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João Anatalino BAÚ DE HAICAIS

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João Anatalino

BAÚ DE HAICAIS

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Baú de haicais

introdução

sobre o haicai

O haicai, como sabemos, é um tipo de poema de origem japonesa, que começou a ser cultivado no Japão no século VII da era cristã, depois que o budismo zen se tornou uma importante prática religiosa naquele país. Sua estrutura poética, que contempla exatamente a virtude mais estimada no Budismo, ou seja, o insight, ou iluminação, foi adaptada exatamente para essa finalidade: expressar, num mínimo de palavras, um estado psíquico interior que a razão não precisa logicizar, mas que, para o espírito de quem o experimenta, é suficiente para lhe acrescentar um laivo de sabedoria.

Os primeiros haicais foram produzidos na forma popularizada como Waka - poemas na forma do país de Wa (Japão),- e publicados em uma antologia de 4500 poemas, no século VII da era cristã. Essa foi a chamada era Elan, no Japão, e durante alguns séculos dessa época (entre os séculos VII e XI, o haicai foi cultivado na corte imperial e entre as classes superiores como uma forma de entretenimento, semelhante ao que fazem, ainda hoje, os repentistas nordestinos e gaúchos, onde um poeta cria o primeiro verso e outro poeta completa o poema com o segundo.

Em princípio, como se disse, o haicai se destinava a expressar um pensamento na forma do budismo zen, ou seja, um momento de iluminação. Soava como uma metáfora, cujo sentido era mais dirigido ao inconsciente do ouvinte do que à sua razão lógica. Como este poema de Bashô, por exemplo:

Trégua de vidro:o canto da cigarra

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perfura rochas.Mas com o correr do tempo os compositores de haicais

começaram a ligar umas estrofes à outras, versando sobre o o mesmo tema, criando-se poemas completos, onde cada estrofe se seguia à anterior, formando uma composição elaborada. Não era mais uma espécie de koan zen, mas sim forma de poesia burguesa, na qual a ênfase era posta nas coisas simples e cotidianas, e geralmente com um toque de humor rasteiro e às vezes até sensual, como nestes versos de Matsunaga Teitoku (1571-1653), o mais famoso poeta desse tipo de composição:

urayamashi – ah!como invejoomoikiru toki – a maneira que termina

neko no koi – o romance dos gatos.

Esse tipo de haicai receberia o nome de renga haicai, poema popular de larga tradição no Japão. Tempos depois, já pelo início do século XVII, o haicai (hokku) voltaria a ser cultivado na sua forma original tanka, (5-7-5 sílabas) durante o o chamado período Edo. O mais famoso cultivador desse tipo de criação literária foi o poeta Matsuó Bashô ( 1644-1694) que além de reconstituir o haicai às suas origens, voltou a usá-lo também para a transmissão de autoconhecimento, na forma preconizada pelo budismo zen , revivendo a forma koan de ensinamento.

A chamada “Escola de Bashô” se tornou a mais famosa escola literária do Japão. Consta que o poeta teve mais de três mil discípulos em vida, incluindo os “dez grandes” poetas do Japão, que ficaram conhecidos como os maiores compositores de haicais em todos os tempos ( Sampu, Kioray, Ransetsu, Kiorokú, Kikaku, Josô, Yaha, Shicô, Etsujin, Hokúshi).

A era seguinte, após a época de Bashô e seus discípulos, foi dominada pelos praticantes do haicai clássico, liderados

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Baú de haicais

pelos poetas Buson (1716-1784) Kobaiashi Issa 1763-1827) e Masaoka Shiki (1867-1902). Esse período, chamado de Era Meiji, reflete as transformações históricas e sociais pelas quais passava o Japão, que começava a se abrir para o Ocidente e adotar costumes estranhos à sua tradição.

Nota-se na poesia desses artistas uma preocupação muito grande em preservar a integridade da forma japonesa de poetar, bem como um apego á cultura pátria, em detrimento do modernismo que se instalava em outros setores da cultura japonesa. Foi obra dos poetas desse período a evolução do haicai para haikú, neologismo criado com as palavras haicai e hokkú, termos que designavam a fórmula haicai nos períodos anteriores. A tônica, nos haicais da era Meiji era a contemplação da natureza e a sua expressividade na forma de interjeições (ah!), para expressar a dúvida, a emoção que o acontecimento proporcionava ao observador, como nestes versos de Masaoka Shiki:

“refletido nas folhas novasque cobrem toda a montanha]

ah! o sol da manhã!”

A partícula expletiva, no caso, era o resultado da iluminação kireji, ou seja, algo semelhante ao que os ocidentais chamam de insight ou iluminação.

O haicai foi trazido ao Brasil por Monteiro Lobato. Pelo menos foi esse grande escritor pátrio que primeiro publicou uma tradução que ele fez de um conjunto de seis haicais, em um jornal da cidade de Pindamonhangaba, em 1906. Logo em seguida, em 1908, o navio Kasato Marú traria para o Brasil o seu primeiro haicaísta. Segundo Masuda Goga, o mais profícuo historiador do haicai no Brasil, o primeiro poema dessa forma

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teria sido uma composição feita ainda a bordo do navio pelo imigrante Shuêhei Uetsuda (1876-1935):

karetaki o (chegando, vê-se)miagete tsukinu(lá do alto, a nau imigrante)

imisen.(a cascata seca.)

Logo após a chegada e acomodação dos imigrantes japoneses no Brasil, não obstante as várias dificuldades de

adaptação, inclusive as causadas pela Segunda Guerra Mundial, na qual os japoneses lutaram do lado oposto ao escolhido pelo

Brasil, a forma japonesa de poetar ganhou admiradores entre os modernistas e passou a ser cultivada por importantes poetas brasileiros, especialmente o grande Guilherme de Almeida.

Nessa conjuntura destacar-se-iá o nome do poeta Nempuku Sato (1898-1979), que foi o principal veiculador desse tipo de criação literária no país. E entre os poetas brasileiros, têm-se como importante o trabalho de Afrânio Peixoto, que deu ao haicai brasileiro a forma que ele viria a se tornar padrão entre os compositores desse tipo de poesia.

A partir de 1922, depois da Semana da Arte Moderna, o haicai se inseriria na onda modernista que a literatura brasileira surfava desde então. O padrão rígido de 5-7-5 sílabas métricas deixaria de ser única para esse tipo de poema, ganhando com os modernistas Oswald de Andrade, Manuel Bandeira , Carlos Drummond de Andrade e outros, uma forma livre onde o gosto ocidental pela metáfora substituiria o hermetismo subconsciente do koan, como nestes haicais:

Não tenho dinheiro no banco,porém,

meu jardim está cheio de rosas” (Carlos Drummond de Andrade)

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Baú de haicais

Um gosto de amoracomida com sol. A vidachamava-se ‘Agora’”

(Guilherme de Almeida)

Aprendi com meu filho de dez anosQue a poesia é a descoberta

Das coisas que eu nunca vi” (Oswald de Andrade)

Incorporado definitivamente à literatura brasileira como uma das mais criativas formas de poetar, o haicai viria a ser cultivado por grandes nomes da literatura brasileira como Guimarães Rosa, Mário Quintana, Millor Fernandes, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Pedro Xisto, Paulo Leminsky e outros. Esses e outros expoentes da poesia pátria irão dar á essa forma de poema um lugar de destaque nas letras brasileiras.

Hoje, o haicai é um dos mais saborosos tipos de poesia produzidos no Brasil. Um sem número de bons poetas, como o já citado Paulo Levinsky, Olga Savary, Abel Prereira, Alice Ruiz, Carlos Vogt são cultivadores do haicai.

Esta nossa aventura por esse tipo de poema não trás, como é óbvio, nenhuma novidade. Ás vezes mantendo a forma clássica, em outras deixando fluir, á moda dos modernistas, o que se pretende dizer, o objetivo deste nosso baú de haicais é colocar nossos próprios pensamentos, da forma como eles nos vieram: quando deu para acomodá-los na fórmula clássica 5-7-5 nós o fizemos. Quando sentimos que não transmitiriam o sentimento que os inspirava, deixamo-los na forma livre de um poema de três versos, sem preocupação com o número de sílaba. Algo como nos exemplos como segue:

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abri a janela procurando a vida:

lá estava ela.que é a fórmula clássica, ou

solidão é algo que a gente sentequando descobre que está sozinho

no meio de um monte de gente.

que está na formula livre.

De uma forma ou de outra, espero que eles estejam a gosto dos leitores. No fim, essa é sempre a motivação que leva alguém a se aventurar num território tão cheio de enigmas, como é o caso da poesia. No fundo é o que ela diz e o que o leitor sente quando lê ou escuta que conta.

Considerar-me-ei pago pelo trabalho se algum leitor, ao folhear este livrinho, puder sentir um pouco das emoções que me deram motivo para escrevê-los.

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Baú de haicais

NATUREMAS

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VISÕES DO SOL

o sol a nascer

é a visão de um Deus

no seu vir a Ser.

indo ou vindo,

chegando ou partindo

o sol é lindo.

para refrescar

o sol baixa o fogo

e mergulha no mar.

do ato de amor

entre o sol e a terra

nasceu uma flor.

doirada maçã,

emoldurada de azul,

o sol da manhã.

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Baú de haicais

MENSAGENS NAS NUVENS

nas nuvens, vejo

as formas que o mundo tem

no meu desejo.

não são miragens

o que elas mostram; são

ricas mensagens.

no céu nublado

minha mente enxerga

anjo alado.

olhos ateus

descobrem nas nuvens

faces de Deus.

nuvem informa:

nada se perde ou cria

só se transforma.

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NOITE NO CAMPO

lindas estrelas

na passarela do céu:

adoro vê-las.

é uma beleza:

Deus artista pinta

a natureza.

suspiro fundo.

esticando meus braços,

abraço o mundo.

neste ensejo

dou na boca da noite

um doce beijo.

noite, luar,

esse grilo na mata,

um trio a cantar.

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Baú de haicais

AS QUATRO ESTAÇOES

mil pirilampos

piscando pelos campos;

primaverança.

folhas deitadas

dormindo nas calçadas:

outonança.

os passarinhos

cantando em seus ninhos;

veranidade.

véu de geada

estendido na estrada:

invernidade.

show de emoções

perfume e alternância

quatro estações.

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VISÕES DE UM JARDIM

rosa em botão:

a natureza mostrando

o seu coração.

homens de terno,

as árvores peladas.

chegou o inverno.

brilhando na flor,

uma gota de orvalho:

lágrima de amor.

na primavera,

coloridos rebentos

brotam da terra.

serra florida,

natureza grávida,

parindo vida.

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Baú de haicais

FESTA NO CÉU

lua de prata.

cachorro entoando

uma serenata.

estrelas demais:

mas nessa festa no céu

só entram casais.

festa daquelas!

a mão de Deus acendeu

milhões de velas.

a lua realça.

dance comigo, amor,

a última valsa.

noite na roça.

estragar esta festa,

não há quem possa.

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TARDE NA ROÇA

lindo recital

essa banda de grilos

no meu quintal.

para se mostrar

um cometa-atleta

mergulhou no mar.

um sapo cantor

chama a fêmea para

fazer amor.

a cigarra, o rio,

o vento. vozes que formam

um belo trio.

bem lentamente

uma languidez toma

conta da gente.

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Baú de haicais

NATUREZA VIVA

um campo em flor:

Deus escrevendo

versos de amor.

folhas caídas

adubando florestas

prenhe de vidas.

da pedra bruta

jatos expulsam a vida

absoluta.

tristeza da lua:

brilhar tanto e não poder  

desfilar na rua.

e a da estrela

estar tão longe que mal

se pode vê-la.

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VISÕES DO MAR

um rio corre.

chega na praia, entra

no mar e morre.

tristeza do mar:

refletir as estrelas

sem poder pegar.

e elas, que azar:

não podem deitar-se

na cama do mar.

de norte a sul,

o mar se embriaga

de tanto azul.

canção de ninar,

meu coração balança,

no berço do mar.

:

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Baú de haicais

VISÕES DA AURORA

rocio matinal.

ontem, a noite chorou

no roseiral.

cor da aurora;

com vergonha da lua

é o sol que cora,

a lua disse

que o estresse do sol .

é o eclipse.

de madrugada

as lágrimas da noite

viram geada.

no crepúsculo

o sol mutante se veste

de lusco-fusco.

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VOZES DO CAMPO

sabiá na mata,

apaixonado, começou

uma serenata.

galo responde

com um doce trinado

sabe-se onde.

o alvorecer

quando o dia começa

tudo pode ser.

o amanhecer

é uma doce promessa

de novo viver.

coisa para crer:

a natureza, de manhã,

tem tudo a dizer.

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POETA NA JANELA

noite, solidão;

um coração pulsando,

aí tem paixão.

na voz do vento,

a canção composta na

dor do relento.

névoa lá fora.

riacho solitário

canta e chora.

rasgando o véu

flamejantes espadas

cortam o céu.

janela, luar,

no coração do poeta

é o amor a cantar.

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CANTIGA DA TERRA

o sol se deitou

sobre o corpo da terra;

ela engravidou.

a terra no cio

recebeu uma semente

gerou um filho.

rosa em botão:

é o coração da terra

em exposição.

o caracol lento

é a preguiça do mundo  

em movimento.

sem ter salário

a formiga provou ser

bom operário.

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Baú de haicais

ROMANCE DA NATUREZA

um pé de milho

parindo uma espiga,

são mãe e filho.

a mata em flor

é a própria natureza

falando de amor.

a chuva e o sol

tingindo o horizonte

lindo arrebol.

trovões no ar

na passarela do céu

tambores a soar.

coriscos no céu

lâmina flamígera

rasgando o véu.

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O REPOLHO E A ROSA

boa pedida,

á medida que se vive,

abrir-se à vida.

o mundo esquece

quem fecha sua porta

e adormece..

repolho e rosas:

são lições de vida

bem poderosas.

a bela rosa

nasce fechada, morre

fica cheirosa.

já o repolho,

nasce aberto, morre

vira restolho.

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Baú de haicais

INSTANTÂNEOS

um corvo bica

a carcaça apodrecida

a vida recicla.

abelha pousou

no regaço de uma flor

ela engravidou.

borboleta e flor

no jardim, pela manhã.

fazendo amor.

a catarata. 

véu de noiva que usa

a virgem mata.

o dia termina

e o sol também já

dobrou a esquina.

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VIZINHO PASSARINHO

um passarinho

pousou na roseira

e fez um ninho.

outro galhinho

e logo o seu ninho

ficou prontinho.

feito o ninho

veio a companheira

e três ovinhos.

olá amiguinho

muito agradecido

pelo carinho.

tenho vizinho

agora não me sinto

aqui tão sozinho.

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Baú de haicais

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VISÕES DA SERRA

clarão na lagoa;

é a cara alegre do sol

que ri á toa.

de flor em flor.

a borboleta transmite

mensagens de amor.

vento penteando

os cabelos da serra,

assobiando.

rocha no meio

da montanha desnuda

parece um seio.

riacho arisco

rasgando a floresta

deixa um risco.

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O MAR, VISTO DA SERRA

serra florida

natureza ensina

lições de vida.

visto de cima

o mar parece uma

grande piscina.

barco ao longe

no mosteiro do mar

parece monge.

visão milenar

antiga amizade

o barco, o mar.

coração puro

para qualquer pessoa,

é porto seguro.

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Baú de haicais

ARQUÉTIPOS NATURAIS

no sol da manhã

natureza em festa

felicidade.

 

luz benfazeja

clareando caminhos

cumplicidade.

 

passos rápidos

percorrendo estradas            

da liberdade.

 

peitos abertos

sem medo ou dúvidas

honestidade.

 

crer na vida é a

dádiva de Deus para 

a humanidade.

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A CANÇÃO DO MAR

as ondas tocam

num piano de pedra 

a canção do mar.

 

a vento assobia

a melodia que vibra

nas cordas do ar.

 

no salão do céu

as gaivotas felizes

estão a dançar.

 

no meio da mata

um sabiá seresteiro

se põe a cantar.

 

fora do mundo

pensamento balança

nas ondas do mar.

ondas-gangorra

meu coração vai e vem

uma boa zorra.

leve e solto

flutuando nas nuvens

sonho a voar.

 

planando no céu

misturando-se no azul

não pensa voltar.

 

carne e sangue

pensamento e desejo

diluem-se no ar.

 

voltam na forma

de movimento e som

na canção do mar.

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Baú de haicais

 

CREPÚSCULO     

         sol minúsculo,

         se esconde na serra

         é o crepúsculo,

 

tarde morrendo

mariposas noturnas

estão nascendo.

 

         na Ave-Maria

         as cigarras começam

         uma sinfonia. 

ruas cansadas,

sombras melancólicas,

cobrem calçadas.

 

         um vento forte

         soprando os pássaros

         rumo ao norte.

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AMOR EM QUATRO ESTAÇÕES

se na infância

amor é o alimento

que faz crescer,

adolescente,

ele é planta formosa 

que vai florescer.

na juventude

se torna aventura

de puro prazer.

na maturidade,

vira necessidade

de um vir a ser.

mas na velhice

todo amor se torna

razão de viver.

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Baú de haicais

VISÕES DE UM DIA DE SOL

 

a fotografia

grão de felicidade

que a luz irradia.

primeiro beijo.

um passarinho virgem

cheio de desejo.

.pendoar do milho.

mãe-natureza prenha

parindo filho.

 a borboleta

pousando na janela.

mensagem dela.

felicidade.

compromisso com o Amor

e com a verdade

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FILOSOFEMAS

 

 

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Baú de haicais

IMPOSSIBILIDADES POSSÍVEIS

mundo ensina.

quem achar que já sabe,

só imagina.

em qualquer lugar

onde se plantar o amor

ele vai brotar.

na carpintaria

a lição mais completa

de sabedoria.

flor no asfalto

impossibilidade

que dá um salto.

pé de cipreste

refletindo no lago

a paz celeste.

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João Anatalino

PAIXÃO DE VIVER

anjo bizarro,

o homem. um enigma

feito de barro.

ganhe a vida:

a morte já é herança

adquirida.

se pensar era ser

pensei muito na vida.

deixei de viver.

A vida é bela,

mas a minha mulher é mais

bonita que ela.

morrer, descansar?

mesmo extenuado,

quero continuar.

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Baú de haicais

VIAGEM INDIGESTA

mudei de plano.

troco meu lugar no céu

por mais dez anos.

se a morte chegar

quero que digam à ela

que fui viajar.

.

eu não morrerei.

vou dar uma saidinha

logo voltarei.

indo e vindo:

assim minha alma vai

se redimindo.

morte é viagem?

vendo bem baratinho

minha passagem.

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João Anatalino

.

O VERBO E O PREDICADO

ninguém falava.

Deus fez o universo

com uma palavra.

só o que ele usou,

para quem quiser saber,

foi o verbo: eu sou.

o mundo foi criado

quando Deus se deu

um predicado.

assim, o homem

só se justifica na

força do nome.

um nome forte

não morre: o predicado

é imune à morte.

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Baú de haicais

O PODER DO HAICAI

só faz sentido

o que em poucas palavras

é entendido.

todo dilema,

fica compreensível

posto em poema.

 

fácil, pequeno

relâmpago riscando

um céu sereno.

muito falar?

desnecessário; basta

só saber olhar.

escrever demais?

bobagem. porque tudo

cabe em haicais.

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João Anatalino

SIMPLICIDADE

abri a janela

procurando a vida:

lá estava ela.

bonita assim

simples e faceira

sorrindo p’ra mim.

sorri de volta.

nas asas do sorriso

a alma se solta.

na alma livre

alegria floresce em

tudo que vive.

fiz caso demais.

hoje que se dane. só

faço haicais.

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Baú de haicais

SABEDORENÇA

a pior doença

é a arrogância do néscio.

sabedorença.

ignorante

acha que ler um só livro

já é bastante.

quem acha que sabe

é alguém que não se cabe

e nunca se abre.

com chaves tortas

Deus pode nos abrir

muitas portas.

talvez a vida

seja só uma mulher

desconhecida.

40

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João Anatalino

PEPITAS

a morte, partida,

viagem indefinida,

final, só de ida.

o camelo passou

no furo da agulha.

o homem ficou.

nossa danação

é a vida perdida por

uma religião.

eis a ciência.

a verdade se chama

inocência.

foi confirmado.

Deus escreve certo. nós

lemos errado.

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Baú de haicais

A VIDA E A ARTE

agrada á vista

a obra que se vê ou a

alma do artista?

um operário

é a pessoa cujo limite

é o seu salário.

o banqueiro

é uma pessoa limitada

pelo dinheiro.

capitalista:

pessoa necessária

pouco benquista.

aposentado:

presente sustentado

pelo passado.

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João Anatalino

ARQUÉTIPOS (I

o amor não quer

presente, o que ele quer

é presente ser.

a fidelidade

não pede declaração

só lealdade.

a amizade

não manda recado

mora ao lado.

intimidade

e cama, só se divide

com quem se ama.

cumplicidade

não se fala ou deduz

carrega a cruz

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Baú de haicais

DÁDIVAS DA VIDA

madame sorte

é esnobe, evita

casa de pobre.

cobra e inveja

quando nos picam, mata

ou aleija.

a vida é frase

que a gente constrói

usando a crase.

só acontece

aquilo que conosco

mais se parece.

o que a vida dá

já é nosso, mas a gente

precisa buscar.

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João Anatalino

PRAÇA DO INTERIOR

a vida passa

em frente da gente no

banco da praça.

a criança, o cão, 

inocência da vida:

real amizade.

 

abelha e flor

trocando carinhos:

amor de verdade.

 

moça e rapaz

se bebem com os olhos:

felicidade.

casal idoso

compartilha segredos:

 privacidade.

um relógio

na torre da igreja:

regularidade.

um pipoqueiro

testemunha ocular:

cumplicidade.

beijos,carinho

combinação singular:

humanidade.

bancos, pessoas,

uma tarde que se finda:

tranquilidade.

 

a praça, o povo,

preguiçoso resumo

de uma cidade.

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Baú de haicais

VISÕES DE MÁRIO QUINTANA

voar num ”Vimana”

é como ler poemas do

Mário Quintana.

andando à esmo

foi que me perdi dentro

de mim mesmo.

jantar fechado

um mosquito entrou sem

ser convidado.

os esquisitos

desejos incomodam

como mosquitos.

a casa no morro

em dias de tempestade 

pede socorro.

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João Anatalino

SENSITIVIDADES

na escuridão

até a sombra foge.

os amigos não..

todo covarde

carrega no lombo um

feio albarde.

infeliz/minto

para que ninguém veja

a dor que sinto.

infeliz/mente

quem quer dividir uma dor

que não sente.

sei o que procuro

pois sou contemporâneo

do meu futuro.

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Baú de haicais

MUDANÇAS

maior a dúvida

maior a dívida que

se faz com a vida.

quero mudar: mas

como, se onde eu for, vou

me acompanhar?

tudo balança

dentro de uma cabeça

que faz mudança.

parei contigo,

mas me dei um castigo.

fiquei comigo.

vazio agudo

só é sentido por quem se

encheu de tudo.

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João Anatalino

PONTADAS

a maior besteira

e querer alcançar o sol

com asas de cera.

não pesa nada

a consciência. mas a culpa

a deixa pesada.

no cemitério

finalmente, alguém nos

leva a sério.

ser um sábio

é aprender a ler da vida

o seu alfarrábio.

na vida era mó,

moía tudo e todos. na

morte virou pó.

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Baú de haicais

VIDA DE POETA

laica ou asceta

sempre incompleta

vida de poeta.

trancos e barrancos

pintaram estes meus

cabelos brancos.

mais que memória

eles são o registro da

minha história.

vida sem glória,

e dinheiro, nunca triste

nem merencória.

muito sofrida

mas com certeza, digna

de ser vivida.

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João Anatalino

TERMOS E TÊRMOS

períodos longos

por que? a vida se liga

pelos ditongos.

tudo que eu sou;

opções cuja porta

é sempre um “ou”

sem ser omisso

obrigo-me a escolher

aquilo ou isso.

e os hiatos

podem cortar a ligação

entre os fatos.

com freqüência

nos perdemos nas nossas

desinências.

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Baú de haicais

COMUNICAÇÃO

os antenados

são cérebros que estão

sempre ligados.

celular na mão

mundo se afogando

mar de solidão.

telinha rolando.

comunicação moderna.

mundo pirando.

.

por bem ou mal

estou me transformando

num ser virtual.

que alvoroço...

para no fim, ficar um

monte de osso...

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João Anatalino

GRAMÁTICA

bem dolorido

ser na vida artigo

indefinido.

a gente não sente

que ás vezes é sujeito

inexistente.

outra opção:

viver como ponto de

interrogação.

o pior marasmo:

sujeito parecido

com pleonasmo.

homem ativo

é como se fosse verbo

intransitivo.

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Baú de haicais

GRAMÁTICA (II)

expectativa

cruel. só se conjugar

na voz passiva.

nesse estado

a gente vira sujeito

sem predicado.

na audição

o desejo eterno de

aliteração.

pedir desculpa

eterno eufemismo

da nossa culpa.

sem as idéias

todos seríamos só

prosopopéias.

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João Anatalino

PARADOXOS

placa na grama

lápide de um homem.

o epigrama.

mente confusa

qualquer ideia difusa

nos parafusa.

um ovo choco

um palhaço louco

boçal e mouco.

autor: destino.

ele é que me escreve

eu só assino.

sou ortodoxo,

mas as vezes me perco

no paradoxo.

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Baú de haicais

VISÃO DA CIDADE

o tempo parou

no relógio quebrado.

o homem andou.

a droga, a vida

uma placa que avisa:

rua sem saída.

muros pichados:

doença de cérebros

desocupados.

gente sem teto

cidade sem coração

amor e afeto.

gente armada

as vidas perdidas na

encruzilhada.

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João Anatalino

SONHOS

coisas que faço

são as marcas que traço

com o meu braço.

sonhos que tenho

por tristes que sejam, são

o meu desenho.

aprenda a voar

as estrelas brilhantes

só vivem no ar.

sonhe bem alto

pois um sonho rasante

não dá nem salto.

pássaro e avião

podem ser derrubados.

as estrelas não.

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Baú de haicais

DESEJOS DA ALMA

peça bastante:

quem pouco deseja

nada garante.

não é na esquina

que a gente acha nossa

autoestima.

abra seu olho;

só vai ver a estrela quem

não é caolho.

a vida é prisão

de onde só se sai morto,

em um caixão.

sonhos que tive

desejo da minh’alma

voando livre.

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João Anatalino

A DANÇA DAS HORAS

as horas dançam,na passarela da noite      

uma valsa lenta.

ao cair da tardeo sol rouba beijos da

boca da noite.

as bocas calamo que um coração sente.

os olhos falam.

a mão do destino             sempre escreve certo

por linhas tortas.

um passarinhopode ser derrubado

uma cobra não.

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Baú de haicais

COMPRIMIDOS

empolgação éfazer de um cometa

nosso avião.

a pior escóriasão as mágoas guardadas

em nossa memória.

mas quem semearesperanças na vidaherda um pomar.

lutar é viver.quem não é combatente

é morte o nascer.

quanto mais viver maior certeza se tem

de nada saber.

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João Anatalino

REENCARNAÇÃO

não tenho medode morrer. só não quero

deixar de viver.

ser obrigadoa nascer eternamente

velho novo ser.

pagar os errosde uma vida anterior

desse jeito.

que injustiça!se nosso deus é Deus

e ele é perfeito.

podia mas não fez o que devia ter feito

uma única vez.

pecado hojevirtude de amanhã.porque pagamos?

não há na vidadefinitiva morte.reencarnamos?

não será o carmaum cartão de crédito

que inventamos?

doce ilusãoque nos consola a alma

tão consumista,

que paga a prazoo que deveria ser pago

sempre á vista?

o anjo caídofoi quem disse tais coisas

ao meu ouvido

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Baú de haicais

MORADORES DE RUA

na noite densa

os moradores de rua

indiferença.

 

ébrios tardios,

vadias seminuas,

nos bares vazios.

 

um cão sem dono,

cobertores puídos,

o abandono.

 

vida cansada

dormindo na sarjeta

de madrugada.

 

morte não falha

toda a cidade dorme

só ela trabalha.

constrangimento

um corpo atrapalha

o movimento. 

 

espetáculo.

polícia removendo

o obstáculo.

 

desponta o dia.

outro mendigo ocupa

a marquise vazia.

 

naturalmente

o mundo se recompõe

segue em frente.

não é cena rara.

a vida faz “pit stop”

mas nunca pára.

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João Anatalino

O COMETA

passa o cometa.

sublimes letras de luz

atrás do monte.

 dedo de Deus

escrevendo poesia

no horizonte?

seu farolete

perscrutando o espaço

á nossa procura?

olho de Deus

brilhando num buraco

de fechadura?

sopro divino,

travesso, desgarrado

feito menino?

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Baú de haicais

AMOREMAS

PARALELAS64

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João Anatalino

no infinito

a minha paralela

deve ser ela.

tracei um ponto.

quem sabe no espaço

vai dar encontro.

passo a passo

com régua e compasso

o destino traço.

meu diagrama:

traço do meu desejo

até a sua cama.

coração, vetor

cujo sentido é dado

só pelo amor.

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Baú de haicais

MOLECAGENS

a velha cama

cavalo que rinchava

enquanto a gente cavalgava.

coisa de moleque...

nós embaixo do cobertor

e a cama fazendo nhec nech...

minha paralela me chama

para se encontrar com ela

no infinito da nossa cama.

oferta do dia:

troco coração vago

por um afago.

ah! estrelinha!

te daria para ela se

tu fosses minha...

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João Anatalino

O TECIDO DO AMOR

o amor/tece

o triste amor/tecido

que nos veste.

na coletânea Amar

a mais bela poesia

é o seu olhar.

no empurra e puxa

ele planta a semente

ela embuxa.

poeta é quem

transforma as medusas

em belas musas.

o amor ganha.

mas num jogo viciado

ele só apanha. 

SENSUALIDADE

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Baú de haicais

olhos que cruzam    

estrelas se procuram

em meio á noite.

corpos se tocam

plantando os desejos

em terras no cio.

bocas unidas

uma abelha, uma rosa

fazendo amor.

mãos atrevidas

tomam forma de seios

e seios de mãos.

corpos desnudos

num tapete mágico

no céu do prazer.

ORGASMO68

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João Anatalino

fusão de corpos

desejos sublimados

gotas de suor.

síncope final

o êxtase diluído

em doce prazer.

mundos em guerra

dormem pacificados.

na paz do amor.

amor, mistério;

todos querem entender

sem levar a sério.

amante, amor,

profissão de sofredor,

eu enganador?

A ESSÊNCIA DO AMOR

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Baú de haicais

o espirito

e o verdadeiro amor

são invisíveis.

                             

são entidades

que só podem existir

em certos níveis.

incorpóreas

imaterialidades

incorruptíveis.

 

peremptórias

as duas realidades

são incindíveis.

 

só se hospedam

em almas e corações

muito sensíveis.

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João Anatalino

CANTOS E DESENCANTOS (I)

se eu contasse

todos meus desencantos

talvez sarasse.

adiantaria?

só se eu acreditasse

em bruxaria.

quando eu minto

estou violentando

coisas que sinto.

o que é o amor?

só quem perdeu um sabe

pois sentiu a dor.

esquecimento?

só mesmo quando a dor

não vem de dentro.

CANTOS E DESENCANTOS (II)

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Baú de haicais

homem e mulher:

paralelas cruzando

o ponto prazer.

olho maldoso

secou a rosa no vaso.

o nosso caso.

orgasmo de amor,

doce paz conquistada

sem guerra ou dor.

se o amor existe

sem mesmo a morte pode

torná-lo triste.

ele sobrevive

até ao aniquilamento

do pensamento.

CINCO FACES DO AMOR72

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João Anatalino

no outro mundo

talvez  o amor possa ser

mais profundo.

morrer amando

não é morrer. é mais viver

divinizando.

de Deus foi o dito

que o nome dele é Amor:

eu acredito

amor sem respeito.

tirano que governa

sem direito.

amor ciumento.

um abraço de urso,

sufocamento.

ROMANCE NA CHUVA

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Baú de haicais

noite chuvosa

coração solitário

colhe uma rosa.

pensando nela

moleque teimoso

pula a janela.

no rio lá fora

meu coração é um barco

na enxurrada.

vai navegando

com a carga de amor

na madrugada.

negro pelágio

enfrenta garboso sem

temer naufrágio.

mesmo escuro

os braços dela são meu

porto seguro.

rosto estrela

indicando o caminho

em meio à procela.

na noite o lume

dos olhos dela parecem

dois vagalumes.

como um farol

levando meu barco em 

em busca do sol.

braços abertos

esperando por mim

lá estava ela...

LOUCURA DE AMOR74

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João Anatalino

mata-me de amor

assassina querida

e me dê a vida .

no mundo do amor

não existe bem nem o mal.

tudo é natural.

 

se amor é ilusão

que eu morra iludido

por essa visão.

 

loucura de amor

a verdadeira razão

de um coração.

vê como te amo

no meu olhar eloqüente.

ele não mente.

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Baú de haicais

POESOFISMAS

O CONGRESSO NACIONAL

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João Anatalino

piada patética:

o Congresso Nacional

tem duas comissões de ética.

.confesso que sou néscio.

um dia também já votei

num tal de Aécio.

talvez seja destino.

para viver no Brasil

é preciso virar bizantino.

viver de arranjos

sustentar os políticos

crer no sexo dos anjos.

quer que lhes conte?

no Planalto o jogo preferido

é o rouba-monte.

A CARNE É FRACA

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Baú de haicais

o mal que ataca

a reputação dos políticos

é culpa da vaca.

a carne é fraca.

a propina que ela paga

é forte paca...

proteína demais

para quem já tem tudo

mas sempre quer mais.

mas ela é que vai ser

a mistura da marmita

da quentinha do Temer.

não parece, mas

quem manda no Brasil

é uma tal de JBS.

DELAÇÃO PREMIADA

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João Anatalino

na dúvida, cale.

na dívida, negue,

na dádiva, pegue.

não diga nada.

mas se quiser falar

faça delação premiada.

denuncie uma autoridade.

quanto mais alto ela estiver

mais acharão que é verdade.

a História é travessa:

Joaquim Tirava-Dentes

e acabou perdendo a cabeça.

quando a coisa é fria

a fidelidade nos ferra

mas a delação alivia.

HAICAIS DO BEM-TE-VI 

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Baú de haicais

bem-te-vi no jardimtinha muitos segredos. contou para mim.                                   consciência pesada,se ouve bem-te-visai em disparada. não sei de nada, mas se fosse bem-te-viiria para a Explanada. ficaria na entradado Congresso, vendendodelação premiada. ganharia mesadae muito reconhecimentoda nação cansada de ser estuprada,sustentar vagabundoe ser roubada. amigo bem-te-viseu lugar é em Brasílianão é por aqui.

lá só se faz mutretae bem que faz faltaum passarinho cagueta. te pagaria saláriopara ficar cantandonaquele plenário. ia ver salafráriomorrer feito peixequando quebra o aquário. ao ouvir “bem-te-vi”quanta gente não diria“eu não fico aqui.” e seria tão bomnão esperar eleiçãopara trocar de ladrão. meu caro bem-te-vivoe para Brasíliaque eu já te elegi. ah! que estourovocê ajudandoo Sérgio Moro!

.

POLITIQUEMAS

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João Anatalino

esse Congressoprecisa ser mantido?

só tem bandido...

e esse governo?que esperança nos trás?

só rouba e não faz. 

e o governador,presidente, prefeito,

isso tem jeito?

se até o Supremonão dá uma esperança.

já entrou na dança.

crime provado,mas ninguém na cadeia:

coisa mais feia.

pouca vergonha.embargos infringentes.

que indecentes!

e o tal mensalão?não será honorário

de salafrário?

um país assimsó vai poder se dar mal.

aí vem o General.

HAICAIS DO STF

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Baú de haicais

ninguém merece

um Supremo Tribunal 

igual a esse.

oh! infelizes!

que podemos esperar

desses juízes?

se a impunidade

é criada pela própria

autoridade? 

que aberração

é o próprio empregado

julgando o patrão.

me tiram o sono

mas que cão vai morde 

seu próprio dono?

hoje o que se vê

é um tribunal que virou

bancada do PT.

mas não faz mal

no mês de fevereiro

temos carnaval.

a beca e a toga

são uma bela fantasia

estão na moda.

a Dona Justiça

na quarta pela manhã

rezará missa.

e o magistrado

com cinzas na cabeça

será perdoado.

MARIANA E BRUMADINHO

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João Anatalino

na indiferença ecológica de um povo

a espada gananciosa dos capitalistas

abriu uma ferida incurável de novo.

a montanha reclama

o ferro que roubaram do seu corpo

vomitando rios de lama.

por caminhos mais que tortos

os parentes vivos serão indenizados.

quem fará justiça aos mortos?

Mariana, Brumadinho.

quem quiser saber onde ficam

siga a cruzes no caminho.

 

o rio é doce, o vale é forte.

as acionistas levam os dividendos,

e o povo mineiro que fique com a morte.

IM(PROVÉRBIOS)

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Baú de haicais

saco cheio 

é um sinal que a vida

ficou vazia.

 

se alguém bater

na sua face direita

esquerda nele.

 

mulher bonita

e jaca ninguém consegue

comer sozinho.

 

um pássaro no 

ar vale + que um na mão

Ass: IBAMA.

dinheiro não traz

felicidade; compra 

uma fábrica.

INDISCRICIONICES (I)

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João Anatalino

sou compadre da Aurora.

ela me convidou para batizar

o dia que acaba de nascer.

 

vestida de paralelepípidos,

a rua velha olha com inveja

a rua nova, vestida de asfalto.

 

a serpente encantada

pela mágica das mãos

cuspiu o primeiro orgasmo.

 

os girassóis nos campos

são como rosas do vento

guiando o sol no oceano do céu.

 

se o criado-mudo do motel

fizesse uma delação premiada,

pouca gente escaparia...

INDISCRICIONICES (II)

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Baú de haicais

olho para o futuro

e não consigo ver nada.

está tudo muito escuro. 

o que parece estar claro

é que a bolsa-família

vai virar Bolsa-naro.

sinônimo de calamidade

é fazer uma escolha entre

Bolsonaro e Hadad.

“quem qué comprá”

sítio em Atibaia e apê

em Guarujá?

 

existe coisa mais feia

do que país governado

por uma cara na cadeia? 

mas se acontecer

não será novidade.

isso já faz o PCC.

 

coisa de maluco.

ter que escolher entre

a grade e o trabuco.

 

que esperança!

se ficar o bicho pega,

se correr o bicho alcança.

 

e o Papa Francisco?

com tanto padre tarado,

até o dele corre risco.

cueca de padre

de agora em diante,

é cinto de castidade.

HAICAIS DO RIO

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João Anatalino

nas ruas do Rio

desespero, calafrio

do pai e do filho.

no sul, no norte,

no leste, no oeste,

a bala, a morte.

que intervenção

vai deter a gangrena

da corrupção?

parar a sangria?

como, se próprio Estado

é quem financia.

Marielle é morta.

a caravana vai passar.

quem se importa?

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Baú de haicais

BLENORRAGIA VERBORÁGICA.

sem mulher tudo

é transtorno. não se pode

nem ser corno.

sem mulher não

rola. se rolar é porque

o cara é boiola.

“maria chuteira”

e futebol: um é peixe

outro é anzol.

jogo de azar

é o amor; todos perdem mas

gostam de jogar.

coração que ama

acha que bate, mas de fato

ele só apanha.

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João Anatalino

PÍLULAS ANTICONCEPTODIAIS

a vida é boa

caminhando com o tempo.

mas ele voa.

a maldição do ser

é sempre o querer ter

sem o merecer .

a terra pensou

um pensamento de amor

e nasceu a flor.

só na bateria

dois pólos contrários

geram energia.

em termos de amor

contrários só podem

gerar calor.

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Baú de haicais

CRENÇAS

solidão é algo que a gente sente

quando descobre que está sozinho

no meio de um monte de gente.

a verdadeira crença dos ateus

é que os homens são apenas

desejos egoístas de um Deus.

 

quando sinto que estou vivo

é porque uma alma desencarnada

está reivindicando meu ativo.

 

quem não acende uma luz para sua guia

gera uma noite de trevas

para todos os seus dias.

na queda do nosso avião de dúvida

a fé é o único pára-quedas

que pode salvar a nossa vida.

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João Anatalino

PITADAS

o reacionário

é um astronauta

vestido num sudário.

o progressista

é um avião que quer decolar

sem ter uma pista.

um bom político

pensa que pode ser honesto

e não sabe o quanto é mítico.

mas quem não quer ser vaiado

que se conserve na platéia

e nunca suba no tablado.

se ela não fosse criada-muda

quanta gente em Brasília

já não estaria na Papupa?

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Baú de haicais

OUTRAS VIRTUDES DO AMOR

o amor tem faro de cão de caça;

por mais que se perca na vida,

sempre soube voltar para casa.

o guia do amor é o próprio Deus

por mais longe que esteja,

ele sempre encontra os seus.

em qualquer banda ou faixa

os ouvintes do amor se entendem

e tudo neles se encaixa.

quando o seu amor voltar 

simplesmente abra as portas

e convide-o para entrar.

amor é um relógio que desperta;

e por mais que ele se atrase

sempre sabe a hora certa.

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João Anatalino

PARADOXOS DE LINUAGEM

minhas lágrimas são como mosto

que a prensa da sua indiferença,

fazem verter pelo lagar do meu rosto

sem fazer muito alarde

minha cabeça contrabandeia

pensamentos no fim da tarde.

herdamos a espada de um anjo caído

só para continuar uma guerra

que ninguém sabe qual é o sentido.

 

paradoxo da linguagem invertida:

chamar de ladrão quem nos rouba a carteira

e de Deus a quem nos tira a vida.

 

vida é muito engraçada:

faz a gente vivê-la querendo tudo,

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Baú de haicais

para no fim sair sem levar nada.

 

OUTROS PARADOXOS

pessoas e velas, no velório se consomem.

só as velas se gastam.

as pessoas voltam para casa e comem.

só não desconfia quem é bobo:

é a tosquia do carneiro

que esquenta o inverno do lobo.

os meus cabelos brancos, a mão

de muitas experiências negras

coloriram-nos de algodão.

 

na ânsia de caminhar bastante

menos andamos, e o próximo

fica cada vez mais distante.

 

o homem diz que ama a verdade

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João Anatalino

mas acaba casando—se com a mentira

e tem com ela filhos pródigos de maldade.

IMPERFEIÇÃO

para beber os homens vão ao bar;

o bar bebe num gole o dinheiro deles

e gota a gota suas vidas, até acabar.

o sol estava sorrindo lá fora.

viu sombras dentro no meu quarto

e imediatamente foi-se embora.

talvez eu descobrisse quem sou

se me fosse informado

em que edição estou.

ou que correção deve ser feita

numa obra que nasceu

tão imperfeita.

sou um poema que um vate

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Baú de haicais

por incompetência ou preguiça,

não consegue dar arremate.

DEFINIÇÃO DE ESPERANÇA

quantas tentativas são permitidas

para se encontrar uma alma

que parece estar perdida?

uma alma que já procurou á beça

o lugar que lhe cabe

neste estranho quebra-cabeça?

é a minha visão que parece exótica

incongruente, distorcida,

ou a vida é só uma ilusão de ótica?

penso, logo existo.

mas se existo e nada sou

para que serve tudo isto?

apesar de tudo tenho fé.96

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João Anatalino

sigo montado em um touro

embora caminhe a pé.

MEMÓRIAS

memórias são o arquivo

que prova que a gente

um dia esteve vivo.

 

mas só vive realmente

quem bate ponto diário

no relógio do presente.

  

um só instante de felicidade

é suficiente para produzir

uma vida toda de saudade.

só quem tem muita saudade

pode dizer, que um dia,

andou vivendo de verdade.

 

o rio me ensinou esta prece:

“Deus! nunca me deixe ser pântano,

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Baú de haicais

pois quem pára morre e apodrece”

MOVIMENTO

é preciso estar sempre buscando

como se a gente fosse um navio, 

eternamente navegando.

 

pois quem fica em algum porto

como o barco que encalha.

na verdade já está morto.

seja rápido ou lento

o sinônimo de vida mais correto

é a palavra movimento.

quem fica parado é poste

mas é porque ele leva a energia

e não porque ele goste.

assim sendo, siga em frente;

porque quando você morrer,

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João Anatalino

poderá dormir eternamente.

INCOERÊNCIA

não importa ter razão

o que conta nesta vida

é ter uma opinião.

mesmo que ela mude

de uma hora para outra.

coerência não é grude.

porque nada é constante

o maior dom da vida

é o fato dela ser mutante.

inconstante

é a natureza que muda

a todo instante.

nem a terra é serena:

de dia ela é loira

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Baú de haicais

e de noite é morena.

METAMORFOSES (I)

o baralho tem quatro ases

o tempo quatro estações

e a lua quatro fases.

o saber não é racional

pensar muito não é saber

normal é não ser normal.

se for bipolar, assuma;

é melhor ter muitas caras

do que não ter nenhuma.

 

sem nenhuma mutreta

a lagarta deixa o casulo

e vira borboleta.

inconscientemente

a metamorfose ocorre

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João Anatalino

assim naturalmente.

METAMORFOSES (II)

vem sempre um instante

em que até a montanha

muda de semblante.

 

no quebrar do ovo

a natureza mutante

dá luz a algo novo.

  

se for preciso, mude:

saber mudar não é vício,

é uma virtude.

 

a vida é procura.

vá atrás da novidade

mas conserve a ternura.

 

metamorfose:

já que ela é inevitável,

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Baú de haicais

sofra-a e goze.

EPÍLOGO

perdão, medicina boa

não para quem o recebe

mas para quem perdoa.

está mais que provado:

quem só faz tudo do mesmo jeito

 obtém sempre o mesmo resultado.

o fundo do poço pode ser uma tela 

capaz de refletir um céu

onde também brilha uma estrela.

a luz do sol está na direção

oposta em que a sombra

sempre toma posição.

o que as palavras negam

o corpo revela

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João Anatalino

e os olhos entregam.