revista universidade | nº 05

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Revista da Universidade Federal do Espírito Santo UFES Dez 2015 • Ano 4 • Nº 5 A Fazenda Experimental da Ufes é referência regional e nacional em pesquisas nas áreas de agronomia, ciências biológicas e em análise nematológica Agrárias Pesquisas Mala Direta Postal Básica 9912260557/2010-ES UFES – UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESP.SANTO CORREIOS ISSN 2359-2095

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Revista de Jornalismo Científico, Cultura, Variedades produzida pela Superintendênica de Cultura e Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo

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Revista da Universidade Federal do Espírito Santo • UFESDez 2015 • Ano 4 • Nº 5

A Fazenda Experimental da Ufes é referência regional e nacional em pesquisas nas áreas de agronomia, ciências biológicas e em análise nematológica

AgráriasPesquisas

Mala Direta PostalBásica

9912260557/2010-ESUFES – UNIVERSIDADE

FEDERAL DO ESP.SANTO

CORREIOS

ISSN 2359-2095

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O Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam) é o

hospital-escola da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),

fundamental para a formação de profi ssionais em diferentes áreas

da saúde, abrangendo o ensino, a pesquisa e a extensão. Funciona

com cerca de 300 leitos, atendendo, gratuitamente, 24 horas por dia,

pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Hucam: o maior complexo médico-hospitalar do Estado

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Fundado em dezembro de 1967, o Hucam recebe pacientes dos 78 municípios do Estado e de outros estados, como Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Localizado no campus universitário de Maruípe, em Vitória, o Hospital transformou-se no maior complexo médico-hospitalar do Estado do Espírito Santo, destacando-se também pela qualidade da assistência oferecida à população e pelo grande volume de atendimen-tos, sobretudo nos de alta complexidade.

Realiza, aproximadamente, 1.200 procedimentos cirúrgicos por mês. Por ano, são realizados, nos 129 consultórios existentes, mais de 200 mil consultas médicas em quase 150 áreas de saúde, 15 mil atendimentos de urgência, 600 mil exames labo-ratoriais de análises clínicas, 14 mil cirurgias, 10 mil internações, 1.500 partos e 30 mil exames por imagem, entre outros procedimentos.

Por meio de contrato assinado em abril de 2013, o Hucam passou a ser adminis-trado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), uma empresa pública vinculada ao Ministério da Educação, criada pelo Governo Federal com a fi nalidade de gerenciar os hospitais universitários do País.

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4 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

A P R E S E N T A Ç Ã O

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5UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Foto: David Protti

Esta é a quinta edição da revista Universidade, cuja proposta editorial objetiva contemplar a produção de pesquisa científi ca e tecnológica da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e outros temas relevantes do contexto acadê-mico. A publicação é um projeto em construção e em fase de consolidação. Os primeiros resultados, porém, são animadores e apontam para a real importância de estabelecermos este canal de comunicação que informa sobre o que a insti-tuição produz de modo muito satisfatório e que se constitui em um dos pilares da sua missão – a pesquisa.

Com um conceito editorial moderno e projeto gráfi co criativo, a revista Univer-sidade é resultado de um grande esforço da nossa instituição, objetivando dar visibilidade ao excelente desempenho de nossos pesquisadores. Creio que a publicação traduz o reconhecimento institucional ao desenvolvimento da pes-quisa na Ufes e cumpre o valioso papel de informar à comunidade universitária e à sociedade acerca da elevada e qualifi cada produção acadêmica aqui exis-tente. Este é, de fato, um importante movimento que deve ser permanente – e intensifi cado – por uma universidade pública.

Esta edição apresenta aos leitores uma pauta diversa, instigante, que percorre múltiplas temáticas da pesquisa, da extensão, do ensino e da cultura. Transita pelos centros de ensino da Ufes e revela trabalhos multidisciplinares que envol-vem a graduação e a pós-graduação, os professores, estudantes e técnicos, e os laboratórios que instrumentalizam projetos acadêmicos em diferentes áreas do conhecimento. A revista Universidade é, pois, uma cuidadosa publicação, con-duzida com talento pela equipe de profi ssionais da Superintendência de Cultura e Comunicação (Supecc), e que traz o desafi o de se consolidar como importante ferramenta de jornalismo científi co.

Reinaldo CentoducatteReitor

Informação com

múltiplas temáticas

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6 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Universidade Federal do Espírito Santo • Ufes

ReitorReinaldo CentoducatteVice-ReitoraEthel Leonor Noia MacielPró-Reitor de AdministraçãoEustáquio Vinicius Ribeiro de CastroPró-Reitor de Assuntos Estudantis e CidadaniaAlexsandro RodriguesPró-Reitora de ExtensãoAngélica Espinosa Barbosa MirandaPró-Reitora de GraduaçãoMaria Auxiliadora de Carvalho CorassaPró-Reitora de Gestão de PessoasMaria Lucia CasatePró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento InstitucionalAnilton Salles GarciaPró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoNeyval Costa Reis JuniorSuperintendente de Cultura e ComunicaçãoJosé Edgard Rebouças

UNIVERSIDADERevista de Jornalismo Científi co • Cultura • Variedades produzida pela Superintendência de Cultura e Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo

Secretária de Comunicação Thereza MarinhoCoordenadora da Seção de Publicação Científi caLetícia NassarCoordenador do Núcleo de Comunicação InstitucionalLuiz Vital

Conselho editorial Cleonara Maria Schwartz• Fabio Ressel • Marcelo Segatto • Roberto Avelino Cecílio

Editor geralEdgard RebouçasEditoraLetícia NassarReportagemAna Paula Vieira • Camila Fregona • Jorge Lellis • Letícia Nassar • Luiz VitalBolsistasBetina Hatum • Jéssyka Saquetto • Maria Luisa Silva • Nayara Santana Fotografi aDavid Protti • Arquivo SupeccDesignJuliana Braga • Leonardo PaivaRevisãoMárcia RochaFoto da CapaDavid Protti

Universidade Federal do Espírito SantoSuperintendência de Cultura e Comunicação - SupeccAv. Fernando Ferrari, nº 514, Campus de GoiabeirasPrédio da Reitoria, 1º andar, CEP: 29075-910,Vitória/ES - BrasilTelefone: (27) 4009-2204E-mail: [email protected]

ISSN 2359-2095

O conteúdo desta revista pode ser reproduzido para fi ns didáticos, desde que citada a fonte.

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7UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

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26 CeunesFazenda Experimental é referência regional e nacional

SumárioPrezado leitor,

Agricultura, rios, lama, dengue, cotas e edu-cação de gênero. Essas são algumas temáticas que este número 5 da revista Universidade apre-senta ao leitor.

A capa traz em destaque pesquisas desenvolvidas no Centro Universitário Norte do Espírito Santo (Ceunes/Ufes), localizado na cidade de São Mateus. Em foco, a Fazenda Experimental que, em seus cinco anos de funcionamento, se tornou referência regional e nacional em pesquisas nas áreas de agronomia, ciências biológicas, processamento vegetal, hidráulica, manejo agrícola, dentre outras.

Já no município de Itarana, os professores e estudantes do Laboratório de Gestão de Recur-sos Hídricos e Desenvolvimento Regional (Lab-gest) desenvolvem, há 10 anos, pesquisas e ações para promover a justiça ao acesso à agua, o seu uso consciente e o desenvolvimento da região. Quem apresenta esse trabalho para o leitor é o professor Edmilson Costa Teixeira, coordenador do LabGest.

A polêmica questão sobre a inclusão da edu-cação de gênero nos planos da educação é tema da entrevista com a professora do Centro de Edu-cação Gilda Cardoso de Araújo, que destaca a importância dessa abordagem nas escolas para a construção de uma educação para a cidadania.

No Centro de Ciências da Saúde, os pesquisa-dores do Núcleo de Doenças Infecciosas acom-panham os voluntários que participam dos testes da vacina contra a dengue desde 2010. O profes-sor Reynaldo Dietze é o coordenador do Núcleo e dessa pesquisa no Brasil.

Há ainda nesta edição outras pesquisas e ações de extensão desenvolvidas pela comuni-dade univervisitária em diferentes municípios do Espírito Santo. Além disso, pode-se conferir os novos títulos da Editora da Ufes.

Boa leitura.

Letícia NassarEditora

16 Base Oceanográfi caPesquisas sobre o fundo do mar para entender os fenômenos naturais

LabGest

Areias monazíticas

Reserva de vagas

Vacina contra a dengue

Cada doido com sua mania

Entrevista: Educação de gênero

LaTerra

Artigo: Ética na administração pública

Centenário de Augusto Ruschi

Serviço Social: 45 anos

Edufes completa 20 anos

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8 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Pesquisadores do LabGest e produtores rurais de Itarana juntos na melhoria dos rescursos hídricos da região

E X T E N S Ã O

Letícia Nassar

Foto: Jean Carlos Da Re/Incaper

Vale do

SossegoVale do

Sossego

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9UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Aágua, elemento natural que está em todas as mídias nacionais por causa de sua escassez, há muito é objeto de pesquisa de diversas áreas acadêmicas, de insti-

tutos e organizações não governamentais. Essas ações investigativas já apontavam para o que, atu-almente, a população da Região Sudeste também está vivendo: a falta de água nas suas torneiras.

Se pesquisar é enfrentar desafi os, então o Labo-ratório de Gestão de Recursos Hídricos e Desen-volvimento Regional (LabGest) há 10 anos trilha caminhos investigativos que procuram conjugar a ação humana com as iniciativas econômica, polí-tica, social e ambiental. Ao desenvolver suas ações mediante a interação entre os pesquisadores, as comunidades e as instituições públicas e privadas, o LabGest procura promover a justiça ao acesso à água, o seu uso consciente e o desenvolvimento da região.

Ressignifi car a relação entre o homem e a água foi uma das atitudes escolhidas pelo grupo. “Não é a água como fi m, mas sim a água como elemento indu-tor de desenvolvimento. Água como elemento simbó-lico de integração de sociedades, de políticas”, diz o professor do Departamento de Engenharia Ambiental Edmilson Costa Teixeira, ao explicar o leitmotiv ado-tado pelo LabGest, do qual é coordenador.

“O que fazemos enquanto academia é trabalhar com o desenvolvimento de metodologias, de disposi-tivos ferramentais científi cos e tecnológicos para por em prática questões ou aspectos relacionados a essa temática, ou seja, o de tornar viável a integração. Mui-tos falam que é importante integrar, que é importante trabalhar com inserção social, reduzir as diferenças, as desigualdades, fazendo com que a água, já que ela é um elemento essencial para todos, seja acessível a todo mundo. Falam, falam, falam. Nós, não! Nós ten-tamos desenvolver ferramentas para tornar isso factí-vel, concreto. É por isso que o nosso grupo de pesquisa vem se destacando no meio acadêmico e nos setores da administração pública”, afi rma o professor.

O locus da pesquisa desenvolvida pelo Labo-ratório é a Bacia Hidrográfi ca do Córrego Sossego (BHCS), localizada no município de Itarana, a 130 km de Vitória. O córrego faz parte da porção espí-rito-santense da Bacia Hidrográfi ca do Rio Doce. Este nasce no município de Ressaquinha (Minas Gerais) e percorre 853 km, passando por 228 muni-cípios, até chegar a sua foz no povoado de Regência, que fi ca no município de Linhares (Espírito Santo).

Segundo o Comitê da Bacia Hidrográfi ca do Rio Doce (CBH-Doce), ao longo desse percurso, as águas do rio atendem a 3,5 milhões de habitantes, sendo que 73% dessa população estão na área urbana. Nos

Equipe do LabGest é formada por professores, pesquisadores, pós-graduandos e estagiários em iniciação científi ca

Foto: Jorge Medina

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10 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

municípios com até 10 mil habitantes, 45,75% da população vivem na área rural. Itarana, segundo o último Censo Demográfi co (2010) do Instituto Brasi-leiro de Geografi a e Estatística (IBGE), possui 10.881 habitantes, sendo que 6.786 residem na área rural.

As pesquisas na Bacia Hidrográfi ca do Córrego Sossego começaram em 2002, quando ela foi inse-rida como área de estudo na Bacia do Rio Doce, pelo então Grupo de Estudos e Apoio em Recursos Hídri-cos (Gearh/Ufes). Em novembro de 2005, o professor Edmilson Teixeira deu origem ao LabGest.

“A Bacia do Rio Doce é uma referência nacio-nal, é um exemplo de sucesso de organização para a gestão descentralizada das águas no Brasil”, explica o professor. A bacia possui hoje dez comi-tês de bacia hidrográfi ca de rios afl uentes do Doce e um comitê de integração (o CBH-Doce). Quase toda a região hidrográfi ca do Doce, de aproximada-mente 90 mil km2, está sob a gestão desses comi-tês, havendo apenas uma pequena parcela, incluída aí a bacia hidrográfi ca do Rio Santa Joana, que está sob o estado de “vazio institucional”.

“É nessa região que se insere o Córrego Sossego, um afl uente do Rio Santa Joana. Então nós, enquanto Ufes, juntamente com outras instituições apoiadoras

do Projeto Sossego, temos, ao longo de alguns anos, buscado garantir que a bacia do Santa Joana saia desse vazio institucional. A partir de 2016, essa bacia passará a fazer parte da gestão formal das águas do Rio Doce. O que signifi ca ser inserido na gestão formal de recur-sos hídricos daquela bacia? É se tornar, formalmente, instituição descentralizada e participativa local, parte integrante dos sistemas de gerenciamento de recur-sos hídricos que operam na região e, assim, ter mais voz e voto nas instâncias de tomadas de decisão sobre os recursos hídricos, no contexto do desenvolvimento presente e futuro da região”, destaca Edmilson Teixeira.

Integração de saberesQuando o grupo de pesquisa chegou a Itarana,

em 2002/2003, juntamente com o Instituto Capi-xaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e o Instituto Jones dos Santos Neves, para implantar o Laboratório Vivo – um lugar de experimentação para a integração de gestão de água e território –, havia muitos problemas sociam-bientais e confl itos motivados por escassez de água.

Entre os trabalhos desenvolvidos pelo grupo, pro-fessor Edmilson ressalta a autogestão comunitária. A autogestão é um modo de a comunidade local não ter que esperar tudo do governo. “A partir dessa auto--organização, o número de reclamações no Ministé-rio Público reduziu muito. Ou seja, eles começaram a conversar mais entre eles, minimizando os confl i-tos pela água. Ainda há problemas por lá? Claro que há, afi nal são seres humanos”, completa.

O sucesso dessa integração está na metodolo-gia adotada pelo grupo, que visa a ações para além dos procedimentos voltados à aplicação de modelos de simulação em recursos hídricos e monitoramento ambiental. “Trabalhamos com a transdisciplinari-dade, ou seja, com a integração dos saberes, inclu-sive tácitos e especializados, de políticas e de escalas geográfi cas”, esclarece o professor. Compreendendo que grande parte dos problemas mundiais relaciona-dos a essa temática está ligada à má gestão, desde o que se refere à gestão dos recursos naturais à ges-tão do ser humano, o LabGest conjuga a engenha-ria direta com diferentes áreas do conhecimento.

Assim, está sendo desenvolvido no projeto Sossego um sistema de suporte para a decisão do uso da água na agricultura, ou seja, a distribuição da água de uma forma mais justa, incluindo todos os seus usuários. Essa ação envolve conhecimentos desde a área da engenha-ria até os saberes das comunidades locais. “Para esse sistema funcionar, eu tenho que ter o contato com o conhecimento do produtor local e perguntar como

E X T E N S Ã O

Mapa do estado do Espírito Santo e a localização da Bacia do Córrego Sossego

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11UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Para o professor, há um problema mundial de ges-tão de articulação, uma crise conjuntural, que não se refere somente à crise da água. A área ambiental não fi ca de fora desse contexto e é por isso que o grupo de pesquisa está centrado no desenvolvimento e não na água, pois esta é considerada elemento integrador, capaz de unir pessoas e setores públicos e privados.

“Juntos decidimos ações para um mundo melhor, e a água é um elemento muito bom para isso. O nosso diferencial é como fazer isso junto com diver-sos representantes da sociedade para que se alterne o fazer ‘para eles’ pelo fazer ‘com eles’. O processo é participativo e inclusivo de tal forma que, quando terminado, o resultado pertence a todos. Assim, se é nosso, todos nós vamos cuidar dele, porque cons-truímos juntos”, frisa Edmilson Teixeira.

está algo que ele conhece. Coloco essa informação no modelo. Temos, então, sistemas que já contemplam a dimensão social. O que estamos desenvolvendo é uma engenharia social”, afi rma Teixeira.

Nesses 10 anos de atuação do Laboratório, foi desenvolvida uma metodologia de planejamento participativo de recursos hídricos da bacia do Cór-rego Sossego. Inicialmente, o grupo de pesquisa, juntamente com a comunidade local, fez um diag-nóstico socioeconômico, ambiental e político-ambiental, a avaliação da água e a identifi cação de confl itos causados pela água. Na segunda etapa, a pesquisa focou no uso dos recursos hídricos na agricultura irrigada, no incentivo ao empreende-dorismo e ao cooperativismo e na importância da cobertura vegetal. Atualmente, a pesquisa está ter-minando a terceira etapa, que é o fortalecimento da mobilização da comunidade e das parcerias entre diversos segmentos da sociedade.

O diferencial dessa ação em relação a outros pro-jetos já existentes está na participação de diversos setores da sociedade em todas as fases do desenvol-vimento do planejamento, o que, segundo o profes-sor Edmilson, é raro de acontecer. Ele explica que os pesquisadores do Laboratório reforçam ações como a modelagem – utilização de modelos de simulação do impacto do uso, da ocupação e do manejo do solo sobre os recursos hídricos – participativa. “São mui-tas as ferramentas que permitem dizer, por exemplo, quando chover em uma área ocupada por fl oresta ou em uma área degradada, em função do tipo de manejo que se adota, quais serão as consequências que a chuva trará para os rios e reservatórios desse lugar, assim como para os aspectos socioeconômicos. Por-tanto, essas ferramentas contribuem para dizer se as práticas locais tornam a água elemento limitante ou indutor de desenvolvimento”, esclarece.

Professor Edmilson Teixeira, coordenador do LabGest

Foto: Jorge Medina

Laboratório vivo

No Estado, o LabGest tem como parceiros ór-gãos gestores de recursos hídricos e ambientais, tais como a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a Agên-cia Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), os comi-tês de bacias hidrográfi cas, a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), o Instituto de Defesa Agropecuária e Flores-tal do Espírito Santo (Idaf), o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (In-caper), a Companhia Espírito-Santense de Sanea-mento (Cesan), municípios (Itarana, Itaguaçu, entre outros) e associações de produtores rurais.

Da interação entre os pesquisadores da Ufes, os parceiros e a comunidade local é que o projeto de-senvolvido no Córrego Sossego é chamado de La-boratório Vivo. Isso porque no local não se aplicam somente as técnicas ou tecnologias. É uma pesquisa que envolve ações in situ, onde há integração entre o social, ambiental, político e tecnológico.

“Nós, enquanto grupo, trabalhamos pesquisas. Mas quais pesquisas? Não é só pesquisa para publicar ar-tigos em revista científi ca, pois afi nal fazemos parte do programa de pós-graduação em Engenharia Am-biental. Nossa pesquisa é do tipo ação participativa, ou seja, ao mesmo tempo pesquisamos, damos res-postas, consideramos o saber especializado/formal e o local/tácito. É esse diálogo, essa interação que é o LabGest”, conclui o professor Edmilson Teixeira.

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12 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

P E S Q U I S A

Em Guarapari, pesquisadores estudam as

Os gases radioativos das areias monazíticas possuem ou não efeitos terapêuticos e medicinais? Essa é a questão que o professor Marcos Tadeu Orlando procura responder

areias monazíticas

Jorge Medina

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13UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Abeleza natural das praias de Guarapari atrai, todos os anos, milhares de turis-tas brasileiros e estrangeiros. Porém foi a Praia da Areia Preta a primeira a atrair

os olhares para o balneário, localizado no lito-ral sul do Espírito Santo. Ela tem esse nome por causa da monazita, e sua fama se deve à popula-ridade das propriedades medicinais da areia. Mas afi nal, quais são os efeitos das areias monazíticas na saúde das pessoas?

É com o objetivo de conhecer melhor e compro-var a efi ciência terapêutica da radioatividade pro-duzida pelas areias monazíticas que o professor do Departamento de Física Marcos Tadeu Orlando ana-lisa, no Laboratório de Tribologia, Corrosão e Mate-riais (Tricorrmat), do Centro Tecnológico, os efeitos biopositivos que essa radiação causa no ser humano.

Os resultados dos estudos poderão aferir cien-tifi camente se as areias monazíticas são efi cientes como terapia alternativa para algumas doenças.

“Guarapari poderá se tornar uma estância radio-climática, ou seja, uma clínica natural ao ar livre, em plena praia, projetando a cidade nacional e internacionalmente como a Cidade Saúde, além de atrair pesquisadores”, ressalta o professor, que em 2014 publicou um artigo demonstrando que em Guarapari há menos casos de câncer de mama do que em outras cidades com as mesmas carac-terísticas populacionais.

Foto: Humberto Capai | Usina de Imagem

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14 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

No Tricorrmat, do Centro Tecnológico da Ufes, professor Marcos Tadeu orienta os estudantes

A pesquisa será realizada por quatro anos no Tri-corrmat, localizado no campus de Goiabeiras (Vitó-ria), e em uma base científi ca instalada em Guarapari.

Para coordenar as investigações na base cientí-fi ca foi convidado o geólogo e doutor em Geologia Médica e vice-presidente da Organização Mundial de Termalismo, Fábio Tadeu Lazzerini. O pesquisa-dor vai coletar os dados em campo, observando a velocidade do vento, o índice de radiação no ar, o movimento das marés e a estrutura microrgânica das areias (dureza, composição e propriedades físi-cas). Os equipamentos para a realização da pesquisa foram adquiridos por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), que disponibilizou R$ 36 mil para as compras.

Outro objetivo dos pesquisadores é tornar a cidade de Guarapari um espaço de referência mundial no tra-tamento com areias monazíticas, uma vez que são poucos os países onde essa área monazítica é encon-trada. Entre eles estão a Índia, o Egito e a China.

O professor Marcos Tadeu destaca que a radio-atividade da areia de Guarapari tem como base o elemento tório e não o urânio. Ele lembra também que essa composição da areia foi formada pela pró-pria natureza. “Não temos, então, um acidente pro-vocado pela ação humana”, explica.

Câncer de mamaDurante cinco anos, de pesquisas e análises

dos dados ofi ciais do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre as cidades do Espírito Santo, o professor Mar-cos Tadeu e sua equipe comprovaram que Gua-rapari tem o menor número de casos de câncer maligno de mama per capita no Estado, em relação as outras cidades capixabas. Os resultados dessa pesquisa, realizada de 2008 a 2013, foram divulga-dos no artigo “Correlation between Breast Cancer and Radiation Level of Guarapari”, publicado nos anais do V Encontro Científi co de Física Aplicada, ocorrido na Ufes, em 2014.

P E S Q U I S A

Foto: Jorge Medina

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15UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

“Essa realidade reforça ainda mais a hipótese dos pesquisadores de que o nível de radiação encontrada na Praia da Areia Preta apresenta um alto nível de radiação benéfi co à população, em comparação a outras praias do Estado. Essas areias são favoráveis ao tratamento de várias doenças”, reforça Marcos Tadeu.

As areias pretas são classifi cadas como monazíti-cas, que signifi ca estar solitária, em alusão à raridade do mineral. A monazita é um mineral raro que produz gases que são encontrados entre os grãos da areia.

“É importante reforçar que na pesquisa sobre câncer de mama foram utilizados números reais, não

O Centro Tecnológico da Ufes possui os mais completos, sofi sticados e atualizados laboratórios do Estado. Atende cursos de graduação e pós-graduação do Centro e de outros cursos da Universidade. Mui-tos são equipados com aparelhos de última geração, servindo de base para pesquisa, ensino e extensão.

Entre esses espaços para pesquisa, está o Labora-tório de Tribologia, Corrosão e Materiais (Tricorrmat), que pertence ao Departamento de Engenharia Mecâ-nica e ao Programa de Pós-Graduação em Engenha-ria Mecânica (Ppgem). Suas atividades estão focadas na caracterização das microestruturas e sua relação com as propriedades mecânicas dos diversos tipos de materiais. Estuda também a ruína de materiais e de seus sistemas mecânicos, que estão sujeitos ao desgaste e ou à corrosão, além de análises de falhas de vários componentes mecânicos.

O Tricorrmat desenvolve, por exemplo, pes-quisas sobre o desgaste, a erosão, a lubrifi cação, o atrito e a dureza que ocorrem em tubulações, válvulas, ventiladores, ligas metálicas, plásticos, materiais odontológicos e bioplastia.

Os avanços tecnológicos também fazem parte das pesquisas de estudantes e professores do Tri-corrmart), buscando soluções efi cazes em diversos segmentos, tais como o petróleo, o gás, setores da aeronáutica, aeroespacial, automotivo, de transpor-tes e de dispositivos eletrônicos. Entre os projetos, destaca-se o Baja, que tem como proposta projetar,

fabricar e montar um carro monoposto que consiga ultrapassar qualquer tipo de obstáculo.

Fundado em 2008, ocupando uma área de 200 m2, no campus de Goiabeiras, o Tricorrmat tem par-ceria com empresas como Vale, Petrobras, Arce-lorMittal e Samarco e organizações de diversos segmentos, que desenvolvem pesquisas ou servi-ços tecnológicos.

estimativos, comparando as populações equivalentes que viviam na mesma região, com a mesma cultura e mesmos hábitos”, esclarece o pesquisador.

Serão quatro anos de muitas pesquisas em campo e no Tricorrmat para que a sociedade tenha a comprovação do efeito terapêutico da areia monazítica. Enquanto isso, alguns morado-res e turistas passam a areia preta em partes do corpo por acreditarem que ela seja benéfi ca para os casos de reumatismo articular e muscular, artri-tes, nevralgias, mialgias e enfermidades muscula-res, entre outras.

As pesquisas sobre as areias monazíticas são desenvolvidas no Laboratório de Tribologia,

Corrosão e Materiais (Tricorrmat)

Foto: Jorge Medina

Tricorrmat e os avanços tecnológicos

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16 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Ana Paula Vieira

P E S Q U I S A

O ENCONTRO ENTRE O RIO DOCE E O MAR

Pesquisas sobre o fundo do mar ajudam a entender fenômenos naturais

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17UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

O rompimento da barragem de Fundão da mineradora Samarco, em Mariana (MG), ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, causou um desastre ambien-

tal de grandes proporções que soterrou a região com uma onda de lama. A onda seguiu pelo Rio Doce e chegou ao Espírito Santo, atingindo as cida-des de Baixo Guandu, Colatina e Linhares. Apesar de determinações judiciais para que a empresa impedisse a chegada da lama ao mar, no dia 21 de novembro ela começou a manchar o litoral de Linhares, na vila de Regência, onde está localizada a desembocadura do rio.

A sensação de tristeza que tomou conta da população e o saudosismo de um rio que está seria-mente ameaçado, até mesmo de sumir do mapa - segundo alguns especialistas e ambientalistas -,

parecem cenas de uma tragédia anunciada. Isso porque a seca que atingiu o Rio Doce nos meses de julho e agosto de 2015, as notícias de que sua foz mudou de lugar e o fato de que sua profundi-dade caiu de cerca de 1,5m para 26 cm já preocu-pavam a população capixaba e emitiam um sinal de alerta sobre a ação antrópica naquele ecossistema.

Ironicamente, o nível do Rio Doce subiu, mas devido à grande quantidade de rejeitos de miné-rio cujos efeitos órgãos ambientais, especialistas e ambientalistas ainda não conhecem exatamente. O que já se sabe e causa bastante preocupação é o fato de que os dois fenômenos têm relação direta com o mar. O que se conhece popularmente como lama, para a equipe do Laboratório de Oceanogra-fi a Geológica (Labogeo), localizado na Base Ocea-nográfi ca da Ufes, no município de Aracruz, Norte

Foto: Leonardo Merçon/Últimos Refúgios

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18 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

do Espírito Santo, e ligado ao curso de Oceanogra-fi a da Universidade, é um tipo de sedimento que faz parte da composição do fundo do mar e é objeto de diversas pesquisas realizadas nesse Laboratório.

Desde 2010, a professora Valeria da Silva Qua-resma e o professor Alex C. Bastos coordenam um projeto de mapeamento da plataforma continental adjacente do Espírito Santo – que abrange o Norte do Estado e vai até o sul da Bahia, incluindo a região de Abrolhos. Valeria explica que, apesar de períodos de cheia e seca serem normais ao longo do tempo, a interferência humana nunca foi tão forte na natu-reza como nos últimos tempos, e isso infl uencia o comportamento do Rio Doce e, consequentemente, a geologia e a geomorfi a do fundo do oceano.

Nos 850 km de extensão da Bacia do Rio Doce, que nasce no leste de Minas Gerais e se estende pelo nordeste do Espírito Santo, a exploração está presente, para agricultura, pecuária, extração mine-ral ou construção urbana. “O Rio Doce passou a ser fornecedor de água para agricultura e para abaste-cimento urbano, como também receptor de deje-tos – industriais, urbanos, esgoto e mais”, ressalta Valeria Quaresma. Somando isso ao rompimento da barreira, a população de Colatina, por exemplo, teve de interromper a captação de água no rio, uma situação que já era iminente com a seca.

Entre as ações humanas que interferem no com-portamento do ecossistema está o desmatamento no entorno da Bacia. A professora explica que a teoria hidrológica normal consistiria na penetração da água da chuva no solo de forma que ele con-seguisse absorvê-la – pois a chuva seria “amorte-cida” pela vegetação –, e pela existência de uma capa protetora de folhas, galhos, etc. junto ao solo

–, dando tempo para que a água infi ltrasse e fosse absorvida pelo lençol freático. Porém, como o solo está sem a proteção da vegetação, a água da chuva cai direto no solo e corre para o rio, fazendo com que a infi ltração para o lençol freático diminua con-sideravelmente. “Então, aquela alimentação que o lençol freático proporcionaria ao rio no momento de seca, diminui. E como não há proteção do solo, toda essa areia e essa lama vão para dentro da calha do rio, fazendo com que ele fi que cada vez mais raso, provocando o que chamamos de assore-amento”, esclarece Valeria Quaresma. Essa situa-ção se agrava diante da queda da barreira em Minas Gerais. “Tem uma carga grande de material vindo nas águas e parte desse material fi cará retido na calha do rio, podendo, dessa forma, contribuir para o assoreamento”, ressalta.

Além de deixar o Rio Doce mais raso, a seca também fez com que ele não mais chegasse ao mar, segundo Valeria Quaresma, porque o rio não tem força para romper as ondas dessa forma. As ondas acabam por formar um banco de areia entre o rio e o oceano. “As ondas não diminuíram, e são elas que redistribuem a areia da plataforma e que aporta pelo rio na praia. O rio mantém a sua desembo-cadura aberta, porque geralmente tem força sufi -ciente para resistir a essa onda, construindo um canal para passar e desaguar no mar. Agora, o que aconteceu é que o nível de água baixou tanto que o rio não tem força para romper essa barreira, então ele fi ca como se fosse uma grande lagoa”, salienta. Por outro lado, a professora destaca que ainda não é possível dizer se esse quadro é única e exclusi-vamente resultante da interferência humana, pois existem outros fatores envolvidos.

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Foto: David Protti

Base Oceanográfi ca

A Base Oceanográfi ca da Ufes está localizada em Santa Cruz, município de Aracruz, no Norte do Espírito Santo. Com uma área construída de 3.900 m2, o espaço abriga a secretaria do curso, um auditório para 125 pessoas, duas salas de aula e os laboratórios de Geoquímica Am-biental, Oceanografi a Geológica, Nectologia, Ecologia Bêntica, Ictiologia, Zooplâncton, Ecotoxicologia e Cul-tivo de Organismos Marinhos.

Ao todo, 16 professores compõem o Departamento de Oceanografi a, que está ligado ao Centro de Ciências

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Entre os refl exos dessa dinâmica para o oceano, está o fato de que não chega o sedimento que teo-ricamente chegaria até o fundo marinho próximo à desembocadura. Sendo assim, as ondas e as corren-tes continuam fazendo com que esse sedimento seja ressuspendido e movimentado na plataforma.Mas, em função da situação do rio, essa dinâmica pode estar sendo alterada, trazendo outros refl exos, como a alteração do tipo de fundo da plataforma adjacente. Nesse caso, o volume de sedimentos junto à lama vinda da queda da barragem foi tão grande que dei-xou para trás o banco de areia e entrou para o mar.

A chegada dos rejeitos ao oceano preocupa, de acordo com Valeria Quaresma, porque sua compo-sição ainda é desconhecida. “Só poderemos fazer essa avaliação quando soubermos a concentra-ção de material que chegará à foz. Normalmente, uma grande quantidade de material já é jogada ali em momentos de cheia do rio, mas a grande preo-cupação é que a lama vinda de Mariana não é o material que normalmente chega à plataforma. O sedimento que está vindo agora é diferenciado, e não temos ainda como prever o que acontecerá”, analisa a professora.

Fundo do marTodas essas preocupações já eram objetos de

pesquisa no Labogeo, especializado no estudo da geologia e geomorfologia do fundo do oceano, mesmo antes da queda da barreira da mineradora Samarco. A pesquisadora explica ainda que o obje-tivo é identifi car o tipo de substrato, ou seja, o tipo de fundo que compõe a plataforma. O conhe-cimento básico do sedimento superfi cial de uma plataforma é extremamente importante em vários sentidos, entre eles para a instalação de estrutu-ras de engenharia, para a passagem de dutos, de cabos de fi bra óptica, para a pesca, a atividade biológica e para a realização de intervenções na linha costeira; portanto, é preciso conhecer o tipo

Humanas e Naturais (CCHN), e 16 na pós-graduação. O departamento também conta com espaços no cam-pus de Goiabeiras, em Vitória, e no Centro Universitá-rio Norte do Espírito Santo (Ceunes), em São Mateus. Além do curso de graduação em Oceanografi a, o Pro-grama de Pós-Graduação em Oceanografi a Ambiental oferece os cursos de mestrado e doutorado. O corpo discente é formado por 171 estudantes de gradua-ção e 33 de pós-graduação, nos níveis de mestrado e doutorado.

Foto: Leonardo Merçon/Últimos Refúgios

A onda de lama desceu o Rio Doce e chegou à foz em Regência (Linhares/ES), afetando o ecossistema fl uvial e marítimo

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de sedimento existente, como ele se movimenta e, agora, analisar o material que chegará a partir da queda da barragem.

Para Valeria Quaresma, esse também é um fator que ainda será analisado quando se souber do que é composta a lama que desce pelo Rio Doce, e essa catástrofe ambiental infl uencia diretamente os rumos das pesquisas desenvolvidas no Labo-geo. “Ficamos mais atentos ainda aos processos na plataforma. Aumentamos os nossos esforços para a produção de dados e análises que possam nortear as ações que deverão ser tomadas. Isso certamente provoca mudanças em direções de pesquisa e enseja o surgimento de novos proje-tos, principalmente aqueles ligados ao impacto causado”, ressalta.

Para realizar o mapeamento da plataforma, os pesquisadores usaram métodos geofísicos por meio de um sonar de varredura lateral. Conforme explica a professora, trata-se de um equipamento rebo-cado atrás de um barco e que vai margeando a pla-taforma, como se tirasse uma grande fotografi a do fundo do mar. “Com essa técnica, é possível ver o tipo de morfologia existente no local e o tipo de sedi-mento”, garante a pesquisadora. Mas a análise ainda vai além: para ver o que está abaixo do fundo do mar, utiliza-se o perfi lador de subfundo, que propor-ciona o mapeamento das camadas sedimentares em uma perspectiva temporal. Outro tipo de pesquisa realizada pelo Labogeo é a investigação da hidro-dinâmica local e como ela infl uencia no transporte de sedimento. Para isso, o Labogeo vem instalando equipamentos para medições de velocidade e dire-ção de correntes e ondas na plataforma. De acordo com Valeria, essas técnicas agilizam o mapeamento e o tornam um pouco mais barato. A Ufes dispõe de todos os equipamentos utilizados na pesquisa.

Segundo Valeria Quaresma, esse mapeamento é parte de um conhecimento básico, que está entre as exigências do Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente, conhecido como EIA-Rima, necessário para a ope-ração de algumas empresas. Porém, apesar de ser uma exigência comum, o mapeamento do fundo ainda não foi realizado em toda a plataforma continental do Espírito Santo. De acordo com a professora, o que existia era um conhecimento fragmentado. O mapeamento da região Sul do Espí-rito Santo, por exemplo, ainda está em fase inicial. “Estudamos o passado para entender o que vai acontecer no futuro. O sedimento, para mim, é um

livro: tem histórias maravilhosas sendo contadas ali e eu tento ler esse livro”, resume a pesquisadora.

O livro agora ganha um novo capítulo com o desastre ambiental em Mariana. Como as pesqui-sas já estavam em andamento, Valeria Quaresma ressalta que existem parâmetros consolidados no laboratório para se comparar com os impac-tos do rompimento da barragem. “Por coincidên-cia, no dia em que aconteceu o rompimento da barragem, tínhamos uma equipe fazendo amostra-gem na plataforma. Então, temos dados de bem antes do acontecimento e, agora, o planejamento é fazer mais amostragens assim que esse mate-rial começar a aportar na plataforma, para fazer-mos uma comparação entre o antes e o depois”, adianta a professora.

Desgaste ambientalPara além da parte geológica e geomorfoló-

gica, os organismos presentes no oceano também são afetados pela seca do Rio Doce e pelo desas-tre ocorrido em Mariana. Segundo o professor de Oceanografi a Biológica Luiz Fernando Loureiro, o episódio da seca no Rio Doce certamente impactou a região costeira, porque os nutrientes que seriam trazidos pelo rio também não chegaram. “Com isso,

Fotos: Divulgação

Com o sonar, é possível ver o tipo de morfologia e de sedimento

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A draga traz à tona os sedimentos do fundo do mar

a produção biológica nessa região diminui”, enfatiza Loureiro. Na opinião do professor Renato Rodrigues Neto, algumas consequências trazidas pelos rejeitos de mineração para a vida marinha também já são evidentes. “Num primeiro momento, a lama é um problema porque ela mata por asfi xia. As fotogra-fi as e vídeos que vimos até agora dos peixes indi-cam que eles, muito provavelmente, são mortos por falta de oxigênio”.

O professor Luiz Fernando Loureiro salienta que fenômenos como a seca que atingiu o Rio Doce são resultados do efeito cumulativo da ação antrópica. “A capacidade de suporte desse ecos-sistema é comprometida à medida que você vai aumentando a ação antrópica. Existe um padrão natural de comportamento, mas com a nossa ação diária, que inclui a poluição de rios, lagos, ocea-nos, há refl exos no que existe de vida na Terra e na nossa qualidade de vida também. Nós estamos desgastando nosso ambiente, e ele vai chegar a um ponto em que não vai ter mais condições”, alerta Luiz Fernando Loureiro, ainda antes da tragédia que ocorreu em Mariana, mostrando que a educa-ção ambiental e a conscientização são ferramen-tas poderosas na preservação dos ecossistemas.

Pesquisadores da Ufes e a lama

Em 30 de novembro, o reitor Reinaldo Centoducatte, o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Neyval Costa Reis Junior, e os professores Valeria Quaresma (Ocea-nografi a), Renato Ghisolfi (Oceanografi a), Aureo Banhos (Biologia), Maurício Abdala (Filosofi a), Renato Rodrigues Neto (Oceanografi a) realizaram uma visita técnica à foz do Rio Doce e Regência (foto). Os pesquisadores recolhe-ram água, lama e areia do mar e do Rio Doce que serão analisadas em laboratórios da Universidade.

A Ufes criou um grupo de trabalho formado por pes-quisadores da instituição para monitorar os impactos ambientais, econômicos e sociais no Espírito Santo pro-vocados pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Minas Gerais.

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Reserva de vagas nos cursos de graduação amplia a participação de todos os brasileiros na vida social, política e econômica do País

Pesquisa de doutorado mostra que estudantes oriundos de classes populares ingressaram nos cursos em que geralmente jovens de grupos sociais mais privilegiados eram os que tinham acesso

Foto: Divulgação

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Diminuir o grau de desigualdade social e econô-mica existente entre raças no ensino superior, além de reservar vagas nos cursos de graduação das ins-tituições federais para estudantes provenientes de escolas públicas, ampliando, assim, a participação de todos os brasileiros na vida social, política e econômica do País. Esse é o principal objetivo do sistema de cotas étnico-raciais e sociais estabe-lecido pelo Ministério da Educação, em agosto de 2012, para as universidades e institutos federais.

Uma análise envolvendo as cotas na Ufes foi realizada pela professora do curso de Bibliote-conomia Maria Cristina Figueiredo Aguiar Guasti, entre 2013 e 2014, em sua tese intitulada “Por trás dos muros da universidade: representações de estudantes sobre o sistema de reserva de vagas (cotas) e sobre estudantes cotistas da Ufes”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE).

Maria Cristina Figueiredo explica que o objeto da pesquisa foi escolhido por se tratar de um tema que emerge da sociedade brasileira como resul-tado de anos e anos de lutas de diferentes gru-pos e sujeitos sociais. Além disso, o tema passou a fazer parte do dia a dia das universidades e de seus estudantes, professores e funcionários, e continua sendo elemento de discussões nos mais diferen-tes círculos sociais.

A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2013 e no primeiro de 2014, nos campi de Goia-beiras e Maruípe, ambos localizados em Vitória, com estudantes dos cursos de Direito, Medicina, Odontologia, Letras, Pedagogia e Ciências Sociais. Foram realizadas entrevistas a cotistas e não cotis-tas de cursos classifi cados como sendo de maior e menor status social, considerando dados de pes-quisas anteriores.

Na tese, foi observado que, apesar da desi-gualdade existente na origem social e escolar dos estudantes cotistas, não há impacto negativo das políticas de ações afi rmativas sobre a qualidade do ensino da Universidade e que os ganhos em termos de igualdade e de diversidade obtidos pela apli-cação dessa medida só serão percebidos ao longo dos anos. A pesquisadora ressalta que a implanta-ção do sistema de reserva de vagas para estudan-tes de escolas públicas e não brancos não gerou impacto de forma negativa no desempenho aca-dêmico do conjunto da Instituição.

O sistema de cotas, segundo Maria Cristina Figueiredo, é capaz ainda de gerar mudanças sociais abrangentes, tanto para os sujeitos quanto para suas famílias e seus descendentes, pois a renda proveniente de sua profi ssão proporciona melhorias nas condições de vida dos indivíduos, criando, assim, uma nova convivência social e a elevação da autoestima de toda a família.

A pesquisadora destaca que, para as famí-lias, de um modo geral, ter algum integrante em um curso superior é orgulho para todos. É tam-bém um fator de realização pessoal, de um futuro profi ssional promissor e de ascensão social tanto por parte dos pais, quanto dos próprios estudan-tes. Com isso, “fi ca em evidência o valor de um título de graduação conferido por uma universi-dade federal”, reforça.

Mudança socialUm argumento apresentado para a implantação

do sistema de cotas é que os estudantes de esco-las públicas que concluem o ensino médio não têm como competir em condições de igualdade com os estudantes de colégios particulares e, por isso, aca-bam desistindo de ingressar em uma universidade.

Para a pesquisadora as cotas podem realmente trazer uma mudança social profunda no País e na vida dos estudantes na medida em que facilita o acesso ao ensino superior para estudantes da rede pública, indígenas e afrodescendentes. “Elas trarão infl uên-cia decisiva na formação das futuras elites do País, minimizando as restrições às oportunidades econô-micas, educacionais, sociais e políticas dos negros, índios e dos menos favorecidos economicamente, por exemplo, que são mantidos fora do sistema ou à margem e na periferia da ordem social competitiva. O preconceito e a discriminação racial precisam ser superados defi nitivamente no Brasil”, acrescenta.

No que diz respeito ao processo de demo-cratização do acesso à Universidade, a pesquisa, mostrou, a partir de dados contidos em relatórios Comissão Coordenadora do Vestibular (CCV/Ufes), que mais estudantes oriundos de classes populares ingressaram na Ufes, inclusive nos cursos em que geralmente havia alunos de grupos sociais mais privilegiados, como os de Medicina e Direito. Além disso, uma quantidade maior de afrodescendentes ingressou na Ufes, aproximando-se da composição étnico-racial da população do Estado.

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Foto: David Protti

Racismo e exclusãoUma preocupação da Ufes é com a permanên-

cia desses estudantes nos cursos. As graduações de Odontologia e Medicina, por exemplo, têm aulas em período integral, o que inviabiliza a possibi-lidade de estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Então, como arcar com os custos da aquisição de livros e de instrumental específi cos?

Para minimizar essa situação, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) aprovou, em 2007, o programa de permanência na Universidade para alunos em difi culdades socioeconômicas, sejam eles cotistas, sejam não cotistas. Os benefícios são destinados somente aos estudantes cadastrados no programa de assistência estudantil da Instituição. Entre eles estão os auxílios para custeio de mora-dia, transporte, e alimentação e para a aquisição de material de consumo.

A pesquisa de Maria Cristina Figueiredo observou que há uma séria defasagem no valor da ajuda para compra de materiais didáticos, especialmente em

Odontologia, em que os estudantes precisam com-prar todo o instrumental já nos primeiros períodos do curso, material esse considerado por todos muito caro.

Além da questão fi nanceira como um fato que pode afastar o estudante da sala de aula, tem-se ainda a questão social nos campi. A pesquisa constatou divergência na forma como o estudante cotista é visto pelos estudantes não cotistas.

Nas entrevistas feitas pela pesquisadora com os estudantes não cotistas, observou-se que os cotis-tas são representados como aqueles que não têm um poder e um saber fazer, isto é, “não têm capa-cidade para estar na universidade” quer seja pelo rendimento, quer seja pela difi culdade fi nanceira.

“Certamente essa fala não pode ser generali-zada, inclusive porque, no decorrer do curso, alguns deles mudam de opinião à medida que convivem com os estudantes cotistas. Isso é uma demons-tração da capacidade avaliativa, que garante a eles a condição de identifi car, tanto as desigualdades na origem da escola pública e na origem social, quanto no esforço muito maior que os colegas cotistas tiveram que fazer, a vida toda, para ocu-par esse espaço na universidade e realizar o curso”, ressalta Maria Cristina Figueiredo.

Na tese, foi analisado também que, nos discur-sos dos estudantes, a defesa das cotas raciais foi rea-lizada pontualmente e foi feita por estudantes mais politizados. No caso dessa pesquisa, as declarações favoráveis às cotas raciais partiram quase todas de estudantes brancos.

Entre os entrevistados na pesquisa, há estu-dantes negros que se declaram contra as cotas raciais. A justifi cativa é de que as cotas sociais já alcançam as pessoas negras – que em sua maio-ria, no Brasil, são de classes sociais mais baixas.

Para outros, não é o tom da pele que deve defi nir quem entra ou não na universidade. Além disso, há os que revelaram o desejo de não serem reconhecidos como cotistas em função da cor de sua pele. Na opinião da pesquisadora, essas opi-niões manifestam a existência de um regime de racismo e exclusão, que faz com que os estudan-tes negros queiram evitar esse tipo de exposição e

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A Ufes possui um programa de permanência na instituição para estudantes em difi culdades socioeconômicas, cotistas ou não

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comparação, a que estão sujeitos no seu dia a dia. Nas representações sobre ser estudante

cotista, a pesquisadora percebeu nas entrevistas que ainda não há uma consciência sobre a ques-tão do direito. “As cotas são vistas como privilégio e oportunidade, num sentido positivo pelos cotis-tas, ou como roubo, pelos estudantes contrários ao sistema de reserva de vagas”, enfatiza.

Facetas e desafi os Em relação ao sistema de cotas nas institui-

ções de ensino superior, Maria Cristina Figueiredo

A legislação A Lei nº 12.711, de agosto de 2012, orienta as

universidades, institutos e centros federais de ensino, vinculados ao Ministério da Educação, a reservarem, em cada processo seletivo para o ingresso de gradu-ação por curso e turno, no mínimo 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, para os que par-ticiparam do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou tenham obtido certifi cado de conclusão do ensino médio pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), oriundos de famílias com renda igual ou infe-rior a 1,5 salário mínimo per capita.

Desses 50%, metade, ou seja, 25% do total da oferta, será distribuída a partir do critério racial. Segundo a lei, essa reserva deverá ser preenchida por pretos, pardos e indígenas, em proporção à composição da unidade da federação onde estão localizadas as instituições fede-rais do ensino superior, e de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE).

Em 2012, o Conselho de Ensino Pesquisa e Exten-são da Ufes estabeleceu que, em cada processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação da Universidade, no mínimo, 50% de suas vagas sejam reservadas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, inclusive em cursos de edu-cação profi ssional técnica; respeitando as seguintes con-dições: 50% das vagas serão reservadas aos estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. Desses 50%, metade, ou seja, 25% do total da oferta serão distribuídas a partir do critério racial.

observa que existem várias facetas que ainda não foram observadas. “Quantos olhares pos-síveis ainda poderão ser lançados sobre esse processo, sem que o tenhamos decifrado por completo”, questiona.

“Entre as representações que tangenciaram essas questões, ficam ressaltadas aquelas que demonstram a inconformidade com o que con-sideram falhas no sistema de reserva de vagas; tanto do ponto de vista de uma falsa igualdade entre os estudantes oriundos de escolas públicas diferentes, como as estaduais e as federais, por exemplo, quanto à possibilidade de haver meios de burlar as normas e à falta de fi scalização em relação aos que optam pelas cotas sociais”, com-pleta a pesquisadora.

Maria Cristina sugere que a Ufes realize mais pesquisas sobre o sistema de cotas, principalmente sobre a entrada dos cotistas da Instituição no mer-cado de trabalho, fazendo uma análise compara-tiva entre cotistas e não cotistas, para entender melhor sobre as possibilidades pós-formatura des-ses estudantes.

No que diz respeito às críticas ao sistema de reserva de vagas no modelo que está em vigor, a pesquisadora considera que há muito o que se dis-cutir sobre quem de fato está sendo incluído. “Por todas essas razões, podemos afi rmar que a implan-tação das cotas na Ufes trouxe diversos desafi os a serem superados. Há ainda muito a ser feito em ter-mos de políticas de permanência dos alunos cotis-tas, por sinal muito comuns entre as universidades públicas que implantaram reserva de vagas em seus vestibulares,” aponta a pesquisadora.

Pesquisadora Maria Cristina Figueiredo

Foto: Ana Carolina Sabino

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Fotos: Rafaela Laiola

Estudantes de graduação participam de diferentes projetos de iniciação científi ca no Ceunes

FAZENDA EXPERIMENTALavança em pesquisas agrárias

Mecanização, defensivos agrícolas, fi topatologia, desenvolvimento rural, processamento vegetal, hidráulica e fruticultura são algumas áreas com

laboratórios e projetos de pesquisa, extensão e ensino

Luiz VitalFotos: David Protti

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A Fazenda Experimental do Centro Univer-sitário Norte do Espírito Santo (Ceunes) da Ufes, em cinco anos de funciona-mento, tornou-se referência regional e

nacional em pesquisas nas áreas de agronomia, ciências biológicas, processamento vegetal, hidráu-lica e manejo agrícola, entre outras. Localizada no campus da Universidade na cidade de São Mateus, Norte do Estado, a cerca de 200 quilômetros de Vitória, a fazenda possui 196 hectares de área total, sendo 40 hectares de mata nativa. A unidade – base física para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e de atividades de ensino e extensão – foi cedida à Ufes em 2008, por meio de decreto, pelo governo do Estado, após a desapropriação da área, e entrou em funcionamento em 2011.

Atualmente, a fazenda possui os laboratórios de mecanização e defensivos agrícolas, de fi topa-tologia, de projetos, de desenvolvimento rural, de processamento vegetal e de hidráulica. De acordo com o diretor da unidade, professor Edney Lean-dro da Vitória, do Departamento de Ciências Agrá-rias e Biológicas, as prioridades são as pesquisas desenvolvidas nas áreas de experimentação, envol-vendo diferentes cursos de graduação e de pós--graduação, e também as atividades de ensino nas áreas de demonstração. Segundo ele, as ações de extensão também estão sendo ampliadas. A par-tir de parcerias com a Prefeitura de São Mateus, a fazenda objetiva instalar um viveiro para a produ-ção de mudas de qualidade de café e pimenta-do--reino, e oferecê-las, a baixo custo, para pequenos e médios produtores rurais da região.

A fazenda, de acordo com Edney Leandro, tem investido especialmente na qualifi cação dos pro-fessores da rede municipal de ensino da região. Isso porque a agricultura familiar compõe o currículo das escolas e, assim, o treinamento – cuidados nas hor-tas, controle de doenças – representa ganhos para a comunidade. Um convênio com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifes) do municí-pio de Montanha, no extremo norte capixaba, per-mitiu a capacitação em mecanização agrícola para estudantes do curso técnico em Agropecuária. A fazenda também mantém parcerias com as comu-nidades quilombolas instaladas no seu entorno.

O professor Edney Leandro observa que a Fazenda Experimental já se torna referência

regional e nacional, abrangendo o sul da Bahia e leste de Minas Gerais. Ele diz que já existe uma consistente atuação de pesquisadores dos cur-sos de pós-graduação e de iniciação científi ca do Ceunes, com cerca de 20 projetos de mestrado em andamento em todos os cursos. Edney ressalta que estão sendo desenvolvidas obras para a expansão da rede elétrica, inclusive para ampliar a capaci-dade de retenção de água e melhorar a irrigação, que já conta com um pivô central, poço e sistema de bombeamento. Entre as obras projetadas, estão um abrigo para máquinas agrícolas, um terreiro para secagem de café e dois prédios para a pro-dução vegetal.

Referência nacional em análise nematológicaAtualmente, o Ministério da Agricultura conta

com três laboratórios no País cadastrados no Regis-tro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem), e que possuem o credenciamento para emissão de laudos ofi ciais sobre a presença de nematoides em mudas de café. Os nematoides são vermes que se alimen-tam das raízes da planta, injetando toxinas que as destroem. Um dos credenciados é o Laboratório de Análises Fitossanitárias (LAF) do Ceunes/Ufes, insta-lado na fazenda e coordenado pelo professor Mar-celo Barreto da Silva, do Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas. A importância da pesquisa com

Pesquisas em laboratórios estão integradas aos estudos de campo

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nematoides, realizadas na fazenda, também se dá porque a Região Norte do Estado é uma das maio-res produtoras de café e pimenta-do-reino do Brasil.

O LAF iniciou as suas atividades em 2013 e, no ano seguinte, foi credenciado pelo governo federal, como forma de assegurar que o café seja produzido e comercializado sem contaminações. De acordo com Marcelo Barreto, mais de mil aná-lises já foram realizadas pelo laboratório, aten-dendo a produtores de todo o Espírito Santo e de Minas Gerais. “Além da análise de mudas produ-zidas em viveiros credenciados, também fazemos avaliações em lavouras de café, pimenta-do-reino e mamão”, assinala o coordenador. O LAF também oferece suporte para aulas práticas de Fitopato-logia e para pesquisas do mestrado em Agricul-tura Tropical, além de possibilitar estágios para estudantes do curso de Agronomia.

A origem do laboratório está no projeto Agro+, coordenado por Marcelo Barreto, que realizou pes-quisa com mais de 300 produtores rurais de seis municípios do norte capixaba, avaliados para a ado-ção de 51 boas práticas agrícolas de sustentabilidade. “Os dados mostraram que menos de 20% dos agricul-tores faziam análise de solo e de mudas para verifi car a presença dos nematoides”, ressalta o pesquisador. “Isso implicava em graves riscos de se comprometer o futuro das lavouras, porque esse patógeno destrói as raízes das plantas e favorece a ocorrência de outras doenças”, completa. A partir das constatações desse projeto, a criação do laboratório foi viabilizada para oferecer suporte ao produtor.

Técnicas de cultivo, estufas e casas de vegetação

A Fazenda Experimental do Ceunes/Ufes mantém seis casas de vegetação onde são desenvolvidas diferentes linhas de pesquisas, segundo o gerente da unidade, Fabrycio Cri-zostomo Kock. Uma delas é o estudo sobre a produção de uva sem caroço, ainda em fase de primeiros experimentos, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu-ária (Embrapa). Também estão sendo ins-taladas estufas hidropônicas. Trata-se de estudos sobre as técnicas de cultivo de hor-taliças, frutos e fl ores.

Atualmente, de acordo com o gerente, a

fazenda trabalha em pesquisas com culturas perenes, que são aquelas que permanecem plantadas na área por vários ciclos produti-vos, como café, banana e pimenta-do-reino, e culturas anuais, que apresentam ciclo pro-dutivo menor, com necessidade renovação do plantio após a colheita, como de milho, feijão, soja, arroz, mandioca, algodão e girassol. A fazenda também mantém unidades demons-trativas, destinadas a atender às disciplinas em cada semestre letivo, além de unidades experimentais, onde são desenvolvidas as pesquisas de campo.

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Cuidados fi tossanitários“Os nematoides são vermes de solo que atacam

as plantas, causando deformações nas raízes, pro-duzindo galhas, que é o engrossamento das raízes”, explica o engenheiro agrônomo Gleison Oliosi, téc-nico em agropecuária da fazenda e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Agricultura Tropical do Ceunes. “Essas deformações prejudicam a absor-ção de nutrientes pelas plantas, comprometendo a vida útil da lavoura”, acrescenta.

Segundo Marcelo Barreto, “além dos danos causa-dos diretamente pelos nematoides, a interação deles com o fungo causador da fusariose pode acelerar a morte das plantas. O dano em algumas lavouras pode chegar a 80% e atingir dimensões em que o agricultor perde todas as possibilidades de controle econômico”.

As mudas são pesquisadas em viveiros e também nas unidades experimentais, onde ocorrem as aulas práticas

Novas técnicas para o desenvolvimento da fruticultura são estudadas na fazenda

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O pesquisador alerta para a necessidade de rígidos cuidados fi tossanitários das lavouras, em médio e longo prazo, de modo a manter o solo isento dos nematoides. Segundo ele, para o pleno e saudável desenvolvimento das mudas de café, fruteiras e plantas condimentares, é necessária a realização de coletas anuais do solo para se iden-tifi car se há a presença do agente biológico que causa a doença. Medidas de manejo são recomen-dadas quando detectada a infestação da lavoura, como redução do trânsito de máquinas e equipa-mentos, adição de matéria orgânica e equilíbrio nutricional do solo, plantio de espécies antago-nistas e controle de plantas daninhas hospedeiras. “O manejo dessa doença é de alta complexidade, o que torna o monitoramento do engenheiro agrô-nomo fundamental. Ele pode optar ou não pela utilização de produtos químicos convencionais e controle biológico”, ressalta.

“De fato, o controle é difícil, pois o próprio homem pode disseminar o nematoide involun-tariamente na área, por meio do uso de imple-mentos agrícolas, pela irrigação, pela aquisição de mudas contaminadas, entre outros fatores”,

acrescenta Gleison Oliosi. Segundo ele, como forma de reduzir os níveis de infestação, o pro-dutor também pode utilizar algumas legumino-sas como a Crotalaria Spectabilis, que além de atuar como planta antagonista ao nematoide, também contribui na fi xação biológica de nitro-gênio ao solo (adubação verde). Oliosi salienta que, no caso do café, existe uma legislação espe-cífi ca que exige a análise das mudas em laborató-rios credenciados pelo Ministério da Agricultura, para posterior comercialização das mudas livres de nematoides.

O engenheiro agrônomo Helder Ivo Pandolfi , mestre em Agricultura Tropical e técnico respon-sável pelo laboratório, destaca que a presença de nematoides no café produzido no Brasil foi iden-tifi cada por pesquisadores europeus no fi nal do século XIX. Para a agricultura capixaba o controle é fundamental, de acordo com o pesquisador, na medida em que o Espírito Santo é um dos maiores produtores de café do país. Pandolfi salienta que os cuidados devem se estender para outras cul-turas como a goiaba e a pimenta-do-reino, muito produzidas na Região Norte do Estado.

O Laboratório de Análises Fitossanitárias é um dos três do País credenciados pelo Ministério da Agricultura para a emissão de laudos sobre nematoides

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A produção do tomate é uma das linhas de pes-quisas avançadas desenvolvidas na Fazenda Experi-mental. A atenção dos pesquisadores é para o tipo de cobertura do solo e sua relação com a produtividade e qualidade do fruto. Cinco tipos de cobertura são ana-lisados: o solo nu, matéria orgânica (palha seca), ráfi a (lona), TNT e lona preta. As avaliações químicas e físi-cas são realizadas na pós-colheita, com classifi cação de acordo com portaria de 2002, que propõe o Regu-lamento Técnico de Identidade e Qualidade para clas-sifi cação do tomate. Outras pesquisas desenvolvidas estão relacionadas à mandioca, ao abacaxi e à banana.

As pesquisas com o tomate começaram na fazenda com o professor Robson Bonomo, do Depar-tamento de Ciências Agrárias e Biológicas, a partir do estudo de novas técnicas de irrigação.

A pesquisa sobre avaliação da produtividade e qualidade de tomate rasteiro, para consumo in natura, relacionado à cobertura de solo e turno de rega, resul-tou na produção de uma tonelada de tomate já na primeira experiência, sendo que a maior parte foi for-necida para o Restaurante Universitário do Ceunes.

Vale observar que a Região Norte do Estado não possui tradição na produção de tomate, que exige clima mais ameno.

Os primeiros resultados da pesquisa, entre-tanto, revelam que é possível desenvolvê-la com

elevados níveis de produtividade e qualidade. O projeto desenvolve a produção do tomate sem o uso de tutor, que mantém a planta ereta, e com menor demanda de mão de obra, segundo explica Alex Campanharo, estudante de Agronomia e téc-nico em Agropecuária da fazenda, e que integra o projeto de iniciação científi ca. A pesquisa busca identifi car o cultivo mais adaptado para a região, bem como os tratamentos com diferentes cober-turas de solo e que melhoram a qualidade do fruto para o consumo in natura.

O tomate estudado é do tipo italiano, com menos acidez e indicado para polpas, extratos e molhos. A classifi cação e qualidade do tomate são regula-mentadas por meio de portaria do Ministério da Agricultura. O tomate, de acordo com Campanharo, é o segundo produto hortícula mais consumido no país – perde somente para a batata inglesa – sendo o Brasil o quinto maior produtor mundial. Na pes-quisa, são avaliadas as técnicas mais adequadas para o manejo, adensamento – maior número de plan-tas por área –, diferentes coberturas do solo, com redução da incidência de plantas daninhas, menor contato do fruto com o solo e a manutenção da umi-dade do solo. “O objetivo é encontrar alternativas sustentáveis para o produtor por meio de soluções simples”, explica Alex Campanharo.

Mais produtividade e qualidade para o tomate

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FruticulturaAs pesquisas sobre frutíferas são desenvolvidas

pelo professor Moises Zucoloto, do Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas. Ele também desen-volve, em parceria com a Empresa Brasileira de Pes-quisas Agropecuárias (Embrapa), estudos sobre sete cultivares de bananeiras resistentes às principais doenças. A avaliação é feita por meio de uma unidade demonstrativa, localizada na Fazenda Experimental, e tem como objetivo garantir a segurança alimentar e a diversifi cação da fruticultura no Espírito Santo.

Além disso, Zucoloto desenvolve, juntamente com os professores Robson Bonomo e Fábio Oséias dos Reis Silva, um projeto fi nanciado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes), que ava-lia a produção e qualidade pós-colheita de bananeira fertirrigada, com diferentes parcelamentos de nitrogê-nio e potássio. Há, também, o projeto fi nanciado pela Ufes que trata do estudo sobre a fotossíntese e desen-volvimento de bananeira prata-anã, submetida ao fen-dilhamento do limbo foliar e défi cit hídrico. O projeto é coordenado por Robson Bonomo e pelo fi siologista vegetal Antelmo Ralph Falqueto.

Na área de friticultura – atividade recente na agri-cultura capixaba –, um dos projetos em andamento na fazenda leva o título de “Produção e qualidade pós--colheita do abacaxizeiro fertirrigado, com diferentes parcelamentos de nitrogênio e potássio”, coordenado pelos pesquisadores Robson Bonomo e Moises Zuco-loto. O Brasil é o terceiro maior produtor de abacaxi, e o Espírito Santo tem a sua produção concentrada

no Sul do Estado. A pesquisa objetiva avaliar o efeito do parcelamento da adubação em cobertura de nitro-gênio e potássio, por meio de fertirrigação na produ-ção e qualidade dos frutos do abacaxizeiro. O projeto estuda técnicas de adubação e irrigação a fi m de se obter o melhor resultado.

Também está inserida nas atividades acadêmi-cas da fazenda a Empresa Junior do curso de Agro-nomia, (Projagro), presidida por Alex Campanharo. Com atuação no Ceunes desde 2012, a Empresa Júnior conta com 22 integrantes. Os estudantes, com suporte de professores, prestam assistência técnica aos produtores da região. A capacitação se dá por meio de visitas técnicas, palestras e rea-lização de eventos, como os simpósios do produ-tor de café conilon e de fruticultura.

Nas estufas e casas de vegetação são desenvolvidas diferentes linhas de pesquisa

Pesquisadores dos cursos de graduação e de programas de pós-graduação atuam na fazenda

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Fazenda é estratégica para ensino, pesquisa e extensão

“A Fazenda Experimental é estratégica para o Ceu-nes, e o seu grande desafi o é atuar com planejamento em diferentes áreas do ensino, da pesquisa e da exten-são”, sustenta o professor Roney Pignaton da Silva, dire-tor do Ceunes. Para ele, a meta é que a fazenda crie ambientes sustentáveis envolvendo professores, técni-cos e estudantes de graduação e de pós-graduação. Pig-naton diz que, juntamente com a direção e a gerência da fazenda, vem buscando parcerias, com a Prefeitura de São Mateus, sobretudo para projetos de extensão, com o governo do Estado, cooperativas agrícolas e com órgãos de pesquisa, como a Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).

O diretor salienta que a fazenda busca identifi car o perfi l e as demandas locais. “Quando trabalhamos com o café, a pimenta-do-reino e a fruticultura, estamos nos aproximando da comunidade rural local”, argumenta. A vice-diretora do Ceunes, a professora Diógina Barata, diz que foi criado um grupo gestor na fazenda, com proposta de desenvolver projetos multidisciplinares. “Queremos

Professor Roney Pignaton, diretor do Ceunes, quer ampliar parcerias

Pesquisador Moises Zucoloto coordena projeto para cultivo de bananeiras resistentes às doenças

agregar áreas novas, como Educação do Campo, por exemplo”, diz. O diretor, por sua vez, acredita ser fun-damental que a fazenda seja produtiva, de modo que alcance sustentabilidade e viabilidade econômica.

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P E S Q U I S A

Foto: Divulgação / Empresa Brasileira de Comunicação

No combate à

DENGUENúcleo de Doenças Infecciosas da Ufes participa da pesquisa da vacina contra a doença. Os testes começaram em 2010 e a equipe do Núcleo continuará a

acompanhar os voluntários até 2018

Camila Fregona

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Nos últimos dez anos, mais de seis milhões de casos de dengue foram registrados em todo o Brasil. Os dados do Ministério da Saúde também apontam que, somente

em 2014, 589.107 pessoas foram acometidas pela doença.

Se nos casos clássicos o vírus provoca febre, dor, mal-estar e manchas pelo corpo durante um perí-odo de 15 dias, os casos mais graves podem levar à morte. De 2005 a 2014, 4.017 brasileiros morre-ram devido a complicações da doença, segundo relatório do Ministério da Saúde.

Uma vacina contra o vírus da dengue, contudo, pode reduzir essas estatísticas nos próximos anos. Desenvolvida pelo laboratório multinacional fran-cês Sanofi Pasteur, a vacina contra a dengue Den-gvaxia foi testada em várias regiões onde a doença é endêmica, em países da Ásia e América do Sul. No Brasil, a vacina foi testada em cinco capitais brasi-leiras, entre elas Vitória.

No Espírito Santo, os testes foram aplicados pelo Núcleo de Doenças Infecciosas (NDI) da Ufes, sob a coordenação do professor Reynaldo Dietze. De acordo com o infectologista, que também é o coordenador da pesquisa no Brasil, os dados cole-tados no País serão analisados em conjunto com as pesquisas realizadas em outros países onde a dengue também é uma epidemia.

O estudoOs testes com a vacina para a dengue tiveram

início no Espírito Santo no ano de 2010, quando foi realizado um estudo de segurança. Nele 150 pessoas, moradoras de Vitória, participaram do processo. Dois terços dos voluntários tomaram a vacina-teste, enquanto 1/3 recebeu placebo – uma substância que não tem efeito no corpo.

O objetivo foi verifi car as possíveis reações do medicamento nos pacientes. “Na época já havia-alguns estudos realizados em outros países, como Indonésia e Tailândia. Mas nós queríamos saber como seria essa aplicação no Brasil, pois poderia haver alguma variação genética que alterasse o resultado dos estudos, que por lá foi muito bom. Por regra, a pesquisa precisa ser aplicada e ava-liada no local onde você pretende expandir o seu estudo”, esclarece Dietze.

Após o resultado positivo para a segurança da vacina, teve início uma nova etapa da pesquisa, quando foi avaliada a dosagem ideal para a imuni-zação. De acordo com o pesquisador, os voluntários

foram divididos em grupos, que receberam a vacina em diferentes intervalos de tempo. “A cada etapa, era mensurado o nível de anticorpos que os indi-víduos produziam, de acordo com critérios aceitos internacionalmente para garantir a imunidade e a efi cácia da vacina. Após alguns testes, chegamos à conclusão de que o melhor para essa vacina seria ter três doses, com intervalos de tempo de seis meses emtre elas. Ou seja, ela seria aplicada no dia zero e, depois disso, em seis meses e em um ano”, destaca.

Em 2011, teve início a terceira fase do processo, com a pesquisa de efi cácia da vacina. Na época, foi selecionado um grupo de 800 voluntários, com faixa etária de 9 a 16 anos. De acordo com o pes-quisador, essa é a faixa etária com maior chance de complicações em caso de dengue. Os voluntários foram selecionados em bairros de grande incidên-cia da doença, para que o estudo pudesse mostrar os índices comparativos entre os que tomaram a vacina e os que ingeriram o placebo.

A seleção dos voluntários foi feita com o apoio de prefeituras da Grande Vitória, como explica o

NDIO Núcleo de Doenças Infecciosas (NDI) foi criado

em 1990 e está subordinado ao Departamento de Medicina Social do Centro de Ciências da Saúde (CCS). Com equipamentos de ponta e uma equipe formada por mais de 40 profi ssionais (entre médi-cos, enfermeiras, pesquisadores, professores, estu-dantes e pessoal de suporte técnico), o NDI trabalha com pesquisas em diversas áreas, com destaque para a dengue, a leishmaniose, a Aids e a tuberculose.

Parcerias fi rmadas com diversas instituições de ensino e pesquisa, dentro e fora do Brasil, têm via-bilizado as linhas de pesquisa desenvolvidas pelo Núcleo e a montagem de laboratórios. Além de cap-tar recursos junto ao Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científi co e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e ao Ministério da Saúde, o Núcleo recebe recursos do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e de convênios com universidades dos EUA, como Duke e Boston.

O Núcleo possui ainda um Programa de Pós-Gradua-ção em Doenças Infecciosas, classifi cado como Nível 5.

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P E S Q U I S A

pesquisador: “Agentes comunitários de saúde dos municípios de Vitória, Vila Velha e Serra informa-vam que havia o estudo e perguntavam se a família queria voluntariamente participar. Se eles concor-dassem, marcávamos uma entrevista, explicáva-mos o que era o estudo, por quanto tempo seriam acompanhados, entre outras informações. Após as

explicações, a família e a criança assinavam um termo de consentimento”, diz o professor..

A pesquisa foi realizada na proporção 2:1, dois voluntários receberam a vacina enquanto um tomou placebo. O teste foi aplicado de forma cega, portanto, os voluntários não sabiam se estavam recebendo uma injeção com parte do vírus ou uma fórmula sem efeito.

Cada voluntário recebeu três doses da vacina, com intervalos de seis meses. Desde a primeira aplicação, a equipe do Núcleo de Doenças Infec-ciosas acompanha o processo, com avaliações periódicas para avaliar a efi cácia da vacina. “Nós ligávamos para a casa das famílias semanalmente para lembrá-los de que, a cada febre ou sintoma de doença, eles teriam de vir até o NDI para que pudéssemos fechar ou não o diagnóstico de den-gue, por meio de um exame sanguíneo”, diz Rey-naldo Dietze.

Para que a vacina seja considerada efi ciente, o número de casos de dengue entre os voluntários que tomaram o medicamento precisa ser de, no máximo, 30%, comparado ao número de casos entre os que receberam doses de placebo. De acordo com artigo publicado no New England Journal of Medicine, em novembro de 2014, entre os casos graves, a efi cácia

A pesquisa atual no NDI corresponde à fase da documentação científi ca da efi cácia ou não da vacina

Como é feita a vacina?Toda vacina é feita com material do próprio agente

causador da doença, em uma forma mais branda, para que o sistema imunológico da pessoa – após a imunização – reconheça o vírus e produza anticorpos para combatê-lo. Reynaldo Dietze diz que “no caso da vacina da dengue, os cientistas pegaram um vírus da febre amarela e retira-ram os genes que produziriam a doença, para que ele não cause nenhum problema. Então, por meio da engenharia genética, inseriram genes do vírus da dengue (Tipo 1, 2, 3 e 4) para que o paciente possa produzir anticorpos con-tra aquelas proteínas colocadas ali”.

Foto: Jéssyca Saketto

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Professor Reynaldo Dietze é o coordenador da pesquisa no Brasil

Saiba mais sobre a dengue*

Transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, a den-gue é uma doença viral que se espalha rapidamente no mundo. Nos últimos 50 anos, a incidência aumen-tou 30 vezes, com ampliação da expansão geográ-fi ca para novos países e, na presente década, para pequenas cidades e áreas rurais. É estimado que 50 milhões de infecções por dengue ocorram anual-mente e que aproximadamente 2,5 bilhões de pes-soas morem em países onde a dengue é endêmica.

Na região das Américas, a doença tem se dissemi-nado com surtos cíclicos ocorrendo a cada 3/5 anos. No Brasil, a transmissão vem ocorrendo de forma con-tinuada desde 1986, intercalando-se com a ocorrência de epidemias, geralmente associadas com a introdução de novos sorotipos em áreas anteriormente não atin-gidas ou com a alteração do sorotipo predominante. O maior surto no Brasil ocorreu em 2013, com aproxima-damente 2 milhões de casos notifi cados. Atualmente, circulam no País os quatro sorotipos da doença.

*Informações do Portal da Saúde / Ministério da Saúde

da vacina foi de 95,5%, enquanto contra a hospitali-zação por dengue a efi cácia da vacina foi de 80,3%. Os dados se referem ao estudo aplicado em cinco países da América Latina, entre eles o Brasil, após 12 meses do início da pesquisa.

Um recente artigo, veiculado em setembro de 2015 na mesma publicação, avaliou os efeitos da vacina em longo prazo e considerou as regiões onde a dengue é endêmica, incluindo – além dos países latino-americanos – a Ásia e o Pacífi co. Tal estudo demonstrou que a vacinação reduziu sig-nificativamente a incidência de dengue confir-mada virologicamente. A hospitalização ocorreu em 65 participantes, entre os 22.177 que tomaram a vacina. Já no grupo de controle, foram 39 regis-tros de 11.089 participantes. O estudo apontou ainda que, durante os primeiros 25 meses, a taxa de efi cácia para dengue foi de 60,3%.

Próximos passosDe acordo com Reynaldo Dietze, a expectativa dos

pesquisadores é acompanhar os voluntários até 2018. “Nós queremos acompanhá-los a longo prazo para reforçar os dados dessa pesquisa. Ao acompanhar os ciclos epidêmicos, por exemplo, consegue-se docu-mentar melhor a efi cácia da vacina e, dessa forma, afi nar a precisão do estudo”, pondera. “É importante salientar que essa foi a primeira vacina para dengue

que chegou até a Fase 3, a fase de efi cácia. Obvia-mente, esse estudo tem que se prolongar um pouco mais para que a gente tenha uma ideia se, por exem-plo, haveria a necessidade de um reforço ou não, se essa efi cácia se mantém com o tempo ou se vai dimi-nuindo. Ainda desconhecemos isso”, complementa.

O pesquisador destaca que a fase atual corres-ponde à documentação científi ca da efi cácia ou não da vacina. Depois vem a fase comercial, em que o laboratório atua junto com o Ministério da Saúde para que ela seja implementada”, salienta.

Para o infectologista, em todo o mundo, as vaci-nas controlaram muitas doenças e este é o resul-tado que está sendo buscado para a dengue. “Nós controlamos o sarampo, a poliomielite, a coquelu-che, a varicela com uma vacina. Nós conseguimos erradicar a varíola com uma vacina. Então, na his-tória das doenças infecciosas não há nada que a gente tenha conseguido controlar que não tenha sido através de uma vacina”, ressalta.

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Quando Simão Bacamarte, médico e per-sonagem principal de O Alienista (1882), de Machado de Assis, resolve fundar o hospício Casa Verde na pacata cidade de

Itaguaí, a população o aclama em diferentes graus, esperando que, com a internação dos “loucos”, o novo empreendimento traga a restauração dos bons costumes. No entanto, o que ninguém espe-rava é que, com o decorrer do tempo, quase toda a população da cidade fosse internada na instituição, já que, de acordo com a teoria de Bacamarte, eram loucas todas as pessoas com desvios de personali-dade, como supersticiosas, bajuladoras, indecisas e vaidosas. O alienista, percebendo que sua teoria estava errada, resolve libertar todos os internos e refaz sua teoria: se a maioria apresentava desvios de personalidade e não seguia um padrão, então louco era quem mantinha regularidade nas ações e possuía fi rmeza de caráter. E adivinhem quem ele julgava o único de personalidade perfeita? Ele próprio, que termina o livro como o único paciente da Casa Verde.

A obra de Machado de Assis é um exemplo ideal para se questionar a linha tênue entre loucura e sanidade: ser diferente e se comportar de forma contrária à maioria é sufi ciente para ser doido? De médico e louco todo mundo tem um pouco? Para entender um pouco esse universo, a revista Uni-versidade foi conhecer o projeto de extensão da

P E S Q U I S A

Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) que há 31 anos estuda, atende e trata pacientes com dife-rentes tipos clínicos de transtornos psicológicos, o Programa Cada Doido Com Sua Mania (CDSM), do Departamento de Psicologia da Ufes.

Criado em 1984, o projeto inicialmente fazia parte do estágio dos estudantes do curso no Hos-pital Adauto Botelho, onde eram realizadas ofi cinas terapêuticas com os pacientes. Dois anos depois, foram incluídas as ofi cinas de arte, que trouxeram resultados efi cientes para os pacientes. Em 1992, o Programa CDSM foi reestruturado.

“Quando viemos para a Ufes, iniciamos o Cen-tro de Atenção Continuada à Infância, Adolescên-cia e Adultos (Cacia), pois queríamos diversifi car e não atender só pacientes psicóticos. Fomos em busca de outros desafios cotidianos, de outras estratégias para que os indivíduos tenham melho-res chances de inclusão na sociedade e na família. Desde então atendemos a comunidade universi-tária e crianças encaminhadas pelo Hospital Esta-dual Infantil Nossa Senhora da Glória, localizado em Vitória, em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa)”, ressalta uma das fundadoras do Projeto, a médica psiquiatra e professora aposen-tada do Departamento de Psicologia, do Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN), Tânia Prates.

Os pacientes do Hospital Infantil são encaminha-dos para o Cacia, localizado no campus de Maruípe,

Programa de extensão Cada Doido Com Sua Mania:Há mais de 30 anos vencendo desafi os

Projeto trata crianças e adolescentes com diferentes tipos clínicos de transtornos psicológicos. Só em 2014 foram atendidas 781 pessoas.

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porque a instituição não possui um ambulatório de saúde mental. Quando essas crianças deixam o hos-pital, primeiramente, elas são acolhidas pelo CDSM, por meio do Cacia.

Ofi cinas terapêuticasO CDSM atente adultos, adolescentes e crian-

ças com todos os tipos clínicos, como neurose e psicose, transtorno de angústia, pânico, difi culdade escolar, doenças psicossomáticas, crianças agitadas e pessoas com depressão. Ou seja, de acordo com a antiquada teoria do analista, desvios do compor-tamento esperado. O programa atende também a soropositivos.

O paciente, para ser atendido pelo CDSM, deve fazer parte da comunidade universitária ou ter sido encaminhado pelo Hospital Infantil. Segundo Tânia, o paciente passa por acompanhamento detalhado antes de ser encaminhado para um dos serviços ofe-recidos pelo programa. “Há entrevistas iniciais para os que chegam ao serviço com o objetivo de acolher, escutar a demanda deles e indicar, junto à equipe, o projeto terapêutico específi co para cada paciente, que é elaborado em reunião geral, corroborado com o paciente”. O projeto oferece ofi cinas terapêuti-cas, atendimento individual, atendimento familiar e atendimento psicofarmacológico (medicamentos como auxiliar no tratamento de quadros clínicos).

As ofi cinas terapêuticas são as atividades que mais diferenciam o Cada Doido Com Sua Mania de outros projetos, porque oferecem um trata-mento alternativo que explora a subjetividade do paciente e a manifestação de sua natureza pela arte e pelos jogos. Os encontros acontecem uma vez por semana no Cacia e no Núcleo de Psicolo-gia Aplicada, localizado no campus de Goiabeiras.

Em 2014, foram realizadas 303 ofi cinas e atendi-das 781 pessoas. Atualmente participam do projeto 26 pessoas sob a coordenação da professora Tânia Prates e do professor do Departamento de Psicolo-gia Alberto Murta, além de sete psicólogos volun-tários e 15 estudantes.

Os alunos que participam do projeto atual-mente são do curso de Psicologia, mas podem par-ticipar do Cada Doido Com Sua Mania estudantes de qualquer curso, desde que tenham interesse pela temática da saúde mental. O projeto é uma oportunidade para colocar na prática o que os estu-dantes aprendem na teoria. “A área da Psicologia

é vasta e oferece diferentes frentes de trabalho.Eu ainda não sabia o que fazer, mas quando entrei para o Cada Doido e fi z minha primeira ofi cina com crianças, descobri qual carreira que eu gostaria de seguir, e logo eu que nunca imaginava clinicar com crianças”, relata a bolsista do projeto e estudante de Psicologia Renata Pozzato.

Segundo os bolsistas, o Cada Doido é um pro-jeto de produção de conhecimento que funciona além dos muros da Universidade e benefi cia toda a comunidade, tanto interna quanto externa. “Com o projeto conseguimos reunir psicólogos volun-tários e pôr em prática os benefícios das ofi ci-nas terapêuticas, de forma gratuita e acessível”, afi rma a bolsista do projeto e estudante de Psi-cologia Eduarda Godoy.

As ofi cinas

• Para crianças de 1 a 7 anos, são realizadas as ofi ci-nas de modelagem. São disponibilizados os materiais para as crianças criarem livremente sua produção por meio de temáticas propostas para estimular o surgimento de histórias que trabalhem suas ques-tões a partir de sua imaginação. Frequentemente essas histórias atualizaram suas vivências e confl itos.• Para crianças de 6 a 8 anos, são destinadas as ofi -cinas de contos, onde as difi culdades no aprendizado escolar, inibições, somatizações e confl itos familia-res são tratados.• Para os pacientes de 10 a 19 anos, são realizadas as ofi cinas de imaginação, para que por meio da criação de personagens e da desenvoltura durante o jogo, eles possam narrar os seus confl itos e encarar suas angústias; possibilitando uma visão de que o confl ito é parte da vida de todos, conseguindo assim transpor suas difi culdades com maior facilidade, sentindo-se parte de um todo. Há também, para essa faixa etá-ria, ofi cina de música e letras.• Já para os adultos, as ofi cinas são de pintura, músi-cas e letras. Os recursos de músicas, poemas, crô-nicas e dinâmicas psicológicas são utilizados como dispositivos que tocaram a vida do sujeito, susci-tando angústias, desejos e lembranças.

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E N T R E V I S T A : G I L D A C A R D O S O D E A R A Ú J O

Educação de gênero“Educar para a cidadania”

A polêmica temática sobre a inclusão da educação de gênero nos planos de educação ocupa espaço nas mídias, nas escolas, nas igrejas, nas universidades e nas conversas informais. No meio acadêmico, é também objeto de pesquisa.

Para falar sobre esse tema, a revista Universidade ouviu a professora associada do Centro de Educação Gilda Cardoso de Araujo. A docente é mestre em

Educação e fez doutorado nesta mesma área pela Universidade de São Paulo. Atuou na Educação Básica como professora, técnica da Secretaria Municipal

de Educação (Vitória/ES) e conselheira estadual de educação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política e Administração Educacional, principalmente nos seguintes temas: federalismo e políticas educacionais, gestão educacional, direito à educação, municipalização e organização dos

sistemas de ensino. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Letícia Nassar

Educação sexual e educação de gênero não são sinônimos. As terminologias são distintas. Quando se trata de educação

sexual, nós estamos falamos mais dos aspectos biológicos. As disciplinas que têm mais

relação com a questão do corpo humano e seu funcionamento tratam dessa dimensão da sexua-lidade. Elas abordam, por exemplo, os temas rela-cionados aos métodos contraceptivos e às ações de prevenção à Aids, entre outros aspectos.

Quando nós abordamos a questão de gênero temos como foco a sexualidade inserida na dimen-são social, ou seja, uma conversa para além do

funcionamento dos órgãos sexuais. A educação de gênero é uma educação para a cidadania, para o respeito à diferença, à orientação sexual e no que se refere ao que se faz com o corpo. A educação de gênero tem uma pauta muito ligada ao movimento feminista, por isso ela precisa estar na escola, como parte formativa das mulheres professoras. Essa edu-cação trata da questão da violência contra a mulher, contra aquele que é diferente, ou seja, de pessoas que escolhem se portar de uma forma que não é a dominante do ponto de vista da heterossexualidade. Então a questão de gênero tem uma dimensão social muito mais abrangente que a sexual.

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inaÉ claro que a discussão sobre gênero pode inserir

a educação sexual, mas não se resume a ela. Lamen-tavelmente, perdemos esse debate no Plano Nacio-nal de Educação, quando a proposta foi retirada desse Plano por pressão da bancada religiosa. Tam-bém oito estados da federação, incluindo o Espírito Santo, não adotaram essas premissas como princí-pio de organização do ensino em seus planos. Mas o fato de não constar no Plano não signifi ca que as escolas devam deixar de realizar essa discussão nos seus currículos. Na minha opinião, é dever da escola, da universidade, da sociedade pensar as questões de gênero, independentemente das questões religio-sas ou de qualquer outro tipo de fundamentalismo (político, cultural). Infelizmente, o Estado brasileiro não é laico, mas um dos princípios que torna a escola pública mais igual e democrática é a laicidade.

Formação dos professoresOs professores não são formados para trabalhar

com essa questão da educação de gênero. Eu falei, anteriormente, do movimento feminista. Se existe machismo, é porque nós mulheres ainda educamos para isso. Curiosamente, em casa são as mulhe-res que educam, e na escola, a maioria dos profi s-sionais do magistério é composta por mulheres. E estas têm o seguinte pensamento: existem coi-sas para meninos e coisas para meninas. Por isso a necessidade premente de se pensar políticas de formação de professores que também abordem essas questões de gênero.

Existem casos de pedagogos ou de equipe pedagógica que chama os pais porque um menino estava brincando de boneca ou uma menina fazendo carinho na outra. A escola tem uma visão preconceituosa em relação ao comportamento e ao modo de vestir dos alunos jovens. Há a impli-cância com o boné, o dread, as vestimentas, enfi m, às atitudes da cultura juvenil de forma geral. Por isso que essa questão de gênero deveria perpassar não só a relação entre professores e alunos, mas a própria formação dos professores. Para isso, ela deveria, também, estar inserida na formação dos pedagogos e dos professores universitários, por exemplo. Mas isso não é muito valorizado.

As licenciaturas deveriam dialogar umas com as outras, porque essa questão do gênero, da diver-sidade, é uma questão do humano. Pensemos his-toricamente: por que houve o holocausto? Por não se aceitar o diferente, por achar que existe um ser humano que é superior e outro que é inferior.

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Estamos tratando de uma temática transversal. A universidade deveria estar engajada nesse tema. O nome “universidade” já traz o sentido do que é “universal”, o que acolhe e não discrimina. Esse seria um dos papéis da universidade, porém, lamentavel-mente, isso não acontece e existem muitas barreiras. Eu atuo na formação de professores e há intolerân-cia transvestida de todas as formas, de uma maneira muito incisiva, na sala de aula. Quando abordamos essa temática chegamos, às vezes, a um embate ideológico. O que temos visto hoje são concepções muito próximas do fundamentalismo religioso, polí-tico, moral muito pernicioso para o avanço da edu-cação e da democracia na sociedade brasileira.

Ideologia para invisibilizarA educação do gênero está no social. Não existe

uma ideologia de gênero, porque na verdade essa questão está inscrita socialmente. Na medida em que você nasceu menino, vão te presentear com um carrinho. Já para a menina, darão uma boneca. Hoje esses papéis sociais são questionados. Quan-tas famílias monoparentais nós temos?

Já quando vamos falar na questão do aborto, temos atitudes diferentes para a mulher e para o homem. São também diferentes os modos de uso do corpo para ele e para ela. Esses exemplos estão nos campos demarcados: homem e mulher. Porém temos também os transexuais, os transgêneros e os que querem ser chamados pelo seu nome social. Eles sempre existiram, como a Madame Satã, mas estavam invisibilizados por toda essa marca car-regada de “ideologia de gênero”.

Uma ideologia para invisibilizar, para não dar voz. Isso sim é antidemocrático. O que estamos tentando hoje é educar para a tolerância. Aliás, é mais do que tolerância, é inclusão. Tolerar é admitir contrariado. Para que as pessoas de fato convivam e que haja, no Brasil, um processo e um projeto civilizatório que contemple toda a gama do que é humano, eu não posso desprezar o meu semelhante.

Nós nos tornamos homens e mulheres no processo de socialização, que acontece na família, na escola, nos partidos, nos sindicatos, nas instituições religio-sas, enfi m nos locais onde interagimos com o outro. Há, enfi m, um tensionamento em torno dessa questão, o que é bom. Mas precisamos avançar e não recuar. Na década 1970, por exemplo, tivemos avanços que eu não quero abrir mão: a liberdade em relação ao meu corpo, a liberdade sexual da mulher e o uso da pílula são algumas conquistas importantes que precisam ser

discutidas na escola. E isso está se perdendo. O que temos visto, atualmente, é uma discussão que retro-cede com relação a essas conquistas.

Os meninos e a evasão escolarOs indicadores educacionais que lemos ou ouvi-

mos na mídia são importantes para formulação de políticas, mas não medem os processos de intera-ção e socialização que ocorrem na escola. A tarefa precípua da escola, além de ofertar um ensino de qualidade do ponto de vista do conteúdo, é formar para a cidadania. Esta requer o reconhecimento e o respeito aos direitos civis, políticos e sociais. Isto nós não tivemos na história do Brasil.

Nossa escola não é cidadã ainda. Os nossos pro-fessores também não são. Com esse salário, com tripla jornada, com as condições de trabalho desses docen-tes, não dá para falar em cidadania. Se eles tivessem melhores condições de trabalho, de planejamento, de ler, de ver bons fi lmes, de viajar, enfi m, de ter acesso a esses direitos, que são culturais e importantes na for-mação humana, talvez houvesse um avanço no campo de gênero e também no que diz respeito a outros pre-conceitos que precisam ser desfeitos na educação, na família, na escola. Preconceitos esses que estão entre os motivadores da evasão escolar.

Atualmente, nós temos uma questão muito séria na educação básica que as políticas públicas não têm levado em consideração e que a sociedade tem invisibilizado. Trata-se da evasão ou processo de não escolarização dos meninos. Os meninos fracassam mais. Esse é um dado para o qual as políticas não têm respondido. Eles fracassam por abandono e por repetência. O impacto desse fra-casso é sentido, por exemplo, no ensino superior. No Brasil, quem tem alcançado patamares maiores de escolarização são as mulheres. Então, alguma coisa, lá na base, está acontecendo e, na minha opi-nião, tem relação com a questão de gênero.

Os meninos são os que mais sofrem, afi nal a escola não está preparada para a questão disciplinar do menino mais agitado, do menino que não chora. Os meninos precisam provar a virilidade. Eles precisam ser mais fortes, jogar bola, bater e não podem levar desaforo para casa. A escola estimula esse comporta-mento, construindo um ambiente muito competitivo e perverso.A menina já tem o espaço da escola como o único espaço de socialização, porque ela deve ser a mais presa, ela deve cuidar dos irmãos. Se a escola não olhar para a questão do menino, ela estará também promovendo a evasão e a repetência desse ser humano.

E N T R E V I S T A

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Já orientei uma dissertação de mestrado intitulada “Meninos não choram? Um estudo sobre fracasso esco-lar e jovens masculinidades no ensino médio” (de Fer-nanda Ribeiro Pinto Rodriguez, 2014, PPGE/Ufes) que pesquisou o porquê da evasão de meninos de uma escola. A maioria dos estudantes, ao serem indaga-dos sobre o motivo da sua saída da instituição, respon-deu que a escola não tinha nada a ver com eles, não era o mundo deles. Em qualquer censo da educação, se constata essa evasão. Eles também não vão para o mercado formal de trabalho. Onde estão os meninos? Quando estamos na rua, por exemplo, grande parte das pessoas que estão vendendo coisas ou pedindo é de meninos. É uma coisa empírica, é só olhar.

Então, por que a educação de gênero não deve constar dos planos nacional, estadual e municipal de ensino se nós temos uma realidade dura como essa? O que vai ser dos nossos meninos? A maior taxa de homi-cídios de jovens está entre os que têm 15 e 24 anos de idade, e grande parte das vítimas é do sexo mas-culino e estava fora da escola. Prefere-se então que eles morram a ter uma orientação para o sexo, para a vida, para aceitar o diferente, para aceitar a diversi-dade na escola? Que amor ao próximo é esse? Quando se fala na questão de gênero, da orientação sexual e da raça, está em foco a dimensão da democracia e do acolhimento inclusivo, que é a obrigação da escola, que forma para a cidadania. Sem essa dimensão da inclusão, a cidadania é uma farsa, uma formalidade.

Dimensão humanitáriaA questão da resistência de inserir nos planos a

dimensão do gênero e a própria realidade da escola, de não aceitar que essa temática seja trabalhada, já está gerando consequências muito sérias. Fechar os olhos para essa realidade é piorar a situação. Tem-se, então, pessoas estigmatizadas, principalmente entre os meninos, homicídios e evasão escolar. É só realizar uma roda de conversa com os transexuais e transgêne-ros que logo vem à tona a luta para usar o nome social e as difi culdades por que passam na escola.

Aqui, no Centro de Educação, temos a preocupa-ção e também nos ocupamos com o tema. Mas não tem sido fácil. Esbarramos em intolerâncias. A pro-posta para lidar com essa dimensão da intolerância, que retranca muito o avanço da política de gênero nos planos ou mesmo nos currículos da escola, é trabalhar com a perspectiva do convencimento. Isso é, vencer junto. Do contrário, perdemos a dimensão humanitária que nos propomos a realizar, tanto poli-ticamente como do ponto de vista ético.

É uma tarefa para muito tempo. Aliás uma tarefa que é difusa, porque é de muitos movimentos, passa a sensação de que é uma bandeira que não pertence a ninguém. É também uma questão que envolve precon-ceitos e muitas pessoas preferem não falar para não serem chamadas de libertinas. Já tive que lidar com esse preconceito em sala de aula. Eu sou uma pessoa religiosa, respeito as religiões, mas é preciso traba-lhar com essa temática, levar fi lmes, realizar debates. O caminho é uma educação que busca a sensibiliza-ção. E essa tarefa é difícil, ainda mais nesta época de muita intolerância que, às vezes, chega a ser raivosa. Querem colocar todo mundo na caixinha: tem que se vestir assim, tem que agir assim, o padrão de compor-tamento tem que ser assim. Precisamos discutir o aco-lhimento de pessoas que fogem da normose. A escola precisa se abrir à diversidade, não tem como negar isso.

Não desistirO Plano Nacional de Educação é uma legislação

que é infraconstitucional, que está abaixo da Cons-tituição e dos tratados internacionais que abordam a questão de gênero dos quais o Brasil é signatário, tais como a Convenção Internacional sobre os Direi-tos das Crianças, a Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Então, eu oriento os profi ssionais da educação, os que são mais sensíveis à temática e, por isso, encontram alternativas para sua abordagem nos programas ou nos currículos, que não desistam. Eu sei de professores que trabalham com essa pers-pectiva, mas que estão sendo constrangidos nas escolas. Se isso acontece, então cabe denúncia ao Ministério da Educação ou à Secretaria de Educa-ção, pois um dos princípios constitucionais que nós temos assegurados no capítulo da Educação é a liberdade de ensinar e aprender.

Como o Brasil é signatário desses tratados, então não estamos fazendo nada fora da legalidade nem dos princípios previstos. Nos debates dos legislativos, infe-lizmente, a questão encontrou entraves. Para os pro-fessores que acreditam nessa dimensão inclusiva da educação de gênero, eu digo que não desistam, porque nós não fomos derrotados. E para os que não acreditam, que passem a ter uma escuta mais sensível em relação ao outro. Uma escuta mesmo que reli-giosa, pautada mais em seus princípios, porém sensível. Essa é a base do diálogo.

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ReinventandoPrograma de extensão congrega professores e estudantes dos

cursos de Geografi a, Ciências Sociais e Engenharia de Produção para atuar junto às comunidades campesinas e tradicionais

LaTerra: o campo é a sala de aula

P E S Q U I S A

A Barraca Agroecológica do LaTerra, localizada no campus de Goiabeiras, comercializa alimentos de produção familiar e difunde os benefícios dos produtos orgânicos

Fotos: Nayara Santana

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H á muito tempo, os males causados pelo consumo de alimentos com agrotóxi-cos está em pauta não só na academia, como também nos jornais e nos lares.

Porém só há alguns anos a propagação dos alimen-tos agroecológicos começou a fazer parte dos deba-tes. Na Ufes, o tema envolve diferentes áreas de ensino que, juntas, atuam em comunidades campe-sinas realizando ações e pesquisas. O programa de extensão que congrega essa interdisciplinaridade é o Laboratório de Estudos Territoriais (LaTerra).

O programa é uma iniciativa de um grupo de docentes dos departamentos de Geografi a, Ciên-cias Sociais e Engenharia de Produção. O obje-tivo principal do LaTerra é relacionar projetos de extensão e grupos de estudos da Universidade que possuem experiência em trabalhos junto a comu-nidades campesinas e tradicionais.

Para a coordenadora do LaTerra, a professora do departamento de Geografi a Simone Ferreira, o pro-grama é como um guarda-chuva, pois agrega diversos projetos de extensão. “Os projetos que pertencem ao LaTerra compartilham o espaço de produção e a estrutura laboratorial. Dessa forma, professores, estudantes, homens e mulheres do campo fi cam pró-ximos e trocam aprendizados”, destaca.

Os projetos de extensão vinculados ao LaTerra são: o Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Agroecologia (Nepea); a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos de Economia Solidária (ITEES), ambos do departamento de Ciências Sociais; e o Observatório dos Confl itos no Campo (OCCA), do departamento de Geografi a. Simone Ferreira explica que “o amálgama que une esses projetos de exten-são está fundamentado nos processos produzidos por grupos sociais que se organizam e constituem seus modos de vida a partir de referenciais sociais, políticos, econômicos e ambientais não orientados pela matriz de racionalidade hegemônica”.

Essa inter-relação está, de acordo com a pro-fessora, “presente nas iniciativas do comércio justo e da Economia Solidária; nas práticas produtivas agroecológicas; e nas demandas pelo reconheci-mento dos territórios tradicionalmente ocupados”.

Sala de aula e campoOutro ponto destacado pela coordenadora é a

atuação dos estudantes. Um dos papéis da univer-sidade federal é utilizar os conhecimentos adquiri-dos na sala de aula para auxiliar nas demandas da sociedade. “Nós estamos inseridos em uma socie-dade que tem problemas, contradições e potenciais.

Quando fazemos um curso, nós temos que olhar a realidade. Quando a Universidade abre a exten-são, nós estamos contribuindo com questões que estão brotando na sociedade. Faz parte da Univer-sidade ajudar a pensar e a resolver. Isso enriquece a Ufes”, ressalta.

O LaTerra, assim, é importante para a forma-ção dos estudantes da instituição. “É essencial que o aluno saia da Universidade e viva a realidade do seu curso. É importante discutir e pesquisar e, assim, trabalhar nas questões que são deman-dadas pela sociedade”, diz a professora. Além de todo conhecimento compartilhado com as comu-nidades tradicionais, os estudantes se envolvem no trabalho como cidadãos e pesquisadores. Para a estudante do curso de Geografi a Sarah Dubbe-astein Gasperazzo, os programas de extensão são

Produção de farinha e beiju no Quilombo do Angelim

Fotos: Acervo/Grupo de Pesquisa

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fundamentais para a formação acadêmica. “Por meio do LaTerra, eu tive a oportunidade de ter con-tato não só com os agricultores, mas com a cultura camponesa. Nós vemos como eles manejam a terra e percebem o mundo, e isso agrega na minha for-mação”, afi rma.

Simone Ferreira destaca que os trabalhos dos projetos são uma parceria entre os estudantes e as famílias das comunidades. No Nepea, por exem-plo, as famílias contam sua história e mostram aos estudantes como trabalham. Estes, então, escre-vem a história com termos técnicos e comparti-lham a teoria com os produtores. Para a professora, a parceria com a Universidade é essencial para as

comunidades. “Os moradores não possuíam regis-tro da ocupação e da história deles. Com a nossa ajuda, eles seguem com a própria vida, fortalecem a produção e divulgam a bandeira da ecologia”.

Não é só na formação dos estudantes que são acrescentados benefícios, mas a vida dos agriculto-res também é modifi cada pelas atividades extensio-nistas. Rone Januth, um desses agricultores, tornou-se aluno da Ufes e é graduando do curso de Educação do Campo. “Na Ufes, eu tive a oportunidade de estu-dar e não sair do campo, assim eu posso trabalhar e atuar no Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)”, conta Rone.

Do campo para o campusQuem passa, às quartas-feiras, pelo corredor

que dá acesso aos prédios dos centros de Ciências Exatas e de Ciências Humanas e Naturais, no cam-pus de Goiabeiras (Vitória), se depara com uma bar-raca repleta de verduras, legumes, frutas e produtos caseiros que, antes mesmo de chegar o final da tarde, já foram vendidos. Trata-se da Barraca Agro-ecológica que comercializa alimentos de produção familiar e difunde os benefícios dos produtos agro-ecológicos para atrair cada vez mais consumidores.

Atualmente, a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos de Economia Solidária (ITEES) é quem presta assistência à Barraca Agroecológica.

Em 2011, durante a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, uma das ini-ciativas apoiadas pelo MPA para sensibilizar a população brasileira sobre os riscos que o uso de

P E S Q U I S A

O Laboratório de Estudos Territoriais (LaTerra) incentiva a produção agrícola livre de agrotóxicos

Estudantes têm contato com os agricultores e conhecem sua cultura

Fotos: Acervo/Grupo de Pesquisa

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Comunidades campesinas

O Observatório dos Confl itos no Campo (OCCA) tra-balha com comunidades campesinas e tradicionais, atuando em pesquisas sobre suas formas de territoria-lidade, assim como no registro e monitoramento das situações de confl ito vivenciadas. Além disso, moni-tora os grandes projetos de desenvolvimento vincula-dos ao agronegócio, como a infraestrutura portuária que vem incidindo sobre territórios tradicionais do Espírito Santo. Os participantes do projeto trabalham com o levantamento de dados da luta pela terra, fazem o registro deles e, dentro do possível, prestam asses-soria às comunidades. Segundo a professora Simone Ferreira, as famílias se sentem ameaçadas por não pos-suírem os documentos legais, por isso o projeto produz um estudo técnico para enviar para o Ministério Público e, assim, reconhecer o território pertencente ao grupo.

O Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Agroecologia (Nepea) propõe-se a qualifi car a forma-ção de professores, pesquisadores, estudantes e agri-cultores familiares em agroecologia, considerando princípios e objetivos da Política Nacional de Assis-tência Técnica e Extensão Rural. Além disso, produz também bancos de dados de experiências e inovações tecnológicas relacionadas à agroecologia desenvol-vida por agricultores familiares e técnicos nas pro-priedades rurais.

Já a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos de Economia Solidária (ITEES) realiza pesquisa e exten-são com iniciativas de organização e comercialização de agricultores de base familiar. Sua principal função é assessorar esses grupos de forma técnica. A ITEES tam-bém é dedicada ao estudo e disseminação da econo-mia solidária no campus e na sociedade.

agrotóxicos representa para a saúde das pessoas, o coletivo Casa Verde, ligado à Ufes, uniu-se ao movi-mento para promover, no campus, uma barraca só com produtos livres de componentes químicos. A ideia surgiu para incentivar a discussão sobre o uso dos agrotóxicos com a comunidade acadêmica e externa, além de oferecer um espaço viável para a compra desses alimentos a preço justo. Além da comercialização dos produtos na barraca, os agri-cultores montam cestas agroecológicas por enco-menda e entregam na casa das pessoas.

É na Barraca Agroecológica que Rone comer-cializa seus alimentos no campus desde 2013. Ele conta que, no início, estranhou a iniciativa, por-que a Universidade não é um lugar comum para vender os produtos, mas reconhece que o projeto abriu portas tanto para os estudantes da Institui-ção quanto para os pequenos agricultores. “Os alunos vão visitar o campo, conhecer a produção, como é feita e de onde vêm os produtos. E para nós, agricultores, é um diferencial participar da produção, conhecer os consumidores e poder con-versar com eles”.

Segundo Rone, a maior parte dos alimentos comercializados na barraca são de produções fami-liares do interior de Domingos Martins (região de montanhas do Estado). Além de serem agroecoló-gicos, os produtos são colhidos à mão. “Os alimen-tos não são colhidos mecanicamente. Todos são colhidos da forma mais simples e gentil possível”, relata. Cerca de 30 famílias se revezam para ven-der na barraca.

Estudantes e professores do Observatório dos Confl itos no Campo, um dos projetos que integra o LaTerra, atuam em pesquisas sobre territorialidades

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A R T I G O

As questões éticas e morais têm um campo pri-vilegiado de discussão no âmbito da administração pública. Isso por envolver diretamente a utiliza-ção de recursos provenientes de toda a sociedade que sustenta o funcionamento do aparato gover-namental. No Brasil, de modo geral, predominam fortes traços culturais que acabam por legitimar condutas criminosas, favorecendo a continuidade de apropriação privada dos recursos públicos, che-gando aos atuais descalabros praticados por gesto-res, em montantes inimagináveis até recentemente em nossa história política. Tudo isso com inacredi-táveis argumentos de que podem continuar agindo criminosamente, tendo em vista que gestores ante-riores teriam praticado os mesmos crimes.

Dentro de perspectivas distintas como a weberiana e a marxista, encontram-se elementos comuns que podem colaborar para o entendimento da situação atual enfrentada pela sociedade brasi-leira. Um ponto fundamental em análises derivadas de ambas as perspectivas é que há, inevitavel-mente, bilateralidade na consideração dos fenôme-nos da dominação e do poder. Só pode haver um dominante se o mesmo for sustentado pelo domi-nado. Só pode haver poderosos se houver quem assegure essa posição que implica privilégios para alguns. Com isso, quero afi rmar que o fenômeno da corrupção só se sustenta na medida em que a maior parte da sociedade o considera natural, conferindo, portanto, a legitimidade necessária à sua permanência, espúria do ponto de vista ético, permitida e compartilhada através de uma moral oportunista, reproduzida e vivenciada por grande parcela da população.

Salientando que o que consta na legislação vigente em uma determinada realidade social nem sempre é considerado legítimo pela coletividade, temos, no Brasil, um sufi ciente aparato legal formal que, a princípio, seria sufi ciente para coibir condu-tas patrimonialistas, nada republicanas. A partir da Constituição adjetivada como “cidadã”, a administra-ção pública deveria ser regida por princípios bási-cos como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência, de acordo com seu artigo 37. Por que isso é ainda relegado ao plano abstrato de estudos acadêmicos e não foi sufi cientemente introjetado pelos gestores públicos é uma questão a merecer permanentes análises, em se tratando de uma realidade em construção no Brasil. Certamente, ainda há sufi cientes pontos de sustentação e garan-tia de permanência de condutas imorais, criminosas, mas indefensáveis eticamente por quem acredita que os recursos provenientes de toda a sociedade merecem total respeito, assegurando um padrão razoável de qualidade de vida para todos.

Saber o que é feito com o que é de todos é fun-damento de toda possibilidade de articulação social que pretenda assegurar um controle efetivo sobre os gestores públicos e suas decisões. A transparên-cia deveria ser total, impedindo a formação de zonas nebulosas de informações das atividades a cargo das estruturas governamentais. A possibilidade de que haja informações inacessíveis ao todo da socie-dade implica garantir esquemas espúrios e imorais, geralmente caracterizados por apropriação privada dos recursos públicos, assegurando a impunidade em relação aos crimes praticados. É simplesmente uma obrigação, nunca favor, que haja clareza dos

na administração públicaHugo Junior Brandião*

Ética

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dados e facilidade de acesso a informações sobre tudo, absolutamente tudo que os responsáveis pela condução dos negócios públicos realizam.

No contexto de sociedades de pretensa demo-cracia representativa, o jogo político deve ser regido por regras claras em relação ao papel de estruturas formais de controle, do parlamento e de outras ins-tâncias da sociedade civil. O que cabe às estrutu-ras de controle sobre o aparato governamental, ao Judiciário, ao parlamento e a outros possíveis meca-nismos sociais deve ser resultado de uma ampla discussão coletiva, implicando um acordo sobre a desejada ordem social, estabelecendo quais são as prioridades da sociedade e como todo o aparato deve estar voltado para a consecução dessas fi na-lidades. É imprescindível que regras sobre a con-duta dos titulares de estruturas de governo e demais envolvidos diretamente na função pública, de ser-vir ao público, estejam claramente estabelecidas, como resultado de um novo pacto político, essen-cial à transformação da realidade brasileira.

Mas, obviamente, não basta defi nir regras sem a efetiva realização das atividades de governo com a concreta responsabilização daqueles que não as cumprem. É essencial que se fortaleça, no âmbito das relações entre as sociedades civil e política brasileiras, o que se denomina accountability, que implica a responsabilização do servidor público, primeiramente perante a sociedade, com maior transparência da administração pública; perante os políticos eleitos, nos termos da democracia repre-sentativa; e perante os representantes formais e informais da sociedade que atuam junto à esfera pública não estatal.

A concreta responsabilização política implica a observação de dois outros fundamentos. Pri-meiro, a capacidade de resposta, answerability, signifi cando, em termos gerais, a obrigação dos agentes públicos e governantes de informarem e explicarem seus atos decisórios. Segundo, a capa-cidade, enforcement, das agências de accountability de impor sanções que resultem em perda de poder para esses mesmos agentes e governantes que vio-larem os deveres públicos.

Considerando as três dimensões acima relacio-nadas – a informação, a justifi cação e a punição – na gestão pública brasileira, é possível argumen-tar que a relação entre a sociedade e os responsá-veis pelas decisões públicas está apresentando um considerável aumento no grau de exigência ética e demandando maior efi ciência e capacidade de ges-tão por parte da administração pública, em todos os níveis de governo.

Observando o argumento de que uma situa-ção só se sustenta quando há respaldo e aferição de legitimidade por parte de quem é afetado pela qualidade dos atos administrativos, certamente uma melhoria das condições sociais, em todos os seus aspectos, pode ser alcançada com uma maior exigência de padrões gerenciais adequados, tanto em termos de efi ciência, garantindo resultados com economia dos recursos disponíveis, quanto em termos éticos, apresentando padrões de con-duta moral desejáveis para um real compromisso com a coisa pública.

*Professor do Departamento de Administração

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Movimentos no cotidiano do cientista

da na tureza

Augusto RUSCHI

Luiz Vital

P E S Q U I S AFoto: Paulo Bonino

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N ascido em 1915 na cidade de Santa Teresa, no Espírito Santo, o naturalista Augusto Ruschi – morto em 1986 de complicações hepáticas – deixou um

legado científi co essencial às Ciências Naturais, o que o mantém como uma referência internacio-nal de pesquisadores, mesmo passados 100 anos de seu nascimento. No contexto de homenagens ao cientista, dois pesquisadores da Ufes lançaram no fi nal de 2015 o “Catálogo do Acervo Textual de Augusto Ruschi no Instituto Nacional da Mata Atlântica – INMA”. Alyne dos Santos Gonçalves e Marcello França Furtado, doutoranda e mestrando, respectivamente, do Programa de Pós-Graduação em História, desenvolveram pesquisas que resga-tam parte signifi cativa dos documentos produzidos e mantidos pelo cientista sob a guarda do INMA, localizado na cidade onde nasceu.

A pesquisa contemplou 2.693 documentos, no período de um ano, e resultou na sua apresenta-ção em livro, ao longo de 452 páginas. “Encontra-mos muitos manuscritos de palestras e discursos sobre os mais variados temas, com destaque para a importância das reservas biológicas na preser-vação do patrimônio natural brasileiro, e para os riscos ambientais advindos do desmatamento, do refl orestamento inadequado e do uso de agrotó-xicos”, relata a historiadora Alyne Gonçalves. Ela localizou correspondências, ofícios e telegramas trocados com autoridades da politica nacional, per-sonalidades da área cultural e empresarial, cientis-tas, além de fotos, mapas desenhados pelo próprio Ruschi, relatórios de pesquisas, cartas topográfi cas com medições de terras, entre outros.

De acordo com Alyne Gonçalves, as atividades científi cas de Ruschi se misturavam à sua militân-cia ambientalista. “A linha que separa o Ruschi cien-tista do Ruschi militante ambiental é muito tênue. Ele assinalou em seus escritos, inclusive, que não via sentido na ciência que não estivesse direcionada para

Pesquisa historiográfi ca e arquivística revela os bastidores da trajetória do naturalista capixaba em seis décadas de intensa

vida dedicada à ciência e à militância ambiental

a sociedade”, observa. “Muitas vezes a comunicação sobre a descoberta de uma nova espécie de beija-fl or, por exemplo, mesmo quando registrada em publica-ções científi cas voltadas para um restrito público aca-dêmico, ele incluía apelos para a conservação do local onde vivia tal espécie, ou denúncias sobre eventuais riscos de destruição daquele local”, completa.

Arranjo arquivístico

A pesquisa sobre os documentos produzidos por Ruschi percorre seis décadas de história – 1930 a 1980 – e revela a capacidade do naturalista de transitar com desenvoltura por diferentes ambien-tes, quando havia o interesse científi co e a defesa do meio ambiente. Segundo a pesquisa, Ruschi se relacionou, por exemplo, com presidentes da Repú-blica como Juscelino Kubtscheck, Janio Quadros e marechal Castello Branco; com ex-governadores como Jones dos Santos Neves, Carlos Fernando

O naturalista Augusto Ruschi deixou um importante legado científi co para as Ciências Naturais

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Monteiro Lindenberg e Carlos Lacerda; com mili-tares infl uentes como o general Golbery do Couto e Silva; com personalidades do mundo cultural e empresarial como Assis Chateaubriand, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Victor Has-selbald, Crawford Greenewalt e Augusto Antunes de Azevedo; e com cientistas como Helmut Sick, Lauro Travassos, Olivério Mário de Oliveira Pinto e Jose Cândido de Melo Carvalho.

Alyne conta que em 2013 foi ao Museu de Biolo-gia Professor Mello Leitão com o objetivo de recons-tituir os caminhos percorridos por Ruschi em Santa Teresa, a fi m de organizar excursões turísticas na cidade, com temática ambiental. Entretanto, lá a historiadora se deparou com o valioso acervo docu-mental, iconográfi co e museológico. Impactada com a descoberta, redirecionou o seu propósito, e daí

começou o seu projeto. Associou-se, então, ao pes-quisador Marcello Furtado, que levou para o projeto o método de descrição arquivística para a identifi -cação do conteúdo do acervo. “A proposta foi dar visibilidade, acesso e compreensão sobre o acervo pessoal de Ruschi”, assinala Marcello Furtado.

“Os documentos estão organizados por suas fun-ções comuns, porque foram gerados a partir das atividades específi cas de Ruschi. É um modelo de organização que possibilita a escolha das séries, como os documentos pessoais, a participação em eventos e difusão científi ca, as atividades do museu, e outras”, explica. “É uma estrutura que chamamos de arranjo arquivístico, com sequências de operações físicas e intelectuais, destinados, principalmente, aos documentos em terceira idade – aqueles que não têm mais valor administrativo, mas possuem impor-tância histórica e devem ser guardados”, acrescenta.

Multifacetado

A produção de instrumentos de pesquisa em acer-vos públicos e privados é algo recente no Espírito Santo. Segundo Marcello Furtado, o “Catálogo do acervo textual de Augusto Ruschi” é a primeira obra fi nanciada pelo único edital existente no Espírito Santo de valorização dos acervos, e que é fi nanciado pelo governo do Estado. Alyne Gonçalves, por sua vez, salienta que a pesquisa localizou documentos históricos, como os processos provocados por Ruschi que resultaram na criação de quatro reservas bioló-gicas no Estado, em 1948, e a movimentação dele, em 1952, envolvendo presidente da República, gover-nadores e senadores, com o objetivo de transferir as reservas para o âmbito do governo federal, a fi m de protegê-las dos loteamentos clandestinos e de gri-leiros, o que, efetivamente, ele conseguiu.

Os pesquisadores adiantam que o projeto sobre a intensa vida e a vasta obra de Augusto Ruschi não se restringe à publicação do catálogo. “Nosso desejo é o desenvolvimento de outro instrumento de pesquisa, que é o inventário, que abrange o acervo em sua totalidade”, conta Marcello. “O próximo passo é descrever e dar visibilidade aos conjuntos fotográfi cos, diários de campo, corres-pondências, mapas e desenhos individuais, e aos objetos tridimensionais deixados por Augusto Rus-chi”, diz o pesquisador. “É a história muita rica de um personagem multifacetado, polêmico, que con-seguiu articular e compor redes de relações sociais e politicas bastante infl uentes, sempre com foco na proteção da natureza”, fi naliza Alyne Gonçalves.

P E S Q U I S A

O Museu de Biologia Professor Mello Leitão, em Santa Teresa (ES), possui um valioso acervo que revela a vida e a obra de Ruschi

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A Mata Atlântica como laboratório

Augusto Ruschi classifi cou 80% das espécies bra-sileiras de colibris, catalogou mais de 600 espécies de orquídeas e identifi cou 50 novas, e estudou a vida das bromélias e dos morcegos. Pesquisou a fauna e a fl ora brasileiras, e ainda hoje é o principal autor de obras científi cas sobre beija-fl ores. Escreveu 22 livros e seus trabalhos científi cos constam em cerca de 500 publicações. Produziu cerca de 400 artigos científi -cos, e concebeu projetos para instituições zoológicas e botânicas de vários países. Contribuiu na implanta-ção de diversas reservas ecológicas no país e insta-lou duas instituições de pesquisa no Espírito Santo: o Museu de Biologia Professor Mello Leitão – hoje deno-minado Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) – e a Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi. O naturalista, segundo estabelece lei federal, é o Patrono da Ecologia no Brasil.

No centenário de nascimento de Ruschi, a Ufes fez a entrega do título de Doutor Honoris Causa, em memória, ao cientista, em sessão solene do Conse-lho Universitário realizada no dia 12 de dezembro – data de seu aniversário – na sede do INMA, em Santa Teresa. A entrega foi feita pelo reitor Reinaldo Cen-toducatte, autor da proposta ao conselho. “De for-mação acadêmica múltipla, Ruschi direcionou todo o seu potencial intelectual e a sua energia de cida-dão engajado para o estudo da natureza e a defesa da ecologia”, pontuou o reitor na entrega do título. “A formação acadêmica específi ca nas áreas das ciên-cias naturais, na pesquisa e no ensino de graduação e de pós-graduação, avançaram na Ufes e no Brasil movidas pelo pensamento moderno e abrangente de Ruschi”, declarou.

Piero Angeli Ruschi, fi lho do naturalista, rece-beu o título representando a família. “Ruschi desen-volveu grande intimidade com o mundo natural desde a infância, e sua relação de amizade com a natureza foi cultivada ao longo de toda vida. Junto à natureza, Ruschi desfrutou dos prazeres que a busca pelo entendimento do mundo natural ofe-rece à curiosidade humana desde os primórdios de sua existência. A aquisição do conhecimento cienti-fi co marcou o aprofundamento de sua relação com o meio ambiente, cujos descobertas foram registradas em seus artigos científi cos e livros”, sustentou Piero, ao receber o título.

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Augusto Ruschi na década de 70 e sua inseparável câmera fotográfi ca, com a qual realizava seus registros

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P A T E N T E S

A Universidade possui 37 patentes depositadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que são produtos de pesquisas desenvolvidas por diferentes áreas do conhecimento. Conheça algumas delas.

Patentesdepositadas pela Ufes

Fitas magnéticasA invenção refere-se a um aparato com fi tas mag-néticas para simulação de experimentos não des-trutivos de clivagem e de fratura frágil. O setor é o de aparelhos para simulação experimental de cli-vagem e de fratura frágil. Departamento de Física (CCE)

Análise de estrutura e tensãoTrata-se de dispositivo construtivo para analisar a estrutura e tensão internas dos materiais pela apli-cação de tensão externa com difração de raios X.Departamento de Física (CCE)

Biobase autoemulsionável fi tossanitizanteA nova tecnologia refere-se à formulação de uma biobase concentrada autoemulsinável, seu pro-cesso de produção e seus usos.PPG em Biotecnologia (CCS)

Célula de pressãoTrata-se de uma célula de pressão construída para estudar a estrutura de um material e também as variações de microtensões internas mediante a apli-cação de pressão hidrostática e campo magnético externo. A invenção possui aplicação, entre outras, nas áreas naval, aeroespacial, bélica, nuclear, auto-mobilística e de fabricação de cimento e cerâmica.Departamento de Física (CCE)

Célula eletroquímica portátil Célula eletroquímica portátil para realização de ensaios de corrosão.Departamento de Química (CCE)

Compostos do petróleoTrata-se de um equipamento e métodos para preparar

e promover um fracionamento de amostras de com-postos complexos por meio de um tratamento de adsorção seletiva em escala de laboratório. Ufes e Petrobras

Ressonância magnética nuclearTrata-se de processo para a análise de fl uidos, em especial petróleos, utilizando a técnica de Res-sonância Magnética Nuclear para caracterização físico-química da amostra.Departamento de Química (CCE)

Produção de açosNova tecnologia para produção de aços com melho-res propriedades mecânicas, resistência à corrosão e custo reduzido. Pode ser aplicada em estruturas sol-dadas, parafusadas ou rebitadas e expostas à corrosão atmosférica ou marinha, sem necessidade de pintura.Departamento de Engenharia Mecânica (CT)

Germinação de sementesTrata-se de um processo de aceleração do período de germinação de sementes de Carica Papaya pela aplicação de pressão hidrostática, relacionando-se com as áreas de cultivo de plantas e reguladores de crescimento de sementes.PPG em Biotecnologia (CCS)

Bebidas alcoólicasTrata-se de um processo de fl oculação de leveduras não fl oculantes em cultura, usando canavalia ensifor-mis. Relaciona-se, entre outros, com o setor industrial de produção de bebidas alcoólicas, tais como alam-biques, vinícolas, cervejarias e indústrias de produ-ção de etanol, além do setor de energia em geral.PPG em Biotecnologia (CCS)

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I D E I A P R E M I A D A

Estudantes ganham

6º Prêmio Jovem JornalistaAs estudantes do curso de Jornalismo da Univer-sidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Jéssyka Saquetto, Laís Rocio e Rafaela Laiola ganharam o 6º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jor-dão, organizado pelo Instituto Vladimir Herzog. A premiação foi uma viagem para Israel, que foi rea-lizada em abril de 2015. A reportagem “Nossas Cláudias, Nossos Amaril-dos”, realizada pelas estudantes, com a orienta-ção do professor do Departamento de Jornalismo Victor Gentilli e mentoria do jornalista Paulo Oli-veira, concorreu com outros 135 projetos de pauta de todas as universidades de Jornalismo do Brasil.

O Prêmio tinha como tema “As Heranças do Golpe de 64”. Segundo Laís Rocio, a opção por abordar a vio-lência da Polícia Militar no Espírito Santo veio quando o grupo concluiu que os policiais militares são uma herança desse golpe, devido às abordagens violentas,

Os professores Paulo Oliveira e Victor Gentilli e as alunas, Laís Rocio, Rafaela Laiola e Jéssyka Saquetto recebem o prêmio

à repressão e ao policiamento ostensivo.As entrevistas, pesquisas e investigações dura-

ram seis meses e originaram o Jornal O Velho Oeste. “Nossa proposta era comprovar que no Espí-rito Santo também existiam muitos Amarildos e Cláudias, mesmo que seus casos não tenham sido repercutidos pela mídia”, afi rma.

Em Israel, o grupo teve a oportunidade de conhe-cer as cidades de Jerusalém, Tel Aviv, Haifa, Nazaré, Hebrom, localizadas na região da Cisjordânia, e duas cidades que fazem divisa com a Faixa de Gaza. Além da região do Mar Morto, também visitaram a antiga cidade de Masada e o Museu do Holocausto.

“A viagem me mostrou vários lados e posiciona-mentos políticos da região, despertando em mim a vontade de realizar um trabalho jornalístico denso, que possibilite documentar as diversas histórias que o mundo nos apresenta”, ressalta Laís.

Fotos: Divulgação

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I D E I A P R E M I A D A

Harmonização de Processos de Softwarerecebe o prêmio de melhor artigo na Espanha

O estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Informática Fabiano Borges Ruy, juntamente com os professores do Departa-mento de Informática Ricardo Falbo, Monalessa Barcellos e Giancarlo Guizzardi, receberam o Prê-mio de Melhor Artigo na categoria “Inteligência Artifi cial e Agentes”, no 30º Simpósio de Compu-tação Aplicada (ACM-SAC). O evento foi realizado em abril de 2015, pela Associação para Sistemas de Computação (Association for Computing Machi-nery - ACM), na cidade de Salamanca, Espanha.

O artigo, traduzido como “Rumo a uma Lingua-gem de Padrões Ontológicos para Harmonização de Normas ISO de Processos de Software”, propõe lin-guagem de padrões ontológicos voltada para a repre-sentação de processos de software e está dentro do tema de pesquisa do doutorado de Fabiano Ruy.

Segundo o estudante, as linguagens de padrões vêm sendo discutidas há algum tempo. “Muitas organizações buscam a melhoria de seus proces-sos por meio da implantação de normas de quali-dade, como a ISO 9001 e o CMMI, mas os conceitos e práticas das normas adotadas nem sempre estão alinhados entre si. A ideia do artigo é promover a integração conceitual, simplifi cando a implanta-ção”, explica Fabiano Ruy.

O Simpósio contou com 1.211 submissões em cinco categorias. “Esse prêmio reconhece o

trabalho que vem sendo realizado há anos pelo grupo. A conferência é muito tradicional na área de informática e está atualmente no extrato supe-rior na classifi cação de eventos científi cos da Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)”, afi rma um dos coordenadores do Núcleo de Estudos em Modelagem Conceitual e Ontologias (Nemo), Giancarlos Guizzardi.

Nemo

As pesquisas foram realizadas no Núcleo de Estudos em Modelagem Conceitual e Ontologias (Nemo) e esse prêmio é o décimo que o Núcleo ganha nos últimos 10 anos. Atu-almente, o Nemo é composto por seis professores e mais de 50 membros, entre estudantes de graduação e pós-gra-duação, além de receber alunos de outros países.

O Núcleo é um dos principais grupos do Brasil na área de Ontologias. Seus trabalhos visam à elaboração de teo-rias formais lógico-matemáticas para descrever concei-tos sobre a realidade. Além disso, criam técnicas para que as pessoas possam desenvolver seus próprios modelos.

O grupo tem uma participação grande em comitês internacionais e os produtos da sua linha de pesquisa são atualmente usados por diversas empresas privadas, órgãos governamentais e por universidades de diversos lugares do mundo.

O doutorando e os professores foram os autores do artigo premiado na categoria Inteligência Artifi cial e Agentes

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Prêmios para projeto

O Projeto de Extensão Preposformance, do curso de Artes Visuais da Ufes foi contemplado com o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea e com uma exposi-ção no Paço das Artes, ambos de São Paulo. Com as premiações, o grupo de artistas do projeto expora seus trabalhos em galerias da capital paulista.A idealização do projeto é do Grupo Práticas e Pro-cessos da Performance (3P), que desenvolve um processo de experimentação das performances em ambientes participativos e colaborativos é formado pelos artistas-professores Carlos Eduardo Borges, Marcos Martins, Ricardo Mauricio Gonzaga e Yiftah Peled, por meio da curadoria de depoimentos e recei-tas de performances extraídas do programa Lingua-gens Visuais no Ar, da Rádio Universitária (104,7 FM). Todos os professores têm pesquisas individuais liga-das às práticas poéticas do corpo e do espaço na área da performance e se reuniram para realizar o projeto.

Para o professor Yiftah Peled, as premiações atestam a qualidade no trabalho feito na Ufes. “Os dois prêmios foram avaliados de forma bastante cri-teriosa, os projetos estão em experimentação e já ganhamos uma projeção em nível nacional”, afi rma o professor. Yiftah explica que toda a atividade da exposição do projeto Preposformance envolve a pes-quisa, a extensão e a sala de aula.

Claro & escuroO espaço de exposição foi dividido com um painel

e áudios diferentes foram instalados em cada uma das partes. Do lado escuro, receitas de performan-ces para serem postas em prática, onde o visitante mergulha nas narrativas, imaginando-as. Do lado

do curso de Artes Visuais

O local de exposição foi separado com um painel. Na divisão dos ambientes, estão frestas e espaços de passagem em que

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Os artistas-professores da Ufes na Galeria Flávio de Carvalho, do Complexo Cultural Funarte, em São Paulo

claro, a lembrança de momentos performáticos vivi-dos por artistas, como receitas, onde o visitante tem a possibilidade de realizar a performance de forma dinâmica. Na divisão dos ambientes, estão frestas e espaços de passagem em que os áudios se misturam.

A Fundação Nacional de Artes (Funarte), do Governo Federal, é o órgão responsável pelo desen-volvimento de políticas públicas de auxílio às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo. Com o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea, a expo-sição do Preposformance ocupou, de abril a junho de 2015, a Galeria Flávio de Carvalho, do Complexo Cultural Funarte, em São Paulo.

O Paço das Artes, é uma galeria de arte multi-disciplinar subordinada à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, que possibilita a produção e o desenvolvimento de projetos artísticos e de cura-doria sob assistência da instituição. A exposição foi realizada de julho a setembro de 2015.

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I N S T I T U C I O N A L

Pesquisar é um fazer que envolve o desejo de solucionar algo, de descobrir ou estabele-cer fatos ou princípios relacionados a diver-sas áreas do conhecimento humano. E esse

desejo pode estar vinculado a motivações ou provo-cações surgidas durante os estudos na graduação. No departamento do curso de Serviço Social da Ufes há a preocupação em formar indivíduos para atuar em diversas áreas e campos institucionais que promovem o exercício pleno da cidadania.

Para atingir o objetivo, começa na graduação o incentivo à pesquisa, aliando a teoria à prática por meio de programas e projetos de extensão e pes-quisa. O curso possui quatro Programas de Educação Tutorial (PET) e nove núcleos temáticos, que desen-volvem atividades de extensão e pesquisa na Grande Vitória e no interior do Estado. A atuação dos estu-dantes nessas atividades e em ações concretas extras-sala de aula é mais um caminho adotado pelo curso na formação profi ssional do aluno em conjunto com a análise da realidade.

Em 1970, foi criado o curso de Serviço Social a partir de uma demanda liderada pela assistente social Eliseth Cardoso e que contou com entidades capixa-bas, como o Serviço Social da Indústria do Espírito Santo (Sesi), a partir de uma carência de profi ssionais no mercado capixaba. O Departamento de Direito recebeu a proposta e, a partir de um projeto pedagó-gico, acolheu a constituição da coordenação do curso. Em 16 de dezembro de 1970, o Conselho Universitá-rio aprovou a sua criação e, hoje, juntamente com os cursos da pós-graduação, é “uma referência na for-mação profi ssional de assistentes sociais no Espírito

Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, de acordo com a avaliação da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social”, afi rma a coordenadora do curso, professora Maria Madalena Nascimento Sartim.

A cada semestre, 46 estudantes ingressam no curso, que, no primeiro semestre de 2015, possuía 352 alunos. Entre os demais cursos da instituição, ele está entre os que têm a menor taxa de evasão e o maior número de concluintes por semestre letivo. Na década de 1990, o curso expandiu para a pós-graduação lato sensu e, em 2003, o Conselho Uni-versitário aprovou o Programa de Pós-graduação em Política Social (PPPS) que, atualmente, conta com o mestrado, o doutorado e o pós-doutorado.

As pesquisas realizadas no Programa de Pós-gra-duação em Política Social (PPGPS) têm como área de concentração Política Social, Estado e Sociedade e atua em parceria com os departamentos de Eco-nomia e Ciências Sociais. Suas duas linhas de pes-quisa são: Reprodução e estrutura do capitalismo contemporâneo, e políticas sociais, subjetividade e movimentos sociais. O Programa publica a Revista Argumentum, periódico avaliado A2 pela Capes.

“Nossos graduandos e pós-graduandos saem da Universidade comprometidos com os valores centra-dos na melhoria da qualidade da sociedade. Como atuamos nas políticas públicas sociais, nos últimos anos houve um crescimento da demanda por assis-tente social, principalmente, no âmbito da política de assistência pública, política esta que tinha como obje-tivo a inclusão dos mais pobres, fazendo com que em muitos concursos chegassem a ser oferecidas mais de 100 vagas para esse profi ssional, como ocorreu nos

Serviço Social:Curso conta com quatro Programas de Educação Tutorial (PET) e nove núcleos

temáticos, que desenvolvem atividades de extensão e pesquisa na Grande Vitória e no interior do Estado

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municípios de Vila Velha, Serra e Vitória. Acrescento ainda as vagas surgidas nas Associações de Direitos, nos conselhos municipais, estaduais e nacionais, nas ONGs e no setor empresarial”, explica a professora.

Pesquisa e extensãoDepois das disciplinas ministradas na graduação,

o estudante do curso de Serviço Social expande sua área de atuação e participa das atividades desenvol-vidas pelos núcleos e grupos, cuja ação extrapola o campus, chegando às comunidades da Grande Vitó-ria e ao interior do Estado. Às vezes, essa partici-pação em projetos provoca no estudante o querer saber mais, o aprofundamento, os questionamentos que o conduzem à pós-graduação.

Os nomes dos núcleos/grupos por si só esclarecem essa demanda, que anualmente chega a 200 estu-dantes: Núcleo da Criança e do Adolescente (Neca); Núcleo de Estudos e Assessoramento à Pessoa Idosa (NEEAPI); Núcleo de Estudos em Movimentos e Prá-ticas Sociais (Nemps); Núcleo de Estudos sobre o Tra-balho (NET); Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Segurança Pública e Direitos Humanos (Nevi); Grupo de Estudos e Pesquisas em Análise de Políti-cas Públicas (Fenix); Grupo de Estudos sobre Políti-cas Sociais e Urbanas, Fundo Público e Serviço Social (Interface); e Grupo de Estudos sobre Cultura e Educa-ção Popular. Esses núcleos e grupos também realizam

cursos de extensão, seminários e mesas-redondas.Além desses, há também o Programa de Educa-

ção Tutorial, o de Educação pelo Trabalho e o Pro-grama de Residência Multiprofi ssional em Saúde (Centro de Ciências da Saúde, campus de Maru-ípe). Em 2014, o Programa de Capacitação (Suas), em convênio com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e com a Secretaria de Estado da Assistência Social e Direitos Huma-nos (SEADH-ES), atuou na qualifi cação de 500 par-ticipantes – conselheiros, gestores e trabalhadores da Assistência Social – nos municípios de Cacho-eiro de Itapemirim, Colatina e Linhares.

De todos os programas desenvolvidos, o mais antigo é o Programa Universidade Aberta à Terceira Idade (Unati), que atende aproximadamente 200 ido-sos a cada ano letivo, contribuindo para a qualidade de vida dos participantes e também infl uenciando as políticas públicas destinadas a esse público.

Como diz a professora Madalena Sartim, “à uni-versidade, que é um espaço de pesquisa, produção e experimentação de conhecimento, compete a forma-ção intelectual e humana de sujeitos sociais e cidadãos comprometidos com valores centrados na melhoria da qualidade da sociedade. A formação em Serviço Social converge com tais fi nalidades na medida em que se pauta em princípios éticos, tais como: a defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo; a defesa, aprofundamento e consolidação da cidadania e da democracia; o posi-cionamento a favor da equidade e da justiça social; o empenho na eliminação de todas as formas de pre-conceito e a garantia do pluralismo; e o compromisso com a qualidade dos serviços prestados na articulação com outros profi ssionais e trabalhadores”.Para a professora Madalena Sartim, o foco do curso está

na formação de cidadãos comprometidos com valores centrados na melhoria da qualidade da sociedade

Foto: Arquivo Supecc

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Apesar de já ter passado mais de cem anos de sua morte, o pensador José Martí ainda está por ser descoberto tanto pelo mundo acadêmico das uni-versidades quanto pela história atual, que insiste nas velhas fórmulas dos mundos europeu e norte--americano. Ele não foi apenas um líder que lutou com as armas da escrita e das ideias pela liberta-ção de seu país, Cuba, contra a colonização espa-nhola. Ele anteviu também o risco que vinha do norte da América com seu expansionismo. Morreu na Batalha de Dos Rios lutando por Nuestra Ame-rica. É produtor de um saber crítico permeado de responsabilidade ética. Como muitos outros líde-res, sentia-se irmão dos demais povos latino-ame-ricanos, pois estava convencido de que “a Pátria é a humanidade”. A arquitetura das diversas naciona-lidades não se contrapunha com esse ideal pátrio.

Martí entendia que a independência não era apenas a autonomia de governo ou a troca de amo (colonizador), mas a busca de igualdade, autenti-cidade e autonomia para os povos latino-america-nos. Ele e outros revolucionários já sentiam o risco da política norte-americana pautada pela Doutrina Monroe resumida no slogan “A América para os americanos”, que objetivava o expansionismo vindo do norte. A história comprovou como isso foi e é, ainda hoje, verdadeiro. A independência é uma luta espiritual contra todas as formas de representação colonial, inclusive aquelas canonizadas pela fi lo-sofi a e pela literatura. A complexidade do mundo latino-americano não pode ser decifrada nem com o livro europeu, nem com o ianque.

A base das refl exões de Martí está na realidade cotidiana e por isso empreende um esforço gigan-tesco para tornar este caminhar histórico cada vez mais universal enquanto experiência de mundo. Então não se trata de pensar a sua Cuba, mas a “Nossa América”. Essa é a imagem-conceito para-digmática que o torna um pensador original e que

pode ser elevado a um ponto central na fi losofi a latino-americana. Assim, até a literatura que ele cultiva com muito esmero está marcada por um modo alternativo e, de certo modo, privilegiado da ação política. Pode muito bem ser chamada de uma literatura engajada.

A “Nossa América” nos convida a pensar sobre o que vem a ser a autoctonia e a identidade que nos une enquanto pátria. Para Martí, existe uma natu-reza particular americana, com características e especifi cidades próprias. Daí a necessidade impe-riosa de se buscar soluções. A autoctonia implica o desafi o de criação de formas políticas, econômicas e culturais próprias, em sintonia com a diversidade da realidade latino-americana. A América Latina é uma unidade histórico-social, resultante de elementos “naturais” e “civilizados”. O projeto colonial europeu só fez com que essa unidade fosse cortada ou inter-rompida historicamente. Para ele, as elites europeias se reproduziram nesta terra com o desenvolvimento de projetos de monocultura agrária e exploração de recursos naturais. Elas nunca vão promover o desenvolvimento econômico e social preconizado. Por esse motivo, a educação fi ca sempre patinando com diversas propostas nos governos que a história registrou. O pensamento martiano toma a direção de valorização da cultura autóctone sem abrir mão da crítica ao homem produzido pelo padrão civili-zatório ocidental.

Seus interlocutores não são apenas os países latino-americanos, mas todos os povos coloniza-dos e periféricos, como os árabes, os africanos e os asiáticos. Por isso pode-se afi rmar que “a pátria é a humanidade”. A universalização nasce de uma identidade comum em termos históricos.

É comum conceber o conceito de identidade como um todo orgânico, progressivo e harmônico. Para Martí, a identidade latino-americana é resul-tado de uma violenta interação de fragmentos

José Martí (1853-1895):

Edebrande Cavalieri*

I N S T I T U C I O N A L

Pensamento e Ação Política

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dispersos e anárquicos, pois o corpo da América foi desconjunturado e decomposto; são restos de códi-gos, fragmentos incongruentes de tradições em permanente luta. A ação política de independência implica condensar o disperso, reativar a totalidade orgânica perdida e presente em nossa história.

O caos não é o resultado da barbárie represen-tada pelos colonizadores, mas é a consequência da decomposição imposta às culturas tradicionais aqui presentes antes do processo colonial. A barbárie é resultado dos diversos processos de exclusão. Com-preende-se assim por que Martí resiste aos proces-sos modernizadores do século XIX na medida em que eles expressavam formas importadas, modelos estrangeiros. Na literatura, seu pensamento tam-bém expressa uma resistência à retórica do ‘saber dizer’ que produz uma leitura e uma escrita como pura ornamentação. A literatura é um grande meio capaz de revelar a ‘alma da terra’, capaz de disse-minar e inaugurar outras formas de representação sobre a realidade.

Gostaria de concluir esta breve exposição de alguns conceitos de José Martí registrando o que a Ufes realizou no dia 8 de dezembro de 2015 pres-tando homenagem a esse grande homem da terra latino-americana. Pela segunda vez, a Universidade registra, no campus de Goiabeiras, a exposição do busto do pensador doado pelo ex-governador do Espírito Santo Vítor Buaiz, juntamente com Homero Mafra, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 1995. Localizado em frente ao Prédio Bernadette Lyra está o busto, inaugurado com a presença da consulesa cubana Ivette Mar-tinez Leyva. Naquele dia, foi lançada a ideia de se instituir na Ufes a “Cátedra José Martí”, integrando fi losofi a, literatura, poesia, ciência política e histó-ria. Já existem cátedras José Martí em 17 países e, no Brasil, temos cinco. As terras capixabas podem também ser o berço para fazer crescer entre nós uma proposta de pensamento que une teoria e ação política.

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*Professor do Departamento de Filosofi a

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62 UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Neste ano de 2015, a Editora da Ufes (Edufes) completa 20 anos. Criada em 1995 pelo então secre-tário de Produção e Difusão Cultural (SPDC), profes-sor Francisco Aurélio Ribeiro, a Edufes surgiu para atender às demandas universitárias relativas às publicações de caráter científi co e técnico. “Na SPDC tínhamos uma coleção chamada Cultura na Ufes, que priorizava as publicações literárias. Com o encerra-mento das atividades da editora da Fundação Ceci-liano Abel de Almeida, apresentamos a proposta de criação de uma editora ao Conselho Universitário. A Edufes foi criada e a comunidade universitária fi cou satisfeita”, explica o professor, que é também pre-sidente da Academia Espírito-Santense de Letras.

Há 20 anos publicizando o fazer científi co da Ufes

I N S T I T U C I O N A L

Edufes

Ao longo dos seus 20 anos, a editora publi-cou 600 obras. “Nos últimos quatro anos, a Edufes publicou 200 novos títulos. E, em 2012, iniciou--se, como política permanente, a disponibiliza-ção on-line das obras publicadas em papel”, diz o coordenador da editora, Washington R. dos San-tos. A Edufes publica livros didáticos; coletâneas selecionadas; traduções de obras clássicas para o português; publicações destinadas a valorizar os patrimônios culturais, históricos, literários, artísti-cos, arquitetônicos; trabalhos sobre temais atuais e relevantes; e obras que discutem a organização e o funcionamento das universidades e seus refl exos sobre a geração e a democratização do saber. As

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63UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Dez 2015

Editora da UFES a serviço da difusão do conhecimento

Sandra Reimão*

O livro é, desde a Antiguidade helenística até, pelo menos, o início do século XX, o principal veículo de registro, preservação, transmissão e recepção de ideias, informações e cultura e a ele estão vinculadas as noções de liberdade de expressão e opinião.

Uma editora universitária, por sua própria especifi ci-dade, é um espaço de publicação e difusão do conheci-mento acadêmico gerado por instituições universitárias e outras afi ns.

A Associação Brasileira das Editorias Universitárias (Abeu), entidade que há mais de 25 anos agrega editoras universitárias do Brasil inteiro e que conta com mais de 100 associados, em seus documentos ofi ciais, esclarece que sua função principal é a de dar mais visibilidade aos editores associados e à produção científi ca, acadêmica e cultural das Universidades, e, complementa que o foco maior é, pois, no livro técnico-científi co e pedagógico.

Gerar e difundir conhecimento científi co, conheci-mento técnico, produzir e promover as circulações de ideias são tarefas maiores das instituições universitá-rias e, entre elas, as editoras universitárias.

No conjunto das editoras universitárias brasileiras, a Editora da Ufes (Edufes) destaca-se pela sua longe-vidade, 20 anos de atuação, pela qualidade e variedade de seus títulos. Longa vida à Edufes e votos de conti-nuidade de sucesso em sua tarefa de difusão do melhor do conhecimento universitário.

(*) Professora livre-docente da Universidade de São Paulo, coordenadora do grupo de pesquisa Livros e outras mídias (http://livroseoutrasmidias.org) e, desde 2013, dedica-se ao projeto Livros e censura no Brasil: censura, circulação e comércio de livros na d itadura mili-tar - os pareceres censórios. É autora de dezenas de arti-gos sobre o mercado editorial e, entre outros, dos livros Repressão e resistência: censura a livros na ditadura mili-tar; Fusões: cinema, televisão, livro e jornal; Literatura policial brasileira e Mercado editorial brasileiro.

obras literárias são consideradas em edital espe-cífi co, com categorias defi nidas por meio do Prê-mio Ufes de Literatura.

Em 2004, a Edufes fi cou no topo do ranking da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu), com o maior número de livros publicados. Em parceria com a Abeu, a Edufes participou neste ano das feiras de Frankfurt, Guadalajara e da Feira Internacional do Livro de Medellín (Colômbia). “Essas são as feiras realizadas no exterior, mas nós também estamos nas principais feiras nacionais, regionais e locais, como as bienais do Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2015, por exemplo, a Edufes teve uma estante na 17ª Bienal Internacional do Livro, realizada no Rio de Janeiro”, afi rma Washington.

O secretário de Cultura da Ufes, Rogério Bor-ges, destaca que a participação da Edufes em dife-rentes eventos, seja para expor, seja para vender, “é importante para a divulgação de nossas pes-quisas, dos nossos escritores, e aponta a atuação da editora para além dos muros da Universidade”.

Conselho editorialAs propostas de publicação e outros temas

relativos à editora são avaliados por um conselho composto por representantes de todos os centros da Ufes. Os originais são avaliados em sua viabili-dade técnica pelo Conselho e enviados a pareceris-tas integrantes do Comitê Científi co, de acordo com a área de conhecimento da obra (Ciências Agrá-rias, Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológi-cas, Ciências da Saúde, Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Engenharias, Linguística, Letras e Artes). O Conselho Editorial pode nomear pare-ceristas ad hoc sempre que necessário.

Os livros que tiverem sua publicação aprovada são editados em formato impresso e em formato de e-book, seis meses após a publicação da versão impressa, ou apenas em formato digital, de acordo com a decisão do Conselho Editorial.

Os exemplares podem ser adquiridos na livra-ria da Edufes, que possui 90m² e fi ca no campus de Goiabeiras (Vitória/ES). Nesse local, não são comercializadas apenas as publicações da edi-tora, mas também de outras editoras universitá-rias. Os títulos de todas as obras publicadas pela editora também podem ser consultados no catá-logo, que está disponível no endereço eletrônico www.edufes.ufes.br.

Page 64: Revista Universidade | nº 05

Política de Formação de Professores

Alfabetizadores e Ensino da Leitura

Fernanda Zanetti Becalli

Recados de Tempo

Orlando Lopes,

Paulo Roberto Sodré e

Wilberth Salgueiro (Orgs.)

O Terribilíssimo Mal do Oriente

Sebastião Pimentel Franco

O Conflito entre o Paganismo, o Judaísmo

e o Cristianismo no Principado

Carolline da Silva Soares

Marx, Ricardo e Smith 2ª edição

Reinaldo Carcanholo

(in memorian)

Direitos de Propriedade Intelectual e

Inovação

Alain Herscovici (Org.)

Modernidade e Modernização no

Espírito Santo

Luiz Cláudio M. Ribeiro,

Leandro do Carmo

Quintão, Kellen Jacobsen

Follador e Gilton Luis

Ferreira (Orgs.)

Nas Rotas do Império2ª edição

João Fragoso,

Manolo Florentino,

Antônio Carlos Jucá e

Adriana Campos (Orgs.)

L A N Ç A M E N T O S

Page 65: Revista Universidade | nº 05

Políticas de Inovação no Setor Elétrico

Brasileiro

André Tosi Furtado

Vidas no Cárcere

André Mota do Livramento

e Edinete Maria Rosa

Cotidiano e Processos de Subjetivação

Roberta Carvalho Romagnoli

e Magda Dimenstein (Orgs.)

Trabalho, Igreja e Boteco

Jamily Fehlberg e

Paulo Rogério Meira

Menandro

Reis, Santos e Feiticeiros2ª edição

Gilvan Ventura

Máquinas Fantasmas na Escritura

Jiego Ribeiro

1. JULGAMENTO DAS CAUSAS REPETITIVAS - Luis Filipe Marques Porto Sá Pinto //

2. SORRISO DE PERSONA - Danilo Barcelos, Ester Abreu Vieira de Oliveira e Maria Mirtis Caser (Orgs.) //

3. COM DIAS CANTADOS (coleção II Prêmio Ufes de Literatura) - Israel Rozário //

4. A PAZ DOS VAGABUNDOS (coleção II Prêmio Ufes de Literatura) - João Albani //

5. PENSE MELHOR ANTES DE PENSAR (coleção II Prêmio Ufes de Literatura) - Renata Dembogurski //

6. QUANDO NÃO SOMOS MAIS (coleção II Prêmio Ufes de Literatura) - Vanessa Maranha //

7. COLETÂNEA DE POEMAS (coleção II Prêmio Ufes de Literatura) - Edufes (Org.) //

8. COLETÂNEA DE CONTOS E CRÔNICAS (coleção II Prêmio Ufes de Literatura) - Edufes (Org.) //

9. TRANSPOSIÇÕES - Alexsandro Rodrigues, Catarina Dallapicula e Sérgio Rodrigo da Silva Ferreira (Orgs.) //

10. NORMALIZAÇÃO DE REFERÊNCIAS NBR 6023:2002 - Biblioteca Central/Ufes (Orgs.) //

11. NORMALIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS E ACADÊMICOS - Biblioteca Central/Ufes (Org.) //

OBRAS DISPONÍVEIS EM FORMATO DIGITAL

A Edufes é filiada à Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu)

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Joyce Brandão – Bom dia cidade, 1978, Aquarela sobre papel, A 34,7 x L 27,0 cm. Nº de registro - 0094

Acervo da Universidade Federal do Espírito Santo, Galeria de Arte Espaço Universitário