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Risco de nova crise global é maior

6 de agosto de 2011 | Categorias: 1

Íntegra da entrevista com o diretor

do FMI, Paulo Nogueira Batista Jr.

Há quatro anos no posto de diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, representando o Brasil e mais oito países da América Latina e Caribe, o economista Paulo Nogueira Batista Jr. tem uma visão privilegiada do cenário econômico mundial que ficou mais tenso quando as bolsas de valores derreteram quinta-feira. Para o economista, que emite opiniões em caráter pessoal e não em nome do FMI, aumentou o risco de repetição de uma situação de crise semelhante à de 2008. As causas principais são a falta de perspectiva de crescimento das economias dos Estados Unidos e Europa e as dificuldades de países obterem crédito para financiar suas dívidas. Segundo ele, o rebaixamento da nota dos títulos americanos pela agência Standard & Poors vai repercutir muito segunda-feira.Se uma nova crise chegar, Batista avalia que o Brasil está mais preparado para enfrentá-la, embora não descarte surpresas, especialmente em torno do endividamento privado em dólar.

O economista, que é casado com a catarinense Lia Soncini e passa período de férias em Santa Catarina, falou nesta entrevista, também, sobre a necessidade de o país acertar a posição cambial, luta de poder dentro do FMI, risco de perda de hegemonia pelos EUA, avanço da China e outras questões da economia brasileira e mundial. Preferiu não comentar o episódio que afastou o francês Dominique Strauss-Khan da presidência do FMI.

Há motivos para o derretimento dos mercados?

Paulo Nogueira Batista _ Essa onda de pessimismo se insere no contexto da crise mais ampla. De repente, os mercados resolveram focar na acumulação de indícios vindos dos Estados Unidos e da Europa principalmente, de que a situação econômica é mais grave do que parecia.Os indícios de desaceleração da economia americana, as dificuldades da Itália e Espanha nos mercados de crédito, a incerteza quanto ao rumo do processo de salvamento da Grécia e contenção do contágio. Há a sensação de que a solução do limite de endividamento público dos EUA foi uma solução enganosa porque abalou a credibilidade dos EUA de um lado e passa a impressão de que o problema fiscal americano não foi enfrentado, apesar de todo o investimento político e parlamentar que houve nas últimas semanas para tentar chegar a um pacote crível. O pano de fundo dessa turbulência no mercado de ações é que há percepção generalizada de que tanto os EUA quanto a Europa empurraram o problema com a barriga. A Europa, com aquele acordo parcial alcançado na reunião dos líderes, em Bruxelas, há duas semanas; e os EUA, com esse acordo incompleto, esse esparadrapo, que os republicanos e a Casa Branca costuraram. A coisa começa a ficar feia porque há incapacidade política para encontrar soluções convincentes nos dois principais centros mundiais. Aí começa um nervosismo generalizado.

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Como analisa o rebaixamento da nota de crédito dos EUA de AAA para AA+ pela agência de avaliação de risco Standard & Poors?

Batista _ Não foi uma decisão totalmente inesperada. O próprio secretário do Tesouro dos EUA Thimoty Geithner disse que não sabia que efeito teria todo o processo tumultado do aumento do limite de endividamento sobre a classificação de risco americano. Acredito que essa redução seja devido ao processo tortuoso de ampliação do limite endividamento. É um fato marcante, é a primeira vez que os títulos americanos deixam de ser considerados AAA por uma grande agência. E claro que agências pequenas dos EUA e uma agência chinesa já tinham reduzido a nota. A decisão da S&P vai repercutir muito segunda-feira. O processo da dívida foi tortuoso e o resultado, incerto. O governo e o Congresso fecharam um plano que tem ordem de magnitude, mas não tem especificação. A briga política entre republicanos, democratas e a Casa Branca lançou um foco agudo de atenção sobre as debilidades fiscais americanas. Elas já existiam, mas ressaltaram a existência do problema. Aí criou-se uma crise tremenda e a montanha pariu um rato. Apenas aumentou o limite de endividamento sem dar uma solução ao problema.

Na sua opinião, há risco de uma nova crise global?

Batista _ Na minha avaliação, aumentou o risco de repetição de uma situação de crise semelhante a de 2008. Não é que seja provável, mas esse risco existia antes e foi ampliado com esse quadro que acabo de resumir.

Que impactos pode causar à economia brasileira?

Batista _ Isso vai depender da intensidade da crise externa. Vamos supor, só para raciocinar, que essa nova crise tenha intensidade semelhante. Eu acredito que o Brasil está mais preparado do que estava em 2008 porque as reservas brasileiras aumentaram, o país adquiriu uma certa experiência em lidar com a crise, tem alguns instrumentos que pode acionar, não só as reservas, mas os depósitos compulsórios, o Banco Central e o Tesouro podem reagir com mais rapidez no caso de uma reversão do fluxo de capitais. É claro que, se houver um choque externo semelhante ao de 2008 ninguém fica imune. O Brasil é um país importante, um dos mais protegidos, mas não é invulnerável.

Porque o Brasil não é invulnerável?

Batista _ Nós acumulamos alguns problemas, deixamos se agravar, notadamente, a valorização cambial. E aí a pergunta que a gente sempre faz e não sabe direito a resposta é: quantas vulnerabilidades se acumularam no sistema econômico e que você só se dá conta depois que a crise estoura? Em 2008, apareceu um problema não conhecido, empresas não-financeiras (Sadia, Aracruz e muitas outras) tinham acumulado apostas em derivativos numa valorização do real que de repente se reverteu. Não estou dizendo que isso vai acontecer de novo. O setor público é credor em moeda estrangeira, mas o setor privado acumulou dívidas em dólares porque é mais fácil se endividar em dólar. Exatamente porque isso estava acontecendo, o Brasil adotou medidas de caráter prudencial, para restringir o ímpeto de proteger o sistema financeiro contra uma possível reversão do quadro mundial. Já aconteceu tantas vezes, se acontecer de novo, ninguém pode alegar inocência.

A demora do congresso americano para ampliar a capacidade de endividamento do país abalou a credibilidade dos EUA?

Batista _ Eu creio que a maioria das pessoas que acompanhava isso nos mercados internacionais não acreditava que os EUA poderiam chegar a uma moratória, como, de fato, não chegaram, no fim das contas. Mas o que surpreendeu e que, se voltasse no tempo, dois ou três meses atrás, em

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relação às expectativas que as pessoas tinham sobre o Congresso americano, o governo americano, se viu um processo extremamente tumultuado, desgastante, ineficiente, politicamente conflitivo e isso abalou bastante a credibilidade dos Estados Unidos. Eles continuam sendo emissor de moeda referência internacional, a maior economia do mundo, mas o prestígio dos EUA, que já tinha sido abalado com a crise de 2008, sofreu um novo baque importante com o calvário a que submeteram o presidente Obama nessas negociações. A disfuncionalidade da política americana, os partidos, especialmente da ala mais radical do partido republicano ficou aparente.

Quais são as expectativas de crescimento da economia americana?

Batista _ A minha percepção é de que os EUA vão demorar para sair da crise. Eles começaram a se recuperar da crise 2008-2009 de maneira hesitante. As últimas indicações são de que a economia voltou a desacelerar, a redução de desemprego foi modesta, a taxa de desemprego segue altíssima e o legado da crise em termos de desestruturação das finanças públicas, em termos de inchamento do balanço do Banco Central, o Federal Reserve, é elevado. Os Estados Unidos gastaram muita munição fiscal, sobretudo monetária no enfrentamento da crise e não chegaram a resolvê-la. Então, hoje, se houver um recrudescimento da crise por alguma razão, a munição fiscal e monetária que os americanos têm para enfrentar uma nova rodada de instabilidade é muito menor.

Em diversos momentos da história, os EUA mostraram capacidade de dar a volta por cima. Podem surpreender mais uma vez?

Batista _ Essa é uma grande e importante questão. É evidente que os americanos estão atravessando uma crise grave, que não vai se resolver imediatamente. É uma crise econômica e também política. Mas isso é mais um episódio de grande dificuldade que os americanos enfrentam. Eles vão dar a volta por cima e reagir ou esse é o início do declínio dos Estados Unidos como grande potência? Essa questão ainda não está clara porque, por um lado a crise é gravíssima, os sintomas de degeneração do sistema americano são visíveis, no meu entender. Mas, não é a primeira vez que se anuncia o declínio dos EUA. São vários os exemplos. Quando terminou a guerra do Vietnã, inúmeros especialistas, historiadores e jornalistas diziam que os EUA estavam entrando em declínio. Quando o dólar perdeu sua ligação com o ouro e houve colapso do sistema de Breton Woods, quando o governo Carter teve crise econômica , também anunciaram declínio. A verdade é que eles souberam dar a volta por cima em vários momentos. Voltando mais na história, os EUA quase desapareceram como nação na guerra civil (Guerra de Secessão, de 1861 a 1865), mas eles conseguiram se manter unidos. É difícil dizer se há uma crise grave e os americanos poderão superar, ou se temos uma mudança paradigmática, dos americanos entrando num declínio de longo prazo.

Há um país ou bloco com capacidade para assumir essa liderança?

Batista _ Estamos vivendo uma situação muito peculiar. Velhas potências do Atlântico Norte, EUA e Europa estão atravessando uma crise sem precedentes. Posso dizer, com isenção, que os emergentes não estão preparados para ocupar o espaço de liderança que está sendo deixado. Estamos numa fase de multipolaridade instável. Com vários centros de poder emergente, como a China, a Índia e o Brasil. Há dois grandes blocos de poder importantíssimos, os EUA e Europa, mas com dificuldades muito sérias.

E a China?

Batista _ A China está renascendo como grande potência depois de 200 anos de inferioridade. Ela tem espaço para crescer porque tem uma população mais jovem, uma renda per capita muito baixa, bem inferior a do Brasil, tem muito terreno a recuperar. Eu não vejo a China substituindo

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os EUA no decorrer das nossas vidas como potência hegemônica. Ela vai ser cada vez mais importante no mundo, a Índia também, o Brasil também. O poder está se deslocando dos velhos centros para grandes países da periferia. Mas esse não é um processo linear. Não se pode excluir a hipótese de um grande emergente entrar numa crise cíclica grave. Mas a tendência de longo prazo se acentuou com a crise. O peso dos países em desenvolvimento na economia mundial vai ser crescente.

Apesar da crise, o mercado americano é, ainda, uma boa aposta para as empresas?

Batista _ O americano é um mercado imenso ainda, representa algo como 20% a 25% da economia mundial, é um mercado muito aberto, há protecionismo, mas um protecionismo seletivo, concentrado em alguns setores. Não é um mercado dinâmico no momento, entrou numa fase de crescimento lento e não se vê uma recuperação no horizonte visível.

O senhor está dentro do FMI, que teve um papel importante na negociação dos acordos em países em crise na Europa. Como vê o cenário europeu?

Batista _ No caso da Europa é mais nítido do que nos Estados Unidos o declínio de longo prazo do continente, o envelhecimento. É claro que a Europa tem um capital econômico e intelectual extraordinário, mas eles estão consumindo esse capital. A crise europeia, no meu entender, é mais grave do que a americana, tem uma dimensão de governança inadequada. As instituições são muito complexas e pouco adaptadas a uma situação de instabilidade e crise. Durante a fase áurea da economia mundial, a “grande moderação”, as fragilidades das instituições europeias não ficaram muito aparentes. Mas agora que chegou a hora da onça beber água, os europeus estão batendo com a cabeça sem encontrar uma solução para os seus problemas. Estão sempre reagindo de forma atrasada. Hoje, a minha tendência é achar que os europeus se precipitaram quando foram para a unificação monetária sem ter feito, antes, uma unificação fiscal e, mais do que isso, política. Antes, quando os ventos eram favoráveis, essa tensão entre governos nacionais, política fiscal nacional e política monetária continental não era tão aparente. Agora, quando a crise bateu dura a partir de 2008, as fissuras estão aparecendo em tudo quanto é lado. Além da Grécia, Portugal e Irlanda são os mais óbvios, mas, agora, o problema aparece também na terceira e quarta maiores economias da eurozona, que são a Itália e a Espanha. Você tem hoje uma situação em que os conflitos de interesse nacional dentro da Europa são de tal ordem que a governança está claudicando.

Quais são os maiores desafios da Europa?

Batista _ A palavra envelheceu eu usei no sentido literal e metafórico. Literal porque a idade média da população tem aumentado ao longo do tempo. São populações, em média, mais velhas do que em anos atrás. Em muitos países a população está estagnada ou declinante e a reposição se faz, em larga medida, pela imigração. Mas os europeus não aceitam imigrantes. É incrível dizer que um país como a Suíça colocou em plebiscito se deveriam autorizar ou não a construção de minaretes (pequenas torres de mesquita para anunciar aos muçulmanos a hora das orações) e os votos contrários venceram. Isso é um sintoma da intolerância europeia. Isso atinge, gravemente, o dinamismo econômico do continente. Os europeus estão repousando sobre seus próprios louros, com férias imensas, benefícios sociais imensos. Eu lembro de ler isso de pensadores europeus do século 19, que falavam da carga da história. As novas gerações vivem esmagadas no peso desse passado riquíssimo. A China é mais antiga, mas ela não tem isso porque ela passou por um longo eclipse, onde ela foi dominada, semicolonizada por europeus.

Como o Brasil está sendo visto lá fora?

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Batista _ Estou na diretoria do FMI há quatro anos. Desde que eu cheguei lá, em 2007, o Brasil é visto como um sucesso, uma grande oportunidade, um mercado atraente, um país bem administrado, cada vez mais ouvido, mais influente. Isto continua, mas não é um processo linear. Há revezes. No momento, por exemplo, com essa crise tão grave na Europa e dificuldades nos EUA, eu sinto que as velhas potências do Norte, no desespero das suas próprias crises, estão refluindo para uma posição mais excludente na rodada de decisões no plano internacional. Comparado com o que foi feito após a crise de 2008, quando o G20 foi transformado no principal foro internacional, quando o FMI passou a ter maior influência, países como Brasil, China e Índia também. Agora estou sentindo um refluxo, até um certo renascimento do G7 em 2011, uma certa perda de expressão, não sei se temporária ou não, do G20.

E as disputas de poder no FMI?

Batista _ Quanto ao FMI, estou sentindo uma maior resistência dos europeus e americanos às posições dos países emergentes. Os conflitos, que nunca deixaram de ser grandes, se exacerbaram. A tensão e a luta pelo poder dentro do FMI e no plano internacional de modo geral se acentuou. Aquele clima de cooperação logo após a crise de 2008 se enfraqueceu. Os europeus não conseguem, sequer, se coordenar entre eles e têm enorme dificuldade para aceitar conversar com emergentes. Tanto os europeus quanto os americanos reagem muito mal a essa perda de importância relativa. A agência de classificação de risco chinesa ousando a rebaixar a nota americana. Esses países estão acostumados a dar as cartas desde o século 19, desde a Revolução Industrial inglesa até os dias de hoje, há um longo domínio da Europa e suas ex-colônias. É um processo perigoso porque as tensões se exacerbam. Como acomodar nas instituições internacionais esses países emergentes que não querem que europeus e americanos se comportem como antes. A China financia os Estados Unidos e Europa. A crise europeia é a crise da China. O que foi a crise de 2008 e 2009 senão o resultado de uma grande irracionalidade dos mercados financeiros e uma enorme abdicação de responsabilidade por parte das autoridades monetárias dos maiores países do mundo? Era visível que havia uma bolha.

Quais são os desafios da economia brasileira, na sua opinião?

Batista _ O quadro econômico geral do Brasil é bom. Tem desafios importantes que precisam ser enfrentados, temos que evitar que a inflação escape do controle, que a grande valorização cambial continue solapando a competitividade da economia e prejudicando a indústria. O governo está tentando fazer isto. Só nos últimos 15 dias baixou dois conjuntos de medidas, um na área cambial, outro na área comercial e industrial que visam enfrentar esse problema do câmbio e da competitividade da economia. Por que isto é importante? Uma das razões do prestígio brasileiro é que lá fora eles ficaram impressionados da maneira como o país atravessou a crise mundial. Sofremos por um período curto e a nossa economia se recuperou rapidamente. Enquanto os países desenvolvidos estão lutando contra a estagnação, o Brasil, até há pouco, lutava contra o risco de superaquecimento. Isto impressiona.

Que cuidados o Brasil tem que ter?

Batista _ Estamos lutando contra o que se chama em francês de embarras de richesses (abundância que atrapalha). Como a percepção sobre o Brasil é muito favorável e há muita liquidez no mundo, países como o Brasil atraem enorme fluxo de capitais. Nós também estamos sendo beneficiados pela alta dos preços das commodities exportadas pelo país. Qual é o cuidado que o Brasil tem que ter? Não repetir experiências do passado, que embarcamos em ondas internacionais favoráveis e, quando a onda muda, o Brasil é pego a descoberto. Isso está na cabeça dos nossos governantes e lideranças, mas a pressão diária para que a gente esqueça esse risco é muito forte. Por isso os elogios são perigosos. É muito mais fácil lutar contra embarras de richesses do que contra escassez. Mas é uma luta difícil também. O Brasil está com dificuldade de

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controlar a inflação, de evitar uma valorização excessiva do câmbio. Em qualquer grande cidade europeia e americana que você vá hoje, há brasileiros em tudo quanto é lado. Aquela rede gaúcha Fogo de Chão tem restaurante em Washington e em Brasília. O de Washington está mais barato que o de Brasília para o brasileiro, em reais. Então, tem alguma coisa profundamente errada com a taxa de câmbio brasileira. Não é benéfico para o país que persista essa valorização. O governo tem, sim que se empenhar, tomar medidas, pode até cometer erros no processo de tentar acertar a posição cambial, mas terá que agir.