rio grande do norte 2006: eleiÇÕes atÍpicas? · 2009-12-16 · ciências sociais do cchla da...

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RIO GRANDE DO NORTE 2006: ELEIÇÕES ATÍPICAS? José Antonio Spinelli Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do CCHLA da UFRN INTRODUÇÃO O objetivo desse trabalho é analisar o processo sociopolítico relativo à campanha e às eleições para o Governo do Estado do Rio Grande do Norte em 2006. Entende-se que esse processo envolve uma densa trama de eventos, que incluem acordos, pactos e negociações nem sempre acessíveis ao público, além da decisão dos eleitores compreendendo um amplo conjunto de variáveis. Nesse sentido, atentando para a complexidade do processo, abordaremos sua parte visível, sobretudo a campanha eleitoral, a propaganda, as alianças e coligações e os resultados eleitorais. Do ponto de vista metodológico, recorremos sistematicamente à cobertura da imprensa escrita, local e nacional, da televisão, às pesquisas de intenção de voto e aos dados dos tribunais eleitorais. Atentamos, sobretudo, para o jogo estratégico das forças políticas estaduais, articuladas às forças nacionais e às implicações desse jogo para o desempenho do sistema democrático representativo. ANTECEDENTES As eleições de 2006 para o governo do estado marcam um ponto de inflexão na história política recente do Rio Grande do Norte. A governadora Wilma de Faria, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), reeleita para exercer um novo mandato, faz uma campanha em condições bem distintas das do pleito anterior (2002), enfrentando diretamente as duas principais forças políticas do cenário estadual nas últimas décadas. Aparentemente, ela consolida algo que tem sido objeto de especulação na mídia local e nos meios acadêmicos: a “terceira força” política no panorama do estado. Parece estranho que isso tenha acontecido através de um ator político gestado nas entranhas do regime autoritário e que se serviu largamente dos recursos do clientelismo e da patronagem, impondo um estilo de liderança pautado no personalismo (Spinelli, 2006; Evangelista, 2006; Oliveira, 2005). Recorde-se que a atual governadora inicia sua carreira política na gestão do ex-marido, governador Lavoisier Maia Sobrinho (1979-1982), desenvolvendo atividades assistenciais na condição de primeira dama do estado. Em seguida, assume o cargo de Secretária Estadual de Ação Social no governo do primo, José Agripino Maia (1983-1986). É nesse momento, precisamente em 1985, que concorre

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RIO GRANDE DO NORTE 2006: ELEIÇÕES ATÍPICAS?

José Antonio Spinelli Professor do Programa de Pós-Graduação em

Ciências Sociais do CCHLA da UFRN

INTRODUÇÃO

O objetivo desse trabalho é analisar o processo sociopolítico relativo à

campanha e às eleições para o Governo do Estado do Rio Grande do Norte em 2006. Entende-se que esse processo envolve uma densa trama de eventos, que incluem acordos, pactos e negociações nem sempre acessíveis ao público, além da decisão dos eleitores compreendendo um amplo conjunto de variáveis. Nesse sentido, atentando para a complexidade do processo, abordaremos sua parte visível, sobretudo a campanha eleitoral, a propaganda, as alianças e coligações e os resultados eleitorais. Do ponto de vista metodológico, recorremos sistematicamente à cobertura da imprensa escrita, local e nacional, da televisão, às pesquisas de intenção de voto e aos dados dos tribunais eleitorais. Atentamos, sobretudo, para o jogo estratégico das forças políticas estaduais, articuladas às forças nacionais e às implicações desse jogo para o desempenho do sistema democrático representativo.

ANTECEDENTES As eleições de 2006 para o governo do estado marcam um ponto de inflexão

na história política recente do Rio Grande do Norte. A governadora Wilma de Faria, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), reeleita para exercer um novo mandato, faz uma campanha em condições bem distintas das do pleito anterior (2002), enfrentando diretamente as duas principais forças políticas do cenário estadual nas últimas décadas. Aparentemente, ela consolida algo que tem sido objeto de especulação na mídia local e nos meios acadêmicos: a “terceira força” política no panorama do estado.

Parece estranho que isso tenha acontecido através de um ator político gestado

nas entranhas do regime autoritário e que se serviu largamente dos recursos do clientelismo e da patronagem, impondo um estilo de liderança pautado no personalismo (Spinelli, 2006; Evangelista, 2006; Oliveira, 2005).

Recorde-se que a atual governadora inicia sua carreira política na gestão do

ex-marido, governador Lavoisier Maia Sobrinho (1979-1982), desenvolvendo atividades assistenciais na condição de primeira dama do estado. Em seguida, assume o cargo de Secretária Estadual de Ação Social no governo do primo, José Agripino Maia (1983-1986). É nesse momento, precisamente em 1985, que concorre

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pela primeira vez a um cargo eletivo, disputando a Prefeitura de Natal contra Garibaldi Alves Filho, para quem perde.

Em 1986 é eleita para a Câmara Federal, na legenda do Partido Democrático

Social (PDS). Sua atuação na Constituinte surpreende, por revelar grande afinidade com as posições defendidas por partidos de esquerda, recebendo avaliação positiva do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)1. Transfere-se para o Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 1988 e concorre à prefeitura de Natal pela segunda vez, derrotando o candidato do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), deputado federal Henrique Eduardo Alves.

Desde então consolida sua liderança política na capital do estado, elegendo seu sucessor, Aldo Tinôco (PSB), em 1992, com o qual veio a romper logo depois. Filiada ao PSB desde o final do seu primeiro mandato na prefeitura de Natal (1989-1992), consegue se eleger para o mesmo cargo em 1996 e em 2000, em disputa contra o Partido dos Trabalhadores (PT). Sempre em aliança com um dos dois grupos dominantes da política estadual, o Partido da Frente Liberal (PFL), do senador José Agripino Maia, ou o PMDB, do senador Garibaldi Alves Filho. Em sua primeira tentativa de vôo solo no plano estadual, em 1994, concorreu ao Governo do Estado, obtendo votação pífia e saindo politicamente desgastada2. A recuperação veio em 1996, quando concorreu à Prefeitura de Natal pela terceira vez, travando uma disputa acirrada com a deputada estadual Fátima Bezerra, do PT. Wilma de Faria venceu a eleição no segundo turno, beneficiada pela indecisão dos petistas em aceitar o apoio oferecido pelo PMDB. A partir de sua segunda gestão na prefeitura (1997-2000), Wilma de Faria rompeu sua aliança tradicional com o PFL e fez uma parceria político-administrativa com o governador Garibaldi Alves Filho, do PMDB. Essa parceria rendeu obras conjuntas de grande impacto, como a construção do Viaduto do Quarto Centenário, a urbanização da Praia de Ponta Negra e saneamento básico em vários bairros da capital3.

Candidata à reeleição em 2000, ela indicou para vice em sua chapa o deputado estadual Carlos Eduardo Alves (então no PMDB), primo do governador, de quem era secretário de Interior, Justiça e Cidadania.

Dessa vez, Wilma de Faria venceu a eleição logo no primeiro turno, derrotando novamente a deputada estadual Fátima Bezerra. Por outro lado, o governador Garibaldi Alves Filho fazia um governo com índices muito altos de aprovação popular. Lançando mão de recursos resultantes do processo de privatização da Companhia de Serviços Elétricos do RN (COSERN), investe num vasto e inédito programa de canalização de água potável nas regiões semi-áridas do interior do estado, o Programa das Adutoras. Dinamiza o Programa do Leite, que atinge populações

1 Fundado em 19/12/1983, é constituído por sindicados, centrais, federações, confederações e

associações trabalhistas para atuar junto aos poderes constituídos, especialmente o Congresso Nacional, em defesa dos interesses dos trabalhadores. 2 Wilma, que, segundo pesquisas, havia deixado a prefeitura com 92% de aprovação popular, fica em 4º e

último lugar na disputa, sufragada por 35.591 eleitores, correspondentes a 3,8% dos votos válidos. Segundo Oliveira (2005, p. 154, nota 67), a derrota de Faria deveu-se à falta de “apoio financeiro do grupo político que sempre lhe deu sustentação (PDS/PFL) e da „máquina do Estado‟”. 3 O acordo entre o PSB de Wilma de Faria e a Unidade Popular (PMDB, PPB e outros partidos menores)

do então governador Garibaldi Alves Filho, ocorre em 1999. A UP apoiaria a reeleição de Wilma e indicaria o vice; em troca, Wilma apoiaria Henrique Alves para o governo do estado e Garibaldi Alves para o Senado em 2002.

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castigadas por carências nutricionais e estimula a pequena pecuária e atividades industriais de beneficiamento do leite4. O PMDB, cuja liderança sempre esteve firmemente nas mãos do clã Alves, pretendia dar solidez a suas pretensões de continuar, pela terceira vez consecutiva, no comando político do estado. O deputado federal Henrique Eduardo Alves, filho do patriarca Aluísio Alves, é indicado para concorrer à sucessão do governador Garibaldi Alves Filho. Com a popularidade do governador em alta, o apoio da prefeita da capital e da maior parte das lideranças do interior, além de fortes bancadas na Assembléia Estadual e no Congresso Nacional, o projeto parecia consistente. Entretanto, fissuras no interior da coalizão dominante, ocasionadas pela dificuldade em acomodar tantos interesses de lideranças em busca de um lugar ao sol, e a inesperada implosão da candidatura governamental de Henrique Alves, começavam a deitar por terra o sonho de continuidade (V. Lacerda e Oliveira, 2006). Nessa conjuntura, Wilma de Faria rompe a aliança com o PMDB e lança sua própria candidatura ao Governo do Estado. Vista inicialmente como outsider, ela obtém votação para ir ao segundo turno contra o governador Fernando Freire5 (PPB), deixando atrás de si o senador Fernando Bezerra, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que despontava como favorito no início da campanha. Em vista da aliança nacional PT-PSB, em 2002, a candidata recebeu o apoio do candidato Luís Inácio Lula da Silva no segundo turno, deixando o PT local em posição desconfortável. Além disso, conquista o apoio dos senadores José Agripino Maia (PFL) e Fernando Bezerra (PTB), elegendo-se com uma boa margem de votos. Depois das eleições municipais de 2004, em que o prefeito Carlos Eduardo é reeleito no segundo turno com o apoio do PT, a aliança desse partido com o PSB se consolida. O médico Ruy Pereira, candidato petista ao governo, derrotado em 2002, é indicado para a Secretaria de Saúde do estado, enquanto a economista Virgínia Ferreira, vinculada ao DIEESE6, assume a Secretaria de Planejamento da prefeitura da capital. Nas eleições municipais de 2004 (Spinelli, 2005), a governadora, em mais um lance arrojado, rompe novamente sua aliança com o senador José Agripino, que pretendia indicar seu filho, Felipe Maia, como vice na chapa à reeleição do prefeito Carlos Eduardo Alves. A governadora prefere indicar a empresária e jornalista Micarla de Sousa, proprietária do SBT local, para companheira de chapa do prefeito. Carlos Eduardo Alves, cuja candidatura é fortemente apadrinhada por Wilma de Faria, enfrenta o deputado estadual Luís Almir (PSDB), apoiado pelos ex-governadores Geraldo Melo (PSDB), José Agripino Maia (PFL), Garibaldi Alves e Aluísio Alves (PMDB), e vence a eleição, confirmando a liderança da governadora. AS ALIANÇAS E A (IN)DEFINIÇÃO DAS CANDIDATURAS

Todavia, durante o ano de 2005 a imprensa, mais especificamente o jornal Tribuna do Norte, de propriedade da família Alves, divulga uma série de pesquisas que 4 Há um viés neoliberal embutido na privatização da COSERN, inspirada no programa de privatizações do

governo F. H. Cardoso. Para observadores da cena política estadual, os recursos da privatização foram decisivos na reeleição do governador, em 1998. O Programa do Leite, tanto no governo Garibaldi como no governo Wilma, é, de tempos em tempos, alvo de denúncias de irregularidades e de má utilização de recursos e beneficiamento às grandes usinas de processamento do leite em detrimento dos pequenos produtores. V. Diário de Natal, 01 maio 2008, Roda Viva, p. 2. 5 Vice que assumiu o lugar de Garibaldi, que havia renunciado para concorrer a uma vaga para o Senado.

6 Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos.

4

demonstrariam a fragilidade das pretensões da governadora à reeleição. Em tais pesquisas o senador Garibaldi Alves Filho despontaria na liderança, enquanto a governadora geralmente figura na terceira posição, atrás do senador José Agripino Maia7.

Nenhuma dessas pesquisas tem registro no TRE (não havia obrigatoriedade

legal). Em algumas não se aponta o instituto responsável. Tampouco é apresentada a metodologia das mesmas. A divulgação de tais pesquisas pelo jornal oposicionista era parte de uma estratégia eleitoral em favor da candidatura de Garibaldi Filho.

De uma forma ou de outra, é possível que essas pesquisas retratassem

tendências reais do eleitorado naquele momento. E o fato é que existiram indícios de que Wilma de Faria considerou a possibilidade de desistir da tentativa de se reeleger, candidatando-se ao Senado.

Ainda no curso do ano de 2005, o mesmo jornal divulga matérias e entrevistas sugerindo que no campo governista se estaria cogitando uma candidatura alternativa ao governo, provavelmente a do deputado estadual Robinson Faria, presidente da Assembléia Legislativa. Nessa hipótese, a governadora renunciaria oito meses antes do final do mandato para disputar a vaga do Senado, o vice-governador também renunciaria, recebendo apoio para disputar a Câmara Federal e abrindo espaço para que o presidente da Assembléia assumisse o governo e disputasse a reeleição em condições favoráveis. Porém, a recusa do vice-governador e a cautela do deputado Robinson Faria inviabilizaram essa hipótese. Os setores fiéis à governadora rejeitaram tais especulações e reiteraram a firme disposição do grupo em apoiar a candidatura de Wilma de Faria à reeleição. O fato é que tais alternativas foram efetivamente consideradas, mas abandonadas, seja pela dificuldade em acomodar interesses das várias facções presentes na coalizão governamental, seja porque não se encontrou um candidato disponível, ou porque se levasse em conta que o cenário eleitoral não estava ainda definido8. Além de tentar demonstrar que as pretensões da governadora à reeleição não encontravam apoio no sentimento do eleitorado, a oposição abria uma frente crítica respaldada na avaliação de fracasso administrativo da gestão wilmista, apesar do suposto apoio do governo federal. Nessa frente procurava-se demonstrar incapacidade gerencial e incompetência na área da articulação política. A governadora não havia pensado em alternativas para o caso da perda da refinaria. Fora incapaz de unir as classes política e empresarial em torno dos interesses maiores do estado para exigir do presidente da República e da Petrobrás compensações, como a projetada instalação de uma planta de querosene de aviação.

Essas supostas deficiências estariam freando o desenvolvimento do estado, colocando-o à margem dos investimentos bancados ou articulados pelo governo federal.

Comparava-se Wilma e Garibaldi: enquanto este construiu as adutoras, a única grande obra de Wilma em andamento, a ponte Forte-Redinha, na capital, sofria

7 Para um exemplo, vejam-se as edições da Tribuna do Norte dos dias 30/03/2005 e 21/07/2005.

8 Vide Tribuna do Norte, “Robinson é sondado para o governo”, 13/08/2005. “Estou preparado para o

governo” e “PSB quer a reeleição, diz Porpino”, 16/08/2005. “Betinho diz que reeleição de Wilma tem „baixa aceitação‟”, 18/08/2005.

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atrasos constantes e corria-se o risco de não vê-la concluída até o final do mandato. Para completar, a perda da refinaria expunha a situação de um governo que carecia, na linguagem dos políticos e da mídia local, de “obras estruturantes”, ou seja, de obras que ampliassem a infra-estrutura econômica e social e fossem visíveis, físicas, apontando os rumos do desenvolvimento. Isso, na perspectiva da oposição e de parte da imprensa, desqualificava Wilma de Faria, demonstrava sua “incompetência”9. Não é outro o significado da seguinte fala do candidato a vice-governador na chapa do senador Garibaldi Alves Filho:

O candidato a vice-governador, Ney Lopes (PFL), lamentou as perdas que o RN sofreu nos últimos anos, listando a refinaria de petróleo, o terminal de pesca e a Transnordestina, destacando a ameaça sobre a Termoaçu, já que o governo vem permitindo que o gás natural produzido em território potiguar seja levado para estados vizinhos. “Vou estar à disposição de Garibaldi para recuperarmos o tempo perdido. Vamos ganhar a parada no primeiro turno”, disse. (Tribuna do Norte, 27 jun 2006, “PMDB oficializa candidatura de Garibaldi”).

Deve-se entender o discurso oposicionista de que Wilma de Faria foi incapaz de realizar “obras estruturantes”10 como uma tentativa de desconstruir a imagem veiculada pela governadora, desde os seus tempos de prefeita, de mulher “que trabalha”. Essa imagem foi edificada por uma cuidadosa operação de marketing, que apontava Faria como uma mulher que tocava obras, e foi massivamente difundida, sobretudo na televisão, através da linguagem visual, sob a forma de clipes inspirados em performances de artistas multimidiáticos.

As especulações a respeito da possível desistência da governadora em se candidatar à reeleição continuaram a freqüentar as colunas dos jornais durante todo ano de 2005. Por sua vez, esse era um momento em que o senador Garibaldi Alves Filho gozava de ampla visibilidade nacional na condição de relator da CPI dos Bingos, apelidada pela mídia de “CPI do Fim do Mundo”. No âmbito da comissão havia a disposição em explorar qualquer insinuação que representasse desgaste para o governo Lula, mesmo fugindo ao texto da Constituição, que manda a CPI investigar “fato determinado”.

Enquanto, na mídia local, o senador Garibaldi era apresentado como

“governador em férias”, Wilma de Faria enfrentava ameaças de deserções entre seus aliados e se via alvo de forte campanha oposicionista na Assembléia Estadual e de investigação do seu governo pelo Ministério Público Estadual, destacando-se o chamado “escândalo do foliaduto”.

A governadora, não obstante, consegue realinhar suas forças, indica como vice

um deputado federal de seu partido, Iberê Ferreira de Souza, um parlamentar de grande penetração eleitoral, que será o coordenador de sua campanha; e para o Senado, o senador Fernando Bezerra, líder do governo Lula no Congresso e ex-ministro da Integração Nacional. Também forma uma chapa forte para a Câmara Federal e a Assembléia Legislativa,

9 Dizia-se que, embora o RN tivesse todas as condições técnicas para sediar a refinaria (era um dos

maiores produtores de petróleo do país e o maior produtor em terra), a decisão do Governo Federal e da Petrobrás teria sido política, por ser Pernambuco o estado de origem do presidente Lula. 10

O editorial do órgão associado, no dia seguinte ao do segundo turno, afirma: “(...) é preciso neste momento se ater, sim, aos grandes projetos como o aeroporto de cargas de São Gonçalo, a esperada ampliação do Porto de Natal, a instalação de um pólo gás-químico em Guamaré, entre outros. O RN precisa dar o salto que os vizinhos, na frente, já estão dando”. EDITORIAL. Diário de Natal, 30 out 2006, p. 2.

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À medida em que o calendário eleitoral avança, desponta uma inesperada aliança entre os senadores Garibaldi Filho e José Agripino, que parecia sepultar definitivamente o intento da governadora em se reeleger. Essa aliança, que enfrenta dificuldades iniciais nas “bases” dos respectivos senadores, evolui para a formação de um “chapão”, com o PMDB indicando Garibaldi para a cabeça e o PFL indicando o candidato a vice, o deputado federal Ney Lopes de Souza11. Também do PFL é a candidata ao Senado, a ex-prefeita de Mossoró (segundo maior colégio eleitoral do estado), Rosalba Ciarlini Rosado, pertencente ao terceiro clã político mais poderoso do Rio Grande do Norte, a família Rosado. A coligação formal reunia o PMDB, o PFL, o PP e o PTN, entretanto o PDT e o PP, apesar de impedidos pela regra da verticalização, deram seu aval e apoiaram informalmente a chapa oposicionista12.

Por sua vez, o senador Agripino, renunciando à sua intenção de se candidatar

ao governo estadual, empenha-se em viabilizar sua presença na chapa nacional do PSDB como vice de Geraldo Alckmin, pretensão que ele disputa com o senador José Jorge, do PFL de Pernambuco, que é, afinal, o escolhido.

Desaparecem assim a antiga Unidade Popular, de Garibaldi, e a Vontade do

Povo, de Agripino, para dar lugar à coligação Vontade Popular, que irá disputar com a Vitória do Povo, de Wilma de Faria. Para tornar possível esse acordo, Garibaldi perde um importante aliado, o ex-senador e ex-governador Geraldo Melo, candidato do PSDB ao Senado.

COLIGAÇÕES QUE CONCORREM ÀS ELEIÇÕES DE 2006/RN13

NOME DA COLIGAÇÃO

CANDIDATO AO GOVERNO

PARTIDOS

Vitória do Povo Wilma de Faria PSB/PT/PMN/PCdoB/PPS/PHS/PL/ PT do B/PTB

Vontade Popular Garibaldi Alves PMDB/PFL/PP/PTN

Frente de Esquerda Potiguar

Sandro Pimentel PSOL/PSTU

CORRIDA DE CAVALOS: AS PESQUISAS DE INTENÇÕES DE VOTO

Especulava-se muito em todos os campos partidários e os estados-maiores

dos candidatos avaliavam cuidadosamente as possibilidades. As pesquisas sobre intenções de voto para o governo do estado, realizadas no início do ano de 2006, apontavam expressiva vantagem de Garibaldi Alves sobre a governadora.

Assim, o Instituto Certus, de Natal, em pesquisa realizada entre 10 e 15 de

janeiro, encontrava 53,5% de intenções de voto para Garibaldi Alves contra 34,4% para Wilma de Faria. Na pesquisa de 25 a 28 de maio, o Certus revelava que Garibaldi ampliava sua dianteira com 56,6% contra 32,9% de Wilma. Na pesquisa realizada nos dias de 08 a 11 de julho, o Certus mostrava recuo de 7,4 pontos da liderança de

11

“PMDB oficializa candidatura Garibaldi”. Tribuna do Norte, 27 jun 2006. A convenção realizou-se no dia 25 de junho. 12

Cf. MARCELINO, Iranilton. Diário de Natal, Observatório DN, 24 jun 2006, p. 3. 13

Os outros candidatos são: José Geraldo Forte dos Santos Fernandes, do Partido Social Liberal (PSL), Humberto Maurício da Silva, do Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Antonio José Bezerra, do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O Partido Liberal (PL), que participa da coligação Vitória do Povo, funde-se com o PRONA em 26/10/2006, passando a chamar-se Partido da República (PR).

7

Garibaldi, que era indicado por 49,2% dos entrevistados contra 32,6% para a governadora. Em pesquisa realizada às vésperas da eleição, entre 28 e 29 de setembro, o Certus indica uma situação de empate técnico entre os dois candidatos, bastante próxima do resultado real no primeiro turno: 49% para a governadora contra 48,4% para o senador.

Em pesquisa registrada no TRE no dia 11 de junho o Instituto Perfil, local,

atribuía 45,8% de intenções de voto a Garibaldi contra 32,3% atribuídos a Wilma. No dia 11 de julho nova pesquisa do Perfil atribuía a Garibaldi o mesmo percentual de intenções, 45,8%, enquanto o de Wilma caía para 31,8%. Apenas em agosto o Perfil encontrava uma queda significativa na vantagem de Garibaldi, com 41,5% de intenções contra 33,7% de sua adversária. Na pesquisa do dia 29 de agosto a vantagem de Garibaldi oscilava um pouco para cima, dentro da margem de erro, com 42,6% de intenções de voto a seu favor e 34,2% para Wilma. Mas, na pesquisa do dia 12 de setembro o Perfil apontava empate técnico entre os dois candidatos, com ligeira vantagem para Garibaldi, que pontuava 41,5% de intenções de voto contra 40,9% de Wilma.

O Instituto Consult, de Natal, em sua primeira pesquisa, no mês de março,

registrou 46,6% de intenções de voto para o senador, contra 37,5% para a governadora14. Por ocasião dessa pesquisa ainda não havia sido formalizada a coligação PMDB/PFL. Na segunda pesquisa, de 10 a 13 de junho, já depois dessa formalização, o Consult constata crescimento na vantagem de Garibaldi, que pontua 48% versus 35,1% de Wilma. Um mês depois, pesquisa de 14 a 17 de julho, o Consult indicava redução na vantagem de Garibaldi, que recuava para 43,2% contra 32,1% de Wilma. Ainda nos dias 28 a 31 de julho indicava que Wilma se aproximava do seu adversário: o peemedebista tinha 43,1% das intenções contra 36,3% da pessebista. De 11 a 14 de agosto nova pesquisa Consult encontrava 41,3% de intenções de voto para Garibaldi contra 37,5% para Wilma. Em pesquisa de 25 a 27 de agosto, Wilma se aproximava de Garibaldi que detinha 42,9% de intenções contra 39,1% da governadora. Durante o mês de setembro o Consult realiza mais três pesquisas de intenções de voto, que revelam uma trajetória de virtual empate técnico, culminando com a viragem da governadora na pesquisa de 27 a 28 de setembro: Garibaldi tem 42,1% de intenções de voto contra 48% da governadora15.

O Instituto Databrain realiza sua primeira pesquisa de intenções de voto no Rio

Grande do Norte entre 27 e 29 de agosto apontando 40,5% para Garibaldi contra 41,6% de Wilma, portanto, empate técnico. Essa situação de empate técnico persiste em todas as pesquisas realizadas pelo Databrain. Assim, entre 2 e 4 de setembro o Databrain indica 42,2% para Garibaldi e 42,9% para Wilma. De 9 a 11 de setembro Garibaldi tem 42,0% de intenções, enquanto Wilma tem 43,2%. E de 24 a 29 de setembro Garibaldi atinge 44,0% contra 45,2% da concorrente.

O Instituto Vox Populi, em pesquisa realizada de 9 a 11 de setembro, encontra

41% de intenções de voto para Garibaldi e 42% para Wilma, situação de virtual empate técnico.

O Instituto Sensus, em pesquisa dos dias 19 a 21 de setembro aponta 35,8%

para Garibaldi e 49,6% para Wilma. Na simulação para o segundo turno, o Sensus aponta vitória de Wilma, com 50,8% das intenções de voto contra apenas 38,3% para Garibaldi. A pesquisa Sensus foi realizada logo após a vinda de Lula a Natal para

14

Diário de Natal, 18 jun 2006, Vantagem do senador chega perto dos 13 pontos, mas crescimento foi

pequeno depois da aliança com PFL, p. 3. 15

Na pesquisa de 15 a 17 de setembro o Consult aponta 42,7% para Garibaldi e 43% para Wilma. Na de 25 a 26 de setembro, Garibaldi tem 41,7% e Wilma 43%.

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participar de comício de apoio a Wilma. Essa pesquisa provocou reações indignadas dos adversários. O assessor de imprensa do senador Garibaldi Alves disse: “Sem comentários, porque não queremos legitimar a maior mentira já divulgada nesta campanha”16. Pesquisas feitas por outros institutos divergiam da pesquisa Sensus, e apontavam virtual empate técnico entre os candidatos. Desses, apenas o Instituto Consult, local, apontaria vitória de Wilma no primeiro turno, com uma vantagem de 6 pontos percentuais, mesmo assim bem abaixo da vantagem de 14 pontos atribuída pelo Sensus.

O Ibope realiza três pesquisas de intenções de voto no Rio Grande do Norte

durante o primeiro turno. Na primeira pesquisa, de 20 a 22 de agosto, a vantagem é nitidamente de Garibaldi, que é indicado por 49% dos entrevistados contra 41% de indicações para Wilma17. Na segunda pesquisa, de 12 a 14 de setembro, a vantagem do candidato oposicionista cai de 8 para 4 pontos: enquanto Garibaldi pontua 46%, Wilma tem 42%. O Diário de Natal comenta que esse resultado não permite “saber se haverá segundo turno na eleição” e que, na disputa para o Senado, em vinte dias, “Fernando Bezerra disparou na frente”.

Na terceira pesquisa, de 28 a 30 de setembro, às vésperas do pleito, Garibaldi

e Wilma ficam literalmente empatados: 45% de intenções de voto para ambos. Nessas pesquisas o Ibope também faz simulações para o segundo turno, em que o candidato oposicionista sai de uma vantagem de 9 pontos (51% a 42%), que diminui para 51% a 44% e perde por um ponto de diferença na última pesquisa: 47% a 48% (empate técnico).

Essas pesquisas, acompanhadas atentamente pela mídia e pelas

coordenações de campanha dos candidatos, suscitam variadas reações. O balanço das pesquisas de intenções de voto realizadas pelos vários

institutos, locais e nacionais, revelam que até o mês de junho o senador oposicionista registra larga vantagem sobre a governadora. Só a partir de julho observa-se que a governadora consegue deter o crescimento da candidatura do seu adversário, reduzindo a diferença que os separa. Porém, ainda é grande o favoritismo do senador.

É assim que o Certus aponta uma queda na liderança do senador, que na

pesquisa de 8 a 11 de julho obtém vantagem de 16,6% sobre a governadora (na pesquisa anterior havia sido de 23,7%). O Consult confirma a mesma tendência na pesquisa de 28 a 31 de julho, registrando vantagem da ordem de 6,8% para Garibaldi (na pesquisa anterior havia sido de 11,1%).

O Instituto Perfil vai captar essa tendência só na pesquisa de 3 de agosto, que

aponta 7,8% de vantagem para o senador (na pesquisa anterior, em 11 de julho, havia sido de 14,0%). No final de agosto nova pesquisa Perfil mostra uma oscilação para cima da vantagem do senador, dentro da margem de erro, 8,4%. Mas, na única pesquisa de setembro, dia 12, o Perfil registra a virada da governadora, 0,6%, embora configurando um empate técnico.

Nas duas pesquisas que faz no mês de agosto, o Consult continua a observar

uma aproximação entre as intenções de voto para os dois candidatos: a vantagem do senador recua para 3,8% em ambas as pesquisas. Na primeira pesquisa de setembro (9 a 11) essa vantagem, de 1,9%, já configura um empate técnico entre os dois

16

Diário de Natal, 26 set 2006, “Wilma festeja, Garibaldi reage: „mentira‟”, p. 3. 17

Nessa pesquisa se apura a rejeição aos candidatos, que é da ordem de 27% para Wilma e de 19% para Garibaldi. Entre os eleitores com renda familiar de até um salário mínimo Garibaldi tem 14 pontos de vantagem sobre a governadora.

9

candidatos, dada a margem de erro. Na pesquisa de 15 a 17 de setembro a governadora, segundo o Consult, dá a virada, marcando uma vantagem sobre o adversário de 0,3%, que chega a 5,9% na última pesquisa, de 27 a 28 de setembro, praticamente nas vésperas da eleição.

O Databrain, que realiza três pesquisas de intenções de voto no Rio Grande do

Norte, no primeiro turno, iniciando em agosto, também aponta situação de virtual empate técnico, com ligeira vantagem para a governadora. É o caso, também, do Vox Populi, em sua única pesquisa, de setembro, revelando empate técnico entre os dois candidatos, com vantagem de um ponto para a governadora. O Ibope aponta as mesmas tendências: em sua primeira pesquisa, de agosto, a vantagem do senador é de oito pontos; cai para quatro pontos em meados de setembro e chega ao empate literal no final do mês, poucos dias antes da eleição.

No entanto, dois institutos apontam, no final de setembro, vantagem

significativa para a governadora: o Sensus, que aponta vantagem de 13,8% da governadora sobre o senador na pesquisa de 19 a 21 de setembro; e o Consult, que aponta vantagem de 5,9% da governadora, na pesquisa de 27 a 28 de setembro.

Dessa forma, praticamente todos os institutos revelam que o senador Garibaldi

Filho sai de uma confortável posição de liderança nas pesquisas do início de 2006 para chegar às vésperas da eleição em situação de virtual empate técnico, na maioria dos levantamentos feitos pelos institutos, ou de desvantagem, no caso de alguns. É, porém, um instituto local, o Certus, o que mais se aproxima, em sua última pesquisa, do resultado da eleição no primeiro turno, apontando 49% de intenções de voto para a governadora e 48,4% para o senador.

Como se soube logo em seguida, a decisão foi jogada para o segundo turno,

pois nenhum candidato alcançou o patamar de 50% mais um dos votos válidos. Enquanto Wilma de Faria perfaz 49,57% dos votos válidos, Garibaldi Alves pontua 48,6%, conforme se vê no quadro abaixo.

Quadro I

Votação de candidatos ao governo do Rio Grande do Norte - Eleições 2006

1° Turno

N°/ Candidato Partido/ Coligação Votos % VV Situação

40- WILMA MARIA DE FARIA

PSB/ PC do B/ PHS/ PL/ PMN/ PPS/ PT/ PT do B/ PTB

764.016 49,57 2º turno

15- GARIBALDI ALVES FILHO

PMDB/PFL/ PP/ PTN

749.003 48,6 2º turno

50- SANDRO DE OLIVEIRA PIMENTEL

PSOL/ PSTU 14.172 0,92 Não eleito

17- JOSÉ GERALDO FORTE DOS SANTOS FERNANDES

PSL 5.907 0,38 Não eleito

36- HUMBERTO MAURICIO DA SILVA

PTC 5.582 0,36 Não eleito

21-ANTONIO JOSÉ BEZERRA

PCB 2.470 0,16 Não eleito

Fonte: TRE-RN/ 2007

10

Quadro II

Dados gerais do 1° turno- 2006 Total de eleitores aptos a votar 2.101.144 ------------

Votos válidos: 1.541.150 (86,10%) Votos em branco: 56.656 (3,17%)

Votos nulos: 192.106 (10,73%) Seções totalizadas: 6.224 (100,00%) Comparecimento: 1.789.912 (85,19%)

Abstenção: 311.232 (14,81%)

Fonte: TRE-RN/ 2007

OS CANDIDATOS E PRINCIPAIS LIDERANÇAS

Os três grandes protagonistas da eleição governamental de 2006 eram as

figuras dominantes do cenário político estadual desde o início dos anos 70. Todos os três foram prefeitos da capital e governadores do estado. Todos os três eram membros de tradicionais clãs políticos, com raízes que remontavam ao período da Primeira República ou aos anos 3018.

Enquanto os senadores Agripino e Garibaldi lideram partidos políticos

conservadores, a governadora Wilma de Faria ocupa uma legenda que, no âmbito nacional, se define formalmente como de esquerda. Nesse aspecto, o importante é ter ao dispor uma máquina política19 de apelo popular, ou que possa agregar cabos eleitorais pela oferta de recompensas, fugindo ao congestionamento das agremiações tradicionais.

Para além de quaisquer outras diferenças, o que cimenta a identidade entre as

principais lideranças políticas do estado é a busca de mecanismos políticos para dinamizar o setor empresarial, incentivar os investimentos, o crescimento econômico, a geração de empregos e a adoção de políticas sociais para atender demandas do setor popular. Isso não significa que haja um conjunto coerente de propostas nessa direção acerca das quais todos concordem. Nem que haja identidade ideológica em todos os pontos. Longe disso20.

Uns são mais conservadores e se situam mais à direita, outros menos rígidos

ideologicamente, ainda outros admitem um vago diálogo com o campo da esquerda. Isso, contudo, é insuficiente para caracterizar o parentesco ideológico dos mesmos. É

18

O senhor Nezinho Alves, pai dos irmãos Alves (Aluízio, Garibaldi (pai), José Gobat, Agnelo, Expedito, todos eles políticos militantes, ocupantes de cargos públicos) foi prefeito revolucionário no município de Angicos, na região da seca, no início dos anos 30; os Maia são uma tradicional família do Rio Grande do Norte e da Paraíba; João Agripino, irmão de Tarcísio Maia, governou esse último Estado; têm parentesco com os Mariz, da região do Seridó e com os Rosado; Wilma de Faria tem parentesco com os ex-governadores Juvenal Lamartine de Faria (1928-30) e Dinarte Mariz (1955-60); etc., etc. 19

“(...) James Wilson define máquina política como a organização partidária que se baseia no poder de atração das recompensas materiais” (Diniz, 1982, p. 27). 20

Turismo, fruticultura irrigada, criatório industrial de camarões, ao lado da produção de sal e petróleo, são as atividades econômicas mais rentáveis do estado. Porém, o sal, o petróleo e os recursos minerais que o estado possui não têm sido explorados de modo a gerar atividades cm densidade de capital e capacidade de dinamizar outros setores, alavancando o crescimento e o emprego. Assim, projetos longamente acalentados pela elite empresarial e a “classe política”, como a fábrica de barrilha (iniciada, mas abortada), o pólo gás-sal e a refinaria de petróleo, têm sido frustrados. Atribui-se tal fracasso à precária infra-estrutura, baixo dinamismo da acumulação interna de capital e fragilidade da classe política local no âmbito do pacto federativo (Vide Fernandes, 2007).

11

preciso que se acrescente a identidade de práticas políticas das principais facções dominantes ao longo das últimas décadas: suas ligações muito fortes com o setor empresarial moderno do Rio Grande do Norte; a atitude patrimonialista no trato com a coisa pública; a utilização da máquina pública como meio de favorecimento do grupo familiar (nepotismo) e da facção mais próxima; a proximidade muito grande aos setores tradicionais da sociedade e das cúpulas do Estado: lideranças políticas tradicionais nos municípios; grandes fazendeiros e empresários; setores dirigentes da magistratura, das forças armadas, do aparelho policial, do alto aparato burocrático.

As práticas políticas tradicionais terminam por identificar esses grupos políticos

também no terreno do trato com a coisa pública e na forma de conduzir a administração pública. Nas campanhas políticas, quando estão em campos opostos, é comum que façam acusações recíprocas, mas também aqui a identidade é muito grande. Sem cair na nefasta atitude do denuncismo sistemático, é ilustrativo recorrer à literatura, ao jornalismo e ao memorialismo para identificar comportamentos de nossas elites políticas.

Assim, o senador Garibaldi Filho, ao ser eleito para a presidência do Senado

Federal, no final de 2007, foi brindado pelo jornal Folha de S. Paulo, de forma muito precisa e contundente, com uma radiografia da trajetória política de sua família e de suas duas gestões no Governo do Estado. O jornal paulista sublinha a marca do nepotismo nas gestões Alves e faz referências às denúncias de corrupção e abafamento de investigações que cercaram a administração do senador no executivo estadual. Dessa forma, diz a Folha:

Os Alves hoje se ajudam principalmente quando o objetivo é abrir espaço na mídia para um parente político. Eles detêm um dos dois maiores jornais do estado, a Tribuna do Norte, entre quatro e 12 emissoras de rádio, ninguém sabe ao certo, e participação societária na afiliada da Rede Globo em Natal. Embora poderosa politicamente, a família não ostenta grandes propriedades rurais ou empresas. O pai do senador diz não ter mais do que 400 cabeças de gado, um rebanho médio para os caciques nordestinos. Garibaldi Filho costuma dizer que não tem dinheiro nem para suas campanhas eleitorais.

E prossegue, mirando especificamente as duas administrações de Garibaldi

Filho: Uma marca negativa de suas duas administrações no Rio Grande do Norte (1995-2002) – além de ter enterrado duas CPIs e inúmeras denúncias de irregularidades que envolvem secretários de Estado – é o uso de cargos públicos para acomodar parentes e agregados. Ao assumir o governo, em 1995, Garibaldi colocou o irmão, Paulo, na secretaria de Trabalho e Ação Social (depois, na Casa Civil), o pai, na presidência da Junta Comercial, o sobrinho, Sérgio, como oficial de gabinete da Governadoria, a irmã, Maria Auxiliadora, na presidência de uma fundação. A agência publicitária que venceu a licitação do governo, a RAF, pertencia a um primo. Na segunda gestão, o governador emplacou o irmão como conselheiro do Tribunal de Contas do estado. Um conselheiro se aposentou "voluntariamente" e em troca foi empossado secretário de Agricultura de Garibaldi. Hoje Paulo é o presidente do TCE. Na quinta, o tribunal que tem a tarefa de julgar contas dos administradores públicos concedeu moção de congratulações a Garibaldi pela eleição no Senado. 21

21

VALENTE, Rubens. Nepotismo é marca da família de senador. Folha de S. Paulo, 16 dez 2007. Acesso em 03 de abril de 2008. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1612200720.htm

12

Num dos subtítulos da matéria, o jornal ainda esclarece, aludindo aos epítetos

com os quais as duas famílias adversárias afagam uma à outra: Apelidados de „bacurau‟ [Alves] por ocultarem nomeações de apadrinhados, o clã se reveza com os „araras‟ [Maia] no governo do RN desde os anos 6022.

O escritor François Silvestre de Alencar, em livro recentemente editado, no

qual narra os fatos da política estadual no último meio século, transcreve trecho de carta do Procurador Francisco de Souza Nunes ao governador Garibaldi Alves Filho:

“Governador, Ninguém melhor do que você sabe que em momento algum me fiz parceiro das pretensões lobistas-financeiras do seu cunhado. Sabe também, que todos os atos por mim praticados como procurador-geral do Estado foram gisados e delimitados pela ordem política emanada de você e do seu gabinete que tinha à frente o seu irmão. Não é difícil se imaginar que o Governador tenha conhecimento da ascensão patrimonial, desproporcional da realidade, de alguns dos seus auxiliares mais imediatos” (In: Alencar, 2008, p. 117).

Alencar comenta que essa carta “é um libelo não respondido pelo Governador”.

E enumera outros escândalos que foram objeto de denúncia na época e explorados pela imprensa e nas campanhas eleitorais: “Aí estão os casos Gusson, merenda escolar, venda da Cosern” (Alencar, 2008, p. 136). Lembranças incômodas.

A governadora Wilma de Faria teve suas administrações à frente da Prefeitura

de Natal analisadas por Oliveira (2005) em sua tese de doutorado. Segundo a autora, ao assumir a prefeitura, Faria

“deu continuidade ao estilo de governar praticado por José Agripino Maia (...). Um estilo que se caracteriza até hoje por práticas autoritárias e um discurso em defesa da participação popular e da cidadania, sustentado por meio da relação com as lideranças e organizações comunitárias, e com o povo em geral, baseada no vínculo pessoal com o governante, no assistencialismo, através do atendimento às demandas mais imediatas e na troca de favores com lideranças comunitárias e com o legislativo”. (Oliveira, 2005, p. 154).

O governo Wilma de Faria foi, igualmente, alvo de inúmeras denúncias da

imprensa e do Ministério Público. Um dos mais célebres foi o escândalo conhecido como “foliaduto”. O jornal Diário de Natal assim se manifesta a respeito desse caso:

“O escândalo do Foliaduto estourou em março de 2006, após o Ministério Público descobrir que a Fundação José Augusto (FJA) contratou e pagou bandas de axé e frevo para animar o carnaval do mesmo ano, em municípios do interior com shows que na verdade nunca foram realizados. (...) Os valores, segundo os promotores de justiça, ultrapassam os R$ 2 milhões”. [Entre os denunciados constam o irmão e chefe do Gabinete Civil da governadora, empresários, diretores e funcionários da FJA]: “Em setembro do ano passado (...) os promotores de justiça concluíram que o ex-chefe do Gabinete Civil se utilizou do cargo para comandar o esquema de liberação de crédito

22

Idem, ibidem.

13

suplementar para a contratação fictícia de bandas e artistas para shows que não ocorreram”23.

O senador José Agripino Maia era o líder do PFL24 no Senado da República, em 2005, no momento em que os meios políticos e a mídia estadual intensificavam as especulações em torno das candidaturas ao governo do Rio Grande do Norte nas eleições que se realizariam em outubro de 2006. Com grande visibilidade nacional, a ponto de ter seu nome cogitado para ser o vice de Geraldo Alckmin na eleição presidencial, Agripino Maia era abandonado pelas “bases” em seu estado. A imprensa o chamava “general sem tropa”. Tendo iniciado sua vida política em 1978, como prefeito biônico de Natal, Agripino elegeu-se governador em 1982, nas primeiras eleições diretas para o governo estadual após a extinção dos partidos políticos oriundos do regime da Constituição de 1946. Elegeu-se senador em 1986, voltou ao governo do estado em 1990 e ao senado em 1994 e 2002. Em 1998 concorreu ao governo do estado, sendo derrotado, pela primeira vez em uma eleição, por Garibaldi Alves Filho, reeleito naquele ano. Sua entrada na vida política, como prefeito nomeado, obedecia a uma orientação das lideranças que promoviam a “descompressão” da ditadura militar com o objetivo de renovar a elite política, particularmente no Nordeste, incorporando quadros técnicos, sem histórico pessoal de militância político-partidária. Os novos tempos que se aproximavam contemplavam eleições diretas para cargos executivos (exceção feita da presidência da República, cujo titular seria ainda eleito indiretamente em 1985). Os candidatos do partido criado pelos militares deveriam saber lidar com os movimentos sociais urbanos que haviam florescido durante os anos 70, apesar da repressão governamental. Daí, o discurso da participação respaldado em políticas públicas para o meio urbano, particularmente as regiões metropolitanas das capitais, que elegiam a habitação popular como o principal problema a enfrentar. José Agripino,

“... um jovem engenheiro de 33 anos, era diretor de uma das grandes empreiteiras do estado, o que lhe assegurava a simpatia e o apoio dos novos grupos econômicos locais, ligados, sobretudo, à agroindústria (fruticultura de exportação) e à indústria da construção civil” (Andrade, 1996, p. 126).

Apesar de ser um técnico ligado ao setor moderno da economia estadual, Agripino pertencia a uma tradicional família política do interior do Nordeste, com ramificações na Paraíba e Rio Grande do Norte. Seu pai, ex-governador Tarcísio Maia, indicado pelos militares (1975-1979), fora secretário de educação no governo Dinarte Mariz/UDN (1955-1960), deputado federal e ocupara cargos de confiança na administração federal. Os vínculos com o coronelismo vinham de longe. Além do mais, o patrocínio do próprio pai e do primo, governador Lavoisier Maia, foi decisivo para sua estréia na política, recebendo o cargo de prefeito de mão beijada. Segundo Andrade (ib.), era a marca do nepotismo desnudando o caráter conservador da proposta de renovação política que o regime autoritário propunha.

23

Diário de Natal, 29 fev 2008, Caderno Cidades, p. 3. No momento da publicação dessa matéria a ação penal estava travada por uma liminar concedida pelo STJ. Vide também Tribuna do Norte, “Foliaduto: investigação está na fase conclusiva”, 24 jun 2006, entre outras matérias publicadas pela imprensa local. 24

O PFL troca de nome, passando a chamar-se de Democratas (DEM) a partir de 28 de março de 2007 (autorizado pelo TSE em 12 de junho de 2007). Trata-se de evidente apelo de marketing com o objetivo de ressignificar a imagem conservadora do partido, uma autêntica esperteza marqueteira.

14

A revista Caros Amigos, em sua edição de abril de 2008, trás matéria de capa em que faz o “retrato sem retoques” do senador José Agripino. Entre outras denúncias aborda o chamado “escândalo do rabo-de-palha”, acontecido na campanha eleitoral para a prefeitura de Natal, em 1985, quando José Agripino era governador. O relato diz respeito a uma reunião com lideranças políticas do então PFL, em que o próprio mandatário teria dito: “Não podemos deixar rabo-de-palha”.

“Caros Amigos reproduz aqui parte da conversa. Laudo do Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, diz que a voz é do governador. José Agripino – Os pobres estão indecisos. É em cima desse povo que vocês têm que atuar. Com uma feirazinha, com um enxoval, com umas coisinhas. Iberê Ferreira de Souza (secretário) – O povo mais pobre que não se compromete, troca o voto por qualquer coisa. Botar o milho no bolso, porque sem milho não funciona. Álvaro Alberto (financiador) – O meu jogo é aberto. Se é preciso comprar os títulos, vamos comprar. Tem que gastar dinheiro, tem que chegar com o dinheiro. .......................................................... [José Agripino] – Vamos indicar uma área para vocês trabalharem e inclusive nas áreas modestas, de eleitores indecisos que são sensíveis a uma conversa e a uma negociação, que será feita por nós ou por eles. Democracia é isto!”25

O “rabo-de-palha” também é relatado pelo escritor François Silvestre de Alencar (anterior à matéria da revista):

“O Governador José Agripino reúne um grupo grande de prefeitos do interior do Estado e promove a mais escandalosa reunião política da história eleitoral do Rio Grande do Norte. Pôs todas as brejeiras no chinelo” (Alencar, 2008, p. 134-135).

Alencar continua:

“O certo é que o Governador conclamou os aliados a „fazerem um fuzuê em Natal‟. Até aí, nada demais. Só o arranhão na compostura. O grave foi a orientação. O Governador pediu para os prefeitos „investirem‟ na eleição de Natal. Comprando votos. Isso mesmo. Um enxovalzinho aqui, uma ajudazinha ali, um dinheirinho acolá. Com essa linguagem. E a recomendação para que se fizesse de forma sutil e inteligente para não „deixar rabo de palha‟. [sic] Foi escândalo nacional” (Alencar, 2008, p. 135).

A CAMPANHA ELEITORAL E OS RESULTADOS PARA O SENADO E CARGOS PROPORCIONAIS

Apesar de relativo desgaste nas chamadas “bases” partidárias (leia-se: os

chefes locais) e do rompimento com um aliado tradicional (Geraldo Melo), que muitos vão qualificar como “traição”, a candidatura do senador Garibaldi parecia em marcha batida para uma eleição tranqüila. O senador tinha grande carisma popular, fora prefeito da capital, senador e governador por dois mandatos e nunca perdera uma

25

ARCOVERDE, Léo, Os rabos-de-palha de um filhote da ditadura. Caros Amigos, São Paulo, Ano XII, Nº 133, Abril 2008, p. 28-32.

15

eleição. Saiu do governo em 2002 com altos índices de aprovação e elegeu-se para o Senado com grande votação. Nem as constantes denúncias que cercaram, sobretudo, seu segundo governo, pareciam abalar essa popularidade. A imprensa o chamava “governador das águas”, em alusão à construção de adutoras no interior do estado26, ou “governador em férias”, como se sua eleição fossem favas contadas.

Enquanto isso, do lado da governadora, havia turbulências que pareciam

prenunciar uma derrota. A indicação do candidato ao Senado no interior da chapa governista era alvo de controvérsias. Embora o nome mais cotado fosse o do senador Fernando Bezerra (PTB), que almejava a reeleição, havia quem preferisse o ex-senador Geraldo Melo, do PSDB, adversário do governo Lula.

Bezerra era um importante líder empresarial, dirigente da Federação das

Indústrias do estado por muitos anos e ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria. Ingressou na carreira política em 1998, na chapa da Unidade Popular, disputando a única vaga para o Senado e saiu vitorioso. Foi ministro da Integração Nacional e líder do governo Lula no Congresso Nacional. Mas, em 2002, não obtendo o apoio do PMDB para concorrer ao Governo do Estado, rompeu sua aliança com os Alves e lançou-se ao pleito, sendo derrotado no primeiro turno, por uma pequena diferença para o segundo colocado (o governador Fernando Freire). Apoiou Wilma de Faria na campanha do segundo turno.

Melo, nos anos 60, foi um integrante da equipe de jovens técnicos que

trabalharam na área de planejamento do governador Aluízio Alves. Posteriormente, trabalhou na SUDENE e, em seguida, ingressou na atividade empresarial, adquirindo uma usina de açúcar em Ceará-Mirim, que havia pertencido aos clãs familiares dos Varela e Ribeiro Coutinho. Na vigência do Acordo da Paz Pública, que uniu os Maia e os Alves na eleição de 1978, foi indicado para o cargo de vice-governador (biônico) na gestão Lavoisier Maia (1979-1982). Em 1982 rompeu com os Maia e apoiou a candidatura de Aluízio Alves ao governo do estado. Em 1986 elegeu-se governador pelo PMDB e ao deixar o governo foi eleito para o Senado. Em seguida aderiu ao PSDB, rompeu com os Alves, mas reconciliou-se depois e apoiou a reeleição de Garibaldi Alves em 1998.

As bases da governadora aparentavam rebelião. O deputado Robinson Faria,

presidente da Assembléia Estadual, um importante aliado, apoderou-se do Partido da Mobilização Nacional (PMN) e conseguiu adesões de deputados estaduais e lideranças municipais. Faria revelou insuspeitada capacidade de aglutinar aliados, o que talvez fosse resultado das incertezas que cercavam o futuro pleito e da luta por espaço na coalizão governista. Um indício das pretensões do deputado eram as especulações a respeito de sua possível candidatura a cargos diversos: Governo do Estado, Câmara Federal, Senado27.

O vice-governador Antônio Jácome rompeu com Wilma de Faria e engajou-se

na campanha do seu adversário28. Em Mossoró a situação era muito adversa em virtude da força da oposição liderada por Rosalba Ciarlini Rosado e de problemas para acomodar os interesses da facção governista.

26

“(...) o „governador das águas‟ significava muito no imaginário da população do sertão” (Andrade, 2001, p. 243). 27

Diz-se que o deputado controla mais dois outros partidos. 28

Antonio Jácome saiu do PSB e aderiu ao PMN, elegendo-se deputado estadual com 40.774 votos, na 9ª posição. Continuou formalmente na base governista, mas sob a liderança do deputado estadual Robinson Faria.

16

As dificuldades da coalizão governista eram muito evidentes. Na disputa para a Câmara Federal havia três candidatos muito ligados à governadora: seu ex-marido, deputado federal Lavoisier Maia (PSB); seu ex-secretário, o empresário João Maia (PL) e o presidente da Câmara de Vereadores de Natal, Rogério Marinho (PSB). Além disso, havia especulações de que sua filha, a deputada estadual Márcia Maia (PSB), também concorreria à Câmara.

Apesar disso, discretamente, a governadora vai superando as adversidades da

campanha. Um lance importante foi o da indicação do deputado federal Iberê Ferreira de Souza para o lugar de vice em sua chapa. Dono de uma significativa clientela de votos no interior do estado, que administrava com muito empenho, houve surpresa com o seu nome, pois se sabia que teria reeleição garantida para a Câmara Federal. Quanto ao Senado, a governadora afirma seu apoio ao nome de Fernando Bezerra (PTB), mas não evita que elementos de sua coligação façam campanha para Geraldo Melo (PSDB). Tal fato acabou favorecendo a eleição de Rosalba Ciarlini Rosado (PFL) por pequena margem, apenas 11.131 votos a mais do que o seu adversário, num universo de 1.461.772 votos válidos, de acordo com a apuração final do TSE, ou 44,1% contra 43,4% de Bezerra [645.869 X 634.738]. O terceiro colocado, Geraldo Melo, pontuou 155.608 votos, correspondentes a 10,6% dos votos válidos.

Dentro do seu próprio grupo familiar, Wilma de Faria faz acomodações que

tranqüilizam os aliados: seu ex-marido, Lavoisier Maia, desiste de tentar um retorno à Câmara Federal (até por estar com a saúde debilitada) e concorre ao cargo de deputado estadual, enquanto sua filha, Márcia Maia, que poderia tentar a Câmara, busca a reeleição para a Assembléia Legislativa.

Essas acomodações no grupo familiar da governadora, mas, principalmente, o

deslocamento do deputado federal Iberê Ferreira de Souza para o lugar de vice na chapa governamental, abre espaço para que o deputado Robinson Faria lance o nome do seu filho, Fábio Faria, à Câmara Federal e ele próprio pleiteie a recondução para o legislativo estadual. Essa estratégia, ao que tudo indica, visa mantê-lo próximo das “bases” para uma eventual candidatura ao governo do estado em 2010. Essa operação de engenharia política foi importante para a governadora, pelo potencial de votos e de recursos econômicos que canalizaria para sua candidatura.

Os resultados eleitorais confirmaram aquilo que as últimas pesquisas de

intenções de voto indicavam: um virtual empate técnico entre os dois principais candidatos. A diferença entre Wilma de Faria e Garibaldi Alves Filho foi de 0,97%, ou de 15.013 votos de maioria para a governadora. Não obstante, com 49,57% dos votos válidos para Wilma de Faria, a disputa foi levada ao segundo turno29.

A alienação eleitoral (abstenções, nulos e brancos) foi elevada: 559.994 votos,

correspondendo a 26,9% do eleitorado. No que diz respeito à eleição para a única vaga do Senado Federal, o resultado

surpreendeu: a ex-prefeita de Mossoró, que nunca havia disputado um cargo majoritário em âmbito estadual, derrotou o senador Fernando Bezerra, que pleiteava a reeleição, por uma diferença de 11.131 votos.

A eleição de Rosalba Ciarlini Rosado deixou as três vagas de senadores do

Rio Grande do Norte nas mãos da oposição à governadora e ao presidente Lula. Todavia, alguns meses depois da eleição, com a aproximação entre o PMDB e o

29

PEREIRA, Rodrigo. O Estado de S. Paulo, No RN, alianças improváveis dão ligeira vantagem a Wilma. Caderno Especial Eleições 2006, p. H21.

17

governo federal, o senador Garibaldi Alves Filho revê sua posição e adere à base do governo no Senado.

A eleição para a Câmara Federal deixou um saldo bem mais positivo para a

situação dominante no estado: a base governista conquista cinco vagas das oito em disputa. São dois deputados federais eleitos pelo PSB, partido da governadora, Rogério Marinho e Sandra Rosado. Um deputado eleito pelo PMN, Fábio Faria, um jovem estreante na política, filho do deputado estadual Robinson Faria. Um deputado eleito pelo PL, o empresário João Maia, ex-secretário da governadora. E uma deputada eleita pelo PT, Fátima Bezerra.

A oposição elegeu 3 deputados federais: Felipe Maia (PFL), empresário, filho

do senador José Agripino; Nélio Dias (PP), agropecuarista, e Henrique Alves (PMDB). O deputado Nélio Dias veio a falecer, assumindo em seu lugar o suplente, Betinho Rosado (PFL). O deputado Henrique Alves foi um dos principais interlocutores do PMDB com o governo Lula.

A eleição para a Assembléia Legislativa Estadual produziu um resultado ainda

mais positivo para a coligação que apoiou a governadora: 14 das 24 vagas em disputa, o que representa uma proporção de quase dois terços dos eleitos30. As cadeiras da base governista foram assim distribuídas:

Quadro III

PARTIDOS N° DE

ELEITOS

PMN 5 deputados

PSB 4 deputados

PV 2 deputados

PT 1 deputado

PPS 1 deputado

PSDB 1 deputado Fonte: TRE-RN/ 20 A oposição elegeu 10 deputados, distribuídos da seguinte forma:

Quadro IV

PARTIDO N° DE ELEITOS

PMDB 4 deputados

PFL 3 deputados

PDT 2 deputados

PHS 1 deputado Fonte: TRE-RN/ 2007

30

Deputados eleitos na base governista: PSB: Márcia Maia, Gustavo Carvalho, Lavoisier Maia e Larissa Rosado; PMN: Robinson Faria, Antônio Jacome, Ricardo Motta, Ezequiel Ferreira de Sousa e Raimundo Fernandes; PV: Gilson Moura e Micarla de Sousa; PT: Fernando Mineiro; PPS: Wober Júnior; PSDB: Luís Almir. Deputados eleitos pela oposição: PMDB: Walter Alves, Nélter Queiroz, Poti Júnior e José Dias; PFL: Leonardo Nogueira, José Adécio e Getúlio Rego; PDT: Gesane Marinho e Álvaro Dias; PHS: Arlindo Dantas.

18

A CAMPANHA ELEITORAL PARA O SEGUNDO TURNO DA ELEIÇÃO GOVERNAMENTAL

A campanha do segundo turno transcorre num clima de nervosismo muito

grande e os dois candidatos sobem o tom, com acusações mútuas mais pesadas. O último debate televisivo escorrega para o nível da ofensa pessoal e pouco se discutem programas e propostas de governo.

No Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), Garibaldi enfatiza as

obras de seu governo, destacando aquelas que tiveram efeito social, como as adutoras e o programa do leite, além da construção de estradas e outras. Wilma, por sua vez, investe maciçamente na apresentação de obras no campo social e associa sua administração à do presidente Lula. O próprio presidente participou de dois grandes comícios de campanha, em Natal e Mossoró, tratando Wilma como “companheira”.

O discurso dos dois candidatos no HGPE evidencia, de forma implícita ou

explícita, as alianças que os apóiam e seus programas de governo. No HGPE do dia 04 de setembro, à noite, Wilma diz:

“Você sabe que no Rio Grande do Norte a riqueza ainda é muito mal distribuída. Precisamos fazer políticas públicas para que nós possamos mudar essa situação de injustiça social. E é isso que nós estamos fazendo em parceria com o presidente Lula: distribuindo renda e levando desenvolvimento para todas as regiões do nosso estado” (In: Paiva, 2007, p. 36).

A resposta do adversário, na fala da apresentadora do seu programa, vai

colocar em dúvida a aliança entre a governadora e o presidente Lula e questiona a política de desenvolvimento do governo Wilma de Faria:

“Depois do governo Garibaldi, o estado, que vinha em ritmo de crescimento, desacelerou. Mesmo com o apoio de Lula, o atual governo fez muito menos que Garibaldi. Gerou pouquíssimos empregos e nenhuma nova empresa de médio ou grande porte se instalou aqui. Muitas obras foram interrompidas, em especial, a de ampliação e conclusão do porto de Natal. O prejuízo para o nosso estado foi enorme. Outra perda (...) foi a da refinaria da Petrobrás. Apesar de ser o maior produtor de petróleo da região, e de o governo se dizer aliado ao presidente Lula, perdemos a refinaria para Pernambuco” (In: Paiva, 2007, p. 36).

Wilma contra-ataca no HGPE de 06 de setembro, à noite, imitando o estilo do

presidente, criticando a política privatista do governo Garibaldi e anunciando programas desenvolvimentistas:

“Em apenas três anos e meio e sem vender nenhum patrimônio do povo, conseguimos fazer muito para diminuir a pobreza, o sentimento de abandono e a falta de trabalho e renda, especialmente no campo. (...) Nos próximos quatro anos vamos ampliar ações como o desenvolvimento solidário (...) e atingir três grandes metas sociais (...): o analfabetismo chegará a zero, ninguém mais vai morar numa casa sem luz elétrica e o programa água para todos será uma verdade definitiva. (...) Vamos fazer as adutoras que ainda faltam. (...) Se fizemos a „Luz para todos‟, agora chegou a vez do „Água para todos‟. Lula já aprovou

19

esse projeto e se comprometeu comigo a levantar os recursos...”. (Paiva, 2007, p. 49).

Em entrevista publicada no dia da eleição do segundo turno, os dois candidatos

expõem aos leitores do Diário de Natal a sua visão da campanha política e das necessidades do povo. Wilma de Faria organiza seu discurso em torno do binômio investimento social/desenvolvimento, repisa o slogan da “guerreira” e destaca sua condição de primeira mulher a governar o estado. Ainda alfineta o adversário, dizendo que não precisou vender o patrimônio público para governar. Garibaldi menciona a necessidade de trabalho e geração de renda e toca no tema do desenvolvimento. Considera a sua aliança com o senador José Agripino (PFL, atual DEM) uma “virada histórica” na política do estado e assegura que esse pacto vai ser duradouro.

Esse discurso reafirma o estilo dos dois adversários. Wilma de Faria, mais

propositiva e agressiva, enfatiza três pontos: i) a marca do social, indício de sua identificação com o governo do presidente Lula; ii) a sua condição de mulher; iii) e o início de um novo ciclo político, com a quebra de uma tradição de mandonismo comandado por “políticos poderosos”. Por sua vez, Garibaldi sublinha: i) sua condição de oposicionista; ii) sua larga experiência administrativa e moderação política; iii) e a aliança do PMDB/PFL como o início de uma nova era política no estado31.

Essa coligação entre o PMDB e o PFL era justamente um dos calcanhares de

Aquiles da candidatura Garibaldi. Vejamos um dos aspectos que demonstra a fragilidade da coligação, o das alianças nos municípios do interior. Nas eleições municipais de 2004, o PSB elege 48 prefeitos (elegeu 6 em 2000), o PMDB elege 35 prefeitos (elegeu 55 em 2000) e o PFL elege 32 prefeitos (elegeu 35 em 2000).

Ao todo, o PSB e aliados têm 88 prefeituras em 2004. Eram 36 em 2000,

quando Garibaldi Alves era governador e o PMDB tinha o maior número de prefeituras, 55. Portanto, entre 2000 e 2004 a governadora multiplica por 2,4 o número de prefeituras próprias ou aliadas. Dos partidos coligados à governadora32, o PTB é o que apresenta maior crescimento no número de prefeituras: 15 prefeitos eleitos (apenas 1 em 2000). Também registram crescimento: o PPS, que elege 7 prefeitos (eram 4 em 2000), o PT, que elege 2 prefeitos (era 1 em 2000) e o PHS, que elege 1 prefeito (nenhum em 2000). Dos aliados, registram queda no número de prefeituras: o PSDB, que elege 4 prefeitos (eram 11 em 2000) e o PL, que elege 11 prefeitos (eram 12 em 2000).

O PMDB e seus novos e antigos aliados têm 79 prefeituras (eram 131 em

2000). Além das mencionadas acima, o PP elege 7 prefeitos (eram 37 em 2000) e o PDT elege 5 prefeitos (eram 4 em 2000). As maiores perdas são sentidas pelo próprio PMDB, no exercício do governo estadual de 1995 a 2002, que sofre uma sangria de 20 prefeituras e pelo PP, um forte aliado, que perde 30 prefeituras.

Vejamos de outro ângulo. A partir de 2004 o PSB passou a comandar 19 prefeituras em coligação com o

PFL, 7 em coligação com o PMDB e 4 em coligação simultânea com os dois partidos. Essas 30 prefeituras correspondem a 62,5% das que são comandadas pelo PSB.

31

Diário de Nata/O Potl, 29 out 2006, Caderno Política, p. 3. Na verdade, o pacto Agripino-PFL/Garibaldi-PMDB mal sobreviveu ao segundo turno da eleição. 32

Estamos considerando as coligações durante as eleições de 2006, não no momento em que as eleições municipais se realizaram. Obviamente, as eleições municipais de 2004 são fortemente influenciadas pela eleição de Wilma de Faria em 2002. Para dar um exemplo, na eleição de 2004 os pefelistas são aliados do PSB, enquanto em 2006 estão na oposição à governadora.

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O PFL comanda 15 prefeituras em coligação com o PSB. Tal número

corresponde a 46,9% das prefeituras comandadas pelo PFL. O PMDB comanda 6 prefeituras em coligação com o PSB, correspondentes a 17,1% das municipalidades sob controle dos peemedebistas. Além disso, o PFL comanda 1 prefeitura em coligação simultânea com o PSB e o PMDB e esse último partido também comanda 1 prefeitura em coligação simultânea com aqueles dois.

Enquanto isso, o PMDB e o PFL coligados comandam apenas 10 prefeituras, 5

de cada partido. São 53 prefeituras envolvidas nas alianças que o PSB estabeleceu com o PFL e/ou o PMDB contra apenas 10 prefeituras comandadas pelo PMDB e o PFL em coligação entre si.

As prefeituras comandadas por PSB, PMDB e PFL em coligações envolvendo

o PSB somam um eleitorado de 415.571 cidadãos. As prefeituras comandadas por PMDB e PFL em coligações entre si somam um eleitorado de 141.823 cidadãos. É flagrante a superioridade das alianças realizadas, no nível municipal, pelo PSB com os seus agora adversários em 2006, tanto em termos de prefeituras controladas como de eleitorado, demonstrando a fragilidade da aliança PMDB/PFL. Isso, levando em conta apenas o resultado eleitoral em 2004, sem considerar a defecção de prefeitos da oposição para o regaço do governo durante o período entre as eleições, mesmo sem mudança formal de legenda partidária, nem o fato de que todos os 32 prefeitos eleitos pelo PFL em 2004 eram aliados da governadora.

De outro lado, o aliado preferencial de “araras” e “bacuraus”, naquelas

eleições, é o próprio PSB, partido que detém o governo estadual. Nos sete municípios comandados pelo PSB em coligação com o PMDB,

Garibaldi teve 45.440 votos contra 42.479 votos de Wilma no segundo turno, uma diferença de 2.961 votos em favor do senador (1º turno: 4.748 votos pró-Garibaldi). Esse resultado, porém, deve ser creditado ao apoio recebido por Garibaldi em Parnamirim, terceiro maior colégio eleitoral do estado, governado por seu tio, Agnelo Alves, que se desligou do PSB durante a eleição e fez intensa campanha para o sobrinho, mobilizando a máquina da prefeitura. Excluindo-se Parnamirim, Wilma tem 15.929 votos contra 10.748 do adversário, uma diferença de 5.181 votos em favor da governadora.

Nos dezenove municípios comandados pelo PSB em coligação com o PFL,

todos de pequeno eleitorado exceto um médio, Nova Cruz, Wilma de Faria teve 57.611 votos contra 40.750 votos de Garibaldi, diferença de 16.861 votos em favor de Wilma (1º turno: 5.681 votos pró-Wilma).

Nos quatro municípios governados pelo PSB em coligação simultânea com o

PMDB e o PFL Wilma obteve 5.193 votos contra 4.070 de Garibaldi, diferença pró-Wilma de 1.123 votos (1º turno: 18 votos pró-Wilma).

Nos dezessete municípios governados pelo PSB em coligação com outros

partidos, exceto PMDB e PFL, Wilma teve 246.499 votos contra 207.917 votos de Garibaldi, diferença pró-Wilma de 38.582 votos (1º turno: 40.389 votos pró-Wilma). A governadora venceu em todos esses municípios e ampliou sua vantagem, com exceção de Natal, onde essa margem, apesar da vitória, foi reduzida.

Nos seis municípios comandados pelo PMDB em coligação com o PSB (todos

pequenos), Garibaldi obteve 14.654 votos contra 13.340 votos de Wilma, uma

21

diferença de 1.314 votos em favor do senador no segundo turno (1º turno: 1.481 pró-Garibaldi).

Nos cinco municípios governados pelo PMDB em coligação com o PFL

(apenas um médio, Macaíba), Garibaldi teve 27.314 votos contra 24.435 votos de Wilma, diferença pró-Garibaldi de 2.879 votos (1º turno: 3.717 pró-Garibaldi).

No único município governado pelo PMDB em coligação simultânea com PFL e

PSB, Cruzeta, Wilma obteve 3.236 votos contra 1.720 votos de Garibaldi, diferença pró-Wilma de 1.516 votos (1º turno: 1.064 votos pró-Wilma).

Nos vinte e três municípios33 governados pelo PMDB em coligação com outros

partidos, Garibaldi teve 89.614 votos contra 81.452 de Wilma, diferença pró-Garibaldi de 8.162 votos (1º turno: 14.009 votos pró-Garibaldi).

Nos quinze municípios comandados pelo PFL em coligação com o PSB, Wilma

teve 43.122 votos contra 31.927 votos, diferença em favor de Wilma de 11.195 votos (1º turno: 6.623 votos pró-Wilma). A governadora só perdeu em um município, Lagoa de Pedras, por 4 votos.

Nos cinco municípios governados pelo PFL em coligação com o PMDB (um

médio, São José de Mipibu), Wilma obteve 19.324 votos contra 18.194 votos de Garibaldi, diferença pró-Wilma de 1.130 votos (1º turno: 257 votos pró-Garibaldi).

No único município governado pelo PFL em coligação simultânea com o PMDB

e o PSB, Alto do Rodrigues, Garibaldi obteve 4.258 votos contra 2.266 votos de Wilma, diferença pró-Garibaldi de 1.992 votos (1º turno: 2.278 votos pró-Garibaldi).

Nos onze municípios governados pelo PFL em coligação com outros partidos,

excetuando-se PSB e PMDB (um grande, Mossoró, os outros, pequenos), Garibaldi obteve 84.622 votos contra 64.812 votos de Wilma, diferença de 19.810 votos em favor de Garibaldi (1º turno: 24.164 votos pró-Garibaldi). Porém, se retirarmos Mossoró, segundo maior colégio eleitoral do estado e reduto do senador José Agripino e da senadora eleita Rosalba Ciarlini Rosado, Wilma teria 18.444 votos contra 17.784 votos de Garibaldi, diferença em favor de Wilma de 660 votos.

Um fato observado nesses resultados é que nos municípios governados pelo

PFL em coligação com o PSB ou o PMDB Wilma obteve votação superior ao do seu adversário. Enquanto nos municípios governados pelo PMDB, em coligação com o PFL ou o PSB, Garibaldi obteve maioria de votos. Mais uma vez evidencia-se a fragilidade da aliança PMDB/PFL: nos redutos do PFL a governadora obtém maioria sobre seu adversário, demonstrando que a aliança entre “araras” e “bacuraus” não foi assimilada pelos eleitores.

Outro fato digno de nota é que a governadora geralmente consegue, no

segundo turno, ampliar a margem de votos nas cidades onde ganhou ou perdeu por pequena diferença, ou reduzir a margem do adversário onde perdeu por diferença significativa. Até mesmo em Mossoró, o mais importante reduto pefelista do estado, ela consegue reduzir a vantagem de Garibaldi, de 23.027 votos no 1º turno, para 20.470 votos no 2º turno. A exceção é Natal, onde o senador perde nos dois turnos, porém Wilma vê sua vantagem emagrecer de 33.038 votos no 1º turno para 18.401 votos no 2º turno.

33

Um grande, São Gonçalo do Amarante, um médio, Apodi, e os outros, pequenos.

22

Olhemos agora por um ângulo distinto, observando a votação obtida pelos dois principais candidatos segundo a estratificação dos colégios eleitorais do estado em grandes, médios e pequenos. Definimos como grandes os de cinqüenta mil eleitores e mais; os médios são os de vinte e cinco mil a menos de cinqüenta mil eleitores; e os pequenos são os de menos de vinte e cinco mil eleitores34. Os grandes concentram 773.131 eleitores, os médios, 268.663 e os pequenos, 1.059.350 eleitores. A soma do eleitorado dos grandes e médios aproxima-se da dos pequenos: 1.041.794 eleitores.

Observe-se que o estrato dos grandes colégios eleitorais é constituído por três

municípios da região metropolitana da capital, incluindo esta, e a cidade de Mossoró, a segunda mais importante do estado em população e economia, situada no alto sertão, na chamada região oeste.

Nos quatro municípios de grande eleitorado, Garibaldi obtém uma vantagem,

no 1º turno, de apenas 208 votos. Ele vence a eleição em Mossoró (PFL), Parnamirim (aliado, sem partido) e São Gonçalo do Amarante (PMDB), mas perde para Wilma em Natal. No segundo turno, o senador Garibaldi pontua uma maioria de 14.094 mil votos nos grandes colégios eleitorais. Em Mossoró, apesar das promessas da senadora eleita, Rosalba Ciarlini, a vantagem do peemedebista, de 23.027 votos no 1º turno, cai para 20.470 votos no 2º. Em Natal, porém, o senador Garibaldi arrebata 15 mil votos da governadora, fazendo recuar a vantagem de Wilma, de 33.038 votos no 1º turno, para 18.401 votos no 2º turno.

Nos municípios de médio eleitorado, entretanto, a governadora leva vantagem

sobre o senador, obtendo 21.086 votos a mais no primeiro turno. Essa vantagem se amplia, no segundo turno, para 27.922 votos a favor da governadora.

Se, portanto, o eleitorado do estado fosse constituído apenas por esses

grandes e médios colégios eleitorais a governadora teria vencido a eleição, graças à votação de Natal e dos municípios médios. É nos municípios de pequeno eleitorado, porém, que a supremacia eleitoral da governadora se afirma com mais força. Nesses municípios, no primeiro turno, o senador Garibaldi leva ligeira vantagem de 5.865 votos sobre Wilma. No segundo turno, todavia, Wilma de Faria inverte a situação, marcando 61.101 votos de vantagem sobre Garibaldi Alves, margem bem maior do que a alcançada nos municípios de médio eleitorado.

O crescimento eleitoral da governadora nos municípios de médio e pequeno

eleitorado, no segundo turno, parece estar relacionado com uma estratégia bem sucedida de atrair os prefeitos ali onde ela havia perdido no primeiro turno35. Pode estar relacionado também a uma associação mais forte entre sua candidatura e a do presidente Lula. Com efeito, no primeiro turno, Lula obtém 60% dos votos válidos no Rio Grande o Norte, e no segundo turno obtém 69% dos votos, quase 70%. No primeiro turno Lula perde apenas em três cidades do Rio Grande do Norte: Ruy Barbosa, Portalegre e Pedro Velho. No segundo turno vence em todas, mas sua vantagem é maior nos municípios pequenos e médios.

Durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso ocorre um

processo de centralização das políticas públicas sociais que prossegue durante o governo Lula: o Programa Bolsa-Família, as políticas de transferência de recursos

34

Grandes: Natal, Mossoró, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante. Médios: Ceará-Mirim, Caicó, Macaíba, Açu, Currais Novos, Nova Cruz, Apodi e São José de Mipibu. Os pequenos somam 155 municípios, desde Santa Cruz, com 23.123 eleitores, a Viçosa, com 1.365 eleitores. 35

O jornalista Cassiano Arruda Câmara revela que a estratégia da governadora no segundo turno seria a de atrair os prefeitos onde o adversário obteve sua melhor votação. Diário de Natal, Roda Viva, 30 out. 2006, p. 2.

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para as áreas da educação e da saúde e outros. Com isso, governadores e, especialmente, prefeitos de municípios menores, perdem o controle sobre uma importante fonte de domínio clientelístico e vêem aumentada sua dependência dos poderes estaduais e federal. Prefeitos de todo o país têm realizado “marchas a Brasília” para deter o processo, procurando arrancar concessões do poder federal para reduzir sua dependência e conter a muito incipiente iniciativa de auto-organização das classes subalternas no nível local.

A governadora vence a eleição com 824.101 votos, correspondentes a 52,38%

dos votos válidos, contra 749.172 votos do adversário, correspondentes a 47,62%. Portanto, entre o primeiro e o segundo turnos, aumenta seu cabedal de votos em 60.085 sufrágios, ao passo que o concorrente conquista apenas mais 169 sufrágios. A diferença em favor da governadora, no segundo turno, foi de 74.929 votos, ou 4,76% a mais do que seu oponente. É uma diferença ainda pequena, para um universo de 2.101.144 eleitores, ou 1.749.638 votos efetivamente apurados.

Quadro V

Votação de candidatos ao governo do Rio Grande do Norte - Eleições 2006 - 2° Turno

N°/ Candidato Partido/ Coligação Votos % VV Situação

40- WILMA MARIA DE FARIA

PSB/ PC do B/ PHS/ PL/ PMN/ PPS/ PT/ PT do B/ PTB

824.101

52,38

Eleito

15- GARIBALDI ALVES FILHO

PMDB/PFL/ PP/ PTN 749.172

47,62

Não eleito

Fonte: TRE-RN/ 2007

Quadro VI

Dados gerais do 2° turno- 2006

Total de eleitores aptos a votar 2.101.144 -----------

Votos válidos 1.573.273 (89,92%)

Votos em branco 21.307 (1,22%)

Votos nulos 155.058 (8,86%)

Comparecimento 1.749.638 (83,27%

Abstenção 351.506 (16,73%) Fonte: TRE-RN/ 2007 CONCLUSÕES

Da eleição de 2006 é possível sacar algumas conclusões. A primeira diz

respeito a certo padrão que se estabeleceu após a introdução da novidade da reeleição: o governante que busca a reeleição pode enfrentar um duro combate e, eventualmente, não se reeleger. Isso poderia ser uma prova de maior maturidade do eleitorado e de que a posse da máquina pública não é mais garantia de reeleição segura. Por outro lado, os candidatos reeleitos são aqueles que, em geral, contam com uma boa avaliação de suas administrações por parte do eleitorado.

24

No caso de Wilma de Faria, apesar das alegações da oposição de que não tinha “obras estruturantes” a apresentar, sua avaliação pelos eleitores era positiva. Há, portanto, certa coerência entre a avaliação que o eleitorado faz da gestão e a decisão do voto do eleitor. Porém, isso não é automático e gestores públicos eleitos bem avaliados podem não conseguir sucesso em obter novo mandato (um caso notório foi o da prefeita Marta Suplicy, de São Paulo, em sua tentativa de se reeleger em 2004: apesar de avaliada com altos índices de aprovação, perdeu a campanha para seu oponente, José Serra).

Certamente, os dois principais candidatos que concorreram ao Governo do

Estado do Rio Grande do Norte em 2006 travaram um duro combate eleitoral. A governadora e o ex-governador eram dois dos três políticos mais bem sucedidos nos últimos vinte e cinco anos de história do estado. O outro político mais bem sucedido, o também ex-governador José Agripino Maia, estava do lado do senador Garibaldi Alves Filho.

Portanto, essa coligação Alves/Maia, ou PMDB/PFL, afigurava-se imbatível.

Todas as pesquisas de intenções de voto feitas durante o ano de 2005 e até o mês de agosto de 2006, nas proximidades da eleição, faziam crer que o senador Garibaldi venceria a eleição por uma margem folgada, confirmando sua legenda de candidato invencível, ganhador, até então, de todos os pleitos que disputou.

Entretanto, algumas circunstâncias que cercaram o pleito parecem ter

favorecido os propósitos de continuidade da governadora. Sem pretender atribuir peso a um ou outro fator determinante, pois isso, do ponto de vista metodológico, seria impossível, analisemos cada uma dessas condicionalidades que influíram no resultado eleitoral.

A primeira dessas circunstâncias que salta à vista é a da própria coligação

entre os dois senadores, que reunia as duas principais forças políticas do estado desde os anos 60/70. Justamente as forças que representavam o aluizismo e o dinartismo nos anos 60/70, ou o confronto Maia/Alves dos anos 80 e seguintes. Desde a restauração das eleições diretas em 1982 os dois partidos representados pelos senadores se enfrentaram como adversários. Adversários aparentemente inconciliáveis desde o início dos anos oitenta do século passado, sua coligação provocou surpresas, embora não fosse algo inédito, como apontamos mais acima.

Desde o ano anterior ao da eleição especulava-se sobre a candidatura dos dois

líderes. E nas pesquisas de intenção de voto, eles apareciam sempre como os que tinham maiores chances de se eleger, ao lado da governadora, que figurava no mais das vezes em terceiro lugar. Por isso, uma aliança entre os dois parecia limitar drasticamente as pretensões da governadora.

Todavia, a própria aliança encerrava contradições que podem ter tido um efeito

bumerangue. Durante aproximadamente vinte e cinco anos “araras” (pefelistas) e “bacuraus” (peemedebistas) estiveram em fronts opostos em todos os níveis: nas campanhas para cargos federais, estaduais e municipais. Plasmou-se certa cultura política em que as duas facções, como água e óleo, não se misturavam. Algo bem ao estilo do confronto político definido por Carl Schmitt (1992) como uma relação amigo/inimigo36. Por tal razão, a coligação enfrentou resistências, sobretudo da parte dos “araras”, e, particularmente, na esfera municipal, onde as diferenças políticas costumam assumir uma dimensão pessoal. Daí, a ter um reflexo eleitoral, difícil de

36

“A distinção especificamente política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é a discriminação entre amigo e inimigo” (Schmitt, 1992, p. 51).

25

ponderar, mas nem por isso menos real, era algo até previsível, favorecendo a posição de Wilma de Faria.

A outra circunstância diz respeito à relação entre o pleito estadual e o pleito

presidencial. O senador Garibaldi foi relator da CPI dos Bingos e, nessa condição, aproximou-se bastante da oposição ao presidente Lula. Seu principal aliado na campanha, senador Agripino, era um dos mais conhecidos líderes da oposição ao governo do presidente no Senado da república. Por sua vez, a governadora pertencia a um partido que fazia parte da base aliada do governo federal.

Mais do que isso: na campanha a governadora associou seu governo e suas

políticas às do governo Lula e usou explicitamente os mesmos motes de campanha do presidente, como, por exemplo, as críticas às privatizações e a ênfase nas políticas sociais de vários tipos. Além disso, em várias ocasiões enumerou programas do governo estadual em parceria com o governo federal, que teriam sua continuidade garantida por sua reeleição. Por sua vez, o senador praticamente omitiu qualquer apoio à candidatura de Geraldo Alckmin, adversário do presidente Lula e, até mesmo, “escondeu” o senador José Agripino, que quase não participou dos comícios e programas eleitorais do seu aliado. Nos dois casos, a motivação teria sido o medo de perder votos.

Um indício forte de que essa associação com a disputa presidencial influía na

disputa estadual é que a governadora procurou fazê-la explicitamente, enquanto o senador Garibaldi evitou-a. Essa circunstância também favoreceu Wilma de Faria.

Ainda no ponto referente às alianças, acordos, coligações, no plano

estritamente estadual, a governadora levou nítida vantagem sobre o senador. A prova se evidencia na composição da bancada eleita para a Câmara Federal e a Assembléia Estadual: os partidos da base de apoio da governadora elegem cinco dos oito representantes à Câmara Federal e quatorze dos vinte e quatro representantes à Assembléia Legislativa.

Porém, a coalizão oposicionista conquista a única vaga em disputa para o

Senado, obrigando a governadora reeleita a conviver com uma bancada de três senadores de oposição. Esse malogro do situacionismo potiguar deveu-se, fundamentalmente, ao seguinte: enquanto a oposição concentrou os esforços de campanha e conquista de votos em uma só candidata, Rosalba Ciarlini Rosado, os aliados da governadora dividiram seu apoio entre dois candidatos, o senador Fernando Bezerra, candidato oficial da coligação, e o ex-senador Geraldo Melo, do PSDB. A derrota de Bezerra, por uma diferença de apenas 11.131 votos, pode ser creditada a essa divisão.

Uma conseqüência importante desse processo é que o jogo político em nível

estadual passa a incorporar um importante grau de incerteza. As duas facções políticas que tinham o monopólio desse jogo nos últimos quarenta anos serão obrigadas, doravante, a fazer composições mais amplas e heterogêneas, cedendo espaços para líderes emergentes e forças políticas diversas.

Entretanto, tais lideranças e forças políticas “novas” não correspondem, em sua

quase totalidade, a movimentos orgânicos no âmbito da sociedade civil. Os partidos de direita, em geral, não traduzem interesses de classe no nível ético-político. São empresas político-partidárias e/ou familiares, ou, mais propriamente, lobbies reunidos em torno de um “patrão” que detém vínculos de interesses com grandes grupos empresariais privados que carreiam recursos para as campanhas eleitorais em troca de benefícios futuros.

26

Em tais casos os vínculos de representação dos líderes políticos com seu

eleitorado são muito frágeis, mediados, quase sempre, pelo clientelismo, o assistencialismo, o personalismo, o nepotismo, o patrimonialismo e a compra de votos. Isso provoca uma reação de alheiamento por parte dos representados, expresso nas altas taxas de abstenção, votos nulos e brancos, particularmente nas eleições para o Legislativo em todos os níveis. Os indícios e provas a esse respeito são abundantes e estarrecedores37.

Se Weber (1974) e Schumpeter (1984), em momentos distintos de

consolidação da chamada “democracia de massas”, apontaram as homologias estruturais entre a economia de mercado e a política democrática, no caso em observação assistimos a invasão direta da concorrência de mercado na política, uma degeneração da política pela força do dinheiro, que “constrói [?] e destrói coisas belas”. Assim, princípios ideológicos que promovem a sociedade de mercado, o socialismo ou a defesa do meio ambiente são distorcidos e transformam-se em elementos de (má) retórica para encobrir interesses materiais imediatos e mesquinhos.

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37

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27

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