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Revista que aborda a obra e o universo do artista Nenna

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2 3n2010 calendário gregoriano |

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o enigma sedutor da arte é a expansão da lógica das possibilidades para além

do desconhecido

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neditado em colaboração com Almerinda da Silva LopesAna Cristina MurtaMagali RencienMaria Helena LindenbergNennaUrsula Dart

produzido e distribuído por

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O Estilingue

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Veja o vídeo em:http://www.nenna.com/video

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BrasilUma eletro-pajelança cósmica por um braseiro utópico e viável, sem fé nem esperança.

Galeria Homero Massena - Vitória - ES1 dezembro 2005 | 22 fevereiro 2006

curadoria Nenna, Maria Helena Lindenberg e Yvana Belchior

assistenteRebecca de SááudioNennafotos catálogo Nenna e Juranda Alegro

velório de Tom Jobim foto original NennaJardim Botânico - RJ, 1994

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O Estilingue

Intervenção urbana, realizada em 1970. Foi reconstruido em 2009 para o documentário “A Pedra que o Estilingue Lança” dirigido por Ana Cristina Murta.

Para ilustrar o texto ‘Nenna e a vanguarda capixaba’ da curadora e historiadora Alm-erinda da Silva Lopes, utilizamos além das imagens originais de Jorge Sagrilo, as ima-gens coloridas da filmagem com direção de fotografia de Ursula Dart.

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curadora e historiadora |

Almerinda da Silva Lopes Ensaio crítico apresentado no “XIV Encontro Nacional de Pesquisadores emArtes Plásticas”, em outubro 2005 na Universidade Federalde Goiânia.

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e a vanguarda capixabaNenna

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A história artística do Estado do Espírito Santo orientou-se, até muito recentemente, por uma visão passadista ou retrógrada de arte, ao validar como sistema de representação apenas a pintura de paisagem. Se essa preferência ressaltava a acomodação e o conformismo da estrutura sócio-cultural, não faltaram aqueles que interpretaram equivocadamente esse gosto defasado como a mais genuína forma de manifestação da identidade estética local. Por essas razões, as linguagens modernistas continuaram, até a década de 60, a ser completamente ignoradas em Vitória.

Solitariamente, um jovem originário desse mesmo meio cultural, dotado de ousadia criativa, questionando a arte como fenômeno representativo e mimético, desenvolveu experiências sensíveis e atitudes reflexivas, visando eliminar a distância entre a arte e o espectador. Foi ele quem engendrou aqui, no início da década de 1970, o happening, além de formular diferentes processos con-ceituais e recorrer a recursos da tecnologia (como a fotografia e o vídeo tape), que o colocavam em perfeita sintonia com o seu tempo histórico e artístico. Essas poéticas eram desconhecidas e completamente estranhas ao meio artístico local, as quais, por conseguinte, não foram bem compreendidas e avaliadas.

Foi num ambiente cultural muito defasado que nasceu, cresceu e se formou esse artista capixaba Atílio Gomes (que adotou, de-pois, o nome artístico de Nenna), mas que, no entanto, manifes-tou, precocemente, exacerbada consciência crítica, um notável preparo intelectual, além de manter-se antenado com as novas tendências artísticas mundiais, por meio de viagens que realizou às diferentes regiões culturais do país e do exterior. Demonstrou coragem e perseverança ao apresentar e defender as premissas da arte contemporânea, insurgindo-se contra os velhos valores esté-ticos que constituíam o foco do ensino artístico. Enfrentou as in-stituições culturais que considerava os redutos do passadismo, no centro das quais situava a Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, da qual se tornou aluno em 1969. Dis-cordava, principalmente, do que chamava de “métodos de ensino acadêmico”, adotados pela maioria dos seus professores.

Desde que se matriculou naquela instituição, Atílio Gomes pro-curava trazer para o debate as proposições de vertentes con-

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temporâneas, como: Neoconcretismo, Pop-Art, Happening, Performance, Arte Conceitual. Essas tendências permaneciam totalmente ignoradas no meio artístico local e na Escola de Belas Artes não se empreendia qualquer esforço no sentido de ao menos procurar conhecê-las. Atacou também o dirigismo do mercado e o equívoco protecionista adotados, segundo ele, no julgamento e seleção de obras dos artistas participantes das mostras e salões locais, cuja linguagem continuava centrada numa mesmice cria-tiva, que apenas repetia determinadas formulações acadêmicas.

O jovem tentava incutir no defasado meio capixaba um novo para-digma artístico e outro conceito de objeto poético, centrado na autonomia, na liberdade de ação e de reflexão, propondo ações coletivas e a interação arte/público. É principalmente esta última questão que interessava mais claramente a Nenna, para quem a experiência artística devia ser um meio para estabelecer maior proximidade entre arte e vida.

Freqüentador assíduo de museus, galerias e bibliotecas dos princi-pais pólos culturais do Brasil e dos Estados Unidos, além de leitor obstinado da bibliografia artística modernista e contemporânea, Atílio Gomes pôde avaliar numa acepção mais precisa que o con-ceito de arte defendido na Escola de Belas Artes local há muito tinha sido posto em xeque. Decepcionado, com o ensino formal decide abandonar aquela instituição antes mesmo de concluir os estudos acadêmicos. Preferiu intensificar a leitura e as andanças por diferentes locais e espaços do mundo artístico: dos Museus aos ateliês daqueles que se anteciparam ao seu tempo, ao invés de acatar as velhas concepções estéticas defendidas pelos mestres.

O fato de artistas como Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Marcel Duchamp, Andy Warhol e Yoko Ono contarem entre os preferidos do jovem capixaba, não parece mero acaso, se consid-erarmos que eles influenciaram algumas das ações que o mesmo desenvolveu. Foi pautado em novos conceitos artísticos, e nas poéticas defendidas por esses e outros artistas contemporâneos, que o jovem Atílio Gomes elegeu como campo de ação o próprio contexto da cidade onde ele vivia, ao concretizar o que foi consid-erado o primeiro happening ocorrido na capital do Espírito Santo, no tempo em que ele ainda era aluno da Escola de Belas Artes.

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Selecionou, então, uma árvore (popularmente conhecida como chapéu de sol ou castanheira), no coração da Praia do Canto, nas proximidades da entrada da rua Moacir Avidos. A escolha do bairro também foi intencional, por ser o local de moradia dos in-tegrantes de uma elite endinheirada, acomodada e conservadora, que preservava uma visão romântica de arte, avessa, portanto, a mudanças ou a inovações artísticas, como bem observou Carlos Chenier ao fazer uma avaliação das conquistas no campo cultural e artístico ocorridas em Vitória, na década de 1970.

Ao focar a percepção naquela árvore, o artista isolou-a e desta-cou-a de todas as outras congêneres a ela contíguas, menciona-ndo, todavia, que a escolha foi motivada pela forma do tronco da castanheira, que se bifurcava a certa altura em relação ao chão, e não por outro motivo. A forma do tronco da árvore lembrou-lhe a forquilha ou gancho de sustentação das atiradeiras que compõe um estilingue. Durante a noite de sábado para domingo do mês de junho de 1970, Nenna - contando com a colaboração de sua amiga e colega na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, Luisah Dantas - tomava de assalto a castan-heira, para transformá-la tanto no suporte como em estrutura de sua obra.

Gaston Bachelard ajuda a entender a escolha da árvore como imagem poética, enquanto forma imprevisível, singular e como acontecimento revelador de mobilidade, característica que dis-tingue uma árvore de todas as que lhe são próximas. Através do ente “árvore”, escolhida entre várias outras similares, o artista estabelecia o vínculo de ligação com o mundo que o rodeava e instaurava um embate irônico com a pintura de paisagem que se perpetuava em Vitória. Advertia que, embora aquele gênero de pintura acadêmica fosse uma representação mimética da nature-za, não deixava de ser, na verdade, uma imitação fictícia do real, pois uma árvore transposta para uma tela não é um ente concreto ou objetivo, mas um simulacro.

Eleita a árvore, o artista revestiu de gesso - ao qual acrescentou pigmento amarelo - o tronco/forquilha da mesma, colorindo-a por um processo direto e ao mesmo tempo simbólico, pois o gesso se transformou, na verdade, num anteparo protetor da árvore, mas

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também em campo pictórico. Nenna amarrou, a seguir, em cada haste desse gancho/tronco duas imensas tiras de plástico preto (que substituíam as alças de borracha usadas nos estilingues con-vencionais), permitindo que elas se arrastassem pelo chão. Para completar o estilingue, prendeu no outro extremo dessas tiras uma atiradeira retangular de plástico vermelho (que nos brinque-dos infantis costuma ser de couro para suportar o empuxo com o arremesso das pedras, sementes, bolinhas de vidro ou gude). Esse objeto, logo batizado de “Estilingue gigante”, era inserido no espaço como algo estranho à natureza, pois as cores usadas: amarelo e vermelho (cores puras) e o preto (cor neutra) reme-tiam imediatamente à pintura. A configuração formal do objeto era definida, portanto, por duas linhas negras unidas por um retângulo vermelho, às quais se interpunha uma forma amarela, o que permite estabelecer alguma relação com as proposições espaciais da pintura de Mondrian. O estilingue determinava um micro ambiente que, de maneira paradoxal, tanto fragmentava o espaço como permitia interligar diferentes pontos do mesmo, tor-nando-se uma espécie de núcleo focal e integrador do ambiente à sua volta. O objeto, uma vez concluído, permaneceu impassível ou intocado até o amanhecer, quando os habituais caminhantes matinais eram surpreendidos por aquele intruso pendendo da árvore. Refeitos da surpresa e intrigados com o que viam, pas-saram a interagir com o estranho, mas ao mesmo tempo familiar objeto que tinham diante de si: primeiro, timidamente; depois, de maneira mais descontraída. A participação do público superou a expectativa do propositor: houve quem apenas estranhasse a presença do estilingue, mas prosseguisse a caminhada; quem parasse e contornasse várias vezes a árvore e fizesse suposições ou levantasse hipóteses sobre a geração do objeto; quem se de-tivesse a instaurar um diálogo com o mesmo ou fizesse uma es-pécie de interrogatório, diante da árvore. As diferentes reações foram-se encontrando e se cruzando pouco a pouco, gerando uma espécie de debate livre entre o público que se acumulou diante do estilingue. As hipóteses ou suposições a respeito daquele intruso e estranho objeto iam se tornando mais criativas e diversificadas. Os mais destemidos (que eram, inicialmente, apenas os amigos e alguns convidados do artista, misturados aos transeuntes) pen-etravam no estilingue, posicionando a atiradeira sobre as próprias costas, como se o vestissem. Isso permite estabelecer alguma

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relação com os “Parangolés” ou mesmo com os “Penetráveis”, de Hélio Oiticica, nos quais corpo e ação do espectador passavam a fazer parte da própria obra. Depois de algum tempo, até os mais tímidos ou reticentes se encorajaram e se revezaram na partici-pação.

A reação inicial do público foi prevista antecipadamente pelo artista e deveu-se, ao que tudo indica, ao fato do estilingue ter sido construído em escala humana, confrontando o homem com o espaço, pois ele perdia o seu caráter familiar, para se tornar um objeto intimidador. Basta considerar que, convencionalmente, um estilingue possui escala reduzida ou intimista. Ao adentrar o objeto, apoiando o corpo na extremidade vermelha da atiradeira, o interlocutor se posicionava de frente para a árvore-forquilha, fazendo as alças de plástico do estilingue se içarem e se estirarem (o que permitia que o mesmo ganhasse forma e função mais pre-cisas e reconhecidas). Tal configuração não deixava de intrigar os curiosos, pois gerava a sensação de ser uma armadilha perversa, criada, quem sabe, para arremessar os indivíduos à distância, pro-jetando-os no espaço infinito, o que tornava o estilingue gigante um objeto ameaçador. Por essa ótica, o corpo do interlocutor se transformava, simbolicamente, em projétil, passando de arre-messador (como ocorre num estilingue convencional) em arremes-sado. Tal peculiaridade permite atribuir ao estilingue gigante uma conotação irônica, ou uma atitude crítica ao período de exceção política que vivia o País, quando o perigo podia estar nos lugares mais inesperados e assumia conotações variadas.

O artista resgatou da memória da infância um brinquedo muito antigo e um dos mais conhecidos de crianças e adultos, que podia ser entendido como uma arma ingênua, com restrito alcance e ofensiva limitada. Assim, através do estilingue o autor ironizava a situação política do país, traduzida na forma de um jogo lúdico, cujo teor crítico acabou, entretanto, despercebido naquele mo-mento. O artista e os amigos que o ajudaram a realizar o evento previram, antes, que seriam importunados e que teriam de en-frentar a reação imprevisível ou intempestiva tanto dos militares mantenedores da ordem, como de um público não acostumado a esse tipo de intervenção pública, em pleno regime de exceção. Ao contrário dessas expectativas, tudo transcorreu na mais absoluta

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paz, o que mostra que a visão crítica escapou ao alcance tanto dos participantes do evento como à própria polícia.

A intenção do autor, que foi a de provocar, instigar o question-amento e a participação do público, sem o qual o estilingue não seria (re)significado para além de um ingênuo objeto ou brinque-do infantil, se realizava integralmente. O estilingue gigante se modificava e ganhava movimento a cada nova penetração. Por esse viés, o artista punha em xeque a tradicional idéia de ob-jeto artístico como algo estático e contemplativo, que submetia o interlocutor a observador passivo ou receptivo. A participação popular tornava-o um parceiro ativo, além de potencializar e atribuir novo significado ao objeto, desencadeando, a partir dele, uma linguagem poética que se insere no âmbito do happening. Esse processo artístico teve origem nas apresentações dos futur-istas italianos e dos dadaístas no Cabaré Voltaire, em Zurique, na Suíça, durante a Primeira Guerra Mundial, mas o desenvolvimento e aprofundamento conceitual daquelas originaram outras propos-tas artísticas, em especial as geradas na Europa como na América, que alguns situam como manifestações da chamada contracultura dos anos 60. O happening é um gênero de expressão de caráter vivencial e experimental derivado das ações teatrais, que prevê a participação livre do público, e cujo desenrolar é mais ou menos previsto pelo artista criador e proponente da idéia, segundo Re-nato Cohen.

No evento aqui analisado, os atores/participantes foram os tran-seuntes que, ao se posicionarem diante do estilingue gigante iam criando os próprios textos, por meio dos quais dialogavam ou criavam suposições a respeito do que viam. Fossem eles visuais, verbais ou teatrais, os textos iam sendo encenados espontânea e naturalmente, à medida que cada um agia como se jogasse o seu respectivo papel ou vivenciasse um determinado personagem. Di-ante daquele objeto, sem que Nenna orientasse ou direcionasse a ação do público – embora houvesse sobre ele um controle relativo e previsível – os participantes criaram e encenaram um espetáculo teatral imprevisto e improvisado, cujo cenário era o ambiente natural ao redor da árvore onde estava inserido o estilingue. A árvore se transformou no assunto, no conteúdo e em atuante da encenação, à qual não faltou até mesmo um fundo musical, com

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o artista ao violão e os irmãos Marcos e José Renato Moraes, to-cando violino e flauta. Isso parece ter dado um tom de seriedade e erudição ao evento, mas se instituiu também como uma espécie de álibi para não colocar o artista e o evento “sob suspeita”, numa época em que qualquer reunião pública era logo reprimida.

Nesse processo interativo, a árvore (onde foi inserido o estilingue e o espaço ao redor dela), foram os agentes e as peças funda-mentais da ação artística. A partir desse evento, árvore e público deixariam de ser os mesmos, considerando que o diálogo com o estilingue provocou a reflexão, ativou a imaginação e a percepção de indivíduos que viviam numa cidade que não dispunha sequer de museus e galerias. O espaço público se transfigurou e se transfor-mou num lugar de criação e de participação, os transeuntes inter-agiram, dialogaram e se identificaram com o estilingue-obra. Esse mesmo público certamente não demonstraria o mesmo interesse e prontidão para a ação participativa, dentro do espaço sacralizado do museu e diante de obras convencionais de escultura ou de pin-tura, se pensarmos que o espectador mantém no museu, via de regra, uma atitude passiva e contemplativa frente aos objetos es-téticos ali exibidos. A interação arte/público era, naquela época, uma asserção recente, pois foram Lygia Clark e Hélio Oiticica os pioneiros que a propuseram no Brasil. No entanto, nos anos 60, também nos principais centros artísticos internacionais, essas idéias estavam ainda em ebulição e eram ainda poucos os artistas que as punham em prática. Ao dispensar o museu, a galeria ou outro espaço artístico convencional, Nenna transformava o mundo num museu aberto, sem limites, sem convenções e sem fronteiras à interação e à participação do interlocutor. Este, por sua vez, transformava-se no receptor ativo e no crítico, considerando que era tanto jogador, como avaliador e leitor do objeto e da forma de interagir com ele, sentindo-se participante e parceiro do processo de criação. Durante a realização da ação, o artista manteve-se à distância, observando a reação dos participantes e dos tran-seuntes, ou participando do evento como músico, enquanto tudo era fotografado por Jorge Luís Sagrilo. Lamenta-se que as ações e as falas dos interlocutores não tenham sido gravadas, o que con-stituiria hoje documentação de grande interesse e significado.

Esse evento recebeu, na época, notável atenção da imprensa lo-

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cal, que publicou inúmeras matérias sobre o “Estilingue gigante”, que não passou incólume também aos meios culturais e jornalísti-cos do Rio de Janeiro. Foi destaque numa coluna do Pasquim, as-sinada por Luiz Carlos Maciel, além de ter sido elogiado até por Hélio Oiticica, segundo informava Atílio Gomes em entrevistas publicadas pela imprensa local, em diferentes oportunidades. A maioria dos articulistas se restringiu, porém, a descrever o objeto ou o acontecimento em si, sem penetrar, verdadeiramente, no significado da proposição do artista. Após o comentário de Maciel sobre aquele happening, é que alguns passaram a atinar para a importância do evento, que passou a ser chamado de “primeira manifestação plástica de vanguarda” realizada em Vitória.

A idéia de happening remete sempre a algo efêmero, que se de-senrola e finaliza num tempo mais ou menos curto e previsto a priori. O estilingue viveu e se mantém, todavia, na memória não só daqueles que o conceberam e dos que interagiram com ele, mas também pela população de Vitória que passou pela Praia do Canto naquela manhã de junho de 1970. E embora o artista continuasse produzindo objetos e propostas artísticas de calibre criativo semelhante à daquele evento, continuaria a ser lembrado e citado como “o autor do estilingue gigante”. Isso significa que o evento acabaria por subverter o sentido de efemeridade do hap-pening, para perpetuar-se seja na memória dos capixabas que dele participaram, seja nas imagens fotográficas que o registraram e permaneceram como uma espécie de memória fantasmagórica e melancólica, pois são informações visuais que remetem ao pas-sado.

A partir daquela proposta, toda a atividade do artista iria negar a tradicional relação arte/interlocutor, no sentido contemplativo e estático, para propor a sua participação/ação. Num meio artístico ainda muito conservador e desatualizado, o significado da ousadia criativa e o refinamento perceptivo daquele jovem não encontra-ram, no momento em que as propostas citadas foram realizadas, maior repercussão e compreensão, acabando por se fazerem notar mais no Rio de Janeiro do que em Vitória. Numa entrevista con-cedida em 1975, o artista observava que diante de seus objetos artísticos, os interlocutores indagavam qual era o seu significado, de que escola de arte eles derivavam ou que influências ele rece-

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Almerinda da Silva Lopes

bia. E completava: “Só um número reduzido de pessoas consegue assimilar o trabalho que eu faço. Estou cansado de ouvir: `não entendi`! Como vou explicar a certas pessoas que há coisas que não se explicam? Acho que falta informação atualizada”.

A manutenção de um ambiente cultural incipiente e desatualiza-do, somado à falta de uma crítica de arte qualificada e de museus, galerias e espaços culturais que exibissem as linguagens artísticas mais recentes, não contribuiriam para que a produção de Nenna tivesse maior repercussão no Estado. O que se escreveu a respeito consta de textos de visões impressionistas e superficiais, expres-sas (quase sempre) por cronistas e jornalistas não especializados, que pouco contribuíram para propiciar o debate, ampliar a edu-cação estética, promover a atualização do olhar, da percepção e do pensamento, ou mesmo para estabelecer maior aproximação entre a produção contemporânea e o público local.

Mantido o devido distanciamento no tempo, torna-se possível en-tender, em algum sentido, porque razão as proposições plásticas do artista se impuseram como um fenômeno isolado e razoavel-mente marginal, não obstante ela ter sido reconhecida fora dos limites do Espírito Santo. Foi preciso aguardar algum tempo para que, com isenção e clareza, se pudesse compreender que o mes-mo procurava introduzir as concepções artísticas contemporâneas numa capital que sequer havia assimilado o ideário modernista. Ao equacionar que a praxe artística local deveria saltar de uma polaridade a outra, isto é, abandonar os conceitos conservadores e passadistas para cotejar as linguagens contemporâneas, sem se-quer passar pela via retrospectiva do modernismo, o artista abria uma lacuna abissal (ou uma dicotomia?) no processo de formação da mentalidade artística capixaba. Isto porque a ruptura com a tradição ou a atualização artística não se impôs, aqui, como ne-cessidade defendida e capitulada por um grupo coeso de artistas, mas surgia como vontade isolada ou anseio solitário, que partiu de um jovem que apenas aspirava à condição de se tornar um artista em perfeita sintonia com o seu tempo cultural e histórico.

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Referências

Atílio Gomes Ferreira abandonou o curso de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes depois de freqüen-tá-lo por apenas dois anos, alegando que a institu-ição “não havia acompanhado a evolução do tempo”, considerando que ali até as vertentes modernistas das primeiras décadas do século XX, a exemplo do “Surrealismo ainda assustava e era considerado muito avançado” conforme declarou à imprensa. (Cf. “Atílio Gomes: como explicar que certas coisas não se explicam?” A Tribuna, 8 out. 1975, 2o. caderno).

Carlos, Chenier, “Atílio Gomes Ferreira: um re-flexivo desenho com linguagem solitária”, A Gazeta (Vitória), 11 novembro 1981 (Caderno Dois).

Gaston Bachelard. A Poética do Espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle S. Leal. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda., s.d.

Renato Cohen. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1989, p. 131-140.

“Começa amanhã I Salão no Campus Universitário”, A Gazeta, Vitória, 21 outubro 1971, p. 18).

“Atílio Gomes: como explicar que certas coisas não se explicam?” A Tribuna, Vitória, 8 de out. 1975, (2o. Caderno).

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weather report / FM

a party for the godssane insane..................the godsaresad tonight.

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Ilustrado com imagens da série VENTO SUL.[coleção José Augusto Alegro Oliveira]

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hot long distance call

new york, summer ’73.

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voluptuous sq.

god blessyourskin.

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subway blues

i dreamed i was in an F trainway to jamaicaalone with4.000 juke-boxes

playing / the only living boy

172nd. street END

stars are yellow poemsin the mind - crossing the air.

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insurance co.

the soft sinister

with helio & joaolearning karate

washigton square.

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drifting

i can’t stand it 10 p.m.the sun overmy headmy mindmy soul.

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perceptible manhattan / VT

tropicana juice..............................art is a flavor.

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harlem sounds

hi honey !my car is full of portuguese wine

full of allpretty nice love...............................streetsstreets like filmsfilms like miles of smilesmilesmiles?

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cafe verdi

warm saturday nightcapuccino / in time

will it go round in circles ?

warm saturday nightbleecker st.warm saturday night.

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subway blues number two - as performed by the soft sinister

what does pollution mean ?

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historic delivery / museum of modern art

clack plackenjoy

i know you’re showing duchamp

photo/graph

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mingus - at old five spot, now two saints

beer/bassbass/drumsdrums/trumpet/bass/saxsexbass/piano

good musicand alcoholicsatisfaction.

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lonely cowboy

where is my television ?where is the monotonous monster ?where is the green door ?

where are mine forgotten poems ?

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neon gas

6th. avenuea knife is flyingaround.

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good night

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projeto de intervenção urbana para a ilha de Vitória, 2008

Uma eletro-pajelança para diluir a profecia/maldição de Saint-Hilaire.

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Auguste de Saint-Hilaire

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as luzes [do conhecimento] e instrução só poderão penetrar na província do Espírito Santo com extrema lentidão.

“Viagem ao distrito dos diamantes e pelo litoral do Brasil”

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Pedra dos Olhos

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Charles Frederick Hartt , 1836

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editado em colaboração com Almerinda da Silva LopesAna Cristina MurtaMagali RencienMaria Helena LindenbergNennaUrsula Dart

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