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A FARSA DE UMA NAÇÃO Por Aloisio Villar (Rio de Janeiro, RJ) (2016)

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A FARSA DE UMA NAÇÃO

Por Aloisio Villar

(Rio de Janeiro, RJ)

(2016)

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PERSONAGENS

LEONARDO ROSSETI (Advogado)

GENTIL (Vendedor de flores / Senador)

PADRINHO (Protetor da comunidade)

RUI JORGE (Secretário de Padrinho)

BIANCA (Mulher de Leonardo)

MARCELO (Irmão de Leonardo)

LEILA (Filha de Gentil)

ADRIANA (Advogada)

FABIANA (Secretária de Gentil)

GIOVANA (irmã de Fabiana)

DOMINGAS (Vizinha de Gentil)

E MAIS:

GUARDA

PADRE

LUANA

ADVOGADO

JUIZ

SARA DOS ANJOS

DONATO DOS ANJOS

ÉPOCA: ATUAL; LOCAL DO DRAMA: RIO DE JANEIRO

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(Cena vazia. Fundo de cortinas. Os personagens é que, por vezes, segundo a necessidade de cada situação, trazem e levam cadeiras, mesinhas, travesseiros que são indicações sintéticas dos múltiplos ambientes. Luz móvel. Leonardo está sentado em um canto do palco. No outro está o guarda. O padre entra)

PADRE – Com licença.

GUARDA (Beija a mão do padre) - Boa tarde seu padre, sua benção.

PADRE – Deus lhe abençoe.

GUARDA – Veio ver o detento?

PADRE – Posso?

GUARDA – Claro seu padre. Eu queria pedir um favor também.

PADRE – Fale meu filho..Pode falar.

GUARDA – Eu estou com problema de doença familiar e precisava de uma ajuda, que Deus me ajude.

PADRE – Que problema meu filho?

GUARDA – Fico meio sem jeito para falar.

PADRE – Pode falar, sou um representante de Deus na Terra.

GUARDA – Sou eu..Eu estou com um problema muito sério..Preciso que o senhor me ajude, ore por mim, me diga o que fazer.

PADRE – Tudo bem, mas que problema?

GUARDA - É que..É que..

PADRE – Pode falar meu filho..Não tenha medos.

GUARDA - Paumolecência padre..A nega tá injuriada já, mais de dois meses que o bichinho não levanta e a coisa tá feia para o meu lado.

PADRE – Que isso homem!! Isso é assunto para tratar com um padre??

GUARDA – Desculpe, mas o senhor que disse que podia...

PADRE - Está bem..Está bem..

GUARDA – O que eu faço?

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PADRE – Ora..Não entendo muito do assunto..Deixa-me ver..Reze dez Pais nossos e dez Ave Marias, pronto..

GUARDA - Só isso?

PADRE – Tome uma catuaba também, coma amendoins e se não melhorar procure um médico..Posso ver o detento agora?

GUARDA – Ah sim..Claro..

(Andam até o outro lado do palco. Até Leonardo)

GUARDA (Para Leonardo) - Visita pra você!!

LEONARDO - É chegou minha hora mesmo...

PADRE – Posso entrar?

LEONARDO – Tenho opção?

PADRE – Claro que tem. Se não quiser me receber posso ir embora.

LEONARDO - Não..Não, pode entrar sim.

GUARDA – Bem, vou deixar vocês a sós..Obrigado pela dica viu padre? (Beija sua mão) Vou começar a rezar agora mesmo e mais tarde fazer a catuaba.

(O guarda sai de cena)

LEONARDO – O que devo a honra dessa visita?

PADRE – Leonardo Rosseti, sim?

LEONARDO - É, sou eu, infelizmente ou felizmente não sei, todo mundo me conhece.

PADRE - É, eu te conheço, só queria confirmar meu filho. Vim aqui perguntar se quer se confessar antes do que irá ocorrer.

LEONARDO – Da minha morte.

PADRE - Da sua morte.

LEONARDO – E por quê eu deveria me confessar padre?

PADRE – Deve ter pecados que queira dividir.

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LEONARDO – Sim padre, tenho vários pecados, o curioso que nenhum deles me colocou aqui hoje nessa situação. Então não são meus pecados que prejudicaram minha vida.

PADRE - Então confesse para chegar puro na casa de Deus.

LEONARDO – Deus..Será que Deus existe mesmo padre?

PADRE – Isso é uma pergunta? Está me perguntando se Deus existe?

LEONARDO – Sim.

PADRE – Qual acha que será minha resposta? Sou padre.

LEONARDO - É, pergunta idiota a minha, me perdoe. Sabe o que eu acho curioso padre?

PADRE - Não, me conte.

LEONARDO – O ser humano responder com convicção que Deus exista ou não. Pergunte a qualquer um na rua e a pessoa será convicta para responder que sim ou que não. Sem titubear.

PADRE - Questão de fé meu filho. Tem gente que tem e gente que não.

LEONARDO – Sim, mas respondem com certeza absoluta que Deus existe ou não e se perguntar o que almoçou no dia anterior é capaz de não se lembrar, de ficar em dúvidas.

PADRE – O que tem a ver?

LEONARDO – Ora padre, se uma pessoa não sabe direito nem o que almoçou ontem como vai responder com certeza se Deus existe? Uma pessoa responde com convicção "Deus existe", "Deus não existe" e não sabe nem conjugar verbo no futuro de pretérito.

PADRE – E para você Leonardo? Deus existe?

LEONARDO – Vou lhe dar a resposta mais sincera da história da humanidade.

PADRE – Me dê então.

LEONARDO – Eu não sei.

PADRE – Tem convicção na dúvida então?

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LEONARDO – Sim, tenho. Padre, quantos anos existe o ser humano? Milhões de anos? Bilhões de anos? Quantas pessoas geniais, crânios mesmos já não existiram? Einstein? Stephen Halking? Platão? Aristóteles? Quantos? Ninguém nunca conseguiu comprovar a existência ou não de Deus. Como eu um simples ser humano comum tenho essa resposta? Ninguém tem. O ser humano tem um dever cívico de ter resposta para tudo, desde a existência de Deus, da vida em outros planetas, se é possível viajar no tempo até se magenta é cor ou não. Tem respostas para tudo!! Quando muitas vezes a simples dúvida em vez da certeza errada já teria salvo a todos nós de muitos problemas.

PADRE - É meio louco o que disse, mas tem sentido.

LEONARDO – Mais importante que eu acredite ou não em Deus é, caso Ele exista, que acredite em mim.

PADRE – E o que acha?

LEONARDO - Não sei. O senhor acredita?

PADRE - Não conheço bem a sua história, só o que saiu nos jornais. Vim aqui na missão de salvar sua alma.

LEONARDO – Tem tempo?

PADRE – Algum sim.

LEONARDO – Vou fazer o seguinte...Não vou me confessar, vou contar a minha história e aí o senhor decide se Ele deve acreditar em mim ou não. Se minha alma tem salvação.

PADRE - Está bem, me conte, estou bem curioso.

LEONARDO – Vou contar..Tudo começou dez anos atrás...

(A luz se apaga e acende. Tem um advogado, um juiz e uma mulher, que é a testemunha, e um homem que é o réu e está sentado ao lado de Leonardo em cena. É um julgamento)

ADVOGADO – Me desculpe senhora Sara dos Anjos, mas vamos ter que relembrar todo triste fato. Como ocorreu?

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SARA – Bem. Um dia cheguei do trabalho e percebi que minha filha não estava em casa. Liguei para meu marido e perguntei se ele sabia de algo. Respondeu que não, estava no trabalho e não sabia de nada.

ADVOGADO – E ela já devia ter chegado em casa, correto? Que horas ela saía da escola e qual idade?

SARA – Ela tinha doze anos. Saía da escola cinco da tarde e já eram oito quando cheguei.

ADVOGADO – Prossiga.

SARA – Meu marido veio correndo para casa. Ligamos para vários parentes, amigos dela e ninguém sabia de nada. Preocupados percorremos todo o bairro e fomos até a polícia. Nada de encontrar nossa filha. Fomos a hospitais, IML e nada.

ADVOGADO – Como estava seu marido?

SARA – Abalado, muito preocupado. Parecia tenso demais.

ADVOGADO - Uma preocupação natural de pai.

SARA - Sim, ele estava nervoso demais.

ADVOGADO – Natural..Prossiga..

SARA – Espalhamos cartazes pelo bairro, em outros bairros, fomos até rádios pedir ajuda, redes sociais, os dias iam passando e nada (se emociona) até que...

ADVOGADO - Até que...

SARA (Chorando) - Até que encontraram seu corpinho. Ela estava nua, toda machucada jogada em um terreno baldio.. (Chora copiosamente)

JUIZ – A senhora quer que interrompa um pouco?

LEONARDO (Baixinho para o réu) - Em que merda você me meteu hein?

ADVOGADO - Prossiga dona Sara.

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SARA – Minha filha havia sido asfixiada. Estava morta naquele terreno baldio. Toda machucada, com marcas de violência sexual. As suspeitas era que um bando de delinquentes havia lhe sequestrado, violentado e matado depois.

ADVOGADO – E como descobriram que na verdade foi seu marido? O pai que cometera tudo isso?

SARA – Uma câmera no estacionamento do shopping flagrou a hora em que ele parou o carro lá e desceu com nossa filha ficando no veículo. Eram cinco e dez. Ele a buscou na escola e mentiu dizendo que estava no trabalho e sabia de nada.

ADVOGADO – Descobrindo a mentira a polícia interrogou e ele confessou, não foi? O que pensa disso tudo? O que pensa em relação a seu marido?

SARA – Nojo..Muito nojo. Eu não entendo como pude ficar tanto tempo casada com um monstro desses. Um homem que é capaz de bater e violentar a própria filha.

ADVOGADO – E como é sua vida sem ela?

SARA (Emocionada) - É um vazio..Um vazio que não há nada que possa preencher. Não tem dor maior que perder um filho. A vontade que dá (mais emocionada) é de morrer junto com ela (chora) Eu peço a Deus que me leve junto a ela. Todos os dias peço.

ADVOGADO (Voz embargada) - Sem mais perguntar meritíssimo.

JUIZ - Dr.Leonardo?

LEONARDO – Sim (Se levanta, anda até Sara e lhe oferece um lenço) - Sinto muito por toda sua dor.

SARA (Enxugando as lágrimas com o lenço) - Obrigada.

LEONARDO – Eu não consigo nem dimensionar sua dor, o tamanho de sua dor. Nunca perdi alguém assim dessa forma.

SARA – Nem queira saber doutor.

LEONARDO – A senhora é a única de seu círculo próximo a passar tamanha violência?

SARA – Sim, que eu saiba sim.

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LEONARDO – Tem certeza?

SARA - Não..

LEONARDO – Quem mais que a senhora conhece já passou por isso?

SARA (Olhando o marido com ódio) - Esse crápula aí.

LEONARDO – Seu marido?

SARA – Sim.

LEONARDO – O que ocorreu com ele?

ADVOGADO – Protesto!! Isso não está em questão!!

LEONARDO - Meritíssimo, é necessário para tentarmos tentar entender pelo menos um pouco esse crime bárbaro.

JUIZ – Protesto negado, prossiga.

SARA – Parece que o pai dele era viciado em drogas, devia dinheiro ao tráfico. Um dia um bando entrou em sua casa, estuprou sua mãe na sua frente e na frente do pai. Matou os dois e deixou a ele amarrado junto com os pais mortos.

LEONARDO - Nossa, terrível isso. Não acha?

ADVOGADO – Protesto!! A testemunha não precisa dar opinião sobre um caso que nada tem a ver com esse julgamento!!

JUIZ – Protesto aceito.

LEONARDO – Acha que passar por essa barbárie afetou sua cabeça?

SARA – Ele sempre disse que sim.

LEONARDO – Acha ou não acha?

SARA – Sim claro. Ninguém passa impune por isso.

LEONARDO – Ele mostrou ter problemas ao longo do tempo?

SARA – Ele tinha pesadelos, só me lembro disso. Acordou gritando muitas vezes pedindo para que não machucassem sua mãe.

LEONARDO – E toma remédios controlados, certo?

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SARA – Sim, ele toma, tomava, não sei.

LEONARDO – A senhora alguma vez traiu seu marido?

SARA - Não!! Nunca!!

LEONARDO - Tem certeza? Lembre-se que a senhora está sob juramento.

ADVOGADO – Protesto meritíssimo!! A testemunha não está em julgamento!!

JUIZ – Protesto aceito.

LEONARDO (Sorrindo) - Sem mais perguntas meritíssimo.

(A luz se apaga e acende. A mulher não está mais em cena e agora o réu está na cadeira de testemunhas)

ADVOGADO – Senhor Donato dos Anjos. O senhor matou sua filha?

DONATO - É o que dizem.

ADVOGADO – Por quê é o que dizem? O senhor não lembra de nada?

DONATO - Não. Não lembro.

ADVOGADO – Vou lembrar ao senhor então.

(Pega fotos e mostra a Donato)

ADVOGADO - Esse aqui é o corpo da sua filha depois que o senhor a matou. Lembra agora? Lembra de ter feito essas marcas roxas em seu corpo? Ter mutilado seus seios? Lembra do pescoço quebrado.

DONATO (Virando o rosto) - Eu não quero ver isso.

ADVOGADO – Por quê não quer ver? Foi o senhor que fez isso!!

DONATO – Sim, fui eu, mas não lembro como foi.

ADVOGADO – Como lembra, mas não lembra? Contraditório isso.

DONATO – Tenho flashes na minha mente, flashes do ocorrido, mas não tenho certeza.

ADVOGADO – O senhor amava sua filha?

DONATO – Claro!! Era a minha menininha!!

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ADVOGADO – Amava como pai ou como um homem ama uma mulher? Tinha tesão na sua filha?

LEONARDO – Protesto!!

JUIZ – Protesto negado.

ADVOGADO – Encontraram uma câmera escondida no armário de sua filha. Uma câmera que filmava tudo o que ocorria em seu quarto, sua intimidade. Foi o senhor que colocou?

DONATO - Não me recordo..

ADVOGADO – Foi o senhor que colocou? Lembre-se que o senhor está sob juramento!!

DONATO – Fui eu, mas para protegê-la.

ADVOGADO – Proteger vendo suas intimidades? Vendo nua? O senhor molestava sua filha?

DONATO - Não!!

ADVOGADO – Conte como foi no dia do assassinato. Pegou sua filha na escola, passou no shopping e a levou pro terreno baldio?

DONATO - Não me lembro.

ADVOGADO – No local agarrou sua filha? A estuprou e depois matou??

DONATO - Não me lembro, eu não me lembro.

ADVOGADO – Se lembra sim!! Se lembra sim!! Currou sua filha, bateu nela de forma bárbara, a tratou de forma monstruosa e depois matou!! Não foi??

DONATO (chorando) - Foi, mas não era eu..

ADVOGADO – Sem mais meritíssimo. Um monstro como esse merece apodrecer na cadeia.

LEONARDO (Se levantando) - Senhor Donato. O senhor amava sua filha? Amor de pai e filha?

DONATO – Sim, muito. Ela era tudo para mim.

LEONARDO – E ela te amava também, não?

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DONATO – Demais, nos dávamos muito bem.

LEONARDO – O que pensa sobre estupro?

DONATO - Abominável. Minha mãe foi estuprada na minha frente.

LEONARDO – Viu tudo? Tudo que fizeram com sua mãe? O que fizeram exatamente?

DONATO – Tudo..Acariciavam, beijavam, mordiam. Eu e meu pai lá sem podermos fazer nada

LEONARDO – E eles falavam o quê?

DONATO – Preciso mesmo responder isso?

LEONARDO - O senhor que sabe. Daqui eu vou pra casa, o senhor depende de suas respostas.

DONATO – Mandavam que a gente olhasse enquanto lhe estupravam. Minha mãe tinha cara de horror, pavor, eles pareciam demônios. Ela estava menstruada. Um deles encheu a boca de sangue, virou para mim e disse que era um vampiro.

LEONARDO - E no que isso afetou sua vida?

DONATO – Me tornei maníaco depressivo. Tive que tomar remédios controlados.

LEONARDO (Com papel na mão) - Sim, tenho papel aqui que comprova isso de seu psiquiatra e a lista de remédios que tem que tomar para o restante da vida, coisa pesada meritíssimo (Entrega para o juiz) Tem tomado desde então?

DONATO – Tenho.

LEONARDO – Nunca parou de tomar?

DONATO – Parei sim durante um tempo, um período que eu surtei.

LEONARDO – Que culminou no momento que matou sua filha.

DONATO – Sim.

LEONARDO – E o que fez parar de tomar os remédios?

DONATO - É..Bem..

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LEONARDO – Fale seu Donato. É seu futuro que está em jogo.

DONATO – Foi quando descobri que minha mulher tinha um caso com meu melhor amigo. Um caso de dez anos já.

ADVOGADO – Protesto meritíssimo!! A esposa do réu não está em julgamento e não pode se defender das acusações!!

LEONARDO – Tentei que ela se defendesse, que respondesse sobre isso, mas o senhor mesmo impediu.

JUIZ – Protesto negado.

LEONARDO – Conte senhor Donato. Descobriu como?

DONATO – Eu estava desconfiado e comecei a seguir. Vi em uma tarde os dois aos beijos dentro de um carro e entrando em um motel. Fui atrás dele que me confirmou o caso, mas implorou perdão e que eu não contasse a ninguém.

LEONARDO – E o senhor não contou? Não contou uma traição?

DONATO - Não, eu amava demais a minha mulher e não queria perdê-la de jeito nenhum. Fiquei em silêncio para segurar meu casamento, o meu amor. Pirei com tudo aquilo, entrei em depressão profunda. Decidi jogar todos os remédios fora e comecei a beber. Beber muito.

LEONARDO - O senhor, que tem um desiquilíbrio psicológico comprovado, parou de tomar a medicação e começou a beber na época em que matou a sua filha.

DONATO – Sim doutor.

LEONARDO – O senhor tem noção que matou sua filha?

DONATO (Chorando) - Sim doutor.

LEONARDO – O senhor queria matar sua filha?

DONATO (Ainda chorando) - Não doutor, ela era o bem mais precioso de minha vida.

LEONARDO - Meritíssimo. Esse homem não precisa de cadeia, precisa de tratamento psiquiátrico. Sem mais perguntas.

JUIZ – Bem..Vou estabelecer um recesso. Voltamos em uma hora.

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(Bate o martelo e todos se levantam)

LEONARDO (Para Donato) - Vou querer mais grana, vou logo te avisando.

DONATO - Me livre dessa que você tem o mundo.

(A luz se apaga e acende. Bianca está sentada em uma mesa bebendo. É um bar)

BIANCA - Cadê esse homem??

(Leonardo entra em cena, cara séria)

BIANCA – Demorou, estava nervosa.

LEONARDO (Sentando) - Julgamento enrolou demais, me desculpe (Para um garçom imaginário) - Um chopp pra mim.

BIANCA – Vai me conta, to aflita. Como foi lá? Com o cara que matou a filha?

(Leonardo olha sério para ela, sem falar nada)

BIANCA – Ai, pela sua cara deve ter pego uns cem anos né? Normal...Porra, ele bateu, comeu a filha e enforcou, queria o que né?

LEONARDO (Pegando um copo trazido por algum ator) - Pegou três anos que serão cumpridos em um hospital psiquiátrico (bebe o chopp) Gelado como eu gosto!!

BIANCA - Peraí!! Perai fofuxo que não to entendendo!! O cara fez o que fez e só pegou três anos em um hospital psiquiátrico??

LEONARDO - Vão recorrer evidente, mas não deve sair muito disso, eu consegui desqualificar o crime, consegui comprovar que ele era maluco e não sabia o que estava fazendo. Vai nem ficar esses três anos no hospital, vai sair antes e sabe por quê tudo isso?

BIANCA – Me conta vai..Me conta que já to toda molhada só esperando sua resposta.

LEONARDO – Porque o seu namorado é foda!!

BIANCA (Levantando e sentando no colo dele) - É foda!! É muito foda!! (Enche Leonardo de beijos) Meu namorado é foda, é o mais gostoso, o que fode melhor, é o que manda nos tribunais, é pica das galáxias!!

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LEONARDO – Isso é só o começo Bianca!!

BIANCA – Vai entrar grana boa??

LEONARDO – Cinquenta mil reais amanhã na conta.

BIANCA – Nossa!! Mas dá pra fazer muitas brincadeirinhas com essa grana?? Dá pra gente se divertir muito!!

LEONARDO – E vai entrar mais fofuxa, muito mais!! Só está começando!!

BIANCA - Da pra gente morar junto!!

LEONARDO – Calma fofuxa, cinquenta mil é uma boa grana, mas também não é tudo isso, dinheiro vai embora.

(Bianca levanta de seu colo e volta a se sentar)

BIANCA - Você só me enrola senhor Leonardo Rosseti.

LEONARDO – Que isso fofuxa, sabe que te amo né? Mas quero te dar uma vida de rainha como você merece. Eu sou bom e quero tudo que a vida pode nos oferecer. Eu quero o mundo.

BIANCA - Ta bem, confio em você e vou esperar. Mas me diz uma coisa. Bate neura não? Dor na consciência?

LEONARDO – Por quê?

BIANCA – Ora, você praticamente libertou um cara que espancou, estuprou e matou uma criança.

LEONARDO – Bianca eu sou advogado. Advogado não pode ter consciência, ele é pago para acusar e defender. Minha especialidade é defender.

BIANCA – Ah, sei lá, crime cruel fofuxo. Uma criança com uma vida inteira pela frente e o próprio pai...

LEONARDO – Bianca, todo ser humano tem direito a defesa e meu trabalho é esse. Isso também é justiça.

(Rui entra em cena e observa os dois)

BIANCA – Mesmo assim, sei lá..Ta, mas você ta certo né? Todo mundo tem direito a defesa.

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LEONARDO – Essa sua crise de consciência vai passar quando a gente começar a torrar a grana.

BIANCA (Olhando Rui) - Fofuxo..Saca ali.

LEONARDO – O que foi?

BIANCA – Aquele cara não para de olhar pra cá.

LEONARDO - É mesmo. Será que ta olhando pra você?

BIANCA – Cara estranho..Gostei não, qual é a dele?

LEONARDO – Vou ver qual é a desse comédia.

BIANCA – Olha lá Leonardo, não vai se meter em confusão.

(Leonardo se levanta e vai até Rui)

LEONARDO – Qual é cara? Perdeu alguma coisa na minha mesa? Ta olhando a minha garota?

RUI – Leonardo Rosseti?

LEONARDO – Sim, sou eu.

RUI (estendendo a mão) - Muito prazer em lhe conhecer. Meu nome é Rui Jorge.

LEONARDO (Apertando sua mão) - Me conhece de onde senhor Rui Jorge?

RUI – Estava no tribunal vendo sua atuação hoje. Brilhante. Simplesmente brilhante.

LEONARDO – Obrigado. Não foi das minhas melhores, mas foi o suficiente.

RUI – Preciso falar com o senhor. Posso me juntar a vocês? Se não for atrapalhar.

LEONARDO (Olha para Bianca) - Claro, claro, sente-se conosco.

RUI – Muito obrigado.

(Os dois se aproximam da mesa)

LEONARDO - Bianca, esse é Rui Jorge.

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BIANCA – Prazer.

RUI (Beijando sua mão) - Encantado senhorita.

LEONARDO – Sente-se senhor Rui Jorge.

RUI – Obrigado.

LEONARDO - Então..O que tem a me dizer?

RUI – O senhor conhece o Padrinho?

LEONARDO – Padrinho? O Padrinho que eu conheço é o bicheiro aqui da área. Cara bastante poderoso até onde sei.

RUI - Não diria que Padrinho é um bicheiro. Ele é muito mais que isso. Padrinho é um empresário poderoso, perspicaz e acima de tudo é um protetor de seu povo, sua gente e odeia injustiça. Quer seu povo bem como todo bom padrinho quer.

LEONARDO - Ta tudo bem..Parece que falamos do mesmo Padrinho, mas o que tem ele?

RUI – Como lhe disse senhor Leonardo Rosseti, eu estive hoje no julgamento e fiquei realmente impressionado com sua atuação. Conversei com o Padrinho e ele quer te conhecer. Quer conversar sobre negócios com o senhor.

LEONARDO - Negócios comigo?

RUI – Sim, o Padrinho quer lhe oferecer algo e quer conversar com o senhor amanhã duas da tarde em seu escritório.

LEONARDO - Amanhã duas da tarde eu tenho uma audiência.

RUI - Ora senhor Leonardo, tenho certeza que o senhor dará um jeito nisso. Vai gostar do que o Padrinho tem a lhe oferecer. Tem muito dinheiro envolvido, muito mesmo.

BIANCA – Vai Leonardo, deixe de ser burro.

LEONARDO - É..Eu tenho um sócio e acho que posso mandá-lo na audiência em meu lugar.

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RUI - Ótimo, aqui está o cartão com o endereço (Entrega a Leonardo) Não irá se arrepender. Agora tenho que ir, deixarei o casal celebrar à vontade (Se levanta)

LEONARDO - Não pode me adiantar o que é?

RUI - Amanhã o Padrinho irá lhe contar. Garanto que não irá se arrepender. Boa noite, boa noite senhora.

BIANCA – Boa noite senhor Rui Jorge.

(Rui sai de cena)

BIANCA (Enquanto Leonardo olha o cartão) - Senhor elegante, distinto..E esse Padrinho hein? Dizem que é o cara que manda prender e soltar aqui na área. Poderoso e podre de rico.

LEONARDO (Ainda olhando o cartão) - Amanhã vou descobrir o que ele quer comigo.

(A luz se apaga e acende com Padrinho sentado em seu escritório. Rui e Leonardo entram)

RUI – Padrinho?

PADRINHO – Entre Rui Jorge

RUI – Trouxe Leonardo Rosseti.

PADRINHO – Alvissaras!! Se aproximem!!

(Os homem se aproximam)

PADRINHO (Apertando a mão de Leonardo) - Que honra poder conhecer pessoa tão brilhante!! (Se entusiasma) Brilhante!! Brilhante!!

LEONARDO – Que isso Padrinho, eu que me sinto honrado em conhecer pessoa tão importante para nossa comunidade.

PADRINHO – Gostei de você rapaz. Sabe ser grato. Rui Jorge, prepare uísque para nós. Temos que celebrar esse momento.

(Sem sair de cena Rui enche copos com uísque enquanto os homens conversam)

PADRINHO – Gosta de uísque rapaz?

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LEONARDO – Quanto mais velho melhor, ao contrário das mulheres.

PADRINHO - Palavras sábias..E da justiça? Gosta?

LEONARDO – Sim, vivo dela.

PADRINHO – O que é a justiça para você?

LEONARDO - É o certo.

PADRINHO – E o que é o certo para você?

LEONARDO - É fazer aquilo em que sua mente acredita.

PADRINHO - Não só a mente, mas o coração.

LEONARDO - Sim, mas eu prefiro agir com a mente, coração às vezes atrapalha.

PADRINHO – Pode ser, pode ser, mas sem coração, sem paixão nem se levanta da cama.

LEONARDO - É verdade.

(Rui entrega os copos)

PADRINHO – Você é adepto da justiça a qualquer preço?

LEONARDO – Acho que praticar a justiça não tem preço.

PADRINHO – Acha que foi justo o resultado do julgamento de ontem?

LEONARDO – Sim, acho correto.

PADRINHO – Mas o homem espancou, estuprou e matou a própria filha.

LEONARDO - É um doente mental, um psicótico, não faz dele um inocente, mas faz dele defensável.

PADRINHO - Então acreditava mesmo na causa que defendeu.

LEONARDO - Só defendo aquilo que acredito, por mais estranho que possa parecer. Sem os defensores não há justiça.

PADRINHO – Realmente eu gostei de você.

RUI – Ele é perfeito Padrinho.

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PADRINHO - É sim Rui Jorge, é sim.

LEONARDO – Me sinto muito honrado em conhecer o senhor Padrinho. Esse uísque é realmente maravilhoso, mas acredito que o senhor não me chamou aqui para falar de justiça.

PADRINHO - É, você é esperto Leonardo Rosseti, mas de certa forma chamei para falar de justiça sim. Sabe Leonardo, você é jovem, deve conhecer pouco a história dessa comunidade. Vê como aqui é bom? Todos se conhecem? Se respeitam?

LEONARDO – Sim, eu vejo.

PADRINHO - Não é fácil manter essa unidade. Durantes as últimas décadas eu comandei essa área com pulso firme, mas sorriso no rosto para ter a confiança do meu povo e assim poder praticar a justiça.

LEONARDO – Sim, continue.

PADRINHO - Já ouviu falar em Gentil de Oliveira?

LEONARDO – Esse nome não me é estranho.

RUI - Não lhe é estranho mesmo, ele está em todos os noticiários.

PADRINHO – Gentil de Oliveira é um pacato pai de família. Vendedor de flores aqui da comunidade. Há trinta anos monta sua barraca de fores todas as manhãs na praça da matriz e passa o dia lá vendendo suas flores para assim sustentar sua família. Perdeu a esposa para o câncer..

RUI - Doença maldita.

PADRINHO – Sim, doença maldita e mesmo assim com afinco, esmero e amor criou suas três meninas, fez três mulheres dignas, de respeito. Uma doente, a coitada vive em uma cadeira de rodas e não fala, vive catatônica. Mais um drama para o pobre e honrado Gentil que é gentil em tudo não apenas no nome.

LEONARDO - Ta bem Padrinho, mas o que tem ele? Por quê está no noticiário?

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PADRINHO – Semana passada Gentil vendia suas flores quando a vizinha desesperada apareceu correndo pedindo que ele fosse para casa. Ribamar de Jesus, que de Jesus só tem o nome, saiu de sua casa esbaforido, suado e apressado enquanto a filha doente gritava de dentro da residência.

RUI - Terrível isso.

LEONARDO – Continue.

PADRINHO – O homem voltou correndo e ao entrar em casa encontrou a cena terrível!! A filha doente gritava e chorava e ao lado morta, seminua a filha do meio Lilian de Oliveira, um doce e valente estudante do magistério que sonhava em ser professora.

LEONARDO – Acho que já me lembro do caso.

PADRINHO - O homem transtornado com a perda da filha foi até o quarto, pegou o trinta e oito que guardava para proteger sua prole e saiu em disparada pela rua com a vizinha gritando "Foi o Ribamar!! Foi o Ribamar!!" O homem alucinado percorreu todo o bairro atrás do facínora até que lhe encontrou. Encontrou jogando bola no campinho do bairro como se nada tivesse ocorrido.

LEONARDO – E descarregou a arma no tal Ribamar.

PADRINHO – Batata!! Descarregou a arma no facínora Ribamar de Jesus que agora está batendo papo com o capeta. Você acredita em Deus Leonardo?

LEONARDO - Não sei.

PADRINHO – E na justiça?

LEONARDO - É o que me move.

PADRINHO – Quem inventou a justiça foi Deus que é misericordioso e justo e Deus!! Deus!! Mandou seu filho querido a Terra por amor, por misericórdia, o mesmo amor que fez o gentil Gentil de Oliveira se tornar um assassino e neste momento estar preso.

LEONARDO – E onde entro nisso?

PADRINHO - Você será o instrumento da justiça.

LEONARDO - É um caso pesado pra mim, de repercussão nacional, não sei se já estou do tamanho dele.

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PADRINHO – Ora rapaz, Assim que entrou nessa sala vi que és um homem ambicioso, que quer crescer na vida, quer o mundo pra si, sim ou não?

LEONARDO – Claro que sim.

RUI – Se transforme nesse homem fazendo justiça.

PADRINHO - Ouça as palavras de Rui Jorge, é um homem de valor, um homem sofrido.

RUI – Minha mãe morreu em meu parto.

PADRINHO – Mãe, pai, filhos, não há laço maior que esse e quem pode julgar uma mãe? Um pai? Apenas Deus.

LEONARDO – Preciso de um tempo para pensar.

PADRINHO – Claro, lhe dou.

LEONARDO – Obrigado Padrinho.

PADRINHO – O tempo acabou. Decidiu o que?

LEONARDO – As coisas não são assim Padrinho.

PADRINHO – Vai ganhar muito dinheiro, muito. Rui Jorge, me passe meu talão de cheques.

(Rui Jorge pega e entrega. Padrinho assina um e entrega a Leonardo)

LEONARDO – O que é isso?

PADRINHO – Preencha com o valor que quer e logo depois vá ao banco. Qualquer valor, sou um homem muito rico, preencha e vá ao banco.

LEONARDO (Balbuciando) - Mas..mas...

PADRINHO – Serás um homem rico, muito rico porque esse caso lhe tornará famoso e abrirá portas, todas as portas que quiser. Serás um homem rico e poderoso, o mundo será seu como sempre quis.

RUI – Aceite, o cavalo só passa encilhado uma vez.

PADRINHO – Quero sua resposta. Serás o advogado de Gentil de Oliveira?

LEONARDO – Espeto..Espeto..

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RUI – Aceite, aceite.

LEONARDO – Aceito.

PADRINHO - Alvíssaras!!Prepare mais uísque Rui Jorge.

LEONARDO – Espero estar tomando a decisão certa.

PADRINHO (Com a mão em seu ombro) – Essa decisão irá mudar sua vida.

(A luz se apaga e acende com Marcelo no escritório. Leonardo entra)

LEONARDO - Oi, como foi lá? Deu tempo de me substituir?

MARCELO – Deu sim. Remarquei a revisão do carro para amanhã. Cheguei lá no Fórum, tentei, mas não teve acordo, o processo continua.

LEONARDO – Ta certo. Tem como pegar esse caso de frente? Ficar no meu lugar?

MARCELO – Por quê? O que ta acontecendo Leonardo?

LEONARDO (Entregando um cheque) - Olha isso.

MARCELO – Um cheque em branco? Quem te deu isso?

LEONARDO – Padrinho.

MARCELO (Devolvendo o cheque) - Pra quê isso? O que ele queria contigo afinal?

LEONARDO – Sabe o caso do vendedor de flores que matou o cara que estuprou e matou a filha?

MARCELO – Vi na tv sim, só se fala nisso.

LEONARDO – Esse cheque é o pagamento para que eu pegue a causa.

MARCELO - Mas o que o Padrinho tem a ver com isso? Não to entendendo.

LEONARDO – O vendedor é um cara querido na comunidade.

MARCELO – E por ser um cara querido o bandidão da área te contrata pra defender?

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LEONARDO – Disse que é pra defender sua comunidade e esse negócio de bandidão é relativo, ele é contraventor, bicheiro, mas faz uma porrada de ações sociais.

MARCELO - Qual é Leonardo, você nunca foi ingênuo. O cara já foi preso por formação de quadrilha e tráfico de drogas. Protetor aonde? E o que um cara poderoso desses quer com um vendedor de flores?

LEONARDO - Não sei Marcelo, não sei, só sei que o caso é meu agora e vou ganhar um dinheirão.

MARCELO - Sabe quem é o assassinado né?

LEONARDO – Um tal de Ribamar de Jesus, delinquente da área.

MARCELO – Sim, um cara que fez arruaças na área, estava incomodando muito a polícia da região, mas não só isso.

LEONARDO - O que tem a mais?

MARCELO - Família dele é rica, podre de rica lá do Ceará. O tal Ribamar se viciou em drogas e um dia sumiu de casa, evaporou, parou aqui no Rio, começou a frequentar crakolândia e assim a roubar na área. Com o assassinato a família descobriu seu paradeiro e não quer deixar barato o assassinato. Contratou alguns dos maiores advogados do país pra fazer justiça.

LEONARDO - Não tenho medo deles, sou mais eu.

MARCELO - A questão não é essa. O inimigo é poderoso. Eles querem comer o fígado do Gentil com fritas e molho rose. É uma família rica endinheirada que perdeu o filho nas mãos de um homem negro. Você sabe como é esse país.

LEONARDO – Racista.

MARCELO – Você está entrando no meio de uma guerra, uma guerra midiática, está pronto pra isso?

LEONARDO - É a minha chance Marcelo.

MARCELO - Está bem. Eu como sócio nesse escritório e seu irmão mais velho só peço para tomar cuidado. Não somos mais crianças para que eu vá na rua livrar vocês das roubadas e bater nos moleques.

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LEONARDO – Deixa comigo mano, eu cresci.

MARCELO (Estendendo a mão) - Boa sorte.

LEONARDO (Apertando sua mão) - Valeu cara!!

(A luz se apaga e acende com Gentil sentado com a cabeça baixa. Leonardo entra)

LEONARDO – Senhor Gentil de Oliveira?

GENTIL - Sou eu.

LEONARDO – Sou Leonardo Rosseti, seu advogado. Posso me aproximar?

GENTIL – Mando nem no meu destino moço, quanto mais nessa coisas.

(Leonardo se aproxima e senta a sua frente)

LEONARDO – Como o senhor está seu Gentil?

GENTIL – Preso moço.

LEONARDO – Sim, eu sei, pergunta idiota a minha. Mas como estão lhe tratando?

GENTIL – Bem na medida do possível. Mas to acostumado com isso não moço. Eu sou passarinho, preciso de liberdade pra viver, se fico em gaiola morro.

LEONARDO - Nós vamos dar um jeito nisso seu Gentil.

GENTIL – Minhas filhas? A Luana precisa de cuidados, ela não consegue ficar sozinha, não consegue se comunicar. Ficará tudo nas costas da Leila.

LEONARDO - Eu vou olhar tudo isso para o senhor.

GENTIL – E minhas flores? Quem vai cuidar das minhas flores?

LEONARDO - Não se preocupe com nada agora senhor Gentil. O senhor está bem amparado.

GENTIL – Você acredita em Deus moço?

LEONARDO - Não sei senhor Gentil, não sei se Deus existe.

GENTIL – Ele existe sim. Me deu uma vida muito boa, sou um abençoado.

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LEONARDO – Que bom que o senhor pensa assim.

GENTIL - Ele não dá nenhum fardo que não possamos carregar. Se estou passando por isso existe um motivo e eu sou feliz porque tenho uma família, amigos, trabalho, nunca filho meu passou fome e sei que minha Lilian está ao seu lado.

LEONARDO - É, é um jeito otimista de ver as coisas.

GENTIL- É o jeito que eu sou moço.

LEONARDO – Bem, eu vim aqui para começarmos a ver o seu caso.

GENTIL – Hoje não doutor, estou me sentindo um pouco cansado. Gostaria de dormir.

LEONARDO – Mas temos que adiantar, conversar.

GENTIL - Não pode ser outro dia? Estou realmente cansado.

LEONARDO – Pode senhor Gentil, pode sim.

GENTIL – Obrigado.

(Gentil caminha para a coxia e para)

GENTIL (De perto da coxia) - O senhor poderia ver como estão minhas filhas e minhas flores?

LEONARDO – Claro, posso sim.

GENTIL (sorrindo) - Muito obrigado.

(Gentil sai de cena. Leonardo levanta e vai para a frente do palco com sonoplastia colocando barulho de flashes, máquinas fotográficas e de várias vozes ao mesmo tempo, como se fosse a imprensa)

LEONARDO – Calma gente, calma, tenho nada a declarar, nada por enquanto, peguei o caso agora e tenho que estudar a fundo para poder me pronunciar. A única coisa que posso dizer por hora que o senhor Gentil de Oliveira é um homem de bem e esse não é o lugar dele, muito obrigado.

(Leonardo sai de cena. A luz apaga e se acende com Leonardo e Bianca)

BIANCA – Como foi lá?

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LEONARDO – Estranho.

BIANCA - Como assim estranho?

LEONARDO – O homem estava lá preso por assassinato, acabou de perder a filha da forma que perdeu e estava sereno, sorrindo, um jeito todo humilde dizendo que é feliz e abençoado.

BIANCA – Feliz? Abençoado? Mas ele ta na merda.

LEONARDO – Pois é, não dá pra entender. Perguntou se acredito em Deus e disse que era um homem feliz, abençoado.

BIANCA – Bem, tem gente que é assim né? Se contenta com pouco.

LEONARDO – Realmente fiquei confuso.

BIANCA – Mas me diz. O que achou dele?

LEONARDO - É um pobre coitado fofuxa. Um homem humilde, castigado pela vida. Aquele não é o lugar dele, esse homem não merece estar preso.

BIANCA - Mas ele matou um homem fofuxo.

LEONARDO – Sim, mas olhe as circunstâncias. Mataram a filha dele, estupraram e mataram. Acho que qualquer pai faria isso, não sou pai, mas imagino que sim.

BIANCA – Entendo fofuxo, mas existem leis e a lei diz que assassinato é crime, bem ou mal ele matou um homem.

LEONARDO – Eu sei..Eu sei..Mas as leis são interpretativas também e a cadeia definitivamente não é o lugar desse homem. Não desse homem que eu vi na cadeia hoje.

BIANCA – A família do tal Ribamar é poderosa né?

LEONARDO - Latifundiários no Ceará. O otário começou a se drogar e largou tudo pro alto pra vir pro Rio.

BIANCA – Isso não vai ser fácil então. Dinheiro compra tudo.

LEONARDO - Não queria que fosse fácil queria que fosse bom.

BIANCA – Teu irmão ligou.

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LEONARDO – Foi? Bateria do meu celular acabou. Não vi nada.

BIANCA – Ficou preocupado porque te viu na tv. Mandou te lembrar que advogado não é artista.

LEONARDO – Marcelo Rosseti e seu pensamento pequeno. Meu irmão não tem ambição, quer ser a vida toda advogado que resolve brigas de vizinhos.

BIANCA – Sabe, eu vi a matéria e te achei um gato nela, uma delícia.

LEONARDO – Ah é?

BIANCA - Sim, um tesão. Fiquei toda molhada vendo.

LEONARDO – Vamos lá pra dentro resolver isso então.

BIANCA - Vamos meu paladino da justiça!!

(Leonardo a agarra e eles saem de cena. A luz se apaga e acende com Luana sentada em uma cadeira de rodas e a campainha tocando. Leila entra em cena)

LEILA - Já vai, já vai.

(Ela atende uma porta imaginária e Leonardo está no local)

LEONARDO - Boa noite, eu sou..

LEILA (interrompendo) - Leonardo Rosseti, advogado do meu pai, eu vi na tv.

LEONARDO – Posso entrar?

LEILA – Claro, entre.

LEONARDO (Se aproximando de Luana) - É a Luana?

LEILA – Sim, minha irmã mais nova.

LEONARDO – Ela não fala? Não se comunica de forma alguma?

LEILA – Praticamente nasceu assim. Fica com essa cara de paisagem o tempo todo. Primeira vez que vi ter alguma reação foi quando soube que ficou gritando quando nossa irmã morreu.

LEONARDO - Deve ser uma vida triste.

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LEILA – A única coisa que a tira desse estado é desenhar, ela ama desenhar e até faz desenhos bonitos.

LEONARDO - É uma pena. Tinha esperanças de conseguir algum tipo de contato com ela já que também é testemunha do que ocorreu.

LEILA – Daí vai conseguir nada doutor.

LEONARDO – O pai de vocês está preocupado, queria saber como estão.

LEILA - Ele proibiu que nós lhe visitássemos.

LEONARDO - Não sabia disso.

LEILA – Postura dele sempre foi essa. Um homem protetor de sua família, digno, meu ai não merece passar por isso (Começa a chorar)

LEONARDO (Abraçando) -Calma, vai ficar tudo bem.

LEILA - Perdão. Não devia ter me descontrolado, ainda molhei sua camisa.

LEONARDO – Não tem problema.

LEILA - Sua blusa está manchada.

LEONARDO - É? Droga, deve ter sido no café da manhã. Pior que tenho compromissos importantes hoje.

LEILA – Tira a camisa, eu lavo pro senhor.

LEONARDO – Nada, que isso, não precisa.

LEILA – O senhor está defendendo meu pai, é o mínimo que posso fazer. Me dê sua blusa. Meu pai é um homem humilde, mas até que tem blusas bonitas, te empresto uma dele e boto essa para lavar.

LEONARDO - Está bem. Te agradeço.

(Leonardo tira a blusa e entrega)

LEILA – O senhor malha? É forte.

LEONARDO - Malhava, mas não tenho mais tempo.

LEILA - Já volto com a camisa.

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(Leila sai de cena e Leonardo fica olhando Luana sentada na cadeira de rodas e olhando para o nada. Decide se aproximar)

LEONARDO - E o cara ainda diz que é um abençoado, feliz. A filha morta depois de ser estuprada e a outra nesse estado. Mas vou dizer? Moreninha gostosa a outra, pegava fácil e acho que está me dando mole (Se aproxima ainda mais de Luana) e você menina? Que segredos será que guarda consigo? Tantas coisas deve ter visto e foi ignorada porque não iria conseguir se comunicar...Tantas respostas que eu preciso deve saber (Pega sua mão) Faz um esforço vai amiguinha? Me conte.

(Luana, com o mesmo olhar, solta grunhidos e aperta com força sua mão)

LEONARDO - Que isso? Ta tentando se comunicar? Está apertando forte minha mão, pode maneirar um pouco..Solta minha mão, ta doendo..Que isso..Solta minha mão

(Ele consegue soltar)

LEONARDO - Debilóide..Quase quebrou minha mão.

(Leila volta a cena)

LEILA - Tudo bem aí?

LEONARDO – Sim, batendo altos papos com sua irmã aqui.

LEILA (Entregando a camisa) - Aqui. Não é do padrão que o senhor deve estar acostumado, mas é bonita.

LEONARDO - É sim, obrigado.

LEILA (Sorrindo) - Já vai se vestir? Que pena..Estou brincando.

LEONARDO - Você conhecia o Ribamar de Jesus?

LEILA - Um bandidinho da área. Ninguém sabia de onde veio, chegou uns seis meses atrás, fez amizade com os malandros e desocupados da área e mexia com as meninas. Uma vez mexeu comigo e taquei cerveja na cara dele. Diziam também que estava assaltando pra comprar drogas. Uma amiga minha acusou de ter roubado seu telefone.

LEONARDO - Mas não o conhecia? Nunca tinha conversado com ele?

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LEILA – Não, nunca.

LEONARDO - Sua irmã? Conhecia o Ribamar?

LEILA - Não. Minha irmã era voltada aos estudos, pra casa, nem namorado tinha.

LEONARDO – Ele deve ter escolhido de forma aleatória então.

LEILA - Uma vez ela reclamou dele comigo. Disse que ele mexeu com ela na rua, que ele teria dito que queria fazer um filho com ela.

LEONARDO - Faz tempo? Mais alguém soube?

LEILA – Parece que ela contou para meu pai também, não tenho certeza. Foi uns dois meses antes da morte.

LEONARDO - Bem, eu tenho que ir, mas muito obrigado pelas informações e pela camisa. Depois volto para devolver e ver como estão para seu pai não ficar preocupado.

LEILA - Já vai? Que pena.

LEONARDO – Eu volto.

LEILA – Volte sim, vou esperar ansiosamente.

(Leonardo sai de cena)

LEILA (Suspirando) - Que homem!! (Para Luana) Você não viu nada hein? Nunca vê mesmo.

(Leila sai de cena. Luana fica sozinha em cena por alguns segundos até que a luz se apaga e acende com Gentil e Leonardo)

LEONARDO - Está tudo bem seu Gentil. As meninas estão bem, a Leila vem cuidando de tudo, organizando a casa.

GENTIL – Ela é muito organizada, muito querida, mas fico com pena que com tão pouca idade tenha que ser tão responsável.

LEONARDO – Vi até alguns desenhos de Luana, muito bonitos.

GENTIL – E minha flores?

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LEONARDO - Saindo de sua casa passei na praça e seu funcionário está lá vendendo as flores normalmente em seu lugar. Tenho até uma boa notícia. O faturamento aumentou desde que o caso ganhou repercussão.

GENTIL – Pensa que tenha sido dessa forma, mas temos que tirar algo positivo de todas as experiências de nossas vidas.

LEONARDO – Mas me diga senhor Gentil, imagino como deva ser doloroso para o senhor, mas preciso que me diga exatamente o que aconteceu.

GENTIL – Eu estava na praça vendendo as flores como sempre faço há 30 anos com meu funcionário quando minha vizinha, dona Domingas, apareceu correndo pedindo para que eu fosse para casa que algo de muito estranho estava ocorrendo. Contou que viu o rapaz saindo de minha casa e minha filha gritando. Corri para meu lar e me deparei com a tal cena.

LEONARDO - E o que o senhor fez depois?

GENTIL – Peguei minha arma na escrivaninha, que eu sempre guardei para proteção das minhas meninas e fui atrás do assassino. Me arrependo disso, foi algo impensável, não foi de Deus. Tinha que ter deixado a justiça decidir.

LEONARDO – Conhecia o senhor Ribamar de Jesus?

GENTIL - Só de fama, de má fama.

LEONARDO – Sua filha Leila me contou que a irmã fez queixas dele para o senhor.

GENTIL - É verdade, ele teria mexido com ela na rua.

LEONARDO – O que o senhor fez em relação a isso?

GENTIL – Pedi que não andasse sozinha, andasse com uma amiga sempre. Perguntei se queria que eu buscasse na escola, daria um jeito com as flores e ela respondeu que não. Não podia ser vencida pelo medo.

LEONARDO – Menina valente.

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GENTIL – Sempre foi. Ensinei as minhas filhas o valor do caráter e da coragem. Tive que ser pai, mãe, ser tudo para elas depois que a maldita levou minha esposa, o amor de minha vida.

LEONARDO – Criou três filhas sozinho, o senhor é admirável.

GENTIL – Nunca precisei de muito para ser feliz moço. Bastavam minhas filhas e minhas flores. A vida de ninguém é fácil, não é? Em vez de lamentarmos temos que agradecer a Deus por estarmos vivos. Viver é uma benção, uma graça.

LEONARDO – O seu caso vem tendo muita repercussão. Sabe disso?

GENTIL – Os guardas me contaram. Eles me tratam bem, disseram que sou bom homem e teriam feito o mesmo no meu lugar. Os presos também me tratam bem.

LEONARDO – Por essa repercussão, pelo foco todo do Brasil estar em cima desse caso o julgamento não deve demorar.

GENTIL – O que acontecer será da vontade de Deus.

LEONARDO – Vou fazer o possível e o impossível pra tirar o senhor daqui.

GENTIL – Confio em você moço. Você tem brilho no olhar.

LEONARDO - Pode confiar. Vou tirar o senhor daqui.

(A luz se apaga e acende com Marcelo e Leonardo em um bar)

MARCELO - Não param de ligar para o escritório atrás de você. A imprensa ensandecida querendo falar contigo e com o Gentil.

LEONARDO – Tudo tem a hora certa mano. Vai chegar a hora de falar com a imprensa.

MARCELO – Pra quê falar com a imprensa Leonardo? Você é advogado, não é artista, faça seu trabalho.

LEONARDO – Eu sou artista, você também, advogar é uma arte.

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MARCELO - Não, não é e cuidado com sua ambição. A ambição costuma nos cegar, nos deixar idiotas.

LEONARDO – Bla, bla, bla..Você fala, mas o número de casos no escritório aumentou bastante depois que eu peguei o caso, não foi?

MARCELO – Aumentou sim.

LEONARDO - Então? Ta reclamando de quê?

MARCELO - Não confio nas pessoas que te cercam nesse caso.

LEONARDO - Não? Não confia no pobre do Gentil?

MARCELO – Não falo nele, é um pobre coitado, mas falo nesse tal de Padrinho. Isso é bandido, se faz de protetor, de bom, mas é bandido.

LEONARDO – Eu sei o que eu faço.

MARCELO – Ah e volte a aparecer no escritório. Temos mais trabalhos além desse caso.

LEONARDO - Blá, blá, blá..

(Rui Jorge entra em cena)

RUI – Leonardo Rosseti!!

LEONARDO – Oi Rui, se aproxime..Marcelo, esse é Rui Jorge, assessor do Padrinho, Rui, esse é Marcelo, meu irmão.

MARCELO – Prazer.

RUI – O prazer é todo meu.

LEONARDO - Sente com a gente!!

RUI - Não vou atrapalhar?

LEONARDO – Claro que não, sente.

(Rui senta)

RUI – Você é um sucesso rapaz!! Só se fala em Leonardo Rosseti e o caso do pai que matou o assassino da filha!! Você se tornará o maior advogado do Brasil!! É batata!!

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LEONARDO - Só faço meu trabalho Rui Jorge.

MARCELO – Acha isso correto?

RUI - O que? Não entendi

MARCELO – Falar de algo tão triste com esse entusiasmo?

RUI - Seu irmão saiu de uma igreja Leonardo?

MARCELO - Não, sou advogado também.

RUI - Se é advogado devia saber que não existe nada que entusiasme mais que fazer justiça e seu irmão fará justiça. Irá tirar um homem inocente da cadeia.

MARCELO - É o que eu espero. Mas justiça não me entusiasma, justiça para mim é obrigação.

RUI – O fato de seu irmão ser brilhante lhe incomoda?

MARCELO - Nenhum pouco, por quê? Acha que tenho inveja de meu irmão?

RUI - Não falei isso.

MARCELO - É verdade, não falou, só insinuou.

LEONARDO – Vamos deixar de besteiras e vamos beber.

MARCELO – Bebam vocês, eu tenho que ir, tenho que estar no escritório cedo.

LEONARDO - Pare de besteiras Marcelo.

MARCELO - Não é besteira, é trabalho (Se levanta) Foi um prazer senhor Rui Jorge.

RUI – O prazer foi todo meu.

(Marcelo sai de cena)

RUI – Me desculpe, mas com todo respeito. Seu irmão é um chato.

LEONARDO (Rindo) - Fale assim não, é meu irmão.

RUI - É seu irmão e um chato.

LEONARDO (Rindo) - Vamos beber.

(A luz apaga e acende. Estão no mesmo lugar, mas bêbados)

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RUI - Você é foda!! É muito foda!!

LEONARDO - Que isso, longe disso.

RUI - É o maior advogado do Brasil!! Do mundo!! Seria capaz de absolver Adolf Hitler!!

LEONARDO – Eu vou soltar aquele homem, ele não merece ser preso.

RUI – Tem razão, tem toda razão, Gentil de Oliveira matou um canalha.

LEONARDO – Canalha!! Canalha!!

RUI – O que mata esse mundo são os canalhas!! Morte a todos os canalhas!!

LEONARDO – Que morram os canalhas, que apodreçam!!

RUI – Os canalhas vão morrer e vão pro céu sabia? Porque todos os canalhas merecem o reino dos céus!! Deus purifica todos os canalhas...

LEONARDO – Eu não acredito em Deus, nem desacredito, muito pelo contrário. Nem sei mais o que eu to falando..Eu to bêbado porra!!

RUI – Olhe pra mim.

LEONARDO – To vendo.

RUI - O que você vê?

LEONARDO – Um bêbado.

RUI - Eu sou um canalha.

(Leonardo olha sério para ele, com olhar embriagado e do nada solta uma gargalhada)

RUI - Não ria!! Não se deve rir de um canalha!!

LEONARDO - Você não é um canalha, só é um bêbado.

RUI – Eu sou um canalha!! Eu sou o pior dos canalhas!! E eu gosto de ser canalha, sabe por quê?

LEONARDO - Não, mas me explique.

RUI – Porque os canalhas vão pro céu e os bons de coração só se fodem. Eu não sou bom de coração, eu sou um canalha.

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LEONARDO - Então eu quero ser um canalha também.

RUI - Você não é canalha, é ambicioso. O que te faz ter inteligência acima da média e burrice também.

LEONARDO – Eu quero ser um canalha!! Eu preciso ser um canalha!!

RUI - Você vai ser rico, rico pra caralho!! Rico e famoso e quem é rico e famoso pode ser tudo, até um canalha.

LEONARDO - Então eu vou ser rico e famoso só para poder ser um canalha.

RUI – E sabe o que vai acontecer quando você for rico e famoso?

LEONARDO – Vou ser um canalha?

RUI (Gargalhando) - Você vai morrer!!!

LEONARDO – Papo brabo..Eu vou pra casa. Amanhã tenho que falar com o Gentil..O bom de coração que teve a filha currada por um canalha.

RUI – Vai pela sombra grande advogado.

(Leonardo, cambaleando, sai de cena)

RUI (Gritando) - Garçom!! Traz uma garrafa logo!! (Bebe um gole do copo que já está na mesa) Esse Leonardo é um babaca.

(A luz se apaga e acende com Bianca e Leonardo em cena)

BIANCA - Vem que eu quero te pegar de jeito gostoso.

LEONARDO - Peraí Bianca, to legal hoje não.

BIANCA – Ih, que foi hein? Você nunca foi de negar fogo.

LEONARDO – Bebi pra cacete ontem com o Rui Jorge. To com uma baita ressaca.

BIANCA – Que porra é essa de ficar até tarde bebendo na rua hein? Tinha mulher no meio?

LEONARDO - Que isso? Endoidou fofuxa? Sabe que só tenho olhos pra tu minha gostosa.

BIANCA - Não sei, ta ficando famoso, ganhando dinheiro. Monte de piranhas devem estar aparecendo.

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LEONARDO - Tem mulher nenhuma aparecendo. Só quero você.

BIANCA – Vai trabalhar hoje não?

LEONARDO - Não. Não tenho compromisso com o Gentil hoje e minha cabeça está explodindo.

BIANCA – Ta, eu também não tenho que trabalhar. Vou ficar em casa cuidando de você hoje.

LEONARDO – Hum, que delícia, a melhor enfermeira.

BIANCA - E podemos aproveitar e começar a planejar casamento né? Já que está ganhando dinheiro.

LEONARDO - Não é tanto dinheiro ainda assim.

BIANCA – Querendo me enrolar né?

LEONARDO - Claro que não. Quero muito casar com você, morar junto, de verdade.

(Campainha toca)

BIANCA – Salvo pelo gongo. Esperando alguém?

LEONARDO - Não. Deve ser da farmácia me mandando uma cabeça nova.

(Bianca levanta e abre a porta imaginária. Está Tadeu de Camargo)

TADEU – E aí Bianca? Quanto tempo?

BIANCA – Tadeu de Camargo. Quanto tempo!! Está sumido!!

TADEU – E meu amigo celebridade? Está aí?

LEONARDO – Estou, mas peço que não grite, minha cabeça está explodindo.

TADEU (Entrando) - Leonardo Rosseti, meu brother.

LEONARDO – Fala Tadeu, quanto tempo, o que te traz aqui?

TADEU – Primeiro a saudade de você, segundo negócios.

BIANCA – Sabia, esse não dá ponto sem nó.

LEONARDO – O que você manda?

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TADEU - Você sabe que Leonardo Rosseti e Gentil de Oliveira são o principal assunto do Brasil hoje né? O caso do pai justiceiro.

LEONARDO - Já tem até nome o caso?

TADEU – Claro e foi nosso jornal que deu o nome, os outros copiaram depois.

LEONARDO – Ok, mas diz o que você quer.

TADEU – Eu quero uma exclusiva com o Gentil

LEONARDO (Rindo) - Você ta doido né? Todo mundo quer. Vários já me procuraram.

TADEU – Mas você vai me dar essa exclusiva.

LEONARDO - É? E por quê eu te darei?

TADEU – Porque nós somos camaradas, amigos de infância.

LEONARDO - Ta de sacanagem né? Somos sim, te considero pra cacete, mas negócios são negócios. Não posso te dar uma exclusiva só por causa disso.

TADEU – Porque o meu jornal é o mais lido do Rio e um dos mais lidos do Brasil.

LEONARDO – Ta esquentando, mas ainda não fala a minha língua.

TADEU – E podemos pagar por essa exclusiva.

LEONARDO – Agora sim podemos conversar. How much?

TADEU - Trinta mil.

BIANCA – Uau!! Gostei hein?

LEONARDO - Muito bom, cinquenta.

TADEU – Cinquenta? Sabe negociar hein?

LEONARDO - Sabe o quanto vale uma exclusiva do Gentil. Quanto o jornal vai lucrar.

TADEU - É, cinquenta mil é um valor razoável.

LEONARDO - Vou resolver isso. É muito bom rever os amigos. Estava com saudades.

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TADEU – Eu também meu brother, eu também.

(A luz se apaga e acende com Gentil e Leonardo)

LEONARDO – O julgamento foi marcado.

GENTIL – Pra quando?

LEONARDO – Daqui a dois meses.

GENTIL - Não imaginei que ocorresse tão rápido.

LEONARDO - Pressão da família do Ribamar. Gente poderosa.

GENTIL – Que seja feita a vontade de Deus. O bom que se resolve logo isso.

LEONARDO - O senhor está sempre sereno, tranquilo. É admirável isso.

GENTIL - O que eu posso fazer moço? Minha filha já está morta, já cometi o crime. Não tem mais nada em suas mãos.

LEONARDO - Sabe seu Gentil. Eu estive pensando e acho que está na hora do público saber sua versão.

GENTIL – Como assim?

LEONARDO – Como o senhor já sabe a imprensa só fala no caso, mas eles só recebem informações truncadas, que surgem da polícia, precisam saber o que o senhor tem a dizer.

GENTIL – Precisam? Por quê? Não são o juiz e o júri que precisam?

LEONARDO – O júri é popular seu Gentil. Serão pessoas escolhidas pelo povo.Pessoas com sensibilidade humana e que provavelmente chegarão ao julgamento com um conceito pré estabelecido.

GENTIL – Acha mesmo importante?

LEONARDO – Sim. O Diário Carioca ofereceu dez mil para uma entrevista. Esses dez mil irão diretamente para sua família, mesmo sendo seu advogado não vou querer um real, quero que o dinheiro vá para sua família e ajude no sustento.

GENTIL - É..Pensando pelo lado de minha família é bom.

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LEONARDO – O jornalista do Diário, o Tadeu de Camargo, está aí fora. Já temos a liberação da penitenciária para a entrevista, falta a sua.

GENTIL - Dez mil para minha família. Elas devem estar precisando, Luana precisa de cuidados especiais. Está bem. Eu aceito.

LEONARDO – Vou chamá-lo então.

(Leonardo sai de cena e volta com Tadeu)

LEONARDO – Seu Gentil de Oliveira, esse é Tadeu de Camargo, jornalista do Diário Carioca.

TADEU - É uma grande honra conhecer o senhor.

GENTIL (Sorrindo) - Honra me conhecer? Um criminoso? Um presidiário?

TADEU - Um homem de bem que só parou aqui por força cruel do destino.

LEONARDO - Vamos começar para não desgastar muito o seu Gentil.

TADEU – Podemos?

GENTIL – Podemos sim.

TADEU - Está bem (Liga o gravador) Vamos do começo...

(A luz se apaga e acende com Leonardo, Rui e Padrinho em cena. Rui serve uísque para todos)

PADRINHO – Esse é de melhor qualidade que aquele outro. Vem da Escócia.

LEONARDO - É uma beleza mesmo.

PADRINHO – Mas me conte, julgamento será amanhã, não?

LEONARDO – Sim, começa amanhã dez da manhã, sem hora pra acabar.

PADRINHO – Quais as chances?

LEONARDO – Acredito que boas, muito boas.

PADRINHO – Mesmo sendo a vítima branca e bem nascida e o réu um negro?

LEONARDO - Se fosse uns quarenta anos atrás seria bem complicado, hoje em dia não.

PADRINHO – Por quê? O Brasil está menos racista?

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LEONARDO – Não, está mais hipócrita.

RUI – Muita gente ainda odeia os negros Padrinho, só que hoje em dia é politicamente incorreto mostrar esse ódio.

LEONARDO – Foi criada uma comoção em torno do caso. A grande maioria do país hoje apoia o Gentil, entende o lado do pai de família que tomado pela dor matou o algoz de sua filha.

RUI – Por incrível que pareça Gentil de Oliveira hoje é um herói nacional Padrinho, seria eleito para qualquer cargo na política.

PADRINHO – E por quê isso?

RUI – Desde a entrevista que ele deu. Aquela entrevista foi emocionante. Criou uma comoção.

PADRINHO - Então está tudo certo. O que pode dar errado?

LEONARDO – Bem ou mal ele cometeu um crime, um assassinato.

RUI - Não é tão simples assim, mas se não fosse por essa comoção a condenação seria certa.

PADRINHO – Eu proponho um brinde então.

LEONARDO – A o quê Padrinho?

PADRINHO – A Gentil de Oliveira!! A esse pai de família que nos emociona e comove!! A esse homem que amanhã será feita justiça porque não tem nada mais importante que a justiça e o amor de Deus!! Apesar de você não acreditar em Deus Leonardo!!

LEONARDO – Eu já disse Padrinho. Não acredito nem desacredito.

PADRINHO - Pela liberdade de Gentil de Oliveira!!

TODOS REPETEM - Pela liberdade de Gentil de Oliveira!!

(Eles brindam. A luz se apaga e acende com o juiz e o advogado do primeiro julgamento em cena. Também sentados Leonardo e Gentil. Domingas, a vizinha, é a testemunha)

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ADVOGADO – Dona Domingas. Conte o que a senhora viu?

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DOMINGAS – Bem, eu estava na janela da minha casa, não estava fazendo fofoca, nem cuidando da vida alheia, só observava a rua quando ouvi gritos vindos da casa do senhor Gentil. Fiquei curiosa, nada entendi e logo depois vi o tal Ribamar de Jesus saindo apressado e ajeitando a calça.

ADVOGADO - E o que aconteceu depois?

DOMINGAS – Vi que tinha algo errado e fui correndo atrás do seu Gentil.

ADVOGADO – Entrou com ele na casa?

DOMINGAS – Sim, entrei.

ADVOGADO – Presenciou toda cena então.

DOMINGAS – Presenciei sim, terrível.

ADVOGADO – O senhor Gentil foi logo pegando a arma?

DOMINGAS – Sim, imediatamente.

ADVOGADO – Chorou? Se desesperou?

DOMINGAS –Que eu lembre não. Ele foi pegar a arma.

ADVOGADO – De cara? Nem chorou a morte da filha? Não demonstrou emoção?

DOMINGAS - Não lembro direito moço, faz tempo, mas acho que chorou sim, tentou que ela acordasse, sei lá.

ADVOGADO – Ele foi direto no quarto e pegou a arma. Não ligou para a polícia?

DOMINGAS – Não, ele estava desesperado, não pensou.

ADVOGADO – Mas disse que ele não estava desesperado.

DOMINGAS - Já disse moço, faz tempo, não lembro de tudo com exatidão.

ADVOGADO – Acha certo que ele não tenha procurado a polícia? Não ter agido na lei?

LEONARDO – Protesto meritíssimo. Não cabe a testemunha esse juízo de valor.

ADVOGADO – Reformulo a pergunta então. O que a senhora pensa do "Olho por olho, dente por dente?" Acha correto que se mate dessa forma?

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DOMINGAS – Era a filha dele, eu entendo.

ADVOGADO - Mas não acha que o correto é procurar a polícia? A justiça?

DOMINGAS – Sim, é o certo.

ADVOGADO - Então a senhora como testemunha principal do caso concorda que Gentil de Oliveira errou? Que cometeu um crime?

LEONARDO – Protesto meritíssimo. A testemunha não está aqui para dar opiniões.

JUIZ – Protesto aceito.

ADVOGADO – Sem mais meritíssimo.

LEONARDO – Conhece faz tempo o senhor Gentil?

DOMINGAS – Uns vinte anos, desde que me mudei para a rua.

LEONARDO – Ele já vendia flores correto?

DOMINGAS – Sim, no mesmo lugar de hoje. Figura popular de nossa comunidade.

LEONARDO – Popular? Então quer dizer que é uma pessoa querida.

DOMINGAS – Muito querida.

LEONARDO – Já tinha ouvido falar de algo que desabonasse sua conduta?

DOMINGAS – Nunca!! Jamais!! Senhor Gentil é um homem correto, pai dedicado que vive em função de suas filhas.

LEONARDO – Na hora eu protestei, mas vou fazer a mesma pergunta de meu colega. Acha que o senhor Gentil errou em matar Ribamar de Jesus?

DOMINGAS – Claro, evidente que errou.

LEONARDO – Conhece alguém que nunca tenha errado na vida? Alguém infalível?

DOMINGAS - Não.

LEONARDO – Sem mais perguntas meritíssimo.

(A luz se apaga e acende. No lugar de Domingas está Gentil)

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ADVOGADO – Senhor Gentil de Oliveira. Como o senhor vem se sentindo?

GENTIL – Bem, na medida do possível.

ADVOGADO – Entendo. Perder uma filha deve doer muito.

GENTIL – Não existe dor maior.

ADVOGADO – O senhor me parece ser um bom homem. Todos que passaram aqui disseram isso. Uma pessoa do bem.

GENTIL – Sim, sempre procurei fazer o bem.

ADVOGADO - Então sabe que o seu caráter não está em julgamento aqui e sim seu ato. Por ser uma pessoa do bem, de caráter sabe que cometeu um erro, não sabe?

GENTIL – Sei sim.

ADVOGADO – Sente remorso?

GENTIL – Sinto, só Deus pode tirar uma vida.

ADVOGADO – Pelo visto é religioso. Sabe então que um dos piores crimes para Deus é o crime contra a vida. Não sabe?

GENTIL – Sei sim.

ADVOGADO – Por quê sendo um homem tão bom e sabendo disso cometeu um crime?

GENTIL – Não pensei na hora, fiquei desesperado.

ADVOGADO - É um homem de arroubos? Rompantes?

GENTIL – Nunca fui.

ADVOGADO – Mas teve um, então assume que como teve esse poderia ter tido outros, não?

GENTIL - Não sei, nunca tive.

ADVOGADO – Por quê tinha uma arma em casa?

GENTIL – Para proteger minhas meninas, bairro é violento.

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ADVOGADO - Então era premeditado. Sabia que tendo uma arma fatalmente poderia usar um dia.

GENTIL - Não era minha intenção.

ADVOGADO – Mas tinha assim mesmo. Sabedor dos riscos de uma arma tinha assim mesmo e assumiu esses riscos?

GENTIL – Para defender minha família sou capaz de tudo.

ADVOGADO - Até matar?

GENTIL – Até matar.

ADVOGADO – Por quê não chamou a polícia?

GENTIL - Não pensei em nada na hora, fiquei fora de mim.

ADVOGADO – Mas conseguiu raciocinar e chegar a conclusão que o melhor seria matar.

GENTIL - Não foi pensado.

ADVOGADO – Mas foi pensado o ato de comprar a arma e assim se tornar um possível assassino, não foi?

GENTIL – Foi.

ADVOGADO - O senhor é um assassino senhor Gentil de Oliveira?

LEONARDO – Protesto meritíssimo!! Meu cliente não tem que ser obrigado a responder isso!!

JUIZ – Protesto negado. Responda senhor Gentil.

GENTIL – Matei uma pessoa, não foi?

ADVOGADO - Então responda. É um assassino?

GENTIL Sim, eu sou.

ADVOGADO - Sendo um assassino acha justo ser solto? Não é perigoso usar justificativas? Um assassino solto não abre precedentes para outros fazerem o mesmo?

GENTIL - Não entendo de leis doutor, entendo de flores.

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ADVOGADO – Sem mais perguntas meritíssimo.

LEONARDO – O senhor tem quantos anos?

GENTIL – Quarenta e cinco.

LEONARDO - Só? Me desculpe, mas me parece mais. A vida lhe castigou.

GENTIL – Sim moço, mas não tenho queixas. Tive momentos muito felizes.

LEONARDO – Quarenta e cinco anos...

GENTIL – Sim doutor.

LEONARDO - E há quantos anos o senhor é negro?

GENTIL – Como?

LEONARDO – Desses quarenta e cinco anos em quantos o senhor foi negro?

GENTIL (Rindo) - Uai doutor, todos.

LEONARDO - E pobre?

GENTIL – Todos também.

LEONARDO – Preto, pobre desde que nasceu. Sua vida não deve ter sido fácil senhor Gentil de Oliveira.

GENTIL – Não foi doutor, mas não tenho do que me queixar.

LEONARDO - Você sempre diz isso, não tenho do que me queixar. É o costume? Acostumaram o senhor a isso?

GENTIL - Não entendi.

LEONARDO – Negro, pobre, deve ter ouvido muita coisa cruel na vida, muito o som de portas se fechando, da falta de oportunidades, desde cedo teve que conviver com o desprezo, o desamor, o racismo, a falta de compaixão...Mesmo assim se tornou um homem amoroso, que vende flores..O senhor alguma vez e sentiu diferente? Discriminado? Raiva das pessoas?

GENTIL – Sim senhor.

ADVOGADO – Protesto!! O colega está tentando transformar em uma questão racial um assassinato que foi confessado pelo autor.

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LEONARDO - Meritíssimo, eu quero mostrar que ninguém nasce assassino, mas infelizmente às vezes as circunstâncias levam a isso.

JUIZ – Protesto negado, prossiga.

LEONARDO – Vou novamente fazer a pergunta. A vida tem sido fácil para você Gentil de Oliveira?

GENTIL - Não, não tem sido.

LEONARDO – A vida que não é fácil levou sua esposa, não foi?

GENTIL – Foi sim.

LEONARDO - Morreu de quê? Câncer?

GENTIL - Ela teve câncer e estava desenganada, mas se matou.

LEONARDO – Se matou como? Quantos anos tinham suas filhas?

GENTIL – Ela tomou veneno de rato, minha mais velha, a Lilian, tinha seis anos, Luana a mais nova dois.

LEONARDO – E a Luana tem problemas.

GENTIL – Sim, nunca andou e não fala, não se comunica. Caiu do berço recém nascida.

LEONARDO – Com tantos problemas natural que a vida tenha lhe endurecido, não?

GENTIL – Sim.

LEONARDO – Deve ter ouvido muitas piadas, recebido agressões, se sentido ameaçado, não?

GENTIL - Sim doutor.

LEONARDO - Por isso tinha uma arma em casa? Por se sentir ameaçado?

ADVOGADO- Protesto!! O colega está induzindo a resposta.

JUIZ – Protesto negado.

LEONARDO - E como foi perceber que as ameaças eram reais? Ver sua filhinha morta no chão?

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GENTIL – Pior momento de minha vida.

LEONARDO – Descreva seus sentimentos.

GENTIL – Eu vi minha filha caída, olhos fechados, toda machucada e me abaixei para lhe acudir. Peguei em meus braços e pedi que acordasse, fiz carinho em sua cabeça, em seus cabelos (Se emociona) Pedi que acordasse até que percebi que ela não iria mais acordar. Nesse momento (Voz embargada) apertei bem forte sua cabeça contra meu peito e chorei (Ele chora) Pedi que Deus me levasse no lugar dela. Eu fui sempre pai e mãe delas doutor então era como se tivessem saído de meu ventre, como se eu tivesse um. Apertei bem forte chorando como se quisesse que ela entrasse em meu corpo e fosse para esse ventre onde eu a protegeria de todas as dores do mundo, de todas as maldades..Por quê Deus?? Por quê levou minha filha??? (Chora copiosamente. Leonardo empresta lenço para ele)

LEONARDO – Há quanto tempo o senhor é negro Gentil de Oliveira?

GENTIL – Desde que nasci.

LEONARDO - Há quanto tempo a vida é cruel com você negro Gentil de Oliveira?

GENTIL – Desde que eu nasci.

LEONARDO - Sem mais meritíssimo.

(A luz se apaga, acende e aparecem Padrinho, Rui e Leonardo brindando com champanhe)

PADRINHO - Eu sabia que não iria me arrepender de te contratar!!

RUI - Foi brilhante Padrinho, tinha que ver, absolvido por unanimidade

LEONARDO - Não foi difícil. O júri era composto por populares, gente guiada pela emoção. O otário do promotor tentou levar pro lado técnico, que crime não podia ficar impune, abriria precedentes, bla bla bla, só tive que levar pro lado da emoção.

PADRINHO – E cadê Gentil de Oliveira agora? O novo herói nacional?

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RUI – Foi para casa com as filhas. Estava com saudades delas e se sentindo cansado. Mas disse que vem amanhã pessoalmente agradecer ao senhor por tudo que fez.

PADRINHO - Não fiz mais que minha obrigação que é estar ao lado de meu povo. Gentil é um bom homem e sempre foi querido, amado pela comunidade e agora é pelo Brasil todo.

RUI – Sabe Padrinho, ele podia ser aquele afilhado político que queria arrumar. Ser o seu candidato. O Brasil o ama hoje.

PADRINHO - Deixe o homem vendendo flores, é isso que ele gosta.

LEONARDO – Só tem uma coisa melhor que a sensação do dever cumprido. Esse champanhe.

PADRINHO - Tem coisa melhor sim, tudo o que irá acontecer em sua vida a partir de agora.

LEONARDO – Ah é? Como o que?

(Telefone de Padrinho toca)

PADRINHO (Olhando o celular) - Como isso...(Atende o telefone) Adriana? Tudo bem? Já chegou? Ótimo, entre, a porta está aberta (Ele desliga)

LEOANRDO – Adriana? Quem é?

PADRINHO – Já vai saber.

(Adriana entra em cena)

PADRINHO – Adriana Leone, minha querida.

ADRIANA – Como vai Padrinho?

PADRINHO – Melhor agora com você aqui. Leonardo Rosseti, essa é Adriana Leone, presidente da Leone, Meirelles & Sá Associados. Sabe o que é isso?

LEONARDO – Claro que sei, o maior escritório de advocacia do Brasil. Com escritórios até no exterior.

PADRINHO – Quase isso. Só errou em uma coisa. Não pode ser o maior se não tem o maior advogado. Você.

ADRIANA - Mas eu estou aqui para resolver isso Padrinho.

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LEONARDO – Me expliquem isso.

ADRIANA – Estou aqui em meu nome e de meus sócios para lhe convidar para ingressar em nosso escritório.

LEONARDO – Uau, isso é inesperado, completamente inesperado.

RUI - Você merece Leonardo.

LEONARDO – Adoraria, mas eu tenho já um, é pequeno, junto com meu irmão, mas tenho. Não posso deixar meu irmão na mão.

RUI – Ora Leonardo. Eu conheci seu irmão. Parece ser uma boa pessoa, mas é totalmente diferente de você. Ele é conformado, não quer crescer, não quer ser maior do que é hoje. Você não pode deixar de crescer por causa disso.

PADRINHO - Ouça o que Rui Jorge diz, ele está certo.

ADRIANA - Então Leonardo Rosseti. Aceita meu convite ou não?

LEONARDO – Aceito. Depois me entendo com ele.

ADIANA (Apertando sua mão) - Ótimo!! Bem vindo à Leone, Meirelles & Sá associados!!

LEONARDO – Caramba, eu não to acreditando.

RUI - Isso merece mais champanhe, vou encher as taças.

PADRINHO - Não é só isso Leonardo.

LEONARDO – Tem mais?

PADRINHO (Entregando uma chave) - Toma.

LEONARDO – O que é isso?

PADRINHO – A chave de um apartamento no centro. Apartamento de três quartos, uma suíte, sala, cozinha, área de empregada e garagem. Um dos muitos imóveis que eu tenho. É seu. Pelo brilhantismo de sua atuação.

LEONARDO - Não sei nem o que dizer...

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PADRINHO (Pegando uma taça de Rui e entregando a Leonardo) - Diga nada!! Beba!! Hoje é dia de celebrar!!

(Eles brindam e bebem. Luz se apaga e acende com Bianca e Leonardo entrando em cena. Leonardo tampa os olhos de Bianca)

BIANCA – Ai, eu to nervosa. Onde está me levando?

LEONARDO – Falta pouco fofuxa, pronto.

BIANCA - Vai me deixar ver?

LEONARDO – Vou (Tira a mãos de seus olhos)

BIANCA - Nossa, que lindo!! De quem é esse apartamento?

LEONARDO (Mostrando a chave) - É nosso!!

BIANCA – Como assim?

LEONARDO - Ganhei pela vitória do caso do Gentil, Padrinho me deu, além de ter conseguido emprego na Leone, Meirelles & Sá associados.

BIANCA (Sorrindo) - Nossa, não to entendendo nada, quantas informações.

LEONARDO - Só tem que entender uma (Se ajoelha em frente a ela, pega sua mão e tira uma caixinha do bolso) Quer casar comigo?

BIANCA – Ai meu Deus!! Não acredito!!

LEONARDO - Responde fofuxa, ta doendo ficar assim.

BIANCA – Aceito!! Claro que aceito meu amor!!

(Ele se levanta, se abraçam e se beijam)

LEONARDO - Prometo sempre ficar ao seu lado minha fofuxa, serei o melhor marido do mundo.

BIANCA - Já é meu amor, já é.

(Luz se apaga e acende. Passagem de sete anos no tempo. Cena está vazia. Bianca entra de um lado com sacolas e Leonardo entra pelo outro)

LEONARDO – Que compras são essas?

BIANCA – Vi umas coisas em promoção no shopping e comprei.

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LEONARDO - Olha lá hein Bianca? Dinheiro acaba, nasce em árvore não.

BIANCA - Para de bobagens Leonardo, foram só umas compras e você ganha muito bem, é rico.

LEONARDO - Não é porque sou rico que posso gastar tanto. Aí fico pobre de novo e a gente volta praquela merda de antes.

BIANCA – Nunca estivemos na merda Leonardo. Sempre fomos felizes e na verdade éramos mais felizes sem dinheiro que hoje em dia.

LEONARDO – Não ta satisfeita a gente se separa, já te falei isso.

BIANCA – Eu tiro metade do que você tem.

LEONARDO - Tente..Eu sou o maior advogado do Brasil. Tente. Te deixo na miséria.

BIANCA – Não quero brigar com você hoje Leonardo, não hoje. Sai não, fique.

LEONARDO – E por quê devo ficar? Me dê um motivo.

BIANCA – Hoje faz sete anos que você me pediu em casamento. Aqui mesmo nesse apartamento.

LEONARDO – Ah é? Sete anos hoje?

BIANCA – Sim...

LEONARDO – Que droga hein? Bem, vou voltar tarde, beijos.

(Leonardo sai de cena)

BIANCA - Desgraçado!!

(A luz apaga e acende. Estão Rui Jorge e Leonardo em cena bebendo. Estão em um bar)

RUI - Ta sumido. Padrinho reclamou que faz um tempo que não aparece lá.

LEONARDO – Sei que to devendo visita a ele, mas tenho tido trabalho pra cacete. Desde que virei sócio do escritório ta brabo.

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RUI – Leone, Rosseti, Meirelles, Sá & Associados, quem diria hein? Aquele advogado de porta de cadeia que eu conheci se tornaria sócio do maior escritório de todos.

LEONARDO - Alto lá!! Nunca fui advogado de porta de cadeia, sempre tive meu valor.

RUI – Eu descobri teu valor. Devia ganhar uma porcentagem de tudo que você ganha.

LEONARDO - Já ganha. Há sete anos defendo você e o Padrinho de graça, não defendo?

RUI - Está certo..Está certo..

LEONARDO - Aliás, que homem esperto é o Padrinho hein? Salvou o Gentil, fez dele um herói nacional, o deputado federal mais votado da história do Rio de Janeiro e agora Senador da República!!

RUI – Por isso ele é o Padrinho. Está sempre na frente dos outros.

LEONARDO - E o Gentil, o mais popular e carismático dos políticos ainda consegue aprovar projeto de legalização do jogo. Nunca o Padrinho ganhou tanto dinheiro.

RUI – Mas você também se deu bem com o Gentil e suas leis.

LEONARDO – Ah é? Em que?

RUI – Esqueceu que era dele também o projeto que legalizou a pena de morte no Brasil?

LEONARDO – Claro que não esqueci. Achei ousado dele, um cara que foi acusado de assassinato, apresentar esse tipo de projeto. Se é na época em que foi acusado tinha se arriscado a parar em cadeira elétrica.

RUI – Pois é e com riscos de cadeira elétrica deve estar cobrando bem mais para defender os clientes.

LEONARDO - É..To me dando bem, não posse negar.

RUI - Todo mundo se deu bem com o caso Gentil de Oliveira.

LEONARDO - Menos meu irmão..Ele até hoje não fala direito comigo.

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RUI - Me desculpe Leonardo. Sei que é seu irmão, mas o Marcelo é um bundão.

LEONARDO - Não é questão de ser bundão, ele tem os ideais dele.

RUI - Ideais de bundão. Ideais não enchem prato de comida de ninguém.

(Telefone de Rui toca e ele atende)

RUI (Ao telefone) - Alô. Oi Senador, estávamos falando do senhor agora. Sim, eu e Leonardo Rosseti, ele está aqui comigo.

LEONARDO - Gentil? Mande um abraço pra ele.

RUI (Ainda ao telefone) - Mandou um abraço. Oi? Como? Como foi ocorrer isso? Calma Senador..Calma, vamos resolver isso..Onde o senhor está? Ok, sei onde é..Estou indo praí com ele agora. (Desliga)

LEONARDO - O que foi? O que aconteceu?

RUI - Então Dr.Leonardo Rosseti. Está com saudades de ter Gentil de Oliveira como seu cliente?

(Luz apaga e acende. Estão Gentil e Leonardo em cena)

GENTIL – Leonardo Rosseti, meu velho amigo.

LEONARDO - O que aconteceu Senador? Acusação de estupro?

GENTIL - Não me chame de Senador, não existe isso entre nós, me chame de Gentil velho amigo.

LEONARDO - Está bem Gentil me explique o que está acontecendo.

GENTIL - Armação Leonardo, só não sei exatamente de quem, se é da Fabiana ou ela fez a mando de alguém.

LEONARDO - Fabiana é a suposta vítima, não é? Vi a queixa.

GENTIL - É minha secretária há três anos pelo menos, pessoa de confiança.

LEONARDO - E como foi que ocorreu tudo isso?

GENTIL – Não sei. Nós estávamos em uma reunião minha com os russos fechando a vinda de uma fábrica de automóveis pro Rio, ela sempre foi minha tradutora e foi junto. Depois fomos para nosso apartamento.

LEONARDO – Seu apartamento? Fazer o que?

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GENTIL – Ora Leonardo, você não é mais nenhum menino.

LEONARDO – Gentil eu preciso que você seja explícito por mais cristalina que seja a situação.

GENTIL - Nós temos um caso Leonardo, faz dois anos mais ou menos, é escondido porque ela é noiva, mas nós temos. Nós fomos para meu apartamento para passarmos a noite juntos e aí agora de noite tenho essa surpresa da polícia batendo na minha porta.

LEONARDO - É espeto, é espeto.

GENTIL – Leonardo, eu sou um Senador da República, não posso ficar preso.

LEONARDO – Sua imunidade parlamentar não atinge casos de flagrante.

GENTIL - Mas que caso de flagrante? Isso foi de madrugada, me prenderam quase vinte e quatro horas depois. E outra, que provas ela tem? É a palavra dela contra a minha.

LEONARDO - Eu vou conseguir o relaxamento da prisão, mas dificilmente irá se livrar de um processo.

GENTIL – Faltam dois anos para eleição pra governador, saiu pesquisa semana passada que eu tenho 62% dos votos. Eu não posso deixar que isso me destrua.

LEONARDO - Não irá te destruir, fique tranquilo.

(A luz se apaga e acende com Leonardo e Gentil andando e barulho de flashes e pessoas falando como se fossem repórteres)

LEONARDO - O Senador não vai falar, ele não tem o que falar. Em seu nome eu falo que essa acusação é falsa, é uma violência assim como a prisão foi arbitrária já que não existe uma prova contra ele. Nós vamos provar a sua inocência. O primeiro passo foi dado com o relaxamento da prisão. Agora vamos mostrar que não podem tentar sujar o nome de um cidadão de bem.

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GENTIL – Desculpe Leonardo, sei de sua recomendação, mas eu tenho que falar. Povo brasileiro, você me conhece bem, sabe do meu caráter e da minha integridade. Está nítido que estou sendo vítima de uma grande armação!! Tenho nesses últimos anos me dedicado ao povo brasileiro e isso incomoda a muita gente!! Eu nunca estupraria uma mulher até porque vocês todos conhecem minha história e eu vou provar isso!! Deus está comigo!! Ele sempre esteve!!

LEONARDO – Vamos Senador..

(A luz apaga e acende com Adriana e Leonardo)

ADRIANA - E aí? Como estão as coisas?

LEONARDO – A tal da Fabiana fez exames no IML. Apareceram marcas de violência e ela estava com exame de sangue alterado também.

ADRIANA – Isso complica demais a situação do Senador.

LEONARDO – Ele continua jurando inocência, falando que é armação, uma farsa.

ADRIANA – E o que você pensa disso tudo?

LEONARDO – Eu não posso duvidar de meu cliente. Se ele diz que é inocente tenho que acreditar.

ADRIANA – Mas seu sentimento, tirando o lado profissional.

LEONARDO – Gentil é um grande homem. Íntegro, correto, nunca me deu motivos para duvidar dele.

ADRIANA – Esse caso pode ser uma catástrofe na carreira política dele.

LEONARDO – Sim e ele parece mais preocupado agora até do que quando foi processado por assassinato.

ADRIANA - Eu acredito nele. Senador Gentil de Oliveira hoje é um homem de muitos inimigos. Criou e aprovou projetos importantes, que mexeram com muita gente e fatalmente será eleito governador e com boas chances de chegar a presidência.

LEONARDO – Eu acredito nessa tese de armação, acho que mesmo com esses problemas de exames dá pra provar sua inocência,

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ADRIANA - Você é o melhor, não tenho dúvidas disso.

LEONARDO – Fala isso de novo...

ADRIANA - Você é o melhor. O melhor advogado, o mais gostoso, o mais tesudo.

LEONARDO - Vadia, adoro quando você fala assim.

ADRIANA – Me chama de vadia de novo. Adoro quando me xinga.

LEONARDO – Vadia, puta...

ADRIANA - Eu quero dar pra você aqui, agora..

(Eles se beija, começam a se agarrar quando Marcelo entra em cena)

MARCELO – Com licença?

(Eles se assustam e se separam)

ADRIANA (Sem jeito, se arrumando) - Não é nada disso que você está pensando. Depois nos falamos doutor.

LEONARDO – Sim doutora.

(Adriana sai de cena)

LEONARDO – Você não viu nada.

MARCELO – Tenho nada com isso, só fico com pena da Bianca.

LEONARDO – Deixa quieto, mas bom te ver mano, fico feliz por ter me procurado.

MARCELO - Não vim por você, vim falar com você, mas por outra pessoa.

LEONARDO – Quem?

MARCELO – A Fabiana.

LEONARDO – Fabiana?

MARCELO - A moça que o Senador Gentil de Oliveira estuprou.

LEONARDO - Ah sim, ele não estuprou ninguém.

MARCELO – Estuprou sim, você já deve ter sabido do resultado dos exames.

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LEONARDO – De sangue e de corpo e delito? Sabe muito bem que isso não prova nada.

MARCELO - A Fabiana é uma boa menina, de família e é noiva. Ela fez faculdade comigo, conheço há mais de dez anos.

LEONARDO - Não sabia que se conheciam.

MARCELO - Você sabe muito pouco de minha vida Leonardo, nunca se interessou, só pensa na sua.

LEONARDO - Ta, mas o que quer comigo afinal?

MARCELO - Sai desse caso Leonardo. Mostre que você tem hombridade, compaixão, ela é uma menina inocente que foi estuprada covardemente por um homem muito mais forte e poderoso.

LEONARDO – Largar? Você está ficando louco. Se eu defendi o Gentil não tendo onde cair morto imagine agora que ele tem dinheiro. Vou ganhar um dinheirão com esse caso, todos os holofotes estão virados para ele. Ganhar esse caso vai me dar muito poder.

MARCELO – Impressionante como só pensa em você. É sua vaidade, sua ambição, é querer ganhar dinheiro a todo custo. Essa ambição vai acabar contigo ainda.

LEONARDO - Evidente que vou pensar em mim, se eu não pensar ninguém pensa.

MARCELO – Eu serei o advogado da Fabiana.

LEONARDO -Olha, isso é realmente uma surpresa.

MARCELO - E eu vou vencer esse caso, pode ter certeza.

LEONARDO – Tomado pela ambição maninho? Querendo a mídia? Os holofotes?

MARCELO - Não, querendo justiça, tanto que nem vou cobrar, sou diferente de você Leonardo.

LEONARDO – Claro que é. Eu cresci, virei sócio dessa grande empresa e você continua com um escritório pequeno tratando de brigas de vizinhos.

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MARCELO - E você vai perder para um advogado que trata de briga de vizinhos.

LEONARDO - Você não se conforma por eu ter terminado a sociedade né?

MARCELO - Eu não me conformo de você ser meu irmão.

(Marcelo sai de cena)

LEONARDO – Fracassado.

(A luz se apaga e acende com Bianca em cena falando ao telefone)

BIANCA (Ao telefone) - Mas você prometeu Leonardo!! Prometeu que iríamos jantar hoje!! Eu esperei tanto por esse jantar!! Faz isso comigo não Leonardo!! Não aguento mais ficar sozinha!! Por favor, eu te amo!! Não desliga Leonardo!! Não desliga!!

(Ela abaixa o telefone desolada dando impressão que ele desligou. Campainha toca e ela abre a porta imaginária)

BIANCA – Seu Gentil?

GENTIL - Oi Bianca. Leonardo está?

BIANCA - Não, disse que tinha compromissos e...(Começa a chorar)

GENTIL (Assustado) - Calma Bianca, o que aconteceu? Respire, venha, sente aqui (Eles se sentam)

BIANCA –Desculpe seu Gentil, que vergonha, chorar assim na sua frente.

GENTIL – Ora, que isso, não precisa se sentir dessa forma. Me conte minha filha, o que aconteceu?

BIANCA - O Leonardo está cada vez mais distante de mim. Mal para em casa e quando está aqui me trata de forma fria e quando não é frio me trata mal, ele era tão amoroso comigo, tão carinhoso..Ele tem outra, só pode (Volta a chorar)

GENTIL – Se acalme minha filha. Relacionamentos tem suas crises, isso é normal.

BIANCA – Ele tem outra, tenho certeza, mas não sei quem é. Eu não posso viver sem ele seu Gentil, sem ele eu morro.

GENTIL - Não pense assim, ele não vai te deixar e se ele aprontar com você dou palmadas nele.

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(Bianca sorri)

GENTIL – Prefiro você assim, sorrindo. O que é de verdade fica Bianca. O amor de vocês é bonito, é intenso e eu tenho certeza que é de verdade. Vejo nos seus olhos assim como já vi várias vezes nos olhos dele.

BIANCA - Eu tenho tanto medo..

GENTIL – Vocês lembram muito minha relação com a Cleide, minha ex esposa, mãe das minhas filhas. Era um amor tão grande, tão intenso.

BIANCA - Deve sentir muita falta seu Gentil.

GENTIL – Não tem um dia nessa minha vida que não pense nela, já me peguei muitas vezes chorando pensado nela. Cleide foi e sempre será o amor da minha vida. Aquela que mexia com meus sentidos, fazia arder a minha alma, meu coração..É triste demais perder o amor da sua vida, ainda mais pra morte porque não tem como voltar.

BIANCA - Eu sinto muito.

GENTIL – O que me manteve na dor da perda foram minhas filhas. O amor imenso que tenho por elas. A minha Cleide viveu nelas, eu vivo nelas, nosso amor vive nelas. Isso que me manteve forte, lutando por viver então faça isso, não chore, lute, lute por seu amor porque não há nada mais importante que o amor..

BIANCA - Eu não posso ter filhos.

GENTIL – Adote. Não existe ato mais humano, de mais amor que a adoção. Tantas crianças precisando de um lar, de um pai e uma mãe. Faça isso e irá ver como a relação de vocês irá melhorar.

BIANCA – Gostei dessa ideia..Nossa seu Gentil. Foi Deus que mandou o senhor aqui agora. Eu estava desesperada e o senhor me deu alento, me fez acalmar.

GENTIL – Estarei sempre que precisar Bianca. Tenho você e Leonardo como se fossem meus filhos. A felicidade de vocês é a minha.

BIANCA – Não sei como agradecer. Todos os dias rezo para Nossa Senhora por sua absolvição.

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GENTIL - Eu vou passar por mais essa provação, mas confio em Deus porque sou inocente. Muito obrigado viu? Ao contrário de seu marido acredito em Deus e toda oração sempre é bem vinda.

BIANCA (Rindo) - Ele diz que não acredita nem desacredita, é louco.

GENTIL – Isso, sorria, sorrir faz bem a alma.

BIANCA - Posso te dar um abraço?

GENTIL (Sorrindo) - Deve.

(Eles se abraçam e a luz apaga. Acende com Leila e Leonardo em um colchão)

LEONARDO – Que horas são?

LEILA (Olhando um celular ao lado) - Duas da manhã.

LEONARDO – Cacete, tenho que ir pra casa. Bianca vai encher o saco

LEILA – Por quê ainda está com ela? Só reclama.

LEONARDO – Sei lá, acho que pelo costume, nos acostumamos a tudo, até ao tédio.

LEILA – Faltam dez dias né?

LEONARDO – Pro julgamento? Sim.

LEILA – Tenho sentido meu pai bem preocupado.

LEONARDO – Tem motivos né?

LEILA - Mas ele se livrou de uma condenação por assassinato que é bem pior.

LEONARDO - A diferença é que ele lá agiu por forte emoção e era um vendedor de flores. Agora é um cara poderoso e nem todos gostam de pessoas poderosas.

LEILA – Meu pai não estuprou aquela mulher, meu pai não é um estuprador.

LEONARDO – Eu sei disso, você sabe, mas o júri tem que saber.

LEILA - Você é bom isso, aliás, é bom em muitas coisas.

LEONARDO – Ah é? Você acha?

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LEILA – Eu poderia ser boa em muitas coisas com você também.

LEONARDO – Ah é? Como em que?

LEILA – Se separa que eu te conto.

LEONARDO – Eu vou, só me dê um tempo.

LEILA – Vou te tratar muito bem, com muito carinho.

LEONARDO - Não vejo a hora.

LEILA – Vou te dar uma prévia.

(Leila puxa o lençol para cima dos dois. A luz apaga e acende com Tadeu de Camargo e Bianca em cena)

BIANCA – Como te disse Tadeu, não sei se ele vai demorar.

TADEU (Desligando telefone) - Celular desligado.

BIANCA - É..Esse celular anda bastante desligado ultimamente.

TADEU – To te achando meio triste, você nunca foi assim. O que foi?

BIANCA – Nada não, só problemas do dia a dia.

TADEU - E eu achei que estava tudo bem. A maré nunca esteve tão boa para vocês. Olha só esse apartamento!!

BIANCA – Talvez o problema seja esse. Esse apartamento.

(Leonardo entra em cena)

LEONARDO - Tadeu de Camargo. Por quê será que não estou surpreso?

TADEU – Tudo bem Leonardo? Estava te ligando, mas seu celular está desligado.

LEONARDO - É, a bateria acabou. Mas me diz, o que você manda? Apesar de já imaginar.

TADEU - Então..Nossa parceria foi tão boa da outra vez. Podíamos repetir agora.

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LEONARDO – Foi, para você e o jornal que nunca vendeu tanto, fora que você foi promovido.

TADEU – E o Senador encantou a opinião pública. Ali começou a ser um fenômeno de mídia.

LEONARDO - Ok, concordo, faça o oferecimento.

TADEU - O mesmo da outra vez, cinquenta mil

LEONARDO - Só pode estar brincando. Trezentos.

TADEU – Gostei da piada. Cinquenta Leonardo.

LEONARDO - Você que está me contando uma piada. Cinquenta é pra vendedor de flores. Não um Senador da República. Trezentos porque sou seu amigo. Já ofereceram bem mais.

TADEU - Não posso subir pra mais de cinquenta, mercado ta em crise.

LEONARDO - Poxa, que pena..Enfim, tenho que descansar, já está tarde Tadeu.

TADEU - Entendi o recado..Boa noite Leonardo. Boa noite Bianca.

BIANCA - Boa noite Tadeu

(Tadeu caminha até a saída e para)

TADEU - Cuidado com sua ambição, ela pode te arruinar.

(Tadeu sai de cena)

LEONARDO - O cara quer comprar entrevista exclusiva e vem falar de ambição. Cinquenta mil..Que piada.

(Bianca fica em silêncio)

LEONARDO - Vai falar nada?

BIANCA - Vou..Que marca é essa no seu pescoço?

LEONARDO - Pescoço? Tem nada.

(Bianca mexendo no pescoço de Leonardo)

BIANCA - O que é isso no seu pescoço? É chupão??

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LEONARDO – Tira a mão..Que chupão Bianca? Ta doida? Deve ser picada de algum inseto.

BIANCA (Batendo em Leonardo) - Seu desgraçado!! Disfarce pelo menos!! Me respeite!!

LEONARDO – Para porra!!

BIANCA - Desgraçado!! Desgraçado!!

(Leonardo dá um tapa no rosto de Bianca que cai chorando)

LEONARDO – Desculpe..Desculpe Bianca, não era pra ser assim..Não queria te bater..Merda!! Olha o que você me obriga a fazer!! Merda!!

(Leonardo sai de cena e deixa Bianca no chão chorando. A luz se apaga e acende no julgamento. Em cena Marcelo, Leonardo, Gentil e o juiz. Gentil no banco das testemunhas)

MARCELO – Senador Gentil. Dá para descrever a noite de sábado 3 de julho de 2015?

GENTIL - Sim. Eu fui a uma reunião com russos para tratar de uma fábrica que eles querem instalar na cidade.

MARCELO – E dona Fabiana Borges foi junto?

GENTIL - Foi sim. Ela trabalhava em meu gabinete e por ser poliglota sempre me acompanhava nesse tipo de reunião.

MARCELO - O que aconteceu depois da reunião?

GENTIL - Os russos foram embora e nós dois ficamos lá.

MARCELO - E por quê?

GENTIL – Eu preferia não entrar nesse tipo de intimidade. Até porque não diz respeito somente a mim.

MARCELO - O senhor está sob juramente. Eu lhe fiz uma pergunta.

JUIZ - Responda, por favor.

GENTIL - Nós temos um envolvimento amoroso.

MARCELO - Um envolvimento que ninguém tem notícia?

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GENTIL - Ela é noiva. Não podia comprometê-la.

MARCELO - Os exame de corpo de delito mostra que ela sofreu violência sexual. Fora que estava com vários hematomas no corpo.

GENTIL - Ela curte esse tipo de sexo doutor. Não é o tipo que eu gosto, mas sou, que dizer, era apaixonado por ela.

MARCELO – Com violência sexual? Hematomas na região da vagina e do ânus?

GENTIL - Ela tinha fantasias sexuais. Tinha fantasias com estupros. Talvez tenhamos exagerado.

MARCELO - Não acha estranho um homem que teve a filha estuprada e morta ter fantasias sexuais com estupros?

GENTIL - De perto nenhum ser humano é normal doutor.

MARCELO - É, estou percebendo agora. E sobre o exame que mostrou alta dose de tranquilizantes em sua corrente sanguínea?

GENTIL - O senhor tem que perguntar isso a ela. A única coisa que sei é que toma medicamentos para dormir. Deve ter exagerado na dose.

MARCELO - Sem mais perguntas meritíssimo.

( A luz se apaga e acende. No lugar de Gentil está Fabiana)

LEONARDO – O que aconteceu naquela noite dona Fabiana Borges?

FABIANA - Fui traduzir a reunião. Fui convocada para isso.

LEONARDO - E depois que os russos foram embora por quê ficaram?

FABIANA - Eu fui ao banheiro e quando voltei eles já tinham ido embora. Senador pedira uísque para nós e pediu que bebêssemos antes de partir.

LEONARDO - E o que aconteceu depois?

FABIANA - Comecei a me sentir mal, fiquei tonta e o Senador disse que me levaria pra casa.

LEONARDO -E depois?

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FABIANA - Lembro de mais nada. Acordei no apart do Senador com ele em cima de mim me estuprando. Acredito que ele tenha me dopado.

LEONARDO - Testemunhas viram que se beijaram no restaurante. A senhora confirma?

FABIANA – Lembro vagamente dele ter me beijado sim. Eu já estava bem zonza, mas lembro. Não consegui impedir.

LEONARDO - Vocês tem um caso?

FABIANA (Se exalta) - Não!! Não!! Eu sou noiva!!

LEONARDO - Nunca tiveram nada? Lembra-se que está sob juramento.

FABIANA (Nervosa) – Sim, mas eu estava solteira, tem mais de dois anos isso.

LEONARDO - A senhora diz que ficou tonta no restaurante e não lembra de mais nada. Só acordou no apart, confere?

FABIANA – Sim, foi isso.

LEONARDO – Mas o porteiro disse que viu vocês entrando no elevador caminhando e abraçados.

FABIANA (Muito nervosa) - Lembro vagamente disso, acho que ele estava me amparando.

LEONARDO – A senhora faz uso de medicamentos controlados?

FABIANA – Tomo remédio para dormir, apenas isso..

LEONARDO – Mas uma vez a senhora parou hospital para lavagem estomacal, confere? Por uso abusivo de medicamentos?

FABIANA – Eu estava passando por uma fase difícil e..

LEONARDO (Interrompendo) - Dona Fabiana Borges, a resposta é muito simples. Sim ou não.

FABIANA (Chorando) - Sim.

LEONARDO – Dona Fabiana Borges. A senhora é promíscua?

FABIANA (Nervosa, chorando) - Não!!

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LEONARDO - A senhora já fez sexo com dois homens ou mais ao mesmo tempo?

MARCELO – Protesto!! O colega está ofendendo a minha cliente!!

LEONARDO - Meritíssimo. A pergunta é importante.

JUIZ – Responda.

FABIANA (Confusa, chorando) - Não lembro

LEONARDO - Não lembra que beijou e foi abraçada a apartamento de um homem, que fez ménage. A senhora precisa na verdade de um remédio para memória. Mas eu refrescarei sua mente.

(Liga o celular e vira para o juiz e para Fabiana. É um vídeo. Saem gemidos femininos do vídeo.)

LEONARDO – Lembrou? É a senhora aqui nessa festinha? Esse vídeo está bombando no Xvideos.

FABIANA (Chorando muito) - Sim.Era uma fantasia de meu noivo.

LEONARDO - A senhora faz sexo de forma extravagante, abusa de remédios controlados, assume que beijou e teve caso com meu cliente e que entrou andando com ele de madrugada em seu apart. A senhora tem certeza que meu cliente. Um homem honrado, íntegro, Senador da República mais popular desse país e que tem uma vida trágica perdendo a filha estuprada e assassinada lhe estuprou?

FABIANA (Chorando copiosamente) - Sim.

LEONARDO – Sem mais perguntas.

FABIANA (Chorando e gritando enquanto Leonardo se vira e caminha para sentar) - Gentil de Oliveira é um monstro!! Um monstro frio!! Psicopata!! Um monstro frio que acabou com a minha vida!! Você e ele são dois monstros!! Você não tinha o direito de me expor assim!! Canalha!! Canalha!!

JUIZ (Batendo com o martelo) - Senhora contenha-se!! Doutor controle sua cliente!!

(Marcelo se levanta para acalmar Fabiana)

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GENTIL - Obrigado Leonardo.

LEONARDO - Não tem de quê.

(A luz se apaga e acende. Bianca abre uma porta imaginária e entra Marcelo)

MARCELO – Posso entrar?

BIANCA - Pode, você ta estranho.

MARCELO - Bebi um pouquinho.

BIANCA - Um pouquinho? Você está bêbado. Cadê o Leonardo?

MARCELO - Deve estar comemorando. Ele não te ligou? Não te avisou? O Senador foi absolvido de novo. De seu segundo crime.

BIANCA - Não, ele não me avisou. Deixei de ser prioridade para o Leonardo faz tempo. Bem, não sei o que dizer. Lamento por você, mas eu gosto muito do Gentil.

MARCELO - Todo mundo gosta do Gentil, todo mundo gosta do Leonardo. Eu que estou sempre do lado errado, que to sempre na merda.

BIANCA - Não fique assim Marcelo. Eu vou preparar um café forte pra você.

MARCELO - Não quero café Bianca! Eu quero ser respeitado. O que adianta ser ético? Justo? Ser honesto nesse mundo podre, de gente baixa onde Leonardos e Gentis conseguem tudo e eu nada?

BIANCA - Você é um bom homem, trabalhador, íntegro, vencedor. Não tem que tentar se igualar ao Leonardo. São pessoas diferentes.

MARCELO - Não sou o Leonardo até porque ele me tomou tudo.

BIANCA - Para com isso Marcelo. Tomou tudo o que?

MARCELO - Por causa dele meu pai foi embora, por causa dele minha mãe morreu depressiva. Tudo culpa dele, da existência dele. Eu não tive uma família por causa dele.

BIANCA – Do que você ta falando?

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MARCELO – Ele é fruto de um estupro, de uma curra!! Um desgraçado estuprou minha mãe e ela engravidou. Meu pai não aceitou a situação até porque minha mãe era religiosa e não quis abortar e assim foi embora. Minha mãe entrou em depressão por perder meu pai e morreu com o Leonardo ainda bebê.

BIANCA - Eu não sabia disso. Só que vocês foram criados pelos avós, mas não sabia disso. O Leonardo sabe disso?

MARCELO - Sabe. Éramos adolescentes e ao chegar em casa ouvimos nossos avós falando sobre isso.

BIANCA – Ele nunca me disse nada..Como ele reagiu?

MARCELO - Ficou revoltado, mudou a personalidade. Era um cara parceiro, amigo e se tornou essa pessoa fria, ambiciosa e que não usa nenhum escrúpulo pra conseguir o que quer.

BIANCA – Coitado..Isso explica muita coisa.

MARCELO – Ta vendo como são as coisas? O assunto sempre vira o Leonardo e ele sempre sai como a vítima. Até você já está com dó dele. A vítima sou eu!! Fiquei sem meu pai!! Fiquei sem minha mãe!!

BIANCA - Vocês dois são vítimas.

MARCELO – Ele defende estupradores Bianca. O tipo de gente que forçou a nossa mãe e acabou com nossa família. Mas não adianta, ele sempre se dá bem, sempre consegue tudo, sempre toma tudo de mim. Até você ele me tomou.

BIANCA – Para com isso Marcelo.

MARCELO - Eu te conheci antes dele. Nós flertamos antes de você o conhecer, mas você me trocou por ele.

BIANCA - Nós nunca tivemos nada Marcelo, só uma paquera, não passou disso.

MARCELO - Aí eu te apresentei ao Leonardo e ele te tomou de mim.

BIANCA - Não dificulta as coisas Marcelo.

MARCELO - Mas eu vou dar o troco nele.

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(Marcelo dá um beijo em Bianca que se desvencilha lhe dando um tapa)

BIANCA (Gritando) - Nunca mais encoste em mim!! Nunca mais encoste em mim entendeu??

MARCELO – Me desculpe Bianca, pelo amor de Deus me desculpe. Eu bebi demais, não sei onde estou com a cabeça.

BIANCA - Melhor você ir embora. Por favor, vá embora.

MARCELO – Eu vou. Me desculpe Bianca, me desculpe.

(Marcelo sai de cena. A luz se apaga e acende. Adriana e Leonardo estão em cena)

ADRIANA - E então? O que acha?

LEONARDO - É um caso muito bom mesmo, muito interessante. Não é um caso fácil. Tráfico internacional de mulheres é coisa pesada.

ADRIANA – Amigo do Padrinho, pedido especial dele. Não podemos recusar.

LEONARDO - Não vou recusar, não sou homem de recusar casos ainda mais esse que é bem grande e difícil. Mas vou te dizer hein? Cada amigo que o Padrinho tem...

ADRIANA - Que é isso Leonardo? Julgando o Padrinho? Você é defensor, não juiz.

LEONARDO - Não, não estou julgando o Padrinho. Devo muito a ele.

ADRIANA - Não crie consciência. Advogado não pode ter consciência.

LEONARDO - Não vou criar doutora...

ADRIANA (Maliciosa) - Doutora..Adoro quando me chama assim..Me dá tesão.

LEONARDO - Eu sei disso, por isso falei..

ADRIANA - Safado..Vamos lá pra casa hoje.

LEONARDO - Não posso. Tenho que ir pra minha hoje. Clima com a Bianca está péssimo.

ADRIANA - Pena. Tinha algo especial pra você hoje.

(Giovana entra em cena)

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GIOVANA - Doutor Leonardo Rosseti?

ADRIANA - Estou na minha sala. Passe lá antes de ir embora.

(Adriana sai de cena)

GIOVANA - O senhor é Leonardo Rosseti?

LEONARDO – Sou eu. Em que posso ajudá-la?

(Giovana dá um tapa no rosto de Leonardo)

LEONARDO - Pode me explicar o que significa isso?

GIOVANA - Meu nome é Giovana Borges. Meu nome te lembra algo?

LEONARDO – Ah. Deve ser parente da Fabiana Borges. Minha senhora, não tenho culpa de nada. Sou um profissional e apenas fui profissional.

GIOVANA - Sabe de onde estou vindo senhor profissional?

LEONARDO - Não, mas tenho certeza que a senhora irá me dizer.

GIOVANA - Do enterro dela. Minha irmã se matou!!

LEONARDO (Assustado) - Mas como isso? Como? Eu não soube de nada.

GIOVANA - Se matou tomando veneno de rato. Não aguentou ver seu estuprador se salvando da cadeia e a humilhação de ter sua privacidade exposta em vídeo. O massacre que recebeu por causa disso.

LEONARDO (Atônito) - Não era minha intenção. Eu só estava defendendo meu cliente.

GIOVANA - O senhor acabou com a vida de minha irmã senhor Leonardo Rosseti. Não me interessa qual era sua intenção, só vim aqui entregar duas coisas. Um tapa e um remorso. Passar bem.

(Giovana sai de cena)

LEONARDO - Não era para isso acontecer...

(A luz se apaga e acende com Leonardo e Marcelo)

MARCELO - Você aqui? O que você quer?

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LEONARDO - Se acalme Marcelo. Eu vim em missão de paz.

MARCELO – Você em missão de paz? Que piada é essa?

LEONARDO – Me deixa entrar.

MARCELO – A casa é sua também. Herança de família, esqueceu?

(Leonardo entra)

LEONARDO - A casa continua da mesma forma. Quantas lembranças boas eu tenho desse lugar.

MARCELO – Ela ta da mesma forma que você deixou já que nunca tive dinheiro para reformar. Você se deu bem, ganhou dinheiro e saiu pelo mundo. Eu continuo na casa em que nasci. Veio pra que? Quer me convencer de novo a vender?

LEONARDO - Eu preciso da tua ajuda.

MARCELO (Gargalha) - Você precisando da ajuda de alguém? Você nunca precisou de ninguém Leonardo, você sempre se bastou.

(Leonardo continua em silêncio)

MARCELO - Você ta estranho mesmo. Nunca te vi assim. O que foi?

LEONARDO – O que aconteceu com a Fabiana Borges?

MARCELO - Se matou, mas você já deve saber disso.

(Leonardo anda devagar e senta como se cansado)

LEONARDO - Não era para ser assim. Não queria a morte dela.

MARCELO - Você condenou a Fabiana a morte Leonardo.

LEONARDO - Eu não condenei ninguém, eu sou um defensor, advogado de defesa. Eu só fiz o meu trabalho.

MARCELO - Você a expôs ao ridículo Leonardo. Até vídeo de sexo da Fabiana expôs.

LEONARDO - Eu não expus ninguém. Quando eu recebi no celular ele já tinha sido colocado no XVideos. Você queria que eu fizesse o quê? Era a salvação do meu cliente. Você como advogado tem que entender isso. Faria o mesmo.

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MARCELO - Não me compare a você!! Eu nunca faria isso!! Nunca usaria dos mesmos artifício que você!!

LEONARDO - Eu sou um advogado de defesa. Todo mundo tem direito a defesa. Esse é um princípio da justiça. O quê você quer? Que se acabe o direito a defesa?

MARCELO - Você não quer advogar, quer brilhar. Quer dar espetáculo. Você quer fazer de cada caso um espetáculo onde você é o grande artista.

LEONARDO - Você pode não acreditar, mas eu apenas tento exercer o meu trabalho.

MARCELO – Eu tento entender como um cara que teve a mãe estuprada defende estupradores.

LEONARDO - Prometemos nunca tocar nesse assunto.

MARCELO - Me desculpe.

LEONARDO - Me leve até a Giovana Borges. Preciso falar com ela.

MARCELO - Pra quê quer falar com ela?

LEONARDO – Preciso entender tudo isso.

MARCELO - Está bem.

(A luz se apaga e acende com Giovana e Marcelo em cena)

GIOVANA - Oi Marcelo, tenho uma grande novidade pra você.

MARCELO - Também tenho. Uma pessoa quer falar com você.

GIOVANA - Que pessoa?

(Leonardo entra em cena)

GIOVANA - Marcelo, o que ele está fazendo em minha casa?

LEONARDO - Calma, eu vim em missão de paz.

GIOVANA - É..Talvez tenha sido boa sua vinda. Tem uma pessoa que eu quero que você veja.

LEONARDO - Quem?

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(Do lado contrário que Leonardo entrou Domingas entra em cena)

DOMINGAS - Eu.

LEONARDO - Dona Domingas? Vizinha do Gentil na época do estupro da filha? Mas o que faz aqui? Não estou entendendo.

DOMINGAS - Eu soube do novo caso do Senador e que a moça que ele estuprou se matou. Achei que estava na hora de voltar. Alguns amigos em comum me indicaram onde morava a Giovana.

MARCELO – Eu também não estou entendendo Giovana.

GIOVANA - Escute.

DOMINGAS – Eu não vi o Ribamar de Jesus saindo da casa do Gentil. Não vi nada, eu menti no depoimento na polícia e no julgamento.

LEONARDO - Mas mentiu por quê? Eu não estou entendendo.

DOMINGAS - Padrinho me chamou em seu escritório, me pediu que eu contasse essa história. Me ofereceu trezentos mil para que eu falasse isso. Pra mim não foi difícil já que eu estava irritada com o Ribamar. Tivemos um caso e ele terminou comigo.

LEONARDO – Peraí!! Você foi a única testemunha do caso. A pessoa que incriminou o Ribamar, está dizendo que viu nada? Que não chamou o Gentil na praça?

DOMINGAS - Isso. A história foi combinada no escritório. Estávamos eu, Padrinho, Rui Jorge e Gentil.

MARCELO - Caramba!! Então o Ribamar não estuprou a filha do Gentil? Isso muda muita coisa.

DOMINGAS - Acho muito difícil, quase impossível que o Ribamar tenha estuprado alguém.

MARCELO - E por quê?

DOMINGAS - Ele era broxa.

GIOVANA - É Leonardo, você participou de uma farsa.

LEONARDO - Eu preciso ir.

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MARCELO - Aonde você vai?

LEONARDO - Coisa minha, tenho que ir.

(Leonardo sai de cena. A luz se apaga e acende com Leila, Luana e Marcelo)

LEILA - Estava com saudades de você amor.

LEONARDO - Cadê seu pai? Ligo pra ele e não atende. Estive no apart e não estava lá.

LEILA - Não sei dele. Vou tomar um banho, me espera?

LEONARDO - Vai lá, vai lá.

LEILA - Você está estranho. Ta tudo bem?

LEONARDO - Ta sim. Vai lá.

LEILA - Ta, já volto.

(Leila sai de cena. Luana está desenhando e Leonardo se aproxima)

LEONARDO - Posso ver?

(Luana entrega o desenho)

LEONARDO (Vendo o desenho) - Você desenha bem, parabéns. Quem é o homem com bebê no colo? É seu pai?

(Luana permanece em silêncio)

LEONARDO - Parece muito com seu pai. Mas o que é isso atrás dele? É um rabo? Não entendi.

LUANA (Falando baixo) - Demônio, demônio..

LEONARDO - Como?

LUANA (Gritando) - Demônio!! Demônio!!

(Leila entra apenas de toalha)

LEILA - O que está acontecendo?

(Leonardo sai apressado de cena)

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LEILA - Onde você vai? (Se volta para acudir Luana que continua gritando

Demônio") Se acalme Luana!! Eu não to entendendo nada!!

(A luz apaga e se acende com Padrinho em cena. Leonardo entra apressado com Rui Jorge atrás)

RUI - Desculpe Padrinho. Ele entrou como um louco. Tentei impedir.

PADRINHO – Tudo bem Rui Jorge. Leonardo é nosso amigo e tem acesso livre aqui. O que foi Leonardo?

LEONARDO - Eu quero a verdade.

RUI (Sorrindo) - A verdade..A verdade é uma coisa tão relativa...

LEONARDO - Me conte a verdade, desde o começo. Chega de mentiras!! Chega de farsa!!

PADRINHO – Está bem. Eu vou te contar. Devo cotar Rui Jorge?

RUI - Conte..Ele vai gostar.

(Luz se apaga e acende. Em vez de Leonardo está Gentil em cena)

PADRINHO - Qual o problema meu bom Gentil?

GENTIL – Fiz merda Padrinho e dessa vez merda das grandes. Eu to ferrado Padrinho, preciso da sua ajuda.

PADRINHO - Conte para o Padrinho.

GENTIL - Estava em casa bebendo umas cervejas, cheirando um pó e tomando conta da minha filha samambaia quando chegou a mais velha, a Lílian. Eu tava muito doido, fora de mim e parti pra cima dela. Estuprei minha filha Padrinho. Sem dó nem piedade e apertei seu pescoço enquanto isso. Quando acabei e fui ver ela estava desmaiada. Ela morreu. Eu matei minha filha Padrinho.

RUI - Caralho Gentil. Você já fez muitas merdas, mas dessa vez se superou.

GENTIL - Me ajude Padrinho. Daqui a pouco chega a Leila em casa e descobre tudo. To fodido.

PADRINHO - Temos quanto tempo?

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GENTIL - Até a Leila chegar? Duas horas mais ou menos.

PADRINHO - Você sempre foi fiel a mim Gentil. Anos e anos com aquela barraca na praça disfarçando para tomar conta da comunidade e denunciar aqueles que não seguiam minhas ordens. Vários serviços prestados a mim, se livrou para mim de vários inimigos. Vou te ajudar. Alguma ideia Rui Jorge?

RUI - Podemos nos livrar de alguns coelhos com um tiro só.

PADRINHO - Me explique isso.

RUI - Tempo que queremos nos livrar daquele bandidinho que está dando dor de cabeça aqui na comunidade..

PADRINHO – Ribamar de Jesus.

RUI - Isso. Vamos jogar esse estupro e assassinato em cima dele. Vai ser o responsável.

PADRINHO - Será preso. Dirá que não foi ele e teremos problemas assim mesmo já que a polícia irá investigar. Fará exames no corpo. Coleta de esperma.

RUI - É..É um problema essa parte.

PADRINHO - Mas podemos fazer que a morte da menina não seja o principal foco do caso. Que ele ganhe repercussão sim, mas por um outro lado e a história da Lílian seja secundária. Podemos fazer com que o crime seja um fato secundário e o foco da polícia e da imprensa seja outro.

GENTIL - Como Padrinho?

PADRINHO – Onde podemos encontrar esse bandidinho de merda Rui Jorge?

RUI - A essa hora bebendo no bar ou jogando bola no campinho.

PADRINHO (Pegando uma arma na gaveta) - Tome. Faça o que qualquer pai faria com quem estupra e mata sua filha. Mate o desgraçado.

GENTIL – Matar Ribamar de Jesus?

PADRINHO - Nada do que você nunca tenha feito antes. Vai matar o desgraçado para lavar a honra de sua filha. Ou isso ou a cadeia Gentil.

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GENTIL - Eu mato o desgraçado.

PADRINHO - Eu já tenho o advogado pra te defender. Bom que assim dou mais um tiro no coelho. Resolvo várias situações minhas. Não será condenado, ninguém irá condenar um pai que tem a filha assassinada.

RUI - Temos que fabricar testemunha.

PADRINHO - A Domingas ainda é sua vizinha Gentil?

GENTIL - É sim Padrinho.

PADRINHO – Rui Jorge, ligue para Domingas e mane que ela venha agora. Não temos muito tempo.

GENTIL (Beijando a mão de Padrinho) - Obrigado Padrinho.

PADRINHO - Um Padrinho nunca deixa os seus na mão.

(A luz apaga e se acende. Em vez de Gentil está Leonardo atônito, em cena)

PADRINHO - Domingas veio, dei trezentos mil para ela e assim criamos todo o cenário. Como eu previ ninguém investigou a fundo o estupro e assassinato. O foco foi todo em Gentil e Ribamar

RUI – E foi melhor que o combinado. Gentil se tornou um herói. Nesses tempos de olho por olho e dente por dente, que a população se sente acuada pela violência o pai que mata o assassino da filha se torna um herói e o político mais popular e carismático do Brasil.

LEONARDO - Então eu participei de uma farsa...

PADRINHO – A maior farsa da história dessa nação. Devia ter orgulho disso.

LEONARDO - Eu salvei da cadeia duas vezes um monstro. Um homem que é capaz de estuprar e matar a própria filha. Que dopa uma funcionária para estuprar. Para salvar esse monstro eu expus uma pessoa inocente. Eu condenei a morte uma inocente para salvar um monstro.

RUI - Um homem que estuprou e matou a filha. Que arremessou no chão a filha recém nascida porque não parava de chorar e trazendo sequelas a criança. Um homem que deu veneno de rato e matou a esposa com câncer para acelerar sua morte e ficar com as amantes.

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LEONARDO (Com as mãos na cabeça) - Eu não acredito..Isso é um pesadelo..

RUI - Mas você se deu muito bem com isso também Leonardo. Enriqueceu, ganhou poder, prestígio e fama. Não tem do que reclamar.

LEONARDO - Por quê eu? Com tantos advogados famosos, com currículo por quê eu?

RUI – Você é muito talentoso e extremamente ambicioso. Sua vaidade e ambição lhe cegam. Se acha muito inteligente, mais esperto que os outros e não percebe que isso te deixa cego e burro. A marionete perfeita que precisávamos. Graças a seu ego salvou o Gentil sem ao menos se dar ao trabalho de contestar a história e salvou vários de nossos parceiros e amigos da cadeia ao longo dos anos. Nunca ganhamos tanto dinheiro quanto nesse período.

PADRINHO - Mas não é só isso. Você é o meu sucessor. O que vai herdar tudo isso aqui. Aproveitei a situação para te trazer para o seio de nossa família e fazer de você o homem poderoso que merece.

LEONARDO - Mas por quê?

PADRINHO (Sorrido) - Porque você é meu filho.

LEONARDO – Não Padrinho, impossível isso. Ninguém sabe quem é o meu pai. Eu sou fruto de um estupro, minha mãe foi estuprada.

(Padrinho continua sorrindo)

LEONARDO - Você estuprou a minha mãe?

PADRINHO - Nada pessoal, acontece meu filho, homens tem desejos. Mas vou fazer de você o homem mais poderoso dessas terras.

RUI - É um homem de sorte Leonardo. Agradeça a Deus..Ah, você não acredita em Deus..

PADRINHO (Estendendo a mão) - Tome minha mão Leonardo. Peça a benção a seu pai.

(Leonardo se aproxima devagar e pega a mão de Padrinho)

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PADRINHO - Beije a mão de seu pai.

(Leonardo em vez de beijar morde a mão. Dá um soco em Padrinho que cai no chão. Pega uma arma na cintura e põe no rosto de Padrinho. Rui também põe uma no rosto de Leonardo)

RUI - Se você atirar morre filho da puta!! Solta essa porra!! Solta essa porra!!

LEONARDO - Que se foda!! Vai morrer todo mundo sessa porra agora!!

PADRINHO - Se eu fosse você me soltava e corria pra casa.

LEONARDO - Do quê você ta falando seu verme??

PADRINHO – Hoje cedo o Gentil me disse que ia finalizar a vadia.

LEONARDO – Bianca!!

(Leonardo sai correndo de cena)

RUI - Eu vou pegar esse filho da puta!!

PADRINHO - Deixa..Deixa..(Pega o celular e digita) Alô? Delegado Bibelô? Tudo bem? É Padrinho. Delegado, tenho uma boa pra te passar. Um crime que vai acontecer.

(A luz apaga e se acende com Bianca caída no chão chorando e Gentil se levantando e abotoando a calça)

GENTIL - Vadia gostosa..Gostosa como eu imaginava.

(Leonardo entra em cena correndo com a arma na mão)

LEONARDO – Filho da puta!!!

GENTIL (Sorrindo com as mãos para cima) - Sou inocente.

(Leonardo descarrega a arma em Gentil lhe matando. A luz apaga e acende com Leonardo e o padre em cena)

LEONARDO - Bem...Essa é a minha história.

PADRE - É..Realmente é impressionante.

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LEONARDO - A vida é irônica. Eu que fiz tantos e tantos escaparem da pena de morte serei o primeiro brasileiro em tempos democráticos executado pela pena.

PADRE – Tempos de ódio. Onde um homem que não cumpre a lei e executa um pretenso assassino da filha vira herói mesmo sendo o pior dos bandidos e a pena de morte é instaurada como solução de todos os problemas. Só não consegue solucionar a maldade humana e a cabeça vazia de pessoas que querem justiça a qualquer preço.

LEONARDO - E o monstro que eu matei hoje é cultuado e recebe fila de fiéis em seu túmulo.

PADRE – Mandaram pedido de beatificação para o Vaticano. Alguns fiéis dizem que ele é responsável por milagres em suas vidas.

LEONARDO - A maior farsa de uma nação é a ignorância.

PADRE - Aceite Deus enquanto é tempo. Só Deus nos livra da maldade dos homens.

(O guarda entra com Marcelo e Bianca)

GUARDA - Está na hora.

LEONARDO (Beijando a mão do padre) - A benção padre.

PADRE - Deus te abençoe meu filho.

BIANCA (Abraçando e beijando Leonardo) - Te amo!! Vou te amar pra sempre!!

LEONARDO - Desculpe por tudo que eu fiz fofuxa. Eu amo você..Seja feliz.

MARCELO (Abraçando Leonardo) - Você sempre será meu mano caçula e brilhante.

LEONARDO - E você meu irmão mais velho íntegro e honesto. O homem mais íntegro que tive o prazer de conhecer.

GUARDA - Vamos.

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(O guarda e Leonardo caminham para o outro lado o palco. A luz se acende e tem uma cadeira. Leonardo é algemado, senta na cadeira e é colocada uma cuia em sua cabeça. A cena fica um pouco em silêncio)

LEONARDO (Gritando) - Eu acredito em Deus!!

(A luz se apaga e a sonoplastia coloca barulho de choque)

FIM