugar.24

    Conforme a misso de levar os leitores civilizao atravs da educao, O Amigo

    da Verdade passa a publicar de vez em quando quinze dilogos sobre os deveres que

    homem nascido para amar ao criador, sobre tudo, ao semelhante e irmo, como a si

    prprio [...] e submeter as leis25 deveria seguir para viver em sociedade.

    Porm, dentre os vocbulos que mais freqentaram suas pginas impressas

    encontram-se: liberdade, virtude, autoridade e constituio.

    De maneira geral, verifica-se que essas palavras eram utilizadas pelo O Amigo da

    Verdade para explicar aos leitores a conduta e o papel que o homem deveria ter em

    sociedade e, acima de tudo, para com as leis e o soberano.

    Comecemos pelo emprego da expresso liberdade, que, encontrada comumente

    nos dicionrios da poca, significa a faculdade, que a alma tem de fazer, ou deixar de fazer

    alguma coisa, como mais quer.26 Ao utilizarem a palavra liberdade, os redatores de O

    Amigo da Verdade, sempre se reportavam tambm palavra igualdade, por serem termos

    que, dentro de uma tradio filosfica, tornaram-se indissociveis quando dizem respeito

    condio humana e ao direito natural.

    Como se sabe, os redatores do peridico ora analisado eram padres e as discusses

    desses conceitos passavam por um vis interpretativo baseado nos preceitos religiosos.

    Como difusores da palavra escrita, recorriam tambm, como estratgia de discurso, a um

    vocabulrio que fosse mais acessvel aos seus leitores e ao uso de metforas cujo objetivo

    era o de ilustrar as questes em pauta. No entanto, sobre a liberdade, os redatores utilizam

    um interessante recurso: o de eleger um narrador chamado por eles de filsofo. Esse

    filsofo, no identificado no texto, inicia sua explicao sobre liberdade, partindo de duas

    hipteses acerca do aparecimento do homem e das sociedades.

    A primeira hiptese parte do pressuposto de que as sociedades so to antigas

    24 O Amigo da Verdade, n. 5, sexta-feira, 22 de maio de 1829, p. 20.25 O Amigo da Verdade, n. 5, sexta-feira, 22 de maio de 1829, p. 20.26 Antnio de Moraes SILVA, Op. cit, 1813, p. 221.

  • como o mundo, e a segunda diz respeito ao aparecimento do primeiro par da espcie

    humana, posto no mundo pelas mos de um Deus autor e criador. Para comear suas

    explicaes, o filsofo toma por base sua segunda hiptese, que, para ele, seria a mais

    bvia e, a partir dela, constri uma narrativa sobre a liberdade natural do homem. Para esse

    filsofo, Ado foi o primeiro dos dous, que Deos creou27 e tambm o homem mais livre

    que o mundo j viu. Entendendo a liberdade como a absoluta faculdade de se fazer tudo o

    que se quer, sem responsabilidade e sem dever, nem lei, Ado foi so no mundo, foi o que

    menos relaes, e menos deveres, e leis teve28, pois, ao seu ver, quanto mais forem as

    relaes entre os homens, mais sero os deveres ou obrigaes e, quanto mais dever, por

    conseqncia, se tem menos liberdade. Sendo assim,

    quanto mais so as relaes, mais os deveres, ou obrigaes: e quanto mais dever, menos liberdade. Logo os deveres esto na razo directa das relaes, e a liberdade esta na razo inversa dos deveres, e por conseqncia das relaes, das obrigaes, e das leis.29

    Baseado nesse raciocnio, o filsofo chama a ateno do leitor para o

    entendimento central da liberdade. Mesmo sendo Ado o primeiro homem, ele tinha que

    obedecer a regras, pois, tinha deveres para consigo e, principalmente, para com o seu

    criador. Com isso, a liberdade absoluta he huma quimera30. Nota-se nesta explicao um

    argumento providencialista que une questes inerentes ao catolicismo, como as explicaes

    do incio do mundo, s relaes sociais que vo se estabelecendo ao longo dos tempos.

    A figura de Eva tambm foi evocada com o propsito ilustrativo de mostrar as

    interdependncias prprias convivncia humana, pois, Eva appareceo no mundo com

    relaes, e deveres para consigo para com seo marido e para com Deos: trs relaes, e

    trs deveres,31 dizia o filsofo. Ambos tinham iguais relaes, iguais deveres e, contudo,

    menos liberdade. Os redatores chegaram a comentar o texto do filsofo que busca nas

    origens do homem a origem de seus direitos. No comentrio, afirmam que o homem s

    igual perante a lei e, eisaqui o axioma poltico, que defendemos, e sustentamos quanto em

    nos couber; fora disto no h igualdade na sociedade Civil.32

    27 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 25.28 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 25.29 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 25.30 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 26.31 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 26.32 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 27.

  • O homem, naturalmente, vivendo em sociedade, tem obrigaes tcitas entre si

    estabelecidas, inicialmente pelos vnculos parentais concomitantes aos sociais. A ttulo de

    exemplo, citam ainda Cain, o primeiro dos mortais que saiu do ventre materno e, ao nascer,

    se torna dependente de tudo. No obstante, se estabelece uma progresso constante, e

    continuada em todas as geraes futuras33, onde, pela disposio da natureza, todos os

    homens so igualmente livres, mas nenhum o he absolutamente.34 Porm, se todos so

    naturalmente livres, tero, por conseqncia, direitos iguais, porque os direitos esto na

    rasao directa da liberdade: eu me explico.35

    Por direito entendo aquella faculdade permittida a qualquer homem de adquiri, conservar, usar, e dispor, ou alienar qualquer coisa. Logo o homem, que he menos livre, tem menos direitos porque tem menos exerccio de liberdade [...]36

    Percebe-se que a liberdade condicionada propriedade. Assim, onde se tem

    menos propriedade, ao certo se ter menos liberdade. Mas, com quem o filsofo estaria

    dialogando ao expor suas idias? fallando como filosofo sou indiferente a questes, e

    ainda mais a opinies [...] No escrevo opinies de outrem, mas somente as minhas, que

    unicamente deduzo dos meus sentimentos e princpios37.

    Provavelmente, as idias do filsofo advinham de proposies suas, conforme

    explicitou acima, mas, quanto aos redatores, que concluem ser o homem livre e igual

    somente perante as leis, certamente discutiam com a Constituio Brasileira, mais

    precisamente com o Pargrafo 13, Artigo 179 Ttulo 8.

    Essa passagem da Constituio se baseava na Declarao dos Direitos do Homem,

    apresentada pela Assemblia Nacional na Frana no final do sculo XVIII. Para ilustrar

    como essa Declarao era uma referncia jurdica, Bertrand de Jouvenel38 no texto A

    igualdade de direito cita o artigo sexto da Declarao para mostrar que se trata de uma

    igualdade jurdica e no de uma liberdade de fato. No entanto, observa-se que o filsofo se

    refere igualdade entre os cidados. Dessa forma, discute o termo entre os pares, pois,

    33 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 26.34 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 26.35 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 26.36 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 26.37 O Amigo da Verdade, n. 7, sexta-feira, 29 de maio de 1829, p. 25.38 Bertrand de JOUVENEL, As origens do Estado Moderno: uma histria das idias polticas no sculo

    XIX. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p.162.

  • deve-se entender como cidado aquele que poderia votar e ser votado39, sem ao menos tocar

    no assunto da escravido, o qual, inclusive, no era discutido pelos peridicos em So Joo

    dEl-Rei. Acredita-se, porm, que a ausncia de textos referentes escravido e a falta de

    discusso sobre a mesma esteja relacionada a uma outra definio da liberdade na sua

    relao essencial com a propriedade, pois o escravo era parte integrante da propriedade.

    A pretenso de se buscar a felicidade atravs da riqueza, unia, do ponto de vista

    hierrquico, a elite pertencente Boa Sociedade. Este atributo os distinguia da plebe e dos

    escravos. De acordo com Ilmar Rohloff de Mattos,

    os atributos de liberdade e propriedade existiam de modo articulado [...] de tal forma que o ltimo fundava o primeiro, expresso de felicidade, possvel perceber pela recorrncia ao prprio texto constitucional de 1824. Nele estabelecida a distino entre cidados e no cidados. [...[. Era a partir dos atributos de liberdade e propriedade que, de maneira implcita, eram identificados os principais estranhos sociedade civil: os escravos.40

    Sobre a autoridade, O Amigo da Verdade ensina tambm que para entend-la se

    deve levar em considerao as relaes sociais, ou melhor, as interdependncias que se

    estabelecem nas relaes, pois, depender de algum vale tanto como ter necessidade dele

    para se conservar e se tornar feliz. Dessa forma, o elo das interdependncias consiste na

    necessidade onde:

    A authoridade dos pais, e a dependncia dos filhos tem por princpio a necessidade continua que estes ltimos tem da experincia, dos coselhos, dos socorros, dos benefcios, e da proteo de seus pais para conseguirem os bens, que elles por si no podem procurar 41.

    Seria pela mesma maneira e pelos mesmos motivos que, em sociedade, se funda a

    autoridade, explica o peridico. Toda autoridade para ser justa deve se basear, ou se fundar,

    sobre as vantagens reais de alguns homens, e por outro lado, tanto a obedincia quanto a

    subordinao consiste em submeter-se suas aes vontade daqueles que se julgam 39 Jos Murilo de CARVALHO, Cidadania: tipos e percursos, Estudos histricos, Rio de Janeiro, n.18,

    1996. p. 5. De acordo com Carvalho, alm do poder de voto, outros pontos de contato entre o cidado e o Estado, no Brasil do sculo XIX, estariam na Guarda Nacional, no servio militar, no servio de jri, no recenseamento e no registro civil.

    40 Ilmar Rohloff de MATTOS, Op. cit, 1999, p. 109. 41 O Amigo da Verdade, tera-feira, 4 de agosto de 1829, n. 26, p.103.

  • capazes de propiciar o bem social. Percebe-se que o autor se dirige diretamente ao leitor

    quando usa o pronome suas, lhe ensinando tambm que a authoridade he o poder de

    regrar as aces do homem 42, atravs do cumprimento das leis com o propsito de ouvir

    a voz publica43 para manter o Pacto Social entendido como:

    A soma das condies, tcitas, ou expressas, debaixo das quaes cada membro de huma sociedade se constitue para com os outros na obrigao de contribuir para o seu bemestar e de observar a seu respeito os deveres da justia. Em huma palavra o pacto social he a soma dos deveres, que a vida social impem a aquelles, que vivem em unio para sua vantagem commum.44

    Nessa perspectiva, para respeitar as regras, os homens tm que obedecer s leis

    para garantir os seus deveres sociais, que podem ser equiparadas Columna Mestra da

    Mquina Poltica45 e primeira necessidade dos homens reunidos em sociedade. Ao basear

    os seus ensinamentos na leitura de Mably, O Amigo da Verdade informa que a obedincia

    s leis a base da harmonia e o nico fundamento da tranqilidade dos Estados46 e

    termina fazendo um apelo aos leitores

    Tributemos, pois as leis o amor, obedincia, e respeito que lhe so devidos; e se alguma dellas no esta de todo selada com o cunho da perfeio, encaminhemos pelos competentes canaes as nossas representaes a Assemblia Geral; e o nosso Amabilssimo Imperador jamais Negara a Sua Sanco a tudo, que for til, e vantajoso ao Brasil, cuja prosperidade com Paternal Sollicitude anhela e promove assiduamente.47

    Dentre as palavras mais freqentes e escritas pelos redatores de ambos os

    peridicos em seus discursos, sejam de tons polticos ou filosficos, percebe-se o uso do

    vocbulo Constituio. Para os redatores do Amigo da Verdade, o homem estaria sujeito a

    trs laos: o dever para com o seu criador, outros para consigo mesmo e outros para com os

    seus semelhantes, pois o homem no vive num estado solitrio e sim em sociedade e, por

    isso, sendo ele membro de uma sociedade, deve prestar bons servios a ela.

    42 O Amigo da Verdade, tera-feira, 4 de agosto de 1829, n. 26, p. 10443 O Amigo da Verdade, tera-feira, 4 de agosto de 1829, n. 26, p. 10444 O Amigo da Verdade, sexta-feira, 21 de agosto de 1829, n. 31, p. 125.45 O Amigo da Verdade, tera-feira, 20 de outubro de 1829, n. 48, p. 197.46 O Amigo da Verdade, tera-feira, 20 de outubro de 1829, n. 48, p. 197.47 O Amigo da Verdade, tera-feira, 20 de outubro de 1829, n. 48, p. 197.

  • Em suas pginas tambm se encontra registro de rejeio repblica, onde se l:

    Correi a Historia de todas as revolues, e por toda a parte achareis o equivalente aos

    jacobinos. Elles fomentaro todas as desordens. Elles se trnarao momentaneamente os

    dolos da multido [...]48, por isso, sirva o passado de exemplo para o futuro!!!49. Perece-se

    a associao feita aos jacobinos como um grupo capaz de ter provocado a desordem e o

    autoritarismo atravs da violncia.

    De fato, os jacobinos foram os mais radicais partidrios da Revoluo Francesa, e

    mesmo tendo governado a Frana num curto perodo de um ano, entre 1793 e 94, deixaram

    marcas que abalaram o mundo e serviram de referncia para os anos que se seguiram. Da

    agregar o sistema republicano de governo ao jacobinismo e a negao de ambos, na

    tentativa de afast-los, pelas palavras impressas, de qualquer maneira, do horizonte do

    sistema monrquico constitucional brasileiro, pois os redatores de So Joo dEl-Rei,

    pertenciam elite da regio centro-sul, que dado o destaque econmico, apoiava o estatuto

    de pas independente desde que sua elite pudesse se fazer representar junto ao governo,

    como ocorria atravs dos processos eleitorais.

    O pressuposto para tal entendimento se baseava na defesa de um sistema

    constitucional. Enquanto o Astro de Minas defende a Constituio por ser a maior

    expresso da representatividade poltica atravs da prtica eleitoral o que garantia a

    representao das Provncias O Amigo da Verdade, por seu turno, defendia a Constituio

    pela sua maior particularidade, o Poder Moderador e por ter sido iniciativa de D. Pedro:

    He nosso fim ratificar huma verdade hoje assas reconhecida de todos os bons Brazileiros, isto he, que nosso Augusto Monarcha, e seu Governo nada mais querem, do que a manuteno do systema representativo, ou do Governo Monarchico Constitucional por Elle oferecido a Nao, e por Ella adoptado, e jurado. (Grifo nosso)50

    Um acreditava nos benefcios do poder legislativo e outro se mostrava

    simpatizante do poder maior que lhes dirigiam e que, por curiosidade, s existiu no Brasil,

    sendo um caso especfico da histria do constitucionalismo. Dessa maneira, O Amigo da

    Verdade mostrava o seguinte entendimento acerca da Constituio: Quem resiste aos

    48 O Amigo da Verdade, n.21, sexta-feira, 17 de julho de 1829, p. 81.49 Essa frase se encontra citada no p-de-pgina do texto publicado pelos redatores do O Amigo

    da Verdade e se refere obra Histoire de la Revolution de France de Mr. Desodoarte.50 O Amigo da Verdade, n. 21, sexta-feira, 17 de julho de 1829, p. 81.

  • Poderes temporais, resiste a Deos51, associando o poder do Imperador ao poder de Deus,

    principalmente quando esse pensamento enfatizado na frase, Em huma palavra, a

    Constituio faz o Imperador Semelhante a Deos, tirando-lhe o poder de fazer mal, e

    dando-lhe so o poder de fazer bem: he o Anjo exterminador dos vcios, a barreira, que

    separa os poderes Legislativo, Executivo, e Judiciario52. O Astro de Minas circulou at

    1839, quando da morte de Batista Caetano de Almeida O Amigo da Verdade faz uma

    anlise do que seria a Constituio brasileira naquele momento. Para os redatores, o homem

    estaria sujeito a trs laos: o dever para com o seu criador, outros para consigo mesmo e

    outros para com os seus semelhantes, pois o homem no vive num estado solitrio e sim em

    sociedade e, por isso, sendo ele membro de uma sociedade, deve prestar bons servios a

    ela.

    Em suas pginas tambm se encontra registro de rejeio repblica, onde se l:

    Correi a Historia de todas as revolues, e por toda a parte achareis o equivalente aos

    jacobinos. Elles fomentaro todas as desordens. Elles se trnarao momentaneamente os

    dolos da multido [...]53, por isso, sirva o passado de exemplo para o futuro!!!54. Perece-se

    a associao feita aos jacobinos como um grupo capaz de ter provocado a desordem e o

    autoritarismo atravs da violncia. De fato, os jacobinos foram os mais radicais partidrios

    da Revoluo Francesa, e mesmo tendo governado a Frana num curto perodo de um ano,

    entre 1793 e 94, deixaram marcas que abalaram o mundo e serviram de referncia para os

    anos que se seguiram. Da agregar o sistema republicano de governo ao jacobinismo e a

    negao de ambos, na tentativa de afast-los, pelas palavras impressas, de qualquer

    maneira, do horizonte do sistema monrquico constitucional brasileiro, pois os redatores de

    So Joo dEl-Rei, pertenciam elite da regio centro-sul, que dado o destaque econmico,

    apoiava o estatuto de pas independente desde que sua elite pudesse se fazer representar

    junto ao governo, como ocorria atravs dos processos eleitorais.

    O pressuposto para tal entendimento se baseava na defesa de um sistema

    constitucional. Enquanto o Astro de Minas defende a Constituio por ser a maior

    expresso da representatividade poltica atravs da prtica eleitoral o que garantia a

    representao das Provncias O Amigo da Verdade, por seu turno, defendia a Constituio

    pela sua maior particularidade, o Poder Moderador e por ter sido iniciativa de D. Pedro:

    51 O Amigo da Verdade, n. 3, sexta-feira, 15 de maio de 1829, p. 9.52 O Amigo da Verdade, n. 3, sexta-feira, 15 de maio de 1829, p. 10.53 O Amigo da Verdade, n.21, sexta-feira, 17 de julho de 1829, p. 81.54 Essa frase se encontra citada no p-de-pgina do texto publicado pelos redatores do O Amigo

    da Verdade e se refere obra Histoire de la Revolution de France de Mr. Desodoarte.

  • He nosso fim ratificar huma verdade hoje assas reconhecida de todos os bons Brazileiros, isto he, que nosso Augusto Monarcha, e seu Governo nada mais querem, do que a manuteno do systema representativo, ou do Governo Monarchico Constitucional por Elle oferecido a Nao, e por Ella adoptado, e jurado. (Grifo nosso)55

    Um acreditava nos benefcios do poder legislativo e outro se mostrava

    simpatizante do poder maior que lhes dirigiam e que, por curiosidade, s existiu no Brasil,

    sendo um caso especfico da histria do constitucionalismo. Dessa maneira, O Amigo da

    Verdade mostrava o seguinte entendimento acerca da Constituio: Quem resiste aos

    Poderes temporais, resiste a Deos56, associando o poder do Imperador ao poder de Deus,

    principalmente quando esse pensamento enfatizado na frase, Em huma palavra, a

    Constituio faz o Imperador Semelhante a Deos, tirando-lhe o poder de fazer mal, e

    dando-lhe so o poder de fazer bem: he o Anjo exterminador dos vcios, a barreira, que

    separa os poderes Legislativo, Executivo, e Judiciario57. Somadas as estas caractersticas,

    os peridicos tambm exerciam uma funo de utilidade pblica, ao divulgar notcias sobre

    venda de imveis, escravos e por publicar reivindicaes de seus leitores sobre questes

    cotidianas. Foi assim que os peridicos sanjoanenses, durante os anos de 1827 e 1829 se

    apresentaram aos seus variados leitores. Contudo, buscou-se neste trabalho, apresentar as

    idias divergentes entre os redatores do Astro de Minas e do O Amigo da Verdade, os dois

    primeiros peridicos surgidos na Vila de So Joo dEl-Rei.

    As divergncias pessoais entre o rico comerciante Batista Caetano de Almeida e o

    vigrio Lus Jos Dias Custdio acabaram tambm por compor o enredo dos peridicos e

    desvelar suas tendncias polticas e seus discursos que nos permitiram vislumbrar um

    tempo em que a imprensa era o principal instrumento de comunicao e teve o papel de

    formar e mobilizar uma opinio pblica. Suas preocupaes eram prprias do momento

    vivido, pois muito se discutia sobre os caminhos que o Brasil deveria tomar. Importante

    pensar ambos os peridicos como lentes para se enxergar as prticas de homens comuns e

    desconhecidos da historiografia, capazes de registrar com empenho as impresses e vises

    de mundo que os cercavam ao bipolarizar as opinies do pblico leitor.

    Sabe-se que O Amigo da Verdade se manteve em atividade at 1831, porm, as

    edies a partir do ano de 1829 se perderam. O interessante que Lus Jos Dias Custdio

    55 O Amigo da Verdade, n. 21, sexta-feira, 17 de julho de 1829, p. 81.56 O Amigo da Verdade, n. 3, sexta-feira, 15 de maio de 1829, p. 9.57 O Amigo da Verdade, n. 3, sexta-feira, 15 de maio de 1829, p. 10.

  • volta cena impressa em 1840, passando a redatoriar em um jornal sugestivamente

    denominado A Ordem e com veemncia defende o Golpe da Maioridade e os anos iniciais

    do governo de D. Pedro II destruindo qualquer gngrio da revoluo liberal, como se l

    na sua primeira edio.