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Richard H. Palmer Se avaliarmos o desenho de luzes teatral pelo que tem sido escrito sobre ele, concluiríamos que a iluminação de palco é sobretudo uma questão de equipamento e de considerações técnicas. Esta orientação/tendência tem várias causas. Todos os textos sobre iluminação de palco têm sido até à data escritos por principiantes e partem do princípio que o primeiro problema com que um neófito desenhador se confronta é como utilizar o vasto manancial de complexos equipamentos. De facto, nas últimas décadas assistiu-se a um rápido desenvolvimento das tecnologias para iluminação de palco, particularmente na área do controlo de dimmer/graduador/obscurador, e que provocou um compreensível fascínio pelo hardware de iluminação. Existem milhares de pessoas a fazer iluminação de palco que são “equipment freaks/ maníacos da tecnologia/do equipamento”. A situação assemelha-se à indústria de gravação e reprodução de som, na qual legiões de pessoas obcecadas pela tecnologia dos sistemas de som ignoram em larga medida a dimensão criativa da reprodução do som. O assunto é ainda mais confuso quando se emprega o termo “de ponta”para nos referirmos à tecnologia do som ou da iluminação. É quase como se o domínio técnico do equipamento fosse o objectivo primordial desta forma de arte. Certamente, a música não é ameaçada pela sua tecnologia. Os músicos e os compositores andam por aí há milénios (até os musicólogos andam por aí há séculos). Já o desenho de luzes é uma forma de arte relativamente nova, e, embora alguns dos seus primeiros teóricos, Adolph Appia e Gordon Craig, tenham precedido a sua explosão técnica, os princípios estéticos do desenho de luzes não foram claramente articulados antes do domínio da tecnologia. ( Adolphia Appia: Tristan and Isolde (1896), Act II Adolph Appia (1862-1928) - Appia's sketches published in La mise en scene de drame Wagnerien (1895), Die Musik und die Inscenierung (1899) and L'Oeuvre d'Art Vivant (1921) indicate a plastic, three dimensional set (steps, columns, ramps, platforms) revealed in

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Richard H. Palmer Se avaliarmos o desenho de luzes teatral pelo que tem sido escrito sobre ele, concluiríamos que a iluminação de palco é sobretudo uma questão de equipamento e de considerações técnicas. Esta orientação/tendência tem várias causas. Todos os textos sobre iluminação de palco têm sido até à data escritos por principiantes e partem do princípio que o primeiro problema com que um neófito desenhador se confronta é como utilizar o vasto manancial de complexos equipamentos. De facto, nas últimas décadas assistiu-se a um rápido desenvolvimento das tecnologias para iluminação de palco, particularmente na área do controlo de dimmer/graduador/obscurador, e que provocou um compreensível fascínio pelo hardware de iluminação. Existem milhares de pessoas a fazer iluminação de palco que são “equipment freaks/ maníacos da tecnologia/do equipamento”. A situação assemelha-se à indústria de gravação e reprodução de som, na qual legiões de pessoas obcecadas pela tecnologia dos sistemas de som ignoram em larga medida a dimensão criativa da reprodução do som. O assunto é ainda mais confuso quando se emprega o termo “de ponta”∗∗∗∗ para nos referirmos à tecnologia do som ou da iluminação. É quase como se o domínio técnico do equipamento fosse o objectivo primordial desta forma de arte. Certamente, a música não é ameaçada pela sua tecnologia. Os músicos e os compositores andam por aí há milénios (até os musicólogos andam por aí há séculos). Já o desenho de luzes é uma forma de arte relativamente nova, e, embora alguns dos seus primeiros teóricos, Adolph Appia e Gordon Craig, tenham precedido a sua explosão técnica, os princípios estéticos do desenho de luzes não foram claramente articulados antes do domínio da tecnologia. ( Adolphia Appia: Tristan and Isolde (1896), Act II Adolph Appia (1862-1928) - Appia's sketches published in La mise en scene de drame Wagnerien (1895), Die Musik und die Inscenierung (1899) and L'Oeuvre d'Art Vivant (1921) indicate a plastic, three dimensional set (steps, columns, ramps, platforms) revealed in

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directional light. He believed that shifting light should create an inner drama which flows and changes with the texture of the music; that the intensity, color and direction of the light should reflect the changing atmosphere or mood of the work. ) Não quero com isto dizer que os desenhadores de luzes ignoram a mestria/a capacidade artística naquilo que fazem. Obviamente, existem muitos bons artistas a desenhar iluminação teatral. No entanto, embora haja volumes de livros onde se disserta sobre o equipamento de luzes, houve apenas um descuidado ou inadequado estudo da estética da iluminação de palco, dos princípios artísticos que regem o uso do equipamento de luzes/de iluminação. Devido à falta de uma estética de iluminação de palco bem desenvolvida, muitas escolas menosprezam/ignoram este aspecto da educação teatral e produzem diplomados que dominam as suas noções de electricidade, de electrónica, de óptica, de desenho e de equipamento, mas que não sabem como desenhar com a luz. A causa mais comum de reprovação daqueles que fazem os exames de iluminação na United Scenic Artists é a incapacidade de utilizar a iluminação para criar um desenho viável. As questões estéticas não são uma completa novidade para aqueles que se ocupam da iluminação de palco. Adolph Appia, Gordon Craig, Stanley McCandless, Antonin Artaud, Robert Eadmon Jones, Jean Rosenthal, entre outros, examinaram princípios importantes da iluminação teatral que iremos analisar, mas nenhum fez uma investigação completa da estética da iluminação baseada no conhecimento actual e nas exigências do teatro contemporâneo. A própria novidade de técnicas sofisticadas para iluminação de palco, altamente flexíveis e controláveis, pode, em parte, explicar a morte da investigação estética. Só nas últimas décadas é que a iluminação teatral se transformou num esforço artístico de suficiente complexidade para ser considerado uma forma de arte sofisticada. Existe uma grande quantidade de material escrito sobre iluminação mas fora da área da iluminação de palco. Os artistas de outras áreas da imagem, em particular da pintura e da fotografia, dependem dos efeitos da luz e têm sistematicamente examinado a sua utilização. Psicólogos da percepção/cognitivos e engenheiros

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de iluminação fizeram muita investigação de base sobre o modo como a iluminação influencia a percepção humana, e o seu trabalho fornece muita informação útil para o desenhador de iluminação de palco. Neste livro não encontra informação detalhada sobre instrumentos, dispositivos de controlo, electricidade ou óptica. Esse material constitui conhecimento essencial do praticante de desenho de luzes, material esse que ele deve procurar em qualquer um dos outros textos disponíveis ou nos catálogos dos fabricantes de equipamento. Este livro pretende constituir-se suplemento dessa informação, começar no ponto em que se coloca a questão “Como é que eu uso este equipamento?”. Este livro deve também ser de interesse para o threatregoer/ espectador de teatro que queira entender os elementos de uma boa iluminação e saber em que medida o desenho de luzes contribui para a formação da resposta/reacção do público a uma produção teatral. O facto de não se abordar o tema do equipamento não deve criar a impressão que esta investigação sobre estética será apenas a um nível abstracto. Queremos descobrir quais são os princípios mais gerais que regem a arte do desenho de iluminação de palco e esperamos que o indivíduo desenhador/designer aplique estes princípios a requisitos específicos da produção com o equipamento disponível. Adicionalmente, sendo o autor um desenhador de luzes praticante, ele irá ilustrar a sua dissertação com referências a situações de desenho específicas. Porque a nossa visão é influenciada por tantos factores psicológicos, os quais iremos debater, e porque a película fotográfica tem uma medida de sensibilidade à luz limitada e única, os fotógrafos da produção fornecem, de facto, cópias pobres da iluminação de palco. Iremos apresentar algumas fotografias apenas pela iluminação que mostram, independentemente da sua exactidão enquanto registos da produção (porque muitas vezes os desenhos de cenas representam a iluminação com mais vivacidade do que uma fotografia da produção), e que serão utilizadas para exemplificar muitos dos aspectos da iluminação abordados aqui. Eu estou em dívida para com uma geração de estudantes e de públicos que toleraram as minhas experiências com a iluminação;

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para com uma série incontável de desenhadores de luzes que forneceram numerosos exemplos de boa iluminação em teatro e também alguns maus exemplos; para com os desenhadores cénicos/cenógrafos que têm olho para a luz; e para com os engenheiros de iluminação e os psicólogos que realizaram a investigação de base sobre a iluminação. As minhas dívidas específicas estão indicadas nos agradecimentos que acompanham figuras e ilustrações, notas de rodapé e na bibliografia. Agradeço em particular a licença sabática concedida pela Universidade de Washington, que me permitiu começar a trabalhar neste livro e o apoio dos meus colegas da College of william and Mary: Christopher J. Boll, Louis Catron, Jerry Bledsoe e Bruce McConachie. O Professor Cameron Harvey, a Escola de Belas-Artes da Universidade da Califórnia-Irvine; o Professor John Williams, o Departamento de Teatro da Universidade do Noroeste; o Professor Robert Shakespeare, o Departamento de Teatro/Centro de Belas-Artes da Universidade de Massachusetts; e o consultor de iluminação teatral Geo Ulnic, todos fizeram uma revisão do livro quando ainda se encontrava na forma de um manuscrito, e gostaria de agradecer a cada um e a todos eles pelas sugestões e críticas. À minha esposa, Rebeca Palmer, que me encorajou, me deu assistência editorial e a perspectiva de um leigo. Aos meus filhos, Virginia, Zachary e Katherine, que tiveram de andar em bicos de pés em determinadas alturas, durante anos, e certamente merecem que se lhes faça referência. Richard H. Palmer College of William and Mary ∗∗∗∗ N.T.: A expressão inglesa correspondente, “state of the art”, remete literalmente para o termo “arte” e o seu emprego erróneo, na opinião do autor.

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Nota introdutória para professores/ Ao professor: Quer se decida utilizar este livro como um texto suplementar para um curso de nível inicial de desenho de luzes, ou como um texto introdutório num curso de nível mais avançado, isso é algo que dependerá inteiramente da opção do professor, isto é, se optar por ensinar mecânica ou teoria do design em primeiro lugar. Depois de ter experimentado por várias vezes ambos os métodos, bem como várias misturas, cheguei à conclusão que nenhum funciona inteiramente melhor que o outro. Em última análise, o esquema função/mecânica/desenho parece ser o mais confortável porque, parece-me, a maior parte de nós estudou o desenho de luzes por essa mesma ordem. O que interessa reter é que devemos proporcionar aos nossos alunos uma familiarização extensiva/completa quer com as ferramentas práticas de um desenhador de luzes, quer com os modos de uso inteligente dessas ferramentas. Este livro não tem qualquer pretensão de abrir uma discussão sobre equipamentos de luzes ou de prescrever instrumentação específica para a introdução de conceitos de design em roteiros de luzes. Para complementar e servir de referência ao presente texto está indicada na bibliografia uma série de bons textos, periodicamente actualizados, nos quais são discutidos aspectos sobre equipamento. Muitos deles abordam também a história da iluminação de palco, um tema desenvolvido mais exaustivamente na obra Lighting in the Theatre de Gösta Bergman. Uma vez que não se pretende substituir um bom texto padrão sobre equipamento e metodologia de iluminação, “A arte da Iluminação” certamente não prescinde do apoio/acompanhamento de um bom professor em contexto de sala de aula. Embora os exemplos concretos sirvam constantemente de ilustração a teorias e princípios mais vastos, este livro dá especial atenção às “ideias” de desenho, concentrando-se no processo de desenvolvimento de um conceito de desenho e nos múltiplos factores que o desenhador deve ponderar na formulação desse conceito. A aplicação prática depende sempre das exigências da situação de produção: o inventário de luzes e o estado dos instrumentos/do material, posições de montagem, capacidades de controlo, dinheiro, tempo, o engenho de electricistas e de operadores, o

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desenho específico da cenografia e do guarda-roupa, o encenador e as relações de trabalho da equipa de produção. Um dos problemas dos exemplos pormenorizados e exaustivos descritos em manuais é que eles nunca iriam funcionar no “seu” teatro! Este livro dirige-se ao olhar e à mente do estudante de design. A transferência destas ideias para desenhos práticos requer a presença de um instrutor que desenvolva projectos de desenho tão próximo das condições reais de trabalho diário de uma produção real quanto a praticabilidade o permitir. Seria particularmente útil desenvolver algumas ideias apresentadas neste livro através do desenho de projectos de desenho de algumas das peças em certa medida analisadas no texto, tais como O Rei Édipo, Um Eléctrico Chamado Desejo, Romeu e Julieta e A Phoenix too Frequent. A parte sobre estilos de iluminação irá beneficiar particularmente dos projectos de desenho construídos em torno de estilos de produção específicos. As peças citadas nessa secção são exemplos adequados, mas o professor poderá escolher outros exemplos do seu reportório pessoal. Muitos dos fenómenos de iluminação abordados nos primeiros capítulos são difíceis de descrever mas tornam-se imediatamente evidentes quando experimentados. No final destes capítulos são descritas algumas demonstrações práticas. O professor irá, sem dúvida, lembrar-se de outras. A maior parte delas são relativamente simples de montar/preparar e constituem bons projectos para as apresentações feitas durante a aula pelos alunos, e que irão ajudar a ilustrar as ideias defendidas no texto. Embora um ano académico inteiro seja o ideal para uma melhor intersecção da teoria do design e dos projectos práticos de desenho, o material apresentado neste livro pode ser explorado num semestre ou num trimestre, reservando cerca de uma semana para abordar cada um dos doze capítulos. Um professor, que esteja ansioso por ver os alunos começarem a desenvolver planos de iluminação logo no início do período, talvez considere útil, logo após tratar o capítulo 1, saltar para os capítulos 10, 11 e 12, voltando ao material sobre a psico-física, a composição e o estilo dos capítulos intermédios assim que estejam em curso os projectos iniciais de desenho. Apesar do seu tom teórico, este é um texto descritivo de práticas. As aptidões a serem desenvolvidas são simplesmente as da inteligência e da visão, que devem acompanhar as aptidões da

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mão. Tal como se passa com o domínio de uma qualquer forma de arte, o desenho de luzes depende da relação mestre – aprendiz entre o professor de desenho e o aluno. Nenhum livro pode substituir a função exemplar ou o conselho e orientação versados do desenhador/professor de iluminação. Cap. 1 Introdução No desenho da iluminação de palco, a arte de preparação da luz para uma produção teatral, o desenhador de luzes é o responsável último pelo controlo de todos os aspectos visuais de uma produção teatral que não seja apresentada com luz do dia: o público tem que ter luz para conseguir ver. Porém, uma grande “inundação de luz” pode criar luminosidade suficiente para permitir a visibilidade. A iluminação por si só não é nem design nem uma arte. O termo “design” pode significar “um plano” ou “uma estrutura”, e um desenhador de luzes cria ambos, planeando uma estrutura de luz pela manipulação de certas propriedades controláveis da luz para satisfazer um conjunto específico de funções. O desenhador deve dominar não só os instrumentos e o seu controlo, mas também a própria luz e, finalmente, o quê e o modo como o público vê. O roteiro de luzes/the instrument plot é apenas o meio para alcançar a finalidade que é o desenho da experiência visual do público. Para levar a cabo este processo de desenho no sentido mais lato, o desenhador tem de possuir mais do que um conhecimento do equipamento. Ele ou ela tem que compreender o processo da

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visão: as ligações entre o que é aceso, as propriedades da iluminação, e o olho e a mente do espectador/ contemplador. Este livro concentra-se nestas ligações entre o objecto, a iluminação e a resposta do público. Dado que a iluminação de palco é uma forma de arte, ela exige do desenhador, para além das habilidades técnicas, uma compreensão de princípios estéticos. Mas a iluminação nem sempre foi considerada um empreendimento artístico. Nos primeiro anos do século XX, a responsabilidade da iluminação caía sobre os ombros de um mestre electricista que era visto como um habilidoso e não com um artista. Gradualmente o cenógrafo tornou-se responsável pela iluminação de palco e, nos anos 30, Jean Rosenthal foi o primeiro designer comercial a concentrar-se exclusivamente na iluminação. Só nos anos 60 é que o sindicato dos designers profissionais, a United Scenic Artists of America, reconheceu a iluminação de palco como uma área independente do design. Porque a iluminação de palco é uma arte, o artista de iluminação tem que lidar com aspectos de criatividade, beleza e com o poder da luz para evocar emoções. Qualquer empreendimento artístico inclui uma forte componente de intuição mas a palavra “arte” é desde os tempos antigos sinónimo de ordem e de princípios sistemáticos de abordagem que podem ser ensinados e aprendidos. O estudo da arte chama-se estética. A ideia de “estética” pode ser tão intimidadora para o novato desenhador de luzes como o desconcertante aparato de equipamento de iluminação disponível, mas a palavra descreve apenas a ideia de que podemos entender uma forma de arte, a criatividade artística e a resposta à arte através do isolamento dos princípios a que o artista recorre para manipular os materiais que produzem respostas previsíveis do público. Por outras palavras, a estética é a ciência da arte. Isto não quer dizer que se possa reduzir a arte da iluminação de palco a um conjunto de regras. A importância da inspiração mantém-se mas há ainda princípios básicos a aprender e a dominar. Tal como o pintor deve conhecer os princípios da cor ou o escultor deve compreender as características de fractura do mármore, também o desenhador de luzes deve entender as propriedades da luz, os aspectos de psico-física, as convenções estilísticas e os métodos de análise da interdependência entre a iluminação e um conceito de produção.

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Neste capítulo iremos analisar sucintamente as propriedades da luz que o desenhador pode variar e controlar, e iremos ver que funções serve a iluminação de palco. Nos próximos três capítulos serão abordados os princípios de psico-física que nos ajudam a entender como os espectadores reagem à luminosidade, à cor e ao poder da luz para criar formas. Do capítulo 5 ao 7 investiga-se a função composicional da iluminação, seguindo-se dois capítulos sobre abordagens estilísticas e design de iluminação. Nos últimos três capítulos discutem-se métodos de análise de um texto de teatro e de outros elementos da produção, de modo a desenvolver um desenho de luzes em que se fundem o conceito da produção e a resposta do público. As propriedades controláveis da Iluminação de palco: Existem oito propriedades distintas da luz que são controladas pelo desenhador. Estes elementos são análogos ao cuidado do pintor com a cor, a luminosidade, a saturação, a densidade, a reflectividade e a textura do pigmento. O pintor deve também conhecer as propriedades dos diferentes veículos de cor para os pigmentos, pincéis e superfícies de pintura, tal como o desenhador de luzes deve compreender as propriedades dos diferentes instrumentos de iluminação e o comportamento das lentes, dos reflectores e dos dimmers/graduadores/obscuradores, mas em nenhum caso deve o domínio da arte consistir primariamente no domínio das ferramentas. O verdadeiro meio da iluminação de palco é a luz e arte consiste na manipulação das oito propriedades da luz. Intensidade. A quantidade de energia luminosa que é reflectida do/pelo palco. O desenhador controla a intensidade através do tipo, tamanho, watts e número de instrumentos de iluminação utilizados e pela variedade de aparelhos de controlo de intensidade (dimmers/graduadores/obscuradores). As propriedades reflectoras das superfícies no palco também influenciam a intensidade mas o cenógrafo, o figurinista e o maquilhador têm a primeira palavra neste aspecto. O desenhador de luzes tem de ajustar a intensidade de acordo com as superfícies reflectoras predeterminadas. A luminosidade é o principal atributo da

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intensidade da luz e há uma variedade de factores psicológicos que influencia a percepção do público da luminosidade, tais como o nível de adaptação, o contraste de luminosidade, o brilho/a claridade e a irradiação. Cor. A tez, a saturação e a luminosidade dos objectos enquanto influenciados pela composição espectral da luz que bate e reflecte a partir da sua superfície. Isto é primeiramente controlado pelo uso de filtros coloridos mas é posteriormente determinado pelos perfis espectrais variáveis das diferentes fontes de iluminação, pela mudança do vermelho em luzes incandescentes à medida que são obscurecidas, pela reflexão cumulativa da luz nas superfícies coloridas e por um conjunto de variáveis da percepção. Direcção. A orientação da aparente fonte de luz em relação ao objecto iluminado e o espectador. As posições de montagem dos instrumentos de iluminação individuais determina em primeiro lugar a direcção mas o fluxo de diferenças de intensidade do palco e a organização da cor da iluminação podem também induzir a percepção do público de direccionalidade. A direcção da luz tem uma forte influência sobre a percepção do espaço e da forma. Forma. A figura de pools of light/pontos/fontes de luz individuais, padrões de luz e de escuridão criados quer por uma série de instrumentos, quer por vários dispositivos de projecção, e o desempenho da luz que é reflectida das superfícies de um sólido complexo. A selecção do tipo de instrumentos, da posição de montagem, a utilização de obturadores/shutters and gobos e a disposição dos instrumentos são alguns meios de controlo da forma. O desenhador controla a forma para criar uma composição visual com a iluminação. Difusão. A dispersão da luz através de um meio translúcido ou a “dureza” ou “suavidade” intrínseca de um feixe de luz. A qualidade da luz que é reflectida por uma superfície é em parte o produto do tamanho aparente da fonte de luz. Reflexão regular/especular (tipo espelho) indica uma fonte pequena e reflexão difusa indica uma fonte grande. Através do recurso aos meios de difusão ou de instrumentos desfocados, alarga-se o tamanho aparente da fonte. O controlo da difusão afecta a

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percepção da cor, da forma e da composição. Frequência. A intermitência da luz através do tempo. A frequência pode ser curta, tal como com luzes intermitentes/strobe lights, ou longa, tal como com o ritmo de obscurecimento definido para toda uma produção. A frequência, que pode ser aleatória ou rítmica, pode influenciar a percepção da luminosidade e da cor e atribui uma dimensão temporal à composição. O desenvolvimento de um resultado de iluminação/lighting score, descrito no capítulo 12, depende do controlo da frequência da iluminação durante a extensão temporal de uma produção. Movimento. A mudança de lugar da luz no espaço. Pode ser movimento real, como com os projectores de seguimento/follow spots, ou movimento aparente criado pelo crossdimming/obscurecimento cruzado ou pelo recurso a chasers. Tal como acontece com a frequência, o movimento está relacionado com a manipulação da luz através do tempo. Luminosidade. A qualidade da luz. É, para ser mais correcto, uma variável criada pela combinação de outros factores, mas em proporções de tal modo subtis que é quase um desafio analisá-la. A vivacidade de uma imagem laser, a qualidade de brilho de uma cor fluorescente, a planura de uma luz de arco de carbono ou o fulgor de uma fonte incandescente, todos são exemplos identificáveis desta propriedade. É geralmente o produto do tipo de iluminante ou cor do filtro. As funções da Iluminação de palco: Quais são os objectivos do desenhador de luzes? Que resultados obtém a iluminação? No sentido mais lato, o desenhador tem que criar o mundo luminoso da produção. Tal como uma determinada clareira na floresta ou uma determinada catedral têm uma qualidade única de luz, num determinado dia, numa determinada altura do ano, também uma produção teatral deve ter a sua própria luz característica. É comum dizer-se que a função/o trabalho do desenhador de iluminação teatral é “iluminar a peça, não apenas o palco”. De

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facto, muitas apresentações teatrais são tentativas de elucidação de um texto de teatro e nestes casos o desenhador de iluminação, tal como todos os outros membros da equipa de produção, têm de labutar para descobrir qual a realidade visual exigida por essas palavras. A encenação de uma produção, no entanto, fornece sempre mais do que apenas palavras. Ocasionalmente os acréscimos são lesivos, mas na maior parte das vezes a produção acrescenta uma riqueza de experiência muito maior da que é proporcionada pelo texto em si mesmo. Esta é a justificação da actuação teatral: ela envolve todos os sentidos numa proporção maior que qualquer outra forma de arte. Uma apresentação teatral nunca é apenas a representação de textos. É uma coisa em si mesma: a totalidade, naquele momento particular, composta por actores, palavras, música, guarda-roupa, propriedades, maquilhagem, cenário, iluminação, espaço de actuação e pelo público. O texto pode ser central neste esforço mas é o evento na sua totalidade que tem de ser iluminado. O desenhador de luzes ilumina as produções. Na prática, o teatro raramente foi dominado pelo texto. Temos tendência a julgar a actividade teatral de qualquer período a partir de uma perspectiva de académicos de literatura, em parte porque eles dominam as nossas instituições educacionais, em parte porque o texto é a parte mais facilmente preservada de uma produção. No entanto, o teatro nos dias de hoje, tal como sempre foi, é em larga medida apelativo ao olhar e aí o desenhador de luzes tem o controlo definitivo. O desenhador de luzes pode ser chamado para iluminar peças improvisadas, happenings/reuniões sociais, espectáculos, óperas e musicais, concertos de dança, actor vehicles, até mesmo produções sem actores. A fonte de unidade artística para estes eventos não é um texto mas um conceito de produção. Assim, talvez seja melhor dizer-se que o desenhador “ilumina a produção e não o palco”. Outro adágio problemático que turva o entendimento da iluminação de palco é a noção de que a iluminação nunca deve atrair atenções para ela própria. Em parte, este é mais um legado dos literatos, mas que foi reforçado por exponentes de realismo extremo e por actores e cenógrafos preocupados com o potencial competitivo de atracção de atenções da luz. Há sempre os defensores de um teatro de interesse especial: Jerzi Grotowski

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quer devolver o teatro aos actores e nas suas produções os actores representam sob uma luz branca inalterável; Gordon Craig por sua vez quer eliminar os actores por completo; há os dramaturgos que formam os seus próprios teatros motivados por se sentirem vítimas de abuso e de desprezo. Todos eles são pontos de vista válidos mas representam apenas uma selecção do total de possibilidades da experiência teatral, que é capaz de levar ao palco todos os recursos sensoriais. Em que medida a iluminação justificadamente atrai atenções para si mesma é algo que deve ser determinado apenas pelo conceito de produção, pela função atribuída à luz naquele momento da actuação. O teatro no seu melhor é uma empresa colectiva, uma síntese de artistas criativos e das partes de toda a arte teatral. Se a iluminação serve melhor o estilo da produção sendo discreta, então discreta ela deve ser, mas se uma exibição espectacular de luzes der melhor realce à produção, então que se faça uma exibição espectacular. A arte consiste em saber quando a iluminação deve ser transparente (revelando apenas outros elementos da produção) e quando a luz deve chamar a atenção. A iluminação de palco tem pelo menos nove funções e cada uma delas pode estar em efeito em qualquer dado momento. O desenhador tem de manipular as propriedades controláveis da luz de modo a servir estas funções e qualquer falta consciente de consideração de qualquer um destes usos da iluminação de palco representa uma potencial perda de controlo sobre a forma de arte. Visibilidade selectiva. Controlo do que pode e do que não pode ser visto. Esta é em grande medida uma questão de manipulação de luzes e de sombras. Geralmente pensamos na iluminação em termos do que se vê mas o que não se vê também pode ser de grande importância. Em Um Eléctrico chamado Desejo, Blanche Dubois coloca uma sombra colorida sobre uma simples lâmpada porque ela quer suavizar e esconder a aspereza/severidade do seu ambiente. O cenógrafo quer que seja visível o seu papel de parede elaboradamente pintado mas que não se vejam as dobradiças por baixo do holandês em frente do apartamento. Frequentemente limitar ou eliminar visibilidade pode ser bem mais difícil do que aumentar a acuidade visual. O desenhador tem de ter em consideração as superfícies reflectoras, ângulos de feixe

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e contrastes de claridade de modo a fazer com que uma zona do palco esteja invisível enquanto outra está bem iluminada. Isto nem sempre é uma questão de retenção da iluminação. Por vezes o brilho ou uma fraca definição de cor podem ajudar a limitar a visibilidade. Temos tendência para abordar um desenho de luzes em termos de zonas de luz mas, muitas vezes, pode ser útil executarmos um desenho “anti-luz”. Por outras palavras, com esboços ou com planos/marcações do/no chão deve indicar-se claramente o que não deve ser visto ou onde são desejadas sombras. Melhorar a visibilidade envolve mais do que uma aumento da iluminação. Como veremos adiante, num nível razoavelmente moderado de iluminação só se obtém um aumento de acuidade com aumentos desproporcionadamente grandes de intensidade. A adaptação da claridade funciona constantemente para compensar os potenciais ganhos do aumento de intensidade e, sob certas condições, um elevado nível de intensidade pode causar fadiga visual. A acuidade visual pode muitas vezes ser melhorada se tivermos uma atenção redobrada ao contraste figuras/chão, à selecção de ângulos de iluminação para melhorar a percepção espacial e textual e à escolha da uma cor de iluminação que aumente a percepção das formas. Estabelecer “Dados Adquiridos”. Definir a parte do dia, a estação, o período histórico, a localização e aparentes fontes de luz. A iluminação de palco pode não ter a especificidade da cenografia ou do guarda-roupa no estabelecimento da realidade de um cenário mas a luz pode contribuir em grande medida para a credibilidade da ilusão do palco, em particular numa peça realista. Os desenhadores de luzes têm de estudar apuradamente a rica variedade da iluminação no mundo real ou imaginar o ambiente de luz numa época passada, num cenário pouco familiar, ou num lugar imaginário de modo a recrear, com os instrumentos de iluminação de palco, os efeitos particulares do sol, da lua ou a luz de uma fogueira, de velas, de gás ou luz eléctrica, da luz filtrada pelas árvores, por vitrais ou pelo nevoeiro, da luz reflectida pela água, pela areia ou por chão polido, ou da luz produzida por qualquer um dos outros milhares de fontes. A iluminação não só confirma a realidade provida pelos outros elementos da produção mas também implica a realidade que se estende para além do

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espaço cénico e, em estilos de realismo menos literais, sugere elementos que de outro modo não são mostrados em palco. Assim, a clareira sob uma cobertura de árvores, ou a margem do lago iluminada pela luz da lua, ou o convés de um navio numa tempestade ganham vida com a iluminação, com mais vivacidade e credibilidade do que por qualquer outro meio. De certo modo, reconhecemos todos os objectos pela luz que reflectem. Se o desenhador recriar a luz reflectida, o público pode ainda sentir a presença desse objecto. Colorir a imagem do palco. A regulação das cores aparentes no campo visual através do controlo da cor da luz. Excepto para os factores psico-perceptuais (que serão considerados no capítulo 3) a cor de qualquer coisa depende da sua reflexão selectiva de luz. Se uma luz não contiver um determinado wavelength/comprimento de onda, a superfície não reflectirá essa cor. Se um objecto não tem um pigmento ou uma superfície que reflicta a cor sob a luz, a cor de iluminação desaparecerá ou modificar-se-á. A cor percepcionada de qualquer objecto altera-se com a mudança de cor da luz que incide sobre ele. A cor influencia a nossa percepção da forma, a nossa capacidade de distinção do pormenor, do estado de espírito, do estilo, da caracterização e da maior parte dos elementos desenhados da maquilhagem, cenário e guarda-roupa. Quando consideramos a variedade de filtros coloridos que são disponibilizados pelos diferentes fabricantes e as possibilidades de combinação e alteração destas cores, os limites disponíveis para o desenhador e o número potencial de permutações da cor a partir dos múltiplos instrumentos são na ordem dos milhões. É compreensível a razão pela qual muitos desenhos de outro modo bem traçados se perdem na fase de selecção de cor. Formular espaço e forma. O arranjo da luz para dar tamanho e forma à zona de actuação/espaço cénico e para melhorar ou alterar a forma aparente do cenário, dos objectos e dos actores. Uma das maiores indicações para a nossa percepção tridimensional da forma é o jogo de luz e sombra sobre as superfícies. A textura é basicamente uma questão de tridimensionalidade em pequena escala e está igualmente dependente do ângulo de iluminação e do grau de difusão. O nosso discernimento do tamanho ou extensão

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de um espaço depende da extensão desse espaço que está iluminada e, sem outras indicações visuais, temos tendência para interpretar a escuridão como um vácuo sem limitação espacial. Dar ênfase a diferentes superfícies por meio da luz pode alterar a aparente razão altura/profundidade/comprimento e o palco pode parecer mais profundo ou mais oco ao alterar gradações de cor e de intensidade. A grande contribuição de Adolph Appia para a estética do desenho de luzes foi a sua articulação do princípio de que luzes em alternância sobre formas tridimensionais alteram a aparência dessas formas. Esta ideia transformou o desenho cénico de uma arte pictórica bidimensional numa arte escultural do tempo, na qual a forma do espaço cénico pode alterar-se através do tempo tal como a peça de teatro ou ópera se desenvolvem no tempo. Para a Mise en scène já não bastava apenas a iluminação para revelar a luz pintada sobre uma superfície plana. Com o nascimento da New Stagecraft nasceu também o desenho de luzes. O palco era concebido não apenas como um fundo pintado ou um ambiente realista, mas como uma forma no espaço à qual devia ser dada vida com luz alternante. Centrar atenção. Determinar o relativo valor atractivo dos elementos no campo visual. Esta é geralmente considerada uma questão de luminosidade mas há outros factores que têm igual ou maior poder para atrair atenções. Como veremos adiante, certas cores atraem a atenção mais rapidamente que outras. Entre os muitos modos de criação pontos de atracção encontramos a reflexão regular/especular (em detrimento da reflexão difusa), zonas de grande contraste luz/sombra/escuridão, ângulos de iluminação que produzem sombras anormais/irregulares, luzes em movimento, zonas de luz invulgarmente grandes ou pequenas e padrões de luzes repetidos. Um campo visual sem um ponto de atenção é um anátema para qualquer forma de arte e produz aborrecimento. A necessidade de um ponto de atenção é tão forte que, numa composição de modo geral amorfa, o olho vai prender-se à variação ou deixa mais subtil em busca de um ponto de atenção. O desafio, portanto, é controlar sempre o ponto de atenção para ter a certeza de que ele está colocado no sítio onde melhor serve os propósitos da produção naquele momento.

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Certamente a marcação dos actores, o fluir do diálogo, o guarda-roupa, a cenografia e muitos outros factores contribuem para a organização da atenção do público. O desenho de luzes tem de trabalhar em harmonia com estes outros elementos. Se o ponto de atenção criado não está sincronizado com a zona onde o público sente necessidade de centrar atenções, então a iluminação será um elemento de distracção. Até os vários sentidos podem entrar em conflito. Um estímulo visual extremamente rico pode competir com uma forte necessidade de ouvir. A principal responsabilidade do encenador ou coreógrafo é orquestrar todos os elementos que controlam o ponto de atenção. Composição da imagem cénica. O arranjo da luz de modo a criar um desenho visual genérico/abrangente. A luz tem de atingir um qualquer objecto para que seja vista. Embora o desenhador de luzes trabalhe ocasionalmente com uma superfície plana (uma tela de projecção ou o chão plano de um palco) ou possa por vezes encontrar ar com suficiente pó ou humidade para que seja visto um feixe de luz, na maior parte dos casos a composição começa com elementos fornecidos por outros membros da equipa de produção. Por causa disto, permanece a ideia de que a composição não é uma preocupação primária do desenhador de luzes. Muitos livros sobre cenografia irão sempre reservar uma considerável atenção a aspectos de composição mas esse tema é apenas mencionado de passagem nos livros sobre iluminação. E, no entanto, o desenhador de luzes é o principal determinador da composição do palco. Nenhum outro elemento visual irá funcionar sem luz e todos os elementos podem ser alterados, melhorados, pervertidos ou harmonizados pela luz. O executante/performer em movimento é ao mesmo tempo o maior bem composicional e o elemento composicional mais incontrolável. Vários cenógrafos, entre os quais Gordon Craig e Robert Edmond Jones, produziram desenhos muito eficientes, cuja base primeira é o bater da luz em figuras humanas. Mas e se as figuras se movem? A composição altera-se. Os dançarinos/bailarinos proporcionam um nível maior de previsibilidade do movimento durante a execução mas os actores têm uma tendência natural para mudar as marcações. O desenhador de luzes pode sentir-se tentado a apoiar o lamento de Craig, que pede para retirarem todos os actores do palco para que

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não interfiram com o design. Mas há alternativas. O desenhador de luzes simplesmente não tem controlo total de todos os elementos composicionais do modo que um pintor tem. Em palco a luz serve-se de elementos estáticos ou previsíveis para criar um contexto composicional no qual a figura humana em movimento pode desempenhar um papel. Se quisermos fazer uma analogia, talvez o meio artístico mais semelhante seja o mobile, uma composição na qual todas as partes podem mudar consoante as limitações. Em termos ainda mais práticos, o desenhador de luzes que esteja consciente dos objectivos composicionais e possa comunicá-los ao encenador e aos actores, irá provavelmente receber uma grande dose de cooperação para alcançar o efeito desejado, se esse servir à produção. Os elementos de composição são classificados de vários modos e serão analisados em maior pormenor nos capítulos 5, 6 e 7. De certo modo, todas as propriedades controláveis da luz podem ser consideradas como elementos de composição; mas em termos mais específicos, a composição trata principalmente da luz num contexto espacial e inclui considerações de tamanho e proporção, linha e direcção axial, forma e padrão, gradação e valor tonal, harmonia e contraste, textura, focalização, equilíbrio, ritmo e dinâmica. Todos os elementos de composição influenciam-se mutuamente. É quase impossível perceber um qualquer aspecto de um campo visual sem que seja influenciado pelo seu contexto. O isolamento dos componentes é conveniente à análise e ao controlo, mas a composição é essencialmente um acto sintético. É a reunião de todos os aspectos visuais de uma produção para criar um todo unificado. Estabelecer o ritmo. A estrutura da iluminação altera-se com o passar do tempo. Uma composição estática estabelece o ritmo pelo movimento do olho através do espaço ou pela ordem segundo a qual vemos as partes componentes do campo visual; mas com o teatro toda a composição se altera com o passar do tempo. O ritmo pode ser criado pelo movimento dos actores, pelas mudanças de cenário, pelo som da música ou pelas cadências da linguagem falada, pela subida e descida de intensidade dramática e pela luz. Aqui também o desenhador de luzes tem de trabalhar em

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cooperação com outros componentes da produção mas factores tão simples, como a velocidade com que são executadas as deixas de iluminação/lighting cues, podem melhorar ou destruir o ritmo geral de uma produção. Estabelecer o estilo. O reforço, por meio da luz, do modo único ou distintivo em que é apresentada uma produção. Em alguma medida, cada produção tem o seu estilo característico e a iluminação deve ser adaptada a essa produção particular. Mas podemos também agrupar muitas produções que partilham características estilísticas. Estes estilos principais são geralmente descritos em termos de “ismos”: classicismo, realismo, expressionismo, surrealismo, cubismo e por ai fora. Os encenadores, actores e cenógrafos sentem-se mais à vontade com estas designações do que os desenhadores de luzes e muitos desenhos de luzes fracassam porque entram em rota de colisão com o estilo geral da produção. A iluminação pode limitar-se a efeitos realistas numa apresentação que por sua vez já ultrapassou as barreiras do realismo, ou uma iluminação desmotivada pode destruir a ilusão de uma produção que de outro modo seria naturalista. O naturalismo ou o estabelecimento de efeitos realistas é algo frequentemente considerado a principal função da iluminação de palco mas isto é apenas verdade se o objectivo da produção for o realismo. A arte da iluminação de palco moderna desenvolveu-se num período em que o realismo dominava o teatro, e ainda nos limitamos vezes demais a abordagens realistas quando estas não são justificadas pelo conceito geral da produção. A iluminação pode tornar evidente uma afirmação estilística tal como qualquer outro conceito de produção, e nos capítulos 8 e 9 serão exploradas em pormenor as abordagens de iluminação adequadas aos principais estilos teatrais. Estabelecer um ambiente/estado de espírito. Servir-se da luz para estimular uma resposta emocional específica do público. Iluminar para provocar um estado de espírito é algo a que nos referimos com frequência como “atmosfera” e discutimos em termos de “leveza” e “seriedade” ou de “cómico” e “trágico”, mas entre ou fora destes extremos encontra-se um conjunto inteiro de possíveis respostas. A nossa linguagem mostra em que medida a luz tem

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influência sobre os nossos estados de espírito. Considere-se o número de palavras que usamos alternadamente para descrever quer os estados de espírito quer as qualidades da experiência visual: leve, luminoso, sombrio, tenebroso, nebuloso, ensombrado, lúgubre, melancólico, desolado, monótono, brilhante, radiante, reluzente, refulgente, e por ai fora. Por causa da subjectividade destas respostas e da dificuldade em medi-las ou prevê-las temos de abordar toda a questão das respostas emocionais à luz com considerável prudência, mas isto não justifica que se passe facilmente ao lado destes efeitos. Os públicos responderão emocionalmente à luz – qualquer luz; a única questão é em que medida podemos controlar essas respostas. A “teatralidade” da luz é aqui também uma consideração importante, ou dito de outra forma, qualquer que seja o ambiente criado no teatro, tem de ser um ambiente teatral. Na obra The Dramatic Imagination, Robert Edmond Jones afirmou: “O nosso objectivo tem de ser dar por meio da luz a impressão de alguma coisa fora do vulgar, distante da mediocridade, fazer com que a apresentação exista num mundo ideal de sabedoria e de entendimento”. Ele descreveu ainda esta luz como “lúcida”, “penetrante” e “consciente”. Criar o ambiente teatral, contudo, não significa que o desenhador se coloque a questão “Devo usar um projector Fresnel ou elipsoidal para conseguir uma luz penetrante?”. Não há uma equação simples entre material de iluminação e desenho de luzes. Temos apenas que analisar os escritos legados por Jones para ver que ele podia transformar as suas metáforas em iluminação prática. Mas ele começou com uma visão, com uma imagem visual, um desenho, e trabalhou os próprios meios para o realizar. Temos de começar por entender a luz, a visão e o desenho. Só nessa altura poderemos seleccionar os nossos instrumentos, os meios de cor e definições de nível. A maior parte dos autores rege-se pela obra de Stanley McCandless, “A Method of Lighting the Stage” (New York: Theatre Art Books, 1932) e isolam apenas quatro propriedades: intensidade, cor, forma e movimento. De novo, a maior parte dos escritores seguem McCandless e descrevem apenas quatro funções: visibilidade, naturalismo, composição e ambiente/estado de espírito. Hunton D. Sellman e

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Merrill Lessey na obra Essentials of Stage Lighting, 2ª Ed. (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1982) acrescentam “revelação da forma”. Robert Edmond Jones, the dramatic Imagination (New York: Theatre Art Books, 1941) pág. 115.