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W. Figueirôa Garota do Livro

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W. Figueirôa

Garota do Livro

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Nota

Na vida precisamos questionar para que não venhamos a cair em abismos como: A ignorância, a cegueira, a possessão, a falta de amor, o ego exagerado, a incompreensão, a falta de respeito e tantos outros sentimentos que nos assalta por falta de vigilância de si próprio. “Orai e vigiai...” (Jesus).

Há um turbilhão de coisas que nos trás o desamor e a falta de caridade para com o nosso próximo, devido nosso alto-egoísmo.

Garota do Livro nos faz ver o quanto nós somos desatentos diante de tantos erros que cometemos, quando julgamos alguém ou alimentamos os mais terríveis sentimentos que nos consomem a alma dia a dia, que é o ódio e o preconceito.

Religiões mal orientadas, nos fazem soldados que a tudo obedecemos como numa guerra, sem nem ao menos questionarmos os fatos. Logo matamos achando que aquela ou essa pessoa são inimigas de nossa verdade, quando a verdade é relativa, se apresenta de acordo com a realidade vivida de cada criatura na terra. Deus não outorgou nenhuma lei que nos obrigasse a nada, mas sim, nos deu a maior ferramenta que nos

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faz caminhar de acordo com nossa vontade: O livre arbítrio. Ele sim, nos apresentou a lei universal, que não podemos sair dela para não nos prejudicarmos, mas que, procurássemos nos arrepender no sentido de não mais cairmos nem infligirmos essa lei, para então conseguirmos seguir adiante...

Não há céu nem inferno nem mau, a ponto de que nos façam se perder na escuridão do tempo e do espaço, porque Deus é misericordioso em suas leis universais. “Deixarei as 99 e buscarei a 100 ovelha que caiu no buraco” disse o Rei dos Reis, quando aqui esteve, nos dando a certeza de que ninguém irá se perder, ou ser jogado em algum caldeirão de fogo eterno... Porque Deus não é mau nem sente ódio nem alimenta vingança nem rancor de seus filhos na terra nem fora desse corpo de carne perecível que se transforma após a morte, mas sim, nos liberta para as esferas mais sutis, para uma análise de alto-consciência. Deus não é humano, é espírito. Deus é pai, não é padrasto.

“Amai os vossos inimigos, porque se vos amardes apenas a quem vos ama, que mérito terás?” falou Jesus, nos mostrando novamente que ninguém irá se perder e que todos temos a oportunidade de uma reorganização de nossas vidas para alcançarmos o cume da evolução espiritual. Então não há mau que não vá se transformar em uma luz eterna no bem maior... Se há aqui na terra ou no universo algum ser que se voltou para o mau, um dia ele irá reconhecer o valor desse amor cristão e se voltar a essa força que rege o Universo e Vida. Depende do nosso livre arbítrio, de nossa vontade.

O autor

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PREFÁCIO

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PARTE I

O LIVRO

Às vezes uso os livros para realçar meu romantismo.

Não que eu seja uma eterna romântica... Não. Eu simplesmente me entrego, quando estou apaixonada, mas não deixo que ela seja o motivo maior de minha vida. Há coisas mais importantes para se buscar além do amor. E por isso leio quanto posso. Nos livros encontro o que necessito e também o que tanto detesto. Sou assim: Meio café com leite.

Uma vez, andando pela livraria do bairro, a que eu mais consigo visitar, encontrei um título que me deixou curiosa e num sentimento impulsivo. Procurei não o pegar, para não me dar mais vontade de tê-lo. E dei umas voltas por ali pelas estantes de tantos gêneros literários. Olhei cada um com os olhos de uma verdadeira leitora, que tem fome de livros. Mas,

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não consegui tirar aquele título da minha mente jovem. A capa era diferente, mas aquele cabeçalho me deixou empolgada e sedenta.

Então voltei lá. E lá estava ele; um livro de capa escura e letras brancas, no fundo de capa, uma parte de uma moça deitada e seu braço jogado para o lado. Algo me dizia que eu deveria pega-lo. Acho que era meu instinto artístico e compulsivo. E peguei sem hesitar. Deslizei meus dedos sobre a capa lisa e, virando à contracapa, li à sinopse. "Meu deus" murmúrio. "Amei!". O enredo era magnífico. Apertei-o em meu peito e pensei: "Vou leva-lo". Olhei para os lados e ninguém que pudesse dar um palpite no que eu estava fazendo. Era o que eu temia. Dirigi-me ao caixa e, tirando meu cartão do bolso, paguei o encapado com o maior prazer da minha vida.

Lá em casa, no meu quarto, minha estante estava recheada de livros de todos os títulos e capas diversas. Eram quatro prateleiras de cor bege claro, todas quase completas de títulos. Então me sentei na cama e comecei a folhear aquele livro de 265 páginas, todas na cor envelhecida. Olhei para a janela e notei que o dia havia se fechado; iria cair uma pesada chuva. E, deixando o livro em cima da cama, me levantei e fui fecha-la. Mas, algo me fez parar ali debruçada olhando para fora. Meus olhos direcionavam-se para o pátio do prédio. Era um condomínio vertical. Levei os olhos grandes e desenhados

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para o relógio no braço esquerdo, e notei que os ponteiros já apontavam dezessete horas. Franzi o cenho, devido ao vento forte que me tocou a face juvenil. Eu tinha 29 anos, mas ninguém me dava mais que dezesseis. Aquilo me deixava sempre orgulhosa, por conseguir manter o semblante adolescente. Eu era uma pessoa de poucos amigos. Vivia mais em casa, quando não saía com meus parentes. Era só o que eu fazia, além de ler e, quando tinha tempo, escrevia alguns pensamentos meus usando aquele teclado preto.

Sim, algo acontecia lá embaixo no pátio de lajota. Havia algumas pessoas agitadas. O porteiro baixo e gordo era o real motivo do falatório. Eu morava no sexto andar e não dava bem pra saber do que se tratava a agonia. Fiquei curiosa. Mas o livro me esperava para ser explorado. Fechei a janela e voltei a me sentar na cama. Aquelas primeiras linhas me fizeram viajar...

Era mês de outono e as últimas folhas das árvores quase nuas caíam se deitando naquele chão de grama verde. Algumas árvores frondosas nas laterais de um estreito caminho trilhado pela família Fox, todos os dias, era palco de um teatro dramático: Uma garota; sim, uma garotinha de doze anos estava sendo molestada por entre um arbusto próximo a trilha. Aquela primeira estrofe mexeu completamente com minhas

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emoções. Tomei um impacto e a curiosidade me aguçou alguns sentimentos horríveis naquela cena; era terrível o ato selvagem.

A menina gritava, abafado e suas lágrimas desciam como rio, em seu rosto infantil. O sol se recolhia dando lugar ao entardecer friento. Seus pais, ao se recolher de um passeio matutino, esqueceu a filha que resolvera correr atrás de uma lebre branca que lhe apareceu aos olhos inocentes. E ocupados com a caçula Bruna, nem se deram conta da mais velha, que agoniada, pedia socorro em silencio forçado. O bruto homem animalizado consumia sua fome sexual em cima daquela criança que nem havia chegado à adolescência. Seu instinto de selvagem do sexo havia apagado todo o seu sentimento de pessoa humana. Era um verdadeiro animal. A menina se debatia naqueles braços rústicos e violentos. Seus olhos fitados no rosto da criança pareciam de alguém que se vingava naquele ato terrível. Depois de um bom tempo em cima da menina com seus movimentos rápidos provocando um pequeno sangramento, ele a virou de costas e se apossou de seu corpo de uma maneira muito mais violenta, fazendo com que ela gritasse de dor. O delinquente estava decidido a matá-la ali, para se satisfazer do seu desejo desequilibrado. No clímax de sua satisfação, ele puxou seus cabelos com bastante força, chegando a arrancar fios e fios de seu crânio delicado. Ela nesse momento desmaiou de dor. O brutamonte e selvagem

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continuava o ato, agora apertando o pescoço da jovem, que nada sentia mais.

Paralisei após ler essas últimas linhas. Fechei rapidamente o livro, estupefata. Meu coração estava acelerado. Uma raiva me tomava daquele personagem tão asqueroso e impiedoso. Fitei o olhar na janela e via a chuva cair forte, e pensava: "Porque ninguém a salvou?" "Por que seus pais a esqueceu, ali sozinha?". Eu estava realmente tomada pelas emoções de piedade e raiva ao mesmo tempo. Olhei para o livro em minhas mãos e pensava se deveria continuar, ou deixar aquela leitura pra lá. Senti-me como se fosse a própria; suja e violentada.

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PARTE 2

O PORTEIRO

Naquele transe ainda com o livro nas mãos, resolvi descer e verificar o que estava ocorrendo lá embaixo do prédio. Deixei o título na cama e saí.

A chuva ainda desabava, mas bem fina. Ao sair no saguão, levei os olhos à guarita e percebi que havia alguns policias conversando com João, o nosso porteiro, que já havia ali, a mais de dez anos. Cheguei até o início do saguão e fiquei lá. Notei que também havia uma mãe com uma criança de mais ou menos doze anos; uma menina aloirada, chorando. Aquela

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cena me deixou em transe. Lembrei o livro. Da menina violentada. E voltei correndo para o apartamento. Não peguei o elevador, resolvi subi pelas escadas a passos rápidos. Cada degrau era uma cena agoniante da história. Abri a porta e me pus no quarto com o livro nas mãos. Antes de continuar a ler, encostei-o novamente ao peito e pensei no que eu vi lá, na portaria. Então folheei as páginas e encontrei o parágrafo onde havia parado. O homem bruto e selvagem estava lá molestando aquela criança ingênua e desprotegida. Acreditem, meus olhos choravam de dó.

A família Fox, já se encontrava dentro de casa, e a tarde se ia deixando a noite em seu lugar.

- Mamãe... Falava Bruna, a mais nova. Onde está, minha irmã A.?

- Não sei minha filha... Falava ocupada em suas revistas de decoração. Sua irmã deve estar em seu quarto.

- Não.

- Não?!

Assentiu a pequena com o olhar murcho. O senhor Fox trabalhava em sua garagem, tentando arrumar o motor do carro.

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Estavam tão acostumados com a responsabilidade da filha mais velha, que nem se deram conta de se preocupar com ela.

- Filha! Fez à senhora Fox, se levantando e olhando para cima da escada. Minha filha!

Lá estava o quarto dela, vazio e cheirando a lavanda.

- Filha! Gritava a mulher com o semblante franzido. Querida!

Com os gritos daquela mulher, parei a leitura novamente. Meu pensamento estava focado na menina sendo estuprada. Precisando de ajuda. "Pobre criança indefesa e inocente" pensava entristecendo os olhos. Fechei o livro, decidida a não mais abri-lo. E guardei-o na prateleira junto aos demais encapados. Não marquei a página nem tive vontade de fazer isso. Agora, como eu iria conviver com aquela cena brutal? Não conseguia afasta-la da minha mente jovem e cheia de fantasia e imaginações. Tive um pequeno início de depressão. Pensei até que o mundo estava tão ruim, que quase chorei de tristeza.

Na cozinha, mamãe havia preparado uma torta de ameixa. Nossa! Sempre gostei de torta de ameixa. Era minha favorita. E mamãe sabia como deixa-la bem saborosa. Sentei-

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me e comi umas quatro fatias com suco de laranja, bem gelado. Meus pais estavam de saída; indo ao teatro ver um espetáculo. Era o que eles só sabiam fazer: ver peças, teatral. Algumas vezes eles me levaram, mas, aqui pra nós, nunca gostei de ver cenas, teatral. Gostava quando eles me levavam ao cinema, ou a uma lanchonete comer comida chinesa, ou batatas fritas com refrigerante. Amo essas iguarias. Mas em fim, eu ficaria mais uma vez sozinha em casa.

- Você soube minha filha... Dizia mamãe. Do ocorrido na portaria do prédio?

Olhei para ela e nada falei. Então mamãe continuou: - O porteiro Paulo abusou de uma das crianças daqui do condomínio.

- O que?! Falei surpresa.

- Você não está sabendo? A polícia teve aí e levou o rapaz preso. A mãe da garota denunciou, ele. Foi um pega-pra-capar.

Ela deu uma pausa e disse:

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- E a gente vivendo com uma criatura dessas, já pensou filha... que perigo? Vamos meu querido, estamos nos atrasando!

- Estou indo querida!

- Filha! Fique bem trancada aqui, porque as coisas não andam muito boas nessa cidade!

Assenti pensando na história e na menina que era atacada por um homem mal e selvagem naquele arbusto escuro.

- Tchau filha!

Foram suas últimas palavras até as quase dez da noite. Fiquei só e, não nego, assustada, com o porteiro e a minha leitura. Não via a hora de descobrir o paradeiro daquela personagem abusada. Desejava vê-la bem e sendo feita a justiça certa contra aquele monstro. Assim que meus pais desceram, corri ao quarto e me debrucei novamente na janela. O pátio já estava mais tranquilo. Apenas algumas pessoas se movimentando. Outras saindo no portão e outras entrando. "Quem estaria na portaria agora, já que o senhor Paulo foi preso?" pensei. E voltei para cama. Sentei-me com o celular na mão e comecei a navegar e mandar mensagens aos amigos.

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Nada falei sobre o livro nem o ocorrido no prédio. Queria afastar aquele assunto terrível da minha mente.

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PARTE 3

O TELEFONEMA

Antes que eu resolvesse pegar o livro novamente, o telefone da sala tocou. Ouvi, porque deixei a porta do quarto, aberta. Então saí do quarto às pressas. Quase tropecei no tapete, mas consegui me segurar. Eu estava com o emocional alterado. Tudo e todo tipo de som alto, me causava pavor. "Alô", falei com a voz trêmula. "Você vai?" era um amigo que queria sair comigo naquele final de tarde. Olhei no relógio da sala e marcava seis e cinquenta. "Agora?" falei com cara de quem não queria. "por quê? Você não quer?" e me lembrei do que minha mãe me falara sobre me trancar em casa. Foi minha

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saída para me livrar dele. "Quero, mas meus pais saíram e me disseram pra ficar em casa hoje". "Que pena, mas tudo bem, iremos outro dia" "Tudo bem L. vamos marcar outro dia" "Ok!" e desliguei o telefone. Respirei fundo e voltei para o meu quarto.

Vocês devem estar curiosos para saber com quem eu falava.

Tudo bem, falarei. Era meu ex. namorado: Luciano; um rapaz magro e que adora ler. Conheci, ele, em um grupo de literatura numa rede social. Claro, a mais famosa. Nem vou falar aqui, porque vocês já sabem do que eu estou falando. Pois é, L. curtiu uma postagem minha sobre poesias, porque amo escrever poemas. E eu fiquei curiosa, não conhecia, ele. Convidei-o então para ser meu amigo. Logo ele aceitou e já me chamou no In Box. Achei meio que atrevimento da parte dele, invadir assim. Mas no fundo, toda mulher gosta de ser apreciada e procurada. Levanta um pouco nosso ego, nossa alto-estima. E eu havia tido um péssimo dia. Estava à beira de uma pequena depressão. Coisa de jovens problemáticos. Então marcamos um encontro numa sorveteria. E daí começamos um curto romance. Durou apenas três semanas. Não era o que eu imaginava ser. L. só queria se divertir e nada mais sério. Mas ainda permanecemos amigos. E às vezes, marcávamos

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encontros, para passar o tempo e se divertir. Ele não era minha alma gêmea, mas combinávamos em algumas coisas.

Mas vamos deixar isso pra lá, e ir ao que mais estava me deixando sofrer: A garota do livro. No quarto, fui até a estante e peguei o livro. Ao toca-lo já sentia um arrepio de curiosidade em saber da menina, e ao mesmo tempo tinha certo receio em descobrir seu paradeiro.

- O que foi querida? Perguntava o senhor Fox, vendo sua esposa desesperada.

Como todo pai, aquela filha era sua predileta, apesar de não ser a caçula. Foi a primeira que ele colocou nos braços e ninou esbanjando um sorriso paterno. Preparou todo o quarto em rosa, para receber a primogênita.

- Nossa filha, querido, não responde a meu chamado! Simplesmente sumiu!

- O que?! Ela sumiu?! Falou já buscando a janela e porta.

- Já gritei por ela, mas não responde.

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O senhor Fox desesperou de imediato. Olhou para os lados, indo a cada janela da casa, a cada compartimento e nada da filha.

- Filha! Gritava em desespero. Querida! Querida, onde você está?

Os gritos naquela casa soaram aos quatro ventos. A pequena Bruna chorava com medo de perder a imã que tanto amava. Elas eram muito unidas. A caçula era bem cuidada pela irmã mais velha.

Após rodearem toda a casa, em desespero, a senhora Fox começou a chorar compulsivamente. O senhor Fox continuava os gritos, agora saindo ao quintal e olhando para a vegetação ao redor da residência. Nada de movimentação. Ele então resolveu ligar para a polícia local. Pediu ajuda de busca na redondeza. Sua esposa, desconsolada, segurava a pequena Bruna no colo, como proteção.

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PARTE 4

A BUSCA

A polícia deu sinal. Uns três carros se aproximaram da residência dos Fox. Todos os policiais desceram dos carros.

- O que houve senhor Fox?

- Minha filha! Minha filha sumiu!

- Onde foi que a viu pela última vez, senhor? Perguntou um dos guardas.

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- Estava comigo e minha esposa, aqui por esses arredores, quando passeávamos juntos e... Falava chorando. Quero minha pequena! Ela foi raptada! Precisamos agir rápido!

- Calma! Senhor, que vamos dar uma busca acirrada por aqui! Acharemos sua filha, não se preocupe!

Os olhos da pequena Bruna não escondiam a tristeza que sentia.

- Filha! Gritava o senhor Fox.

- Menina! Gritos dos guardas. Menina por favor! Apareça! Onde você está?!

- Querida! Minha filha! É o papai!

- Senhor... Um dos policiais gritou do outro lado, onde havia algumas moitas. Tem algo aqui! Olhem!

E correram; os outros guardas e o senhor Fox.

- O que foi policial? Fez o sargento.

- Vejam isso aqui! E apontou, separando os capins.

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Antes que alguém falasse alguma coisa entre os policiais, eu fechei o livro depressa e me levantei da cama saltando como um canguru. Deixei o livro lá e me pus para fora do quarto. No relógio acusava nove horas. Havia se passado duas horas, desde que meus pais saíram. Meus olhos arregalados percorreram todo o ambiente. A janela ainda estava aberta se deixando invadir pelo vento frio da noite nublada. Aproximei-me dela e fechei vagarosamente. Percebi a luz do pátio, acesa. Nenhum movimento na guarita nem no portão. Parecia que o silencio era provocado para dar mais um ar de suspense. Senti sede e fui até a cozinha. Meu celular estava repleto de mensagens e recados. Desde o primeiro momento que vi aquele livro, que não dei atenção ao aparelho. Meus olhos e minha atenção eram apenas o encapado comovente. Fui ao banheiro e voltei para o quarto. O livro era o que minha atenção, primeiro buscava. Eu estava curiosa, e ao mesmo tempo, receosa do que iria saber sobre aquela garota. Olhei novamente o relógio de pulso e dizia 21h e30mi.

Fiz uma espécie de ritual antes de pegar o livro pra continuar a leitura. Tentava me acalmar e banir minha ansiedade. Eu sei, era apenas uma personagem de uma história dentro de um livro de 265 páginas. Mas, eu em matéria de leitura, sempre levei a sério. Sempre mergulhei nas palavras, dando vida a elas em torno de mim mesma. Eu era um pouco

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de cada personagem daquele livro. Opa! Espere aí... Menos o brutamonte.

PARTE 5

O NOVO CAPÍTULO

Pronto. O livro estava as minhas mãos, para ser lido e continuado...

Respirei fundo e abri-o vagarosamente. Parecia até um filme de terror, ou de suspense. Tudo nos mínimos detalhes. Até o som das páginas me incomodavam os sentidos. Era como

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se dali, fosse jorrar o sangue daquela garota, ou vê-la... Vocês sabem do que eu estou falando!

Então. Abri no próximo capítulo. E lá estavam eles rodeando aquele arbusto. Dentro da casa, à senhora Fox e sua filha Bruna resolveram saí para o terraço. Viram movimentos de cães de guarda e muitos ladridos. Havia alguns por ali ao redor da casa, os outros estavam próximo ao riacho. A escuridão tomava o ambiente arborizado de árvores extensas. A família Fox residia pelos arredores da cidade, um pouco afastado. O senhor Fox optou pela casa, devido ser mais próxima do seu trabalho; ele era mecânico de automóveis. Trabalhava numa oficina da redondeza. Naquela noite, por sorte deles, a lua estava lá, se exibindo como uma noiva com seu véu brilhante na sua luz mais intensa. Havia canto de coruja em voo aberto com suas asas longas e brancas. O som do riacho era calmo e tranquilizante. Há até quem diga que, quando a coruja das asas brancas rasga por cima da casa, alguém da residência irá morrer. Tipo de superstição dos moradores antigos.

- Minha filhaaaa! Era o senhor Fox, lastimando em choro compulsivo o que via.

Em seu olhar desesperado, acampava o pior dos pensamentos: Sua filha morta.

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- Olhem... Dizia o policial que achara o local. Uma fita de tecido!

- Meu Deus! Fez o senhor Fox. É de minha filha A.! Gritava chorando. Era o vestido de aniversário que eu... Desabava em choro. "Meu Deus, minha querida filha, minha menina" "O que fizeram com ela, o que?!" e gritou: Nãoooo! Chorou o amargo da pior tragédia que pode lhe acontecer. E se jogou ali no chão próximo ao pedaço de tecido sujo do licor vermelho. Ficou agarrado a ele por um bom tempo.

- Senhor Fox, tenha calma! Ainda não sabemos nem temos a certeza de nada!

- O que?! Gritou o pai em desespero e olhando o policial, com cara de ira. E o senhor ainda acha que nada aconteceu a minha filha! Não sei o que vocês da autoridade fazem, que não acabam logo de uma vez com esses bandidos assassinos que rondam pela cidade matando e estuprando meninas! Chorava soluçante. Todos os bandidos deveriam ser mortos!

A campainha tocou. Tomei um susto de forma que deixei o livro cair de minhas mãos. Levantei-me e fui averiguar quem era. Pensei que fossem meus pais de volta. Minha sorte é que usávamos o famoso "olho mágico"; uma espécie de lente pregada na porta dando a ver quem estaria do lado de fora.

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Estendi-me para poder ver pelo o buraco, devido ele ser bastante alto. Eu tenho uma estatura baixa. Não puxei ao meu pai, que tem 1,75m. Saí quase à cópia de minha mãe. Até na aparência facial, eu pareço-me bastante com ela.

Então pra minha surpresa, não eram meus pais. Era uma figura semelhante à da história que eu lia; um policial com uma pequena folha na mão. Ele então insistiu em tocar. Senti dúvidas em abrir a porta para atendê-lo. Sei, era um policial, mas eu estava com medo.

Agora ele resolveu bater, ao invés de tocar. Batia várias vezes. Algo de errado havia. Imaginei ser sobre o porteiro. Antes que ele desistisse, resolvi abrir a porta.

- Boa noite moça!

Como sempre, nada respondi. Apenas assenti com a cabeça. Pela cara, do policial, percebi que não era coisa boa. Não seria uma boa notícia.

- Senhorita Ávila?

Engraçado, ele me chamou pelo sobrenome. "Como saberia?" pensei.

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- Sim. Respondi.

- Preciso falar com a moça.

- Do que se trata?

- De seus pais.

- O que?! Meus pais?! O que houve com eles?!

- Calma mocinha! Posso entrar um instante?

Assenti novamente, escancarando a porta de madeira envernizada e talhada. O policial era magro e alto. Usava bigode avantajado como um daqueles de filme americano.

- Licença!

- Fique à vontade. E meus pais... o que têm eles?

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PARTE 6

A NOTÍCIA

- Nem sei como começar a lhe falar moça.

- O que?! Alguma coisa errada, ou de ruim?!

- Não errada, mas muito séria.

- Do que o senhor está falando?! Por favor! Fale logo!

- Senhorita Ávila, eu sinto muito, mas seus pais sofreram um grave acidente de carro e...

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Naquela hora, minha expressão mudou completamente. Meu coração acelerou e minha tensão subiu ao último grau. E comecei a chorar silenciosamente olhando para ele. "Não acredito que..." sussurrei quase dando a perceber.

- Os dois. Fez o policial, ouvindo meu sussurro. Eles ficaram internados. Mas, acredito que se saíram bem. Não se preocupe!

- Quero que me leve lá, se puder senhor, agora!

- Tudo bem! Posso fazer isso. Deixarei a senhorita lá. Tive que vir avisa-la, porque foi o único contato que tivemos após o acidente: O endereço daqui com o nome completo do seu pai. Eles vão se sair melhor dessa.

- Podemos ir?

- Claro. Vamos sim!

E saímos os dois no carro da polícia. Antes de sairmos, peguei algumas coisas e, claro, meu livro. Queria continuar lendo, se caso fosse preciso dormir lá com eles. Havia dois policiais no carro. Eu fui atrás como uma prisioneira. É o que todos pensam, quando ver uma pessoa na parte de trás do carro da polícia, sem uniforme. Eu estava me sentindo assim. O livro

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ia a minha mão. A vontade era grande de lê-lo, mesmo sabendo daquela notícia trágica. Parecia que eu estava agora vivendo duas situações dramáticas. Lembrei-me, naquele momento, de um passado terrível que me deixou traumatizada até hoje. Deixando marcas que nem o tempo conseguiu cicatrizar. Esse era o maior motivo por eu ainda estar, dessa idade, sozinha e sem relacionamento. Mas luto pra esquecer, mesmo sendo impossível.

Lá, vi meus pais deitados no mesmo quarto tomando soro e com machucões no rosto e nas pernas. Eles dormiam sedados. Não me deixaram entrar, por enquanto. Mas me disseram que logo eu poderia visita-los, assim que eles despertassem. Então me sentei num daqueles bancos que ficam nos corredores. Pronto. Lá estava eu, pronta para ler mais algumas páginas do precioso livro patético.

O senhor Fox não mais chorava, ele rosnava de dor sentimental, da perda que imaginava em sua mente sofrida. Manchas de sangue e um pedaço do tecido da roupa da filha. Os guardas após aquela descoberta se mexeram rapidamente numa busca mais detalhada. Queriam pegar o delinquente de qualquer forma. E uma esperança havia de a menina estar ainda viva, mesmo sobre as presas dele. Não era o primeiro caso de violência que ele cometia, disse o sargento. Já era procurado

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pela polícia. Mas ele sabia como se esconder e disfarçar para não ser pego.

O movimento se fez rápido dos fardados. Os cães latiam e farejavam por toda parte naquele lugar escuro e repleto de mato e árvores de todos os tamanhos.

- Preciso ir com vocês! Disse o senhor Fox indignado. Quero olhar na cara desse animal, quando encontrá-lo. Mesmo minha filha estando viva, o chamarei de assassino muitas vezes. Até ele me ouvir e se ajoelhar diante de meus pés!

A caçada era intensa. A senhora Fox ficou na proteção de alguns homens da polícia, caso o assassino aparecesse. Ela quase não falava nada. Apenas chorava com a filha em seu colo. Havia guardas do lado de fora e dentro da casa.

De repente, passa pelo corredor de onde eu estava lendo, uma maca com um paciente em gritos. Havia sido baleado nas costas. Médicos e enfermeiros se apressavam em leva-lo ao quarto. Com aquele movimento, eu havia perdido o fio da ninhada da história. Mas, logo me encontrei.

Na mata, os homens e seus cães agiam com pressa. Não podiam perder tempo, havia uma vida em jogo, se caso a moça ainda estivesse viva. Entraram mata adentro. Os cães agora

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foram soltos de suas correntes. Algo eles farejavam. Latiam alto em grupo. Corriam espalhados. Todos, Pastores e Dobermanns treinados para a caça. A noite inteira foi de agitação.

E, sem que ninguém esperasse, um dos cães gritou como se fora atingido por alguma coisa. E logo silenciou.

- O que foi isso?! Fez o sargento ao lado do senhor Fox e mais cinco policiais.

- Um grito senhor. Disse um deles. Foi um de nossos cães, que gritou! Acho que foi atingido!

E a busca continuou. Com mais meia hora, outro grito alto. Outro cão. E o silencio repentino novamente.

- Meu Deus! Falou o sargento. Acho que ele está matando um por um!

- Acredito senhor! Fez um deles, anotando o número 2 num bloco de anotações.

- Não vejo a hora de pegar esse bandido nojento! Falava o senhor Fox, estampando semblante de ódio.

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Outro cão soltou um choro mais curto. E falou o silencio.

- Senhor, isso está ficando perigoso! Falava um dos policiais.

- Está com medo policial? Era o outro, que zombava em riso.

- Temos que encontrar esse assassino logo, entes que ele mate todos os nossos cães! Disse o sargento se dirigindo a um caminho em curva, apressadamente.

A cada avanço dos homens o lugar ia ficando mais escuro e assustador, sem a luz da lua, devido às copas bem arborizadas. Eles carregavam lanternas grandes. Todos armados dos pés à cabeça. Apenas o senhor Fox, desarmado e desprotegido, mas ele avançava junto com os outros. Era a sua filha, e não abriria mão de contribuir e busca-la com todas as suas forças.

- O que a senhorita está lendo? Uma educada voz jovem soava doce próximo ao meu ouvido me assustando.

De imediato não olhei. Continuei a leitura, mas com minha atenção no estranho. Então ele se sentou ao meu lado. Ouvi sua respiração de quem estivesse cansado.

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- Tem certeza que o senhor quer ir, senhor Fox? Gritava o sargento. Estamos adentrando muito essa floresta!

- Desculpe-me moça, a intromissão, mas acho que lhe conheço! Insistiu o estranho olhando para mim.

- O que?! Falei virando bem devagar minha cabeça e lhe percebendo a fisionomia.

- Onde você estudou, que escola?

"Nunca vi mais atrevido" pensei olhando pra ele. Ele era um rapaz mais ou menos da minha idade. Olhos escuros, cabelos em tranças e bem-apanhado. Usava óculos de grau.

- Desculpe-me se incomodo! É que te vi de lá daquelas cadeiras, onde eu espero uma resposta de um parente doente, e te reconheci.

Eu não mais conseguia ler minhas páginas com aquele cara me incomodando. E fechei o livro bruscamente.

- É sua mãe?

- O que?! Fez ele.

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- Falei se era sua mãe que estava enferma.

- Não. Minha irmã mais nova. Acidente de bicicleta. Vou render minha mãe, que já está lá, desde manhã. E você?

- Eu o que?

Ele então abriu um riso. Vou ser sincera: Nunca havia presenciado sorriso como aquele; largo e gostoso. Sua boca e seus lábios me deixaram encantada.

- Estou falando de quem você espera aqui. Disse ele em riso leve.

- Ah! Meus pais.

- Seus pais?

- Sim. Eles sofreram um acidente agora pouco... de carro.

- Sinto muito.

- Tudo bem.

- Minha irmã já está bem. Não foi nada sério.

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- Graças a Deus!

- E você... O que está lendo, que nem me ouviu? Fez deixando que seus dentes alvos se vissem.

- A história de uma menina que foi...

Silenciei. Não conseguia pronunciar a palavra.

- Que foi...? Como posso te chamar?

- Aline.

- Prazer! Bruno.

- Bruno?

- Sim.

- Esse nome me lembra de um dos personagens desse livro.

- Sério?

Assenti olhando pra ele.

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- Mas a estória é bastante triste. Lembra-me algo.

- Entendo. Você mora por aqui mesmo Aline?

- Sim. Mas há anos atrás, morava distante da cidade; pelos arredores de Gramado. Em Bavária, conhece?

- Sim. Mas nunca fui lá. Dizem que é uma cidade turística.

- É verdade; lá se cultiva flores. As famosas hortênsias azuis. E temos lá também um grande festival na primavera, que é o Festival das Hortênsias. A cidade ferve de pessoas.

- Que bom.

- Temos os melhores outonos lá. Toda a cidade se despe das cores para se vestir de um desbotado e laranja.

Já havia deixado o livro numa outra cadeira, devido a nossa conversa.

- Mas... Qual o motivo de seu silencio, quando ia falar do livro?

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- Vivi um momento terrível lá, na minha cidade. Eu tinha apenas doze anos de idade. Mas eu não... Não queria falar sobre isso.

- Tudo bem. Não fale.

- Senhor Bruno! Alguém gritou de lá. Deveria ter sido uma das enfermeiras. Senhor Bruno!

- Vou ter que ir. Foi ótima a nossa conversa!

Assenti e observei ele seguir até lá. Assim que Bruno entrou, eu levei meus olhos ao livro e recomecei a leitura...

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PARTE 7

UMA NOVA PISTA

- Preciso ficar de frente com esse demônio! Dizia o senhor Fox.

O choro já não mais molhava a face daquele homem tão revoltado. Era apenas ódio ou, se posso ser mais real: lágrimas endurecidas. Petrificadas. Esse é o grande perigo dos seres humanos: Alimentar o ódio dentro de si. Por mais que a situação seja desastrosa, jamais devemos vestir essa roupa, que nos deixa com a alma doente e em desequilíbrio.

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E continuaram a passos rápidos. O caminho se transformava em uma declinada rampa, fazendo com que os homens se esforçassem mais para subir.

- Olhem aqui! Gritou o mesmo policial se abaixando rapidamente. Mais uma pista!

O senhor Fox sentiu outro sopapo no peito e uma angustia o tomava a alma. A tristeza era seu escudo e sua força para continuar a busca. Agora era uma fina tira do vestido da menina, também sujo de sangue.

- Uma das alças da roupa! Disse o soldado, pegando-a com a ponta dos dedos.

O pai da vítima, antes de levar os olhos ao artefato, virou-se mergulhado em lágrimas e ira. Para ele, já não havia mais esperança de ver sua filha com vida. Pensou na esposa e na filha menor, que ficara em casa na esperança de uma notícia positiva. Nada mais restava a não ser mergulhar na tristeza e na dor. Ele estava agora escorado em uma árvore fina com o rosto por cima dos braços dobrados. Sinal de derrota. De que não havia mais nada a fazer.

- Recolham a amostra... Fez o sargento. Estamos no caminho dele!

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Mais um cão gritava sem parar. Agora não havia sinal de morte.

- Outro! Falou o soldado. Ele está vivo ainda!

Com pouco tempo, o animal se aproximou dos policiais com uma das patas quebradas e sangrando muito. Parecia ter sido amassada. Viam-se os nervos de fora e não havia mais dedos.

- Meu Deus! É Delfo, senhor! O que faremos com ele? Não podemos deixa-lo aqui assim! Lamentava o soldado se abaixando próximo ao cão.

- Não sei soldado! Nem podemos parar agora, porque estamos perto do infeliz! Vamos logo!

O cão estava deitado sobre a folhagem seca, sangrando muito e chorando.

- Vamos soldado, não temos tempo a perder! Gritou o sargento severamente, notando a piedade do subordinado.

E continuaram deixando o canino ali largado na mata. Ele tentou se levantar, vendo os homens partirem, para os

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acompanharem, mas sua pata não colaborava e deitou novamente. A metade da pata dianteira foi esmagada.

Após andarem alguns metros, eles tiveram outra pista.

- Por aqui! Falou um dos soldados. Vejam! Pegadas de sapatos! E são enormes!

- Minha nossa! Fez o oficial se aproximando da pista.

Pelas marcas do calçado, seria um homenzarrão. As horas haviam se passado rapidamente. Beiravam as dez da noite. O frio aumentava. Estavam todos praticamente dentro da floresta, onde o clima é mais gelado, devido à respiração das plantas. As lanternas alcançavam uma distância considerada. A fisionomia do senhor Fox se transfigurava a cada minuto ido sem acharem sua filha.

Quero dar uma pausa aqui e lhes falar que, lembram-se do Delfo, que ficou para trás? Pois é, ele teve infecção na pata, enquanto chorava de dor, ali deitado sem ter ninguém que o socorresse. O cão agoniava. Havia já perdido uma pata, a que foi machucada; estava completamente roxa e ficando sem sangue. A infecção tomou um rumo mais complicado: Alcançou seu pescoço e focinho, deixando-o paralisado. Só se via o rabo em movimento e a sua barriga respirando. O que o

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atingiu, estava enferrujado; teria sido uma ponta de ferro gasto. E Delfo, definhou ali, naquela noite escura e friorenta. Seu último suspiro foi acompanhado de fezes, urina e sangue, forçado, devido à imensa dor que sentiu. Delfo era um dos Pastores Alemães que pertencia ao grupo de cães mais bem treinados da polícia daquela fria cidade. A família Fox morava ao norte, nas regiões montanhosas de Gramado.

- Esse homem é grande, e pelo jeito, também muito forte! Falava o mesmo soldado. E não quero me encontrar com ele sozinho, jamais.

- Senhor Fox! Gritou o sargento olhando para trás, na direção da árvore, onde se colocava o pai desanimado.

E deu alguns passos voltando até ele.

- Senhor! Senhor Fox!

O oficial já respirava ofegante de cansado. E continuou: - Precisa ficar junto de alguém que esteja armado! Imaginamos um homem muito avantajado, brutamonte. Não queremos vê-lo morto!

O homem parecia que nada ouvia. Sua situação era de alguém que não mais acreditava em nada nem queria viver,

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sabendo que sua filha adorável morrera nos braços de um estranho monstro. Um devorador de crianças inocentes.

- Senhor? Insistiu o sargento. Vamos! Ou vai querer ficar aqui sozinho e correr o risco de...?

Ele virando-se para o oficial com o semblante irado, como um lobo louco de raiva, por estar sendo atingindo ferozmente, gritou lhe cortando as palavras:

- E qual a diferença sargento?! Se eu morrer ou viver, dá na mesma coisa, nada posso fazer por minha filha! Chorava em soluços. O senhor já imaginou a dor que eu estou sentindo aqui dentro, por saber que uma criança de doze anos foi raptada e amordaçada por um marginal?! Uma menina indefesa! Se, é para morrer com ela, que seja!

E se deixou arriar ao pé da árvore, vagarosamente e chorando com as duas mãos no rosto, como um desalentado. De repente, gritou enlouquecido:

- O senhor sargento, faz ideia e imagina uma menina como a minha filha, pedindo ajuda e chorando nos braços daquele animal... Desesperada e sentindo dor?! Pensando que seu pai não estava ali para lhe proteger... Para lhe defender...?!

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Meu Deus! Só deve ser mesmo um castigo isso! Por quê?! Por quê?!

- Pessoal... Gritou o oficial. Esperem um pouco! Não podemos deixa-lo aqui, como fizemos com o cão!

- Senhor... Falou um dos soldados, o mais velho e barrigudo, apresentando um fino e grande bigode enrolado. Vou aproveitar e voltar lá, para ver se Delfo ainda estar vivo!

- O que?! Queixou-se o oficial, percebendo o perigo.

- Tudo bem sargento! Estamos próximo do local! Só alguns metros!

- Ciano... Ordenou o oficial com o olhar imponente. Vá com ele!

E os dois soldados voltaram ao local.

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PARTE 8

O CÃO MORTO E UM POLICIAL ATACADO

- Olha lá Ciano! Ele morreu mesmo!

O estado de Delfo era lastimam-te.

- Meu Deus! Fez Ciano. Como pode haver alguém assim tão violento por aí...?

- Por isso que existimos Ciano, porque ainda há muita gente má, rondando a terra. O mundo seria melhor se não

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precisasse de proteção. Nem de armas. E que as pessoas pudessem todos os dias dar um boa noite, tranquilos.

Enquanto o soldado filosofava, Ciano tocava o cachorro carinhosamente. Ele quem adestrou aqueles cães durante anos. Era sua especialidade na polícia: Domar os animais para serem caçadores de bandidos e traficantes.

- Vamos amigo! Fez o bigodudo. Já tivemos a prova de que ele deixou de sofrer.

Ciano ainda tocava o cão, como se fosse uma despedida de tantos anos de companheirismo, em quanto o outro soldado caminhava em retirada.

De repente, uma gota de sangue caiu em seu braço, de cima da árvore frondosa.

- O que foi isso?! Gritou Ciano, se levantando.

- O que foi? Resmungou o outro se virando.

- Sangue! Caindo da... Olhou para cima.

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E o tirano saltou em cima dele, que caiu já quase abatido e com seu crânio atingido. O sangue espirrava para os lados e seu corpo se debatia rapidamente.

- Quem é você?! Socorro! Socorro!

O bigodudo, sem nada poder fazer, correu em gritos. Nem um tiro tentou disparar de tão perturbado que ficou diante da cena violenta. E vendo seu amigo ser morto brutamente.

- Sargento, socorro! Ajudem! Socorro!

Meu coração pulava da caixa dos peitos. Fechei o livro com os olhos assustados. "Meu Deus" sussurrava.

- Senhorita! Fez uma funcionária do hospital. Pode vir!

Levantei-me pegando o livro e me dirigi ao quarto, onde estavam meus pais. Não sabia se minha atenção se voltava pra eles ou para o livro e suas páginas sangrentas. Meus pais ainda dormiam. Papai foi quem mais se arrebentou. Acho que eu iria mesmo ficar por ali, aquela noite.

- Precisará que fique por aqui moça. Disse a enfermeira.

Assenti.

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- Quero seu nome completo, endereço e telefone, se puder.

Ela carregava uma prancheta nas mãos e uma caneta.

- Se precisar, de comer, tem alimento lá na cantina. Depois lhe mostro. E banheiro é aquele ali! Falou apontando para uma portinhola do lado. Você dormirá naquela cama ao lado de seus pais.

Era uma cama estreita, mas bem forrada e com um grosso travesseiro de fronha alva. Eu era filha única. E por ser filha única, fui muito mimada, desde criança. Hoje estou com 29 anos e mal sei fritar um ovo. E fico a pensar: como me casar se nada sei fazer? E lá em casa é ao contrário: Mamãe trabalha fora e meu pai em casa. Então o cuidado dele comigo é dobrado; por ser sua filha única e ter passado por algo muito difícil na vida, quando ainda criança. Papai já havia se aposentado. Trabalhou ainda muito jovem. Isso contribuiu para o seu descanso, entre aspas. Nem sempre fui filha única. Mas, lhes contarei sobre isso, mais pra frente.

Após me alimentar na cantina, voltei ao quarto e já via meus pais se mexerem. Aquilo me tranquilizou a alma. Eles realmente estavam vivos. Era o que mais importava pra mim.

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Mas pensei: Já que eles ainda não acordaram, posso ler mais alguns parágrafos do meu livro...

O assassino com cede de matar deixou aquele fardado irreconhecível por cima do cão morto. O sangue era como um pequeno lago, que a terra bebia rapidamente junto às folhas secas. Ainda havia respiração, mas não seria por muito tempo. E a menina? O que o delinquente fez dela? Era um mistério que só a floresta poderia responder. Nem mesmo a lua sabia seu paradeiro, devido às árvores altas e frondosas.

- Sargento! Senhor! Senhor!

O guarda chegou às pressas e quase desmaiando. Sua respiração era ofegante e rápida. Ele tremia feito vara verde.

- O que houve soldado?!

A voz do homem quase não saía. Estava atônito. Respirava acelerado e seus olhos arregalados, quase pulavam para fora.

- O que houve soldado, fale logo! Praguejava o sargento.

- Ele... Gaguejava. Ele foi ata...

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- Onde está o soldado Ciano? Meu Deus! Parece até um filme de terror, isso aqui! O que houve com Ciano, soldado?!

Havia mais dois soldados com eles. Ao todo, contando com o sargento, cinco homens.

- Temos que acabar logo com isso! Fez o senhor Fox, mudando de fisionomia e tomando um ânimo misterioso.

A coisa estava se tornando séria e perigosa demais. Havia um assassino a solta. A residência dos Fox era próxima ao perigo. Por alguns segundos, pensou na filha caçula e em sua esposa.

- Temos que sair daqui! Precisamos nos esconder! Gritou o sargento.

Houve então uma fuga; procuraram locais bem disfarçados. Pelo o rádio, o sargento contatou em voz baixa os policiais que estavam na casa, protegendo a senhora Fox. "Pessoal, ouçam: Estamos agora sendo perseguidos pelo o assassino, Ciano foi atacado por ele, e alguns cães foram mortos!" "Sim, senhor, deixarei dois homens bem armados com a senhora Fox, e irei, com os outros, procurá-los!" "Certo soldado". "Vejam aquilo!" sussurrou um dos soldados. "Minha

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nossa senhora!" praguejou o sargento. "O que é isso?" perguntou o senhor Fox com os olhos fitados na fera.

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PARTE 9

UMA VISÃO APAVORANTE

"Então esse é o diabo desse demônio que matou minha filha" "Silencio senhor Fox" sussurrou o sargento. "Vou apontar a arma pra ele, calma! Quero pega-lo de cheio". "Ele é tão deformado" fez um dos guardas. "O sargento não pode mata-lo!" "Por que, não posso?" "Esqueceu que só ele sabe onde está o corpo de minha filha?" "Verdade senhor Fox" disse o sargento. "Não posso mata-lo! Por favor, não atirem ainda!". "Acho que esse cara é mesmo o filho do capeta" disse o guarda mais jovem.

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E sem que eles percebessem, o assassino os percebeu e fitando o senhor Fox com olhar de ira, tentou se retirar numa fuga rápida. Inesperadamente o pai da menina, tomando a arma das mãos do sargento, apontou-a para o animal, antes que o animal fugisse, saindo da moita e deu vários tiros derrubando o bandido no chão. Ele acertara de cheio em sua cabeça, derrubando o estranho no chão.

- Senhor Fox... Gritou o sargento correndo atrás. Não!

O homem odioso continuou atirando até a última munição, estragando todo o rosto do infeliz. Ele estrebuchava de dor e seu sangue jorrava saindo como de um saco furado. Sua cabeça esfolara soltando os miolos ao ar misturado ao sangue grosso e escuro.

- Minha filha! Fez papai já acordando.

Soltei o livro em cima da cama e dei um pulo me aproximando da maca deles. Meu coração pulsava a mil.

- O senhor está bem? Falei acariciando-o e demostrando uma voz trêmula.

- Estou. Sua voz era um pouco baixa. E sua mãe?

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- Está aí do seu lado. Falei em riso magro.

- Ela está bem, filha?

- Sim papai. Teve menos ferimento. Dormirei com vocês aqui, hoje. Eu estava lendo.

- Percebo que você está muito tensa e sua voz...

- É a leitura pai. Falei cortando suas palavras.

- Do que se trata a história?

- Muito triste. É sobre uma menina que é atacada por um bandido e...

- E...?

- Não quero falar sobre isso.

- Tudo bem filha. Não vejo a hora de ir para casa.

- O que houve pai?

- Depois lhe conto tudo.

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- Está bem. Vou continuar a minha leitura aqui.

Papai assentiu. E eu tornei a ler...

A senhora Fox já não aguentava de tanta ansiedade e medo. Mas, sentia muito mais tristeza e dor pelo sumiço da filha. Apenas dois guardas e dois cães vigiavam sua residência. A chuva então começou a cair levemente. Era outono, mas sempre chovia nessa estação. Os frutos precisam ser aguados pelas mãos do criador.

- O pessoal pegou o bandido, senhora Fox! Fez um dos policiais, recebendo uma ligação do oficial.

- E minha filha?! Encontraram?!

A reação do guarda não foi o que a mulher esperava.

- Não senhora. Ele estava sozinho, e havia matado um dos policiais, o domador de cães mais, acho que três cães.

Assenhora Fox então chorava copiosamente junto a caçula. Por mais que ela acreditasse na vida após a morte, mas era uma filha. E manter-se equilibrada diante de uma situação dessas, não é fácil. Ela tinha a certeza que nada era por acaso, mas que não fosse com sua filha. Algum motivo mais forte

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existia por trás daquilo tudo. Mas, nenhuma mãe ficaria bem numa situação dessas.

- O que faremos com ele senhor? Fez um dos soldados olhando para o sargento.

- Temos que fazer o que tem que ser feito: Vê se ele tem família. Quem ele é na verdade. Fazer uma investigação acirrada. Vou ligar para o detetive, Moura. Não tiraremos, ele daqui até o investigador chegar. Temos agora que tentar achar a garota. É nossa maior missão aqui. E agora com mais dificuldade, porque a única prova e pista dela, era ele, e o matamos.

- Tudo bem senhor! Vou organizar os outros soldados para fazermos uma busca mais detalhada, já que o infeliz está morto!

- Chamarei outras viaturas para ajudar! Fez o sargento.

- Vixe! Esse homem fede muito! Falou um dos policiais franzindo o cenho. Acho que não toma banho há séculos!

- Cubra, ele! Ordenou o sargento. Temos que encontrar o destino da garota, agora!

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O senhor Fox ainda permanecia em transe, mas com um gostinho de vingança na alma; havia feito justiça, matando o monstro. É o que o ser humano até hoje tem como justiça e vem apresentando, com sua pequenez de sabedoria, que Deus o Criador Supremo age assim, quando se trata de justiça, esquecendo de que ele é Espírito e não um simples mortal, que se alimenta de sentimentos negativos e humanos. Mas a perda de um filho, nunca se pode rever em hipótese alguma. Ao ver do ser humano, não há consolo para tal. Seu rosto já se mostrava inchado de tanto chorar. "Quando se perde alguém que tanto amamos, é como se uma estrela não mais brilhasse nas noites de constelações visíveis".

Aquele quarto de hospital não era o local ideal para se concentrar em leituras, mas eu, uma viciada nos livros, tentava penetrar naqueles parágrafos tristes. Um leve cheiro de éter chegava as minhas narinas. E às vezes aquele cenário hospitalar me deixava completamente pra baixo. Confesso: Não é o melhor lugar para se ficar. Mas continuei a ler o encapado de 265 páginas...

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PARTE 10

BUSCA SEM RESPOSTA

- Nada aqui amigo! Apenas galhos e galhos!

- Então desça e vamos continuar a busca pelos arredores! Mas antes precisamos voltar lá e avisar ao sargento e pedir que ele mande alguém para cá, para tomar conta do corpo de Ciano.

A busca naquela árvore foi realmente sem resposta. O delinquente usou apenas para pegar o policial. A perícia teria muito trabalho agora com três cadáveres. Então os policiais se reuniram e planejaram continuar a busca assim que o restante

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dos homens chegasse ao local onde eles estavam. O senhor Fox não desistiu da ideia de que iria junto com eles. Precisava pelo menos ver o corpo de sua filha mesmo que ela estivesse morta.

- Não precisa ir senhor Fox. Falou o sargento. Precisa dar assistência a sua esposa e sua pequena filha.

- Mas eu quero ir! Não me sentirei tranquilo enquanto não ver o corpo dela. Falou vestindo um semblante de fúria e ódio.

Então o grupo saiu pela floresta adentro. Vasculharam todo tipo de casebre e aldeia que encontrasse. E chegaram ao pé de uma pequena caverna. Conhecida como "Caverna do Medo", devido algumas histórias de que assombrações apareciam na porta da abertura. Poucos foram lá, naquela gruta. Havia até uma curta lenda de que dois deuses atacavam a quem se atrevesse a entrar lá. Eles faziam você se ver como um pecador e tentavam lhe ensinar coisas que vinham das Estrelas a noite. Mas, acho que era só uma vaga lenda do povo antigo.

- Não acredito que aquele monstro tenha colocado a menina ali presa, ou morta. Fez o sargento.

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- É o último local agora senhor, para vasculhar. Disse o policial. Teremos que arrodear por trás para chegar à boca. conheço um pouco desse lugar.

- Se não tem outra opção, então vamos!

O senhor Fox, como que uma intuição, sentiu uma pequena esperança. Não de que a filha estivesse viva, mas de que algo ali poderia dar uma resposta mais certa para ele. Que sua vida iria mudar de rumo, ou quem sabe, encontrar um baú repleto de ouro e joias preciosas.

- Eu vou, na frente! Gritou.

- Tem certeza senhor Fox? Perguntou o oficial.

Ele assentiu.

- Tudo bem! Vamos então preparar o material. Quero apenas dois homens lá em cima, além do senhor Fox! Não pretendo perder mais homens.

E carregando algum material, eles subiram fazendo um arrodeio em circulo, da caverna. Já beirava o amanhecer. Os primeiros raios de sol apontavam do lado das colinas. A senhora Fox não havia dormido a noite inteira. A ansiedade era

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maior do que seu sono. Ela então, com o despertar do sol, resolveu preparar um café. Ofereceria para os dois guardas de plantão. A pequena Bruna dormia como um anjo em cima do sofá. A mulher ficou pensando por alguns minutos, dos momentos em que ela e suas duas filhas ficavam juntas em conversas familiares, e quase sempre ela aproveitava para dar conselhos às duas sobre a vida. Imaginava que iria sentir muita saudade de leva-la a escola pela manhã. Aline já era uma mocinha e se parecia muito com a mãe. Os trejeitos, a fisionomia e as pequenas coisas do dia a adia se assemelhava com ela. A senhora Fox até imaginava os quinze anos da filha. Então ela serviu o café aos policiais e se sentou perto da filha, que dormia calmamente.

Na caverna, os homens chegavam à abertura. O silencio ali falava na companhia dos ventos fortes e gélidos. O senhor Fox, antes de entrar, olhou para baixo e uma fugaz vontade de se jogar no abismo, lhe perturbou a mente de pai aflito. Mas, a esperança em ver sua filha, mesmo que morta, foi maior. Pensou também na esposa e na filha menor, que o esperava com uma notícia positiva.

- Vamos senhor! Fez o policial já preparado para entrar na gruta.

As lanternas foram ativadas. Cada um carregava uma.

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- Que cheiro horrível aqui! Gritou o mais jovem.

Com o senhor Fox, subiu o policial bigode e Jorge, o mais jovem do pelotão do sargento. Nos primeiros passos, alguns morcegos se assustaram e quase que bateram neles, em seus voos desnorteados com suas cegueiras e grandes asas.

- Minha nossa! Falou o guarda mais jovem se abaixando.

- Fique tranquilo... Fez o senhor Fox. Eles são todos cegos! Ali onde moro há vários deles. Precisamos apenas proteger o peito para que eles não finquem suas garras. São vampiros reais.

Quando eles falavam suas vozes voltavam num eco suave. Apenas escuridão. Eles levantaram as lanternas para ver o que havia no interior. Nada foi visto. Enquanto eles entravam o terreno ia ficando acidentado, como se estivessem descendo uma pequena ladeira. Suas restas estavam vivas nas paredes de pedra maciça.

- Aline! A voz era baixa. Quase imperceptível.

- Mamãe?

- Aline minha filha, você está bem?

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- Estou sim mamãe.

Mamãe havia acordado. Ela parecia mais cansada do que o pai. Soltei o livro e me dirigi até a sua maca.

- Seu pai?

- Está melhor. Está do seu lado. Falei em riso vago.

- Graças a deus!

- A enfermeira falou que logo vocês saem daqui.

- Espero que sim. A coisa foi muito... aaaaai. Está doendo!

- Fique quieta mãe! Depois a senhora me fala tudo. Descanse.

Era madrugada no meu relógio. Dei um cheiro nela e voltei a minha cama. O que teria acontecido àquela garotinha? Era minha curiosidade em chama. E recomecei a página...

Os policiais então buscaram os fundos da curta caverna cheirando mal.

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- Opa! O que é isso aqui? Gritou bigode, pisando em algum utensilio macio. Coloquem a luz aqui em meus pés!

- Boa noite! Era a enfermeira quase me assustando.

Tive que, novamente, dar uma pausa na leitura logo naquele momento em que algo novo estava para se mostrar. Fechei o livro e deitei-o na cama com a sinopse para cima.

- Boa noite! Respondi.

- É hora dos remédios de seus pais. Ajude-me mocinha, a aplicar.

Aquela mulher falava bastante alto e num tom rustico. Os remédios foram aplicados e meus pais voltaram a dormir ainda no soro.

- Você não quer ir comigo fazer um lanche na cantina? Fez a enfermeira.

Tive dúvidas, devido à leitura que estava muito boa, mas minha barriga pedia algo para lhe forrar o estômago vazio. E fui com ela, e levei o livro em baixo do braço. Enquanto degustava alguma coisa, abri as páginas em cima da mesa de madeira rustica e comecei a ler...

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Um dos policiais esbarrou os pés num artefato. Era um vestido infantil.

- É uma peça de roupa, Jorge, rasgada!

- Roupa?

- Sim.

O senhor Fox logo se abaixou para ver do que se tratava. E a surpresa mais desagradável de sua vida se mostrou ali naquele lugar fúnebre e escuro: O vestido de sua filha. Havia manchas de sangue nele. E o homem sem nada dizer, chorava quase em silencio. Ele pegava no vestido com suas mãos de um pai convencido de que sua filha realmente estaria morta. Seu choro se misturou ao ódio que alimentou desde que soube do rapto. E deixou que seu quase urrado ecoasse naquela caverna úmida e escura. Finalmente desabafou como queria ali, como um animal que perdera uma de suas crias. Os dois policiais não sabiam o que fazer. Tomaram um susto, ao ver aquele pai se derramar em pranto desesperador e sem limites. Apenas esperaram aquele homem sanar as lágrimas e resolver aceitar a realidade dos fatos.

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PARTE 11

NUME

O senhor Fox não conseguia aceitar os fatos. Não poderia ser isso; sua filha morta e por um estranho assassino e cruel. Para ele, aquilo tudo era um eterno pesadelo. Era como se aquela tarde nunca mais se acabasse aos seus olhos de pai displicente e irresponsável. Vestiu-se de uma culpa mergulhando profundamente em suas emoções e remoço. Não teria a coragem de voltar a sua casa sem uma resposta da filha. Não se perdoaria nunca. O que dizer a sua esposa e a sua caçula? Quem iria lhe perdoar se nem ao menos havia se batizado, ou comungado em qualquer religião que pudesse lhe

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absolver as faltas? Como se confessar diante de seu erro fatal? E tantas perguntas lhe acusavam a consciência culpada. Preferiria morrer há voltar sem respostas as suas interrogações. E lembrou-se de Deus. Sim, Fox havia ouvido falar dele desde que ainda era uma criança. Mas se ele era Deus, por que deixou que isso ocorresse assim dessa forma tão pungente.

- Senhor Fox! Gritava o policial, já com a bagagem arrumada. Senhor!

O mísero homem não respondia; estava em estado de transe total. Urrava feito cão, a ponto de desabar ali. Houve uma última tentativa dos guardas, mas Fox não respondeu.

- É... teremos que deixá-lo para trás. Disse o policial Bigode.

- Assim? Perguntou o mais jovem.

- Nada podemos fazer amigos. Vamos! Depois mandaremos alguns homens aqui para busca-lo.

- E se...

- Fique tranquilo, que não tem perigo! Vamos logo!

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E saíram às pressas. O senhor Fox ali ficou sentado e cabisbaixo. Ainda chorava em forma de ódio. Sua vida acabara ali, naquele palco escuro e sem plateia. Um homem robusto que mais parecia uma criança indefesa.

Após alguns minutos de pranto, ele se levantou e começou a gritar com blasfêmia contra o Criador:

- Deus! Por que isso comigo?! Por quê?! Poderia ter me levado, ao invés de minha filha tão pequena e inocente! Isso não é justo! Não é! Deus! Estou aqui! Por que não me leva agora?! É o mínimo que você poderia fazer para me aliviar à alma, à dor, à agonia, que me corrói o peito! Se, fiz algo que te desagradou, por favor, não culpe minha filha pelos os meus erros! O pecado é meu! Deus! Peço-te que perdoe ela... E chorava em soluços. Ela não passa de uma menina indefesa. Não há castigue por minha causa! Não faça isso! Eu te imploro Deus!

E caiu novamente em pranto lastimável ali naquele chão frio e escuro. Sua lanterna ainda acesa era a única espectadora daquele drama sem solução. O senhor Fox agora chorava naquele chão escuro e úmido, como se orasse de joelhos. E de repente, um grão de arrependimento o tomou, mas ainda misturado ao remoço e ódio.

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O sol lá fora já clareava os arredores da gruta, deitando alguns raios minúsculos na entrada. Alguns pássaros se arriscavam a gorjear voando em busca de alimento nas finas moitas de capins que cresciam verdes. Lá dentro, o desespero do homem tomava uma dimensão horrenda. Seu coração havia se enchido de revolta e fúria. Mataria o primeiro que aparecesse em sua frente. Estava de uma forma que agrediria até o próprio Deus, se caso ele aparecesse em sua frente. Sua lanterna havia apagado por falta de bateria. Agora a escuridão era sua companheira no interior da tuberculose rochosa.

Após algum tempo sem nenhuma resposta de quem ele esperava, Fox resolveu sair como um cego, tateando na penumbra. Chutava algumas pedras e batia em pequenos montes de argila.

- Ai! Trombou na parede e voltou, se estendendo ao chão arenoso.

Conseguiu se levantar segurando nas paredes úmidas, e continuou seguindo como um cego sem rumo, tentando achar a saída.

- Fox! Uma voz suave e firme soou vinda dos fundos da gruta. Fox! Insistiu a voz paciente.

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- O que?! Respondeu assustado e tentando enxergar no escuro.

Parou curioso, se segurando nas laterais. Quem está ai?! Que brincadeira é essa?!

Imaginou logo que seria os fantasmas conhecidos das histórias antigas. Ele não via um palmo a sua frente. O silencio gritava em seu ouvido. E o medo tomava sua alma. Apenas aquela voz.

- Fox! Não tenha medo! Insistiu a voz firme e calma.

- Eu não estou com medo, estou com ódio! Gritou com a voz rasgada. E por favor, pare de brincar no momento mais difícil de minha vida! Se és um fantasma ou alguém de verdade, apareça logo, não gosto disso!

- Não estou brincando meu filho. Estou aqui porque você me chamou.

- O que?! Assustou-se.

Fox sentiu o peso daquelas palavras e preocupou-se se lembrando do que havia falado em gritos, quando blasfemava contra o criador. Mas como seria isso; um Deus que fala com

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homens simples e perdidos. Isso não era possível. Acho que é uma brincadeira de mal gosto. E gritou: - Não sou seu filho! Pelo que sei, meu pai já morreu!

Ele então se apressou a tentar achar a saída e não conseguia. Deu quase duas voltas segurando nas paredes, e nada de ver a abertura nem um pingo de claridade. "O que diabos estar acontecendo que não...?" resmungava.

- Filho... A voz o interrompeu. Peço que não pronuncie mais esse nome. O pai da mentira vive atento aos chamados dos homens fracos de fé. E quando a maldade se aproxima, domina sem pedir ao menos licença, deixando os homens desarmados do bem. Porque o mal habita neles mesmos, não vem do exterior.

- Com quem estou falando?! Por que se esconde? Por que não aparece logo! Não vejo piada nisso!

- Meu filho... Eu não me escondo, você é quem se faz cego a minha imagem. Tudo depende de seu pensamento. Seus olhos estão totalmente fechados com tanta revolta e mágoa, e se posso ir mais além, mergulhados em ódio, que não vê além de sua ignorância. O ódio é um sentimento que mata a humanidade. O ódio é pai da queda humana e do orgulho dos homens insensatos.

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- Por que está me falando essas coisas?! Não conheço você! Onde você está? Apareça por favor!

- Não sei meu filho. Mas acho que você precisa ouvir. E já nos conhecemos há muito tempo. Não será preciso que me veja com os olhos.

- Ouvir?! E quem é você pra querer me dar conselhos?! Se conselho fosse bom, não se dava, e sim, era vendido!

- Concordo com você. Mas quero lhe afirmar que, já há muitos homens fazendo isso com a sabedoria dada a eles. A sabedoria e o amor vêm sendo vendidos todos os dias.

- De onde nos conhecemos? Não reconheço sua voz de lugar algum!

- Desde que você resolveu um dia me procurar, lembra? Mas desistiu.

- O que?! Por favor! Poupe-me de suas charadas! Falava soltando um riso sem graça.

- Meu filho... Um dia vi você triste pelos cantos de sua vida, e percebi que me procurou, mas seu orgulho não deixou que me pedisse ajuda.

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-Por favor! Deixe de lorota, de conversa fiada e se apresente! Não posso ficar aqui falando com alguém invisível pra mim, não acha? Tenho muito com que me preocupar! Perdi uma filha. Mas isso não importa.

- Sim, claro! Desculpe-me! É o que eu mais quero fazer. Mas, preciso que você abra seus olhos! E saiba que sei tudo sobre sua filha.

- O que?! O que sabe sobre minha filha?

- Meu filho... Abra seus olhos, mas não os da matéria e sim, os da alma, e você irá conseguir me ver.

Foz então, deixou que um instante de calma o tomasse e logo ouviu daquele que ele ainda não conhecia de verdade:

- Agora, vire-se!

O senhor Fox ainda cheio de dúvidas e com bastante medo, se virou devagar... E uma intensa luz em forma humana se mostrava a sua frente.

- Quem é você?! Disse ainda assustado.

- Sou NUME.

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PARTE 12

O DIÁLOGO

- Que luz é essa? Dizia Fox surpreso.

- Luz?

- Sim.

NUME apenas fitava seus olhos tristes e angustiados.

- Você faz muitas perguntas Fox. E na vida nem tudo pode ser respondido.

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Então a caverna toda clareou a ponto de se ver os mínimos detalhes das paredes avermelhadas. NUME não carregava lanterna alguma, mas sua luz era intensa e bem esbranquiçada. O senhor Fox sentiu seus olhos ofuscar com a claridade. Franzia a testa com o semblante enrugado.

- Você poderia diminuir essa luz? Por favor!

- Meu filho... A lei que rege o universo é a lei do progresso. Então o caminho é sempre a busca. O que lhe ofusca na verdade, não é a minha luz e sim, a sua cegueira.

- Estou farto de filosofia! Pra ser sincero, eu ódio enigmas e coisas desse tipo!

- Esse é o seu problema meu filho; é que você levou a vida odiando tudo. Não carrego lanterna nem preciso delas para poder ver as coisas e ser visto.

- E de onde vem essa...?

- Você já observou no interior desse lugar que parece ser abandonado? Fez, desviando o assunto e cortando as palavras de Fox.

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Fox, confuso, não entendia do que se tratava aquela pergunta. Olhou cada detalhe ao seu redor e nada via além de barro e argila úmida. O ambiente de repente estava todo claro e bem nítido aos olhos de um homem incrédulo e confuso.

- Eu sei: Você nada ver. Disse NUME com ar de leve riso. Os homens só enxergam o que querem enxergar. Por isso sofrem tanto com suas interrogações vagas e sua alma cheia de egocentrismo.

Ao ouvir essas palavras, o senhor Fox mais uma vez observou cada canto do ambiente. E foi interrompido por NUME com palavras, para ele, confusas:

- Veja aqueles cristais de gelo ali tão brilhantes...! Eles habitam os mais escusos lugares escondidos e abandonados, mas conseguem viver e se mostrarem numa beleza extraordinária, mesmo rodeado de escuridão.

Fox tentava não se irritar com aquelas palavras doces e de pouca valia para ele. Ele vivia um momento de dor. E sofrer por algo que não está em suas possibilidades de alcance, é pior do que qualquer outra dor humana.

Após aquelas últimas palavras daquele capítulo, eu soltei o livro na cama e caí num sono profundo. Acordei com a voz

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firme da enfermeira a chamar para o café. Levantei às pressas e me pus em pé olhando para meus pais ainda dormindo. A mangueira de soro nutria suas veias com as últimas gotas caindo vagarosamente. "Acho que não teria paciência pra isso". pensei.

- Eles devem receber alta hoje querida. Disse ela. Falta pouco pra terminar o soro.

Meus grandes olhos eram só esperança. Queria vê-los em casa como de costume. Eu tinha pais maravilhosos e agradecia a Deus por eles existirem. Olhei para o livro deitado na cama e lembrei-me do senhor Fox; um homem jovem e cheio de saúde, que acabara de perder sua filha e estava diante de uma situação confusa naquela gruta escura, mas que uma claridade estranha o deixava curioso e repleto de esperança.

- Vamos? Falou a enfermeira.

Teríamos um dejejum matinal. Assenti e acompanhei-a por ali pelo corredor.

- O que está lendo mocinha? Perguntou a mulher enquanto caminhávamos.

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Tive receio de falar sobre o livro pra ela, mas que mal faria isso.

- Um drama. Respondi sem hesitar.

Ela abriu um sorriso amigável e disse:

- Eu adoro dramas, mas com tanto que não tenha morte. E findou as palavras nu riso agradável.

Deixei meu sorriso sorrir e engoli seco. Morte era o ponto fatal e inicial daquele livro. "Acho que mudarei de assunto" pensei. Mas uma extensa mesa retangular apareceu aos nossos olhos, completamente repleta de receitas.

- O que vai querer? Fez, mostrando-me algumas opções na mesa comprida.

Apenas peguei uma banana e algumas bolachas amanteigada. Havia suco de laranja. E pedi um copo. Uma mulher grande e gorda servia aos funcionários e aos visitantes que acompanhavam seus parentes. Comemos e voltamos ao quarto, onde meus pais já se encontravam acordados.

- Bom dia filha! Fez papai sorrindo.

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- Já se alimentou querida? Falou mamãe preocupada como sempre fez.

Assenti acompanhando um sorriso amável e me dirigi para perto dela, que deitou suas mãos frias do ar condicionado em meu corpo.

- E o livro, querida... Terminou de ler?

- Ainda não mamãe. Respondi meio sem graça.

Era uma história que me aguçava a curiosidade, mas os intervalos não deixavam que eu me adiantasse na leitura. Nunca havia lido algo assim, que me obstruísse a curiosidade. O livro estava sempre me deixando confusa em querer saber os próximos parágrafos. Vivia duas situações diante daquele encapado maravilhoso.

Após mais duas horas ali, o soro encerrou e meus pais foram liberados. Voltamos em conversa animada. Pegamos um táxi. O livro estava, como sempre, em minhas mãos e meus olhos curiosos para saber mais sobre aquele diálogo entre o senhor Fox e NUME. E para falar a verdade, aquele nome não era comum ao meu dicionário limitado. Logo procurei um para tentar saber o significado. Surpreendi-me com o termo. O senhor Fox estava diante da verdade absoluta. Nada mais

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curioso para me deixar com mais vontade de ler aquelas páginas amareladas e dramáticas. Mas não me atrevi por enquanto a abri-las, deveria cuidar de meus pais ainda acamados. Eu e a secretária do lar, tivemos que ser seus enfermeiros dia e noite. E foi tudo tranquilo. Sem nenhuma dificuldade. Ela havia feito o curso de cuidadora, durante sua estadia lá em casa. E meus pais tiveram todo o cuidado possível e na mais sutil atenção, ajudando àquela senhora. Eu confesso que aprendi algo de importante em minha vida: A cuidar melhor de meus pais.

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PARTE 13

SEGUNDO DIÁLOGO

Após uma semana, meus pais já estavam melhores e de pé. O livro ficou em baixo do travesseiro por esses dias. Queria estar próximo a ele. Não o perder de vista. Levantei o travesseiro e lá estava ele, pronto para ser lido. Aproveitei que a secretária decidira ficar até mais tarde com meus pais, e sentei-me para ler algumas páginas. Não via a hora de saber mais sobre aquele diálogo entre o senhor Fox e NUME. Aquele ser interessante que todos nós acreditamos, mas que um resquício de dúvida ainda habitava nossos pensamentos imaturos.

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- Olha! Eu não sei onde você pretende chegar, mas meu tempo é curto. Eu trabalho, tenho família para cuidar e perdi uma filha ontem. Dizia o senhor Fox sem paciência.

Após dizer essas palavras, ele entristeceu o semblante, baixando a cabeça.

- Disso eu já sei meu filho. Falou NUME tentando consola-lo. E acredito que você seja um bom pai e um bom marido.

Fox nada falou. Manteve-se cabisbaixo. E NUME continuou: - Quanto a sua pequena, não se culpe pelo o que lhe ocorreu. A vida é cheia de mistérios e surpresas aos olhos humanos. Mas, tudo que ocorre com vocês aqui, tem um sentido e um significado.

Então o homem elevou o semblante e gritou:

- É só isso que você tem a dizer pra mim?

- Não. Tenho muito a dizer pra você, mas é preciso que antes, se liberte dessa culpa e do ódio que lhe corrói o coração amargurado e a alma aflita.

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- Não é fácil pra quem ver sua própria filha ser morta sem poder fazer nada para salvar sua vida!

- Entendo seu ponto de vista. E acredito que esteja sofrendo muito, mas...

Uma pausa se fez daquele ser estranho aos olhos de Fox. E logo ele continuou: - Olhe bem: Posso lhe fazer uma pergunta?

- O que foi?! Retrucou Fox.

- Não se apoquente. Não vou lhe condenar a nada nem lhe censurar.

Fox então assentiu sem dar uma palavra. “E quem é esse pra me condenar?” pensava baixo.

- Sou mais do que você sabe. Fez NUME percebendo seus pensamentos escondidos. Então vamos lá: Você acredita na justiça divina?

Fox se surpreendeu por saber que aquele estranho ser lhe leu os pensamentos e levou alguns minutos para poder responder aquela intrigante pergunta de NUME. O problema que estava passando, não lhe dava o direito de acreditar numa

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Divindade e muito menos em justiça. Entrou em conflito íntimo e pessoal. Com plena paciência, NUME esperava quase já sabendo de sua resposta. E Fox se lembrou de alguns anos atrás, quando ainda na sua absoluta juventude; um jovem sofrido por ter sido abandonado por seu pai e cuidar de uma mãe que sofria de depressão avançada. Após ter sido abandonada pelo esposo, Rute se transformou numa mulher amarga e depressiva compulsiva. E o jovem Fox carregou uma vida inteira dois problemas que o fez alguém desacreditado em relação às coisas espirituais. Para ele, Deus estava em segundo plano. Começou a odiar sua vida e o destino que lhe traçou. Quando se casou, após a morte de sua genitora, desenvolveu a habilidade em conserto de carros, prestando serviços pelo o bairro que morava. Sua esposa o convidava para ir às missas domingueiras, mas ele não dava atenção. Simplesmente não acreditava em religião nem em nenhuma força além da força mecânica do corpo humano e a vontade de se superar por conta própria.

- E então meu filho... Fez NUME. O que tem a me responder?

O semblante de Fox estava paralisado. Ele havia feito uma viagem no tempo. Agora buscou a primeira gravidez de sua esposa; na maternidade, uma linda criança em seus braços, chorava seu nascimento. A mulher deitada vestia um sorriso de

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felicidade por ter dado ao esposo uma linda menina, que o faria feliz também. Era o casal perfeito e uma filha maravilhosa e com saúde. Já haviam escolhido seu nome. Aline era seu vulgo. Uma das coisas que eu me identifiquei com esse livro; aquele lindo nome. Mas em fim, o casal Fox estava repleto de alegria e contentamento. E assim foi criada a menina, entre um casal feliz e equilibrado aparentemente. Mas Fox nunca colocou os pés na igreja. Havia sempre uma desculpa. Para ele, não existia Deus nem algum salvador que pudesse curar suas doenças ou salva-los de algum mal recorrente na vida. Um dia, quando algo de muito sério o perturbou por alguns dias em segredo, ele foi até a catedral da cidade e antes que sua consciência reagisse, ele se levantou do banco de madeira comprido e saiu pela porta imensa e rustica. Não queria saber de quem nunca o procurou. Pensava ele.

- Desculpe-me lhe decepcionar, mas eu não acredito em justiça e muito menos divina.

- Já esperava essa resposta sua, meu filho.

- Já, como assim? Você nem me conhece!

- Tenho em mãos todo o seu curriculum de vida.

- Meu curriculum de que...

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- Sim. Atropelou-o. Preciso desses arquivos para poder colocá-lo em julgamento um dia. Está ciente que matou um homem logo cedo? E isso não estava nos planos universais. Você usou da melhor e mais importante ferramenta que os homens receberam na vida.

- O que?!

- Ou estou mentindo, depois de velho? Falou acompanhado de um sorriso amável.

- Tive que vingar a morte de minha filha! Nem sempre fui assim! Foi a força do impulso e da raiva!

- Qual o primeiro mandamento meu filho?

Fox analisou, tentando lembrar-se dos dez mandamentos, e se perdeu por entre as leis regidas numa pedra rustica pelas mãos do patriarca hebreu no monte sagrado.

- Não matarás! Fez NUME convicto.

Fox sentiu naquele momento, o peso do crime em suas mãos humanas. Baixou novamente o semblante, pensativo. Enquanto ele pensava, NUME falou altivo:

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- Então meu filho, você será julgado, mas não por minhas mãos, mas pelas minhas leis e por seu livre arbítrio; a mais perfeita ferramenta que já dei aos homens para a sua redenção. Mas ao longo dos anos, eles só têm usado mal. É o livre arbítrio que decide o destino de cada um de vocês aqui nessa terra. Existe um plano, claro, mas o homem pode se utilizar desse instrumento para aperfeiçoar esse plano, ou cair no abismo mais profundo de seus sentimentos culpados em forma de remoço. Se não fosse essa ferramenta, vocês seriam apenas meros escravos, e os céus não querem escravos lá, e sim, almas livres e conscientes.

Fox agora provava do fel amargo de sua culpa.

- Mas como lhe disse, não estou aqui para lhe julgar e sim, para lhe ajudar a se encontrar. Já estava passando da hora meu filho, de rever seus conceitos quanto à vida e a morte. Sua filha foi apenas o pretexto para que você acordasse antes que seja tarde. Ela, acredite, está bem, onde está.

- Onde minha filha está?! Gritou eufórico e esperançoso. Então foi você que a levou? Não preciso dessa forma de ajuda! Devolva minha filha e se for o caso, eu morrerei por ela!

Alguma resposta o estranho tinha para lhe dar.

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- Agora não vamos falar sobre isso. Não que a menina não tenha importância perante as leis, mas que precisamos primeiro resolver seu pendente com a vida e com a justiça Divina.

Então dei uma pausa na leitura sem nada entender sobre aquele personagem misterioso e estranho que não dava a mínima importância, a garota morta brutalmente. Confundi-me totalmente e entrei em conflito comigo mesma diante da Divindade. Lembrei-me do que passei, quando ainda menina. De lá pra cá, não houve justiça a meu ver.

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PARTE 14

TERCEIRO DIÁLOGO

O dia amanheceu de sol e estávamos de partida para uma viagem de 6 horas dentro de um trem. Sempre amei os trens. Às vezes penso que os governos do país deveriam mantê-los ativo, pela beleza e por uma questão de história mesmo. O transporte não deixa de ser um patrimônio da humanidade, que vem contar estórias maravilhosas de um passado esquecido. Então, essa viagem iria nos levar para a famosa feira das hortênsias que acontecia antes da primavera. Hortênsias cultivadas fora de época. Era uma pequena cidade vizinha de Gramado. Um lugar muito frio, que ficava além das colinas.

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Com certeza lá, eu conseguiria ler meu livro por completo. Iríamos ficar por uns quatro dias, alojados na casa de um parente. Seria: leitura e chocolate quente. Maravilha! Eu estava animada.

A viagem foi bem tranquila. Amo viajar. Se eu pudesse, vivia viajando de cidade em cidade. Sinto-me bem. Chegamos às quatro da tarde do domingo. A cidade estava já em festa; feirantes e comerciantes, todos contribuindo para o crescimento daquela pacata cidadezinha interiorana. Meus olhos brilhavam em ver tantas cores e flores lindas. Cada buquê, um aroma perfumado exalava no ar misturado as pessoas. Meu tio já nos esperava na estação. Ouvimos o grito da locomotiva, a fumaça subindo em fúria e uma parada magnífica na paragem de ferro. Era realmente um sonho. Um pouco cansativo, mas de uma beleza extraordinária. Durante a vigem no trem, não consegui ler se quer uma página do livro, devido as paisagens que adoro apreciar. Não perco um detalhe.

Então nos dirigimos à casa do tio. Fomos transportados em seu carro branco. Ele não era casado. Era viúvo. Fora morar com uma irmã, após a morte de vovô. Era uma casa imensa que meus avós paternos deixaram para meus tios. Papai não fez questão alguma, da herança deixada. Deixou que seu irmão e sua irmã ficassem. A casa possuía alguns quartos. Fiquei posta em um deles. A janela dava para uma varanda bem florida e

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uma das ruas da cidade. Já havia alguns anos que eu e meus pais não os visitávamos. Sua irmã vivia numa cadeira de rodas já havia tempo. E meu tio cuidava dela. Após a morte de sua esposa, se dedicou exclusivamente a irmã mais nova. Eles não tiveram filhos.

A noite caiu e enquanto eles conversavam na sala, eu no meu quarto, me arrumava para ler. Estava ansiosa pela história. O livro mostrava um conflito interno que o senhor Fox vivia perante sua vida atual. Como a janela do quarto era imensa e baixa, me sentei nela com o livro nas mãos e comecei a folhear aquelas páginas sentindo o toque dos ventos suaves que vinham a cada segundo.

- NUME... Falava em voz suave outro estranho que adentrava o ambiente. O senhor aqui?

- Por que a surpresa, meu filho? Perguntou NUME lhe abrindo os braços.

- Não esperava visitar-me tão cedo. Vi quando entrou, mas não queria interrompe-lo.

- Você sabe que nunca interrompe nada. Sua presença é sempre bem-vinda!

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- Grato pela consideração. Tenho feito o melhor que posso para proteger meu descendente.

- Acredito em você e tenho certeza que tem feito o melhor por esse homem aturdido.

- Quem é você? Fez o senhor Fox esfregando os olhos. Será que estou sonhando?!

- Sou seu anjo protetor. Desculpe-me não me apresentar antes!

- Mensageiro é sempre assim, meu filho... Falou NUME. Não ligue. Mas ele é de bom coração, pode ficar tranquilo.

Agora eram dois visitantes para um pré-julgamento. O senhor Fox nada mais entendia do que já não estava entendendo.

- Preciso ir! Falou contrariado e tentando se virar procurando a saída.

- O senhor não pode amigo. Falou o novo visitante.

- O que?! Não posso?! Achei que você havia falado de livre arbítrio? Soltou um riso de deboche.

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- Sim, falei meu filho. E você o tem. Adiantou-se NUME.

- Então eu resolvi usá-lo para ir embora!

- Mas não deve. Disse NUME. Preste atenção e veja por aonde vai!

- Do que vocês estão falando? Seguirei por onde entrei! Não preciso de guia nem de quem me ensino alguma coisa!

De repente a claridade se foi. Fox agora era um homem cego e sem luz. Tateava ali dentro da gruta sem saber por aonde ir. Havia mesmo se perdido. "O que é isso, não consigo encontrar a saída" pensou. "E cadê eles que não me ajudam?". Feito cego, Fox cada vez mais entrava na escuridão de sua falta de fé. E sentou-se ali, encostado na parede de barro úmido. Estava desanimado decepcionado.

Naquele instante, relembrou passagens de sua vida, quando sua filha completava um ano de vida. Ele fez questão de montar tudo com sua esposa. Preparou uma festinha infantil da melhor maneira que pode. Foi um dia realmente feliz para a família Fox. Voltou um pouco mais, e viu a menina completando quatro anos; estava linda e muito inteligente. Aline amava o pai. Assim que ele chegava da oficina, logo se

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aproximava pedindo seu braço paterno. Quando a pequena completou sete anos, Fox lhe presenteou com uma bicicleta. Foi uma festa só. Logo ela aprendeu a pedalar e já queria ir mais longe..., mas era impedida pelos pais. Nesse tempo de reflexão, ele havia mudado o semblante e vestido um ar de lembranças misturado com um riso inocente e puro. Parecia que sua filha havia encarnado em seu corpo adulto. Ele cogitava os dias maravilhosos com ela. Foi nesse momento que a voz soou suavemente dizendo:

- Fox!

A caverna clareou aos poucos ofuscando novamente os olhos semiabertos daquele homem em transe. O Mensageiro vestido a rigor de um anjo em roupas claras se aproximou dele. Pousou sua mão por sobre a cabeça de Fox e disse em tom calmo:

- Amigo!

O senhor Fox tornou aos poucos, abrindo e fechando os olhos ainda serrados. Notou que a claridade voltara e diante de seus olhos, estava NUME e o outro ser.

- O que aconteceu comigo? E você, quem é? Perguntou novamente como se tivesse esquecido.

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- Você mergulhou em seu passado carregado de lindas lembranças. Fez o Mensageiro.

- O que você sabe de mim? Interrogou num tom de insulto. E... De onde saiu?!

- Nada mais do que você mesmo sabe. Respondeu o Mensageiro. Fui designado para lhe seguir onde fosse. E fique certo de que, só através de mim, é que você irá se conhecer de verdade e alcançar o mais pleno amor.

- O que?! Isso é mais uma das piadas daquele lá?! Fez apontando para NUME.

O coração de Fox ainda fervia em mágoas e revoltas.

- Não amigo. Estou com você desde o início.

- Inicio? Que inicio? Ai meu Deus! Acho que não vou suportar isso aqui!

"Outro com seus enigmas". Pensou baixo.

- Desde que você resolveu vir ao mundo, fui designado por NUME, para lhe assistir por toda sua vida. E eu nunca falei

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por enigmas, e sim, fui claro nas minhas explanações, quando andei por aqui.

- Meu Deus! O que está havendo aqui? Será que estou enlouquecendo?!

- Não meu filho... Falou NUME. Sua consciência está tentando lhe abrir os olhos. Mas você luta em favor do seu orgulho ferido de homem teimoso.

- Por favo! Não venha agora com sermões! Olhe pra mim, veja que não sou mais uma criança nem um jovem para ficar ouvindo essas coisas que... É perca de tempo! Não, por favor!

- Meu filho, a humanidade será sempre uma criança aos meus olhos, enquanto viver presa nas correntes da indisciplina moral. E nunca é tarde nem perca de tempo para ouvir sua verdade. Dizia NUME.

- Senhor Fox! Fez o Mensageiro, chamando sua atenção.

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PARTE 15

UMA LIÇÃO DE VIDA

O homem continuava cabisbaixo.

- O amigo já parou pra pensar na paternidade de Deus? Ela se assemelha a paternidade humana, mas com um grau infinito de cuidado e amor. Agora se coloque no lugar dele e veja a humanidade como seus filhos. Todos errando e fazendo o que bem lhes aprove com seu livre arbítrio.

- Não sou Deus! Falou ainda de cabeça baixa. E nem tão pouco quero ser ele!

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- Sabe por que amigo?

Fox nada respondeu. O silencio era a sua resposta. E o Mensageiro continuou: - Porque os homens fogem de suas responsabilidades perante as leis, e ele mesmo. Está sempre livre para fazer o que bem entende com sua ferramenta que herdou de nosso Pai. Mas, não vê depois as consequências adquiridas. Lembra-se do texto conhecido que diz: Só colheremos o que plantamos?

O senhor Fox, de repente elevou o semblante e gritou:

- E o que uma criança planta, se nem conseguiu fazer suas escolhas sendo levada ainda tão inocente pela cruel violência?!

O silencio percorreu toda a gruta.

Então NUME se levantou de onde estava, e tentando escolher as melhores palavras, para não confundir mais aquela criança revestida de corpo adulto, disse em tom suave:

- Meu filho... A humanidade ainda não entendeu a lei de causa e efeito ensinada por aquele que foi martirizado num madeiro rustico e cruel: Não sairás daqui, enquanto não pagares a última moeda. Tu não sabes nada das leis divinas.

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Elas tardam, mas não falham. Sua pequena Aline é prova disso. É duro ouvir isso, mas minha lei não perdoa nem tão pouco castiga, ela apenas anda de acordo com o livre arbítrio dos homens. É uma corrente sem aberturas. O plantio é livre, mas a colheita é obrigatória. Tenha a certeza que sua filha não é apenas vítima do destino sem direção e desnorteado, porque o destino em se tratando dos homens não existe, e sim, uma história traçada por ela mesma, onde o maestro dessa orquestra sou eu e vocês os músicos em aprendizado e colaboração com meu concerto magistral.

Naquele momento, os olhos do senhor Fox se abriram repentinamente, se tornando duas esferas atentas.

- O que?! Quer dizer que eu estou aqui nessa abandonada gruta escura e úmida falando com o próprio...

- Sim. Respondeu NUME sem que ele terminasse a frase. Não tenha dúvida.

Um semblante de zombaria saltou daquele homem incrédulo e desconfiado. Agora era eu quem estava confusa com tudo aquilo. O próprio Deus ali, naquela caverna, falando com um simples homem revoltado, como poderia ser isso? Só mesmo os escritores para escrever uma coisa dessas! Soltei um

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riso solitário, desviando das páginas e buscando a paisagem, em reflexão.

- Aline! Alguém me chamava do lado de fora do quarto.

- Aline! Insistia o chamado.

Eu queria continuar a leitura. Não pretendia parar agora. Estava muito curioso aquele diálogo entre o senhor Fox e NUME, que se dizia ser o próprio Deus. E joguei o livro ainda aberto no capítulo, em cima da cama, e abri a porta rapidamente.

- Está tudo bem minha sobrinha?

Assenti. Era meu tio.

- Desculpe-me lhe atrapalhar a leitura!

- Tudo bem tio! Eu precisava mesmo dá uma pausa. Deixei um riso escapar. Se deixar, eu não consigo parar.

- Não vai jantar? Todos estão à mesa para comer.

- Claro, vamos sim!

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E saí me dirigindo à cozinha na companhia dele.

- Aline, pensei que não vinha! Fez papai em meio sorriso. Sente-se aqui! Apontou para uma cadeira vazia.

- Obrigada papai!

- Essa menina é assim... Disse mamãe sorrindo, se referindo a mim. Se não a chamar, ela fica nesses livros o dia inteiro.

- Ler é sempre bom. Fez meu tio, simpaticamente.

- Mas na vida, temos que ter tempo para tudo, não é Aline? Fez papai seriamente.

Assenti olhando para meu pai, e percebi que aquelas palavras eram um puxar de orelhas. Aquele livro me deixava repleta de interrogações sobre tudo que se relacionasse a vida e aos seres humanos. Deus era o ponto “x” da coisa. A leitura abalava minhas estruturas emocionais e meu pensar. Na vida, recebemos opiniões formadas de nossos pais e de uma sociedade padronizada. A escola é o complemento desse sistema limitado. Então somos quase marionetes vivas. Livre arbítrio; palavra bem usada naquela narrativa. Seria essa ferramenta que nos faz traçar mesmo nossos destinos na

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estrada da vida? Aquilo tudo fazia sentido pelo o que vem ocorrendo comigo e com o ser humano num geral. Veja aqui nessa mesa: Todos comendo na mesma hora. É um padrão social. Para eles, eu não poderia comer outra hora, obedecendo à vontade do instinto de sobrevivência de um corpo frágil e limitado, que a qualquer hora irá falecer. O problema é que eu pensava de forma diferente, e isso é o que faz a diferença entre os seres humanos; a diversidade social.

- O que está pensando Aline? Fez papai, percebendo minha viagem mental.

- Nada. Poderia me passar o purê? Perguntei olhando para uma tigela transparente.

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PARTE 16

UM TERCEIRO VISITANTE

A tigela de purê foi levada até Aline.

- Obrigada! Disse ela.

- Mais tarde teremos no centro da cidade um grande evento. Falou meu tio, levando o garfo a boca.

- Do que se trata meu irmão? Perguntou o pai.

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- Estamos celebrando a fartura das flores cultivadas em cativeiro. Evento criado pelos agricultores da cidade.

Meu semblante sorriu ao ouvir sobre o evento. Eu sempre amei as flores. Então teríamos uma festa, foi o que ouvi na mesa. E continuou o tio entusiasmado e sorridente: - Se vocês quiserem, poderemos ir todos!

Eu fui a primeira que levantei o garfo, devido ele estar na minha mão direita, causando estranheza aos outros.

- Desculpem-me! Falei toda por fora.

- Tudo bem sobrinha! É força do hábito. Fez sorrindo. Então iremos!

- Acho que eu não vou meu irmão. Falou o pai. Vão vocês.

- E vai ficar aqui sozinho? Retrucou mamãe. Nada disso! Se não for, eu também ficarei aqui com você!

- Eu quero ir meu tio. Gritei, antes que eles desistissem da farra.

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- Tudo bem! Fez o tio ainda sorrindo levemente. Vocês podem ficar se quiserem, mas eu vou com Aline.

Estávamos agora no meio de uma festa bonita e alegre. Sem falar nas cores que tomavam o ambiente festivo. Era uma cidade bem iluminada. Havia pessoas de todas as idades. Os fogos eram soltos avisando o início da festança. Meu tio me levou a uma barraca de maçãs do amor. Eu nunca havia experimentado tal coisa. Não que eu não soubesse que existia, mas por não ligar muito pra essas coisas da vida, que são importantes. "Que delicia" sussurrei já mordendo uma daquelas bem caramelizada.

- Está gostando minha sobrinha? Fez em riso amável.

- Muito. Vivo mais em casa tio.

- É, fiquei sabendo. Precisa sair mais, sobrinha. Fazer amizades e tudo mais... Nós precisamos de amigos, de ver as coisas que nos cercam.

- Eu sei. Mas tenho medo e receio de certas amizades.

- Entendo você. E ainda é muito jovem.

- Jovem? Sorri debochadamente.

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- Claro que é. Está na flor da idade.

- Pensei que aproximando dos 30 já estaríamos na maturidade. Deixei meu riso sair novamente.

- Nem sempre. Depende muito de cada pessoa.

Durante a companhia de meu tio, muito aprendi e me diverti também. Mas já estava na hora do livro me falar mais sobre aqueles personagens intrigantes. Eu não me imaginava na pele do senhor Fox, ou na pele da menina Aline. Às vezes penso que estou falando de mim mesma. Muito estranho isso. Mas, vamos lá...

Após algumas horas por entre pessoas e muita alegria, voltamos para casa. Meus pais haviam ido se deitar mais cedo. Dei boa noite ao tio e fui para o quarto sem nem pensar em lanche. Havia experimentado de muitas iguarias lá na festa. O livro estava aberto do jeito que eu havia deixado; no capítulo lido. Fui ao banheiro, lavei meus olhos, para espantar o sono que beirava minha noite e sentei-me na cama, me encostando a cabeceira, apoiada ao travesseiro grosso.

- Não zombe meu filho. Fez NUME. O que lhe faz não acreditar que Deus não pode conversar com alguém em particular?

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A pergunta deixou Fox desarmado novamente. O Mensageiro havia sumido repentinamente do ambiente.

- Não sou digno de falar com ele.

- Por que você pensa assim Fox? Eu não estou aqui? Já sei: Você ainda tem dúvidas sobre minha pessoa. Não se esqueça de que Tomé teve uma grande prova da presença do meu filho naquele dia de dúvidas em sua mente perturbada e incrédula. E vejo que você está sendo igual a ele agora.

Foi dada uma longa pausa. O senhor Fox se mantinha de cabeça baixa e pensativo. NUME também levou o semblante para o chão e começou a riscar naquela terra quase solta. O silencio tomou todo o espaço vazio. Lá fora da gruta, começou a chover forte e alguns relâmpagos riscavam os céus da cidade. Trovões começaram a abalar a terra e na caverna o senhor Fox assustou-se com os sons aterrorizantes.

- O que foi isso?!

- A natureza meu filho. Respondeu NUME.

Fox então respirou fundo e disse:

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- Você poderia me dar uma prova mais concreta, para que eu acredite quem você diz que é?

NUME sorriu sem som. Mas uma nova surpresa invadia o ambiente a dois; um novo visitante adentrava o espaço. Ele também possuía luz própria e vinha acompanhado do Mensageiro, que era menos iluminado. O imprevisto tomou o senhor Fox de cheio. Ele então se atreveu a se levantar daquele chão. E diante dos olhos de Fox, um novo ser. O novo visitante se colocou entre NUME e o Mensageiro.

- Mais um?! O que é isso agora, uma reunião de anjos para me catequizar aqui? Fez deixando escapar risos de deboche.

- Não meu filho. Fez NUME, sorrindo amavelmente. Você falou que queria uma prova de minha existência.

Fox assentiu, mas sem entender as palavras.

- Pois aqui está! Disse NUME levantando o braço e apontando com a mão aberta para o novo visitante.

Ele também se vestia em longas roupas no tom alvo. E NUME falou em tom firme:

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- Esse é Lúcifer, de quem tanto fala os homens.

Fox soltou uma gargalhada irônica e gritou:

- Ele quem vai me fazer acreditar que você é Deus? O próprio demônio? Irônico isso, não?

NUME assentiu ainda risonho.

- Estou pronto! Fez o homem incrédulo.

- O que te faz... Disse NUME. Imaginar que isso não é possível?

- Não sei... Pelo o que fiquei sabendo: O pai da mentira já está condenado! Ironizou novamente Fox.

- E por que você ainda está aqui Fox, na minha frente, sem que eu lhe condene ou lhe julgue? Qual a sua posição sobre isso? Eu poderia muito bem tirar a sua vida e lhe condenar ao fogo eterno, se é isso que pensa de alguém que julga alguma coisa saber. Mesmo se Lúcifer ainda fosse o mal, teríamos que amá-lo, porque pedi que meu filho Jesus ensinasse a amar também os vossos inimigos. Só através do amor é que se pode converter e recuperar alguma alma perdida. Tudo com muita fé e respeito.

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A mente do senhor Foz agora se confundia como um labirinto sem saída.

PARTE 17

DIÁLOGO COM LÚCIFER

"Será que isso tudo é apenas um sonho?" pensava Fox ainda muito confuso.

- Não. Fez NUME lendo sua mente.

O homem se surpreendeu.

- Deu pra ler a mente agora?

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- Conheço todos os homens e sei tudo que eles pensam. Sempre foi assim. Você meu filho, não está sonhando nem tendo um pesadelo. É sua oportunidade de mudança. É real.

- Então estou agora diante do meu protetor, de Deus todo poderoso e do Diabo? Riu ironicamente.

- Não. Lúcifer não é mais um ser do mau. Ele é meu filho amado como todos os outros que vivem errando e se atropelando por entre vidas e vidas, até se encontrar e resolver mudar, como você está tendo a oportunidade agora.

- O que?! Quer dizer que ele, o Diabo, também teve sua chance?

- Todos têm meu filho. Respondeu NUME. Não existe mau eterno nem inferno geográfico. Meu único filho obediente que pisou na terra, falou que: O céu e o inferno vivem dentro de cada homem. Depende do seu estado de consciência. Então se o mau é uma fase das almas perdidas, por que duvidar do restabelecimento de um filho que eu criei? Todos vós um dia serão puros anjos. Pra ser mais objetivo meu filho, nunca houve esse ser designado ao mau. Não criei filhos para se voltar ao mau eterno... Agora, os homens se utilizaram de Lúcifer, de sua fama na maldade, para fugirem de seus próprios pecados e culpas, condenando-o. Os homens na terra vivem se

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iludindo e mergulhando no abismo da ignorância. Como diz a sábia frase: Não é o conhecimento que destrói o homem, e sim, a ignorância do conhecimento amplo se perdendo em preconceito.

A cabeça do senhor Fox fervia como um caldeirão borbulhando de dúvidas.

Mais uma vez larguei o livro, perdida naquelas estrofes. Deixei que ele caísse por cima do meu peito e quase me deitei. Meu semblante era pensativo. Refletia sobre o que NUME falara para o senhor Fox. Então não existe um ser do mau? Estava me colocando no lugar dele com minhas dúvidas e incredulidade. Se não há demônio do mau nem inferno, por que essa opinião formada no livro mais conhecido do mundo; a Bíblia? Há alguma coisa errada nisso tudo. Eu estava abrindo à mente para novas realidades. Era como se meus miolos todos escancarassem de uma vez. E a maldade que eu sofri há alguns anos, eu deveria perdoar? Deveria esquecer? Passar uma borracha por cima daquele capítulo de minha vida? Será que eu conseguiria tal proeza?

- Filha! Mamãe me chamava.

Levantei e abri a porta.

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- Está tudo bem Aline?

- Sim. Eu estava lendo.

- Como sempre. Falou sorrindo. Trouxe um lanche pra você.

Aquilo foi uma novidade, porque era sempre papai que fazia isso lá em casa.

- Obrigada mãe!

- Como foi à festa?

- Me diverti muito. Falei rindo em silencio.

- Que bom que gostou.

- O pai já dormiu?

- Sim. Ele estava bem cansado da viagem de trem. E eu também estou. Já vou me deitar. Boa noite querida!

- Boa noite mamãe!

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E não voltei para a cama. Dirigi-me a janela. Queria ver a rua. Minha janela dava para uma das ruas estreitas daquela cidade, como eu havia falado antes. Estava vazia e silenciosa. Fiquei ali por alguns minutos pensando no que o livro falara. Nas palavras de NUME. Tudo fazia sentido, mas não entrava em acordo com o que aprendíamos nas igrejas. Eu fui criada nos princípios cristãos, e tudo aquilo era novo pra mim. Como poderia aceitar Lúcifer como um anjo ao lado de Deus? Pensei ligeiramente em abandonar o livro. E a menina Aline, o que houve mesmo com ela? Não poderia deixa-la assim, sem saber do seu paradeiro. Eu me sentia da mesma forma que o senhor Fox. Eu na verdade era ele do lado de cá do livro, daquela história intrigante. Fechei a janela e me deitei próxima ao livro. Passei alguns minutos ali, tentando não ser atraída por ele. Mas era difícil ignora-lo. Minhas mãos finas e macias coçavam para pega-lo. Meus dedos se movimentavam rapidamente batendo um no outro. Então levei as mãos vagarosamente até o encapado e peguei-o. Procurei o parágrafo onde havia parado e continuei...

- Amigo Fox... Fez o Mensageiro. Temos uma novidade pra você!

O senhor Fox nada falou. Manteve-se intacto.

- Não está interessado? Insistiu.

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Continuou calado.

- Olhe bem na saída da gruta! Continuou o Mensageiro. Você já pode ir embora, se quiser.

Ele então se virou rapidamente para a saída da caverna, mas não fez menção em se levantar. Algo o mantinha ali preso. Não que estivesse preso, mas porque as sábias palavras de NUME e Mensageiro, o deixava com fome de conhecimento.

- O que houve meu filho... Interrogou NUME. Não pretende ir embora?

- Não posso!

- E o que te impede irmão? Fez, Mensageiro.

- Não sei.

Nesse momento, os três foram ao encontro do senhor Fox, ficando bem próximo dele. NUME acariciava seus cabelos soltos e finos. O mensageiro segurava suas mãos com bastante carinho e Lúcifer ainda em pé, disse calmamente:

- Irmão Fox. Eu sei que você se surpreendeu comigo e com a minha mudança, mas ouça: Foram anos e séculos de

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tentativa minha para me restabelecer e ser agora o que sou. E uma boa culpa, além da minha, foi das pessoas que acreditavam e ainda acreditam que eu permaneço no mau eterno... Meu pai NUME, jamais me deixaria nessa chama de consciência pesada e culposa. Nem eu quero mais. Tive oportunidades e chamados para me entregar ao bem maior. Mas, ainda levo a culpa dos homens desobedientes e desequilibrados que vivem na terra e fora da matéria.

Os olhos do senhor Fox agora choravam de remoço em soluços. Reconheceu que era mais daqueles que vivem condenando, julgando, mal dizendo e se alimentando de puro orgulho.

- Meu filho... Fez NUME quebrando os segundos de reflexão do homem. Temos outra coisa para lhe mostrar, mas antes você precisa esquecer essa mágoa e todo o ódio do seu coração, como eu já havia lhe falado. O equilíbrio energético é o nível das leis universais. Tudo no Universo e vida rege num campo plano. Não há oscilações. Os homens é quem criam curvas e acidentes na estrada da vida espiritual.

O choro de Fox se estendia num som preso ao semblante franzido. Suas mãos apertavam as de Mensageiro, pedindo socorro.

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- Filho... Continuou NUME. Logo mostraremos a você o porquê de sua criança passar por isso e onde ela se encontra agora.

Fox continuava chorando e com mais emoção. Na sua mente se passava um longo filme de alguns momentos de sua vida. E ouvir aquele ser dizer que ele iria saber de sua filha, para ele, era uma felicidade e um consolo. Mas de repente, o sono me abraçou os olhos. Larguei o encapado na cama e adormeci.

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PARTE 18

FOX E A ALIANÇA

Os raios solares adentravam pela janela e tocavam meus pés descoberto, me convidando a um despertar tranquilo. De imediato ouvi o canto de galos, e pássaros gorjear nas árvores. Meus olhos buscaram o livro, que havia caído no chão com meus movimentos durante minha vigília. Não hesitei em pegar. Coloquei-o por baixo do travesseiro e fiquei ali pensativa. Olhei o relógio e marcava seis e meia. "Acho que ninguém se levantou" pensei. Após meia hora ali com os olhos fitados em meu pensamento, percebi, pela janela, que caía uma chuva fina,

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daquelas que nos faz ter vontade de se enrolar na coberta e alimentar imaginações além da realidade.

Abrirei um parêntese aqui, para falar agora sobre algo que venho evitando desde o início dessa narrativa. É sobre mim. Sim, é sobre uma parte difícil de minha vida. Acredito que os leitores estão curiosos e ansiosos para saber do que se trata. Eu confesso que também estou muito ansiosa para relatar, e ao mesmo tempo desabafar tudo que passei. Vou tentar ser o mais breve possível, para não correr o risco de uma recaída depressiva.

Era domingo primaveril. A cidade de gramado estava em festa. Como vocês já sabem, a cidade se enfeita de flores na primavera. E por toda a estação, acontecem várias feiras e o mais conhecido Festival das Hortênsias; evento que atraem turistas e mais turistas, para vir conhecer nossa linda estação em azul-claro. Eu havia completado sete anos de idade; uma criança inocente e alegre. E como vocês sabem, criança não malda nada, a simplicidade impera em sua vida infantil. E por ali pelas redondezas de Bavária, como são terras montanhosas e bem arejadas, havia muita criação de ovelhas; animal que sempre me encantou por terem aquele branco alvo como se fosse flocos de algodão pregados nelas como um casaco branco. Eu gostava de correr atrás dos animais, quando não era surpreendida correndo com medo. E havia um homem de

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aparência adulta que cuidava de algumas que pastavam por ali. Era o famoso pastor de ovelhas, das falas bíblicas, em sentido literal. E por ali eu brincava e me encantava com elas. Notei que o homem me olhava de forma bem sorridente sentado numa pedra com uma varinha fina e comprida na mão. Acho que era pra espantar os animais se precisasse. Seus dentes amarelados estavam sempre a me convidar para uma amizade amigável. Minha inocência construiu ao longo dos dias indo ali, devido a imagem paterna dele, um sentimento familiar. E fui me aproximando como toda criança em busca de brincar e explorar satisfazendo a curiosidade. Nunca imaginei que aquele estranho, que se tornou quase um parente, poderia realizar tal ato infame. Após algumas idas misturando-me com as ovelhas, eu resolvi aceitar o convite sorridente daquele estranho que me parecia amigável.

- Tudo bem-querida! Fez, mostrando os dentes amarelos num sorriso disfarçado. Gosta de ovelhas? Pode vir aqui! Não mordo!

Assenti tentando, num sorriso forçado, familiarizar com ele.

- Como você se chama menina bonita?

- Aline Respondi inocentemente e um tanto tímida.

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- Que lindo nome você tem. Se quiser posso lhe ensinar a cuidar delas. Falou mostrando uma vara comprida em sua mão.

Assenti sem falar nada. Era uma novidade.

- Venha cá! Chamou-me, e sentou-se na pedra, onde ficava todos os dias. Pode vir, não tenha medo!

Aproximei-me dele ainda assustada, mas queria aprender a cuidar dos animais. Vocês sabem que criança fantasia tudo. Ele então me puxou bem devagar para perto dele me colocando por entre suas pernas peludas e rusticas. Fiquei de costas pra ele, onde o estranho amigo se posicionou de uma forma a me abraçar colocando a vara na minha mão direita e segurando no meu braço, me ensinando como balançar o artefato como se estivesse espantando as ovelhas. A outra mão dele segurava na minha cintura infantil. Após alguns minutos ali naquele movimento e um grito meio grave que ele soltava em direção aos animais, me puxou pra mais perto, me fazendo encostar a sua barriga oca. Sua mão esquerda acariciava meu corpo de forma que eu comecei a me sentir incomodada. Tentei retirar sua mão, mas ele continuava a me ensinar com a vara tentando me distrair e me acariciando o corpo indo até minhas finas coxas. Confesso que os movimentos de sua mão esquerda me faziam sentir algo estranho em todo o meu corpo infantil. Não que eu estivesse gostando, mas alguma coisa me dava prazer

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forçado. Na minha inocência eu achava bom, aquela sensação viril. Seus movimentos foram ficando mais rápidos, a ponto de sua mão direita me apertar o braço quase a machucar-me. Sua mão esquerda agora passeava pela minha barriga descoberta buscando o lugar mais proibido de uma mulher. Então senti o toque grosseiro de seu dedo por entre minhas pernas meio que abertas. Nessa altura o homem faminto de sexo já sussurrava em meu ouvido inocente. Eu me sentia violada e tentando fugir das garras daquele homem desequilibrado. Estava realmente assustada. Vesti a cara de choro. Quando ouvi um grito familiar. O homem me empurrou para longe dele quase me derrubando no chão em capim rasteiro.

- O que está havendo aqui? Era papai raivoso e já partindo pra cima do homem com um pedaço de pau grosso.

Vi quando ele correu se enfiando mata adentro como um louco.

- Querida! Fez papai me abraçando e afagando minha cabeça.

Eu comecei a chorar por ter sido libertada daquelas mãos maliciosas. Estava em estado de transe. Minhas emoções foram a mil. Tive um trauma instantâneo. A possessão criou em mim um desiquilíbrio emocional por muitos anos. Acho que nunca

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me curei, pra falar a verdade. Motivo pelo o qual nunca me relacionei sério com algum homem. Criei uma espécie de tabu, que me acompanhou por toda avida. Vejo sempre na figura de um homem, um monstro que pode me machucar.

- Vamos querida! Meu Deus! Dizia papai me abraçando. Se eu não visse, o que seria de você agora Aline? Preciso denuncia-lo a polícia!

Papai então me examinou toda e viu que nada havia de anormal. Mas mesmo assim pediu que mamãe me levasse ao médico. Felizmente não houve nenhuma anomalia em meu corpo. E com menos de um mês, nos mudamos de lá, vindo para o centro da cidade.  Acho que, desde aquele dia, deveria ter ido a um psicólogo e ser acompanhada até uma cura. Acho que teria me ajudado nesse trauma que carrego. E todos os pais deveriam fazer isso, quando algum filho passasse por uma situação dessas.

Agora vamos ao livro. Ali deitada, deixei se passar mais duas horas. Olhei no relógio e marcavam 9:30. Dei um pulo da cama e me pus no banheiro. Acredito que ninguém naquela casa havia mesmo se levantado cedo naquela segunda feira. Após minha assepsia, olhei por entre os cômodos da casa e nada de movimentação dos demais. Então me pus na cama novamente e peguei o livro para ler...

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A aliança estava feita. NUME, o Mensageiro e Lúcifer, agora carregava o senhor Fox nos braços do sentimento de irmandade. E naquele afago trino, NUME começou a falar sobre a vida, o mundo e os homens:

- Meu filho... Você agora está em guerra íntima, que não deixa de ser uma guerra perigosa, como todas as guerras criadas e incentivadas pelos homens de má fé durante anos e anos. Guerras todas em meu nome e em nome de meu filho, para satisfazer o ego político e religioso desses homens perdidos em seus conflitos internos. Eu nunca pedi que meus filhos lutassem nem se odiassem por motivos completamente humanos nem por minha vontade. Houve quem falasse, por algum interesse pessoal ou social, que eu pedi guerra entre vocês, que eu odiei povos, que eu amaldiçoei alguns filhos, que eu matei e mandei matar, que até me arrependi de tê-los criado. Veja como o poder da manipulação funciona. O homem é uma fera que está presa ao corpo perecível, mas ainda com suas artimanhas, e o pouco poder de sua mente, consegue arrastar multidões de alucinados para o abismo da ignorância, por não questionarem. Eu sou Deus e não um mero homem cheio de falhas e imperfeições! Para certos homens cegos de fanatismo e orgulho, eu sou um Deus muito humano.

Fez-se uma pausa. O senhor Fox absolvia aquelas palavras como balsamo para a sua alma sofrida. E NUME

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respirando levemente continuou: - Fox... Quero agora lhe falar sobre esse meu filho aqui. E apontou para o Mensageiro. Esse é meu filho amado, de quem tanto preso, pela a sua envergadura reta no amor e na compaixão. Jesus é seu nome.

Fox sentiu um impacto. E uma emoção incontrolável lhe tomou os mais profundos sentimentos de compaixão, desabando em choro como uma simples criança que não se envergonha de ser o que é. Um dia, nos falou um humilde Rabi: Seja simples como a pomba e prudente como a serpente. O Mensageiro abraçou-o carinhosamente como a um filho amado, lhe enxugando as lágrimas.

- Chore meu irmão! Disse ele. O choro de arrependimento limpa as almas mergulhadas no ódio e nas mais infelizes emoções negativas que o homem, prova em sua vida aqui na terra. Não é fácil a caminhada, mas eu estarei sempre convosco. Eu prometi e vou cumprir.

De repente ali, junto ao senhor Fox, só se via o Mensageiro. NUME e Lúcifer haviam sumido como por encanto.

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PARTE 19

UM REAL ENCONTRO COM JESUS

Após um bom tempo chorando em soluços, o senhor Fox, limpando as lágrimas com as costas da mão direita, olhou bem nos olhos de Mensageiro, que se postava em sua frente ereto e sério. Seu semblante era sereno. Seu olhar profundo e verdadeiro. Aquele ser agora não era mais um simples mensageiro, e sim, o grande Rei dos reis, que cuida com amor e zelo do seu reinado espiritual. "A felicidade não é desse mundo", disse ele, quando andava pela terra em busca dos caídos. Fox estava completamente envergonhado por se ver diante do maior médico e professor que já andou entre os

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homens. Ele sabia que não poderia retrucar nem falar que nunca o havia conhecido, porque, desde que nos entendemos por gente, que ouvimos e vemos alguém falar sobre ele. Você pode tentar fugir ou se esconder de suas palavras, mas um dia se verá diante da verdade. Ai quem sabe, será tarde para uma revisão de seus conceitos.

Mensageiro ali em silencio, esperava alguma palavra do homem.

- Está tudo bem irmão?

Sua voz era mansa e soava como uma melodia doce. Ele era a imagem da plena compaixão. O senhor Fox não conseguia falar. Soluçava de emoção por estar esse tempo todo com aquele que deu sua vida pela humanidade. Pensou em se desculpar, mas se viu tão pequeno, que não se achava em condições de deixar sair alguma palavra.

- Não estou aqui para lhe julgar amigo. Entendo toda a sua amargura e revolta, mas tome do meu fardo, que é leve. O homem por ser ainda muito fraco e pequeno, não consegue se manter de pé sem que eu não o levante, quando tenta se equilibrar na corda bamba da vida.

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O choro de Fox era de lamento íntimo e repleto de arrependimento.

- Não mereço sua... E desabou em pranto.

Tentava se expressar, mas não conseguia terminar o raciocínio. Chorou até a última gota de lágrima triste e de remoço.

- Tenho todo tempo que precisar meu irmão. Nunca lhe abandonei. E nos momentos mais difíceis daquela estrada, como relata o texto, que você não via seus passos, eu lhe carregava nos braços. Amo você Fox. Mas também amo aquele que lhe deixou assim, ou qualquer momento que te fez ser alguém amargurado. Na casa de meu pai, há lugar para todos que se arrependem de seus atos, e que às vezes, imaginam ser impensado, mas que não passa de pensamentos tolos, porque o ato vem após o pensamento. É como o trovão e o relâmpago. O pensamento é o relâmpago e o ato é o trovão. Então não há agir sem pensar. É um engano dos homens, ou por quererem se livrar dos seus erros.

Meus olhos choravam ao ler esse capítulo tão verdadeiro e cheio de amor. Desviando os olhos do livro, levei-os a janela. Meu semblante era pensativo e mergulhado em emoções. Minhas lágrimas desciam pelo meu rosto ainda jovial,

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chegando até tocar meus lábios finos e rosados. Cada gota era ingerida pela minha língua, provando do líquido milagroso e salgado, porque chorar é uma forma de curar algum ressentimento embutido. Naquela hora, fiz uma retrospectiva de toda a minha vida. "Será que fui boa o bastante para receber alguma ajuda dos céus?" me perguntava. “Será que mereço a companhia de Jesus?”. E me tomei em reflexões profundas. A ponto de não mais perceber meu quarto nem as coisas que me rodeavam.

- Aline! A porta do quarto gritava. Aline!

Levantei-me e fui até lá. Já estavam a me chamar para o dejejum. E lá estava eu novamente diante da mesa e dos parentes, todos em sorriso aberto. É muito bom ter uma família unida. Eu havia falado pra vocês em capítulo anterior, que nem sempre fui filha única. Sim, eu tive uma irmã mais velha há alguns anos atrás. Eu ainda era bem criança, quando ela partiu. Eu a amava muito. Mas o destino, se é que existe, não foi muito bom com ela. Vamos deixar esse assunto pra lá... Quem sabe nas páginas adiante, eu volte a falar mais alguma coisa sobre ela.

Comemos, e recebi o convite para ir ao centro da cidade novamente com meu tio e o pai. Eles iam buscar algum mantimento para o almoço. Engraçado: era segunda feira, mas

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parecia ser domingo ou feriado naquela cidade. Não entendi bem, estava apenas adorando o passeio. Fomos ao museu, e depois ficamos numa enorme praça bem arborizada, onde muitas mães com seus filhos passam o dia fazendo piquenique. Algumas pessoas também caminhavam numa pista que circulava por todo o espaço. As hortênsias se mostravam em toda parte.

- Então... Falou o tio se levantando do banco de madeira. Vamos agora atrás do mais delicioso sorvete da cidade? Sorria.

Eu e o pai assentimos e saímos por ali com ele... Eu olhava tudo como uma verdadeira turista. Meu tio percebia e mostrava-se risonho com minha curiosidade e admiração pelo o que via.

- Gosto de vê-la assim Aline, feliz.

- Falo pra ela, meu irmão: Pra sair mais e não ficar trancafiada naquele quarto o dia todo. Nem um namorado ou um casamento pra mudar sua rotina.

Aquele comentário do pai não me agradou. Detesto, quando comentam de minha vida pessoal, principalmente em se tratando de relacionamento. Mas fiquei em silencio, para

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não causar atrito com ele. Amo meu pai e sinto que ele só quer meu bem.

- Aqui! Gritou meu tio apontando para o lado.

Era uma sorveteria. "Que delicia" pensei vestindo semblante de criança, quando vê algo que tanto deseja. Escolhi sabor chocolate. Amo chocolate. Ele Dali fomos até a estação ferroviária, porque lá foi inaugurada a imensa biblioteca que pertencia a capital. Meus olhos gritavam ao ver aquele lugar repleto de títulos. Era em forma de cúpula o prédio literal. Amei de fora até dentro. Quis ficar ali pelo o resto do dia, se pudesse, mas teríamos que voltar. Apenas observei algumas prateleiras e me lembrei do meu livro. E veio à mente toda a história daquele homem desatinado.

- Vamos filha? Fez papai, segurando em meu ombro. Está aonde ama né? Comentou em leve riso.

Soltei um riso matreiro e o segui buscando a saída. Enquanto me distanciava da biblioteca, eu ficava olhando para trás, como se não quisesse partir dali. Meu tio ria disfarçadamente vendo minha viagem; uma moça de 29 anos que parecia ter apenas 15.

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PARTE 20

QUESTIONANDO JESUS

Já estava em casa. Uma coisa que comecei a perceber, é que a família e a amizade são muito importantes, e que eu precisava e preciso muito. Estar só, não é o caminho correto. A maior prova disso é a conhecida: TRINDADE DIVINA. Eu deveria rever isso em minha vida um tanto solitária. Livros são bons, mas a vivência, a experiência pessoal e real com os personagens vivos do dia a dia é bem melhor e nos faz aproximar do divino e do amor de irmandade. O contato, o toque, é necessário.

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O livro me chamava. E as páginas se folheavam...

O senhor Fox estava embebecido de algum sentimento positivo, mas uma semente de revolta ainda lhe visitava a alma. Sua situação era muito cruel, quase impossível de se aceitar. Agora era ele e o Mensageiro. Fox teria a oportunidade de reclamar, de concordar ou discordar, do que tanto ouviu em toda a sua vida sobre o Cordeiro de Deus. Seria um embate.

- O que tem a me dizer Fox? Fez o Mensageiro se mostrando sereno.

O senhor Fox então se reabilitando de seu estado emocional, ficou de pé e se atreveu a fazer a primeira pergunta:

- Por que eu terei que depositar toda a minha confiança em você, se, preso naquela cruz, martirizado e odiado por alguns, você foi fraco, pedindo que Deus lhe retirasse o Cálice, se mostrando em fraqueza humana? Pensei que você fosse forte o bastante, para não se abater como eu estou agora, ao saber que minha filha, foi morta?

O Mensageiro reconheceu o peso da pergunta curiosa e profunda de Fox, e deixou que alguns minutos se tornassem um espaço vago para a sua resposta sábia.

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Seu olhar sereno então buscou aquele homem perdido, mas com uma cede de libertação, e disse:

- Fox, meu irmão... O Espírito foi criado por meu Pai, para crescer em todos os sentidos que se possa imaginar. E durante sua caminhada na estrada da redenção, ele cai e se levanta várias vezes, para então poder alcançar o mais alto cume de sua evolução espiritual. Eu nunca me coloquei como alguém tão bom quanto o Pai. Ainda estou a caminhar em busca da Luz perfeita. Da Moral perfeita e do Amor perfeito. Fui fraco, porque me revestia num corpo de carne, que sofre o peso da inferioridade desse mundo, não do Planeta em si, mas dos que o habita, não vigilantes e cheios do pecado; crianças ainda tão desavisadas do bem. "Bom, só Deus" foi o que eu disse, quando me chamaram de tal adjetivo. A perfeição só ele o tem. Mas, diante de vocês; pequenos errantes da vida humana e universal, eu fui escolhido pelo o Pai, porque já alcancei um pequeno degrau na escala da perfeição. Então sem mim, ninguém alcançará Deus, ou sua redenção plena, como anjos puros e cheios do Amor sublime.

Aquelas palavras do Mensageiro me fizeram repensar na vida por alguns instantes novamente, desviando das páginas lidas. Algo me tomava à alma; uma espécie de esperança, como amor esborrando feito água num copo cheio. Os pelos de meu

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corpo se arrepiavam sem vento nem frieza. Percebi que era mesmo da leitura cheia de emoção e desconhecida pra mim.

E o senhor Fox engolia aquelas lindas palavras como se experimentasse um banquete de alimento delicioso e que não mais sentiria fome, mas que buscaria sempre saciar-se dele. E respirando profundamente, sua boca tremia querendo interrogar aquele que o deixava sem palavras, ou rebate. Mas, suas inquietações diante do que passava na vida, o fez continuar as perguntas, buscando alguma resposta confortadora e consoladora:

- Então, pensando por esse lado, por esse raciocínio, não passamos de um brinquedo, onde nossas peças desarrumadas e fora de lugar, faz parte de um jogo, que precisa ser ganho?

Agora o ser revestido de paz e amor, o observou bem nos olhos e percebeu sua malícia, e disse:

- Meu irmão... O projeto de meu pai, não é um brinquedo, nem tão pouco um jogo a ser jogado. Meu pai e vosso pai tem vida e nos dá ela em abundância, mas precisamos querer viver nele, para que ele viva em nós. Os seres humanos é que transformam a realidade num jogo perigoso e se perde nas jogadas arriscadas em suas escolhas. O que você e sua família estão passando não é um jogo, e sim,

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uma resposta dos seus próprios atos. Alei do conhecido retorno.

Fox, antes que o Mensageiro continuasse a dissertação, já formulava em sua mente perturbada, outra pergunta bastante complicada e, cheia de curiosidade diante da vida humana.

- A palavra de Deus... Dizia Fox. Relata que as crianças são anjos, e como pode um anjo, como minha filha, ter que passar por uma situação que não convém com seu estado de pureza? Qual o sentido disso? Não seria uma controvérsia da parte de Deus, deixar que as crianças se percam no abismo, perdida em sua inocência?

O símbolo da paz ouvia tudo pacientemente e já sabendo o que iria responder. Percebia naquele homem alguém com cede do saber, de respostas para suas dúvidas, que religião alguma, criada pelos homens fracos e orgulhosos, poderia retorquir.

- Amigo Fox... Muitas coisas relatadas naquele livro santo foram deturpadas e mal interpretadas ao longo do tempo. Sua essência se perdeu misturada ao orgulho e interesse dos homens loucos e enganadores. A inocência das crianças representa seu estado atua de faixa etária no ciclo da vida, mas sua alma está cheia de arestas que só o tempo e sua luta em

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buscar o amor, fará com que elas alcancem o verdadeiro estado de angelitude espiritual. Engano pensar que uma criança, ao morrer, seja do que for, estará com o pai no reino eterno... Ser Anjo não é permanecer no ócio e sim, buscar a plenitude da bondade em forma de trabalho incessante... Meu pai não está preocupado com sistemas religiosos sujeitos a falhas, ele quer homens de coração puro e de caráter religioso. "A Fé sem as Obras é morta".

O senhor Fox se sentia desarmado. A sabedoria do Mensageiro ia além das suas expectativas humanas.

- E o pecado original? Gritou Fox. Então minha menina pagou pelos os meus erros?

- Não irmão... As leis de meu Pai não funcionam assim. Cada qual arca com suas responsabilidades. Se não fosse assim, o livre arbítrio nada valeria diante das leis Universais. Ninguém paga por ninguém. A lei é justa e o Pai é puro Amor. Meu irmão Fox, vós sois culpados pelo o que fizerdes. Não seria justo você praticar um ato indigno aos olhos do meu Pai e seu filho pagar por isso. Se isso se encontra nas palavras de meu Pai, alguém as colocou, para tentar se esconder do mal que fez e que deseja fazer.

- Qual religião você pratica?

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- O Amor é a única religião, onde iguala tudo quanto é de seres que tem vida inteligente e consciente. Só através dele é que os homens alcançaram a plenitude da salvação, (Evolução). O resto são doutrinas disfarçadas de templos de tijolos perecíveis ao tempo.

Fox apenas se intrigava com as respostas. Mensageiro não pensava. Pareciam que as respostas se postavam como espelho na sua frente.

- E a igreja?

- Meu corpo é meu templo. Para seguir e ser filho de meu Pai, não precisa se enclausurar preso a um templo de pedra, ou de qualquer tipo de frágil monumento perecível ao tempo e as fúrias da natureza, como já falei. Por isso que a bondade está à cima da fé cega e viciosa na prática constante dos preconceitos humanos.

O silencio tomou a gruta. O senhor Fox percebeu ao seu redor, algumas velas brancas acesas. Quatro mãos iam acendendo uma por uma, formando um círculo. Sentiu um medo fugaz naquele ato estranho. Certo preconceito o tomou de imediato, como a qualquer homem orgulhoso de suas crenças e domínio da verdade absoluta.

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- Não tema meu irmão. Não se prenda as pequenas coisas. Esse é o grande problema dos homens; se preocupar com detalhes aos olhos e esquece o mais importante: O amor divino. O amar uns aos outros como eu vos amei...

Não sei onde aquele diálogo ia chegar, mas me sentia confortada diante de minha vida. Eu estava começando a enxergar um Deus diferente do que fora me ensinado. Tive vontade de ler para meus pais. Eu queria partilhar o que aprendia. Para aquele Deus, não havia templo, tão pouco religião. "Seria tão bom, se o mundo fosse assim, se as pessoas resolvessem se amar de verdade" pensava. Por que de tantas religiões no mundo, se Deus é um só? Seria o livre arbítrio, o responsável por tudo isso? Será que sem essa diversidade de pensamentos, os homens pudessem achar seu caminho no sentido de melhora? Dizem que para se, ver luz, é necessária a escuridão. Para se, ter dia, é necessário a noite. O sal e o açúcar são necessários para que os homens consigam descobrir os sabores da vida. "Meu Deus!", eu estava perdida naquele encontro.

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PARTE 21

A FAMÍLIA E A CRIANÇA

Estávamos no entardecer do último dia na cidade das flores. Minha família seguia uma tradição: Tinha o hábito do famoso Chá das Cinco. E eu, pela primeira vez, estava ali, participando com eles, daquele delicioso evento clássico. Confesso; que eu nunca havia presenciado tão importante momento familiar. Conto nos dedos às vezes em que eu e meus pais nos reunimos para alguma coisa lá em casa. Nos amávamo-nos, mas vivíamos em Retalhos de Cetim; curtos minutos de conversas. Então comecei a perceber que, as famílias vêm se desintegrando a cada dia. Os lares se

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dissolvem a cada amanhecer. Pais e filhos se tornam meros habitantes estranhos em seus próprios lares. E vi que a família é a base primordial de uma sociedade; é no lar que tudo se inicia para, depois, se transformar em realidade social. Então a educação familiar é fundamental para os filhos.

- E minha filha?! Fez o senhor Fox.

Essa era a pergunta crucial daquele livro. O silencio então engoliu os dois personagens. O Mensageiro sabia que o senhor Fox não desistiria tão fácil de sua busca pela filha. E Fox estava agora confiante naquele ser, que se mostrava um Salvador.

Acho que agora irei finalmente saber algo sobre aquela criança que fora vítima num triste entardecer. Meus nervos já não aguentavam de tanta ansiedade. Cheguei a sentir um leve desconforto emocional; um frio percorria a minha barriga, e as páginas a seguir, pediram o destrinchar daquele labirinto sem resposta. Era o vestido de Aline ensanguentado e jogado naquele lugar fúnebre e malcheiroso. Então havia uma grande esperança de acha-la ali. Era a certeza de que a criança estava nua. Isso me deixava horrorizada. Agora, para onde ele a levara? Era a pergunta que ainda não tínhamos resposta. "Meu Deus". Pensei. “Como pode existir pessoa com tamanha índole?” Fico imaginando, como fora a agonia daquela menina

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entregue nas mãos de um maníaco. Era um corpo imaculado e uma fome feroz. Eu me arrepiava só de pensar. Às vezes não desejava saber dela, para não ler os detalhes do que na verdade, houve. Eu, como muitos leitores, acredito, estava curiosa, mas certo medo me tomava. Como vocês sabem, sou uma leitora voraz, e mergulho em cada detalhe apresentado pelo o autor. Eu tenho a certeza que todos os leitores querem que aquela menina não esteja morta. Mas, acredito que só haja 2% de chance de ela estar viva.

Após minha longa reflexão, levei meus olhos receosos ao livro e comecei a ler as próximas páginas...

Diante dos olhos de Fox, duas cadeiras apareceram, e sentados nela, NUME e Lúcifer. Como se ali fosse um tribunal, e o réu iria ser julgado.

- O que está havendo aqui?! Gritou Fox.

- Iremos lhe atender meu filho. Fez NUME.

Notava-se nos olhos do senhor Fox, um brilho intenso. Era sua filha. E como o gênio da lâmpada, NUME iria realizar seu pedido. Então Mensageiro se dirigiu as cadeiras e Lúcifer logo se levantou dando o lugar para o Cordeiro. As posições foram invertidas. Fox apenas observava o movimento deles.

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- Não se assuste Fox. Falou Lúcifer. Sou sua parte que pode lhe satisfazer o desejo que tanto quer.

- Quero minha filha! É só o que quero!

- Tudo bem.

NUME, e o Mensageiro, sentados nas cadeiras de madeira escura, permaneceram quietos. Lúcifer então se aproximou de uma das paredes da gruta e, como num toque de mágica, desenhou uma tela de tamanho considerado, e uma claridade aparecia naquele imenso painel. Fox apenas observava curioso e atento.

- Está mesmo preparado irmão Fox? Fez Mensageiro de lá da cadeira.

Ele assentiu com a cabeça. Lúcifer, segurando uma espécie de aparelho preto na mão direita, começou a apertar com o dedo indicador, um dos botões vermelhos. A claridade da tela agora se transformava em uma paisagem obscura.

- Aline! A voz de mamãe de repente me tirou a atenção do livro. Já aprontou sua mala filha?

- Ainda não mamãe! Gritei de cá.

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- Então trate de fazer, porque sairemos bem cedo amanhã. Pegaremos o primeiro trem!

- Tudo bem!

Pus-me no quarto e comecei a juntar minhas coisas com o pensamento no livro. "O que será que aquela tela irá mostrar?" pensava. Imaginei tantas coisas em relação àquela menina.

Findei a mala e encostei-a, numa das paredes do quarto. E logo corri para o livro. Aqueles movimentos com as roupas me fizeram suar. Liguei o ventilador, que era coisa rara nesse lugar, e esperei meu corpo esfriar com o soprar dos ventos. O livro me chamava. Aconcheguei-me e meus olhos buscaram o parágrafo...

Fox estava atento à imagem. Havia mato, escuridão e silencio. De repente uma família andava por ali, pela redondeza de um riacho calmo, e em movimento. Havia sorrisos e gritos de felicidade. O casal observava as águas claras enquanto suas filhas brincavam por entre arbustos verdes.

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PARTE 22

COM OS NERVOS A FLOR DA PÉLE

Ele tomou um sopapo com a cena que via; uma retrospectiva de um passeio a pedido da filha mais velha. Fox se mostrou a querer dizer algo, mas se conteve apenas assistindo ao filme que se passara em apenas uma tarde. Seus nervos estavam à flor da pele. De repente sua casa era palco de uma ave maravilhosa; uma bela penugem voava rasgando em presságio. Os sorrisos inócuos invadiam o ambiente plácido. O casal se aproveitava para algumas juras amorosas, sentado à beira daquele regato calado.

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A respiração de Fox acelerava a cada detalhe do cenário a se ver. NUME cochichava para Mensageiro. Então o vídeo foi pausado.

- Por quê?! Gritou Fox bravio. Por que pararam?!

- Irmão... Falou Lúcifer, ainda de pé. Você tem certeza que quer continuar?

- Sim. Eu preciso. Não aguento mais ficar desse jeito! Ele curvou a cabeça para baixo e deixou se ver um choro silencioso.

- Podemos parar aqui, se quiser.

- Não! O que eu fiz? Fez agora em choro aberto.

NUME e Mensageiro, apenas observavam. A trama foi reiniciada...

"As crianças precisavam disso querido" "Sim, meu amor, e nós também". Os olhos da mulher se misturavam ao olhar do esposo num convite clássico a momentos íntimos e afáveis. "Eu já estava sentindo falta" dizia ele, tocando-a os cabelos castanhos claros e lisos, com suas mãos grossas e delicadas, deixando que os fios penetrassem por entre seus dedos. Suas

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bocas se aproximavam num desejo ardente de um beijo que há dias não se sentiam. A menina Bruna então se aproximava do casal ainda em plena entrega sentimental. A criança procurava o que comer nas sacolas de pano. Em sua ligeira vasculha, encontrou uma maçã vermelha e imensa. Levando a boca, seguiu na direção do riacho e se sentou ali, numa degustação lenta e deliciosa. Olhou para trás e notou que seus pais se abraçaram sem lhe notar a presença.

Por ali havia uma lebre branca e pequena, que deixava as crianças embebecidas de encanto. Aline, deixando sua irmã de mão, buscou o pequeno animal, que tinha uma sutil aparência e movimentos delicados e rápidos. A cada olhar da menina, a lebre se erguia e dava seus saltos leves, tentando fugir do alcance da criança curiosa e desejosa de tê-la em suas mãos tacanhas e finas.

Meus pensamentos naquela hora, encerrando a leitura do parágrafo, buscaram uma diversidade de roteiros imaginários. Eu já sabia o final. Em minha leitura na tela mostrada por Lúcifer, o início aos meus olhos, mental. Será que eu desejava mesmo ir adiante? Havia uma menina encantada com o riacho a correr e Aline paralisada com o pequeno animal em pelo alvo e movimentos tênues. Meu emocional a flor da pele me deixava inquieta naquela cama com o livro entre aberto nas mãos. No relógio beirava a meia noite e eu teria que sair logo

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cedo, de volta pra casa. Mas como dormir com aquelas páginas pedindo para ser lidas? E acredito que vocês também desejavam saber, o que tanto se fazia misterioso.

- Aline! Já está dormindo? Era meu tio.

Pensei em não responder a voz dele. Ainda com as páginas na mão, abri a porta.

- Não. Falei.

- Não quer um lanche? Estamos todos lá na cozinha degustando uma surpresa que eu mesmo preparei de última hora. Falava sorrindo levemente.

Tive dúvidas em responder, mas assenti.

- Não demore querida.

Aproximei-me da cama e deitei o livro naquele colchão coberto em coxa grossa e estampada. Dirigi-me a porta ainda com os olhos pedindo para continuar o capítulo sápido.

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PARTE 23

DE VOLTA PRA CASA

- Você irá adorar Aline. Falou o tio em riso aberto.

- O que temos aqui? Perguntei curiosa com a beleza do prato.

- Patambre recheado. Disse ele.

O petisco é uma espécie de salgado recheado em carne ralada com bastante verduras.

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- Sente-se sobrinha e tome do seu petisco.

Estava realmente delicioso. Ele mesmo havia preparado especialmente para uma despedida clássica. A iguaria foi acompanhada de um delicioso suco de uvas frescas, que meu tio cultiva no quintal. Então comíamos todos em conversas agradáveis e risos descontraídos. Papai mais o tio tomou alguns copos de vinho legítimo feito aqui na cidade. Havia muitos agricultores de uvas na região. Aquele final de noite foi maravilhoso. Mas a cama me convidava. Nem tive coragem de ler novamente. Estava sonolenta. Ainda peguei o tomo, mas meus solhos cerravam, e adormeci.

Acordei com o chamado da mãe. Levantei-me num pulo. Fiz a assepsia e peguei minha maleta pequena. Da cozinha saía um aroma delicioso. Era meu tio cozinhando e minha tia sentada na cadeira de rodas. Meus pais ainda estavam no quarto. O trem sairia às sete e meia. Após um rápido dejejum, o carro nos levava a estação. Passamos pelo centro da cidade ainda mergulhada nas lembranças do evento floral com alguns enfeites dependurados por entre as ruas e na praça. Vi se distanciar dos meus olhos a linda biblioteca que me deixou maravilhada. O trem apitava avisando que se ia... Observei quando a fumaça subiu em sopro lépido. Corremos para um dos vagões. Havia poucas pessoas sentadas. Como sempre, fiquei na janela para apreciar a vista. O livro estava na mão.

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Dessa vez leria algumas páginas, quando a viagem estivesse serena por aqueles trilhos de ferro. O barulho das rodas em atrito no caminho de aço não me incomodava nem me fazia franzir o cenho. Após uma longa curva que beirava um alto monte arborizado, eu comecei a ler...

Aline, a cada passo daquelas miúdas patinhas, o seguia vagarosamente sem se dar conta do caminho que ia. Seus pais, após um longo momento amoroso, chamou a filha mais nova e, pegando suas coisas, seguiram de volta. O lugar era bem próximo a sua casa. Já tinha costume de ir ali e deixar suas filhas frequentar o local.

- Aline, vamos! Gritou sua mãe olhando os arredores do lago.

E seguiram apenas com a, benjamim.

- Depois ela vem querida. Falou o pai despreocupado.

Senti um sopapo que meu livro quase caía pra fora do trem. O trem freou de repente, desacelerando em ruídos finos e irritantes. Todos nos assustamos. Algo havia sido atropelado nos trilhos. A fumaça subia e o apito soava aos quatro ventos. Algumas pessoas se levantaram assustadas. Papai também estava de pé e tentando ver o que se passava. Mamãe segurou

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na minha mão de uma forma estranha. Percebi que ela fechara os olhos. Quando a comitiva de ferro parou, muitos jogavam suas cabeças pelas janelas para ver o que se passava. Papai desceu. Vimos o maquinista andando de fora da locomotiva. Examinando as rodas e os trilhos. Nada encontrou. E se dirigiu para os últimos vagões. Nada de anormal. Pera ai! Ele havia achado algo diferente. Tinha uma das rodas sujas. Era líquido vermelho. Os olhos do homem arregalaram. Seu estado emocional se alterou. Era uma vítima. Ele não entendeu o porquê de não ter visto nada nos trilhos em sua frente. Algum descuido talvez. Ao voltar alguns trilhos, ele percebeu pedaços de carne misturados a outras coisas. Chamou o ajudante de maquinaria e foram saber do que se tratava. Papai mais alguns passageiros também os seguiram.

Andaram alguns metros e lá estava...

Fiquei no trem, eu e mamãe, preocupadas. Havia um reboliço dentro dos vagões; as pessoas todas curiosas e com medo. O séquito era composto de apenas cinco vagões; todos ainda muito antigos em sua estrutura interna e externa. Era na verdade, uma locomotiva no estilo antigo. A famosa Maria Fumaça. "O que terá ocorrido?" sussurrava mamãe, já com os olhos abertos.

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Depois de um bom tempo, os homens voltaram com a resposta.

- Foi uma grande lebre! Disse papai se sentando ao nosso lado. Ela ficou estraçalhada. Coitada.

Imaginei o ato com o animal e me deu um arrepio. A viagem então fora tranquila dali pra frente. Não tive mais coragem de ler o livro. Aquele animal fazia me lembrar de uma passagem da história da menina.

Finalmente chegamos à estação. Pegamos então um táxi e retornamos para casa. Quando passávamos pela praça, percebi Bruno caminhando numa daquelas ruas. Vocês se lembram dele? Parecia que aquela fisionomia me chamava à atenção, como um imã. "Não pode ser" pensei. "Será?". Meus olhos buscaram aquele rapaz dos pés à cabeça. Ele era um destaque aos meus olhos. O carro seguia e eu acompanhava Bruno até onde pudesse.

Com pouco tempo, estava em meu quarto, e a ânsia era tamanha, para saber dos personagens daquele livro.

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PARTE 24

PEGADAS PARA O ABISMO E UMA VIDA SOFRIDA

Aline continuava a seguir o animal, que saltitava como se corresse em curvas, alcançando as laterais da trilha estreita. O casal Fox mais a menina Bruna, se aproximavam de casa. A despreocupação fora total. Parecia que, no casal, havia ocorrido um branco em suas memórias. E Aline perseguia a lebre, inocentemente pelas moitas e arbustos rasteiros.

Fox diante do jurado era uma pilha de ânsia, e novamente o sentimento de ódio o tomava aos poucos. Seu coração começava a acelerar. NUME e o Mensageiro sabiam que a cena

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não seria boa para aquele homem atordoado. Que iria aguçar novamente sua deficiência, seu defeito maior; o ódio. Fox tinha facilidade de odiar. Seus olhos agora fitavam a cena, atentamente. Não queria perder s quer um detalhe do que havia ocorrido com sua filha. Seu coração acelerava.

A menina sem se dar conta do perigo, seguia para um arbusto mais grosso e alto, onde o coelho havia se escondido. Do outro lado do capim alto, um ser completamente deformado e cheio da maldade, esperava a menina, salivando e com seus instintos aguçados. Seria uma presa fácil.

A tela então foi estagnada novamente.

- O que foi isso?! Gritou o senhor Fox.

Era um bom espectador.

- Demos uma pausa, porque precisamos lhe mostrar algo que vai lhe ajudar a compreender o desenrolar da cena.

- Não estou entendendo!

- Fique tranquilo meu irmão. Fez o Mensageiro.

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Na tela uma cena fúnebre. O lugar era bem desvalido. Havia choro e miséria por toda parte. Muitas casas todas inacabadas e algumas sem telhados. O frio castigava aquela gente sofrida. Parecia até um filme aos olhos do senhor Fox, que assistia curioso, mas desejando voltar a sua filha. Havia ali uma família que era uma das piores em se tratando de pobreza. E uma criança de sete anos era vítima da própria mãe. Seu pai havia morrido há um ano; vítima de tiro perdido, deixando o filho e uma mãe sem nem ter o que dá ao menino para comer. Os dois ali viviam do pão que o Diabo amassou. Eram dias e noites de jejum forçado. A criança além de passar fome, era presa de sua mãe; a senhora o chamava no quarto dela e abusava dele de todas as formas. E quando se aproximava do clímax sexual, ela o violentava com pancadas no rosto e beliscões em todo corpo. Aquele menino foi criado naquela vida difícil e violenta. Quando ele completava dezoito anos, ela morreu por falta de nutrientes, quando passara dias de fome. Nessa altura, aquele menino que agora já era quase um homem feito, já havia praticado desde ainda mais jovem, todo tipo de aspereza nas ruas do bairro. Ele era o reflexo do que viveu durante anos, quando ainda criança e adolescente.

Fox num silencio perene, deixava algumas lágrimas desceram de seus olhos, que confundia aquele menino com sua filha. Era dois casos a parte, mas que o problema se apresentava o mesmo: Abuso sexual.

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E vítimas começaram a aparecer nesse bairro agora desenvolvido e onde nenhuma família mais sofria a fome ou coisa do tipo. Mas, na mente e na alma daquele ser, que agora um homem robusto, seus dias de tortura psicológica e física, o transformara no mais perigoso e delinquente ser do mau. A criança era agora aquela que fez de vítima uma menina inocente e indefesa.

A tela, de repente, sofreu uma mudança de cena, e a criança pura, caminhava para o predador. E como uma câmera que trocava de imagem, agora se via o animal de olhos fitados nos movimentos da menina tão bela e fidedigna. Suas mãos grossas e imundas, pelo o tempo sem banho nem limpeza, se preparavam para o bote certo e calculista.

Notava-se no semblante do senhor Fox, certa inquietação e vontade de esganar aquele homem antes mesmo de agarrar sua filha querida. Por um momento, esqueceu do que vira no filme lhe apresentado sobre a fera, quando ainda uma criança indefesa nas garras de uma mãe perversa e de uma vida não tão amiga. Seus olhos choravam e suas mãos se fechavam trêmulas num ato de vingança e ódio. NUME e os outros que o observavam de perto sabiam de suas fraquezas, quando posto em prova, mesmo que fosse de um filme em retrospectiva. Mas era o filme real, onde a protagonista principal se fazia sua filha.

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Aline então se aproximava do perigo, inocentemente e nunca imaginaria que um lobo mau estaria ali para um ataque brutal. Lembrei-me de um conto famoso, que minha mãe costumava ler pra mim, antes de dormir: Chapeuzinho Vermelho. O animal, que saía do arbusto, se mostrava agora de frente da criança assustada.

- Parem! Gritou Fox atordoado. Por favor! Parem com isso! E se debulhou em choro.

Chorei ali diante daquela cena, onde um pai via sua própria filha sendo abatida como um simples animal indefeso. Mas uma vez desviei meus olhos do encapado aberto em minhas mãos delicadas. Vi quando algumas lágrimas caíram por sobre o papel amarelado e repleto de tristeza e dor. Fox carregava o peso da amargura e do arrependimento por não ter cuidado melhor do que lhe pertencia na vida. Fora desatento por alguns minutos e perdera quem tanto amava na vida. Passei meu dedo por cima da página molhada de lágrimas, tentando seca-las. Na verdade, o livro chorava, a meu ver.

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PARTE 25

O HOMEM CHORAVA FEITO CRIANÇA

Meus olhos continuavam chorando com aquela cena do senhor Fox se lastimando por não ter impedido de sua filha ser atacada. Pensei em mudar aquelas páginas e dar um sentido totalmente inverso a história lida. Coisa de leitores. Vocês sabem como são essas coisas; todo leitor deseja dar rumos diferentes as histórias que leem. Os escritores sabem provoca-los e aguçar suas imaginações, deixando-lhes a vontade de participar dos parágrafos. Meu semblante estava sereno. Não tinha direção alguma; estava perdido nas cenas lidas. Confesso que li tantos e tantos livros em minha vida, e nunca havia me

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deparado com tamanha cena em páginas e parágrafos tão sorumbáticos.

- Meu filho... Fez NUME, piedosamente. Precisávamos lhe mostrar essas imagens, para que você pudesse rever seus conceitos perante a vida. Não queira odiar alguém, porque praticou um crime, ou não está inserido nos padrões sociais. O erro há de ser revisto por quem escandaliza, já falava meu filho, quando esteve aí com vocês, mas ai de quem vier o escândalo! Todos vós pagareis por seus atos contra vocês mesmos, contra terceiros e contra a Natureza planetária. O homem está completamente ligado ao Universo e Vida. O julgamento é um dos piores pecados que o ser humano ainda carrega consigo em sua alma aturdida e maldosa.

Fox chorava como criança com as mãos no rosto e a cabeça baixa.

- Meu maior desejo... Fez ele, ainda em choro. Era poder ter abraçado minha filha pela última vez. Eu a amo muito. E me sinto culpado por ela ter... E desabou em pranto com as mãos no rosto.

Acho que as perguntas que eu fazia ao ler esse livro, todos vocês também faziam: Onde está à menina Aline? O que realmente houve com ela? E por que isso acontecer com ela,

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uma simples criança? Tive vontade de folhear o livro adiantando algumas páginas, mas pensei que isso não seria justo fazer. O autor precisava mostrar o decorrer das páginas anteriores, para então chegar aonde eu queria.

Dessa vez consegui ver o dia amanhecer lendo meu livro tão desejado. Meus olhos estavam pregados. Já ouvia os pássaros cantarem próximo a minha janela. O bem-te-vi era o primeiro a gorjear. A permanência dos pássaros aqui no condomínio era porque havia algumas palmeiras altas no jardim. Fui até o banheiro e lavei meus olhos pra ver se espantava o sono, como sempre faço, e vi tristeza neles. A janela me chamava como de costume. Olhei na portaria e não havia algum movimento. Lembrei-me novamente do porteiro que abusara da menina. Não sei bem que espécie de abuso ele fez com ela, mas cada vez que eu ouço falar dessas coisas, me lembro do homem que tentou me fazer mal.

Para o senhor Fox, aquela madrugada parecia que não terminava. Era como se o tempo tivesse parado ali, naquela gruta escura e de mal odor. Mas havia algo que o deixava curioso; sua filha.

Era eu, o senhor Fox e vocês, querendo saber da menina Aline; a trindade do livro.

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- Fox... Fez NUME. Relaxe e encare a realidade de frente.

Fox sabia do que ele falava. Sua filha. E NUME continuou: - O tempo se passa, e não podemos perdê-lo com você aqui.

- Vocês não querem um café? Gritou Mensageiro.

- O que?! Fez Fox espantado. Vocês também tomam...

- Claro Fox. Disse Lúcifer antes que o homem terminasse a frase. Você não vai querer? Foi nosso pai quem fez.

"Agora essa" Sussurrou Fox. "Deus fazendo café".

- Você acha isso difícil, Fox? Falou NUME. São nas pequenas coisas da vida, que se ver a grandeza aos olhos. Ou você acha que nós, porque somos personagens importantes de um livro famoso e tão lido pela humanidade, não podemos nos deliciar de algo que parece tão simples e banal? Acho que eu mereço provar do que criei, ou não?

- Está delicioso pai! Falou Lúcifer, olhando para NUME, com um sorriso matreiro.

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- Tome uma xícara Fox! Fez Mensageiro lhe entregando as mãos uma caneca branca repleta do líquido preto. Vai querer doce ou...

- Obrigado! Disse Fox, lhe atropelando as palavras. Vocês tão me deixando muito confuso.

A fumaça subia, saindo daquela xícara, como cortinas finas e onduladas. O aroma era não menos, melhor do que todos os cafés que sua esposa havia feito em toda a sua vida de casado.

- Gostou senhor Fox? Perguntou Lúcifer. Tudo que meu pai faz é perfeito.

Eles então se olharam entre si. O semblante de Mensageiro se ria sereno e silencioso. Lembrava-se da época em que tentou falar ao mundo isso, mas o mundo não acreditou. Fox então deu um primeiro gole franzindo a testa e diminuindo os olhos negros. Os demais também saboreavam do líquido doce, como tudo que o autor faz e fez, é saboroso.

- Fox... Fez NUME. Se quiser pode cochilar um pouco, porque teremos que esperar a novidade.

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- Novidade?! Qual é agora a de vocês? Fez afastando a xícara dos lábios antes do segundo gole.

- Relaxe Fox... Falou Lúcifer. Teremos um longo dia!

- Um longo dia?!

- Sim irmão. Disse, Mensageiro. Acredite, não vai se arrepender se quiser esperar, o que temos pra você. E deixou que saísse de si um sorriso leve.

Fox então se acalmou e sentou-se ainda tomando seu café.

- Quer mais um pouco senhor Fox? Fez Lúcifer, com uma espécie de bule na mão.

Fox apenas balançou a cabeça para os lados sutilmente.

Eu nunca imaginava ler um livro, onde haveria Lúcifer voltado para Deus. Fiquei realmente perplexa com isso, desde o primeiro parágrafo em que ele apareceu como anjo de Luz. E veja que tudo isso faz sentido. O mau não pode existir e resistir para sempre na vida de um ser e das pessoas que aqui habitam, se há uma grande força que rege todo o Universo. Deus não pode jamais, criar algo que venha a se perder, se vemos nesse

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Universo tantas coisas tão perfeitas, que é regida por ele sem nenhuma falha e com tata perfeição. Então por que o homem, uma de suas melhores criações, seria um arrependimento pra ele? Realmente, o Ser Supremo jamais iria se arrepender de algo que ele sabia de todos seus detalhes, porque fora ele quem nos criou.

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PARTE 26

UMA SURPRESA MARAVILHOSA

Enquanto eles tomavam o delicioso café divino, eu soltei o livro e fui até a cozinha ver o que tanto papai preparava naquela manhã de sexta-feira. Ele é sempre assim: O faz tudo da casa.

- Meu Deus, panquecas! Gritei ainda na porta, vendo-o no fogão, vestido num avental e cuidando da frigideira.

O cheiro tomava o ambiente em azulejo claro.

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- Já acordada minha filha? Disse ele ainda mexendo na panela.

Assenti.

- Hoje temos panqueca! Falou em riso.

- Percebi. E está bem cheirosa.

- Usei tempero fino. Eles dão certo aroma nas comidas. Vai sair cedo hoje?

- Sim, vou.

- Então aproveite e coma umas panquecas! Fiz café, está bem fresquinho.

Eu pretendia procurar aquele rapaz que me cativou com um sorriso aberto; Bruno. Não sei, acho que algo estava errado em mim, em relação a ele. Fazia tempo que eu não me sentia assim. Se, era paixão? É o que todos vocês, eu tenho certeza, estão se perguntando ao ler esse livro.

Olha... Eu ainda não sei dizer o que se passava na minha mente nem no meu coração de uma moça de 29 anos e bem

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centrada na vida, naquele momento. Mas, acredito que simpatizei com aquele rapaz.

Comi o dejejum e fui tomar um banho quente. Aquela manhã estava menos fria em relação aos outros dias. Para uma moça de 29 anos, os pais já não mais questionam a respeito do que vamos fazer ou coisa e tal... A partir desse período, uma parte do ser humano é praticamente apagada dos dias. Não que eles deixam de nos amar, mas porque começamos a andar com nossas próprias pernas em passos mais seguros. Mas quero ser sincera: Sinto falta dos cuidados maternos e paternos a me alertar e fazerem perguntas, que às vezes nos irritavam. Hoje vejo o valor que isso tem na vida de uma pessoa, de um filho.

Então após o banho bem relaxante, lá estava eu, pronta para sair. O relógio marcava quase nove horas da manhã. Mamãe havia saído logo cedo. Ela trabalhava na melhor empresa da cidade; era uma espécie de gerente comercial.

As ruas de Bavária, o bairro que eu residia, ainda se mostrava ao toque do alvorecer. Estávamos no período de férias escolar. Poucas pessoas buscavam seus afazeres diários. Dirigi-me para o ponto aonde Bruno caminhava, quando o vi dias antes. Eu não sabia se ele apareceria ali, apenas fiz uma tentativa, arrisquei um palpite. Dizem que, intuição de quem está apaixonada, é tiro e queda; é como se um imã estivesse ao

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nosso favor. Fiquei por ali tentando disfarçar a ansiedade. Minhas mãos soavam frio. Pela primeira vez, não havia levado meu amigo inseparável; o livro de cabeceira. Senti falta dele por aquele tempo vazio e friorento. Confesso que me arrependi de não o ter levado comigo. Olhava no relógio em meu pulso a cada minuto que se ia... Nem Bruno nem livro. Eu parecia uma menina boba, que vai ao seu primeiro encontro amoroso. A falta de experiência causa insegurança ao ser humano. Nunca fui uma garota de fácil acesso amoroso nem de relacionamento a dois. Pisava em casca de ovo, para não quebrar minhas esperanças e ficar a ver navios. Uma boa parte de eu ser assim se deve a minha timidez, que eu não sei até hoje, se foi ruim ou bom pra minha vida. Bom... Esperei Bruno acho que quase duas horas e nada. Estava ciente de que nada fora marcado. Ele nem sabia. Então não fiquei brava nem me irritei. Apenas um pouco de arrependimento por não ter levado o encapado. Passei num café do bairro e me deliciei de um cappuccino com bastante chocolate. Cada gole, Bruno vinha a minha mente ainda adolescente. Por ali havia algumas pessoas que costumavam frequentar o local. Não era só um café, havia livros e outros artefatos para se comprar, ou usar, no caso dos livros. Vocês não imaginam o que me veio amente: ver se o livro estaria ali nas poucas estantes. Dito e feito; lá estava ele em destaque. "Meu Deus". Sussurrei. Logo o peguei sem hesitar. Meu coração acelerou, e sentei-me para dar continuidade à leitura. Antes de começar, levei-o ao nariz

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afilado, como todo bom leitor, e dei um cheiro suavemente por cima daquela capa e entre as páginas virgens. Cada gole no café, algumas palavras e estrofes eram decifradas...

Por alguns minutos, Fox se viu só, na gruta. Parecia que ele vivia um sonho real. Observou ao redor e só escuridão aos olhos assustados. O frio tocava seu corpo robusto. Ele se fazia sentado e escorado nas paredes da caverna. "Não pode ser" balbuciava. "Não pode ser um sonho". Continuava suas divagações. Apenas o silencio falava aos seus ouvidos atentos. Ele poderia se levantar e sair dali sem nem olhar para trás, mas havia um propósito. É o que o Criador tem para todas as suas criaturas: Um propósito. Poucos homens conseguem enxergar isso.

- Papai! A voz era de uma criança doce e feliz. Poderia vir aqui?

Sentando-se ao meu lado, a criança fitou os olhos em mim. A ponto de me distrair daquelas páginas. Logo a figura paterna sentou-se no mesmo banco que eu e aquela criança estávamos.

- O que foi minha filha? Fez o pai lhe abraçando as costas, infantil.

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- Gostaria de ler um livro.

Era um rostinho angelical vestido em um sorriso meigo. O pai então foi até as prateleiras e escolheu um título pueril. E lá estávamos: Eu e a menina de uns nove anos lendo no mesmo banco de madeira de cor azul celeste.

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PARTE 27

UM DIA DIFERENTE E UMA CRIANÇA SEMELHANTE

Acho que fiquei no café por muito tempo. A leitura, e a criança daquela idade, já entregue aos livros, aquilo me encantou a alma de uma leitora compulsiva. Lembrei-me de quando ainda com sete anos; quando já despertava pela leitura, ao ter em mãos, os livros de Monteiro Lobato. Foi uma das coisas mais maravilhosas que havia me acontecido; ter a coleção daquele autor cheio de ideias mágicas. Dali por diante, comia os livros, e meus pais tiveram que comprar livros para mim até eu ficar de maior.

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Fox alimentava um turbilhão de pensamentos vagos e agoniantes. Estava em duas realidades: O sumiço da filha e a presença da Trindade mais inesperada que se possa ter. Seus miolos ferviam na solidão dá guarida. Refletia todas aquelas palavras saídas daqueles seres mais inusitados. Por instantes, pensava estar sonhando com tudo aquilo. Isso lhe trazia esperança de ter sua filhota aos seus cuidados.

Até que adormeceu... Se sentia cansado.

Seu sonho lhe levou ao mais confuso momento de loucura. Havia uma criança e um homem de semblante deformado. Suas mãos tocavam a menina de doze anos, como um animal faminto e devasso. Ela gritava agoniada, pedindo por socorro. Os olhos do senhor Fox, em quanto dormia se movimentava aceleradamente. Suas pestanas pareciam para-brisas de um carro em dia de chuva, tentando limpar o vidro. Seu coração batia forte e descompassado. A criança sangrava e era violentada ferozmente. Fox então começou a chorar vendo aquela cena e reconhecendo a guria. Era a sua filha. Ele então gritou em choro desesperado e despertou do sono escuro, ouvindo o eco de sua voz tomar a caverna. Estava ainda na gruta e sozinho. Seu corpo suava frio e suas emoções aguçadas. "Meu Deus, não pode ser" sussurrava. "Minha menina" seus olhos umedeciam. Era a sua filha Aline. Sua respiração se fazia ofegante.

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Eu estava vivendo um dia diferente; um café numa manhã de outono, minha leitura preferida e a companhia de uma criança devorando um livro. Era perfeito. Acho que minha primeira leitura fora aos olhos de minha mãe, quando ainda com quatro anos, quando ela narrava àquela linda historinha infantil. Se eu não me engano, como já falei pra vocês, Monteiro Lobato, era o autor.

O senhor Fox agora tinha uma vaga certeza do que fora feito de sua filha. Sua esperança desabou caverna adentro. Retomava o desespero.

- O que está lendo? Fez a criança com uma voz aguda e já com seu livro fechado.

Pausei minha leitura, levando meus olhos a ela.

- Livro de gente grande. Falei.

- Tem fadas nesse livro?

Sorri amavelmente olhando para ela e percebendo a inocente pergunta.

- Não. Mas tem Deus.

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- Deus?!

- Sim. Deus, Jesus e...

Não terminei a frase. O preconceito daquele nome que todos temem, me tomou. Não poderia falar um nome tão aterrorizando para uma simples garota de nove anos. Seria um pecado. E na mesma hora me perguntei em silencio: Por que tanta indiferença quanto a esse nome? Por que nos fizeram acreditar que ele é o pai da mentira, de uma forma que não pudesse sofrer uma mudança, uma melhora? Isso não era justo. E como falar dele para uma criança sem que ela não fique temerosa? Senti o peso da irresponsabilidade da humanidade, que alimentara por tanto tempo aquela ideia ridícula e tão infantil.

- O que fala sobre Deus? insistiu ela nas perguntas.

Pensei por alguns minutos antes de responder.

- Que ele é o... O pai que ama seus filhos. Não importando se são maus ou bons.

- Então Deus ama o ladrão da mesma forma que ama, eu e você?

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Aquela criança parecia ser um adulto com tantas perguntas difíceis.

- Sim. Da mesma forma. Somos todos filhos dele.

- Vamos filha! Era seu pai.

- Tchau! Fez a menina ainda a querer mais respostas.

Acenei em riso e voltei às páginas...

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PARTE 28

A TRINDADE REAPARECE

Antes que Fox se entregasse novamente ao desespero e ódio, os três seres reapareciam na gruta, trazendo claridade aos olhos do infeliz.

- O que lhe atormenta agora Filho? Fez NUME.

- O sonho. Respondeu ele, choroso. Aline realmente foi...

- E você acha que ela é inocente? Falou Lúcifer lhe atropelando as palavras.

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- O que?! O que você está falando? Vi minha filhar ser violentada, e você quer que eu aceite os fatos assim sem...?! É apenas uma criança! E aquele monstro...?

- Antes de ser um monstro... Dizia Mensageiro. Ele também é filho de meu pai, Fox. Todos os fatos ocorridos nessa terra, irmão Fox, é meramente culpa dos homens. Ninguém está inocente aos olhos de meu pai. Nem tão pouco é culpa de Lúcifer, porque você está vendo que ele é outra pessoa. Então o mau não lhe pertence mais. Mas tenha a certeza de que sua filha ainda vive.

Fox ouvindo aquelas palavras vestiu um semblante de expectação. Era a sua filha. Teria ele a resposta do que tanto o afligia?

- Viva?! Então minha filha está...

- Mas as coisas... Fez Mensageiro lhe cortando as palavras. Nem sempre são como imaginamos, irmão Fox. Quem dera pudéssemos escrever suas histórias como desejamos. Por isso lhes entregamos o livre arbítrio. Não queremos escravos no reino do amor. Queremos almas livres e pensantes. Individuais. Mas, com o espírito de irmandade, porque ninguém vive sozinho no Universo. Veja seu corpo: Ele

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precisa dos órgãos em harmonia para poder se manter funcionando. Viva sim, mas em outra realidade.

- O que?! Outra o que?! Do que você está falando?!

Nesse instante, Lúcifer cochicha no ouvido de NUME. Eles se comunicaram entre olhares entusiasmantes. Os três se reuniram num retiro fugaz. E, após alguns minutos, olharam para Fox, que ainda sentado no canto da gruta, os via se aproximando dele. Fox não obteve respostas.

- Fox. Fez Mensageiro.

O homem erguendo o semblante melancólico deixou que a curiosidade o tomasse de assalto.

- O que houve? Disse, se levantando rapidamente.

- Sua oração foi atendida. Falou NUME. Mas tem um detalhe...

- Detalhe?! Interrogou atropelando-o.

- Sim, meu filho. Você irá prometer que vestirá a roupa da tranquilidade e equilíbrio durante o que vamos lhe apresentar.

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Fox serenou por minutos.

- Moça!

Ergui a cabeça, desviando das páginas intriguistas, e percebi um dos funcionários ao meu lado.

- Sim?

Ele agasalhou um riso afável e disse:

- Desculpe-nos, mas precisamos fechar o Café.

- Nossa! Falei envergonhada. Desculpem-me!

- Tudo bem moça. Venha quando quiser.

- Obrigada!

Coloquei o livro no local e saí dali sem graça. Além de ler sem pagar, ocupei quase o dia inteiro naquele café mágico. O livro estava na melhor parte, precisava voltar pra casa logo e pega-lo. Minha ansiedade se fazia à beira do abismo literal. Mas tive uma surpresa: Ele aparecera. De quem eu estou falando? Vocês nem fazem ideia? Sim, Bruno estava a

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caminhar numa daquelas calçadas a passos rápidos. Adiantei-me na sua direção e gritei suavemente:

- Bruno!

Ele olhou para mim e sorriu. Retribuir com o coração na mão.

- Aline! Como andas?

Nossas mãos se pressionaram suavemente.

- Estou bem e você?

- Apressado como sempre. Fez deixando aquele lindo sorriso sair em dentes alvos e perfeitos.

Entendi que ele tinha compromisso.

- Depois nos barramos por aí... Falei. Tudo bem?

- Tudo bem! Precisamos mesmo conversar querida.

- Sim, claro.

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Houve uma curta despedida e vi quando ele sumiu dobrando noutra rua. Aproveitei e corri pra casa. O livro. Sim, o livro era meu objetivo maior naquela hora. Apesar de estar sentindo algo especial por aquele rapaz de cor escura e cabelos de hasta fare. Algo iria acontecer naquelas páginas adiante. "Seria Aline, que iria..." imaginava.

- Aline! Um grito.

Era mamãe de volta do trabalho no carro, me chamando.

Aproximei-me do carro ficando diante de sua janela.

- O que faz aí nas ruas, sozinha, há essa hora, filha?

- Eu estava no Café Paulista. Falei entrando no carro.

- Cuidado com essa cidade. Ela vem muito violenta nesses últimos anos.

Assenti.

Já estávamos em casa, e relaxei numa ducha confortante, pensando em Bruno e no personagem Fox esperando uma resposta de sua filha Aline. Aqui em Bavária, mesmo em dias

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de sol, a água é muito fria. Gelada. precisamos de chuveiro elétrico.

Agora estava pronta para continuar aqueles episódios.

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PARTE 29

FOX E A SURPRESA AOS OLHOS

- Vamos Fox! Falou Lúcifer lhe estendendo a mão.

O homem e a Trindade formavam um quarteto nunca visto.

- Venha por aqui amigo! Falava Mensageiro.

Eles adentraram uma passagem da gruta, que dava para outro compartimento. Lá havia uma pedra em forma de maca. Um corpinho estirado no local fúnebre dormitava intacto. O

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coração de Fox acelerava a cada olhar curioso e detalhista. Havia um pano alvo cobrindo todo o talhe infantil. Algumas lágrimas tentavam fugir dos olhos arrebatados do senhor Fox. O final da história ele já adivinhava. Mas sem perceber, estava enganado. A Trindade o arrodeava como se estivessem protegendo alguém tão importante quanto um rei.

Ao redor daquele espaço, havia vários utensílios e pedaços de tecidos, todos em sangue já escuro pelo o tempo. Fox observava na claridade sul-real os detalhes do ambiente hostil. Percebera que ali foi palco de algumas vítimas ainda criança. Sua respiração ofegava rapidamente. Lembrara-se da promessa: De não se desequilibrar. Mas era sua filha.

- Fox. Fez NUME. Está tudo bem? Não esqueça que estamos aqui.

Ele nada falara. Apenas reparava naquelas vítimas em tecido velho, tão ainda pequeninas e cheias de vida, antes de serem abatidas pelo o monstro desequilibrado. Soluçou profundamente como se fosse desabar em choro incontrolável. De repente a mão de Lúcifer tocou a sua, tentando lhe dar conforto. Fox nunca imaginaria receber do ser mais detestável da humanidade, tanto amparo e aconchego, como se fosse um irmão mais velho a lhe proteger.

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Então Mensageiro, se aproximando da pedra, onde se expelia a criança coberta por um pano sujo, disse:

- Meu irmão Fox... Aqui jazz sua pequena Aline.

E retirou o pano da parte superior da criança bloqueada. Fox nesse momento chorava sem dá um pio, mas suas lágrimas desciam como um rio em correnteza. Suas mãos foram ao rosto engelhado como sinal de desespero total. Era a sua filha. Seu rosto infantil estava sem cor. Intacto e sem brilho. Os olhos pequeninos e fechados davam a impressão de que ela dormia um sono sem sonhos... "Minha filha" sussurrava Fox aproximando-se do corpo. "Minha Aline". Sua dor caía em gotículas por sobre o rostinho da menina fria. E chorou como uma tempestade, que causa tristeza aos dias... A Trindade apenas observava em silencio aquele homem em dor profunda. Fox a abraçava calorosamente o corpo frágil e sem vida como se ela ainda vivesse e sentisse seu calor paterno. Sua mão deslizava por sobre aquele corpinho inocente e agredido. "Filha, papai te ama muito, me perdoa, por favor!". A cena era realmente lastimam-te. Era de emocionar até os Deuses gregos.

- Fox. Fez NUME. Agora temos a maior das surpresas.

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Como se não ouvisse as palavras de NUME, Fox continuou a beijar aquele corpo imóvel e falando em choro soluçante.

E após alguns minutos ali, debulhado em pranto, Fox foi surpreendido:

- Papai!

Ouvi a porta bater e soltei o livro como se tivesse me assustado. A leitura realmente me segurava à atenção.

- Quem é? perguntei.

- Sou eu, filha!

Era mamãe.

- Pode abrir aporta! Gritei.

- Trouxe-lhe um lanche filha. Desculpe-me se atrapalhei alguma coisa!

- Tudo bem mamãe. Estou com fome mesmo. Obrigada! O que temos?

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- A sobra das panquecas que teu pai fez logo cedo. Falou sorrindo.

- Delicia.

- Aline... Vejo que você fica muito solitária aqui nesse quarto lendo. Preocupo-me com você.

Eu apenas ouvia as palavras de mamãe, em reflexão.

- Quando lhe vi na rua hoje, percebi em seu semblante algo como... Uma moça carente de amizade, abraço. Essas coisas... Sabe do que estou falando?

Apenas assentia em silencio. Era um assunto que detestava, mas nada poderia contestar. Era minha mãe. E mão sempre é bom ser aberta e sincera com ela.

- Estou bem mãe. Fique, tranquila.

- Tudo bem. Mas me preocupo, viu?

Soltei um riso aguado e terminei o lanche pensando na história que agora se destrinchava naquelas páginas tristes.

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PARTE 30

UMA VISÃO MEMORÁVEL E O RETORNO AO LAR

Fox se virando na direção da voz, se vê agora em um campo verde e bem florido. A grama rasteira tomava uma extensão imensa. Os ventos sopravam suavemente fazendo com que aqueles capins finos se tocassem em balanços sutis. Havia um banco de madeira em taliscas iguais no meio daquele campo. E lá estava uma criança. Uma menina aloirada e franzina. Seus cabelos esvoaçavam ao vento sorrateiro. Seus pequenos pés balançavam se tocando, devido ao banco ser um pouco alto. Fox franzia a testa, tentando alcançar aquela mínima visão humana. Espichava-se buscando reconhecer a

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criança. "Filha" balbuciou mudando o cenho. Caminhou a passos lentos tentando apalpar os tênues capins quase que soltos no ar. A cada passo, sua esperança o convidava a abraçar sua filha mais uma vez. Era ela. Era Aline. Seus passos agora aceleravam gradativamente. Seus olhos não perdiam a imagem ali, sentada e distraída naquele banco pintado de branco-neve. Antes que Fox se aproximasse da criança, NUME apareceu do nada, e vestido diferente, se sentou ao lado da menina. Fox não o reconheceu e sentiu certo pavor. Imaginou ser mais um daqueles delinquentes, que poderia atacar sua filha.

- Aline! Gritou já começando a correr.

Acelerou os passos em desespero buscando chegar ao local.

- Filha! Cuidado! Não dê ouvidos a esse marginal!

A criança apenas o observou, tranquilamente e sorriu com um aceno amável. As mãos de NUME a acariciava como um pai carinhoso. E, sem que percebesse algum buraco, Fox tropeçou e caiu por entre os capins rasteiros antes de alcançar a menina. Embolou por poucos metros e logo se levantou ainda eufórico.

- Filha! Não!

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E desmaiou como por encanto. Do lado daquele corpinho em cima da pedra, o homem se fazia no chão desacordado.

- Fox! Uma voz bruta. Senhor Fox!

Alguns guardas haviam chegado ao local para busca-lo.

- O que ele faz aqui caído? Perguntava um deles.

- Deve ter adormecido! Falava o bigodudo.

- Senhor Fox, vamos! Senhor Fox!

O homem abriu os olhos vagarosamente sem querer acordar. Os olhos ainda se faziam vermelhos de sono e pranto.

- Aline! Dizia ele ainda se lembrando da sua perspectiva. Filha! Onde está Aline? Cadê aquele homem mau?! E os outros que...

- Vamos amigo! Fez o soldado lhe atropelando as palavras e levantando-o pelo o braço.

- Minha filha! Não posso deixa-la aqui! Cadê a pedra... E o corpo que...?

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"Ele deve estar vareando" sussurrava bigode.

Na casa do senhor Fox, a tristeza imperava como um rei que domina uma cidade de sentimentos perdidos. A senhora Fox mais sua filha menor, choravam um corpo tacanho e frio, deitado num caixote que só cabia ele. Algumas flores enfeitavam o casulo mórbido. Uma mulher de preto e um lenço desensopava as derradeiras lágrimas de uma mãe inconformada. A pequena parecia ter perdido seu melhor brinquedo, estampando tristeza nos olhos.

Na gruta, Fox saía ainda atônito do que presenciara durante aquele dia curioso aos seus sentidos perturbados e perdidos. Ele olhava para trás, a cada passo. Tentava enxergar aqueles seres em tecidos alvos. O ódio não mais o atormentava. Apenas uma angustia de um pai vencido.

- O que houve senhor Fox?

E continuou a descida, morro a baixo...

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PARTE 31

A RUA ESTREITA E O CAFÉ

Dois anos após o fato da menina Fox.

A casa da família Fox agora era um abrigo para crianças abandonadas. Uma placa imensa na entrada do terreno dizia: Aqui residiu Santa Aline. Era uma homenagem que fizeram a menina, ao saberem do fato.

A alguns quilômetros dali, Fox se preparava para uma visita ao lugar onde, um dia, foi feliz.

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Meus olhos choravam e não compreendiam aquelas folhas confusas. Não posso acreditar que a menina Aline se perdeu nas páginas como por encanto. E aquele corpo na pedra? O que se fez dele? E os seres em roupas brancas e finas? Não é justo isso! Eu segurava o livro nas mãos e com vontade de fazê-lo aumentar de folhas e capítulos, para ver se a menina Aline aparecia. O que houve realmente? Será que havia algum outro livro que pelo menos continuasse aquele que me deixara desejando saber dela?

Troquei-me e me pus na rua. Fui até a livraria, onde encontrei meu livro. Rodei todas as prateleiras e ainda não havia encontrado nada.

- O que procura moça? Fez um dos funcionários. Posso ajudar?

- Eu estou procurando...

- Qual o livro moça? Pode falar.

E resolvi perguntar.

- Comprei esse livro aqui, e queria saber se existe uma continuação dele, por que eu não...

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- Não moça. Ouvi falar que o autor já está escrevendo um novo livro, mas não sei se é uma continuação. Eu sinto muito. Eu também me senti assim, ao ler esse livro. Falou soltando um sorriso amigável e de lástima.

"Ai meu Deus!" sussurrei.

- O que moça? Perguntou ele me vendo daquele jeito.

- Nada senhor.

- Desculpe se não podemos lhe atender, o pedido!

- Tudo bem.

E saí de lá decepcionada. "Onde procurar agora a menina Aline?" pensava andando por ali pela calçada estreita.

- Aline! A voz era conhecida. Aline!

Virei-me rapidamente. "Bruno?!".

- Bruno... Você por aqui? Falei com brilho nos olhos.

Ele sorriu com aqueles lindos e perfeitos dentes alvos.

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- Estou indo ao café, que tem aqui na esquina. Vamos?

- Não sei, eu...

- Vamos! Aline, não é?

Balancei a cabeça assentindo.

- O que há impede de irmos tomar um café?

E já estávamos sentados numa daquelas mesas de madeira escura diante de alguns casais que ali passam o tempo.

- Quero saber mais sobre aquele livro que você...

- O livro? Falei lhe atropelando.

- Sim. Ou não terminou de ler?

Assenti lembrando-me de Fox e de sua filha Aline.

- Então me conte sobre a história. Mas, antes vou aqui pedir o café! Como você quer?

- Misturado. Falei.

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Gosto de café misturado ao leite e chocolate. Não é cappuccino. Esse, eu inventei. Eu acho. Aquele lugar não tinha livros, como o que eu fui e vi cópias do livro que lia. Pensei em chama-lo para ir lá. Só assim Bruno poderia comprar um exemplar pra ele. Não gosto de emprestar meus livros. Nunca gostei. Sempre achei que, quem empresta não presta. E com certeza não iria emprestar o meu a ele.

- Olha o café! Fez Bruno, sorrindo e trazendo uma pequena bandeja.

O aroma misturado a fumaça em cortinas era delicioso. Ele costumava tomar o café puro. Observei, quando seus olhos franziram ao dar o primeiro gole. Lembrei-me do café fresco que a senhora Fox havia preparado naquela manhã fria de outono. E logo me veio novamente à história da menina e seu pai.

- E aí, Aline... Quais as novidades?

- Por enquanto nenhuma Bruno. Você costuma vir aqui sempre? Perguntei.

- Sempre que posso. Ele riu levemente, e mais um gole no líquido quente. Por quê? Não gostou?

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- Sim. É bem agradável aqui. Mas posso te levar a um local melhor.

- E eu irei! Onde fica?

- Logo aqui próximo. Podemos ir lá após esse café?

- Claro! Querida, vamos sim. Alguma coisa lá, que te fez querer voltar?

- Sim, claro. Livros, além do café.

Ele estava sempre soltando um sorriso na minha direção.

- Vejo que ama ler.

Assenti, e logo disse com entusiasmo:

- A leitura é uma religião que todos temos que cultuar. E quero te mostrar um bom livro.

Ele assentiu, percebendo a grandiosidade das minhas palavras e disse:

- Já sei: Deve ser que você acabou de ler. Falava em riso.

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Eu apenas assenti.

- Vamos então?

- Vamos.

Andamos alguns quarteirões, e já estava em letras grandes o Café mais frequentado do bairro. Descobri naquele dia que Bruno também amava a leitura. O lugar estava repleto de pessoas. Havia só uma mesa sobrando. Parecia que esperava por nós. Bruno, antes de pedir o café, logo buscou os livros. Aquele ato me deixou baste feliz e cheia de sonhos e imaginações. Levantei-me e me dirigi para onde ele fora. Ele me olhou sorridente e disse:

- Achou que só você gosta dos livros?

Então aproveitei para lhe apresentar o livro que eu lia.

- Você procura algum título específico? Perguntei.

- Não. Estou apenas à procura de algum que me...

- Vem cá! Falei, já o puxando para onde eu queria que ele fosse sem que ele terminasse a frase.

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- O que foi menina? Pra onde você está me levando? Falava em riso.

E lá estava o encapado.

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PARTE 32

DE VOLTA AO SENHOR FOX

- Esse livro... Dizia Bruno. Que você estava lendo, Aline?

Assenti com o encapado nas mãos e querendo continuar a leitura. Folheava rapidamente.

- Vejo que você está ansiosa para continuar lendo.

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- Sim. Não vejo a hora de saber o paradeiro da menina, ou do seu corpo, se for o caso. Mas acho que não vou poder saber.

Falei mudando completamente o semblante.

- Corpo? Há uma morte então? Por que você está falando assim?

- Não sei bem Bruno. Mas parece-me que sim..., mas... Não sei bem... As coisas ficaram no ar... Acho que não vou ficar sabendo do paradeiro da menina Aline.

- Entendo como é. Preciso ler então esse livro. Falava em riso quase debochado. Mas, pode continuar, se você quiser aqui mesmo. Vejo-te tão ansiosa.

E voltamos à mesa com o livro. Parecia-me que eu iria ler mesmo o livro.

- Pode ficar tranquila Aline, eu sou uma pessoa de boa. Pode ler que eu tomo meu café relaxadamente.

O café foi servido por uma garçonete e tomamos o primeiro gole, um olhando para o outro num flerte delicioso.

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- Eu gosto de tua companhia. Disse Bruno risonho.

Eu nada falei, apenas deixei que meu semblante falasse.

- Posso? Perguntou ele, pegando o livro.

- Claro. Fique à vontade.

Ele então leu a sinopse.

- Meu Deus! Aline. Que maravilha de sinopse. Aguça a gente. Agora entendo porque você naquele dia nem me ouviu, quando eu te chamei.

Eu apenas ria em silencio tomando o café.

- Se quiser pode continuar Aline. Vou tentar terminar aqui um trabalho que comecei. Fique à vontade.

Ele então se levantou e foi até o balcão pedir um pedaço de papel e uma caneta. Voltou e sentou-se à mesa. E começou a escrever alguma coisa...

Eu peguei o livro e folheei alguns capítulos. E encontrei o senhor Fox num carro seguindo para a antiga casa que residia com a mulher e as duas filhas. Seu semblante era de ansiedade

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e curiosidade. Mas também havia naqueles olhos muita tristeza querendo se soltar em forma de lágrimas de saudade daquela que ele tanto amou. A estrada era estreita e bem arborizada. O frio invernal caía por sobre seu corpo. Era uma caminhonete e os vidros estavam abertos. Alguns buracos na estrada fazia o automóvel sacolejar agressivamente. Ele estava só. Fox insistiu para que sua esposa viesse com ele, mas ela não teve coragem de rever aquele lugar, que tanto a fez chorar. Ele olhou em seu relógio e os ponteiros marcavam quase dez horas da manhã.

Na casa que ele foi feliz por algum tempo, alguns meninos e meninas gritavam brincando no quintal, agora fechado. Como eu havia falado no episódio anterior, era um abrigo, onde crianças trazidas para cá, recebia total assistência e direito a alguns pais.

Num determinado trecho do caminho, Fox parou. Precisava fazer uma de suas necessidades fisiológicas. Desceu do carro e se afastou um pouco entrando na floresta alguns centímetros. Algumas cigarras gritavam em coro e passarinhos pulavam nos galhos sem folhas. Ao termino da urina, Fox se virou e teve uma surpresa...

- Aline...

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Era Bruno tocando em meu ombro. Eu estava perdida naquelas páginas.

- Oi Bruno!

- Desculpe-me Aline lhe interromper!

- Tudo bem!

- Vai querer mais um café?

- Não. Já tomei o bastante.

- Então conseguiu ler alguma coisa.

Falei que sim sem dá uma palavra.

- Percebi. Fez rindo e tocando em meu ombro.

Eu então lhe entreguei o livro. E saímos dali seguindo para uma praça bem arborizada...

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PARTE 33

UMA SURPRESA AOS OLHOS DE FOX

- O que você está fazendo aqui?! Dizia Fox surpreso com a visão.

Confesso que eu também fiquei surpresa ao saber de quem se tratava. Então vi que aquele livro tinha muita coisa a se contar ainda sobre a menina Aline e sobre a Trindade da gruta escura.

Um dia, quando eu ainda tinha doze anos, após aquele ocorrido horroroso comigo, eu passei mais de meses assustada

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e meio que num trauma constante. E tive um sonho em que alguém me dizia que um dia um amigo iria me tirar da perturbação. E acordei assustada.

Mas vamos lá...

O senhor Fox estava agora diante de um homem de meia idade vestido em um terno e chapéu na cabeça. Fox não reconheceu de quem se tratava a figura.

- Não está me reconhecendo senhor Fox? Falou em riso simpático. Eu estou em todo lugar. Ou você nunca ouviu falar sobre isso?

De imediato, Fox nada entendeu do que aquele estranho falava.

- Nunca o vi mais estranho.

- O que está fazendo por aqui sozinho?

- Não o conheço e acho que não lhe diz respeito o que faço ou deixo de fazer.

A figura estranha pra ele sorria sem nenhum som.

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- Disse certo. Você realmente ainda não me conhece, mas um dia irá conhecer.

- Preciso ir! Falou Fox se retirando e seguindo até o carro.

- Pois é Fox, as pessoas costumam julgar as outras pela aparência, e isso é um grande erro que vem proliferando nesse mundo há décadas. Mas como tudo, isso um dia passa. E você como está?

Fox então se surpreendeu com aquela pergunta simpática e humana, mas estranhava a intimidade na conversa.

- Não posso ficar aqui perdendo tempo amigo, estou indo!

- O amigo poderia me dar uma carona até certo lugar? Fez o homem estranho.

Fox pensou por alguns segundo e disse:

- Para onde o amigo está indo?

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- Direi quando chegar lá. É bem próximo daqui. Não se preocupe, que eu não sou nenhum marginal nem um aproveitador, como o amigo está imaginando.

- O que?! Como sabe que...?

- Apenas imaginei amigo. Fez ele lhe atropelando. Vamos?

Então eles seguiram para o carro.

- O amigo é algum religioso? Perguntou Fox.

- Não. Não dou muita importância pra isso.

- E quem é o amigo, posso saber?

O carro saiu.

- Sim. Eu sou uma realidade que até os sonhos me fazem algo real.

Fox dirigindo aquele carro, se perdeu naquelas palavras filosóficas do homem.

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- E essas roupas? Por que está vestido assim num lugar como esse?

- Ainda intrigado com meu palito? Fez sorrindo. Acho impossível ser diferente?

Fox também soltou um leve riso. E o estranho continuou: - Gosto de me vestir assim. Veja como é lindo esse tecido? Falava em riso amigável e tocando cada detalhe do palito.

Em certo trecho do caminho, o carro teve que parar forçado; era um imenso buraco, que não dava para passar tão fácil.

- Droga! Disse Fox freando o carro bruscamente.

- Está tudo bem amigo, é só um buraco.

- Um buraco?! Um enorme buraco, isso sim!

O carro então passou bem devagar, para não virar.

- A cada ano que passa, isso aqui está cada vez pior! Falava Fox resmungando.

Após passar os buracos, o carro parou.

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- O que houve senhor? Fez o estranho.

- Vou precisar dar uma olhada no escapamento do carro.

E desceram do carro os dois. Fox vasculhou o mecanismo do automóvel e logo voltaram para dentro. Mas antes de iniciar a viagem daquele ponto, o estranho olhou para ele e fez uma curiosa pergunta deixando o senhor Fox a pensar:

- O amigo, se não for muito incomodo, pode me dizer o que procura por essas terras?

Fox nada respondeu. Tentava em sua mente de homem ainda angustiado, macular alguma resposta que não o fizesse se lamentar nem se mostrar um revoltado na vida. Ele então parou o carro novamente. Mas agora com leveza.

- Está tudo bem amigo? Fez o estranho preocupado.

- O que você quer de mim? Disse virando-se vagarosamente para o estranho.

- Quero lhe ajudar meu filho.

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Aquela frase levou o senhor Fox a o passado curioso e triste. Lhe fez refletir e ao mesmo sentir saudades, mesmo sabendo que viria lhe trazer angustias e revoltas.

Fox então começou a chorar arriando o semblante no volante. Lastimava a perda mais injusta que já tivera em toda a sua vida. E chorou rios de lágrimas sem levantar a fronte. Após o longo pranto, ergueu a cabeça e disse:

- Então você é NUME? Nuca saberia sua identidade se não me falasse. Você está diferente. Sua aparência.

- Eu não tenho aparência nem identidade como vocês aqui no mundo, meu filho. Posso ser um mendigo, como também uma pessoa da alta sociedade, ou o mais poderoso dos ricos que se prestam a amar seus irmãos sem preconceitos e indiferenças. Fox, os homens ainda não entenderam o real valor das minhas leis e do meu amor sublime. Nem mesmo enviando meu filho amado, vocês entenderam. Vejo um bando de religiões e doutrinas apenas interessadas em posses e domínio da verdade absoluta, que não existe nem nunca existiu. São todos uns tolos achando que eu me agrado disso. Mas lhe confesso que, sempre vou ama-los da mesma forma que amo os homens de bom coração, porque são todas criaturas criadas por mim e meu filhos amados. O mundo só vai ficar melhor, quando a religião sumir e o amor aparecer em seu

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lugar. O Amor é a única religião que me agrada. Prefiro homens de bom coração, do que homens formados nas letras sagradas. O amor é sempre a bandeira que carrego e quero que vocês também a tenha por toda a vida...

Fox então, ainda pensativo e em silencio, ouvia a tudo. Esqueceu-se até que tinha um carro e um destino a seguir.

PARTE 34

O DIÁLOGO CONTINUA...

E o estranho continuou: - Fox, não se culpe pelo o que houve nem fique com remoço. Tudo estava escrito nas minhas leis. Não que eu quis que tudo aquilo houvesse, mas porque vocês também escrevem vossas histórias, sendo assim, um coautor de minhas vontades em se tratando de minhas leis, que age em prol dos seres humanos no sentido de aprendizagem e crescimento espiritual.

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- NUME! Outro ser também vestido diferente, apareceu na janela do carro pelo lado de fora.

Mas esse estava de jaqueta e camisa manga longa.

- Esse... Dizia NUME risonho. Nunca me abandona Fox. Ele é e sempre será meu filho amado a quem me compraz. O que houve meu filho?

- Não consigo viver longe de você meu pai. Nem sozinho. Dizia o novo estranho, que logo se mostrava como Mensageiro.

Eles então riram como crianças descontraídas. Fox naquele momento era tomado de certo sentimento pra ele ainda desconhecido. Era um momento mágico. Lembrou-se de um grande e único amigo que teve durante o colegial; grandes amigos inseparáveis.

- Os grandes amigos Fox... Dizia Mensageiro lendo seus pensamentos. São sempre as melhores almas que nos acompanham durante uma vida inteira.

Fox se surpreendeu. E teve certeza de quem eles realmente eram.

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- Você pretende mesmo voltar lá? Exclamou NUME.

- Sim.

- Acha necessário, meu filho? Insistiu.

- Não sei se necessário, mas preciso voltar lá. Sinto isso em meu peito e em minha alma. É a única forma de aliviar e me livrar de meus sentimentos atormentados ainda.

- Entendo. Estaremos com você, claro, se você assim desejar. Sempre estaremos com você. Depende do seu livre arbítrio.

Minha respiração ofegava a cada parágrafo. Aquelas palavras de conforto me enchiam de entusiasmo e fé.

- Sabia que vocês estariam aqui! Era Lúcifer chegando disparadamente e se postando do lado onde Fox estava. Tudo bem Fox?

Fox assentiu. Lúcifer vestia-se como um garoto sapeca; bermuda e camiseta, como se fosse a algum passeio qualquer. Seu tênis não tinha cadarços, e sua meia chegava aos joelhos. Fox teve uma ligeira vontade de rir daquela cena.

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- Vamos Fox? Falou NUME, como se eles tivessem marcado algum compromisso.

Fox então, deixando que Mensageiro e Lúcifer entrassem no carro, deu partida. Seguiu por mais alguns minutos, e lá estava o lugar que viveu por alguns anos. Pouca coisa havia mudado pela redondeza. Sua ex. residência ficava um pouco afastada dali. Parou o carro encostando próximo à calçada, e seu semblante serenou no horizonte. Reviveu alguns momentos e, pela primeira vez, fez uma prece. Fox estava agora tentando uma aproximação com Deus. Coisa que ele nunca havia se preocupado em fazer antes. Sempre fora um ser humano incrédulo.

Após a curta oração, olhou a sua volta e os visitantes haviam sumido, e ligou o carro, dando partida ao mais difícil dos momentos: Estar no local, onde sua vida experimentara mudanças radicais em todos os sentidos. A estrada era estreita e repleta de árvores e arbustos. Cada metro andado era uma punhalada em seu peito. Lembrou-se do que NUME falara sobre sua presença com ele. Então Fox tentou se equilibrar emocionalmente. Respirou profundamente e acelerou o automóvel, que gritava como um monstro de lata. Os detalhes iam se mostrando aos seus olhos atentos e eufóricos. Alguns galhos mais baixos, às vezes batiam no vidro dianteiro lhe trazendo algum susto. Árvores imensas se estendiam como

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verdadeiras torres vivas. De repente, Fox vira o mais conhecido dos lugares que já conheceu em sua vida; a gruta. Quase parou o carro, mas logo acelerou para não ter uma recaída. A gruta passava ligeiramente na sua visão angustiada. E se perdeu por entre matos e árvores.

PARTE 35

O ABRIGO

Não era mais a casa nem as pessoas que ele esperava.

Parou o carro vagarosamente observando as mudanças na antiga casa. Fox não iria entrar, apenas queria ver de perto o

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passado em pleno presente. A tristeza o tomou ao lembrar que foi ali que ele viu e brincou pela primeira vez com sua filha Aline. Apesar de não ser um homem voltado para Deus, mas era feliz com a família e seu trabalho. Não quis descer do carro. Seu objetivo maior era voltar à gruta. Esse seria o pior e mais difícil desafio. Mas ele sabia que não estava só. NUME, juntamente com Mensageiro e Lúcifer, haviam prometido que estaria com ele. A Trindade que rege a vida humana.

Desviei os olhos do livro e notei que Bruno ainda estava ocupado com seu trabalho. E continuei folheando mais um capítulo...

Fox com o semblante franzido arriava a cabeça no volante em estado de perturbação emocional. Então resolveu dar ré e seguir para o próximo destino antes que chegasse à tarde. Parou próximo ao local onde fora encontrada a primeira pista de sua filha. Ele desceu do carro e se aproximou da moita se agachando. Um filme tomou seus pensamentos. Algumas lágrimas quiseram se reunir, mas ele relutou para não desabar em choro, e se erguendo, voltou ao carro.

A estrada estreita e escura seguia...

- Como está o livro Aline?

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Desviei minha atenção novamente deixando Fox percorrer aquela estrada de terra sozinho.

- Muito tensa como no início. Respondi.

- Acho que você vive mais o livro do que deveria. Bruno falou sorrindo.

Assenti retribuindo o riso.

- Você não está a fim de comer algo Aline? Perguntou ele.

Disse que não.

- Mas pode comer se você quiser, fique à vontade.

E então Bruno pediu algumas frituras e um refrigerante bem gelado. Eu pensei em retomar a leitura, mas achei falta de educação deixa-lo comer sozinho. E conversamos um bom tempo. Sentia-me bem na companhia de Bruno. Antes de terminar o último fragmento, ele disse estampando um ar de riso:

- O que iremos fazer agora mocinha?

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Eu já estava com 29 anos e havia um bom tempo que não me relacionava. Estava como diz o ditado: Matando cachorro a grito. Não que eu devesse me oferecer para o primeiro que aparecesse, mas, pra ser sincera, estava sentindo algo sério por ele.

- Se você não se incomoda, leve-me a algum lugar mais calmo.

- Tudo bem.

Uma praça pequena foi o destino da gente. Quase não tinha ninguém por ali. Sentamos num banco de cimento, e ele me olhou nos olhos, de forma que, me deixou sem fôlego. Algo me dizia que iria rolar alguma coisa mais finítima.

- Acho que estou gostando de você Aline. Disse ele sem tirar os olhos dos meus olhos.

Nada falei. Apenas aproximei meus lábios dos dele e um beijo sutil foi o lance naquele palco natural e arborizado. Beijamo-nos várias vezes antes da segunda frase de Bruno. Seu toque era sensível e carinhoso. Sua boca tinha sabor de paixão. Após aquelas carícias leves, ele disse em tom quase sussurrado:

- Quer namorar comigo Aline?

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Confesso que fiquei sem ação, mas assenti sem dar uma palavra. Meus olhos quem falaram num brilho intenso. E ali selou um relacionamento sério e recíproco.

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PARTE 36

DE VOLTA A GRUTA

Em casa, sentada na cama, como de costume, comecei a folhear o livro novamente. Estava nas últimas páginas. Ao contrário dos demais livros que costumo ler, aquele não me cansava, e sim, me fazia ter fome dele, daquelas páginas tristes.

E lá estava Fox se preparando para uma viagem longa e apavorante. Sua esposa mais sua caçula, que agora apresentava na adolescência, não quiseram ir com ele, com o eu havia falado. Na verdade Bruna queria ir, mas a senhora Fox se

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recusou. Para ela, era muito sofrimento. Seria sofrer em dose dupla.

Na velocidade do carro e na expectativa de Fox, a gruta se mostrou intacta e do mesmo jeito. A diferença é que estávamos na primavera, e havia, ao redor da entrada, algumas flores silvestres; as famosas Hortênsias Azuis. A primavera na cidade é aclamada por receber emprestado das lindas Hortênsias sua beleza natural.

Fox parou o carro novamente e respirou fundo. Desceu olhando na direção da caverna e sentiu de súbito um arrepio no corpo. Teve a impressão de que havia companhia, mas apenas o silencio da floresta. Começou então a subir a estrada em curva. Por sua sorte não havia nenhum guarda florestal. A gruta, após esses acontecimentos, fora proibida de ser visitada. Seus passos foram lentos e desconfiados. A cada elevação, dava pra ver a colina ao sul de Gramado. A quantidade de cores tomando o arsenal vegetativo era exuberante entre Hortênsias e ouras espécies.

Agora os olhos do senhor Fox estavam diante da grande abertura fúnebre para ele. Seu peito apertou. Suas mãos começavam a suar frio. Deu mais alguns passos. E se colocou entre a linha que divide o fora e o dentro. Ouviu o silencio de dentro misturado aos ruídos de fora. Por incrível que pareça, lá

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fora começou a chuviscar. O bisar foi o que viu, de morcegos se soltando e fazendo voos baixos. Abaixou-se de imediato franzindo o cenho e levando as mãos à cabeça. Após o espetáculo dos vampiros da selva, ele adentrou olhando para todos os lados. Na sua mochila havia uma potente lanterna. Não pretendia ficar novamente tateando no escuro do aljube.

Parei a leitura e me perguntei: O porquê de o senhor Fox querer voltar ali? Pra que sofrer duplamente? Qual realmente o motivo disso? Se o corpo da menina Aline fora velado, não tinha motivos para que ele... A não ser que...? Fiquei alguns minutos ponderando. Será que ali naquele exíguo caixão não havia nada? Fora apenas encenação, para que eles sofressem menos, imaginando a filha morta, sem ver ao menos seu corpinho? As questões viam a minha mente de uma leitora curiosa e desconfiada do autor. Eu sei que é de praxe autores quererem matar personagens para que a história fique mais envolvente e dramática, mas esse autor me deixou mesmo insegura quanto ao enredo. Desejei poder conhecê-lo, ter algum contato com ele, para que pudesse interroga-lo a respeito. Sentia certa raiva dele e ao mesmo tempo, admiração, pela manipulação das palavras.

Fox agora estava novamente naquela gruta úmida e escura. O cheiro era o mesmo de anos atrás. As mesmas sombras formadas nas paredes, devido à lanterna acesa e seus

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movimentos. De vez em quando, ele levantava o objeto para ver se enxergava alguma coisa. Quase escorregou, por não se ater a rampa próxima. Havia esquecido. Seus olhos atentos e assustados pareciam até um camundongo, quando sai para buscar alimento nas ruas movimentadas de uma cidade.

Nesse momento, o celular toca. "Oi", era Bruno. "Oi Aline, como você está?", meu coração acelerou mais do que já estava. "Estou bem-querido". "Já sei..." Disse ele. "Estava lendo", assenti quase rindo. "Pode continuar meu amor, apenas queria saber de você". "Obrigado meu amor, estou ótima". "Boa noite, amanhã te ligo" "Tudo bem Bruno, boa noite e beijos". Confesso que não queria desligar o telefone, pela primeira vez na vida. Algo estava acontecendo para me fazer acreditar que havia coisa mais importante do que minhas leituras. Então guardei o aparelho e o livro já estava em minhas mãos. Não sei por que o observei mais uma vez de todos os lados, apreciando a capa e a sinopse, inclusive as letras e todos os detalhas do encapado. Coisa de leitores. Confesso, tive vontade de cheira-lo, mas não fiz. Sua capa brilhava na luz florescente. Eu realmente estava nervosa por se aproximar a hora da verdade. A hora em que aquele pai iria saber a verdade. Em que eu iria saber a verdade. Meu Deus, que desassossego eu sentia. Repeti aquele movimento de sempre, de ir até a janela observar a portaria e o pátio inteiro. Vi alguns pássaros gorjear na palmeira que se balançava, devido aos ventos fortes,

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e lembrei-me do antigo porteiro e da menina molestada por ele. Ela era irmã de uma amiga minha do colegial; a Paty. Mas ainda não tinha a procurado pra saber nada. Acho que tive vergonha por ela. Eu sei o que é isso, e o quanto a gente sofre e toda a família. Olhei no horizonte por todo o bairro e percebi o quanto aquele lugar havia crescido e se popularizado durante esses anos que morei ali. Lembro-me de quando eu tinha apenas sete anos, após chegarmos aqui; era tudo tão vazio, tão silencioso, quase não tinha residência nem fumaça a subir no ar puro de Bavária. Eu ainda estava traumatizada com aquele homem feio e estranho da fazenda. Ainda me atormentava todas as noites, achando que ele apareceria para me levar e colocar em seu colo novamente e me molestar. Não nego, foi um momento de prazer forçado e algo que me fez paralisar e ter uma estranha viagem emocional. Mas, vamos parar por aqui, e buscar o livro. Voltei à cama e abri o cartapácio. Eu agora usava um marcador que Bruno me presenteara. E lá estava Fox dentro daquela gruta, assustado e ansioso...

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PARTE 37

UM NOVO DESPERTAR

O silencio fazia daquele homem um caldeirão de ansiedade fervilhando por dentro. Desceu a rampa vagarosamente e pregando os olhos nos detalhes a se ver ele caiu, batendo com a cabeça numa pedra. Apancada fora forte o fazendo gritar de dor. Ficou alguns minutos desacordado, mas logo tornou com alguma dor de cabeça. Levantou-se segurando a fronte e perdera a noção de tempo e espaço. Mas se lembrava do que viveu ali, onde havia uma pedra e um corpo coberto por um pano branco e sujo. Sentia-se indeciso em ir lá. Seu corpo agora estava completamente suado e dolorido. Não pelo o

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calor, porque ali, apesar de ser uma gruta, era frio, mas pela a sua ansiedade e o medo, que era muito forte. Antes que ele chegasse à porta da passagem, algo o fez ter quase um troço.

- Fox!

O coração de uma pessoa que lutava para saber o mistério de um corpo estava saltando pela caixa dos peitos. Eu nunca havia me sentido assim. Petrifiquei a leitura. Acreditem, minhas mãos tremiam e meu coração batia feito bumbo. Eu precisava respirar, antes de continuar a leitura. Fui até a cozinha beber algo, ou mastigar alguma coisa.

- Aline? Era mamãe.

- Sim, mamãe!

- Está aí?

- Sim, estou!

- Poderia vir aqui, um instante?

- Estou apenas bebendo e comendo algo!

- Tudo bem filha! Depois, se puder, venha aqui!

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- Sim, irei!

Após comer e ingerir um copo de suco, partir para a sala, onde se colocavam meus pais. Parecia até uma reunião em família. Os dois a me olhar seriamente.

- O que houve aqui? Falei meio risonha de ver aquelas caras.

- Sente-se minha filha. Fez papai amigavelmente.

"Pelo menos algo ruim não é" pensei me sentando no sofá. Era um sofá grande e bem aconchegante. E ele continuou, como chefe da família: - Eu e sua mãe estamos sabendo de seu namoro com aquele rapaz.

- O que?!

"Como as notícias correm, nada fica encoberto nessa vida" Pensei rapidamente.

- Isso que estou falando, não se assuste, não estamos aqui para reprovar alguma coisa, só lhe parabenizar pelo o relacionamento. Lhe desejamos felicidades minha filha.

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Foi um pouco antiquado da parte deles aquele ato, mas devo confessar que adorei ouvir de meus pais que adoraram meu namoro e concordar comigo. Apesar de eu já ter uma idade avançada dos padrões normais dos cuidados familiar. Então falei um pouco sobre Bruno e voltei ao quarto. Meu semblante era só alegria. Mas em se tratando do livro, era só expectativa.

O livro já se posicionava em minhas mãos loucas para mostrar aos meus olhos o que Fox viria por trás daquela voz...

- Quem está aí? A cena se repetia.

Após segundos de silencio, a voz novamente o chama:

- Fox! Sou eu. Não está me reconhecendo?

- Não.

- Nem se lembra do que houve aqui?

Fox se colocava confuso; parecia que aquela queda na gruta o tinha feito perder a noção do passado. E praguejou:

- Não suporto falar com quem não vejo!

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A lanterna era alçada à altura de sua cabeça, enquanto ele tentava ver alguma coisa na direção daquela voz abstrata. De repente, a imagem de NUME veio à tona deixando aquele homem completamente assustado.

- Quem é você?!

- Sou quem você já conhece.

- Nunca vi mais pálido.

- Mais? Interrompeu-o NUME.

Tudo então estava se repetindo aos olhos da caverna escura.

- Sou quem vai lhe mostrar o que procuras.

- Minha filha?!

- Sim. Vás sentir um pouco de tristeza, mas eu estarei aqui para lhe aliviar a alma.

- Quem é você?!

- NUME. E sei que já nos conhecemos.

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- Não está subscrito, mas me agrado de sua presença.

- Todos me amam Fox. Apenas não me aceitam em suas vidas conturbadas e cheias de dúvidas.

- Deixe de ladainha e vamos ao que me interessa!

NUME apenas ria amavelmente de ver aquele homem tão precisado de amor e luz (Conhecimento).

- Sei que procuras a tua filha Aline.

- O que você sabe sobre minha filha?!

- Tudo. Antes de ser sua filha, ela já era minha filha. Apenas lhe emprestei por algum tempo.

- O que?!

- Não se admire Fox, por eu ter dito isso, porque você também é meu filho.

As palavras daquela imagem confundiam a mente daquele homem completamente esquecido. "Detesto enigma" pensou Fox franzindo a testa.

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- Eu sei disso meu filho. Já havia me falado.

Fox ergueu a fronte, admirado com a revelação. E NUME continuou: - Mas, vamos ao que interessa como você falou. Está preparado?

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PARTE 38

A REAL AGONIA DE UMA CRIANÇA

- Sim. Respondeu ele, temeroso.

- Feche seus olhos e esvazie sua mente dos problemas, deixando apenas a imagem de sua filha sorrindo e feliz a correr pelos campos como uma lebre em dias de primavera.

- O que é isso?! Uma brincadeira?

- Não meu filho. Você irá compreender. Faça o que te peço e não se arrependerá.

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Fox então meio desconfiado e estranhando o que ouvia, fechou seus olhos vagarosamente, num esforço tremendo se sentando ali, em meio à escuridão. Fotografou na sua mente de pai aturdido, a imagem da filha ainda a correr pelas campinas ao vento fresco. Aline sorria, vindo se jogar em seus braços de pai também vestido de felicidade e sorriso paterno. A cena era realmente muito emocionante, mesmo que eu não tivesse presenciando, mas aquelas palavras com tanto sentimentos e veracidade, me faziam chorar em silencio e acreditar que tudo aquilo estava acontecendo pra mim. Eu via os movimentos da menina e de seu pai num abraço amoroso e familiar. Os ventos soprando os capins flexíveis por entre aquelas pequenas e finas pernas de uma menina inocente. O céu parecia azul com algumas nuvens soltas em flocos de algodão numa alvura esplêndida.

De repente, tudo mudou aos olhos mentais daquele homem embebecido na imagem criada por ele e por mim que mergulhava fundo em sua imaginação fértil e paterna. Eu estava lá. Eu vivia aquela cena radiante. Eu era a menina que amava seu pai. Minhas lágrimas agora desciam em meu rosto de uma mulher já quase madura e sentimental. Ainda com o encapado na mão, tentei secar as lágrimas com a outra, para não pingar nas folhas lidas e amareladas.

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Um entardecer era a visão daquele homem e minha... Um coelho a correr e uma menina inocente tentando pega-lo. Ela ria em gargalhada. A lebre saltitava assustada ao ver o predador tentar lhe apanhar. Ela fugia desesperada procurando algum esconderijo. Até então eu e o senhor Fox estávamos encantados com a cena da menina atrás do branco coelho saltitar e fugir dela, assustado com seus olhos vermelho-sangue. Mas, algo aconteceria que faria de nós, espectadores, pessoas furiosas e cheias de ódio. Por trás daquela moita por onde seguia a lebre; um homem, que tinha em seu passado e curriculum maldoso, várias cenas terríveis de assassinato, devido vivenciar uma vida muito difícil e repleta de maldades da própria mãe desequilibrada. Ele era impiedoso e cheio de artimanhas. Escondido, se preparava para o bote fatal na presa fácil. Uma menina tentando alcançar uma inocente lebre e um homem monstruoso fascinado por uma menina feliz.

Eu e o senhor Fox tomamos um choque, quando o vimos tão deformado e com sede de ataque. Acho que agora iríamos ver realmente a cena forte e o que houve de verdade com a menina Aline.

Aline aproximava-se da moita e a lebre estava quase em suas pequenas mãos sedenta de tocar aquele peludo. Mas outro pelo tocou-a antes de se apropriar do animalzinho; era o assassino tocando-a em seu corpinho inocente e assustado com

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aquelas grossas mãos em feridas pustulentas. Os olhos de Aline espantados, nada entendiam daquele ato severo e feroz. Alguns machucados foram feitos no seu corpo frágil ao aperto daquelas mãos fortes para segura-la firmemente. Ela se debatia com dores, tentando se livrar dele. Seus gritos foram abafados por um beijo faminto de sexo voraz.

Fox, em transe, se fazia agoniado querendo livrar a filha daquelas garras animalescas e severas, mas nada podia fazer. Apenas observar a passagem agoniante. Eu, louca de ódio por aquele animal maldoso e cheio de astucia, tentando bani-lo daquelas páginas e livrando a garota do livro de uma morte brutal.

O animal com a menina nas mãos e sua boca tapando a dela, tocava com mais fome por todo o corpo quase nu. Ele tentava arrancar suas roupas, mas ela se mexia em movimentos desesperador, e ele às vezes a machucava, para que ela parasse. De repente, o animal a deitou no chão em folhas secas e já estava em cima dela tentando tirar a roupa íntima para em seguida colocar seu membro ereto e cheio de vontade de um sexo furioso e esfomeado. Ela gritava silenciosamente sem poder saltar algum som. Suas pernas foram abertas forçosamente e aquele imenso membro descomunal a penetrou rasgando suas partes mais íntimas como um trator que derruba todo tipo de barreira à sua frente.

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Fox já não mais aguentava de tento ódio e vontade de matar o feroz animal, desesperado e chorando em gritos mentalmente. Eu, nem se fala; estava aponto de entrar naquelas páginas e arrebentar aquele monstro assassino.

Aline agora era amordaçada em movimentos rápidos e gulosos. Sua boca estava quase sufocando a menina. Próximo ao clímax, o homem quase a matou de tanta força que fez nos braços e com o membro sedento de prazer. Após se satisfazer, ele a virou de costas e fez o que achou certo fazer naquele clima selvagem. Ela já havia desmaiado pela violência. Suas mãos repletas de fios de cabelos mostravam, o quanto ele era bruto quando se deitava em cima de uma criança para matar a sede.

Fox nessa altura já não mais aguentava e vestiu um choro lastimam-te. Eu aqui não conseguia me segurar nem as minhas lágrimas; as páginas molhavam a cada gota que caía de meus olhos. 

Mas dessa vez não houve intervalo, e a cena se prolongava com o animal ainda tentando satisfazer-se, enquanto a menina Aline quase morta com fraturas e, se posso narrar aqui, quase sem cabelos na cabeça. Horrível aquilo. Vi seu coro da cabeça em sangue. Seu coração ainda respirava ofegante. E o homem suado e exausto, deitava sua cabeça por

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cima das costas daquela menina açaimada. Logo após o ato feroz, e a menina quase morta, ele a carregou para um local que ninguém visitava a muitos anos. Subiu uma ladeira em terra curvada e a gruta era seu esconderijo rápido e fácil. Adentrou a caverna rapidamente com a menina nas costas pingando sangue e procurou um local mais recôndito para coloca-la. Fox lembrava o loca. Era onde ele estava agora. Era um filme m dose dupla.

Olha, pra ser sincera, deixei aquele livro cair de minhas mãos e confesso, chorei deitada em meu travesseiro. Chorei como criança. Chorei tentando mudar aquelas páginas. Chorei imaginando ser aquela vítima nas mãos grosseiras daquele homem mal. Solucei ali, tentando não mais ler, mas não podia, teria que saber a verdade da menina. Imaginei a criança nas mãos dele querendo ajuda. Meu Deus! Como um autor pôde escrever e ter uma ideia tão triste e dramática para transformar num livro de poucas páginas, mas tão intensas?

Notei que as mãos do senhor Fox se fechavam num sinal de fúria, de pura raiva e ódio daquele vadio. Tentou entrar na cena, mas não conseguia e apenas chorava gritando ali, naquela escura caverna diante de NUME. Seu corpo estava completamente suado. Seu coração em pulsos rápidos. E meus olhos não paravam de chorar...

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PARTE 39

O CORPO

O monstro entrando numas das aberturas da gruta, colocou aquele corpinho já quase falecido, mas ainda resfolgando vida, numa pedra suja e a olhava com olhos de um ser completamente animal. E saiu rapidamente. O coração de Aline batia a passos lentos e tentando buscar sangue para continuar a viver. Houve hemorragia por vários locais.

Vendo aquela cena, Fox deu um grito e saiu daquele estado de concentração. De transe.

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- Alineeeeee! Não pode ser! Não pode! Minha filha morta! Ela ainda poderia ser salva se eu tivesse... E se derramou em choro desesperado.

- Fox. Dizia NUME. Não lhe trouxe aqui para novamente você se encher de ódio e remoço, não.

- E o que é que você quer que eu faça?! Dizia chorando.

- Agora chegou a melhor parte.

Fox continuou em pranto e de cabeça baixa sem dar importância, aquelas palavras calmas. E NUME continuou: - Olhe bem aqui meu filho, e veja.

O homem ainda em lágrimas, ergueu a fronte, e de repente...

A chuva desabava lá fora com direito a trovões e relâmpagos. Assustei-me com o som estrondoso, de abalar a casa. Soltei o livro de imediato e dei um pulo da cama, correndo até a janela para fechar rapidamente. Chuva de vento molhava tudo. E havia realmente muito vento misturado aos pingos grandes e frios. O clima agora estava perfeito para um suspense.

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- Aline! Mamãe me chamava.

Saí do quarto e procurei saber do que se tratava.

- Sim, mamãe?

- Precisamos apanhar as roupas que coloquei lá na varanda, vamos!

Então corremos as duas para tirara todas as peças do varal. O terraço molhava todo. Era uma tempestade furiosa. Parecia até que os Deuses reclamavam daquela cena do livro, tão bruta e sem noção. Pensei ser pra que eu não terminasse de ler as páginas adiante. Nós seres humanos temos essas coisas de superstições, de achar que tudo acontece por causa de alguma coisa. Algum motivo. Isso pode se chamar o inicio de um raciocínio lógico e científico humano.

Pegamos as roupas e resolvi tomar um banho. Aqueles movimentos rápidos me fizeram suar o corpo inteiro. Após o banho morno, vesti-me e fui tomar um chocolate quente. O tempo estava propício. Se vocês não sabem, a chuva daqui da Bavária é bem gelada. Águas completamente frias.

- Tem umas roscas aí no armário minha filha! Gritou mamãe me vendo preparar o chocolate.

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Apenas ouvi, mas não quis comer. Acho que iria agora ler na companhia do líquido marrom e delicioso. Os relâmpagos ainda acendiam oferecendo outros estrondos de trovões, gritantes. No relógio marcava quase dezessete horas. Acho que chovia no bairro inteiro, se não, na cidade de Gramado. Fui até a janela verificar. Abri vagarosamente deixando que corresse nos trilhos. Todo o ar estava nublado de chuva a cair. Vi alguns pássaros tentar pegar alguns insetos que costumam sair na chuva, devido aos trovões, voando sem rumo. Cada voo era um golpe de um bico faminto. Era a fartura natural. A sobrevivência. Fiquei ali na janela observando tudo. "A chuva são as lágrimas de um dia triste" pensava. E logo me veio aquele pai e sua filha Aline. Havia um corpinho amordaçado em cima de uma pedra suja e um pai vendo tudo sem nada poder fazer para impedir a morte do seu anjinho. A tristeza então me tomou a face diante daquele quadro chuvoso e mental. "Quantas e quantas crianças não são abusadas entre tantos lares daqueles que eu via da janela do meu apartamento" continuava ponderando. O silencio temeroso diante de um desiquilíbrio familiar. O medo misturado ao amor por acreditar numa paternidade honesta, mas que de repente decepciona um filho.

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PARTE 40

O INESPERADO AOS OLHOS DE FOX

- Papai! A voz era meiga e familiar. Papai! Estou aqui! Uma menina sorria mergulhada numa alegria incontestável.

Fox logo ergueu a fronte e viu quando sua filha vinha correndo num campo vasto e verde. Era uma campina. Ele estava lá, a esperando para um abraço fraterno e paterno. Sua tristeza se misturava a um clima de bem-estar. Tudo agora se fazia confuso aos seus olhos.

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- Minha filha! Chorava ao se aproximar da menina perfeitamente intacta e sorridente.

Aline corria desembestada ao encontro do pai que já se via de braços abertos à sua espera. Era o encontro esperado. Era a união desejada por ele. Então um abraço se fez da mais perfeita e carinhosa harmonia. Fox sorria e ao mesmo tempo chorava de alegria.

- Meu amor, minha querida. Papai te ama muito.

- Eu também papai. Dizia ela se rindo inocentemente.

Aline foi sacudida em giro continuo com os pés suspensos, por seu pai. Era a emoção e um momento especial.

Eu de cá, chorava de alegria também. Confesso que era as melhores páginas que já havia lido naquele e em outros livros. Senti-me a própria Aline sendo abraçada pelo o pai. Meu corpo arrepiava de turbação.

- Por onde você andou minha filha? Perguntava em choro soluçante.

- Preciso lhe falar uma coisa papai. Disse ela calmamente e ainda em seus braços.

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- Eu também filha, tenho muito para lhe falar. Mudamo-nos daquela casa, depois que você...

- Esqueça isso papai... Fez ela, lhe cortando as palavras. Eu estou bem, e os, amo muito. Sinto muita saudade de minha irmã Bruna e de mamãe. Como elas estão? Não esqueci de vocês.

- Bem. Chorava o homem em sentimento misto. Estão bem.

Fox via naquelas palavras uma separação definitiva. Sentia isso.

- Vamos pra casa. Dizia ainda em pranto.

- Não posso papai.

- Por quê filha?

- Tive que atender o chamado dele.

- Que chamado Aline? Pare com isso e volte comigo. Debulhava em choro soluçante.

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- Por favor! Papai, não chore. Eu estou realmente bem aqui. Não se preocupe.

- Sua mãe e Bruninha sua irmã sentem muita saudade como eu também estou sentindo aqui.

Nesse momento, NUME aproximou-se deles.

- Fox!

Fox elevou o semblante em choro e disse:

- O que está havendo aqui?!

- Calma meu filho, essa separação não será para sempre. Logo você estará com ela novamente.

- Quero leva-la comigo! Chorava. Ela é minha filha! Meu Deus! Por que isso?!

- Estou aqui Fox.

- Por favor! Não a leve agora, eu imploro!

- Papai, não chore. Eu preciso mesmo ficar aqui, e escute: Tudo que passei não passou de um detalhe de minha vida. Eu

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precisava experimentar tal ocorrência, para que eu pudesse rever alguns detalhes e dívidas que ainda restavam para saldar. Não pense que eu sofri muito naquela tarde em que fui abatida. E digo ao senhor meu pai, que não deveria ter matado aquele infeliz homem perdido na vida. Hoje ele vem atordoado nas esferas mais densas que podes imaginar. E o senhor leva uma culpa que vai ter que extinguir um dia. Isso irá pesar nos seus dias do porvir.

Fox apenas chorava aos seus pés. Eu? Imagina como eu me sentia? Uma curiosa leitora repleta de emoções.

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PARTE 41

O ALIVIO AOS OLHOS DE FOX

- Aline está certa meu filho... Fez NUME. Ore muito por aquele ser desequilibrado, porque, uma coisa é estar aí preso ao corpo limitado, outra é estar solto numa nova dimensão, onde a mente é que age liberta. Mas, cuide de pedir por ele, que eu conseguirei ter piedade no momento certo.

- Papai. Fique em paz, que eu vou ficar bem. Amo todos lá em casa. Continue a vida, porque ela pede que vocês lá em casa trilhem sem parar... Faça isso por mim, se não quiser fazer

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por você nem por mamãe e minha irmã Bruna. Estarei os visitando a qualquer momento para dar-lhes um beijo, em mamãe e em minha irmã. Irei com Mensageiro. Só através dele para se chegar a Deus nosso pai e ao que almejamos na vida.

NUME apenas ria meigamente e compreendendo o alcance daquelas palavras quase infantis, mas com um teor de sabedoria profunda. "Por que temos que escolher sempre?" pensou Aline.

- É o mistério do livre arbítrio minha filha. Disse NUME, percebendo a inquietação da menina. Sem as escolhas vocês seriam apenas meros escravos meus. Agora precisamos ir Fox!

Fox então se assustou. Haveria uma despedida realmente entre ele e a filha.

- Papai, diga pra mamãe que a amo muito e que um dia, como já falei, estarei vos visitando. Fale que eu não estou morta. Vivo mais do que vocês agora, porque vivo em espírito e verdade. Eu sei que vai ser difícil ela entender esse ponto de vista, mas tente lhe explicar a realidade. Mamãe é muito compreensiva. Um dia desses eu vi Bruna de relance e sei que ela está uma linda moça. Ela parece muito com o senhor, papai.

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Fox então deixou que um breve riso de conforto saltasse de seus olhos. Havia agora um alivio em sua alma que antes se mostrava perturbada. Um abraço entre eles e o choro permaneceu alguns minutos daquele homem inconsolado. NUME a chamou de onde estava, precisavam ir. E se soltando dos braços do pai, Aline caminhou ainda olhando para trás, para seu genitor, lhe estendendo um sorriso meigo. Então ela apressou seus passos e segurou na mão de NUME, que era a única razão de sua vida. Logo a diante, Lúcifer e Mensageiro se reuniram a eles dois e seguiram, acenando para o senhor Fox. Sim, só ele pra nos dar a verdadeira vida. Deus é o único que pode nos dar a redenção de verdade. Ninguém consegue viver feliz sem que se entregue nas mãos do Criador. O homem tenta caminhar sozinho por muito tempo, mas chega um dia em que ele percebe que sem o Criador a ruas ficam como uma caverna escura e sem saída.

Eu nem sei o que dizer daqueles momentos entre o pai e a filha na mais bela despedida. Vi os cabelos de Aline, esvoaçarem ao vento, agarrada nas mãos de NUME, como se fosse seu pai de verdade. E realmente era. Ela estava feliz. Saltitava como uma lebre por entre as capinas. Os olhos de Fox e os meus, era só tristeza de não poder fazer nada além de ficar lastimando e querendo mudar o destino daquela história...

Gramado, manhã de dezembro.

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- O que houve lá Fox... Dizia sua esposa. Que te fez voltar assim tão conformado e sem revoltas? Pela primeira vez te vejo bem.

- Deus, minha querida.

- O que?! Fez a mulher surpresa.

- Sim, NUME me abriu os olhos.

- NUME? Quem é NUME? Do que você está falando? Está ficando louco? Não vai me dizer que resolveu beber agora?

- Você nunca iria entender, minha querida. Nada bebi. Mas me alimentei de uma substância que jamais terei fome novamente.

“Acho que esse homem enlouqueceu” pensava ela.

- Iremos amanhã à reunião da congregação.

- Claro! Irei também.

- Você vai a igreja?! Será que eu ouvi direito?!

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- Sim, ouviu. Fez Fox sorrindo. Vou com vocês. Quero orar por minha filha que nos deixou e foi viver com seu pai.

A senhora Fox nada entendeu dessas palavras e disse:

- Vejo que a viagem lhe fez bem. Ou não.

Ele apenas riu.

No dia seguinte a igreja estava repleta e a família Fox se reunia lá para uma palestra do reverendo Antônio Maria. Seria uma celebração ao natal; a vinda do menino Jesus a terra, para a redenção dos homens. "Mensageiro" balbuciou Fox sorrindo para a sua esposa do seu lado. “O que foi querido?” Fez sua esposa em sussurros. “Nada meu amor”. E Riso levemente buscando o reverendo...

"Ninguém vai ao pai se não por mim..." Dizia o reverendo.

FIM

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