revista emarf vol 21

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REVISTA DA ESCOLA DA MAGISTRATURA REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, volume 21;EMARFTribunal Regional Federal da 2ª RegiãoARTIGOS NA ÁREA DE DIREITO.

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  • REVISTADA ESCOLA DA

    MAGISTRATURA REGIONAL FEDERAL DA 2 REGIO

    EMARF

    Tribunal Regional Federal da 2 Regio

    Volume 21Nov.2014/Abr.2015

  • Esta revista no pode ser reproduzida total ou parcialmente sem autorizao

    Revista da Escola da Magistratura Regional Federal / Escola da

    Magistratura Regional Federal, Tribunal Regional Federal da 2 Regio.

    N. 1 (ago. 1999)

    Rio de Janeiro: EMARF - TRF 2 Regio / RJ 2014 - volume 21, n. 1

    (nov.2014/abr.2015)

    Semestral

    Disponvel em:

    ISSN 1518-918X

    1. Direito - Peridicos. I. Escola da Magistratura Regional

    Federal.

    CDD: 340.05

  • Diretoria da EMARF

    Diretor-GeralDesembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama

    Diretor de PublicaesDesembargador Federal Luiz Antonio Soares

    Diretor de Cursos e PesquisasDesembargador Federal Aluisio Gonalves de Castro Mendes

    Diretor de Intercmbio e DifusoDesembargador Federal Augusto Guilherme Diefenthaeler

    Diretor de EstgioDesembargador Federal Marcus Abraham

    EQUIPE DA EMARFJaderson Correa dos Passos - Assessor Executivo

    Rio de JaneiroCarlos Jos dos Santos DelgadoCarlos Roberto de Assis Lopes

    Clarice de Souza Biancovilli MantoanoDiana Cordeiro Franco

    Edith Alinda Balderrama PintoFlvia Munic Medeiros Pereira

    Leila Andrade de SouzaLiana Mara Xavier de AssisLuciana de Mello Leito

    Maria Suely Nunes do NascimentoPedro Mailto de Figueiredo Lima

    Marta Geovana de OliveiraThereza Helena Perbeils Marchon

    Esprito SantoJaqueline Guioti Dalvi

    Livia Peres RangelSoraya Bassini Chamun

  • Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014/abr.2015 5

    Conselho Editorial

    Alberto Nogueira, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal aposentado, Brasil

    Alberto Nogueira Jr., Justia Federal 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Alusio Gonalves de Castro Mendes, Tribunal Regional Federal da 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Amrico Augusto Nogueira Vieira, Advogado e Professor de Direito da UFPR, Brasil

    Amrico Bed Freire Jr., Justia Federal da 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Ana Paula Vieira de Carvalho, Justia Federal da 2 Regio, Juza Federal, Brasil

    Andr Ricardo Cruz Fontes, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Artur de Brito Gueiros de Souza, Procuradoria Regional da Repblica 2 Regio, Brasil

    Caio Mrcio Gutterres Taranto, Justia Federal da 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Carlos Guilherme Francovich Lugones, Justia Federal da 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Carmem Tiburcio, Advogada, Brasil

    Celso de Albuquerque Silva, Procuradoria Regional da Repblica 2 Regio, Brasil

    Daniel Antnio de Moraes Sarmento, Procuradoria Regional da Repblica 2 Regio, Brasil

    Eugnio Rosa de Arajo, Justia Federal da 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Guilherme Couto de Castro, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Gustavo Sampaio Telles Ferreira, Universidade Federal Fluminense, Professor, Brasil

    Helena Elias Pinto, Justia Federal da 2 Regio, Juza Federal, Brasil

    Jane Reis Gonalves Pereira, Justia Federal da 2 Regio, Juza Federal, Brasil

    Leonardo Greco, Advogado, Brasil

    Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva, Justia Federal da 2 Regio, Juza Federal, Brasil

    Firly Nascimento Filho, Justia Federal da 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Flvio de Oliveira Lucas, Justia Fedeal da 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

  • 6 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v21, n.1, p.1-406 nov.2014/abr.2015

    Lus Greco, Advogado, Universidade da Alemanha, Alemanha

    Luiz Antonio Soares, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Luiz Paulo da Silva Arajo Filho, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Marcus Abraham, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Marcus Lvio Gomes, Justia Federal 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Nadia de Arajo, Procuradoria de Justia - MPRJ, Assessoria de Recursos Constitucionais, Brasil

    Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Procurador de Justia aposentado, Advogado, Brasil

    Paulo Freitas Ribeiro, Advogado, Brasil

    Poul Erik Dyrlund, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Reis Friede, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal, Brasil

    Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha, Justia Federal da 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Rodolfo Kronemberg Hartmann, Justia Federal da 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

    Rodrigo de Souza Costa, Advogado, Brasil

    Rogrio Dultra dos Santos, Universidade Federal Fluminense - UFF, Brasil

    Salete Maria Polita Maccalz, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargadora Federal, Brasil

    Srgio DAndrea Ferreira, Tribunal Regional Federal 2 Regio, Desembargador Federal aposentado, Brasil

    Silvana Batini Csar Ges, Procuradoria Regional da Repblica 2 Regio, Brasil

    Theophilo Antonio Miguel Filho, Justia Federal 2 Regio, Juiz Federal, Brasil

  • Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014/abr.2015 7

    Tribunal Regional Federal da 2 Regio

    Presidente:Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER

    Vice-Presidente:

    Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND

    Corregedor-Geral: Desembargadora Federal SALETE MACCALZ

    Membros:Desembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTO

    Desembargadora Federal VERA LCIA LIMADesembargador Federal ANTONIO IVAN ATHI

    Desembargador Federal ANDR FONTESDesembargador Federal REIS FRIEDE

    Desembargador Federal ABEL GOMESDesembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARESDesembargador Federal MESSOD AZULAY NETO

    Desembargadora Federal LANA REGUEIRADesembargador Federal GUILHERME COUTO

    Desembargador Federal GUILHERME CALMONDesembargador Federal JOS ANTONIO NEIVA

    Desembargador Federal JOS FERREIRA NEVES NETODesembargadora Federal NIZETE LOBATO RODRIGUES CARMODesembargador Federal LUIZ PAULO DA SILVA ARAJO FILHO

    Desembargador Federal ALUISIO GONALVES DE CASTRO MENDESDesembargador Federal GUILHERME DIEFENTHAELER

    Desembargador Federal MARCUS ABRAHAMDesembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

    Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRODesembargadora Federal CLAUDIA MARIA PEREIRA BASTOS NEIVA

    Desembargadora Federal LETCIA DE SANTIS MELLODesembargadora Federal SIMONE SCHREIBER

  • Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014/abr.2015 9

    SUMRiO

    A AUTOTUTELA TRiBUTRiA E O CONTRiBUiNTE ............................ 11Andr R. C. Fontes

    A RELAO ENTRE O CRiTRiO DE EqUivALNCiA E O DE ATiviDADE iNvENTivA NA ANLiSE DE PATENTES ............................................. 17

    Antonio Carlos Souza de Abrantes

    AFiNAL, PARA qUE SERvE A PENA? A TRAGDiA DA AUTORiDADE? 39Bernardo Montalvo varjo de Azevdo

    A iNFLUNCiA DA JURiSPRUDNCiA DOS CONCEiTOS E JURiSPRUDNCiA DOS iNTERESSES NA CiNCiA DO DiREiTO ..................................... 47

    Carolina Brasil Romo e Silva

    LiMiTES CONSTiTUCiONAiS AOS PODERES DE iNvESTiGAO CRiMiNAL DO MiNiSTRiO PBLiCO ............................................................... 59

    Daniel Ferreira de Melo Belchior

    A SUPREMACiA DO iNTERESSE PBLiCO qUESTiONADA NO CASO DA DEMOLiO DA iGREJA DE SO PEDRO DOS CLRiGOS DO RiO DE JANEiRO .......................................................................................... 77

    Daniela Maria Cunha de Hollanda

    DiREiTO DA CONCORRNCiA NO BRASiL: ONTEM E HOJE ........... 127Guilherme Calmon Nogueira da Gama

    DANO MORAL POR ROMPiMENTO DE NOivADO E A EXPANSO DOS DANOS iNDENiZvEiS................................................................... 151

    Joo victor Rozatti Longhi e Marcella Rosire de Oliveira

    A iNFLUNCiA DO REALiSMO NO PENSAMENTO JURDiCO: UMA ABORDAGEM TERiCO-HiSTRiCO-FiLOSFiCA E A ESCOLA DE UPSSALA ...................................................................................... 187

    Laura Magalhes de Andrade

    DA NATUREZA viESTES E NATUREZA RETORNARS: COMO O DiREiTO NASCEU DA NATUREZA E A ELA RETORNA PARA SALv-LA ........... 203

    Laone Lago

  • 10 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v21, n.1, p.1-406 nov.2014/abr.2015

    DO PENSAMENTO ANTiFORMALiSTA DE LON DUGUiT FUNO SOCiOAMBiENTAL DA PROPRiEDADE NO DiREiTO BRASiLEiRO .... 225

    Lucas Perez da Motta

    O RENASCiMENTO DA iDEiA DE COMUNiDADE iNTERNACiONAL E AS NOvAS CATEGORiAS DE NORMAS DO DiREiTO iNTERNACiONAL 241

    Luis Eduardo Bianchi Cerqueira

    ELEiES DiRETAS NA iDADE MDiA: O COUTO MiXTO ............ 261Luiz Paulo viveiros de Castro

    OS PRiNCPiOS DA BUSCA PELA vERDADE REAL E DO iN DUBiO PRO MiSERO APLiCADOS AO PROCESSO PREviDENCiRiO ................. 267

    Marcelo Leonardo Tavares

    AS NOvAS RESTRiES AO DiREiTO DE SER ELEiTO ...................... 283Paulo Roberto Brenger Alves Carneiro

    DO PRiNCPiO CONSTiTUCiONAL DO CONTRADiTRiO: vERTENTES MATERiAL E FORMAL ( LUZ DA EvOLUO JURiSPRUDENCiAL E LEGiSLATivA DO REGRAMENTO PROCESSUAL CiviL) ..................... 303

    Reis Friede

    ASPECTOS REFERENTES S FONTES DO DiREiTO NA BAiXA iDADE MDiA ............................................................................................317

    Renata Marques Osborne da Costa

    CLUSULA DE NO RESTABELECiMENTO: A NECESSRiA iNTERPRETAO RESTRiTivA DO ART. 1.147 DO CDiGO CiviL ............................... 341

    Rodrigo Leito Requena

  • Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014/abr.2015 11

    A AUTOTUTELA TRiBUTRiA E O CONTRiBUiNTE

    Andr R. C. Fontes, Desembargador no Tribunal Regional Federal da 2 Regio (Rio de Janeiro e Esprito Santo)

    Uma das consequncias mais caractersticas da tripartio dos poderes a desnecessidade dos rgos do Poder Executivo das entidades federativas terem de recorrer ao Poder Judicirio para praticar e fazer valer atos administrativos, no exerccio de suas funes. Essa concluso assinala o que se compreende por equilbrio e harmonia dos poderes, tal como se extrai da Constituio da Repblica, em seu artigo 3. A aplicao dessa disposio constitucional tem uma importncia geral como princpio para a Administrao Pblica, que se utiliza do poder de autotutela, ordinariamente, nas relaes travadas e nos eventuais conflitos com os administrados. Conceitualmente, esse poder, o de autotutela, significa que a prpria Administrao Pblica resolver os conflitos que ela trava com os particulares, e no necessitar de uma prvia interveno judiciria. So exemplos: o seu poder de revogar atos administrativos, ou de anul-los, embora precedidos de um procedimento administrativo, com ampla defesa do administrado e contraditrio. Outro bom exemplo seria a retirada de um veculo que impedisse o trnsito nas vias pblicas, a despeito de uma falta de consentimento do correspondente proprietrio.

    O reconhecimento desse princpio de autotutela administrativa somente desmentido pelas excees, que sugerem que as proibies a essa forma de tutelar, a si mesmo, so expressamente contempladas em nosso ordenamento jurdico. Refinando-se a exposio em bases mais amplas, podemos afirmar que, tanto a norma de cariz constitucional,

  • A autotutela tributria e o contribuinte

    12 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015

    como exemplo a regra proibitiva de desapropriao, sem a interveno do Judicirio, como a norma de cariz legal, na qual contm a vedao de demolir administrativamente a construo que viole a regra edilcia do art. 888, viii, do Cdigo de Processo Civil, conduzem a uma ideia explcita de proibio da autotutela, a despeito da inegvel limitao de exemplos.

    Ao analisarmos essa metodologia de concretude normativa desprovida de deciso judicial, pareceria, primeira vista, que somente uma explicao eliminaria eventuais incongruncias de um significado de texto constitucional que se mostraria injusto e indevidamente oculto no macrocosmo do sistema da Constituio da Repblica, a carecer de uma forma precisa de explicao e conhecimento. A regra disposta no art. 3 da Constituio da Repblica, por outro lado, mostra apenas, e diretamente, uma certa horizontalizao dos planos nos quais esto assentados os Poderes da Repblica, sem a particularidade que torna central e comum a designao autotutela na Administrao Pblica. A elaborao dessas ideias forma um quadro peculiar de excluso do Poder Judicirio, como um verdadeiro destaque no quadro da resoluo de conflitos em um pas democrtico, obediente lei e Constituio da Repblica. Essa tendncia incongruente e verdadeiramente oposta ao curso da importncia do Poder Judicirio na democracia brasileira no se apresenta de forma autoenunciativa e revelada, primeira vista, na compreenso das belas letras da Constituio. Ter que aclarar o que h de mais significativo, na prtica, no entendimento da no hierarquia e da harmonia entre os Poderes da Repblica soa como um desvio de um texto orientado para traar os rumos desejados pela sociedade brasileira.

    A exao , historicamente, um dos mais firmes exemplos de exceo regra da autotutela. A proibio da autotutela tributria, portanto, o guia mais puro na sntese da cobrana de tributos no Pas. Essa negao conduz ideia de que o Fisco dever cobrar os tributos mediante uma necessria interveno de outro Poder, o Poder Judicirio, a quem confiada a funo jurisdicional. Fazendo um paralelo entre o sistema geral da autotutela para a Administrao Pblica e a proibio de ser ela, a autotutela, usada para a cobrana de tributos, h de se indagar a possibilidade de a Administrao Tributria valer-se (ou poder se valer), de algum modo, da sistemtica comum, usada pela Administrao Pblica em geral, ao exercer a autotutela tributria no conflito com os contribuintes.

  • Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015 13

    Andr R. C. Fontes

    Ao se mostrar certa unidade e um paralelismo entre a Administrao Pblica e a Administrao Tributria, tomar situaes como equivalentes pode significar resposta positiva indagao, aparentemente contraditria, de que a Administrao Pblica poderia e a Administrao Tributria no poderia se valer da autotutela, razes que levariam a uma ter o poder se repetiriam para aquela que no teria o poder.

    Cada um dos trs Poderes da Repblica utiliza-se de alguma maneira da ideia de harmonia, segundo as bases de sua natureza e contedo. Administrao Pblica a autotutela atribuda, grosso modo, para impedir que um Poder, como o caso do Poder Executivo, que exerce primordialmente a funo administrativa, necessite de verdadeiras muletas do Judicirio para fazer valer suas decises. A compreenso da metfora das muletas a de no anular do Executivo em sua condio de Poder e reduzi-lo situao de caudatrio do Poder Judicirio.

    A estrutura constitucional, definitivamente, no contemplaria uma desqualificao do Poder Executivo, se quisermos apresentar uma sntese negativa e contundente das proposies feitas. A aplicao de noes que afastem a autotutela seria inaceitvel, se uma s palavra pudesse traduzir o ponto central a que converge toda a exposio. O desdobramento contrrio a essa linha de raciocnio encerraria uma violao ao que h de mais fundamental no princpio da harmonia entre os Poderes da Repblica, que se extrai do art. 3 de nossa Constituio.

    de ofuscante nitidez que, ao Poder Legislativo, tal princpio de harmonia no teria essa mencionada destinao. que, por exercer, primordialmente, a funo normativa, a ideia de atos concretos somente ocorreria para os atos administrativos que praticasse e, nesse particular, lhe seria aplicvel, igualmente, o poder de autotutela administrativa. Afinal, se partiria da ideia de que, tambm com relao a ele, a harmonia entre os Poderes seria aplicada, mediante a excluso do Poder Judicirio no controle dos atos administrativos a serem praticados. Ao determinar o lugar da autotutela no espao da Administrao Pblica, e tambm no mbito da Administrao Pblica do Poder Legislativo, devem-se aceitar tais ideias, sem considerar o exerccio eventual da funo jurisdicional pelo Poder Legislativo na conhecida e assim chamada pelos estudiosos de jurisdio anmala, como, seria exemplo, o julgamento do Presidente da Repblica

  • A autotutela tributria e o contribuinte

    14 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015

    pelo Senado Federal, j que encontraria na prpria jurisdio, com poder de executio, o cumprimento de deciso jurisdicional.

    Ao se reconhecer a veracidade de tais assertivas, uma afirmao to contundente de certeza da aplicao da noo de autotutela administrativa para a Administrao Tributria exigiria uma imprescindvel ressalva: a de que ela no significar uma forma de execuo administrativa de crditos tributrios. Tampouco ter por objetivo a proposio de formas novas de desfazimento da relao ou situaes administrativas por anulao ou revogao para o atendimento da finalidade pblica. Ela significar, em verdade, a observncia da legalidade objetiva.

    Uma concluso de a Administrao Tributria poder utilizar a autotutela administrativa deve, antes de tudo, reforar a premissa fundamental da legalidade tributria, que no deve passar em branco. Assim interpretando, o Fisco, ao velar pela observncia da legalidade dos tributos na sua cobrana, deve sempre levar em considerao que a Administrao Tributria, ao constatar a ausncia de legalidade na cobrana de um tributo, outra atitude no dever tomar, seno a de anular o ato praticado.

    Essa anulao no se dar pela regular forma de atuao da Administrao Tributria como espcie de Administrao Pblica embora as razes que essa ltima tenha no exclua a igual atuao daquela. Mas, diversamente da Administrao Pblica normalmente considerada, a Administrao Tributria deve, invariavelmente, pautar-se pela legalidade, porque no h atuao do Fisco sem lei. E o objetivo do Fisco o de prover os cofres pblicos de renda para o Estado realizar as suas funes. Na Administrao Pblica, o atuar o de realizar a misso do Estado de se pautar na lei com o fim de atender ao interesse pblico.

    Duas misses que compartilham as Administraes Pblica e Tributria: a primeira, de atuao mais geral de atendimento do interesse pblico, tal como a lei o determina; e, de modo especfico, a segunda misso ser a atuao da Administrao Tributria em prover o Estado de recursos para que a primeira (a Administrao Pblica) realize sua misso constitucional.

    Fica a indagao se a autotutela da Administrao Tributria significar um atuar em favor do contribuinte. A melhor resposta a de que o atuar contra a lei, aqum da lei, alm da lei ou sem a lei, um atuar em desacordo

  • Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015 15

    Andr R. C. Fontes

    com a noo de Estado Democrtico de Direito e configura desatender vontade soberana do povo nos seus fins primordiais. O Estado que no pauta a sua atuao pelas prprias leis que cria no , e nunca deve ser, o Estado que foi criado por nossos constituintes em 1988. Se o resultado prtico significar que o contribuinte o beneficiado, uma de duas: ou o Estado agiu errado, porque no observou a lei na sua aplicao, ou o Estado agiu errado ao no retomar a legalidade com relao ao ato injustamente praticado. O triunfo da legalidade significar muito mais do que a tutela dos direitos do contribuinte; significar o retorno concreto ao Estado de Direito.

    De todo o modo, ficar o contribuinte apto a utilizar as formas de controle jurisdicional dos atos da Administrao Pblica, seja a Tributria ou no. E o sentido que desempenhar a provocao de uma tutela jurisdicional, a legalidade, nesse aspecto, dever ser observada e restituda pelo Poder Juridicirio, que tem outra legalidade a observar, na sua prtica institucional, aquela estampada no princpio da vinculao da jurisdio lei e ao direito.

  • Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014/abr.2015 17

    A RELAO ENTRE O CRiTRiO DE EqUivALNCiA E O DE ATiviDADE

    iNvENTivA NA ANLiSE DE PATENTESAntonio Carlos Souza de Abrantes - Mestrado em Engenharia

    Biomdica pela UFRJ, Doutorado em Histria das Cincias pela COC/FIOCRUZ, Autor do livro Introduo ao Sistema de

    Patentes, Chefe da Diviso de Computao e Eletrnica da Diretoria de Patentes no INPI1

    1. INTRODuO

    O artigo 8 da Lei de Propriedade industrial n 99279/96 estabelece que patentevel a inveno que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicao industrial. O artigo 13 da LPi estabelece que a inveno dotada de atividade inventiva sempre que, para um tcnico no assunto, no decorra de maneira evidente ou bvia do estado da tcnica. Segundo Rodrigo Souto Maior: O bvio significa aquilo que no vai alm do progresso normal da tecnologia; que meramente decorrer de forma natural e lgica do estado da tcnica, que no implica o exerccio de tcnica ou habilidade outra que a esperada de um tcnico com conhecimento mdio do assunto. Para Gabriel Leonardos:

    mesmo assegurando-se os elementos necessrios correta identificao do requisito da atividade inventiva, esse critrio por demais subjetivo, afinal o que talvez seja inventivo portanto, no bvio para um tcnico no assunto talvez no seja para um outro. Alm disso, em se tratando de patentes examinadas e concedidas h vrios anos, o mesmo tcnico, que hoje est influenciado por

    1 As opinies aqui manifestadas refletem posies pessoais do autor e no representam necessariamente o posicionamento oficial do INPI sobre o tema

  • A relao entre o critrio de equivalncia e o de atividade inventiva na anlise de patentes

    18 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015

    uma tecnologia bem mais moderna em relao aquela criada e desenvolvida antes, e para quem tudo que antigo bvio deve se transportar para a poca do depsito do pedido.2

    A extenso da proteo da patente, no deve se ater ao teor estritamente literal das reivindicaes (artigo 41 da LPi) aplicando-se a chamada doutrina de equivalentes (artigo 186 da LPi). Segundo o TJESP3 na reproduo no autorizada de elementos essenciais de invento patenteado, mesmo havendo diferenciaes, estas no so levadas em conta, pois a usurpao da idia que caracteriza a contrafao, cabendo pedido de perdas e danos. Este mesmo parecer cita comentrio de Gama Cerqueira:

    o objeto do direito do inventor no o produto material em que se concretiza a inveno, nem o processo ou os meios descritos pelo inventor. O produto obtido ou o processo criado no constitui seno uma forma de realizao do invento. O que importa a idia da inveno, a idia de soluo, cuja usurpao caracteriza o delito.

    Segundo o Des. Adroaldo Furtado Fabrcio do Tribunal de Justia do Rio Grande Sul em Taurus Blindagens v. Pier Luigi Nava4, titular da patente Pi7804777, para um capacete esportivo

    constitui contrafao, no sentido que infringe o privilgio, a fabricao de produto com aproveitamento da idia inventiva bsica protegida, ainda que sem completa e absoluta correspondncia com a descrio patenteada, merc de acrscimos e alteraes que, quela estranhos, todavia no a desfiguram .

    A proposta deste artigo mostrar que estas duas anlises: a de atividade inventiva para concesso da patente e a equivalncia para caracterizao

    2 LEONARDOS, Gabriel Francisco; AMARAL, Rafael Lacaz. Atividade inventiva e suficincia descritiva o perito do juzo como tcnico no assunto. Revista da Associao Brasileira da Propriedade Industrial, n.100, p.32-43, maio/junho 20093 TJSP, EI, n.43135-1 SP de 30.04.85 in RJTJSP/Lex-95/318-323 apud Propriedade Industrial: poltica, jurisprudncia, doutrina, Aurlio Wander Bastos, p. 51 e 924 Apelao Civil Nmero: 588003582 Tribunal: Tribunal de Justia do RS Seo: CIVEL Tipo de Processo: Apelao Cvel rgo Julgador: Sexta Cmara Cvel Deciso: Acrdo Relator: Adroaldo Furtado Fabrcio Comarca de Origem: PORTO ALEGRE Revista de Jurisprudncia: RJTJRS, v-131/426 Data de Julgamento: 17/05/1988, TJRS, AI n588.026.484 Caxias do Sul, de 28.06.88 in RJTJRS-133/188-190, apud Propriedade Industrial: poltica, jurisprudncia, doutrina, Aurlio Wander Bastos, p. 61, apud Delimitao do escopo da patente, Ivan Bacellar Ahlert, in. Criaes Industriais, Segredos de Negcio e Concorrncia Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), So Paulo: Saraiva, 2007, srie GVLaw, p.175, apud Uma Introduo propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 469, apud. Patentes de inveno: extenso da proteo e hipteses de violao, Fernando Eid Philipp, So Paulo:Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p.115 e 153

  • Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015 19

    Antonio Carlos Souza de Abrantes

    da contrafao no esto desconectadas entre si, mas devem estabelecer uma correspondncia de modo a garantir o equilbrio de interesses entre titular e sociedade no sistema de patentes.

    2. A HIPTESE DE EquILBRIO ENTRE EquIVALNCIA E ATIVIDADE INVENTIVA

    Um meio deve em geral ser considerado equivalente ao descrito quando bvio para um tcnico no assunto executa a mesma funo substancialmente do mesmo modo para obter o mesmo resultado que o elemento, objeto da patente, definido na reivindicao. isto pode ser entendido como relacionado com o requisito de patenteabilidade de uma inveno: dado que uma inveno s patentevel seno for bvia luz do estado da tcnica, o escopo da patente deve se estender tambm aos meios cuja substituio seria bvia para um tcnico no assunto.5

    Denis Barbosa segue o mesmo raciocnio:

    haver equivalncia quando seja bvio para uma pessoa versada na tcnica (tcnico no assunto) que o mesmo resultado alcanado por meio do elemento como expresso na reivindicao pode ser alcanado por meio do elemento equivalente, existente no produto alegadamente infringente. Assim, quando o resultado alcanado no seja bvio, a equivalncia no aplicvel6

    e ainda

    na verdade, as noes de equivalncia e de atividade inventiva tiveram processos histricos entrelaados, especialmente sob a vigncia da lei francesa de patentes de 1844. O mesmo princpio que, num eixo temporal, diferencia um invento patentevel pois dotado de atividade inventiva do estado da tcnica, aplicvel no eixo da anlise de infringncia, para saber se uma varivel to prxima que resulta em contrafao, ou distante o suficiente para constituir em aperfeioamento e assim entendem tanto o direito francs, quanto o italiano e [...] a prtica americana7.

    5 Comentrios Lei de Propriedade Industrial e correlatos, Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira, Rio de Janeiro:Renovar, 2001, p. 3586 apud Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, Denis Barbosa, in. Criaes Industriais, Segredos de Negcio e Concorrncia Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), So Paulo: Saraiva, 2007, srie GVLaw, p.2417 apud Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, Denis Barbosa, in. Criaes Industriais, Segredos

  • A relao entre o critrio de equivalncia e o de atividade inventiva na anlise de patentes

    20 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015

    Segundo Thomas Adam8: ao aplicar o mesmo padro de um lado, ao titular da patente e do outro lado aos seus concorrentes o objetivo da Lei de patentes de equilibrar interesses competitivos e com isso criando igualdade de armas.

    Ao comparar o teste de atividade inventiva de uma inveno frente a uma anterioridade e o teste de contrafao de uma patente Roubier conclui:

    se por um lado nos dois casos a comparao deve se estabelecer a partir dos elementos essenciais caractersticos da patente, por outro lado,a apreciao das anterioridades deve se fazer a partir das diferenas ao passo que a apreciao da contrafao deve ser feita a partir das semelhanas9.

    A contrafao deve ser apreciada pelas suas semelhanas e no pelas suas diferenas10. Para Eugne Pouillet:

    Na maioria das vezes so observadas diferenas entre o objeto patenteado e objeto contrafator que visam esconder da infrao. Por isso, uma boa regra a seguir julgar a infrao pelas semelhanas e no pelas diferenas. No entanto acrescento - e esta a mesma regra em sentido inverso - pouco importa que o objeto supostamente infrator poderia, com a ajuda de fcil modificao substituir o objeto patenteado; se de fato o diferente, no h infrao.11

    Mesmo que sejam detectados acrscimos no objeto contrafeito isto no tem qualquer efeito na anlise de contrafao, que est interessada em identificar os elementos essenciais da reivindicao da patente no objeto contrafeito. Neste caso a anlise feita buscando-se as semelhanas entre objeto contrafeito e a patente. Por outro lado, estes acrscimos sero

    de Negcio e Concorrncia Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), So Paulo: Saraiva, 2007, srie GVLaw, p.249 apud Atividade Inventiva como requisito de objetividade, Denis Barbosa, Revista Criao, n.1, p.43, Rio de Janeiro:IBPI, 2008 http://www.denisbarbosa.addr.com/atividade.pdf, O contributo mnimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mnima. Denis Borges Barbosa, Rodrigo Souto Maior, Carolina Tinoco Ramos, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.418 O escopo das patentes e a doutrina dos equivalentes: aspectos crticos, Thomas Adam, in Scientia 2000: propriedade intelectual para a academia. Org. Claudia Ins Chamas, Fiocruz, MCT, Fundao Konrad Adenauer, 2003, p.239 Patentes de inveno: extenso da proteo e hipteses de violao, Fernando Eid Philipp, So Paulo:Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p.15610 Patentes de inveno: extenso da proteo e hipteses de violao, Fernando Eid Philipp, So Paulo:Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p.15411 POUILLET, Eugne. Trait Theorique et Pratique des Brevets dInvention et de la Contrefaon. Marchal et Bilard:Paris, 1889, p.602

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    Antonio Carlos Souza de Abrantes

    fundamentais para se avaliar a atividade inventiva deste aperfeioamento, que feita, portanto, com base nas diferenas entre o estado da tcnica e a soluo proposta.

    Da mesma forma que h uma correspondncia entre equivalncia e anlise de atividade inventiva, tambm existe uma correspondncia entre a contrafao literal e a anlise de novidade. Assuma que A tenha concedida uma patente de uma caneta. O concorrente B solicita uma patente para mesma caneta com uma borracha fixada a uma de suas extremidades. O infringement test for anticipation trabalha por hiptese com o seguinte conceito: imagine que A fosse inventado posteriormente a B. Se B reivindicasse apenas a caneta ento A configuraria uma contrafao de B. Assim, neste caso A poderia ser usado como anterioridade para B. No caso da B reivindicar a caneta com borracha fixada na extremidade, A se inventado posteriormente no configuraria uma contrafao, pois no dispe de todos os elementos essenciais da reivindicao de B. Neste caso A no poderia ser usado como anterioridade contra novidade de B. O infringement test for antecipation tem sido aplicado pelo Federal Circuit desde sua criao em outubro de 1982.12 Para propsitos de antecipao por novidade, como de contrafao, no importa se o item antecipado (ou em contrafao) contenha elementos em adio queles especificados na reivindicao da patente em questo. Para um documento para atingir a novidade de um pedido de patente o mesmo deve contemplar todos os elementos pleiteados na reivindicao, da mesma forma na contrafao literal todos os elementos da reivindicao devem ser encontrados no objeto acusado de contrafao, aplica-se neste caso a simetria entre anlise de novidade com a contrafao literal.

    Donald Chisum destaca princpio fixado pela Suprema Corte em Knapp v. Morss 150 US 221 (1893) e em Peters v. Active Mfg. 129 US 530 (1899) de que aquilo ser contrafao, se posterior, ser considerado antecipando a novidade, se anterior (that which will infringe, if later, will anticipate, if earlier). 13 Este entendimento tambm foi corroborado em Bristol Myers Squibb v. Bem venue Labs.14 Neste sentido Lewmar Marine inc. v. Barient 12 CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.3-3713 CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.3-3614 246 F.3d 1368, 1378 (Fed.Cir.2001) cf. BROWN, Anne; POLYAKOV, Mark. The accidental and inherent anticipation doutrines: where do we stand and where are we going ? The John Marshall Review of Intellectual Property Law, v.63, 2004, p.88

  • A relao entre o critrio de equivalncia e o de atividade inventiva na anlise de patentes

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    inc (1987)15 modificou o teste para aquilo ser contrafao literal, se posterior, ser considerado antecipando a novidade, se anterior (that which literally will infringe, if later in time, anticipates if earlier than the date of invention). At a Reforma de 1952 as Cortes entendiam a antecipao como se referindo tanto a novidade como no obviedade. Na medida em que a lei de 1952 delimitou o conceito de no obviedade, ento o conceito de antecipation passa a ser utilizado apenas para fins de novidade. Nos casos em que haja contrafao pela doutrina de equivalentes, a rigor, a simetria se faz com o conceito de no obviedade. Assim se um documento constitui contrafao por equivalncia se apresentado posteriormente, ento ele configura uma anterioridade por obviedade se anterior, ou seja, a rigor, j no se fala em antecipation neste caso.

    Na doutrina nacional encontramos amparo para tais conceitos que relacionam equivalncia no momento da contrafao com a anlise de atividade inventiva quando da concesso da patente. Segundo os integrantes do escritrio Dannemann, Siemsen, Bigler & ipanema Moreira16:

    se uma concretizao que se alega infringir uma reivindicao de patente resulta de forma bvia do estado da tcnica, essa concretizao no deve ser considerada como estando no escopo de tal reivindicao. Por outro lado, se a referida concretizao no for bvia luz do estado da tcnica, pode-se considerar que h infrao por equivalncia se essa concretizao deriva de forma bvia dos ensinamentos da patente, contanto, claro, que o escopo pretendido seja razoavelmente suportado pelos termos das reivindicaes.

    ivan Ahlert explica:

    Se um determinado produto em anlise para determinao de infrao de uma patente bvio frente ao estado da tcnica (i.e., o estado da tcnica relativo quela patente), ento evidentemente esse produto no pode estar dentro do escopo de proteo da patente, porque a reivindicao dessa patente seria nula se cobrisse matria bvia. Por outro lado, se o produto apresenta caractersticas que no configuram infrao literal da reivindicao da patente, mas constituem alteraes bvias das caractersticas reivindicadas, ento poder haver infrao por equivalncia.17

    15 827 F.2d 744, 3 USPQ2d 1766 (Fed.Cir.1987) cert. denied 484 US 1007 (1988)16 IDS-Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual - Comentrios Lei Da Propriedade Industrial, Rio de Janeiro:Ed. Renovar 2005.17 Pibrasil 20 de abril de 2010

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    Segundo Gabriel di Blasi na anlise de infrao deve-se investigar o fato de a variante construtiva de produto produzir um efeito material bvio para um tcnico versado no assunto na data de publicao da patente. No caso deste efeito no ser considerado bvio a variante est fora do escopo da reivindicao da patente. Ainda que este efeito seja considerado bvio deve-se investigar ainda, se um tcnico no assunto iria concluir a partir do texto da reivindicao que o titular da patente de fato queria estabelecer que sua proteo no estava vinculada ao significado mais estrito do texto da reivindicao. Neste caso, mesmo com texto restrito, a patente possui escopo mais amplo e a variante considerada dentro de seu escopo e, portanto, equivalente a descrio da reivindicao. 18

    Se X tem atividade inventiva em relao a Y e Y de domnio pblico ento concedida a patente X no seria justo que dentro do escopo da patente X estivesse Y pois isso representaria a transferncia para o domnio privado de algo antes de domnio pblico, ou seja, um nus para sociedade. Podemos, portanto, dizer que se um concorrente fabrica Y, este no tido como contrafao de X. Por outro lado, se X bvio diante de Y ento X no deveria ter a patente concedida, porm se este mesmo Y tivesse data de publicao posterior a data de depsito de X, o que levaria a concesso da patente X, ento Y seria contrafao de X, caso contrrio a patente X teria um escopo restrito interpretao literal de sua reivindicao. Todas as variaes bvias em torno de X esto dentro de seu escopo. O equilbrio na avaliao de atividade inventiva na patenteabilidade e equivalncia na contrafao garante a harmonia de interesses entre titular e sociedade.

    Este entendimento pode ser observado em diversas decises judiciais. O TJRS em Planti Center ind. v. Semeato S.A. ind. Com. 19

    As pequenas alteraes no invento patenteado pela autora, levadas cabo pela r, como bem disse e apurou o douto perito do juzo, por seu turno, no implicaram em produto novo. Ao contrrio, o sistema patenteado foi utilizado como ncleo, em cima do qual foram introduzidas pequenas melhorias pela r, que posso, sem medo de errar, nomin-las de maquiagem do produto registrado,

    18 A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferncia de tecnologia. Gabriel Di Blasi, Ed. Forense: 2010, p.25619 Nmero: 70021626734 Tribunal: Tribunal de Justia do RS Seo: CIVEL Tipo de Processo: Apelao Cvel rgo Julgador: Dcima Quarta Cmara Cvel Deciso: Acrdo Relator: Niwton Carpes da Silva Comarca de Origem: Comarca de Passo Fundo Data de Julgamento: 22/07/2010 Publicao: Dirio da Justia do dia 30/07/2010

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    24 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015

    com o escopo de gerar insegurana na comunidade cientfica e tcnica ao efeito de apresent-lo como novidade [...] Essas pequenas nuances, por no alterarem o sistema registrado e inventado pela autora, no desnatura a contrafao.

    Segundo o TJPR pequenos detalhes de aperfeioamento do invento no descaracterizam a contrafao [...] As alteraes no so um novo invento, mas aperfeioamento do j existente20.

    Segundo o STF21 as diferenas acidentais de forma no devem ser levadas em considerao para se considerar o novo modelo, nem excluem a contrafao. No livro Propriedade industrial aplicada: reflexes para o magistrado direcionado para magistrados dito:

    Outro fator que deve ser considerado no momento de interpretar a abrangncia de uma reivindicao reside na argumentao utilizada pelo titular durante o exame de seu pedido ou em algum procedimento de questionamento da validade de sua patente22.

    Em TJRS em Politorno Mveis v. Ditlia Mveis ind.23 o juiz conclui:

    o que importa ressaltar justamente o ato inventivo (cabideiro mvel) desenvolvido pela autora, ato que no foi contrafeito pela requerida (em seu mvel, o cabideiro fixo). Foi este ato inventivo (cabideiro mvel) que recebeu a proteo, pois foi ele que avanou no estado da tcnica.

    3. A RELAO ENTRE A ANLISE DE CONTRAFAO E A FASE ADMINISTRATIVA PARA CONCESSO DA PATENTE

    Se de fato faz sentido estabelecer um equilbrio entre o nvel de inventividade exigido na concesso de uma patente e a avaliao da 20 TJPR Apelao Cvel n.12779-1 de 02/10/1990 Pedro Leopoldo Menta e Mapelon Ind. e Com. De Mquinas Agrcolas Ltda., relator: Des. Nunes do Nascimento, apud Patentes de inveno: extenso da proteo e hipteses de violao, Fernando Eid Philipp, So Paulo:Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p.12521 AG 19621, relator: Ministro Lafayette de Andrada J.1958.06.10 Segunda Turma, ementrio do STF vol 8.01 p.25 RTJ vol. 6.01 p.01 apud Uma introduo Propriedade Intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 481 apud Usucapio de patentes e outros estudos de propriedade industrial, Denis Barbosa. Rio de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.13622 Propriedade industrial aplicada: reflexes para o magistrado. Braslia : CNI, 2013, p.41 http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_24/2013/05/24/404/20130524150112242823i.pdf23 TJRS, AC 70014724405, Politorno Mveis v. DItlia Mveis Ind, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Comarca: Bento Gonalves, Dcima Cmara Cvel, Data de Julgamento: 31/08/2006

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    extenso de uma patente na fase de contrafao, ento podemos entender que as declaraes da titular da patente na fase administrativa junto ao iNPi, ao justificar sua patente diante do estado da tcnica, podero ser utilizadas para fins de aferio na fase de contrafao. Na deciso Festo24 de 2000 o Federal Circuit redefiniu a interao entre duas doutrinas da Lei de patentes: a doutrina de equivalentes e a Prosecution History Estoppel (File History ou File Wrapper Estoppel arquivo envolto), limitando o alcance da primeira. Emendas realizadas no quadro reivindicatrio ao longo da histria do processamento da patente no sentido de restringir seu escopo no podero ser posteriormente pleiteadas pelo titular, alegando a doutrina de equivalentes25. Joseph Root destaca que a doutrina do prosecution disclaimer tem cada vez mais exercido papel em se restringir a aplicao da doutrina de equivalentes.26

    O caso Festo julgado pela Suprema Corte27 estabeleceu um contraponto entre a doutrina de equivalentes que tende a ampliar os diretos do titular e ao mesmo tempo usar o histrico do processamento para restringir os direitos do titular:

    a linguagem utilizada nas reivindicaes de patente no pode capturar cada nuance da inveno ou descrever com completa preciso os limites de sua novidade. Se patentes sempre fossem interpretadas de forma literal, seu valor seria enormemente diminudo. Substitutos sem importncia ou insignificantes para certos elementos poderiam malograr uma patente e seu valor para os inventores poderia ser destrudo pelo simples ato de copiar a inveno. Por esta razo, a regra mais clara da interpretao de uma patente, o literarismo, pode economizar recursos judiciais mas no necessariamente a regra mais eficiente. O escopo de uma patente no limitado a seus termos literais mas ao invs disso abarca todos os equivalentes da reivindicao descrita.28

    24 Festo Corp v. Shoketsu Kinzoku Kogyo Kabushiki Co 234 F.3d 558, Fed. Cir. 2000 apud apud Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, Denis Barbosa, in. Criaes Industriais, Segredos de Negcio e Concorrncia Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), So Paulo: Saraiva, 2007, srie GVLaw, p.21525 http://www.fredlaw.com/articles/ip/inte_1203_rd_mpb.html ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.8426 ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.6827 Fest Corp. v.Shoketsu Kinzoku Kogyo Kabushiki Co. Ltd. 535 US 722 (2002) cf. MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.26928 MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age.

  • A relao entre o critrio de equivalncia e o de atividade inventiva na anlise de patentes

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    A doutrina de prosecution history estoppel garante que a doutrina de equivalncia mantenha-se restrita a seu propsito original sem ampliaes de proteo indevidas:

    a doutrina de equivalentes tem como premissa a inabilidade em se capturar em palavras a essncia da inveno, contudo uma anterioridade descrevendo um elemento preciso em questo desfaz essa premissa. Nos casos em que a histria administrativa da patente revela que o inventor voltou sua ateno para a matria em questo, ele tinha o conhecimento de como se expressar de forma ampla ou restrita na reivindicao, e afirmativamente escolheu a forma mais restrita.29

    Aps esta deciso os titulares nos Estados Unidos tornaram-se mais cautelosos em reivindicar patentes amplas para posterior restrio30. Para Philip Grubb aps Festo os agentes de propriedade industrial passaram a recomendar aos requerentes de patentes escreverem tantas reivindicaes quanto possveis. 31

    A patente de Festo refere-se a dois cilindros retentores unidirecionais dotados de luva magnetizvel. O objeto acusado de contrafao mostrava um nico cilindro retentor bidirecional dotado de luva no magnetizvel. As diferenas incidiam, portanto, exatamente nas partes que o titular havia emendado suas reivindicaes tendo em vista as anterioridades apontadas pelo USPTO quando da concesso da patente.32 O estoppel somente no ser aplicado para as emendas verdadeiramente cosmticas, que no atingem o escopo da reivindicao. 33 Como o requerente concordou com a restrio, presume-se que ele abriu mo desta matria e, portanto, no poder pleite-la como dentro do escopo de sua patente. A exceo a esta regra ser quando o titular conseguir provar que a matria objeto de contrafao, que incide na regio delimitada entre a reivindicao originalmente proposta e a reivindicao emendada, constitui matria no prevista (unforeseeable) pelo titular quando concordou em restringir

    Aspen Publishers, 2006. p.27129 MERGES.op.cit.p.27330 http://www.ladas.com/Patents/Biotechnology/USPharmPatentLaw/USPhar29.html31 GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.339, 42432 PARK, Jae Hun. Patents and industry standards. US:Edward Elgar 2010, p. 10133 MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.274

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    sua reivindicao ou que possuem uma relao meramente perifrica (tangential relationship) com as razes que o levaram a restrio do quadro, ou seja, que tal reformulao ocorreu por razes no relacionadas patenteabilidade.

    Ou seja, o titular ao fazer emendas restritivas no quadro s est abrindo mo dos trechos objetos da restrio:

    uma restrio feita por qualquer razo em relao a patenteabilidade pode criar uma limitao posterior do titular em usar a doutrina de equivalentes. Tal limitao contudo no significa que todos os equivalentes da matria que foi objeto de restrio estejam fora do escopo da patente, tal fato somente ir ocorrer se o titular fracassar em superar a presuno de que abriu mo de tais elementos34.

    Joseph Root, contudo destaca que em geral as Cortes tendem a assumir uma interpretao bastante restritiva do escopo de uma patente:

    quase como se a Corte dissesse que sim, uma emenda no levanta qualquer problema no escopo da patente se ela for considerada meramente tangencial, mas se ela fosse realmente tangencial, o titular no teria feito esta emenda em seu pedido. 35

    A Suprema Corte em deciso de 2002 do caso Festo36 entendeu que qualquer restrio feita pelo titular durante o processamento do pedido, independente do motivo ser evitar um documento do estado da tcnica ou apenas por questes de melhor clareza, implica que o mesmo abriu mo do terreno cedido, no podendo aplicar a doutrina de equivalente quando de uma contrafao para tentar resgatar este terreno cedido (territory surrendered is not an equivalent of the territory claimed). Se a aplicao da doutrina de equivalentes nestes casos de restrio dependesse dos motivos da restrio isto causaria uma incerteza muito grande ao pblico quanto aos limites efetivos da patente concedida.

    Por outro lado a Suprema Corte entendeu que para aquelas questes

    34 a narrowing amendment made for any reason related to patentability can create an estoppel limiting what a patentee can assert as a scope of equivalents. That estoppel, however, does not absolutely bar all equivalents for the narrowed limitation unless the patentee fails to overcome a presumption of surrender Patent World , agosto 2002, p.12-1435 ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.9536 Festo Corp v. Shoketsu Kinzoku Kogyo Kabushiki Co, 535 US 722 (2002)

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    no discutidas na fase de tramitao do pedido junto ao USPTO, caberia continuar aplicando a doutrina de equivalente para a verso restrita da patente concedida, ou seja, temos uma flexible bar ao invs de uma complete bar na aplicao da doutrina de equivalentes para tal emenda restringida durante a tramitao da patente junto ao USPTO. Estes casos aplicam-se especialmente quando as questes de equivalncia discutidas na fase de contrafao tem relao apenas tangencial com as questes discutidas na tramitao da patente ou para os casos em que a equivalncia ocorrer por uso de tecnologias modernas, no previstas quando das emendas feitas na patente. No se trata de um restrio total (complete bar), pois a redao de uma patente nunca ser perfeita o suficiente para admitir apenas a situao de infrao literal: as Cortes podem presumir que o texto emendado foi feito tendo conscincia desta regra e que o territrio que o titular concordou em abrir mo no ser contabilizado como equivalente do territrio reivindicado. 37 Esta posio de Festo na perspectiva de Robert Merges um foreseeble bar, ou seja, restrio previsvel, o titular no est restrito interpretao literal de sua reivindicao emendada, tampouco a uma aplicao livre da doutrina de equivalentes, mas uma soluo de compromisso onde sua patente no ter o alcance de proteger aquilo que abriu mo durante o processamento de sua patente. 38

    Joseph Root destaca em que embora o caso Festo trate do efeito de emendas restritivas empreendidas pelo titular durante o processamento da patente, o mesmo tambm se aplica a argumentos usados pelo titular no necessariamente relativos a emendas no quadro reivindicatrio, desde que tais argumentos sejam claros e inquestionveis clear an unmistakable. Em Conoco inc v. Energy & Envir. int. 39 a patente tratava da aplicao de agentes redutores do arrasto por frico em dutos de leo, utilizando-se cidos graxos. Foi questionada a falta de atividade inventiva diante de anterioridade que mostrava a aplicao de estearatos metlicos. No processo do pedido de patente o titular argumentou pela no equivalncia entre os dois materiais. A Corte aceitou o argumento e destacou que isso no significa que o titular tenha desistido de todos os equivalentes dos cidos graxos como dentro do escopo de sua patente.

    37 MERGES.op.cit.p.27638 MERGES.op.cit.p.27739 460 F.3d 1349 (Fed.Cir.2006) cf. ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.86

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    Philip Grubb exemplifica a aplicao da doutrina de file wrapper estoppel. Considere uma reivindicao que pleiteie uma composio com uma faixa preferencial de ureia de 1 a 20% e uma segunda reivindicao independente em que esta mesma composio pleiteada com uma subfaixa de 1 a 10%. Uma vez encontrado um documento de anterioridade, durante o processamento do pedido de patente, com composio com 18% de uria, o requerente retirou a primeira reivindicao, permanecendo na patente concedida apenas a reivindicao mais restrita. Para Philip Grubb uma composio no mercado com 13% de ureia no seria considerada contrafao, pois que o requerente quando do processamento durante o processamento teve a oportunidade de ajustar a faixa de valores de uria para a qual ele considerava como essencial para sua inveno a ponto de diferenci-la da anterioridade que apresentava percentual de 18%. 40 Se o pedido originalmente fosse depositado apenas com a reivindicao de 1 a 10% de ureia, sem qualquer recuo diante do estado da tcnica durante o processamento do pedido de patente, um composto de 13% de ureia poderia ser considerado contrafao por equivalncia.

    Este entendimento, contudo, encontra resistncias na prtica europeia. Na Alemanha a Suprema Corte em Kunststoffrohrteil (2002, GRUR 511) claramente recusou a aplicao da prosecution history stoppel. A High Court da inglaterra mostrou relutncia em aplicar a historia administrativa no escritrio de patentes para interpretar uma reivindicao nos casos Kirin-Amgen v. Roche Diagnostics41 e Kirin Amgen v. Hoescht Marion Roussel. 42 Na Holanda a Suprema Corte de Justia (Hoge Raad) sustentou que a informao contida nos arquivos do escritrio de patente da fase processual da patente nunca podero ser usadas para interpretar a patente, ainda que tais arquivos estejam acessveis a terceiros43. Segundo Jan Brinkhof:

    As Cortes da inglaterra, Holanda e Alemanha certamente desencorajam, se no probem, o uso dos arquivos do processamento da patente na fase administrativa no escritrio de patentes como

    40 GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.42341 High Court 11 de abril de 2001, 2001 EWHC Pat 43342 Court of appeal 31 julho 2002, 2002 EWCA Civ 1096. BRINKHOF, Jan. Extent of protection: are the national differences eliminated ? . In:KUR, Annette; LUGINBUHL, Stefan; WAAE, Eskil. ...und sie bewegt sich doch !

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    30 Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.1-406 nov.2014./abr.2015

    auxiliar na interpretao de uma reivindicao. Existem boas razes para isso: o sentido de uma patente no deve mudar em funo do tcnico no assunto ter acesso a tais arquivos. 44

    Uma defesa utilizada pelos acusados de contrafao na inglaterra mostrar que o objeto acusado constitui decorrncia bvia do estado da tcnica poca do depsito da patente em questo, e portanto ou encontra-se fora do escopo da patente ou ento a patente abrange matria no inventiva o que a torna passvel de nulidade. Esta defesa utilizada pela primeira vez em Gillette Safety Razor v. Anglo American Trading (1913) 30 RPC 465 (House of Lords) tornou-se conhecida como defesa Gillette.45 Na inglaterra as reivindicaes delimitam de forma limitativa o escopo de proteo da patente e no com o intuito de estender a proteo, de forma que o que no reivindicado tido como fora da proteo da patente46. Tal estratgia conhecida como fence post, ou seja, as reivindicaes delimitam estacas que demarcam o escopo da patente. Na Alemanha ao se avaliar as reivindicaes estas no deve se restringir ao seu sentido literal, mas devem ser interpretadas conforme o sentido inferido por um tcnico no assunto a partir da redao das reivindicaes47. Esta estratgia conhecida como sign post, ou seja, as reivindicaes sinalizam um conceito inventivo genrico, objeto da proteo, ou uma kerntheorie, um ncleo da inveno48.

    Na Sucia em deciso da Corte Distrital de Estocolmo em Aventis Pharma v Bristol Myers Squibb, conclui-se que no se aplica a doutrina de equivalentes quando a ampliao do escopo da patente levaria a uma superposio com o estado da tcnica conhecido poca do dia de depsito da patente, ou seja, o que se encontra no domnio pblico no

    44 BRINKHOF, op.cit.p. 10545 GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.43846 Electric and Musical Industries Ltd. vs. Lissen Ltd. (1938) 56 RPC 23 [UK] the function of the claims is to define clearly and with precision the monopoly claimed, so that others may know the exact boundary of the area within which they will be trespassers. Their primary object is to limit and not to extend the monopoly. What is not claimed is disclaimed. The claims must undoubtedly be read as part of the entire document and not as a separate document; but the forbidden field must be found in the language of the claims and not elsewhere, in. The enforcement of intellectual property rights: a case book, Louis Harms,WIPO, 2008, p.25147 CUTTER I, BGH, 12/03/2002 XZR 168/00, In assessing whether use is being made of the invention protected under patent, the contents of the patent claims must first be established, on the basis of the specialists understanding that is to say, the meaning inferred by the specialist from the wording of the claims, in. The enforcement of intellectual property rights: a case book, Louis Harms,WIPO, 2008, p.253, 26848 in: The enforcement of intellectual property rights: a case book, Louis Harms,WIPO, 2008, p. 275

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    pode passar a constituir objeto de proteo de uma patente posteriormente concedida. Dito de outra forma, o que considerado bvio para um tcnico no assunto no dia do depsito no pode ser objeto de proteo de uma patente sob amparo da doutrina de equivalentes. A deciso Svea Court of Appeal, in DeLaval v Lely, de 2008 confirmou os pontos principais da interpretao das Cortes suecas da doutrina de equivalentes.49

    Para Jan Brinkhof as patentes na inglaterra so vistas como restrio liberdade de modo que seus limites devem ser definidos de uma forma exata. A certeza legal das patentes concedidas possuem um aspecto central nesta perspectiva. Para Philip Grubb:

    sob o olhar europeu parece estranho que, caso tenha havido uma restrio na reivindicao [durante o processamento do pedido de patente] uma melhoria inventiva de uma inveno patenteada mais provvel de ser considerada infrao por equivalncia (porque imprevista) do que uma cpia prxima feita apenas para evitar a infrao literal.50

    4. A quESTO DAS PATENTES DE APERFEIOAMENTO E A DOuTRINA DE EquIVALNCIA REVERSA

    Deve-se observar que um aperfeioamento Y da patente X poder justificar uma nova patente caso este acrscimo apresente atividade inventiva, porm no necessariamente a contrafao de Y estar descaracterizada. Considere uma patente motor caracterizado pelos elementos A e B. Um aperfeioamento Y substitui B por C de modo inventivo, melhorando o desempenho do motor. A patente Y portanto caracterizada pelos elementos A e C. Neste caso Y no contrafao de X, porque como a substituio de B por C considerada inventiva, a mesma no tida como equivalente. Considere uma segunda situao em que o motor Y uma patente dependente do motor X, por exemplo Y caracterizado pelos elementos A, B e C, considerado novo e inventivo, onde C permite agregar uma nova funcionalidade ao motor. O motor em Y opera

    49 The Swedish Doctrine of Equivalence Bengt Domeij, 2010 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=166616650 GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.425

  • A relao entre o critrio de equivalncia e o de atividade inventiva na anlise de patentes

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    da mesma forma que em X, porm agregando esta nova funcionalidade C que justifica a concesso da patente Y. Este um caso tpico de patentes dependentes, pois o fabricante de Y estar em contrafao com X. Portanto, um aperfeioamento da patente original X, que justifique uma nova patente Y, no necessariamente ir configurar uma situao de contrafao.

    Fernando Philipp observa que a explorao de patentes dependentes exigem licena dos titulares das patentes s quais dependem e cita ditado de Paul Mathly: aperfeioar contrafazer. Segundo Gama Cerqueira:

    se a modificao introduzida no produto privilegiado puder ser considerada como aperfeioamento privilegivel nos termos da lei, ainda assim haver infrao da patente, se o seu autor fabricar o produto sem licena do concessionrio 51.

    Segundo Denis Barbosa52

    suponhamos, primeiramente, o acrscimo na combinao. O invento consiste na combinao de A+B+C e o parmetro infrator seria A+B+C+D. Trs hipteses podem ocorrer: (a) D uma variante neutra em face reivindicao. H obviamente contrafao, (b) A juno de D combinao constitui efeito novo, distinto de A+B+C. No h contrafao, (c) D introduz um aperfeioamento a A+B+C. O invento novo, se patentevel, dependente do anterior.

    Tendo em vista os casos de aperfeioamentos dotados de uma atividade inventiva significativa, Robert Merges defende o abrandamento da doutrina de equivalentes a ponto de em alguns casos, mesmo uma soluo alternativa que seja literalmente descrita nas reivindicaes poderia ser considerada como no infringente patente padro53. Robert Merges e Richard Nelson citam o caso da patente pioneira da Texas da calculadora de bolso. Uma vez tendo sido divulgada a patente, surgiram diversos aperfeioamentos, jamais imaginados pelos titulares da patente original. O Federal Circuit entendeu

    51 apud Patentes de inveno: extenso da proteo e hipteses de violao, Fernando Eid Philipp, So Paulo:Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p.12452 Uma Introduo propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 39753 MERGES, Robert. Intellectual property rights and bargaining breakdown: the case of blocking patents, Tennessee Law Review, v.62, 1994. http://scholarship.law.berkeley.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2300&context=facpubs apud Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, Denis Barbosa, in. Criaes Industriais, Segredos de Negcio e Concorrncia Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), So Paulo: Saraiva, 2007, srie GVLaw, p.226 apud Usucapio de patentes e outros estudos de propriedade industrial, Denis Barbosa. Rio de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.152

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    que aperfeioamentos significativos sobre a patente original tornavam o dispositivo aperfeioado como no sendo contrafao da patente original. A Corte conclui que

    no total as mudanas tecnolgicas vo alm do que os inventores revelaram e assim transcendem [...] os limites razoveis [...] e lanam os dispositivos acusados para alm de simplesmente estarem dentro do escopo da patente da Texas instruments.54

    Em Boyden Power Brake a patente de George Westinghouse tratava de um sistema de freios em locomotivas baseado em ar comprimido foi aperfeioada de forma substancial por George Boyden. A Suprema Corte conclui que mesmo havendo infrao literal da reivindicao isto no significava infrao aos direitos do titular da patente, uma vez que embora os dois dispositivos desempenhem a mesma funo, os mecanismos para realizao destas funes eram to distintos que no se podia consider-los equivalentes 55:

    ns somos induzidos a olhar de modo favorvel a este dispositivo, no somente porque novo e manifestamente distante do princpio da patente de Westinghouse, mas porque resolve de uma forma mais simples o problema da ao rpida de frenagem, enquanto a patente de Westinghouse no provou ser bem sucedida sem que certos elementos adicionais sejam incorporados a ela.56

    Enquanto na doutrina de equivalentes o conceito o de investigar se dois objetos diferentes so equivalentes, caso em que h contrafao, a doutrina de equivalncia reversa trabalha com um conceito simtrico a este, ou seja, se dois objetos iguais no so equivalentes ento no h contrafao. Segundo Graver Tank & Mfg. Co. v. Linde Air Prods. Co57. (1950) quando um produto modificado em seus princpios de um produto patenteado que executa funo similar de um modo substancialmente diferente, mas que apesar disso ainda incide no texto literal das palavras usadas na reivindicao, ento a doutrina de equivalentes pode ser usada para restringir o escopo 54 Texas Instruments v. ITC, 805, Federal Reports 2d 1558 (Federal Circuit, 1986) cf. MERGES, Robert; NELSON, Richard. On limiting or encouraging rivalry in technical progress: the effect of patent scope decisions. Journal of Economic Behaviour and Organization, v.25, 1994, p.1255 PARK,Jae Hun. Patents and Industry Standards,Edward Elgar, 2010, p. 104.56 MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.29357 339 US 605 cf. MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p. 263, 294

  • A relao entre o critrio de equivalncia e o de atividade inventiva na anlise de patentes

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    da reivindicao e livrar o produto acusado da caracterizao de uma contrafao58:

    nos casos em que um dispositivo modifica muito o princpio usado em um produto patenteado, mas que execute a mesma funo ou a esta similar, de modo substancialmente diferente, mas que ainda assim incide dentro do escopo literal da reivindicao, a doutrina de equivalentes pode ser usada para restringir a reivindicao e assim o produto acusado da caracterizao de uma contrafao.59

    A doutrina, contudo, raramente aplicada e o Federal Circuit em Tate Access Floors v. interface Architectural Resources60 sugeriu que a doutrina foi descontinuada com o Patent Act de 195261 e se refere a esta doutrina como uma exceo anacrnica, longamente mencionada mas raramente aplicada.62. Nos raros casos em que foi aplicada a doutrina de equivalncia reversa, a mesma foi aplicada em inveno radicais de biotecnologia, e serviu como forma de evitar o titular impedir aperfeioamentos radicais de uma tecnologia63. Richard Posner destaca que a doutrina de equivalncia reversa foi recebida com certa indiferena pelo Federal Circuit que pode estar se revertendo aps Amgen inc. v. Hoeschst64.

    5. AS HIPTESES ALTERNATIVAS DE AFERIO DE EquIVALNCIA E ATIVIDADE INVENTIVA

    A tese de se aplicar nveis similares na avaliao de equivalncia nos casos de contrafao, com os nveis de atividade inventiva quando da concesso da patente, contudo, no est isenta de crticas. Balmes Garcia, baseado na

    58 Introduction to the Reverse Doctrine of Equivalents in US Patent Law. http://groups.google.com/group/colaw/web/introduction-to-the-reverse-doctrine-of-equivalents-in-us-patent-law?pli=159 PARK,Jae Hun. Patents and Industry Standards,Edward Elgar, 2010, p. 10460 110 279 F.3d 1357, 1368 (Fed. Cir. 2002) cf. BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.12861 LEMLEY, Mark. Software Patents and the Return of Functional Claiming, 2012, p. http://ssrn.com/abstract=211730262 MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.29463 Scripps Clinic & Research Found. V. Genentech 927 F.2d 1565, 1581 (Fed.Cir.1991) cf. BURK, LEMLEY,op.cit.p.148 nota 1864 314, F.3d. 1313, 1351 (Fed.Cir.2003) LANDES, William; POSNER, Richard. The economic structure of intellectual property law. Cambridge:Harvard University Press, 2003, p.317

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    doutrina francesa, alega que no se deve confundir a etapa de determinao da equivalncia na fase de patenteabilidade (como critrio de no obviedade para concesso de uma patente) e a equivalncia na determinao da extenso da proteo conferida pela patente quando da apreciao da contrafao, pois os mesmos tm diferentes nveis de calibrao65:

    comparando a noo de meios equivalentes quanto patenteabilidade e contrafao, percebe-se, a despeito da quase coincidncia de ambas, que a segunda mais rigorosa que a primeira, podendo a nova inveno escapar determinada anterioridade, vindo a no ser alcanada pela no evidncia em relao a ser considerada patentevel e, contudo, ser, ainda assim, considerada contrafao, no escapando noo de equivalncia empregada nesta anlise [...] A equivalncia na patenteabilidade pressupe um resultado de mesmo grau ou de idntica qualidade.

    Por outro lado, a caracterizao da contrafao por equivalncia muito mais simples: basta que o resultado seja semelhante. Adam Jaffe e Josh Lerner tambm parece concordar que deve se aplicar pesos diferentes na anlise de no obviedade e contrafao na medida em que observam que enquanto as cortes exigem clear and convincing evidence para um terceiro anular uma patente, o titular de uma patente basta mostrar preponderance of the evidence de que h contrafao, o que para os autores mostra uma balana favorvel aos titulares da patente66, pois parece indicar que mais fcil incidir em contrafao do que anular uma patente.

    Portanto, segundo esta argumentao, como a contrafao se caracteriza pelo resultado semelhante, a substituio de um agente por outro, totalmente diferente em sua essncia, mas executando a mesma funo e atingindo os mesmos resultados pode justificar uma nova patente, porm constitui contrafao por equivalncia. Um aperfeioamento de objeto conhecido pode ser considerado inventivo diante de objeto patenteado conhecido do estado da tcnica e merecer uma nova patente (escapando determinada anterioridade), porm constituir contrafao deste mesmo objeto patenteado do estado da tcnica. Por exemplo, considere uma patente de mvel fixado por cola. Um segundo pedido de patente solicitado para

    65 Contrafao de patentes, Balmes Vega Garcia, So Paulo: LTR, 2004, p. 6866 JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 3454/5128 (kindle version)

  • A relao entre o critrio de equivalncia e o de atividade inventiva na anlise de patentes

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    o mesmo mvel fixado por um engenhoso mecanismo de fixao. Nesta perspectiva de critrios diferenciados de obviedade e equivalncia este segundo pedido poderia ser considerado inventivo, ou seja, no bvio substituir a cola por este engenhoso mecanismo de fixao, mas ainda assim ser considerado contrafao uma vez que ambos so vistos como equivalentes por alcanarem resultados semelhantes.

    Neste perspectiva se X tem atividade inventiva em relao a Y e Y de domnio pblico ento concedida a patente X poderamos ter a situao em que Y est dentro do escopo de X. Esta situao no seria justa, pois isso representaria a transferncia para o domnio privado de algo antes de domnio pblico, ou seja, um nus para sociedade. Ademais considerar matrias tidas como no bvias na fase de patenteabilidade como dentro do escopo da patente, representa um aumento indevido do escopo da patente, situao apontada por exemplo, pela deciso do caso Festo na Suprema Corte dos Estados Unidos. Esta perspectiva pode significar patentes de escopo excessivamente amplo (nus para a sociedade) e no representar o melhor equilbrio de interesses entre o inventor e a sociedade. Com patentes excessivamente amplas podero ocorrer problemas adicionalmente de dupla proteo, ou intercesso entre os direitos de duas patentes em vigor.

    Outra possibilidade seria a situao em que se X bvio diante de Y ento X no deveria ter a patente concedida, porm se este mesmo Y tivesse data de publicao posterior data de depsito de X, o que levaria a concesso da patente X, ento Y poderia no ser contrafao de X. Neste caso a patente X teria um escopo restrito interpretao literal de sua reivindicao. Este cenrio o que encontramos na proteo de inovaes incrementais como modelos de utilidade, que exige nveis menores de inventividade e de outro lado aplica com bastante limitao a doutrina de equivalentes. Na medida em que este mecanismo consegue incentivar as inovaes em inventores com menos recursos para inovao tais como pequenas e mdias empresas nacionais, consegue-se equilibrar os interesses do titulares com os da sociedade ao se conceder patentes de escopo de proteo restrita.

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    Antonio Carlos Souza de Abrantes

    6. CONCLuSO

    Este artigo analisou as relaes entre a anlise de atividade inventiva na fase administrativa do pedido de patente junto ao iNPi com os critrios de equivalncia utilizados na anlise de contrafao. O estudo mostra que deve haver uma relao entre os dois critrios para que possa existir um equilbrio entre os interesses dos titulares das patentes e a sociedade. variaes de uma patente concedida consideradas pelo prprio titular durante a tramitao no iNPi como distintas de sua inveno e, portanto, como no vlidas para atacar a atividade inventiva de seu pedido, no podero ser usadas na fase de contrafao como dentro do escopo de sua patente pela doutrina de equivalentes. Por outro lado, aperfeioamentos considerados inventivos de uma patente concedida, em que novos elementos sejam a esta agregados sem se desfigurar os elementos essenciais da patente, podero justificar novas patentes (dependentes da mesma) sem que isto desconfigure a situao de contrafao visto que os elementos essenciais da mesma encontram-se reproduzidos seguindo as mesmas funcionalidades originais. Esta inter-relao entre critrios adotadas na fase administrativa e de contrafao refora a importncia da aproximao entre as decises das Cortes de Justia e do iNPi, como forma de garantir o melhor equilbrio entre os direitos dos titulares e a sociedade.

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    AFiNAL, PARA qUE SERvE A PENA? A TRAGDiA DA AUTORiDADE?

    Por Bernardo Montalvo Varjo de Azevdo1

    RESuMO: O texto pretende fazer a crnica da tragdia da autoridade. Para tanto, o texto toma como ponto de partida o problema do direito de punir da autoridade. Afinal, o ato de punir um grande desafio manuteno de toda e qualquer autoridade.

    PALAvRAS-CHAvE: 1. Sano; 2. Autoridade; 3. Legitimidade.

    1. AS TENTATIVAS DE RESPOSTA.

    Esta pergunta, ao longo da histria, j recebeu, como se sabe, muitas respostas. H quem diga que a pena tem por finalidade a retribuio. H os que dizem que ela objetiva a preveno de futuros delitos. Entre esses, h os que asseguram que ela se presta a reintegrar o condenado sociedade. Sem falar naqueles que afirmam, com toda segurana, que ela serve para intimidar a sociedade como um todo e que, por isso, utiliza o condenado como exemplo. H, ainda, aqueles que afirmam que ela se destina tanto a retribuir como a prevenir. Existem, tambm, os que asseveram que ela serve para garantir ao condenado um mnimo de direitos durante o cumprimento da pena. Mas,afinal, para que ela serve?

    H quem afirme que ela serve para orientar a sociedade, uma vez que indica os comportamentos permitidos e os proibidos. H quem jure que ela serve para intimar o autor do delito. H, tambm, aqueles que afirmam,

    1 Professor-assistente da Faculdade de Direito da UFBA junto cadeira de Teoria do Direito.

  • Afinal, para que serve a pena? A tragdia da autoridade?

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    categoricamente, que ela se destina a restabelecer a confiana depositada na norma jurdica. Como se no bastasse todas essas respostas, h, ainda, aqueles que sustentam que ela se destina a aplacar o clamor social. Mas h, tambm, os que dizem que ela se presta a fazer justia. Com o que no concordamoutros mais cticos, que preferem defender que ela serve para oprimir as classes sociais menos favorecidas economicamente. Ao que, outros respondem que ela,na verdade, se presta a tratar os indivduos perigosos. Mas, finalmente, para que serve a pena?

    E ser que a pena, o castigo, a sano tem uma finalidade? Ser? Como se viu, muitos, muitos autores j tentaram responder esta pergunta. Mas, por favor, me perdoe pela insistncia, nada quero insinuar com esta repetio de perguntas, mas ser que a pena tem uma finalidade? Ser que ela um meio para alcanar um determinado objetivo? Ou ser que ela no teria fim? E ser que h fim? Ou o fim, na realidade, apenas o meio? Nem o comeo, nem o prprio fim, mas apenas o meio? Afinal, no princpio existia o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus. Ele estava no princpio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele; e sem ele nada foi feito.2.

    2. uMA NOVA POSSIBILIDADE DE RESPOSTA?

    Como toda pergunta exige uma tentativa de resposta, e como diversas tentativas j foram feitas ao longo do tempo, ser que seria inteligente enveredar pelo mesmo caminho? Ser que o caminho a trilha de tijolos amarelos que leva ao Mundo Fantstico de Oz?3 Ser que h caminho? Ou ser que a ideia de que h um caminho no mais uma das tentaes que Mefistfeles coloca no caminho de Fausto?4 que Deus esse, vingativo e ardiloso, que a todo o momento coloca a sua criatura, o seu filho, diante da maa vermelha e aos cuidados da serpente? Ser, ento, que o caminho

    2 DIVERSOS AUTORES. Bblia Sagrada (Antigo Testamento. Novo Testamento. Evangelhos. Atos dos Apstolos). Traduo da Vulgata pelo Pe. Matos Soares. 35 edio. So Paulo: Edies Paulinas, 1979, p.1156.3 Citao do filme de, O Mundo Fantstico de Oz. Ele foi criado como uma sequncia no oficial do O Mago de Oz. Foi feito pela Walt Disney Pictures e no aprovado pela MGM, a companhia que fez o filme clssico de 1939 (a MGM tinha os direitos sobre o filme do Mago, mas a Disney possua direitos sobre os ltimos livros de Oz). O filme foi dirigido por Walter Murch.4 GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto: primeira parte da tragdia. Traduo: Jenny Klabin Segall. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004.

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    Bernardo Montalvo varjo de Azevdo

    para esta pergunta, ou para qualquer pergunta, tentar respond-la? Ou ser que este caminho, no , em verdade, um labirinto, a penitncia imposta a Ssifo por Hades por ter tentado lhe enganar?5

    Se desse ouvidos ao discurso do bom samaritano, aquele queprescreve que amai-vos uns aos outros, como vos amei, seria tentado, agora, neste momento, a afirmar que a pena, o castigo, a penitncia, se presta, em realidade, a alcanar uma determinada finalidade, a de ressocializar o condenado. Mas como a ingenuidade amiga da trapaa, j no cometo o erro de Abrao, que deu ateno s palavras desse Deus misericordioso. E por esse motivo, mas no apenas por ele, que desconfio que a verdadeira finalidade da pena, se que ela tem uma, levar o pecador a reincidir. Afinal, no haveria melhor maneira de manter o herege sobre controle, pois se puni-lo uma vez uma grande demonstrao de fora, induzi-lo a pecar novamente, por livre e espontnea vontade, a estratgia ideal para perpetuar o castigo. Foi, por isso, alis, que o sermo do livre-arbtrio6 foi criado, para permitir que o pecador se sentisse culpado. E, uma vez culpado, reconhecesse a autoridade do Padre em penitenci-lo, tornando-se dependente dele. Estava a criado o mistrio da autoridade. Ou, como preferem os beatos: eis o mistrio da f!

    Mas, enquanto o enigma no desvendado, a primeira reao do servo dizer: Senhor, eu no sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma s palavra e eu serei salvo7. Contudo, o que ser salvo? resgatar o pecador do mundo das trevas? Ou seria atravessar o rio Aqueronte, junto com virglio, no barco de Caronte?8 Ser salvo conhecer o inferno, 5 COMMELIN, P. Mitologia Grega e Romana. Traduo: Eduardo Brando. 2 edio. So Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 200.6 Erro do livre-arbtrio. Hoje no temos mais compaixo pelo conceito de livre-arbtrio: sabemos bem demais o que o mais famigerado artifcio de telogos que h, com o objetivo de fazer a humanidade responsvel no sentido deles, isto , de torn-la deles dependente... Apenas ofereo, aqui, a psicologia de todo tornar responsvel. Onde quer que responsabilidades sejam buscadas, costuma ser o instinto de querer julgar e punir que a busca. O vir-a-ser despojado de sua inocncia, quando se faz remontar esse ou aquele modo de ser vontade, a intenes, a atos de responsabilidade: a doutrina da vontade foi essencialmente inventada com o objetivo da punio, isto , de querer achar culpado. Toda a velha psicologia, a psicologia da vontade, tem seu pressuposto no fato de que seus autores, os sacerdotes frente das velhas comunidades, quiseram criar para si o direito de impor castigos ou criar para Deus esse direito..., cf. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepsculo dos dolos Como se filosofa com o martelo. Traduo: Paulo Csar de Souza. So Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 45-46.7 DIVERSOS AUTORES. Bblia Sagrada (Antigo Testamento. Novo Testamento. Evangelhos. Atos dos Apstolos). Traduo da Vulgata pelo Pe. Matos Soares. 35 edio. So Paulo: Edies Paulinas, 1979, p. 1068.8 ALIGHIERI, DANTE. Divina comdia. Traduo: Joo TrentinoZiller. So Paulo:Atelier Editorial, 2011.

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    estando vivo, e retornar para contar a histria? Ser salvo atravessar os nove crculos do inferno e ser apresentado a Deus graas interveno de So Bernardo junto virgem Maria? Ou, em lugar disso, ser salvo seria est eternamente condenado a pecar? Afinal, s se salva quem um dia pecou. E quem nunca pecou que atire a primeira pedra! Mas, quem define o que pecado?quem define a indulgncia para que o pecador possa entrar no reino dos cus? O problema do pecado no o pecado. Nem tampouco a penitncia que ser dada pela autoridade. O verdadeiro problema a salvao. E quem nos salva dos homens de boa vontade?

    Logo, se algum salvo, a pergunta no : como possvel se salvar?Nem, muito menos, se existe salvao, afinal promessas no deixam de serem promessas, caso no sejam cumpridas.Toda norma moral, jurdica, ou religiosa , uma promessa. A promessa de que uma expectativa de comportamento ser estabilizada.Mas, qual seria, ento, a pergunta? A pergunta a mais elementar de todas: quem se salva? quem se salva de quem? Seria omortal que se salva do trtaro? Seria o delinquente que se salva da penitenciria? Seria o Cristo que se salva do peso da cruz? Ser?Ou, na verdade, seria o carrasco que se salva da vtima? O Deus que se salva dos mortais? O grande Zeus que se salva da ira de seu pai, Cronos? Ser? No sei. O certo que em toda orao h um testemunho de obedincia, assim como em toda pena h um reconhecimento de culpa, uma oportunidade para o batismo dos pagos, uma chance para evangelizar os infiis, um momento para converter o sdito em delinquente. No para converter o delinquente. Mas, sim, para convert-lo em delinquente. Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!

    3. O PROBLEMA DA RESPOSTA.

    Mas no se deixe encantar pela possibilidade dessa resposta: de que a pena tem como finalidade a reincidncia do delinquente.Ela s uma resposta. Mais uma resposta. E no, e nem nunca ser, a resposta. Toda resposta apenas uma tentativa de decidir uma questo, de tranquilizar o esprito dos beatos da resposta e dospecadores que perguntam, de aplacar a insegurana colocada pela dvida, mas no a soluo. A resposta no dissolve a interrogao, apenas a coloca sobre controle, neutraliza.Logo, a resposta, para ser uma boa resposta, precisa convencer a todos; auditrio e palestrante. Precisa persuadir tanto a quem faz a pergunta como a quem

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    Bernardo Montalvo varjo de Azevdo

    d a resposta. Precisa ser convincente tanto para quem est questionando a autoridade quanto para a prpria autoridade que acredita na sua resposta. Como se v, o segredo de toda resposta ter a capacidade de despertar a confiana dos crdulos. E, talvez, a igreja com maior nmero de fiis seja a igreja castradora da razo moderna. A igreja que prometeu ao povo do Egito a terra de Cana. Uma terra nunca encontrada.

    O certo que o maior desafio de qualquer resposta, no provocar a adeso de quem formulou a dvida, mas, sim, preservar a crena de quem deu a resposta. mais fcil um camelo entrar pelo buraco da agulha, que um rico entrar no reino dos cus9. mais fcil uma resposta, ou uma nova resposta, despertar a crena de algumctico, do que a mesma resposta preservar eternamente a crena dos incautos.Portanto, a resposta no a porta de sada do labirinto, mas a porta que d acesso a um novo labirinto. E que labirinto este no qual o homem se encontra perdido? A linguagem, este catlogo de metforas e metonmias extintas derivado do instinto10 de sobrevivncia humana. O instinto que inclina o homem a est sempre aberto a acreditar em algo. E a maior de todas as crenas humanas a que o homem deposita na linguagem. E o que isso que a razo moderna tenta a todo custo manter sobre controle? O que isso, o instinto? Uma finalidade inconsciente. Um objetivo que orienta o agir humano, mas sobre o qual o homem no tem o menor controle. Mas, apesar disso, a razo moderna, de forma instintiva, tomada pela sensao atvica de insegurana, tenta a todo custo control-lo. Eis o paradoxo da racionalidade instintiva! quanto maior a pretenso da razo de tornar provvel o improvvel, maiores so as peripcias da linguagem11. Essa aranha astuciosa que controlaas suas presas graas teia da comunicao, esse espao de multiplicao de mensagens12, no qual improvvel que as presas se comuniquem13.

    9 DIVERSOS AUTORES. Bblia Sagrada (Antigo Testamento. Novo Testamento. Evangelhos. Atos dos Apstolos). Traduo da Vulgata pelo Pe. Matos Soares. 35 edio. So Paulo: Edies Paulinas, 1979, p. 1234.10 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Da retrica. Traduo: Tito Cardoso e Cunha. 1 edio. Lisboa: Vega, 1995, p. 91-96.11 Apenas a ttulo de exemplo, convm lembrar o problema da traduo. Como bem assinala Jacques Derrida: a traduo um compromisso sempre possvel, mas sempre imperfeito entre duas lnguas. Cf. DERRIDA, Jacques. Fora de lei. O fundamento mstico da autoridade. Traduo: Leyla Perrone-Moiss. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p.7.12 DE GIORGI, Rafaelle. Direito, tempo e memria. Traduo: Guilherme Leite Gonalves. So Paulo: QuartierLatin, 2006, p. 191-196.13 LUHMANN, Niklas. A improbabilidade da comunicao. Traduo: Anabela Carvalho. Lisboa: Editora Vega, p.39-45.

  • Afinal, para que serve a pena? A tragdia da autoridade?

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    Por conseguinte, o que a resposta? Ela , em si, a prpria Caixa de Pandora. quanto maior for a curiosidade humana em abrir a caixa e tentar decifrar o mistrio da linguagem, ou em tentar saber para que serve a pena, mais complicada se torna a charada da existncia, o truque da linguagem, a mgica da crena, enfim, mais complicado se torna justificar a aurola de toda autoridade.Por isso, a esperana foi o nico item remanescente na caixa. Como nos advertiu Zaratustra, esse Deus, chamado razo moderna, cruel, ele toma sempre o cuidado de que os seus fiis no coloquem sua doutrina, seus dogmas em xeque. , por isso, que toda grande histria no tem fim, mas recomeo. No o recomeo. Mas um dos recomeos.E para recomear preciso ter esperana. E quem tem esperana, espera. Espera pela revelao. Espera pela resposta. Espera pelo milagre. Enfim, quem espera, espera por algum, ou por alguma coisa. Mas, por que espera? Porque acredita na velha mxima aristotlica, aquela que diz: para todo efeito, h uma causa14. Porm, ela uma dessas grandes mentiras15 repetidas pela cincia16. Assim como a ressocializao a grande mentira 14 Causa e efeito. Costumamos empregar a palavra explicao, quando a palavra correta seria descrio, para designar aquilo que nos distingue dos estgios anteriores de conhecimento e de cincia. Sabemos descrever melhor do que nossos predecessores; explicamos to pouco como eles. Descobrimos sucesses mltiplas onde o homem e o sbio, ingnuos das civilizaes precedentes, viam apenas duas coisas, causa e efeito, como se dizia; aperfeioamos a imagem do devir, mas no fomos alm dessa imagem. Em cada caso, a srie de causas se apresenta mais completa; deduzimos que preciso que esta ou aquela coisa tenha sido precedida para que se lhe suceda outra; mas isso no nos leva a compreender nada. (...) S operamos com coisas que no existem: linhas, superfcies, corpos, atmos, tempos divisveis; como havia de existir sequer possibilidade de explicar quando comeamos por fazer de qualquer coisa uma imagem, a nossa imagem! (...) Causa e efeito: trata-se de uma dualidade que certamente nunca existir; assistimos, na verdade,a uma continuidade de que isolamos algumas