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Geografia Revista do Departamento de Geociências ISSN 0102-3888 Reitor Pedro Alejandro Gordan VICE-REITORA Vera Lúcia Tieko Suguihiro GEOGRAFIA: Revista do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, é uma publicação semestral destinada a editar matérias de interesse científico de qualquer área de conhecimento, desde que tenham relação com a ciência geográfica Comissão de Publicação do Departamento de Geociências Coord. Prof. Claudio Roberto Bragueto Profa. Mirian Vizintin Fernandes Barros Funcionária: Edna Pereira da Silva Conselho Editorial Prof. Dalton Áureo Moro – UEM Prof. Eliseu Savério Spósito – UNESP – Presidente Prudente Prof. Francisco de Assis Mendonça – UFPR Prof. Geraldo Cesar Rocha – UFJF Prof. José Barreira – UEL Prof. José Paulo Piccinini Pinese – UEL Prof. José Pereira de Queiroz Neto - USP Profa. Maria Encarnação Beltrão Sposito – UNESP – Presidente Prudente Prof. Messias Modesto dos Passos – UEM Profa. Nilza Aparecida Freres Stipp – UEL Prof. Roberto Rosa – UFU Profa. Rosana Figueiredo Salvi – UEL Profa. Rosângela Doin de Almeida – UNESP – Rio Claro Profa. Sonia Maria Vanzella Castellar – USP Profa. Yoshiya Nakagawara Ferreira – UEL EDITORIAL VOLUME 10 – NÚMERO 1 – JAN./JUN. 2001 Universidade Estadual de Londrina É com satistafação que publicamos mais um número da revista Geografia, a qual vem se fortalecendo como um instrumento de divulgação dos trabalhos no âmbito da Geografia, na medida em que estamos contanto com o apoio do Curso de Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento, implantado no ano de 2001, junto ao Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina. Outra novidade é que, além da valiosa colaboração dos autores, com artigos inéditos sobre as mais variadas temáticas, incluindo ensino de geografia, questão agrária, questão urbana, epistemologia e geologia, estamos reeditando um trabalho, publicado originalmente em 1956, da professora Nice Lecoq Müller, que traz uma contribuição importante para o entendimento do processo de colonização do Norte do Paraná. Comissão de Publicação

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GeografiaRevista do Departamento de Geociências

ISSN 0102-3888

ReitorPedro Alejandro Gordan

VICE-REITORAVera Lúcia Tieko Suguihiro

GEOGRAFIA: Revista do Departamento deGeociências da Universidade Estadual deLondrina, é uma publicação semestraldestinada a editar matérias de interessecientífico de qualquer área de conhecimento,desde que tenham relação com a ciênciageográfica

Comissão de Publicação do Departamentode GeociênciasCoord. Prof. Claudio Roberto BraguetoProfa. Mirian Vizintin Fernandes BarrosFuncionária: Edna Pereira da Silva

Conselho EditorialProf. Dalton Áureo Moro – UEMProf. Eliseu Savério Spósito – UNESP –Presidente PrudenteProf. Francisco de Assis Mendonça – UFPRProf. Geraldo Cesar Rocha – UFJFProf. José Barreira – UELProf. José Paulo Piccinini Pinese – UELProf. José Pereira de Queiroz Neto - USPProfa. Maria Encarnação Beltrão Sposito –UNESP – Presidente PrudenteProf. Messias Modesto dos Passos – UEMProfa. Nilza Aparecida Freres Stipp – UELProf. Roberto Rosa – UFUProfa. Rosana Figueiredo Salvi – UELProfa. Rosângela Doin de Almeida –UNESP – Rio ClaroProfa. Sonia Maria Vanzella Castellar – USPProfa. Yoshiya Nakagawara Ferreira – UEL

EDITORIAL

VOLUME 10 – NÚMERO 1 – JAN./JUN. 2001

UniversidadeEstadual de Londrina

É com satistafação que publicamos mais um

número da revista Geografia, a qual vem se

fortalecendo como um instrumento de divulgação

dos trabalhos no âmbito da Geografia, na medida

em que estamos contanto com o apoio do Curso

de Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e

Desenvolvimento, implantado no ano de 2001,

junto ao Departamento de Geociências da

Universidade Estadual de Londrina.

Outra novidade é que, além da valiosa

colaboração dos autores, com artigos inéditos sobre

as mais variadas temáticas, incluindo ensino de

geografia, questão agrária, questão urbana,

epistemologia e geologia, estamos reeditando um

trabalho, publicado originalmente em 1956, da

professora Nice Lecoq Müller, que traz uma

contribuição importante para o entendimento do

processo de colonização do Norte do Paraná.

Comissão de Publicação

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Editora da Universidade Estadual de Londrina

Campus UniversitárioCaixa Postal 6001

Fone/Fax: (43) 371-4674E-mail: [email protected]

86051-990 Londrina - PR

Comissão de Publicação do Departamento de GeociênciasProf. Claudio Roberto BraguetoProfª Mirian Vizintin Fernandes BarrosFuncionária: Edna Pereira da Silva

Conselho EditorialProf. Dalton Áureo Moro – UEMProf. Eliseu Savério Spósito – UNESP – Presidente PrudenteProf. Francisco de Assis Mendonça – UFPRProf. Geraldo Cesar Rocha – UFJFProf. José Barreira – UELProf. José Paulo Piccinini Pinese – UELProf. José Pereira de Queiroz Neto - USPProfa. Maria Encarnação Beltrão Sposito –UNESP-PresidentePrudenteProf. Messias Modesto dos Passos - UEM-Profa. Nilza Aparecida Freres Stipp – UELProf. Roberto Rosa - UFUProfa Rosana Figueiredo Salvi – UELProfa. Rosângela Doin de Almeida – UNESP-Rio ClaroProfa. Sonia Maria Vanzella Castellar - USPProfa Yoshiya Nakagawara Ferreira - UEL

Editoração Eletrônica e ComposiçãoKely Moreira Cesário

CapaProjeto Ilustração – UEL / CECA / Arte / DesignCoord.: Cristiane Affonso de Almeida Zerbeto\toVice-Coord.: Rosene Fonseca de Freitas MartinsAluno: Alexandre Hayato Shimizu

Normalização Documentária e Revisão GeralIlza Almeida de Andrade CRB 9/882

Montagem e AcabamentoAntonio Moacyr FerreiraRubens Vicente

Geografia / Departamento de Geociêrncias, Universidade Estadualde Londrina – Vol. 1, nº 1 (Dez, 1983)- .– Londrina : Ed.UEL, 1983- .v. ; 29 cm

Semestral. Publicado anualmente até 1993.Suspensa de 1994-1998.Descrição baseada em: Vol. 8, nº 1 (Jan./Jun. 1999)

ISSN 0102-3888

1. Geografia humana – Periódicos. 2. Geografia física –Periódicos. I. Universidade Estadual de Londrina. Departamentode Geociências.

CDU 91 (05)

Geografia: Revista do Departamento de GeociênciasUniversidade Estadual de LondrinaCentro de Ciências ExatasDepartamento de GeociênciasCaixa Postal, 600186051-990 – Londrina – ParanáFone: (43) 371-4246 - Fax: (43) 371-4216E-mail: [email protected]

PEDE-SE PERMUTA

Indexada em Geodados

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GEOGRAFIA – LONDRINA – VOLUME 10 – NÚMERO 1 – JAN./JUN. 2001

GeografiaRevista do Departamento de Geociências

EDITORIAL...................................................................................................................... ........................ 1

FRAGMENTAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE LONDRINA ........................................................... 5William Ribeiro da Silva

RISCOS AMBIENTAIS E CUSTOS DE URBANIZAÇÃO – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS........................................................................... 15Yoshiya Nakagawara Ferreira, Eduardo Marandola Jr.

EM DEFESA DOS ESTUDOS DAS CIDADES PEQUENAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA ...... 27Tânia Maria Fresca

GUIA METODOLÓGICO DE TRABALHO DE CAMPO EM GEOGRAFIA ................................. 35Antonia Brito Rodrigues, Claudia Arcanjo Otaviano

CONTRIBUIÇÕES DA SEMIOLOGIA GRÁFICA PARA A CARTOGRAFIA BRASILEIRA .......... 45Rosely Sampaio Archela

TENTATIVA DE SISTEMATIZAÇÃO DE TENDÊNCIAS DO PENSAMENTOSOCIAL CONTEMPORÂNEO BUSCANDO A SUA REFLEXÃONO CAMPO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO..................................................................... 51Rosana Figueiredo Salvi

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DOASSENTAMENTO SERRARIA/ TAMARANA- PR ............................................................................. 63Jeani Delgado Paschoal Moura

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO GRADIENTE HIDRÁULICO DO AQÜÍFEROFREÁTICO EM UMA ÁREA NA REGIÃO SUL DE LONDRINA – PR. .......................................... 79André Celligoi, Maurício Moreira dos Santos, Thiago Rossi Viana

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO NORTE DO PARANÁ ........................................................ 89Nice Lecocq Müller

INSTRUÇÕES PARA PUBLICAÇÃO ................................................................................................ 119

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5Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2001

Fragmentação do Espaço Urbano de Londrina

William Ribeiro da Silva *

RESUMOO presente texto tem por objetivo explicitar a forma urbana de Londrina em seu caráter poli(multi)centralizante,fazendo uma rápida análise do processo de crescimento da cidade e de fragmentação do seu espaço. Concebemos queesta fragmentação amplia a segmentação urbana, sendo uma característica do modo capitalista de produção que éseletivo e excludente. Realizamos uma análise dos fluxos das pessoas nos transportes coletivos urbanos por acreditarque sejam reforçadores do processo descentralização e de redefinição da centralidade. Chegamos às considerações deque a cidade a importância do Centro Tradicional em Londrina ainda é grande, mas que as novas áreas centrais estão sedesenvolvendo ampliando sua atração. Encontramos centralidades que atraem pessoas, mercadorias, capitais e idéiasem diferentes escalas (intra e inter urbana) e de diferentes padrões socioeconômicos, revelando a segmentação doespaço urbano de Londrina.

PALAVRAS-CHAVE: centralidade; segmentação urbana; centro; transporte coletivo; fragmentação.

Sendo assim, este trabalho pretende colocarem evidência a fragmentação urbana de umacidade de médio porte (Londrina-PR), a qualacreditamos estar em processo intenso defragmentação, devido à conjuntura de diferentesinteresses envolvidos, destacando os promotoresimobiliários e o poder público, os quais atuamde acordo com os interesses do modo capitalistade produção.

Nas áreas metropolitanas, devido aocrescimento muito mais acelerado, o processode fragmentação já alcançou níveis maiscomplexos, pois a própria extensão contribuide forma decisiva para formação de enclaves.No entanto, a partir dos anos 70, com odesenvolvimento dos meios de transportes(coletivos e individuais) as cidades de médioporte também iniciaram o processo defragmentação, pois possibilitou aos moradoresdas cidades buscarem lugares mais distantes docentro urbano para constituir residência,surgindo a formação de novas centralidades

* Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Londrina. Mestrando em Geografia pela FCT/UNESP,campus de Presidente Prudente-SP, sob orientação da Prof.a Maria Encarnação Beltrão Sposito. Bolsista FAPESP.e-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

A discussão sobre as diferentes tendênciasexpressadas pelo espaço urbano mostra que suaprodução se faz cada vez mais de formafragmentada1. O crescimento das cidades fez-se acelerado e possibilitou, por uma lógica deinteresses de classes sociais, aumentar o territórioda cidade e diferenciar seu espaço de acordocom níveis de rendimento (classes sociais).Vários são os elementos que possibilitam afragmentação do espaço urbano, entre eles aprodução de enclaves2, que seriam os limites dasáreas de influência das novas centralidades quese formam. Portanto, temos uma ruptura coma cidade centralizadora em um único ponto,que permite a convivência entre as diferentescamadas da população, passando para umacidade que se mostra poli(multi)nucleada,utilizando das palavras de Henri Lefebvre,quando trata da implosão/explosão da cidadecontemporânea.

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6 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2001

urbanas. É importante salientar que as novascentralidades podem ser diferenciadas de acordocom sua escala de influência e da camada socialque atraem.

Iremos demonstrar as contradições entre ocrescimento populacional e espacial e osdiferentes usos do solo urbano e fluxos internose externos de Londrina, de modo que se explicitea produção do espaço urbano com diferenciadas

formas de apropriação deste espaço,demonstrando o seu padrão depoli(multi)centralidade e de fragmentação, coma análise de duas novas expressões decentralidade, que são o “Catuaí ShoppingCenter” e os “Cinco Conjuntos – Zona Norte”,áreas que apresentam grandes diferenciaçõesquanto ao padrão de centralidade (escala ecamada social que atraem).(Ver figura 1)

Figura 1 – Localização das Áreas de Estudo.

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1. PRODUÇÃO E APROPRIAÇÃO DOESPAÇO URBANO DE LONDRINA

As diferentes lógicas de produção do espaçourbano estão relacionadas com os interessesenvolvidos em tal produção, de modo que nãomais interessa o valor de uso, mas sim o valorde troca do espaço. Isto representa que a cidadeestá subordinada à lógica do capital e serve comoespaço privilegiado para sua reprodução.

Segundo Sposito (1997, p. 64),

a cidade é, particularmente, o melhor lugar ondese reúnem as melhores condições para odesenvolvimento do capitalismo. O seu caráter deconcentração e densidade, viabiliza a realizaçãocom maior rapidez do ciclo do capital, ou seja,diminui o tempo entre o primeiro investimentonecessário à realização de uma determinadaprodução e o consumo do produto. A cidade reúnequalitativa e quantitativamente as condiçõesnecessárias ao desenvolvimento do capitalismo, epor isso ocupa o papel de comando na divisãosocial do trabalho.

Desta forma, a produção do espaço urbanose faz de forma coletiva, envolvendo váriascamadas da sociedade, entre elas os operáriosda construção civil, construtoras, imobiliárias,proprietários fundiários e até mesmomovimentos sociais, sob o respaldo do poderpúblico, que possui a tarefa/poder de criar/elaborar/sancionar leis que regulamentam oespaço urbano, como a de uso do solo ou a dezoneamento urbano.

Ressalte-se que o poder público empregadinheiro público na implantação de infra-estruturas que serão apropriadas de formaprivada por uma camada seleta da cidade. Destaforma, Rémy e Voyé (1994) afirmam que aprodução do espaço urbano se faz de formacoletiva e sua apropriação se faz de formaprivada e seletiva, e destacam que,

tais situações fazem com que a cidade já não maisapareça como o lugar da escolha a não ser a umaminoria cada vez mais restrita da população: a quedispõe de um rendimento nitidamente superiorao da procura média que rege o mercado dahabitação. (Rémy e Voyé, 1994, p. 124)

Portanto, devemos direcionar a devidaatenção ao poder público que possui o papel deregulamentador da reprodução capitalista,criando condições propícias para a acumulaçãocapitalista, através da implantação de infra-estrutura e do sancionamento de leisregulamentadoras do espaço urbano, como jámencionamos anteriormente.

Em Londrina, em ambas áreas escolhidaspara o estudo, encontramos uma atuaçãodecisiva do poder público, pois:

a) O “Catuaí Shopping Center”, foi construídoem 1990, com capital de uma construtoralocal, numa área da cidade carente deocupação populacional e de infra-estruturas,o que demandou do poder público umaintensa implantação de infra-estruturas[avenida de acesso de alta velocidade, viadutopara intersecção com rodovia de grande fluxode veículos (eixo de ligação com outrascidades de menor porte)].

Este empreendimento expressa umacentralidade que extrapola os limitesmunicipais, atraindo população de váriascidades da região, exercendo, portanto, umacentralidade inter-urbana. Atualmente há umaintensa valorização do solo na região do shoppinge a implantação de vários condomínios residenciaishorizontais de alto padrão.

b) Os chamados “cinco conjuntos” na ZonaNorte foram criados nos anos 70 por umapolítica de construção de conjuntoshabitacionais para população de menoresrendimentos, em área bastante distante docentro da cidade, e que não possuía ligaçãoatravés de linhas de ônibus ou de vias rápidas.No entanto, atualmente, após seu rápidocrescimento populacional (aproximadamente100.000 habitantes) e da instalação deequipamentos comerciais em quantidade evariedade consideráveis, o poder públicoiniciou a instalação de infra-estruturas. Coma ampliação do comércio na Zona Norte,temos a expressão de uma centralidade local,ou seja, intraurbana.

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8 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2001

Percebemos, então, que no primeiro casohouve uma produção do espaço comfinanciamento do poder público, para umestabelecimento privado que atende a uma seletapopulação com rendimentos elevados, nãosendo, portanto, de uso da coletividade dapopulação, não justificando o investimentopúblico. E no segundo caso, temos uma áreahabitada por uma grande população de baixosrendimentos que não recebeu de imediato aimplantação de infra-estrutura suficiente, o qual

somente foi parcialmente implantado porreivindicações populares3.

A cidade de Londrina, fundada em 1929 eelevada a condição de município no ano de1934 por uma companhia inglesa (Companhiade Terras Norte do Paraná) que visava acolonização do norte do Paraná, cresceu a partirdo seu centro tradicional, foi inicialmenteprojetado para comportar 20.000 habitantes, quelogo foi superado nos primeiros anos após suafundação.(ver tabela 1)

Tabela 1 – Evolução da População de Londrina

Seu desenvolvimento se deu principalmentepela centralidade que exercia e exerce sobre asdemais cidades da região e também sobre a árearural bastante dinâmica. Seu crescimentourbano original deu-se entre os divisores de águado Ribeirão Cambézinho (sul da cidade) e oRibeirão Quati (norte da cidade), o qualterminou formando uma certa noção de enclavepor parte da população, e o que dificultava odesenvolvimento de outras áreas da cidade.

Com a implementação de políticas públicas deimplantação de infra-estruturas e de construçãode conjuntos habitacionais populares, a partirdos anos de 1970, a cidade se estendeu eultrapassou o divisor de águas do RibeirãoQuati, alcançando o Ribeirão Lindóia eformando, primeiramente pela distância(enclave) em relação ao centro tradicional umacentralidade que atende aos habitantes da área(Zona Norte). – (ver tabela 2)

Tabela 2 – Número de Unidades Residenciais em Conjuntos Habitacionais Construídos em Londrina – 1993

ANO POP. URBANA POP. RURAL TOTAL

1935 4.000 11.000 15.0001940 19.531 64.765 75.2961950 33.707 33.144 66.8511953 48.000 42.000 90.0001960 77.382 57.439 132.8211970 163.871 64.661 288.5321980 267.102 34.647 301.7491991 376.676 23.424 390.1001996 396.530 16.364 412.8942000 433.264 13.585 446.849

Fonte: Müller (1956, p. 91). Censos Demográficos do IBGE. 1950, 1970, 1980 e 1991.Sinopse preliminar do Censo Demográfico 1960 e 2000, IBGE e Plano Diretor de Londrina, 1997.

Região 1970/79 1980/89 1990/92 TotalNorte 8.369 5.577 1.695 15.641Sul 938 2.878 320 4.136Leste 1.149 1.606 1.264 4.019Oeste 726 2.226 595 3.547Centro 34 396 0 430Total 11.216 12.683 3.874 27.773Fonte: Cavallari, (1996, p. 41)

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Posteriormente, com o desenvolvimento dosmeios de transportes, e com a descentralizaçãodos transportes coletivos, com a criação dosterminais de bairro, com o processo dedescentralização dos equipamentos urbanos, acidade apresenta uma dinâmica que se mostrapolinucleada, mas que ainda preserva o fortepapel de atração do centro tradicional.Retomaremos esta discussão posteriormente.

2. CRESCIMENTO ESPACIAL DELONDRINA

Realizamos um estudo no grupo de pesquisaIMAP (Imagens e paisagens) do departamento deGeociências da UEL, para verificação docrescimento da área urbana de Londrina, entre osanos de 1996 e 1998, portanto, um períodoreduzido, porém que revela as características recentesdo crescimento urbano de Londrina. Para tal estudo,utilizamos imagens de satélite Landsat TM, de 1996e 1998, operadas no sistema de informaçãogeográfica SPRING, no qual delimitamos operímetro da área loteada nos respectivos anos ealcançamos os seguintes resultados:

Gráfico 1 – Crescimento da Área loteada de Londrina-Pr .

0

20

40

60

80

100

120

1996 1998

(Km2 )

Fonte: Ribeiro, 1998

Encontra-se, portanto, um crescimento deaproximadamente 4,58 Km2 , entre os anos de1996 e 1998, equivalendo a 4,45% da árealoteada de Londrina-PR (Ver gráfico 1), sendoum crescimento considerado rápido devido aoreduzido intervalo de tempo (apenas 2 anos).

Percebe-se que houve um crescimento daárea loteada principalmente nas regiões norte esul da cidade, devido às demais extremidadesestarem quase que totalmente aglomeradas comcidades vizinhas (Cambé-oeste e Ibiporã-leste).Além das políticas de novos loteamentosadotadas pela prefeitura municipal e pela intensaformação de favelas e assentamentos urbanos,principalmente, nas regiões norte e sul.

Porém devemos considerar este crescimentoacelerado como um agravante no processo defragmentação, pois além de aumentar asdistâncias dentro da cidade contribui para ofortalecimento dos enclaves.

3. FRAGMENTAÇÃO DO ESPAÇOURBANO DE LONDRINA

Na figura 1 percebemos que as duas áreasem estudo se apresentam relativamenteintegradas ao tecido urbano, porém temos queexplicitar que além da forma urbana faz-senecessário também o estudo da circulação, ouseja, dos fluxos de pessoas, veículos, idéias,decisões, etc. Para tal devemos realizar umestudo da centralidade urbana.

Partimos, então, da concepção de que nãoexiste cidade nem ambiente urbano sem queexista um centro (Lefebvre, 1999). Acentralidade urbana pode se expressar sobdiversos padrões, os quais podem ser de escalaintra e inter-urbana e na atração de populaçõesde classes sociais diferenciadas, realizando,portanto, o surgimento de novas centralidadesque ampliam a fragmentação do espaço urbano.

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10 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2001

Desta forma Lefebvre (1999, p. 46) afirma que:

Esse espaço urbano é contradição concreta. Oestudo de sua lógica e de suas propriedades formaisconduz à análise dialética de suas contradições. Ocentro urbano é preenchido até a saturação; eleapodrece ou explode. As vezes invertendo seusentido, ele organiza em torno de si o vazio araridade. Com mais freqüência, ele supõe e propõea concentração de tudo o que existe no mundo,na natureza, no cosmos: frutos da terra, produtosda indústria, obras humanas, objetos einstrumentos, atos e situações, signos e símbolos.Em que ponto? Qualquer ponto pode tornar-se ofoco, a convergência, o lugar privilegiado. De sorteque o todo o espaço urbano carrega em si essepossível-impossível, sua própria negação. De sorteque todo espaço urbano foi, é, e será, concentradoe poli(multi)cêntrico.

A contribuição de Sposito (1991, p.16)corrobora com o pensamento, de modo que,

O processo de produção de novas formas/expressão da centralidade são reforçadores noçãode concentração, na medida em que se reproduzas formas de centralidade, ao se exprimir numa‘poli(multi)centricidade’ e, portanto, numaestrutura urbana multinuclear, que caminha parauma segregação espacial.

Salgueiro (1998, p.41) afirma que com afragmentação do espaço urbano há osurgimento de uma nova configuração na lógicainterna das cidades, de modo que

O centro perde a especificidade regional e acolhefunções determinadas por processos longínquosde caráter global e a continuidade com a periferiaé desafiada pela multiplicação das centralidades.(...)Este processo é particularmente visível na estruturaterciária com o declínio do centro tradicional e aemergência de novas centralidades, pólos decomércio, e de serviços com grande capacidadede atração que disputam clientelas, uma vez queos novos padrões de mobilidade acabaram com aexclusividade das áreas de mercado dos pontos devenda definidas pela distância aos consumidores.

Entendemos, portanto, que a centralidadepode ser considerada móvel, ou seja, pode seexpressar em diferentes lugares, sob diferentes

padrões, dependendo do horário ou do dia.Desta forma, qualquer lugar pode exercer umacentralidade.

Para verificação da centralidade emLondrina, realizamos um estudo com o sistemade transporte coletivo que foi descentralizadoem 1996 (ver figura 2), havendo a criação determinais de transporte coletivos nos bairros deLondrina, favorecendo a criação de novascentralidades. O estudo baseou-se nos fluxosde pessoas que passam pelas catracas de cadaterminal urbano da cidade entre os meses dejaneiro a setembro de 2000, com o intuito deverificar a centralidade expressada por cadaterminal urbano.(Ver tabela 3)

Percebemos que existe uma distribuição dosfluxos populacionais pela cidade e que osterminais de ônibus urbano podem registraresses fluxos, o que pode evidenciar centralidadesque se formam a partir destes terminais.

Encontramos uma centralidade móvel, quepode aparecer de acordo com o dia da semana,isto ainda não considerando o horário do dia, oque também evidenciaria uma centralidade móvel.

No terminal Vivi Xavier, na zona norte,encontramos um fluxo constante, relativamenteelevado, durante os dias úteis da semana,diminuindo significativamente nos finais desemana. O mesmo não ocorre com os terminaisdo Shopping e da rodoviária, que continuamexercendo uma centralidade, mesmo nos finaisde semana. (sábado e domingo)

No entanto, o terminal central continua sendoponto de convergência/dispersão da populaçãocom um fluxo muito superior aos demais em todosos dias da semana, o que mostra ainda umacentralidade significativa. (Ver gráfico 2)

Com esta análise foi possível registrar osfluxos das pessoas que utilizam os ônibusurbanos, desconsiderando os fluxos dos meiosde transporte individuais/particulares. Para tal,seria necessário a contagem destes fluxos empontos selecionados na cidade, o que poderiafornecer um dado muito importante para aanálise da multicentralidade de Londrina. Mas,como a pesquisa está em andamento, ainda nãofoi possível realizar tal verificação.

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11Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2001

Figura 2 – Descentralização dos Terminais de Transporte Coletivo de Londrina-PR.

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12 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2001

Tabela 3 – Fluxos dos terminais de transportes coletivos urbanos de Londrina-PR4

*Note-se que os dados são referentes ao número de pessoas que passam pelas catracas dos terminais e não o número total de pessoas.Fonte: CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização de Londrina), janeiro a setembro de 2000.

Gráfico 2 – Fluxos dos terminais de transportes coletivos urbanos de Londrina-PR*

0

100000

200000

300000

400000

500000

600000

700000

800000

900000

2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira Sábado Domingo

VIVI

OURO VERDE

MILTON GAVETTI

ACAPULCO

SHOPPING

RODOVI ÁRIA

CENTRAL

*Note-se que os dados são referentes ao número de pessoas que passam pelas catracas dos terminais e não o número total de pessoas.Fonte: CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização de Londrina), jan / setembro de 2000.

Terminais 2ª Feira 3ª Feira 4ª Feira 5ª Feira 6ª Feira Sábado Domingo Total Média Percentual

VIVI 38219 39038 43626 40127 41461 32788 18775 254034 36290,6 4,29

OURO VERDE 31967 32967 32711 32305 32651 25823 14780 203204 29029,1 3,43

MILTON

GAVETTI 13069 13190 14445 13425 14160 9745 6984 85018 12145,4 1,43

ACAPULCO 19283 20478 21820 21514 21025 17799 13243 135162 19308,9 2,28

SHOPPING 46034 53860 84926 62201 57100 74205 43645 421971 60281,6 7,13

RODOVIÁRIA 39677 31518 31132 29290 37470 34992 38961 243040 34720 4,11

CENTRAL 730020 753743 785010 723040 730453 550393 295025 4567684 652526 77,28

TOTAL 918269 944794 1013670 921902 9343020 745745 431413 5910113 - 100

MÉDIA 133381 134971 144810 131700 133474 106535 61630 - - -

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13Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2001

Considerando a relação entre os fluxos dosterminais de transporte coletivos urbanos e aquantidade de linhas de ônibus que percorremcada um, chegamos a reflexão que reforça aopinião da importante centralidade expressadapelos terminais de transporte coletivos deLondrina, principalmente dos localizados naZona Norte de Londrina, os quais serão objetosde estudos posteriores, pois, os terminais do ViviXavier, do Ouro Verde e do Milton Gavetti,localizados na Zona Norte, possuem númerode 9 a 15 linhas de ônibus, que fazem a ligaçãocom a área do Centro Tradicional da cidadeprincipalmente com outros loteamentos daZona Norte, expressando, portanto, umacentralidade local de importância considerávelquando acrescida dos estabelecimentoscomerciais e de serviços.

No entanto, é necessário mencionar aimportância forte que o terminal centraldesempenha. Além dos fluxos de pessoas seremsempre muito elevados em relação aos demaiseste possui 49 linhas de ônibus que fazem aligação com todas as regiões da cidade,reforçando a importância do centro tradicional.

Pensando a cidade enquanto conjunto,devemos considerar que o crescimento urbanoe a formação de novas centralidades só se fazempossíveis com a aliança de vários fatores4, dentreeles devemos atribuir a importância devida aodesenvolvimento dos meios de transporte.

Os meios de transporte possuem seudesenvolvimento relacionado à sociedadeindustrial e, portanto, devem ser entendidos apartir do modo capitalista de produção. Destaforma, os meios de transporte facilitam asrelações de troca e permitem que a populaçãopossa residir em lugares afastados do centro dacidade e ainda assim, possam manter relaçõescom o mesmo. Com isso, seu desenvolvimentopossibilita o surgimento de novas áreas e denovas estratégias da acumulação de capital,como a lógica do mercado imobiliário deincorporação. Esse é o caso do Catuaí ShoppingCenter, que somente pôde ser instalado, em seurespectivo local pelo desenvolvimento/socialização

dos transportes coletivos e, principalmente, dostransportes individuais particulares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos, então, que o crescimento dacidade de Londrina, assim como a variação dalógica da produção do espaço urbano e osinteresses nela inseridos, exerce uma ampliaçãono processo de fragmentação do espaço urbano,que se divide em áreas que podem serdiferenciadas claramente pelo padrão derendimento, sendo, portanto, uma forma dereduzir o convívio entre as diferenças sociais,ou seja, uma forma de ampliar a diferenciaçãointerna. Consideramos que os diferentespadrões residenciais são formados de acordocom a valorização do solo urbano, tratadoscomo mercadorias que podem ser comprados evendidos, de acordo com os interesses ouamenidades implantadas. Portanto, éfundamental considerar que o espaço urbano éapropriado seletivamente e de acordo com acamada social (classe social).

Temos, então, a tendência de formação deáreas no interior das cidades que possuem cadavez mais uma maior homogeneidade no que dizrespeito ao padrão residencial, fazendo com queos conflitos entre as classes sociais fiquemencobertos pela diferenciação espacial.

Com este trabalho pretendemos demonstrarque em Londrina ocorre o processo defragmentação do espaço urbano, assim comoem demais cidades de mesmo porte oumetropolitanas, seguindo, então, os mesmosinteresses, os da acumulação capitalista.

Ressaltamos que o papel do poder público éfundamental como instrumento da acumulaçãocapitalista, pois cria condições para reproduçãodo capital que não poderiam surgir apenas naótica do mercado, reforçando a noção de que aprodução do espaço urbano se faz de formacoletiva e sua apropriação se faz de formaprivada, diferenciada e seletiva.

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14 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2001

NOTAS

1 Segundo Salgueiro(1998) a cidade fragmentada surgea partir dos anos 70, com o avanço tecnológico dostransporte e das comunicações, aliado ao processo deinternacionalização amplia a fragmentação social quese expressa na fragmentação da cidade.

2 Entende-se por enclave a ausência de relações com ostecidos urbanos circundantes.(Salgueiro, 1998)

3 Existe uma associação dos moradores da Zona Norteque atua constantemente junto ao poder público comreivindicações, as quais estão conquistandocompassadamente melhorias em infra-estrutura.

4 Foram destacados por Sposito (2000), como:imobiliários na construção de novos equipamentoscomerciais e de serviços; acelerada expansão territorialurbana, gerando tecidos descontínuos e fragmentados;ampliação da diferenciação socioespacial e na melhoriadas formas de transporte, com destaque para oaumento do uso do transporte individual.

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_______. Centro e as formas de expressão dacentralidade urbana. Revista de Geografia,Universidade Estadual Paulista/UNESP, São Paulo,v.10, p.1-18, p. 1-18.

Fragmentation of Urban Space of Londrina

ABSTRACTThe present text has for objective explicit the urban form of Londrina in its character (poly)centrality, making a fastanalysis of the process of growth of the city and of the fragmentation of its space. We conceived that this fragmentationenlarges the urban segmentation, being a characteristic in the capitalist way of production, that is selective and of exclusion.We accomplished an analysis of the people’s flows in the urban collective transports for believing that are reinforcement of theprocess decentralization and of redefined of the centrality. We arrived the considerations that the city the importance of theTraditional Center in Londrina is still very big, but that the new central areas are being developed enlarging its attraction. Wefound a new centralities that attract people, goods, capitals, ideas etc in different scales (intra-urban and urban network) andof different standard socials, revealing the segmentation of the urban space of Londrina.

KEY-WORDS: Centrality; urban segmentation; Center; transport collective; fragmentation.

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15Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 15-26, jan./jun. 2001

INTRODUÇÃO

Desde o segundo semestre de 2000, umgrupo de pessoas constituído de docentes ediscentes de vários departamentos daUniversidade Estadual de Londrina, vemdiscutindo assuntos referentes aos riscosambientais na cidade de Londrina.Paralelamente, a questão do custo deurbanização também vem despertando interessedos membros da equipe, pois, os assuntos, emuma certa medida, se inter-relacionam.Dependendo do enfoque e do aprofundamento daproblemática, ora os riscos urbanos tomamproeminência, ora a questão do custo de urbanizaçãoaparece como relevante nesta discussão.

Há algum tempo, o Laboratório de PesquisasUrbanas e Regionais vem estudando uma sériede problemas urbanos, tomando como objetoa cidade de Londrina, o Norte do Paraná ou opróprio Estado, fazendo recortes espaciais etemporais, cujo objetivo é entender o processode formação, ocupação, evolução, característicase o surgimento de problemas nos respectivosâmbitos de estudo. Assim, a questão urbanasempre se coloca em um contexto maior, onde orural e o urbano são estudados como partes deum mesmo processo histórico.

Dentro destas preocupações, o grupo deestudo elegeu a cidade de Londrina como objetode trabalho para verificar a relação existenteentre o processo de formação urbana e o

* Participam deste projeto os pesquisadores: França, V. de; Spoladore, A.; Ribeiro, E.R.; Hirata, C.A.; Dias, L.F.P;Marçal, W.S.; Santan’Ana, S.N. Kanashiro, M.; Turini, B.; Hino, M.Y.; Turini, C.A.; Cazoti, J.A.; Nakashima, S.Y.;Costa, D.R.F. da; e os seguintes estagiários: Santos, M.A. dos; Castilho, F.J.V.; Okamura, C.T., Ducci, L.F., Augusto,J. e Marconi, G.H.

** Docente do Depto. de Geociências da Universidade Estadual de Londrina e coordenadora do Projeto IntegradoCusto de urbanização: realidade social e dinâmica espacial, aprovado pela Fundação Araucária, n.940. e-mail:[email protected].

***Bolsista PIBIC/CNPq do Laboratório de Pesquisas Urbanas e Regionais do Depto. de Geociências da UniversidadeEstadual de Londrina, desenvolvendo o projeto Riscos Ambientais, Cultura e Ética. e-mail: [email protected].

Riscos Ambientais e Custos de Urbanização –Pressupostos Teórico-Metodológicos*

Yoshiya Nakagawara Ferreira **

Eduardo Marandola Jr. ***

RESUMOAs questões ambientais estão no centro das preocupações de todos os campos do saber em nossa sociedade contemporânea.Essas questões possuem desdobramentos político-econômicos, sócioculturais e espaço-temporais, que se materializamnuma gama de fenômenos, resultantes do embate da relação homem-meio/sociedade-natureza. Em especial, interessa-nos estudar a formação de riscos ambientais, na cidade de Londrina. Neste sentido, levanta-se uma problemática adjacente,que é a questão do custo de urbanização, decorrente muitas vezes, de uma política urbana inadequada, resultando emvários tipos de riscos para a população. Pretende-se traçar alguns pressupostos teórico-metodológicos, que conduzirão apesquisa, abordando assuntos como os riscos da modernidade, a qualidade de vida, a cultura e a ética ambiental, noprocesso da prática da interdisciplinaridade, avançando para um “diálogo de saberes”.

PALAVRAS-CHAVE: riscos ambientais, custos de urbanização, ética ambiental, interdisciplinaridade, diálogo de saberes

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surgimento de riscos ambientais, que,certamente podem ocasionar custos e riscosadicionais, para a sociedade urbana, no seuprocesso de urbanização.

O processo de crescimento demográfico deLondrina foi acelerado desde a sua instalaçãocomo município, ocupando, nestes 65 anos deexistência, áreas impróprias à habitação doponto de vista fisiográfico e sócio-ambiental.Contudo, o crescimento em si não é oresponsável por tal situação; antes, a falta deuma política de ordenação espacial, umalegislação condizente com o seu rápido processode crescimento, bem como uma fiscalizaçãoeficiente para a gestão do território, têm papelsignificativo na configuração do quadrodegradado de muitas áreas urbanas. Em vistadisso, surgiram muitas áreas de adensamentopopulacional em vários setores da malha urbana,geralmente com uma precária infra-estruturasocial, constituídas de uma população combaixo poder aquisitivo. Hoje, com cerca de450.000 habitantes, distribuídos irregularmente,do centro histórico às áreas recém constituídas,de ocupação irregular, a cidade cresceindependente de Planos ou leis urbanas, deforma caótica em algumas periferias,principalmente nas regiões leste e sul-sudoeste,e no extremo norte-noroeste de Londrina.

A sociedade urbana londrinense é bemheterogênea, pois, convivem lado a lado, apobreza e a riqueza, com amplos espaçosdistintos em alguns setores urbanos, porém,compartilhando muitas vezes o mesmo tipo dedegradação ambiental, seja pela poluiçãoatmosférica, pela qualidade das águas,insegurança física ou psicológica. Há setoresurbanos sem nenhuma infra-estrutura de usocoletivo, enquanto que em alguns setores, háserviços privados de segurança motorizadadurante vinte e quatro horas. Na área peri-central1, próxima ao contorno do centrohistórico, há muitos loteamentos desocupadosou áreas rurais localizadas esparsamente, tantonos setores norte, sul e oeste da cidade. Estespermanecem, porém, sem nenhuma infra-estrutura e inabitados. São os chamados “vazios

urbanos”, sítios sem produção agrícola ouloteamentos de chácaras em processo deorganização, constituindo-se em “reservas devalor”, aguardando a valorização ou algumaestratégia de ação, no processo da especulaçãoimobiliária. Neste rápido processo decrescimento urbano, entre a ordem e o caos,surgem – áreas – que são impróprias como locaisde residência, seja pelas suas característicasfísico-espaciais, como também pelos aspectossócio-ambientais. Portanto, sem a qualidadenecessária, muitas vezes, tais locais constituem-se em áreas de “riscos ambientais” ou depotencialização de riscos a curto e médio prazos.

Desta forma, o objetivo maior deste trabalho,é estudar a gênese da formação de riscosambientais na cidade de Londrina. Em umoutro plano, pretende-se identificar o custo deurbanização, sistematizando dados, analisandoo processo de ocupação, a forma de constituiçãodo tecido urbano, a utilização da drenagemurbana, como também a potencialização dealguns riscos ambientais. Em vários subprojetosem desenvolvimento, preocupações não só deordem urbana ambiental mas questões como os“riscos domésticos” também estão contempladas.2

Na busca de tais objetivos, pressupõe-se,como hipóteses de trabalho, que o poderpúblico local nunca tenha sido capaz deacompanhar o rápido processo de aceleração daexpansão urbana, gerando áreas de riscosambientais. Um outro pressuposto é a falta deuma conscientização sobre a formação de riscosambientais, tanto do poder público, como doprivado, resultando assim, em processos dedegradação ambiental, que, muitas vezes, impõeriscos à população, de diferentes naturezas,desde riscos sanitários aos riscos psicológicos.A inexistência de uma legislação adequada eeficiente, como também a falta de umafiscalização, aliada à impunidade, tem geradouma série de riscos ambientais e a elevação doscustos de urbanização.

Trata-se de uma preocupação de caráterinterdisciplinar, onde as áreas de conhecimentocomo Geografia, História, Sociologia, Geologia,Química, Arquitetura, Engenharia e Ciências

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da Saúde são fundamentais para dar o suportetécnico e científico necessário para o elucidamentode questões específicas sobre riscos ambientais ecustos de urbanização. É, à guisa de tais objetivosque as reflexões seguintes estão direcionadas.

1. RISCOS DA MODERNIDADE EQUALIDADE DE VIDA URBANA

Apesar das grandes questões ambientaisterem vínculos com o acelerado processo deurbanização, no Brasil, a contribuição de trabalhosenfocando a qualidade ambiental urbana é aindainsuficiente, tanto do ponto de vista teórico-metodológico, como empírico.

Uma das primeiras referências sobreecossistemas urbanos, onde os componentesnaturais e sociais estão interligados, é a obraorganizada por Thomas R. Detwyller e MelvinG. Marcus, intitulada Urbanization andEnvironment: The Physical Geography of the City,publicada nos EUA em 1972. Segundo seusautores, a cidade deve ser vista como umecossistema aberto, que perpetua a culturaurbana por meio da troca e da conversão degrandes quantidades de materiais e de energia(apud Sobral, 1996). Entretanto, este conceitoapresenta limitações, uma vez que asinterdependências são infinitas e dificilmentese dispõe de conhecimento, tempo e recursospara entender todas essas relações.3

Antes da noção de ecossistemas urbanos,surgiram várias interpretações ecológicas e sócio-econômicas da estrutura urbana. Uma boaanálise crítica da evolução do pensamento,partindo desde a Escola de Chicago, foi feitapor Mário A. Eufrasio, na sua obra Estruturaurbana e ecologia humana (1999). Eufrasio,partiu de Park em 1915 e chegou a Harris &Ullman em 1945, cobrindo um período de trêsdécadas de formulações sobre a estruturaurbana, iniciando pela fase de seu tratamentopela ecologia humana e se estendendo pela fase detratamento sócio-econômico, caracterizando-seum conjunto suficientemente amplo eexpressivo de formulações relativas a concepçõese interpretações da estrutura urbana nas ciências

sociais norte-americanas na primeira metade doséculo XX.

Prosseguindo na evolução do pensamentosobre a ótica ecológica e sócio-econômica daestrutura urbana, Eufrasio (1999, p.240)menciona que, na década de 1960 surge aanálise ecológica quantitativa, constituindouma ampliação da pesquisa ecológica nasciências sociais, além da sociologia, interessandotambém à geografia humana, à ciência políticae à psicologia social.

A partir da década de 1980, no Brasil,surgiram timidamente, algumas mesasredondas, discutindo a questão ambientalurbana, aparecendo também referências emalguns periódicos. E, somente a partir da décadade 1990, a questão ambiental urbana no Brasilpassa a figurar como um importante eemergente tema, paralelamente às discussõesteórico-metodológicas, na abordagem do meioambiente urbano.

Estudos sobre riscos, do ponto de vistacientífico, também são recentes. Uma dasprimeiras referências é a obra de Ulrich Beck,Die Riskogesellschaft (A sociedade de risco), de1986 (apud Brüseke, 2001, p.28 e segs.). Oprocesso de modernização transformou-se emum problema por causa das instabilidades eriscos que as novidades tecnológicas eorganizacionais provocam na sociedade,introduzindo-as de forma não refletida que, naperspectiva de Beck, a sociedade industrial,gerando riquezas, distribuindo-as desigualmenteem uma proporção até então desconhecida,ganha outra dimensão: deixa de ser exclusivamenteuma sociedade baseada no princípio da escassez,tornando-se uma sociedade cada vez mais saturadae cheia de efeitos não visíveis. Assim, estamosassistindo ao surgimento de uma sociedade queproduz e distribui, de forma desigual, os riscosambientais e sociais.

As discussões em torno da sociedade de riscosão recentes, porém, os riscos da modernização(Brüseke, 2001, p.31), têm uma história quecomeça com o surgimento da sociedademoderna. O risco civilizatório do fim do séculoXX é igualmente uma expressão damodernização industrial, mas também

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representa uma dimensão globalizante, queenvolve, no contexto de perigo, lugares distantese populações sem conhecimento sobre asverdadeiras causas do seu sofrimento presentee futuro. Segundo Beck (apud Brüseke, 2001,p.32 e segs.), os riscos relativisam as posiçõesde classe, pois, tanto ricos como pobres podemsofrer as conseqüências da poluição industrialdo ar, do envenenamento dos bens alimentíciospelos resíduos químicos, etc. Assim, os riscosda modernidade podem produzir um efeitobumerangue. Na tese de Beck, a sociedade derisco é caracterizada como uma sociedadecatastrófica, onde o estado de emergênciaameaça tornar-se o estado normal.

Contudo, como podemos compreender anoção de risco? Luhmann & Fuchs (apud Brüseke,2001, p.39 e segs.) assinalam que os riscos e perigossão referências aos possíveis danos.

Existe, no momento presente, incerteza do risco e,respectivamente, do perigo sobre o impacto real dodano. Essa incerteza não pode ser excluída porque arealização do dano depende de eventos futuros. Osdois conceitos, risco e perigo, podem ser usados paradenominar qualquer tipo de desvantagem, porexemplo, a possibilidade de que um terremoto venhaa destruir casas, de que alguém seja vítima de acidentede trânsito ou de doença (...).

Luhmann & Fuchs propõem ainda, umadistinção entre risco e perigo:

(...) se possíveis danos estão sendo interpretadoscomo conseqüências da própria decisão, trata-sede riscos (...) Não obstante, falamos de perigosquando alguém relaciona os próprios danos comcausas fora do próprio controle. Sejam eventosnaturais, contra os quais não há proteção, outambém decisões de outras pessoas, grupos,organizações.

O autor complementa, afirmando que quemfuma, assume um risco de morrer de câncer,enquanto que, para os outros, o câncer continuasendo um perigo.

Brüseke (2001, p.43) argumenta que o riscoambiental não pode ser confundido com oanúncio de um fato x na hora y.

O risco não expressa uma corrente dedeterminações que conduzem necessariamente aum resultado prognosticado. Por isso, falar sobreriscos, no campo ambiental, tem sempre o caráter deum alerta que mobiliza argumentativamente aimaginação de movimentos lineares que levamimpreterivelmente à catástrofe ou, pelo menos, a umdano irreparável, se... nós não fizermos alguma coisa.

Desta forma, qualificar o risco ambiental oudeterminar a sua iminência catastrófica, não é umfato matemático nem uma previsibilidade científica.

Há algumas características dos riscos ditosmodernos, que Goldblatt (1998, p.231)apresenta para reflexão, que interessa ao presenteestudo. Por que as degradações ambientaispassam a ser perigosas e ameaçam a sociedadehumana? O motivo por que passam a ser riscosé o fato de serem perigosos e representaremperigos que são conhecidos, cuja ocorrênciapode ser prevista e cuja probabilidade pode sercalculada (Giddens apud Goldblatt, op.cit.,p.231). Desta forma, Goldblatt afirma quecorrer perigo é uma coisa; saber que se estácorrendo perigo é completamente diferente; e,saber que se está em perigo e sentir-secompletamente impotente para alterar o cursodos acontecimento que causam esse perigo, éainda outra coisa.

Há algumas diferenças com relação ànatureza e à responsabilidade dos riscos nasociedade industrial e na sociedadecontemporânea. Na sociedade industrial, aculpa ou responsabilidade pelas ameaçaspodiam ser asseguradas e as suas probabilidadesem termos estatísticos podiam ser calculadas,possibilitando a elaboração de programasconfiáveis acerca do volume e impacto dosriscos, contra os quais é possível manterinstituições que partilham as responsabilidadescoletivas e com capacidade financeira para pagaressas dívidas. Por exemplo, a criação deindenizações e apólices de seguros contraacidentes de trabalho e desemprego (Goldblatt,op.cit., p.234).

Entretanto, esses métodos de determinar eperceber certos tipos de riscos, na sociedadecontemporânea, atribuindo a causa e nomeando

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responsabilidades, desaparecem irreversivelmente.Atribuir responsabilidades pelos danos,apresentando garantias ou indenizações,individuais ou coletivas, de forma justa, torna-se inviável pela própria impossibilidade deapontar a causa e a responsabilidade pelos danos.

Pretendemos trazer, no bojo destasdiscussões, duas questões contemporâneas, quese reforçam mutuamente, presentes comotemáticas preocupantes: a crise dedesenvolvimento social global e a criseambiental global, na expressão de Buttel e Taylor(1992, apud Herculano, Freitas e Porto, 2000,p.17). 1) A crise de desenvolvimento socialglobal, que se refere à totalidade complexa dasforças sociais que têm contribuído paraprocessos de exclusão social, de marginalidade,de hipermobilidade do capital financeiro eindustrial, de declínio dos salários reais, dedesemprego, de colapso das instituiçõesmonetárias reguladoras, de ampliação da dívidaglobal, que têm feito com que o dito TerceiroMundo persiga um modelo de desenvolvimentoorientado para a exportação e para oajustamento estrutural; 2) a crise ambientalglobal que diz respeito não somente a questõesambientais relativamente em moda –efeitoestufa, buraco na camada de ozônio, poluiçãodos oceanos etc.– mas também a umaacumulação em escala global do que pode serencarado como miríades de problemas locais(embora gerados por uma lógica econômicaglobal), tais como degradação dos solos,desertificação, envenenamento da água, ar e solopor poluentes tóxicos, armazenamento inseguroe insuficiente de resíduos tóxicos químicos enucleares crescentes e que não se degradam, bemcomo problemas relativos a padrões de consumoe estilos de vida que se tornaram irracionaiscoletivamente (como o uso do automóvelparticular no meio urbano ou o uso dasembalagens plásticas tão convenientes naperspectiva do conforto e praticidade individuais).

Neste contexto é que se pretende desenvolveralguns estudos, cuja finalidade geral, além dointeresse científico, é também a manutenção e

crescimento de um grupo de estudos que tenhana qualidade de vida4, um ideal a ser alcançadopelos homens.

A questão da qualidade de vida e riscosambientais ainda é um campo interdisciplinarem construção, como colocaram Herculano,Freitas e Porto na obra Qualidade de vida &riscos ambientais (2000), pois, embora se discutamuito na atualidade a questão das mudançasparadigmáticas e da construção da multidisciplinaridade–mais do que esta, da interdisciplinaridade noconhecimento científico–, o referencial gestadohá mais de cem anos ainda está presente nestasanálises. Portanto, uma cautela teórica éimprescindível para o desenvolvimento dequalquer pesquisa envolvendo riscos ambientaise qualidade de vida.

2. CIDADANIA, ÉTICA E SABERAMBIENTAL

O presente estudo se situa no âmbito daspreocupações da relação entre o homem e o seuhabitat, relações cotidianas, sócioespaciais,ambientais e a questão da cidadania. Heinberg(1999) defende a idéia de que os homens terãoque fazer um novo pacto com a natureza, pois nofinal do século XX, estávamos à beira de umacivilização global e, ironicamente, anota que opoder e a sofisticação do mundo contemporâneoteriam deleitado um imperador romano.

O um por cento mais rico da população mundialvive numa opulência inimaginável, enquantocentenas de milhões existem no limiar da fome.Se queremos compreender o Diabo como Jesusaparentemente conseguiu, não como um serexternamente malévolo, mas como a tendênciapara a acumulação e a centralização do poderpolítico e económico – então parece que na nossageração, o mundo inteiro está prestes a ficarvirtualmente possesso pelo Diabo (Heinberg,1999, p.194).

Uma preocupação adjacente e intrínseca aodesenvolvimento do estudo sobre qualidade devida e riscos ambientais, está também

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relacionada à cidadania. Oliveira, no seu artigosobre Geografia, globalização e cidadania (2000,p.162), comenta que

estamos diante da ausência de um princípio éticoregulador das relações humanas da qual somosprisioneiros. E é nesta trama que se inscreve hoje,de forma profunda, a questão da cidadania.

Desta forma, por um lado, reforça-se a idéiado cidadão como indivíduo autônomo,produtor, consumidor e usuário de alémfronteiras, o cidadão do “mercado-mundo” esuas redes. Por outro, perde força a idéia docidadão como sujeito, com força de ação políticaindividual ou coletiva na sociedade, e vínculosterritoriais mais duradouros, definidos por umacomunidade e/ou Estado-nação.

No campo das Ciências Sociais, discute-sese a direção e a velocidade das mudançaspolíticas, econômico-financeiras e tecnológicasdo mundo contemporâneo que ainda estãosendo analisadas por uma racionalidade oriundado século XIX. No campo das CiênciasNaturais, debate-se a necessidade de seabandonar a crença no postulado daneutralidade e se pautar por aspectos éticos. Aproblemática ambiental vem trazendo cientistasda natureza e do homem para um convívio eum trabalho convergente, no qual os cientistasda natureza aprendem a se pautar por valoresda cidadania e a não neutralizar os fenômenossociais, que são históricos, enquanto que oscientistas sociais aprendem a usar os conceitosdas ciências naturais para enfrentar questões dequalidade de vida e de controle da poluiçãoambiental, conforme registraram Herculano,Freitas e Porto (2000, p.23).

Enfrentar problemas ambientais emqualquer nível é uma tarefa complexa, pois asquestões da ética ambiental, dos direitosculturais e da racionalidade ambiental semisturam e se complementam para apoiar acompreensão da atual problemática. Todo osistema econômico e social, na concepção deLeff (2000, p.72), um dos maiores estudiososda temática ambiental da América Latina, estáconstruído sobre pressupostos éticos e as

doutrinas econômicas estão construídas demaneira explícita ou implícita sobre teorias epressupostos morais.

Nos pressupostos teóricos que devemorientar as discussões ambientais, a questão daética ambiental deve ser colocada como umimportante balisador. Assim, o humanismo e opensamento crítico se colocam comonecessidade de questionar a ética implícita nomodelo de modernidade e recolocar os objetivosno sentido de desenvolvimento, pois, segundoLeff (op.cit.), de Weber a Marcuse, se temlevantado a necessidade de corrigir os efeitosde uma cega racionalidade instrumental,devendo se colocar imperativamente umaorientação no processo de humanização domundo orientado segundo o conceito dequalidade de vida, devendo-se emergir como osupremo valor moral do nosso tempo.

Os graves problemas ambientais, afetamquase todo o planeta, desde as pequenas aldeiaslocalizadas em áreas pouco exploradas noprocesso de ocupação capitalista, até as grandesmetrópoles mundiais. Observam-se danosambientais em graus e níveis diferentes em todasas regiões do mundo. Leis (1996), discorrendosobre as “éticas” do ambientalismo, écontundente ao afirmar que um dos maioresprogressos da recente história ambiental doocidente é ter assumido a ética como uma dasvertentes a serem consideradas nas discussõessobre a questão ambiental. Outra questão quese coloca, é a ética ecológica5, emboraconceitualmente ainda esteja em construção.

Para enfrentar a complexidade dosproblemas criados pelo próprio homem, ospadrões éticos clássicos não servem mais comoparâmetros, assim, há necessidade de uma novaética (Jonas, apud Brodhag, 1997, p.265), quereinterprete o imperativo categórico de Kant,“Age de modo a que também possas desejar que atua máxima se torne uma lei universal”. HansJonas propõe outros imperativos como: “Age demodo a que os efeitos da tua ação não sejamdestruidores da possibilidade futura de uma vidaautenticamente humana na terra”. É de uma novaética da previsão e da responsabilidade que aquise trata. A responsabilidade individual não pode

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ser decretada no topo; ela passa pela educação,pela difusão das correntes de pensamento, pelaexpressão de líderes de opinião diversos.

Um conceito que Leff (2000) tem divulgadonas suas obras e em conferências é a formaçãode um saber ambiental. Seria a integração devárias áreas de conhecimento, para explicar ocomportamento de sistemas sócio-ambientaiscompletos.

El saber ambiental problematiza el conocimientofraccionado en disciplinas y la administraciónsectorial del desarrollo, para constiuir un campode conocimientos teóricos y prácticos orientadohacia la rearticulación de las relaciones sociedad-naturaleza. Este conocimiento no se agota en laextensión de los paradigmas de la ecología paracompreender la dinámica de los procesossocioambientales, ni se limita a un componenteecológico en los paradigmas actuales delconocimiento. El saber ambiental desborda a las“ciencias ambientales”, constituidas como unconjunto de especializaciones surgidas de laincorporación de los enfoques ecológicos a lasdisciplinas tradicionales – antropología ecológica;ecología urbana; salud, psicología, economía,ingeniería ambientales – y se extiende mas allá delcampo de articulación de las ciencias (Leff, 1986),para abrirse al terreno de los valores éticos, losconocimientos prácticos y los saberes tradicionales.(Leff, op.cit., p.124)

Na obra Epistemologia ambiental, EnriqueLeff (2001, p.193 e segs.) também coloca aquestão da reconstituição de identidades pormeio do saber. Aprender a aprender acomplexidade ambiental permite-nosinternalizar uma reapropriação do mundo, apartir do ser e no ser, um reaprender maisprofundo e radical que a aprendizagem das“ciências ambientais”, que busca internalizar acomplexidade ambiental no âmbito de umaracionalidade em crise. Nesse sentido, o saberambiental retoma a questão do ser no tempo edo conhecer na história; do poder embutido nosaber e da vontade de poder que constitui umquerer saber. Na sua concepção, a crise global eplanetária, portanto, crise ambiental, só poderáser solucionada por uma gestão racional danatureza e dos riscos da mudança global. A crise

ambiental leva-nos a interrogar o conhecimentodo mundo, a questionar este projetoepistemológico que tem buscado a unidade, auniformidade a homogeneidade; este projeto queanuncia um futuro comum, negando o limite, otempo, a história, a diferença, a diversidade.

3. SOCIEDADE URBANA E CUSTOS DEURBANIZAÇÃO

Lefebvre (1999, p.46), discorrendo sobre Arevolução urbana, escreveu que o espaço urbanoé “contradição concreta” e complementa que “oestudo de sua lógica e de suas propriedades formaisconduz à análise dialética de suas contradições”.Esta obra, já considerada clássica, pois a suaedição original foi publicada na França em1970, sempre será atual no campo da filosofiaurbana. É nesta mesma obra que o autor propõeo conceito de sociedade urbana, paradenominar a sociedade pós-industrial, ou seja,aquela que nasce da industrialização e a sucede.

É esta sociedade dita “sociedade urbana”,onde ocorre a prática urbana, derivada não sóde práticas políticas e tradições trazidas docampo como também pela mescla de váriasculturas, comportamentos e identidades em umdeterminado locus urbano, que é o objeto donosso trabalho.

Em síntese, trata-se de um estudo daprodução do espaço. Lefebvre (op.cit., p.142 esegs.) diz que a produção do espaço, em si, nãoé nova. Os grupos dominantes sempreproduziram este ou aquele espaço particular, oudas cidades antigas, ou dos campos, etc. “O novoé a produção global e total do espaço social”.Segundo o autor, o capitalismo

encontrou um novo alento na conquista do espaço,em termos triviais, na especulação imobiliária, nasgrandes obras (dentro e fora das cidades), nacompra e na venda do espaço. E isso à escalamundial. Esse é o caminho (imprevisto) dasocialização das forças produtivas, da própriaprodução do espaço. (...) A estratégia vai muitomais longe que a simples venda, pedaço porpedaço, do espaço. Ela não só faz o espaço entrar

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na produção da mais-valia, ela visa umareorganização completa da produção subordinadaaos centros de informação e de decisão. (Lefebvre,op.cit., p.142 e segs.)

Assim, a urbanização reflete a necessidadehistórica para a reprodução das relações sociaisde produção, numa determinada formaçãosocial e econômica, e é reflexo também daestruturação da sociedade e do território(Limonad, 1999)6. Para se trabalhar com umametodologia que dê conta da complexidade darealidade multifacetada, são válidas as premissasdefendidas por Oliveira (1998), no artigoGeografia e epistemologia: meandros epossibilidades metodológicas, exprimidas em trêsperspectivas: explicação, compreensão e osentir. Estas podem ser contempladas, elegendo-se três conceitos para tentar construir as ligaçõesentre o relacional, o cotidiano e o lugar, cujascategorias devem ser estudadas unindo-se emediadas pelas dimensões da cultura e doindivíduo. Na concepção do autor, a primeirapode servir de ponte entre a explicação maisgeral e a compreensão mais particular. Asegunda, de ponte entre a compreensãoparticular e a especificidade do singular, que,na sua opinião, ambas foram relegadas nocampo do marxismo a um papel menor.

No mundo contemporâneo, onde o local eo global se confundem, pelacomplementaridade ou pela negação, não sepode deixar de considerar que existeminfluências recíprocas, embora distintas,dependendo do grau de urbanização, do locusda sociedade urbana, como também dasconcepções de organização da vida e do trabalhona sociedade capitalista. Assim, não se podedeixar de considerar essas referências comoimportantes neste trabalho.

Adotamos também como premissa teórico-metodológica que o espaço geográfico éproduto, condição e meio para a reproduçãodas relações sociais no sentido amplo dereprodução da sociedade (Carlos, 1999, p.63).Desta forma, realizar estudos urbanos requerinicialmente uma compreensão da natureza do

espaço geográfico em questão, suascontradições, sua história e as formas deapropriação pela sociedade, no curso da suaevolução. A realidade de um espaço urbano érepresentativa de um estágio histórico dosmovimentos de mudanças sociais e ecológicascombinadas, que modificam permanentementeo espaço (Coelho, 2001, p.27). Apreender todoo processo é certamente uma tarefainterdisciplinar, qualquer que seja a natureza ea dimensão do objeto a ser estudado.

Os geógrafos têm negligenciado as técnicas,que, na opinião de Santos (1999, p.25), é aprincipal forma de relação entre o homem e anatureza. Assim, identificar em Londrina comoa história das técnicas se relaciona com areprodução do espaço urbano, através dasrelações sociais, é um desafio que se apontacomo um dos caminhos.

Dentro da problemática urbana, a noção decustos de urbanização ainda está em processode construção pois, as relações puramentematemáticas não podem servir como referênciapara discutir a questão de custos de urbanização.É possível distinguir alguns aspectosconstitutivos do encarecimento do processo deexpansão de uma cidade, como por exemplo, aformação de vazios urbanos, baseada emespeculação fundiária ou a falta de uma políticaurbana que oriente o saneamento urbano paraum eficiente processo de recuperação e/outratamento dos recursos e a sempre difícilabordagem relacionada aos resíduos urbanos.Por outro lado, a questão da insolação, gerandodesconfortos ambientais ou problemas psíquico-ambientais, pela pressão demográfica em umambiente de baixo nível cultural e desagregaçãosocial e familiar, como também a falta de umeficiente sistema de circulação, gerando pressõescotidianas nos transportes de longa distância, etc.,são aspectos do cotidiano, derivados de ações quese desdobram em vários ambientes urbanos.

Entendemos que as questões teórico-metodológicas terão que ser construídas eaprofundadas no processo das discussõesinterdisciplinares. É um desafio que estamos

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(...) a complexidade ambiental implica umarevolução do pensamento, uma mudança dementalidade, uma transformação doconhecimento e das práticas educativas, para seconstruir um novo saber, uma nova racionalidadeque oriente a construção de um mundo desustentabilidade, de eqüidade, de democracia. Éum re-conhecimento do mundo que habitamos.(Leff, 2001, p.194)

Enfim, apreender a complexidade ambientalpara Leff (2001, p.196), implica um processode “desconstrução” do pensado para se pensaro ainda não pensado, arriscando-se adesmanchar nossas últimas certezas e aquestionar o edifício da ciência.

Sobre a interdisciplinaridade, atualmentemuito debatida nos meios acadêmicos, naconstrução de uma nova epistemologia parafazer face às várias questões da ciência, é umaprática que se corporificou a partir da décadade 1990. Entretanto, o pensamentointerdisciplinar ainda não foi construído deforma concreta, pois, depende muito do objetoa ser estudado, como também do grupo depesquisadores e dos objetivos da pesquisa. Umaoutra dificuldade é o excessivo compartimentodo saber, cujo corpo teórico-metodológico sefecha nesse próprio saber.

Enrique Leff é um dos grandes pensadoresque lançou a importância dainterdisciplinaridade, do saber e da educaçãoambiental no enfrentamento de grandesquestões sócio-político-culturais dahumanidade. Ele ataca a rigidez institucionaldas universidades, colocando algumasdificuldades para se realizar um trabalhoverdadeiramente integrado, utilizando-se devárias áreas de conhecimento, pois háparadigmas teóricos nas universidades que nãopermitem muita abertura, como também asbarreiras institucionais e os interesses dasdisciplinas, de onde emanam as práticasacadêmicas, não permitem transgressõesnecessárias a um diálogo de saberes. Assim, aincorporação do saber ambiental na formaçãoprofissional requer a elaboração de novosconteúdos curriculares de cursos, carreiras e

enfrentando, pois, as questões fisiográficas oufísico-ambientais em processo de degradação,como também as questões sócioculturais nacompreensão do processo de constituição,formação e/ou degradação ambiental, terãorelevância nos problemas a serem estudados.

4. POR UMA NOVA POSTURAINTERDISCIPLINAR

A problemática ambiental, questãocontemporânea colocada como emergente emtodos os ramos do conhecimento, terá de serenfrentada através de um diálogo de saberes,na expressão de Enrique Leff (2000b, p.27 esegs.; 2001, p.61 e segs.).

No entanto, que diferenças existem entre ainterdisciplinaridade e o diálogo de saberes?

O próprio Leff, que foi discípulo de IgnacySachs, um estudioso da questão ambiental,defende a articulação das ciências na relaçãonatureza e sociedade, porém, a originalidade estána sua colocação referente ao diálogo de saberes,isto é, enfrentar a questão ambiental além doconhecimento interdisciplinar.7

A problemática ambiental, mais do que umacrise ecológica

(...) diz respeito a um questionamento dopensamento e do entendimento, da ontologia eda epistemologia pelas quais a civilização ocidentaltem compreendido o ser, os entes e as coisas; daciência e da razão tecnológica pelas quais temosdominado a natureza e economicizado o mundomoderno.” (Leff, 2001, p.194)

Para a crise global e planetária, preocupaçãonão só dos filósofos e dos cientistas mas tambémda sociedade em geral, existe uma solução? Essasolução não poderá surgir apenas por umagestão racional da natureza e dos riscos damudança global. Assim, Leff registra que a criseambiental leva-nos a interrogar o conhecimentodo mundo, a questionar o projetoepistemológico que tem buscado a unidade, auniformidade e a homogeneidade. O autorafirma que:

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especialidades. Esta formação implica a construçãoe a legitimação desse saber, sua transmissão nasaulas e sua prática no exercício profissional.

A formação do saber ambiental, partindo-seda visão crítica e prospectiva, ainda não alcançouum amadurecimento suficiente para penetrarnos paradigmas científicos e nas estruturasacadêmicas dominantes nas universidades. Aprática teórica é fundamental para o processode formação do saber ambiental. Essa construção– saber ambiental – passa pela constituição de seuconceito e um espaço para sua objetivação prática(Leff, 2000, p.181 e segs.).

Há muita dificuldade na articulação deciências. Entre o dictum interdisciplinar e ofactum da integração da realidade, há umcaminho aberto que não tem sido trilhado comfacilidade. A interdisciplinaridade que se colocano saber ambiental, implica a integração deprocessos naturais e sociais de diferentes ordensde materialidade e esferas de racionalidade. Aespecificidade destes processos depende tantodas condições epistemológicas quefundamentam sua apreensão cognitiva, comotambém das condições políticas que levam a suaexpressão na ordem do real. O saber ambientalnão constitui um campo discursivo homogêneopara ser assimilado pelas diferentes disciplinascientíficas. Não é homogêneo nem unitário. Éum saber que vai se constituindo em relaçãocom o objeto e o campo temático de cadaciência. Nesse processo se define “o ambiental”de cada ciência, transformando seus conceitose métodos, abrindo espaços para articulaçãointerdisciplinar do saber ambiental, gerandonovas teorias, novas disciplinas e novas técnicas.Trata-se de um processo de reconstrução socialatravés de uma transformação ambiental doconhecimento (Leff, 2000, p.192).

Ignacy Sachs, um dos grandes pensadoresocidentais da questão ambiental, sabiamentecoloca que a prática da interdisciplinaridade sóse realiza quando se experimenta o processo naprática. Em outras palavras: trabalhando,conforme ele próprio concluiu na sua palestrasobre Sociedade, cultura e meio ambiente:

Todos dizem que devemos fazer ainterdisciplinaridade, termina a rodada e ficamospor isto mesmo. A única maneira de construir ainterdisciplinaridade é trabalhando juntos ao redorde problemas que são definidos a partir de umavisão holística do problema. (Sachs, 2000, p.13).

Colocadas as questões acima, deenfrentamento teórico-metodológico na melhorapreensão e explicação do problema em relaçãoao objeto (riscos ambientais e custos deurbanização), finalizamos, colocando aqui duasconsiderações gerais que ficaram latentes: aprimeira é a noção de que terão de serenfrentadas tarefas distintas com preocupaçõescomuns, mas a trilha a ser buscada ainda seencontra íngreme, reservando desafios teórico-metodológicos, novas posturas e novas práticaspara colocar mais uma pedra no edifício daciência. Uma outra noção é a certeza de que otrabalho interdisciplinar, com objetivoscomuns, trará um amadurecimento científico,contribuindo para uma maior integraçãocientífica, técnica e social.

NOTAS

1 No trabalho realizado em 1984 sobre a Mão-de-obraem Londrina, o espaço urbano foi setorizado em 56zonas de pesquisa que foram aglutinadas em três áreas:Núcleo Central, Área peri-central e Área Periférica.Ver Nakagawara (coord.), 3v.

2 Compreende-se por “riscos domésticos” todos os riscosexistentes em um local de habitação, como por exemplo,a como por exemplo, a utilização inadequada de produtosquímicos como agrotóxicos, remédios, detergentes,etc, expondo a população infantil a riscos diários.

3 Helena Ribeiro Sobral, na sua obra O meio ambiente ea cidade de São Paulo, de 1996, trabalhou apenas comalgumas variáveis, dada a complexidade dosecossistemas urbanos.

4 Foi no âmbito das Ciências da Administração que atemática qualidade aflorou, com as preocupações coma Qualidade Total, a elaboração de normas dequalidade. ISO9000, ISO14000, e as políticasjaponesas de implantação dos Círculos de Controlede Qualidade (CCQ) visando a disputa através doaprimoramento dos produtos, do bom atendimentoaos consumidores e tendo como mecanismo deaumento de produtividade os incentivos à boaintegração funcional dos trabalhadores às empresas.Com a disseminação das questões ambientais, a

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temática da “qualidade” passou a incorporarpreocupações ambientais: a ISO14000 (InternationalOrganization for Standardization) que dispõe sobre aauditoria ambiental e o uso de selos verdes emprodutos inócuos ao meio ambiente. Para maioresdetalhes, consultar Herculano, Freitas e Porto, 2000,p.18 e segs.. Ver também Moura, 1998.

5 Leis, 1996. Neste ensaio, o autor fala da recuperaçãodo pensamento ético sobre a condição humana,embora ainda seja um campo insuficientementedesenvolvido, quando comparado à complexaquantidade de questões colocadas na pauta ambiental.

6 Ler o artigo cujos fundamentos e pressupostos teóricossobre o assunto estão bem claros na sua reflexão.

7 Recomenda-se uma leitura completa da sua últimaobra: Epistemologia ambiental.

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26 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 15-26, jan./jun. 2001

Environmental Risks And Urbanization Coasts – Theoretical AndMethodological Assumptions

ABSTRACTThe environmental questions are in the center of the concerns of all the fields of knowing in our society contemporary.These questions lead economic-political, social and cultural space-secular unfoldings, that materialize in a gamma ofphenomena, resultants of the shock of the relation environmental and man/nature and society. In special, it interests tostudy the formation of environmental risks, in the city of Londrina. In this direction, one arises adjacent problematic,that is the question of the urbanization cost, decurrent many times, of one inadequate urban politics, resulting in sometypes of risks for the population. It is intended to trace some theoretical and methodological assumptions, that will leadthe research, approaching subjects as the risks of modernity, the life quality, the culture and the environmental ethics, inthe process of the interdisciplinary practical, advancing for a “knowledge dialog”.

KEY-WORDS: environmental risks, urbanization coasts, environmental ethic, interdisciplinary, knowledge dialog

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27Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 27-34, jan./jun. 2001

I

Nosso trabalho enquanto docente tem noscolocado em contato e atuação direta com oensino fundamental e médio seja pela formaçãode alunos licenciados, pelos cursos decapacitação para professores da rede estadual,pela supervisão de estágio na disciplina deprática de ensino, por projeto de extensão ligadoao ensino, dentre outros.

Ao mesmo tempo nossa atuação enquantopesquisadora tem se vinculado a temáticas queenvolvem as cidades pequenas de dimensõesvariadas (Fresca, 1990; 1993; 1994; 2000),temáticas estas que perpassam peloentendimento da dinâmica funcional urbana,pelas suas inserções em uma dada rede urbana,bem como as refuncionalizações pelas quais aspequenas cidades passaram, inseridas nocomplexo e multifacetado processo detransformação da sociedade brasileira.

Advém desta experiência o ponto central dapresente discussão, em caráter introdutório: ascidades pequenas estão ausentes no ensino dourbano nos níveis educacionais citados.

Ausência esta manifesta na maioria dos livrosdidáticos, que se tornaram o principal , senão oúnico, material bibliográfico utilizado pelosprofessores e alunos.

Nestes livros, e não precisamos citarexemplos porque quase unanimidade, discute-se urbanização, rede urbana e cidades enfocandoas regiões metropolitanas e grandes cidadesmuito atreladas às áreas de grande concentraçãoindustrial. Quando muito, discute-se cidadeshistóricas, cidades “mortas”, cidades planejadas– como algumas capitais estaduais esquecendo-se, no entanto, de numerosas e até mais antigascidades planejadas no Oeste Paulista e no Nortedo Paraná, como Osvaldo Cruz, Inúbia Paulista,Adamantina (Fresca, 1990), Londrina,Maringá, Cornélio Procópio, Cianorte, Astorga,etc., respectivamente.

Mas por que as cidades pequenas estãoausentes nos livros didáticos? Elas nãomanifestam interesse algum ao estudo? Não sãosignificativas? Como explicar então que estaclasse de núcleos urbanos representanumericamente a maioria das cidadesbrasileiras? Os conteúdos discutidos nos livros

*Professora do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina – PR. E-mail:[email protected]

Em Defesa dos Estudos das Cidades Pequenasno Ensino de Geografia

Tânia Maria Fresca *

RESUMOO objetivo do artigo é discutir a importância das cidades pequenas no ensino de geografia. Enquanto lugares singulares,os pequenos núcleos urbanos manifestam a universalidade de processos gerais permitindo que inúmeros temas e temáticasdo ensino de geografia possam ser realizados a partir do estudo das cidades pequenas.

PALAVRAS-CHAVE: cidade pequena, lugar, ensino, Geografia.

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28 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 27-34, jan./jun. 2001

didáticos não seriam passíveis de seremabordados para as cidades pequenas? Os alunosnão teriam melhores condições de aprendizadose muitos dos conteúdos fossem discutidos apartir destas cidades?

Os livros didáticos, no entanto, procuramdar conta de temáticas e conteúdos em nívelgeral optando pela abordagem do maiscomplexo, pois, implicitamente seus autoresacreditam ser o caminho mais profícuo.Deixamos claro que as abordagens do nívelmetropolitano continuam sendo necessárias,mas a outra face também. Caso contrário,incorre-se no risco de homogeneizar o que épor sua natureza, socialmente heterogêneo ediferenciado. Nem mesmo a chamadaglobalização – enquanto etapa atual dodesenvolvimento do capitalismo pautado emuma cada vez maior concentração ecentralização do capital – é capaz de eliminardiferenças, muito pelo contrário, por vezes criae reforça as já existentes.

No período atual as cidades pequenas ougrandes, enquanto lugares, são singulares e umasituação não é semelhante a outra, e cada lugarcombina de maneira particular variáveis quepodem ser comuns a vários lugares (Santos, 1988).

II

Assim, a título de encaminharmos nossadiscussão, o primeiro aspecto é a noção decidade pequena, que envolve a busca deelementos que caracterizem uma cidade comotal. Partimos das indicações de Santos (1982,p. 71) quanto a existência “de uma dimensãomínima a partir da qual as aglomerações depopulação deixam de servir às necessidades daatividade primária para servir às necessidadesinadiáveis da população com verdadeirasespecializações do espaço”. Não se trata pois, debuscar definições a partir de um númeromínimo necessário para ser cidade, mas deencontrar o fundamento, o limite mínimo de“complexidade das atividades urbanas capazes de

... garantir ao mesmo tempo um crescimento auto-sustentado e um domínio territorial” (Santos,1982, p. 70). Neste sentido a cidade local acabapor responder às “necessidades vitais mínimas,reais ou criadas de toda uma população, funçãoesta que implica em uma vida de relações” (Santos,1982, p. 71).

Mediante tal posicionamento, podemosentender a dimensão mínima a partir da qual épossível falar de uma verdadeira cidade e, aomesmo tempo, isto nos remete à complexidadedas condições e elementos que nos permitamcaracterizar uma cidade como sendo pequena.Porque nesta classe de cidades vamos encontrardesde aquelas com limite mínimo dacomplexidade de atividades urbanas até aquelasdonde tal complexidade é bastante acentuada,refletindo inclusive, diferenças do ponto de vistapopulacional. Não deixa de ser interessanteencontrarmos cidades cujas populações urbanasoscilam em torno de 2 000 habitantes e aquelasonde tal número chega próximo dos 50 000habitantes, e ambas sejam consideradaspequenas. Assim, queremos crer que acaracterização de uma cidade como sendopequena, esteja muito mais vinculada a suainserção em uma dada área, região ou redeurbana (Corrêa, 1989) e que nos permitaentendê-la como tal. É preciso pois, oentendimento do contexto sócio-econômico desua inserção como eixo norteador de suacaracterização como forma de evitar equívocose igualar cidades – com populações similares –que em essência são distintas.

Embora esta discussão seja importante, noâmbito da Geografia, poucos são os autores quetêm se preocupado em analisar as cidadespequenas. Ao mesmo tempo diante daampliação da taxa de urbanização no Brasil eda constituição de áreas urbanas, Santos (1993,p. 71) entende que para “ser cidade média umaaglomeração deve ter população em torno de 100000 habitantes”, indicando que abaixo destepatamar, os núcleos devem ser cidadespequenas. Contudo uma cidade com cerca de50 000 habitantes urbanos inserida na rede

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urbana norte paranaense diferencia-se em muitode uma similar inserida, por exemplo, na redeurbana nordestina.

Assim, nosso objetivo é introduzir umadiscussão a respeito da importância detrabalharmos com estes núcleos, utilizando paratanto algumas abordagens de conteúdos doensino fundamental e médio, passíveis de seremtratados mediante as pequenas cidades.

III

A título de contribuição reflexiva a respeitoda importância de trabalharmos com aspequenas cidades no ensino fundamental emédio levantamos alguns pontos como formade explicitarmos que estas, enquanto lugares,manifestam a universalidade do movimentoreal, porque o singular, o único, só pode sercompreendido em relação ao geral e por causadele, por intermédio do particular enquanto ummembro intermediário real das determinaçõesdo geral, que se especifica em momentosparticulares incorporando novas singularidades.

a) A dinâmica econômica social brasileira temsido abordada no ensino da geografia a partirda ótica da industrialização especialmenteapós a Segunda Guerra Mundial, servindoinclusive como eixo crucial para tratar dascidades e da urbanização. Sem entrar nomérito da discussão que envolve o complexoprocesso de industrialização que teve seudesenvolvimento principiado nas últimasdécadas do século XIX (Mamigonian, 2000),os livros didáticos nunca abordam que nascidades pequenas também há indústrias e porvezes de grande porte. Mais que isto, hácidades pequenas que acabam por concentrarimportantes polos industriais configurando-se em detentoras de boa parte do mercadoconsumidor nacional para certos produtos.

Na medida em que os livros didáticosprivilegiam uma abordagem centrada no

período após Segunda Guerra Mundial e nasáreas donde ocorre a maior concentração territorialdas unidades produtivas industriais – regiõesmetropolitanas – deixam de considerar outrasrelações espaço – temporais do mesmo processo.

Exemplar é o Norte do Paraná que ocupadomodernamente a partir das últimas décadas doséculo XIX, somente após a década de 1920teve ampliada a incorporação de terras àprodução agropecuária inserido no processo deexpansão das frentes pioneiras e concluída noslimites estaduais na década de 1950. Tratava-sede uma incorporação de terras à economiacapitalista de então, que se caracterizavasobretudo por uma estrutura fundiária apoiadanas pequenas e médias propriedades; no cultivodo café – enquanto produto de inserção nadivisão internacional do trabalho – gênerosalimentícios como arroz, feijão, etc. e emmatérias primas como algodão, amendoim, etc.,destinados a atender demandas do mercadointerno, quer populacional ou industrial e nopredomínio da mão-de-obra familiar.

Nesta economia assentada na pequenaprodução mercantil, fundamental foi a presençadas cidades, fundadas a partir de açõesplanejadas, que tinham como fundamentoatender as demandas básicas da população e daprodução propriamente dita, atribuídas peladivisão social do trabalho.

Neste quadro é necessário a referência de queo predomínio da produção era a agrícola, masa industrial também se fazia presente, desde asmáquinas de beneficiamento, até pequenasunidades produtivas de bens de consumo nãoduráveis à exemplo dos alimentícios, bebidas,confecções, dentre outras. Mas tratava-se deuma industrialização, via de regra, de pequenaamplitude produtiva.

Foi somente a partir dos anos de 1970,quando profundas transformações afetaram abase produtiva agrícola desestruturando apequena produção mercantil em direção àdenominada modernização agrícola, que houvea expansão do processo de industrialização noNorte do Paraná. Uma industrialização

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vinculada aos complexos agroindustriais – CAI’s– ou de implantação de unidades e setoresindustriais mais diversificados como confecção,móveis, têxtil, fiações, mecânica, café solúvel,etc. Processo este que se realizou a partir da açãode capitais locais e regionais, transferidos ou nãoda produção agropecuária e que permitiram aestruturação de polos industriais regionais ounacionais para certos produtos.

Alguns que inclusive por seu dinamismo –em termos de capital investido, acesso àtecnologia, custos de produção, conquista demercado consumidor, etc. – foram capazes deconcorrer com a produção similar metropolitanapaulista (Brancaleone, 1999).

Isto permite-nos entender que, se o processode industrialização nacional foi intensificadoapós a Segunda Guerra Mundial – através daimplantação das indústrias automobilísticas,material de transporte, material elétrico,cimento, siderurgia, etc. – em outras áreas doBrasil esta industrialização começou ou foiampliada a partir dos anos de 1970. Nesta etapamuitas cidades pequenas tornaram-se os locaispreferenciais para a localização de muitasunidades produtivas, tanto em número comopelo volume de produção alcançada, sem quepara isso, tenha havido a formação de áreas ouregiões industriais (Goularti Filho, 1995)

Cornélio Procópio e Cianorte são duascidades exemplares do que estamos abordando.Ambas estão inseridas na rede urbana norte-paranaense, cujas gêneses são de 1926 e 1953respectivamente, e atreladas ao processo deavanço das frentes pioneiras. Cidades planejadase produzidas para dar apoio à produçãoagropecuária – assentada no café, gênerosalimentícios e matérias primas, pequenas emédias propriedades, mão de obra familiar –através da coleta da produção, beneficiamento,transporte e comercialização. E para dar apoioà população, majoritariamente rural, através daoferta de bens e serviços diversificados.

A dinâmica econômico-social instaurada emambas as cidades cujo fundamento social era apequena produção mercantil, foi a partir dos

anos de 1970 totalmente alterada mediante aação do processo de modernização daagricultura nacional.

A partir de então Cornélio Procópio eCianorte inseriram-se distintamente na divisãoterritorial do trabalho. A primeira tornou-seuma cidade com profundos vínculos à produçãoagrícola, caracterizando-a como uma “cidade docampo”, regulando-o e “respondendo às suasdemandas cada vez mais prementes e dando-lherespostas cada vez mais imediata” (Santos, 1994,p. 148). Através da oferta de insumos,maquinários, implementos, sementes, créditosespecializados e sistema de comercialização viacooperativa, a cidade estabelece interaçõesespaciais (Corrêa, 1997), em escalainternacional via comercialização da soja e trigo.

Do ponto de vista industrial CornélioProcópio – com 38.981 habitantes urbanos(IBGE, 1997) – contava no final dos anos de1990, com pequeno número deestabelecimentos, mas alguns de grande porte.A primeira é uma unidade produtora de fios deseda – a segunda maior fiação de seda do Brasil– instalada em 1973, funcionando como filialde empresa de capital japonês, cuja produção édestinada em 95% ao país de origem. Geravano final dos anos de 1990 cerca de 1000empregos diretos em suas unidades produtoras.A segunda indústria de grande porte é umaunidade produtora de café solúvel emfuncionamento desde 1971 a partir da aplicaçãode capitais locais e japoneses, sendo controladapor uma “trading company” japonesa. Medianteevolução da empresa, em 1997, ocorreu novaampliação da capacidade produtiva com aimplantação em Cornélio Procópio de maisuma unidade de café solúvel, permitindo que aempresa ocupasse na última data referida, aterceira posição dentre as indústriasexportadoras de café solúvel do Brasil. Comodecorrência da expansão das atividadesprodutivas, a empresa foi verticalizadaenglobando outras unidades pertencentes aogrupo de produção industrial e de serviços –equipamentos industriais, unidade de café

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torrado e moído, transportadora, setor deexportação, etc. – gerando 650 empregos diretosna cidade (Fresca, 2000)

Cianorte por sua vez tornou-se uma cidadeespecializada na produção confeccionista, cujodestaque atual são os jeans. No contexto damodernização agrícola, o município tevedesestruturada a pequena produção mercantil;ocorreu a concentração da propriedade da terra;a expansão das pastagens e do cultivo da culturada cana de açúcar e mandioca para os quais sóhouve implantação de agroindústriasincompletas para o último produto, quepassariam a funcionar quase independentes dacidade; a população total diminuiu e a taxa deurbanização ampliou-se (41 504 habitantesrespectivamente – 79,15% da população total).Cianorte perdeu suas anteriores funções, masemergia mediante a contingência e anecessidade, outra atividade produtiva urbanaque permitiu a cidade tornar-se especializadana produção industrial confeccionista.

A partir da ação de um comerciante deorigem libanesa, foi implantada a primeiraconfecção em 1977, cuja expansão dasatividades acabou por propiciar condições paraa implantação de outras unidades produtivasde capitais locais de origem urbana. Ao finaldos anos de 1990, a cidade adjetivada como a“capital do vestuário”, contava com 311estabelecimentos industriais confeccionistas – amaioria micro e pequenas empresas; gerava cercade 7000 empregos; uma produção mensal decerca de 3 milhões de peças. A produção emboraseja diversificada em termos de produtos, temno jeans – quer seja os de grifes próprias dasindústrias como aqueles produzidos via facçãopara grifes famosas como Ellus, Forum, CalvinKlein, etc. – o traço mais marcante. Toda estaprodução tem no centro sul brasileiro seuprincipal mercado consumidor, destacando-sea região metropolitana e o interior paulista(Fresca, 2000)

Com estes elementos estamos chamando aatenção de que cidades pequenas concentramimportantes unidades e setores industriais, ao

mesmo tempo em que estabelecem diariamentecontatos comerciais diversos entre indústrias emercado consumidor localizado tanto no paíscomo no exterior. Cidades pequenas que viaprodução propriamente dita estão inseridas nachamada globalização e inclusive algumas desuas relações de poder e gestão já eramestabelecidas em âmbito internacional muitoantes da globalização se tornar tema de destaquenos debates. Estas mesmas cidades estãocotidianamente conectadas aos mais modernosmeios de comunicação e informação, porintermédio das redes técnicas.

b) Se por um lado temos cidades pequenas cujasinserções na divisão territorial do trabalholhes garantem produções e relações diversascitadas acima, por outro temos pequenosnúcleos urbanos cujas inserções emestruturas produtivas geraram condiçõesbastante diversas.

Tratam-se de municípios e correspondentesnúcleos urbanos que no contexto dastransformações agrárias acabaram por se tornarsedes produtivas de complexos agroindustriais.Grandes unidades produtivas, sequiosas delucros, com tendência a localizarem-se próximasàs fontes de matérias primas. Mas funcionamquase que independente das cidades emunicípios onde estão instaladas, já que suasrelações econômicas são travadas com os grandescentros urbanos inserindo estes complexosagroindustriais em atividades e nexos cada vezmais extra-locais (Santos, 1988). Com istoestamos explicitando que se os CAI’s tornaram-se um dos representantes da modernaagricultura brasileira com repercussões diretasna produção e produtividade, por outro ladoacabaram por trazer repercussões negativas paraos pequenos núcleos urbanos onde estãoinseridos. Isto porque na lógica da produção ereprodução do capital, estes complexos acabampor não necessitar de atividades, a seremdesempenhadas pelas cidades mais próximas,salvo pela oferta de uma força de trabalho.

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mecanismos – à população, esconde o essencial:a super exploração da força de trabalho. Por umlado o chamado déficit habitacional é pequenoou nulo em tais cidades, vinculado “as redes desociabilidade e a relativa proximidade do poderpúblico que impede que se chegue a níveis extremosde miserabilidade e com isso assegura-se areprodução da população de baixa renda” (Lopes,2000, p. 225), contando ainda com apoio depastorais e entidades diversas.

Por outro lado tal ausência do déficit omiteas práticas políticas clientelistas e a implantaçãode loteamentos de autoconstrução parapopulação de baixa renda como na pequenaSertanópolis (Lopes, 2000). Irregulares, osloteamentos de autoconstrução também nestascidades acabam por se tornar uma tentativa demanutenção da população no lugar – já que aimigração com destino aos centros urbanos queofertam empregos é elevada – ; garantem atransformação da terra de uso rural para urbano;e acima de tudo explicita o nível de exploraçãoda força de trabalho, obrigada a construir aosfinais de semana já que o salário percebido nãoé suficiente para as despesas com habitação

O número de favelas em pequenos núcleosurbanos tem aumentado nas últimas décadasem todo o Norte do Paraná, se fazendo presentesem cidades com os mais distintos estratospopulacionais. Mais uma vez Jacarezinhomanifesta tais tendências com a presença de umafavela que abriga cerca de 500 domicílios e cercade 2 700 habitantes, muitos dos quais sequerconseguem atuar como bóias-frias (Fresca,2000). Na maioria das pequenas cidades ( e dasgrandes também) parte significativa da populaçãonão é atendida por rede de esgoto. E o desemprego?Tão elevado no contexto nacional atual, não atingeos habitantes destes núcleos?

IV

Outras tantas discussões e exemplospoderiam ser colocados mas, o que importa nopresente é destacar mais uma vez a imensa e

Jacarezinho e Porecatu, localizadas no Nortedo Paraná, contam em seus territórios com apresença de agroindústrias sucro-alcooleiras –desde os anos de 1940 e naquele momentodenominados de usinas, já que os CAI’semergiram em outro contexto – e na atualidadeo controle destas unidades não estão sediadasnas cidades respectivas, mas em outros lugares.Preferencialmente no nível metropolitano,sendo de lá que emanam as decisões, o poder, ocontrole exercido sobre a unidade produtiva eé em parte para estas metrópoles que parcelados lucros são remetidos.

Nesta estrutura as pequenas cidadesacabaram por se tornar um local de reproduçãoda força de trabalho que atua no campo comobóias-frias (Oliveira, 1989). Não deixa de seralarmante o fato de Jacarezinho contar no finaldos anos de 1990 com cerca de 6000 bóias-frias, representando cerca de 19% da populaçãourbana (Fresca, 2000); nem de que taistrabalhadores apresentem condições sociais tãoagravadas como na pequena Florestópolis ondeo percentual de bóias-frias sobre a populaçãourbana seja muito elevado, superando os 50%(Broietti, 1999).

Com isto estamos pontuando apenasalgumas das possibilidades de análises a seremefetuadas a partir do lugar onde esteja inseridaa escola e o aluno, principalmente no interiorbrasileiro onde numericamente as pequenascidades são majoritárias. Qual razão decontinuarmos a realizar nossas aulas única eexclusivamente a partir do nível metropolitano?

c) E os chamados problemas urbanos, tãofortemente discutidos nos livros didáticos àexemplo da moradia, saneamento básico,lixo urbano, saúde, desemprego, etc.? Estes“problemas”, não estão presentes tambémnas cidades pequenas?

Em cidades pequenas a questão da moradiaà primeira vista não manifesta maioresindagações ou interesses em pesquisas, já que aaparente oferta de habitações – por diversos

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profícua possibilidade de analisar e trabalharmosconteúdos do ensino fundamental e médio apartir, também, das pequenas cidades. Além domais estes lugares pelas suas escalas acabam porse tornar muito favoráveis à compreensão doreal, já que são lugares singulares e manifestama universalidade.

Estamos cientes das inúmeras dificuldadesenfrentadas pelos professores dos níveiseducacionais em pauta, mas queremos crer quealguns passos já foram dados no sentido deprimeiramente haver uma bibliografia de apoioa tais discussões. Seguidamente temosencontrado receptividade por parte dosprofessores em efetuar um esforço necessárioem organizar atividades que contemplem acoleta dos dados, a sistematização dasinformações para depois iniciarem as pesquisascom os alunos. Isto do nosso ponto de vista,caracteriza-se pela necessidade de buscar caminhosprofícuos ao entendimento da realidade tantopelos professores como pelos alunos.

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In Defense of the Studies into Small Towns in theGeography Education

ABSTRACTObjective of this article is discuss the importance of the small cities in the geography education. As singular places, thesmall towns nucleus to reveal the universality in the general process allowing that countless theme and thematic of thegeography education can be realize from the small town studies.

KEY-WORDS: small cities, place, education, geography.

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INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

A abordagem sobre trabalho de campo emseu sentido mais amplo, torna-se uma tarefadifícil, em virtude da escassa bibliografiaexistente, principalmente, em termos deliteratura mais atualizada. A maioria dosestudos anteriores refere-se preferencialmenteàs técnicas utilizadas, sem mencionar questõesrelevantes a respeito do trabalho de campo,enquanto método de ensino. Normalmentequestões como: percepção do aluno em relação arealidade, o conhecimento prévio dos conteúdosetc, são pouco debatidas, carecendo de umadiscussão mais ampla, no sentido de valorizar esterecurso nos níveis de ensino fundamental e médio,onde este método torna mais concreto osconteúdos aprendidos e apreendidos.

O trabalho de campo pode serimplementado desde as séries iniciais do ensinofundamental como recurso aos professores de

Geografia, História, Ciências e outrasdisciplinas, partindo-se da idéia de produçãodo conhecimento baseado na realidade e nocotidiano do aluno. A visão de mundo do alunoé incorporado ao processo de aprendizagem, queestá associado a uma leitura crítica da realidadee ao estabelecimento da relação de unidade entrea teoria e prática. Conforme Tomita,

é importante que se estimule o educando a indagaro porquê das coisas para o mesmo não seconformar com a simples situação dos fatos, maspartir para uma análise criteriosa como uma visãocrítica. (1999).

O contato com a realidade dará ao alunouma nova dimensão dos assuntos tratados nasaulas o que, se bem programado e orientado,servirá entre as tantas finalidades, estimular oestudo articulado com as diferentes disciplinas.

Assim, e para melhor compreensão de certosconteúdos, os professores sentem muitas vezes

* Professora Adjunta Visitante do Departamento de Geografia e Coordenadora Adjunta do Grupo de Estudos Ambientaisda Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). e-mail: [email protected]

** Professora do Ensino Médio da Rede Pública do Estado do Rio de Janeiro e Geógrafa do Grupo de Estudos Ambientaisda Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). e-mail: [email protected]

Guia Metodológico de Trabalho de Campo em Geografia

Antonia Brito Rodrigues *

Claudia Arcanjo Otaviano **

RESUMOA ciência geográfica estuda o conjunto de fenômenos e formas de organizações num determinado espaço da superfícieterrestre. Espaço onde a natureza e a dinâmica social se integram, marcam e definem paisagens. A organização desteespaço pressupõe não só um aprofundamento teórico, mas também um contato direto e investigador - observar, identificar,reconhecer, localizar, perceber, compreender e analisar o espaço geográfico e a dinâmica de sua organização - por meiodo trabalho de campo. Por isso mesmo, pode-se dizer, que o trabalho de campo é um instrumento didático-pedagógicodo ensino da ciência geográfica. Neste estudo destaca-se a importância desse recurso pedagógico no processo de ensino-aprendizagem e apresenta-se um conjunto de orientações para o planejamento e desenvolvimento do trabalho de campo.

PALAVRAS-CHAVE: trabalho de campo, procedimentos metodológicos, ensino de geografia

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que suas aulas poderiam se prolongar para alémdo espaço da sala de aula. A exemplo daGeografia, o estudo das paisagens, dos lugares,dos espaços urbanos, da degradação ambiental,tão falado e que normalmente chegam ao alunoatravés de uma imagem, uma gravura no livrodidático, ou até mesmo a uma simples referênciaao mesmo, deixando o aluno, construirmentalmente o significado de algo objetivo, masque ele recria conforme a sua visão e experiênciasde mundo. É neste momento que a introduçãoda prática do trabalho de campo auxiliariacomo um recurso complementar do processode construção desses conhecimentos.

Portanto, o trabalho de campo como recursodidático é de primordial importância, porqueoferece potencialidades formativas que devem serlevadas em conta no processo ensino-aprendizagem como uma das técnicas pedagógicasmais acessíveis e eficazes ao professor.

Este artigo tem por objetivo expor umareflexão da importância do trabalho de camponos segmentos de ensino e também proporcionaraos professores um conjunto de procedimentosmetodológicos quanto a organização e realizaçãodo trabalho de campo e avaliação dos resultadosnos processos cognitivos.

1. O TRABALHO DE CAMPO EM SUAESSÊNCIA E IMPORTÂNCIA

Em um enfoque conceitual-pedagógico,considera-se que o trabalho de campo em suaforma e essência é um método relevante dentrodo planejamento do ensino e ou em sua práticapropriamente dita, visto que, hácorrespondência com objetivo proposto – fazcom que o homem se relacione de forma maisadequada com o mundo da natureza e com omundo da cultura.

Segundo Rays,

o método traz dentro de si a idéia de uma direçãocom a finalidade de alcançar um propósito, nãose tratando, porém, de uma direção qualquer, masdaquela que leva de forma mais segura à

consecução de um propósito estabelecido. (apudVEIGA, 1995)

Sob este ponto de vista, o trabalho de campoabarca o significado de método, porque é umcaminho ou procedimento consciente,organizado racionalmente, com a finalidade detornar o trabalho mais fácil e mais produtivopara o alcance de determinada meta.

Assim sendo, o método implica, pois, umprocesso ordenado e uma integração dopensamento e da ação, como também da reação(imprevisível), para execução de tudo aquilo quefoi previamente planejado. A idéia de organizaçãonele contida implica também o planejamento e oreplanejamento (face ao aparecimento da reação)de procedimentos coerentes e coesos para seudesenvolvimento integral.

O trabalho de campo não pode ser de fato,apenas a oportunidade para romper com arotina cotidiana da sala de aula. Vai além davantagem de experimentar e interagir fora dasala com o meio ambiente, o trabalho de campovale por si só ao representar “um dia diferente”fora da escola que motiva e excita os alunos atal ponto que a adesão é total. Será sempre umdia fora do cotidiano que fica na memória doaluno. Lembrando Freinet, as crianças aprendemmuito mais através da experimentação (tateioexperimental) do que pelas explicações dosprofessores (1977).

No entanto, o trabalho de campo, a pesquisade campo, a saída de campo, a excursão didática,outros termos mais, que designam o mesmométodo, o de investigar, está além da propostade técnicas variadas, mas também em conduziro pesquisador, o aluno, o professor a descobrir,observar e entender de melhor maneira asformas e os processos sociais que ocorrem noespaço geográfico. Como afirma Sansolo:

Não nos negamos a observar os dados empíricos,ou estabelecer mensurações que nos indiquem aaproximação da realidade física ou social,entretanto nos propusemos a desenvolver ostrabalhos de campo que ultrapassassem o caráterde confirmação ou negação de hipóteses.

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Entendemos que somente em campo podemosperceber aspectos subjetivos que compõem acomplexidade. Através da intuição, das emoçõese das características individuais de cadaparticipante de um trabalho de campo, é quesurgirão componentes inesperados, mas queentretanto, poderão ser determinantes para acompreensão da realidade, especialmente quandoestamos tratando de um trabalho de campo decaráter pedagógico (1996 ).

Numa outra perspectiva complementar,entende-se que neste caso, a relação pedagógicase reveste de uma nova dinâmica: o professorpoder aproveitar para ser mais observador, maisouvinte do comportamento dos seus alunos, umverdadeiro orientador e companheiro, e daroportunidades para que a iniciativa parta deles,acabando então, com qualquer indício decomando na dinâmica de grupo. O aluno sente-se longe das quatro paredes da sala de aula, numoutro ambiente, tornando-se mais espontâneo,mais ele mesmo. Também é a oportunidaderara para a observação das atitudes dos alunos.Será preciosa para o professor analisar e formularum melhor juízo de seus alunos que por vezes oprofessor pensa já conhecer muito bem.

2. AS ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICASRELEVANTES PARA A ORGANIZA-ÇÃO DE UM TRABALHO DE CAMPO

Um trabalho de campo para ser significativoem termos de aprendizagem necessita serpreparado e realizado seguindo certos critérios.É certo que não há normas, mas há princípiosde caráter geral que podem nos auxiliar nocaminho de um bom planejamento. Trata-sede sugestões, não devendo ser entendidas comoreceita para qualquer tipo de turma: deve-selevar em conta as características específicas dosalunos e o nível escolar.

Por isso propomos este pequeno guiametodológico sobre trabalho de campo, tiradosdas experiências vivenciadas no cotidianoescolar, somados a algumas informaçõespesquisadas da bibliografia.

No planejamento de um trabalho de campo,considera-se três momentos fundamentais eimprescindíveis:

– a preparação– a realização– resultados/avaliação

Antes, porém, de abordarmos a análise decada uma dessas etapas, é importante ressaltarque, embora trata-se de trabalho de campo deuma forma geral, os termos de referência nesteguia são sempre da disciplina geografia, emborapossa vir a servir para orientar os professores deoutras disciplinas.

Outro fato, que de forma intencional, nãose fixou num determinado e único grau deensino ou num nível etário específico. O bomsenso do professor saberá distinguir o que, destasconsiderações teóricas prévias, pode ser ou não,aplicável aos seus alunos.

Ao se pensar em adequar o trabalho decampo as temáticas do programa das diferentesdisciplinas convém não esquecer que a mesmadeve ser levada à prática antes dos últimos mesesdo 2º semestre, para que haja tempo de preparara programação com antecedência. Vale lembrarque o trabalho de campo deve estar incluído naprogramação no início do ano letivo e inseridotambém de alguma forma ao tema central doprojeto político pedagógico do estabelecimentode ensino.

A seguir, é relacionado um conjunto deorientações para serem postas em prática. Opasso inicial é realizar uma ida ao local ou locaisa estudar, antes da realização do trabalho decampo. Nunca se deve fazer um trabalho decampo sem que previamente o professor tenhafeito um levantamento antecipado do lugar ase explorar. Não se admite que o professordesconheça determinados pormenores ouaspectos do local a ser estudado, pois poderãose constituir entraves para o bom desempenhoda atividade, como por exemplo, os horáriosdo local a visitar, no caso de uma indústria,museus, etc, ou os aspectos e características

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próprias de uma área de estudo. Em suma, oprofessor não pode ter um conhecimentoincompleto do trabalho que vai coordenar, sobpena de estar em igualdade com os alunos e,por isso, não lhes poder dar os conhecimentosque eles, nestas situações, sempre solicitam.

a) Preparação da Prática de Trabalho deCampo – trata-se do momento essencial dotrabalho de campo e nele pode ficardefinitivamente decidido o sucesso ouinsucesso de uma saída da escola. De fato,um bom planejamento pode evitar o fracassode um trabalho de campo. Portanto,podemos definir passos que sãofundamentais na organização geral desserecurso didático segundo as atividadesdescritas a seguir:

1º) Definir Objetivos

Como já dito, as excursões devem constarda programação escolar anual. Primeiramentedeve-se traçar os objetivos que se quer alcançar.Analisa-se as temáticas que serão tratadas e

planeja-se o que se espera obter com o trabalhode campo. Os tipos de objetivos que podemser atingidos pelos alunos através do trabalhode campo depende, naturalmente, de uma sériede fatores, nomeadamente o grau de ensino, afaixa etária, interesses e possibilidades dosalunos, o momento do processo deaprendizagem em que o trabalho de campo seinsere e ainda o caráter da própria visita. Noentanto, de uma forma geral e desde quepreparado com um mínimo de cuidado, umtrabalho de campo tem sempre um caráterformativo importante, sobretudo no caso dachamada visita de “descoberta”. Esta podepropiciar ao aluno não só a aquisição ouaprofundamento, de uma forma significativa,de conhecimentos sobre conteúdosprogramáticos relacionados com a visita, comopode levar ainda ao desenvolvimento de hábitose métodos de trabalho e ao enriquecimentoharmonioso da personalidade do aluno. Assim,podemos considerar que, em condições ideais,um trabalho de campo permitirá ao alunoatingir os seguintes objetivos de caráter geral,conforme descritas no quadro.

Domínio cognitivoDomínio das capacidades e

competênciasDomínio dos valores e atitudes

Adquirir e consolidar conhecimentos

específicosAperfeiçoar a capacidade de observação

Desenvolver o gosto pelo estudo e pela

investigação pessoal

Despertar consciência do espaço vivido

e construído

Adquirir técnicas de coleta e organização

de diferentes tipos de informações

Desenvolver a criatividade e a

sensibilidade estética

Despertar espírito crítico e investigadorRealizar trabalhos simples de pesquisa

individual ou em grupo

Cooperar na realização de trabalhos em

equipe

Melhorar a expressão oral e escritaDesenvolver a capacidade de percepção

do ambiente

Melhorar técnicas de expressão

cartográfica e plásticaDesenvolver a sociabilidade

Elaborar sínteses orais e escritas a partir

da informação recolhida

Interessar-se pela preservação do

patrimônio cultural e ambiental

Desenvolver capacidade no manuseio de

bússola e instrumentos e coleta de

amostras

Apreciar e valorizar a identidade cultural

de seu lugar e região e país.

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Embora todos os objetivos gerais acimareferidos possam teoricamente ser atingidosnum trabalho de campo em que houve umplanejamento prévio rigoroso, a verdade é que,em qualquer circunstância, deve o professorcomeçar por definir aqueles que lhe parecemprioritários. Será em função dessa escolha queselecionará o local, traçará os objetivosespecíficos e preparará trabalho de campo. Estaserá necessariamente diferente se o objetivoprincipal for, por exemplo, a aquisição deconhecimentos sobre um tema determinado doprograma ou for o desenvolvimento de métodosde pesquisa ou se pretender simplesmente,numa terceira hipótese, a melhoria dorelacionamento aluno-aluno ou aluno-professor. Sendo o estudo fora de sala de aulatão rico e diversificado, aconselha-se aproveitarpara buscar um ensaio a multidisciplinaridade,mesmo que na hora da avaliação sejaprivilegiado aquele objetivo específico do estudode um tema escolhido.

Não é, pois, indiferente que a tônica dosobjetivos incida no domínio dosconhecimentos, das capacidades ou dos valores.No caso de se privilegiarem os aspectoscognitivos, e antes de se definirem os objetivosespecíficos, é fundamental ter em conta omomento do processo de aprendizagem em queo estudo se integra e, logicamente, a função damesma. De fato, o trabalho de campo podedestinar-se:

– a motivar o estudo de um tema (função damotivação)

– a estudá-lo através dos elementos observadosdurante a visita (função de informação)

– a completar o estudo desse tema (função desíntese)

2º) Escolha do Local

A escolha do local que será objeto de estudodo trabalho de campo deve ser cuidadosamenteanalisada. Não deve seguir o caminho dafacilidade, escolhendo a visita que dá menos

trabalho. Provavelmente seria completamenteinútil. O professor deverá optar antes poraquela, que possui mais possibilidadesformativas, e preferencialmente, tenha mais a vercom o programa e os conteúdos que os alunosestão estudando. Analisar a possibilidade dearticular conhecimentos de outras disciplinas –visando a interdisciplinaridade. (Fazenda, 1991).

Em seguida, reunir as informações que pudersobre o assunto, tais como: mapas rodoviários,mapas hipsométricos, plantas, gráficos,reportagens etc.

Como mencionado anteriormente, é muitovantajosa uma visita prévia ao local onde se fazpela primeira vez um trabalho de campo comos alunos, mesmo que ele já seja conhecido doprofessor.

Visto que, ao procurar ver, com os “olhos” dosalunos, um ecossistema ou um museu, fazemospor vezes descobertas bastante surpreendentes.

3º) Calendário

Um trabalho de campo está à princípio,integrado na planificação a médio ou longoprazo do trabalho escolar e, normalmente,pretende-se que coincida com o momento maisadequado do estudo de um determinado tema.Para que isso aconteça, o professor deve ter emmente as exigências e condições necessárias parase efetuar o trabalho de campo. Não deveesquecer que:

– na maior parte dos casos, necessita deautorização do departamento responsável daempresa, parque, museu, se houver visitatécnica ou locais que são administrados pelopoder público, como por exemplo, uma áreade proteção ambiental;

– essa autorização pode demorar algum tempo,pois necessita das formalidades necessárias(solicitação para a visita através de envio deofícios) e o aguardo de resposta;

– para não ter problemas de outros professoresmarcarem a visita de estudo em dataspróximas das suas, procure convidar alguns

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professores e todavia trabalhar um tematransversal, assim conectando os diferentesconteúdos das disciplinas que sairão em campo;

– como o trabalho de campo requer contratode transporte, e às vezes, verba para custeardiárias e hotéis, a sua obtenção mesmo sendoda própria escola, pode ser demorada;

– além dos tempos de aulas necessários aotrabalho de campo propriamente dito, éimportante também pelo menos uma aulapara sua preparação e de outra mais parasua análise e avaliação.

Contudo, deve ser analisada com o máximode cuidado a data mais oportuna para uma visita ecomeçar a prepará-la com a necessária antecedência.

4º) Os Recursos Materiais

Para a realização de um trabalho de camposerá preciso, no mínimo, assegurar o transportedos alunos entre a escola e o local da visita. Sea escola não puder fornecer as verbas necessárias,como no caso, das escolas públicas, haverásempre a possibilidade de recorrer aos órgãospúblicos locais como Ministério do Exército, aPolícia Militar ou a outras entidades públicasou privadas, sobretudo quando o trabalho decampo é realizado fora da área metropolitana.

Ainda entre os recursos materiais, deve oprofessor assegurar-se de que poderá forneceraos alunos as informações mínimas necessárias,quer através de cópias xerografadas de textos,quer folhetos impressos, eventualmentedisponíveis, quando se trata de unidades depreservação ou patrimônio histórico, e ainda omais importante, mapas ou cartas do local aestudar. Verificar se os alunos possuemmáquinas fotográficas ou câmeras filmadoras econdições de comprarem filmes.

5º) A Busca da Interdisciplinaridade

Uma das características das nossas escolas deensino fundamental e médio é a da grandefragmentação dos currículos, com as várias

disciplinas completamente separadas umas dasoutras, quando não mesmo, em oposição. Todasas oportunidades são, por isto, boas para tentarderrubar barreiras entre as disciplinas, paraultrapassar a compartimentação de conhecimentosque tão contrária é ao objetivo fundamental dequalquer sistema de ensino: compreensão darealidade por meio de uma abordagem global,transversal e multidisciplinar1.

O trabalho de campo pode ser uma excelenteocasião para tentar a cooperação com outrosprofessores, com outras disciplinas2. Pensar queseja possível uma verdadeira interdisciplinaridadeserá talvez utópico, pois esta exige uma interaçãoe uma imbricação entre as matérias que nãopode ser apenas pontual. Em compensação seráperfeitamente possível uma abordagemmultidisciplinar, através da qual, diferentesdisciplinas dêem sua perspectiva própria para oestudo de um tema concreto, relacionado como objeto da excursão.

A colaboração mais óbvia será entre adisciplina de Geografia associar-se a História,Português, Ciências e Artes Plásticas. Em certoscasos serão possíveis associações maisinesperadas, como a Matemática, EducaçãoFísica e Artes Cênicas. A cooperação com ostrabalhos de oficinas pode ser muito proveitosana fase de apresentação dos resultados dostrabalhos, assim como também o laboratóriode informática para a montagem de umaexcursão geográfica virtual3 para dar chance àsséries que não participaram do estudo, possamter acesso ao conteúdo e imagens da visita.Sempre que possível, as Línguas Estrangeirasaproveitarem a motivação de um trabalho decampo para o desenvolvimento da capacidadede expressão oral ou escrita no idiomarespectivo. Em cada um dos itens que se seguemapresentaremos sugestões mais concretas deformas de abordagem.

6º) Contemplar Outros Aspectos Práticos

Depois de saber exatamente o que o levou aescolher determinada área de estudo e de dispor

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de meios para a sua realização há ainda umasérie de aspectos práticos que o professor nãodeve descuidar. Vejamos os principais:

– Informar a coordenação e a direção da escolapara enviar comunicado aos pais sobre dia,hora e objetivo da visita;

– Contatar por telefone, fax ou e-mail odepartamento responsável da empresa,museu ou parque para marcar a data da visitae acertar se deseja uma visita guiada;

– Confirmar o transporte, assegurando-se depreços, itinerários e horários;

– Elaborar e reproduzir o material necessáriopara a visita é sempre importante emotivador a distribuição do material aosalunos com uma certa antecedência, detextos complementares sobre a temática a serabordada, de um programa de visita em quese indique o dia, a hora e o local da partida,itinerário, duração do trabalho de campo,material que o aluno deve levar e todos osesclarecimentos considerados necessários;nesse programa pode reservar-se um espaçopara registrar a autorização dos pais;

– Informar a coordenação pedagógica da escolaatravés do referido programa.

7º) Informar e Motivar os alunos

Os alunos devem ser bem informados dosobjetivos do trabalho de campo, de como equando decorrerão as atividades de preparaçãoda visita propriamente dita e as posterioresatividades de análise e avaliação dos resultados.

Uma boa motivação será fundamental parao sucesso do trabalho de campo. Entre as váriasmotivações possíveis podemos citar: mapas etextos, quando possível uma sessão comprojeção de slides ou vídeo sobre o assunto davisita, pode ser uma das mais eficazes eestimulantes. Há que fazer, no entanto, umaadvertência, o professor deve limitar-se amostrar uma ou duas imagens e fornecer umtexto, procurando não cair na tentação de dar

um volume de informações que, afinal, irá serobjeto real da visita. Esta passaria a ter umcaráter meramente ilustrativo, necessariamentepouco motivador.

Uma importante ressalva é o da necessidadedos alunos possuírem maturidade suficientepara compreenderem o assunto proposto paraa realização do trabalho de campo, portanto,atenção antes de traçar os objetivos.

b) Realização do Trabalho de Campo –para osucesso na realização de um bom trabalhode campo, como já mencionado, é coroláriode uma boa preparação prévia. Sem apreparação devida, o resultado é, quasesempre, o caos; com alunos excitados pelanovidade da situação, brincadeiras de correriasde um lado por outro, indisciplina, gracejosinoportunos de uma realidade que nadapercebem. Enquanto o professor, tentandoevitar o irremediável, faz apelos à autoridadeou põe em cena as suas melhores capacidadesde comunicação, a que só correspondem,quando muito, a uns poucos alunos.

Um trabalho de campo conscientementepreparado decorre, de uma forma geral, semproblemas e revela-se um ato pedagógico comgrandes potencialidades. Muitas variáveis(adequação do conteúdo ao nível de ensino,objetivos definidos, tipo de local, etc...)condicionam a forma que pode assumir umtrabalho de campo, forma essa, que deverá seropção do professor. Existem várias modalidadesde trabalho de campo para o ensino daGeografia, sendo os mais utilizados: VisitaGuiada ou Técnica; Excursão DidáticaExpositiva, de Observação, de Reconhecimentoe de Descoberta.

Estas várias modalidades são passíveis de umadiscussão, em relação ao seu caráter pedagógico,porém não cabe este enfoque no estudo emquestão.

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c) Análise dos Dados ou InformaçõesColetadas e Avaliação/Resultados doTrabalho de Campo – este é o momento deconsolidar os conhecimentos adquiridos e defazer um balanço dos aspectos negativos epositivos do trabalho de campo. É nessa horaque se distingue uma excursão com finsdidáticos a um passeio com objetivo apenasde lazer. Para muitos professores umtrabalho de campo termina no momento emque se desce do ônibus que lhes trouxe devolta para a escola. Será um desperdíciodeixar uma atividade tão rica sem finalização.Para tanto, as atividades subseqüentes deanálise dos dados coletados e avaliação dasaída são etapas imprescindíveis de uma açãopedagógica deste tipo. Estas atividades quepodem ocupar um ou dois tempos de aula,devem ser feitas muito brevemente, depreferência, logo após a excursão terocorrido, isto é, a data ideal é o dia seguinte,quando as experiências vividas estão aindapresentes na memória dos alunos.

A forma mais simples de testar osconhecimentos adquiridos pelos alunos naexcursão é aplicar um questionário sobre o temaestudado e articular com os conteúdos dadisciplina naquele bimestre.

Um outro processo pode ser aquele em queos alunos distribuídos em grupos recapitulemos resultados do seu trabalho, reunindo asanotações que fizeram, as plantas com osregistros, o material que tenham eventualmenterecolhido (amostra de rochas, postais, folhetos,desenhos), as fotografias tiradas ou filmesgravados, e assim, discutirão as conclusões quechegaram. Cada grupo apresentará uma síntesedas suas conclusões, que poderá ter a forma deum pequeno relatório (oral e escrito), ou de umdossiê, ou de um painel ilustrado (que poderávir a fazer parte de uma exposição da turma)ou mesmo, se houver recursos para isso, de umamontagem audiovisual.

Nas séries em que as faixas etárias sãomenores pode solicitar aos alunos que através

de desenhos, pinturas, colagens, mapas,maquetes ou modelagens, recriem e apliquemconhecimentos adquiridos durante o trabalhode campo.

O papel do professor será fundamental nestafase, cabe a ele fornecer as informaçõescomplementares necessárias e ajudar os alunosa extrair do seu trabalho conhecimentosorganizados, conceitos e generalizações quepossam ser integrados no programa que estásendo estudado. Deve ainda estar atento paraanalisar se houve ou não progressos na aquisiçãode habilidades e técnicas “transferíveis” paraoutros domínios do estudo.

Ainda deve-se preparar um formulário paraque os alunos façam a avaliação da excursão. Étambém aconselhável uma auto-avaliação doprofessor e uma reflexão em comum deprofessor e alunos para se perguntarem; osprocedimentos utilizados foram os melhores ouse necessita procurar outros? Os materiaisdistribuídos foram suficientes? Quais os aspectosmais positivos e mais negativos?

O professor poderá então ter ciência darelevância da prática didática que acabou derealizar e, através desse feedback, garantirá o êxitode futuras saídas de campo, cuja organizaçãopassará a ser progressivamente mais fácil e cadavez mais compensadora tanto do ponto de vistaprofissional como pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho de campo é o prolongamento dasaulas, uma atividade tão importante e, comotal, assim deve ser considerada no contextoespecífico da avaliação contínua.

No processo da construção do conhecimentoé fundamental ressaltar o papel do docente. Elenão permanecerá acomodado somente naformação de novos conceitos e percepções antescolocará toda sua potencialidade a serviço dacriatividade na realização do trabalho de campo.

O ensino dinâmico da Geografia com basena prática do trabalho de campo exigirá uma

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atualização constante do professor em relaçãoaos conteúdos, de outro lado conduzirá osalunos a perceberem que os estudos em relaçãoa esses conteúdos não é um conhecimentoacabado. Pelo contrário, através deste recursopedagógico este conhecimento éconstantemente reativado e renovado.

NOTAS

1 Uma série de disciplinas que são ensinadassimultaneamente, sem explicitar as possíveis relaçõesentre elas.

2 Uma visita de caráter multidisciplinar deve,naturalmente, promover a coordenação dos trabalhosentre os vários professores o que terá logo comovantagem inicial a possibilidade da divisão de tarefasindispensáveis.

3 A excursão geográfica virtual pode ser utilizada comoforma de avaliação e veiculada como produtoeletrônico no site do estabelecimento de ensino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FAZENDA, I. C. Interdisciplinaridade: Um Projetoem Parceria. São Paulo: Ed.

Loyola, 1991.

FREINET, C. O Método Natural. Lisboa:Estampa,1977.

SANSOLO, D. G. A Importância do Trabalho deCampo no Ensino de Geografia e para a EducaçãoAmbiental. 1996. Dissertação (Mestrado) –Universidade de São Paulo, São Paulo.

TOMITA, L. M. S. Trabalho de Campo comoinstrumento de Ensino em Geografia. Geografia:Revista do Departamento de Geociências, Londrina,v.8, nº.1,p.13-15, jan./jun.1999.

VEIGA, I. P (org.). Repensando a Didática. Rio deJaneiro: Papirus, 1995.

Field Work Methodological Guideline in Geography

ABSTRACTGeography science studies the fet of phenomena and forms of organizations in a certain space of the terrestrial surface.Space where the nature and the social dynamics are integrated, they mark and define landscapes. The organization ofthis space supposes not only a theoretical deepining, but also a direct contact and investigating – to observe, identify,recognize, locate, perceive, to understand and to analyze the geographical space and the dynamics of its organizations –by means of the field work. Because of it one can say, that the field work is a didactic-pedagogic instrument of thegeographical science teaching. In this study, its is outstanding the important of this pedagogic-resource in the teaching-learning process and its is present a fet of guideline for the planning and development of the field work.

KEY-WORDS: Field Work, Methodological Procedure, Geography Teaching

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INTRODUÇÃO

A cartografia contemporânea apresenta diversascorrentes propostas por teóricos de diferentespaíses. A semiologia gráfica é uma destas correntes,e foi elaborada na França na década de 60. Asemiologia gráfica pode ser compreendida comoum conjunto de diretrizes que orientam aelaboração de mapas temáticos com o uso desímbolos caracterizadores da informação.

Como linguagem cartográfica, fundamenta-se em uma ciência denominada semiótica, quetem por objeto de investigação todas aslinguagens, em especial a dos signos. Os signossão componentes lingüísticos do sistema deinformação cartográfica. Os signos sãocompostos por significante (expressão) esignificado (conteúdo).

Esta linguagem que hoje é considerada agramática da cartografia temática, foisistematizada por Jacques Bertin durante osanos 60 a partir do sistema gráfico de signos,desempenhou um papel significativo nodesenvolvimento teórico da Cartografia.

1. BASES DA SEMIOLOGIA GRÁFICA

Para compreender a trajetória da semiologiagráfica é importante retomar as principaisetapas de seu desenvolvimento. Seu surgimentoocorreu na França, entre 1960-1967, umperíodo de reflexões e experimentações para aconstrução desta linguagem. Foi através daanálise sistemática de muitas representações eimagens, que Jacques Bertin pode definir asvariáveis visuais e estruturar as primeiras regrasde construção da imagem gráfica. Os primeirosresultados foram divulgados em sua obraSémiologie Graphique em 1967.

O período entre 1968-1985, pode serconsidera como o segundo momento dasemiologia gráfica. Período em que ocorre odesenvolvimento e a divulgação dos tratamentosgráficos. Como possibilidades de tratamento dedados, apresenta a matriz ordenável, o fichário-imagem a coleção de mapas e a tabela ordenadacomo alternativas para a estruturação depraticamente todas as construções gráficas.Neste período, Bertin reedita a obra Sémiologie

* Docente do Departamento de Geociências da UEL - e-mail – [email protected]

Contribuições da Semiologia Gráficapara a Cartografia Brasileira

Rosely Sampaio Archela *

RESUMOA semiologia gráfica é uma das correntes da cartografia temática que se desenvolveu no Brasil, a partir da década de 80.Neste artigo, apresentamos uma trajetória da semiologia gráfica no Brasil, a partir da discussão dos trabalhos realizadospor diferentes autores.

PALAVRAS-CHAVE: semiologia gráfica, cartografia, representação gráfica

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Graphique em 1973 e lança La graphique et letraitement graphique de l’information em 1977.Segundo Bonin (2001), este período foi o maisprodutivo para a Semiologia Gráfica. Aspesquisas tornaram-se interdisciplinares e foramdivulgadas em diversos países, entre eles o Brasil,onde foram testados e aplicados os novosmétodos de pesquisa. Roberto Gimenopesquisou sobre a importância da SemiologiaGráfica para a aprendizagem de todas asdisciplinas do ensino fundamental edesenvolvimento da aprendizagemdemonstrado pelos escolares. Os resultadosforam publicados em Appendre à l’école par lagraphique, publicado em 1980.

A partir daí, com o desenvolvimento dasnovas tecnologias na Cartografia, o processo detratamento de dados, através da semiologiagráfica não se desenvolveu, apesar das tentativasrealizadas pelo Laboratório de Graphique nacriação e desenvolvimento dos programas (Mac-map e Amado).

No entanto, as características originais dasemiologia gráfica permanecem, e conhecê-lasé fundamental mesmo quando utilizamosprogramas convencionais para tratamentos dedados (Microsoft Excel, por exemplo). Asemiologia gráfica embasa a construção demapas e gráficos a partir de uma gramática quese apoia na percepção visual. Quando estasconstruções obedecem as regras da gramáticagráfica, a visualização é imediata e a construçãográfica deixa de ser uma simples ilustração.

Como uma linguagem monossêmica, colocaem evidência três relações: diversidade/similaridade, ordem e proporcionalidade, quesão os significados da representação gráfica.Estas relações são expressas pelas variáveis visuais– tamanho, textura, valor, cor, orientação eforma, que são os significantes. Considera osmodos de implantação: pontual, linear e zonal.

Uma das grandes dificuldades para acartografia temática tem sido a falta depadronização da legenda. A partir da adoçãoda semiologia gráfica como gramática dacartografia temática verifica-se que estadificuldade desaparece pois seu objetivo é

transcrever as relações entre os dados dalinguagem escrita, utilizando variáveis visuaisque representem exatamente as mesmas relaçõesna linguagem gráfica.

Assim, para representar quantidades eproporcionalidades, utilizamos a variável visualtamanho – variação do ponto no tamanhogrande, médio e pequeno. Para representarinformações ordenadas, utilizamos o valor –variação de tonalidade do branco ao preto, oudo claro para o escuro. Estas duas variáveisvisuais – tamanho e valor possuem a propriedadedissociativa. Utilizamos a orientação – variaçãode posição entre o vertical, o oblíquo e o horizontale a forma – todas as variações geométricas ounão, para representar informações de diversidade.A relação entre os dados e sua representação gráfica,é o ponto de partida na caracterização destalinguagem cartográfica., porque possuempropriedades perceptivas. As variáveis visuais –orientação e forma, possuem a propriedadeperceptiva associativa.

Percepção Seletiva – o olho consegue isolar oselementos (variável visual – orientação)

Percepção Ordenada – as categorias se ordenamespontaneamente (variável visual – valor: doclaro para escuro)

Percepção Quantitativa – a relação de proporçãoé imediata (variável visual – tamanho)

Percepção Dissociativa – afastando da vistatamanhos diferentes, eles desaparecemsucessivamente. (variável visual – tamanho)

Percepção Associativa – as categorias seconfundem, afastando-as da vista, nãodesaparecem (variável visual – orientação)

A construção do mapa pelo sistemamonossêmico exige a aplicação correta dasvariáveis visuais em cada questão transcritavisualmente. Assim, para representarinformações, é importante observarcuidadosamente as propriedades significativasdas variáveis visuais, que serão utilizadas paratranscrever a informação da linguagem escritapara a gráfica. Além disso, devemos cuidar

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também, dos demais componentes dainformação – os chamados externos: título,subtítulo, escala, orientação, legenda, fonte edata dos dados. Eles deverão ser escritos demodo a favorecer a compreensão imediata domapa, evitando qualquer ambigüidade.

2. DESENVOLVIMENTO DA SEMIOLOGIAGRÁFICA NO BRASIL

A semiologia gráfica começou a aparecer nabibliografia geográfica brasileira somente nosanos oitenta, com a tradução de um artigo deJacques Bertin na Revista Brasileira deGeografia. Neste artigo, Bertin (1980) propõeuma orientação direcionada aos pesquisadorese usuários de mapas e gráficos.

Logo em seguida, Antonio Teixeira Netotraduziu e publicou outros artigos que viriamservir de base para o desenvolvimento de muitaspesquisas nesta linha da cartografia no Brasil.Podemos relacionar as seguintes contribuições:A lição de cartografia na escola elementar deBertin & Gimeno (1982), que relataexperiências pedagógicas desenvolvidas emParis, embasadas na linguagem da representaçãográfica. Os autores demonstraram que a imagemgráfica, pode se constituir em uma metodologiade ensino, que ajuda a criança a construir opensamento lógico a partir de uma forma visualque ela mesmo elabora. No mesmo boletim foipublicado um artigo de Bonin (1982), emque faz uma reflexão sobre a relação cartografia-geografia e cartografia-desenho. Ele propôsbasicamente, um programa de ensino para adisciplina de Cartografia em cursos deGeografia. Além da tradução destes trabalhos,Teixeira Neto (1982) publicou no mesmoboletim um artigo de sua autoria, intitulado“Imagem... e Imagens” em que discutia aexpressão imagem em geral e imagem gráficaespecificamente e comentava quatro obrasdesenvolvidas em semiologia gráfica na França.

Em 1983, passou a fazer parte da bibliografiageográfica, Janine Le Sann, que expôs as etapasnecessárias para a construção de um documento

cartográfico, abordando as etapas de construçãodo documento cartográfico, o problema gráfico,e a linguagem visual.

Relacionado ao ensino, apareceu o trabalhode Márcia Santos & Janine Le Sann (1985), noqual as autoras analisaram os conteúdos decartografia, apresentados em livros didáticosde Geografia a partir dos temas abordados e suasrepresentações, tendo como referencial teóricoa semiologia gráfica. Neste trabalho, as autorastinham como propósito iniciar uma discussãoque envolvesse professores do ensinofundamental, médio e superior, alunos delicenciatura e autores de livros didáticos, parajuntos buscarem uma forma de melhorar esterecurso de ensino.

Apesar destas contribuições, a maior parteda bibliografia relacionada à semiologia gráficaainda continuava em língua francesa. Atradução da obra A Neográfica e o TratamentoGráfico da Informação, editada em 1986, veiocontribuir para a formação de uma base emsemiologia gráfica, uma vez que a distribuiçãodos livros traduzidos foi feita a praticamentetodas as bibliotecas das universidades brasileiras.Nesta obra, Bertin apresentou a construção databela de dupla entrada e as formas detranscrição gráfica a partir das variáveis visuaiscomo método de tratamento gráfico dainformação. Abordou a partir de exemplos, asetapas de decisão, os níveis de informação e asformas da intervenção cartográfica. Apresentoutambém as principais construções gráficas, suaspossibilidades e limites.

No artigo A representação gráfica dainformação geográfica, Santos (1987) examinoua literatura em que considerava as representaçõesgráficas como expressões de uma linguagem eavaliou a discussão sobre a natureza e o alcancedessa linguagem no desempenho do trabalhocientífico. No ano seguinte, ocorreu apublicação do periódico Seleção de Textos, comtextos relacionados à cartografia temática. Ostextos apresentavam a questão da abrangênciada Cartografia e de suas relações com aGeografia, e entre ambas como linguagemaplicada ao tratamento e comunicação da

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informação. Especificamente em semiologiagráfica, foram apresentados dois textos: Prefácio,de Bertin (1988a) e Ver ou ler – um novo olharsobre a cartografia, também de (Bertin 1988b).No primeiro, ele considerava a Cartografiacomo um meio de tratamento da informação.No segundo, apontava direções para acartografia contemporânea através doaprimoramento da imagem, envolvendo umadiscussão sobre o mapa para ver e o mapa paraler. Regina Vasconcellos (1988) apresentou àUniversidade de São Paulo sua dissertação demestrado sobre O tratamento gráfico do confortotérmico no Estado de São Paulo: um ensaiometodológico, com base na Semiologia Gráfica.

Nos anos noventa foram apresentadasalgumas dissertações de mestrado tratando daCartografia, com enfoque para a SemiologiaGráfica. Podemos citar: O Sistema Gráfico deSignos e a construção de mapas temáticos porescolares, de Santos (1990), em que a autoratinha por objetivo a construção de mapas pelosalunos, a partir do processamento de umainformação, conhecida por intermédio de umamensagem verbal. Ela abordou o aspecto daatividade de mapeamento como umasimbolização, enfocando a representação gráfica,a partir de um conhecimento construídocognitivamente através de mensagens verbais ede pré-mapas. Considerou também as regras eos propósitos dos aspectos semânticos esintáticos de uma linguagem gráfica. Outradissertação com este enfoque foi apresentadapor R. Archela (1993); com o título Mapa –instrumento de comunicação e pesquisa: análisede representações gráficas no curso magistério emLondrina- PR, no qual trabalhou com aelaboração e análise de representações gráficas.

Na dissertação apresentada à Universidadede São Paulo, intitulada O Mapa e seu papel decomunicação – ensaio metodológico de cartografiatemática em Maringá – PR, Deise Queiróz(1994) avaliou a eficácia do mapa como ummeio de comunicação, através da análise dosmétodos corocromático, monocromático e dasemiologia gráfica, buscando a melhor formade representação. Apresentou um embasamento

teórico-metodológico de autores quetrabalharam com a comunicação cartográfica,para analisar os mapas temáticos da área urbanade Maringá – PR, elaborados pela autora etestados com alunos do curso de Geografia daUniversidade Estadual de Maringá.

Outro autor que contribuiu para adisseminação da Semiologia Gráfica no Brasil,foi Marcello Martinelli, que através dadisciplina Representações Gráficas da Geografia:teoria e crítica do programa de Pós-Graduaçãoem Geografia, contribuiu na formação depesquisadores em Cartografia. Nos anosnoventa, publicou trabalhos, como: Orientaçãosemiológica para as representações da geografia:mapas e diagramas Martinelli (1990). Nestetrabalho, propôs uma reflexão teórica para oentendimento das bases da linguagem gráfica, comvistas ao máximo de aproveitamento do potencialde comunicação dos dois tipos de construçãográfica, como norteadores do discurso científico.Na obra Curso de cartografia temática, Martinelli(1991) apresentou os fundamentos da cartografiatemática em bases semiológicas.

Embora a Semiologia Gráfica seja umacorrente recente no Brasil, podemos considerarpelo menos três etapas a partir de 1980. Aprimeira foi a de introdução das bases desteenfoque, realizada através de artigos emperiódicos de circulação nacional, entre 1980 e1984. A segunda foi uma fase de grandeprodução científica. Cerca de 50% daspublicações relacionadas à semiologia gráfica noperíodo de 1985-1989. A terceira etapa quecompreende o período de 1989-1995,apresentou um número maior de dissertaçõesde mestrado baseados na semiologia gráficacomo metodologia de ensino de Geografia.Atualmente, a produção de artigos embasadosna semiologia gráfica tem apresentando umdeclínio, em relação aos anos anterioresconforme a pesquisa que realizamos sobre aCartografia Brasileira. Atualmente, a semiologiagráfica vem sendo utilizada como umagramática da cartografia temática, uma vez querecomenda princípios que não devem serignorados para que o processo de comunicaçãose estabeleça entre o cartógrafo e o usuário.

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3. CONSIDERAÇÕES SOBRE ASCONTRIBUIÇÕES DA SEMIOLOGIAPARA A CARTOGRAFIA BRASILEIRA

A grande contribuição da semiologia gráficapara a cartografia brasileira, destacada naprodução científica (Archela.R.& Archela,E.2001), está relacionada a dois fatores:compreensão e estudo da semiologia gráfica e;metodologia de ensino e pesquisa. Cerca de60% dos trabalhos envolvendo a semiologiagráfica produzidos no Brasil a partir de 1980,estão relacionados ao ensino, 30% discutem aprópria semiologia gráfica e 10% referem-se aoutra aplicação temática específica.

Embora, algumas pesquisas demonstram umcerto cuidado quanto a utilização adequada dasvariáveis visuais, na construção de mapas, istonão significa que a semiologia gráfica estejaconsolidada no Brasil. Isto provavelmente sedeve a introdução da semiologia gráfica emgrande parte dos currículos dos cursos degeografia, e às publicações disponíveis nestaárea. ao nível da pesquisa nas diferentes áreasda geografia.

Por outro lado, devido aos eventosrelacionados ao ensino de cartografia egeografia, especificamente da cartografia escolara partir de 1995, ocorreu uma disseminação dasemiologia gráfica como metodologia de ensinoe pesquisa para o ensino fundamental e médio.Sobre este aspecto, todos os autores citados nesteartigo, demonstram uma grande preocupaçãocom a formação e capacitação do professor degeografia do ensino fundamental e médio.Acreditamos que o ensino da semiologia gráficadeve ser adotado desde o ensino fundamentalpois, o uso adequado das variáveis visuaispermitem a correta percepção dos fenômenosrepresentados, mas, isto precisa ser apreendidona escola pois, se a lógica da ssemiologia graficaé fácil e rápida de compreender, sua prática,como toda a disciplina, demanda um tempomaor de aprendizagem porque envolvediferentes operações. A formação adequada doprofissional em cartografia, pode ainda, evitar

alguns dos atuais erros grosseiros apresentadosnos mapas elaborados para o público em geral,e sobretudo àqueles que fazem parte dos livrosdidáticos, utilizados na formação de nossascrianças.

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Contributions of the Graphical Semiologiafor the Brazilian Cartography

ABSTRACTThe graphical semiologia is one of currents of the thematic cartography that if developed in Brazil, from the decade of80. In this article, we present a path of this current in Brazil, from the quarrel of the works carried through for differentauthors.

KEY-WORDS: graphical semiologia, cartography, graphical representation

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segundo motivo é que a razão moderna veiosendo cada vez mais subordinada, neste século,às políticas de modernização e às ditadurasnacionalistas. Muitos intelectuais encontraram,sobretudo depois de 1968, uma nova filosofiada história no antimodernismo. A eles coube adenúncia do mundo moderno como odestruidor da razão, o que satisfez tanto seuelitismo antimassas como sua hostilidade contrao autoritarismo das ditaduras modernizadoras.Esses intelectuais foram dominados pelosentimento da catástrofe, do sem sentido, dodesaparecimento dos atores da história,denunciando a ascensão da barbárie, a ascensãodo poder absoluto ou a do capitalismomonopolista do Estado. Essa crítica damodernidade levou ao radicalismo e àmarginalidade da qual a Escola de Frankfurtserá seu maior exemplo, sendo o ponto departida dos filósofos antimodernos.

* Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected]

1. TENDÊNCIAS DO PENSAMENTOCONTEMPORÂNEO A PARTIR DACRÍTICA DA MODERNIDADE

A modernidade, sendo compreendida comoperíodo histórico que se desenvolve desde osideais do Iluminismo ou como uma práticaestética originada deste período, envolve valoresculturais que passam a ser questionados a partirda influência das leituras de Nietzsche e Freud.A correspondência firmada entre a libertaçãodo indivíduo e o progresso histórico (tanto naconcepção liberal quanto na concepçãomarxista) foi desacreditada desde que oindivíduo pôde também ser compreendidocomo um ser de desejo e de linguagens, alémde ser concebido apenas como um sertrabalhador, consumidor ou mesmo cidadão.

No século XX, também a relação entre osintelectuais e a história se desarranja. O primeiromotivo é que a modernidade engendrou de siprópria a produção e o consumo de massa e o

Tentativa de Sistematização de Tendências doPensamento Social Contemporâneo Buscando a suaReflexão no Campo do Conhecimento Geográfico

Rosana Figueiredo Salvi *

RESUMONesse texto procuramos identificar as tendências do pensamento contemporâneo, destacando três que consideramos designificativa produção para as humanidades. Compreendemos que uma tendência foi formadora da outra, de maneiraque hoje é difícil estabelecer os limites de distinção entre elas. São as correntes: Histórico-humanística, Estruturalista ePós-Moderna.

PALAVRAS-CHAVE: tendências do pensamento, crítica da modernidade, teorias sociais contemporâneas.

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1.1. A CORRENTE HISTÓRICO-HUMANISTA

O marco teórico desta vertente parteespecialmente de Kant, Hegel e Marx. A lógicadominante é a dialética; o valor básico vem dohumanismo e do sujeito histórico.

O pensamento marxista desdobrou-se emduas vertentes principais que foram omaterialismo dialético e o materialismohistórico. O primeiro, efetivou-se na históriasoviética, tendo em Lênin seu representantemais importante e voltando-se à implantaçãode um Estado socialista. O segundo, de filiaçãoà esquerda hegeliana, teve George Lukács comoseu representante principal e que estabeleceu,nos anos 20, uma oposição teórica à orientaçãosocialista ortodoxa soviética. Dessa vertente,desenvolveram-se fecundos estudos teóricos apartir dos anos de 1950, que se incorporaramna chamada Teoria Crítica da Sociedade. Deum lado, influenciada pela obra de Freud e, deoutro, pelo pensamento hegeliano, esse corpode teoria acabará por tecer a crítica aoIluminismo e aos desdobramentos da técnica,especialmente no período do pós-guerra.

Dentro da vertente humanista, a partir de1950, o pensamento marxista se farárepresentar, além dos componentes da Escolade Frankfurt, por Jean-Paul Sartre, MauriceMerleau-Ponty e Henri Lefébvre. Isso porque,na própria França irá se originar a rupturateórica, inclusive entre os marxistas, dandoorigem ao pensamento estruturalista, que viráproduzir seu próprio corpo de pensadores.

O pensamento esquerdista de linhafreudiana, representado nos anos de 1920 porBerstein, Reich, Fromm e Bernfeld e nos anosde 1940 e 1950 pelos teóricos de Frankfurt,chagaria, nos anos de 1970 e 1980, com umanova corrente mais capacitada para explicar osdesdobramentos do capitalismo avançado dopós-guerra, sem os equívocos da psicanálise dacultura e do consumo. A psicanálise de esquerdase fará representar, a partir dos anos 80, porAlfred Lorenzer e por Jacques Lacan.

Quanto aos representantes da Teoria Crítica,seu desenvolvimento iniciou-se a partir dos anos

30 na república de Weimer. O pensamentofrankfurtiano concentrou-se na sociedade depós-guerra, na expansão dos meios decomunicação e nas formas sofisticadas derepressão e domínio. A Teoria Crítica elaborouestudos sobre a sociedade de consumo, as formasde manipulação e a consciência manipulada.

Os teóricos de Frankfurt, no que tange aosmeios de comunicação, desenvolveramprofunda reflexão sobre os novos processos deindustrialização do bem cultural e de reificaçãoda cultura. Também foram os primeiros quequestionaram as possibilidades de um ego forte,como pretendia a psicologia do ego.

As teses mais contundentes da Teoria Críticaforam desenvolvidas nos anos de 1940 e 1950,mas é no final dos anos de 1960 que aefervescência do movimento estudantil epolítico nas sociedades capitalistas avançadas irácontribuir para divulgar com destaque a suaprodução, principalmente nos EUA. NaAlemanha, nesse período, desponta também onome de Jürgen Habermas.

Outra corrente alemã, cuja posição teóricarompe, especialmente nos anos de 1970 e 1980,com o pensamento clássico frankfurtiano e como de seus seguidores mais recentes e que tevesua produção marcada, em Berlim, junto àrevista Aesthetik und Kommunikation, foi ogrupo formado em torno de EberhardtKnoedler-Bunte. A sua visão capta o social demaneira renovada, pois o vê como processo quetranscende o campo específico da realidade,tornando-se uma dimensão que cobre as demaisdefinições do social. O conceito de sociedadecultural põe em evidência essa ruptura quandoo mesmo é contraposto aos conceitos tidoscomo clássicos pela Teoria Crítica comoindústria cultural, indústria da consciência, etc.Esse grupo vem representar a reflexão sobre aspossibilidades individuais e coletivas dentro deuma realidade que necessariamente passou a terque conviver com a chantagem nuclear. Estavariável, não estava presente nos teóricos deFrankfurt.

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1.1.1.A Escola de Frankfurt

O período em que se formou a Escola deFrankfurt foi de esperanças revolucionárias e dedecepções históricas, marcadas pelo êxito daRevolução Russa que expandiu a visão intelectuale a política revolucionária dos bolcheviques Lenine Trotsky para os países europeus.

Entre suas raízes filosóficas, destaca-se oensaio de Horkheimer escrito em 1937, “TeoriaTradicional e Teoria Crítica”, que passou a ser omanifesto da Escola de Frankfurt. Também seráponto de referência dessa Escola, o pensamentode Kant, Hegel e Marx.

A Teoria Crítica elaborada na Escola deFrankfurt parte da separação entre a práxis e opensamento, entre a ação política e a filosofia.

Segundo Matos (1993), duas principaisvisões críticas podem ser identificadas. Aprimeira, diz respeito ao industrialismo quetrouxe em si a dominação social pelo taylorismoe também pelo nazismo e pelo stalinismo e queacabaram por transformar a sociedade numagrande indústria estruturada na disciplina defábrica, nos aspectos mais gerais da vida. Quantomais o capitalismo avança, mais elimina ossentimentos de piedade e de humanidade. Nasegunda visão, a referência à subjetividadedemonstra a submissão dos indivíduos.

Apesar da descrença de emancipação nadialética hegeliano-marxista, os estudiosos daEscola não abandonaram conceitos como o defetichismo e o de reificação. O caráter fetichistadas mercadorias reside no feitiço, no aspectomágico que assumem quando se omite a históriasocial da reprodução dos objetos. A mercadoriafetiche nos escapa porque se desconhece suaprodução humana. Não são os homens ativos econscientes que comandam o mundo dasmercadorias, mas, ao contrário, são asmercadorias que determinam as relações entreos homens.

Quanto a reificação, esta radicaliza o caráterfetichista das mercadorias. Na reificação sãoinvertidas as relações entre o homem e oproduto de seu trabalho. O universo dareificação impossibilita que o homem, que

transforma a natureza e cria produtos, sereconheça em seus objetos, em suas criações. Ohomem “não se contempla a si mesmo nomundo que ele criou”: são as mercadorias quese contemplam a si mesmas num mundo queelas próprias criam. Elas movimentam-sesegundo o princípio da indiferença: indiferençaentre coisas e coisas, coisas e homens.

Compreende-se que os intelectuais quemergulham na saudade do Ser elaboram umaimagem negativa da sociedade moderna na qualos três outros componentes (consumo mercantil,poder das empresas e ascensão dos nacionalismos)são supostos e estão tão fortemente soldados entresi que formam um ser monstruoso, a ponto dedevorar o pensamento e as liberdades. (Touraine,1995, p. 69)

Os filósofos da Escola de Frankfurt discutema cultura de massa com referência à repressão eà sublimação. Tal postura culmina numa críticageral da modernidade e também no abandonoprogressivo do otimismo marxista. Os filósofosde Frankfurt afastaram-se do cientificismomaterialista, da crença na ciência e na técnicacomo pressupostos da emancipação social. Elestambém puseram em evidência a razão modernaperguntando porque as promessas iluministasnão foram cumpridas e o mundo que foiapregoado não se concretizou.

Os estudiosos da Escola de Frankfurtencontraram em Nietzsche uma genealogiadesses questionamentos, descobrindo a origemhumana dos valores. Em Freud, encontraramsubstância para a crítica da cultura,diferenciando liberação política de liberaçãopsíquica e chamando a atenção para o instintode morte que habita a razão e para o impulsode transcendê-lo na civilização. Freud, aoafirmar que a razão é prisioneira dos instintos,abalou a crença nos ensinamentos de Hegel eMarx que estabelece os seres humanos comointrinsecamente sociais.

A Escola de Frankfurt, pode ser interpretadacomo uma “escola de desencantamento” dadapela crítica à racionalidade, mas o desencantodos frankfurtianos mais tarde será restabelecido

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através do re-encantamento dado pelaimaginação, em particular a imaginação na arte.

1.2. A CORRENTE ESTRUTURALISTA

Originária da França nos anos 50, essatendência aparece, ora como um apêndice, oracomo uma reação à visão humanista da históriae dos processos sociais, tentando dar novainterpretação para o mundo, até então marcadapela ênfase dada ao sujeito.

Alguns autores preferem dividir essa vertenteentre o estruturalismo e o pós-estrutralismo, quecongregaria uma geração mais recente deanalistas. Preferimos, neste trabalho, consideraro estruturalismo como uma única vertente que,de forma geral, desloca o sujeito para um planosecundário e torna as estruturas o centro dereferência de suas interpretações. A urgênciadessas estruturas questiona o funcionamento dainstância social que é vista como máquina,importando perguntar sobre seus mecanismosfixos, como eles são e estão.

O estruturalismo assinala, dessa forma, umaruptura no desenvolvimento intelectual, antesfortemente marcado pela tradição hegeliana.Inicia-se com o ingresso de Claude Lévi-Strauss,no College de France e, segue com a criação darevista “Tel Quel”, uma edição trimestral defilosofia, literatura e política publicada entre1960 e 1982, tida como a principal revista devanguarda teórica e literária da época. Osprincipais nomes ligados a essa orientaçãoteórica foram o próprio Lévi-Strauss, RolandBarthes, Michel Foucault, o primeiro JeanBaudrillard, Louis Althusser e, de certa forma,Jacques Lacan.

O desdobramento literário do estruturalismopode ser visto no Nouveau Roman de Alain Robbe-Grillet, onde os objetos passam a adquirir statusde autonomia, o sujeito da ação desaparece, opera-se a recusa da continuidade cronológica clássica edescarta-se a metáfora antropológica.

As Ciências Humanas avançaramimpulsivamente pela influência advinda daLingüística e da Semiologia. Assim, o

estruturalismo também analisa os fenômenossociais e humanos como se fossem textos,discursos. Fatos humanos, como a moda, ocasamento, o sonho, podem ser “lidos” comose fossem “frases” de uma dada língua.

Na psicanálise lacaniana, o estruturalismo seapresenta como uma interpretação onde ohomem deixa de ser o próprio centro, nãoorganiza seu destino, que já se acredita traçadopelo Outro: o lugar organizado como teiaestruturante do sujeito. Constituindo-se comosujeito dividido, o homem experimenta uma“perda essencial de si mesmo”, cria uma máscara,passa a ser representado, traduzido em termoslingüísticos. Lacan separa em dois momentos ahistória individual do infans: o primeiromomento seria marcado pelo domínio doimaginário e o segundo, seria o momento emque o infans acede ao mundo social através dalinguagem, no território do simbólico. Desdeentão, o sujeito assume uma natureza que é dadaexternamente pelo Outro e guarda a instânciado imaginário como um território perdido.

Os pensadores influenciados por Lacaninvestem no caráter simbólico ou no imaginário.No primeiro, o representante mais conhecidodo pensamento político é Louis Althusser, quefaz uma fusão entre marxismo e psicanáliseatravés de uma re-leitura de Marx. Outraderivação do pensamento lacaniano, dada pelaexploração do imaginário, encontra-se em FélixGuatarri e Giles Deleuze, que tentam re-encontrar a natureza humana através dainvestigação da condição psíquica pré-simbólica,isto é, do estágio do homem ainda não ocupadopelo discurso social e genérico. Esta fase éapreensível pela análise do discurso psicótico, cujamanifestação seria dada pelo inconsciente. Oesquizofrênico, como um caso clínico de regressãoà fase pré-simbólica, permitiria o afloramento destecampo chamado “imaginário”.

O pensamento mais genuinamente políticodentro da escola lacaniana é o de CorneliusCastoriadis (1982), que através de sua“Instituição Imaginária da Sociedade” propõe,superando as formas ultrapassadas do marxismoclássico, uma re-leitura do social e do sujeito

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nele inserido. Para Castoriadis, a categoriafundamental desse próprio sujeito é a daautonomia. Através dela “meu discurso devetomar o lugar do discurso do Outro, ou seja,deste discurso estranho que está em mim e queme domina” (Castoriadis, 1982, p. 124). O quese tenta é dar condições ao homem parasobrepor-se ao discurso social e genérico ou aeste “lugar estruturado como teia”, para não sedeixar dominar.

É possível verificar que sobrevive naestratégia estruturalista, especialmente entreaqueles que acreditam no investimento doimaginário, a possibilidade de que homensconcretos possam superar o conjunto maior,apesar da força e da determinação deste sobresuas vidas.

1.2.1.Michel Foucault

Michel Foucault rejeita a idéia de umarepressão e de uma manipulação generalizadase mesmo a de um poder central que se cerca defuncionários e agentes de propaganda. Oprincipal de seu pensamento, neste aspecto,consiste em saber que o próprio exercício dopoder se confunde cada vez mais com ascategorias da própria prática, de maneira que,na sociedade moderna liberal, o poder está emtoda parte e em nenhuma parte. Consistetambém em saber principalmente que aorganização social, longe de ser regida pelaracionalidade técnica, é regida pelo exercício dopoder. Para Foucault, o poder é normalização,e é o conjunto da sociedade que coloca em açãoeste mecanismo e quem, portanto, produz aseparação entre o normal e o anormal, o sadio eo patológico, o permitido e o proibido, o centrale o marginal. O poder é um conjunto deenunciados produzidos de maneira autônomaem todas as instituições.

Foucault critica a natureza do liberalismo etambém se inquieta com a ascensão da presençado Sujeito na história e com o papel crescenteda ética. (Touraine, 1995, p. 175)

Ele vai estudar costumes que permitem aosindivíduos se reconhecer como sujeitos sexuaisatravés da averiguação de práticas que os levoua prestar atenção a si mesmos, a se dividir, a sereconhecer e a se confessar como sujeitos dodesejo. Foucault identifica essa “ascese moral”que repudia o prazer em nome do controleexercido pelo Sujeito sobre si mesmo, entre ofinal do período clássico grego e o do impérioromano e que se encontra, em grande parte, nacultura cristã. A aparição do Sujeito – asubjetivação – é antes de tudo sujeição(Foucault,1977).

A objetivação do ser humano e, porconseguinte, o nascimento das ciênciashumanas tem um duplo aspecto: por um ladoo indivíduo anormal é deixado à parte, rejeitadoou enclausurado, mas, por outro lado, ele écanalizado como um caso particular,individualizado, de sorte que o castigo, porexemplo, leva em conta as intenções do culpadoe se esforça por reabilitá-lo, seja para o trabalho,seja para o isolamento.

Ao contrário da maioria dos pensadorescríticos da modernidade, Foucault rejeitará atese de que a normalização tem somente efeitosrepressivos. Rejeitará também a idéia de que oséculo XIX e o capitalismo tenham reprimidoe ocultado a sexualidade. Para ele, nenhumasociedade falou tanto dela, apelando, muitasvezes a procedimentos científicos associados aessa objetivação da sexualidade. O que importapara Foucault é demonstrar que o Sujeito foicriado pelo poder, portanto, pelos mecanismosque têm por objetivo a normalização.

Foucault (1990) também descreve oindivíduo como uma realidade fabricada poruma tecnologia específica de poder que sechama “disciplina”. Esta concepção supõe queo Sujeito seja identificado com a razão, já que adisciplina impõe o esforço da razão a umanatureza que reage ao prazer imediato. Emgrande parte, Foucault contribuiu paraevidenciar a crise do Sujeito, construído eedificado pela Razão Moderna.

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1.2.2. Jacques Derrida

O filósofo Jacques Derrida, que recebeumuitos apelidos como o “Intelectual daDiscordância”, ou o “Arquiteto daDesconstrução”, faz parte de uma geração deintelectuais franceses, que influenciaram asciências humanas e a crítica literária durante osanos 60 e 80, em vários lugares do mundo.

Na década de 60, além de publicar os livrosfundamentais de sua obra, Derrida começou adifusão de seu trabalho nos EUA, inspirandoos adeptos da contracultura nascida nosdepartamentos de teoria literária e de ciênciashumanas de universidades americanas como ade Yale, por exemplo.

Conforme acredita Derrida, no centro dacultura e da filosofia ocidental está o logos, oespírito racional que fala, que discursa. O Logosé a razão e a palavra falada no sujeito humano,transformando coisas em conceitos universais.Embutida no Logos, Derrida descreve uma cadeiade grandes conceitos (discursos) universais, queatravessa toda a cultura ocidental. Esses conceitosse promoveram reprimindo e silenciando ostermos de uma outra cadeia de conceitos: corpo,emoção, poesia, inconsciente, desejo, acaso,invenção, por exemplo.

O logocentrismo caracteriza-se pordesconsiderar as diferenças entre as coisas reais,reduzindo a sua identidade no conceito. Esse éum atributo ocidental que se manifesta na formade agir e pensar. Pode-se exemplificar ologocentrismo identificando-o na conversão dospovos a uma idêntica religião ou fé pelos jesuítasou na submissão de vários povos de diferentesraças e etnias a uma idêntica economia dospovos brancos europeus. Para Derrida, além dedesconsiderar as diferenças de identidades, oLogos hierarquiza valores dos elementos com quelida, tornando uns superiores a outros. Osprimeiros, maiúsculos e superiores, reduzem omundo a identidades: são sólidos, centrais,racionais, duradouros, programáveis. Os outros,minúsculos e inferiores, pulverizam o mundoem diferenças: são fugidios, sem centro,irracionais, breves, imprevisíveis (Perrone-Moisés, 1995, p. 5-6).

Derrida foi, além de filósofo, um teórico daescrita. Para ele, haveria nesta uma disseminaçãode sentidos que o idealismo filosófico temeu ereprimiu. O idealismo que privilegia a fala e avoz em detrimento da escrita, põe a primeiracomo mais próxima da verdade do Ser ou daIdéia e considera a segunda como um simulacro“ruim”, exterior à memória, produtora deopinião em vez de ciência, de aparência em vezde verdade. A esse privilégio concedido à fala,Derrida chamou de fonocentrismo. Ofonocentrismo está intimamente ligado aologocentrismo (Perrone-Moisés, 1995, p. 5-6).

Desde a publicação de “A Escritura e aDiferença” e da “Gramatologia”, em 1967, atéo presente momento, as propostas de Derridatêm tido repercussão internacional, sob o nomede desconstrução. Esta, busca um pensar semcentro e sem fim, vinculado a pequenas causas,tendo como objeto o corpo, a prosa, a loucura,o cotidiano, por exemplo.O que Derridaprocurou fazer foi uma espécie de “revisão” dahistória da filosofia.

Esse tipo de leitura crítica com relação aodiscurso filosófico institucional (conceitual elogocêntrico) encontra sua área mais profícuanos textos literários. Assim, a literatura e a poesiatenderam a aceitar melhor do que a filosofia aafirmação de que as obras verbais não têm umsentido único e final, mas uma significância ouum poder de criar sentidos que se renovam acada leitura e através do tempo.

A contribuição da desconstrução para a críticaliterária foi a consciência de seus pressupostosfilosóficos, um aguçamento do senso crítico comrelação aos textos, um afinamento dosinstrumentos de leitura e um estímulo àcriatividade escritural. A crítica desconstrucionistapermitiu a ultrapassagem do formalismo tecnicistaque começava dominar nas universidades como‘método científico’. Mas a desconstrução por suaspróprias premissas tende a chegar a aporias. Já em72, Derrida perguntava se a crítica literária nãoestaria presa ao ‘mimetologismo metafísico’ e se opróprio projeto de um ‘julgamento’ não estariaminado pela postulação da diferência, dodescentramento, e pelos próprios textos literários damodernidade.” (Perrone-Moisés, 1995, p. 5-6)

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Em meados da década de 70, a obra deDerrida se estabeleceu na cultura acadêmicanorte-americana. Pode-se dizer que a históriade Derrida nos EUA começa nos departamentosde literatura, para só depois chegar à filosofia e,mais recentemente, à ciência social, ao Direito,a economia e à política.

O desconstrutivismo americano desenvolveu-se mais na área literária do que na filosófica.Vários foram os teóricos e críticos literáriosatentos à proposta de Derrida. Podemosdestacar entre eles Roland Barthes, com “OPrazer do Texto”, Julia Kristeva e todo o grupoda “Tel Quel” (Perrone-Moisés, 1995, p. 5-6).

O encontro de Derrida com os americanosse dá no contexto do New Criticism. Para os“Novos Críticos”, cada poema é um objeto“orgânico” que se volta sobre si mesmo e éconstruído de forma a reconciliar característicasopostas. Nas universidades, o New Criticism vaise ver porém, na interpretação de Netrovvski(1995, p. 5-7), “incapaz de acomodar outraidéia de literatura que coloque em cheque anoção de um significado último das obras e nãose satisfaça com uma leitura puramente formaldos textos literários”.

Até o começo dos anos 90, conceitos comoo de desconstrução e logocentrismo eramadotados na Universidade de Yale para criticara tradição filosófica européia, o “logocentrismoocidental”. As idéias de verdade e razão seriamestratégias de uma civilização repressiva,etnocêntrica e antifeminina.

Uma outra grande contribuição de Derridae dos desconstrucionistas foi de privilegiar asformas não-canônicas da literatura, como aparódia e o pastiche, por exemplo, ou dedivulgar as expressões de literaturasmarginalizadas por situação geográfica ouopressão ideológica. A desconstrução abriucaminho para estudos de literaturas emergentesou de grupos minoritários, e resultou no êxitoatual de cultural studies e na contestação docânone ocidental. A proposta anárquica (querepresenta a oposição à dominação) resultoutambém na criação de novas disciplinasinstitucionais que privilegiaram os estudos de e

sobre feminismo, negros, gays e chicanos (Freire,1995, p. 5-4).

É impressionante a dimensão institucionalque essas idéias viriam ter em pouco tempo nasociedade norte-americana e mais tarde emdiversos países. Noções como a de “diferença”acabariam provocando uma transformaçãoinigualável na vida social do país expressa sob onome de “politicamente correto”. Para quemanalisa essa situação à distância é ela aparececomo excessiva ou afetada para dar-se comoprojeto de transformação nacional. Mas opoliticamente correto é a disseminação de ummovimento que tem seu núcleo inicial nas salasde aula do departamento de leitura comparadaem New Haven, ganhando logo outraconotação. Estimulados por uma posição deleitura capaz de resistir à dominação de marcassexuais, ideológicas e religiosas, os estudosfilosóficos e de literatura começaram, a partirde 1985, a migrar para outros campos como asartes, a sociologia, a história, a ciência políticae, de maneira especial, o direito. Assim,feministas, historiadores, juristas e outrosintelectuais americanos politicamente engajadospassariam a questionar, entre outras coisas, asbases filosóficas do sistema legal, as leis.Percebendo-se a inexistência de um humanoessencial e último e percebendo-se ainda, nalegislação, desvios e interesses sexualmente ouracialmente determinados, coube partir de umexame dessas condições e efetivarem-se alteraçõescabíveis. Esse é o nascimento de umcomportamento (muito ridicularizado e criticado)que se denominou “politicamente correto”.

A crítica tem decaído sobre a forma com queas idéias de Derrida são invertidascompletamente. Mas a influência dadesconstrução, sob vários nomes, no que sechama de esfera pública é inegável.

1.2.3. “o anti-édipo” de Giles Deleuze e FelixGuatarri

Deleuze e Guatarri, em 1972, publicam o“O Anti-Édipo”, obra que traz a noção marxista

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de produção vinculada com a noção deinconsciente freudiano. Para eles, o inconscientedeixa de ser o guardião das imagens e emoçõesrecalcadas para virar “máquina desejante”,energia produtora de desejos. Sociedade eindivíduos aparecem, nessa obra, comomáquinas desejantes, cujas energiasdomesticadas dirigiam-se para outros fins quenão a liberdade e o prazer. Para o indivíduochegar a ser sujeito, ter uma identidade, ele passanecessariamente pelo Complexo de Édipo. Se acriança supera essa fase, entre os 3 e 4 anos, aeducação terá sucesso em programar suaidentidade: o sujeito será um cidadão “normal”,dentro dos padrões de sua programação. Se acriança não supera essa fase, se rejeita aprogramação social, tem-se o esquizofrênico,que é o sujeito não programado e que usa suasenergias como lhe convém. Não come, ou comequando quer; respeita ou não respeita horáriosao seu bel prazer. Mas ele não é o psicótico queestá fora da realidade. Liberado em seu desejo,deixando suas energias fluírem e se conectaremcom outras máquinas desejantes, oesquizofrênico é o modelo que desmonta aprogramação capitalista na fábrica, nos serviços,por exemplo, ao liberar os seus fluxos de energia.Para derrotar o sistema e liberar o desejo emsua plenitude, Deleuze e Guatarri promovem o“Anti-Édipo” (o esquizofrênico), representadopela “máquina desejante” (cuja produçãoencontra-se desvirtuada) que o complexo deÉdipo, lido dentro da estrutura familiar, nãoprogramou. Como as “Enormes Máquinas”(Sindicatos, Estados, Empresas) têm energiasque seguem programações repressivas, aliberação possível se faz pela “RevoluçãoMolecular”, que fragmenta o sistema,“desconstrói” os grandes “Organismos” nas salasde aula, em casa, no hospício, no Banco, notrânsito, na praça, enfim, nas menoresmoléculas do sistema. A revolução deve vir pelaanarquia, deve vir do “despaçamento” que evitaas unidades maiores, as normas, os centros decomando. Disto conclui-se que a revoluçãomolecular se dá pelas manifestações menores,como por exemplo, o feminismo, a utilização

de drogas, a antieducação, a antipsiquiatria, otrabalho improdutivo, etc..

1.3. A CORRENTE PÓS-MODERNA

Essencialmente derivada do estruturalismo,a tendência pós-moderna não se concentra nosujeito autônomo, mas num homemenfraquecido, ainda que, segundo algunsautores, passível de identidade. Conforme Freire(1995), a teorização da pós-modernidadetambém deve muito à desconstrução.

Pode-se dividir a corrente pós-moderna emduas vertentes claramente reconhecidas.Existem os entusiastas das novas tecnologias decomunicação e informação, dos computadores,da inteligência artificial e que são geralmenteidentificados na tendência pós-moderna norte-americana. Existem ainda os críticos dasupremacia técnica e que, em geral, sãoidentificados na vertente pós-moderna européia.

A corrente pós-moderna acredita num “novohomem” integrado à máquina, cuja sociedadese constitui marcadamente pelo investimentono superficial, na crença do imprevisível, doindeterminado. Em tal sociedade, instala-se aperda das referências clássicas da modernidadena filosofia, na arte, na política, na história enas ciências humanas, permanecendo umaprecedência da técnica, um uso instrumentalda ciência, um domínio amplo dos meios decomunicação que passam a recontar e a re-ordenar a história, a política e a cultura. Osujeito habitante desse mundo se encontra numestado fractalizado, sendo o seu comportamentocínico, indiferente e autocentrado.

É um trabalho difícil aglomerar as diferentespropostas num terceiro paradigma chamadopós-moderno, pois sua diversidade de produçãoé ampla, seguindo caminhos bem variados.Sabendo disso, foi utilizada tal divisão apenaspara ilustrar rapidamente parte de idéias iniciaisde seus propositores com o intuito de demarcaruma outra e mais recente fronteira intelectualde nossos dias. É preciso lembrar que muitoembora neste trabalho se faça uma redução do

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pensamento de vários autores, tem-se aconsciência de que as idéias referendadas estãoalém do que aqui vem sendo exposto.

Jean Baudrillard propõe a ressurreição doprincípio do Mal. A concepção aqui tem caráterdifuso e destituído de conotação negativo-moralque normalmente lhe é atribuída. ParaBaudrillard, a ordem existe para serdesobedecida, por isso ele acredita no gêniomaligno das massas, dos objetos e da paixão.Para ele, qualquer estrutura que expulse, recuseou reprima a natureza da negatividade nelaprópria existente, corre o risco de reversão total.Não se deve, portanto, ignorar o mal que estáem todas as manifestações (Baudrillard, 1979).

Um bom exemplo de seus argumentosencontra-se na sua idéia de sedução. Esta,investe contra o terror e a violência dainterpretação, que marcam não somente oprincípio das manifestações teórico-filosóficasdo Iluminismo mas, em particular, a psicanálisee as ciências sociais contemporâneas. Comooposição, a estratégia da sedução aponta para odomínio das aparências onde não há o campoda profundidade, não há o jogo entre umaaparência falsa e enganosa e uma essência queestaria em seu fundo, obscura, desconhecida.No domínio das aparências não existe aestratégia do desvelamento. É, pois, na aparênciaque as coisas se dão e nela estão contidas as leisdos fatos. Neste ponto, principia-se o espaçodos jogos, das cartadas, da paixão pelo desvio.

Baudrillard, assume a estratégia da seduçãocomo sendo um procedimento que procuradestituir a validade de tentativas de homens,classes, nações e agrupamentos, de controlar eadministrar os setores da vida, de tentarsubordiná-los a visões de mundo. Em suma, aestratégia da sedução não permite a razãosobrepor-se aos fatos, legitimando-os ou nãoconforme seus princípios. Para Baudrillard, osfatos em si ocorrem independentemente dosdesejos dos homens, tendo sua própria dinâmicae sendo incontroláveis. Não se subordinandoàs aspirações controladoras da razão e rindo-sedas investidas racionalmente dominadoras, osfatos exprimem as reações das massas, dos

objetos e das paixões (Baudrillard, 1981). Asprimeiras, por sua vez, realizam de forma maisou menos espontânea, sem direção ouprogramação externa, um humor silencioso,ludibriando as estatísticas, não desejando oudelegando o exercício do poder, exercendo umasoberania passiva, opaca. Apesar dos políticos, dosmeios de comunicação, dos estudos “científicos”de seu comportamento, as massas se mantêm nãocaptáveis, não programáveis, imprevisíveis e porisso, soberanas (Baudrillard, 1985).

Também, o objeto que os homens tentamapropriar e submeter às suas leis exerce, segundoBaudrillard, uma estratégia irônica e secomporta de forma independente no que dizrespeito ao que lhe queiram impor. Este reage,rebela-se, nega o homem e afirma-se enquantoautonomia cínica aos investimentos doaprisionamento e da domesticação. O sabercientífico passa, portanto, pela idéia de umaconstrução fictícia e o que reveste seu objeto éaquilo que o homem lá quer ver. Imune a isso,o objeto trapaceia, vinga-se, “faz o jogo” dopesquisador, impondo no silêncio de suasuperioridade, a sua vontade.

Jean-François Lyotard foi quem primeirosintetizou e difundiu a “condição pós-moderna”.Ele retoma na obra seguinte, “L’Inhumain”(Lyotard, 1986), os destinos da modernidade.Se a pós-modernidade produziria odesmoronamento dos metarrelatos, o fim dapossibilidade de uma ciência legitimada por umdiscurso filosófico e político maior, nesta obra,caberia ser repensado a partir das condições daprópria modernidade. Assim, Lyotard propõea re-escrita das características reivindicadas pelamodernidade a partir do não rompimento, jáque a pós-modernidade é “fruto tardio” damodernidade. Nessa reescrita, exclui-se apretensão de basear a legitimidade da ciência eda técnica no projeto de emancipação dahumanidade. Para ele, há uma continuidadepossível da modernidade através da“perlaboração” que é um trabalho sem fim esem vontade, cuja direção não se dá por umconceito de “meta”; não obstante, suaperlaboração não deixa de ter finalidade

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(Lyotard, 1986, p. 33). Lyotard se coloca contraa posição de Gianni Vattimo (1989), quefundamenta a pós-modernidade dentro dapostura nietzchiana, genuinamente como acomo superação da modernidade.

O projeto moderno, conforme entendeLyotard, diferentemente do mito, não funda sualegitimidade no passado, mas no futuro. Assim,não se trata de projetar a emancipação humana,mas de projetar o futuro como tal. Para isso,Lyotard estabelece uma recusa às propostasfinalistas e humanistas que estavam embutidasno conceito de modernidade. Ele acredita quenão há mais uma utopia a se atingir mas, mesmoassim, há um trabalho a ser realizado com vistasa um futuro e, assim, o apoio no passadodesaparece como uma força sustentadora dopensamento de outras épocas. A noção deprojeto, associada a um fim históricodeterminado, é deixada de lado em defesa deuma noção de “programação”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Geografia, muitas vezes nos sentimoscompelidos a utilizar como parâmetrodeterminadas análises sem que tenhamos, namaior parte das vezes, idéia de como nasceram,sob quais circunstâncias foram geradas e a quaisnomes principalmente se ligam. Esse trabalhoresume-se numa tentativa de sistematizartendências do pensamento contemporâneonascidas de problemas postos na área dashumanidades e que de certa maneira vêm sendodireta ou indiretamente apropriadas, utilizadase adaptadas para a ciência geográfica. Pode-secitar como exemplo, as referências que se temfeito a estudos sobre o imaginário, sobre a idéiade cotidiano, sobre os elementos simbólicos, ossignos e seus derivativos, ou mesmo a referênciaàs teorias pós-modernas. O interessante é queadeptos de contra-correntes cada vez mais seincorporam às vertentes aqui mencionadas. Épor isso que achamos importante considerarpontos que levem à reflexão do significado dessaadesão e do sentido que as contribuições nessaárea têm para o avanço da Geografia.

Em primeiro lugar, dentro da preocupaçãoepistemológica, poderemos nos remeter aoseguinte questionamento: é possível pensar aGeografia a partir da crítica contemporânea quepõe em evidência a Razão, o Sujeito o Discursoe a Modernidade? Se a resposta a tal questãofor afirmativa, então é preciso que busquemosuma justificativa para a aceitação da crítica, jáque a crise eminentemente anunciada pelopensamento social contemporâneoaparentemente não nos parece afetar. Mas éinconcebível que se aceite a inconsistência dainfluência de tais concepções, desde que aciência geográfica seja colocada como umcampo do saber humano, ou seja, uma ciênciahumana. Devemos, portanto, nos indagar asbases em se manifesta tal crise em nossa ciência?Ou será que simplesmente incorporamos novasteorias somente por que são novas e não pelaquase exclusiva necessidade de respostas maisadequadas aos problemas que nos desafiam?

Supondo que se encontre justificativa para aaceitação da crítica contemporânea no discursoque expõe os entraves erguidos à apreensão econtinuidade do conhecimento geográfico dadapelas condições atuais do mundo moderno eque demonstram a necessidade da construçãode novas bases para o desenvolvimento daciência geográfica, resta ainda a tarefa dedeterminar tais bases. Se adotarmos a crítica aoracionalismo, por exemplo, identificando erefutando estruturalmente suas construções, oque devemos por no lugar para substituí-las?As teorias freudianas/lacanianas? As teoriasnietzchianas/derrideanas? Ainda, como ler taisconteúdos voltando-os para a análise geográfica,ou melhor dizendo, para a análise espacial?Talvez devêssemos começar por perguntar: –em que consistem nossas teorias?

Esperamos ter contribuído para estimularreflexões sobre as temáticas contemporâneas ede pôr em evidência os debates que estão emtorno delas, os diferentes momentos e osfundamentos que deram origem às teoriassociais contemporâneas, indicando aspectosrelativos às fronteiras e aos limites para a suautilização, ou mesmo favorecendo oconhecimento sobre o seu nascimento.

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Attempt of Organization of Tendenciesof the Contemporary Social Thought Looking for your Reflectionin the Area of the Geographical Knowledge

ABSTRACTIn that text we tried to identify the tendencies of the contemporary thought, three that we considered of significantproduction for the humanities highlighting. We understood that a tendency was formed goes other, only that today it isdifficult to establish the distinction limits among them. They are the currents: historical-humanistic, structuralistic andpost-modern.

KEY-WORDS: tendencies of the thought, critic of the modernity, contemporary social theories.

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* Professora do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina – PR.

Na primeira abordagem o camponês écaracterizado pela capacidade de produzircontando com a força de trabalho familiar.Buscamos explicações acerca do camponês,através do pensamento de Chayanov (1974),Shanin (1980) e Tavares dos Santos (1984).

Na obra de Chayanov, encontramos a teoriado balanço trabalho-consumo e dentro destaanálise o autor apresenta elementos quecaracterizam a estrutura interna da classecamponesa; o camponês é aquele que produzde acordo com as necessidades da família.Constatamos nas análises de Chayanov que,somente a separação do camponês de seus meiosde produção pode levá-los à proletarização,como podemos verificar também em Martins

O trabalhador só pode se converter em empregado,em assalariado, quando é expropriado, quandodeixa de ter a propriedade dos instrumentos detrabalho. Não ser proprietário da terra, dasferramentas, das sementes, dos adubos, é condiçãobásica para que o agricultor se converta emempregado. (Martins, 1983, p. 141)

Em Shanin, o camponês aparece de mododiferenciado em determinada época e sociedade

INTRODUÇÃO

O assentamento Serraria, localiza-se noTerceiro Planalto Paranaense, na região Nortedo Paraná, a 23º47’00” latitude S e a 51º03’00”longitude WGr (long. aproximada). Antes deapresentar os resultados conseguidos junto aosassentados, julgamos necessário explanarsucintamente os pressupostos teóricos relativosà questão agrária, cuja riqueza de análisespuderam aclarar as reflexões sobre os númerosobtidos em campo.

No campo teórico sobre a questão agráriaduas são as abordagens mais persistentes. Umaprimeira leva em conta a permanência docamponês na estrutura capitalista. Esta correnteentende as relações de produção não-capitalistascomo sendo criadas pelo próprio processodesigual e contraditório do modo de produção.Assim, o campesinato subsiste, pois é a própriarecriação do capitalismo. A segunda abordagemafirma que a evolução do capitalismo levaria àexpansão do trabalho assalariado no campo pois,os mercados seriam responsáveis pelodesaparecimento da agricultura camponesa.

Algumas Reflexões Sobre a Organização Espacial doAssentamento Serraria/ Tamarana- PR

Jeani Delgado Paschoal Moura ·

RESUMOApresentamos neste artigo nossas reflexões referentes ao conjunto de informações obtidas no trabalho de campo, realizadoem uma área de assentamento rural, onde o processo produtivo se mantém às custas do pequeno produtor que, cada vezmais é espoliado pelo capital, mantendo a sua produção apenas em níveis de subsistência, salvo algumas exceções.

PALAVRAS-CHAVE: questão agrária, camponês, assentamento, pequena produção, capital.

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pois é fruto de um processo social e histórico; esteautor trabalha com algumas características básicasdo campesinato: o trabalho familiar, o controle dosmeios de produção, a economia de subsistência equalificação ocupacional multidimensional(agricultura/artesanato/comércio).

Em Tavares dos Santos, o camponês áanalisado a partir de sua subordinação ao capital.Ele analisa os diversos elementos quecaracterizam a produção camponesa como: aforça de trabalho familiar, as práticas de ajudamútua, o trabalho acessório, a força de trabalhoassalariado, a socialização, a propriedade da terrae dos meios de produção, a jornada de trabalhoe a reprodução simples da produção camponesa.

Na segunda abordagem temos aquelesque viam na modernização do campo odesaparecimento da agricultura camponesa efamiliar. Nesta perspectiva o camponês passa aser um entrave para o desenvolvimento docapitalismo no campo. Segundo Kautsky,ocorreria uma absorção dos “pequenos” pelos“grandes”, portanto, uma desestruturação dotrabalho familiar pois

(...) a grande e a pequena empresa não se excluemna agricultura: elas se apoiam mutuamente, comoo capitalista e os proletários. O pequeno camponês,apenas, toma então, cada vez mais, o caráter deproletário. (Kautsky, 1980, p.186)

Nas análises de Lênin, vemos a distinçãoentre os camponeses ricos e pobres. O primeirogrupo integra-se ao mercado através de suacapitalização e o segundo com a proletarização,ou seja

a transformação do campesinato em proletariadorural cria um mercado principalmente para osartigos de consumo, e sua transformação emburguesia rural cria-o principalmente para osmeios de produção. Noutros termos: nos gruposinferiores do campesinato, verifica-se a conversãoda força de trabalho em mercadoria e, nos grupossuperiores, a conversão dos meios de produção emcapital. (Lênin, 1986, p.108)

A classe camponesa para Lênin constituía-se em empecilho ao desenvolvimento social na

agricultura, por isso o camponês, em suamaioria destinava-se a proletarização, pois “(...)para completar sua produção necessária desfalcadapela usura do latifundiário, o camponês recorre(...) ao mercado, vendendo sua força-de-trabalho..”(Lênin, 1986, p.24)

A proletarização ocorreria com a espoliaçãoda terra e venda da força-de-trabalho emdeterminadas épocas do ano, como forma decomplementar a renda familiar. Por outro lado,a situação de melhoria atingiria uma pequenaparte do campesinato. Assim, no capitalismo,o pequeno produtor se transformaria emprodutor de mercadorias

Mesmo quando este não explora o trabalhoassalariado, esta mudança é suficiente para fazerdele um antagonista do proletariado, paratransformá-lo num pequeno burguês. Ele vendeseus produtos enquanto o proletariado vende suaforça de trabalho. (Lênin, 1986, p.92)

Ao resgatarmos as idéias desses estudiosos,devemos considerar que o camponês foicaracterizado em determinada época esociedade que difere daquela que pretendemosanalisar nas linhas que se seguem. Pois,conforme a definição de Martins, temos narealidade brasileira: um camponês que quer entrarna terra, que, ao ser expulso, com freqüênciaretorna à terra, mesmo que seja terra distantedaquela de onde saiu. (Martins, 1983, p.16)

Esta classe adapta-se às condições impostaspela relação capitalista (desigual e contraditória)pois, dependendo da situação do mercado,apresenta diferenciações internas, como algunscamponeses que se transformam em pequenoscapitalistas, pela forma como exploram otrabalho alheio, ou aqueles que, separando-sedos meios de produção transformam-se emproletários, vendendo a única coisa que sobrou– a sua força de trabalho.

Mas, estes últimos podem negar estacondição de “expropriados” e na luta pela terra,voltar para a terra. Atualmente essestrabalhadores buscam reformas parasobreviverem no sistema capitalista possuem,portanto, uma visão “reformista” e de maneira

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alguma “revolucionária”. Além da terra, elesprocuram uma organização política eeconômica, como nos confirma Martins

Os pequenos proprietários têm procuradoorganizar-se em cooperativas e sindicatos, e têmdesenvolvido sua luta em torno da questão dospreços agrícolas, dos juros bancários, etc., comoforma de preservar a propriedade familiar.(Martins, 1983, p.144)

O assentamento é visto como um espaçode luta, pois é o lugar onde se desenvolvemrelações sociais, expressando resistência aocriarem novas estratégias para garantir asobrevivência. Por expressarem o interesse deuma classe é que os assentamentos passam a sero nosso objeto de interesse, pois permitem oacesso a terra (através da luta), e expressam aorganização do espaço econômico, sócio-cultural e político. Entendemos que oassentamento está para a pequena produçãofamiliar, assim como, o assentado está para opequeno produtor rural pois com a criação doassentamento há a volta do trabalhador ruralao processo produtivo

A questão de como o camponês concebe e utilizaa terra – embora não possa ser isolada de outrosaspectos que definem cada contexto particular deexistência da pequena agricultura – é sem dúvidauma referência muito importante para a análisedas especificidades da produção familiar rural epara o debate sobre os seus modos de inserção nasociedade mais ampla. (Musumeci, 1988, p.27)

Estes trabalhadores através de diferentesestratégias, como a ocupação, vão legitimar aterra de trabalho. Ocupam a terra e após seremdesapropriadas entram com o objetivo deexplorá-la com a família. Assim, consideramoscomo unidade produtiva familiar aquela ondeo produtor produz com base no trabalhofamiliar e unidade produtiva capitalista aquelaem que o produtor explora o trabalho alheio,auferindo o lucro. À seguir, passaremos aapresentação e análise dos dados obtidos in loco.

1. PROCESSO DE FORMAÇÃO DOASSENTAMENTO

Para melhor caracterizar as famílias quevivem no assentamento Serraria, partimos daidentificação do local da última moradia e dotipo de trabalho que exerciam anteriormente.

O levantamento sobre o local da últimamoradia indicou que 57,9% das famíliasentrevistadas são procedentes do município deLondrina e que 15,9% já viviam em Tamarana(na época, Distrito-administrativo deLondrina), o restante das famílias (26,3%) sãoprocedentes de outros municípios do Paranácomo Ortigueira, Mauá da Serra (Norte doParaná) e Assis Chateaubriand (RegiãoSudoeste/Oeste). Podemos verificar que todasas famílias são provenientes do Estado doParaná, de cidades que se localizam naMicrorregião de Londrina ou nas proximidades.

Quanto ao tipo de trabalho quedesenvolviam na última moradia, uma parceladessas famílias eram arrendatários (31,6%),outras trabalhavam como empregados dafazenda (26,3%), alguns nos relataram que eramacostumados a trabalhar como bóia-frias(21,1%), enquanto outros eram porcenteiros(10,5%). Encontramos casos de famílias(10,5%) que eram proprietários antes de morarno assentamento.

Como vemos, estas famílias caracterizam-se,a grosso modo, pelo apego que tinham com aterra pois, todas apresentaram experiências notrabalho agrícola, principalmente, em lavourasanuais. Observamos que possuem vivência nazona rural mas não, em administração. A parteadministrativa passa a representar um papelimportante na vida dos assentados pois, com aaquisição de terras, esses trabalhadores passama ter mais “autonomia” no trabalho, no processoprodutivo e na comercialização da produção.

Pela própria conjuntura e fragilidade denosso sistema, estas famílias (52,6%) acabaramperdendo a terra e por não querer proletarizar-se (transformando-se em trabalhadorestemporários e em alguns casos até permanentes),uniram-se a outras famílias com o objetivo de

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obter a terra. Aqueles que se encontravam nacondição de proletários (empregados e bóias-frias/47,4%) também ficaram sem trabalho eforam obrigados a sair de onde moravam, embusca de um outro meio de sobrevivência. Comobjetivos comuns, essas famílias tomaramconhecimento da possibilidade de obter terra,não a terra de negócio e, sim, a terra de trabalho1.

Conscientes de sua “expropriação” e atravésde vários meios de informação (televisão, MST,amigos e outros) as famílias tomaramconhecimento das áreas improdutivas na regiãode Tamarana e comungando o mesmo ideal – ode conseguir um pedaço de terra para morar ecultivar – resolveram participar de movimentosde luta pela terra. Tal condição (“excluídos”) osleva à participação ativa nos movimentos, osquais são responsáveis pela formação deacampamentos, importante “escola” naformação de indivíduos politicamenteconscientes. Esta consciência política é muitoimportante porque além da conquista da terra,capacita-os para a luta por benefícios junto aosórgãos públicos para melhoria nas condições detrabalho e produção dentro dos assentamentos.

A luta pela terra é uma forma de negar asregras impostas pelo sistema capitalista pois,mesmo que haja indenizações aos antigosproprietários dos latifúndios, a desapropriaçãoe a posse da terra ocorrem não pelo seupagamento, mas sim por meio da luta pela terra.

Da primeira reunião entre os sem-terras (set/1989) à desapropriação da Fazenda Serraria(agosto/1990) transcorreu praticamente umano. Esta demora nas negociações comprova odesinteresse do Estado pelos sem-terras e pelaimplantação do assentamento.

O INCRA indicou a área paradesapropriação amigável, negociando as terrasda família de Moacir Viana, pagando os 384,3hectares, com títulos2. Para determinar a áreade terra destinada a cada família, o INCRAlevou em conta o tamanho destas e as condiçõesnaturais do terreno. Quanto aos critérios paraestipular o tamanho das famílias, calculou-se aforça de trabalho familiar disponível3, pois apresença ou ausência desta mão-de-obra é que

determinará o tamanho das unidadesprodutivas, as quais visam não somente a“sobrevivência” da família mas, um nível de vidaadequado com possibilidades de ascensão social.

Estipulado o tamanho das famílias, fez-se oagrupamento considerando apenas dois grupos:famílias grandes (seis componentes em média) efamílias pequenas (três componentes em média).

Quando as famílias sem-terra ocuparam afazenda, havia muita capoeira4 o que mostravaclaramente o seu abandono. Derrubaram omato com suas enxadas para, então, construirseus barracos. Pela situação em que as famíliasocuparam a fazenda, evidencia-se que nãopossuíam maquinários, equipamentos ouqualquer outro tipo de estrutura para iniciarema produção. Assim, foram vencendo as primeirasdificuldades contando com o auxílio da IgrejaCatólica (Pastoral da Terra) que doou calcáriopara corrigir a acidez do solo; com a EMATERque forneceu auxílio dos técnicos, além dosrecursos financeiros para compra de sementes edefensivos agrícolas, financiados pelo INCRA.

Na condição de “assentadas”, as famíliasforam organizadas em uma associação informalque promovia reuniões mensalmente, paradiscutir problemas e solucioná-los na medidado possível. Os assentados se dividiam em trêsgrupos: o Grupo dos 9, o Grupo dos 11 e oGrupo dos 16 (formado pelos excedentes).Assim tínhamos no total 20 famílias assentadas,16 excedentes, sem contar com aqueles queestavam na condição de agregados5. Segundoum morador do assentamento, essa divisãoocorreu porque no começo, algumas famíliasqueriam comprar um trator e usar em conjuntoe outras não aceitaram, por isso resolveramdividir-se. A associação do assentamento passoua chamar-se Grupo dos Onze e Grupo dosNove; atualmente, não existem mais essesgrupos e, sim, uma única Associação.

O presidente da Associação de Moradoresdo Serraria, quando da realização do trabalhoempírico, relatou sobre a importância daassociação para fortalecer o grupo dos assentadosna busca de benefícios para o assentamento,melhorando as condições de vida de todos os

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moradores. Mas, na visão de alguns moradoresa associação não funciona devido ao caráterindividualista dos assentados, os quais estãopouco preocupados com o coletivo. A nosso ver,as famílias não estão conscientizadas da funçãoda associação; neste caso, deveria ocorrer umamaior orientação e integração das famílias,promovendo uma associação mais atuanteinterna e externamente.

2. PERFIL DOS MORADORES

Para melhor conhecer os moradores,buscamos identificar o local de origem dosentrevistados, o tempo de moradia noassentamento, idade e o grau de instrução dosmembros da família. Através dessas informaçõespretendemos chegar a um traço comum, respeitandocontudo, a heterogeneidade do grupo.

O levantamento sobre o local de origem dosentrevistados indicou que uma parcela considerávelde trabalhadores é originário do Estado do Paraná(93,7%)6 mas, encontramos uma pequenaincidência de paulistas (2,7%), catarinenses (0,9%),baianos (0,9%) e mineiros (1,8%).

Nestes dados podemos perceber um traçode resistência, pois é expressivo o percentual deentrevistados nascidos em nosso Estado,demonstrando que no processo migratório, nãomigraram para outras regiões do país comoalternativa para sair da condição de exploraçãoem que viviam. Permaneceram no Paraná e,hoje, através da conquista de um “pedaço” deterra procuram sobreviver como pequenoprodutor rural.

No que se refere ao tempo de moradia noassentamento, 63,1% das famílias vivem noassentamento desde a sua formação; 15,8% dasfamílias vivem no assentamento entre 5 e 8 anose outros 15,8% estão no local entre 1 a 4 anos euma família vive no assentamento há menos de1 ano (5,3%).

Esses dados mostram que ocorreu a vendaou troca7 de alguns lotes no assentamento. Istose deve a problemas econômicos ligado à faltade assistência técnica, ausência de capital parainvestimentos e custeio das lavouras; sem contarcom a dificuldade de sobrevivência de certasfamílias em lotes de dimensões reduzidas e o baixograu de organização dos assentados que possuempouca credibilidade junto aos órgãos públicos.

A faixa etária dos componentes de família éum ponto significativo, pois interfere nodesenvolvimento das atividades noassentamento, onde a família conta com a forçade trabalho familiar para a produção. Há umgrande contingente de população jovem e umnúmero reduzido de população idosa noassentamento. O número de crianças éexpressivo, se considerarmos como criança, oscomponentes de faixa etária abaixo de 14 anos.A criança, no assentamento, tem um papelimportante pois auxilia os pais e irmãos maisvelhos no desenvolvimento de tarefas maissimples e com isso, vão adquirindoconhecimento e “gosto” pelo trabalho agrícola.Ademais, no meio rural não existe adolescênciapois, de crianças passam diretamente à condiçãode adultos (Tavares dos Santos, 1984).

À medida que os filhos vão crescendo,exercem o papel de força de trabalho numperíodo não muito longo pois, geralmente onúmero de membros da família é muito maiordo que a capacidade que o lote possui paramantê-los. Assim, ao atingir “vinte e poucosanos” há a tendência a abandonar o lote eproletarizar-se pois, buscam no meio urbano acondição de sobrevivência.

Enfocamos, a seguir, o nível de instruçãoformal de cada membro da família. Para melhorilustrar os dados dividimos a Tabela 1 em doisgrupos: estudantes e não-estudantes.

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Vemos que o nível de instrução formal dosassentados é baixo, já que 45,7% nãofreqüentam escolas e, destes, 19% não sãoalfabetizados8, desconsiderando, é claro, aquelesque não estão em idade escolar.

Em relação àqueles que freqüentam escolas,constatamos que, o ensino de 1ª. a 4ª. séries éministrado no próprio assentamento, com umaturma no sistema multiseriado9, totalizando 18estudantes. A escola funciona no armazém daantiga fazenda Serraria, local improvisado noperíodo de implantação do assentamento, o qualpermanece até os dias atuais. A professora morano assentamento, não possui o Curso deMagistério mas, está cursando o 2.º Ano doEnsino Médio, em Tamarana. No ensino de 5ª.a 8ª. Séries, temos 14 estudantes, no EnsinoMédio 13, e no Supletivo 4 estudantes, estesúltimos voltaram a estudar depois de muitos anosfora da escola. O ensino a partir da 5.ª série realiza-se na Sede do município de Tamarana.

A escola é muito importante na vida dosassentados pois, os mesmos compreendem quea vida é “mais difícil” sem o estudo. Nos diálogoscom os pais constatamos que gostariam de verseus filhos concluindo um curso do ensinosuperior. Vemos que a importância da Educaçãoestá diretamente relacionada à preocupação dospais quanto à falta de capacidade de reproduçãode novas famílias no assentamento pois, os lotes

não são suficientes para suprir as necessidadesde uma nova família que pode originar-se apartir do casamento de um dos filhos. Por isso,vêem no estudo, a possibilidade dos filhospartirem para os centros urbanos na condiçãode mão-de-obra “qualificada”.

Mas, apesar desta problemática e naimpossibilidade da partida do filho, os paisacabam acolhendo as novas famílias formadas,pois encontramos em três unidades produtivas,famílias agregadas10, ou seja, o filho recém-casado,com casa construída no mesmo lote do pai.

A concepção do trabalhador rural nãomudou apenas no que se refere à educaçãoformal dos filhos, mas também ao tamanho dafamília pois, a média de filhos por casal noassentamento é de 3,7 fato que demonstra amudança cultural ocorrida não só nas cidadescomo também no meio rural. Antigamente, asfamílias eram numerosas, o que representava maisbraços para a lavoura; atualmente por razões deordem econômicas e sociais, a situação é inversa.

3. RELAÇÕES DE TRABALHO

Os assentados produzem com a força detrabalho familiar. Esta relação de trabalho vaidepender do tamanho e da composição dafamília (sexo, idade) pois, ao verificarmos a

Tabela 1 – Grau de Instrução dos Assentados.

Fonte: pesquisa “in loco”, 1998, atualizado em 2000.Organizadora: Jeani D. P. Moura.

Escolaridade/ Não-estudantes N.º de pessoas %Ensino Fund. (1.ª/4.ªséries) 26 22,4Ensino Fund. (5.ª/8.ªséries) 05 4,3Não-alfabetizadas 22 19,0Abaixo da idade escolar 14 12,1Subtotal 67 57,8

Escolaridade/ Estudantes N.º de pessoas %Ensino Fund. (1.ª/4.ª séries) 18 15,5Ensino Fund. (5.ª/8.ªséries) 14 12,1Ensino Médio 13 11,2Supletivo 4 3,4Subtotal 49 42,2Total Geral 116 100,0

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participação da família nas atividades dasunidades produtivas, percebemos que emalgumas somente os pais trabalham porque osfilhos são muito pequenos. Em outras, todostrabalham pois, os filhos já estão em idade detrabalhar. Encontramos também famílias emque os pais e os filhos maiores trabalham ematividades “mais pesadas” enquanto os filhosmenores exercem atividades mais simples.

Em relação a faixa etária das crianças,algumas famílias consideram 14 anos a melhoridade para começar a trabalhar. Encontramosfamílias em que as crianças auxiliam em tarefasdomésticas mais simples ou até na lavoura muitoantes dos 14 anos (...) os ‘ mais pequenos’atrapalham um pouco mas, depois de 6 ou 7 anosjá ajudam a varrer o terreiro, levar o café na roça11.

Ainda, sobre o trabalho do menor,procuramos saber se há a interferência da escolano trabalho dessas crianças. Percebemos que,em alguns casos, a escola atrapalha um pouco,principalmente, na época da safra. Mas, ascrianças estudantes trabalham no períodooposto ao escolar, conciliando assim o estudocom o trabalho.

Sentimos que as famílias respeitam acapacidade de trabalho de cada membro dafamília pois, cada um contribui de acordo comsuas possibilidades. As crianças trabalham meioperíodo, já as mulheres contribuem na lavourana época da safra e o restante do ano se ocupammais com as tarefas domésticas. Desta maneiraobservamos uma sintonia entre os membros decada unidade, um auxiliando o outro noprocesso produtivo.

Apresentamos, a grosso modo, a divisão dotrabalho entre homens, mulheres e crianças, noassentamento:

– homens: preparam a terra para o plantio,cuidam da lavoura e do gado;

– mulheres: cuidam do plantio e manutençãoda horta (de subsistência) e dos serviçosdomésticos, como a comida, limpeza da casa,lavagem das roupas, entre outros;

– crianças: alimentação dos animais(principalmente aves e porcos), limpeza do

quintal, compras no assentamento, recadosquando necessário entre as famílias, entreoutros.

É importante lembrar que, esse processo nãoé linear pois, em certos momentos requer grandeforça de trabalho (introduzindo toda família noprocesso produtivo) e em outros não.

Nos períodos de entressafra, verifica-se umexcedente de mão-de-obra pois, não há trabalhopara toda a família; assim, a maioria das famíliastêm seus filhos maiores e o cônjuge trabalhandoem outras fazendas12 da região e com isso,conseguem manter-se nos períodos difíceis noassentamento, aumentando seus ganhos parasubsistência. Além do trabalho em outrasfazendas detectamos no assentamento outrasatividades realizadas como complemento derenda, as quais podemos destacar:

– Conserto de panelas e vendas de“bugigangas” em Tamarana;

– Atividade em estabelecimento comercial (bare empório) dentro do assentamento;

– Atividades de fabricação artesanal como:compotas de doce de leite, queijo e vassouras;

– Venda e entrega de gás de cozinha a domicílio.

– O trabalho com trator próprio nos lotesvizinhos, cobrando por dias de serviço;

Esse trabalho complementar que algunsmembros da família realizam é uma maneiraque encontram para equilibrar o excedente daforça-de-trabalho nas épocas fora de safra mas,em alguns casos, de atividade complementarpassou a ser atividade principal, pelo retornofinanceiro auferido ao assentado.

Embora nas unidades a produção sejarealizada, majoritariamente, através do trabalhofamiliar, encontramos a prática deassalariamento permanente em 10,5% destasunidades, fato que nos permite identificartransformações nas relações de trabalho. Essespequenos produtores, ao manter relaçõessalariais em suas unidades passam a serclassificados como (pequenos) capitalistas já que

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sua produção se sustenta através da contratação.Por outro lado, temos as famílias (31,6%) queencontram na troca de diárias a alternativa paracomplementar sua capacidade de trabalho,assim dinamizam a produção, economizandoos possíveis gastos com mão-de-obra.

A jornada de trabalho é diferenciada entreas famílias devido, principalmente, à posse dosmeios de produção. Atualmente 21,2% dasfamílias têm trator próprio, o restante utiliza atração animal e as matracas13 (78,9%) pararealizar o trabalho de preparo do solo e plantio.Das 78,9% famílias que não possuem tratorpróprio, 31,6% alugam o trator quandonecessário, pagando em torno de 25 reais ahora, fato que representa um problema porquediminui os ganhos com a produção. Os outros47,3%, por falta de recursos, tocam a produçãomanualmente ou com auxílio de animais, osquais auxiliam no preparo da terra, além detransportar pessoas e cargas. Neste caso, os eqüinossão mais utilizados, já que o uso de bovinos paratração não ocorre no assentamento.

O ritmo de trabalho é controlado pelosassentados, assim o tempo destinado ao lazer eà socialização também são determinados poreles. A maioria trabalha todos os dias da semana,

exceto aos domingos que, reservam para o lazer.Percebemos que, o mais importante para osassentados é a autonomia do trabalho pois, esteé sinônimo de liberdade; liberdade para dirigiro ritmo e a intensidade de seu trabalho. Ementrevista um morador expressou muito bemesse sentimento: “se eu fosse empregado não podiaestar conversando com a senhora agora...”14.Admitem a dependência que têm com omercado mas, por outro lado, mostram asatisfação de estar na condição de proprietários.

4. ASPECTOS PRODUTIVOS

Apresentamos a dimensão dos lotes porhectare, com o objetivo de melhor elucidar osaspectos produtivos desenvolvidos nestaspequenas unidades produtivas.

Vemos uma grande distinção entre otamanho das unidades produtivas, as quais variamde 12,6 a 22,7 ha (Tabela 2), devido aos critériosutilizados na demarcação dos lotes, emconcordância com a força de trabalho das famíliase as características físico-naturais de cada terreno;conforme já mencionamos anteriormente.

Tabela 2 – Dimensão dos Lotes.

Fonte: Pesquisa “in loco”, 1998.Organizadora: Jeani D. P. Moura.

Área da terra ( ha ) Número de lotes Porcentagem (%)12,6 – 12,7 03 15,013,7 – 13,8 02 10,014,1 - 14,2 02 10,015,2 – 15,6 03 15,016,1 – 16,8 02 10,018,1 – 18,8 02 10,019,0 – 19,9 03 15,0 20,9 01 5,0 21,8 01 5,0 22,7 01 5,0Total 20 100,0

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Waibel (1979), ao estudar a colonização doSul do Brasil, demonstrou a importância dotamanho dos lotes para projetos de colonizaçãopois referiu-se à dimensão, apresentando oconceito alemão de minimale ackernahrung, ouseja, o tamanho mínimo que deve possuir umapropriedade agropecuária para proporcionar umsustento digno para o agricultor e sua família. Adimensão dos lotes varia de uma região para outraem função de elementos como fertilidade do solo,sistemas de cultivo e vias de acesso aos mercados.

Waibel estima que a minimale ackernahrungdeveria ser entre 55 a 65 hectares em terra boa,e 80 a 105 em terra ruim pois, ao contrário,ocorre o rápido esgotamento do solo e a falênciado agricultor.

Por entendermos a importância do solocomo fator de influência nas atividadesprodutivas, destacamos os tipos de solosencontrados com predominância em nossa áreade estudo, com base nos estudos da EMBRAPA(apud EMATER, 1991):

1) Podzólico Vermelho Amarelo – solosminerais não hidromórficos, argila deatividade baixa, com variação distrófica eálica15. É um solo profundo (1 à 2 metros)com coloração bastante variável (PVa4). Nasvariedades abruptas a intensidade devariações de cores ao longo do perfil sãobastantes intensas, passando de umacoloração clara para avermelhada (PVa5). Atextura varia desde arenosa/média até média/muito argilosa.

O solo muito arenoso, interfere no manejode várias formas pois, armazenam pouca água,são altamente susceptíveis à erosão e de certaforma limitam inclusive a mecanização,dependendo fundamentalmente da classe derelevo e da ocorrência de umidade. Na área deabrangência deste tipo de solo predomina orelevo ondulado (8 a 15% de declividade) amedianamente ondulado (15 a 30%).

2) Latossolo Vermelho Escuro – a área deocupação deste tipo de solo não é significativa

no assentamento, abrange apenas dois lotes. Éum solo mineral, muito profundo (varia de 10a 60 cm), poroso e permeável; álico, fortementeácido, de cor branco avermelhado. Sãocaracterísticas marcantes deste solo o baixo teorde silte e a baixa relação silte/argila. O relevopredominante é suave ondulado (3 a 8% dedeclividade) a ondulado (8 a 15% de declividade).

3) Solos Hidromórficos Generalizados – solosmal drenados, nos quais as característicaszonais determinadas pela ação do clima evegetação, não se desenvolvem integralmenteem virtude da restrição imposta pela grandeinfluência da água no solo, condicionadasempre pelo relevo e natureza do materialoriginário. Sob estas condições, forma-se umsolo caracterizado por apresentar coresneutras nos horizontes superficiais. Apresentaem alguns casos, acúmulo superficial de matériaorgânica. Predomina o relevo suave ondulado(3 a 8% de declividade).

Vemos que os solos do assentamentoapresentam, a grosso modo, uma acentuadadeficiência de nutrientes, muita acidez e CTC16

elevada. Isto significa que a assistência técnicae financeira é fundamental no processo dedesenvolvimento das atividades agropecuáriaspois, se não houver um uso racional objetivandoa sua conservação, ocorrerá o rápidoesgotamento como nos lembrou Waibel (1979).

O microclima predominante noassentamento é o mesotérmico, sem estaçãoseca, com verões quentes, com média detemperatura do mês mais quente (fevereiro)superior a 22º C e do mês mais frio (julho)inferior a 18ºC, sendo as geadas freqüentes. Aprecipitação pluviométrica média anual é de1.525 mm, com a menor em agosto (75mm) ea maior em dezembro (200 mm).

As unidades produtivas do assentamentoocupam uma área total aproximada de 337,6 ha eos 47,0 ha restantes destinam-se ao centrocomunitário, à reserva florestal, mata ciliar e estradas.

A mata ciliar localiza-se nas áreas de soloshidromórficos, no fundo de vale e é formada

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por árvores de baixo valor comercial; representaparte da área de preservação permanente doassentamento. O reflorestamento écaracterizado pela formação homogênea dearaucárias e faz parte da reserva legal. Caso hajaa necessidade da derrubada de árvores dasreservas, os assentados precisam pedir licençapara o Instituto Ambiental do Paraná (IAP).Chamamos de capoeira fina a formaçãoarbustiva, sem valor comercial. As pastagens sãocultivadas e naturais com predominância debrachiaria, grama mato-grosso e colonião. Outroelemento importante a ser considerado é a presençada rede hidrográfica que tem como riachoprincipal o Congonhas; a maior parte dos lotes ébeneficiada com esta rede de drenagem.

Passamos agora a analisar as atividadesrelacionadas ao uso de lavouras e pastagens noassentamento. Antes de verificarmos osprincipais produtos cultivados, vale resgatar aexperiência das famílias em culturas.Praticamente todas as famílias têm experiênciasno cultivo de arroz, feijão, milho e hortaliças,desde a implantação do assentamento. No quese refere a fruticultura, as famílias, em geralnão possuíam tradição mas, com o auxílio dotécnico têm procurado cultivá-las parasubsistência e com pequena expressão comercial.

O produto mais cultivado no assentamentoé o milho, produto comercializado e utilizadono próprio lote para alimentação dos animais.

A opção pelo cultivo do milho ocorre,principalmente porque é um produto “barato”para produzir, fácil de manejar e comercializar.

Os demais produtos como o arroz, o feijão,as hortaliças, a mandioca, a batata sãoproduzidos mais para o consumo mas, em boassafras as famílias conseguem vender uma partedesses produtos para adquirir outros bens deconsumo que não produzem, como é o caso doóleo, sal, remédios, roupas, sapatos,eletrodomésticos, entre outros.

Diante da falta de estímulos à agricultura,causado pelas limitações impostas pela natureza,pelos altos custos de produção, desgaste físico,além dos baixos preços do produto final, oprodutor rural vê na pecuária a possibilidadede permanecer no meio rural visto que passa aser uma atividade mais atrativa. Depositamgrande “esperança” na pecuária destinada aomercado pois, somente com a produção desubsistência será difícil sobreviver nos lotes. Cientesdesta realidade os produtores criam estratégias nosentido de diminuir cada vez mais as áreas comatividades agrícolas, com o intuito de aprimorar apecuária tornando-a atividade principal.

A pecuária é desenvolvida no assentamentoem pequena escala. A criação de bovino tempor finalidade a produção para corte e,principalmente produção leiteira (Tabela 3). Osoutros animais criados como: aves, suínos eeqüinos são destinados ao consumo da famíliae uma pequena parte, comercializada.

Tabela 3 – Gado Bovino por Unidades Produtivas.

Fonte: Pesquisa “in loco”/ 2000.Organizadora: Jeani D. P. Moura.

N.º de cabeças N.º de unidades %1 – 5 6 31,56 – 10 4 21,011 – 15 4 21,016 – 20 2 10,621 – 25 1 5,326 e mais 2 10,6Total 19 100,0

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O interesse demonstrado pela pecuárialeiteira pode ser observado pelo aumento destaatividade nos dois últimos anos. Em 1998 amédia por unidades produtivas era de 4,5cabeças. Hoje esta média praticamente triplicoupara 12,6 cabeças por unidade pois a venda doleite aumentou muito com a instalação dafábrica de queijos que veremos mais adiante.Embora seja uma atividade de interesse dosassentados, a prática da pecuária tambémenfrenta dificuldades para desenvolver-se pois,ainda existem problemas relacionados à falta deinfra-estrutura adequada, instabilidade docomércio e condições necessárias à produção deanimais a curto prazo, além da falta deexperiência na criação animal comercial.

Resumidamente, podemos agrupar asatividades agrícolas e a pecuária de acordo comsuas finalidades:

– Agricultura comercial: milho e vassouras;

– Agricultura de subsistência: hortaliças(alface, almeirão, repolho, salsinha,cebolinha, entre outros), arroz, feijão,mandioca e batata;

– Pecuária comercial: bovino para produçãode leite e carne;

– Criação de subsistência: suínos, aves e eqüinos.

Consideramos como agricultura desubsistência a atividade realizada para forneceralimentos para o consumo familiar e para suprira necessidade alimentar dos animais, cujacriação pode ser de subsistência ou comercial.As criações de subsistência visam a produçãode carne, leite, ovos, banha e força de trabalhopara auxílio nas lavouras e no transporte.

Quanto às atividades de cunho comercial,na agricultura destacam-se o milho e a produçãode vassouras e na pecuária a criação bovina paraa produção do leite. Claro está que, as famíliasutilizam parte dos produtos destinados aocomércio e os de subsistência podem sercomercializados caso haja excedentes.

Em algumas famílias presenciamos tambémuma pequena produção industrial; dado a suaimportância, relatamos os três casos encontrados.

A família de Lindomar Dias, composta por4 pessoas, mora há mais ou menos 10 meses(dados atuais) no assentamento e montaramuma fábrica de vassouras. Ele produz asvassouras em 4 alqueires de terra, produção quelhe garante mercado certo em Curitiba e SantaCatarina. A mão-de-obra familiar não ésuficiente para trabalhar na lavoura e na fábrica,por isso ele contrata uma família com 4componentes para o auxílio na produção. Essafamília mora no mesmo lote e ganhaproporcional à produção de Lindomar.

Em 1998, quando entrevistamos Israel emnosso trabalho de campo, encontramos suafamília com bastante planos para o futuro, entreeles o de montar uma fábrica de queijos. Naépoca ele nos relatou que o produto era muitoprocurado em Tamarana. Nossa surpresa aoatualizarmos nossos dados em 2000, foiencontrar esta família em plena fabricaçãode queijos, tipo: provolone, parmesão emussarela, com uma produção diária de 100quilos e com o auxílio de um empregadopermanente. Uma outra atividade quedesenvolve é a de prestação de serviços pois,armazena gás em seu lote, distribuindo àpopulação do assentamento quando necessário.

Temos ainda o caso da família de Manoel queestimulados pelo sucesso dos amigos resolveramfabricar doce de leite em compota, que vendemnas feiras livres em Tamarana e nas vizinhanças.

Evidencia-se assim que, no assentamentodesenvolvem-se atividades ligadas aos três setoresda economia: 1. Setor primário: agricultura epecuária; 2. Setor secundário: indústria (artesanal);3. Setor terciário: comércio.

O que podemos ainda perceber é que asatividades presentes no assentamentopossibilitam um maior intercâmbio entre osmoradores pois,

O Hélio e o Ismael e muitas outras famílias criamvacas leiteiras e fornecem leite para a fábrica dequeijos de Israel que, além da venda de queijos,facilita a vida de todos, fornecendo o gás decozinha. O meu estabelecimento comercial passoua ser o ponto de encontro entre os moradores...17

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2) PRONAF (Especial) – o produtor com rendabruta anual entre R$ 1.500 a R$ 2.000,poderá financiar R$ 500 a no máximo R$2.000 (EMATER/Tamarana, 2001).Esclarecemos ainda, que este financiamentodestina-se aos produtores, cujosestabelecimentos não ultrapassam a quatromódulos rurais.

Quanto ao pagamento do empréstimo, oprazo estipulado é de no máximo um ano, com4% de “rebate” para àqueles que conseguirempagar na época do vencimento. Passado um ano,caso haja necessidade de renegociar a dívida, otécnico faz um laudo esclarecendo os problemasocorridos com a produção que possam justificaro não pagamento do financiamento. Porém, oprodutor não poderá obter novo financiamentoenquanto não quitar sua dívida. No caso dasfamílias do Serraria, grande parte encontra-sena situação de “inadimplentes”, por isso têmmantido sua produção com recursos próprios.

Vemos que o pequeno produtor,indiretamente, depende do capital industrial efinanceiro pois utiliza-se do financiamento paraa aquisição de sementes, insumos e implementosagrícolas pagando pela preparação da lavoura.Mas, diante das limitações impostas pela faltade recursos técnicos e financeiros, o produtorimprovisa situações como o caso do entrevistadoque admitiu usar um volume de água maiordo que o recomendado para diluir herbicidas einseticidas, solução encontrada para o alto preçodestes produtos.

Quanto aos mecanismos de assistênciatécnica, acreditamos que são fatores importantespara a viabilidade dos assentamentos. Por issoverificamos a freqüência com que os técnicosprestam assistência técnica ao assentamento.Quando indagamos sobre a assistência técnicanas unidades produtivas, a maioria informouque recebe esta assistência. Porém, para algunsessa assistência é válida, para outros não. Háaqueles que dispensam as opiniões do técnico epreferem seguir o “senso comum”, ou seja,aquilo que suas experiências determinam. O quepodemos perceber nessa relação é que de um

Apesar desta inter-relação entre osassentados, a produção é realizadaindividualmente e organizada pelo chefe de cadafamília, pois a prática tem demonstrado que aforma coletivizada ou semi-coletivizada deorganizar a produção nem sempre temresultados satisfatórios, devido a uma série defatores como a falta de infra-estrutura adequada,a falta de controle sobre o trabalho (cada umtem um ritmo de trabalho), falta de maturidadee compreensão para desenvolver o trabalhocoletivo. Esses últimos, de ordem cultural,demonstram que o trabalhador rural possuiuma consciência de posse individual, poistrabalhavam em terras do patrão ou de formaindividual, fato que contribui para descartarqualquer iniciativa de coletividade noassentamento, a curto prazo.

5. ACESSO AO CRÉDITO, ASSISTÊNCIATÉCNICA E COMERCIALIZAÇÃO DAPRODUÇÃO

Ao analisarmos num mesmo item os dadosrelativos ao acesso ao crédito, assistência técnica,e comercialização da produção, o fazemos porentender que a pequena agricultura não podeser discutida sem levar em conta o apoio do poderpúblico na administração de todo processoprodutivo. A viabilidade dos assentamentosdepende em grande parte do Estado,principalmente, no que se refere ao apoio técnicoe financeiro pois, as famílias não necessitam apenasde terra, mas de outros meios de produção comoos insumos, maquinários e fertilizantes.

No que se refere ao acesso ao crédito, paraconsegui-lo o técnico da EMATER elabora umprojeto justificando a necessidade dofinanciamento. Para subsidiar a pequena produção,foi criado o PRONAF, (em substituição aoPROCERA) com duas linhas de financiamentos,baseado na arrecadação do produtor:

1) PRONAF (Tradicional) – para conseguircontrair até R$ 5.000, o produtor tem queter uma renda bruta anual de R$ 8.000,00a R$ 27.500,00;

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lado o produtor reivindica assistência técnica,por outro, demonstra resistência “ao novo”.

Os que são a favor consideram fundamentalo auxílio do técnico, pois valorizam a validadedo seu conhecimento científico e admitem quea orientação é importante, reconhecendo assima importância desse profissional na hora devencer as dificuldades impostas tanto pelo meionatural como pelo econômico.A nosso ver, éimportante que haja a interação entre oconhecimento do técnico e o saber do produtorpara que juntos possam desenvolver a pequenaprodução relacionando assim o conhecimentoempírico (produtor) com o conhecimentocientífico (agrônomo e veterinário).

Quanto à comercialização da produção,dependendo do preço o produtor opta porvender direto ou para o intermediário. Asformas de pagamento da produção vendida érealizada à vista mas, em alguns casos, opagamento se faz à prazo. A venda da produçãoé realizada no município de Tamarana, mercadoconsumidor mais próximo do assentamento, eos preços dos produtos são sempre fixados pelocomprador. Verifica-se que, o pequeno produtornão tem autonomia no processo decomercialização de seus produtos, ficandoentão, na dependência das leis operadas pelomercado. Percebemos que o produtor, nessaesfera da circulação, já se encontra subordinadoao capital pois

(...) no momento em que a mercadoria produzidapelo camponês realiza-se no mercado, apenas umaparcela do valor gerado pelo trabalho do camponêsretorna a este sob a forma de dinheiro (...) (Tavaresdos Santos, 1984, p.110)

Vemos que o pequeno produtor rural possuiseu meio de produção – a terra – e quandoadquire os outros meios de produção tambémimportantes (insumos, fertilizantes químicos esementes) através de financiamentos, eletrabalha para gerar produtos. Ao vender seusprodutos conseguem baixos preços, dandoapenas para adquirir os outros meios necessáriospara sua sobrevivência e para quitar suas dívidasou parte delas.

Assim é que, o produtor entra na esfera dacirculação de mercadorias no sistema capitalista.Essa circulação do ponto de vista teórico éconsiderada uma circulação simples demercadoria porque o produtor vende paracomprar, realizando o ciclo mercadoria-dinheiro-mercadoria, assim a mercadoria sai da esfera dacirculação e entra na esfera do consumo (Tavaresdos Santos, 1984).

6. CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS

Neste bloco, agrupamos os dados relativosàs condições sociais e econômicas da populaçãoassentada. Por ocasião do trabalho de campo(1998), observamos que as casas eramconstruídas de madeira, contavam com luzelétrica e havia uma que ainda utilizava alamparina. O piso que mais se destacava erarespectivamente, cimento, chão bruto e tábua.O tipo de cobertura era constituído de telhas,coberturas de zinco e sapé. Atualmente houvegrande melhoria nas unidades pois 68,5% destas,encontram-se melhoradas com investimentos eminfra-estrutura do tipo: paiol, abrigo para animais,casa de alvenaria, garagem, água encanada, pomar,galpão, sanitário, entre outros.

Há diferenças nas condições de habitação,isso se deve às condições em que os assentadoschegaram ao assentamento, pois algunspossuíam mais recursos do que os outros, e aoritmo de trabalho que desenvolvem atualmente.

Quanto a água utilizada pelas famílias, vemdas minas e em grande parte chega até ashabitações por mangueiras e em alguns lotes aágua é do poço. A qualidade de água apresentacontaminação por verminoses, uma vez que asminas são desprovidas de proteção. Quanto aotipo de esgoto verificamos a existência de fossaséptica, valeta e em uma das casas não há nenhumtipo de fossa. O tipo de instalação sanitária varia,sendo que 68,5% das casas possuem instalaçãodentro de casa e o restante fora.

Quanto à assistência médica-odontológicanão existe, o assentamento conta apenas comum ônibus de saúde que presta serviços àcomunidade a cada quinze dias.

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Quanto à religião, a missa é realizada naescola pelo padre de Tamarana uma vez por mês,além dos cultos dirigidos pela IgrejaCongregação Cristã do Brasil.

Para melhor caracterizar as condições de vida,investigamos os principais eletrodomésticos existentesnas habitações.

Os dados apontam que 84,2% das famíliaspossuem fogão a gás, 73,7% possuem rádio,68,4% televisor, 47,4% geladeira, entre outros.A presença desses eletrodomésticos demonstraque estas famílias também buscam o bem estare o conforto material, antes limitado às cidades.Claro está que os seus valores são outros pois,estas não valorizam o luxo e, sim a praticidadeque os objetos podem oferecer.

Pelos relatos dos entrevistados, constatamosuma melhoria no padrão de vida pois, apesardas dificuldades que enfrentam, estão satisfeitoscom a terra conquistada visto que, desde aimplantação do assentamento, a maioria obtevemuitas melhorias.

No que se refere ao poder aquisitivo, vemosque a atual crise brasileira tem provocadoimpactos negativos sobre o nível de renda noassentamento mas, apesar disso, a nosso ver, nãohá deficiências nutricionais entre estas famíliaspois, aparentemente são saudáveis e, de acordocom os próprios moradores, possuem um bompadrão alimentar, como nos confirma umassentado: (...) comida a gente tem bastante mas,dinheiro que é bom, tem pouco18.

Quanto à moradia, vimos anteriormenteque, a maioria encontra-se com algumasbenfeitorias evidenciando sua melhoria assim,78,9% dos entrevistados estão satisfeitos comsuas casas mas, ainda pretendem melhorá-lasfuturamente. No que se refere ao trabalho, para78,9% dos entrevistados houve melhoras já quetiveram a oportunidade de “escapar” dacondição de desempregados ou “excluídos”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da recuperação da trajetória de vida,

constatamos que há uma mudança depensamento no que se refere às perspectivas demelhoria de vida no campo. Nas décadas de1970/80, após toda transformação ocorrida nocampo brasileiro os trabalhadores rurais viamnas cidades a possibilidade de ascensão social;hoje a concepção mudou pois, estes vêem nocampo a alternativa para manterem as condiçõesmínimas de sobrevivência.

Através da aplicação dos questionários etambém em conversas informais com osmoradores, percebemos que não vivem presosà acumulação de alguns “pecúlios” paraposteriormente, abandonarem seus lotes, masao contrário, buscam a cada ano melhorar aprodução, para investir em suas unidades, naperspectiva de garantir conforto para a família.A própria mobilidade geográfica antes dachegada ao assentamento, reflete essa busca nãosó pela sobrevivência, como também por melhorpadrão de vida.

Esses trabalhadores sofreram todo processode mudança ocorrido no Norte do Paraná;mudaram-se as relações de trabalho, unsperderam suas terras, outros seus empregos, masatravés dos movimentos sociais criaramcondições de recuperá-los. Uma vez conquistadaou, em alguns casos, recuperada a posse da terra,suas aspirações estão voltadas para a melhorianas condições de trabalho, como também, nascondições de vida.

Encontramos uma complexa relação detrabalho no assentamento, pois esses pequenosprodutores de mercadorias, buscam oassalariamento temporário, como estratégia paramanter-se no campo. A nosso ver, não sãoproletários, pois detém ao mesmo tempo aposse e a propriedade da terra; é uma situaçãodiferente dos empregados assalariados, quedesprovidos dos meios de produção, vivemexclusivamente da venda de sua força detrabalho para o capital e, em geral, residem nasperiferias das cidades. Estes últimos estão maissubmetidos aos constantes períodos dedesemprego, constituindo uma das camadasmais necessitadas do proletariado brasileiro.

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Através desse estudo de caso constatamos quea penetração capitalista no campo nãohomogeneizou as relações de trabalho pois, aolado do “exército” de mão-de-obra desprovidados meios de produção, temos muitosprodutores que lutam para permanecer na terrae, através de reivindicações, buscam “amortizar”as desigualdades no desenvolvimento regionalbrasileiro. Não podemos ignorar a facecontraditória desse processo; não há como negara presença desta classe em nossa sociedade.

Esses pequenos produtores da terra almejamuma mudança política e social, buscam umaestratégia para romper o monopólio da terra.Atualmente, os assentados unem-se àscooperativas agrícolas, para lutar por preçosmínimos, comercialização, crédito e assistênciatécnica, pois o maior empecilho que encontramsão as políticas agrícolas que privilegiam ogrande proprietário de terras. Há uma grandepressão exercida pelos comerciantes na comprade seus produtos e pela presença do grandecapital controlando a venda de insumos; assim,o pequeno produtor vive subordinado às leisimpostas pelo sistema capitalista.

NOTAS

1 Em Oliveira (1991) vamos encontrar a distinção entreterra de negócio – quando o capital se apropria e explorao trabalho alheio – a terra de trabalho – quando otrabalhador tem a posse e trabalha com sua família.

2 O INCRA pagou por terra “nua” CR$ 92.721,00, porhectare e o custo médio por hectare sobre asbenfeitorias existentes CR$ 9.588.954,70. Acrescente-se os juros de 3% ao ano com 10 anos para pagamento,sendo 5 anos de carência.

3 A força de trabalho familiar foi computadaindividualmente em equivalentes – Homem (Eq./h),utilizando os seguintes coeficientes: 08-13 anos (H:0,5/M:0,3); 14-20 anos (H:1,0/M:0,5); 21-60 anos(H:1,0/M:0,8); mais de 60 (H: 0,8/M:0,5). Paramaiores esclarecimentos ver: Relatório da EMATER/PR, 1991.

4 “mato” que ressurge quando o homem abandona o solopor um tempo (produto da chamada “segunda natureza”).

5 São considerados aqui como agregados, pessoas quemoram no assentamento “de favor”, geralmente faz

parte da família do assentado, como por exemplo, oprimo, a sogra, os pais, etc.

6 Destes 93,7% originários do Paraná, 41,5% sãoprovenientes de Tamarana, 18,0% de Ortigueira,14,4% de Londrina e o restante (19,8%) dosmunicípios próximos.

7 Registramos três casos de aquisição do lote por trocae dois casos através da compra dos direitos.

8 Em nossa análise foram considerados não-alfabetizadosaqueles que nunca freqüentaram escola e conseguemapenas “desenhar” seu nome.

9 Neste sistema a professora ministra aulas para as quatroséries (1.ª/4.ª) ao mesmo tempo, sendo uma fileira dealunos para cada série.

10 O número de agregados no assentamento chega a 11,entre filhos casados, netos, noras, entre outros.

11 Entrevista realizada in loco com o Sr. Paulão em 1998.12 Como por exemplo: o corte de madeira em fazendas

próximas ao assentamento para a fabricação de papelem Tamarana.

13 Plantadeiras manuais.14 Entrevista realizada in loco com o Sr. Paulão em

1998.Lourival, 1998.15 A saturação de base é um fator ligado diretamente à

acidez do solo; o solo é considerado distrófico quandoa saturação é inferior a 50%. Quando ela é inferior a50% e a saturação de alumínio superior a 50%, o soloé considerado álico. Este fator é importante porqueestá diretamente relacionado à produtividade do solo.Os índices de saturação de bases encontrados noassentamento foram muito baixos, tornando-seimprescindível o uso do calcário.

16 A Capacidade de Troca Catiônica (CTC) relaciona-sediretamente com a fertilidade do solo, está ligada aograu de intemperismo (tipo de argila) e aos níveis dematéria orgânica do solo.

17 Entrevista realizada in loco com o Sr. Levino em 2000.18 Entrevista realizada in loco com o Sr. Lourival em 1998.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Colonosdo vinho. 2.ª ed. São Paulo: Hucitec, 1984.

WAIBEL, Leo. Capítulos da Geografia Tropical e doBrasil. 2.ª ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.

Some Consideration About the Settle Organization Serraria / Tamarana – PR

ABSTRACTThis article shows our reflection on the information we have gotten from the work in the country done on a settle ruralarea, where the productive process is kept by the support of small producer who has been more and more sent off bycapital, keeping the production only to subsist, except for some of them.

KEY-WORDS: land question, peasant, settle, small production, capital.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta os resultados obtidosdurante estudos hidrogeológicos realizados emárea urbana, com o objetivo de se avaliar opotencial em água subterrânea na área da partedo lote 75 da Gleba Cambé, município deLondrina – PR (Figura 1).

A justificativa desse estudo está nanecessidade da avaliação das condições deocorrência da água subterrânea no local, umavez que a porção central da área constitui-se emum terreno rebaixado, bastante plano, sujeito aalagamentos ocasionais verificados ao longo dosanos.

1. QUADRO GEOLÓGICO

A região de Londrina no norte do estado doParaná, mais especificamente da Gleba Cambé,encontra-se geologicamente sobre as rochasbasálticas da Formação Serra Geral. EstaFormação ocorre em toda a área estudada,exceto no fundo dos grandes vales, aonde seencontram sedimentos aluvionares muitorestritos assentados sobre a mesma, oriundos dadeposição recente de sedimentos trazidos pelosrios da região. A Formação Serra Geral écomposta por basaltos pretos a cinza escuros,de estrutura maciça ou vesicular, fraturados ecom o manto de intemperismo muito poucopresente em algumas localidades, até cerca de30 metros nas regiões mais elevadastopograficamente (Rebouças, 1978).

* Professor Adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, caixa postal 6001, CEP:86051-990 – Londrina – PR. E-mail: [email protected]

** Bolsista do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina

Análise e Interpretação do Gradiente Hidráulicodo Aqüífero Freático em uma Área na Região Sulde Londrina – Pr.

André Celligoi*

Maurício Moreira dos Santos**

Thiago Rossi Viana**

RESUMOUm estudo hidrogeológico foi feito no sentido de se determinar o comportamento do nível freático próximo à umanascente de água na zona sul de Londrina. Foram executados 10 furos de sondagens a trado até a rocha semi-alterada,dispostos em seqüências perpendiculares às curvas de níveis do terreno. Os gradientes hidráulicos de cada perfil, bemcomo os fluxos subterrâneos conseqüentemente, são direcionados da parte alta para a parte baixa e plana do terreno. Istodemonstra que a área de recarga local da superfície freática se encontra nas porções mais elevadas do terreno, sendo a áreade descarga local localizada na parte mais rebaixada do relevo. Dessa forma, os alagamentos ocasionais verificados aolongo do ano na parte mais baixa e plana do relevo local não podem ser atribuídos a acumulações de águas pluviais nestasporções do terreno, mas sim de uma interceptação da superfície freática com o relevo.

PALAVRAS-CHAVE: Água subterrânea, gradiente hidráulico, aqüífero freático, Londrina.

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A análise de fotografias aéreas nas escalas1:25.000 e 1: 8.000, revelou a presença dediversos lineamentos estruturais distribuídospela grande área com direções NW,acompanhando trechos do ribeirão Cambé e,

também NE e E-W, subordinadamente. Estesacompanhando trechos do córrego SãoLourenço (Figura 2).

Figura 1 – Mapa de localização da área.

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2. HIDROGEOLOGIA

Na grande área estudada existem duas formasde ocorrência de água subterrânea: O aqüíferofreático e o sistema aqüífero Serra Geral.

O aqüífero freático, representado aqui pelascamadas de solo e rocha alterada, pelas suascaracterísticas geológicas de sedimentos argilosos,constitui-se em um meio poroso relativamentehomogêneo, geralmente pouco espesso e combaixa profundidade do nível saturado.

Este aqüífero tem características essenciaisde aqüífero livre, ou não-confinado. Dessaforma, a recarga se dá diretamente a partir deáguas pluviais nas áreas mais elevadastopograficamente, motivo pelo qual, aliás, nãoé aconselhado o seu uso através de fontes oupoços, dado o elevado risco de poluição poragrotóxicos, ou outros agentes antrópicos.

Ao contrário dos sistemas aqüíferos

sedimentares, os quais possuem uma certahomogeneidade física, o sistema Serra Geral,pelas suas características litológicas de rochascristalinas, se constitui em um meio aqüíferode condições hidrogeológicas heterogêneas eanisotrópicas (Freeze & Cherry, 1979).

Dessa forma, o modo de ocorrência da águasubterrânea fica restrito às zonas dedescontinuidades das rochas, as quais seconstituem principalmente em estruturastectônicas do tipo fratura e/ou falhamento.

Embora consideradas muitas vezesindiscriminadamente como rochas cristalinas,as suítes vulcânicas da Formação Serra Geralpossuem diversas características litológico-estruturais que as distinguem hidrogeologicamentedos demais meios fraturados, tanto ígneasplutônicas, quanto metamórficas em geral(Celligoi & Duarte, 1997).

No topo de derrame, mais especificamente

Figura 2 – Mapa geológico-estrutural local.

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nas estruturas vesiculares e amigdaloidais, apermeabilidade depende da disposição espacialdos vacúolos. Quando os mesmos sãointerconectados por fraturas, a percolação deágua pode ficar favorecida. A percolação deágua, junto aos fraturamentos verticais, vaialimentar as diáclases horizontais da porçãoinferior do derrame. Estas, no entanto, nãopossuem, freqüentemente, uma circulação de águamuito efetiva, devido à presença de materiais dealteração junto aos planos de fratura.

Todo esse sistema de fluxo, todavia, podeser consideravelmente modificado porintermédio de estruturas tectônicas rúpteisregionais, como fraturamentos e falhamentos, bemcomo intrusões magmáticas - diques e sills, os quaispodem alterar as condições hidrogeológicasoriginais (Celligoi & Duarte, 1994).

Como citado anteriormente, as rochasvulcânicas, assim como outros tipos cristalinosconstituem um meio heterogêneo onde acirculação de água é condicionada àsdescontinuidades físicas das rochas.

Para este trabalho toda a ênfase será dada aoaqüífero freático, uma vez que os alagamentosverificados na área de pesquisa em algumasépocas do ano são constituídos de águassubsuperficiais aflorantes.

3. FOTOINTERPRETAÇÃO

A partir da análise e interpretação defotografias aéreas na escala 1: 8.000, do ano de1991, foi possível a verificação, além das feiçõesgeológicas citadas anteriormente, da existênciade um área rebaixada e plana sem cultura deplantio, destacada na Figura 3, que sugere uminício de uma drenagem pouco insinuada naporção norte em direção ao vale do ribeirãoCambe, porém sem a formação de qualquercurso d’água aparente. Tal área, segundoinformações do proprietário, fica ocasionalmentealagada em algumas épocas do ano.

Figura 3 – Fotografia aérea de 1991 evidenciando feição geomorfológica baixa e plana em destaque.

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4. INTERPRETAÇÃO DE SONDAGENS

Foram realizados furos de sondagem em locaisestabelecidos a montante topograficamente daárea da fonte, com a finalidade da avaliação daespessura e uniformidade do manto dealteração, bem como, principalmente, daprofundidade dos níveis d’água no local para oestabelecimento do gradiente hidráulico na área.

Foram executados 10 furos de sondagens atrado manual até a rocha semi-alterada. Asperfurações foram realizadas em duas ocasiões,uma em setembro de 2000 e outra em outubro

do mesmo ano. Foi utilizado também comopoço de observação para a obtenção de dadosde profundidade do nível d’água, um poçocacimba existente na área, definido aqui comoP6. As localizações dos furos, do poço e dosrespectivos perfis estão relacionados na Figura4. Como mostra a figura, os furos foramdispostos em 4 seqüências, ou perfis,perpendiculares às curvas de níveis do terrenoa fim de se obter o comportamento no níveld’água, ou freático, uma vez que as direções defluxo subterrâneo são perpendiculares às linhasequipotenciais.

Figura 4 – Planta com a localização dos furos de sondagens.

Os 4 perfis foram arranjados da seguintemaneira:

• Perfil 1: Furos P1, P2 e P3.

• Perfil 2: Furos P4, P5 e P6 (poço).

• Perfil 3: Furos P7, P8 e P9.

• Perfil 4: Furos P10 e P11.

5. SITUAÇÃO ATUAL

As figuras a seguir mostram ocomportamento da superfície freática ao longodos perfis construídos com os furos desondagens.

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84 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 79-87, jan./jun. 2001

Figura 5 – Ilustração do Perfil 1 com suas profundidades e níveis d’água.

Figura 7 – Ilustração do Perfil 3 com suas profundidades e níveis d’água.

Figura 6 – Ilustração do Perfil 2 com suas profundidades e níveis d’água.

548.2

547.7

547.3547.58

547.41

547.11547.2547.08

546.68546.7

545.7

545.3

544

545

546

547

548

549

Cota

Top

ográ

fica

(m)

S up . T e rre no

N í v e l d 'á g ua

S E TN í v e l d 'á g ua

O U TB a sa lto

P1

P2

P3

549.1

548.37

547.69

548.24

547.71

547.02547.4

545.4

547.9

550.5

548.9

544

545

546

547

548

549

550

551

Cota

Top

ográ

fica

(m) S up . T er r eno

N í v el d 'água

S E T

N í v el d 'água

O U T

B asa l to

P4

P5

Poço Cacimba

550

549.1

548.2

547.2

548.5

548

546.7

544

545

546

547

548

549

550

551

Cota

Top

ográ

fica

(m) S up . T e rre no

N í v e l d 'á g ua

B a sa lto

P7

P8

P9

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De acordo com os dados fornecidos emtodos as seqüências acima, os gradienteshidráulicos de cada perfil, bem como os fluxossubterrâneos conseqüentemente, sãodirecionados da parte alta para a parte baixa eplana do terreno.

Esta conformação demonstra que a área derecarga local da superfície freática se encontra

nas porções mais elevadas do terreno, ou mesmodas áreas que constituem o entorno dapropriedade, e a área de descarga local estálocalizada na parte mais rebaixada do relevo.Isto porque conforme é verificado nas figuras,os níveis d’água se aproximam da superfície doterreno na medida em que se caminha para a partemais baixa e plana do terreno (Figuras 9 e 10).

548.3

547.4

546.5 546.5

546.02

545.72

544

545

546

547

548

549

Cota

Top

ográ

fica

(m)

S up . T er r eno

N í v el d 'água

O U TB asa l to

P10

P11

Figura 8 – Ilustração do Perfil 4 com suas profundidades e níveis d’água.

Figura 9 – Vista geral do terreno com a área de descarga ao fundo na parte baixa e plana do terreno.

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Dessa forma, os alagamentos ocasionaisverificados ao longo do ano na parte mais baixae plana do relevo local não podem ser atribuídosa acumulações de águas pluviais nestas porçõesdo terreno, mas sim de uma interceptação dasuperfície freática com o relevo. Taisalagamentos anteriores podem ser evidenciadospela presença de pegadas de animais preservadasna lama, agora seca, bem como por vegetaçãodiferenciada nesta parte do terreno.

Figura 10 – Bloco-diagrama ilustrando a topografia geral do terreno.

Um fator importante a ser citado foi quedurante a realização do trabalho não foramverificadas quaisquer fontes pontuais naturaisaflorantes na superfície do terreno, as quaispossam vir a constituir uma drenagem, excetono ponto “A” marcado na Figura 11, onde évisível um canal aberto artificialmente, talvezpor retroescavadeira, sendo notado, então, umafloramento de água.

Figura 11 – Planta da área com a delimitação das principais feições observadas.

(Drenagem artificial)

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Entretanto, foi possível a delimitação de umaárea que estaria sujeita a alagamentos ocasionaisem épocas nas quais a freqüência deprecipitações pluviométricas for mais intensa,quando então a recarga aqüífera se torna maior.Tal área encontra-se assinalada na mesma figuraadiante e corresponde à porção de terrenorebaixada e plana descrita anteriormente.

CONCLUSÕES

A área estudada encontra-se geologicamentesobre as rochas basálticas da Formação Serra Geral.

A partir de fotointerpretação, foi possível averificação da existência de uma área rebaixadae plana sem plantio, ocasionalmente alagada,em algumas épocas do ano.

De acordo com os dados das sondagens, osgradientes hidráulicos e fluxos subterrâneosconseqüentemente são direcionados da partealta para a parte baixa e plana do terreno, coma área de recarga local da superfície freática nasporções mais elevadas do terreno e a área dedescarga local localizada na parte mais rebaixadado relevo.

Os alagamentos ocasionais verificados aolongo do ano na parte mais baixa e plana do

relevo local não podem ser atribuídos aacumulações de águas pluviais nestas porçõesdo terreno, mas constituem-se no afloramentoda superfície freática com o relevo.

Não foram verificadas, durante o trabalho,fontes pontuais naturais aflorantes na superfíciedo terreno, as quais possam vir a constituir umadrenagem, a não ser a artificial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CELLIGOI, A. & DUARTE, U. Conotaçãohidrogeológica dos lineamentos estruturais E-W naRegião de Londrina - PR. In: CONGRESSOBRASILEIRO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS, 8.,1994, Recife. Anais... Recife: ABAS, 1994.

CELLIGOI, A. & DUARTE, U. Hidrogeologia daFormação Serra Geral em Londrina – PR. BoletimParanaense de Geociências, Curitiba, v.45, p. 117-132, 1997.

FREEZE, R.A.; CHERRY, J.A. Groundwater. NewJersey: Prentice-Hall inc., 1979. 604 p.

REBOUÇAS, A. C. Potencialidadeshidrogeológicas dos basaltos da bacia do Paraná noBrasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DEGEOLOGIA, 30, 1978, Recife. Anais... Recife,1978. v.6 p.2963-2976.

Analysis and Interpretation of Hydraulic Head of the PhreaticAquifer in Area in the South Region of Londrina – Pr.

ABSTRACTA hydrogeologic study was made in order to determinate the hydraulic head close to a spring in Londrina. Ten piezometerswere made achieving the semi-altered layer. The local hydraulic head, as such as the groundwater sheet, are flowing tothe lower part of the area. This shows that the local groundwater recharge is located in the upper part of the area.Consequently, the occasional flood is due to the interception of the phreatic level with the topographic surface and it cannot be attributed to the accumulation of pluvial waters.

KEY-WORDS: groundwater, hydraulic head, phreatic aquifer, Londrina.

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Contribuição ao Estudo do Norte do Paraná *

Nice Lecocq Müller* *

RESUMOEste artigo, publicado originalmente em 1956, no Boletim Paulista de Geografia, é um dos trabalhos importantes sobreo Norte do Paraná. Inicialmente foi feita uma discussão sobre a delimitação da região e caracterização dos aspectosfisiográficos; em seguida tratou-se do povoamento e da organização do espaço agrário e urbano, concluindo-se com aimportância econômica da região, em especial no que se refere ao café.

PALAVRAS-CHAVE: Norte do Paraná; características físicas; cafeicultura; povoamento; espaço agrário e urbano.

* Artigo publicado originalmente no Boletim Paulista de Geografia, n.22, p.55-97, março, 1956. Agradecemos aprofa. Nice Lecocq Müller que gentilmente autorizou a reedição do mesmo.

** Professora aposentada da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Embora contando com um número jáelevado de estudos de caráter geográfico, oNorte do Paraná estava a exigir, por suaimportância e pelo interesse que sempredesperta, um trabalho de síntese de caráterregional. Foi este, exatamente, o objetivo quenorteou a profa. Dra. Nice Lecocq-Müller,sócio efetivo da A. G. B. e assistente da cadeirade Geografia Humana da Faculdade de Filosofiada Universidade de São Paulo, ao elaborar opresente estudo, para a feitura do qualmanipulou a abundante bibliografia que oacompanha e utilizou observações pessoaisrecolhidas em viagens realizadas à região.

O NORTE DO PARANÁ E O PROBLEMADE SUA DELIMITAÇÃO

Do ponto de vista econômico e paisagístico,o Norte do Paraná – criado pelo extravasamentoda cultura cafeeira paulista – tem pontos decontato com o Estado de São Paulo. Por outrolado, no que se refere aos traços fisiográficos,tem íntimas relações com o conjunto do Estado

do Paraná, uma vez que reúne porções quefazem parte de regiões naturais que a elepertencem. Desse jogo de afinidades deriva aoriginalidade do Norte do Paraná: é um capítuloda vida paulista, mas, em território paranaense.Embora com traços fisionômicos bastantemarcados, para ser reconhecido com facilidade,o Norte do Paraná não teve, até hoje, suasfronteiras demarcadas, de maneira satisfatória

Como porção mais setentrional do Estadodo Paraná, a região tem limites precisos ao Norte(rio Paranapanema), a Leste (rio Itararé) e aOeste (rio Paraná) ; é no sentido Sul que resideo problema de sua delimitação. Na tentativade estabelecê-lo, parece que o melhor critérioseria o de adotar a produção do café, elementoque lhe assegura individualidade no conjuntodo Estado. Esta solução esbarra, porém, nograve inconveniente de que as fronteiras do cafénão estão definitivamente estabelecidas, uma vezque sua marcha, à procura de terras virgens, estáainda em pleno desenvolvimento. Diante destefato, torna-se necessário adotar uma de duasalternativas: a) levar em consideração apenasas áreas efetivamente ocupadas, o que daria à

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delimitação valor de curta duração; b)considerar como Norte do Paraná, além da áreaefetivamente ocupada pelo café, toda a queestiver dentro de sua possível expansão. Mesmocom o risco da necessidade de futura revisão, a

segunda possibilidade parece mais atraente,sobretudo quando se considera que já estãoesboçadas, em suas linhas gerais, as fronteirasda futura expansão do domínio cafeeiro.

Embora tenha sido a “terra roxa” o elementobásico da penetração do café no Norte doParaná, parece não ser sua ocorrência queconstitue o fator essencial na delimitação dalavoura cafeeira. De fato, na sua marcha para oOeste, ele está atualmente aparecendo nos solosarenosos do extremo ocidental do planalto,provenientes do arenito de Caiuá, que aí recobreo manto de diabase1 .

Se os solos não parecem ter influênciadecisiva, constitui o clima limite bem maisrígido. De fato, tem o Norte do Paraná climade transição entre o tipo subtropical, quecaracteriza a maior parte do Terceiro Planalto,ao sul do Ivaí, e o tropical de altitude do Oestepaulista; assim sendo, à medida que se caminhapara o Sul, a diminuição das temperaturas e amaior freqüência e intensidade das geadas vãotornando impraticável a cultura do café. Sendo

o clima fator decisivo, parece lícito adotar o limiteclimático do café2 como a própria demarcaçãodo limite meridional do Norte do Paraná.

Comparando a área efetivamente ocupadapelo café, com os limites de sua possívelexpansão (vide mapa n.0 1), constata-se que, seem alguns pontos elas coincidem, em outroshá ainda vasta extensão a ser ocupada. A Lesteda região, o café chega até seu limite climático3 ,podendo a demarcação meridional do Norte doParaná aí ser considerada como definitiva. AOeste, no entanto, os limites do café, mesmoconsiderando-se como otimista a delimitaçãoclimática, são bem mais amplos que o da áreaatual de cultura; é possível que, no futuro,aqueles limites não sejam atingidos ou sejamultrapassados. Quem sabe? Apesar dasvicissitudes da previsão, parece que essadelimitação, dentro das tendências observadas,ficará pele menos mais próxima da realidade4 .

Mapa 1 – Norte do Paraná – Produção de Café – 1950.

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CARACTERÍSTICAS FISIOGRÁFICAS DA REGIÃO

Do ponto de vista fisiográfico, o Norte doParaná constitui um todo geograficamente bemcaracterizado, embora esteja correlacionado comoutras regiões, por determinados aspectos.

O clima constitui um dos fatores que lheconferem individualidade: por ser de transição,difere tanto do que predomina nas regiõespaulistas vizinhas, quanto do que caracteriza orestante do Terceiro Planalto paranaense. Demodo geral, por estar mais exposta às massasde ar frio, a região conta com temperaturas maisbaixas (principalmente no Inverno) que as áreasdo planalto sedimentar do Oeste paulista, declima tropical de altitude; de outro lado, porter um regime pluviométrico que acusa, emboraatenuadamente, chuvas de Verão e secas deInverno, afasta-se do clima subtropical dasregiões mais meridionais do Paraná, para seaproximar daquele tipo de clima que apareceem território paulista 5 .

Na análise especifica dos fatores climáticos,o caráter de zona de transição aparece ainda nofato de constituir o Norte do Paraná a área decontato entre as massas de ar tropical-atlântica(Ta) e equatorial-continental (Ec). A massatropical-atlântica é, para a região, a de maior

importância, por agir em todas as estações,como se fosse um anti-ciclone semi-fixo;predominando na maior parte do ano, sofre noVerão ligeira oscilação para Leste, localizando-se sobre o oceano. Sua predominânciadetermina dias claros e ensolarados, com tempofirme e seco. No Verão, quando Ta se desviapara Leste, toma seu lugar a massa equatorial-continental que, atraindo os ventos alísios dohemisfério norte, que aí chegam quentes eúmidos, é animada de forte movimento deconvecção, instalando um regime climático detipo equatorial, com fortes aguaceiros eperturbações atmosféricas

O regime de chuvas, intimamentecondicionado pela alternância das massas de ar,apresenta-se com um período úmido no Verão,dada a predominância de Ec, e um de secas noInverno, seguindo-se a instalação de Ta. Sendoas observações pluviométricas por demaisescassas, torna-se impossível o exame detalhadodas quedas de chuva: pode-se apenas adiantarque, nas áreas localizadas logo após a escarpado planalto basáltico, os índices anuaisultrapassam 1700 mm, enquanto que emLondrina, Jataizinho, Jacarezinho e Andirá,localizadas mais para o interior do planalto,oscila entre 1200 e l400mm6 .

Mapa 2 – Norte do Paraná mapa da vegetação. (extraído do Mapa Fitogeográfico de ReinhardMaack – 1950).

L. Müller Des. Rufino

NORTE DO PARANÁ MAA DA VEGETAÇÃO(extraído do Mapa Fitogeográfico de Reinhard Maack – 1950)

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Se para as chuvas são raros os dados, apobreza é ainda maior em relação àstemperaturas, para as quais não há observaçõesmetódicas em todo o conjunto do Norte doParaná. A título de informação, podem-seapenas registrar os dados fornecidos porReinhard Maack a Pierre Monbeig 7 em relaçãoà cidade de Rolândia: média anual de 19º,média de Verão de 23º,4' e média de Invernode 17º,1'. O Inverno, em toda a região, registrafortes e bruscas quedas de temperatura,ocasionadas por incursões de anticiclonesmóveis escapados da massa Polar-Atlântica (Pa),muitas vezes reforçadas por contribuição damassa Polar-Pacífica (Pp). Estas massas de arpenetram na região pelos vales dos rios tantomais quanto maior o afastamento da massaTropical-Atlântica (Tu).

Dentre os fenômenos climáticos queocorrem na região, as geadas, devido à culturado café, se revestem de especial importância.O Norte do Paraná é atingido pelos dois tiposde geada: a “branca” e a “preta”,

a primeira

também muito comum no Estado de São Paulo.A geada branca corresponde a um “golpe de frio”local: graças à irradiação noturna, ocorre ainversão de temperatura, aparecendo entãobrumas frias e geadas nos vales e depressões doterreno. A geada branca ocorre principalmente

no Inverno e é para escapar à sua ação que oscafezais procuram as terras mais altas e, no Nortedo Paraná, de preferência as vertentesensolaradas, de orientação N e NW. A geadapreta ocorre quando a frente polar avança,facilitada pelo recuo da massa Tropical-Atlântica. O encontro das duas massas provocatempestades, seguidas de brusca queda detemperatura: as plantas, carregadas de umidadenão evaporada, são então queimadas porcongelamento. O perigo da geada preta para oscafezais é incomparavelmente maior que o da“branca”: ocorrendo no inicio do Verão, quandoas plantas não estão em repouso vegetativo, elaaniquila e mata, comprometendo seriamente asafra. Por várias vezes, principalmente nos anosde 1942, 1953 e 1955, o Norte do Paraná foiduramente atingido pela geada preta, fato quecomprova estar a região no limite maismeridional em que o café pode ser plantado semdefinitivas impossibilidades climáticas.

Se, do ponto de vista de clima, o Norte doParaná tem personalidade, também concorrepara isso a vegetação: no conjunto do Estado,essa região é o domínio da mata latifoliada.Tendo sempre aspecto rico e intrincado, suacomposição é, no entanto, diversa segundo asvariações pedológicas. (vide mapa 2)

Foto 1 – Este aspecto, apreendido entre Cornélio Procópio e Bandeirantes, a 21 Km daquela primeira cidade, éeloqüente testemunho dos estragos produzidos nos cafezais pela geada que, mesmo em ligeiras depressões do terreno,como no caso que focalizarmos, faz sentir os seus efeitos dos anos de ocorrência mais intensa (foto N. L. Müller).

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93Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 89-118, jan./jun. 2001

Na “terra roxa”, a mata latifoliada éconstituída, no primeiro horizonte, por espéciede alto porte, de 25 a 30m de altura, como afigueira branca (Ficus pohliana Mig.), o paud’alho (Gallezia gorazena Vel. Mig.), o tamborilou timbaúva (Enterolobium ellipticum Benth.)O segundo andar é formado por espéciessuscetíveis de atingir iguais dimensões das doandar superior se lhe forem dadas condiçõesecológicas favoráveis, tais como a canjerana oucanjarana (Cabralea cangerana Sald.) e o cedroBranco (Cedrela fissilis Voll.). Vem a seguir o andarem que predominam as paineiras (principalmenteo palmito, Euterpe edulis) e as samambaias, e,finalmente, um andar herbáceo8 .

Nos solos arenosos, a mata latifoliada tem,no primeiro andar, a predominância da peroba(Aspidosperma sp.), do jequitibá (Carinianaexcelsa) e do cedro (Cedrela sp.). No segundohorizonte, aparecem o jacarandá (Machaeriumsp.), o faveiro (Pterodon pubescens Benth.), acaviúna (Dalbergia nigra F. All.) e a aroeira(Astronium urinduva Fr. All.). Vem, a seguir, oandar das palmeiras (principalmente o jeribá,Arecastrum romanzoffianum) e das taquaras e,por último, o andar herbáceo.

Segundo Dora de Amarante Romariz, a matalatifoliada típica da terra-roxa recobria também a áreaa SE do Norte do Paraná, onde esse tipo de solo sóaparece em manchas, entre terrenos provenientes dedeposições do permiano e carbonífero9 .

ERACENOZÓICA

ERAMESOZÓICA

ERAPALEOZÓICA

ERAPROTEROZÓICA

QuartenárioDepósitos fluviais

Série São BentoJurássico (liássico ?)

Arenito Caiuná – formação supratrepp eólicaDerrame de Trapp – Paraná (diabásios, melátrofos,vitrófiros, etc.) com arenitos eólicos intertrapp

Diabases, parfiníticos (basaltícos) e andesitasnna capa do derrame de Trapp

Diques de diabásico Triássico

Arenito Botucatú (eólico predominando,Inclusive facies pluvial e facies Piramboia na base)

Escarpa Triássica

PermianoTerrenos do permiano superior (Série Passa Dois) einferior (Grupo Estrada Nova e Irati)

Carbonífero superiorTerrenos da Série Tubarão dos Grupos Guatá e Itararé edas formações Tabó e Palmira

DevorianoTerrenos do devoviano inferior e do siluriano (Siluriano– gotiandiano ?)

Escarpa Devoniana

TerrenosEo - algonquianos

Mapa 3 – Carta Geológica do Norte do Paraná (estrato do mapa Geológico do Estado do Paraná,por Reinhard Maack, 1953).

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À medida que se progride para o Sul, a matalatifoliada vai apresentando formas de transiçãopara a floresta sub-tropical, que tambémocorrem em áreas mais elevadas, como a deApucarana: ao lado da araucária (Araucariaangustifólia) surgem então a imbuia (Phoebeporosa Mez.) e, por vezes, também o palmito.

A continuidade da mata latifoliada équebrada pela existência, em áreas ilhadas, deassociações de cerrado que se apresentam comoverdadeiros “campos inclusos” 10 . Esses campos,embora paisagísticamente diferentes dos do BrasilCentral, apresentam as mesmas espécies que nestesaparecem: barbatimão (Stryphenodendron sp.), apalmeira barirí (Cocos sp.) e palmáceas anãs(Diplothemium campestris). Essas espécies, emlugar de se apresentarem em tufos, arranjo típicodos cerrados, formam manto contínuo11 .

A enorme extensão original de florestas doNorte do Paraná está hoje bastante reduzida,implacavelmente devastada para o plantio docafé. Na retaguarda pioneira, há sóremanescentes raros e, na vanguarda, aderrubada progride, abrindo claros cada vezmaiores. Levando em conta a rapidez com quevem se processando a ocupação da região, pode-se prever o desaparecimento das atuais reservasem futuro muito próximo.

Se, pelo clima e vegetação, o Norte do Paranátende a constituir uma unidade, pela geologiae formas de relevo se divide em duas provínciasdistintas: a região de Cinzas e o planalto arenito-basáltico (vide mapa 3). A região de Cinzas 12

está localizada a SE da região, ao Sul e Leste daescarpa do planalto, fazendo parte do que ospaulistas chamam de “depressão periférica”, eos paranaenses de “Segundo Planalto”. Quantoao planalto arenito-basáltico 13 , é ele parte dagrande área de ‘’trapp” que é conhecida, noParaná, como o “Terceiro Planalto”.

A região de Cinzas é constituídaprincipalmente por terrenos sedimentarespaleozóicos, do permiano e do carbonífero, emestrutura monoclinal ligeiramente inclinadapara Oeste. Esta formação é cortada porsistemas de diques de diabásio, orientados nosentido NW-SE, bem como por alguns “sills”.

Da constituição estrutural das camadassedimentares resulta o relevo escalonado típicodessa formação, com as testas das escarpasvoltadas para Leste e o topo em forma demesetas ligeiramente inclinadas para Oeste. Essaconstituição do relevo é alterada pelas freqüentesintrusões de diabásio14 : onde quer que

os “sills”

se intrometam entre os sedimentos aparecempequenas “cuestas”15 ; onde a eruptiva seapresenta em derrame, os rios que os seccionamtomam aspecto caótico, com saltos e corredeirasescalonados, espraiando-se irregularmente, àprocura de pontos de menor resistência; asmargens, freqüentemente se elevam em paredões,encaixando os cursos d’água16. Até mesmo quandoa rocha eruptiva aparece em estreitos diques, suaação se faz sentir sobre o modelo, pois a maiorresistência acarreta quebras no perfil de equilíbriodos rios que os atravessam.

Como elementos do relevo, a um tempoligados à região de Cinzas e ao planalto, careceapontar as elevações que, ao Norte e a Oestedaquela área, acompanham o traçado da escarpado Terceiro Planalto. Trata-se de testemunhasda antiga frente da ‘’cuesta”, isoladas por efeitoda erosão regressiva; normalmente capeadas porcamada pouco espessa de efusivas, sobressaemna paisagem, apresentando-se sob a forma de“cuscuzeiros” e “peões”. Nesta área, os morros-testemunhos não aparecem muito afastados daescarpa, como acontece mais para o Sul, ondechegam a distâncias da ordem de 30 Km. Osmelhores exemplos, no Norte do Paraná, são en-contrados a SE de Santo Antônio da Platina (dolado esquerdo da “percée” do rio Jacarezinho), aoS de Ribeirão do Pinhal (à direita do boqueirãodo rio Laranjinha) e na região de Araiporanga(antigo São Jerônimo da Serra), ao lado direito dasecção da escarpa pelo Tibagi.

No que se refere ao planalto arenito-basálicodo Norte do Paraná, deve ser lembrado,inicialmente, ser ele parte do grande “campode lava” que recobre o Oeste do Estado. Ageologia é a mesma para toda a região,diferenciando-se a porção que estudamos pelocapeamento de arenito que aparece no ladoocidental. A idade das atividades vulcânicas está

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limitada entre o triássico superior e o cretáceosuperior, possivelmente entre o rético e ojurássico 17 , recobrindo os derrames umembasamento de camadas espessas ehorizontais18 do arenito triássico (rético?)Botocatú, de origem eólica. A erupção deu-seatravés de fendas de tração, pelas quaisextravasaram derrames sucessivos: Viktor Leinzpôde verificar, variando conforme a região, de8 a 13 corridas de lavas. Entre um derrame eoutro houve hiatos, durante os quais abriram-se fases de sedimentação eólica, reaparecendo,em alternância com as camadas da eruptivabásica, o arenito Botucatú. Passado esseperíodo, abre-se uma fase de predominância dovulcanismo, na qual se formaram grossascamadas de basalto e no fim da erupção, oudepois de seu término, vieram se depositar sobreo “trapp” (continuamente a NW e em manchasao N), espessas formações de arenito eólico,que recebeu o nome de arenito Caiuá19 .Estruturalmente, a região está na dependênciada direção geral do periclinal da bacia Paraná-Uruguai, mergulhando as camadas para Oeste,numa inclinação que F.F. Marques de Almeidaconsidera da ordem de 1 a 3m/km20. Adrenagem é basicamente conseqüente (riosParanapanema e Ivaí), mas alguns riossubseqüentes, secundários embora, têm grandeimportância no modelado da região.

No planalto arenito-basáltico, as feiçõestopográficas são semelhantes às que descrevemospara a região de Cinzas pois, também ali, aestrutura é de camadas alternadas de resistênciadiferente, com inclinação para Oeste; as formasde relevo, no entanto, são mais acentuadas, emparte devido a erosão mais forte, com níveis debase mais baixos, em parte devido ao basaltoque, por sua resistência, contribui para sublinharos traços topográficos. De forma geral, o relevoé escalonado (donde o nome “trapp”,significando “escada”), tendo os espigões toposplanos, em forma de meseta, ou suavementearredondados21 . Os degraus do relevo seapresentam tanto nos perfis transversais quantonos 1ongitudinais dos rios. Nestes, os degraustrazem a formação de rápidos e cachoeiras, quese alternam com trechos quase planos, em queos rios correm vagarosos. No perfil transversal,as vertentes apresentam descidas suaves eabruptas que se sucedem, ficando entre elasníveis quase planos; os rios ora possuem valesabertos, ora profundamente encaixados. Estasformas de relevo parecem estar presas, comoacontece na região de Cinzas, à erosãodiferencial. Além da alternância de basaltos comarenitos, tanto na parte superior quanto nainferior do pacote de lava, é preciso lembrar queo próprio basalto apresenta diferentes graus deresistência, graças às variações de textura 22 .

Foto 2 – Aspecto do relevo do planalto arenito-basáltico a Leste do rio Tibagi. Esta fotografia, tirada na área entreCornélio Procópio e Bandeirantes, a 21 km daquela cidade (direção NW), registra os aspectos principais do relevo doplanalto arenítico-basáltico a Leste do Tibagi: suaves espigões, frequentemente coroados por elevações de basalto maisresistente ou não decomposto, como se vê à esquerda, no último plano; essas linhas de espigões são cortadas,compartimentando a topografia, pelos afluentes e sub-afluentes do Paranapanema, subsequentes, que abrem valesassimétricos, como se pode observar à direita da fotografia (foto N. L. Müller).

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As faixas de basalto com diaclases horizontaisconstituem o piso dos degraus morfológicos, oplano em que correm vagarosamente os rios; obasalto de diaclases verticais dá formas abruptas,formando as corredeiras e saltos, os declivesacentuados das vertentes23 .

Se, no conjunto do planalto arenito-basáltico, as formas topográficas têm certauniformidade, em plano menor aparecemdiferenças regionais. Entre o Itararé e o Tibagi,o planalto acha-se fortemente dissecado pelosafluentes do Paranapanema (principalmente oCinzas, o Laranjinha e o próprio Tibagi) ,apresentando grande movimentação do relevo.Na região de Cornélio Procópio, a erosão é tãoforte que tem ação mais rápida que ointemperismo, agindo sobre basaltos nãodecompostos: em conseqüência, faltafreqüentemente o solo nas partes mais altas,exatamente as mais favoráveis à cultura do café.A partir do Tibagi para Oeste, até a área deMaringá, o relevo é suave, com grandesextensões quase planas, como a do espigão queserve de divisor de águas entre as bacias do Ivaíe do Paranapanema; dentro dessa área, fazexceção a zona de Apucarana, elevação entre asBacias do Ivaí, Paranapanema e Tibagi, onde aforte erosão regressiva das cabeceiras entalhou

profundamente e trouxe o estrangulamento dasuperfície aplainada do grande espigão.Finalmente, mais para Oeste, vem a área decapeamento do “trapp” pelo arenito onde, aolado de formas tabulares, de chapadas, aparecemformas suaves de outeiros.

O planalto arenito-basáltico termina a Leste,como todo o conjunto do Terceiro Planaltoparanaense, por uma grande escarpa,dominando o Segundo Planalto, onde éfreqüentemente fronteada pelos maciçosdestacados, de topo achatado. Trata-se de umaescarpa estrutural, formada pela ação da erosãodiferencial sobre o arenito Botucatú, e as váriascamadas de basalto24 . A altitude da escarpa évariável, sendo mais elevada na área que vai deFaxinal a Araiporanga (ex-São Jerônimo daSerra), onde atinge cerca de 100m, comdesníveis da ordem de 500-600m. Mais para oNorte, perde altitude, tendo em média 700m edesníveis de 300m; mesmo assim, pode serreconhecida como continuação da escarpa, quepenetra no Estado de São Paulo sob o nome deSerra da Fartura. No Norte do Paraná, aocontrário do que acontece mais para o Sul, ondea escarpa serve de divisor de águas, a frente doplanalto é seccionada por vários rios,apresentando imponentes “percées” epigenéticas.

Foto 3 – Aspecto do relevo do planalto arenito-basáltico a Oeste do rio Tibagi. Largos espigões, de topo plano, suavementeinclinados para Oeste, são cortados por rios consequentes, afluentes ou sub-afluentes do rio Paraná. As vertentes sãofrequentemente suaves até certo ponto, para depois cairem abruptamente sobre os cursos d’água. O aspecto queregistramos, bastante característico, foi colhido a 2 km de Sarandi, na direção norte (foto N.L.Müller).

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Correspondendo às variações geológicas, oNorte do Paraná apresenta vários tipos de solos.Da decomposição dos terrenos eruptivosbásicos, provém a terra-roxa que, por variaçõesde composição, apresenta diferentes graus defertilidade25 . Esta região, de modo geral éprivilegiada, pois que nela ocorrem os dois tiposque permitem a cultura do café: a terra-roxalegítima e a terra-roxa misturada. A terra-roxalegítima aparece principalmente nos espigões,enquanto a misturada é encontrada nos vales,nas áreas vizinhas às formações do arenito Caiuáe na maioria das manchas de diabásio da regiãode Cinzas. Na área em que o basalto é capeadopelo arenito, há inversão da disposição,aparecendo a terra roxa nos vales, enquanto osespigões têm solos arenosos: fato de grandeimportância para a lavoura cafeeira que, nestescasos, ou tem que se contentar com terras altaspobres, ou precisa enfrentar o risco das geadaspara o aproveitamento das terras mais férteis.Além da terra roxa, o Norte do Paraná temgrande extensão de terras arenosas, onde querque ocorra o arenito, e os solos provenientesdas formações sedimentares permo-carboníferas daárea de Cinzas; enquanto estes últimos não são

utilizados para o café, os primeiros vêm sendoocupados pelo café, a exemplo do que aconteceuem território paulista.

O POVOAMENTO DO NORTE DO PARANÁ

O povoamento do Norte do Paraná teveinicio no século XVII, por meio dos Jesuítasque aí instalam várias missões. Esta regiãopertencia, então, à Província de Guaíra, queestava sob o domínio espanhol e foi com oconhecimento e apoio do governo da Espanhaque os missionários fundaram reduções com ointuito de reunir e catequizar os índiosGuaranis. Foi este o primeiro esboço dopovoamento que não teve, no entanto, vidalonga: já em fins do século XVII estavam asMissões inteiramente aniquiladas pelasincursões dos Bandeirantes paulistas, queexpulsaram para a margem direita do Paranáíndios e Jesuítas. Dessa primeira tentativa decolonização restam, hoje, apenas ruínas: no valedo Ivaí, as de Vila Rica e de Jesus Maria, e novale do Paranapanema, as de Loreto e de SantoInácio (vide mapa 4).

Colonização recente não dirigida na área deCinzas (I)Colonização recente não dirigida noplanalto, a Leste do Tibagi (II)

Colonização recente dirigida deiniciativa particular (III)Colonização recente dirigida deiniciativa oficial (IV)

10 0 10 20 30 40 50

Escala

N.L. MüllerDesenho Rufino

Ruínas das Missões: a) Ruínas de Vila Rica b) Ruínas Jesus Maria c) Ruínas de Loreto d) Ruínas de Santo Inácio.I – 3 – Siqueira Campos; 4 – Santo Antonio da Platina; 5 – Venceslau Brás; 6 – São José da Boa Vista.II – 1- Jataí; 2 – Araiporanga (Ex. São Jerônimo da Serra); 7 – Jacarezinho; 8 – Cambará; 9 – Bandeirantes; 10 – Cornélio Procópio.III – A – Colônia Primeiro de Maio; B – Colônia Sertanópolis; C) Colônia Zacarias de Gois; D – Área colonizada pela Companhia de Terrasdo Norte do Paraná; E) Colônia Ibiporã.IV – F – Colônia Içara; G – Colônia Paranavaí; H – Colônia Jaguapitã; I – Colônia Centenário.

Mapa 4 – Colonização do Norte do Paraná.

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Durante o século XVIII, o Norte do Paranáficou inteiramente à margem das correntes decolonização: processava-se, então, a ocupaçãodo Segundo Planalto pelos criadores que, pelaformação de “pousos”, foram disseminando asemente de futuros núcleos urbanos. A regiãose engrenou na grande via de circulação naturaldos “campos gerais”, fazendo parte do percursoseguido pelas tropas de muares que, vindas do RioGrande do Sul, demandavam o Estado de MinasGerais, então grande centro de mineração.

Foi somente em meados do século XIX quese processou a retomada da colonização doNorte do Paraná, de forma mais efetiva, masassim mesmo tímida: trata-se da fundação daColônia Militar de Jataí e dos aldeiamentos deSão Pedro de Alcântara e São Jerônimo da Serra.A Colônia Militar de Jataí foi fundada em 1855,à margem direita do Tibagi, no ponto em queeste rio começa a ser navegável; ligada por umaestrada a Curitiba, a Colônia tinha por funçãoestabelecer ligação com Mato Grosso, agindocomo posto militar avançado de proteção dessavasta área, então ameaçada pelo ditadorparaguaio, Solano Lopez. Em frente à colôniamilitar, na outra margem do Tibagi, foiposteriormente fundada a colônia de São Pedrode Alcântara, destinada a congregar oselementos civis da população e que, unida aJataí, constitui hoje a cidade de Jataizinho. Em1859, em terreno doado pelo Barão deAntonina, à beira do caminho aberto por suaordem entre Jataí e Curitiba, nasceu um terceironúcleo, São Jerônimo da Serra, hojeAraiporanga. São Jerônimo, estrategicamentesituado na orla da escarpa, constituía ponto deparada obrigatória para os viajantes, derivandodisso seu primeiro fator de desenvolvimento. Essescentros de povoamento, postos avançados decolonização num sertão ainda não desbravado,mantiveram-se como pequenos povoados até esteséculo, quando, sob o impulso da colonizaçãomoderna, começaram a se desenvolver.

A segunda metade do século XIX abriu novafase de povoamento para o Norte do Paraná,desdobrando-se pela região, numa avalanche,o manto verde dos cafezais (vide mapa 5). Essaocupação foi feita a partir de 1862, efetuando-se as primeiras penetrações através dos cursossuperior e médio do rio Itararé. Eramfazendeiros paulistas que, seguindo a marchapara Oeste do café, foram atraídos pelasmanchas de terra-roxa da região sedimentarpermo-carbonífera. Surgiram então, osprimeiros núcleos: Colônia Mineira (1862),hoje Siqueira Campos; Santo Antônio daPlantina (1866), Venceslau Brás e São José daBoa Vista (1867). Desses núcleos, que balizama frente pioneira da época, a expansãoprosseguiu para Oeste, tendo plenodesenvolvimento até o rio das Cinzas: além dele,esmorecia e perdia vitalidade. A configuraçãodo relevo contribuiu para que essa primeirapenetração cafeeira perdesse seu impulso inicial:a rede hidrográfica, correndo para o Norte, abreespigões de orientação NE-SW, quedificultavam a marcha do povoamento nosentido tradicional. Posteriormente, com aligação ferroviária Jacarezinho-Jaguariaiva-Curitiba(1930), e indiretamente atingida pela evoluçãoeconômica do planalto, a região de Cinzas foitomada de surto progressista, de que ficou àmargem apenas a área compreendida entre o rioCinzas e o Laranjinha, até hoje pouco povoada.

Ocupada a região de Cinzas, as correntes depovoamento descobriram o planalto arenito-basáltico, cuja colonização se processou em duasfases: a mais antiga, que se desenvolveu nas trêsprimeiras décadas deste século, abrangendo aárea compreendida entre o rio Itararé e o Tibagi;e a mais recente, de colonização dirigida, que,por iniciativa particular ou oficial, promoveu aocupação do planalto do Tibagi às barrancasdo rio Paraná.

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O povoamento do planalto a Leste do Tibagifoi um desenvolvimento natural da expansãodos cafeicultores paulistas que, depois daprimeira onda colonizadora, na região deCinzas, investiram para essa nova região, componto de partida em Ourinhos, atingida pela“Estrada de Ferro Sorocabana” em 1908. Aaproximação dos trilhos fora suficiente para queo povoamento, andando à sua frente, à modapaulista, já se tivesse concretizado na fundaçãode Jacarezinho (1900) e Cambará (1904). ComOurinhos como “boca de sertão” ou “ponta detrilhos”, a colonização se expandiu, surgindo

Mapa 5 – Expansão do Povoamento do Norte do Paraná (Baseado em Nilo Bernardes, op. cit.)

N. L. Müller Desenho Rufino

novos núcleos, como Bandeirantes (1921) eCornélio Procópio (1924). Embora essaocupação, facilitada pelas enormes extensões deterra-roxa, progredisse como uma ondainvasora, na sua retaguarda foram ficando vastasáreas desocupadas, à espera de ocasião oportunapara se fazer especulação com as terras; os fundosdos vales, sem valor imediato para a cultura docafé, ficaram cobertos de matas, só mais tardederrubadas para a ocupação por pastos e outrasculturas, ou em conseqüência do loteamentoem pequenas propriedades26 (vide mapa nº 6).

Mapa 6 – Divisão de terra no município de Cambará (parcial).

L. Müller

Desenho Rufin

( )

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Apesar da relativa rapidez com que seprocessou o povoamento do planalto a Lestedo Tibagi, a onda colonizadora não teve ali omesmo ímpeto que mais tarde teve a que sedesenvolveu a Oeste deste rio. A demora naprogressão dos trilhos da “Sorocabana” fez comque povoadores, temerosos de se distanciaremdemais da “boca de sertão”, que foi primeiroOurinhos (até 1925) e depois Cambará (até1930), avançassem com certa precaução. Assim,enquanto ainda tinha lugar a ocupação destaárea, já começava o povoamento a Oeste doTibagi por pioneiros vindos do Norte, atravésdo Paranapanema. Esta primeira penetraçãodo planalto, em sua porção a Oeste do Tibagi,foi realizada dentro dos moldes da colonizaçãodirigida. Tratava-se, inicialmente, de duas glebasde 50.000 hectares, cedidas pelo Governoparanaense a particulares: a mais setentrional,denominada Primeiro de Maio, ia doParanapanema ao ribeirão Biguá, afluente doTibagi; a mais meridional, chamadaSertanópolis ia deste ribeirão até o divisor deáguas dos rios Cágados e Abóboras, tambémafluentes do Tibagi, aproximadamente a 15kmao N de Jataizinho. A ocupação começou pelacolônia Primeiro de Maio, em 1923,transpondo os povoadores o Paranapanema pormeio de balsas aí construídas pelosconcessionários das terras, “Corain e Cia”. Noano seguinte, o concessionário de Sertanópolis,Leopoldo Paula Vieira, começou o povoamentode suas terras, para isso aproveitando as balsas evias de comunicação da colônia vizinha. Emambos os casos, o loteamento seguiu o planode lotes indo dos cursos d’água aos espigões,sendo as propriedades de tamanho variável:pequenas chácaras ao redor dos núcleosurbanos, vindo depois sítios e, nas partes altas,principalmente nas cabeceiras, pequenasfazendas. Mais para Oeste, à margem doParanapanema, houve posteriormente umaterceira concessão, feita a Manoel Firmino deAlmeida, que organizou o loteamento daColônia Zacarias de Góis, de progresso muitomais lento que as duas anteriores. Estas, ascolônias de Primeiro de Maio e de Sertanópolis,revestem-se de grande importância pois,

abrindo uma nova frente pioneira independentede Ourinhos

serviram de base à continuação dapenetração de Leste para Oeste e ao povoamentodo planalto a Oeste do Tibagi.

A colonização intensiva do planalto arenito-basáltico, em moldes modernos, teve início em1929 e foi obra da Companhia de Terras Nortedo Paraná. Esta organização, que empreendeuuma das mais notáveis obras de colonização noBrasil, foi fundada com capitais ingleses (1.460.000 £, em ações, e 375 000 £, em obrigações),começando por adquirir, no Estado do Paraná,uma gleba de 515.000 alqueires paulistas(12.643 km 2) Segundo parece, a Companhiaresolvera, de início, comprar essas terras paranelas fazer culturas de algodão, que viessemsubstituir a matéria prima do Sudão, onde asituação política não era, para o ImpérioBritânico, muito tranquilizadora. As primeirasviagens de reconhecimento, no entanto, de-monstraram que talvez melhores resultadosfossem obtidos com o loteamento da gleba empequenas propriedades: os colonos plantariamalgodão e, atingindo assim seu objetivoprimário, a Companhia poderia aindarecuperar, com lucros, o capital empatado.Formou-se, então, definitivamente, a ParanáPlantations Co. que, percebendo a grandeimportância que boas vias de comunicaçãoteriam para seu plano, desdobrou-se em duassubsidiárias: a Companhia de Terras Norte doParaná, que trataria da colonização, e a Cia.Ferroviária São Paulo-Paraná que, comprandoo ramal Ourinhos-Cambará, procuraria levaros trilhos até as zonas de loteamento. As duasentidades, assim entrosadas, se completavam:enquanto a colonização garantia fretes à ferrovia,esta assegurava o fluxo contínuo decolonizadores para as frentes pioneiras.

Em julho de 1929, a Companhia tomou a posseefetiva de sua enorme propriedade com a fundaçãoda cidade destinada a lhe servir de sede e de “capital”da zona por ela colonizada: Londrina. Aí instaladosos escritórios da Companhia, em verdadeira clareiraaberta na mata virgem, começaram os trabalhos delevantamento topográfico e, a seguir, os planos deloteamento, construção de estradas e localização dosnúcleos urbanos27 (vide mapa n.0 7).

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N. L. Müller Des. Rufino

Escala: 1:80.000

Mapa 7 – Tipos de loteamento da Companhia de Terras do Norte do Paraná.

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O eixo de toda a colonização, a espinhadorsal da penetração das vias de circulação, é oespigão divisor de águas entre as bacias do Ivaíe do Paranapanema, com seu topo largo e plano.Nele foram traçados os leitos da ferrovia e daestrada principal, nele foram reservadas áreaspara os principais núcleos urbanos da região.Dele saíram as estradas secundárias que,

acompanhando os contrafortes, iriam depois sedesdobrar nos caminhos vicinais, bem comoreceber os núcleos urbanos menores. Por umahierarquia de estradas e de centros urbanos, todaa área colonizada ficava engrenada no sistemade circulação, além de nenhuma propriedadeficar a mais de 15km de uma vila ou cidade 28 .

Mapa 8 – Área pertencente a Cia. de Terras do Norte do Paraná.

ÁREA PERTENCENTE A CIA DE TERRASDO NORTE DO PARANÁ

N

Campo Mourão

N.L.Müller Desenho Rufino

Escala 5 0 5 10 15 20

O loteamento começou em 1933, seguindoplanos pré-determinados. Os lotes, traçados emlongas fitas, vão dos espigões aos vales, tendo,ao mesmo tempo, frente para a aguada e para aestrada. Em média, a extensão é de 16 alqueirespaulistas, embora o tamanho, na realidade, varieconforme a localização: vão de 1 a 5 alqueiresao redor dos núcleos urbanos, passando depoispara a classe de 5 a 10 alqueires, para, nas áreasmais afastadas, atingirem superfícies que vãoacima de 10 alqueires. Acompanhando oloteamento, progrediu a estrada de ferro, quefoi atingindo sucessivamente Jataizinho (1931),

Londrina (1935). Apucarana (1937) e,recentemente, Maringá.

Em 1939, a Paraná Plantations Co. perdeu aestrada de ferro que, encampada pelo GovernoFederal, passou a fazer parte da “Rede de ViaçãoParaná-Santa Catarina” (RVPSC); quanto àCompanhia de Terras Norte do Paraná, talvezem conseqüência dos pesados impostos sobrecapitais estrangeiros, foi vendida em 1944 a umgrupo de capitalistas paulistas, passando a sechamar Companhia Melhoramentos Norte doParaná.. Sob a nova direção, a colonização nãomudou de orientação: o loteamento de terras,

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a construção de estradas e a fundação de núcleosurbanos foram sendo executados conformetinham sido planejados. Da nova administraçãoé a fundação de Maringá (1946), destinada a setornar a capital da porção mais ocidental dosdomínios da Companhia; também da nova fasesão as cidades de Apucarana, Mandaguari,Pirapó e Jandaia. Na atual frente pioneira, nazona do Ivaí, dá seus primeiros passos a futuracidade de Cianorte. Provável nova capitalregional, como Maringá e Londrina.

Quanto à estrada de ferro, deverá, com umaalteração de rumo para SW, continuar seutraçado até Guaíra, atravessando os rios Ivaí ePiriqui, estabelecendo conexão com a redeferroviária paraguaia: Santos e Assunção ficarãoligadas, assim, via Norte do Paraná.

Estimulados pelo sucesso da “Companhia deTerras Norte Paraná” e de sua sucessora, outrasiniciativas, particulares e oficiais, prosseguemna colonização da região. Entre os terrenos daCompanhia e o rio Tibagi, surgem duas novascolônias, uma particular por concessão doGoverno, Ibiporã, e outra vizinha a Jataizinho,oficial. A primeira, aberta em 1935 sob aresponsabilidade do Engº. Francisco GutierrezBeltrão, atravessada pela estrada de ferro e pelade rodagem, progrediu logo: seus lotes, namédia de 10 alqueires, foram rapidamentevendidos e ocupados, e a sede, Ibiporã, tem hojeforo de cidade. Quanto à outra área,compreendida entre a colônia Ibiporã e o rioTibagi, de cerca de 5.783 hectares, foi divididapelo Departamento de Terras e Colonização doEstado do Paraná em lotes também pequenos,no máximo de 24 hectares, estando atualmentetodos ocupados.

Contanto ainda com terras na orla da glebada “Companhia Melhoramentos Norte doParaná”, o Governo iniciou a partir de 1939, aabertura de quatro novas colônias: Içara,Jaguapitã. e Centenário, ao Norte, de áreasrelativamente pequenas, e, a Oeste a enormecolônia de Paranavaí. As colônias de Içara eJaguapitã deveriam, inicialmente, formar umtodo; no entanto, sendo constituídas por terraslocalizadas nas duas margens do rio Bandeirantedo Norte, afluente do Pirapó, tinha cada parcela

maior facilidade de comunicação com o espigãomestre do que entre si. Optou-se, pois, pelaformação de duas colônias: Içara,

em ligaçãodireta com Arapongas, e Jaguapitã, que mantémcomunicação com Rolândia. Em Içara, oloteamento foi feito em frações variáveis, de 10a 200 hectares, seguindo a norma de irem dovale ao espigão; sua ocupação foi completada,com grande sucesso, em 1941. Quanto aJaguapitã, localizada à margem direita doBandeirante do Norte, a iniciativa oficial jáencontrara ali, quando da demarcação dos lotes(1943), inúmeros “posseiros” estabelecidos: adivisão se fez, então, em áreas relativamentepequenas, de 31 hectares em média, sempre emfrações perpendiculares a rios e espigões.

A colônia Centenário, localizada entre o rioBandeirante do Norte e o Pirapó, foi aberta em1944, constituindo exceção à regra de toda aregião, pois foi loteada em grandespropriedades. Mais isolada, sem ligação diretacom o espigão mestre, sua colonização se fez apartir do Norte, através do Paranapanema, epor Porecatú, a ela ligada por uma estrada29 .

De todas as colônias oficiais, Paranavaí é amaior, indo desde os limites ocidentais das terrasda “Companhia Melhoramentos Norte doParaná” até as barrancas do rio Paraná; nosentido L-W, cobre uma extensão superior a 100km. A sede, Paranavaí, está localizada noespigão mestre, a 78 km de Maringá, no mesmoponto em que se erguera, anos atrás, a casa daresidência da antiga “Fazenda Brasileira” 30 cujasterras, hoje, constituem as da colônia. A divisãode terras da colônia Paranavaí seguiu critériosbastante variáveis. Em volta de Paranavaí, oslotes são pequenos, de 40 a 80 alqueires; maispara o Sul, os lotes são ainda menores, de 20 a70 alqueires, devido à existência da terra-roxa.Às margens do Ivaí, em virtude da escassez deaguadas e de estradas, os lotes já são bemmaiores, indo até 500 hectares. Todavia, a áreade Paranavaí não está ainda ocupada: apenetração se fez principalmente ao longo daestrada para Porto São José, enquanto que, parao Norte e Sul do espigão, as derrubadas aindase processam irregularmente, separadas porvastas áreas desocupadas.

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Essa colonização do Norte do Paraná, ligadaà expansão paulista e à marcha do café, sofreuinfiltrações de elementos estranhos a uma e aoutra. De um lado, houve a invasão de paulistasde Itararé e Faxina (atual Itapeva) que, com baseem São Sebastião do Faxinal, tomaram osflancos meridionais do espigão mestre: eramcriadores de porcos e “safristas” que,tipicamente, não chegaram a se fixar na região.Por outro lado, a região vem recebendo,recentemente, um influxo povoador partindode Campo Mourão, de colonos gaúchos ecatarinenses que, atraídos pelo renome do Nortedo Paraná, abandonaram suas policulturas paratentarem o café. Já atingida pelo Norte, porpenetrações independentes do movimento L-W, mas ainda ligadas ao café, a região recebeagora a de elementos do sul, recém-chegadosda cultura cafeeira.

A OCUPAÇÃO DO SOLO NO NORTE DOPARANÁ

A ocupação do Norte do Paraná se fez por doiselementos distintos, porém inseparáveis: acolonização rural e a fundação de núcleos urbanos.

Na colonização rural, o elemento básico daposse da terra é o café, fator da unidadepaisagística da região e de sua individualidadeno conjunto do Estado. Admitindo embora agrande importância do café, óbvia aos olhos dequalquer observador, o exame detalhadoconstata variações de forma e de intensidadena posse da terra por ele efetuada. Assim, dentrodesse conjunto uniforme em suas grandeslinhas, se o café é na maioria dos casos figura deprimeira plana, em outros pode desempenharpapel menos relevante e, até mesmo, secundário.

A área em que o café domina é a das terrasaltas, a isso obrigado pelas injunções climáticas,a fim de fugir da geada. Os pequenos espigõesde direção N-S, a Leste do Tibagi, o enormeespigão mestre que de L-W separa as bacias doIvaí e Paranapanema, bem como os espigõessecundários suficientemente amplos, – esse é o

domínio em que reina o café. No plano dos400-600 m,

ou mesmo no de 600-1.000 m, o

café dirige a ocupação do solo. Esta é bastanteuniforme: fugindo aos vales e depressões, o cafécomeça à meia-vertente a subida para o espigão,deixando as terras mais baixas para os pastos eoutras culturas. Paralelas aos cursos d’água,formam-se, assim, faixas de ocupaçãodiferenciada em altitude que, com o verdeesmaecido dos pastos e carregado dos cafezais,traçam as linhas mestras da paisagem.

Sobre esse grande cenário superpõem-se oselementos que irão diferenciar unidadespaisagísticas locais. Nas áreas em que predominaa pequena propriedade31 , aparecefreqüentemente, entre a faixa de pastos e a decafé, um terceiro domínio, representado porculturas variadas. O pequeno produtor, ositiante, de finanças mais precárias que ofazendeiro, procura prover a sua subsistência,plantando aí cereais (milho, arroz), a mandiocae outros produtos; em alguns casos, comogarantia contra os riscos apresentados por umúnico produto para venda, procura por-se asalvo das oscilações do mercado introduzindoum outro produto comercial, como o algodão.Com o acréscimo desses novos campos decultura, a paisagem diversifica-se, ganhando emvariedades e colorido. A introdução desseselementos, no entanto, só se efetua raramente:o sitiante do Norte do Paraná já está bastanteengrenado no mecanismo de especulação docafé para não procurar sempre garantias oumelhor equilíbrio financeiro. Aparece, porexemplo, nas áreas de conquista recente, onde,enquanto o café está sendo plantado ou aindanão produz, o sitiante precisa garantir amanutenção da família e contar com umelemento comercial de produção rápida, comoo algodão. Só excepcionalmente, como emalguns casos esparsos e na colônia japonesa deAssaí, o sitiante procura manter,definitivamente, a cultura diversificada. É certoque em algumas áreas ele é a isso obrigado,devido às condições locais, como nas colôniasda Içara e Jaguapitã: ocorrendo a terra-roxa em

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áreas limitadas, o sitiante é levado a adotar abatata como segundo produto comercial, a fimde aproveitar os solos arenosos. Conforme aposição do sítio, pode até mesmo acontecer umainversão na ordem da ocupação: batata nas terrasaltas, café no andar intermediário e, nas terras

mais baixas (mesmo sendo terras-roxas), ospastos e o arroz. O apelo dos altos preços pode,até mesmo, levar a soluções desesperadas: naárea de Sabaudia, em 1946, sitiantes haviamplantado o café até a beira dos rios, mesmo como risco de geadas.

Outro elemento introduzido na paisagempela predominância da pequena propriedade éo “habitat” disperso: correspondendo uma casaa cada lote, cria-se como que um corredor dehabitações, mais ou menos alinhadas à meia-vertente, separadas umas das outras por espaçosvariáveis. As habitações estão usualmentesituadas na faixa de pastos, não muito próximasdo curso d’água, quase sempre no ponto emque as vertentes deixam seu perfil de inclinaçãosuave para caírem abruptamente sobre os rios.Cercadas de árvores frutíferas, contribuem paraa humanização da paisagem, sem se falar nosacréscimos ainda trazidos pelas demaisbenfeitorias, que lhes ficam adjuntas: depósitos,celeiros, cercados para o gado ou animaisdomésticos, as próprias cercas que delimitam o

pasto. A forma de construção da residênciadenuncia, tal como a maior ou menor variedadedas culturas, a idade da ocupação do solo:quando recente, as casas são habitualmente demadeira; quando relativamente antigo, asconstruções já são de alvenaria.

Nas áreas em que a grande propriedadecoexiste com a pequena, o cenário comum àpaisagem geral de toda a região recebe tambémnovos elementos32 . O “habitat” é, então, nasáreas das fazendas, aglomerado, representadopelo núcleo de povoamento que se desenvolvejunto à sede, formado por casas de colonos edemais benfeitorias. Além disso, nas fazendas,devido à grande área facilitar a possibilidade deexistência de solos diversos, o café pode dividiras honras de produto comercial com outras

Foto 4 – A paisagem vista do espigão. Para o viajante que acompanha a estrada principal, que corre pelo espigão-mestre, o traço predominante da paisagem é o café. Os elementos que a compõem não são vislumbrados, por ocuparemas terras mais baixas.

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culturas: é o caso da região de Sertanópolis, ondea cana de açúcar, ocupando as terras baixas,marca a paisagem com seu verde claro e tenro.A usina de açúcar, também presente, completaa variação dos quadros clássicos, por suasinstalações e imponentes chaminés.

Essas paisagens, nascidas de uma ocupaçãode solo típica e generalizada, poderão, noentanto, passar despercebidas ao observadorpouco avisado. Viajando-se pela ferrovia ou pela

estrada principal, que correm pelo espigãomestre, a única visão. que se tem é a de cafezais,contínuos, quer sejam recém formados, novos,em plena produção ou, até mesmo, quandodevastados pela geada, decadentes. Para que areal ocupação seja percebida, é preciso desceras estradas secundárias e vicinais e atingir osvales: só então a paisagem aparece, completa eem todos os seus detalhes.

Essas paisagens descritas, embora sejam asmais típicas da região, podem, no entanto, sersubstituídas por variações do mesmo tema. Naregião de Cinzas, onde a terra-roxa só apareceem manchas, o café, correspondendo a essasocorrências, não mais aparece em mantocontínuo. Os cafezais surgem ilhados em áreasocupadas por pastos e outras culturas,desaparecendo a diferenciação da ocupação emandares verticais, para se impor uma variaçãono próprio plano horizontal.

Outra variação de paisagem digna de sermencionada é a das frentes pioneiras, como naárea de Paranavaí, onde a ocupação do solo,ainda em processo, cria quadros originais. Antesde mais nada, é a presença da mata, embora jáentrecortada de clareiras, principalmente aolongo da estrada. A paisagem, onde se efetua aocupação do solo, é quase caótica: entre troncosderrubados e semi-calcinados, o café, ainda nacova, coexiste com o milho ou feijão; a malconstruída habitação, freqüentemente de pau-a-

Foto 5 – A paisagem vista do vale. Descendo-se por estradas secundárias até os cursos d’água, a paisagem se diversificapela presença das casas e demais benfeitorias, dos pastos e, às vezes, de outras culturas. Na fotografia acima, tomada a5 km. de Cambará, entre esta cidade e Bandeirantes, vê-se, nas cabeceiras de um ribeirão, o aspecto típico que acimadescrevemos. As casas estão localizadas entre os pastos e o cafezal, no ponto em que a vertente deixa sua inclinaçãosuave para descer mais abruptamente (foto Ary França).

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pique ou de tábuas, reforça as cores da tomada deposse ainda indecisa; os largos e longos aceiros,muitas vezes presentes, denunciam o próximoprosseguimento da devastação pelas queimadas.

Fora da frente pioneira, que no momento seencontra além de Maringá e de Paranavaí, aspaisagens da retaguarda já se encontrambastante evoluídas. Sente-se que a ocupaçãodo solo está definida e a humanização comoque completa. Das paisagens originais muitopouco resta: as franjas de mata no fundo dosvales ou no alto dos espigões estão cada vez maisraras. O devastamento foi, aliás, extremamenterápido: em 1935 viajava-se, como conta PierreMonbeig, por entre a mata, de Bandeirantes aApucarana; em 1946, reencontramos essaexperiência somente além de Mandaguari;atualmente, para se ver a mata bordejando aestrada é preciso ir bem além de Paranavaí...No ritmo acelerado em que se vem processandoa. ocupação da terra no Norte do Paraná, é lícitoprever-se a completa humanização da paisagemem futuro muito próximo.

Ao lado da colonização rural, como elemento

distinto da ocupação, mas dela inseparável, estãoos núcleos urbanos. Só em raros casos, como node Jataizinho e de Araiporanga, as cidadesnasceram independentemente da valorização daregião em que se encontram. A fundação depatrimônios, verdadeiros embriões de cidades,segue de perto a colonização rural; o seu própriodesenvolvimento posterior está na dependênciada progressão da ocupação da terra. Há casos,como o de Sertanópolis, em que foram osmesmos elementos que contribuíram ao

povoamento rural e ao urbano: nesta colônia,constava do contrato de venda dos lotes ruraiso compromisso por parte do comprador deedificar, dentro de dois anos, uma casa no loteurbano que lhe era cedido sem ônus, como parteda transação. Em conseqüência, apesar deisolada de outras áreas de colonização, o núcleode Sertanópolis, que data de 1924, já eraelevado à vila em 1927 e à cidade em 1929.

A “Companhia de Terras Norte Paraná”,bem como sua sucessora, tem a responsabilidadeda fundação de grande número dos núcleosurbanos da região. Os principais estãolocalizados no espigão mestre, à margem daferrovia e da estrada principal, espaçados entresi por distâncias aproximadamente regulares.Essas cidades, estrategicamente localizadas empontos de que saem os contrafortes e, emconseqüência, de onde se irradiam estradassecundárias, são pequenas ‘’capitais’’ regionais,dominando, cada uma, certa área depovoamento. Algumas, mais desenvolvidas,irradiam sua influência por áreas maiores, taiscomo Londrina, Apucarana e Maringá. Alémdas cidades dos espigões, a região conta aindacom núcleos urbanos menores, localizados nosespigões secundários, que, servindo à populaçãolocal como centros comerciais de pequenoâmbito, são sobrepujados pelas cidades maioressempre que se trata de transação de vulto,procura de melhores colégios ou tratamento desaúde. O colono pode, conforme a necessidade,apelar para os recursos de centros urbanoshierarquicamente escalonados.

Foto 6 – A ocupação do solo no planalto arenítico-basáltico a Oeste do rio Tibagi. A fotografia documenta um aspectode ocupação ainda recente na área de Sarandi (direção Norte). No primeiro plano, cultura de milho, no andar deculturas variadas que se desenvolve, às vezes, entre os pastos e os cafezais. Na vertente oposta do vale, no plano médioda fotografia, vê-se a ocupação típica das terras baixas: pastos com cercados para os animais e, pouco acima, as habitaçõescercadas ou não de árvores frutíferas. Os pequenos lotes, perfeitamente visíveis, terminam na fotografia por capão demato, no centro, ou por eucaliptais, à esquerda. É na altura das matas, como se vislumbra à esquerda do capão principal,ou além delas, que se desenvolvem os cafezais (foto N. L. Müller).

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Todos os centros urbanos criados pela“Companhia de Terras” contam com plantasque denunciam haverem sido planejados comantecedência. Embora com formas variadas– elípticas, quadrangulares, em trevo oulembrando uma nave – têm todos os aspectosde cidades “criadas”, derivadas da disposição

geométrica do traçado. Mesmo o crescimentoposterior não atinge a disposição original daestrutura urbana: a Companhia, tendoreservado área para a expansão das cidades,continua a orientar os loteamentos mais recen-tes (vide mapa nº 9).

De forma geral, a urbanização do Norte doParaná tem sido surpreendentemente rápida.Em 1950, pelo último recenseamento nacional,o Norte do Paraná contava com três cidadescom mais de 10.000 habitantes: Londrina, com33.707, Apucarana, com 12.054, e Arapongas,com 11.787 habitantes. Nessa categoria, oEstado do Paraná tinha apenas mais três cidades:Curitiba (141.349 habitantes), Ponta Grossa(44.130 habitantes) e Paranaguá (16.046habitantes). Além desses três núcleos maispopulosos, o Norte do Paraná apresentava ainda,no mesmo ano, sete cidades com mais de 5.000habitantes: Cornélio Procópio (8.831 habitantes),Jacarezinho (8.343 habitantes), Rolândia (7.959habitantes), Maringá (7.389 habitantes), Cambé(6.505 habitantes), Mandaguari (6.471habitantes) e Cambará (6.108 habitantes).

Desse florescente conjunto urbano se

destaca, não apenas por sua população, a cidadede Londrina, a mais importante da região.Localizada sobre o espigão mestre, a cidade,devido ao seu plano quadrangular (vide mapa10), ultrapassa-o um tanto nos seus limitessetentrionais e meridionais,

onde atinge parte

das vertentes: por esse motivo, além daondulação suave do divisor de águas (comaltitudes locais variando entre 570-600m), atopografia urbana se movimenta para a periferia.O traçado rigorosamente geométrico superpõe-se ao terreno sem quaisquer adaptações,resultando algumas ladeiras na orla e no centroda cidade (a praça principal e a Matriz deLondrina ocupam uma pequena elevação) . Asimetria do traçado é apenas quebrada pelascurvas em S, paralelas, traçadas de L-NW pelaestrada de ferro e pelo prolongamento, dentrodo perímetro urbano, da estrada de rodagem.

Mapa 9 – Tipos de planos de cidades localizadas na área colonizada pela Companhia de Terras Norte do Paraná.

N

Escala1:80.000

.L.Müller Desenho Rufino

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Inicialmente, embora inteiramentedemarcada, Londrina cresceu ao longo daAvenida Paraná, que vem a ser o prolongamentoda rodovia, e desta avenida para o Norte, emdireção à estrada de ferro. Essa primeiraocupação seguiu certo zoneamento: enquantoo comércio se adensava na praça central e ruasvizinhas, as residências se espraiavam pelaAvenida Paraná e proximidades e osestabelecimentos de comércio atacadista epequenas indústrias procuravam a estrada de

Foto 7 – O entrosamento entre as cidades e os campos. Intimamente ligados na história do povoamento do Norte doParaná, as cidades e os campos se entrosam, frequentemente, até mesmo nas paisagens. Aqui vemos um cafezal novochegando até a altura das últimas casas de Santa Mariana (direção NE). (foto Ary França).

ferro. Posteriormente, com o crescimento dacidade, toda a área ao Sul da Avenida Paranátornou-se residencial, sendo que a SW sedesenvolve o bairro “chic” de Londrina (AvenidaHigienópolis e adjacências). Esse zoneamento,embora relativamente espontâneo, foi, noentanto, indiretamente orientado pelaCompanhia devido à diferença de preço dosterrenos.

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O desenvolvimento de Londrina,extremamente rápido, só encontra rival, emterritório paulista, na cidade de Marília33 .

N. L.Müller Desenho Rufino

ESCALA1:40.000

N

Comparando-se o número de edificações emuma e outra, o paralelismo torna-se evidente:

Mapa 10

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Paralelamente ao ritmo sempre crescente dasconstruções, a população de Londrina vemaumentando constantemente 34 :

Anos Marília Londrina

1927 ......................................... 14 ___

1928 ......................................... 686 ___

1929 ......................................... 1.084 2

1935 ........................................ 2.846 800

1943 ......................................... 4.898 2.910

1944 ......................................... 5.048 3.708

1945 ......................................... 5.232 4.080

Na constituição da população de Londrinaaparecem os principais elementos dopovoamento do próprio Norte do Paraná, comose olhássemos para uma amostra: 92,1% debrasileiros e 7,9% de estrangeiros. Do elementonacional: 70% de paulistas, 15% de mineiros,10% de paranaenses; entre os estrangeiros (numtotal de 2.682), 39% de japoneses (945) vindodepois os italianos (382), portugueses (368)espanhóis (358) alemães (193) e mais 21nacionalidades compreendendo os restantes 439.

Com o constante crescimento de suapopulação, Londrina, atualmente, conta comtoda uma constelação de “vilas”, que constituemcomo que seus bairros periféricos. Em númeroelevado, cerca de 53, essas “vilas” se desenvolveramprincipalmente ao N e a L da cidade, nascidas dasubdivisão de lotes em pequenos terrenos de baixopreço. Recentemente, esses loteamentos foramproibidos, a fim de não prejudicar o planourbanístico da cidade, dirigido pela Municipalidade.

Foto 8 – O núcleo original de Maringá. Nesta rua, prolongamento da estrada para Paranavaí, nasceu Maringá. Em1946 aí existia apenas uma vintena de casas, de madeira, pertencentes a trabalhadores da ferrovia e a alguns poucoscomerciantes. Tendo a cidade crescido noutra direção, o núcleo inicial, abstraindo-se a ausência da floresta, que nosprimeiros anos o circundava em todas as direções, tem ainda o aspecto tipicamente pioneiro. (foto N.L. Müller).

Anos Sede Restante do

município

Total

1935 4.000 11.000 15.000

1940 10.531 64.765 75.296

1945 22.500 33.000 55.50035

1950 33.70736 33.144 66.851

1953 48.000 42.000 90.000

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Verdadeira capital do Norte do Paraná,Londrina é hoje seu maior centro industrial,financeiro e comercial. Conta com 900estabelecimentos comerciais, 478 pequenas

Foto 9 – O primeiro hotel de Maringá. Apesar de acrescido de uma fachada em alvenaria, o “Hotel Maringá”, querecebeu os primeiros visitantes do que mais tarde seria uma cidade, mantém, com sua estrutura de madeira, o mesmoaspecto que tinha nos primeiros anos de vida de Maringá. (foto Ary França).

indústrias e 27 casas de crédito. As rendaspúblicas do município bem demonstram suaprogressiva importância econômica, bem comoa excepcional posição que atingiu 37 :

Com essa arrecadação, Londrina só é ultrapassada,no Estado, pelo município de Curitiba.

Ocupando o principal papel entre os núcleosurbanos da região, Londrina é secundada porApucarana e Maringá. Apucarana, já importantepor drenar a produção de toda uma vasta áreade que centraliza os meios de comunicação, teráainda maior relevância como nó decomunicações quando se completar aconstrução da ferrovia que deverá ligá-la a PontaGrossa e Paranaguá: tornar-se-á, então, o centrode reunião dos produtos de toda a região para a

exportação por esse porto paranaense. Quantoa Maringá nova “cabeça de zona” a que a“Companhia Melhoramentos Norte do Paraná”tem dedicado especial atenção, é provável quese torne, proximamente, uma grande cidade.Seu crescimento tem sido espantoso: quando avisitamos, em 1946; tinha apenas uma rua, queera a própria estrada para Paranavaí, e cerca de20 casas; hoje, com uma população de 25.000habitantes, 50 na sede, é um centro urbanodesenvolvido, febricitante, cheio de futuraspromessas que, por certo, se realizarão. Sua área

ArrecadaçãoMunicipal

ArrecadaçãoEstadual

ArrecadaçãoFederal

Total

Anos Cr$ Cr$ Cr$ Cr$1935 137.939,90 406.131,40 543. 871,301940 1.249. 222,30 5.228.397,90 1.098.563,20 7.576.183,401945 3.502.403,70 12.587.776,50 5.505. 320,90 21.595. 501,101950 15.587.129,50 60.306.607,50 29.996.341,10 105.890.078,10

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de influência, já atualmente bem demarcada,ficará provável ainda mais estabelecida depoisda construção da ferrovia para Paranaguá,quando com Apucarana, terá maior influênciaem toda a área ocidental das terras daCompanhia. O futuro delineia, ainda, odesenvolvimento de mais uma cidade, Cianorte,que, embora em seus primeiros passos, estádestinada a servir de “cabeça de zona” para a áreado Ivaí. O Norte do Paraná, bem urbanizado demodo geral, contará então com três cidades comgrande raio de ação: Londrina, Maringá eApucarana, com o possível acréscimo de Cianorte.

A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DONORTE DO PARANÁ

À guiza de fecho para este estudo do Nortedo Paraná, nada parece mais adequado que uma

visão de sua importância econômica. Osresultados obtidos por sua ocupaçãodemonstram que os recursos publicitáriosusados nos primórdios da colonização nãoforam ilusórios: o Norte do Paraná é, mesmo, a“Canaan do Brasil”.

Para comprová-lo, basta que se analise aprodução do café. Antes de mais nada, os cincoprimeiros municípios na produção cafeeira doBrasil são do Norte do Paraná (l952): BelaVista do Paraíso (2.200.000 arrobas), Apucarana(1.500.000 arrobas), Cornélio Procópio(1.457.000 arrobas),

Assaí (1.500.000 arrobas) e

Mandaguari (1.200.000 arrobas), que somam orespeitável total de 7.682.300 arrobas38 .

Se esse fato de possuir os cinco primeirosmunicípios produtores do país já lhe serve degalhardão, a produção total é também de muitasignificação, tendo crescido continuamente:

AnosProdução em

1000 KgValor da produção em

Cr$ 1000,00% na produção

do Brasil1947 89.192 591.782 9,41

1948 115.481 753.556 11,13

1949 150.255 1.236.958 14,07

1950 202.452 3.042.890 18,90

1951 173.542 2.693.627 16,07

A diminuição observada em 1951 não seprende à ocorrência de geadas, mas à naturalqueda de produção que, em geral, sucede a umano excepcional. Sendo essas oscilaçõesnormais, não se pode, no entanto, deixar denotar a constante progressão da produção

cafeeira. A pujança das terras do Norte doParaná garante esse alto nível de produção, comnotáveis índices de rendimento, especialmentesignificativos quando comparados com os doEstado de São Paulo:

Rendimento em kg/Ha Rendimento em Kg/1000 pés

Anos Norte Paraná São Paulo Norte Paraná São Paulo

1947 586 338 929 440

1948 583 423 932 552

1949 621 369 992 480

1950 758 334 1 202 432

1951 594 337 948 442

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114 Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 89-118, jan./jun. 2001

Os dados são bastante eloqüentes para quese torne necessário qualquer comentário.Mesmo levando-se em conta um possívelcansaço das terras no futuro, é certo que o Nortedo Paraná estará relativamente, sempre em boaposição na produção agrícola. Correspondendoas esperanças de colonizadores e colonos, oNorte do Paraná vem conquistando, a passoslargos e seguros, lugar de proeminente im-portância no Brasil de hoje e de amanhã.

NOTAS

1 Também nas áreas novas do Estado de São Paulo, ocafé foi plantado em terras arenosas. O extremo Oestedo Norte do Paraná é considerado, pelos fazendeirosda região, como de melhores solos que de algumasregiões arenosas de São Paulo, como, por exemplo,os da Alta Sorocabana. Este julgamento é,evidentemente, baseado na cobertura vegetal original,ali mais exuberante e densa que nesta área.

2 Adotamos, reste estudo, o limite climático do caféestabelecido por Maack em seu Mapa fitogeográficodo Estado do Paraná, 1950. Apesar de um tantootimista, parece bem mais exato que o apresentadopor Alceo Magnanini em Condições geográficas easpectos econômicos da Bacia Paraná-Uruguai.

3 Na realidade, devido aos altos preços, o café ultrapassouaí, em alguns pontos, o limite climático. Trata-se, noentanto, de áreas limitadas e de pequena produção,em que o café não domina a paisagem, podendo, porisso, ficar excluídas.

4 Para fins cartográficos, apesar da delimitaçãoestabelecida, optou-se, quase sempre, pelomapeamento do

Norte do Paraná até o paralelo de

24º S. Em alguns casos, como nos mapas fisiográficos,essa extensão é até mesmo necessária, para melhorcompreensão da parte dentro do todo – ou seja, doNorte do Paraná no conjunto do Estado. A fim demanter uniformidade e possibilitar melhorcomparação, o paralelo de 24º 5 foi então adotado.Esse limite, aliás, tem sido correntemente aceito contoa fronteira sul da região, como nos trabalhos deSalette M. Cambiaghi, O povoamento no Norte doParaná, e Nilo Bernardes, Expansão do Povoamentono Estado do

Paraná.

5 O estudo detalhado do clima do Norte do Paranáé impraticável devido à pobreza de dados existentes.Há, na região, apenas quatro postos meteorológicos,funcionando, há poucos anos, em Andirá, Jataizinho,Jacarezinho e Londrina.

6 Ruth Mattos Almeida Simões, Notas sobre o clima doParaná, p. 127.

7 Pierre Monbeig, Pionniers et planteurs de São Paulo,p. 56.

8 A composição florística foi extraída da obra de PierreMonbeig, já citada, p. 71-75.

9 Dora de Amarante Romariz, Mapa da vegetação originaldo Estado do Paraná.

10 Essa designação foi proposta por Carlos Stelfeld; emFitogeografia geral do Estado do

Paraná, a exemplo de A.

J. Sampaio em relação aos campos da Hiléia amazônica.11 Os “campos inclusos”, segundo os especialistas,

não representam formações secundárias, masremanescentes da vegetação original, posteriormentemodificada pela implantação de clima mais úmido.

12 Denominação proposta para essa área por Benevalde Oliveira, Contribuição para a divisão regional doEstado do Paraná.

13 Denominação dada por Aroldo de Azevedo, em Oplanalto brasileiro e o problema da classificação de suasformas de relevo, para todo o Terceiro Planaltoparanaense, mas que parece especialmente indicadapara o trecho deste no Norte do Paraná.

14 Baker, em Lava field of the Paraná Basin, p. 72,considera a possibilidade do Segundo Planalto tersido recoberto por massas de lava, capeamento esseque teria sido retirado por erosão depois do Mezozóicoou Cenozóico. As atuais ocorrências em forma depequenos lençóis seriam, assim, não ocasionados porextravasamento de lavas pelos diques, masremanescentes daquela cobertura.

15 F. F. Marques de Almeida, Relevo de cuestas na baciasedimentar do rio Paraná, p.25

16 A respeito, ver os relatórios de Anibal Alves Bastos,Exploração do rio Ivaí, p.112 e Exploração do rio Tibagi,p.56.

17 Viktor Leinz, Contribuição à geologia dos derramesbasálticos no Sul do Brasil.

18 Viktor Leinz, no entanto, encontrou no embasamento“indícios de falhamentos em forma de zonasmilotinizadas”, que levanta a necessidade de umarevisão neste ponto.

19 A cronologia e nomenclatura da seqüência inteirade lavas e dos arenitos intercalados, tanto na lapaquanto na capa do

derrame, não estão ainda

determinadas. Se há dúvidas na datação dos lençóisde lava e do arenito Botucatú, no caso do arenito Caiuáhá ainda maiores incertezas. Proposto por Washburne,que lhe deu idade jurássica, colocando-o entre osderrames basálticos (que seriam do triássico) e oarenito Baurú (cretáceo), o arenito de Caiuá não temsido reconhecido como formação à parte pela maioriados geólogos. Evaristo Penna Scorza está entre ospoucos que lhe concedem individualidade, embora

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115Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 89-118, jan./jun. 2001

diminua bastante a área carteada por Washburne,indicando ter havido confusão com os arenitosBotucatú e Baurú em alguns casos. Entre os demaisespecialistas, alguns, como Maack e Gordon,consideram-no como um “arenito de São BentoSuperior” (Botucatú). Crêem outros que o arenitoCaiuá é cretáceo-jurássico, constituindo um fáciesdo Baurú, corno preferem Otávio Barboza e Backer.Ruy Osório de Freitas, recentemente, segue a opinião,já esboçada por Setzer,

que o que tem sido chamado

de arenito Caiuá às vezes trata-se de arenito Baurú,outras vezes é o arenito Botucatú que, tendo formadograndes “ergs”, afloraria por não ter sido recobertopelo basalto; outras vezes, ainda, seria arenito terciário,nos vales.

20 F. F. Marques de Almeida, op. cit. p. 25.21 Os espigões principais têm altitudes variáveis,

elevando-se de L para W até a área de Arapongas-Apucarana, para depois decaírem em direção aoParaná. Para melhor esclarecimento, damos algumasaltitudes de localidades de L para W: Cambará, 448m;Santa Mariana, 484m; Londrina, 6l0m; Rolândia,765m; Arapongas, 810m; Mandaguari, 765m;Maringá, 556m e Paranavaí, 508m. A região deArapongas-Apucarana, mais elevada no conjunto,funciona como centro de dispersão da redehidrográfica local.

22 Segundo Viktor Leinz, as diferentes resistências dobasalto decorrem de diferenças de textura pelo processode resfriamento do magma. Quando a corrente derocha em fusão extravasa, a parte em contato com asuperfície do embasamento esfria com rapidez,tornando-se vítrea. A camada imediatamente superiorconsolida-se com diaclases horizontais, enquanto ocentro, que perde calor lentamente

adquire a forma

de colunas verticais; ao se aproximar do topo, surgemnovamente os basaltos com planos horizontais,superpostos pela rocha com vesículas, que se formampelo contato com o ar. A faixa de diaclases horizontaise de textura amidalóide decompõem-se maisfacilmente, dada a maior retenção da água depercolação, dando formas planas. O basalto dediaclases verticais facilita a disjunção de blocos deprumo, com solapamentos pela decomposição maisrápida do piso.

23 As formas de relevo do planalto arenito-basáltico têmaspecto de juventude embora, no dizer de Backer, possaser considerado como “uma das mais velhas topografiasjovens que se conhece”. Os aspectos que apresenta, comterraços nos cursos inferiores dos rios, podem levar àinterpretação da morfologia como sendo resultantede vários ciclos de erosão com rejuvenescimento. Emboraessa hipótese possa e tenha sido aventada, a maioria dosestudiosos opta pala interpretação do relevo comoresultante da erosão seletiva.

24 A origem da escarpa tem sido atribuída a falhas e àerosão diferencial. A concepção de sua formação comoresultado de falhas é antiga, tendo sido modernamenteaceita pelo Padre Geraldo Pauwels; embora algumasfalhas locais tenham sido observadas, ainda não foramidentificadas provas de que esse fenômeno tenhaocorrido em tão largas proporções. A teoria da gêneseda escarpa por erosão diferencial provém do

primeiro

decênio deste século, sendo mais tarde exposta porOppenheim; essa interpretação baseia-se na hipótesede que as lavas tenham sido represadas a Leste porterrenos de maior altura, provavelmente os cristalinos.Recentemente, Viktor Leinz estabeleceu a hipótese daformação original da escarpa pela acumulação de lavasno fim da corrida: tendo essa idéia ocorrido em relação àescarpa no Rio Grande do

Sul e aceita por Vitor Peluzo

Júnior para o Estado de Santa Catarina, resta comprovaraté que ponto é válida para o Estado do Paraná.

25 A terra roxa legítima é a que deriva da decomposiçãode diabásios, meláfiros e basálticos. Contem 60% deargila em sua composição e sua acidez, no estadonatural, é de 7 a 7,5. A terra roxa misturada temtambém por rocha-mater o diabásio, mas os seusdetritos se encontram misturados, por erosão oucontato, com os de terrenos areníticos. Há ainda umterceiro tipo, de ocorrência não registrada no Nortedo Paraná, a terra roxa de campo, também misturada,mas com maior proporção de arenito que a anterior.Segundo Marger Gutmans, comprovou-se recentementeque a terra roxa misturada pode ser autóctone, poisrecentes pesquisas de laboratório comprovaram aexistência de diabásios que contêm quartzo.

26 Em uma dessas áreas desocupadas, que ficaram àretaguarda da frente pioneira, foi fundada, em 1931,a colônia Assai, pertencente a uma companhiajaponesa, a “Sociedade Colonizadora do Brasil Ltda.”Nos moldes característicos da colonização que efetua,o loteamento foi feito em pequenas parcelas e osproprietários, devidamente orientados por umagrônomo, nelas se localizaram imediatamente. Nadivisão das terras a “Sociedade Colonizadora doBrasil” seguiu duas orientações: enquanto algunslotes vão dos cursos d’água aos espigões, outros vãode rio a rio. Em conseqüência. o sistema de construçãode estradas é misto: às vezes correm pelo espigão, notraçado tradicional, outras vezes correm a meia-vertente. A colônia japonesa de Assai, emboragrande produtora de café, dedica-se à policultura,nisso seguindo a praxe usualmente adotada nacolonização por elementos dessa origem.

27 A área pertencente à Companhia de Terras Norte doParaná foi dividida em “zonas” que, por sua vez, sesubdividem em “glebas”. Ha, ao todo, seis zonas:Tibagi, Pirapó e Primitiva, ao Norte do

espigão mestre,

dispostas nesta ordem de Leste para Oeste; ao Sul doespigão, na mesma direção, ficam as zonas do Rio Bom

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e Paranhos; a SO de Paranhos, na direção do rio Ivaí,fica a zona de Ivaí. As primeiras a serem colonizadasforam as de Tibagi e Pirapó, mais próximas deLondrina, logo seguidas pela do Rio Bom. A seguir,vieram as duas zonas “além Maringá”, as de Paranhose Primitiva. A mais recente, ainda em colonização, éa de Ivaí. (vide mapa n. 8).

28 De 1929 a 1935, a Companhia construiu 3.615 kmde estradas.

29 Segundo Lysia Cavalcante Bernardes, cujo trabalho Oproblema das frentes pioneiras no Estado do Paranáutilizamos amplamente para a elaboração destecapítulo, as duas frentes pioneiras na colôniaCentenário estavam, em meado de 1950, separadaspor uma faixa de 20 km de mata virgem. Atualmente,não há essa separação, estando a área toda ocupada.

30 A “Fazenda Brasileira” fora aberta para se tornar umagrande plantação de café, tendo, no entanto,fracassado. A fazenda chegou a contar, em 1929, com1.200.000 pés de

café e 1.200 famílias de colonos. A

penetração se fizera pelo Paranapanema, por elementosprovenientes de Presidente Prudente. Quando a áreareverteu para o Governo do Paraná, em 1942, afazenda contava apenas com três famílias e em seus200.000 alqueires (ou mais) havia apenas 250 emcapim colonião. Estes pastos serviam ao gado quevinha de Mato Grosso pelo Porto São José, utilizandoa estrada boiadeira que ia dar em Londrina e que foraterminada em 1937.

31 Como nas glebas correspondentes aos dos domíniosda “Companhia Melhoramentos Norte do Paraná” edas colônias Primeiro de Maio, Ibiporã e Jaguapitã.

32 Essas paisagens são comuns na parte Leste doplanalto arenito-basáltico e nas colônias deSertanópolis e Içara. Na colônia Centenário, asfazendas predominam, bem como nas áreas maisdistantes e isoladas da colônia Paranavaí.

33 Curiosamente, tanto Marília quanto Londrina sãoconhecidas pelo cognome de “cidade-menina”.

34 Dados fornecidos pela Prefeitura municipal deLondrina.

35 A diminuição da população nesse ano é conseqüênciade desmembramento do município

36 Dado do recenseamento nacional.37 Dados fornecidos pela Prefeitura Municipal de

Londrina.38 Todos os dados estatísticos para a produção do

café foram extraídos do “Anuário Estatístico

do

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Notes to North of Paraná Knowledge

ABSTRACTThis article, printed formerly in 1956 – Boletim Paulista de Geografia edition-, is the one among others remarkableworks aiming North of Paraná region. A discussion about its limits and physical aspects is followed by settling and urbanand rural patterns. Finally, throws a glance at region economic role, particularly coffee economy.

KEY-WORDS: North of Parana; physical aspects; coffee economy; settling; urban and rural space.

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119Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, jan./jun. 2001

GEOGRAFIARevista do Departamento de Geociências

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A revista GEOGRAFIA: Revista do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina,destina-se à publicação de matérias de interesse científico de qualquer área de conhecimento, desde quetenham relação com a ciência geográfica.

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2. Os originais recebidos serão submetidos à apreciação de assessores científicos que sejam especialistasreconhecidos nos temas tratados. Os trabalhos serão enviados para avaliação sem a identificação de autoria.

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4.1 Artigos: compreende textos que contenham relatos completos de estudos e pesquisas, matéria decaráter opinativo, revisões da literatura e colaborações assemelhadas (no máximo 40 páginas);

4.2 Notas prévias: comportam observações, opiniões, críticas, ponderações, explicações sobre temasde interesse do público-alvo (no máximo 6 páginas);

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5. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.

6. As provas tipográficas não serão enviadas aos autores.

7. Os autores e co-autores receberão um exemplar da revista.

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APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS

Formato: todas as colaborações devem ser enviadas em disquete, acompanhada de uma cópia impressa, comentrelinhamento um e meio, em tamanho A4 (21 x 29,7 cm). Os textos devem ser digitados no processadorMicrosoft Word.

Data de recebimento:Para publicação no 1º semestre: trabalhos recebidos até 15 de abrilPara publicação no 2º semestre: trabalhos recebidos até 15 de setembro

Texto: com intuito de agilizar o trabalho de editoração eletrônica, a digitação deverá seguir as seguintesnormas:a) não utilizar tabulações no início do parágrafo;b) colocar espaço após a pontuação;c) usar fonte (letra) padrão Times New Roman e tamanho 12, podendo-se usar negrito, itálico, sublinhado,

sobescrito e subscrito;d) apresentar o texto em um único arquivo; com exceção das ilustrações, que devem ser em arquivos separados.

Exemplo:- Texto artigo.doc- Tabela 1.xls- Figura 1.xls

Título: deve ser em português, com versão para o inglês

Autoria: deve(m) ser digitado(s) o(s) nome(s) do(s) autor(es) logo abaixo do título, indicando-se na primeiralauda do original, em nota de rodapé (com uso de asterisco), a que Instituição pertence(m), Departamentoou Unidade de Trabalho, e o endereço completo de cada um para as consultas que se fizerem necessárias(preferencialmente com e-mail).

Resumo/Palavras-chave: deve ser incluído um resumo informativo de aproximadamente 200 palavras, emportuguês, acompanhado de sua tradução para o inglês. As palavras-chave devem representar o conteúdo dotexto, em português e inglês, e não devem ultrapassar cinco (5) descritores.

Agradecimentos: agradecimentos a auxílios recebidos para a elaboração do trabalho ou mesmo à pessoas,deverão ser mencionados em nota de rodapé (com uso de asterisco) na primeira página.

Notas: notas referentes ao corpo do artigo devem ser indicadas pelo sistema numérico e inseridas no fim doartigo, antes das referências bibliográficas. Solicita-se evitar ao máximo o uso de notas.

Ilustrações (fotografias, desenhos, gráficos, mapas, quadros, tabelas etc.): deverão ser contempladas aquelasestritamente indispensáveis à clareza do texto, indicando-se no mesmo o lugar em que devem ser inseridas,como exemplificado abaixo:

TABELA Nº xxx

FIGURA Nº xxx

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121Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, jan./jun. 2001

Importante: serão publicadas somente as ilustrações em diferentes tons de cinza. Ilustrações coloridas poderãoser aceitas desde que o autor se responsabilize pelo custo das páginas respectivas ou ficam condicionadas àobtenção de recursos para publicação.

Citações bibliográficas: deverão seguir o sistema de chamada autor-data conforme as normas da ABNT(NBR 10520 – apresentação de citações em documentos) e listadas alfabeticamente no final do trabalho.Nas citações, as entradas pelo sobrenome do autor, pela instituição responsável ou título incluído na sentençadevem ser em letras maiúsculas e minúsculas, e quando estiverem entre parênteses devem ser em letras maiúsculas.Exemplos:

Barbour (1971, p.35) descreve: “o estudo da morfologia dos terrenos [...] ativos”.

Oliveira e Leonardos (1943, p.146) dizem que ...

“Apesar das aparências, a desconstrução do logocentrismo não é uma psicanálise da filosofia” (DERRIDA,1967, p.293)

Depois, é o ambiente em que vivemos: as montanhas do Rio, as velhas igrejas barrocas de Minas Gerais, asmulheres bonitas que passam pela vida, tudo isso deve ser responsável pela arquitetura meio livre e sensualque prefiro (DEPOIMENTO ..., 1978, p.101-114).

“Não se mova, faça de conta que está morta” (CLARAC e BONNIN, 1985, p..72).

As transcrições no texto de até três linhas devem estar encerradas entre aspas duplas. As aspas simples sãoutilizadas para indicar citação no interior da citação.Exemplo:Segundo Pereira de Sá (1995, p.27) [...] “por meio da mesma ‘arte de conversação’ que abrange tão extensa esignificativa parte da nossa existência cotidiana”.

As transcrições no texto com mais de três linhas devem ser destacadas com recuo de 4 cm da margem esquerda,com letra menor (tamanho 11) que a do texto utilizado e sem aspas.Exemplo:

A teleconferência permite ao indivíduo participar de um encontro nacional ou regionalsem a necessidade de deixar seu local de origem. Tipos comuns de teleconferência incluemo uso da televisão, telefone, e computador. Através de áudio conferência, utilizando acompanhia local de telefone, um sinal de áudio poder ser emitido em uma salão de qualquerdimensão (NICHOLS, 1993, p.181).

Referências Bibliográficas: deverão ser redigidas conforme as normas da ABNT (NBR 6023 – referênciasbibliográficas) e relacionados somente os trabalhos citados no artigo (NBR 6022 – apresentação de artigos empublicações periódicas).

As colaborações devem ser enviadas, acompanhadas de carta de encaminhamento, para o endereço:Geografia: Revista do Departamento de GeociênciasUniversidade Estadual de LondrinaCentro de Ciências ExatasDepartamento de GeociênciasCampus Universitário s/nCaixa Postal 600186.051-990 Londrina, Paraná

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GEOGRAFIARevista do Departamento de Geociências

NÚMEROS DISPONÍVEIS:

v.8, n.1, jan./jun.1999 ...................................................... R$ 5,00v.8, n.2, jul./dez.1999 ....................................................... R$ 5,00v.9, n.1, jan./jun.2000 ...................................................... R$ 5,00v.9, n.2, jul./dez.2000 ....................................................... R$ 5,00v.10, n.1, jan./jun.2001 .................................................... R$ 5,00

Geografia: Revista do Departamento de GeociênciasUniversidade Estadual de LondrinaCentro de Ciências ExatasDepartamento de GeociênciasCaixa Postal, 600186051-990 – Londrina – ParanáFone: (43) 371-4246 – Fax: (43) 371-4216E-mail: [email protected]

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