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Risco Natural de Erosão versus Cartografia da REN em Pombal: uma
Aplicação dos SIG às Geociências
Natural Risk of Erosion versus Mapping of the REN in Pombal: an
Application of the GIS to the Earth Sciences
Fernando A.L. Pacheco1, Paulo A. Sá Moreiras2, Rui L.S. Matias3 1Departamento de Geologia, UTAD, 5000 Vila Real, 2Pombal Projecto, Lda., Pombal, 3Consultor em Recursos Geológicos, Leiria.
[email protected], [email protected], [email protected]
SUMÁRIO O presente trabalho compara áreas com risco natural de erosão, estabelecidas pela Equação Universal das Perdas do Solo (EUPS), com áreas com risco de erosão delineadas na cartografia da Reserva Ecológica Nacional (REN) do concelho de Pombal. A aplicação da EUPS demonstra que as zonas com risco natural de erosão elevado a muito elevado estão ausentes da área em estudo. Estes resultados não se alinham com a cartografia de risco de erosão definida na REN, que é extensa, por que a REN assenta somente no parâmetro topográfico da EUPS.
Palavras-chave: risco natural de erosão, Reserva Ecológica Nacional
SUMMARY The present work makes a comparison between areas with natural risk of erosion as established by the Universal Equation of Soil Losses (EUPS) and areas of erosion risk as drawn in maps of the National Ecological Reserve (REN) of Pombal. Application of the EUPS demonstrates that the areas with high and very high natural risk of erosion are absent from the study area. This is at odds with the cartography of erosion risk defined in the REN, which is rather extensive, because the REN is standing solely on the topographic parameter of the EUPS.
Key-words: natural risk of erosion, National Ecological Reserve
Introdução Na cartografia da Reserva Ecológica Nacional (REN) o risco de erosão é interpretado como uma função meramente topográfica, normalmente associada a declives superiores a 30%, situação que se considera manifestamente insuficiente quando é por demais reconhecido que o risco de erosão, quando encarado cientificamente, deve tomar em consideração, além do factor topográfico, factores como o clima, o tipo de solo e o uso da terra. Para termos uma ideia dos efeitos que a inclusão de todos estes parâmetros poderia ter no desenho de áreas com risco de erosão a incluir em cartografias de REN, seleccionamos uma área de estudo no concelho de Pombal, calculamos para essa área o risco natural de erosão utilizando a Equação Universal das Perdas do Solo, e comparamos os resultados obtidos com a cartografia da REN em vigor para a mesma área.
Breve Descrição da Metodologia O risco natural de erosão (e, Tab. 1) pode ser definido como o quociente entre a perda tolerável de solo (Atolerável) e o produto da prática de conservação (P) pelo potencial natural de erosão (PNE) [1]:
e = PNEP
Atolerável
× (1)
A variável Atolerável expressa a quantidade média de sedimentos que um solo pode perder anualmente (Tab. 2), representando a intensidade máxima de erosão que ainda permitirá a sua posterior utilização, mantendo-se a mesma económica e com um elevado nível de produtividade. O factor P é a relação entre a intensidade de perdas de solo com uma determinada prática de conservação e aquelas que ocorrem quando não está implementada qualquer prática de conservação (Tab. 3).
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Tab. 1: Classificação do risco natural de erosão [1]. Grau Risco natural de
erosão (e) Indicação geral de uso e manutenção
Muito Alto < 0.0010 Manutenção da cobertura natural
Alto 0.0011−0.0170 Pastagem com manutenção, reflorestação
Moderado 0.0171−0.0880 Pastagem sem manutenção
Baixo 0.0881−0.2000 Cultura perene ou semi-perene, com manutenção
Muito Baixo
> 0.2001 Cultura anual
Tab. 2: Valores de Atolerável e K para diferentes tipos de solo [1].
Tipo de solo Atolerável (t ha−1 ano−1)
Factor K (MJ mm ha−1 h−1 ano−1)
Solos sujeitos a encharcamento (gleisolos e fluvisolos)
0.0 0.0000
Solos argilosos (vertissolos, luvissolos)
4.5 0.0350
Solos arenosos e cascalhentos de profundidade reduzida (cambisolos e antroposolos)
6.8 0.0296
Solos arenosos e cascalhentos de profundidade elevada
15.0 0.0175
Tab. 3: Valores de P para algumas práticas de conservação [1]. Prática de conservação P
Sem prática de conservação 1.0
Prática de conservação através da construção de terraços
0.5
Prática de conservação através de vegetação permanente (p.e. envolvência florestal)
0.2
A variável PNE considera os parâmetros do meio físico, sendo descrita por: PNE = R×K×L×S (2) em que: R − factor erosividade da chuva (MJ mm ano−1 h−1); K − factor erodibilidade do solo (h t ha−1 MJ−1 mm−1); L×S – factor topográfico, com L representando o factor comprimento de rampa (sem dimensões) e S o factor grau de declive (sem dimensões).
Variável R: O factor erosividade da chuva (R) é um índice numérico que expressa a capacidade erosiva da chuva sobre uma área sem protecção. R é o somatório das médias mensais do índice EI:
0.7592
Pr89.823EI ⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛×= (3)
em que: EI – erosividade média mensal do mês i (MJ mm ha−1 h−1); r – precipitação média mensal do mês i (mm); P – precipitação média anual (mm). Variável K: A erodibilidade de um solo pela água é determinada pelas suas propriedades intrínsecas (permeabilidade, capacidade de absorção da água), que afectam a velocidade de infiltração da água no solo, e pelas propriedades que lhe conferem resistência à dispersão, ao salpicamento, à abrasão e às forças de transporte da chuva (Tab. 2). Factor Topográfico (L×S): A intensidade da erosão hídrica é variável dependendo do percurso que a água descreve por unidade de área, o qual é função directa da inclinação e exposição das vertentes ou seja de um factor topográfico. No cálculo do factor topográfico (L×S) foi utilizado o método da divisão da bacia em rampas. As rampas são células de base quadrangular com inclinação e exposição constantes. O percurso da água sobre uma rampa é designado comprimento da rampa (L) e é calculado pela formula:
( ) ( ) ( )( )φφθ
sencoscos
l+×=L (4)
em que: l – comprimento do lado da base quadrangular da rampa (m); θ – ângulo de inclinação da rampa (º); φ – ângulo de exposição da rampa (º). O factor L×S é calculado pela equação: L×S = 0.00984×L0.63×S1.18 (5) em que S é o declive médio da rampa (%).
Área em Estudo A área em estudo compreende um sector do território Português pertencente ao concelho de Pombal, com 3.5 × 4 km (14 km2 de área), localizado na folha nº 286 da Carta Militar de Portugal entre as coordenadas Hayford-Gauss referidas ao Ponto Central M = –41000 m, P = 15000 m e M = –37500 m, P = 19000 m (Fig. 1).
Aplicação da EUPS à Área em Estudo Na aplicação da EUPS à área em estudo utilizou-se uma ferramenta SIG (ArcGIS), pois havia por um lado a necessidade de quantificar no espaço os vários parâmetros envolvidos e por outro a necessidade de combinar os mapas parcelares resultantes desses cálculos num mapa final que expressasse de forma singular o risco natural de erosão. A quantificação espacial das diversas variáveis assentou na definição prévia de células com 50×50 m sendo descrita de forma breve nos parágrafos seguintes.
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Fig. 1: Localização da área em estudo.
Variável R: A determinação de R teve por base os dados de precipitação relativos às estações udométricas de Albergaria dos Doze, Pombal e Vale Salgueiro (Tab. 4, metade superior). A partir desses dados calcularam-se os índices EI de cada mês utilizando a Eq. (3). Somando-se os EI de cada mês obtiveram-se os valores de R relativos a cada estação (Tab. 4, metade inferior).
Tab. 4: Dados e resultados do cálculo da variável R. Coordenadas M e P no sistema Hayford-Gauss com origem no Ponto Central. Valores de EI calculados a partir das precipitações utilizando a Eq. (3). R = ∑ EI. Dados da precipitação em www.inag.pt. CÓDIGO 15F/01 14F/01 14E/03 NOME ALB. DOS DOZE POMBAL V. SALGUEIRO M (m) -38820 -42065 -50088 P (m) 14958 26141 23536
OUT 224.7 183.4 123.15 NOV 110 91 84 DEZ 75 76 JAN 90 66 113 FEV 66 54 55 MAR 38 30 93 ABR 45 39 44 MAI 108 58 20 JUN 5 2 22 JUL 1 1 7 AGO 0 44 10 SET 0 0 50
Prec
ipita
ção
(mm
)
Ano 688 644 698 OUT 2342 1808 930 NOV 790 627 523 DEZ 465 450 JAN 581 386 815 FEV 362 286 277 MAR 159 116 609 ABR 207 169 193 MAI 769 311 58 JUN 7 2 67 JUL 1 1 13 AGO 0 209 20
EI
SET 0 0 237 R 5218 4380 4190 Variáveis Atolerável e K: A área estudada é coberta por cambisolos cálcicos e êutricos, pelo que, de acordo com a Tab. 2, o Atolerável é representado pelo valor 6.8 t ha−1 ano−1 e o K pelo valor 0.0296 MJ mm ha−1 h−1 ano−1.
Factor Topográfixo (L×S): A determinação do factor L×S assentou no cálculo prévio do Modelo Digital do Terreno relativo à área em estudo (Fig. 2). A parir desse modelo calcularam-se o mapa de declives, o mapa de inclinações e o mapa de orientação de encostas. O mapa de declives é representativo da variável S enquanto que os mapas de inclinações e orientação de encostas, articulados através da Eq. (4), permitiram o cálculo da variável L. Finalmente, conjugando os mapas relativos às variáveis S e L, através da Eq. (5), foi possível desenhar o mapa relativo ao factor topográfico.
Fig. 2: Modelo digital da envolvente à área em estudo. Coordenadas marginais no sistema Hayford-Gauss com origem no Ponto central.
Variável P: O uso do solo na área estudada (Fig. 3) é dominado essencialmente pela ocupação florestal (sector SE), pela ocupação agrícola (sector NW), e pela ocupação semi-natural e urbana (zonas alteradas por utilização antrópica diversa, dispersas por toda a área). Tendo em consideração este enquadramento e os valores da variável P expressos na Tab. 3, procedeu-se à seguinte atribuição: (a) áreas de floresta – P = 0.2; (b) áreas semi-naturais e urbanas – P = 0.5. Note-se que estas áreas, principalmente as semi-naturais, apresentam normalmente plataformas resultantes da actividade antrópica, que podem ser comparadas a terraços; (c) áreas agrícolas – P = 1.0.
Resultados Articulando os dados relativos às diferentes variáveis da EUPS através da Eq. (1) produziu-se o mapa de risco de erosão relativo à área em estudo, que se apresenta na Fig. 4. Pode constatar-se que as áreas com risco de erosão elevado a muito elevado estão ausentes da área estudada, enquanto que as áreas com risco de erosão moderado representam um pouco mais de metade da mesma. O restante é ocupado por zonas com risco baixo a muito baixo.
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Fig. 3: Mapa de uso do solo da área estudada.
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Fig. 4: Mapa de risco natural de erosão da área estudada.
Comparação dos Resultados Obtidos com a Cartografia de Risco de Erosão do PDM de Pombal A cartografia de risco de erosão do PDM de Pombal relativa à área em estudo apresenta-se na Fig. 5 (manchas designadas REN-RE). A figura torna evidente que, com excepção dos sectores assinalados como “A” e “B”, as manchas de REN-RE coincidem basicamente com as manchas da variável S (declive) da EUPS que satisfazem a condição S > 15%.
Fig. 5: Áreas com S > 15% versus cartografia de risco de erosão do PDM de Pombal..
Relativamente aos sectores assinalados como excepções, pode referir-se o seguinte: Sector “A” − existe uma discrepância entre as manchas REN-RE e as manchas de declive, pois neste sector S > 15% sem que no mesmo esteja assinalada nenhuma mancha de REN-RE; Sector “B” − existe uma relação entre as manchas de REN-RE e as zonas com declive > 10%.
Conclusões O estudo efectuado permite, no caso em concreto, concluir o seguinte:
A cartografia da REN do PDM de Pombal, no que concerne às áreas com risco de erosão, tomou em consideração critérios eminentemente topográficos, desqualificando factores como o clima, o tipo de solo ou o uso da terra.
Em consonância, a área em estudo foi abrangida por diversas manchas de REN-RE.
Uma avaliação mais rigorosa do risco de erosão, assente na Equação Universal das Perdas de Solo, exclui da área estudada qualquer área com risco de erosão muito elevado ou elevado.
Em nosso entender, faria todo o sentido que os resultados obtidos fossem tomados em consideração no desenho de futuras áreas de REN, na vertente risco de erosão.
Referências Bibliográficas [1] Alberto Kazutoshi Fujihara (2002). Predição de Erosão e Capacidade de Uso do Solo numa Microbacia do Oeste Paulista com Suporte de Geoprocessamento. Piracicaba. 118p. Dissertação (Mestrado) — Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.