revoltarte junho #4
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4ª Edição do Magazine Cultural AEISCSP, Junho 2011.TRANSCRIPT
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_ficha técnica
Editor-in-chief & Director Criativo
Jo~o Pedro Padinha
Design Gráfico e Edição
Jo~o Pedro Padinha
Editor de Música
Rui Salvador
Editora de Cinema
Catarina D’Oliveira
Editora de Moda
Irina F. Chitas
Editora de Literatura
Carolina Chagas
Editora de Teatro
Catarina Severino
Colaboradores nesta edição
Daniel Matos, Gonçalo Moura, Jo~o Fernandes Silva, Rita Capelo, Sara Lima, Tiago Mour~o
Fotografia Capa João Pedro Padinha Modelo Vanessa Nunes
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_índice
5. Editorial 7. Música Reviews 9. Música Música + Portugal = Orgulho 10. Música Rewind 13. Cinema Um Micro-mini-ensaio sobre o Cinema Português Contempor}neo 16. Cinema Rewind
18. Teatro Todas as Terças, {s 19h... 19. Entrevista Noiserv 25. Fotografia United Styles of Whatever 38. Moda Design { Lupa 39. Moda Calçado { Moda Portuguesa 40. Entrevista Os Burgueses
45. Blogs Sítios Encontrados 46. Literatura Sugestões 47. Actualidade Conversas de Sala de Espera 51. Actualidade Ai Portugal... 51. Actualidade Acordo Ortogr|fico
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É a última ediç~o deste ano lectivo. Terminamos em grande, com Portugal como tema ou n~o fosse este o mês de todos nós. Foi Camões que nos “deu” a língua, e foi graças a ele que hoje se escreve e fala Português!
Nesta ediç~o contamos com o que melhor se faz c| dentro. Entrevistas exclusivas a Noiserv e Os Burgueses, o cinema Português contempor}neo, e tantas outras coisas.
Foram quatro edições que me deixam orgulhoso do simples facto de estarem “aí fora” para todos lerem e apreciarem.
É sempre um prazer.
_editorial
João Padinha
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U ma das bandas mais pujantes do
circulo underground português (e
diga-se também internacional), os
Men Eater, mesmo com alterações
substanciais na sua formaç~o, continuam a
provar que merecem que o burburinho se espalhe
ainda mais. Ao terceiro disco, Gold, os Men Eater
apresentam um conjunto de canções que n~o é
t~o directo, os riffs que sobressaiam
anteriormente est~o desta vez mesclados com os
restantes instrumentos que soam musculados
como nunca, em temas que se tornam
provavelmente menos catchy mas com mais
qualidade. Stoner, Sludge, Post-Metal, a cheirar a
Mastodon aqui e ali, ponham os rótulos que
quiserem, porque ninguém precisa de rótulos e os
Men Eater muito menos, temas como as fortes
“Sustain The Leaving” e “Broken Fiction”, bem
como os novos caminhos percorridos em “When
Crimson Trips”, “Bracara” ou “4:44 am”, fazem de
Gold um |lbum que seguramente ser| um dos
melhores do género no que { “música mais
pesada” diz respeito. Uma maturaç~o evidente,
um risco corrido e bem corrido, esperemos que a
banda consiga tirar proveito disso. Um disco para
headbangers, seguramente.
Men eater_gold
RS
_música
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O primeiro álbum era
perfeito para a noite no
seu estado mais profundo,
num qualquer bar
obscuro. O segundo |lbum era perfeito para
seguir na estrada, possivelmente ao nascer
ou ao pôr do sol. Este |lbum é a continuaç~o
da viagem.
Mas parece que se preocuparam mais
com a pintura do automóvel do que com a
gasolina. Os arranjos soam muito bem e s~o
até mais arrojados, dando ênfase na
primeira parte (“Laying Low”, “Silver”) , mas
as canções depois parecem tépidas, sem a
chama dos dois primeiros |lbuns. As letras
s~o boas, mas o conceito de viagem
(“Travelling Fast”, “Cold River”) perde
impacto ao longo do |lbum e faz com que
nós queiramos apenas chegar ao motel e
aterrar na cama.
Talvez ajude o facto de “Everything
Changes” ser talvez a melhor canç~o do
|lbum, onde a entrada lenta do piano d|
depois lugar a cordas oscilantes que ajudam
a configurar o sentimento agridoce
palp|vel. Mas mais valia ter feito um EP, que
provaria ter consistência e fulgor. O motel
ainda est| a uns quantos quilómetros…
O ra bem: um disco para
crianças (e alguns adultos).
As comparações com Os
Amigos do Gaspar de Sérgio
Godinho parecem
inevit|veis, portanto evitemos falar nisso.
O |lbum tem a sua dose lúdico-did|ctica-
divertida (com ênfase na última), em
momentos como “Chocolatando” ou “Arco-Íris”.
Ou na nursery rhyme de “A Loja do Mestre
Hermeto”. A produç~o, limpída mas sem a
intoxicaç~o pouco saud|vel da maioria dos
discos para crianças (e alguns adultos).
No entanto, nem sempre parece haver
qualidade ou algo novo. “Infra-Herói” n~o
justifica as expectativas do título, afundando-
se em clichés (“adio/desisto/n~o insisto/nem
persisto”). “Paf e Puf”… talvez tenha um léxico
que v| ficar desactualizado dentro de algum
tempo (“flash bué da fixe/chau e que se lixe/paf
falei e puf/oops entrei em loop”).
É um bom disco voador. Mas, infelizmente,
n~o faz viagens de longo curso para o outro
mundo, esse da imaginaç~o. Só com escalas.
gm
Sean riley and the
slowrides
It’s been a long night
cla
Disco voador
_música
~
gm
8
É mês de Portugal na RevoltARTE e apraz-me dizer que, dada a situaç~o do país, se o estado económico e social do nosso cantinho estivesse ao nível do que se faz musicalmente, estaríamos a guiar o pelot~o e n~o a correr atr|s de lebres, lebres ? Digo antes
tartarugas, porque teimamos em sequer sair do sítio quanto mais chegar mais longe.
A música portuguesa est| boa e recomenda-se, j| o tinha dito e volto a dizer, estamos a assistir desde { um par de anos a um boom de música portuguesa, de todos os géneros, de todas as formas, para todos os gostos. Esta frase torna-se curiosa se pensarmos que existe uma espécie de ideia pré-concebida de que n~o se faz boa música em Portugal. Ora, deixem-me dizer-lhes que isso é uma bela de uma aldrabice. O que n~o existe é aposta na música portuguesa, ou quando existe, apenas vos mostram aqueles artistas que s~o feitos de regra e esquadro, porque convenhamos, n~o interessa a muita gente que nos façam pensar.
Portanto, desenganem-se. Existem muitas bandas, muitos artistas, muitos cantores, muitos autores por esse país fora com qualidade. Qualidade essa que muitas vezes é mais reconhecia l| fora do que c| dentro, mas enfim, j| sabemos que para os “tugas” o que é “tuga”, nunca presta. Excluo-me j| desse grupo de pessoas que s~o “tugas”. Eu sou português, com muito gosto e com muito orgulho na música que se faz por c|.
Orgulhem-se também. Orgulhem-se da música, do risco, da criatividade e da coragem de muitos artistas que est~o a surgir, mas, mas, mas, mas, mas, nunca, mas nunca, mas nunca, se esqueçam dos que ficaram para tr|s, dos que abriram caminho contra ditaduras, contra alguns preconceitos, mas n~o todos, porque ainda vivemos numa sociedade muito reticente em relaç~o { arte.
Conheçam os nossos músicos e orgulhem-se deles, porque eles s~o t~o bons, ou melhores, do que muito embandeiramento anglo-saxónico que para aí vai. N~o interessa se cantam em português, se cantam em inglês ou se n~o cantam. Interessa sim que façam boa música para nós escutarmos.
Um viva aos músicos portugueses!
rs
_música
Música + portugal = orgulho
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O fenómeno dos anos 80
intitulado de “Rock
português” era-o apenas
por duas razões: 1-porque
cantavam em português; 2- por ter sido um
fenómeno criado e alimentado pelos media
da altura. No entanto, o Rock praticado em
Portugal j| existia, e em alguns casos duma
forma muito criativo. Abordarei o período
76/79, evitando falar da vertente pós-25 de
Abril de car|cter mais interventivo. Ser~o
também destacados só e sobretudo aqueles
que lançaram material digno de figurar na
história Portuguesa da música. Infelizmente,
h| nomes importantes que n~o est~o
contemplados, como os Petrus Castrus,
influenciados pelo progressivo dos King
Crimson mais calmos e pelos Moody Blues
mais conceptuais, ou os Quarteto 1111, que
nesta década se tinham tornado na banda de
José Cid. No entanto ser| referido um certo
|lbum a solo.
75/78 – Rock na continuidade
Na ressaca da revoluç~o, muitos grupos e
artistas sentiam-se ligados ao Reino Unido e
ao que de l| se importava. Geralmente eram
grupos influenciados por Pink Floyd, Genesis,
Emerson, Lake & Palmer ou Yes,
correspondendo a uma sonoridade
progressiva. Em medida diferente, nomes
como Lou Reed, David Bowie ou T.Rex
complementavam os gostos, ainda que estes
grupos n~o tivessem nem o virtuosismo e
meios dos primeiros nem a beleza lírica e de
persona dos segundos. Mas havia excepções.
Os Tantra, influenciados pelos Genesis e
por sonoridades orientais, tiveram uma boa
carreira. Destaque-se o |lbum de estreia
Mistérios e Maravilha, onde est~o presentes
tanto pequenos exercícios acústicos como
temas sinfónicos explosivos. Fundados por
Américo Luís, Manuel Cardoso (que adoptaria
o pseudónimo Frodo) Armando Gama e Tozé
Almeida (este último futuro baterista dos
Heróis do Mar), exerciam em palco uma
grande teatralidade. Frodo tinha algo de
Peter Gabriel, onde m|scaras intercalavam as
performances musicais, nem sempre de
qualidade, mas com capacidade de atracç~o.
Fora dos ares progressivos, tínhamos, l|
est|, Jorge Palma. Ele representou o ponto
de ligaç~o fulcral entre o terreno singer-
songwriter de José M|rio Branco ou Sérgio
Godinho e a futura vaga Rock. Tinha
começado com o single “The Nine Billion
Names Of God” em 1972, mas é de 75 que
saiu o seu |lbum de estreia Com Uma Viagem
Na Palma Da M~o. Pontuado tanto por
vinhetas sociais (“Monólogo Dum Cidad~o
Frustrado”) como por temas curtos, quase
como sketches, teve uma ediç~o muito
limitada (300 exemplares), mas j| mostrava
os dotes de composiç~o que seriam expostos
em grande em Acto Contínuo.
José Cid lançou em 1977 o seu |lbum mais
famoso e de melhor qualidade(do ponto de
vista da cultura Rock): 10000 Anos Depois
Entre Vénus e Marte fazia um grande uso do
mellotron e também foi considerado um
grande |lbum pela comunidade europeia de
f~s de Rock Progressivo, muitos anos mais
tarde. Mas, na altura, j| as sonoridades eram
outras.
77/79 – Rock na agressividade
Os sons da eclos~o do Punk e New Wave
começavam a galgar fronteiras. E Portugal
n~o era excepç~o.
Antes era o rock Parte l
REWIND
_música
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António Sérgio, na altura na R|dio
Renascença, começou o seu primeiro
programa de autor, Rotaç~o. Organizou
igualmente, e em conjunto com as suas
sessões na r|dio, uma promoç~o muito forte
dos sons que surgiam de fora, através duma
compilaç~o pirata que lhe deu alguns
problemas com editoras como a Virgin.
Promovendo nomes como os Sex Pistols, Patti
Smith ou The Stranglers, ajudou a dar
visibilidade também a alguns nomes que
foram surgindo, como os Xutos e Pontapés.
Entretanto foi lançado, em 78 o primeiro
single Punk português. “H| Que Violentar o
Sistema”, dos Aqui d’el-Rock, ainda hoje é
not|vel, n~o tanto pelas letras (datadas) ou
pela voz (ranhosa), mas pela distorç~o nas
guitarras, um tanto ou quanto lo-fi. Ao mesmo
tempo, surgiam os Xutos e Pontapés, Minas e
Armadilhas e os Faíscas, bem como os UHF.
Os UHF, inspirados pelos Ramones, tinham
uma genuína atitude Punk de ética “working
class” (credenciais da Margem Sul) e três
acordes prontos. Lançaram em 79 o single
“Jorge Morreu”, sobre um amigo que se deu
demasiado bem com certas subst}ncias. As
suas credenciais permitiam n~o serem
confrontados pelos betinhos formatados da
Avenida de Roma da altura.
Entretanto, das cinzas dos Faíscas, liderados
por Pedro Ayres Magalh~es (conhecido na
altura como Dedos Tubar~o), surgiram os
Corpo Diplom|tico. Acho que s~o o terceiro
grupo em termos cronológicos com algo de
verdadeiramente original no seio do Rock
português, depois dos Quarteto 1111 e dos
Petrus Castrus. Só lançaram um single e um
|lbum. Mas s~o not|veis. O single “A
Festa” (conhecido também como “A Festa do
Bruno”) é not|vel pelo lado B, uma vers~o
experimental e caótica do tema
“Engrenagem” de José M|rio Branco.
O |lbum Música Moderna tem dois lados: o
Punk e a parte Experimental, de vertente
performativa (tal como muitos dos concertos
deles). Abre com “Lisboa (Quem Quer
Comprar Um Ferrari)”, que começa com
estalinhos dos dedos e uns coros e vozinhas e
depois atiram-se a guitarradas com v|rios
manifestos (“sou o grito da moda”).
Igualmente impressionante é “Férias”, ainda
que muitas das expressões j| n~o se usem.
Mas antes de “Férias”, vem “Kayatronic”.
“Kayatronic “ é: 1- Um tema em crescendo,
com um uso experimental electrónico; 2- Uma
letra abstracta, possivelmente sobre vingança;
3- Um tema com uma performance vocal que
iria influenciar Adolfo Luxúria Canibal, dos
M~o Morta (que iriam fazer uma “cover” do
dito tema), e Jo~o Peste, dos Pop Dell’Arte
(embora tenham influenciado mais pelas
colagens sonoras).
Ah, e “Maria” é Vampire Weekend com quase
30 anos de antecedência!
Infelizmente, as r|dios n~o prestaram
atenç~o. Mas Pedro Ayres Magalh~es, Carlos
Maria Trindade e Paulo Pedro Gonçalves,
depois do fim do grupo, formariam com Rui
Pregal da Cunha e Tozé Almeida (o baterista
dos Tantra, com os quais também colaborou
Pedro Ayres) Heróis do Mar. Portanto, acabou
tudo por ficar bem.
Depois veio o Rui Veloso com “Chico Fininho”.
Enfim…
REWIND
_música
gm
12
P artir do princípio que o cinema
português é mau, é j| de sim um
mau princípio. Faz um pouco parte
dos nossos maneirismos por de
lado o que se faz em Portugal, especialmente na
|rea das artes e entretenimento. “O que é
nacional é bom”, j| dizia um tal anúncio das
massas, mas parece que na nossa cabeça as
coisas n~o funcionam bem assim.
Como em tudo na vida, generalizar pode
causar injustiças. Subentender que o cinema
português é mau porque tivemos apenas m|s
experiências é errado. Isto porque, se virmos
bem, n~o h| assim tantos de nós a consumir
avidamente cinema português. E a verdade é que
quem manda mais bitaites s~o aqueles que só
viram a Bela e o Paparazzo ou o Crime do Padre
Amaro.
Confesso que vi os dois filmes acima, e
também confesso que n~o sou a maior
conhecedora de cinema português, mas quero
desde j| referir que nos últimos anos a produç~o
cinematogr|fica portuguesa tem evoluído
bastante. Ainda n~o podemos dizer que é
excelente ou excepcional, mas aos poucos, com
pequenas vitórias, estamos a formar o nosso
caminho.
Este crescimento pode ser atribuído em
grande parte ao facto de nos estarmos a habituar
aos poucos a ouvir a nossa língua. Este
fenómeno, embora inacredit|vel, deve-se em
grande parte { produç~o de conteúdos
portugueses nas nossas televisões,
nomeadamente a TVI, que apostou forte nas
telenovelas portuguesas na viragem do milénio.
Parece ridículo, e ninguém est| aqui a discutir
qualidade, mas a verdade é que com as
telenovelas da TVI e o impacto destas na
populaç~o portuguesa, torna-se ent~o
importante habituar o povo português a ouvir a
nossa língua, o que durante muitos anos pareceu
ser uma barreira intransponível. Falo das
Telenovelas da TVI como posso falar do Gato
Fedorento, Levanta-te e Ri e outros.
Por outro lado, o cinema português
também se est| a alterar no que respeita {
relaç~o com os próprios espectadores. A noç~o
de intelectualidade elitista dos filmes de autor
começa a ser menos presente (o que n~o significa
que estes n~o tenham também o seu valor ou
que os argumentos tenham de ser menos
inteligentes, claro). Deve-se é tentar atingir um
meio-termo entre os filmes de autor e os filmes
comerciais, porque, quer queiramos quer n~o, os
filmes têm de gerar lucro e n~o podem ser para
ser mostrados só aos amigos.
E para n~o escarrapachar aqui uma lista
que parece mostrar que só os filmes antigos
portugueses é que s~o bons, deixo-vos algumas
sugestões de bons filmes lusos produzidos na
última década.
_cinema
Um Micro-Mini-Ensaio sobre o Cinema Portugues contemporaneo
^
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DELFIM, de Fernando Lopes, 2002
A obra-prima de José Cardoso Pires e o Portugal
bolorento de Salazar, no melhor filme do
realizador, depois de Belarmino.
QUARESMA, de Álvaro Morais, 2003
Último filme do realizador, antes de morrer,
«uma odisseia em circuito fechado», esteve
presente na Quinzena dos Realizadores, em
Cannes.
OS IMORTAIS, de António Pedro Vasconcelos,
2003
O cinema nacional conseguiu alcançar outro
(relativo) sucesso em termos de bilheteira. Um
filme com um enredo de investigaç~o cativante e
muita intriga. Recomend|vel, sem reservas.
NOITE ESCURA, de João Canijo, 2004
“Eurípedes num bar de alterne na província.”
Numa imensa escurid~o, Jo~o Canijo dirigiu esta
arrepiante tragédia Portuguesa sobre uma
família ligada { gest~o de um bar de alterne, que
se vê envolvida nos tent|culos do Destino. Canijo
escreveu o argumento com base na tragédia
grega, daí todo o misticismo. Uma obra maior.
ALICE, de Marco Martins, 2005
Uma primeira e muito celebrada longa com uma
coerência estética azul-cinza e as interpretações
memor|veis de Nuno Lopes e Beatriz Batarda.
AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO, de
Miguel Gomes, 2008
O filme-fenómeno e completamente híbrido que
fez um percurso invej|vel pelos festivais de
cinema de todo o mundo.
GOODNIGHT IRENE, de Paolo Marinou-Blanco,
2008
Uma história de amizade, com di|logos dos mais
bem escritos dos últimos anos, óptimos
momentos musicais e visuais
UM AMOR DE PERDIÇÃO, de Mário Barroso,
2009
A convers~o do drama passional do romantismo
num filme de acç~o do século XXI, cheio de cenas
bem idealizadas e estetizadas.
_cinema
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ARENA, de João Salaviza, 2009.
Sim, é uma curta-metragem, mas é mais uma
raz~o para o verem. S~o os 15 minutos que nos
valeram uma Palma de Ouro em Cannes. E que
n~o se pense que isso é coisa pouca.
MISTÉRIOS DE LISBOA, de Raoul Ruiz, 2010
O filme sensaç~o do ano. E o hype n~o foi de
todo despropositado. Uma obra cheia de
pormenores a descobrir, e apesar da longa
duraç~o, vale mesmo a pena.
_cinema
co
http://close-up.blogs.sapo.pt/
15
_cinema REWIND
“ O Julgamento” (2007) de Leonel
Vieira (“Sombra dos Abutres”,
“Zona J”, “Arte de Roubar”) traz-
nos uma história que decerto
despertar| a emoç~o mais corrosiva e em
simult}neo mais natural que o ser humano
pode ter, junto daqueles que encontrarem
semelhanças entre a sua vida e a das
personagens: o desejo de vingança
camuflado de sentido de justiça.
Jaime Ferreira, interpretado por Júlio
César, é um professor universit|rio, escritor
de policiais, antigo activista do partido
comunista na clandestinidade na época do
Estado Novo. As feridas e m|goas desse
tempo de activismo materializam-se na
actualidade, num alcoolismo crónico que
este mascara de boémia, munindo-se de um
perfil típico do professor universit|rio com
quem qualquer um de nós gostaria de
“mamar uma jola e rebentar uma broca”.
Atormentado recorrentemente por
pesadelos que o levam de volta ao dia em
que o seu camarada Marcelino foi detido pela
PIDE-DGS para nunca mais ser visto, Jaime,
que mantém uma relaç~o que roça a
indefiniç~o amorosa com Joana, a filha do
falecido amigo (Alexandra Lencastre),
reconhece o inspector da antiga polícia de
segurança que deteve Marcelino, quando
resolve ir ao tribunal visitar a sua filha
(Fernanda Serrano) e trava conhecimento
com o cliente desta, arguido num caso de
atropelamento.
Em confidência, acerca do sucedido, a
Miguel (José Eduardo), um antigo
companheiro da luta contra o salazarismo,
assistimos ao início da mutaç~o de Jaime; o
seu maior medo e o seu maior sonho fundem
-se agora sinergicamente uma vez que
finalmente encontrou aquele que h| mais de
trinta anos lhe provoca insónias e lhe d| os
motivos para comprar uma garrafa de
whisky.
Num impulso irreflectido, Jaime embarca
num caminho sem retorno: rapta o ex-PIDE e
leva-o para a sua casa de campo, um lugar
recôndito e aprazível que, pouco a pouco, se
transforma numa arena onde as emoções
mais intensas andam { solta. A intensidade
psicológica de cada uma das personagens é
contrastante com o espaço físico em que elas
se encontram e numa situaç~o em que a
exigência m|xima é sinceridade e verdade, o
desenrolar da relaç~o entre os antigos
O julgamento Leonel vieira
16
_cinema
REWIND
Num impulso irreflectido, Jaime embarca
num caminho sem retorno: rapta o ex-PIDE e
leva-o para a sua casa de campo, um lugar
recôndito e aprazível que, pouco a pouco, se
transforma numa arena onde as emoções
mais intensas andam { solta. A intensidade
psicológica de cada uma das personagens é
contrastante com o espaço físico em que elas
se encontram e numa situaç~o em que a
exigência m|xima é sinceridade e verdade, o
desenrolar da relaç~o entre os antigos
activistas e o antigo inspector faz com que
desçamos aos infernos pessoais de cada um
deles.
“O Julgamento” é um filme que foca bem
que só nós mesmos podemos estipular quais
s~o os limites da liberdade, pois em última
inst}ncia, é isso que nos distingue de meros
animais sem vontade ou consciência própria;
quando os factos se tornam suposições, o
que é certo assume-se como duvidoso e a
verdade surge sempre em alturas em que
nem sequer sabíamos da existência de uma
mentira.
Como se sentiriam e o que fariam todos
os portugueses que sofreram atrocidades {s
m~os da PIDE, muitos deles nossos avós e
amigos dos nossos avós, se sem a
intromiss~o da polícia ou do tribunal, lhes
dessem a oportunidade de confrontar cara a
cara aqueles que um dia os impossibilitaram
de viver, sem que o passado da dor infligida
afectasse a ideia de um futuro de cabeça
erguida?
tm
17
_teatro
Q uero uma Terça-feira. As Quartas s~o entediantes, das Quintas j| me
fartei e de Sexta para a frente afogo-me em mares de gente. Uma
Terça-feira.
E c| a tenho…
Cumprimento Alfredo Cortez, o autor da peça. Entre Guerras Mundiais e inícios de
Ditadura, com a qual Cortez simpatizava, apresenta, em 1934, Gladiadores. Escandaliza
o público de ent~o com uma s|tira de símbolos sociais, mitos da sociedade moderna
embebidos num Expressionismo ent~o t~o desconhecido { sociedade portuguesa.
Como tal, reprimendas n~o lhe faltaram, como a de um crítico de um Jornal de Lisboa:
“Ando j| h| algum tempo desconfiado – e do facto quero prevenir imediata e lealmente
o Dr. Alfredo Cortez – de que n~o sou absolutamente burro. (…) Eu n~o percebi patavina
do que ontem vi e ouvi l| em baixo no Teatro Nacional.”
O feminismo, o machismo e o combate entre eles, o sexo, a invasão da imprensa na
vida pessoal, o sabor doce e amargo do dinheiro, a ideologia, a política e, no fim, o
prevalecer do ineg|vel desejo entre dois que se querem que, sem o desligar da s|tira,
concilia os desvairos t~o humanos retratados em personagens despersonalizadas. Um
final que, fazendo contas, n~o fascina nem entusiasma, arrastando a peça a um término
forçosamente “feliz”, sem, no entanto, lhe retirar o valor de toda a restante acç~o.
J| tive uma Terça-feira, agora quero-as a todas.
Para os curiosos sobre a diversidade do teatro português do século XX convido-vos
a, também, querer uma, ou todas as Terças-feiras. [s 19 horas, na Barraca (entrada
livre).
cs
Todas as tercas, as 19h `
,
18
_entrevista
Fotografia Rita Carmo
NOISERV Palavra a palavra, instrumento a
instrumento, nota a nota…
Entrevista e texto Rui Salvador
19
_entrevista
20
_entrevista
É impossível falar de música
portuguesa, neste momento, sem
trazer { conversa um nome
incontorn|vel nos últimos anos:
David Santos. O nome n~o diz nada? Tudo bem,
provavelmente conhecem melhor a outra
“vers~o” deste jovem: Noiserv. Criatividade é o
adjectivo que melhor assenta a este artista que
tem primado pela construç~o de temas bastante
minimalistas e intensos, através do uso de v|rios
instrumentos, objectos e com o uso recorrente de
loops e samples. No mês em que se dedica
apenas ao que acontece em Portugal, a
RevoltARTE pôs-se { conversa com um dos
músicos que mais tem impressionado, n~o só nas
salas portuguesas mas também além fronteiras!
Afirma que Jeff Buckley, Yann Tiersen ou Sigur
Rós s~o influência, explica-nos de onde surgiu o
seu nome e como conjugou o sonho da música
com o seu curso superior, entre outras coisas.
Rapazes e Raparigas, aprumem os ouvidos,
Noiserv.
RevoltARTE: Quando é que decidiste que ias
fazer música “sozinho”, rodeado de muitos
instrumentos e não com uma banda?
Noiserv: Não foi uma decisão que tenha
tomado de um dia para o outro, foi um conceito
que foi sendo desenvolvido ao longo de v|rios
anos. No início as músicas eram apenas de voz e
guitarra, mas rapidamente percebi que deveria
incluir algo mais e assim tudo foi crescendo e
tomando as dimensões de hoje.
R : Quais são as tuas principais influências e
se são claramente identificáveis na tua música?
N: Não sei se as influências são identificáveis
pois nunca faço uma música com o objectivo de
21
_entrevista
parecer algo, muito pelo contr|rio, tento
sempre excluir qualquer semelhança que surja
quando estou a escrever uma música. No
entanto e respondendo { tua pergunta, se tiver
de fazer uma lista de banda/músicos que admiro,
certamente os Sigur Rós, os Radiohead, o Jeff
Buckley, o Yann Tiersen e muitos outros far~o
parte.
R: Um artista que te tenha deixado
completamente surpreendido (pela positiva)
nos últimos tempos ?
N - Patrick Watson!
R: Os instrumentos todos que te
acompanham foram surgindo ao longo do teu
percurso ou são planeados e pensados ?
N: Foram surgindo ao longo do percurso e
continuam a surgir (sorriso), acho que ser| uma
busca eterna pelo som perfeito, e pelo
instrumento mais bonito de todos!
R : De onde surgiu o nome Noiserv ?
N: Se reparares é muito parecido com
VERSION, mas lido no sentido oposto, surgiu por
aí! A troca do E com o R, fez sentido para ter a
palavra noise, o que seria de certa forma uma
antítese com o género de música.
R - És reconhecido fora de Portugal ? É um
objectivo claro atingir outros mercados ?
N: O objectivo é chegar ao máximo possível
de pessoas, dentro e fora do nosso país, j| que é
para elas e para mim, que escrevo as canções.
R: Como conjugaste a vida de estudante
com a carreira na música e quando é que
achaste que podias mesmo ir em frente como
artista ?
N: Conjuguei como qualquer pessoa que sente
necessidade de fazer v|rias coisas ao mesmo
tempo, dessa forma fui conciliando da melhor
forma possível o curso que tirei e posterior
trabalho na |rea, com o meu sonho desde
míudo: a música. Acho que n~o existe um ponto
em que decidimos ser artistas a sério acho que
todos sonhamos um dia poder viver e fazer
apenas aquilo que gostamos, depois é o tempo e
o feedback de, neste caso, quem nos ouve a
definir essas mudanças. No meu caso senti no
início deste ano, 2011, essa necessidade de me
dedicar 100% | música e a tudo o que ela envolve
R: Existe o estigma de que a música
portuguesa não tem qualidade. Ambos
sabemos que isso não é verdade mas o que é
que é preciso fazer para mudar esta opinião,
quer no nosso país, quer no estrangeiro ?
N: Em Portugal, eu acho que isso está
claramente a mudar, h| cada vez mais e
melhores bandas, as pessoas sabem disso e
valorizam esse facto. Para o estrangeiro é tudo
um pouco mais complicado, h| mercados muito
fortes e que vivem h| muitos anos para a
industria da música, o que n~o é o caso de
Portugal, que sendo um país pequeno viu apenas
22
_entrevista
benefício em, entre aspas, vender a sua
tradiç~o, por tudo o resto poder ter uma
concorrência maior. No entanto acho que o
futuro est| na internacionalizaç~o independente
dos artistas e aos poucos a
opini~o exterior ir| mudar.
R: Dada a situação actual do
país, que papel achas que os
artistas podem ter nas
mudanças e nas lutas sociais ?
N: Eu acho que os artistas
independentemente da |rea em
quest~o, têm de continuar a fazer
o que est~o a fazer, mostrar que
independentemente das crises
económicas e da sociedade
consumista ridícula em que
vivemos, o que realmente
interessa s~o as emoções e as
relações humanas, que é com isso
que vivemos e nos sentimos
vivos.
rs
http://myspace.com/noiserv
Fotografia Rita Carmo
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Ana NasciMento
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Catarina Guerreiro & catarina campos
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Catarina campos & catarina guerreiro
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Isabel palma
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mónica barros
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Inês M
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Inês Maria
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_moda
O MUDE- Museu do Design
e da Moda, Colecção
Francisco Capelo,
inaugurou no mês
passado duas exposições
(uma permanente, outra temporária).
"ÚNICO E MÚLTIPLO. Dois Séculos de
Design" é a nova mostra permanente que
propõe uma viagem aos diferentes
contextos do design nos últimos 200 anos.
Conta com mais de 300 peças singulares,
que vão desde peças únicas, a edições
limitadas e produções em série (como
esferográficas BIC ou tupperwares). Entre
muitos outros, encontram-se nomes como
Marco Sousa Santos, Filipe Alarcão, Miguel
Vieira Baptista ou Fernando Brízio. O
equilíbrio entre o único e conceptual e o
mercado do quotidiano.
“M&M. MUDE & MNAA / MNAA &
MUDE. Artes e Design” é fruto de uma
parceria entre o MUDE e o Museu Nacional
de Arte Antiga, e já foi eleita pela Time Out
como a “Exposição de nome mais esquisito
do ano”. Dois museus, uma exposição. Um
conceito, duas perspectivas. O objectivo
não é acentuar o contraste, mas sim realçar
a simbiose entre o design e a arte, e a sua
parceria desde a génese. A exposição no
MUDE pode ser vista até4 de Setembro, e a
do MNAA até 2 de Outubro. Entrada
gratuita no MUDE, no MNAA custa 5€.
ifc
Design a Lupa Novas exposiçoes do MUDE
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_moda
N um mês de elogio ao nosso país,
realçamos o que de mais
prestigiante h| na produç~o
nacional: o calçado.
Sabias que na última ediç~o dos Óscares
desfilaram 18 pares de sapatos portugueses?
Sabias que a irm~ e a m~e de Kate Middleton
usaram sapatos produzidos em Portugal no
casamento real?
O Made in Portugal começa a competir no
exterior com o valor acrescentado de uns
sapatos italianos. A APICCAPS, associaç~o
industrial do sector, tem travado uma luta
contra o estigma da nossa “pequenês” e lançado
campanhas sucessivas para associar uma
imagem de confiança, qualidade e luxo ao
calçado nacional.
Portugal exporta quase 95% da sua produç~o, e
s~o os sapatos de luxo (com valores entre os
200€ e 300€) que comportam maior retorno.
É uma realidade desconhecida para muitos. O
produto nacional é mais aclamado no exterior do
que dentro de fronteiras. Mas as reformas
começam de dentro, e o processo contínuo da
credibilizaç~o do calçado português j| tem
pernas para andar.
Os sapatos portugueses est~o na moda.
ifc
Calcado a moda
portuguesa
, `
39
_entrevista
L er uma entrevista é como
tentar ver um filme lendo
apenas as legendas. 90% é
perdido. E é por isso que
transcrever a conversa que tivemos com Os
Burgueses é t~o penoso. As restrições da palavra
escrita impõem-se, escondendo emoç~o, riso,
cumplicidades e brilhos no olhar quando se fala
em novos projectos. E as regras editoriais
obrigam-nos a seleccionar informaç~o quando a
vontade era descrever a meia hora ao mais
ínfimo pormenor.
O tema é a moda portuguesa. Os escrutinados
s~o Pedro Eleutério e Mia Lourenço. S~o Os
Burgueses, e a sua (por enquanto) pequena saga
j| circula pelas bocas do povo. O conceito é
roupa us|vel apresentada de forma artística: a
Ópera Urbana j| conta com quatro actos,
impregnados de camadas com mais significados
do que o olhar atinge. [ conversa com a nova
geraç~o do design de moda português.
RevoltArte: Como caracterizam a moda
portuguesa em termos de comportamento no
mercado? Ou seja, está em fase de gestação,
dá os primeiros passos ou já tem raízes?
Mia: O mercado da moda portuguesa ainda é
muito pequenino, mas o cliente j| procura mais
moda nacional. Mais no Porto do que em Lisboa.
Mas a Internet abriu muitas portas, e o português
começou a interessar-se muito mais por moda
que antigamente.
Eleutério: Vivemos ainda o estigma do status
que vestir um Armani d|, do que vestir uma Ana
Salazar d|. A nossa peça até pode ser melhor
confeccionada, até pode ter um design mais
interessante, mas é portuguesa. Mas as críticas
n~o podem ser só feitas do lado do consumidor.
Nós, designers, deixamos levar por esse estigma,
lamentamo-nos e n~o fazemos nada para mudar.
Ou realmente nos juntamos, e fazemos as
pessoas compreender que somos um produto
v|lido, ou continuamos a batalhar cada um para
seu lado, que é o que acontece hoje em dia, e n~o
conseguimos chegar muito mais longe.
Os burgueses
40
_entrevista
Mas agora também est| a surgir uma nova
vaga de designers e entre todos temos uma
política diferente: de companheirismo, de
entreajuda, queremos que os outros tenham
sucesso. E temos todos consciência de que os
produtos s~o diferentes, n~o somos
concorrência. E nós, os designers mais jovens,
trocamos muita informaç~o. É um processo
longo e contínuo de mudar a forma como as
coisas s~o feitas.
R: Como é vista a moda portuguesa no
exterior?
E: A moda portuguesa, ali|s, Portugal ainda
n~o é visto l| fora. Continuamos a ser a
província de Espanha. E nós relacionamo-nos
imenso com amigos estrangeiros e quando
dizemos que somos de Portugal eles respondem
“Ahm… Portugal?”. E é uma sensaç~o estranha,
porque nós j| temos o euro, a Expo, que deviam
ter propagado o nome de Portugal como país! E
como tal a moda portuguesa n~o é propriamente
uma moda que as pessoas saibam e comentem
“É a semana da moda em Lisboa, n~o posso
perder”. Acontece na imprensa especializada,
mas n~o na generalidade do público.
R: Mas essa cooperação não é transmitida
para o exterior. Pensam que os meios de
comunicação social da especialidade têm
alguma influência nisso, bem como na pouca
divulgação do vosso trabalho?
M: Claro, mas ainda assim est~o a publicar
muito mais peças de produto nacional do que
antes. Mas ainda h| edições onde n~o aparece
uma única peça, um único artigo de um designer
nacional. Este é um dos factores mais
importantes, e a imprensa tem também de
mudar.
E: Mas l| est|, é um esforço conjunto.
41
Enquanto as marcas internacionais enviam os
press kits para as revistas, os criadores nacionais
esperam que a revista v| ter com eles. Mas que
efectivamente falta haver produto nacional, e
este n~o estar aglomerado numa p|gina, estar
integrado na leitura geral, falta. E nós estamos a
tentar conquistar esse lugar.
R: Se as entidades responsáveis pela moda
(como a ModaLisboa e o Portugal Fashion) se
unissem, não conseguiriam um maior apoio,
tanto do Estado como de apoiantes privados?
E: Se as duas organizações se juntassem, e
juntassem esforços para fazer realmente um
grande evento, que misturasse o lado da
confecç~o, como é mais o PortugalFashion, ao
lado social mais agregado { ModaLisboa, seria
perfeito. Contudo eu acho que os dois fazem um
bom trabalho, cada um para o seu segmento. Mas
eu acho que esse estigma do distanciamento
entre as duas entidades est|-se a perder.
R: Em termos de apoios e incentivos aos
criadores, são provenientes na sua maioria do
Estado, ou de apoiantes privados?
E: A quem, a nós? (risos). A ModaLisboa faz
um serviço aos criadores que é fant|stico: ao
fazermos parte da ModaLisboa, temos direito a
uma sala de desfile, com o sheeting e o sitting
pago por eles, com o som, a iluminaç~o, o
backstage, o coordenador do backstage, as
manequins, maquilhagem, tudo isso é-nos
oferecido. Nós, que apresent|mos as três
colecções com dinheiro próprio, sabemos o que
custa.
M: E também no pós-ModaLisboa, em que eles
d~o acesso ao clipping todo que foi saindo na
imprensa.
_entrevista
42
R: Consideram que a moda portuguesa tem
capacidade de se aclamar como uma indústria
criativa?
E: n~o só tem como j| devia ter esse estatuto
h| muito tempo, e devia ser pensada nesse
estatuto. Porque acho que nós ainda
continuamos a separar muito a moda de autor
das marcas comerciais, ou seja, Fly London, Salsa
s~o marcas: j| n~o é a história do artista que
desenha umas roupas. E eu acho sinceramente
que nós temos de mudar essa filosofia e pensar
em nós enquanto marcas. Ainda pensamos muito
na moda como ‘Ahhh, somos criadores’. É tudo
muito filosófico mas a realidade é que a moda
precisa de ser uma indústria, porque nós estamos
aqui n~o só a apresentar o nosso lado artístico
mas também a subsistir e pagar as rendas ao fim
do mês, porque sen~o é uma bolha fictícia. E n~o
é necess|rio optar por uma das partes. Temos
como exemplo Alexander Mcqueen, que era um
puro artista, e era uma marca, ou Margiela, sem
dúvida um dos maiores extremistas artísticos, e é
uma marca que vende muito. E acho que o nosso
problema em Portugal é ainda n~o pensarmos no
lado comercial, só nos encararmos como artistas.
M: até porque se cada peça vale duzentos ou
trezentos euros n~o é comercial.
E: quem gere uma marca n~o deve ser o
criador (que é tudo o que n~o acontece em
Portugal), deve ser alguém focado em vender o
produto, que usufrui de um serviço que é o
criador, para potencializar essa marca e trazer-lhe
mais-valias, e trazer realmente um espírito único
a essa marca. Só que na nossa maioria
continuamos a pôr o papel principal no designer.
E isso faz com que a vis~o comercial se perca.
Ali|s, nos temos algumas marcas que j|
funcionam assim, mais ou menos. Por exemplo, a
Ana Salazar j| funciona um pouco como marca. E
o Miguel Vieira j| tem um gestor a sério, no
Tenente a irm~ é a gestora, e nota-se que as
marcas j| s~o mais coesas. Mas ainda falta a
ponte para o cliente, o entregar o produto. E é
isso que nos falta. E aí j| entramos muito na parte
do Marketing, e nós somos péssimos em
Marketing.
_entrevista
43
A mudança estrutural de que a nossa moda tanto
precisa só pode ter início com a evoluç~o dos
pilares que constituem o pensamento português.
O “é mais f|cil”, “se eles n~o me procuram,
também n~o os vou procurar” e “somos uns
coitadinhos” n~o pode, na opini~o d’Os
Burgueses, continuar a ser listado como prato do
dia.
«A moda é um veículo para a
cultura»
Com novos projectos que incluem a
expans~o da marca em terras de
Camões (j| com uma proposta
desafiante para um showroom em
Paris), o guarda-roupa de um filme
português de ficç~o científica,
cursos de consultoria de imagem,
um leil~o de fotografias da
NokiaArts j| no próximo dia 30, Os
Burgueses partem agora para um
novo caminho. Com um ponto final
na Saga de Jane Doe, a Ópera
Urbana toma agora outras notas, e
outros personagens. Mais um acto,
sem epílogo previsto.
_entrevista
Texto e Entrevista IFC
44
http://www.indiscritivel.blogspot.com/ O autor de indiescritível é mais um amante. Mais um
que ama, tanto quando se pode e consegue amar,
Fernando Pessoa. Este blog segue também, aquilo
que n~o se deve perder de vista num blog: a
identidade sentimental do eu. Isto é, quando n~o se
sente fisicamente, sente-se através destas palavras
soltas e públicas, para que outros possam sentir
connosco. A experimentar e saborear.
http://semprequemeencontro.blogspot.com/ “Apenas poesia, coisas de uma vida”, diz Rovisco – o
autor desta poesia t~o escorregadia nos nossos
olhos que custa parar de ler. Depois de parar,
recomeçar noutro dia e reflectir uma vida noutra
vida que é a sua poesia.
http://everthinglooksperfect.com
Mais que um blog, é um motor de buscar com
opini~o própria para os amantes da cultura
alternativa músical, fotogr|fica e por aí adiante. É
bom, alias, muito bom. Preza-se por um rigor e uma
imagem detalhada e fixa, que nos deixa a ver e a
desejar conhecê-lo { muito mais tempo.
sítios encontrados
_blogs
SL&jp
45
_literatura
P assado recentemente um ano sobre a morte de José Saramago, a RevoltARTE recomenda a leitura de “A
Viagem do Elefante”. Este livro conta precisamente a história de um elefante oferecido pelo rei D. Jo~o III ao arquiduque da \ustria. De Lisboa a Viena, a caminhada deste elefante acaba por ser uma met|fora { vida humana, em que “acabamos sempre por chegar aonde nos esperam” e que é, invitavelmente, a morte.
J osé Branco sonha desde pequeno poder ser médico para ajudar os outros. Quando formado em medicina deixa Portugal e vai
para Moçambique, onde conseguiu criar v|rias infra-estruturas para poder tratar aqueles que precisava do seu auxílio. Ao longo deste percurso, “O Anjo Branco” enfrenta alguns problemas com o antigo regime, pelo facto de ajudar todas as pessoas, independentemente do lado político em que se encontravam.
O Anjo Branco Autor: José R. dos Santos Editora: Gradiva Preço: 24,5€
A Viagem do Elefante Autor: José Saramago Editora: Editorial Caminho Preço: 12,37€
cc
46
H| dias fui { minha consulta semestral do
dentista, ali no Marquês de Pombal. Enquanto aguardava que alguém gritasse o meu nome, ouvi na sala de espera dois tipos na conversa, enquanto folheavam o jornal que estava em cima da mesa. Foi mais ou menos assim…
- Ouviste falar naquela coisa do Bin Laden
ter sido apanhado num bairro fino do Paquist~o?
- Passei os olhos em algo do género no jornal, num destes dias. Até { data nem sabia que havia bairros finos no Paquist~o.
- Se passares no Martim Moniz vais ver do que falo. Em todo o caso, acho estranho tomarem-no no deserto rodeado de bosta de bodes montanheses e ele afinal estar t~o perto da cidade. O tipo agora est| no fundo do mar mas nem assim o Obama deixa de intervir em tudo o que é país naquela zona. Temer~o que o Isl~o invada os Estados Unidos?
- O Isl~o n~o é um país. - Também o Benfica n~o é, mas tem mais
força e apoiantes que a Igreja Católica em Portugal! Quando o Benfica joga o país p|ra. Devia ser feriado nacional!
- Feriados j| nós temos que cheguem… - Descanso nunca é demais. E a maioria
deles s~o católicos. Bendita Igreja! - Gostava de saber o que diriam os islamitas
disso… - Pois ent~o!, s~o uma minoria, têm de se
sujeitar. Metade das pessoas que eu conheço s~o católicas.
- Ora essa, o Estado é laico. Que conversa é essa de minoria? E se eu for um judeu com vontade de trabalhar e n~o souber o que é a Assunç~o de Nossa Senhora? Ninguém sabe, de qualquer das formas. Toda a gente vai festejar a P|scoa para o Algarve. H| que respeitar as antigas tradições existentes no país.
- Continuo sem perceber para que serve o
festejo do Dia de Todos os Santos se a seguir comemoramos em festas de outros santos específicos… E o que faz dos feriados tradições nacionais?
- Tradiç~o é tudo o que fazemos pelo menos em dois anos seguidos.
- Ent~o tudo seria feriado… - Mas olha l|, queres acabar com o Natal
também? - O Natal é óptimo para receber prendas.
Mas n~o deixa de dar que pensar: qual é o sentido de escrevinhar na Constituiç~o que o Poder n~o se mistura com a religi~o se a seguir comemoramos a nível nacional acontecimentos de santos e ressurreições?
- O que é que sugeres? Arranjar um punhado de feriados favor|veis a todas as religiões? Ninguém mais trabalhava!
- N~o, n~o, mas um país deve comemorar acontecimentos que lhe digam algo historicamente, e n~o o Santo António. Que os católicos continuem a festejar, que eu gosto sempre de beber uma cervejinha em Alfama no 13 de Junho. Mas não é justo conceder uma folga { malta. J| quase ninguém vai { missa ao Domingo, os praticantes e os que ligam a isso n~o podem ser assim tantos.
- Ao sétimo dia, o Senhor descansou! N~o me digas que queres abolir os Domingos!
- De maneira nenhuma, o próximo fim-de-semana é grande, vou com os miúdos e a patroa para Vilamoura. É o Corpo de Deus. Olha, é a minha vez. Vemo-nos por aí.
- Se Deus quiser!
Conversas de sala
de espera
_actualidade
dm
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“Ai Portugal, Portugal… de que é que tu est|s
{ espera?” Perguntou-se o músico Jorge Palma no ano
de 1993 numa das suas músicas. Eu tinha dois anos de idade quando a música foi escrita e o que é que mudou na realidade desde essa altura? A nível tecnológico, muita coisa como seria de esperar. Aos outros níveis?
É difícil dizer. Mas é precisamente por esta
necessidade constante de olhar para tr|s que Portugal continuar| na mesma: um país nost|lgico, sonhador e cosmopolita. Tenho a certeza que vision|rios como Luís de Camões, Fernando Pessoa, Camilo Castelo Branco, Gil Vicente, entre outros preferiam que olh|ssemos em frente e perseguíssemos o nosso futuro tal como eles o fizeram, do que olhar para tr|s e suspirar “Ai, que isto dantes é que era bom…”. Enganam-se amigos, dantes nem tudo era bom, tal como nem tudo é bom agora. Basta de saudosismos, encaremos o nosso futuro de braços abertos e lutemos com aquilo que temos para podermos poder continuar a sonhar com os próximos feitos.
Faz-me confus~o a import}ncia que os
portugueses d~o ao passado, s~o quase prisioneiros do passado. O passado serve para nos ensinar que o que correu mal n~o deve ser repetido e nunca nos devemos esquecer dele. No entanto, desprendam-se de um passado do qual nem sequer fizeram parte e ponham as m~os { obra na construç~o de um futuro de que se possam orgulhar. J| estamos todos fartos do discurso de que Portugal est| a passar por um momento difícil. Todos nós queremos o melhor para nós e para os nossos mas enquanto eu e tu n~o nos mobilizarmos e lutarmos por nós, enquanto ninguém lutar por aquilo que quer,
Portugal vai viver sempre com um pé no fundo Oceano Atl}ntico, a vangloriar-se pelos feitos dos Descobrimentos e vai ter sempre uma língua afiada sempre que se fala em austeridade. NÃO, isso n~o é patriotismo!
Se queres ser patriota, n~o idolatres um
Portugal conformado, desempregado, burlado, descontrolado, antiquado, malfadado, retardado, com o bolso despejado e crente no passado. Luta por ti, pelos teus e pelo nosso futuro, sai { rua se tiveres de o fazer, deita-te no ch~o no largo do Rossio, acampa no Terreiro do Paço, bate { porta do Pal|cio de S. Bento, mas n~o deixes que o teu destino te passe ao lado. “De que é que est|s { espera?!” N~o tens vontade de mudar? Est| nas tuas m~os, nas minhas e na de tantos outros. Nós, os jovens, porque o passado j| l| vai e o futuro nos pertence.
“É f|cil falar…” dizes tu, “A culpa n~o é
minha” diz o outro. N~o interessa quem és, de onde vens, o que fazes, de quem gostas, a tua idade. Est|s sempre a tempo de mudar alguma coisa, nem que seja insignificante e nesta altura n~o interessa saber de quem é a culpa, tal como n~o interessa pensar que s~o os culpados que têm de resolver o que n~o est| bem. Cabe-te a ti resolver isto, para que n~o sejas mais um culpado daqui por dez ou vinte anos. N~o fiques { espera de que os outros tomem a iniciativa por ti se queres um emprego, se queres uma casa, uma família, umas férias, se queres mostrar o teu valor e vingar na tua |rea. Mexe-te, por ti, por um futuro menos escuro, menos duro.
Mexe-te pelo teu país, por Portugal.
_actualidade
jfs
Ai portugal
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Achei ótima a temperatura do dia de ontem,
apesar de um pouco úmida. Era dia de ato eleitoral e l| fui eu, de carro, preencher o meu papelinho. Virei { esquerda, depois { direita, depois { esquerda outra vez, que a tarde assim o pedia, até chegar a uma interceção na estrada, onde estacionei. Votar, dizem, é um dever de todos nós, e aquela ação fez-me sentir cumpridor dos meus. E com esforço redobrado, pois hão de tentar conduzir um carro com uma infeção na perna! Se não melhorar depressa terei de cancelar o meu voo para o Egito.
Pois é, caros leitores, n~o faz muito sentido,
pois n~o? Para quê tirar o hífen ao “h~o-de”, o P ao coitado do Egipto, que j| é pobre por si, ou até mesmo o trema { lingüiça brasileira? N~o quero deixar de escrever “lêem”, passar a escrever “veem” ou “antirreligioso”.
A língua é um arquivo, e a pluralidade de
ortografias em vez de criar complicações, como muitos gritam por aí, vem apenas torn|-la mais rica.
A nossa ligaç~o com países como o Brasil, Angola ou Cabo Verde é muito forte, ligam-nos a História e, claro, a Língua. N~o obstante, no nosso crescimento e na construç~o da identidade de cada país, a vivência e os costumes atiraram-nos em direcções (ou direções?) opostas, levando-nos a usar expressões diferentes, nascidas de formas de estar, de contacto com climas t~o diferentes como o tropical ou o nosso, mais fresquinho.
Ao que sei vivemos uma fase de adaptaç~o,
em que o acordo é aconselh|vel mas não obrigatório (pergunto-me em diversas situações da minha vida o que querer| isto dizer), e só apenas daqui a uns anos se tornar| oficialmente oficial. No entanto, muitos n~o gostam de
perder tempo, e edições di|rias como o jornal Record ou o Correio da Manh~ (este último ainda parcialmente) j| anunciam orgulhosamente e de peito cheio a aplicaç~o do ajuste internacional. Até mesmo a RTP j| entrou no esquema.
Nestes termos, apelo ao bom senso e espírito contestat|rio que sei que existe em cada um de vós e proponho um boicote liter|rio em grande escala {s publicações aderentes, como forma de press~o para a mudança e, no caso do Correio da Manh~, para que deixe de ter leitores, de todo, j| que é horrível.
Este acordo veio abrasileirar o português,
torn|-lo uniforme, é certo, mas deslocado de realidades e culturas como a portuguesa ou dos longínquos timorenses, que v~o ter de o aprender no matter what.
O objectivo de tanto tormento é, dizem, a promoç~o da leitura e da circulaç~o de livros entre os países mas o que se vê, de facto, é uma imposiç~o linguística do país mais forte – o Brasil – aos restantes mais fracos.
Assim, termino com este pensamento, que pertence a Vasco Graça Moura mas que podia ser meu: "Alguém imagina os Estados Unidos a ditarem { Inglaterra as regras ortogr|ficas da língua inglesa? Ou o Canad| a ditar as do francês { França ou a Venezuela as do espanhol a Espanha?"
Se hoje em dia vemos tanta gente em
tropeços e encontrões na língua que aprende desde que nasceu, custa-me vaticinar um futuro feliz para esta coisa a que se chama o novo Acordo Ortogr|fico.
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Acordo ortográfico
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