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V. 15 1987 DISTRITO FEDERAL REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO

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V. 15 1987

DISTRITO FEDERAL

REVISTADO

TRIBUNAL DE CONTASDO

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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SUMÁRIO

I. - DISCURSO _______________________________________________________________ 4

DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE JOEL FERREIRA DA SILVA, NA SESSÃOESPECIAL DE HOMENAGEM A DRA. ÉLVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO, EM SUADESPEDIDA DA PROCURADORIA-GERAL DO TCDF, PARA ASSUMIR O CARGO DEMINISTRA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. EM 09.09.87 ____________________ 5

II - DOUTRINA_______________________________________________________________ 7

A NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS_______________ 8FAUSTO LUSTOSA NETO Técnico de Controle Externo ______________________________________ 8

EFICIÊNCIA DO CONTROLE E EFICÁCIA DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS_________________________________________________________________________ 21

FREDERICO AUGUSTO BASTOS Conselheiro _____________________________________________ 21

SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS____________________ 40GERALDO DE OLIVEIRA FERRAZ Conselheiro ___________________________________________ 40

TEORIA DO ATO POLÍTICO, À LUZ DA TEORIA TETRAÉDRICA DO DIREITO E DOESTADO __________________________________________________________________ 69

MARQUES OLIVEIRA Membro do Instituto dos Advogados do Distrito Federal e Auditor do Tribunal deContas do DF________________________________________________________________________ 69

III - VOTOS E PARECERES___________________________________________________ 84

REFORMA, EX OFFICIO (INVALIDEZ NÃO QUALIFICADA). ACIDENTE EM SERVIÇO.DILIGÊNCIA PRELIMINAR__________________________________________________ 85

DEUSDETE MANUEL DAS CHAGAS ___________________________________________________ 85

CARREIRA DE AUDITORIA DO TESOURO DO DF - REMUNERAÇÃO. PORTARIACONJUNTA N° 47/86 - SEA/SEF._______________________________________________ 91

ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO________________________________________________ 91

REFORMA, REVISÃO E PROVENTOS _________________________________________ 95ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO________________________________________________ 95

REFORMA DO 2° SARGENTO PM-MÚSICO ____________________________________ 99ELZA DA SILVA GUIMARÃES ________________________________________________________ 99

APOSENTADORIA - ANISTIA _______________________________________________ 116JOEL FERREIRA DA SILVA __________________________________________________________ 116

APOSENTADORIA... - SEA/DF_______________________________________________ 120JOEL FERREIRA DA SILVA __________________________________________________________ 120

AÇÂO DECLARATÓRIA, MEIO VÁLIDO PARA DECLARAR EXISTÊNCIA DE RELAÇÃOJURÍDICA NO ÂMBITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO _______________________ 124

JOSÉ EDUARDO SABO PAES_________________________________________________________ 124

ALCANCE. CONCEITUAÇÃO JURÍDICA______________________________________ 133JOSÉ GUILHERME VILLELA _________________________________________________________ 133

APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. EFEITO DA DECISÃO JUDICIAL. ___________ 139JOSÉ GUILHERME VILLELA _________________________________________________________ 139

BRB. ATO LESIVO PRATICADO POR GERENTE DA AGÊNCIA. RESPONSABILIDADEPELO RESSARCIMENTO DO PREJUÍZO. _____________________________________ 140

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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JOSÉ GUILHERME VILLELA _________________________________________________________ 140

CONTRATO COM A CEB. RELAÇÃO ENTRE PREÇO DO CONTRATO E CUSTO DOSERVIÇO. REVISÃO ADMINISTRATIVA OU JUDICIAL DO PREÇO _______________ 141

JOSÉ GUILHERME VILLELA _________________________________________________________ 141

CRIMES DE RESPONSABILIDADE. INFRAÇÔES POLÍTICAS E COMUNS. LEI Nº 7.106/83e LEI Nº 1.079/50. __________________________________________________________ 144

JOSÉ GUILHERME VILLELA _________________________________________________________ 144

ESTIPÊNDIOS ATRASADOS PAGOS A SERVIDORES PÚBLICOS EM DECORRÊNCIA DEMODIFICAÇÃO DE CRITÉRIOS ADMINISTRATIVOS. JUROS MORATÓRIOS ECORREÇÃO MONETÁRIA. _________________________________________________ 150

JOSÉ GUILHERME VILLELA _________________________________________________________ 150

RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. CELETISTA DO TCDF. "LEGITIMATIO AD CAUSAM EAD PROCESSUM". ________________________________________________________ 163

JOSÉ GUILHERME VILLELA _________________________________________________________ 163

ANULAÇÃO DE ATO DE EXONERAÇÃO, SEGUIDO DE APOSENTADORIAVOLUNTÁRIA ____________________________________________________________ 166

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 166

MAJORAÇÃO DE PROVENTOS DE MILITAR COM MAIS DE TRINTA E CINCO ANOS DESERVIÇO E PORTADOR DE INCAPACIDADE DEFINITIVA E QUALIFICADA_______ 171

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 171

PENSAO ESPECIAL _______________________________________________________ 174LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 174

REGIME JURÍDICO DA PMDF E DO CBDF ____________________________________ 176LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 176

TEMPO DE ALUNO - APRENDIZ EM ESCOLAS PROFISSIONAIS DA UNIÃO________ 181LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 181

TOMADA DE CONTAS. DEFESA PRÉVIA _____________________________________ 185LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 185

CONSULTA SOBRE DISPOSIÇÃO CONTIDA NO ART. 11, i, a, DO AR nº 9/80 - CEB ___ 187MARLI VINHADELI PAPADÓPOLIS ___________________________________________________ 187

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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I. - DISCURSO

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

5

DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE JOELFERREIRA DA SILVA, NA SESSÃO ESPECIAL DE

HOMENAGEM A DRA. ÉLVIA LORDELLO CASTELLOBRANCO, EM SUA DESPEDIDA DA

PROCURADORIA-GERAL DO TCDF, PARA ASSUMIRO CARGO DE MINISTRA DO TRIBUNAL DE CONTAS

DA UNIÃO. EM 09.09.87

EXCELENTÍSSIMOS SRS.

- GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL

- PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL

- PROCURADOR GERAL DO DISTRITO FEDERAL

- SECRETÁRIOS DO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL,

Senhoras e Senhores:

"Reúne-se, na tarde de hoje, este Tribunal, para homenagear sua ilustreProcuradora-Geral que, durante 26 anos consecutivos, prestou os mais altos erelevantes serviços a esta Corte de Contas.

Jornalista e educadora, nos verdes anos de sua juventude, decidiu-se pelamagistratura, ingressando na Justiça do Trabalho no Rio de Janeiro nos idos de 57, alipermanecendo até chegar a este Tribunal, no dia 22 de agosto de 1961, após vitoriosapeleja em concurso de provas e títulos.

Entregou, assim, os melhores anos de sua vida ao serviço do Brasil no DistritoFederal.

Aqui chegou praticamente junto com o Tribuna! revelando-se na Procuradoria-Geral não apenas como uma permanente, dedicada, culta e eficiente fiscal das Leis,mas, sobretudo, a humanista interessada nos graves problemas sociais que, numcrescendo incontrolável, já assustam e até intimidam as autoridades dirigentes.

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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Com isto quero afirmar, apesar dos poucos anos de convivência, que a Dra.ÉLVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO, a par de debruçar-se sobre o fielcumprimento da legislação inerente à sua Procuradoria, também dedicava-se à soluçãodos problemas relacionados com o ser humano.

A ela, pois, muito devem não somente o Distrito Federal, mas, também, esta Cortee seus servidores.

Tratando-se de um Tribunal de Controle de Contas e considerando-se o passar demais de 1/4 (um quarto) de século, impossível seria alguém vislumbrar o quanto de útile lucrativo para o povo foi o trabalho desta ilustrada Procuradora.

Quando o Tribunal assenta-se para prestar-lhe essa justíssima homenagem, tudoquanto se disser, pouco representará para, com exatidão, marcar a amplitude de seusignificado.

Aqui deixa um patrimônio ilimitado e sem preço, sintetizado no alto trabalho queprestou e nas imorredouras amizades que fez.

Ali, no Tribunal de Contas da União, se realizar somente o que aqui realizou, seráo bastante para tornar-se objeto de orgulho de toda a sua descendência.

Deixa-nos a Dra. Élvia com saudades e desfalcados de sua sabedoria. Nãoqueremos ser egoístas e, por isto, sabedores de que agora vai dar o melhor de suaexperiência à congênere Corte de Contas do Brasil, hemos de conter as emoções paraaplaudi-la e desejar-lhe todo sucesso no novo cargo de Ministra do Tribunal de Contasda União, com a redobrada alegria de ser sua Excelência a primeira mulher brasileira atranspor os umbrais de um Tribunal Superior.

Seja feliz, Dra. Élvia!"

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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II - DOUTRINA

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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A NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DOTRIBUNAL DE CONTAS

FAUSTO LUSTOSA NETOTécnico de Controle Externo

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. CONCEITO DE JURISDIÇÃO

2. NOÇÕES SOBRE COMPETÊNCIA

3. EXCEÇÕES AO MONOPÓLIO JURISDICIONAL

4. TIPOS DE JURISDIÇÃO

5. A FUNÇÃO JURISDICIONAL ESPECIAL DO TRIBUNALDE CONTAS

6. AS FUNÇES MERAMENTE ADMINISTRATIVA DOTRIBUNAL DE CONTAS

7. A NATUREZA DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DECONTAS

8. CONCLUSÃO

9. BIBLIOGRAFIA

INTRODUÇÃO

No trabalho em epígrafe, procuramos trazer à colação a natureza jurídica dasdecisões proferidas pelos Tribunais de Contas, à luz da posição por eles hoje ocupadacomo corpos de magistratura intermediários, entre a administração, a legislatura e ojudiciário.

Partindo do entendimento de que a função de dizer o direito não é privativa doPoder Judiciário, de vez que a própria Carta Magna abre exceções, procuramoscaracterizar as decisões das Cortes de Contas, segundo as funções por elasdesempenhadas, ora como detentoras de uma parcela da função jurisdicional,

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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constitucionalmente delegada, ora como exercentes de funções meramenteadministrativas.

1. CONCEITO DE JURISDIÇÃO

Dentre os poderes do Estado moderno, obedecida a tripartição deMONTESQUIEU, destaca-se o Judiciário, que regula o desenvolvimento das condiçõesde vida em sociedade, como uma das finalidades normativas do Estado, atuando narealização da ordem jurídica.

Dentre os inúmeros conceitos de jurisdição encontrados nos mais diferentesdoutrinadores (v.g. GOLDSCHIMIDT, CALMON DE PASSOS, FREDERICOMARQUES), destacamos o de CHIVENDA, formulado nos seguintes termos:

"A jurisdição é a função do Estado que tem por escopo a atuação davontade concreta da lei por meio de substituição, pela atividade de particularesou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência de vontade da lei, já notorná-la, praticamente efetiva". (1)

Tal definição, pelo menos no entender da grande maioria dos processualistas,parece ser a que melhor evidencia a essência da Jurisdição, ou seja, o seu carátersubstitutivo em relação à atividade das partes, qualidades que permitem ao juiz outribunal comportar-se como terceiro imparcial, sem interesse direto no conflito.

O conceito de jurisdição supõe o poder de declarar o direito e assegurar eficáciaexecutória à decisão. O advento histórico da jurisdição estava no direito romano.Designa-se então, esse duplo poder através da "jurisdictio" e "imperium",subdividindo-se este em "merum" e "mixtum". Daí vinha a distinção da "jurisdictio" emplena e semiplena, competindo esta aos magistrados menores, que não exerciamsenão o "imperii quam jurisdictionis".

Como a ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos - haja vista o dispostono art. 345 do Código Penal - aos Estados cumpre, como dever primordial, acomposição dos litígios que se manifestarem entre seus súditos, senão ainda o deesclarecer certas situações jurídicas obscuras ou perplexas, para dirimir possíveisincertezas em relação ao direito do titular ou à existência ou inexistência dedeterminados documentos.

Para desobrigar-se esse dever, o Estado institui o Poder Judiciário e, ao mesmotempo, outras jurisdições especiais, a que reserva o conhecimento de certas edeterminadas matérias.

O órgão jurisdicional - acentua AMARAL SANTOS - "não substitui as partes, masas suas atividades. Assim, no litígio entre Administração, que é o órgão do Estado, e oparticular, a jurisdição não substitui o Estado, do qual também é órgão, mas asatividades daquela, e assim o faz tendo em vista a finalidade jurisdicional, que é a deatuar a lei ao caso concreto." (13)

É o que esclarece CHIOVENDA ao comentar o seu próprio conceito: "Em qualquercaso, portanto, é (a jurisdição) uma atividade pública exercida em lugar de outrem (nãoem representação de outros)." (1)

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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É o que falta ã Administração. Administrar é uma atividade por si mesma impostadireta e imediatamente pela lei a órgãos públicos. Como o proprietário age por contaprópria, nos limites de seu direito de propriedade, assim a Administração Pública, noslimites de seu poder, age por conta própria, não em lugar de outrem. Quando elasatisfaz, reconhece, reintegra ou repara direitos alheios, não faz coisa diferente do quefaz o devedor pagando ao credor, ou o possuidor restituindo a coisa ao proprietário.

Em outros termos, "o juiz age atuando a lei, a Administração age em conformidadecom a lei; o juiz considera a lei em si mesma, o administrador considera-a como normade sua própria conduta. E ainda: a Administração é uma atividade primária ouoriginária, a jurisdição é uma atividade secundária ou coordenada." A própriaAdministração julga, pois que não se age a não ser com apoio num juízo; mas julgasobre a própria atividade. A jurisdição, ao contrário, julga da atividade alheia e dumavontade de lei concernente a outrem." (15)

A jurisdição, portanto, é uma das funções do Estado. É o poder de conhecer,decidir e executar as causas. Mas tal poder sofre naturalmente limitações, pelascircunstâncias em que se desenvolve, em razão da matéria, em razão da pessoa, emrazão do lugar, daí a delimitação da jurisdição mediante a competência.

2. NOÇÕES SOBRE COMPETÊNCIA

Discorrer sobre jurisdição obriga a que se diga algo a respeito do conceito decompetência, tal a relação existente entre os dois termos, embora diversos em suanatureza jurídica.

Quando a Constituição Federal fala, no art. 6°, são poderes da União - Legislativo,Executivo e Judiciário - quer referir-se, antes de tudo, à jurisdição e não à competência.A competência é apenas a "medida da jurisdição". A jurisdição é o direito, o direito de omagistrado pronunciar o "jus dicere". Por isso, sempre se entendeu que a competênciaé o círculo legislativamente limitado dentro do qual o juiz pode exercitar validamente ajurisdição. JOÃO MENDES JÚNIOR disse muito bem: "a jurisdição é o poder de julgarconstituído; a competência, o poder de julgar organizado". (9)

Ante a multiplicidade e variedade de demandas proponíveis em juízo, tornou-senecessário encontrar critérios a fim de que as causas sejam adequadamentedistribuídas aos juízes, de conformidade não só com o superior interesse de umamelhor aplicação da justiça como também buscando, na medida do possível, atenderao interesse do particular, à comodidade das partes em obediência ao princípio daracionalização e especialização do trabalho judicante.

Todos os juízes e tribunais exercem jurisdição, mas a exercem numa certamedida, dentro de certos limites. São, pois, competentes apenas para processar ejulgar determinadas causas. A competência, assim, "é a medida da jurisdição", nalapidar definição de JOÃO MENDES JUNIOR.

A Constituição Federal, a Lei Orgânica da Magistratura, os Códigos de Processo,as leis especiais e normas regimentais dispõem sobre a competência dos Tribunais,turmas, câmaras, juízes, etc., segundo critérios que levam em conta o local, o valor dademanda, a matéria, as pessoas, etc.

Eis algumas dessas disposições:

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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- O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da União e jurisdição em todoo território nacional, compõe-se de onze Ministros (CF. art. 118). A competência do STFse encontra discriminada no art. 119 da Constituição Federal.

O Tribunal de Contas da União, com sede no Distrito Federal e quadro próprio depessoal, tem jurisdição em todo o país (CF, art. 72).

O Tribunal de Contas da União é competente para:

a) apreciação das contas do Presidente da República;

b) o desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária sobre ascontas das Unidades Administrativas dos três Poderes da União;

c) o julgamento da regularidade das contas dos administradores e demaisresponsáveis por bens e valores públicos;

d) a apreciação, para fins de registro, da legalidade das concessões iniciais deaposentadorias, reformas e pensões. (CF., art. 70, § 1°; art. 72, § 7°)

3. EXCEÇOES AO MONOPÓLIO JURISDICIONAL

Ao dispor a Constituição Federal que a lei não poderá excluir da apreciação doPoder Judiciário qualquer lesão de direito individual (art. 153, § 4°), consagrou, emprincípio, o monopólio da função jurisdicional a esse Poder.

Esse princípio vem reafirmado no artigo 203 do mesmo Estatuto Fundamental,quando estatui que poderão ser criados contenciosos administrativos, federais eestaduais, sem poder jurisidicional, para a decisão de questões fiscais eprevidenciárias, inclusive relativas a acidentes do trabalho.

Conseqüentemente, todo ato que importe lesão a direito individual, qualquer queseja sua fonte, não fica imune à revisão por parte dos órgãos do poder a que está afetaa aplicação da lei. Esta é a regra geral: no nosso país, portanto, a função jurisdicionalpertence quase que por inteiro ao Poder Judiciário, vez que nem a lei pode dispor emcontrário.

Duas exceções, porém, admite o Constituinte ao monopólio jurisdicional do PoderJudiciário.

A primeira hipótese é a do juízo parlamentar, que concerne ao processo deimpeachment, cujas conseqüências, ainda que impliquem prejuízo ao direito individual,não são passíveis de revisão por qualquer outro poder.

Quanto a essa primeira exceção, cumpre trazer à colação a citação feita porRAIMUNDO DE MENEZES VIEIRA (15) à palavra do eminente DesembargadorEDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal eTerritórios, in Revista Brasileira de Direito Processual, vol. 18, p. 67, "Comoressalvamos, a própria Constituição exclui no reexame judiciário certas questões emque pode haver lesão de direito individual. O Senado Federal julga o Presidente daRepública, os ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral daRepública, nos crimes de responsabilidades, bem como os Ministros de Estado nosdelitos da mesma natureza, se conexos com o do Presidente. Precederá o julgamentopelo Senado, quanto ao Presidente, decreto de acusação da Câmara dos Deputados.

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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As decisões proferidas pelo Senado e Câmara, em tais casos, não são passíveis derevisão pelo Judiciário, pois se trata do exercício de função jurisdicional. São aptas a setornar imutáveis". E arremata citando FREDERICO MARQUES, que "a divisão depoderes não é operação que se realize sem deixar resto".

A segunda se refere ao julgamento da regularidade das contas dosadministradores e demais responsáveis pela guarda ou aplicação de bens ou valorespúblicos, atribuída ao Tribunal de Contas.

O Tribunal de Contas não aparece na Constituição como órgão competente doPoder Judiciário. Dele se trata no capítulo referente ao Poder Legislativo, do qualconstitui, sob certo ângulo, órgão auxiliar.

Não obstante, o art. 70, § 4°, cometa-lhe o julgamento da regularidade "das contasdos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos", o que implicainvesti-lo no exercício da função judicante. Não bem pelo emprego da palavrajulgamento, mas sim pelo sentido definitivo da manifestação da Corte, pois se aregularidade das contas pudesse dar lugar a nova apreciação pelo Poder Judiciário, oseu pronunciamento resultaria em mero e inútil formalismo. Sob esse aspecto restrito aCorte de Contas decide conclusivamente. Os órgãos do Poder Judiciário carecem dejurisdição para examiná-lo.

"A jurisdição - com efeito - não é de forma alguma atributo do PoderJudiciário. A especialização e a descentralização resultaram no reconhecimentoda chamada "jurisdição das contas". (5)

"A Constituição Federal atual fala, expressamente, no art. 72, que o Tribunalde Contas tem jurisdição em todo o País. É posição universalmente reconhecidaao longo do tempo nas mais diversas Constituições Brasileiras. É a jurisdiçãoreconhecida em toda a sua plenitude no art. 33 do Decreto-lei n° 199, de 25 defevereiro de 1967. Tal dispositivo fala em jurisdição sobre administradores dasentidades da administração indireta ou de outras entidades, "quando houverexpressa disposição legal".

4. TIPOS DE JURISDIÇÃO

Conquanto una e homogênea, como função inerente à soberania do Estado, ajurisdição comporta classificações por motivo de ordem prática decorrente danecessidade da divisão do trabalho. Daí dizer-se que ela "é una na sua essência efracionada no seu exercício". Assim, têm-se os seguintes tipos de jurisdição: federal,estadual, trabalhista, eleitoral, militar, comum ou ordinária, especial, etc.

Entre as que nos interessam mais de perto, está a que desdobra a jurisdição emdois grupos principais: jurisdição contenciosa e jurisdição administrativa, ou voluntária,ou graciosa.

"A jurisdição contenciosa visa à aplicação da lei com o objetivo de eliminarum litígio, um conflito de interesses. Em face do litígio, o juiz outorga a um ououtro dos litigantes o bem da vida disputado, e os efeitos da sentença adquiremdefinitividade, imutabilidade perante às partes e seus sucessores". (15)

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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"O objeto da jurisdição contenciosa é a lide, que é o conflito de interessesqualificados por uma pretensão. Submetidas ficam à jurisdição ambas as partesem lide. Se é uma delas, o autor, que a provoca, será sempre lícito à outra, o réu,defender-se, quer pára livrar-se dessa sujeição, como, principalmente, paracontrariar a pretensão daquela. E aí se tem que a contestação do réu àpretensão do autor será em todos os casos possível. Conclui-se, assim, que ajurisdição contenciosa se caracteriza, ainda, pela possibilidade do contraditório.

Enquanto a jurisdição contenciosa visa à composição de conflitos deinteresses, a voluntária versa sobre interesses não em conflito. Ambas seexercem pelos órgãos jurisdicionais e têm por finalidade resguardar, assegurar apaz jurídica". (13)

A fim de assegurar a ordem jurídica, intervém o Estado até mesmo naadministração dos mais diversos interesses privados, pelos mais diferentes órgãos. Poroutras palavras, considerando a significação que têm para o Estado determinadascategorias de interesses privados, a lei lhe confere o poder de intervir na suaadministração, conquanto com isso venha a limitar a autonomia da vontade dosrespectivos titulares. Essa intervenção, de natureza administrativa, faz o Estado pelosmais diferentes órgãos diversos dos jurisdicionais, em numerosas espécies deinteresses. Há certas categorias de interesses privados cuja administração, a seratribuída também a órgãos públicos, é especialmente conferida a órgãos júrisdicionais.A tutela desses interesses poderia ser conferida a outros órgãos do Estado, mas,atendendo-se à sua gravidade e delicadeza, a lei prefere atribuí-Ia aos órgãos do PoderJudiciário, porque estes se apresentam, em relação aos demais órgãos públicos, emmelhores condições de a desempenharem, tanto por seus conhecimentos jurídicos,capacidade e idoneidade, como também pelas garantias de independência de quegozam.

Dentre os numerosos interesses cuja administração se faz pelos órgãosjurisdicionais se acham, por exemplo, os seguintes: a nomeação e remoção de tutores,a autorização para venda de bens de menores, suprimento de consentimento paracasamento, separação por mútuo consentimento, abertura de testamento, etc.

Em todos esses casos, os interesses sujeitos à administração dos órgãosjudiciários não estão em conflito com interesses de outrem. Quer dizer que essesórgãos os conhecem não para compor conflitos, mas para tutelá-los, protegendo osrespectivos titulares. Esse é o objetivo da jurisdição voluntária: tutelar interesses nãoem conflito, protegendo os respectivos interessados.

Conquanto se tenha afirmado que a jurisdição voluntária, não é nem jurisdiçãonem muito menos voluntária, a realidade é que tanto a doutrina quanto o direito positivoa têm consagrado.

Por razões de tradição, de conveniência ou com o intuito de resguardar a ordemjurídica, o Estado atua na órbita dos negócios privados para prevenir lides ou lesõesfuturas. Trata-se de atividade estatal de conteúdo marcadamente administrativo, que seconvencionou conceituar como a administração de interesses privados por órgãos dopoder público. O art. 1103 e seguintes do nosso Código de Processo Civil a disciplinamno âmbito do Poder Judiciário.

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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5. A FUNÇÃO JURISDICIONAL ESPECIAL DO TRIBUNAL DE CONTAS

Já vimos que o Tribunal de Contas detém, por força de preceito constitucional,pequena parcela da função jurisdicional. Conquanto restrita em extensão, não é nempode ser estreita ou superficial no seu exercício, nas suas conseqüências, sob pena doseu significado, de sua expressão ficar desprovida do caráter de certeza, ao desabrigoda garantia da intangibilidade, atributos ínsitos à jurisdição contenciosa. Raciocinar deoutra forma seria negar uma verdade que está insculpida cristalinamente no texto denosso Estatuto Básico. É que a jurisdição, em nosso sistema jurídico, nasce na própriaconstituição.

"A jurisdição de contas é o juízo constitucional de contas. A função é privativa doTribunal instituído pela Constituição para julgar as contas dos responsáveis pordinheiros ou bens públicos. O judiciário não tem função no exame de tais contas, nãotem autoridade para as rever, para apurar o alcance dos responsáveis, para os liberar.Essa função é própria e privativa do Tribunal de Contas". (11)

Outro reflexo na definitividade do julgamento das contas manifesta-se naexecução judicial para reposição do valor de alcance. "A liquidez da divida, acasoargüida, não pode ensejar a reabertura do processo de tomada de contas. Ocorre aíuma limitação necessária à amplitude de defesa assegurada ao executado". (11)

"a competência do Tribunal de Contas para julgar contas - proclama o MinistroVICTOR NUNES LEAL - torna prejudicial e definitivo o pronunciamento daquele órgãosobre o fato material do alcance. A disposição do (atual) art. 153, § 4°, da ConstituiçãoFederal, de que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquerlesão de direito individual não é obstáculo a este entendimento, porque, no caso, aredução de competência do Judiciário resulta da própria Constituição, e não, da lei". (6)

Ressalta, pois, aos olhos que a atividade desenvolvida pelo Tribunal de Contas,nos feitos de tomadas de contas, não é meramente de jurisdição administrativa, mas, esobretudo, judicante. O que fica imune ao exame e revisão judicial é apenas o examecontábil, e isto porque, no que concerne ao exame das contas dos responsáveis, não éo funcionário que é julgado, mas as suas contas. Com efeito, é a regularidade dascontas que o Tribunal julga e não aquele que as presta.

De outro lado, é certo que, pelo art. 70, § 1°, da Emenda de 1969 "O controleexterno do Congresso Nacional será exercido com auxilio do Tribunal de Contas". Ésabido que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional que se compõe daCâmara dos Deputados e do Senado Federal. A grande tarefa do Poder Legislativo éexercida, pois, com auxílio do Tribunal de Contas. O auxílio não importa nadesfiguração do órgão, de vez que não perde sua independência ou autonomia. "Aessência da tarefa eleva o órgão "auxiliar" ao limiar do Poder". (11)

Por certo, a doutrina ainda tem pensamento divergente sobre a naturezajurisdicional do Tribunal de Contas, bem como oscilante tem sido a jurisprudência dosTribunais. CASTRO NUNES considera "a mais alta jurisdição administrativa daRepública"(11). Já CARLOS MAXIMILIANO apud JOSÉ JAPPUR, não admite aexistência da função jurisdicional nos atos do Tribunal de Contas, apenas pressentindoos seus arestos como "prova" e não "cousa julgada perante a Magistratura". (5)

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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SEABRA FAGUNDES admite a existência da função judicante nos atos do Tribunal deContas e a coisa julgada. (3)

No âmbito do Poder Judiciário assim também tem sido entendida a funçãojurisdicional do Tribunal de Contas, no concernente ao julgamento das tomadas decontas. Alguns arestos da Excelsa Corte, reforçam a tese de que os Tribunais deContas detêm parcela da função jurisdicional.

No Mandado de Segurança n° 7.280-GB, Relator o Ministro HENRIQUE D'AVILA,ficou decidido que "ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, oTribunal de Contas pratica ato insuscetível de revisão na via judicial, a não ser quantoao seu aspecto formal ou tisna de ilegalidade".

No mesmo sentido o entendimento esposado no RE de n° 55.821, in RTJ, v. 43, p.151, ipsis verbis:

"As decisões do Tribunal de Contas não podem ser revistas pelo PoderJudiciário, a não ser quanto ao seu aspecto formal".

Do voto vencedor da lavra do ex-Ministro EVANDRO LINS, prolatado porocasião do julgamento do Mandato de Segurança de n° 16.255-DF, pontifica oSupremo Tribunal Federal. (7)

"Só o que toca a este exame, já para libertar o responsável, já paradeclará-lo em alcance, constitui decisão jurisdicional definitiva, a cavaleiro dequalquer revisão judicial".

Ainda, quanto ao "julgamento das contas dos administradores e demaisresponsáveis por bens e valores públicos", ex vi do art. 70, §§ 1° e 4° da Carta Magnavigente, a ação jurisdicional do Tribunal de Contas é definitiva ou irrecorrida na agudaobservação de PONTES DE MIRANDA, que assim justifica: " ... interpretar que oTribunal de Contas julgue (as contas) e outro juiz as rejulgue depois, porquanto nessaduplicidade ter-se-ia absurdo "bis in idem". (12)

Outro aspecto importante a respeito da matéria gira em torno da anulação ourevisão dos atos administrativos pela Administração. Com efeito, diz a Súmula 346 doSupremo Tribunal Federal:

"A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos".

Todavia, a revisão só é possível se não houve decisão do Tribunal de Contassobre o ato. Após a prolação desta, só será válida a revisão com a concordância doTribunal de Contas. É o que edita o verbete n° 6 da Súmula da Jurisprudência do STF;

"A revogação ou anulação pelo Poder Executivo, de ato aprovado peloTribunal de Contas, não produz efeitos antes da apreciação pelo Tribunal".

Tal orientação foi bem exponenciada no acórdão do Supremo Tribunal Federal dalavra do saudoso ex-Ministro NELSON HUNGRIA, com a seguinte ementa:

"O ato complexo, de que participou, sucessivamente, o Poder Executivo e oTribunal de Contas, não pode ser anulado pela administração, sem a concordância doTribunal" (Recursos de Mandado de Segurança n° 3.881, in RDA, vol. 53, p. 216 e seg.)

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O clássico RUI BARBOSA - citado por José Jappur - já ensinava que "o Tribunalde Contas tem criação constitucional, mas em lugar distinto dos órgãos que compõem oPoder Judiciário (5). Não se inclui, pois, o Tribunal de Contas na enumeraçãoconstitucional dos órgãos do Poder Judiciário. Tribunal é, mas Tribunal sui generis, quea Constituição não submete ao organismo do Poder Judiciário. (Comentários àConstituição Federal, São Paulo, Saraiva, 1934, v. 6, p. 451).

Apesar de firme e boa doutrina e da mansa e pacífica jurisprudência do mais altoTribunal do pais, vozes isoladas ainda se encontram, infelizmente, negando a reduzidaparcela de função jurisdicional do Tribunal de Contas. Uma delas é a do professorCIRNE LIMA, argumentando que o poder de julgar do Estado em hipótese e tese, sequalifica, como verdadeira jurisdição, apenas ante o poder individual que uma daspartes disputa a outra, em termos de direito. Prende-se tal ensinamento ao brocardo"ne proced judex ex officio", que deve ser resguardado. "Tal princípio pode procederquanto á jurisdição civil, mas nem por isso estabelece corolário para a jurisdição penal etampouco para a jurisdição constitucional. Com efeito, é lícito acolher a ilação de que arelação processual triangular ou trilateral é pressunção ou postulado característico dodireito judiciário civil, mas que obviamente, não exclui o exercício da verdadeirajurisdição em outras situações jurídicas processuais". (15)

"A jurisdição do Tribunal de Contas é uma jurisdição especial, que não seconfunde com a jurisdição administrativa dos Conselhos de Contribuintes, dasJuntas de Recursos Previdenciários, etc., porquanto as decisões proferidas poresses colegiados não têm eficácia vinculativa plena decorrente das decisões daCorte de Contas sobre tomada de contas. O Tribunal de Contas não padece dadeficiência congênita do contencioso administrativo, em que a Administraçãojulga feitos em que é parte, pois não pertence à estrutura de nenhum poder, nema qualquer deles se subordina. É órgão autônomo, de origem constitucional. Deigual modo, os acórdãos ou julgados dos Tribunais de Contas não seassemelham às decisões do Tribunal Marítimo, as quais servem apenas comoelemento de prova, nos termos da legislação vigente.

É uma espécie de jurisdição, não inerte e de olhos vendados, mas atuante elúcida na missão de dizer incessantemente o direito, para confrontá-lo com osfatos que acaso o hajam ferido, assim como para verificar e atestar a suaobservância nos diferentes níveis do aparelho administrativo". (5)

6. AS FUNÇÕES MERAMENTE ADMINISTRATIVAS DO TRIBUNAL DECONTAS

Além da função judicante, exerce o Tribunal de Contas outras funções de caráteradministrativo, as quais podem ser revistas ora pelo Poder Legislativo, na forma derecursos, ora pelo Poder Judiciário, na ocorrência de qualquer lesão de direitoindividual.

Consistem essas funções administrativas na competência atribuídaconstitucionalmente ao Tribunal de Contas para apreciar a legalidade das concessõesiniciais de aposentadorias, reformas e pensões; representar aos Poderes Executivo eLegislativo sobre irregularidades e abusos por ele verificados; apreciar a legalidade de

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qualquer despesa, inclusive a decorrente de contrato; exercer o controle daadministração financeira e orçamentária.

A apreciação da legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas epensões situa o Tribunal de Contas fora do círculo de órgão auxiliar do PoderLegislativo. Nesse caso, ele funciona entrosado, apenas, com os órgãos propriamenteexecutivos da Administração Pública. Enquanto no julgamento da regularidade dascontas, o Tribunal exerce função peculiarmente sua. ao apreciar a legalidade dasaposentadorias, reformas e pensões não desempenha função sua pela essência,participa, sim, de atividade dos órgãos superiores do Poder Executivo. A atribuição quenessa hipótese desempenha uma Corte de Contas é materialmente administrativa.Apreciando ato de aposentadoria, reforma ou pensão, o que o Tribunal faz é cooperarna ultimação do ato, de vez que o seu pronunciamento é indispensável à suaintegração. Caso favorável, o ato se tem como perfeito se do contrário este seconsidera nenhum, porquanto ter-lhe-á faltado a manifestação do órgão de controle,indispensável para o seu aperfeiçoamento como ato complexo.

O Tribunal não exerce função judicante quando se manifesta em tais casos. Aatribuição que então desempenha é materialmente administrativa. Apreciando aquelesatos, o que faz a Corte de Contas é cooperar na sua ultimação. O seu pronunciamentotem caráter de manifestação da vontade, por parte da Administração, indispensável àintegração do ato.

7. NATUREZA DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS

Conforme já ficou claro, os Tribunais de Contas não são órgãos do PoderJudiciário. São órgãos autônomos, cuja autoridade e competência derivam diretamenteda própria Constituição. Não obstante essa circunstância, podemos afirmar que osTribunais de Contas exercem funções jurisdicionais propriamente ditas, e funçõesmeramente administrativas. As primeiras consistem em julgar as contas dosadministradores e responsáveis por valores e pelos bens públicos e as dosadministradores das entidades autárquicas; as segundas em apreciar as contas doChefe do Poder Executivo, no desempenho das funções de auditoria financeira eorçamentária, na apreciação da legalidade dos contratos, bem assim das concessõesiniciais de aposentadorias, reformas e pensões.

As conseqüências dessa distinção são da maior importância. No primeiro caso, adecisão do Tribunal de Contas passa em julgado, sendo insuscetíveis de alteraçãomesmo pelo Poder Judiciário; no segundo caso, as decisões do Tribunal de Contas nãofazem coisa julgada, podendo ser alteradas pela própria Administração Pública, emdeterminadas hipóteses, através de ato retificatório ou anulatório que virá a registro finaldo próprio Tribunal, ou podendo ser alteradas pelo Poder Judiciário, através derecursos de qualquer interessado (art. 141, § 4°, da Constituição Federal), sendo asentença da Justiça obrigatória também para o Tribunal de Contas.

O Tribunal de contas exerce funções jurisdicionais de natureza especial, de vezque tais funções são, de ordinário, inerentes aos órgãos do Poder Judiciário e só porforça de preceito constitucional expresso podem ser atribuídas a outros órgãos, nãopertencente àquele Poder.

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Essa pequena parcela da função jurisdicional exercida pelo Tribunal de Contas,parece se enquadrar melhor como jurisdição voluntária, eis que do exercício dessafunção pelo Tribunal de Contas não surge um conflito de interesses e muito menos umlitígio. Da mesma forma não há que se falar em partes, pois que não se estabelece umcontraditório, além do que não surge, quando do julgamento das contas pelo Tribunal,uma relação processual trilateral, presunção e postulado da jurisdição contenciosa.

Conforme já ficou acentuado, do desempenho da função judicante pelo Tribunalde Contas surge a res judicata, característica da jurisdição contenciosa, todavia énecessária, além desse requisito para caracterização da jurisdição contenciosa, na liçãode CHIOVENDA, a existência de partes: uma que pede, contra ou em relação à outra,uma providência jurisdicional, o que dá ensejo ao contraditório. Mas essa relaçãoprocessual não ocorre em relação às Cortes de Contas.

Impõe se nesse ponto acolher-se a ilação de que as decisões do Tribunal deContas, quando no desempenho da pequena parcela de função jurisdicional, serevestem do caráter de jurisdição voluntária de natureza especial, posto que nãodisciplinada no âmbito do Poder Judiciário, além de revestir-se da característica dacoisa julgada, própria do procedimento contencioso.

Quando no desempenho de funções de que decorram decisões meramenteadministrativas, e por isso desprovidas das características da imutabilidade edefinitividade, exerce o Tribunal de Contas igualmente atividade de jurisdiçãovoluntária, só que de conteúdo marcadamente administrativo, e de natureza tambémespecial. É de jurisdição voluntária, porquanto se destina a tutelar determinadointeresse não em conflito; de conteúdo administrativo, por existir tão-só atividadematerial de caráter administrativo e não investida da definitividade; tem naturezaespecial, porquanto não se configura qualquer modalidade de tutela jurisdicional, alémdo que trata-se de administração de interesses públicos por órgãos do poder público.

8. CONCLUSÃO

Procuramos, ao longo destas notas, aviventar - conceitos, idéias e pensamentospara, afinal, extrairmos a convicção de que, no âmbito de sua jurisdição e no exercíciode sua competência, as decisões do Tribunal de Contas inserem-se entre osprocedimentos de jurisdição voluntária de natureza extrajudicial.

A tese de que o Tribunal de Contas tem função jurisdicional e de que seusjulgados, no particular, são dotados de eficácia vinculativa plena, constituindo-sejurisdição (voluntária) especial, está consubstanciada no texto constitucional (art. 70, §4° e art. 72, §§ 1° e 3-°) do mesmo modo como nele se acha sediada a funçãojurisdicional da Câmara dos Deputados (art. 40, I) e do Senado Federal (art. 42, I e II).São parcelas restritas que o Constituinte retira da esfera do poder que normalmenteexercita aquela função para entregar a outro, por razões de conveniência ou emobséquio a um elevado grau de especialização, que, a seu exclusivo juízo, consideraser o mais adequado.

No exercício de sua competência proferem, ainda, as Cortes de Contas decisõesque visam a dar cunho jurídico a determinados atos originados no seio da própriaAdministração Pública. Tais decisões, se aproximam igualmente dos procedimentos dejurisdição voluntária, porém de caráter administrativo e especial, pois que a par de sua

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extrajudicialidade é não jurisdicionalidade, essas decisões não fazem assim coisajulgada, podendo, por conseguinte, os atos por elas julgados ser anulados como osdemais atos administrativos em geral, através de provocação dos particulares perante oPoder Judiciário ou pela própria Administração, ex oficio, nos casos de fraude, vicio,erro ou ilegalidade.

Por final, cabe ressaltar que a negação da tese da função jurisdicional das Cortesde Contas implicaria tornar os órgãos do Poder Judiciário substitutos do Tribunal deContas no exercício paralelo de função ultra-especializada, hipótese recusada peloConstituinte, e atribuição que, se admitida e viável, criaria sérios embaraços aofuncionamento da máquina judiciária.

9. BIBLIOGRAFIA

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12. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários d Constituição de1967, com a

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14. ROSAS, Roberto. Aspectos jurisdicionais de competência do Tribunal deContas. Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal, (1) : 105-113, 1975.

15. VIEIRA, Raimundo de Meneses. Tribunal de Contas: jurisdição especial.Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Brasília, (12) : 7-32, 1982.

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EFICIÊNCIA DO CONTROLE E EFICÁCIA DASDECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

FREDERICO AUGUSTO BASTOS Conselheiro

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

2.1. A conceituação necessária

3. IDÉIA BÁSICA

3.1. A reforma racional

3.2. Condicionantes econômico-financeiros e estruturais

3.2.1. A carga tributária

3.2.2. O "deficit" público e a distribuição de rendas

3.2.3. Descentralização e centralização dos encargos

3.3. O orçamento de governo como um documento unificadode planejamento e programação

3.3.1. Considerações quanto à despesa

3.3.2. Considerações quanto às fontes

3.4. Outros instrumentos de programação do governo

3.4.1. A primeira etapa: um documento único

3.4.2. A segunda etapa: como decorrência, afinal apretendida unificação

4. CONCLUSÃO

4.1. Resumo das idéias defendidas

4.2. A transparência resultante da adoção das medidasalvitradas e suas decorrências

1. INTRODUÇÃO

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A monografia ora apresentada procura situar, nos dias de hoje, sugestões depráticas de trabalho e de metodologia para a elaboração de instrumentos programáticosdo Governo, visando à eficiência e à eficácia da ação do Poder Executivo e dasdecisões das Cortes de Contas, no particular, e do setor Governo, no geral.

Face às profundas reformulações ocorridas na sociedade brasileira, quer quantoao comportamento de seus governantes, hoje voltados para a atividade política deforma mais atuante e buscando atender, preferentemente, reclamos sociais resultantesnão só do agravamento do processo inflacionário, como do natural sistema deconscientização que a prática política promove em todos os cidadãos, além de umconjunto de medidas do próprio governo, editadas sob a égide de novos horizontes norelacionamento com o resto do mundo, surge um novo escalonamento das prioridadesnacionais e, também, o reestudo dos custos sociais que a Nação admite suportar.

Em decorrência, toda a gama de instrumentação - processo de programação degoverno, sua execução, seu acompanhamento e fiscalização - resulta em sistemasdependentes de profunda análise e reestudo, buscando não só um novo enfoque detransparência de atitudes e de programas, mas também de um posicionamentoabsolutamente necessário quanto aos custos e benefícios da atividade dos diversosníveis de governo e de sua intervenção na economia.

A colocação de tais idéias, como se fora um longo prefácio para o modesto textoque apresento, torna-se imprescindível para a aceitação das teses e das sugestõesquanto à eficiência e à eficácia da ação do Poder Executivo e das decisões das Cortesde Contas em nosso País, bem como, em decorrência, do processo de condução dematéria junto ao Congresso Nacional, às Assembléias Legislativas, e às Câmaras deVereadores, mormente quando, neste momento histórico, partilhamos e vivemos sob aégide de uma Constituinte, à qual compete o novo ordenamento tão reclamado paraque o Brasil encontre, finalmente, e assuma, de imediato, o patamar que lhe é próprio,de potência econômica no contexto mundial, sufragando de vez o sentimento popular ea aspiração de seus líderes quanto ao desenvolvimento econômico, tão perseguido aolongo de tantos anos e defendido, repetitivamente, em programas governamentais,ainda que sempre postergado.

A oportunidade que se me oferece com a realização desta Assembléia NacionalConstituinte e, com maior felicidade, a pertinência da matéria, encorajou-me a colocar,perante tão seleto e esclarecido público, as inquietudes que vêm assaltando o meuespírito de cidadão e povoando de intranqüilidade o meu exercício de servidor público.Isto porque não creio que o País consiga superar tantos e tão complexos problemas senão contar, de antemão, com mecanismos de programação, execução,acompanhamento e controle dos recursos públicos de forma que possa conduzir, defato e não só literariamente, à análise sob a ótica da eficiência de todos os sistemasintegrados e seqüencialmente harmônicos, bem como da eficácia das decisões não sódos Tribunais de Contas, tuas, acima de tudo, do Poder Legislativo, a quem sereportam as Cortes de Contas, segundo mandamento constitucional.

Assim, como entendo que a etapa final de todo e qualquer procedimento nadamais é do que a decorrência dos primeiros passos, filosoficamente convencido de queas etapas hoje praticadas devem ser atualizadas ou, até mesmo, reformuladas, é que

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me encorajo a posicionar o presente trabalho na forma seqüencial que defendo,iniciando minhas colocações desde os momentos preliminares do processo - aprogramação - até a etapa final do controle externo e da apreciação legislativa dosresultados.

2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

2.1. A conceituação necessária

As contas dos Governos devem ser apreciadas não s6 sob os aspectos dalegalidade na condução dos sistemas orçamentário, financeiro e patrimonial, mastambém, e talvez principalmente, considerando-se a oportunidade da despesa, aeficiência do gasto e a eficácia das etapas de ação dos entes envolvidos nosprocedimentos, até o momento das manifestações do Controle Externo.

Os principais problemas anotados, quanto à eficiência e à eficácia, são:

EFICIÊNCIA

- uso indevido ou antieconômico dos recursos;

- multiplicidade, superposição de esforços;

- procedimentos ineficientes ou de custos injustificáveis; e

- acumulação de quantidades excessivas ou desnecessárias de bens materiais erecursos humanos.

EFICÁCIA

- A pertinência e a validade dos critérios utilizados, pela entidade em exame, parajulgar a efetividade na consecução dos resultados programados;

- a idoneidade dos métodos empregados, pela entidade observada, para avaliar aefetividade no alcance das metas;

- a veracidade matemática dos dados acumulados; e

- a fidedignidade dos resultados obtidos.

Os resultados quanto à execução orçamentária e financeira são traduzidos emnúmeros frios que constituem, juntamente com o sistema patrimonial e ocompensatório, o Balanço Geral e suas demonstrações.

A análise quanto á eficácia e à eficiência requer, porém, procedimentos adicionais,tais como: revigoramento e, em certos casos, reformulação dos instrumentos deplanejamento e, na ponta do sistema, inspeções ordinárias e sistemáticas, emfreqüência cada vez mais intensa.

O orçamento anual constitui-se num roteiro para o exercício da fiscalizaçãoorçamentária e financeira, por parte dos Tribunais de Contas. Se a peça orçamentária éexpressa em programas, obedecidos na sua execução, poderão as Cortes apreciá-lasob a ótica da eficácia, isto é, se as metas estabelecidas foram alcançadas. Vê-se,assim, que o aspecto formal do orçamento pode facilitar ou dificultar a ação do controleexterno.

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Avaliadas as contas de Governo sob o aspecto da eficácia, há necessidade,também, da apreciação sob o enfoque da eficiência. Elas não apresentam umacorrelação obrigatória. A primeira presta-se para a identificação de que as metasestabelecidas foram devidamente atingidas.

Entretanto, o seu atendimento poderá ter gerado gastos injustificados. Ao finalobteve-se o resultado pretendido, sem o uso ótimo dos recursos (financeiro, material epessoal).

Assim, o documento orçamentário pode constituir-se em um ponto de análisequanto à eficácia, dependendo da sua forma de elaboração e do processo deexecução, o mesmo não ocorrendo com a avaliação da eficiência, possível, entretanto,através de um procedimento permanente de acompanhamento através de inspeçõesordinárias. Estas inspeções, constantes e sistemáticas, podem identificar a existênciade equipamento ocioso ou antieconômico, bem como acusar a disponibilidadeexcessiva ou desnecessária de bens materiais no almoxarifado.

Outro ponto a considerar resulta do avanço tecnológico. A velocidade quanto àsua absorção pode constituir-se em um dilema para o administrador quanto àapreciação da eficiência: a aquisição de um equipamento de tecnologia avançada poderesultar em maior ou menor dose de ociosidade, não justificando seu elevado custo deaquisição, ou mesmo de absorção da margem acelerada da depreciação pelosurgimento de inovações que tornariam obsoleto o material então utilizado.

Como exemplo, cito a aquisição de computador de geração avançada, altamentesofisticado, cujo custo / benefício s6 seria justificado com grande quantidade de horasde uso em etapas nobres, não compatível, muitas vezes, com as atividades da entidadeadquirente.

A experiência brasileira tem demonstrado, na maioria das observações, que apadronização de expedientes tem gerado desperdícios, quer quanto ao avançotecnológico dos procedimentos, quer quanto à continuidade metodológica ouadministrativa.

A administração é hoje dinâmica, mais do que no passado, inovando sempre embusca da racionalidade de suas atividades, adaptando-as não sé às suasnecessidades, como também ao avanço da tecnologia. Decorre, daí, a impressão deformulários em número e em volume excessivos pela própria dinâmica da gestão ou damodernização constantes do processo administrativo. O próprio processo de controle,ou a necessidade de comprovação, passa a exigir um volume considerável deformulários, em diversas vias, visando ao atendimento da burocracia e, também, àsalvaguarda do administrador.

Assume, pois, importância capital a análise da eficiência no serviço público,recomendando-se inspeções ordinárias nas unidades, bem como a anexação posteriordos relatos decorrentes às contas dos gestores, para o estudo em conjunto dasdiversas peças resultantes.

Em decorrência das posições defendidas até aqui, vê-se que é de todo necessárioproceder-se à reformulação quanto aos instrumentos de programação,acompanhamentos e avaliação, quer quanto à sua substância, quanto à sua

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metodologia, sua apresentação, sua execução e seu acompanhamento, como pontosiniciais para o atingimento da eficiência necessária a um momento de tantos reclamos ede tanta dificuldade na obtenção de recursos.

3. A IDÉIA BÁSICA

3.1. A reforma racional

A concepção geral de "Orçamento do Governo" modificou-se sobremaneira nodecorrer das duas ou três últimas décadas, induzindo à adoção de novas óticas e,conseqüentemente, novas metodologias resultantes das necessidades de melhoraproveitamento dos recursos, por si tão escassos, da alocação racional face àprioritização quanto ao atendimento das necessidades das comunidades e, finalmente,para permitir um melhor controle dos gastos e a visão, isoladamente ou em conjunto, docomportamento dos gestores.

No decorrer desse lapso de tempo, o orçamento puramente administrativo, comotal entendido um documento que somente distribuía "verbas" por elementos dedespesa, não permitindo uma visão global do beneficio resultante da aplicação dosrecursos governamentais, foi sendo gradativamente substituído pelo"Orçamento-Programa".

O crescimento das obrigações do Estado, bem como o reclamo por sua atuaçãocom novas atribuições, por seus reflexos quantitativos e/ou qualificativos, impuseramaos governantes uma rápida reformulação de padrões de comportamento, buscando aimplementação de instrumentos que melhor posicionassem a execução das políticasgovernamentais que deveriam atingir não só o desenvolvimento econômico que o paísreclamava e a que se propunha os líderes em todos os continentes, alguns com maiorfelicidade do que outros, mas sobretudo o bem-estar social amplo, igualitário e irrestrito.

Em realidade, buscava-se substituir o antigo Orçamento - Plano de Contas por umOrçamento-Programa que permitisse a implementação de ações que visavamdeterminar taxas de crescimento viáveis, possíveis de serem alcançadas face àdisponibilidade de recursos, adequando-se, assim, o gasto governamental à efetivarealização de meios de caixa, definindo-se, no início do processo, determinadas metasfísicas factíveis de ocorrência ao final do período considerado.

Uma das maiores vantagens apresentadas pela então nova metodologia estavaem que, se conduzido com a seriedade que o respeito ao contribuinte exige, deladecorreria a continuidade na consecução do objetivos perseguidos, uma vez quedefinido o programa, iniciado o projeto, ele passaria a constar dos orçamentosconsecutivos, pelo período necessário à sua completa institucionalização.

Obviamente, pela própria definição das funções do Governo, determinadosprogramas teriam sua duração projetada obrigatoriamente todos os anos, citando-se"Ensino de Primeiro Grau", "Energia Elétrica", "Saneamento" e "Política Exterior",decorrentes das funções constantes quanto a EDUCAÇÃO E CULTURA, ENERGIA ERECURSOS NATURAIS, SAÚDE E SANEAMENTO e RELAÇÕES EXTERIORES, queforçosamente estarão sempre inscritas entre as funções de governo reclamadas peloscontribuintes, cada dia com maior intensidade, quer pelo próprio crescimentodemográfico, quer pelo posicionamento da população votante em patamares mais

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esclarecidos quanto aos seus direitos. Assim, em decorrência de tal comportamento,haveria uma continuidade temporal e coerente quanto à conduta do governo, não maisficando comprometida determinada obra ou serviço segundo os intervalos depermanência dos servidores nos cargos de direção ou, até mesmo, dos Ministros deEstado à frente de suas Pastas.

Essa continuidade define um documento maior de programação dodesenvolvimento da comunidade a que se chamou de Orçamento Plurianual, garantiado prosseguimento na execução dos investimentos necessários à expansão da força detrabalho, do nível de emprego, do estoque de bens de capital, segurança de que ocidadão tanto necessita para que possa vislumbrar um futuro promissor para seusdependentes, ainda que seu presente seja de dificuldades.

Entretanto, não basta que sejam presentes à autoridade diversas alternativas deprogramação, por mais elaboradas que sejam suas colocações e por mais sofisticadasas suas apresentações: necessário se torna que os responsáveis pelos destinos dacoletividade lhe prestem o respeito devido quanto à gestão dos recursos públicosprevistos, seja quando se referem às suas fontes, ou quando se expressam sob a formade créditos orçamentários.

3.2. Condicionantes econômicos-financeiros e estruturais

Todo sistema sofre, obviamente, efeitos de condicionantes que interagem sobreestruturas e sobre a conjuntura.

A programação do Governo, qualquer que seja a forma que se apresente, refleteas limitações político-econômicas de diversas variáveis, citando-se como principaishoje: a carga tributária que reclama uma visão estratificada face ao pequeno universode contribuinte alcançado pelos impostos diretos e a generalização desconcertantequanto aos tributos indiretos; o "deficit" global de Caixa; a distribuição de rendas aosdiversos níveis de Governo.

3.2.1 A Carga Tributária

Quanto a carga tributária, devem as autoridades prender-se a uma definição justa,suportável pelos diversos estratos da população, não se transferindo, na composiçãoda pirâmide, impactos do cume para a base, através de artifícios de legislação, redigidade forma a orientar tais fluxos ou, até mesmo, a permitir a evasão daqueles mais bemdotados face a posição ocupada, à riqueza pessoal, ao nível profissional, etc.

No tocante ao cálculo da carga tributária, antes de definir-se corajosamente que épequena no Brasil de hoje, deve-se imaginar que o processo de estimativa apontacomo numerador uma arrecadação cujos itens são suportados por uma reduzidaparcela da população, dado que convivemos com uma sonegação fiscal generalizada,senão até mesmo consentida por tantas isenções e situações especiais ditadas pelospróprios governantes. Uma fiscalização mais atuante, orientada previamente porinformações de cadastros fiscais, a nível federal e estadual, principalmente visando aostributos sobre a produção e a circulação de mercadorias e a prestação de serviços,demonstraria, sobejamente, que o que está ocorrendo não é baixa imposição e sim altaevasão, o que nos leva a crer que a carga fiscal, combatida a evasão, demonstraria a

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tendência contrária às habituais afirmações de que no Brasil a proporção "recursosimpositivos/PIB" é uma das menores do mundo.

Aliás, nos dias de hoje, o conceito de "Carga Tributária" tornou-se uma grandezapouco útil, sem substância, dado que tal indicador deveria estratificar-se, não maissendo utilizado de forma global, uma vez que o universo de contribuintes,principalmente dos impostos diretos, vem-se concentrando com o correr dos anos, nãopor medidas de ajuste social, mas por um tributação indiscriminada e sem qualquersentido quanto à redistribuição de renda, visando, tão-somente, reduzir o "deficit"público, apenas via receita tributária, de forma injusta e prejudicial aos destinos do País.

3.2.2. O "deficit" público e a distribuição de rendas

Injusto o posicionamento acima citado, uma vez que na realidade deve estarocorrendo é que tal "deficit", ao invés de estar sofrendo redução em seu volume, narealidade, é incrementado, pois, ocorrendo um maior fluxo de recursos na caixa dasautoridades, estas buscam suplementar despesas, ao invés de esterilizar partesubstancial dos recursos ou, se tal for a definição, reduzir a dívida pública que tantopesa na expansão monetária bem como na formação final da taxa de juros reais,limitando o investimento e, em decorrência, condicionando o nível de emprego.

Melhor se posicionariam aquelas autoridades se buscassem uma nova expressãona distribuição de recursos e encargos através de uma reforma tributária queabandonasse a filosofia de manter entidades como vassalas do poder central, atreladasa simpatias pessoais ou aos humores das autoridades que ainda acreditam que astransferências promovidas para as comunidades, que melhor podem avaliar asnecessidades mais prementes de seus habitantes, não deixam de ser um apoio político,um favor do Rei. Essa conceituação, esse entendimento, torna-se hoje motivo derepulsa por parte de todos os níveis de atuação.

Na realidade, tal proceder é decorrente de uma falta total de visão e deentendimento do conceito de "deficit" público, uma vez que a preocupação no tratodaquele saldo somente a nível federal não corresponde, realisticamente, a uma políticade saneamento do setor público, uma vez que as caixas estaduais e as municipais,talvez mais pressionadas por necessidades maiores e mais prementes, dada aproximidade contribuinte/autoridade, admitido a prática da seriedade por parte de seusresponsáveis, conduzem. com muito mais razão, àquele resultado financeiro negativo,hoje tão repudiado pelo povo, assumindo mesmo o papel de maior vilão da pátria, overdadeiro inimigo público número um, quando tal conceito, em seu entendimentomaior, nada mais é do que a decorrência da ação do ente público no exercício domandato que lhe foi outorgado pela confiança ou, em alguns casos, pela inocência doeleitor esperançoso.

3.2.3 Descentralização e centralização dos encargos

A meu ver, melhor atuariam os responsáveis pelos destinos do País se, através deuma verdadeira reforma administrativa, buscassem eliminar a superposição demáquinas administrativas pesadas e ineficientes que devoram sofregamente osrecursos necessários a programas sempre protelados, principalmente os atinentes àeducação, saúde, comunicações, saneamento, habitação, etc.

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Nessa linha de idéias, a par de uma melhor distribuição de rendas entre a União, oDistrito Federal, os Estados e os Municípios, realista e consentânea com asnecessidades de cada esfera de competência, deve o Poder Legislativo, nestemomento histórico de formulação de uma Constituição que represente os novos temposprometidos ao País, definir, também, uma autêntica Reforma que posicione umaverticalização no sentido de coibir, verdadeiramente, a superposição de estruturasexecutivas, que a nada conduzem por dispersarem recursos de atividades-meio e nadarealizarem em prol das coletividades que tanto reclamam em termos de condiçõesdignas de vida e de trabalho.

Bastaria que o Poder Central mantivesse seu poder normativo e descentralizassea execução dos programas para as autoridades locais, uma vez que estas é querespondem perante seus concidadãos pela ausência dos serviços ou pela ineficiêncianas realizações custosas e demoradas.

Esse comportamento, se também adotado pelos Estados, representaria narealidade um enorme ganho para os contribuintes, tão assoberbados por uma cargatributária que a eles nada leva pela dispersão das fontes. Assim, com a atribuiçãoconstitucional, hoje definida, de estabelecer e executar planos nacionais de educação esaúde, bem como planos regionais de desenvolvimento, o Governo Federal exerceriaplenamente sua competência quanto à formulação de planos, sua normatização edelimitação de ações, transferindo, por convênio, os recursos com que as Prefeiturasresponderiam pela execução física e, posteriormente, prestariam contas quanto àsetapas físicas e os recursos recebidos. Destarte, a economia resultante da simplificaçãoda máquina burocrática em todas as esferas de competência, eliminando amultiplicidade de ações e de unidades normativas e executivas, que no final seatropelam nas pequenas comunas sem nada produzirem, promoveria uma maiordisponibilidade líquida de recursos para programas mais abrangentes e mais eficientes.

O que vemos hoje é uma enorme perda, uma vez que se superpõe, na mesmabase geográfica, as Delegacias Federais, as Delegacias dos Estados e os PostosMunicipais, estes últimos, embora minúsculos em suas disponibilidades materiais,financeiras e de pessoas, mais eficientes contudo, uma vez que melhor se identificamcom uma população também pobre, sofrida, não habituada a lidar com estruturaspesadas e ricas que, em certos casos, se afiguram como um choque distanciador parao cidadão que busca soluções para seus problemas, o respeito para seus direitos,identificando-se melhor com os atendentes locais.

A eficiência do serviço público estaria, em sua quase totalidade, na existência deuma única unidade de atendimento e prestação de serviços ao cidadão, englobando osrecursos próprios e os recursos transferidos por outras esferas de competência públicapara satisfação das necessidades locais através de delegação de competência.

Obviamente, a adoção de tal atitude envolveria, obrigatoriamente, a reformulaçãode conteúdo e a revisão de metodologia quanto aos instrumentos de programação,tornando-os mais leves e menos volumosos, mais acessíveis, assim, a todo o universo.

3.3. O orçamento de governo como um documento unificado deplanejamento e programação.

3.3.1 Considerações quanto à despesa

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A aceitação das idéias, relatadas até este momento, levaria obrigatoriamente àelaboração dos instrumentos de programação e planejamento - curto, médio e longoprazos - com desenho e metodologia diferentes das atuais.

Assim, o Plano Geral de Governo (ou Orçamento Plurianual) deveria sofrerprofundas alterações quanto aos critérios de elaboração, quer quanto à própriasistemática, quer quarto à sua apresentação.

Ao ser submetido ao Poder Legislativo, tal Plano deveria ser apresentado semchegar ao exagero do detalhamento, somente necessário às etapas de execução econtrole, com descrições tão unitárias, a nível de elemento de despesa, atividade, etc.,que, ao final do exame, não chega a ocorrer com tal riqueza de detalhes, uma vez queo Poder Executivo, no decorrer do exercício, altera aquele preciosismo visando areduzir despesas, que ele mesmo programou, ou por necessidade de remanejamentode crédito orçamentário.

Assim, ao Legislativo caberia ser entregue um instrumento que possibilitasseentendimento pleno, amplo, cabal, quanto às intenções do Executivo de promover ocusteio geral e atender às metas físicas, tais como quilômetros de estradas, obras dearte e dispositivos de segurança viária, quantidade de salas de aula, leitos hospitalares,etc., enfim, de forma, ainda que consolidada porém clara e insofismável, que permita avisão da intenção de gastos com sua manutenção e com a expansão, em determinadolapso de tempo - anual, plurianual, etc. - de situações preexistentes, criando novosequipamentos sociais, interligando intimamente a idéia de aumentar a capacidadeprodutiva da coletividade, de expandir racionalmente o nível de emprego e o da renda.

O Poder Legislativo apreciaria, então, em verdade, o programa global e asdotações também globais para a manutenção da máquina administrativa, bem como osrecursos para os programas de expansão da atividade, mais nobre, quanto aoacréscimo da capacidade de emprego da população, definidas explicitamente, e comtoda a transparência, as prioridades acolhidas quanto ao instrumento em votação,.abandonando-se o critério hoje em uso, e já desacreditado, de "orçamento incremental".

É verdade que a prática atual decorre da tentativa de manter-se constante adotação orçamentária de unidades pequenas, descontada certa parcela da inflaçãoocorrida no período anterior ou da prevista para o período futuro; entretanto, ao invésde funcionar como instrumento de defesa daquelas pequenas unidades, talcomportamento efetivamente representa o agigantamento orçamentário de unidades eórgãos de maior poder de persuasão, lato sensu.

O desejável para os dias atuais, uma vez que o ideal é inatingível, estaria norestabelecimento do Orçamento-Programa com adaptações que o revestissem de suaverdadeira finalidade e o transfigurassem com a importância social que o País delereclama no atendimento de tantos anseios, eliminando-se o critério "incremental" eadotando-se o orçamento segundo prioridades definidas por consenso, ou, àaproximação da filosofia do conhecimento "orçamento base zero".

Desta forma, abandonar-se-ia o atual sistema de definições de "teto" para cadaunidade elaborar seu orçamento com a alocação de recursos prevista segundo asprioridades alvitradas e discutidas perante a coletividade, a cada etapa.

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A instituição de "teto", na elaboração orçamentária, conduz a flagrantesincoerências: as unidades gestoras bem aquinhoadas continuam detendo a invejávelposição, sempre em detrimento das mais sacrificadas, dado que idêntica taxa decrescimento para todas as unidades manteria cada vez mais rica aquela unidade que jádetinha um crédito orçamentário vultoso.

Imaginemos uma unidade gestora X que foi contemplada com um elevado créditoorçamentário para material permanente em um determinado exercício financeiro. Noano seguinte continuará a dispor de uma dotação elevada, embora não mais necessitereaparelhar-se.

Essa linha de raciocínio pode ser extrapolada para as grandes unidadestotalizadoras (Órgãos, Ministérios, Entidades, etc.), uma vez que, se em determinadaépoca, são contempladas com volumosos créditos para um evento especial (construçãoou aquisição de um imóvel, por exemplo), raramente deduzem tal evento quando daelaboração de sua proposta orçamentária seguinte, ainda que não necessite de talmontante de recursos, procurando mantê-los, entretanto, como uma reserva parapossíveis suplementações.

Como linha de ordenamento inicial, ou como marco estrutural de programação,acredito ser viável o estabelecimento de "tetos" apenas em relação agrupamentosorçamentários globais, assim mesmo de natureza constitucional, como exemplo,atribuindo-se uma proporção máxima dos recursos, no âmbito federal, segundo osgrandes grupamentos, assim:

- PESSOAL (inclusive encargos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35%

- OUTROS CUSTEIOS (inclusive serviços da divida) . . . . . . . . . . . . 35%

- - CAPITAL (no conceito Produto/Renda) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30%

Na hipótese de eventual sobra em qualquer dos dois grupamentos de despesascorrentes, os recursos somente poderiam ser transferidos para a conta de Capital.

No que tange à definição das faixas de despesa para os Estados, Distrito Federale Municípios, tornar-se-ia necessário um trabalho de pesquisa e cadastramento dasunidades e de seus servidores, inicialmente.

Logicamente, no momento de definição, e em certos casos, os limites alvitradospoderiam situar-se em patamares demasiadamente elevados ou subestimados. Avivência do momento de definição e de cada situação é que permitiria ao Congressopromover o estabelecimento da estrutura do gasto, a cada nível de governo.

Uma das alternativas que se apresentaria ao administrador, no seu dia-a-dia,estaria representada pela utilização de mecanismos da evolução tecnológica: ainda quenão recorresse à dispensa de servidores, deixaria entretanto de prover novas vagasmediante a atualização de sua tecnologia, com o uso de equipamento cujo rendimentodesestimule a extensão da força-de-trabalho, na busca não só de eficiência, comotambém de produtividade.

Essa limitação dos gastos com a manutenção dos órgãos públicos assumefundamental importância uma vez que, a par de coibir desperdícios com despesas atémesmo fúteis, pode reprimir desembolso com pessoal através de contratos de

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mão-de-obra indireta (prestação de serviços de terceiros indevidos ou desnecessários),não permitindo a frustração do limite dos dispêndios com pessoal.

A reserva para Capital é de inquestionável necessidade por representar averdadeira função do Estado de resguardar o futuro de seus cidadãos, gerando renda ecriando empregos.

A vigente Constituição Federal já dispõe, em seu artigo 64, que Lei Complementarestabelecerá os limites para despesas de pessoal da União, dos Estados e dosMunicípios, não tendo o Poder Público, até hoje, se utilizado dessa faculdade.

Na falta dessa limitação é que deparamos com Estados em que a receita auferidanão cobre a despesa com pessoal, recorrendo a unidade a operações de crédito,agravando o seu grau de endividamento e pressionando o mercado financeiro quantoao volume de recursos disponíveis e, em decorrência, quanto à taxa de juros.

Os Estados se socorrem, em primeira linha, em seus estabelecimentos oficiais decrédito, ocasionando, não raro, a necessidade de a União, através do Banco Central, eaté mesmo do Banco do Brasil, promover, a partir do momento de agravamento, adevida cobertura financeira, forçando soluções que, se conduzidas antes da ocorrênciado fato final, não seriam autorizadas ou aceitas pelo Governo Federal.

O problema é que tal amparo, por parte do Executivo Federal, agrava o "deficit"público global, tornando-o incompatível com a política econômica antes definida, semum conhecimento do problema que surgiria após a programação geral. Assim, o fatoconsumado escapa ao controle de qualquer nível de competência, não chegandomesmo à alçada do Congresso Nacional.

A definição e o estabelecimento da proporção máxima (percentagem, p.e.) atravésde texto constitucional trariam uma vantagem adicional: os governantes e os dirigentesficariam liberados de compromissos e pressões quanto à admissão de pessoal, quasesempre de origem eleitoreira, visto que a tendência seria a manutenção do gasto nolimite fixado, o que também seria facilmente percebido pelos Tribunais de Contas, emsuas inspeções.

3.3.2. Considerações quanto às fontes

A racionalização da administração pública deveria prender-se, também àsimplificação das fontes de receita e à sua forma de exação e fiscalização.

Alguns itens construtivos da receita geral não deveriam prosperar em orçamentosfuturos, uma vez que nada significam em termos de volume ou de instrumento deintervenção social ou econômico do Estado, representando, tão-somente, desperdícioscom custos sem qualquer benefício líquido.

Nosso País conta, hoje, considerando-se a União, os Estados e os Municípios(somente administração direta), com uma pauta de impostos, taxas, contribuições,aluguéis e arrendamentos, transferências, etc., possivelmente a mais longa e nem porisso a mais lógica, sob a ótica de função racional de governo.

Essa racionalização da pauta da receita deveria ser seguida pela simplificaçãoquanto à exação e fiscalização de seus itens, como por exemplo, estabelecendo umimposto indireto que unificasse certos tributos federais com outros estaduais e, até

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mesmo, municipais, determinando-se, em sua normatização, o critério quanto ádiversidade de imposição, bem como o de partilha automática entre os diversosbeneficiados.

A unificação de impostos sob a forma de receita partilhada poderia resultar, emcerta extensão, no crescimento do volume arrecadado sem que se alterassem as basesda imposição hoje vigentes, dada a produtividade que se obteria com uma auditoriafiscal unificada, uma só estrutura de exação.

Esse comportamento, adotado em diversos países, representaria um enormepasso para simplificar as atividades do Governo, com incomensurável economia,reduzindo-se substancialmente os diversos níveis da atividade burocrática, como anormatização, a exação, a fiscalização, etc., bem como acrescendo a produtividade dotributo pelo cruzamento de informação e redução da evasão, assim como simplificandoa vida do pobre contribuinte que se desobrigaria de sua carga tributária com menorcusto administrativo, lucrando também o setor público com a existência de reduzidonúmero de formulários, procedimentos, contas administradas (quer nos bancos, quernos documentos contábeis) e de uma única máquina de exação e fiscalização.

Um outro ângulo que deveria merecer análise mais acurada refere-se à vinculaçãode recursos.

O comprometimento prévio de parte da Receita Pública, através de dispositivosConstitucionais, pode assumir duas formas distintas: a primeira figura, conhecida como"receita em participação" (1) e a segunda denominada "receita vinculada"(2).

A receita em participação consiste no estabelecimento de um fanico mecanismode exação e de fiscalização da receita para posterior divisão dos recursos entre oarrecadador e as demais entidades beneficiadas.

Esse procedimento apresenta vantagens, quer quanto ao setor público, querquanto ao contribuinte.

Quanto ao setor impositivo, a vantagem consiste em uma só máquina operativa,em um único corpo legislador, sem que a redução do custo operacional da máquinarepresente um comprometimento com programas ou categorias de despesaspré-determinadas; neste caso, as unidades beneficiadas com o fluxo de recursoscontam com plena liberdade quanto à alocação do produto da arrecadação, segundocritério próprio de prioridade relativa bastante flexível. Para o contribuinte, esseprocedimento representa também razoável redução do custo operacional, uma vez quemediante uma só presença face ao fisco, com um único documento, satisfaz suaobrigação.

Em realidade, face à dispersão de atos que caracterizam algumas estruturastributárias, esse tipo de recolhimento único representa, em alguns casos, verdadeiraredução de carga tributária de segunda linha, imposta sob a forma indireta, pelo custoque desobriga a empresa na obtenção e acompanhamento da legislação, custo deempregados burocráticos e assessoria fiscal, necessitando ater-se tão-somente a umdiploma legal, com menor volume de registros fiscais, etc. (1) "Sharedrevenues"(2) "Earmariad"

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Em exemplo de receita partilhada, no Brasil, é o relativo ao Imposto sobre aCirculação de Mercadorias (ICM) que, embora consistindo em um tributo recolhido aoscofres estaduais, engloba parcela devida aos Municípios.

A parcela destinada aos Estados, bem como aquela destinada ao Município, nãosão atribuídas a nenhum tipo ou categoria de gasto, considerando-se como recursoslivres para alocação pelo beneficiário. Na esfera federal, em nosso País, oprocedimento que mais se aproxima desse conceito consiste na faculdadeconstitucional dada aos Estados e Municípios de dispor do Imposto sobre a Renda,devido na fonte, sobre os salários de seus servidores e sobre os rendimentos dostítulos de sua dívida pública, quando tributados.

O segundo dispositivo, a receita vinculada, consiste na fixação de percentual, dedeterminada proporção, incidente sobre o produto da arrecadação de tributos decompetência de certo nível de Governo que, à medida em que se verifica seurecolhimento, é entregue a entidades de administração indireta do mesmo nível deGoverno ou a entidades da administração direta ou indireta de outros níveis decompetência.

A entrega desses recursos, entretanto, não apresenta para o recebedor um créditopara aplicação alternativa, de vez que o dispositivo legal fixa-lhe a obrigatoriedade deaplicar o valor dos recursos recebidos em determinados programas ou em determinadanatureza de despesa, impondo, assim, o destino dos recursos, às vezes orientadospara finalidades já saturadas, à revelia dos gestores finais, por faltar sensibilidadequanto às necessidades medidas à distância.

A política de "vinculação da receita" pode apresentar, a meu ver, certa vantagemnos momentos de sua instituição no que tange a países cujo setor público carece deorganização administrativa quanto à prática orçamentária-financeira. Os dirigentesresponsáveis pela vida econômica do País, receosos de soluções-de-continuidade comrelação ao atendimento de pontos de estrangulamento existentes na economia nomomento da tomada de decisão, buscam garantir uma corrente contínua de recursosnecessários ao atendimento dos gastos julgados prioritários, em geral na infra-estruturado País, da Região ou do Estado.

Após certo número de exercícios a escala de prioridades, pelo próprio dinamismopopulacional, pode sofrer alteração, em seus termos relativos, mas legalmente areformulação dos programas torna-se muito difícil, quer pelo processo legal, quer pelocusto político que envolve.

A instituição da vinculação de receitas apresenta duas inconveniências,teoricamente pelo menos, bastante graves então; a primeira delas consiste naestipulação de uma escala de prioridades extremamente rígida no tempo e, às vezes,também no espaço. O segundo ponto negativo consiste na retirada do poder de decisãoç de coordenação dos recursos da unidade central, uma vez que esta não exercequalquer comando sobre a massa arrecadada destacada para a transferência aosdemais níveis de administração, sendo também alienada pelo mesmo diploma legal quelhe ditou a vinculação.

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Esse aspecto negativo assume maior proporção ainda quando o Governonecessita agir sobre o nível de atividade econômica como mecanismo fiscalcompensatório ou em política de combate à inflação.

Na realidade, o estabelecimento da vinculação age agravando um problemaexistente atualmente: acrescenta mais um elemento de despesa fixa, somando-se aosgastos com pessoal, dívida pública, encargos financeiros com a execução orçamentáriae os projetos já em execução, comprometendo, dessa forma, o atendimento ágil denovos investimentos, pelo menos em setores que exigem uma solução mais flexível.

Ainda que o programa contemplado pela receita vinculada possa constituir-se emum componente da canastra de prioridades, não é menos verdade que o que se deveconsiderar é a importância relativa dessas prioridades a cada momento.

A meu ver, duas posições, alternativas, substituiriam com vantagem a receitavinculada: o estabelecimento de um programa nacional de investimento integrado, noqual seria considerada a escala dos pontos de estrangulamento da comunidade, doEstado, da Região e do País, sob a supervisão central, através de transferência derecursos para as diversas unidades locais envolvidas nos programas, via convênios,etc., ou a unificação dos diversos fundos em uma única conta orçamentária geral deinvestimentos, com a administração dos créditos a cargo das unidades, à medida queos recebem, e com o estabelecimento dos programas atendendo às exigências domomento, com a coordenação do Governo Federal, obviamente após a aprovação peloPoder Legislativo.

A realização dos investimentos seria conduzida através de apresentação deprojetos ou planos, analisados pela unidade central segundo critérios compatíveis coma unidade reclamante. Logicamente não seria justo o estabelecimento de um sistemarígido para a avaliação do documento para unidades de esferas diferentes, sendo, poroutro lado, considerado o problema da localização geográfica e das condiçõessócio-econômicas.

A primeira sugestão estaria atendida pela conjugação do Orçamento Plarianualcom o Orçamento-Programa, sem a dissociação que habitualmente as mudançasadministrativas têm conduzido em nosso País.

O estabelecimento de uma única conta orçamentária de Investimentos teria, alémdo mais, a vantagem de reduzir o custo operativo, pela unificação do núcleo deadministração, ao invés de exigir tantas administrações quantos sejam os beneficiáriosdos recursos, o que, na realidade, embora possa conduzir à obtenção de resultados,não deixa de elevar custo, dispersar esforços e recursos e, em conseqüência, reduzir aeficiência do setor público.

A existência de uma única conta de investimentos não representaria castrações aqualquer nível político, mesmo a nível federal, uma vez que determinadas tarefasestariam necessariamente a ele entregues, pela imperiosa necessidade de aglutinaçãodo projeto, como por exemplo, estradas federais que visassem a redenção de regiões"vazias", as hidrelétricas, etc.

Em artigo bastante atualizado, ainda que nada recente, o Professor OctávioGouvêa de Bulhões assim se expressa:

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"A inflação deixou-nos a herança dos impostos vinculados... Em termosorçamentários, a vinculação de impostos é igualmente nefasta. Como pode oGoverno estabelecer criterioso programa de despesas de custeio e deinvestimento se se permite, paralelamente ao orçamento, a expansão de gastosem concordância com o acréscimo de receitas autônomas do orçamento?"(3)

3.4. Outros instrumentos de programação de governo

Paradoxalmente, enquanto o Orçamento Fiscal peca pelo excessivo edesnecessário detalhamento para sua apreciação pelo Poder Legislativo, outrosinstrumentos de programação do governo fogem à presença daquele Poder; algunssendo apreciados somente a nível de segundo escalão administrativo: o orçamento daPrevidência Social, os orçamentos das unidades comumente conhecidas como"estatais", o tão famoso, e não menos desconhecido em sua metodologia, OrçamentoMonetário, bem como os orçamentos dos esquivos e, na maior parte, desnecessários,Fundos Especiais e/ou Fundos Contábeis.

Melhores condições para o conhecimento e a atualização do Congresso seriamcriadas se fosse promovida a gradativa unificação de tantos documentos paralelos, deprogramação físico-financeira, em um único programa global, do qual constassem todosos recursos (receitas e autorizações de gastos), bem como todos os instrumentosnecessários para aqueles planos.

Não advogamos que o Legislativo aprecie uma programação unitária a nível decada entidade, por programas, projetos, atividades, elementos de despesa, etc. Taldetalhamento representaria um instrumental necessário e indispensável não só para asfases de execução da despesa, mas principalmente, e de todo indispensáveis, para oacompanhamento (contabilidade e auditoria) como para o controle externo, pois ageneralização não propicia tais atividades.

Assim, após a elaboração completa dos documentos a diversos níveis de decisão,tornar-se-ia necessário promover-se sua agregação ao ponto desejável para que oPoder Legislativo deles pudesse tomar conhecimento, tempestivamente, para o estudoe tomada de decisões indispensáveis na sua apreciação pelas diversas Comissões esua votação em Plenário.

3.4.1. A primeira etapa: um documento único

Toda a vez que as autoridades pensam em "unificação" dos diversos orçamentos,os componentes dos grupos de trabalho e das comissões concluem suas missões comrelatórios que externam a inviabilidade de unificar os diversos documentos em um só,dada sua multiplicidade quanto a recursos, créditos, metodologias, finalidades, etc.,inviabilizando a intenção por tanta heterogeneidade.

A meu ver, tal dificuldade decorre tão-somente do posicionamento tecnocrático deexcessivo preciosismo que tem buscado com relação à matéria, posição essa em partejustificada pela dose de impotência que um grupamento técnico encontra quando sedefronta com tantos vícios e tantos erros.

(3) BULHÔES, Octávio Gouvêa de. Política econômica e serviços públicos. Visão. 28/03/70

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Admitida a hipótese de que ao Legislativo não seria necessariamente remetido umdocumento tão analítico quanto o atual, mas sim um programa simplificado, porémexplícito, quanto às prioridades acolhidas, suas metas físicas, o volume global derecursos e sua distribuição pelos executores, regiões, etc., poder-se-ia estabelecer umametodologia na elaboração e na apresentação dos textos, adotando-se, como primeiraetapa, a explicitação em três capítulos assim:

1°) o atual orçamento fiscal englobaria os gastos da administração direta, tal comoé hoje apresentado, a ele agregando-se todos os fundos especiais e contábeis geridospor unidades da administração direta ou entidades da administração indireta mas comdestinação dos recursos voltada para funções típicas e próprias da administração diretae características de função governamental pura, não intervencionista; conhecidos emensurados tais fundos seriam eliminados na segunda etapa, racionalizando-se amáquina administrativa múltipla que impera hoje;

2°) o segundo capítulo compreenderia o orçamento das entidades de intervençãoestatal, sob qualquer modalidade, excluídas, tão-somente, as autoridades financeirasmonetárias e não monetárias, dando-se o realce necessário ao sistema de seguridadesocial, pelo seu profundo sentido quanto ao volume de recursos e quanto àsnecessidades da população. Este capítulo, também gradativamente, seria enxugadomediante a desestatização de entidades que fossem julgadas passíveis de seremconduzidas pelo setor privado; e, finalmente,

3) este terceiro capitulo representaria a programação das autoridades financeirasmonetárias e não monetárias (Banco Central, Bancos Oficiais, etc.) que teriamnecessariamente de em estar separado, com destaque, uma vez que suas entradas esaídas de recursos compreendem, grosso modo, operações financeiras e não"dotações orçamentárias", na concepção geral.

Esse relevo daria, também, a verdadeira dimensão de um Banco Centraladministrador da emissão de moeda, da dívida pública, interagindo no mercado quantoà taxa de juros, com toda a sensibilidade e a independência que lhe traria uma Diretoriadesatrelada da dependência atual, como mandato definido e não demissível ad nutum.

Se da programação de tais entidades constarem, nessa primeira fase, operaçõestípicas do orçamento fiscal (arrecadação de tributos, subsídios, créditos a fundoperdido, etc.), estas seriam objeto de ajuste, transferindo-se das entidades destecapítulo para o orçamento administrativo do governo, no primeiro capítulo, sendo taissituações corrigidas em momentos posteriores e, assim, chegando-se, mediante ajustesgradativos, à tão sonhada unidade orçamentária.

Essa metodologia, mero exemplo que reclamaria, se adotada, futurosdetalhamentos, não busca em constituir-se em um "ovo de Colombo", nas seguramenterepresentaria um benefício maior de permitir o progressivo conhecimento de todo opoder governamental, bem como o gradual melhoramento do processo global deprogramação de atividades físicas e o seu suporte financeiro.

Representaria, em sua plenitude, a integração das contas de todo o setorgovernamental, quer no campo físico quanto no campo das fontes e de seus usos,especificando-se os diversos instrumentos e intermediários que interagem durante todoo processo.

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3.4.2. A segunda etapa: como decorrência afinal a pretendida unificação

Da aceitação quanto à etapa liminar, com um pequeno lapso de tempo,atingiríamos à decantada unificação dos instrumentos de programação, chegando-semesmo a uma etapa de transparência tão ampla que toda a comunidade tomariaconhecimento do volume de recursos carreado para o Governo, como teria eledispendido tais recursos e de como teriam as autoridades financiado os gastosmediante as fontes e seus instrumentos próprios, devidamente identificados equantificados.

De igual forma, tal procedimento seria de inegável utilidade para o sistema decontrole, permitindo a avaliação de todas as ações dos gestores e dos responsáveis porrecursos e por bens públicos.

4. CONCLUSÃO

4.1. Resumo das idéias defendidas

Este trabalho, em sua singeleza, defende uma série de idéias bastante simplesmas que exigiriam etapas de detalhamento para sua completa absorção, tais como adefinição do tamanho desejado do setor público, a que nível seriam descentralizadas astarefas típicas de governo, como poderiam ser entendidos os municípios isoladamenteou grupados em microrregiões para efeito de mutirão administrativo, etc., bem. comoquais os tributos, a diferentes níveis, que poderiam ser grupados para efeito de partilha,a definição de procedimentos quanto à arrecadação e entrega do produto arrecadado,enfim, uma série de definições fiscais, financeiras, contábeis, bancárias, e, sobretudo,políticas.

Como súmula do trabalho, apresento as seguintes medidas que indiquei nodecorrer do texto:

- reformulação dos instrumentos de programação de governo,abandonando-se o critério atual de orçamento "incrementai", passando-se autilizar o Orçamento-Programa mediante o estabelecimento de prioridadesrelativas, até a adoção de um documento que melhor se aproxime doorçamento-base zero;

- racionalização das fontes de receita mediante a eliminação de itens quenão respondem pelos custos de exação e nada apresentam como função deintervenção social ou econômica de governo;

- adoção, na extensão factível, do sistema de receita partilhada,reduzindo-se custos desnecessários aos diversos níveis de governo;

- reestudo da receita vinculada visando sua substituição por uma contaúnica de investimentos de infra-estruturas;

- reforma tributária, atribuindo-se maior parcela de recursos aos Municípiose, simultaneamente, descentralizando-se a execução de diversas atribuições degoverno, mediante convênios, àquelas comunidades, tornando-se, dessa forma,mais leves e mais econômicas as estruturas de execução de tarefas e deprestação de serviços ao cidadão;

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- simplificação do documento programático do Governo para fins desujeição ao Congresso Nacional, a fim de permitir seu estudo e sua votaçãopelos membros do Poder Legislativo;

- especificação de proporções do gasto total que deveriam sercomprometidos com grandes grupamentos da despesa: Pessoal, Outros Custeiose Investimentos;

- as etapas de unificação dos diversos Orçamentos utilizados no País; aadoção dos capítulos como etapa para o conhecimento dos instrumentos e oposicionamento correto dos recursos e dos créditos visando ao documento final,unificado;

- a avaliação final da eficácia e eficiência no setor público da economianacional.

4.2. A transparência resultante da adoção das medidas alvitradas e suasdecorrências.

As idéias até aqui expostas pretendem, de forma geral, não s6 a pura e simplesformulação de documentos ou de procedimentos, mas a obtenção final da necessáriatransparência para o conhecimento das intenções e a explicitação de como asautoridades desejam promover a solução dos problemas que lhes são presentes e decomo expandir a atividade nobre que lhes está afeta.

Como decorrência de todo esse proceder, a par de que o Congresso Nacionalficaria dispensado de toda a parafernália técnica, absolutamente desnecessária para aaferição da moralidade pública, de difícil utilização tempestiva para os Congressistas epara a sociedade em geral, dada a exigência temporal para seu conhecimento e suaavaliação detalhada.

O maior benefício, entretanto, estaria na verdadeira posição privilegiada que acomunidade desfrutaria quanto à faculdade de avaliação dos resultados e dosprocedimentos adotados.

Ao controle externo, finalmente, como órgão auxiliar do Poder Legislativo, talreformulação dos procedimentos atuais representaria maior expressão quanto às suasfinalidades, dada a abrangência das instituições e do volume de recursosadministrados, bem como as necessárias medidas legislativas que seriam reclamadaspela adoção de novos comportamentos.

Em decorrência, os Tribunais teriam que responder com dinamismo, adotandoprocedimentos ágeis e tempestivos, tanto quanto os demais entes envolvidos noprocesso.

Às cortes de Contas caberiam, à semelhança do procedimento do PoderLegislativo, verificar quanto à realização da despesa, formal e tempestivamente, bemquanto ao alcance de seus objetivos, uma vez que as Casas Legislativas teriamapreciado sob ângulo da oportunidade, e não mais como procediam anteriormente, coma pura aferição aritmética.

Os Tribunais de Contas promoveriam, assim, um controle eficiente e, certamente,estaria o País seguro de que as decisões das suas Cortes de Controle Externo, dado o

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conhecimento universal resultante da nova metodologia e da participação dacomunidade, resultariam de todo modo eficazes pelo próprio posicionamento dasociedade para com seus gestores e seus Legisladores.

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SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS DECONTAS

GERALDO DE OLIVEIRA FERRAZConselheiro

SUMÁRIO

1. O CONCEITO DE JURISPRUDÊNCIA

1.1. O conceito comum de jurisprudência

1.2. O conceito técnico-jurídico

2. POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NA SISTEMÁTICADAS FONTES

DO DIREITO

2.1. Fonte formal?

2.2. Fonte material do Direito

3. A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

3.1. Uma função singular

3.2. Funções específicas

4. SISTEMATIZAÇÃO DAS DECISOES, IMPERATIVO DEJUSTIÇA E SEGURANÇA

4.1. Os vários critérios

4.2. Critérios do Direito Privado

5. AS SÚMULAS DE JURISPRUDÊNCIA

5.1. A súmula de jurisprudência predominante

5.2. As súmulas jurisprudenciais

6. NATUREZA JURÍDICA E PAPEL DA SÚMULA

6.1. Súmula vinculatória, ou quase

6.2. Súmula não-vinculatória

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7. A SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS DECONTAS

7.1. Legitimidade da Súmula do TCU

7.2. Os tribunais locais e o principio da simetria

8. A CHAMADA SUMULAÇÃO

9. CONCLUSÃO

10. BIBLIOGRAFIA

1. O CONCEITO DE JURISPRUDÊNCIA

Têm os autores conceituado a jurisprudência das mais diferentes formas, seja istodevido à própria evolução histórica do instituto em si, seja porque filiado, o estudioso, aessa ou àquela corrente doutrinária, seja, enfim, porque enxergado apenas um dosseus aspectos. E há, mais, por razão das diversificadas definições, o fato de que écorrente um conceito vulgar, dicionarizado, de parelha com o conceito técnico-jurídico;este, por sua vez, perlustra os caminhos de diversos sentidos.

Eis por que nos impõe o dever de clareza e precisão, de logo, selecionar, entreuns e outros, o conceito que efetivamente nos guiará na consideração do tema.

1.1. Conceito comum de jurisprudência

Está no Koogan Larousse: "Jurisprudência - Interpretação das leis pelos tribunais.Conjunto de decisões de um tribunal sobre matéria de direito" ("Pequeno DicionárioEnciclopédico Koogan Larousse"). No Dicionário Aurélio, tem-se a noçãoclassificamente dicionarizada de jurisprudência: "Ciência do direito e das leis". E, emseguida, notícia mais precisa, quase a tocar os extremos do conceito técnico-jurídico:"Conjunto de soluções dadas pelos tribunais superiores às questões de direito.Interpretação reiterada que os tribunais dão à lei, nos casos concretos submetidos aoseu julgamento".

Como "ciência do direito e das leis", definem-na classicamente MORAIS SILVA,CALDAS AULETE, LAUDELINO FREIRE e CÂNDIDO DE FIGUEIREDO, para ficarmosapenas com os autores de maior nomeada (confira R. LIMONGI FRANÇA, "O Direito, aLei e a Jurisprudência", São Paulo, 1974). Ironicamente, o mais popularizado. dicionáriojurídico brasileiro, o "Vocabulário" de PLÁCIDO E SILVA, não deixa o consulente muidistante da noção vulgar de jurisprudência, definindo-a como "ciência do Direito vistacom sabedoria" (ou seja, literalmente, de jus,. Direito, e prudentia, sabedoria) e, ainda,como: "o Direito aplicado com sabedoria" ("Vocabulário Jurídico", Rio, 1982).

1.2 O conceito técnico-jurídico

Há um conceito clássico, que nos vem de ULPIANO, geralmente traduzido assim:"o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto". Tallição, colhida no Digesto, veio mais tarde a ser incorporada às INSTITUTAS deJustiniano, de onde se difundiria para todas as legislação de tradição romanística.

Como esclarece o Professor WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, emprecioso artigo na Revista Forense, "para os romanos, juris prudentia era a própriaciência do direito. Iurisprudentes chamavam-se os homens capazes, que determinavamo direito aplicável aos casos concretos" (Revista Forense, volume 202, abril-junho de1963).

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A largueza da conceituação romana, traduzida na definição de ULPIANO, e comoa explicita o doutrinador paulista, vem sendo, no entanto, paulatinamente desprezada, àmedida que o Direito larga distância dos velhos tempos do juiz-sacerdote. Diz, comefeito, o Ministro MOREIRA ALVES, no seu magnifico manual de Direito Romano:

"Nos tempos primitivos, a jurisprudência romana era monopolizada pelospontífices. Esse monopólio - em decorrência do rigoroso formalismo quecaracteriza o direito arcaico - consistia em deterem os pontífices o conhecimento,não só dos dias em que era permitido comparecer a juízo (dias fastos, emcontraposição aos dias nefastos, em que isso era proibido), mas também dasfórmulas com que se intentavam as ações judiciais" ("Direito Romano", Rio, 1971,volume I).

Idêntica é a lição que se colhe no DIGESTO ITALIANO, em excerto quetraduzimos ao pé da letra, no sentido de que a filosófica concepção romana dejurisprudência se deve às raízes religiosas do seu direito:

"O colégio dos pontífices tem grande importância na história do direitoromano. Nele se elaboram os princípios da jurisprudência espiritual e temporal,compilando-se a lista dos dies fasti, nefasti e comitiales'' ("Novíssimo DigestoItaliano", verbete "Iuris prudentia", por SALVATORE RICCOBONO).

Hodiernamente, com a secularização completa do Direito, guarda maior interesseo conhecimento do sentido técnico, prático, da noção de jurisprudência, sem asvestimentas filosófico-religiosas de antanho.

ALFREDO BUZAID, lídimo representante do processo científico brasileiro,esculpiu, em traços que não merecem críticas, a seguinte conceituação:

"O vocábulo jurisprudência serve para exprimir o complexo de decisõesproferidas pelo Poder Judiciário, no efetivo desempenho da função jurisdicional"(ver seu prefácio ao livro de SIDNEY SANCHES, "Uniformização daJurisprudência", São Paulo, 1975).

CARLOS MAXIMILIANO, à sua vez, diz que se chama "jurisprudência, em geral,ao conjunto das soluções dadas pelos tribunais às questões de Direitos; relativamente aum caso particular, denomina-se jurisprudência a decisão constante e uniforme dostribunais sobre determinado ponto de Direito" ("Hermenêutica e Aplicação do Direito",Rio, 1981).

Por sinal, os dois acatados mestres não deixam de salientar o requisito darepetitividade, ou reiteração das decisões no mesmo sentido, para que se possa falarem jurisprudência. Citando GMÜR, MAXIMILIANO diz que "uma decisão isolada nãoconstitui jurisprudência; é mister que se repita, e sem variações de fundo" (obra citada).O mentor do nosso atual Código de Processo Civil, de sua parte, esclarece que só ainterpretação sucessiva e idêntica constitui verdadeiramente jurisprudência. Ao soprodesse entendimento, a Ley de Amparo mexicano considera haver "jurisprudênciaconstituída" quando cinco decisões posteriores ratificam a primeira, e tenham obtidoaprovação de, pelo menos, 14 ministros da Suprema Corte de Justiça.

Não se esgota aí, no entanto, a perquirição do que se deve entender porjurisprudência.

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De fato, quando se diz que "a jurisprudência do Supremo Tribunal é modelo desabedoria", o termo tem um sentido diverso do que possui ao se falar, por exemplo, em"um bom repertório de jurisprudência", ou, "a jurisprudência sobre correção monetária".Jurisprudência é, pois, termo que tem diferentes sentidos, quer na linguagem vulgar,quer na técnica.

Nos próprios conceitos fornecidos por BUZAID e MAXIMILIANO, estão visíveisdois sentidos em que se utiliza o termo: um, na acepção de complexo de decisões deum tribunal, no exercício da função própria; outro, com o significado menos abrangentede decisões reiteradas de um tribunal sobre um mesmo tema jurídico. Só divergem osdois autores no uso dos termos complexo e conjunto, aquele, tecnicamente preferível aconjunto, que dá a falsa idéia de mero somatório.

E os próprios dicionaristas, em maioria, dão-lhe significações várias, como o fazPEDRO NUNES, no seu "Dicionário de Tecnologia Jurídica", Rio, 1958. Para ele, sãotrês os Significados da palavra "jurisprudência":

"1) ciência do direito;

2) modo pelo qual os tribunais realizam, interpretativamente, a aplicaçãoconcreta dos princípios legais vigentes;

3) conjunto de decisões uniformes de um ou vários tribunais sobre o mesmoassunto."

É LIMONGI FRANÇA, no entanto, quem oferece a enumeração mais extensa dosmúltiplos sentidos da palavra, tanto na obra citada quanto no verbete que escreveupara a ENCICLOPÉDIA SARAIVA DE DIREITO:

"1) o primeiro, um conceito lato, capaz de abranger, de modo geral, toda aciência do direito, teórica ou prática, seja elaborada por jurisconsultos, seja pormagistrados;

2) o segundo, ligado à etimologia do vocábulo, consistiria no conjunto dasmanifestações dos jurisconsultos (prudentes) ante questões jurídicasconcretamente a eles apresentadas;

3) o terceiro, o de doutrina jurídica, teórica, prática, ou de dupla natureza;vale dizer, o conjunto das indagações, estudos e trabalhos, gerais e especiais,levados a efeito pelos juristas, sem a preocupação de resolver imediatamenteproblemas concretos atuais;

4) o quarto, o de massa geral das manifestações dos juízes e tribunaissobre as lides e negócios jurídicos submetidos à sua autoridade, manifestaçõesessas que implicam uma técnica especializada e um rito próprio, imposto por lei;

5) o quinto, finalmente, o de conjunto de pronunciamentos por parte domesmo Poder Judiciário, num determinado sentido, a respeito de certo objeto, demodo constante, reiterado e pacífico."

E ainda há quem fale em "jurisprudência de interesses" (EHRLICH e HECK),"jurisprudência analítica" (JOHN AUSTIN) e "jurisprudência teleo16gica" (IHERING,GENY), mas já em campo que por ora não nos prende a atenção, o da interpretação

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das normas jurídicas (confira "Lógica Jurídica e Interpretação das Leis", L. FERNANDOCOELHO, Rio, 1979, e "Tempo e Direito", de LORENZO CARNELLI, Rio, 1960).

O objetivo da longa dissertação, com a convocação da palavra de variadosautores, é fixar, no limiar deste despretensioso esforço, o exato sentido em que nelenos utilizaremos da palavra "jurisprudência". Complexo de decisões proferidas por umou mais tribunais, no efetivo desempenho de suas funções próprias, num mesmosentido, a respeito de certo objeto, de modo reiterado - esta a primeira e principalacepção em que usaremos do vocábulo, no presente trabalho; massa geral demanifestações do mesmo tribunal sobre questões jurídicas submetidas à suaautoridade, este o segundo sentido, a que de igual modo faremos menção.

2. POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NA SISTEMÁTICA DAS FONTES DODIREITO

2.1. Fonte formal?

Tema de palpitante interesse jurídico, filosófico e prático, a jurisprudência tem feitoacirrados adversários e leais defensores. Conta-se que PETRARCA a considerava"uma desgraça" e que KIRCHMAN lhe negava qualquer valor como ciência."SHAKESPEARE a comparou à Bíblia, onde o próprio diabo pode encontrarargumentos que lhes justifiquem os atos" (confira WASHINGTON DE BARROSMONTEIRO, estudo citado).

No plano das legislações, o Código Napoleônico não lhe deu a honra de uma s6palavra, no que foi seguido pelos códigos italianos, o primitivo e o de 1942, peloaustríaco e pelo alemão.

No direito luso-brasileiro, desde as Ordenações Manuelinas (Livro V, Título 59,parágrafo 1), os assentos da Casa da Suplicação se destinavam a dirimir dúvidas nainterpretação das leis. Mas, como atiladamente observa o professor ROBERTOROSAS, em estudo publicado na Revista dos Tribunais, volume 404, inexistente atripartição dos Poderes, a justiça da época era exercida toda ela em nome do rei, peloque não se poderia falar, a rigor, em jurisprudência dos tribunais. Di-lo igualmenteLIMONGI FRANÇA, na obra citada, salientando que a Casa da Suplicação exercia talmister por delegação do rei, a quem, de resto, poderia subir a "dúvida", se em dúvidaestivessem todos os membros daquele Tribunal.

No Brasil-Império, resolução da Assembléia Geral, de 1875, inaugurava nova fasedos assentos. Sancionada pelo Decreto imperial n° 2.684, "o diploma legal dava forçade lei aos assentos da Casa da Suplicação de Lisboa, tomadas entre 1805 e a data daIndependência, além de conferir competência ao ST de Justiça para tomar outros" ("OSTF e a nova fisionomia do Judiciário". NELSON DE SOUSA SAMPAIO, RevistaForense, volume 273).

Com a primeira Constituição republicana, e a separação dos Poderes, aparentegolpe abalaria o prestigio da jurisprudência. Já dispunha o art. 179, n° 1, daConstituição de 1824, que ninguém seria obrigado a fazer ou deixar de fazer algumacoisa senão em virtude de lei. Este preceito seria repetido na Constituição de 1891, art.72, § 1°, e hoje se inscreve no art. 153, § 2°, da vigente Lei das Leis.

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Foi no regime da Constituição de 1891, no entanto, que a primitiva Lei deIntrodução ao Código Civil, em seu art. 7°, estatuiria que, na ausência da lei, o juizdecidiria de acordo com os casos análogos e os princípios gerais de direito, o que,inegavelmente, significou o prestigiamento da função judicante, emprestando-lhepoderes para "criar" o preceito, o direito do caso concreto. E o faz sem ofensa aoprincípio da indelegabilidade dos poderes, eis que é pela voz da própria lei que recebetraçados os limites do direito a criar, que se contém, de outra parte, nos própriosparâmetros que lhe são dados (os casos análogos e os princípios gerais de direito).

Fiel ao seu modelo, o Código Civil Brasileiro não disse palavra sobre ajurisprudência. Foi a Lei de Introdução, outra vez, com a reforma de 1942, que veioarrolar, entre as balizas traçadas ao órgão jurisdicional, os costumes (art. 4°). At, entreos costumes, têm encontrado os autores meios defensáveis para incluir, na vestimentade costume judicial, a jurisprudência (SAVIGNY e a Escola Histórica, em geral).PLANIOL e RIPERT, entre outros, ensinam que "a jurisprudência é um direitocostumeiro de formação nova" (apud DÉLIO MARANHÃO, "Instituições de Direito doTrabalho", Rio, 1982, volume I). E COVIELLO, que "a jurisprudência será fonte dodireito, na medida em que se converta em verdadeiro costume" (confira obra e autorcitados).

E, ainda paradoxalmente, no regime da Constituição de 1891 fez-se o maisousado esforço para transformar a jurisprudência em fonte do direito. Dispôs, comefeito, o art. 59, § 2°, da nossa primeira Constituição republicana, na Seção quecuidava do Poder Judiciário:

"Nos casos em que houver de aplicar as leis dos Estados a justiça federalconsultará a jurisprudência dos Tribunais locais, e vice-versa, as justiças dosEstados consultarão a jurisprudência dos Tribunais Federais, quando houveremde interpretar leis da União."

A despeito da opinião favorável nos clássicos comentários de JOÃO BARBALHO,no sentido da vinculação das jurisprudências locais à jurisprudência federal, o SupremoTribunal, na postura comedida que o caracterizaria, e sob inspiração do grande PEDROLESSA, tornou letra morta o preceito.

E, quando o Decreto n° 23.055, de 9 de agosto de 1933, pretendeu conferir forçanormativa à jurisprudência do Supremo Tribunal, a idéia igualmente não vingou.

Na doutrina pátria, CARLOS MAXIMILIANO é crítico severo da jurisprudência,reconhecendo-lhe o valor na interpretação, mas verberando o "verdadeiro fanatismopelos acórdãos" e a "mania aresteira". É digna de menção essa advertência doinesquecível jurista: "Copiam-se, imitam-se, contam-se os precedentes; mas depesá-los não se cuida" (confira sua obra já citada).

AZEVEDO MARQUES, vigoroso crítico da jurisprudência, em palestra naFaculdade de Direito de São Paulo, em 1928, de igual modo condenou a "idolatria dachamada jurisprudência", como fruto da "inércia intelectual" (Revista dos Tribunais,volume 65, fevereiro de 1928).

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Mas, não restam dúvidas quanto ao crescente prestígio da jurisprudência.Imposição da necessidade, é o próprio legislador que a tem acolhido, como logo maisse verá.

O próprio Anteprojeto do Código de Processo Civil de 1973 revivescia o assento,induvidosa consagração da jurisprudência, ainda que por via indireta e emboraremoçando o instituto sob evidente influência do "common law system".

Entre os francos simpatizantes da jurisprudência, contam-se o Ministro BARROSMONTEIRO ("Curso de Direito Civil", volume I, 1977), VICENTE RÃO ("O Direito e aVida dos Direitos", volume I, tomos II e III, 1976, São Paulo) e toda uma plêiade dejuristas brasileiros, que, sem emprestar eficácia normativa às decisões judiciais contralegem, não têm dúvida em reconhecer-lhes pleno valor, quando julgam praeter legem, equando servem à reconstrução do direito e ao preenchimento de suas lacunas.

Decerto que há posições extremadas, duma e doutra parte, ORLANDO GOMES("Introdução ao Direito Civil", Rio, 1957, e "Curso de Direito do Trabalho", Rio, 1978)reconhece à jurisprudência, tão-somente, o valor de elemento de interpretação. Já oProfessor PEREIRA LIRA, fazendo coro com a chamada "tese realista", não titubeia emdizer que a "história sincera dá instituições jurídicas pode ser extraída dos depósitos dajurisprudência" e que hoje estamos vivendo "a hora e a vez da jurisprudência, que estádeixando de se um paiol, "um estoque" desordenado, para vir, futuramente, adescartar-se na jurisprudência científica...- ("O Direito Sumular", Revista do ServiçoPúblico, volume 106).

Mas a unanimidade dos juristas está de acordo em que, nas legislações detradição romanística, sem constituir fonte formal do Direito, a jurisprudência colherelevante importância na interpretação jurídica, e inegável, de fato, é o seu papel deautêntica "forma de revelação do Direito, que se processa através do exercício dajurisdição" (MIGUEL REALE, "Lições Preliminares de Direito", São Paulo, 1973). Aludemesmo KELSEN, embora na perspectiva da plenitude jurídica, à "criação de normasjurídicas gerais pelos tribunais", a que dedica extensas considerações (HANS KELSEN,"Teoria Pura do Direito" Coimbra, 1974). Nega, outrossim, caráter simplesmentedeclaratório à decisão judicial, atribuindo-lhe valor igualmente constitutivo, por isso que,para KELSEN, o circuito de elaboração do direito principia na Lei Fundamental e secompleta na sua aplicação concreta e individualizada, na sentença. E LIMONGIFRANÇA, declarado adepto de uma corrente moderada de opinião, quanto à eficáciaerga omnes dos julgados, não deixa de reconhecer, melancolicamente, "como um fato,a repetida existência de julgados contra legem ... " ("b Direito, a Lei e a Jurisprudência",citada).

MIGUEL REALE, invocando ASCARELLI, é quem melhor traduz, porém, omoderno papel da jurisprudência:

" ... Pode-se mesmo dizer que o seu alcance aumenta dia a dia, comodecorrência da pletora legislativa e pela necessidade de ajustar as normas legais,como modelos normativos abertos (standards), às peculiaridades das relaçõessociais" (obra citada).

Já nos referimos ao vigente art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil, comohipótese aventada pelo legislador, em que o juiz se acha autorizado a "criar" o direito a

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aplicar ao caso concreto. Aqui, a jurisprudência será fonte do direito, sem dúvida, aindaque limitada pelo que a doutrina convencionou chamar "pré-direito", ou seja, o materiallegislativo fornecido pela própria lei.

Mas outras hipóteses vamos encontrar, em que o legislador confere igualpossibilidade ao juiz. Está no art. 126 do Código de Processo Civil a primeira:

"O juiz não se exime de sentenciar ou despachar, alegando lacuna ouobscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais;não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais dodireito."

Repetição, portanto, do preceito inserto na Lei de Introdução ao Código Civil.Comentando o artigo, anota SAHIONE FADEL:

"A jurisprudência, ou conjunto de decisões sobre um mesmo tema jurídico, éuma fonte autêntica de direito." E arremata: "As leis representam o direitoestático; a doutrina e a jurisprudência, o direito dinâmico. Não é possívelpretender que regras estáticas regulem toda a atividade dinâmica da sociedade"("Código de Processo Civil Comentado", volume I, Rio, 1981).

Já a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n° 5.452/43,alude expressamente à jurisprudência como fonte de direito do trabalho, embora naconfusa redação do seu art. 8°.

"As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta dedisposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pelajurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais dedireito..."

O Ministro MOZART VICTOR RUSSOMANO, sem desconhecer a opinião dos queconsideram a jurisprudência mero elemento de interpretação, não hesita em dar a mãoao legislador, alinhando-a expressamente entre as fontes formais secundárias do direitodo trabalho ("Curso de Direito do Trabalho", Rio, 1974).

Outrossim, vamos encontrar exemplos de uma corajosa jurisprudência contralegem na própria Súmula da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal.O Verbete n° 343, respeitante à ação rescisória, simplesmente rejeita o retrocesso doart. 485, V, na referência à violação de "literal disposição de lei". Ora, entendeu aSuprema Corte, até mesmo à frente dos demais tribunais, a completa incompatibilidadeda expressão com qualquer dos métodos de interpretação modernos, seja o lógico, oteleológico, seja o histórico-evolutivo, claramente acolhidos no texto do art. 5° da Lei deIntrodução ao Código Civil, que absolutamente repele a literalidade da lei comoexpressão verdadeira do direito. Também o Verbete n° 400, no mesmo sentido e emtema de recurso extraordinário, é exemplo de "jurisprudência arejada, necessariamentecontra legem", ao repelir o cabimento de recursos extraordinário a "decisão que deurazoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor".

Exemplos nunca esquecidos são, igualmente, a jurisprudência revogadora do art.1.523, segunda parte, do Código Civil, sobre a culpa in eligendo e in vigilando e a queevoluiu para a investigação de paternidade dos adulterinos a mestre.

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Mas a autoridade da jurisprudência realmente encontra sua mais alta expressãono próprio texto constitucional. Ao cuidar do recurso extraordinário - que, como serecorda, tem por finalidade tutelar a autoridade e unidade da Constituição e da LeiFederal, fazendo-o através da uniformidade de sua interpretação -, estatui a LeiSuprema, entre as hipóteses de seu cabimento, aquela em que "a decisão recorrida derà Lei Federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro tribunal ou o próprioSTF" (art. 119, III, d).

Emerge do preceito, está visto, o mais cabal prestígio a jurisprudência.

Sem necessidade, no entanto, de afirmações extremas, nesse ou naquele sentido,forçoso é concluir que o Direito não se manifesta em modelos fechados e soluçõesdefinitivas, indiferentes aos reclamos da realidade social. Desde a obra de ZITELMANN- "As Lacunas do Direito" -, ficou evidenciado que o Direito não está contido, por inteiro,no texto escrito, como queriam os primeiros comentadores do Código Civil Francês,para quem, na expressão de BUGNET, um dos seus corifeus, não conheciam Direitofrancês, antes ensinavam o Código Napoleônico!...

Por influência de ZITELMANN, a Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4°,reconhece claramente a realidade das lacunas legislativas, e dentro das perspectiva deplenitude do Direito, enquanto ordenamento, manda ao juiz supri-las, pelos meios queaponta. Sob este aspecto, aliás, já estivemos em nível mais avançado, desde quando oCódigo de Processo de 1939, nas pegadas do Código Civil Suíço e sob inspiração deEHRLICH, ordenava ao julgador, sempre que autorizado a decidir por eqüidade, aplicara norma que estabeleceria se fosse legislador (art. 114).

O que em regra intimida o jurista é a magia dos textos, herança já vacante daEscola de Exegese e seus "explicadores da lei", ao lado duma incompleta compreensãodos fins do Direito. ~LER já desvendara, na indagação dos fins, o que hoje se preferevisualizar através do valor que a lei busca preservar ou atualizar (MIGUEL REALE, obracitada). Graças à obra de IHERING, aí temos o art. 5° da Lei de Introdução ao CódigoCivil: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e àsexigências do bem comum". Mas é a KOHLER que devemos imorredoura lição, nosentido de que "os princípios contidos nas leis são forças orgânico-dinâmicas, as quais,introduzidas nas relações da vida humana, podem agir na determinação de suaconformação", segundo a versão de MÁRIO FRANZEN DE LIMA ("Da InterpretaçãoJurídica", Rio, 1955).

Ora, o texto é estático. Isto diz tudo.

2.2. Fonte material do Direito

Como sabemos, segundo a classificação tradicional, as fontes do direito podemser materiais e formais. Estas são os modos, as formas, a vestimenta exterior do direito,para sua manifestação e imposição no meio social.

As fontes materiais são as necessidades sociais, "o húmus social" (PAULROUBIER), que levam o legislador a dar, a determinada norma de conduta, umconteúdo jurídico positivo. Essas necessidades representam a matéria (daí, materiais)que constitui o conteúdo da norma legal. Para DEL VECCHIO, a fonte essencial dodireito está no próprio espirito humano, "em sua natureza própria e universal, em sua

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vocação imanente e indefectível para o direito". Para as correntes marxistas, a fonteessencial estaria na infra-estrutura econômica, da qual o Direito seria expressão. Paraos sociologistas do Direito, este seria o "controle social organizado" (BOGADUS).

Digressões nesse ou naquele sentido seriam inúteis. Para os objetivos dopresente trabalho, basta-nos ficar com a noção de necessidade, de fatos sociais, comoexpressão legitima das fontes materiais do direito (ubi societas, ibi ius). E é evidenteque, sendo os tribunais o ponto de convergência dos interesses em conflito, aí seexpressem, de forma insistente e objetiva, parcela expressiva das necessidades eanseios sociais.

Encontrando-se o Poder Judiciário, desse modo, no centro de convergência deinúmeros conflitos sociais, a despeito de individualizados, é natural que, do frutoquotidiano de seu trabalho de apaziguamento e adaptação do direito à vida, se valha olegislador na construção das novas fórmulas jurídicas.

A jurisprudência exerce, assim, função laboratorial, onde o legislador há de buscarinspiração. R. LIMONGI FRANÇA ensina que a jurisprudência exerce cincosignificativas funções específicas: interpretar, vivificar, humanizar, suplementar erejuvenescer a lei. Para HENRI CAPTTANT, complementar, modificar e recobrir de umanova vegetação o direito escrito nos textos legislativos.

Ora, nessa perspectiva de "direito realmente vivo, direito em ação, parte animadada legislação" (DEMOLOMBE), é inescusável a função orientadora da jurisprudência,qual timoneiro experiente a guiar o legislador nas águas revoltas dos fatos sociais...

Não se conta o número das leis brasileiras extraídas do cadinho da jurisprudência.SEABRA FAGUNDES ("Contribuição da Jurisprudência à Evolução do DireitoBrasileiro", Revista Forense, n° 126) alinhou, em circunstância do trabalho de pesquisa,os mais variados exemplos de criações jurisprudenciais que resultaram na alteração deleis, ou na edição de lei nova. OSCAR TENÓRIO ("A Formação Judicial do Direito",Revista Forense, n° 211) demonstra igualmente a valiosa contribuição da jurisprudênciabrasileira na construção do direito e na uniformização da interpretação jurídica. Édesnecessário, alfas, insistir quanto à grandiosa obra da jurisprudência pátria naedificação e burilamento dos mais expressivos monumentos legislativos.

Somos dos que enxergam, no universo das fontes materiais do direito, as suasfontes específicas. São reivindicações de grupos, ação organizada de certascoletividades, fenômenos políticos como as guerras e revoluções, que, a par deinseridas no todo dos fenômenos sociais, se constituem em causa específica dedeterminadas normas jurídicas.

E as soluções dos tribunais, órgãos especializados no equacionamento dodramático trinômio fato, valor e norma, quando remarcadas dos requisitos essenciais deuniformidade e reiteração, constituem, sem dúvida, na sistemática das fontes materiaisdo direito, a sua mais autorizada fonte especifica, já pela autoridade do órgão dondepromanam, que tem o aval da especialização e da experiência, já pelo nível cientificoque logram alcançar.

Sirva-se o legislador desse manancial, e bem mais cristalino e puro será o mar dalegislação, embora certamente menos revolto e volumoso...

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3. A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

3.1. Uma função singular

Acabamos de nos referir, no capitulo anterior, às funções geralmente atribuídas àjurisprudência: interpretar, vivificar, humanizar, suplementar e rejuvenescer a lei(LIMONGI FRANÇA); ou: complementar, enriquecer, modificar e recobrir de uma novavegetação o direito escrito, para HENRI CAPITANT.

No atinente aos Tribunais de Contas, no entanto, a par das funções quegeralmente lhe são reconhecidas, a jurisprudência anima-se de característicasespecíficas.

Com efeito, exercem as Cortes de Contas um papel singular em face dos seusjurisdicionados. Ao Poder Judiciário incumbe o exame e solução do "conflito deinteresses qualificados por uma pretensão resistida", ou seja, a lide. Nesse mister, oórgão jurisdicional, segundo o critério de CHIOVENDA, se substitui à atividade daspartes, a quem, originariamente, incumbiria a auto tutela dos próprios interesses. Ematuação substitutiva, o juiz aplica o direito, declarando o interesse protegido peloordenamento jurídico ("Instituições de Direito Processual Civil", GIUSEPPECHIOVENDA, tradução brasileira de GUIMARÃES MENEGALE, São Paulo, 1969).

Aos Tribunais de Contas, diversamente, não incumbe a solução de conflitos deinteresses. Se secundária é, para CHIOVENDA, a atividade jurisdicional (pois a primáriaseria a atuação das partes, em defesa direta de seus interesses), a função do Tribunalde Contas é, sob esse aspecto, um tertius genus, que não encontra símile no esquemachiovendiano.

Com efeito, se o particular que vai a juízo atua no próprio interesse, o mesmo nãose dá com a Administração Pública, a que, em face do Tribunal de Contas, apenascompete atuar o direito. Se ao particular, em principio, é dado fazer tudo o que a lei nãoproíba (principio liberalista ainda hoje inscrito na Carta Magna, art. 153, § 2°), àAdministração Pública só é licito fazer o que a lei mande, explícita ou implicitamente. Aoser a sua atividade levada ao exame do Tribunal de Contas, portanto, não é o interesseda Administração que se acha em litígio (como se dá no Poder Judiciário), mas é opróprio direito, já aplicado primariamente pela Administração, que será apreciado.

A função jurisdicional é suprapartes; a do Tribunal de Contas é não só extrapartes,como de nova dicção do direito, anteriormente aplicado. A Administração atua o direito;o Tribunal de Contas confere a aplicação dada pela Administração com o modelo legal.

Dessa função singular resulta redobrada a importância da dicção do direito, peloTribunal de Contas, e, essencialmente didática a função de sua jurisprudência.

É de quase nenhum interesse o indagar, aqui, quanto à eventual força vinculanteda interpretação dada à lei pelo Tribunal de Contas, em face das entidades fiscalizadas.Avulta de importância, ao contrário, verificar quão útil e nobre é a jurisprudência que seantecipa aos fatos, propõe-se à atividade administrativa, e diz o caminho a seguir.

Se é verdade que a jurisprudência dos órgãos do Poder Judiciário vivifica esuplementa o direito, as construções jurisprudências dos Tribunais de Contas, a par dodesempenho de idênticas funções, aplaina previamente o caminho do administrador,

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indicando-lhe o melhor modo de aplicar a lei, traçando-lhe rumo seguro na prevençãode irregularidades. Ora, essa função didática só a exercem os Tribunais de Contas,perante seus jurisdicionados, já que só indiretamente as decisões judiciais orientam oscidadãos, na globabilidade da sua vida.

De modo que nunca será excessivo realçar o papel singular, único, dajurisprudência dos Tribunais de Contas, como meio especifico, imediato e direto deorientação aos que aplicam o direito. Diversamente, a jurisprudência dos órgãos doPoder Judiciário exerce, em regra, orientação apenas indireta, mediata. E não a quemincumbe aplicar o direito, mas a quem o direito é aplicado.

Caso peculiar é o das tomadas de contas especiais, em que o Tribunal de Contasatua como órgão jurisdicional. O aprofundamento da discussão quanto à naturezajurídica desse julgamento não caberia ser feito aqui, já porque controversa a matéria, jáporque se trata de tema clássico, exaustivamente abordado por outros estudiosos,particularmente nos congressos de Tribunais de Contas, sendo de recordar a tese deCASIMIRO COSTA, porque apresentada já no I Congresso, realizado em 1958, naCapital de São Paulo ("As Funções Jurisdicionais dos Tribunais de Contas").

3.2. Funções específicas

A principal das funções da jurisprudência dos Tribunais de Contas é, como ficoudito, orientar a Administração Pública, na atuação do direito:

a) de um lado, traça balizas para o administrador público, quer quando pauta suasações no caminho traçado pelo Tribunal, quer quando consulta previamente o mesmoórgão, antes de atuar;

b) de outra parte, as decisões do Tribunal de Contas constituem fonte permanentede inspiração para os órgãos de controle interno, que, afinal, existem para assegurar a"eficácia do controle externo" (Constituição Federal, art. 71, inciso I);

c) como a jurisprudência pretoriana em geral, também as construçõesjurisprudências dos Tribunais de Contas, se firmes e uniformes, subtraemconsideravelmente o volume dos pleitos judiciais, já porque, emanadas de um órgãoespecializado, oferecem orientação segura aos órgãos da Administração, na função deatuar o direito, já porque desestimulam o terceiro interessado, que tem, em face delas,a decisão de uma "instância" estranha à entidade pública com que estaria disposto alitigar judicialmente. Aliás, bem meditada essa função apaziguadora de conflitos,observa-se que ela se desdobra no papel de inspirar o próprio Poder Judiciário, cujareiterada tradição tem sido no sentido de prestigiar o tribunal especializado. Nesserumo é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Enunciados 6, 7, 42 e 347 daSúmula);

d) e ainda há outra relevante função da jurisprudência em geral, que, no âmbitodas Cortes de Contas, assume especial feição. É que ela agiliza e simplifica a ação dosseus próprios órgãos instrutivos, na medida em que lhes indica o caminho certo aperlustrar, no exame diário de processos e no eventual exercício das inspeções in loco.

Ora, é sabido que uma das mais valiosas funções da jurisprudência pretoriana,sobretudo se erigida em súmulas, é a simplificação do exame de recursos processuais,especialmente em matéria de cabimento. No Tribunal de Contas, ao contrário do que

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ocorre nos órgãos judiciários, extensa é a matéria reservada à análise dos órgãosinstrutivos, que têm, assim, na jurisprudência, utilíssimo instrumento de trabalho.

Não só os órgãos instrutivos e as entidades fiscalizadas se beneficiam, porém, dajurisprudência, como instrumento de trabalho e fonte de orientação. Também o julgadornecessita e usa dos casos precedentes. A necessidade de atualização permanente dospróprios Ministros é, alfas, uma das razões da criação da Súmula de JurisprudênciaPreminante do STF, na palavra autorizada de VICTOR NUNES LEAL, seu idealizador(Conferência proferida em Belo Horizonte, em 12 de agosto de 1964, publicada naREVISTA FORENSE, volume 208).

Outrossim, a identidade de matéria, uma das características dos processos emgeral examinados pelos Tribunais de Contas, conjugadas com o principio da economiaprocessual, aconselha não s6 a fixação de orientação unificada, nas chamadasdecisões normativas, como a formulação de enunciados específicos de jurisprudênciauniforme, cuja adoção é uma necessidade dos tempos.

4. SISTEMATIZAÇÃO DAS DECISÕES, IMPERATIVO DE JUSTIÇA ESEGURANÇA

Ensina a filosofia jurídica, tradicionalmente, que o objetivo do direito é a segurançae a justiça, enunciado na fórmula: a segurança no justo. Para RECASÉNS SICHES, noentanto, vão mais além os móveis do direito, pois, paradoxalmente, aspira também aopaulatino aperfeiçoamento. No que, diga-se de passagem, o direito segue as pegadasda criatura humana, na antinômica aspiração à segurança e ao progresso.

Ora, reside aí, no permanente anseio de alargar horizontes e preservar asegurança e a justiça, a mais fundada autoridade e o lídimo fundamento dajurisprudência, na medida em que atualiza o direito para proporcionar segurança nojusto.

Injustas, porém, serão as decisões judiciais, se julgarem de modo diversohipóteses idênticas. Decisões conflitantes não produzem jurisprudência, senãoinsegurança e iniqüidade. Nada desagrada mais à parte do que a incerteza do seudireito ou ver este julgado de modo diverso de igual direito de outrem.

Corno se nota, estando a questão da jurisprudência diretamente ligada aospróprios fundamentos do direito, imperiosa é a necessidade de decisões uniformes emhipóteses iguais, sob pena de disseminar-se a insegurança e propagar-se odesprestígio da função judicante. Ademais, a especialidade e complexidade progressivadas matérias e o alarmante crescimento do volume de litígios de há muito têmdesafiado a imaginação dos juristas.

4.1. Os vários critérios

Vários critérios foram propostos, no sentido de alcançar a uniformidade deexegese das normas jurídicas, meio inevitável para superar o grave problema dasdecisões discrepantes.

O "comentário oficial" das leis, certamente inspirado na tradição das compilaçõesromanas e das glosas medievais, mereceu generalizada repulsa dos juristas,apelidando-a o grande CARRARA de autêntica "ingenuidade jurídica", já que só à

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mente divina fora possível o dom da presciência de todos os casos futuros, a provocaro sentido da lei.

A idéia de "reuniões periódicas dos tribunais" surgiria na Itália, em 1909, emprojeto de lei que autorizava o Ministro da Justiça a convocar, a intervalos de 3 anos, ospresidentes das Cortes de Cassação, "a fim e procederem ao acertamento dosprincipais pontos de direito processual ou substantivo" (MANZINI, "Trattato").

O projeto, no entanto, não vingou, granjeando, ao invés, a mais enérgica critica damaioria dos juristas. Inobstante a oposição sistemática a esse "osservatorio ufficiale", aConferência dos Desembargadores, reunida a propósito do advento do Código Penalde 1940, deixou valiosos frutos ao entendimento das normas penais então editadas,embora o encontro não se realizasse com as características de oficialidade do modeloitaliano.

A idéia de "obrigatoriedade dos julgados dos tribunais superiores" é, dos critériosengendrados, o mais renitente em suas formas de manifestação.

No sistema da common law (países de tradição anglo-americana), sendo ajurisprudência a principal fonte do direito, é inútil insistir no caráter normativo dos casosprecedentes, cuja força se impõe ao próprio tribunal prolator, idéia, aliás, que jágranjeou adeptos entre nós, como se vê do art. 101 do Regimento Interno do SupremoTribunal. Diversamente, nos países de tradição romano-germânica, como é o caso doBrasil, as leis escritas, com origem num Poder estatal específico, são a fonte porexcelência do direito. Neste sistema, chamado da civil law, é que realmente assumeimportância saber como alcançar uniformidade na interpretação das regras legais, nabusca do ideal de segurança, justiça e progresso.

4.2. Critérios do Direito Pátrio

No Brasil, tivemos a experiência dos assentos da Casa da Suplicação de Lisboa,que vigoraram entre nós até 10 de maio de 1808, "quando a Relação do Rio de Janeiropassou a ter competência para proferir assentos" (ROBERTO ROSAS, "Comentários aoCódigo de Processo Civil", São Paulo, 1975). Os assentos eram interpretações dadas àlei, "com força obrigatória geral", como ainda hoje os define o vigente Código CivilPortuguês. Os assentos têm origem remota, no direito português. Surge no Livro V,Título 58, § 1, das Ordenações Manuelinas, donde passaram para as OrdenaçõesManuelinas (Livro 1, Título 5, § 5), sendo mais tarde reguladas detalhadamente nachamada Lei da Boa Razão, de 1769 (NELSON DE SOUSA SAMPAIO, artigo citado).

Ainda segundo o acatado Professor ROBERTO ROSAS, com a criação doSupremo Tribunal de Justiça, em 1928, "o assento tomou feição brasileira, somenteextinguindo-se com a Constituição de 1891" ("Do Assento e do Prejulgado à Súmula doSTF", Revista dos Tribunais, volume 404).

Como já vimos em trecho anterior, o § 2° do artigo 59 da Constituição de 1891consagrou o principio da "consulta" à jurisprudência federal, pelas justiças estaduais,quando da aplicação da Constituição ou de leis federais e, reciprocamente, a "consulta"à jurisprudência dos tribunais locais, quando a justiça federal interpretasse a legislaçãoLocal. Comentando o preceito, não viram os nossos constitucionalistas, no entanto,

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imposição da observância obrigatória da jurisprudência, mas mero princípio orientadorda interpretação. Ranços do federalismo setecentista norte-americano, queremos crer.

Em 1933, o Decreto n° 23.055 tentaria impingir força normativa à jurisprudência doSTF. Fruto do arbítrio, o diploma foi transformado em letra morta, aludindo a eleAZEVEDO MARQUES como "arremedo de lei".

Como assinala, no entanto, o brilhante jurista PAULO EMÍLIO RIBEIRO DEVILHENA, não há negar ao Poder Judiciário brasileiro razoável "tendência normativa"(confira "Os Prejulgados, as Sumulas e o STF", em Revista de Informação Legislativa,n° 55), inclinação inevitável a qualquer tribunal, cremos, fruto de sua destinaçãoespecífica de intérprete das leis.

Em 1891, a Lei n° 17, de Minas Gerais, adotou o prejulgado, e, em 1923,adotá-lo-ia igualmente a legislação processual do Distrito Federal. Como se recorda,vivíamos ainda o regime das legislações processuais estaduais, que vigeria até oCódigo de 1939.

Nesse ano, o art. 861 do Código de Processo Civil introduziria o prejulgado nodireito pátrio.

Em 1943, o art. 902 da Consolidação das Leis do Trabalho, fugindo "aos quadrostradicionais do direito brasileiro, nos quais se costuma entronizar a liberdade dejulgamento dos juízes de instância inferior", adotou o prejulgado trabalhista, que, "nodireito processual do trabalho, sempre teve importância maior do que na Justiçacomum" (VICTOR RUSSOMANO, "Comentários à CLT", Rio, 1982).

Quase todos os critérios alvitrados pelo legislador, na busca de uniformidade dejulgamento, caíram, no entanto, em franco desprestígio, não só no Brasil, como namaioria dos países filiados ao sistema da civil law. O último dos aludidos remédios, oprejulgado trabalhista, ficou em completo desamparo, desde a Constituição de 18 desetembro de 1946, como o declarou o Supremo Tribunal, na Representação n° 946-DF,de 1977. Posteriormente, a Lei n° 7.033, de 5 de outubro de 1982, viria a aboli-lodefinitivamente.

De outras fórmulas de uniformização de jurisprudência, como o recursoextraordinário, o recurso de revista e a sentença normativa trabalhista, não iremoscuidar aqui, fazendo apenas breve referência ao incidente de uniformização previsto noCPC, dada a sua intima relação com a súmula.

Só a Súmula de jurisprudência predominante, "invenção brasileira, diferençada dostare decisis e do restatement of the law", na palavra do eminente Ministro JOSÉPEREIRA LIRA, alcançaria prestigio e eficiência incomparáveis, nunca alcançadospelos institutos semelhantes, sejam nacionais, sejam os seus referidos afins inglês enorte-americano.

De fato, nascido sem pretensões ao status de norma obrigatória, a súmula dejurisprudência conquistaria não só as graças do legislador processual de 1973 (art. 479do CPC), mas os píncaros da consagração constitucional.

É dela que, em seguida, vamos tratar, como finalidade especifica do presentetrabalho.

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5. AS SÚMULAS DE JURISPRUDÊNCIA

A sistematização das decisões judiciais, como imperativo de justiça e segurança,implica necessariamente sua ordenação racional e sistemática, em formulaçõesespecíficas que traduzam a tese jurídica prevalecente, em face do órgão prolator, sobreum dado terna de direito.

Distinguindo a Súmula de jurisprudência predominante do STF das súmulasjurisprudenciais, ALCIDES DE MENDONÇA LIMA define: "a súmula é a síntese daorientação pacifica do mais alto tribunal do País a respeito da exegese e daaplicabilidade das normas legais vigentes, de qualquer natureza: de direito material oude direito processual dos vários ramos em que se divide o direito positivo brasileiro"(confira o verbete "Súmulas Jurisprudenciais - I", em ENCICLOPÉDIA SARAIVA DEDIREITO", volume 71, da lavra de JOSÉ DE MOURA ROCHA).

Acolhendo-lhe a lição, podemos estender o conceito, indiferentemente, àssúmulas de jurisprudência em geral, definindo: "Súmula é a síntese da orientaçãopacífica de um tribunal a respeito da exegese e aplicabilidade das normas legaisvigentes".

Despiciendo é salientar a utilidade dessa síntese, redigida sob inspiração dalímpida técnica legislativa e trazendo a referência precisa aos textos legais emcogitação.

5.1: A Súmula de jurisprudência predominante

A Súmula de jurisprudência predominante, assim designada pelo próprioRegimento Interno do STF, é um "achado brasileiro" (Ministro PEREIRA LIRA, obracitada), um meio-termo entre os antigos assentos e os prejulgados, estes últimos,previstos no art. 861 do Código de Processo Civil de 1939.

Surgiu em 1963, por instrumento publicado no Diário da Justiça de 30 de agostodaquele ano. Já naquela oportunidade, ficava entrevista a distinção, que em doutrina seviria a fazer, entre as súmulas jurisprudenciais e as súmulas de jurisprudênciapredominante. Com efeito, o art. 5°, do referido ato do STF, estabeleceu:

"Serão inscritos na Súmula enunciados correspondentes:

I) Às decisões do Tribunal, por maioria qualificada, que tenham concluído pelaconstitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público;

II) À jurisprudência que o Tribunal tenha por predominante e firme, embora comvotos vencidos."

A Súmula teve trajetória fulminantemente brilhante, entre nós. Em breve tempo,daria razão ao Professor ROBERTO ROSAS, que previra; ",Sem dúvida, é justa aobservação de que a Súmula ficará entre a rigidez dos Assentos da Casa daSuplicação e a inoperância dos Prejulgados".

Nascida sob a vigência da Constituição de 1946, ganharia excepcional autoridadecom o advento da Emenda Constitucional n° 16/65, que atribuiu ao STF competênciapara declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual,mediante representação do Procurador-Geral da República.

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Se, até então, o poder normativo era "ínsito ao Supremo Tribunal" (WASHINGTONDE BARROS MONTEIRO), dada a sua qualidade de guardião maior da Constituição edas leis federais, com a Emenda n"- 16 a mais alta Corte atingiria "o máximo deatribuições que haveria de alcançar", como afirmou o Professor RUBEM NOGUEIRA,antes da Emenda Constitucional n° 7/77 ("Desempenho Normativo da Jurisprudência doSTF", Revista de Informação Legislativa, n° 38).

A partir de 1967, a Súmula ganharia espaço na própria Constituição, quando esta,por iniciativa do Ministro da Justiça, CARLOS MEDEIROS SILVA, que fora membro doSupremo Tribunal, deferiu à nossa mais alta Corte o poder de estabelecer, e seuRegimento Interno, normas de processo, com relação aos feitos que ali têm curso.

Ora, a Súmula é anexo do Regimento Interno.

"Insistir sobre o sentido e o alcance da Súmula do Supremo Tribunal", diria oMinistro NUNES LEAL, "pode parecer a muitos uma impertinente superfluidade" ("ASúmula do Supremo Tribunal e o Restatment of the law dos norte-americanos", RevistaForense, volume 215).

De modo que, em atenção a essa ponderação, não nos aventuraremos àinsistência. Muitos e brilhantes juristas são unânimes em afirmar a eficácia normativa daSúmula do STF, com sede na própria Constituição, e só alguma voz solitária seencoraja a verberar a fórmula dos enunciados, a pretexto de uma pretensa"cristalização do direito".

Bem ao contrário, nem mesmo aos Códigos, a que se fizeram igual restrição, nopassado, é dado "paralisar o direito". Isso equivaleria a reconhecer-lhes o poder deparalisar a vida. A Súmula é essencialmente dinâmica, não no sentido de constantemudança, mas como expressão dos temas mais palpitantes (porque, em geral, maiscontroversos) do direito vivo, sempre passível de mais fácil alteração do que a lei(Regimento Interno, art. 102, § 1°, e art. 103), e, por isso mesmo, mais consentâneacom as lições da interpretação histórico-evolutiva, fórmula ideal para a busca dasegurança no justo, em clima de aperfeiçoamento.

Atualmente, a Súmula de jurisprudência predominante do STF reúne 600enunciados, como o mais categorizado repositório de lições de jurisprudência, sem osinconvenientes da petrificação do direito, como nos antigos assentos, ou no staredecisis inglês, e com a autoridade que os restatments norte-americanos não têm.

Cremos não serem outras as razões por que o eminente Ministro PEREIRA LIRA,do alto da sapiência de seus 90 anos, já a chamou de "o Livro Sábio".

5.2. AS Súmulas jurisprudenciais

O Código de Processo Civil de 1973, nos arts. 476 e 479, cuida especificamenteda uniformização da jurisprudência. Substituindo, sob roupagem nova, o antigoprejulgado, do Código de 39, não é recurso, nem sucedâneo de recurso (SAHIONEFADEL, obra citada). É incidente processual, pois "pressupõe o julgamento de recursosem andamento pelos diversos órgãos da prestação jurisdicional em segunda instância,e que se mostra como verdadeira questão preliminar a ser decidida pela turmacompetente" ("O Novo Código de Processo nos Tribunais de Alçada Civil em SãoPaulo", MILTON EVARISTO DOS SANTOS, São Paulo, 1975).

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A finalidade do incidente é, como indica a sua própria denominação legal,uniformizar a jurisprudência, sempre que exista divergência de interpretação. Comolembra PAULO RESTIFFE NETO, magistrado paulista, o instituto não é novo. O Códigode 1973 foi buscá-lo não só no Estatuto processual de 39, mas igualmente nas liçõesde COSTA MANSO, que "reivindicava para os Tribunais de Justiça dos Estados acompetência para unificação de jurisprudência dos tribunais inferiores, no tocante àsleis estaduais e municipais, e quanto às leis federais, em razão mesmo do recursoextraordinário, a competência constitucional para unificação da jurisprudência seriasempre do STF" ("A Unificação da Jurisprudência dos Tribunais", Revista dos Tribunais,volume 476).

Diante da divergência de interpretação, o tribunal, se a reconhecer, dará, emsessão posterior, a interpretação a ser observada.

Quando decidida a questão por maioria absoluta, será consubstanciada emsúmula, isto é, um enunciado da decisão será extraído, em forma de síntese dopensamento dominante no Tribunal, quanto ao tema versado. Há quem negue o caráterfacultativo de formulação, afirmando ser obrigatória, já que o Código usa do imperativo"será objeto de súmula".

Quanto ao caráter vinculatório da Súmula (o precedente que obteve maioriaabsoluta dos membros do tribunal), parece não haver maior divergência entre osjuristas. Desse parecer é PONTES DE MIRANDA ("Comentários ao C.P.C.", tomo VI,Rio, 1975).

A divergência corrente diz respeito ao alcance da própria Súmula do tribunalestadual. HAROLDO VALADAO, com a autoridade de quem foi o autor do magnificoAnteprojeto da Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, assegura que a Súmulados Tribunais locais teria força obrigatória em matéria de direito estadual e municipal,nos quais julga como instância maior. No atinente à Constituição e às leis federais, sóenquanto não se distanciasse da jurisprudência predominante no STF (PAULORESTIFFE NETO, estudo citado).

O art. 479, do Código de Processo Civil, em redação geralmente criticada, veiotratar da Súmula jurisprudencial nos seguintes termos:

"O julgamento, tomado pela maioria absoluta dos membros que integram otribunal, será objeto de Súmula e constituirá precedente na uniformização dajurisprudência."

Conquanto reconheçamos verdadeira a lição precedente, de RESTIFFE NETO,sobre o incidente de uniformização, a fonte mais próxima das Súmulas jurisprudenciaisparece ser mesmo o exemplo do STF, que, ao instituir a Súmula, já fazia a distinção,hoje usual na doutrina, entre Súmula de jurisprudência predominante (a especialmentevotada com a finalidade de expressar o pensamento majoritário e reiterado da SupremaCorte) e Súmulas jurisprudenciais (a decisão sobre constitucionalidade, "pronunciadapor maioria qualificada").

Ainda aqui, pedimos achegas ao Professor ROBERTO ROSAS, que, em 1969(antes, portanto, do vigente Código de Processo Civil), afirmava: "A iniciativa do STFinfluenciou a criação de novas Súmulas no âmbito da Justiça Federal e da Justiça

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Eleitoral, inclusive já se pretendendo a adoção de Súmulas pelos Tribunais de Justiça"("Do Assento e do Prejulgado à Súmula do STF"). E, em nota de pé de página,informava que o insigne Professor FREDERICO MARQUES propugnava a extensão dainiciativa das Súmulas aos tribunais estaduais.

Foi, portanto, a experiência bem sucedida do STF, o seu exemplo pioneiro, queelevou a Súmula à categoria de instituto amplamente consagrado, hoje sob o amparodo legislador de processo civil e do próprio constituinte.

Atualmente, já se fala em um Direito Sumular, que tem no eminente Ministro JOSÉPEREIRA LIRA e no Professor ROBERTO ROSAS seus mais dedicados mestres, cominúmeros trabalhos nas revistas especializadas. O culto Procurador desta Casa tem omais completo estudo já realizado à Súmula do STF, "Direito Sumular", já em segundaedição.

6. NATUREZA JURÍDICA E PAPEL DA SÚMULA

6.1. Súmula Vinculatória, ou quase

Sobre a eficácia normativa da Súmula do STF, é mínimo o dissenso entre osjuristas. Com efeito, a jurisprudência em geral, como já mencionamos em capítuloanterior, tem o aval da própria Constituição Federal, ao estatuir, v.g., o cabimento dorecurso extraordinário, "quando a decisão recorrida der à Lei federal interpretaçãodivergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal" (art.119,111, d).

Ainda no tocante a recurso extraordinário, refere-se a alínea a, do referido art.119, 111, a decisão recorrida que "contrariar dispositivo desta Constituição ou negarvigência a tratado ou Lei federal". E, no § 1° do mencionado artigo, encontra-se a regraque mais nos convoca a atenção, neste passo, ao estatuir:

"As causas a que se refere o item III, alíneas a e d, deste artigo, serãoindicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá àsua natureza, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal".

Desdobrando o poder assim conferido à Suprema Instância para estabelecernormas processuais, preceitua o § 3° do mesmo artigo 119:

"O regimento interno estabelecerá:

omissis

c) O processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária erecursal e dá argüição de relevância da questão federal".

No exercício desse poder, o Regimento Interno do Supremo Tribunal - que, sobeste aspecto, é lei, em sentido material -, refere-se expressamente, em diversospassos, a "manifesta divergência com a Súmula", quer quando inclui a hipótese entre oscasos excepcionais de cabimento (art. 325), quer quando regula o processamento derecursos (art. 326 e 329).

Finalmente, os próprios Enunciados da Súmula criam verdadeiros "pressupostosjurisprudenciais de admissibilidade do recurso extraordinário" (AMARAL SANTOS;"Primeiras Linhas..."), como são exemplos mais marcantes o pré-questionamento da

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questão federal (Enunciado n° 282), a abrangência de todos os fundamentos suficientes(Enunciado n° 283), a clareza e suficiência da fundamentação (Enunciado n° 284), etc.

Mas nem s6 à Súmula do Supremo Tribunal se reconhece força normativa.Igualmente a jurisprudência, alçada a súmula, do Tribunal Superior do Trabalho, faz àsvezes de norma legal, sob o aspecto ora enfocado.

Por força da reforma introduzida na CLT pela Lei n° 7.033, de 5 de outubro de1982, compete ao Tribunal Superior do Trabalho "estabelecer súmulas dejurisprudência uniforme, na forma prescrita no Regimento Interno" (CLT, art. 702, I, f).

E o art. 894 do Estatuto Obreiro, ao cuidar dos embargos para o Pleno, deixainscrito que esse recurso caberá "das decisões das Turmas contrárias à letra da Leifederal, ou que divergirem entre si, ou da decisão proferida pelo Tribunal Pleno, salvose a decisão recorrida estiver em consonância com a súmula de jurisprudência uniformedo Tribunal Superior do Trabalho" (art. 894, a).

Por último, ao cuidar do recurso de revista - antigo recurso extraordináriotrabalhista, cujo fim é a uniformização da jurisprudência - dispõe o art. 896 das NormasTrabalhistas Consolidadas caber o referido recurso das decisões de última instânciaque "derem ao mesmo dispositivo legal interpretação diversa da que lhe houver dado omesmo Tribunal... "omissis"... salvo se a decisão recorrida estiver em consonância coma jurisprudência uniforme... "

A clareza dos dispositivos dispensa maior explicitação de seu significado. Dúvidasnão subsistem quanto à eficácia normativa da súmula da jurisprudência trabalhista, emmatéria de recursos.

O que estarrece o jurista mais ortodoxo, ao ouvir referência à força vinculante dajurisprudência, é o surrado argumento do princípio da separação dos Poderes e o daliberdade do juiz de instância inferior.

Mas, como se vê das referências à Súmula do STF e do TST, o legislador, tanto oconstituinte quanto o ordinário, alheio a melindres, expressamente confia aos doistribunais o relevante papel de uniformizadores da interpretação das leis, ao admitirrecursos, ou ao denegar-lhes seguimento, conforme contrariem ou estejam emconsonância com a Súmula.

Não empresta, obviamente, efeitos erga omnes às decisões dos tribunaissuperiores, pois que ofenderia o tradicional e sempre recordado princípio da separaçãodos Poderes, e feriria de morte o cânone das res judicata. Mas, ao dar à Súmula oexcepcional poder de admitir e inadmitir recursos que visam precisamente uniformizar ainterpretação da Lei federal (o recurso extraordinário e o recurso de revista), quãoexcepcionais efeitos alcançou o legislador brasileiro!

De fato, a Súmula não obriga o juiz inferior, nem interfere na seara de Poderalheio. Também nisso difere da lei, em sentido estrito. Mas obtém o fim desejado, que éuniformizar a interpretação da lei, propiciando a impositividade de um s6 direito parahipóteses idênticas. Eis onde reside o feito genial, que o Ministro PEREIRA LIRAchamou de "invenção" e "achado brasileiro", superior, pelos menos que utiliza, e pelosfins que alcança, aos institutos estrangeiros afins, o restatment e o atare decisis, e aosseus precursores nacionais, os assentos e os prejulgados.

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6.2. A Súmula não-vinculatória

A Súmula de jurisprudência dos tribunais em geral exerce, em grau superlativo, asmesmas funções da jurisprudência pura e simples, da qual é uma síntese superior.

É fonte material do direito; desassoberba a pauta dos julgadores, desestimulandoos litígios e obstaculizando recursos; agiliza e simplifica o exame dos processos e temautoridade, de fato, de pré-julgamento.

Lamentavelmente, o legislador de processo civil de 1973 tratou de maneiraincompleta, porque obscura, a matéria referente à uniformização de jurisprudência. Aproposta do Ministro BUZAID era no sentido de ressuscitar o assento, mas foi rejeitada,com a pecha de inconstitucionalidade. Resultou, pois, a apressada redação dos art. 476a 479 do Código de Processo Civil, granjeando, a súmula jurisprudencial, a indiferençageral dos tribunais, a antipatia dos juízes de inferior instância e a critica uníssona adoutrina.

A Súmula de jurisprudência predominante do STF tem preenchido, no entanto, afalta da súmula jurisprudencial dos Tribunais locais, sonho ainda irrealizado de COSTAMANSO e FREDERICO MARQUES.

Hoje com 600 enunciados, a ela corre paralela a Súmula do TFR, com 138verbetes, e a do Tribunal Superior do Trabalho, que conta 179 enunciados.

O Tribunal Superior Eleitoral ainda não compendiou a súmula, que é prevista noCódigo Eleitoral, artigo 23.

Da Súmula do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas locais,cuidaremos a seguir.

7. A SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

7.1. Legitimidade da Súmula do TCU

É intuitiva a legitimidade da adoção de Súmulas de jurisprudência pelos Tribunaisde Contas. A outorga constitucional de poderes jurisidicionais e, por conseqüência, damissão de intérprete das leis, a certo órgão do ordenamento estatal, traz insita a idéiade que esse mesmo órgão, no mister especifico de julgar e interpretar, possaigualmente inscrever, em fórmulas prévias, o entendimento assente sobre essa ouaquela matéria de direito.

Não é original, nem nova a idéia. Desde a Roma antiga, faziam os pretorespublicar (anualmente, de início, e em profusão e até em "editos perpétuos", mais tarde)es fórmulas pelas quais comporiam os conflitos de interesse. .

Hoje, como vimos, diversificados são os critérios que perseguem a uniformizaçãoda exegese jurídica, mas a idéia é a mesma: ao órgão a que incumbe interpretar eaplicar a lei, a doutrina e as leis reconhecem autoridade e poder para dizer o modocomo a interpretar e aplica, in generi. A fórmula da Súmula não se confunde, emabsoluto, com pré-julgamento. Este e universalmente repelido, desde o artigo 5° doCódigo Napoleônico, a que damos a seguinte tradução literal: "É defesa aos juízespronunciar-se, por meio de disposição geral e regulamentar, sobre as causas que lhe

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sejam submetidas" ( "Il est défendu aux juges de prononcer, par voie de dispositiongénérale et reglementaire, sur les causes qui leur sont soumises").

Digressões históricas à parte, a Súmula de jurisprudência do Tribunal de Contasda União segue as pegadas da dos tribunais do Poder Judiciário, pois que a Corte deContas "exerce, no que couber, as atribuições previstas no artigo 115" (Constituição daRepública, art. 72, § 1°), entre as quais "elaborar seus regimentos internos e nelesestabelecer... a competência de suas turmas isoladas, grupos, seções ou outrosórgãos, com funções jurisdicionais ou administrativas" (art. 115, item 1).

A partir de uma arejada interpretação dos dispositivos constitucionais em foco,percebe-se que o legislador constituinte posiciona a mais alta instância de fiscalizaçãofinanceira e orçamentária em pé de igualdade com os tribunais judiciários. Outorga-lheautonomia para organizar-se e governar-se, e aos seus membros distingue com asprerrogativas dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos (art. 72, § 312).

Ora, assim posicionado entre os órgãos constitucionais do Estado, comreconhecidos poderes jurisdicionais (ver a pioneira tese do Professor CARLOSCASIMIRO COSTA ao I Congresso dos Tribunais de Contas), ao Tribunal de Contas daUnião é inegável o privilégio de equiparação com os tribunais judiciários propriamenteditos, "no que couber", cláusula na qual sem dúvida está inserida a Súmulajurisprudencial prevista no art. 479 do CPC. Porque "mantêm, por precisa indicaçãoconstitucional, estrutura de verdadeiro Tribunal", como agudamente observa oConselheiro ALEXANDRE MACHADO, no Parecer Prévio sobre as Contas doGovernador do Estado do Rio Grande do Sul, relativas ao exercício de 1982.

O Tribunal de Contas da União não tem, no entanto, Súmula jurisprudencial, comoentendida em doutrina. Do modo como a define o artigo 124 do seu Regimento Interno,a Súmula de jurisprudência do TCU é a predominante, e assim a denominam aspublicações oficiais do órgão.

O mencionado art. 124 do Regimento Interno está assim redigido:

"A Súmula da jurisprudência constituir-se-á de princípios ou enunciados,resumindo teses, soluções precedentes, adotados reiteradamente pelo Tribunal,ao deliberar em Plenário sobre assuntos ou matérias de sua jurisdição ecompetência."

Como se vê, o Tribunal de Contas da União, talvez por prudência, priva-sere8imentalmente, de adotar as chamadas Súmulas jurisprudenciais, que podem resultarde decisão isolada e única, seguindo o exemplo do STF no julgamento dasrepresentações por inconstitucionalidade (Regimento Interno, art. 101) ou os demaistribunais judiciários, em incidente de uniformização (CPC, art. 479).

Ainda em tema de legitimidade (que, no entanto, não pomos em dúvida), melhorfora que o Tribunal de Contas da União inscrevesse a Súmula como Anexo doRegimento Interno, agasalhando-a, expressamente, assim, nos arts. 32,1,56, 60 e 61, I.do Decreto-lei n° 199/67.

O Tribunal de Contas da União instituiu a Súmula em 1973, por iniciativa do entãoPresidente JOÃO AGRIPINO FILHO, mas a sua inspiração se deve à obra inapagável

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do Ministro PEREIRA LIRA, baluarte do Direito Sumular e uma das mais eminentesfiguras entre es que já tomaram assento naquela Casa.

7.2. Os tribunais locais e o princípio da Simetria

Quanto aos Tribunais de Contas estaduais, afeiçoam-se ao modelo federal,organizando-se e funcionando à semelhança do Tribunal de Contas da União, por forçado principio da simetria consagrado no art. 13, IV, Ia Constituição da República,relativamente à fiscalização financeira e orçamentária.

Desnecessário, pois, insistir quanto a lhes serem outorgadas iguais prerrogativasde autogoverno e, portanto, de poderes para instituir súmulas.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal ocupa, até, posição destacada natopografia constitucional. O art. 42, III, da Carta Magna a ele se refere especificamente,para sujeitar a nomeação de seus membros à aprovação do Senado Federal; e o incisoV declara a condição autônoma desta Corte de Contas, com o auxílio da qual o Senadoexerce a fiscalização financeira e orçamentária do Distrito Federal.

A Lei n° 5.538, de 22 de novembro de 1968 (sua Lei Orgânica), no art. 31, tambémrealça o principio do autogoverno, conferindo-lhe competência para elaborar oregimento interno, organizar seus serviços auxiliares etc. e, desse modo, instituirSúmula de jurisprudência.

8. A CHAMADA SUMULAÇÃO

A um trabalho que não alimenta veleidades puramente doutrinárias, maspersegue, ao contrário, o objetivo de agitar um tema do interesse prático e geral dosTribunais de Contas, não é dado furtar-se à referência, ainda que breve, e quase comoadendo, aos procedimentos de criação da súmula.

A elaboração de um enunciado, como síntese superior da jurisprudênciadominante em um Tribunal, é tarefa complexa e difícil, envolvendo fases progressivasde sintetização e exigindo acurado trabalho de pesquisa e domínio da matéria jurídicaversada.

Na generalidade dos casos, o tema proposto é, de um lado, objeto de divergênciasde interpretação e, de outra parte, constitui questão jurídica relevante. Noutros casos, éa repetitividade da questão que aconselha constituir uma fórmula voltada para asimplificação e agilização das soluções.

É outra regra geral que os julgados se repitam no mesmo sentido, sedimentandonaturalmente um modo uniforme de entendimento pelo Tribunal, de forma a que taisdecisões fluam também naturalmente para a síntese em verbete. Em tal hipótese, otrabalho de formulação é sensivelmente simplificado, quase se reduzindo à coleta dasdecisões reiteradas, com a referência legislativa, e aos processos e sessões em queadotadas.

Mas a súmula jurisprudencial tem trajetória mais rápida, pois resulta de umadecisão isolada, tomada em incidente de uniformização, prévia e restrita à matériajurídica. Neste caso, a interpretação incidental, tomada por maioria absoluta dosmembros do Tribunal, "será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformizaçãoda jurisprudência", como já vimos nas diversas referências ao art. 479 do CPC.

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É o que igualmente se dá com a Súmula do Supremo Tribunal Federal (RegimentoInterno, art. 101). O enunciado da súmula jurisprudencial pode resultar de decisão únicano julgamento das representações do Procurador-Geral da República para o exame delei ou ato normativo, diferentemente da Súmula de jurisprudência predominante.

O Ministro PEREIRA LIRA, no seu citado "Direito Sumular", traduzindo o resultadode um programa de estudos que orientou, na Universidade de Brasília, diz que a"operação súmula" envolve os seguintes passos:

1) Coleta;

2) Classificação;

3) Indexação;

4) Ordenação (palavras-chaves);

5) Análise critica.

Como é obvio, a fase mais importante é a análise crítica, na qual, como alude oinsigne Ministro do TCU, "os juristas procederão à pre-sumulação". As fases anteriorespodem ser confiadas a juristas que não os membros do Tribunal. A estes incumbe,especialmente, o exame dos "projetos de Súmula", segundo a experiência bemsucedida do STF. Uma comissão de jurisprudência, composta de membros do Tribunal,é a praxe mais comum, constituindo o seu trabalho uma fase intermediária - que tantopode iniciar-se na análise crítica, quanto na elaboração dos "projetos de súmula" -,antes do exame e votação em Plenário.

Prudente, em resumo, deve ser a decisão respeitante à elaboração de umenunciado, a começar pelo exame de conveniência e oportunidade. O "enunciado pífio",para nos utilizar de expressão da Ex.ma Sr.a Procuradora-Geral desta Corte, Dr.ªELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO; a interpretação do óbvio e o verbete inútilsão hipóteses que devem ser cuidadosamente excluídas na seleção prévia da matéria a"sumular".

Também como a lei, a Súmula nasce com ânimo de longa duração. E a suaautoridade cresce, na medida em que a interpretação segura rompa os tempos, semperder a vitalidade.

9. CONCLUSÃO

A conclusão é quase a "formalidade inútil" de uma tese.

Especialmente num estudo que buscou ser objetivo e ter feitio didático, a síntesede conclusões é talvez um abuso à paciência do leitor.

Não custa realçar, no entanto, até porque a importância da Súmula o exige, osignificativo papel que esse "achado brasileiro" desempenha no mundo jurídico,aperfeiçoando as leis e simplificando as decisões.

A experiência da Súmula do Excelso Supremo Tribunal Federal, que já conta 20anos, é precedente respeitável que deve ser seguido. E a complexidade crescente dasrelações jurídicas, de par com a pletora de processos que assoberbam a sua pauta,exigem dor; julgadores, a cada hora, qualidades incomuns de estudo e síntese. A

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Súmula é o seu roteiro seguro, porque não raro representa o sedimento da experiênciade inúmeros outros julgadores.

Não proporciona, nem busca, a Súmula, o julgamento apressado e o examesuperficial. Mas auxilia o julgador operoso a superar a iniqüidade das decisões tardias,já verberadas por RUI BARBOSA. E constitui remédio de todo aconselhável à graveproblemática das interpretações divergentes, causa de desprestígio da funçãojudicante. Podem os Tribunais de Contas adotar Súmulas de jurisprudência. E, naperspectiva em que desenvolvidas estas próprias Conclusões; devem fazê-lo.

O presente trabalho é a humilde contribuição que podemos oferecer-lhes, nessesentido.

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TEORIA DO ATO POLÍTICO, À LUZ DA TEORIATETRAÉDRICA DO DIREITO E DO ESTADO

MARQUES OLIVEIRAMembro do Instituto dos Advogados do Distrito Federal e Auditor

do Tribunal de Contas do DF

§ UMA QUESTÃO PRELIMINAR, DE MÉTODO

Em toda ciência há sempre dois caminhos para a descoberta da verdade: a viadedutiva e a senda indutiva. A primeira, com colocações a priori; a segunda, comconclusões a posteriori. Pelo menos como ponto-de-partida, podemos escolher aestrada de LEIBNITZ ou a trilha de NEWTON. Suponho que nas questões de valor, avia dedutiva deve ser a escolhida, pois, o método indutivo freqüentemente esbarra numquid inde? muito perturbador...

Quem teve formação matemática naturalmente escolhe o método dedutivo e corredois riscos: ignorar os labores daqueles que o precederam - não por desconsideraçãoaos precursores, mas por exigência do próprio método...- e também, freqüentemente,descurar da experiência, dos experimentos confirmadores da teoria. A primeira opção éleve e suave, como vôo de águia até o cume da montanha. A segunda, sofrida e suada,penosa e trabalhosa como a conquista do Everest por alpinistas.

§ PERIGOS DA VIA INDUTIVA, NO MUNDO JURÍDICO

É possível extrair-se uma teoria das leis do direito positivo. Mas essa teoria serátão fugaz e passageira quanto as leis que as embasaram, conforme sabem os juízes.Mais a mais, as leis do direito positivo podem conter falhas e imprecisões da mesmaforma que podem também não sugerir teoria alguma, por espocarem casuisticamente,conforme a maior ou menor capacidade jurídica de seus elaboradores ou aconveniência momentânea de interesses imediatos. Talvez por isso mesmo hajasurgido sardônico brocardo: "Em Direito nada se perde, nada se cria. Tudo se copia... "

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Apenas para dar um exemplo: fala-se hoje em delegação de... competência (!) eparece-me que isso teve sua origem na falha de um dos redatores do DL-200/67, o qualse esqueceu de que delegata potestas delegari non potestal. Competência é medida dapotestas, logo, indelegável. Há muitos anos defendo a tese de que a .relegação depoderes só pode ser feita pelo titular direto desse poder e, sem seu consentimentoexpresso, tal poder não pode ser subdelegado(1). Ora, o titular direto da soberania é opovo e sem seu consentimento expresso (na Constituição), os poderes (competência)dos administradores não podem ser delegados por esses mesmos administradores. Hádistinção jurídica entre competência e atribuição. As atribuições podem ser delegadas,as competências,- não. Por quê? Porque a competência é juridicamente inseparável daresponsabilidade, a qual é sempre intuitu personae, e as responsabilidades sãoindelegáveis. Este comezinho ensinamento cresce de importância práticaespecialmente no mundo de controle moderno e talvez por interesses ocultos deevasão ao controle é que alguns "juristas" discordam discretamente desseponto-de-vista doutrinário, baseando-se apenas na letra do DL-200/67...

• ESCÂNDALO SEMÂNTICO

Em "O CONTROLE, ESSE DESCONHECIDO" tive oportunidade de citar oseguinte trecho de ORTEGA Y GASSET:

"Toda palabra de la lengua es un uso que se forma dentro de una parte dela sociedad para extenderse a veces a toda ella. Cuando se trata de un gruposocial mu y especializado algunos de los vocablos por él usados dejan de serpalabras de Ia lengua y se convierten en términos. La lengua es cosa muydiferente a una terminologia. El término es un vocablo cuya significación estádeterminada por una definición prévia y solo conociendo esta se entiende aquel.Por eso su sentido es preciso. Mas Ia palabra de la lengua nos entrega susentido sin prévia defrnición. Por lo mismo es siempre imprecisa." (2)

No caso especial da linguagem jurídica, é muito importante lembrar sempre que ojurista não usa simplesmente as palavras da língua. O jurista tem como preocupaçãobásica criar e principalmente cultivar uma terminologia jurídica. O Direito é ciência, nãoé exercício de literatura, embora possa conter genuínas manifestações literárias. Masseu vocabulário é composto de termos jurídicos e não de meras palavras.

Faz-se atual nos dias de hoje a lamentação de RIPPERT:

"C' est grand dommage que paraisse s' affaiblir aujour' hui Ia valeur d' unetechnique qui apache aux mots un sens précis, donne de Ia vigueur auraisonnement et de la concision aux développments." (GEORGES RIPPERT, in"Les forces créatrices du droit, p. 23)

Assim é que na própria Constituição fala-se em "julgamento" de... contas. Comose fosse possível uma conta ser autora ou ré num julgamento. Fala-se em decisãopolítica, em ato político e todos ficam logo pensando em partido do governo ou partidos (1) O Decreto n°- 83.837, de 06.09.79, precisou recorrer a malabarismos redacionais para regulamentar esse trechodo DL-200167. No art. 2°- fala em atribuições delegadas, no art. 5°- em competências objeto de delegação, como seatribuições e competências fossem sinônimos... No art. 6°chega a prodígio acrobático verbal, invertendo causa eefeito: "O ato de delegar pressupõe a autoridade para subdelegar, etc... "(2) ORTEGA Y GASSET, José. Origen y epilogo de Ia Filosofia. 3. ed. Madrid, Revista de Occidente, 1973. p. 197-8.

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de oposição, como se "política" e "político" fossem meras palavras da língua e nãoprecisos termos jurídicos. De aí para usar como sinônimos "política" e "governo" é umpasso e passo desorientador ou, no mais exato termo inglês, misleading. Tem-se aimpressão de que na periferia do mundo jurídico estão-se formando invasõesterminológicas, a reivindicar "assentamento" nas leis governamentais, para que essasfavelas vocabulares se transformem em casas de alvenaria a abrigar uma ralésemântica sem domicílio fixo. Tal situação tem atrasado de muito o progresso dasciências jurídicas, na própria França, que permitiu, ao tempo do célebre DUGUIT, umainvasão terminológica espúria, a pretexto de ciência, e que ainda hoje perturba osclaros pensamentos dos juristas de formação clássica. Por exemplo: querer acabar como termo jurídico PODER e rebaixá-lo a FUNÇÃO, como queria DUGUIT. Aceitar o termo"contrôle" e não distinguí-lo de "fiscalização", que é outra coisa. Não perceber que otermo contrôle significa função básica e elementar do Estado e confundir contrôlepolítico com ingerências partidárias na administração... E por aí vamos assistindo a umainvasão de bárbaros vocabulares que, no Direito de Família, confunde felicidade comsaciedade física e amor com gratificação sensual, degenerando para frases como "fazeralguém feliz" e "fazer amor", rebaixando assim a sagrada instituição da Família aacasalamento fugaz.

Vivemos verdadeiro escândalo semântico, quando exatamente se faz maisnecessário restaurar o verdadeiro sentido dos termos jurídicos, para que possa existirum universo de discurso para juristas. Nunca o Direito foi mais necessário aos povosque na época em que os homens abdicam do diálogo e da eloqüência para recorrerem,conseqüentemente, a genocídios e a atos de terrorismo. Restauremos a semânticajurídica e haverá esperança de que haja Ordem na sociedade!

• A MISTERIOSA TEORIA DO ATO POLÍTICO OU (?) ATO DE GOVER. NO

Baseado na definição de AGENTE POLÍTICO dada por HELY LOPESMEIRELLES(3), havíamos proposto uma definição de ATO POLÍTICO, no nosso livro deestréia nas letras jurídicas, "O Controle, esse Desconhecido", obra esta prefaciada peloadministrativista Professor CRETELLA JÚNIOR, da Universidade de São Paulo:

ATO POLÍTICO é o ato governamental, praticado mais quediscricionariamente por agente político no uso de competência especifica eexpressamente indicada na Constituição, para condução harmônica dos negóciospúblicos, cora vistas ao Bem-Comum.

Esta definição, embora imperfeita, tem entretanto duas virtudes: primeiramenteprocura fazer o que nem os criadores da Teoria do Ato de Governo, os franceses,tentaram: delimitar a extensão lógica dos atos políticos: e, além disso, explicitar suacompreensão. Estas duas operações lógicas são complementares, pois, quanto maior éa compreensão, menor sua extensão e vice-versa. Aumentamos sua compreensão,uma vez que no consenso da maioria dos autores parece que atos políticos seriampraticados somente pelo Poder Executivo e apenas alguns autores, timidamente,incluem o Legislativo como capai de praticá-los. Na nossa definição, entretanto, nadaimpede que se incluem os agentes políticos do Judiciário como autores de atospolíticos, - coisa que até aqui parece não ter sido suspeitada por nenhum jurista. Por (3) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1975. p. 56.

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outro lado, diminuímos a extensão do termo ato político, embora, inadvertidamente semfrisar bem isso, repelindo a constante sinonímia com ato de governo, que para nós éoutra coisa.

Após a leitura do completo e didático artigo do Professor CRETELLA JÚNIOR,publicado a p. 73 do nº 95 (julho a setembro de 1987) da REVISTA DE INFORMAÇAOLEGISLATIVA do Senado Federal, achamos oportuno revisitar o tema ATO POLÍTICO,desta vez à luz da Teoria Tetraédrica do Direito e do Estado, a fim de tentar ambiciosoe talvez pretensioso tollitur quaestio. A isso somos levados pela firme convicção de quea validade e a força de uma teoria residem exatamente na sua capacidade de resolveros problemas renitentes de seu campo, lançando nova luz sobre áreas de penumbra.Em nossa recente obra "A Força do Direito e os Limites da Lei"(4) demonstramos que asaporias jurídicas criadas pelos Tribunais de Contas, pelo Ministério Público, peloContencioso Administrativo, pela Jurisdição Graciosa e mesmo por um possívelTribunal Constitucional, passarão a vias asfaltadas, de livre trânsito jurídico, desde quese aceite a teoria realmente tridimensional que a visão do tetraedro nos propicia.

Do trabalho do Professor CRETELLA JÚNIOR se vê que o assunto ato de governoestá ainda obscuro, pois, todos aceitam sem discussão que tanto faz dizer ato degoverno como ato político, que tudo acabará mesmo vago e indefinido, no crepúsculodas mentes... Mais ainda: nem ao menos o legítimo parentesco etimológico, nemsequer a remota afinidade filológica entre ato político e ato de polícia foi jamaispesquisada, cremos.

Até agora, conforme nos dá conta o Professor Cretella Júnior, não se definiu atopolítico, nem se conseguiu vislumbrá-lo a não ser no território do Executivo (grandemaioria de autores) ou nos domínios do Legislativo (poucos autores). Além do mais,parece que o abutre da arbitrariedade ronda esse vocábulo "político", enfermo deconotações partidárias e se notações de poder pessoal incontestado. O sol dasmanchetes jornalísticas está desidratando semanticamente esse termo jurídico,transformando-o num mulambo vocabular.

Temos a intenção de dar pequena contribuição à restauração do conteúdosemântico do termo jurídico "político", lembrando de início que político, policia e polide:,todos são derivados de "polis" que deu civitas em Roma e hoje significa Estado.Portanto, ato político não é ato de governo, mas ato estatal. A diferença entre ambos,iremos demonstrar no que se segue.

Vamos usar a via dedutiva, partindo da Teoria Tetraédrica do Direito e do Estado.A visão tetraédrica, com ser espacial e integral, evita dúvidas e imprecisões, dandolugar à certeza, filha da evidência, e à precisão, derivada da nitidez dos fatos por elaordenados.

• VISÃO TETRAÉDRICA DO ESTADO E DE SUAS FUNÇÕES

Na Teoria Tetraédrica, o Estado executa quatro - e não menos, nem mais dequatro - funções básicas e essenciais: a função administrativo, a função normativa, afunção judicativa e a função controlativa. Estas funções são chamadas de funçõesmenores em oposição relativa (sentido filosófico) às funções maiores, ou Poderes. (4) MARQUES OLIVEIRA, Modesto. A força do direito e os limites da lei. Belém, Pa. Edições CEJUP. 1.87.

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Poder, na Teoria Tetraédrica, é o arranjo harmonioso dessas quatro funções menores, -com predomínio e predominância de uma delas em cada Poder, respectivamente.Melhor dizendo: cada Poder tem uma das quatro funções menores como sua função-fime as três outras restantes, como funções-meio. Esta função-fim, de cada Poder,comanda e dirige idênticas funções-meio dos demais Poderes.

Isto quer dizer que, v.g., no Poder Executivo, a função-fim é a administrativa. Estafunção-fim comanda as funções administrativas de todos os outros Poderes, além deser exercitada também interno corpore. Mas o Executivo não se administra apenas,pois, também edita normas (funções normativa), também julga seus "processos"administrativos (função judicativa), e finalmente, controla-se, pelo Controle Interno(função controlativa).

No judiciário, a função-fim é a função judicativa. Só por isso,- agora sabemos...- éque predomina sobre todas as funções judicativas dos demais Poderes, ensejando aRUI BARBOSA o comentário de que a ele cabe, sempre, a última palavra. Rui não viucom nitidez o problema, pois, não é sempre, é apenas em assuntos que entendam comas funções judicativas dos demais Poderes em relação à função-fim judicativa doJudiciário. Mas, continuemos: o Judiciário também se administra (função-meioadministrativa, subordinada à última palavra do Executivo); o Judiciário também editasuas normas regimentais e seus regulamentos (função-meio normativa, dependente daúltima palavra do Legislativo pela função-fim normativa); o Judiciário também secontrola, v.g., dos corregedores (função-meio controlativa, dependente da últimapalavra do futuro Poder Moderador, cuja função-fim será a função controlativa, já hojeexercida em parte pelo Tribunal de Contas). Nestes assuntos, o Judiciário nunca diz aúltima palavra...

Mutatis mutandis, idem para o Legislativo (que depende também de cada função-fim de cada um dos demais Poderes) e para o almejado Poder Moderador, quedependerá por sua vez de todas as funções-fim dos demais Poderes.

Vamos ilustrar o que se disse até aqui, mostrando primeiro a figuração doTetraedro do Estado com seus Poderes e, em seguida, os Tetraedros das FunçõesElementares embutidos no Tetraedro Estatal.

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LEGENDA para todas as figuras, de n°s 1 a S

f.a. - função administrativa

f.n. - função normativa

t.j. - função judicativa

f.c. - função controlativa

o - função-meio de cada Poder

o - função-fim de cada Poder, predominante e prevalente sobre as funções-meioidênticas dos demais Poderes.

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FIG. 2: TETRAEDRO da FUNÇÃO ADMINISTRATIVA no ESTADO, comprevalência da função-fim administracional (do Executivo) sobre as funções-meio,administrativas, dos demais Poderes.

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FIG. 3: TETRAEDRO DA FUNÇÃO NORMATIVA no ESTADO, com prevalênciada função-fim legislacional (do Legislativo) sobre as funções-meio, normativas, dosdemais Poderes.

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FIG. 4: TETRAEDRO da I UNÇÃO JUDICATIVA no ESTADO, com prevalência dafunção-fim jurisdicional (do Judiciário) sobre as funções-meio, judicativas, dos demaisPoderes.

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FIG. 5: TETRAEDRO da FUNÇÃO CONTROLATIVA no ESTADO, comprevalência da função-fim controlacional (do Controle, ou futuro Poder Moderador)sobre as funções-meio, controlativas, dos demais Poderes.

• DEFINIÇÃO DE ATO POLÍTICO, ATO DE GOVERNO E ATOADMINISTRATIVO

Após esta visão espacial, -talvez o único mérito da Teoria Tetraédrica -, e comesta base teórica, podemos deduzir, -sim, deduzir!-, as definições de ato político, ato degoverno, ato de polícia, ato administrativo, atos de administração superior, atos degestão e atos de expediente...

Nosso objetivo, por hora, é apenas definir ato político; distinguindo-o de ato degoverno e mostrar a diferença entre estes e o ato administrativo, stricto sensu.

ATO POLÍTICO - é o exercício de atividades inerentes à função maior por seustitulares competentes (agentes políticos), mais que discricionariamente.

ATO DE GOVERNO - é o exercício de atividades próprias das funções menores,por seus titulares ou delegados (agentes políticos ou agentes administrativos),discricionariamente.

ATO ADMINISTRATIVO - é o exercício de atribuições de quaisquer das funçõesmenores ou de sub-funções nelas compreendidas, por agentes políticos ou por agentesadministrativos, ou por seus delegados ou ainda por subordinados, vinculadamente.

Como e vê, o critério que usamos para nossa divisão foi o da discricionariedade,ou não, dos atos praticados. É despiciendo lembrar que, de certa forma, todo ato é

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vinculado e, paradoxalmente, todo ato tem algum laivo de discricionariedade, assuntoeste ora irrelevante mas que não deve ser esquecido.

Usamos a expressão "mais que discricionariamente", aprendida com o ProfessorHELY LOPES MEIRELLES, mas pedimos vênia para comentá-la. Parece-me que essa"mais que discricionariedade" melhor seria expressa se a substituíssemos pordiscricionariedade máxima ou discricionariedade absoluta. A primeira das expressõesnão me parece a melhor, enquanto que a segunda tem a vantagem de sugerir-nos"discricionariedade relativa". Por discricionariedade absoluta entenderíamos adiscricionariedade que tivesse por único limite a letra da Constituição e, pordiscricionariedade relativa, a que tivesse por fronteira a lei. A distinção é bem prática,como se verá na conceituação de ato político e de ato de governo.

• CONCEITUAÇÃO DE ATO POLÍTICO, ATO DE GOVERNO E ATOADMINISTRATIVO

Geralmente os autores conceituam os termos para, depois, defini-los. Comopreferimos a via dedutiva, estamos invertendo o itinerário, pois, já definidos os termos,vamos agora conceituá-los.

ATO POLÍTICO

É o ato praticado apenas por agente político. E aqui não existe circulo vicioso,uma vez que HELY LOPES MEIRELLES já conceituou com maestria o que é agentepolítico:

Agentes políticos são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões,investidos em cargos, funções, mandatos e comissões, por nomeação, eleição,designação ou delegação para o exercício de ATRIBUIÇOES constitucionais. Estesagentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições comprerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leisespeciais. (destaque nosso)

Destacamos a palavra ATRIBUIÇÃO para observar que, aqui, deve ter sido usadaem sentido amplo pelo mestre, embora pessoalmente jamais a empreguemosconscientemente a não ser em oposição a "competência", vale dizer, medida dejurisdição, de poder.

• DISCRICIONARIEDADE ABSOLUTA NOS ATOS POLÍTICOS

Os agentes políticos, na prática de atos políticos, agem com discricionariedadeabsoluta. A discricionariedade absoluta, ora proposta, seria a que tivesse por sólimitação a competência constitucional e eventuais limitações de oportunidade, quanto àocasião e ao prazo, também de raiz constitucional, embora estas limitações deoportunidade e prazo possam ser explicitadas em leis especiais, como, por exemplo, osprazos, para os juízes, nos Códigos.

Vamos exemplificar a discricionariedade absoluta com o exemplo dos juízes,agentes políticos do Poder Judiciário, até aqui sequer suspeitados como capazes deatos políticos. O juiz, quando prolata uma sentença ou quando profere decisõesinterlocut6rias, está praticando atos políticos. Sua decisão, na sua instância, ráia pelaarbitrariedade e não pode, -nem nunca foi!-, ser apreciada mesmo pelos Tribunais

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Superiores, que julgam de novo o caso e não a sentença do juiz inferior. O juiz inferiortem discricionariedade absoluta, pois, sua sentença é intocável, definitiva, permanente,-na sua instância. Nem o Tribunal Superior pode ordenar-lhe que, em casos futuros,fique vinculado às decisões da superior instância. O juiz inferior pode continuardecidindo sempre como bem entender, ainda que o Tribunal Superior lhe reformesempre e todas as vezes, as sentenças.

Da mesma forma, o Executivo pode vetar sempre determinado tipo de lei, todas asvezes que o Legislativo lha apresentar, mas não poderá impedir o Congresso de insistir.Da mesma forma, embora rejeitando sempre os vetos e essas leis, jamais poderá oLegislativo obrigar o Presidente a apor-lhes sanção. Sancionar e vetar são atospolíticos, logo, não podem ser alterados nem pelo Legislativo, nem pelo Judiciário...

Neste ponto seria bom insistir num assunto já vislumbrado pela visão tetraédricacom clarão de insight: não é apenas o Judiciário que não pode examinar o ato político.Nenhum dos demais Poderes, incluindo o esperado Poder Moderador, pode apreciar oato político de outro Poder. Isso, como decorrência imperiosa do princípio da separaçãodo Poderes! Se a função maior Executiva é do Presidente da República, como podeoutro Poder, seja qual for, discutir sua decisão referente à sua competênciaconstitucional? A discricionariedade absoluta, ou máxima, sendo por definição a quetem por s6 limite a Constituição, explica também por que apenas a Constituição podelimitar ou alterar a discricionariedade absoluta dos legisladores para legislarem comobem entenderem. E por ser sua discricionariedade absoluta limitada apenas pelaConstituição é que existe o Controle da Constitucionalidade das leis! Deveria havertambém um controle da Constitucionalidade dos atos políticos do Executivo, doJudiciário e do Moderador... E convém notar aqui uma conseqüência derivada da TeoriaTetraédrica, até hoje nunca sublinhada ou dada como implícita pelas juristas: o atopolítico de cada agente só pode referir-se à função maior do seu Poder. Ou seja: osatos políticos do Presidente da República serão sempre atos da função administrativa;atos políticos do Legislativo serão apenas os atos da função normativa; no Judiciáriosomente os atos da função judicativa podem ser atos políticos; e, no futuro Moderador,a exemplo dos Tribunais de Contas, apenas os atos dá função controlativa serão atospolíticos. O veto ou a sanção dados pelo Presidente a uma lei não são, como podemparecer, exercício da função menor normativa, mas nítida atualização de ato deadministração, pois, destina-se a, digamos, operacionalizar uma lei já feita pela funçãonormativa maior, ou função Legislativa. Contrariamente, a edição de decretos (funçãomenor normativa) feita pelo Executivo, não é ato político, mas ato de governo, por serexercício da função-meio, função-menor normativa. Temos assim um critério teóricopara servir de pedra-de-toque para saber se um ato é, ou não, político: quando, noPoder em questão, configurar exercício de função-menor, ou função-meio desse Poder,não poderá ser ato político, mas, quando muito, ato de governo. Em todo caso, estaindicação teórica é de ser estudada e consolidada por investigações mais acuradas aserem feitas pelos administrativistas. Procuramos aqui apenas esboçar uma teoriapossível e coerente, sem a pretensão de haver solucionado este antigo e renitentemistério.

• IRRENUNCIABILIDADE DOS ATOS POLÍTICOS

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Visto que o ato político tem discricionariedade absoluta, conforme a conceituamos,devemos ainda continuar nossa colocação do problema dizendo que, além disso, o atopolítico deve ser irrenunciável, irretratável e indelegável.

Característica luminosa e única do ato político é a sua irrenunciabilidade. Damesma forma que o juiz não pode escusar-se de sentenciar (que é o seu ato político),também o Ministro do Tribunal de Contas não pode eximir-se de votar, da mesma formaque o Promotor tem de pronunciar-se, denunciando, ou não, o acusado. Igualmente,não pode o Presidente da República deixar de sancionar, ou de vetar, uma lei(*); nempode o deputado ou senador deixar de votar (aqui vai implicância e abre campo paraestudo e pesquisa sobre abstenção e voto em branco, no âmbito das Assembléias...).Por quê são irrenunciáveis os atos políticos? Porque aos respectivos agentes políticosé confiado o exercício de uma função maior do Estado e, se ele a não exercitar, estará,com essa inércia, abalando nos seus fundamentos o próprio Estado! Indigno, portanto,de ser agente político, ensejando assim impeachment, disponibilidade ou cassação demandato...

• IRRETRATABILIDADE DOS ATOS POLÍTICOS

O ato político tem outra característica marcante: é irretratável. O juiz, depois depublicada a sentença, não pode mudar-lhe o decisório, nem o Presidente desistir doveto, nem o Promotor retirar a denúncia (embora possa aditá-la), nem o Tribunal deContas alterar sua decisão, ou o deputado ou senador mudar seu voto, após proferido.Em assunto tão alto e tão elevado não se admitem leviandades, nem hesitações e,muito menos, erro. Com o Estado não se brinca, nem se tergiversa. Portanto, sequalquer ato puder ser retratável, não será ato político, podendo, quando muito, ser atode governo.

• INDELEGABILIDADE DOS ATOS POLÍTICOS

Sendo, como é, exercício de competência, que é medida da jurisdição, e uma vezque jurisdição é parcela do Poder, que por sua vez é fração da Soberania, então o atopolítico não pode ser delegado. O agente político, único capaz de praticar atos políticos,já é um delegado do Poder Público e delegado intuitu personae. O juiz não podedelegar sua competência decisória, nem o Presidente delegar sua competênciaadministrativa (embora possa delegar algumas de suas atribuições), nem o deputadoou senador delegar suas funções legislativas, nem os Ministros dos Tribunais de Contasfazerem-se representar nas sessões da Corte. Portanto, qualquer função que possa serdelegada não poderá, jamais, gerar atos políticos. Se for delegável, será atribuição eatribuições geram, quando muito, atos de governo.

• ATO POLÍTICO É INTRA-ESTATAL

Mas, sempre com a imagem do Tetraedro do Estado em mente, deduzimos que acaracterística mais importante do ato político está no fato de este referir-se diretamenteaos demais Poderes e só por via de conseqüência aos administrados, ou seja:realiza-se no âmbito do Estado. Expliquemo-nos: quando o Legislativo faz uma lei eesta entra em vigor, nenhum dos demais Poderes poderá deixar de acatá-la; quando

(*)O artigo 59, parágrafo 2° do CRFB c.e. castiga a renúncia ou inércia do Presidente da República: "Decorrida aquinzena, o silêncio do Presidente da República importará sanção".

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um juiz prolata uma sentença e esta passa em julgado, todos os Poderes estãoobrigados a respeitá-la; quando o Presidente da República dispõe sobre a estruturação,atribuições e funcionamento dos órgãos da administração federal, nenhum dos outrosPoderes deverá desobedecer à sua determinação, ou contestar seu critério; tambémestão obrigados a atender as determinações do Tribunal de Contas, em matéria decontrole, todos os outros Poderes.

• ATO DE GOVERNO É ULTRA-ESTATAL

Não assim o ato de governo. O ato de governo é ultra-estatal, destina-sediretamente ao administrado como tal, seja este particular ou eventualmente pertença àAdministração como funcionário de quaisquer dos demais Poderes. O ato de governodirige-se aos governados. O ato político dirige-se aos demais Poderes. Por isso o atode governo pode ser resistido pelo particular que poderá recorrer à lei (vontade dolegislativo) ou à sentença (vontade do Judiciário). Mas o ato político não pode serresistido por nenhum Poder, a fortfiori, pelos particulares.

Podemos, de aqui para a frente, resumir o assunto de nossas especulaçõesjurídicas, despidas de qualquer outra pretensão além da de provocação intelectual aosdoutos. Assim é que, por oposição, chamamos de ato de governo àqueles queantigamente foram chamados de atos de império e já de aqui se vê que o destinatáriodesses atos só podem ser os súditos, como dissemos há pouco. Dentre estes atos degoverno, o que mais se aproxima dos atos políticos são os atos de polícia. Note-se bemque são atos de polícia e não, evidentemente, atos da polícia. Por que motivo nenhumjurista dentre os que aceitaram a forçada sinonímia entre ato político e ato de governojamais associou mentalmente os dois a atos de polícia? Embora todos os Poderespossam exercer atos de polícia, parece que nossas mentes se concentram todas empolicia administrativa e, por indução do vocábulo administrativo, passamos a pensarapenas em atos de policia do Executivo... De novo a visão do Tetraedro do Estado vaiser-nos útil. Além da função administrativa preponderante no Poder Executivo, todos osPoderes têm uma função-menor administrativa, formando triângulo, sobre o qual sealteia a função-menor administrativa do Poder Executivo, compondo assim o tetraedroda função administrativa do Estado, em sentido material.

Em princípio, e por via dedutiva, achamos que o ato de polícia seja de que Poderfor, sempre se atualiza como expressão da função-menor administrativa desse Poder.Fica aqui a deixa para posteriores investigações experimentais...

Os atos de governo compreendem, portanto, primeiramente os atos de polícia e,além destes, os atos de administração superior. Chamo atos de administração superior,por exclusão, a todos os atos de governo que não sejam atos de polícia. São, como osatos de polícia, atos de império, relativamente discricionários, renunciáveis, retratáveise delegáveis (em princípio). O jus variandi, nos contratos administrativos configura bemo que seja um ato de governo: dirige-se ao particular, com predomínio epreponderância da vontade da Administração. E aqui pensamos ter mostrado a viadedutiva que seguimos, conforme a colocação a priori do Tetraedro do Estado.Esmiuçar todas as conseqüências desta colocação iria tornar muito extenso esteesboço. Talvez o façamos em outra oportunidade, caso ninguém mais queira trilhar estavia.

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• PROPOSTA DE NOVA DIVISÃO GERAL DOS ATOS POLÍTICOS

Lembrando a frase de Sócrates: "Se encontrasse um homem que soubesse definire dividir com perfeição, seguir-lhe-ia as pegadas como as de um deus...", tentaremosdividir os Atos Públicos segundo o critério tetraédrico, mas sem olhar para trás,esperançoso

Esta nova colocação parece, pelo menos, querer atender à recomendação doProfessor Miguel Reale quanto a uma teoria jurídica válida precisar fornecer àsociedade contemporânea "categorias lógicas adequadas à concreta solução de seusproblemas". Parece-me que nesta fase de transição "democrática" será bem oportunoque os juristas se debrucem (e logo!) sobre a conceituação exata do que sejam atospolíticos, atos de polícia, atos de governo, atos de administração superior e atosadministrativos. Para nossa defesa, como administrados, e para evitar que membros deum Poder tentem ensinar expoentes de outro poder a realizar sua tarefa...

É preciso que a nova geração de juristas, a partir das faculdades de Direito, sejaescrupulosamente ciosa da precisão vocabular, freqüentemente redescoberta no DireitoRomano e nas línguas latina e grego antigo. Senão, iremos assistir à implosãosemântica dos mais belos monumentos vocabulares do gênio jurídico da humanidade,com a inevitável conseqüência do desmoronamento da Autoridade, enfraquecimento doPoder, e a instauração da tirania e do arbítrio da Força bárbara onde antes havia oImpério do Direito...

ATOS POLÍTICOS

ATOS DE GOVERNO

ATOS ADMINISTRATIVOS

ATOS PÚBLICOS § ATOS DE POLÍCIA§ ATOS DE ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR

§ ATOS DE GESTÃO§ ATOS DE EXPEDIENTE

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III - VOTOS E PARECERES

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REFORMA, EX OFFICIO (INVALIDEZ NÃOQUALIFICADA). ACIDENTE EM SERVIÇO.

DILIGÊNCIA PRELIMINAR

DEUSDETE MANUEL DAS CHAGAS

Senhor Presidente:

Os autos tratam da reforma, por doença não definida em lei, do ex-soldado PMElvando Rosa Brasil de Oliveira, por ter sofrido acidente em serviço, em 02/07/70,quando "sofreu esfacelamento do tecido carnoso da coxa esquerda", consoante ostermos do Atestado de Origem, às fls. 51 e 52.

2. Após o referido acidente, o ex-servidor continuou de licença para tratamento desaúde (vide fl. 01, verso, caput) e, pela inspeção de saúde realizada em 28/06/71, foijulgado "Incapaz definitivamente para a função policial-militar, podendo prover os meiosde subsistência" (vide fl. 01, verso, in fine, letras b e c).

3. O próprio interessado, a fl. 01, pediu que se instaurasse o devido InquéritoSanitário de Origem, para apurar o nexo causal existente entre a sua enfermidade e oacidente sofrido em serviço.

4. O Inquérito Sanitário de Origem (fls. 13 a 69) realmente concluiu pela relaçãode causa e efeito existente entre a doença do PM em questão e o acidente de que foravítima, quando no trabalho.

5. O Laudo Médico de fl. 75, datado de 08/06/73, confirmou a apuração feita peloISO de fls. 13 a 69.

6. O Parecer de n° 129/73/48 SPRG, de 27/08/73, às fls. 82, 83 e 84, estava deacordo com as apurações realizadas pelo ISO de fls. 13 a 69. Entretanto, o entãoProcurador-Geral da PRG/DF, às fls. 87 e 88, não achou que o citado ISO (fls. 13/69)

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estava completo e mandou que começasse tudo de novo, como realmente fora feito defl. 89 a 114.

7. Dois pontos fundamentais podemos destacar no ISO de fls. 89 a 114: emprimeiro lugar, nada de novo trouxe aos autos, em relação ao ISO de fls. 13 a 69 e, emsegundo plano, demorou quase 10 (dez) anos para a sua conclusão.

8. Após o 2º ISO (is. 89 a 114), a Procuradoria-Geral do Distrito Federal aprovou areforma do militar em referência, com provento integral, sem o Auxílio-Invalidez, pois, ointeressado podia prover os seus meios de subsistência (vide fls. 112 e 115/122), e nãoestava enquadrado nas exigências do art. 106, itens 1 e 2 da Lei de nº 5.619/70.

9. O ato de reforma encontra-se a 11. 123, com 03 (três) falhas capitais: emprimeiro lugar usou, indevidamente, o Decreto de nº 41.095/57, revogado pela Lei de nº6.023, de 03/01/74, art. 146; em segundo plano, mencionou o item 1 (incorreto), do art.104, da Lei de nº 5.619/70, ao invés de item 2 (correto), deste dispositivo legal e, porúltimo, omitiu o item 3, do art. 107, da Lei de nº 5.619/70 e, por conseguinte, oDecreto-lei de nº 1.716/79.

10. O Abono Provisório de fls. 129 e 130 está certo, assim como o tempo deserviço de fl. 131.

11. As duas instruções, de fls. 133/137 e de fls. 138/140, defendem a hipótese deque, para o presente caso, como em semelhantes, devemos aplicar a Súmula de n° 359do STF, transcrita a fl. 139. A idéia é válida e interessante, mas, discordo, em parte,pelas razões que passo a expor.

12. Há casos em que somos levados a aplicar a Súmula do STF, quando notamosque a Administração, inexplicavelmente, demorou muito tempo para apurardeterminado fato e, no término desta apuração, lei menos benevolente prejudica odireito adquirido do inativo que, à época do evento, era protegido por um dispositivolegal mais benévolo. Em aplicando a última norma, estaríamos prejudicando oex-funcionário e, conseqüentemente, violando o estatuído no § 3°, do art. 153, daConstituição Federal.

13. Exemplo típico da aplicação da Súmula de n° 359 do STF foi na aposentadoriado Sr. Raimundo Ferreira Gomes, proc. de nº 1.223/76, servidor da SEP, emconformidade com o brilhante Parecer dado pelo então Procurador-Geral, em exercício,Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz, e aprovado pelo Tribunal, consoante sua1.512ª. Sessão Ordinária, realizada em 23/09/76 (xerocópia de fls. 141/157).

14. A bem da verdade, na área civil, a aplicação da Súmula de n° 359 do STF,nesta Casa, tem sido quase inexistente. Excetuando-se a inativação compulsória, porimplemento de idade, que tem a sua data-limite baseada no dia em que o funcionáriocompleta 70 (setenta) anos de idade, seguimos a mesma trilha que o TCU: o servidorse encontra oficial e legalmente aposentado, a partir da data de publicação do ato deinativação no Diário Oficial do Distrito Federal, desde que, após exame e estudo, estaCorte de Contas considere corretos e legais todos os elementos integrantes dos autos.

15. Se na área civil o uso da Súmula de n° 359 do Excelso Pretório é quaseinexistente, de outra feita, na área militar, é quase impraticável, pois, esbarra nospreceitos legais, como veremos a seguir.

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16. Na "antiga" legislação empregada para as Corporações Militares do DistritoFederal, ou seja, especificamente a Lei de nº 4.328, de 30/04/64, em seu artigo 141,letras a e b, assim se expressa:

Art. 141. Os proventos são devidos ao militar na inatividade a partir da datado decreto ou do ato (grifamos):

a) da transferência para a reserva remunerada;

b) da reforma (sublinhamos):

c) ...

17. Deste modo, o militar que tiver sido reformado pelo Decreto de n° 41.095, de07/03/57, art. 147, itens I e II, combinado com a Lei de n° 4.328/64, art. 141, letras a e b- só será desligado da ativa (quando recebia vencimentos, ou melhor, o soldo e asgratificações incorporáveis) a partir da data do ato de sua inativação.

18. Por outro lado, a legislação atual mudou um pouco as coisas, emborapermanecendo fixa a data para a entrada na inatividade. A Lei de n° 5.619, de 03/11/70,em seu art. 96, itens 1 e 2, § 1°, determina, in verbis:

Art. 96. Os proventos são devidos ao policial militar na inatividaderemunerada, quando deixar efetivamente o exercício do serviço ativo em virtudede (grifamos):

1) - transferência para a reserva remunerada;

2) - reforma(sublinhamos);

3) ...

§ 1° - O policial militar de que trata este artigo continuará a perceber seusvencimentos, até a publicação de seu desligamento no boletim interno de suaorganização policial militar, o que não poderá exceder de 45 (quarenta e cinco)dias à data da publicação no órgão Oficial do Poder Executivo do Distrito Federaldo ato oficial de transferência para a reserva remunerada, reforma ou dispensa(sublinhamos).

19. Assim, segundo o dispositivo legal citado anteriormente, o militar reformadorecebe seus vencimentos até à data anterior à publicação de seu desligamento noboletim interno de sua Corporação Militar. A partir do dia de tal publicação, o reformadocomeça a receber o seu provento (vide o Abono Provisório de fls. 129/130).

20. Acho perfeitamente válida a aplicação de súmulas nos casos em que a lei foromissa, obscura ou mesmo tácita. Contudo, nenhuma destas três hipóteses seapresenta na área militar. Muito pelo contrário: aqui a legislação pertinente define,expressamente, a partir de quando o policial militar ingressa na inatividade, como vimosnos parágrafos anteriores.

21. Exceção feita à inativação por implemento de idade, na área civil, a despeitode as normas não estipularem, explicitamente, a partir de quando o funcionárioaposentado entra, de direito, para a inatividade, o bom senso tem nos conduzido a umaregra que já se tornou uma praxe para os Tribunais de Contas: a partir da data depublicação do ato de aposentadoria no órgão oficial de divulgação do Governo, isto é,

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em nosso caso particular, no Diário Oficial do Distrito Federal. Depois disto, é suficienteque as Cortes de Contas examinem os processos de aposentações e, estando tudocorreto, considerem legais tais inativações, destacando-se duas datas fundamentais: ada publicação do ato de aposentadoria em seus respectivos Diários Oficiais, quando setratar de inativação voluntária ou por doença e, em segundo plano, a da idade-limite(compulsória).

22. Após essas considerações de caráter geral, vamos focalizar o presente caso.Veremos se existe, para o interessado, algum aumento no seu estipêndio primeiro, emsendo aplicada a Súmula de n° 359 do STF.

23. Tanto faz considerarmos a primeira data de inspeção de saúde, ou seja, a de28/06/71, em que o então servidor já fora julgado como "Incapaz definitivamente para afunção policial-militar, podendo prover os meios de subsistência" (vide fl. 01, verso, infine, letra b), quanto a de 08/06/73, do Laudo Médico complementar (fl. 75) do ISO defls. 13/69: a legislação aplicável seria o Decreto de n° 41.095/57, combinado com a Leide n° 5.619/70, que, realmente, foram os dispositivos aplicados no Decreto de 16/05/83(fl. 123).

24. Acontece que o quantum primeiro estipulado no Abono Provisório de fls. 129 e130, de modo mais correto, obedeceu à data de desligamento, do então servidor, doserviço ativo, e não à legislação empregada no ato de fl. 123.

25. Quanto ao vencimento básico (soldo), que é integral, tanto calculado em08/06/73 (vide fl. 75), como em 20/06/1983 (vide fl. 129), em nada alteraria os ganhosdo inativo.

26. Se o provento inicial tivesse obedecido à legislação do ato de fl. 123, o tempode serviço do ex-militar teria sido encerrado em 28/06/71 (vide fl. 01 verso, in fine , letrab), ou, quando muito, encerrado em 08/06/73 (vide fl. 75), em ambos os casos, emestrita observância aos preceitos emanados da Súmula em comento. Nesta hipótese, oadicional por tempo de serviço ficaria em 5°l0 (cinco por cento), e não em 15% (quinzepor cento), como aconteceu às fls. 129 e 130, que encerrou o tempo à véspera dodesligamento do militar da ativa.

27. A Gratificação da Função Policial Militar - Categoria 1, terceira parcelacomponente do provento inicial, bem como o Adicional de Inatividade, tanto em08106173 (vide fl. 75), quanto em 20/06/83 (vide fls. 129 e 130), em nada modificariameste valor. Num ou noutro caso somente se dariam os reajustes automáticos e normais.

28. Conquanto o ex-militar tenha sido acidentado em serviço, tal enfermidade nãoo deixou ..."impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho", comoexpõe o § 1°, in fine, do art. 105, combinado com o item II, do art. 103, ambos da Lei den° 6.023/74, para que, de maneira muito remota, se tentasse atribuir ao inativo em telaum estipêndio com base no soldo de Terceiro Sargento, como determina a alínea c, do§ 2°, do art. 105, deste mesmo dispositivo legal. Aliás, esta hipótese seria quase umabsurdo, pois, em examinando o Laudo Médico de fl. 75, observamos que, àquelaépoca, o interessado podia prover os seus meios de subsistência.

29. Ainda, considerando o ex-militar reformado a partir de 20106183 (vide fls. 129e 130) e, se, futuramente vier a ser portador de uma moléstia definida em lei, terá o seu

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provento revisto de Soldado para Terceiro Sargento, como expus no parágrafo anterior.Esta jurisprudência é a predominante, atualmente, nesta Casa. De outra feita, admitindoa reforma do interessado a partir de 08/06/73 (vide fl. 75), sob a égide do Decreto de n°41.095/57 (e não da Lei de n° 6.023/74) - esta revisão de provento, comentada nestetópico, poderá não ser tão vantajosa, pois, ainda é uma matéria a ser decidida por esteTribunal.

30. Para o presente caso, tirando a essência do que foi discutido nos itensanteriores, é mais vantajosa, para o inativo em questão, a reforma como foi processada,ou seja, em conformidade com a legislação vigente em 20/06/83 (vide fls. 129 e 130).Se fôssemos seguir o Laudo Médico de fls. 75, encerraríamos o tempo de serviço doex-militar em 07/06/73, véspera da data de emissão de tal documento e, porconseguinte, atribuiríamos ao inativo, a título de adicional por tempo de serviço,somente 5% (cinco por cento), e não 15% (quinze por cento) como foi feito,acertadamente, a fl. 129.

31. Em resumo: aplicando, para o caso presente, a Súmula de n° 359 do STF,com base no Laudo Médico de fl. 75, o tempo de serviço seria fechado em 07/06/73 e,conseqüentemente, 5% (cinco por cento) de adicional por tempo de serviço;entrementes, reformando o PM em apreço, a partir de 20/06/83 (vide fls. 129 e 130), otempo de serviço seria encerrado em 19/06/1983, com 15% de adicional por tempo deserviço. Em ambos os casos, as outras parcelas do estipêndio não sofreriamalterações.

32. É bom ressaltar que, todo o período em que o ex-servidor esteve afastadopara tratamento de saúde, in casu, é considerado de efetivo exercício: art. 130, da Leide n° 6.023/74.

33. Mesmo na área militar, onde a legislação define a data da inatividade, não souradicalmente contra a aplicação da Súmula de n° 359 do STF, no âmbito dasCorporações Militares do Distrito Federal, desde que a Administração, ao apurardeterminado fato, se perca no tempo e, em sendo reformado o militar, lei vigente a estaépoca venha lhe tirar vantagem que antes era devida ao então servidor. Aí feriria odireito adquirido, quase inadmissível. Nesta hipótese, até não vejo como não aplicar acitada Súmula. Afora esta suposição de afetar o direito adquirido, não vejo nenhumarazão para usarmos a Súmula em comento, seria até temeroso o seu uso generalizado,além de ser ilegal, na maioria dos casos.

34. Para a área civil, repito o que foi dito no tópico anterior.

Por tudo que foi dito nesta instrução, creio, s.m.j., que:

a) - A Súmula de n° 359 do STF não deve ser aplicada para o presente caso, pois,resultaria em prejuízo para o inativo;

b) - a Súmula de n° 359 do STF, tanto na área militar, quanto na civil, somentepode ser aplicada em casos excepcionais onde, devido à morosidade da Administraçãona apuração de fatos inerentes a servidores, em via de reformar ou aposentar, estessejam realmente prejudicados em seus direitos adquiridos;

c) - esta Corte de Contas deve recomendar às Administrações competentes doGoverno do Distrito Federal, tanto da área militar, quanto da civil, que obedeçam à

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legislação vigente concernente aos prazos previstos para as apurações de acidentesem serviço, licenças para tratamento de saúde, além dos limites previstos em lei,abandono de cargo etc., desde que tais eventos redundem em inativações posteriores;e

d) - os autos devem retornar à PMDF para a seguinte providência:

I- retificar o ato de fl. 123 para:

I-a - excluir, de sua fundamentação legal, o Decreto de n° 41.095/57;

I-b - incluir, em sua fundamentação legal, a Lei de n° 6.023/74, artigos 90,item II; 103, item II, e 104;

I-c - excluir, de sua fundamentação legal, o item I, do art. 104, da Lei de nº5.619/70;

I-d - incluir, em sua fundamentação legal, a Lei de n° 5.619/70, arts. 93,itens 1 e 3; 94, itens 1 e 2; 96, item 2, § 1°; 98; 103, itens 1 e 2, parágrafo único;104, item 2, e 107, item 3; e

I-e - incluir, em sua fundamentação legal, o Decreto-lei de n° 1.716/79, arts.12 e 32.

À elevada consideração do Excelentíssimo Senhor Conselheiro Presidente, tendoem vista o exposto no Regulamento das Inspetorias de Controle Externo, desteTribunal, art. 8°, letra g, in fine, aprovado pela Resolução de n° 01/85 TCDF.

___________________PROCESSO Nº 4.483/84 - 03-05-85.

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CARREIRA DE AUDITORIA DO TESOURO DO DF -REMUNERAÇÃO. PORTARIA CONJUNTA N° 47/86 -

SEA/SEF.

ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO

1. Portaria Conjunta n° 47/86 SEA/SEF, de 30/12/86, que exclui da remuneraçãodos integrantes da Carreira de Auditoria do Tesouro do distrito Federal, para os efeitosdo art. 1º do Decreto-lei n° 1.971/82 c/c o art. 1° do Decreto-lei n° 2.206/84, asgratificações instituídas pelo Decreto-lei n° 2.107/84.

2. Por disposição expressa de lei especial as parcelas da retribuição dos Auditoresdo Tesouro do Distrito Federal sujeitas ao chamado "teto presidencial" são apenas ovencimento do cargo e as gratificações de Representação e de Produtividade(Decretos-Leis nºs 1.774/80 e 2.107/84).

3. Não extrapola o poder regulamentar o ato que, apenas explicitando as normasem vigor, exclui da restrição salarial as gratificações instituídas pelo Decreto-lei nº2.107/84.

RELATÓRIO

O presente processo teve início com a autorização da Presidência para que a 18ICE realizasse inspeção especial nas Secretarias de Administração e de SegurançaPública e nos órgãos relativamente autônomos do Distrito Federal com o fito de verificaro cumprimento do disposto no art. 1° do Decreto-lei n° 1.971/82, com a alteração doDecreto-lei nº 2.206, de 28/12/84 (fl. 1).

2. Posteriormente à autorização, a Inspetoria decidiu estender o controle àSecretaria de Finanças (fl. 8) e à Procuradoria-Geral do Distrito Federal.

3. Nas Secretarias de Segurança Pública e de Finanças encontraram osinspetores, funcionários cujas remunerações ultrapassavam o teto da retribuição doPresidente da República acrescido de 30%, e na Procuradoria-Geral nenhuma

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remuneração - assim compreendida a soma do Vencimento, Gratificação deRepresentação e Gratificação de Produtividade - ultrapassava aquele limite.

4. Oficiou, então, o Presidente da Corte ao Sr. Secretário de Segurança Públicapedindo-lhe esclarecesse a razão dos pagamentos excedentes do teto (fl. 155) e ao Sr.Secretário de Administração comunicando-lhe que alguns servidores da SEF estavamrecebendo além do limite do Decreto-lei nº 1.971/82 e, por caber à Secretaria quedirigia procedimentos normativos sobre a matéria, solicitava-lhe os devidosesclarecimentos (fl. 156).

5. Respondeu o Sr. Secretário de Segurança que os pagamentos feitos aosPoliciais Civis tinham como suporte as numerosas leis arroladas à fl. 157 e juntou aoseu ofício comprovantes dos pagamentos daqueles servidores. O Sr. Secretário deAdministração enviou à Presidência demonstração do salário anual dos servidores quea instrução encontrou percebendo remuneração acima do citado teto e por ela severifica a improcedência da conclusão dos Inspetores.

6. Propôs a Inspetoria que o Tribunal determinasse às Secretarias de Finanças ede Segurança Pública que, semestralmente, procedessem ao cálculo da remuneraçãoanual, inclusive a referente a 1985, paga aos seus servidores para o fim deenquadrá-los no limite estabelecido no Decreto-lei nº 1.971/82, fazendo-se osdescontos das parcelas eventualmente pagas a maior e tomassem conhecimento dosofícios 32/86-SEP e 13/86-SEA (fl. 226). O Plenário acolheu a sugestão.

7. Às Secretarias interessadas requisitaram cópias do presente processo e aSecretaria de Finanças, por intermédio da Secretaria de Administração, remeteu aoTribunal o processo em anexo, com os estudos feitos pela SEF em virtude da inspeçãorealizada pelo Tribunal e dos quais resultou a Portaria Conjunta nº 47/86-SEA/SEF, de30 de dezembro de 1986 (fl. 245).

8. Manifesta-se a instrução à fl. 261 sugerindo ao Tribunal que:

a) tome conhecimento do processo 040 001049/86 e determine sua devolução àorigem;

b) mantenha a decisão comunicada a SEF por intermédio do ofício n° 579/86, fl.233;

c) dê ciência às Secretarias de Administração e de Finanças de que a PortariaConjunta nº 47/86, por falta de amparo legal, deve ser revogada (fl. 264).

9. Concordou com a instrução a relatora mas propôs a audiência do MinistérioPúblico, com a acolhida do Plenário.

10. É o relatório.

PARECER

11. Resume-se a matéria objeto do processo, nesse passo, ao exame dajuridicidade da Portaria Conjunta nº 47/86 SEA/SEF, de 30 de dezembro de 1986.

12. Em matéria de fixação de vencimentos e vantagens, para efeito de limitar-se aretribuição de cada servidor, hão que ser considerados três fatores: a categoria

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funcional, as parcelas que compõem a remuneração a ser limitada, e o padrãoestabelecido como limite ou teto.

13. Os integrantes da atual categoria funcional de Auditor-Fiscal do Tesouro doDistrito Federal - antiga categoria funcional de Fiscal de Tributos - tinham seu teto deretribuição regulado pelo Decreto-lei nº 1.774/80.

14. Por esse diploma, o total percebido pelo servidor a título de vencimento,representação mensal e produtividade - elementos constitutivos da retribuição a serlimitada - seria sempre inferior à retribuição correspondente ao cargo de nível 4 doGrupo DAS - padrão limite (art. 3º).

15. O Decreto-lei nº 1.971, de 30/11/82, instituiu como teto de retribuição para osservidores em geral, tanto da Administração Direta quanto da Indireta da União, DistritoFederal e Territórios, a remuneração mensal fixada para o Presidente da República, atítulo de subsídio e representação (art. 1º), excluiu desse limite várias parcelas queconstituem, habitual ou esporadicamente, a retribuição dos servidores (art. 3°), e no art.12 revogou expressamente os diplomas que enumera e demais disposições legais,regulamentares e estatutárias em contrário, inclusive as constantes de leis especiaispertinentes à participação nos lucros.

16. O limite de retribuição ali fixado, passou, pelo Decreto-lei nº 2.206, de28/12/84, a ser a retribuição do Presidente da República acrescida de 30%. Com essedispositivo, aliás, não haveria mais que se falar em "teto presidencial".

17. O que cabe indagar é se teria havido revogação da lei especial que fixava,para os Fiscais de Tributos, como parcelas sujeitas a limite, apenas o vencimento docargo, a Representação Mensal e a Gratificação de Produtividade. A resposta há de sernegativa, pois o princípio geral de direito é que em diplomas de igual hierarquia não hárevogação tácita de lei especial por lei geral, princípio, aliás, observado pelo Decreto-leinº 1.971, de 30111182, que, para revogar determinadas leis especiais mencionou-asexpressamente no artigo 12.

18. Os comandos desses dois diplomas - o geral e o especial - devemharmonizar-se de modo a que os de um não invalidem os de outro e o trabalho dointérprete deverá cingir-se à constatação dos preceitos harmônicos, para aplicá-los edos acaso conflitivos para lhes negar eficácia.

19. Evidência maior de persistência da norma especial - art. 3º do Decreto-lei n°1.774/80 - é que a ela se dirige expressamente o Decreto-lei nº 2.107, de fevereiro de1984, ao criar a Gratificação de Desempenho das Atividades de Tributação,Arrecadação ou Fiscalização de Tributos do Distrito Federal e elevar o nível do teto atéo do Decreto-lei nº 1.971/82. Se o legislador houvesse desejado incluir na composiçãodas parcelas sujeitas àquele limite o novo benefício, tê-lo-ia feito expressamente, masnão só não o fez como ainda estendeu à categoria gratificação já existente para outrosservidores, a de Nível Superior.

20. Esse é o direito legislativo e o intérprete não pode alterar para menos ou paramais a base já fixada para a incidência da restrição salarial.

21. Por esses fundamentos, ao contrário dos que até então se manifestaram nesteprocesso, entendo que a Portaria Conjunta em exame não merece qualquer reparo. Os

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seus signatários, comportando-se estritamente nas lindes do poder regulamentar,limitaram-se a apenas explicitar o que se contém nas normas do Decreto-lei n°2.107/84, combinadas com as dos Decretos-leis 1.774/80, 1.971/82 e 2.206/84.

22. É o meu parecer.

__________________________PROCESSO N° 2.764/85 - 08/05/87.

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REFORMA, REVISÃO E PROVENTOS

ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO

Reforma, ex oficio, e revisão de proventos do Cabo BMSebastião Francisco Rufino.

2. Legalidade da reforma decretada com proventosproporcionais ao temer de serviço porque a invalidez atestada pelajunta médica era apenas para o serviço da Corporação.

3. Revisão dos proventos efetuada por decisão judicial que,em face da invalidez total, reconheceu ao inativo proventosintegrais do posto alcançado na ativa, acrescido das gratificações ediária de asilado, nos termos da Lei nº4.328/64.

4. Corretos os cálculos no título à fl. 63.

5. Lei entre as partes, a coisa julgada só pode serdesconstituída por ação rescisória.

RELATÓRIO

Por laudo de 12 de setembro de 1968, o Cabo BM Sebastião Francisco Rufino foiconsiderado definitivamente incapaz para o serviço da Corporação por sofrer da doençaincurável "Reação Maníaco-Depressiva", podendo, entretanto, prover os meios desubsistência (fl. 4). Em conseqüência, foi reformado na mesma graduação, comproventos proporcionais ao seu tempo de serviço, e gratificações incorporáveis a quese fizesse jus, nos termos da Lei nº 4.328/64, por decreto de 18/09/70 (fl. 51).

2. Consta do ofício do Sr. Comandante Geral da Corporação, de 22 de julho e1974, que a 30 de abril daquele ano o inativo requerera nova inspeção de saúde eajunta médica concluíra pelo agravamento da doença invalidante - que passara aalienação mental - já não podendo ele prover os meios de subsistência. Propunha,assim, o Sr. Comandante a revisão do ato de reforma para que os proventospassassem a integrais, com as gratificações devidas e a Diária de Asilado (fls. 23 a 25).

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3. Consta, ainda, à fl. 52, ato datado de 10 de outubro de 1974, alterando oanterior, para declarar que os proventos do inativo seriam constituídos do soldo integralda graduação atingida na atividade, gratificações e mais Diária de Asilado. Não precisao ato, contudo, a data em que começou a viger os novos proventos.

4. Parecer contrário da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, exato e correto nosseus termos, levou à revogação do Decreto de 10 de outubro de 1974 e à revalidaçãodo ato inicial por Decreto de 9 de dezembro de 1975 (fl. 53).

5. O reformado, ao lado de mais outros, acionaram o Distrito Federal perante a 19Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal reclamando melhoria de reforma e Diáriade Asilado. Alegaram os autores que foram inicialmente reformados com proventosproporcionais alterados posteriormente para lhes assegurar proventos integrais doposto obtido na ativa, as gratificações e a Diária de Asilado, tudo com base na Lei n°4.328/64. Posteriormente, esses direitos lhes foram retirados com o advento doDecreto-lei n° 723, de 04 de agosto de 1969.

6. Pediam, pois, as vantagens já referidas, cujo pagamento deveria ocorrer a partirda data em que lhes foram suspensas ou negadas e a incidência, sobre as prestaçõesvencidas, de juros e correção monetária (fl. 54).

7. A pretensão do inativo foi satisfeita, como se pode verificar na sentença de fl. 54a 59, transitada em julgado como certificado à fl. 60, o que levou a Corporação a emitirum título de abono provisório a partir da data do ato de reforma - 18/09/70 - comproventos proporcionais a 20 anos de serviço e 15% de adicional, no valor total de324,36, e outro a partir de 10/10/74, com provento integral correspondente ao soldo deCabo - 972,00 (art. 139) e 35% de adicional por tempo de serviço, no valor de 340,00(art. 140, todos da Lei nº 4.328/64), perfazendo o total de 1.312,00 (fl. 63) e mais umterceiro, a partir de 09/12/75, referente a 20 cotas do soldo no valor de 842,00 e 15% deadicional, no valor de 126,30, no valor global de 968,30.

8. Em todos os documentos há a observação de que se deixou de incluir a Diáriade Asilado porque o Tribunal não mais a aprecia.

9. Finalmente veio a matéria a exame do Tribunal.

10. Propôs a Divisão de Controle de Concessões Militares a conversão dojulgamento em diligência para a Corporação:

a) tornar sem efeito o ato revogatório de fl. 53 e, expressamente, restabelecer oato retificativo de fl. 52; e

b) anular o demonstrativo de proventos de fl. 64. Parecia ao informante que com amedida voltaria a prevalecer o demonstrativo de fl. 63, que já guarda identidade com adecisão de fl. 59.

11. Já o Senhor Inspetor da 4ª ICE entende, no item 2 de sua informação que areforma pode ser julgada legal porque os atos de fls. 51, 52 e 53 se completam, otempo de serviço e o abono provisório à fl. 62 estão corretos.

12. E quanto à revisão do provento, espelhada nos títulos de abono provisório, dizque a sentença judicial "determinou que se restabelecesse todos os direitos do inativoem questão a partir da data do ato revogatório de fls. 53, isto é, a partir de 09/12/75",

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mas com ela inconformado, em virtude de decisão do Tribunal em casos análogos,propõe diligências para as medidas indicadas à fls. 83 e 84.

PARECER

13. Cabe ao Tribunal, que só agora se manifesta no processo, julgar o ato inicialde reforma de maneira abrangente, isto é, examinando todos os fatos e o direito quelhes foi aplicado e, quanto à revisão dos proventos, ater-se aos termos da decisãojudicial e apenas verificar se a Corporação deu-lhe fiel cumprimento.

14. A reforma foi decretada em consonância com o suporte fático do laudo à fl. 4 eo ato inicial, alterado quanto aos proventos pelo de 10 de outubro de 1974, foirevalidado no todo pelo Decreto de 09 de dezembro de 1975 (fl. 53). Os estipêndiosiniciais, demonstrados no título à fl. 62, estão corretos, pois guardam consonância coma invalidez atestada no laudo médico (fl. 4) e o tempo de serviço do inativo.

15. Quanto aos proventos revistos, há que se dar acatamento à decisão judicial,seja ela qual for, a menos que o Tribunal, numa total subversão da ordem jurídicavigente, pretenda se transformar em Corte de Cassação. A decisão transitou emjulgado, fez-se lei entre as partes, dirimindo a lide e constituindo relação jurídica que sópor meio de ação rescisória poderia ser desconstituída. E que relação jurídica foiconstituída? Que pediu o inativo à Justiça? Que lhe foi deferido?

16. O inativo pediu como já foi salientado, que, por ter sido considerado inválidopara todo e qualquer trabalho, sem poder prover os meios de subsistência, lhe fosseassegurada a percepção de proventos integrais ao posto ou graduação atingida naativa, as gratificações a que fizesse jus e a diária de asilado, direitos que lhe haviam acerta altura sido deferidos e depois retirados.

17. Para melhor compreensão da matéria, passo à transcrição literal das partes dasentença que interessam ao caso em exame:

"A todos autores, pois, há de ser reconhecido o pedido formulado,porquanto levados à inatividade por reforma ex ofício considerados inicialmenteincapazes e, posteriormente, inválidos, têm eles direito ao recebimento de seusproventos calculados sobre o soldo da graduação em que se encontravamquando da atividade, vencimentos integrais mais gratificações incorporáveis,além da Diária de Asilado, tudo conforme o que dispõem os arts. 146, alínea "d",148, 150 c/c 37, todos da Lei nº 4.328/64, multi-citados na explicitação exegéticadas decisões anteriores, também já referidas e invocadas como razão de decidir.

ISTO POSTO julgo procedente a presente ação para condenar comocondeno o Distrito Federal a pagar aos autores, com base nas disposições legaisjá invocadas seus proventos calculados no valor do soldo integral de cada um, nagraduação em que se encontravam na atividade quando da reforma, adicionandoas gratificações incorporáveis e mais a diária de asilado." (Fl. 58).

18. Depois de examinar situações especiais de dois dos litisconsortes, volta o juiz,à fl. 59:

"Em favor dos demais autores as prestações devidas pela parte ré, objetodesta condenação, incidirão a partir da data que lhes foram retiradas através dos

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Decretos revogatórios da reforma, bem assim a partir da data que alguns delesforam submetidos à perícia médica e considerados incapazes ou inválidos, e asvantagens não lhes foram concedidas."

19. Assim, para que a Corte se atenha aos limites da sua competência, há quedizer que os proventos fixados no título à fl. 63 guardam fidelidade à decisão judicial,devendo, em conseqüência, ser invalidado o de fl. 64.

20. Todas as demais questões, inclusive pagamento de atrasados, juros, etc.,devem ser decididas, se necessário, no juízo da execução.

21. Entendo, ainda, dispensável a edição de decreto revisório, pois, com efeito, arevisão dos proventos se deu, in totum com a sentença judicial.

___________________PROCESSO Nº 3.686/86 - 22-06-87.

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REFORMA DO 2° SARGENTO PM-MÚSICO

ELZA DA SILVA GUIMARÃES

Senhor Inspetor-Geral:

I - RELATÓRIO

Mediante ofício datado de 10 de agosto de 1971, o Senhor CoronelComandante-Geral da Polícia Militar encaminhou ao Senhor Secretário de SegurançaPública do Distrito Federal o processo de reforma do 2° Sargento PM MúsicoARGEMIRO DOS SANTOS.

2. Submetido a Junta Médica em 16 de outubro de 1970, o policial apresentava oseguinte quadro clínico (fls. 7):

"Diagnóstico: 250. Diabetes Melitus. Classificação Internacional dasdoenças (8ª revisão).

Parecer: Incapaz definitivamente para o serviço policial militar, podendoprover os meios de subsistência, por ser portador de moléstia, incurável,conforme parecer do especialista na conferência médica realizada em 8110/70".

3. A Procuradoria-Geral do Distrito Federal manifestou-se sobre a reforma nosseguintes termos (fls. 28/30):

.........................................................................................................................

"A vista do resultado do exame, constante do laudo acima mencionado, deve serconcedida a reforma solicitada, ex-officio, em virtude de incapacidade definitiva para oserviço da Corporação, por moléstia sem relação de causa e efeito com o serviço (osgrifos são do original), nos termos dos artigos 147, II, 149, I e 150, II, do DecretoFederal 41.095, de 07 de março de 1957, aplicável à PMDF por força do Decreto "N" nº515, de 11 de julho de 1966.

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O cálculo do provento da inatividade, muito embora já esteja em vigor a Lei 5.619,de 03 de novembro de 1970, que "dispõe sobre vencimentos, indenizações, proventos eoutros direitos da Polícia Militar do Distrito Federal", deverá ser feito na conformidadeda Lei 4.328/64, vigente ao tempo em que o militar em questão reuniu os requisitosnecessários à reforma - (Súmula 359, do Supremo Tribunal Federal).

Assim, por força do Decreto-Lei nº 792, de 28/08/69, aplicam-se na espécie,as disposições da Lei 4.328, de 30 de abril de 1964 (Código de Vencimentos dosMilitares). Na forma do art. 135 da citada Lei, o militar na inatividade remuneradafará jus: a) ao provento da inatividade; b) à diária de asilado. No caso em exame,não há que falar em diária de asilado, devida na forma do artigo 148 da mesmaLei, àqueles total e permanente inválidos para todo e qualquer trabalho" (Sic).

4. Por Decreto datado de 29 de setembro de 1971, o policial militar foi reformado,"nos termos dos artigos 147, II, 149, I, e 150, II, do Regulamento Geral aprovado peloDecreto n° 41.095, de 07 de março de 1957, com proventos proporcionais ao tempo deserviço e gratificações incorporáveis a que fizer jus, de acordo com os artigos 137, a eb, e 139, da Lei 4.328, de 30 de abril de 1964, ex vi do Decreto-Lei nº 792, de 27 deagosto de 1969, sem direito à diária de asilado" (fls. 33).

5. Transcorridos 4 (quatro) anos da data do primeiro laudo médico, a seu pedido,ARGEMIRO DOS SANTOS foi submetido a novo exame, cujo resultado se vê à fl. 50,verbis:

"Diagnóstico: 250 + 441. 9 + 379 - Diabetes Mellitus + Aneurisma da aorta +cegueira.

Parecer: Incapaz definitivamente para o serviço policial militar. A moléstia éincurável e não foi adquirida em ato nem em conseqüência de ato de serviço.Está total e permanentemente incapacitado para todo e qualquer trabalho. Nãopode prover os meios de subsistência. Necessita de cuidados médicos eassistência permanente de enfermagem.

Observações: A moléstia atual tem relação de causa e efeito com a que oincapacitou".

6. Sugestão do Senhor Comandante-Geral da Polícia Militar, no sentido de quefosse retificada a fundamentação legal da reforma em apreço (fls. 52/55), não mereceuacolhida da Procuradoria do GDF, porque "a partir do advento do Decreto-Lei 728/69são indevidas quaisquer alterações de proventos, quando a causa da incapacidade ouo motivo da alteração pretendida não guardar relação de causa e efeito com o serviço"(fls. 60).

7. Indeferido o pedido do policial, em 21 de março de 1975, pelo SenhorGovernador do Distrito, em julho do mesmo ano moveu ele ação contra o DistritoFederal. A causa petendi, análoga à apresentada na área administrativa, foi a nãoconcessão do soldo integral e do auxílio-invalidez. Pediu, também, fosse seu soldocalculado na base de um grau hierárquico superior ao que possuía na atividade, deacordo com a Lei 6.023, de 03 de janeiro de 1974.

8. A ação sumaríssima impetrada pelo militar recebeu, na lá Vara de FazendaPública, o n° 11.891. Em maio de 1977, foi prolatada a respeitável sentença vista por

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cópia das fls. 70 a 72 deste processo e confirmada, à unanimidade, pelo EgrégioTribunal ad quem, conforme aresto de fls. 76/77.

9. O preclaro Magistrado, Dr. JERONIMO BEZERRA DE SOUZA, assimfundamentou sua decisão:

"Está suficientemente provado nos autos que o autor é ex-integrante daPolícia do DF, reformado de ofício por ter sido julgado definitivamente incapazpara o serviço daquela Corporação, por sofrer de doença incurável, inicialmentepodendo prover os meios de subsistência (laudo da 19 Junta Médica) eposteriormente incapaz de prover os meios de subsistência (laudo da 22 JuntaMédica).

Não há dúvida de que o requerente foi reformado sob o império da Lei4.328/64, que lhe assegurava não só as chamadas diárias de asilado (art. 148),depois transformadas em auxílio-invalidez (Lei 5.619, de 03 de novembro de1970), como, também, o direito de se ver reformado com proventos do soldointegral da sua graduação, uma vez incapacitado de prover os meios desubsistência, por ter se tornado total e permanentemente inválido para qualquertrabalho (artigo 146, letra d).

Note-se que o segundo exame médico feito no autor, exame complementar,que o dá como "total e permanentemente incapacitado para todo e qualquertrabalho", observa que "a moléstia atual tem relação de causa e efeito com a queo incapacitou". Então, na melhor das hipóteses, o primeiro laudo não eradefinitivo e o réu precipitou-se em, com base nele, reformar o suplicante,prejudicando-o enormemente, se prevalecer o seu entendimento. Atitude maisadequada seria proceder algum tempo depois do primeiro exame, ao outro,complementar, decisivo ou conclusivo e, só então, reformar o autor. In casu, aose fazer o segundo exame médico, depois de se aguardar quatro anos,constatou-se que o autor estava gravemente enfermo, além de cego! Houveprecipitação do réu e seria sumamente injusto que se prejudicasse o autor".

10. Quanto ao auxílio-invalidez pleiteado pelo suplicante, S. Exa. o consideroulegítimo, citando o Recurso Extraordinário nº 75.876/DF, do Supremo Tribunal Federal,em que o Excelso Pretório "decidiu pelo reconhecimento do direito adquirido àsvantagens contidas na legislação em vigor por ocasião da inatividade do militar,voluntária ou de ofício, com invocação da Súmula nº 359, entendendo que, do contrário,haveria ofensa ao direito adquirido, com violação do § 3° do art. 153 da Constituição."

11. Quanto à pretensão do autor, de ter seu soldo calculado de acordo com a Lei6.023/74, foi indeferida.

12. Em resumo: O Distrito Federal foi, condenado "a pagar ao autor a referia diáriade asilado ou auxílio-invalidez, bem como o soldo integral de 2° Sargento PM (os grifosnão são do original), a partir do seu ato de reforma (29 de setembro de 1971), asdiferenças deixadas de receber pelo suplicante, juros, custas adiantadas e honoráriosde advogado" (fls. 72, in fine).

13. Aos 05 de outubro de 1978, o acórdão retromencionado "se revestiu do mantoinatacável da coisa julgada".

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14. Para fins de alteração do Decreto de 29 de setembro de 1971, retornaram osautos, pela terceira vez, à Procuradoria-Geral do Distrito. Entendeu, então, oProcurador, Dr. FRANCISCO DE CASTRO, que os fundamentos legais da reformaseriam o Decreto 41.095/57 e Lei 5.619/70, conforme se vê no Decreto de fls. 99.

15. Remetido o processo a este Tribunal, o servidor Nalhou Oliveira Alencar, quesubscreve a informação de fls. 109/111, propôs diligência para fim de "ser corrigido ofundamento legal do ato de fls. 99, para constar os artigos 137, a e b, 140, a e c, 146, d,e 148 da Lei 4.328/64, no lugar dos dispositivos da Lei 5.619/70 e, conseqüentemente,conceder ao inativo gratificação de tempo de serviço correspondente a 07 (sete)quinquênios a partir de 29.09.71".

II - ENTENDIMENTO DO TCDF SOBRE A MATÉRIA

16. Encontram-se em nosso poder, para instrução conjunta determinada por V. Sáprocessos idênticos de reforma e revisão de proventos:

- Processo n° 242/70 - PM OTACÍLIO GOMES DOS SANTOS

- Processo n° 753/75 - PM WALTER REIS CARNEIRO

- Processo n° 755/75 - PM ÂNGELO FRANCO E OLIVEIRA

- Processo n° 793/75 - PM JONATAN JOSÉ DO AMARAL.

17. Em nenhum destes processos, houve decisão final desta Corte. Todavia, ospronunciamentos da nossa douta Procuradoria, bem assim as diligências determinadaspelo Plenário, nos levam a crer que, mantida a orientação inicial, será considerada legala reforma e ilegal a revisão, pelo que nos deteremos com mais vagar no seu exame.Em março de 1978, nossa preclara e brilhante Procuradora-Geral, ao pronunciar-sesobre a reforma do PM OTACÍLIO GOMES DOS SANTOS e a revisão de seusproventos (processo nº 242/70), assim ementou seu parecer:

"1. Os policiais militares incapacitados para o Serviço da Corporação, mas nãopara todo e qualquer trabalho, são reformados com proventos proporcionais ao tempode serviço (artigos 147, II, 149, 1, e 150, II, do Decreto nº 41.095/57, combinado com osarts. 137, 138, § 2°, 139 e 140, alíneas a e b da Lei n2 4.328/64.

2. A revisão de proventos por agravamento da doença que motivou a inativação,ou a ela superveniente, é regulada pelo art. 104, item 4, Parágrafo único, da Lei5.619/70. Cabe apenas nos casos em que ajunta médica da Policia Militar do D.F.ateste que a moléstia incapacita o inativo para todo e qualquer trabalho,impossibilitando-o de prover os meios de subsistência e que tem relação de causa eefeito com o exercício normal de suas funções.

3. A melhoria do provento vigora a partir da data do laudo da Junta Médica e éfeita com base no soldo integral do posto no qual o policial foi reformado, mais asgratificações incorporáveis a que tivesse direito na forma da legislação que vigia à datada reforma.

4. As quantias recebidas a mais por qualquer servidor em conseqüência deerrônea interpretação de lei não são passíveis de restituição (art. 20, § 2°da Lei n°

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4.863/65; Parecer 29-X, de 17.06.65 da Consultoria-Geral da República e jurisprudênciapacífica do S.T.F.).

5. Legalidade do ato de reforma.

6. Necessidade de conversão do julgamento em diligência quanto ao Decreto quemodificou o provento inicial"

18. No parecer expedido no prefalado processo, afirmou a doutaProcuradora-Geral estarem corretos o ato de reforma e o provento inicial, porém omesmo não se poderia dizer do Decreto que determinara passassem os proventos a serconstituídos do soldo integral, porquanto os peritos não haviam declarado a relação decausalidade entre a moléstia e o exercício da função policial-militar, como exigido peloartigo 104, 4°, § único, da Lei 5.619/70.

19. Asseverou, ainda, a ilustre parecerista:

"É oportuno esclarecer, sobretudo para orientação dos peritos médicos,que, no caso do artigo 104, item 4, parágrafo único da Lei 5.619/70, poucoimporta que a moléstia tenha sido adquirida em ato ou em conseqüência deserviço, ou tenha relação de causa e efeito com a que incapacitara o policial.Doença adquirida em ato ou em conseqüência de ato de serviço pressupõe aexistência de ação efetiva na qual se tenha envolvido o policial, enquanto que arelação de causalidade entre a doença agravada ou detectada posteriormente serefere ao exercício das atividades normais da função policial, estatisticamenteencarada. Com esse esclarecimento e à vista dos demais elementos doprocesso, entendo deva a matéria ser reexaminada pela Junta Médica Superiorda P.M.D.F., para o fim de que ateste se a cardiopatia grave de que padeceatualmente o inativo, reformado por cardiopatia, tem relação de causa e efeitocom as funções que exercia enquanto esteve no serviço ativo".

20.Em 24 de abril do mesmo ano, ao pronunciar-se sobre o processo 753/75 -reforma e revisão de proventos do PMV WALTER REIS CARNEIRO -, a ilustradaProcuradora-Geral manteve o entendimento retro mencionado e fez juntar aos autoscópia do parecer contido no processo 242/70. Idêntico procedimento foi adotado noprocesso 755/75 - PM ÂNGELO FRANCO DE OLIVEIRA.

21. No processo nº 793/75 - reforma e revisão de proventos de JONATAN JOSÉDO AMARAL - o ilustre Procurador, Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz, não sófez remissão ao parecer insertos no processo 242/70, como acordou in totem com assuas conclusões.

22. O Tribunal remeteu os autos supra referidos à Polícia Militar do Distrito Federalcom o objetivo de subministrar-se prova cabal quanto à relação de causalidade entre asenfermidades diagnosticadas e o exercício das funções dos militares enquanto noserviço ativo, como requerido pelo art. 104, § único, da Lei 5.619/70.

23. A Junta Médica Superior informou, nos quatro casos, "não haver condições deenquadrar o paciente no parágrafo único do item IV do artigo 104, da Lei 5.619, de03.11.70" .

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24. Além dos quatro processos retro mencionados, encontram-se nesta Seccionaloutros oitos, que diferem dos primeiros em um único aspecto: tanto a reforma quanto arevisão de provento se deram sob a égide da Lei 6.619/70.

III - ENTENDIMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

25. Além da sentença e do aresto vistos por cópia de fls. 70 usque 80, foram-nosfornecidas pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal as decisões de fls. 113/122 queversam sobre hipóteses idênticas, as quais passamos a analisar:

A) PROCESSO N° 11.650 - 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICAAUTOR: IVANILDO DE LACERDA LIMA (FLS. 113/115)

26. O autor, subtenente do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, portador dedoença incurável e definitivamente incapaz para o serviço da Corporação, foi reformadopor Decreto de 03 de julho de 1970, de acordo com a Lei 4.328/64, com proventosproporcionais, mas percebendo a chamada "diária de asilado", cujo pagamento foisuspenso em julho de 1971.

27. Em dezembro de 1974, ou seja, quatro anos e sete meses após sua reforma,submetido a novo exame, constatou-se o agravamento de sua doença, bem assim aimpossibilidade de prover os meios de subsistência.

28. Pediu IVANILDO DE LACERDA fosse compelida a Administração arestabelecer o pagamento da diária de asilado, já então denominada auxílio-invalidez,bem assim proventos correspondentes ao soldo integral de sua graduação, a partir dedezembro de 1974.

29. A sentença, prolatada em 14 de outubro de 1976, julgou procedente a ação intotum, condenando o Distrito Federal a efetuar os pagamentos acrescidos de juros, ascustas processuais e os honorários advocatícios.

30. Deve-se observar que o MM. Juiz reconheceu ao postulante o direito à revisãode proventos a partir da época da constatação de sua invalidez total e permanente.

B) PROCESSO N° 11.891 - 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA AUTOR:ARGEMIRO DOS SANTOS (FLS. 70/72)

31. O preclaro Magistrado signatário da sentença de fls. 70/72 reconheceu aoautor o direito à retificação de proventos, vez que condenou o Distrito Federal apagar-lhe soldo integral a partir do ato de reforma (29 de setembro de 1971) e não apartir da data do laudo que o declarara incapaz para todo e qualquer trabalho, em 14 denovembro de 1974 (fls. 50).

32. Deixamos de abordar outros aspectos da decisão, porque a eles já nosreferimos no relatório.

C) PROCESSO 1042 - 2ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA

AUTORES: GERINO PINTO DA FONSECA

NELSON COTRIM RODRIGUES (FLS. 116/119)

33. Os autores são ex-integrantes dos Quadros do Corpo de Bombeiros, tambémreformados de acordo com a Lei n° 4.328/64, podendo prover meios de subsistência e

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percebendo a diária de asilado, cujo pagamento foi suspenso em 24 de dezembro de1975.

34. O agravamento das doenças, incapacitando-os para todos e qualquer trabalho,levou-os a solicitar o pagamento de proventos correspondentes ao soldo integral dagraduação em que foram reformados.

35. Dr. ROMILDO BUENO DE SOUSA, hoje Ministro do Tribunal Federal deRecursos, titular, à época, da 2ª Vara de Fazenda, julgou a ação procedente nos termosrequeridos pelos autores, ou seja, pagamento do auxílio-invalidez mais revisão deproventos a partir da data da inspeção de saúde declarativa da incapacidadepermanente.

D) PROCESSO 1373/78 - 2ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA AUTOR: CILAIRROCHA (fls. 120/122)

36. CILAIR ROCHA, policial militar, submetido a inspeção de saúde em 07.06.73,foi reformado por Decreto datado de 21.02.74, devido a neurose fóbica, depressiva ehipocondríaca mais epilepsia, com proventos proporcionais.

37. O agravamento da doença tornou-o alienado mental, um ano após a reforma.

38. Submetido a inspeção de saúde em 5 de março de 1975, a Junta Médicadeclarou sua incapacidade absoluta, sua impossibilidade de prover os meios desubsistência e que a moléstia não tinha relação de causa e efeito com o serviço.

39. Pleiteou o inativo fossem seus proventos referidos ao soldo integral do postoem que se dera a reforma, mais o auxílio-invalidez, de acordo com os artigos 104, IV, e106, da Lei n2 5.619/70.

40. A ação foi julgada procedente, como se vê à fl. 102, in fine, havendo o MM.JUIZ, Dr. ASDRUBAL ZOLA VASQUEZ CRUXÊN, concedido ao postulante retificaçãode proventos:

"Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE A AÇÃO para rever as condições desua reforma, para que passe a perceber os proventos integrais (Lei n°5.619/70,art. 104, n° 4), bem como o benefício do auxílio-invalidez (artigo 106 da mesmalei), com efeito ex tunc a partir de 07.06.73, acrescidos de correrão monetária ejuros de mora sobre as parcelas atrasadas. Custas pelo vencido, com honoráriosadvocatícios de vinte por cento sobre o valor da condenação que for apurada emliquidação, atendendo ao princípio da sucumbência" ... (sic).

41. Comparando-se as quatro sentenças, proferidas por três diferentes julgadores,sendo idêntica a matéria julgada, percebe-se que, em dois casos (processos de nºs11.891 e 1373/78), foi concedida retificação de proventos, ou seja, S. Ex.as.entenderam que os inativos faziam jus aos proventos integrais desde a data do primeirolaudo médico; nos outros dois, (processos de n°s 11.650 e 1.042), revisão deproventos, com efeitos financeiros ex tunc a partir da data do laudo declarat6rio dainvalidez total e permanente.

42. Georges Ripert e Jean Boulanger, in "Tratado de Derecho Civil según elTratado de Planiol", analisam com clareza e objetividade o porquê de decisões judiciais

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serem diferentes, ou, ainda, um mesmo juiz poder julgar casos idênticos e decidi-losdiferentemente:

"... Ia interpretacíon judicial es libre en princípio; cada tribunal tiene el derecho deadoptar Ia solución que le parece Ia más justa y Ia mejor. No está ligado ni por Iasdecisiones que ha tomado anteriormente en asuntos análogos, ni por Ias decisiones deotro tribunal, aunque sea superior en grado" (ob. citada, pág. 178).

"La interpretacíon de Ia regla jurídica es para el juez el medio de cumplir sumisión, que es zanjar el litigio que se le somete. Está elaborada sobre un caso preciso.Eso Ia vez es su fuerza, porque soporta inmediatamente Ia prueba de los hechos, y sudebilidad, porque está expuesta al riesgo de ser influenciada por consideraciones deoportunidad o de equidad, resultantes de Ia especie juzgada (idem, pág. 275).

IV - HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO QUE REGE A MATÉRIA EM CAUSA

43. A transferência da Capital da República para Brasília ensejou o surgimento, naPolícia Militar e também no Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, de situaçõesjurídicas constituídas sob a égide de legislações diversas, como passamos ademonstrar.

44. O Regulamento-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, aprovado peloDecreto nº 41.095, de 07 de março de 1957, que trata da matéria nos artigos 147 a 163,dispunha sobre a reforma ex-ofício, por incapacidade para o serviço da Corporação,verbis:

"art. 150 - A incapacidade no caso do item 1 do artigo anterior poderá serconseqüente a:

I- ferimento ou acidente na manutenção da ordem, em campanha, em ato deserviço ou enfermidade contraída em conseqüência dessas situações;

II - acidentes ou moléstias sem relação de causa e efeito com o serviço;

III - tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra,paralisia ou cardiopatia grave, embora sem relação de causa e efeito com o serviço".

45. Os parágrafos 1º a 5° do artigo definiam as doenças especificadas no item III.

46. Em 30 de abril de 1964, foi editada a Lei 4.328, que instituiu o novo Código deVencimento dos Militares do Exército, Marinha e Aeronáutica, 3Lplicável à PMDF e aoCBDF, vez que eles são considerados, constitucionalmente, "força auxiliar e reserva doExército" (Constituição Federal, art. 13, § 4°).

47. Esta Lei contém sete capítulos sobre a situação do militar na inatividade.Definiu provento (art. 136) e sua composição (art. 137) e instituiu a diária de asilado(art. 148). 4p. A reforma por incapacidade recebeu o seguinte tratamento:

"Art. 146. O militar incapacitado terá como provento o soldo integral doposto ou graduação em que foi reformado e as gratificações incorporáveis a quefizer jus, calculadas nos seus valores máximos, quando reformado pelosseguintes motivos:

a) ferimento em campanha ou na manutenção da ordem pública ouenfermidade contraída nessas situações ou delas resultantes;

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b) acidente em serviço;

c) enfermidade adquirida em tempo de paz, tendo relação de causa e efeitocom as condições inerentes ao serviço;

d) por doença, moléstia ou enfermidade, embora sem relação de causa eefeito com o serviço, desde que torne o indivíduo total e permanentementeinválido para qualquer trabalho" (grifamos).

"Art. 147. O militar reformado por incapacidade decorrente de acidente ouenfermidade sem relação de causa e efeito com o serviço, ressalvados os casosda alínea d do artigo anterior (grifamos), perceberá o provento nos limitesimpostos pelo tempo de serviço computável para a inatividade nas condiçõesestabelecidas no artigo 139".

49. Percebe-se que a Lei, além de especificar e regular mais minudentemente ainatividade militar, discriminou bem as hipóteses de percepção de proventos integrais(art. 146) e proporcionais (art. 147).

50. Em 1965, Lei específica, destinada aos inativos das três armas, foi editada.Trata-se da Lei 4.902, de 16 de dezembro de 1965, que não contém sobre o assuntodispositivos frontalmente contrários aos da Lei 4.328164, pelo menos naquilo que nosinteressa no presente processo.

51. No ano de 1966, o então Prefeito do atual Distrito Federal baixou o Decreto Nº515, de 11 de julho, determinando fosse aplicado o Regulamento-Geral aprovado peloDecreto nº 41.905157 à Polícia Militar, até aprovação de outro Regulamento.

52. Já em 1969, a 6 de agosto, foi baixado o Decreto-Lei nº 728, instituindo outroCódigo de Vencimentos dos Militares, Indenizações e Proventos. Este Decreto-Lei crioua chamada "indenização de compensação orgânica" (arts. 64 a 72), substituiu a "diáriade asilado" pelo "auxílio-invalidez" (art. 141) e introduziu algumas modificações notratamento até então dispensado aos incapacitados (art. 139 e 140) e ab-rogou a Lei4.328, de 30 de abril de 1964 (art. 198).

53. Ocorreu, então, que aos policiais e bombeiros militares do Distrito Federal nãose aplicava o Decreto-Lei nº 728/69 e a Lei 4.328/64 lhes era aplicável, porquantocareciam, ainda, de legislação especifica. Ora, ab-rogada a 4.328/64, elespermaneceram em "albis legislativos" até 27 de agosto de 1969, quando o Decreto-Lei792 revigorou, para a PMDF e o CBDF, a Lei 4.328/64.

54. A Policia Militar do DF só viria a reger-se por legislação própria em 3 denovembro de 1970, com o advento da Lei 5.619, que dispôs sobre vencimentos,indenizações, proventos e outros direitos.

55. As disposições sobre reforma por incapacidade praticamente foram extraídasdo Decreto-Lei 728/69, e constituem os artigos 104 e 105, verbis:

"Art. 104. O policial militar incapacitado terá seus proventos referidos aosoldo integral do posto ou graduação em que foi reformado na forma dalegislação em vigor, e as gratificações incorporáveis a que fizer jus, quandoreformado pelos seguintes motivos:

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1) ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública oupor enfermidade contraída nessas situações ou que nelas tenha sua causaeficiente;

2) acidente em serviço;

3) doença adquirida em tempo de paz, tendo relação de causa e efeito como serviço;

4) por doença, moléstia ou enfermidade, embora sem relação de causa eefeito com o serviço, desde que torne o policial militar total e permanentementeinválido para qualquer trabalho.

Parágrafo único. Não se aplicam as disposições do presente artigo aopolicial militar que, já na situação de inatividade, adquira uma das doençasreferidas no item 4, a não ser que fique comprovada, por Junta Médica da PolíciaMilitar do Distrito Federal, relação de causa e efeito entre a moléstia e o exercíciode suas funções, enquanto esteve no serviço ativo (grifamos).

Art. 105. O policial militar, reformado por incapacidade decorrente deacidente ou enfermidade sem relação de causa e efeito com o serviço (grifamos),ressalvados os casos do item 4 do artigo anterior, perceberá os proventos noslimites impostos pelo tempo de serviço computável para a inatividade,observadas as condições estabelecidas nos arts. 99 e 103 desta Lei".

56. Da análise dos artigos supra transcritos conclui-se que:

a) o policial militar incapacitado para o serviço receberá soldo integral maisgratificações, quando reformado ex-ofício por qualquer dos motivos constantes dositens 1 a 4 do artigo 104;

b) receberá proventos proporcionais ao tempo de serviço quando reformado poracidente ou moléstia sem relação com a atividade policial militar (art. 105);

c) terá os proventos revistos, quando provada, por Junta Médica, relação decausalidade entre a doença adquirida na inatividade e o serviço ativo (§ único do artigo104).

57.O artigo 104 da Lei 5.619/64 é fiel reprodução do artigo 139 do Decreto-Lei728/69.

58. Já a Lei 6.023, de 03 de janeiro de 1974, Estatuto da PMDF em vigor, além deabolir a exigência contida no § único do artigo 104 da Lei nº 5.619/64, deu tratamentobem mais benevolente aos inativos e, praticamente, reeditou todas as minudentesespecificações contidas na Lei 4.902/65, sobre doenças incapacitastes (vide arts. 101 eseguintes), muito embora não haja, explicitamente, tratado da revisão de proventos.

59. Consideramos necessário o retrospecto da legislação em causa, para, emcontexto jurídico-histórico adequado, analisarmos o § único do artigo 104 da Lei5.619/70.

60. Queremos registrar que toda a problemática decorrente do regime jurídico daPMDF e do CBDF consta de brilhantíssimo parecer do Dr. Lincoln Teixeira M.P. da Luz- processo 140/75 - (Revista do TCDF nº 5, pág. 161/ 174).

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V - DA REVISÃO DE PROVENTOS

61. A revisão de proventos dos inativos civis e militares, prevista nos artigos 102, §1º, e 93, § 8º, da Constituição Federal, objetiva assegurar-lhes reajustes compatíveiscom os dos vencimentos dos funcionários ativos, por motivos de alteração de poderaquisitivo da moeda.

62. A Lei 1.711, de 28.10.52 - EFPCU - admite, para os funcionários civis, além darevisão determinada na Carta Magna, uma segunda hipótese (art. 182, b): asuperveniência de motivo determinante de novas bases financeiras da aposentadoria,ou seja, o acometimento ao inativo de doença qualificada, que enseja a percepção deproventos integrais.

63. O mesmo não ocorre na legislação militar. Como vimos no título anterior,somente o Decreto-Lei 728/69 e a Lei 5.619/70 previram revisão de proventos devida afatos supervenientes ao ato de reforma.

64. Já a Lei 6.023/74, atual Estatuto da PMDF, não contém dispositivo sobre amatéria.

65. Em se tratando do civil, verificado o estado mórbido (cegueira, neoplasiamaligna, cardiopatia grave, etc), quer tenha sido adquirido ao tempo do exercício ou nainatividade, faz jus o servidor à revisão. Não se exige sequer correlação entre a doençaatual e a que determinou a aposentadoria. Basta a existência e o caráter grave do mal.

66. Por mais que pesquisemos e façamos indagações sobre os motivosdeterminantes da distinção de tratamento dispensado pelo legislador aos militares, nãoconseguimos alcançá-los. Por que um militar, reformado por incapacidade para oserviço ativo, mas não para todo e qualquer serviço, não poderia ser acometido, algumtempo depois, por doença que o impossibilitasse de prover os meios de subsistência?Ou, em ocorrendo a hipótese, ele se veria desamparado pelo Estado, a quem prestouseus serviços, às vezes por longos anos, e continuaria, mesmo inválido, percebendoproventos proporcionais? Como encontrar nesta legislação o respeito ao princípio daisonomia, consagrado pelo artigo 153, § 1º, da Constituição, se a situações iguais sedispensa tratamento desigual?

67. Consideramos sumamente injusta esta situação derivada da legalidade estrita.Por isso, a interpretação da lei há de ser sistemática para que a legalidade não sejarestrita. Ao lado do elemento lógico deve o intérprete ter presente o elementoteleológico da norma jurídica, pois esta não constitui fim em si mesma, mas instrumentode convivência social.

68. Reza o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: "Na aplicaçãoda lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bemcomum".

69. Para o jurista belga Vander Eycken, citado por Serpa Lopes, a únicaexplicação verdadeira da norma se assenta no fim social. Condição preliminar daexplicação teleológica de Vander é o conhecimento do resultado desejável e dointeresse do agente: "em tal caso é preciso fazer tal coisa, para se atingir um talresultado".

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70. Ora, o fim social da aposentadoria e da reforma é assegurar ao inativocondições de vida condigna. Seabra Fagundes, citado por Abreu de Oliveira, conceituaaposentadoria "antes como um dever de assistência social do Estado do que comovantagem pessoal do funcionário". Teleológica ou axiologicamente encaradas, elas nãose despem do caráter de assistência devida pelo Estado, dever que se faz maisimperativo quando a invalidez é total.

VI - DA APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DE CONCESSÕES INICIAIS DEAPOSENTADORIAS, REFORMAS E PENSÕES

71. A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, cometia ao Tribunal de Contas "ojulgamento da legalidade das concessões iniciais de aposentadoria, reformas epensões" ... (art. 72, § 8º).

72.Já a Emenda Constitucional nº 7, de 1977, dispôs, verbis:

"Art. 72. .......................................

§ 7°. O Tribunal de Contas apreciará, para fim de registro, a legalidade dasconcessões iniciais de aposentadoria, reformas e pensões, independendo de suaapreciação as melhorias posteriores".

73. Foi substituído o termo julgar por apreciar, bem assim revigorado o instituto doregistro, anacrônico face ao atual sistema de controle financeiro e orçamentário, edestituído de qualquer sentido prático, como brilhantemente exposto pelo ilustreProcurador, Dr. Lincoln M.T.P. da Luz, em tese apresentada no IX CONGRESSO DOSTRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL.

74. Alteração substancial não houve na atividade do Tribunal, mesmo porque estaCorte sempre entendeu que o "julgamento das concessões iniciais se limitava a meraapreciação para fins de controle, sem que houvesse, na hipótese, prestaçãojurisdicional".

75. O Tribunal verifica, "in casu", a conformidade do ato com a lei: confronta opressuposto fático com a norma de direito incidente.

76. Se o inativo considerar-se lesado ou atingido em seus direitos, seja pelaAdministração Pública, que formaliza o processo e decreta a aposentadoria, reforma oupensão, seja pelo Tribunal de Contas, que aprecia a legalidade do ato, poderá exercero direito subjetivo de solicitar o pronunciamento do Judiciário. De fato, a Lei Maiorassegura que "a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquerlesão de direito individual" (CF, art. 153, § 4°). Daí porque os julgados do Tribunal decontas, quando atingem direitos individuais, não são imunes à apreciação do PoderJudiciário.

77. Resta indagar se a apreciação judicial poder-se-ia verificar somente após aapreciação do ato pelo Tribunal de Contas, em face da estrutura político-administrativado país e à competência do Tribunal para apreciar a legalidade do ato administrativo daaposentadoria, reforma ou pensão. Entendemos negativa a resposta. A partir doinstante em que o ato se completa no âmbito administrativo e passa a ferir possíveisdireitos, cabe o pronunciamento judicial.

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78. É o caso dos presentes autos. A prestação jurisdicional foi concedida a inativoem 1977 e até a presente data esta Corte não se manifestou, de forma definitiva, sobrea legalidade do ato.

79. Em face da anterioridade do pronunciamento judicial e da total divergênciaentre este e a decisão que esta Corte tende a adotar (considerar legal a reforma e ilegala revisão), é de se indagar se o Tribunal de Contas deve sujeitar-se à decisão do PoderJudiciário.

80. Entendemos que sim, no presente caso, porque deve esta Corte respeitar,como qualquer outro Tribunal, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisajulgada (Constituição Federal, art. 153, § 3° e art. 6° do Código Civil).

81. A sentença de fls. 70 usque 72, sujeita ao duplo grau de jurisdição, conformedispõe o artigo 475, II, do Código de Processo Civil, fez res judicata ("a eficácia, quetorna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ouextraordinário" - art. 467, CPC) quanto ao direito do PM ARGEMIRO DOS SANTOSreceber "diárias de asilado", bem como proventos correspondentes ao soldo integral dagraduação com que foi reformado.

82. "Certa ou errada, faça do preto branco, do quadrado redondo", para usar aexpressão de AFFONSO FRAGA, a coisa julgada é imutável, ou seja, não poderá denenhum modo ser alterada ou restringida. Tem força de lei, de título oponível a quemquer que seja; deve ser obrigatoriamente acatada e cumprida. Outro requisito da coisajulgada é a sua indiscutibilidade, "o que afasta novas indagações e divagações acercade seu alcance, da justiça ou injustiça de suas conclusões, enfim, de sua forma e deseu fundo" (Fadel, Código de Processo Civil comentado, 29 ed., pág. 37).

83. Saliente-se, ainda, o fato de a sentença ter "força de lei nos limites da lide edas questões decididas", ou seja, os fatos e questões já discutidos e decididos pelasentença não podem ser contestados perante o mesmo ou outro juiz. "A prestaçãojurisdicional final e definitiva, que salve o mérito da controvérsia, parcial ou totalmente,tem força de lei, pode ser coativamente imposta ao vencido ou a eventuais terceirosque obstaculem sua eficácia e autoridade, nos limites da lide e das questões decididas,vale dizer, até onde se pediu e a sentença reconheceu, implícita ou explicitamente, omérito da causa".

84. Assim sendo, não há que discutir quanto à legalidade ou ilegalidade da revisãode proventos do PM ARGEMIRO DOS SANTOS.'O trânsito em julgado da sentença quelhe concedeu proventos integrais e auxílio-invalidez tornou líquido e certo seu direito àpercepção de tais vantagens.

85. Este Tribunal considerar ilegal a revisão e determinar ao Executivo a sustaçãodo ato constituiria ofensa à coisa julgada. Nos demais casos, contudo, esta Corte nãoestá vinculada a nenhuma decisão ou entendimento.

VII - EXEGESE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 104, DA LEI 5.619/70

86. A verdadeira vexata quaestio da matéria de que tratamos é a interpretação doparágrafo único do artigo 104, da Lei 5.619/70, que regula "de maneira tortuosa", nodizer de nossa Procuradoria-Geral, a revisão de proventos dós policiais militares doDistrito Federal.

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87. Como dito anteriormente, o referido artigo trata da reforma por incapacidade,conferindo ao reformado direito a proventos referidos ao soldo integral maisgratificações, quando a reforma se verifica por um dos motivos enumerados de 1 a 4. Jáo parágrafo único permite a revisão de proventos desde que a doença adquirida nainatividade guarde relação de causalidade com o serviço policial militar.

88. Diz o artigo, verbis:

"Art. 104. O policial militar incapacitado terá seus proventos referidos ao soldointegrai, do posto ou graduação em que foi reformado na forma da legislação em vigor,e as gratificações incorporáveis a que fizer jus, quando reformado pelos seguintesmotivos:

1) ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública ou porenfermidade contraída nessas condições ou que nelas tenha sua causa eficiente;

2) acidente em serviço;

3) doença adquirida em tempo de paz, tendo relação de causa e efeito com oserviço;

4) por doença, moléstia ou enfermidade, embora sem relação de causa e efeitocom o serviço, desde que torne o policial militar total e permanentemente inválido paraqualquer trabalho.

Parágrafo único - Não se aplicam as disposições do presente artigo ao policialmilitar que, já na situação de inatividade, adquira uma das doenças referidas no item 4,a não ser que fique comprovada, por Junta Médica da Polícia Militar do Distrito Federal,relação de causa e efeito entre a moléstia e o exercício de suas funções, enquantoesteve no serviço ativo".

89. A controvérsia se prende à aquisição (a lei diz adquirir) de moléstia totalmenteincapacitante, durante a inatividade, guardando relação de causalidade cor. o serviçoativo. Tal aquisição seria o mesmo que agravamento? Melhor dizendo: o militarreformado por diabetes, que, anos mais tarde, se torna cego em decorrência dodiabetes adquiriu a cegueira? Não. Mesmo o leigo em Medicina sabe que a primeiradoença pode agravar-se a ponto de gerar a segunda. O que existe, no caso, é apreexistência do mal, um estado mórbido latente que pode vir a desenvolver-se ou não,de acordo com o tratamento a que se submete o doente. O diabético é um candidatopotencial à cegueira.

90. Poder-se-ia argumentar que estamos fazendo mera interpretação gramaticalda lei. Em que pese o solene desprezo que alguns exegetas devotam a talinterpretação, entendemos que "a palavra, quer considerada isoladamente, quer emcombinação com outra, para formar a norma jurídica, ostenta rigidez ilusória, exterior. Épor sua natureza elástica e dúctil, varia de significação com o transcorrer do tempo e amarcha da civilização. Tem, por isso, a vantagem de traduzir as realidades jurídicassucessivas. Possui, entretanto, os defeitos de suas qualidades; debaixo do invólucrofixo, inalterado, dissimula pensamentos diversos, infinitamente variegados e semconsistência real. Por fora, o dizer preciso; dentro, uma policromia de idéias" ...

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91. "A interpretação colima a clareza; porém não existe medida para determinarcom precisão matemática o alcance de um texto; não se dispõe sequer de expressõesabsolutamente precisas e lúcidas, nem de definições infalíveis e completas. Emboraclara a linguagem, força é contar com o que se oculta por detrás da letra da lei; deveesta ser encarada como obra humana, com todas as suas deficiências e fraquezas,sem embargo de ser alguma coisa mais do que um alinhamento ocasional de palavrase sinais", diz o insigne jurista Carlos Maximiliano, in "Hermenêutica e Aplicação doDireito', pág. 25, 1 á edição.

92. O parágrafo único do artigo 104 da Lei 5.619/70 aparenta clareza meridiana.Aparenta, apenas. Porque se fizermos uma análise do conteúdo, do sentido e doalcance das normas jurídicas existentes em nosso Direito Positivo sobre aposentadoriae reforma, aquela clareza se transmuda em obscuridade. excrescência e perplexidade.

93. O famoso dogma axiomático - in claris cessat interpretado -, que dominou ospretórios de forma absoluta durante anos, é considerado, hoje, afirmativa sem nenhumvalor científico. "Obscuras ou claras, deficientes ou perfeitas, ambíguas ou isentas decontrovérsia, todas as frases jurídicas aparecem aos modernos como suscetíveis deinterpretação".

94. O esdrúxulo parágrafo único retro transcrito teve vida efêmera, porqueanômalo. A Lei nº 6.023, de 3 de janeiro de 1974, artigo 106, b, assegura proventoscalculados com base no soldo integral ao militar incapacitado total e permanentementepara qualquer trabalho, mesmo que a moléstia não guarde relação de causa e efeitocom o serviço. Assim, a vigência daquele dispositivo foi de pouco mais de três anos.

95. Em nosso entendimento, o agravamento de uma doença, como bem disse opreclaro magistrado prolator da sentença de fls. 70/72, tendo relação de causa e efeitocom a determinadora da incapacidade inicial, não se enquadra na "aquisição" previstano § único do artigo 104. Não há falar em adquirir moléstia na inatividade. Ela já existeem estado latente, na maioria dos casos. E mesmo que se entenda diferentemente, quese faça interpretação estrita e, portanto, restritiva, da lei, nos casos de agravamento daenfermidade, s.m.j., devem ser aplicados os artigos 146, d, da Lei n° 4.328/64, ou 104,4, da Lei nº 5.619/70, de acordo com a data do laudo que ateste a definitivaincapacidade. Os efeitos financeiros (proventos integrais) se verificarão, também, apartir da data do segundo laudo médico.

96. Esta interpretação, que cremos deva ser dada pelo Tribunal, se nos afiguranão só mais justa e consentânea com o ordenamento jurídico sistemicamenteencarado, como também mais equânime, ex acquo et bono.

"Eqüidade, como conceitua Beviláqua, é expressão subjetiva da idéia dejustiça, que atenua a dureza da regra jurídica.

A justiça se faz, via de regra, pela aplicação irrestrita da norma jurídica.Essa aplicação irrestrita, porém, pode conduzir, muitas vezes, a um tratamentodesigual. A equidade intervém, então, como expressão subjetiva da idéia dejustiça, para abrandar a dureza da regra jurídica."

A eqüidade não se funda em nenhum elemento objetivo de Direito; mas tirasuas razões das várias circunstâncias favoráveis que podem ocorrer em

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determinados casos, para abrandar os rigores da norma jurídica. Por isso é quese costuma dizer que a eqüidade é a justiça de cada caso particular. Ela não é,pois, propriamente, uma fonte de Direito; mas um recurso excepcional do Direito,legitimo e necessário muitas vezes, para evitar que a aplicação rigorosa danorma juddica se transforme numa injustiça, e que a frase célebre de CÍCERO dáforma lapidar - summum jus, summa injuria (João Franzen de Lima, in "Curso deDireito Civil Brasileiro, 4ª edição, página 35).

VIII - CONCLUSÃO

97. Nos processos citados, os aspectos merecedores de aclaramento, paradeslinde definitivo da matéria e posicionamento uniforme desta Corte nos casos aserem submetidos à sua apreciação, são os seguintes:

a) a situação jurídica do inativo à data do ato inicial de reforma (Lei n° 4.328/64);

b) o agravamento da doença;

c) a revisão de proventos verificada sob vigência de legislação diversa e maisrestritiva (Lei n° 5.619170);

d) reforma e revisão de proventos verificadas sob império da Lei n° 5.619170.

98. Toda a problemática resulta, ao final, numa questão única: interpretação doparágrafo único do artigo 104, da Lei n° 5.619170, que, aparentemente, impõe que oreformado não faz jus a proventos referidos ao soldo integral quando, já na inatividade,a doença que o incapacitou para o serviço militar agrava-se a ponto de torná-lo total epermanentemente inválido, não guardando relação de causalidade com o serviço ativo.

99. Não obstante a situação jurídica haja, em alguns casos, se estabelecido sob oimpério da Lei nº 4.328164, a revisão de proventos, vexata quaestio em causa,constituiu-se sob a autoridade da Lei nº 5.619170. Por isso, dissemos que toda aproblematicidade se resume na exegese do parágrafo único do artigo 104, da Lei n°5.619170.

100. Considerando as razões de fato e de direito expostas e analisadas,sugerimos que esta Corte de Contas firme entendimento no sentido de que:

a) o militar faz jus a proventos referidos ao soldo integral do posto ou graduaçãoem que foi reformado, quando a doença que o invalidou para o serviço ativo agravar-sea ponto de torná-lo total e permanentemente inválido para todo e qualquer trabalho,segundo declaração firmada por Junta Médica, em inspeção de saúde posterior ao atode reforma;

b) a percepção de proventos referidos ao soldo integral verificar-se-á, sempre, exnunc da data do laudo médico declamt6rio da invalidez absoluta.

101. Quanto ao presente processo, acolhemos a sugestão de diligência contida àfl. 111, in fine, após o que podem ser considerados legais o ato de reforma e a revisãodos proventos.

102. Â elevada consideração de Vossa Senhoria.

__________________PROCESSO Nº 77/77 - 30-09-80.

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APOSENTADORIA - ANISTIA

JOEL FERREIRA DA SILVA

1. Ex-servidora: Araberg Pessoa de Luna, professora de ensino médio do quadrode pessoal do DF.

2. Direito à contagem do tempo de afastamento compulsório, decorrente de atosde exceção, para todos os efeitos legais.

3. Iterativa jurisprudência dos Tribunais Judiciários a respeito da matéria.

4. Revisão de posicionamento da corte a respeito do assunto.

5. Nova diligência planos de correção do tempo de efetivo exercício e do cálculodos adicionais.

A Lei nº 6.683/79 instituiu direitos e regulou diferentes efeitos civis à ANISTIA.

2 Como toda norma legal, é passível de interpretações diversas, podendo levarseus intérpretes não guardarem uniformidade em seus pontos de vista.

3. Quando os primeiros processos de anistia tramitaram junto a esta Corte,reclamando direitos postergados, este Tribunal foi sensível no que pôde transigir,segundo o entendimento de seus ilustres membros.

4. Corno é comum e normal ocorrer nos Colegiados, o entendimento referente aosdireitos questionados não foi unânime, não só entre os componentes do EgrégioPlenário, como também, entre estes e a Douta Procuradoria-Geral.

5. Dentre os direitos postulados que a maioria dos dignos membros deste Tribunalnão reconheceu, se encontrava a contagem do tempo de serviço, PARA TODOS OSEFEITOS LEGAIS, relativo ao período em que os requerentes estiveram afastados deseus cargos e/ou funções, por força de atos excepcionais.

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6. À luz da letra da lei e por interpretação estrita, entendo que a Corte, pelamaioria de seus membros, agiu corretamente, admitindo o tempo do afastamentosomente para efeito de aposentadoria.

7. A Lei de Anistia concedeu muito, mas não tudo. O assunto trazido à bailamerece, a meu juízo, algumas ponderações.

8. A melhor doutrina entende que as leis que anistiam não comportaminterpretações restritivas, pequenas, mesquinhas. Defende ela o sentido que essas leisrepresentam atos de grandeza, de altivez, de nobreza, de sepultamento do passado ede vida nova para o futuro.

9. Entretanto, no uso de seu legitimo direito como também o é o direito daquelesque, interpretando a lei em comento com maior largueza e, conseqüentemente, commaior amplitude, esta Corte a entendeu de modo mais restrito, mais ao pé da letra.Válido e respeitável o juízo deste Tribunal.

10. Ocorre, todavia, que, não das muitas decisões prolatadas no âmbito destaCasa, mas, sim, de denegatório do Poder Executivo, ao não reconhecer o direito dacontagem do tempo de serviço concernente ao período de afastamento compulsório,para todos os efeitos legais, alguns servidores ingressaram na Justiça e ali obtiveramdecisões favoráveis em suas postulações. Aliás, é oportuno registrar que a Justiça, nasua soberania e na sua forma de interpretar a Lei de Anistia vem, a cada julgamento,firmando jurisprudência uniforme no sentido de que o tempo de afastamentocompulsório determinado por atos excepcionais, deve ser computado para todos osefeitos legais. Vale frisar que as decisões exaradas na primeira e segunda instânciavêm sendo confirmadas pelos tribunais superiores, de forma mansa e pacífica.

11. Por outro lado, não entro no mérito do contido na Instrução Normativa nº 179,de 03 de março de 1986, baixada pelo Ministro Extraordinário para Assuntos deAdministração, citada no douto parecer de fls. 112/ 113, uma vez que a referida normapouco significa ante as decisões pretorianas.

12. Restrinjo-me, para não me tornar longo e por entender bastante para o lúcidoentendimento da Corte, à decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do DistritoFederal que, por unanimidade, reconheceu ao ex-Procurador Dr. OCÉLIO DEMEDEIROS, em Mandado de Segurança pelo mesmo impetrado contra o DistritoFederal, o direito aos adicionais por tempo de serviço (qüinqüênio) referentes aoperíodo do seu afastamento compulsório decorrente de ato institucional. Como seconstata nas peças acostadas (fls. 114/ 127), a matéria ao ser apreciada pelo ExcelsoSupremo Tribunal Federal, face a interposição, pelo Distrito Federal, do RecursoExtraordinário n° 103/986-8, recebeu do Ministro-Relator, Dr. SYDNEY SANCHES oseguinte pronunciamento (sic):

"......................................................................................................................

Ademais, bem ponderou o ilustre Procurador da República Dr. GILMARFERREIRA MENDES, em seu lúcido parecer, aprovado pelo eminenteSubprocurador Geral Dr. MAURO LEITE SOARES, a fls. 193/194, itens 10, 11 e12:

......................................................................................................................

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11. É oportuno ressaltar que a Lei da Anistia determinou, no seu art. 4°, queo período de afastamento do servidor por força de ato revolucionário, fossecomputado para fins de cálculo de proventos. Portanto, aquele diploma legalconsiderou o período em apreço, para fins de exercício fido. Isto implicareconhecer que, no que concerne aos servidores anistiados, as vantagens legaisexistentes na data da aposentadoria devem ser contempladas na fixação dosproventos."

13. O r. Voto foi acolhido, por unanimidade, como se constata no Acórdão de fls.126, decisão essa que transitou em julgado, conforme certidão estampada a fl. 127.

14. Trazidos à colação esses elementos, entendo que, aqui e agora, diante destesdois processos (n°s 2.867/81-A e 1.079/83), de interesse da Sra. ARABERG PESSOADE LUNA e Sr. TTTO LUIZ DE ARAÚJO (Jane Soares de Araújo), ambos atingidos poratos institucionais, deva o Tribunal fazer uma pausa para reflexão. Tratam eles domesmo assunto sobre o qual esta Corte decidiu, por maioria, em várias assentadasanteriores. São anistiados que ficaram compulsoriamente afastados de suas funçõespor longo tempo. São iguais aos que bateram às largas e protetoras portas da Justiça,onde foi reconhecido o direito à contagem do tempo de afastamento compulsório paratodos os efeitos legais.

15. Corretamente entendemos que em se tratando de matéria de nossa exclusivacompetência, as decisões proferidas são irrecorríveis, aí residindo o sadio orgulho quetenho em integrar esta Corte de Contas. Esta tese da irrecorribilidade é pacífica e dissonoticia um farto elenco de acórdãos da Suprema Corte, além do reinante entendimentoda melhor doutrina.

16. Necessário é ter-se lucidez e compreensão para bem distinguirCOMPETÊNCIA EXCLUSIVA do princípio de que, nos regimes democráticos, os atospraticados por quaisquer autoridades administrativas estão sujeitos à apreciação doPoder Judiciário, quando possa ocorrer lesão de direito individual (CF, art. 153, § 4º). Épossível até que a interpretação de determinado texto legal, por parte do Judiciário, nãoseja o mais correto, o mais justo, porém, tratando-se da Suprema Corte, esta é a últimapalavra, pois como é sabido se constitui ela em um monismo de realização do direito.

17. No caso em exame, isto é, dizer-se se o tempo de serviço não prestado peloservidor, em razão de seu compulsório afastamento por força de ATOSEXCEPCIONAIS, deva ou não ser computado para todos os efeitos legais, não meparece ser matéria de exclusiva competência do Tribunal de Contas. A posição, oentendimento e até decisões de que tal tempo não deva ser contado para os fins acimaaludidos estão, data veria, entre aqueles ATOS que podem vir a ser revistos pelo PoderJudiciário. Prova disso é a refletida na decisão trazida aos autos (fls. 114/ 127).

18. Saliente-se, ainda, que não se ignora que decisões favoráveis a "A", querecorreu à Justiça, não se estendem automaticamente a "B", que à Justiça nãoprocurou. Assim definem a lei e o direito. A doutrina, por seu turno, utilizando o bomsenso, sugere às autoridades administrativas que, em se tratando de interesses iguais,cujos pronunciamentos judiciais vêm, a cada dia, se apresentando uniforme, podem osadministradores deferir os mesmos direitos questionados àqueles que não ingressaram

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em juízo, considerando-se que, se IGUAIS os direitos, IGUAL deverá ser oposicionamento da Justiça, se a causa a ela chegar.

19. É notório que a criação da JUSTIÇA visava e sempre deverá visar o amparo ea proteção à sociedade. Porém, a ninguém é dado ignorar que esse extraordinário bem,pela mesma sociedade, é desconhecido, temido e no mais das vezes até odiado. É quea justiça comum no Brasil é terrivelmente lenta, desinteressada e cara. Não por culpada maioria de seus componentes, mas por imperdoável falha nas suas obsoletasestruturas. Uma reformulação, há décadas, já deveria ter ocorrido. Tem faltado econtinua faltando seriedade aos vários dirigentes da Nação para procederem taisreformas, o que, em fruto disso, a justiça comum não presta devidamente os serviços àsociedade para a qual foi criada. Por que criadas sobre outras estruturas as justiçasespecializadas, especialmente a do Trabalho, funcionam a contento. Ainda assim, nãotêm servido de estímulo para que os governantes brasileiros removam as velhas ecarcomidas estruturas da chamada Justiça Comum.

20. Em países onde a Justiça é célere e funciona bem, os cidadãos que integrama sociedade têm nela sua garantia maior. Todos sabem que, quando necessário,podem recorrer à Justiça e de pronto serão atendidos. Dela o povo não tem medo e porisso dela não foge.

21. Temos de ser realistas e práticos. Ressalvadas as exceções, aqui no nossoPaís é diferente. Por isso é válido entender-se que o resultado de uma decisão judicialpode alcançar interesses iguais, mesmo via administrativa. Isto é bom senso; é serprático; é não fugir à realidade. Se assim não for, possível será que o receio de secometer injustiça leve o julgador a praticá-la em dobro.

22. Creio que, provada a igualdade das situações questionadas, a autoridade quenegou a pretensão pleiteada, agora amparada e respaldada por decisão transitada emjulgado, deva rever o seu posicionamento, ajustando-o aos firmados nos diversospretórios desse País.

23. Pensando assim, entendo que:

a) esta Corte usou do direito seu e bem andou quando decidiu não aceitar que otempo em que o servidor esteve afastado de seu cargo, emprego ou função, por forçade atos de exceção, fosse computado para todos os efeitos legais;

b) em razão da iterativa jurisprudência dos tribunais judiciários, inclusive daSuprema Corte, entendendo que o referido tempo de serviço deva ser computado paratodos os efeitos legais, e considerando tudo o que atrás foi dito sobre a Justiça Comum,deve este Tribunal rever sua posição a respeito da matéria em exame, passando aacolher como válido para todos os efeitos legais, o período em que esteve afastado deseu cargo, emprego ou função, o servidor alcançado por ato excepcional.Consequentemente, deverá o processo ser baixado em diligência, a fim de que sejacorrigido o tempo de efetivo exercício da ex-servidora e o cálculo de seus adicionais.

______________________PROCESSO N° 2.867/81 - A - 25-09-86.

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APOSENTADORIA... - SEA/DF

JOEL FERREIRA DA SILVA

- RELATÓRIO N° 001185-DCCC REFERENTE AEXECUÇÃO DO GIPLAN/85, PAPA O 2° TRIMESTRE.

- ÓRGÃO INSPECIONADO: SECRETARIA DEADMINISTRAÇÃO DO DF-DEPARTAMENTO DE PESSOAL.

- PERÍODO EXAMINADO: 03. A 26.06.85

RELATÓRIO

O processo em pauta trata do resultado da inspeção programada, realizada noórgão acima mencionado, em atendimento à execução do Plano Geral deInspeções-GIPLAN/85, para o 2º trimestre deste ano.

2. Nossos técnicos signatários do relatório de fls. 08/30, examinaram váriosprocessos de aposentadoria, pensões especiais, revisões, retificações, e através doconfronto destes com fichas financeiras e folhas de pagamento, encontraram falhasdiversas.

3. De há muito esta Corte estranha a grande quantidade de processos que tratadas matérias examinadas e de outras oriundas do Poder Executivo, apresentado falhas,muitas das quais, atualmente, já não se justificam.

4. É sabido que são vários os regimes que cuidam das muitas atividades dosServidores Públicos; basicamente, Estatutários e Celetistas. Além desses doisREGIMES, abre-se um leque quase interminável de vantagens com outrasdenominações. Daí, as dificuldades com as quais se deparam os setores de pessoaldos diversos órgãos públicos.

5. Em 1984, principalmente no final do ano, procurando socorrer seus servidores,que em virtude da contínua e crescente inflação, já não podiam sobreviver o Governoconcedeu GRATIFICAÇÕES a várias Categorias, sobre denominações variadas. A

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concessão e efeitos de tais vantagens, pela ausência de detalhamento mais amplo,carece de interpretação aprofundada, especialmente, quanto aos inativos.

6. Há diversas indagações que exigem capacidade e agilidade de todos quetratam com a problemática de pessoal. Não basta ser capaz de entender a filosofia dacomplexa e desordenada política de pessoal. É necessário interesse e rapidez paramanter atualizada a vida funcional de cada e de todos os servidores, sem prejuízo paraqualquer das partes (Servidor/Estado).

7. Entre tantas dúvidas, aflora a de saber se o variado elenco de vantagensdeferidas aos servidores inativos carece de apreciação e decisão desta Corte, à luz do§ 7°, do Art. 72 da Constituição Federal, ou se basta o APOSTILAMENTO nosassentamentos próprios, por parte da própria Administração.

8. Por tratar-se de melhorias posteriores, deferidas por autoridade competente(Presidente da República/ Governador), sem alterar a fundamentação legal do ato deinativação, parece-nos suficiente o registro atualizado nos assentamentos próprios dosservidores, com a comprobat6ria fundamentação legal.

9. Também, assim entende nossa 0 Inspetoria, e do mesmo modo o TCU, quandona letra c, do Art. 32, da Resolução nº 187/77-TCU, alterada pela Resolução nº221/85-TCU, afirma, in verbis:

"Art. 3º - Ressalvada a competência do Tribunal para requisitar, quandoentender necessário, os respectivos processos, não mais serão apreciados osatos relativos a:

a) ........................................................................................

b) ........................................................................................

c) concessão ao aposentado de vantagens previstas em legislação posteriorà decretação da inatividade, desde que não altere o fundamento legal daaposentadoria".

10. A esta Corte, pela Inspetoria própria, caberá a permanente orientação efiscalização do enato e preciso cumprimento desse trabalho.

11. Ressalte-se que, mesmo firmado este entendimento em caráter normativo,ainda assim, há outros ângulos que podem deixar dúvidas e exigir interpretação.Nesses casos, tais dúvidas devem vir a este Tribunal. Direitos Pessoais não devemficar postergados, para estes a ação dos responsáveis há de ser sempre atual, corretae justa.

12. Esse múltiplo e completo trabalho de manter atualizada toda a política dePessoal no Serviço Público, poderia ser simplificado e reduzido a 10 ou 20%. Bastaria oGoverno compreender que isto não deve continuar assim e reunir em um só blocochamado "VENCIMENTOS", quase tudo que é devido aos servidores. Espera-se quecom a nova Reforma Administrativa que o Ministério da Administração estápromovendo, isto seja verdade. Façamos votos.

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13. Na Inspeção realizada pelos técnicos do Tribunal, vários processos e fichasforam examinados pelo método da amostragem. Encontraram muitas e diversificadasirregularidades, tais como:

1 - discrepância entre os dados lançados na Ficha de Registro Financeiro e oscontidos no processo;

2 - não cumprimento das correções a posteriori, determinadas por este Tribunal deContas;

3 - pagamentos efetuados indevidamente a maior ou a menor;

4 - inobservância da complementação do quantum da pensão especial até o tetodo salário-mínimo e;

5 - não aplicabilidade do Decreto n° 8.264/84 (reposicionamento de referências)aos inativos e pensionistas amparados pela Lei nº 1.050/50.

14. Anexo a este trabalho estão relacionadas as falhas encontradas pelos nossost6cnicos, e que servirão para despertar os responsáveis pelo Serviço de Pessoal doGoverno do Distrito Federal, para a natureza e freqüência dos erros cometidos nosprocessos existentes na Administração. Ressalte-se que os lapsos verificadossubordinaram-se ao método de amostragem. Pelos entendimentos retro mencionados,entendemos que este Tribunal deverá:

a) Tomar conhecimento do Relatório de fls. 08/30;

b) Decidir normativamente que - tratando de MELHORIAS POSTERIORES -concedidas aos inativos do Distrito Federal, por ato do Presidente da República ouGovernador do DF, como por exemplo a Gratificação de Atividade de Apoio -(Decreto-lei n° 2.224/85), a Gratificação de Atividade Técnico-Administrativa - GATA(Decreto-lei n° 2.239/85) e o reposicionamento de referências (Decreto n° 8.264/84), écompetente o Departamento de Administração da SEA/GDF para APOSTILAR taismelhorias nos assentamentos dos servidores, cabendo à Inspetoria competente destaCasa o exame do fiel e pronto cumprimento dos referidos registros, através deinspeções regulares, encaminhando ao Tribunal as irregularidades cometidas pelocitado órgão;

c) Recomendar ao Senhor Secretário de Administração do GDF tomar asnecessárias e urgentes providências, com vistas à regularização das falhas aquiapontadas e outras que porventura existam nos assentamentos dos servidores inativose pensionistas do Distrito Federal;

d) Enviar ao Senhor Secretário de Administração do GDF, cópia deste Parecer,com o seu anexo.

______________PROCESSO N° 1.838/85 - 26-09-85.

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AÇÂO DECLARATÓRIA, MEIO VÁLIDO PARADECLARAR EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA

NO ÂMBITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

JOSÉ EDUARDO SABO PAES

1. Reconhecimento da transformação de funções deconfiança sem mudança de atribuições.

2. Natureza jurídica do pedido. Ação Declarat6ria.

3. Exegese das Resoluções n°s 01/85 e 02/86.

4. Efeitos da decisão

Examina-se nos autos requerimento firmado pelos Técnicos de Controle ExternoENES DE ALMEIDA, LINDOMAR OLIVEIRA, JOSÉ CARMO FILHO, JURANDYRFALCÃO, LOURDES MARIA DAS GRAÇAS, ELMIZ ANTÔNIO ROCHA, AZIZCONRADO HERINGER, MARIA DAS GRAÇAS L. BARBOSA, JOANNYBOUCHARDET e FRANCISCO MARTINS BENVINDO, todos atualmente no exercíciodo cargo em comissão de Diretor de Divisão, Código TCDF-DAS101.2, de cada umadas 10 (dez) Divisões integrantes da estrutura orgânica das OS (cinco) Inspetorias deControle Externo deste Tribunal, mediante o qual solicitam que a "criação das funçõesde Chefe de Divisão, com as atribuições dadas pelo parágrafo único, do art. 2° daResolução n° 02, de 16 de janeiro de 1986, seja revista e considerada somente comofunções resultantes da transformação dos DAI-03. para DAS-02"; e que o "presentepleito seja submetido à apreciação da comissão instituída pela Portaria n° 27, de 23 dejaneiro de 1987, objetivando reconhecimento de que não houve criação de novasfunções para as Chefias de Divisão, e, sim, transformação das existentes, (fls. 01 a04)".

2. Os requerentes, em 30.06.87, após aduzirem que "não juntaram à petição inicialcomprovantes do alegado" e que "o objeto do pedido encontra-se incompleto",emendam a inicial (fls. OS e 06), e apresentam fundamentos de fato e direito para

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comprovar o que sustentam, além de trazerem à colação os documentos de fls. 07usque 63.

3. Por despacho do Senhor Presidente do Tribunal vieram os autos para estudo einstrução pela Diretoria-Geral de Administração.

4. Às fls. 64 a 71, já neste Departamento, manifesta-se a Seção de Legislação dePessoal, primeiramente, na informação da lavra do servidor Tálio Zanina Costa, ondesão analisados os documentos ofertados, como comprobatórios de que as funçõesrelacionadas na Resolução n° 02/86, como de competência das agora Diretorias deDivisões, já eram exercidas pelos então Chefes de Divisão das Inspetorias de ControleExterno (antigas Inspetorias Seccionais de Controle Externo), conforme demonstramxerocópias de designações, representações, informações e demais peças oficiais (fls.07/63), tendo como respaldo o constante na alínea "h" do art. 10 da Resolução nº01/85,dispondo que incumbe aos Chefes de Divisão executar outras tarefas que lhes foremdeterminadas.

5. Após o que, esclarecido é que desejam os requerentes apenas uma declaraçãodo Tribunal no sentido de que as novas atribuições acometidas aos então Chefes deDivisão já estavam previstas na Resolução nº 01/85, art. 10, por ser o seu elencoexemplificativo e não taxativo e que, ademais, já exerciam eles na prática as referidasatribuições, com fulcro inclusive na já mencionada letra "h" do art. 10 da Resolução n°01/85.

6. Por fim, expõe-se que a pretensão dos requerentes em última rabo é aatualização de parcelas da vantagem pessoal incorporadas aos seus vencimentos,decorrentes de uma possível reclassificação do DAI-3-NS para o DAS-2, entendendoser o presente processo "uma medida preparatória para uma fase seguinte, em que osinteressados deverão manifestar sua real pretensão relacionada com a atualização deparcelas da vantagem de que trata a Lei n° 6.732/79". Conclui o servidor por opinar nosentido de que a função do Chefe de Divisão com atribuição prevista no art. 10 daResolução n° 01/85 foi reclassificada, sem alteração de respectivas atribuições atravésda Resolução n° 02/86.

7. A Chefia da Seção de Legislação de Pessoal, a par de concordar com ainformação do funcionário, tece comentários a respeito da interpretação que deve serdada à alínea "h", do art. 10, da Resolução n° 01/85, preconizando que deve ser ela decaráter lógico-sistemático, fato este corroborado pelo próprio advento da Resolução nº02/86, onde acresceu-se ao elenco literal das atribuições dos antigos Chefes de Divisãooutras que de fato já estavam sendo há muito por eles exercidas e que, quanto avantagem pessoal que é consectário do pedido, entende, que "só o caso concretopoderá ser examinado, visto tratar-se de direito intuitu personae, e em razão dacarência temporal, dentre outras variáveis", opinando, ao final pelo deferimento dopedido, por não haver "mudança de atribuição das antigas em relação às novas" (fls.68/71).

8. Dessa forma, por despacho em 03.09.87 e com fulcro no item IV do art. 52 daResolução n° 10/86, vieram os autos a esta assistência-técnica para emissão deparecer.

9. É o relatório

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PARECER

1 - NATUREZA JURÍDICA DO PEDIDO

10. Com evidência, trata-se, creio, de pedido inédito neste Tribunal. Fato que alémde não me intimidar a opinar conclusivamente, coloca-me na obrigação de bemdisciplinar a matéria.

11. Ab inibo, revela-me enquadrar o pedido no mundo jurídico, sob pena de nãovislumbrar nem o que se pede e nem como se pode decidir.

12. Como na totalidade dos pleitos administrativos, trata-se de uma providência deconhecimento, onde pede-se ao juiz, in casu à autoridade administrativa, que solucionea lide atendendo o que foi deduzido na petição inicial, mediante uma decisão definitiva.Na espécie, refere-se o caso a um pedido declarat6rio, ou a uma ação declaratória.

13. É ação declaratória ou meramente declaratória aquela ação de conhecimentoque tem por objetivo obter a declaração da existência ou inexistência de uma relaçãojurídica, ou da autenticidade ou falsidade de um documento. Seu fundamento legal estáno art. 4° do Código de Processo Civil que a prevê como providência genérica, quepossa ter por objeto toda e qualquer relação jurídica, ou direito subjetivo, podendo seraplicada a relações jurídicas de toda a espécie, obrigações, direitos reais, direito defamília, bem como para as relações disciplinadas pelo direito público. Visa esta ação, atornar certo aquilo que é incerto, desfazendo a dúvida em que se encontram as partesquanto à relação jurídica.

14. Vislumbrada a natureza jurídica do pleito, cabe-me verificar a sua possibilidadejurídica, o interesse de agir dos postulantes e legitimidade dos mesmos para a causa.

15. Possibilidade jurídica há, visto que existe dentro do ordenamento jurídico,inclusive no âmbito da administração pública ação de natureza declarat6ria comoprovidência genérica para desfazer qualquer dúvida quanto à existência ou inexistênciade uma determinada relação jurídica.

16. Reside o interesse de agir dos postulantes no fato de que pretendem eles queo Tribunal, através do seu Presidente, declare se existe ou inexiste uma relação jurídicaentre as atribuições exercidas pelos Chefes de Divisão com fulcro no art. 10 daResolução nº 01/85, e as integradas a este artigo por ocasião da Resolução nº 02/86,que as reclassifica aumentando o nível de retribuição, de DAI-111.3 (NS) paraDAS-101.2.

17. Interesse este que se configura de forma iniludível na medida em quepretendem os requerentes com esta decisão declarat6ria que a administração diga quehouve manutenção das atribuições dos titulares das Divisões das Inspetorias, quandohouve reclassificação da função de DAI-3-NS, para DAS-2, a fim de que isso possa aposteriori, ser utilizado para efeito da contagem da vantagem pessoal o que alude a Lein° 6.732/79.

18. Por fim, está a legitimidade ad causam, flagrante, vez que todos ossubscritores de fls. 4 e 6, são servidores desta Corte, exercentes do cargo em comissãode Diretor de Divisão, símbolo TCDF-LT-DAS-101.2 (informação de fls. 7213 da SCF).

II - MÉRITO DA CAUSA

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19. A questão sub examen, já com propriedade abordada pelo servidor TúlioZanina Costa, da Seção de Legislação de Pessoal, reside no cotejo das atribuições dosDiretores de Divisão das Inspetorias de Controle Externo, elencadas nas letras "a" até"h" do artigo 10 da Resolução n° 01, de 14.02.85, com a nova redação dada pelaResolução n° 02, de 16.01.86.

20. Como objetivo de compararas atribuições do art. 10 da Resolução n° 01/85com as da Resolução n° 02/86, confecciona-se logo abaixo, quadro demonstrativo,onde verifica-se que apenas 06 (seis) funções foram literalmente acrescidas no rol doart. 10. São elas as referentes as alíneas "d", "e", "g", "h", "i" e "n", vez que as mesmasnão guardam correlação com as constantes da Resolução n° 01/85.

RESOLUÇÃO N° 01, DE 14.02.85 RESOLUÇÃO Nº 02, DE 16.01.86

Art. 10 - Aos Chefes de Divisão incumbe: Art. 10 - Aos Chefes de Divisão incumbe:

a) planejar, coordenar, orientar e supervisionar osserviços da Divisão respectiva;

a) planejar, coordenar, orientar e supervisionaros serviços da Divisão respectiva;

b) elaborar a programação trimestral de trabalho eencaminhá-la, na época própria, ao Inspetor;

b) elaborar a programação trimestral de trabalhoe encaminhá-la, na época própria, ao Inspetor;

c) opinar, conclusivamente, em todos os processosinstruídos na Divisão;

c) opinar, conclusivamente, em todos osprocessos instruídos na Divisão;

d) representar ao Inspetor sobre irregularidades ouilegalidades de que tiver conhecimento;

f) representar ao Inspetor sobre irregularidadesou ilegalidades de que tiver conhecimento;

e) cumprir e fazer cumprir os regulamentos,instruções e outros atos normativos; ;

j) cumprir e fazer cumprir os regulamentos,instruções e outros atos normativos;

f) manter cadastro atualizado do materialpermanente e equipamento existentes narespectiva Divisão; .

l) manter cadastro atualizado do materialpermanente e equipamento existentes narespectiva Divisão;

g) apresentar, quando solicitado, relatório sobre asatividades da Divisão

m) apresentar, quando solicitado, relatório sobreas atividades da Divisão;

h) executar outras tarefas que lhes foremdeterminadas

o) executar outras tarefas que lhes foremdeterminadas.

21. Estas atribuições, constantes das alíneas "d", "e", "g", "h", "i" e "n", segundoalegam os requerentes já eram de fato por eles exercidas, para tanto comprovam osdocumentos de fls. 07 casque 63.

22. Com efeito, realizada a subsunção da norma, com a situação de fatoverifica-se a veracidade do alegado e, novamente, com o intuito de aclarar acompreensão do decisório, lançamos mão de novo quadro, no qual elencamos asatribuições, acrescidas ao art. 10 da Resolução n° 01/85 pela Resolução n° 02/86 e aprova do seu cumprimento pelos requerentes antes da vigência da Resolução n° 02/86.

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ACRÉSCIMO DA RES. N° 02/86 PROVA DE EXERCÍCIO DAS ATRIBUIÇÕESANTERIORMENTE A VIGÊNCIA DA RES. Nº 02/86

d) propor ao Inspetor a realização de Inspeçõesespeciais;

d) comprovante das proposições p/realização deinspeções, ofícios da 3ª DAC da 1ª ICE, datados de25.07.84 e 14.03.83 (fls. 12/16);

e) representar ao Inspetor sobre omissões naremessa de dados e informações, dentro dosprazos estipulados;

e) representações DCO, da 1ª ISCE, de 04.03.80; daDICOEP, da 2ª ICE, de 27.02.85; e da DEC, da 1ªISCE, DE 27.03.80. (respectivamente às fls. 17, 20 e23);

g) propor a realização de diligências saneadorasimprescindíveis à complementação da instruçãode processos;

g) proposições, encaminhamentos e informações daDICOEP, da 2ª ISCE, de 07.11.84; da DICOAF, da 2ªISCE, de 23.01.85; e da DCCA, da 1ª ISCE, de17.04.84, e 22.05.84, (respectivamente às fls. 25, 27,31 e 33);

h) propor ao Inspetor a designação deservidores para realizar inspeções;

h) designações de servidores por parte da DICOEP, da2ª ISCE, de 15.09.83; da DCCA, da 1ª ISCE, de20.07.84 e 06.06.84; da DICOAF, da 2ª ICE, de13.02.85, 29.05.84 e 05.08.83. (respectivamente às fls.36-v, 40, 46, 50, 52, 54 e 55).

i) propor ao Inspetor a indicação de servidorespara substituí-lo;

i) indicações de substitutos da DCCA, da 1ª ISCE, de16.09.83; da DICONP, da 3ª ICE, de 27.06.85; daDICOEP, da 2ª ICE, de 29.05.85; da DICOAF, da 2ªICE, de 29.05.85 e 12.03.85 (respectivamente às fls.56/60);

n) fazer avaliação de desempenho dosservidores em exercício na Divisão.

n) letra "e" do item I da Portaria n° 267, de 31.10.85 eart. 28 e § 1° da Resolução n° 10/85 (respectivamenteàs fls. 61/63).

III - EXEGESE DO ART. 10 DA RES. N° 01/85 E DA RESOLUÇÃO N° 02/86

23. No exame de verba legis, não só a sua literalidade deve ser levada emconsideração, mas sim deve procurar-se a mens legis, i.é., o conteúdo, o sentido e oalcance de suas expressões. Incumbe, obrigatoriamente, compará-lo com outros domesmo repositório ou, se houver de normas diversas, mas referentes ao mesmo objeto.E é nisso que consiste o processo sistemático de interpretação da norma, conhecer porurnas normas o espirito das outras, procurar conciliar as palavras antecedentes com asconseqüentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma(Carlos , Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 92 ed., 18 tir., Forense,RJ, 1980, p. 128).

24. Destarte, da exegese da Resolução n° 01/85, que aprova o Regulamento dasInspetorias de Controle Externo do Tribunal de Contas do Distrito Federal,especificamente no ponto em que trata das atribuições dos Chefes das Divisões, aalínea "h" do art. 10, dispõe que incumbe aos Chefes executar outras tarefas que lhesforem determinadas, verifica-se, então, dentro do contexto maior da legalidade, e namedida que guardem correlação com o exercício da função, a possibilidade e ajuridicidade de serem conferidas àqueles titulares quaisquer outras atribuições. Além do

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que, a norma em exame não é numerus clausus e sim exemplificativa ou numerusabertus. (cópia da Res. 01/85 às fls. 74/90.

25. A Resolução nº 02/86, (fls. 91/97) alterou disposições do Regulamento dasInspetorias de Controle Externo, aprovado pela Resolução nº 01, de 14 de fevereiro de1985, consubstanciadas:

1°) na supressão de duas Divisões, uma na lá e outra na 2ª Inspetoria de ControleExterno (conforme estatui seu art. 1°);

2°) em nova redação ao art. 10 da Resolução n° 01/85, acrescentando 06 (seis)atribuições inicialmente não expressas literalmente no texto original (alíneas "d", "e",..g", "h", ."i" e "n");

3°) em nova redação ao art. 17 da Resolução nº 01/85;

4°) em dispor no seu art. 2º que transforma, extingue e cria, na forma do seuanexo, as funções de Chefe de Divisão incluídas na lotação das Inspetorias de ControleExterno;

5º) estabelecendo, ainda, no parágrafo único do art. 2°, que salvo se a Presidênciadecidisse em contrário, ficariam mantidos no exercício das funções resultantes datransformação de que trata este artigo, independentemente de ato de designação, osocupantes das funções transformadas, observadas as novas atribuições previstasnaquela Resolução.

6°) 04 (quatro) outros artigos contém a referida Resolução, entretanto por teremcaráter apenas instrumental e não serem de utilidade para o exame da questão emfoco, abstenho-me de examiná-los.

26. Diante disso, cabe-me analisar disposições da Resolução nº 02/86 no bojo dodiploma legal que se inserem e no conjunto em que se situam, i.é., dentro da própriaResolução e com a Resolução n° 01/85.

27. Desta forma, constata-se, a priori, que as atribuições inseridas ao art. 10 daResolução n° Ol/85 pela Resolução n° 02/86, refiro-me, logicamente, às alíneas "d", "e","g", "h", "i", e "n", já estavam em abstrato, contidas na alínea "h" do art. 10 daResolução n° 01/85, por ser esta uma atribuição exemplificativa, de cunho aberto.(Assertiva corroborada, inclusive, quando no mérito adentrei e constatei que estasatribuições já eram de fato exercidas, vide §§ 21 e 23 deste parecer).

28. Verifica-se, no exame do art. 2° e seu parágrafo único, que relevo e atençãoespecial foram dadas à transformação das funções de Chefe de Divisão. É evidenteque se refere o caput do artigo a três figuras jurídicas a saber, a transformação,extinção e criação. Entretanto, o próprio parágrafo único do artigo, esclarece queconsiderar-se-ão mantidos no exercício das funções resultantes da transformação deque trata o artigo, independentemente de ato de designação, os ocupantes das funçõestransformadas.

29. Em princípio, muna análise superficial, pode se entender, que a assertivaexposta no parágrafo único guarda consonância com o caput do artigo, vez quepressupõe que a finalidade do parágrafo foi regular uma das três situações decorrentesda resolução; transformação, extinção e criação de funções. Todavia, ao voltarem-se os

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olhos para o texto legal como um todo, verifica-se que o que houve foi apenas umaumento do nível de retribuição das funções de confiança de Chefe de Divisão, que deDAI-111.3-NS passaram para função em comissão, Código TCDF-LT-DAS.101.2 e aextinção de apenas duas Divisões, uma da 1ª Inspetoria de Controle Externo e outra da2ª Inspetoria de Controle Externo, com as respectivas Chefias.

30. A "criação" contida no caput do art. 2° de fato e de direito não ocorreu. De fato,porque nada de novo acresceu-se às funções transformadas. De direito, porque asatribuições relacionadas ao art. 10 da Resolução n° 01/85 por ocasião do advento daResolução nº 02/86, já eram exercidas pelos Chefes de Divisão, com fulcro na alínea"h" do art. 10 da Resolução n° 01/85, só cabendo à Resolução n° 02/86 exemplificar deforma expressa o seu elenco.

IV - CONSIDERAÇÓES FINAIS E CONCLUSÃO

31. Diante da constatação irrefutável através de prova documental (fls. 07/63) quetodas es atribuições inseridas no rol das incumbências dos Chefes de Divisão dasInspetorias de Controle Externo deste Tribunal por ocasião do advento da Resolução n°02/86, já eram de forma inequívoca por eles exercidas, tendo como base legal a alínea"h" do art. 10 da Resolução nº 01/85.

32. Diante, também, da juridicidade do pedido que fazem os requerentes, visto sepossível à Presidência deste Tribunal declarar que houve manutenção das atribuiçõesdas funções de Chefe de Divisão das Inspetorias de Controle Externo, por ocasião doadvento da Resolução nº 02/86, em razão de que não ocorreu criação de função nova esim reclassificação e transformação de função existente sem alteração das respectivasatribuições.

33. Diante, por fim, de que a finalidade deste pedido é declarar qual o estado defato que está conforme o direito, e de que se o fato produz efeitos jurídicos compete aoPresidente do Tribunal dar a certeza oficial sobre a existência ou inexistência darelação jurídica.

34. Tenho por adequadas as seguintes conclusões:

a) as atribuições das funções de Chefe de Divisão previstas no art. 10, alíneas "a"até "h" da Resolução n° 01/85, permaneceram, com o advento da Resolução n° 02/86,inalteradas, já que esta fez apenas exemplificar incumbências que já eram de fato e dedireito exercidas pelos titulares das Divisões. Havendo, destarte, apenas urnatransformação com reclassificação de funções que de DAI-111.2 (NS) passaram paraDAS-101.2; e

b) a decisão a ser prolatada pelo Senhor Presidente do Tribunal, neste pedido quetem natureza declaratória - vale como preceito, i.é., tem efeito normativo, qual o detornar certa a relação jurídica entre as partes, o de produzir a certeza da relação jurídicaexistente entre as funções de Chefe de Divisão face às resoluções nºs 01/85 e 02/86,cabendo aos interessados, se quiserem exigir seu direito tornando certo por meio dessadecisão, proporem novo pedido.

35. Ex positis, atento, à natureza jurídica do requerido, ao mérito da causa e asResoluções nºs 01/85 e 02/86, opino pelo deferimento do pedido dos funcionáriospodendo a Presidência deste E. Tribunal declarar, em caráter normativo, que houve

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recIassificação das funções de Chefe de Divisão sem mudança de atribuições, cabendoaos interessados, posteriormente, pleitear as eventuais vantagens pessoais que, deconformidade com a Lei nº 6.732/79, possam fazer jus.

36. É o parecer, sub censura.

_________________PROCESSO Nº 1.706/87 - 23-09-87.

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ALCANCE. CONCEITUAÇÃO JURÍDICA

JOSÉ GUILHERME VILLELA

1) Entende-se por alcance a simples diferença encontrada nas contas dosresponsáveis por dinheiros ou outros valores, quer decorra essa falta de dolo ou culpa,quer de ato inocente desses mesmos responsáveis.

2) Não pode configurar alcance, todavia, simples ato de negligência doadministrador em relação a dispensa de empregado, ainda que dele haja advindoprejuízo econômico à entidade empregadora, porque, nesse caso, não há falar emdiferença de valor em conta a cargo de algum responsável por dinheiros ou outrosbens, mas em violação de outros deveres funcionais, com eventual repercussão deordem civil.

PARECER

Este processo de tomada de contas especial vem a exame da procuradoria, porsugestão do eminente Conselheiro TUPINAMBÁ VALENTE, a fim de se manifestar oórgão sobre a conceituação, em caráter normativo, da expressão alcance, "sobretudo àvista do que preceitua o art. 888 do já revogado CCP" (f. 386).

2. Como ficou muito bem esclarecido no douto voto do eminente ConselheiroROGÉRIO NUNES, a questão julgada pela Corte se originou de rescisão de contrato detrabalho de empregado do SLU, o qual teve êxito perante a Justiça do Trabalho, aoreivindicar supostos direitos que lhe não teriam sido satisfeitos. Em face da decisãojudiciária trabalhista, providenciou-se uma tomada de contas especial, cujo relatórioconcluiu no sentido de que teria ocorrido negligência dos administradores quanto àobservância das normas jurídicas pertinentes, daí resultando a condenação doempregador ao pagamento de Cz$ 27.659,87 a ex-empregado (f. 242/246).

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3. No primeiro momento, o Eg. Tribunal julgou os responsáveis em débito eordenou a citação para que se defendessem (f. 285A), como vieram a fazer (f.296/343).

4. Vindo o caso a julgamento final, o eminente Conselheiro ROGÉRIO NUNES,em boa hora, recomendou fosse reconsiderada a decisão anterior, a fim de que seaplicasse simples multa pelas falhas administrativas apontadas, as quais jamaispoderiam configurar alcance para os efeitos do art. 57 do Ato Regimental nº 9/80, poisesse conceito diz com "desfalque, desvio, apropriação, diferença ou utilização indevida,em proveito próprio, alheio ou para fins diversos daquele a que era destinado, por partedo administrador público ou de quem tenha sob sua guarda, em razão de cargo,emprego ou função, dinheiro, valores ou bens suscetíveis de valoração econômica" (f.383).

II

5. Na linguagem jurídica corrente, conforme ensinamento de JOSÉ DE AGUIARDIAS,

"chama-se alcance a diferença nas contas administrativas, contra aquele a cujocargo estão" (Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. 3, p. 146).

6. É certo que costuma ser a expressão conceituada também como desfalque,desvio ou apropriação, que são as ações incriminadas no delito de peculato previsto noart. 312 do Código Penal. Mas esse uso é condenado pelo mesmo AGUIAR DIAS,verbis:

"É o alcance também chamado desfalque, mas o uso não se justifica, porquealcance corresponde à diferença entre o que é e o que deve ser, nas contas dofuncionário, indiferentemente da causa, que tanto pode ser culposa, como dolosa ou atéinocente; ao passo que desfalque não se emprega senão no significado de desviocriminoso de dinheiro entregue à guarda de alguém" (loc. cit.).

7. As mesmas noções são encontradiças noutros autores, embora com menorprecisão verbal. Lê-se, por exemplo, no Novíssimo Dicionário Jurídico Brasileiro, dePEDRO ORLANDO, sob o verbete alcance.

"É o saldo a débito de quem faz prestação de contas, ou de quem éobrigado a fazê-la.

2. É, também, a falta de recolhimento, pelo tesoureiro, pelo exator, coletor, ouguarda de dinheiros públicos, do saldo da arrecadação, em tempo hábil, ou seja, dentrodo prazo legal.

OBSERVAÇÃO - Não se deve confundir o alcance com o desfalque, pois este severifica pela subtração ou desvio das rendas públicas e aquele, pela simples retençãoabusiva das mesmas rendas (N. D.J.B.)".

8. Se, em regra, o alcançado pratica peculato-apropriação ou peculato-desvio,pode haver alcance sem peculato, como deixa claro a norma art. 888 do vetustoRegulamento Geral do Código de Contabilidade Pública, nestes termos:

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"Nos processos de tomada de contas devem ser considerados alcances e,como tais, passíveis das penas da lei:

a) os saldos em poder do responsável;

b) as rendas arrecadadas e não escrituradas convenientemente;

c) as despesas glosadas por terem sido impugnadas;

d) as diferenças verificadas para menos nos livros da escrituração ou nosdocumentos da receita, e para mais nos da despesa;

e) o adiantamento cuja aplicação não tiver sido devidamente comprovada e forconservado em poder do responsável sem ordem expressa da autoridade competente;

f) as faltas verificadas em valores, materiais, ou efeitos, de qualquer espécie,confiados à guarda do responsável;

g) as diferenças verificadas a favor da Fazenda Nacional nas operações de débitoe crédito dos cofres especiais.

Parágrafo único. Não são, porém, considerados alcances:

a) as quantias iguais ou inferiores, a um cruzeiro, salvo quando as fraçõesrepresentarem diferenças integrantes de alcance já recolhido;

b) os saldos de caixa apurados nas contas prestadas mensalmente pelostesoureiros, pagadores e demais responsáveis dessa natureza, e que passarem à contado mês seguinte;

c) as importâncias das multas do imposto de consumo, depositadas nos cofresdas repartições para o uso de recursos, enquanto estes não forem decididos, oujulgado prescrito o direito da parte."

9. Certo é, contudo, que não pode haver alcance sem conta a cargo de umresponsável, isto é, de alguém que deva prestá-la, porquanto o alcance não é senão ovalor que falta na conta desse responsável por dinheiros ou outros bens.

10. No caso, o objetivo da tomada de contas foi, precisamente, levantar umaconta, para, com base nela, imputar um débito ao pretenso responsável. Ainda que,para efeito de reparação civil, dessa apuração possa originar-se um débito de que sejasujeito passivo o agente administrativo, tal conta, no entanto, foi indevidamente tomada,porque não devia ele prestá-la, já que a falta administrativa que se lhe imputou nãoconsistiu em alcance, ou seja, na falta de dinheiros ou outros bens pelos quais devessediretamente responder.

11. Se houvesse obrigação de prestar contas pela aplicação dos dinheiros oubens confiados ao responsável e fosse apontada uma falta, um débito ou um alcance,aí, sim, haveria a sanção da imputação do débito ao responsável para imediatareposição do alcance, com juros e correção monetária, como quer o art. 57 do Ato n°9180. Fora daí,, qualquer dano causado por ação ou omissão do funcionário pode darlugar a sanções civis (indenização), sanções penais e até a sanções administrativas deoutras natureza (disciplinares), mas não à sanção administrativa da tomada de contas econseqüente obrigação de repor eventual alcance que se haja apurado naqueleprocedimento.

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12. Aliás, a chamada jurisdição de contas, que se insere na função desta Corte, seocupa, em verdade, do alcance, mas não do ilícito civil ou ilícito penal, que possamestar também envolvidos naquele ilícito administrativo. É o que ficou muito bemexplicado por CASTRO NUNES, nesta antológica passagem da clássica obra Teoria ePrática do Poder Judiciário, ed. de 1943:

"Cumpre delimitar o que se compreende no âmbito estreito dessa jurisdição.É apenas a conta, como diz Edgard Allix: a Corte julga a conta, e não oresponsável. A decisão que profere é sobre a regularidade intrínseca da conta, enão sobre a responsabilidade do exator ou pagador ou sobre a imputação dessaresponsabilidade: "Dire qui Ia Cour juge les comptes et ne juge pas lescomptables c'est dire qui Ia Cour ne se prononce que sur Ia regularité intrinsèquedu compte et non sur Ia responsabilité du comptable". E linhas adiante: "C'est enréalité, le compte qui se trouve condamné plutôt qui le comptable".

Nem de outro modo dispõe a nossa Constituição. Não se atribui ao Tribunal deContas senão o julgamento das contas: "Julgar das contas dos responsáveis pordinheiros ou bens públicos".

Como observa BIELSA, um mesmo fato pode determinar responsabilidades deordem diversa - administrativa, penal e civil. A tomada de contas da gestão financeirado agente é de ordem administrativa, o que se fixa é a responsabilidade do exator oupagador no desempenho de sua função pública. Quando se diz que essaresponsabilidade é civil, como é de uso na linguagem corrente, o que se quer é apenasfixar a sua índole civil em contraposição à responsabilidade penal, que as cortes decontas não apuram, porque não exercem jurisdição penal. Por isso mesmo conclui odouto expositor argentino que as cortes de contas não invadem nem a jurisdição civilnem a jurisdição penal, a cargo dos juízes comuns, quando fixam a responsabilidade doagente por fatos ou atos da sua gestão.

E limita-se a essa verificação o julgamento da conta. É um juízo que se instituisobre operações administrativas, limitado aos atos ou fatos apurados, seja para liberaro responsável, seja para o declarar alcançado em vista das irregularidades encontradasna sua gestão.

O Tribunal de Contas estatui somente sobre a existência material do delito,fornecendo à justiça, que vai julgar o responsável, essa base da acusação.

Não julga a este, não o condena nem o absolve, função da justiça penal. Fixa-lheapenas a responsabilidade material, apurado o alcance. Outros aspectos da imputaçãopertencem por inteiro à justiça comum, que pode absolver o responsável alcançado,contanto que não reveja o julgado de contas, não negue a existência material dainfração financeira.

A jurisdição de contas é o juízo constitucional das contas. A função é privativa doTribunal instituído pela Constituição para julgar das contas dos responsáveis pordinheiros ou bens públicos. O Judiciário não tem função no exame de tais contas, nãotem autoridade para as rever, para apurar o alcance dos responsáveis, para os liberar.Essa função é "própria e privativa" do Tribunal de Contas, diz o decreto orgânico emvigor, e os responsáveis sujeitos à tomada de contas "só por ato do Tribunal podem ser

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liberados de sua responsabilidade" (dec.-lei nº 426, de 12 de maio de 1938, arts. 8° e19º).

Se a lei, diz ORESTE RANELLETTI, referindo-se precisamente à Corte de Contas,institui um dado órgão e o incumbe de exercer determinada jurisdição, deve-seentender que esta é privativa do órgão instituído" (págs. 28/31).

13. Em parecer proferido em 1976, em torno da competência do Tribunal deContas para decretar seqüestro de bens de responsável julgado em débito, tive ocasiãode corroborar a doutrina CASTRO NUNES com opiniões mais recentes, que destaqueineste trecho:

"Desse entendimento não discrepa o magistério mais recente da Suprema Corte,segundo o qual a chamada jurisdição de contas tem a ver apenas com o juízo sobre asua regularidade intrínseca, que compete com exclusividade ao Tribunal de Contas, ematenção à especialização técnico-contábil que pressupõe (MS 16.255, de 4.8.66, R.T.J.38/245-250, relator o eminente Ministro EVANDRO LINS E SILVA).

Em excelente tese oferecida ao VII Congresso de Tribunais de Contas do Brasil,nosso ex-colega LUIZ ZAIDMAN teve ocasião de mostrar que esse juízo sobre aregularidade intrínseca das contas é equivalente, para efeitos judiciais, à constituiçãode um título de divida líqüida e certa, pois não envolve o julgamento do responsávelnem mesmo o das contas, mas tão-somente o da regularidade delas (cf. A Teoria doControle Jurídico e as Funções Básicas das Cortes de Contas Brasileiras, 1973, inAnais do VII Congresso, 11/874 e segs.).

A decantada função jurisdicional de nossas Cortes, em matéria de tomada decontas e seus incidentes, não pode, obviamente, impedir o controle jurisdicional delegalidade, quando a ele recorra o responsável que se julgue lesado em seus direitossubjetivos e, a essa altura de nossa evolução jurídica, tal ponto não pode mais sofrercontestação séria" (Rev. TCDF, vol. 5, págs. 131/139).

14. Feita essa digressão que considerei oportuna para melhor realçar a distinçãoexistente entre a idéia de alcance (ilícito administrativo-contábil), de desfalque (ilícitopenal) e de dano (ilícito civil), passo a enunciar minha conclusão acerca do caso queme foi submetido.

III

15. A meu juízo, bem agiu o eminente Conselheiro ROGÉRIO NUNES em negar aexistência de qualquer alcance, já que nenhuma conta seria exigível dosadministradores, pois, da parte deles, não houve quebra ou violação do dever deadministração de dinheiros ou bens que lhes tivessem sido confiados. Teriam sido,quando muito, negligentes na aplicação de normas jurídicas sobre pessoal, comprejuízos para o órgão empregador.

16. A violação desses deveres funcionais, que não dizem diretamente com aguarda de bens e valores, pode ensejar a aplicação das multas, a que aludem os arts.59 e 60 do nosso Ato nº 9/80 ou o art. 221 do velho R.G. de Contabilidade Pública, masnão à imputação de débito a eventual alcançado para sua imediata reposição (art. 57do nosso Ato nº 9/80).

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17. Em suma, ainda que o douto voto do eminente Conselheiro ROGÉRIO NUNESpareça equiparar alcance a desfalque, e esta não seja, data venia, a melhor orientaçãodiante da doutrina e do direito positivo brasileiro, o certo é que a solução preconizadapara o caso dos autos foi absolutamente escorreita, pois estamos em presença desimples falha administrativa em matéria de pessoal, talvez devido 'à negligência doadministrador, mas não existiu qualquer diferença na conta que o responsável devesseprestar por dinheiros ou outros valores, o qual pudesse configurar alcance stricto sensu,isto é, no sentido jurídico-contábil desse vocábulo.

__________________PROCESSO Nº 999/85 - 23-10-87.

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. EFEITO DADECISÃO JUDICIAL.

JOSÉ GUILHERME VILLELA

1) Anulado o ato de demissão, determinou o Poder Judiciário fosse o servidoraposentado em decorrência de comprovada alienação mental.

2) Não podendo esta Corte sujeitar decisão judicial a controle da legalidade,adstringe-se o exame do novo ato à questão da fixação dos proventos.

PARECER

Decretada a demissão do servidor por abandono de cargo, ingressou ele em juízopara invalidar o ato.

2. Obteve decisão favorável, nos termos da seguinte ementa:

"Funcionário público. Abandono de cargo. Nulo é o ato de demissão dofuncionário por abandono de cargo, se ausente o elemento subjetivo, face àcomprovada incapacidade do servidor para livremente manifestar a sua vontade.

Não é a sentença de interdição que cria a incapacidade, o perito médico e ojulgador apenas constatam o estado pato16gico preexistente". (f. 6).

3. Não podendo esta Corte rever, sob o prisma da legalidade, a decisão judicial,só pode caber agora examinar o ato de fixação de proventos.

4. Tratando-se de invalidez qualificada, os proventos integrais foram bemconcedidos, pelo que o ato deve merecer, nesta parte, a aprovação do Tribunal.

________________PROCESSO Nº 977/87 - 26-11-87.

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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BRB. ATO LESIVO PRATICADO POR GERENTE DAAGÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO

RESSARCIMENTO DO PREJUÍZO.

JOSÉ GUILHERME VILLELA

Não envolvendo o ato lesivo praticado pelo gerente qualquerparticipação comissiva ou omissiva da Diretoria do Banco, oressarcimento do prejuízo deve ser exigido do autor do referidoato.

PARECER

1. Em face das defesas apresentadas pelos interessados (fls. 110/112 e 135/139),verifica-se que não se pode atribuir qualquer responsabilidade pelo ato de liberalidadedanoso ao Banco de Brasília S.A. ao Diretor Hugo Arnaldo Bicalho, já que a dispensado recolhimento de parte substancial das sanções a serem impostas a mutuárioinadimplente era de alçada do gerente de Uruaçu-GO, o qual efetivamente incidiu nafalta.

2. Opino, pois, pela cominação ao faltoso, que já ofereceu defesa, daspenalidades mencionadas no item 4 do relatório do eminente Conselheiro ROGÉRIONUNES (fl. 146, in fine).

_____________PROCESSO Nº 535/86- 13-08-87.

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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CONTRATO COM A CEB. RELAÇÃO ENTRE PREÇODO CONTRATO E CUSTO DO SERVIÇO. REVISÃO

ADMINISTRATIVA OU JUDICIAL DO PREÇO

JOSÉ GUILHERME VILLELA

Conquanto admissível que o preço do serviço contratadohaja levado em conta o custo da mão de obra, não é possível reveradministrativamente o preço contratual, sem prova convincente deque a modificação da regulamentação do adicional depericulosidade fora imprevisível e ocasionou ônus excessivo aocontratante particular.

PARECER

Ao que pude depreender da presente consulta, a Companhia de Eletricidade deBrasília - CEB contratou serviços de terceiros a preços que teriam levado em conta ocusto de tais serviços, inclusive o valor da mão de obra neles empregada.

2. Supunham talvez as contratantes que o adicional de periculosidade instituídopela Lei n° 7.369, de 20.09.85, não seria devido aos empregados da empreiteira, nostermos da primeira regulamentação daquela lei (Decreto nº 92.212, de 26.12.85) e daorientação normativa da Eletrobrás. Ocorreu, porém, que houve modificação peloDecreto n° 93.412, de 14.10.86, que, pondo-se em harmonia com o entendimento dadouta Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho, passou a considerar devido oreferido adicional.

3. Diante desse ônus, que não teria sido previsto, pede o contratante particularrevisão do preço ajustado, tanto para os contratos vigentes quanto para os já findos,pois que estão pendentes reclamações trabalhistas de empregados que prestaramserviços sob uns e outros desses contratos.

4. Os contratos em questão assim fixaram o preço:

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"CLÁUSULA SEGUNDA -DO PREÇO

O preço para 200 horas de trabalho mensais será de Cz$ 475.082,00(quatrocentos e setenta e cinco mil, oitenta e dois cruzados), sendo Cz$ 2.375,41 (doismil, trezentos e setenta e cinco cruzados e quarenta e um centavos) o preço da horatrabalhada.

Parágrafo Primeiro - No preço da hora trabalhada já estão incluídas todas asdespesas à execução dos serviços tais como: materiais (com exceção dos relacionadosno Anexo IV), equipamentos, veículos, ferramentas, combustíveis, mão-de-obraespecializada ou não, transporte de pessoal e de materiais, carga e descarga,impostos, taxas, seguros, adicionais inclusive todos os de natureza trabalhista,encargos sociais e quaisquer outras despesas ou desembolsos que, direta ouindiretamente, incidam sobre os serviços deste contrato" (f. 25126).

5. Precisando melhor a situação dos empregados da contratante particular,estabeleceram esta cláusula contratual;

"CLÁUSULA DÉCIMA-SEGUNDA - DOS EMPREGADOS DA CONTRATADA

A CEB poderá exigir da SOCEL, a qualquer tempo, a remoção ou substituição dequalquer empregado da mesma, cuja presença, a seu exclusivo critério, for consideradaindesejável ou inconveniente.

Os empregados da SOCEL não terão qualquer vínculo empregatício com a CEB,sendo da responsabilidade da SOCEL todas as obrigações fiscais, trabalhistas,previdenciárias e outras correlatas.

A SOCEL não poderá substituir nenhum empregado que esteja executando osserviços objeto deste contrato, sem a prévia concordância da CEB" (fl. 32).

6. A literalidade dessas cláusulas não permite atender a pretensão da empresaparticular, que assumiu todos os ônus da mão-de-obra empregada nos serviços, nelesincluídos expressamente os adicionais trabalhistas, que hão de ser assim os existentesà época da contratação como os futuros, já que nenhum foi excluído.

7. A revisão amigável do preço avençado não é prudente, pois a empresa nem aomenos provou qualquer prejuízo resultante do efetivo pagamento do adicional emcausa. Havendo possibilidade de comprovar tal prejuízo, abre-se-lhe a via da revisãojudicial do contrato por efeito da teoria da imprevisão, cujos pressupostos são aimprevisibilidade e a onerosidade excessiva. Não parece, é óbvio, muito cômoda asituação da contratante quanto ao primeiro termo, pois o adicional já havido sidoinstituído por lei, embora ainda dependente de regulamentação. A orientação doprimeiro regulamento e as instruções da Eletrobrás podem, porém, aconselhar ao juízoconceda o benefício pleiteado.

8. Entendo, contudo, que a revisão em desfavor do ente público só deve serconcedida na via administrativa quando nenhuma dúvida houver em torno dosrequisitos da imprevisibilidade e da onerosidade excessiva, e não me convenci de queseja esse o caso sob exame.

_______________PROCESSO Nº 0124/87 - 18-02-87.

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143

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CRIMES DE RESPONSABILIDADE. INFRAÇÔESPOLÍTICAS E COMUNS. LEI Nº 7.106/83 E LEI Nº

1.079/50.

JOSÉ GUILHERME VILLELA

As infrações financeiras apontadas pela Inspetoria nãoconfiguram crimes de responsabilidade - entendidos tais crimescomo as infrações políticas de quer trata a Lei n° 7.106/83 -porquanto não se amoldam a qualquer das figuras típicas do art.10 da Lei n° 1.079/50. São meras infrações a normas financeiraslegais ou regulamentares, que podem dar origem a processoadministrativo ou até a processo penal, mas não ao processopolítico do impeachment.

PARECER

Este processo vem a exame da Procuradoria, a fim de que o órgão se manifesteacerca de questão levantada pela Inspetoria (f. 42), que considera incursos em crimesde responsabilidade gestores de recursos da SEP, os quais reiteradamente vêmcometendo burla à lei ou, mais precisamente, vêm infringindo o art. 60 da Lei n° 4.320,de 17.03.64, ao realizarem despesas sem a formalidade do empenho prévio.

2. Em nosso ordenamento jurídico, o exame do tema deve começar do art. 82 daConstituição, que prevê, em termos genéricos, os crimes de responsabilidade doPresidente da República e relega à lei ordinária a tipificação de cada modalidade. Eis otexto constitucional:

Art. 82 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentaremcontra a Constituição Federal e, especialmente:

I - a existência da União;

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II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderesconstitucionais dos Estados;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

V I - alei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciárias.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabeleceráas normas de processo e julgamento.

3. Revestindo a natureza de infrações políticas, que resultam da violação dedeveres constitucionais das autoridades públicas, os crimes de responsabilidade emmatéria de lei orçamentária têm a ver com os princípios fixados no particular pela CartaMagna, os quais estão estabelecidos nos arts. 60 a 69. Tanto isso é certo que a leiordinária, ao atender à regra da reserva leal e definir tais infrações, dispôs no art. 10 daLei n°1.079, de 10.04.50:

"São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:

1 - Não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da Repúblicadentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa;

2 - Exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento:

3 - Realizar o estorno de verbas;

4- Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária".

4. Essas infrações políticas não sujeitam os infratores a sanções penais, mas asanções políticas, como se depreende do art. 42, parágrafo único, da Carta Federal,que faz certo que "a pena limitar-se-á à perda de cargo, com inabilitação, por cincoanos, para o exercício de função pública", embora o mesmo preceito deixe claro que acondenação não exclui ou prejudica a ação da justiça penal ordinária.

5. É que uma mesma falta pode constituir tanto infração política quanto infraçãopenal, como assinala PAULO BROSSARD DE SOUZA PINTO em reputada monografia:

"Embora possa haver duplicidade de sanções em relação a uma só falta, desdeque constitua simultaneamente infração política e infração criminal, ofensa à lei deresponsabilidade e ofensa à lei penal, autônomas são as infrações e de diversasnatureza as sanções aplicáveis num e noutro caso. Aliás, a circunstância de ser dúplicea pena está a indicar que as sanções têm diferente natureza, correspondentes a ilícitosdiferentes" (O Impeachment, ed. 1965, p. 65).

6. A propósito do Decreto-lei nº 201, de 27.02.67, que, ao cuidar dos crimes deresponsabilidade de Prefeitos e Vereadores, encambulhou infrações criminais (art. 1º) einfrações políticas (art. 4°), o saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO já destacara aprofunda confusão de idéias e noções que, desde o começo da República, lavra emtorno das leis de responsabilidade. Vale transcrever trecho do voto proferido perante o

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Supremo Tribunal Federal, que ministra excelentes subsídios a respeito da evoluçãohistórica do instituto:

"Historicamente, o impeachment, denúncia da Casa dos Comuns à dos Lords,para que esta julgasse o acusado, era um processo criminal, que poderia ter porepílogo até a decapitação às mãos do carrasco. Sabido que, até época recente, aquelaCâmara Alta era também um Tribunal para certas pessoas eminentes em certos casos.Por evolução, o impeachment perdeu o caráter criminal e deu à luz o regimeparlamentarista: - o governante que perde a confiança da maioria dos Comunsabandona logo o cargo sem qualquer resistência.

Como a nossa Carta de 1824 seguia bem ou mal a prática inglesa, através dafrancesa de Luís XVIII (1814), a primeira lei brasileira de responsabilidade cominavapenas de prisão e até de morte pelos crimes nela previstos.

A Constituição Federal em 1891 substituiu isso pelo impeachment à norte-americana - extinto o bill of attainder, e limitado à perda do cargo e inabilitação paraoutro, ficando os crimes comuns para apreciação pelo Judiciário. É isso, afinal, o queestá no DI. 201, muito embora, desde o começo da República, as leis deresponsabilidade revelem uma profunda confusão de idéias e noções" (HC 51.352, de31.08.73, RTJ. 68/370).

7. No estágio atual de nosso direito, a idéia de crimes de responsabilidade ficoureservada mesmo às infrações políticas, conquanto haja também crimes daresponsabilidade de funcionários públicos previstos no Código Penal (arts. 312 a 326),e em outras leis penais, que são crimes comuns, não, infrações políticas ou crimes deresponsabilidade stricto sensu.

8. A referência da Inspetoria à Lei nº 7.106, de 28.06.83, que define os crimes deresponsabilidade do Governador do Distrito Federal e Secretários do Governo, fazsupor que se queira enquadrar como infração política qualquer violação das leis definanças públicas (desse teor, por exemplo, seria a apontada irregularidade consistentena falta do empenho prévio exigido pelo art. 60 da Lei nº 4.320, de 17.03.64).

9. A toda evidência, isso não seria possível, porquanto os crimes deresponsabilidade relativos ao orçamento, segundo a Lei nº 7.106/83, são os mesmos daLei nº 1.079/50, conforme faz certo a primeira dessas leis, verbis:

"Art. 1° - São crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federalou seus Secretários, quando por eles praticados, os definidos na Lei n° 1.079, de10 de abril de 1950, ou ainda quando simplesmente tentados".

10. Em homenagem ao nullum crimem sine lege, de inteira aplicação às infraçõespolíticas, conforme ensinamento de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO(Comentários à Constituição Brasileira, ed. 1974, vol. 2º, p. 152), seria inadmissívelsubsumir a falta de empenho prévio ou outras infrações contábil-financeiras do gêneroa qualquer das infrações políticas de que cuida o art. 10 da Lei nº 1.079/50, às quais seremete, nossa lei específica.

11. Outro ponto pacífico em tema de crimes de responsabilidade é o de que oprocesso respectivo deve ser instaurado enquanto o faltoso estiver no exercício docargo. Leia-se esta advertência de OSWALDO TRIGUEIRO:

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"No julgamento dos crimes de responsabilidade, a única pena aplicável é ada perda do mandato, com inabilitação para o exercício de função pública porprazo não superior a cinco anos. Essa decisão não exclui a eventual condenaçãodo Governador às penas do crime comum que cometer e que seja objeto doprocesso próprio no juízo competente. O processo pelo crime deresponsabilidade tem o objetivo único de afastar do cargo o titular acusado. Porisso, a denúncia não poderá ser recebida, nem o processo pode ter andamento,se o Governador já houver deixado o cargo em caráter definitivo (art. 76,parágrafo único)" - (Direito Constitucional Estadual, ed. 1980, págs. 192-193).

12. Mesmo em face do Decreto-lei nº 201/67, que parece haver englobado num só

texto infrações políticas e infrações comuns, a doutrina TRIGUEIRO prevaleceu,consoante esclarece douto voto do Ministro ALDIR PASSARINHO no HC 61.314,julgado em 4.10.83, in RTJ. 110/112-113:

"A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no tocante a não caber açãopenal, por crime de responsabilidade contra Prefeito municipal, com base no Decreto-lein° 201, de 27.02.67, após ter ele deixado o cargo, é relativamente antiga, pois nessesentido já decidiu seu Plenário ao ensejo do julgamento da Ação Penal nº 212-SP (RTJ59/629).

Após a decisão referida, inúmeras outras se seguiram com o mesmoentendimento: RHC nº 54.428 (RTJ 791430); Ap n° 232 (RTJ 82/651); RHC n°58.081(RTJ 95/169) HC n° 58.751 (RTJ 991127), em alguns desses acórdãos sendomencionados vários outros.

Ao ensejo do julgamento do aludido HC 58.751, embasou o ilustre Ministro Leitãode Abreu, Relator, o seu voto, na fundamentação que alicerçou o acórdão no RHC nº54.428, voto do Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro, o qual ora transcrevo para, por igual,justificar o que ora profiro, pois as razões que vêm sendo adotadas, ao propósito,continuam, a meu ver, inteiramente válidas:

"O direito constitucional brasileiro consagra o impeachment, se bem que o façacom limitações que o direito americano desconhece, porque o restringe a pequenonúmero de agentes do poder (Presidente da República e Ministros de Estado, Ministrosdo Supremo Tribunal Federal e Procurador-Geral da República, Governadores eSecretários de Estado, Prefeitos Municipais).

Esse processo tem por objetivo afastar das funções os titulares daqueles cargos,quando responsáveis por atos contrários aos altos interesses do Estado, definidos, emleis especiais, como crimes de responsabilidade.

Trata-se, assim, de procedimento de natureza política, que deixa de ter cabimentoquando o acusado já não esteja no exercício da função. E que não haveria sentido, ouobjeto, em promover-se o impedimento de quem, por qualquer motivo, perdeu atitularidade do cargo.

Referindo-se ao Presidente da República e aos Ministros de Estado, a Lei nº1.079-50 estabeleceu que a denúncia, nos processos de impeachment, somentepoderia ser recebida enquanto o denunciado não tivesse, por qualquer motivo, deixadodefinitivamente o cargo (art. 15). O princípio é extensivo aos Ministros do Supremo

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Tribunal (artigo 42) e bem assim aos Governadores e Secretários de Estado (art. 76,parágrafo único). A norma aplicava-se igualmente aos Prefeitos, ex vi do disposto noart. 4º, da Lei n°3.528-59.

Em relação a estes últimos, o Decreto-lei nº 201-67 trouxe a inovação de suprimiro foro político reconhecido pela legislação anterior, ao determinar que, pela prática decrimes de responsabilidade, estão eles sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário,independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores (art. 1"-, caput).

Nestas condições, os Prefeitos perderam o privilégio do foro, salvo quanto àschamadas infrações político-administrativas, sancionáveis com cassação do mandato,por deliberação da Câmara de Vereadores (Decreto-lei nº 201, artigo 4º). Seja eleacusado de crime comum ou de crime de responsabilidade, o Prefeito responderá aprocesso judicial e na jurisdição criminal ordinária.

Parece-me evidente, todavia, que a nova lei não repudiou o princípio de que oprocesso por crime de responsabilidade não tem cabimento, quando o Prefeito jádeixou o cargo, em caráter definitivo. Se ele já não é Prefeito, não há comopromover-lhe o impedimento para o exercício desse mandato. Além disso, seriainjurídico que o princípio tivesse validade com referência aos Presidentes, Ministros,Governadores e Secretários, e só não a tivesse em relação aos governantes da escalamunicipal" (RTJ 59/630)".

13. Na Lei nº 1.079/50, a que se remete nossa Lei n=' 7.106/83, está, em verdade,a norma de que "não será recebida a denúncia depois que o Governador, por qualquermotivo, houver deixado o cargo" (parágrafo único do art. 76). Não obstante, a leipertinente ao Distrito Federal e Territórios parece declarar que a responsabilidadesubsiste por 2 anos após o afastamento, in verbis:

"Art. 5º - O Governador do Distrito Federal e os Secretários do Governo, noscrimes conexos com os daquele, responderão, até 2 (dois) anos após haveremdeixado o cargo, pelos atos que, consumados ou tentados, a lei considere crimede responsabilidade praticados no exercício da função pública.

§ 1º - Aplica-se o disposto neste artigo aos dirigentes de autarquias, órgãose entidades do complexo administrativo do Distrito Federal.

§ 2º - Na hipótese do parágrafo anterior, a denúncia, a acusação e ojulgamento se farão de acordo com a norma do processo administrativo, peloórgão competente".

14. Tendo como certo que a única pena pela infração política é o afastamento docargo, só posso entender que esse art. 5° se refere à infração penal comum, que podecoexistir com a infração política.

15. Após as considerações acima, que julguei conveniente fazer por se tratar dequestão ainda não abordada pela Procuradoria ou pelo Col. Tribunal, concluo que asinfrações financeiras apontadas pela Inspetoria não configuram crimes deresponsabilidade -entendidos tais crimes como as infrações políticas de que trata a Leinº 7.106/83 - porquanto não se amoldam a qualquer das figuras típicas do art. 10 da Lein°1.079/50. São meras infrações a normas financeiras legais ou regulamentares, que

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podem dar origem a processo administrativo ou até a processo penal, mas não aoprocesso político do impeachment.

__________________PROCESSO Nº 1.164/86-18-02-87.

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ESTIPÊNDIOS ATRASADOS PAGOS A SERVIDORESPÚBLICOS EM DECORRÊNCIA DE MODIFICAÇÃO DE

CRITÉRIOS ADMINISTRATIVOS. JUROSMORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA.

JOSÉ GUILHERME VILLELA

1) A Fazenda Pública não resistiu culposamente ao pagamento da dívida, a qual,tão logo apurada na via adminstrativa, foi satisfeita, independentemente de qualquerprocedimento judicial dos credores. Não há, pois, incidência de juros moratórios, queconstituem sanção legal pelo retardo culposo do pagamento e, se houvesse, tais jurossó se contariam a partir da citação inicial para a ação, que não chegou sequer a sernecessária

2) A correção monetária igualmente é indevida, porque a Lei nº 6.899, de08.04.81, que a estabeleceu para as obrigações de dinheiro, só a impõe em relaçãoaos débitos resultantes de decisão judicial e, ainda assim, a partir do ajuizamento darespectiva ação, que, no caso, repita-se, não foi proposta pelos criadores, cujopagamento se fez na própria via administrativa.

3) Evolução da jurisprudência: conquanto a correção monetária haja resultado delenta, progressiva e constante construção pretoriana, o STF ainda não autorizou ageneralização da medida a obrigações de dinheiro, semelhantes às que sãoexaminadas neste parecer (pagamento de estipêndios atrasados a servidores naprópria via administrativa, por efeito de modificação de critérios de interpretação dasleis).

4) Embora a linha evolutiva da jurisprudência faça supor que, permanecendo aaguda pressão inflacionária dos tempos atuais, se alcance, em futuro próximo, ageneralização da correção monetária, o dever de custos legis inerente às atribuições doMinistério Público recomenda opinar pela ilegalidade das despesas em causa, que não

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estão autorizadas pela lei nem por orientação jurisprudencial invariável e constante daSuprema Corte.

PARECER

Acolhendo voto do eminente Conselheiro FREDERICO AUGUSTO BASTOS, oEg. Tribunal solicita pronunciamento desta Procuradoria sobre eventual incidência dejuros e correção monetária em atrasados pagos a servidores sob regime estatutário,relacionados com diferenças de estipêndios resultantes de alteração de critériosadministrativos pertinentes aos chamados quintos da Lei nº 6.732179.

2. Adianta o douto voto acima referido que não concorda com a tese sustentadapela ilustre Procuradoria-Geral do Distrito Federal, seja porque não existe leiautorizando o pagamento das mencionadas verbas, já que a Lei nº 6.899181 serestringe aos débitos decorrentes de decisão judicial, seja porque não se pode aplicar,por extensão, a norma legal específica dos celetistas (Decreto-lei nº 75166(.

3. A meu ver, razão assiste ao eminente Conselheiro FREDERICO BASTOS,pelos motivos que passo a desenvolver.

II

4. Começo pela questão dos juros moratórios, assinalando que não subsiste aregra do art. 3º do Decreto nº 22.785, de 31.05.33, que privilegiava a Fazenda Pública.Segundo essa norma.

"A Fazenda Pública, quando expressamente condenada a pagar juros demora, por estes só responde da data da sentença condenatória com trânsito emjulgado, se se tratar de quantia liquida; e da sentença irrecorrível que, emexecução fixar o respectivo valor, sempre que a obrigação for ilíquida".

5. Sob a disciplina especial desse decreto, aliás, vieram as Súmulas 163 e 25 daSuprema Corte, que assim foram concebidas:

"Salvo contra a Fazenda Pública, sendo a obrigação ilíquida, contam-se os jurosmorat6rios desde a citação inicial para a ação" 1163).

"Sendo ilíquida a obrigação, os juros moratórios contra a Fazenda Pública,incluídas as autarquias, são contados do trânsito em julgado da sentença de liquidação"(255).

6. Mas o legislador aboliu qualquer privilégio do Fisco com a Lei n° 4.414, de24.09.64, cujo art. 1° se redigiu nestes termos:

"A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as autarquias, quandocondenados a pagar juros de mora, por este (sic) responderão na forma do direito civil."

7. Diante dessa norma, foi cancelado o enunciado 255 (cf. ERE 74.244, de21.11.73) e ficou sem sentido a ressalva introdutória da Súmula 163.

8. Disso resulta que, atualmente, tanto para a Fazenda Pública, quanto para osparticipantes em geral, os juros moratórios, sendo a obrigação ilíquida, contam-se dacitação inicial para a ação judicial (nesse sentido, convergem as disposições dos arts.1.064 e 1.536, § 2°, do C. Civ., e do art. 219, caput, do C. Pr. Civil).

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9. Como os atrasados pagos aos servidores não se inserem na categoria dasobrigações líquidas - isto é, daquelas certas, quanto à existência, e determinadas,quanto ao seu objeto (C. Civ., art. 1.533) - mas foram gerados por modificação doscritérios administrativos de cálculo dos estipêndios, forçoso é convir que só haveriaincidência de juros a partir da citação inicial na ação proposta pelos servidores paravindicar as diferenças em questão.

10. Tendo a Fazenda reconhecido administrativamente a dívida, não foi precisoacioná-la. Beneficiados os servidores pelo comportamento da Administração, que nãorecalcitrou em pagar-lhes, não pode ela arcar com juros moratórios, que são devidoscomo sanção ao retardo culposo do pagamento, que, a toda evidência, não houve.Quem paga espontaneamente obrigação ilíquida, não pode sofrer a pena pelo retardo,pois o retardo não ocorreu. Isso basta, a meu juízo, para afastar a pretendida incidênciados juros moratórios.

III

11. O tema da correção monetária também não oferece dificuldade.

12. Dispôs a Lei n° 6.899, de 08.04.81, que, ao ver de alguns, autorizaria acorreção monetária de uma dívida espontânea solvida pela Fazenda Pública:

"A correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisãojudicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios (art. 1º).

§ 1° - Nas execuções de títulos de dívida líquida e certa, a correção serácalculada a contar do respectivo vencimento.

§ 2° - Nos demais casos, o cálculo far-se-á a partir do ajuizamento daação."

13. As verba legis não permitem qualquer vacilação: essa lei só se aplica a débitoresultante de decisão judicial, sendo o dies a quo para o cálculo da correção o dopróprio ajuizamento do pedido.

14. O outro arrimo da tese da incidência da correção seria o Decreto-lei n° 75, de21.11.66, o qual, no entanto, é específico para os débitos de natureza trabalhista, isto é,aqueles devidos pelas empresas a título de salários, indenizações e outras prestaçõesimpostas pela CLT e pelo Estatuto do Trabalhador Rural.

15. Se a legislação não obriga a correção monetária da dívida, que é de dinheiro,dela naturalmente o Distrito Federal se libera com o pagamento da importânciaapurada, não lhe sendo exigível a atualização do respectivo valor monetário.

16. Como foram invocados nos pareceres diversos acórdãos que poderiamjustificar a correção, dedicarei o último tópico deste despretensioso parecer a umabreve referência à evolução dos critérios jurisprudenciais em torno do problema.

IV

17. A inalienável tarefa de fazer justiça aos credores lesados por devedoresmorosos ou inadimplentes em época de inflação galopante, que avilta os débitos peladepreciação da moeda em percentuais assustadores, não tem sido fácil para o PoderJudiciário. A dificuldade tem sido maior porque o legislador, além de soluções tópicas

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para problemas emergenciais, vem oferecendo medidas insuficientes e, algumas vezes,mais tímidas do que as próprias construções pretorianas.

18. Para acompanhar a evolução da prestigiosa jurisprudência do SupremoTribunal Federal, cujo acatamento deve, ao que penso, nortear as decisõesadministrativas nessa matéria, tomei as duas vertentes mais destacadas: a dadesapropriação e a da responsabilidade civil.

a) Correção monetária nas desapropriações

19. No começo da década de 60, quando os efeitos da inflação tornaram-se maisostensivos, situarei o momento inicial de minhas referências.

20. A crônica demora dos processos de desapropriação levava a uma realidadeconstrangedora: se o preceito constitucional já recomendava ajusta e préviaindenização em dinheiro (C.F. de 46, art. 141, § 16), dominava o entendimento que,logo depois, se consubstanciou na Súmula 416, verbis: "pela demora no pagamento dopreço da desapropriação não cabe indenização complementar além dos juros." Nessequadro, ocorria não raro a situação exprobrada na discussão de uma causa peloeminente Ministro OSWALDO TRIGUEIRO: não é possível mandar pagar, pela perdade um imóvel no centro do Rio de Janeiro, uma indenização já insuficiente àquelaépoca para a compra de um par de sapatos!

21. A primeira solução alvitrada para corrigir tão chocante anomalia foi umasegunda avaliação do imóvel desapropriado, que pudesse levar em conta valor maisatualizado. Esse entendimento prevaleceu, por exemplo, nos ERE 54.221, de 16.08.65,RTJ. 34/91, e no RE 63.091, de 08.11.67, RTJ. 43/277, relatados pelos MinistrosEVANDRO LINS E SILVA e PRADO KELLY, respectivamente; lê-se na ementa doprimeiro acórdão:

"Desapropriação. Não se cumpriu o preceito constitucional que manda pagarprévia e justa indenização.

Embargos recebidos para que se proceda nova avaliação" (RTJ. 34/91).

22. Outra solução da fase inicial foi mandar indenizar com base no laudo do peritodo expropriado, o qual, apesar da sua natural suspeição, "mais se aproxima do justovalor do imóvel", como afirmou o Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA no RE 42.197, de13.06.67, RTJ. 41/752.

23. O instituto da correção monetária - verdadeiro achado brasileiro para convivercom a inflação - já se insinuava no direito positivo brasileiro, introduzido que foi pela Leinº 4.347, de 17.07.64, a qual, como não surpreendeu, veio para defender o Fisco dadesvalorização da moeda.

24. Seria, pois, natural que os credores da Fazenda passassem a advogar aaplicação, também em seu prol, da correção monetária. Repelindo uma dessastentativas, o Ministro VICTOR NUNES declarou que o princípio da correção monetáriasé fora adotado pelo legislador em favor da Fazenda Pública e não contra ela e que,por isso, não se animava a modificar a orientação que a Corte até então vinha seguindonas desapropriações (cf. ERE 51.670, de 7.12.65, RTJ. 32/484). Nesse voto concluiu:

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"O que é preciso é que o legislador estabeleça um critério prático e justo,que poderá ser, eventualmente, o da correção monetária" (RTJ. 32/485).

25. A lei reclamada, embora ainda inaplicável àquela causa, já existia. Era a Lei n°4.686, de 21.06.65, de iniciativa do Deputado GERALDO FREIRE, que acrescentou aoart. 26 da Lei de Desapropriações o seguinte parágrafo:

"Decorrido prazo superior a um ano a partir da avaliação, o Juiz ou oTribunal, antes da decisão final, determinará a correção monetária do valorapurado.

26. Essa nova lei produziu os frutos esperados e a Corte, mercê dela ou alémdela, pôde corrigir numerosas injustiças.

27. Desde logo afastou a objeção de ser inconstitucional sua aplicação aosprocessos pendentes (cf., entre numerosos outros, o RE 60.704, de 22.05.67, RTJ.41/858, relator o Ministro DJACI FALCÃO).

28. Não prosperou outra objeção de índole constitucional, consistente na falta deiniciativa do Poder Executivo, que seria necessária numa lei de aumento de despesa(RE 63.329, de 18.04.68, RTJ. 45/344, relator o Ministro EVANDRO LINS E SILVA).

29. Pretenderam ainda os zelosos agentes da Fazenda Pública que essa correçãoficasse restrita às desapropriações diretas, não abrangendo as indiretas, nas quais,paradoxalmente, o proprietário sofre a violação maior da turbação ou esbulho darespectiva posse, antes de qualquer procedimento judicial do expropriante. Nãoprevaleceu a pretendida restrição (RE 63.998, de 28.11.68, RTJ. 47/679, relator oMinistro OSWALDO TRIGUEIRO).

30. No voto proferido no RE 64.809, de 23.09.68, o Ministro VICTOR NUNESassim enunciou a posição da Corte sobre essa questão particular e anteviu a futuraorientação quanto ao tema:

"É certo que a Lei 4.686, na sua expressão literal, se limitou a alterar dispositivoda lei de desapropriação, parecendo ter ficado adstrita a esse processo especial. Naverdade, porém, estabeleceu um princípio novo que tende a ser ampliado a outroscasos em que, analogamente, a composição do dano. tenha de ser a mais justapossível" (RTJ. 47/ 135).

31. Embora o STF há muito se venha mostrando muito cioso da ortodoxia dorecurso extraordinário, o tecnicismo do prequestionamento não se exigiu para deferircorreção ao expropriado, concedendo-a até ex oficio (RE 65.671, de 2.12.68, RTJ.49/348, relator o eminente Ministro OSWALDO TRIGUEIRO).

32. A expressão "decisão final" utilizada pelo legislador foi interpretada comlargueza, acabando por alcançar qualquer fase anterior ao efetivo pagamento daindenização (RE 64.620, de 26.02.69, RTJ. 51/313, relator Ministro DJACI FALCÃO; RE66.809 e 65.329, de 05.05.69, ambos relatados pelo Ministro THEMÍSTOCLESCAVALCANTI, e muitos outros).

33. Nem o obstáculo da coisa julgada deteve a marcha progressiva do Supremo.Mesmo nos processos findos, em que a indenização foi paga com grande atraso emoeda vil, admitiu-se uma ação de ressarcimento complementar para obter a correção

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monetária (RE 65.053, de 10.06.69, relator Ministro BARROS MONTEIRO; Ag 47.040,de 14.08.69, DJ. de 26.08.69, f. 3.699, relator o Ministro LUIZ GALLOTTI; ERE 54.129,de 12.01.70, RTJ. 56/583, relator o Ministro THOMPSON FLORES).

34. Para limitar os efeitos da construção pretoriana, acudiu o legislador com a Lein°5.670, de 02.07.71, dispondo que "o cálculo da correção monetária não recairá, emqualquer caso sobre período anterior à data em que tenha entrado em vigor a lei que ainstituiu", preceito que teria expressa aplicação aos casos pendentes de liquidação, demodo a livrar as desapropriações anteriores a 1965 dos ônus da correção.

35. A reação do Supremo não se fez esperar. Malograda a tentativa de declarar ainconstitucionalidade desse novo diploma limitativo da correção, apesar dossubstanciosos votos vencidos dos Ministros LUIZ GALLOTTI, DJACI FALCÃO eALIOMAR BALEEIRO (ERE 69.304, de 24.11.71, RTJ. 61/719, relator o Ministro BILACPINTO), logo se encontrou fórmula hábil para distinguir a simples revalorização dadivida, que fica adstrita ao princípio da reserva legal, da efetiva fixação da indenizaçãode prejuízos decorrentes de fato ilícito (ação de ressarcimento complementar pelademora no pagamento de indenização por desapropriação). Esse arbitramento poderiaser feito por qualquer critério de atualização do valor, inclusive através da aplicação dacorreção monetária sem a restrição imposta pela Lei n° 5.670/71 (cf. douto voto doMinistro RODRIGUES ALCKMIN no RE 74.581, de 17.05.73).

36. Seja pela força dessa doutrina, seja pelo longo tempo já decorrido dosurgimento da Lei nº 4.686, de 1965, o certo é que a jurisprudência do primeiro decênioacabou consolidando-se na Súmula 561, que tem redação ampla:

"Em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivopagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda quepor mais de uma vez."

37. O advento da Lei nº 6.899/81, que nem todos os Juízes do Supremoconsideram aplicável às desapropriações, porque elas se regem por lei específica (Lein° 4.686/65), revigorou a jurisprudência, que, nesse tema, é, hoje plenamentesatisfatória para conjurar qualquer lesão patrimonial produzida pela desvalorização damoeda (RE 97.575, de 26.10.82, RTJ. 105/427, relator o Ministro ALFREDO BUZAID;RE 100.748, de 08.06.84, Ministro NÉRI DA SILVEIRA; RE 100.902, de 16.12.83,relator o Ministro OSCAR CORRÊA).

b) Correção nos casos de responsabilidade civil

38. Antes mesmo de introduzir a correção monetária no terreno daresponsabilidade civil, o Supremo já sentia a necessidade de adotar algum mecanismoque preservasse o poder aquisitivo da moeda da indenização. Assim, por exemplo,fixara na Súmula 490 que "a pensão correspondente à indenização oriunda deresponsabilidade civil, deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempoda sentença e ajustar-se às variações ulteriores."

39. Num de seus doutos votos, o Ministro ALIOMAR BALEEIRO chegara aantecipar que o STF nas obrigações ex delido, melhor precisando, "em todos os casosde responsabilidade civil não contratual", deveria admitir a correção monetária (ERE69.304, de 24.11.71, RTJ. 611742).

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40. A esse tempo, tinha pleno acatamento na Corte Suprema, como assevera oMinistro THOMPSON FLORES no RE 71.050, de 16.11.71, RTJ. 59/848, o principio dareserva legal em matéria de correção monetária. Referindo-se a ela, mostrava seu votoa "inviabilidade de concedê-la pela ausência de lei que a autorize" (RTJ. 59/849).

41. Desse ponto começou a jurisprudência a avançar para contemplar comacorreção a indenização por fato ilícito, de que resultou dano de natureza pessoal,esclarecendo o Ministro AMARAL SANTOS no RE 70.289, DE 18.02.71, RTJ. 571438,que, nesse caso, "o valor a cobrir é o do momento do adimplemento, razão porque adesvalorização da moeda, entre a data do evento e a do adimplemento, recomenda acorreção monetária."

42. O julgamento dos embargos no RE 71.050, mencionado no nº 40, supra,ensejou ao Ministro LUIZ GALLOTTI esta expressiva síntese da jurisprudência entãoprevalecente:

"Correção monetária. O Supremo Tribunal só a tem admitido em casos de danosde natureza pessoal ou quando a indenização tem caráter alimentar" (julgado de02.12.71).

43. Escreveu AGUIAR DIAS, em trabalho forense, que "assolado o pais pelainflação, tomou corpo o problema da atualização das dívidas de valor. Impor a suaquitação pelo valor nominal, seria carregar à parte inocente as conseqüências dadesvalorização. No que toca à responsabilidade civil, a obrigação que dela derivou, dereparar o dano, consiste em restituir o prejudicado à situação anterior ao eventodanoso. E é indiscutível mesmo para os mais caprichosos litigantes que não háreparação digna desse nome, se o prejudicado recebe menos do que corresponde aoefetivo ressarcimento, como acontece quando, no intervalo, a moeda sofreu fortedepreciação" (f. 393 dos autos do RE 73.788).

44. A inegável verdade que se contém na advertência do insigne monografista daResponsabilidade Civil acabou encontrando ressonância no Supremo Tribunal, que, porapós notáveis votos dos Ministros ALIOMAR BALEEIRO e RODRIGUES ALCKMIN,decidiu em conformidade com esta ementa, da lavra do último:

"Decisão que determina a atualização da importância dos danos, nopagamento, pela aplicação dos índices de correção monetária, por ser de valor adívida.

Para que haja completa reparação do dano, a indenização como divida devalor, deve ser atualizada com relação à data do pagamento. Entre os possíveiscritérios a serem adotados para essa atualização, o de aplicar-se índice decorreção monetária à estimativa já constante dos autos não ofende o direitofederal e pode ser utilizado.

Recurso extraordinário conhecido e não provido" (RE 79.663, de 18.09.75,RTJ. 79/515).

45. Como essa doutrina, que distinguia a dívida de valor da dívida de dinheiro,vinha ao encontro das necessidades da Corte no propósito de fazer justiça aoscredores, não demorou sua inserção na Súmula, sob o nº 562, ainda em. pleno vigor.

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"Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe aatualização de seu valor, utilizado-se, para esse fim, dentre outros critérios, osíndices de correção monetária."

46. Quando o legislador já previa várias hipóteses especificas de correçãomonetária e o STF já a assegurava para as dividas de valor (indenizações por ato ilícitode que decorresse dano pessoal ou dano material) e nas de natureza alimentar,sobreveio a Lei n° 6.899, de 08.04.81, saudada por alguns como a esperadageneralização da indispensável providência corretiva (desse teor, artigo do Dr. CARLOSA. DUNSHEE DE ABRANCHES in Jornal do Brasil).

47. Contrariando essa expectativa, o Supremo Tribunal deu à lei aplicaçãorestritiva, como se colhe destes arestos:

"Correção monetária de débito resultante de decisão judicial. A Lei nº6.899,de 08.04.81, tem aplicação aos processos pendentes, mas o cálculo da correçãomonetária não pode considerar período anterior ao início de sua vigência. Agravoregimental não provido" (ART 723-Exec. (AgRg), de 18.11.81, RTJ. 99/532; AR948-Exec. (AgRg), julgado conjuntamente, RTJ. 99/539, ambos relatados peloMinistro XAVIER DE ALBUQUERQUE).

48. Estava quase a repetir-se aqui o que ocorrera coma Lei n° 5.670/71: olegislador da correção monetária ficará aquém daquilo que a jurisprudência, mesmo naausência de lei, já pudera reconhecer. Providencialmente, a Corte, sem abjurar ainterpretação estreitíssima da Lei n° 6.899/81, evitou os efeitos mais danosos de suaaplicação, assentando pela palavra abalizada do Ministro MOREIRA ALVES, no RE99.845, de 12.04.83, RTJ. 107/424, este entendimento:

"Continua em vigor a Súmula 562, uma vez que a lei nº 6.899/81 não veioimpedir a fluência da correção monetária nos casos em que, anteriormente, já eraadmitida, mas, sim, estendê-la a hipótese a que essa correção não se aplicava(RE 97.264, 28 Turma). "

49. Feita tal abertura, a Suprema Corte pôde continuara linha evolutiva de suajurisprudência, também admitindo a correção monetária por efeito da convenção daspartes, ou para reparação de culpa por inadimplemento contratual, já que esse atoilícito relativo foi equiparado ao ato ilícito absoluto, em que já incidia a correção (cf. RE100.240, de 17.12.85, RTJ. 117/1170, relator o Ministro DJACI FALCÃO).

50. Eis alguns julgados do Supremo Tribunal, que traduzem essa caudalosa eatual jurisprudência:

a) RE 90.635, de 24.04.79, RTJ. 95/335, relator o Ministro SOARES MUNOZ:

"Responsabilidade Civil. Culpa Contratual. Correção Monetária.

- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, a princípio, distinguia, paraefeitos de correção monetária, a responsabilidade civil por ato ilícito daresponsabilidade decorrente da culpa contratual, posteriormente as equiparou, paraaquele fim, sob o fundamento matriz, consistente em que a obrigação do devedor não éa de pagar uma quantia em dinheiro, mas a de restaurar o patrimônio do credor nasituação em que se achava, anteriormente, à lesão (RTJ. 73/956 e 76/623). "

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b) RE 97.100, de 07.12.82, RTJ. 106/345, relator o Ministro ALFREDO BUZAID:

"Correção monetária. Há duas espécies de correção monetária: a) por dívida devalor decorrente de ato ilícito; b) por divida de dinheiro, instituída pela Lei n2 6.899/81.

2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que, em ato ilícitocontratual, incide a correção monetária

3. Recurso extraordinário não conhecido."

c) RE 90.638, de 17.02.81, RTJ. 97/736, relator o Ministro LEITÃO DE ABREU:

"Ato ilícito contratual. Correção monetária. Seu cabimento, à vista dajurisprudência do STF. Recurso extraordinário conhecido e provido." d) RE81.451, de 21.10.75, RTJ. 76/623, relator o Ministro BILAC PINTO:

"Ato ilícito contratual. Perdas e danos. Possibilidade de sua atualização,conforme a recente orientação do Supremo Tribunal (RE 79.663, de 18.09.75),servindo, para este fim, os índices de correção monetária.

Recurso conhecido pela letra d, porém desprovido."

e) RE 96.893, de 11.06.82, RTJ. 103/441, relator o Ministro CORDEIRO GUERRA:

"Correção na composição de perdas e danos é admissível ainda que nãopedida expressamente na inicial. Precedentes.

- RE conhecido e provido."

f) RE 97.799, de 16.11.82, RTJ. 1051439, relator o Ministro ALFREDO BUZAID:

"Correção monetária. Ocorrendo divergência manifesta com a Súmula,conhece-se do recurso extraordinário.

2. Tratando-se de indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito e nãode pagamento de dívida de dinheiro, cabe a atualização monetária de seu valor,abrangendo, outrossim, os honorários de advogado."

g) RE 100.737, de 09.12.83, Ement. 1.331-5, p. 864, relator o Ministro ALDIRPASSARINHO:

"Correção monetária. Início. Correção justificável independentemente da Lei n26.899-81.

Se, na conformidade da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e conforme oenunciado da sua Súmula 562, cabia a correção do débito, quando decorrente de atoilícito, a partir do dano, não veio a ser tal critério modificado pela Lei nº 6899-81.

A correção monetária a ser aplicada nos termos da Lei nº 6.899-81, diz respeitoàquelas hipóteses ainda não abrangidas por normas legais expressas ou pelajurisprudência já firmada, no particular, como é o caso de indenização por dano materialdecorrente de ato ilícito (Súmula 562).

Recurso conhecido e provido para que a correção monetária se faça nos termosda Súmula 562. "

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h) RE 101.452, de 13.03.84, Ement. 1.331-5, p. 939, relator o Ministro RAFAELMAYER:

"Correção monetária. Divida de valor. Lei n° 6.899/81 (inaplicação). Execução desentença.

- Confirmada pelo acórdão exeqüendo sentença de primeiro grau, datada de 1980,que concedeu correção monetária de prestações vencidas, reconhecidas como dívidade valor, pelo aspecto de ilícito contratual, descabe invocar, no recurso extraordináriosobre acórdão no processo de execução, a temática da Lei nº 6.899/81. RecursoExtraordinário não conhecido."

i) RE 103.503, de 03.12.84, RTJ. 112/923, do mesmo relator:

"Execução de obra pública. Ilícito contratual. Correção monetária.

Se a Prefeitura recusou-se a pagar a obra pública que mandou executar e recebeucomo boa, comete ilícito contratual cuja reparação reclama ampla correção monetária, apartir de quando verificado o agravo patrimonial.

- 1° Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte, não conhecido o 2°Recurso.

j) RE 96.039, de 07.05.82, RTJ. 106/702, do mesmo relator:

"Correção monetária. Pedido inicial (omissão). Culpa contratual. 1) A correçãomonetária, embora não objeto do pedido, considera-se implícito por este. 2) Osprejuízos resultantes de inadimplência contratual devem propiciar completa reparação,com atualização do valor, sob pena de descumprir-se a regra de ressarcimento integralconstante do art. 1.059 do Código Civil. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Recurso extraordinário não conhecido."

1) RE 97.013 e Ag 88.276, de 28.06.83, RTJ. 106/ 1101, relator o Ministro DÉCIOMIRANDA:

"Civil. Contrato de construção. 1) Indenização por defeitos da obra contratada.Parcial concorrência de culpas reconhecida na instância ordinária. Matéria de prova. 2)Correção monetária. Devida na composição do prejuízo resultante do inadimplementocontratual. Cálculo a partir da data do laudo."

m) RE 99.521, de 28.06.83, RTJ. 106/ 1202, relator o Ministro RAFAEL MAYER:

"Correção monetária: Responsabilidade civil. Ato ilícito. Danos materiais. Dívida devalor. Súmula 562. Lei n° 6.899/81 (inaplicação). - 1. A circunstância de a própria autorater realizado às suas custas obras de reparo do seu imóvel danificado, não transmuda oquantitativo despendido em dívida de dinheiro, pois, é dívida de valor, e, como tal, deveser atualizado com relação à data do pagamento, para que haja completa reparação dodano. 2. A correção monetária, advinda com a Lei nº 6.899/81, com abragênciaindiscriminada das dívidas de dinheiro ajuizadas, não infirma a construçãojurisprudencial da atualização monetária, no sentido amplo, da dívida de valor, a qualtem a significação jurídica de propiciar a completa reparação do desfalque patrimonialresultante do ato ilícito. - Recurso conhecido e provido."

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n) RE 101.259, de 08.05.84, RTJ. 111/801, relator o Ministro FRANCISCOREZEK:

"(...) Se a dívida é de valor, cabe a correção monetária, se requerida, mesmo emrelação a período anterior à Lei nº 6.899/81: '

o) RE 102.056, de 23.11.84, RTJ. 117/239, relator o Ministro NÉRI DA SILVEIRA:

"Correção monetária. Indenização por ilícito contratual. A correção monetáriadeve, nesse caso, incidir, a partir do ato ilícito, que origina a rescisão contratual. Súmula562. Precedentes do STF. Hipótese em que a correção monetária é devida, não emvirtude da superveniência da Lei nº 6.899/81, que não se aplica ao caso. Recursoextraordinário conhecido e provido, para assegurar a correção monetária do valor daindenização, desde o ato ilícito e não somente a contar da vigência da Lei nº 6.899/81 ".

51. Face ao exposto, pode-se dizer, em abreviado, que a Corte Suprema fazincidir a correção monetária nas chamadas dívidas de valor e nas dívidas de dinheiro,observando quanto a estas últimas os estritos termos da Lei nº 6.899/81.

52. Antes de finalizar este tópico, observo que a legislação pertinente ao PlanoCruzado, introduzida pelo Decreto-lei nº 2.284, de 10.03.86, teve o propósito de debelaro mal da inflação e de eliminar a correção monetária das dívidas, tanto que seu art. 7°proibiu a convenção sobre reajuste monetário. Esta norma, contudo, depois de alteradapelos subseqüentes Decretos-leis (2.288, de 23-07-86, e 2.289, de 09.09.86), veio a serrevogada pelo Decreto-lei nº 2.290, de 21.11.86, que virtualmente reconduziu aeconomia nacional ao status quo ante, dominado pela realidade da inflação. Em virtudede sua efêmera vigência, não teve essa norma restritiva maiores reflexos najurisprudência da correção monetária.

c) Correção de estipêndios?

53. Ficou realçado que a despesa sob meu exame diz respeito a diferenças deestipêndios que a Administração pagou com atraso a seus servidores, porqueresultaram de alteração de critérios administrativos na interpretação da conhecida Leidos Quintos. Essa obrigação, ademais, não resultou de decisão judicial, mas foiespontaneamente solvida pelo Distrito Federal.

54. Penso que se trata, portanto, de dívida de dinheiro e, não, de dívida de valor, eque, como dívida de dinheiro, a espécie não se enquadra na Lei nº 6.899/81 nem édaquelas às quais a jurisprudência do STF vem prodigalizando o favor da correçãomonetária.

55. Para exemplificar, invoco alguns padrões:

a) RE 93.903, de 02.02.82, RTJ. 101/359, relator o Ministro DÉCIO MIRANDA -negou a correção monetária em caso de estipêndios de servidores públicos, pedida porefeito da consideração de que "os vencimentos e os salários têm privilégio de verbadestinada a alimentos", e esclareceu que a correção só poderia ser alcançada naexecução, segundo os estritos termos da Lei nº 6.899/81; b) RE 97.526, de 12.11.82,RTJ. 104/435, do mesmo relator:

"Correção monetária. Deferida correção monetária sobre diferença de estipêndiosde funcionário público, e feita incidir relativamente a período anterior à vigência da Lei

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nº 6.899, de 08.04.81, neste ponto contrariou-se o art. 153, § 3°, da Constituição,segundo tem afirmado o Tribunal em firme jurisprudência (v.g., Ag. Reg. na AR 948,Pleno de 09.09.81);"

c) RE 98.404, de 19.11.82, RTJ. 104/1279, relator o Ministro RAFAEL MAYER:

"Dívida do Estado por vencimentos. Execução. Correção monetária. Incidência daLei n° 6.899/81. A Lei nº 6.899/81 tem aplicação imediata aos feitos pendentes,inclusive na fase de execução, devendo a correção ser calculada a partir da vigência danorma, sem retroação. Recurso extraordinário conhecido e provido em parte;"

d) RE 100.993, de 18.11.83, RTJ. 109/1250, relator o Ministro DJACI FALCÃO -num caso em que magistrados paulistas objetivavam o recálculo de seus vencimentos,negou-se a retroação da Lei n° 6.899/81;

e) RE 100.963, de 06.04.83, RTJ. 112/389, relator o Ministro ALDIRPASSARINHO - a correção de gratificação incorporada a vencimentos de policial militarfoi dada nestes termos:

"Se a hipótese é daquelas em que a correção monetária é devida apenasem razão do advento da Lei nº 6.899, de 8 de abril de 1981, deve ela incidir apartir somente da vigência desse diploma legal e não de data anterior";

f) RE 99.746, de 23.08.83, RTJ 113/1241, relator o Ministro NÉRI DA SILVEIRA -em ação de Procuradores do Estado de São Paulo para pleitear adicionais egratificação de sexta parte, afirmou o acórdão que a correção não era devida antes daLei n2 6.899/81;

g) RE 100.317, de 06.04.83, RTJ. 114/1139, relator o Ministro ALFREDO BUZAID- caso análogo ao anterior de Promotor Público de São Paulo, visando a diferenças devantagens funcionais;

h) RE 110.843, de 10.02.87, RTJ. 120/1331, relator o Ministro CARLOS MADEIRA- negou a proventos militares o benefício da correção monetária conforme a Súmula562.

56. Todos esses julgados reafirmaram que as dívidas de dinheiro, como asdiferenças de estipêndios em tela, só merecem a correção monetária de acordo com aLei n° 6.899/81, que, a toda evidência, não se aplica ao caso vertente, em relação aoqual a orientação dominante no STF, ao que penso, não tolera aplicação daquelecritério de atualização de dívida.

57. Não quero concluir esse parecer sem mencionar que é possível encontraralguns casos que já vão assimilando benefícios previdenciários, proventos deaposentado e outras vantagens a dívidas de valor ou a prestações de naturezaalimentar, para o efeito de assegurar-lhes correção monetária mais benéfica do que acontemplada na Lei nº6.899/81. Desse teor, posso lembrar os seguintes:

- RE 94.583, de 21.09.82, RTJ. 103/332, relator o Ministro OSCAR CORRÊA(aposentadoria previdenciária por invalidez, com aplicação subsidiária do Decreto-lei nº75/66);

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- RE 95.386, de 19.11.82, RTJ. 104/1191, do mesmo relator (auxílio-doença -correção concedida pela mesma construção);

- RE 100.719, de 02.05.84, RTJ 109/797, relator o Ministro DJACI FALCÃO(complementação de pensão da FEPASA, em que foi acentuado o caráter nitidamentealimentar da dívida e aplicado o subsídio do DL. 75/66);

- RE 94.798, de 21.09.82, RTJ. 108/ 1159, relator o Ministro NÉRI DA SILVEIRA(benefícios previdenciários negados pela autarquia ao segurado, mas reconhecidospela decisão com correção monetária como critério de atualização da dívida);

- RE 107.974, de 22.04.86, RTJ. 117/ 1335, relator o Ministro OCTÁVIOGALLOTT1 ("Proventos de aposentadoria. Correção monetária incidente em períodoanterior ao da vigência da Lei n° 6.899/81, mas justificada pela configuração da dívidade valor, de natureza alimentar. Precedentes do Supremo Tribunal" - os precedentescitados são os REs 97.149, 95.017 e 97.639);

- RE 93.654, de 13.02.81, RTJ. 101/1214, relator o Ministro CUNHA PEIXOTO("Reintegração de funcionário. Aplicação da correção monetária, por se tratar dereposição de soldo, equiparável a alimentos. Recurso extraordinário conhecido maisimprovido").

58. Esses prestigiosos precedentes, que, a meu ver, não podem ter o condão dejustificar a despesa impugnada neste parecer, já que não versam hipótesesperfeitamente idênticas à presente, deixam claro que continua válida a afirmação que onotável Ministro ALIOMAR BALEEIRO fez em 1975, ao votar no RE 79.663:

"A correção monetária é uma construção judiciária em evolução ainda nãoacabada" (RTJ. 79/517).

59. No entanto, se ao Ministério Público, como custos lenis, cabe velar pelaaplicação das leis, a tarefa de aprimorá-Ias, para que melhor realizem o ideal deJustiça, deve ser do legislador e do Juiz. Se o primeiro ainda não generalizou acorreção monetária, como está a impor a inflação de 400% que hoje assola o País, e oSupremo Tribunal ainda não concluiu seguramente a construção pretoriana, que vemedificando a longo dos últimos 30 anos, não posso admitir que esta obra seja terminadapelos ilustres Procuradores do Distrito Federal, que emitiram os substanciosospareceres existentes nos autos.

V

60. Em suma, opino pela recusa de aprovação aos atos de despesa em causa, porme parecer indevida a inclusão de juros moratórios e de correção monetária em dívidade dinheiro que o Distrito Federal espontaneamente reconheceu e pagou.

___________________PROCESSO Nº 352188 - 13-04-88.PARECER N° 125/88.

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RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. CELETISTA DOTCDF. "LEGITIMATIO AD CAUSAM E AD

PROCESSUM".

JOSÉ GUILHERME VILLELA

O TCDF, como empregador, possui, não só legitimidade ad causam passiva parareclamação trabalhista de ex-empregado celetista, como também legitimado adprocessum para defender-se, por si mesmo, perante a Justiça do Trabalho.

PARECER

Discute-se neste processo acerca da legitimidade ad processum em reclamaçãotrabalhista requerida por ex-servidor celetista contra este Tribunal.

2. De conformidade com antiga orientação baseada em douto parecer daeminente Procuradora-Geral ÉLVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO (f. 109/114),vinha esta Corte respondendo, por si mesma, às reclamações trabalhistas de seusempregados, conquanto não seja o Tribunal órgão dotado de personalidade jurídica.

3. Sustenta, no entanto, a ilustre Consultora Jurídica ELZA DA SILVAGUIMARAES que falta à Corte, não a legitimado ad causam sobre que discorreu oreferido parecer da Procuradoria-Geral, mas a legitimidade ad processum, porquanto,não tendo personalidade jurídica, falece ao Tribunal capacidade para defender-se nojuízo trabalhista, a qual seria dos Procuradores do Distrito Federal, no art. 12 do Códigode Processo Civil. Eis a passagem dominante da fundamentação da douta Consultoria:

"Entendemos que, em casos específicos de questões trabalhistas, uma vezque o Tribunal é o empregador a legidmatio ad causam é pacífica, na medida emque pode designar um preposto para ir ajuízo contestar a ação. Poderia atémesmo prescindir de advogado. Basta que o preposto conheça os fatos. Todavia,

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não possuindo o Tribunal de Contas personalidade jurídica, sua representação éda pessoa jurídica de direito público interno de que faz parte: o Distrito Federal."

4. Em face da divergência entre os aludidos pareceres, solicita o eminentePresidente JOEL FERREIRA DA SILVA novo pronunciamento da Procuradoria, para oqual me foi dada vista dos autos.

5. Em princípio, o empregador é a pessoa natural ou jurídica que utiliza, dirige eassalaria os serviços de outrem, em virtude do contrato de trabalho. Mas, aoestabelecer tal conceito de empregador, deixou bem claro a CLT, no § 1° de seu art. 2°,que se equiparam ao empregador, para os efeitos da relação de emprego, profissionaisliberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outrasinstituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. Essaenumeração não é taxativa, mas meramente exemplificativa, porque abrange outrasfiguras como as sociedades de fato, os condomínios, os consórcios e outras similares,valendo acentuar que assim na doutrina como na jurisprudência se vem manifestandonítida tendência pela despersonalização do empregador.

6. Se assim é, no plano das relações privadas, com maior razão há de ser em faceda Administração Pública, por se haver generalizado, nesta última, a prática daadmissão de empregados sob regime trabalhista, tanto por entes personalizados,quanto por órgãos ou repartições não personalizados, a ponto de se ter incorporado aojargão administrativo o neologismo servidor celetista, expressão hoje tão em vogaquanto aquela que seria peculiar ao serviço público (servidor estatutário).

7. Mantendo empregados sob o regime trabalhista, este Tribunal não consagraqualquer novidade, já que simplesmente adere à praxe dos diversos Tribunais, dosMinistérios, dos estabelecimentos militares e de tantos outros órgãos administrativosnão personalizados, que se valem de mais ou menos extensas tabelas de celetistas,como é notório.

8. Se a relação jurídica é sempre intersubjetiva, por enlaçar uma pessoa a outrapessoa, isto é, um sujeito ativo a um sujeito passivo, não se pode excluir o DistritoFederal - pessoa de direito público a que se vincula o TCDF - de responsabilidade pelocontrato de trabalho ajustado diretamente com a Corte. Seguindo essa doutrina, aliás,já conceituei como tempo de serviço público federal o prestado ao chamadoReembolsável do Ministério da Aeronáutica, como expressei na ementa de parecerperante o Tribunal, verbis:

"Não sendo órgão dotado de personalidade jurídica, o Reembolsável daAeronáutica se insere na administração direta da União, devendo ser qualificado comotempo de serviço público federal o prestado ao órgão por servidor submetido ao regimetrabalhista" (RTCDF, vol. 11, p. 153).

9. Se o Tribunal, como tantos outros órgãos administrativos não personalizados,se utiliza de celetistas, não pode, por certo, quando demandado por um deles naJustiça do Trabalho, excluir-se da relação processual, pois, na pior hipótese, estáequiparado ao empregador nos termos do citado art. 2°, § 1°, da Consolidação.

10. A ilustre Dra. Consultora Jurídica não nega ao Tribunal a qualidade deempregador, não lhe recusando a titularidade passiva da ação ou a legitimado ad

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causam. Pretende apenas faltar-lhe a legitimatio ad processum, que pertenceria aosrepresentantes da pessoa jurídica envolvida, isto é, aos Procuradores do DistritoFederal, de acordo com o art. 12 do Código de Processo Civil.

11. Assim não me parece, data venia. É que, embora seja aquele diploma direitosubsidiário em tema de processo trabalhista (CLT, art. 769), a legitimação para areclamação trabalhista é norma especifica da legislação consolidada, como se colhe doart. 791, que é deste teor:

"Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmenteperante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.

§ 1º - Nos dissídios individuais os empregados e empregadores poderãofazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ouprovisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 2° - Nos dissídios coletivos é facultada aos interessados a assistência poradvogado."

12. Se não é possível negar ao TCDF a condição de empregador, mesmo àmingua de personalidade jurídica própria, não se me afigura legitimo recusar-lhecapacidade processual para defender-se em reclamação trabalhista, seja por seuPresidente, seja por preposto credenciado, seja até mesmo por advogadoespecialmente constituído para isso. A eminente titular desta Procuradoria-Geralafirmou, com a acuidade costumeira, que seria absurdo

"admitir-se que o Tribunal possa, pela autonomia de que goza, contratarempregados, pagar-lhes salários, dirigir-lhes a prestação de serviço, demiti-los e talvezaté sonegar-lhes direitos e não possa, por si só, ser parte em processo, ativa oupassivamente. Além do mais, nenhum dos advogados do Distrito Federal estaria tãobem informado sobre os fatos argüidos quanto os servidores da Corte a quem estãoafetos as questões do seu pessoal (f. 112)".

13. Nada tenho a acrescentar às lúcidas considerações do aludido parecer daProcuradoria-Geral, as quais, por amor à brevidade, incorporo ao presentepronunciamento.

14. Em suma, ao que penso, o TCDF, como empregador, além de legitimidade adcausam passiva para reclamação trabalhista de ex-empregado celetista, possui tambémlegitimatio ad processum para defender-se, por si mesmo, perante a Justiça doTrabalho, pois esta última é reconhecida a qualquer empregador, ainda quando nãoseja ente personalizado (CLT, art. 791).

____________________PROCESSO N° 1.461/87-26-08-87.

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ANULAÇÃO DE ATO DE EXONERAÇÃO, SEGUIDODE APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

1. Averbação de tempo de serviço estadual, contadosegundo critérios mais favoráveis que os da lei federal. O novotratamento da matéria na Constituição de 1967: injuricidade daampliação de garantias administrativas federais.

2. O vínculo funcional como condição da aposentadoriavoluntária. A hipótese diversa da inativação compulsória.

3. Direito adquirido e seu exercício. O pedido de exoneraçãoimporta na renúncia ao cargo público e aos direitos a ele inerentes.

4. Pressuposto essencial da anulação: a ilegalidade, formalou material, do ato administrativo que dela seja objeto.

5. Revogação. Razões de mérito que a informam. Seu alvonatural: os atos discricionários.

6. Revogação fundada em razões de justiça e eqüidade.Eficácia não-retroativa do ato revocatório.

7. Falta de amparo jurídico, quer para a anulação daexoneração do servidor de cuja aposentadoria se trata, quer dasubseqüente concessão de sua aposentadoria por tempo deserviço.

PARECER

I - Os Temas em Discussão

Duas questões jurídicas principais subordinam a solução a ser dada àaposentadoria do ex-Excrivão de Polícia do Quadro de Pessoal do Distrito, JoséBalduíno Filho.

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2. Primeiramente, importa indagar se, nos termos do ordenamento ejurisprudência vigentes, poderia ser concedida a aposentadoria por tempo de serviçoque requereu. Depois, é necessário examinar se a exoneração, que livremente pediu eregularmente lhe foi deferida, operou, ou não, a extinção de seu direito à inativação.Ambas as questões suscitam, nos autos, opiniões divergentes. Quanto à segunda,diverge-se ex-pressamente. Já a primeira, inicialmente objeto de dúvidas, acabouesquecida, não havendo os órgãos próprios da Administração sobre ela se manifestadoconclusivamente.

II - O tempo de Serviço Prestado ao Estado de Minas Gerais

3. Segundo a certidão de fls. 16/17v., averbou o servidor, além de 4.585 dias deserviço, mais 2.824 dias de um abono contemplado em diversas leis do Estado deMinas Gerais. Dos dias computados, a título de abono, 722 dias o foram com apoio nasLeis n°s 1.232/55 e 1.523/56. Os restantes 2.102 dias encontram respaldo no quedispõe a Lei estadual n° 5.140, de 13 de dezembro de 1968.

4. A análise desse tempo, à conta de abono assegurado em lei estadual,reveste-se de máxima importância, dado que, consoante a jurisprudência firme epacífica do Supremo Tribunal Federal, passou a ser inconstitucional, desde osurgimento da Constituição de 1967, a regra de direito estadual que objetiva aampliação de garantias do direito administrativo federal. É que o Art. 13, V, da Carta de1967 tornou obrigatórias para os Estados-membros "as normas relativas aosfuncionários públicos federais". Este tópico do voto proferido pelo preclaro MinistroThemístocles Cavalcante, no julgamento da Representação n° 754 daProcuradoria-Geral da República, bem resume o entendimento da Corte Suprema:

"Os Estados não podem, assim, pela Constituição do Brasil, alterar oslimites de aposentadoria, nem estabelecer normas relativas ao funcionalismo quevenham ferir os dispositivos federais".

5. Quanto ao tempo averbado com fundamento em leis estaduais anteriores àConstituição de 1967, será de admitir sua contagem, por reconhecer-se, sempre comrespaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que há, no caso, direitoadquirido ao cômputo do tempo de serviço na forma da lei vigente à época em que foiprestado. Tal seria o caso das Leis n°s 1.232/55 e 1.523/56, acima citadas, as quais, noentanto, não garantem ao interessado senão um abono correspondente a 722 dias.

6. No atinente aos outros 2.102 dias, cuja contagem se fez ao abrigo da Lei n°5.140/68, a situação é induvidosa: sendo tal lei estadual incompatível com o Art. 13, V,da Constituição de 1967, já que, na esfera da União inexiste vantagem homóloga,impõe-se claramente a glosa desse tempo.

7. Infere-se daí que, no momento da exoneração, contava o então servidor,tão-somente, 12.459 dias de serviço, tempo insuficiente, mesmo com o arredondamentodo art. 79, § 2°, do Estatuto, para a aposentadoria voluntária que pretendia.

III - O Vinculo Estatutário como Pressuposto da Aposentadoria Voluntária

8. A outra questão jurídica a perquirir é a da possibilidade de aposentar-se quemdeixou de ser funcionário público com exoneração a pedido. Haverá direito adquirido àinativação, com base na realização dos pressupostos legais, ou a quebra do vínculo

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estatutário com o Serviço Público prejudicará esse direito? Parece-me aí imperiosodistinguir entre as diversas espécies de inativação, segundo o caráter constitutivo oudeclaratório do ato de aposentadoria.

9. Como se sabe, somente na hipótese de aposentadoria compulsória, porimplemento de idade, assume o ato feição declaratória. Aqui, manda a Lei, o direito aaposentadoria constitui-se automaticamente no dia em que o servidor perfaz aidade-limite para a permanência no serviço ativo. Em todos os demais casos, tanto deaposentadoria por invalidez, como a pedido, mostra-se imprescindível ato expresso,específico, da Administração, para reconhecer e constituir o direito de o servidordesligar-se da função pública. O funcionário está mesmo obrigado a permanecer noexercício do cargo, ressalvados naturalmente os afastamentos legais, até que ainativação venha a ser decretada. Sob pena de incidir em abandono do cargo, faltaadministrativa grave, sujeita à pena de demissão, está o aposentado obrigado aaguardar em exercício a concessão de seu pedido de inativação.

10. Tanto assim é que, no caso da compulsória, é a própria lei que a reconhececomo automática, a ser apenas declarada pelo ato administrativo e com efeitos a partirdo dia subseqüente àquele em que o funcionário completou a idade-limite (cf. art. 187do Estatuto).

11. Também somente para esse caso, explicitava a redação original do art. 187 oafastamento do cargo, quando houvesse retardamento no decreto declaratório daaposentadoria (art. 187 do Estatuto, redação original).

12. Infere-se, portanto, que o aperfeiçoamento da aposentadoria voluntária emapreço dependia de ato formal da Administração, do qual era pressuposto essencial.

13. Certo é que quando o servidor preenche os pressupostos legais daaposentadoria, a sua abstrata expectativa de direito vem a concretizar-se num direitoadquirido, contra o Poder Público, vale dizer, imune à força do ato administrativo e até àda lei nova pela qual se manifeste a vontade do Estado.

14. Essa transformação de um direito potencial em atual não obsta, todavia, queesse direito, embora integrado ao patrimônio jurídico do funcionário, deixe de ser porele exercido, ou venha a ser objeto de renúncia.

15. No caso dos autos, o servidor, que já requerera, desde 4 de abril de 1975, aaposentadoria a que julgava fazer jus, decidiu, inopinadamente, em 22/05/79, pedirexoneração do cargo que ocupava, para o que apresentou os requerimentos de fls. 92e 93, acompanhados da devida declaração de bens. O seu desligamento voluntário doServiço Público foi concedido, tal como solicitara, a partir de 1º de setembro do mesmoano, pelo decreto de fls. 99.

16. Esse pedido de exoneração representou, a meu juízo, insofismável, emboraindireta, renúncia ao direito à aposentadoria que o servidor pensava haver adquiridopela prestação de trinta e cinco anos de serviço público.

17. Ainda que, todavia, se pretenda discutir os efeitos de tal renúncia, parasustentar que a exoneração não prejudicaria seu direito adquirido à inativação,continuará esta aposentadoria a carecer de amparo legal, porque, afinal, o direito do

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funcionário, in casu, não chegou sequer a nascer, por não ter ele cumprido o tempomínimo de serviço exigido em lei para a inativação voluntária.

18. O retardamento do ato de aposentadoria deveu-se, no caso em apreço,incerteza da Administração quanto à efetiva ocorrência dos pressupostos em que sebaseava o requerimento do servidor. É que, nos termos da jurisprudência predominanteno regime da Constituição de 1946 - quando foi prestada uma parcela do tempo deserviço que se pretendia fosse contado com respaldo em critérios mais favoráveis dalegislação do Estado de Minas Gerais -, cabia ao funcionário interessado carrear aosautos a prova de seu direito, com a apresentação das leis estaduais que oasseguravam.

IV - Exoneração do Servidor: Possibilidade de Revogá-la

19. Muito impressiona, porém, que um funcionário público, depois de cumprir maisde trinta e quatro anos de serviço, se veja, de todo em todo, privado - e definitivamente- do direito à aposentadoria e à percepção dos proventos.

20. Lamentando essa situação e buscando tornar juridicamente factível a expressaintenção da Administração de recebê-lo de volta em seus quadros para cumprir o poucotempo que lhe faltaria para aposentar-se, detive-me na hipótese da revogação do atoque o exonerou, visto que, ante sua indiscutível juridicidade, não havia, em absoluto,fundamento para anulá-lo, como se intentou fazê-lo pela portaria de fls. 120: o ato deexoneração, baixado na forma da lei, por autoridade competente, mediante regularpedido do interessado, foi válido e eficaz sob o prisma do Direito, não se ressentindo devício de fundo, finalidade ou forma a ser atacado pela anulação.

21. No tocante à alternativa da revogação, os reparos já não seriam absolutosnem irremovíveis. Em tese, os atos administrativos em geral são passíveis derevogação, sempre que à autoridade administrativa competente para praticá-los pareçaoportuno e conveniente desfazê-los ou cassar-lhes os efeitos jurídicos. Ao contrário daanulação, a revogação tem por objeto ato juridicamente válido, cuja formação eaperfeiçoamento se tenham dado regularmente, vale dizer, com integral observânciadas exigências da Lei.

22. A decisão adminstrativa que produz a revogação está sempre informada pelaschamadas "razões de mérito" e acarreta efeitos ex tunc, a partir da data da revogação,portanto.

23. Cumpre esclarecer que o alvo ideal da revogação são os atospredominantemente discricionários, aqueles em que a Lei confere ao Poder Públicomargem, maior ou menor, para o exercício de um juízo de valor, ou seja, em que atribuiao agente a capacidade de discernir e escolher entre condutas diversas aquela que, nacircunstância do caso concreto, melhor condiga com a realização do interesse público,da política administrativa e até dos ideais de justiça e eqüidade, de que não deveapartar-se jamais a atividade da Administração.

24. Nos atos oriundos dos poderes vinculados, a lei estabelece, de antemão, osprocedimentos administrativos a que está a autoridade adstrita para a realização dosfins públicos.

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25. É de assinalar, no entanto, que, bem observadas, nenhuma dessas categoriasassume as características definidas e absolutas que, à primeira vista, parecem possuir.O conceituado CAIO TÁCITO, assim dilucida o tema:

"Não há, rigorosamente, nenhum ato totalmente vinculado ou totalmentediscricionário. Existem matizes de predominância, mais ou menos acentuadas, dandorelevo à parte livre ou à subordinada da manifestação administrativa" ... (DireitoAdministrativo - Edição de 1975 - pág. 65)

26. Venha à colação o preciso ensinamento de Marcello Caetano, segundo o qual,a "discricionaridade de certos poderes conferidos por lei aos órgãos da Administraçãotraduz o reconhecimento pelo legislador da impossibilidade de prever na norma toda ariqueza e variedade das circunstâncias em que o órgão pode ser chamado a intervir edas soluções mais convenientes consoante os casos. O legislador deixa, pois, em maiorou menor grau, a quem tiver de aplicar a lei, liberdade para encontrar a melhor soluçãopara cada caso concreto, considerando-a legal desde que preencha o fim de interessepúblico que se pretende realizar" (Manual de Direito Administrativo - 8á Edição - pág.207).

27. Após exaustiva análise das hipóteses em que tem lugar a revogação, o grandepublicista português focaliza seus efeitos e preleciona:

"Quando o ato administrativo praticado de harmonia com a lei seja revogadoapenas por sua subsistência não convir à Administração, ou por não se reputarjusto ou oportuno, há que respeitar os efeitos produzidos no intervalo entre osdois momentos - o da prática do ato e o da sua revogação: os efeitos darevogação produzem-se unicamente ex nunc, há revogação extintiva" (Obracitada, pág. 494).

28. Esse pensamento corrobora, de um lado, a possibilidade de fundar-se arevogação em abstratas razões de justiça, de outro, a conclusão de que, no caso dosautos, a eficácia do ato revocatório não retroagirá à data em que a Administraçãovalidamente concedeu ao servidor a exoneração que pedira.

V - Conclusões

29. À vista dessas longas considerações, que a meu ver se faziam necessáriaspela absoluta excepcionalidade do caso em estudo, tem cabimento a conclusão de que,não havendo, como não há, fundamento jurídico para reconhecer a legalidade, nem dodecreto de fls. 120, que visou operar a anulação do ato de exoneração, nem, tampouco,da concessão de aposentadoria ora submetida ao julgamento do Tribunal, poder-se-iaadmitir - como forma juridicamente razoável de, ao menos em parte, viabilizar osobjetivos colimador pela Administração quando da prática dos atos ora impugnados -uma solução intermediária que passasse pela revogação com efeitos ex nunc do ato deexoneração, com o conseqüente retorno do ex-funcionário à atividade para completar otempo de serviço indispensável a aposentar-se.

30. É o parecer.

__________________PROCESSO Nº 1.477/87-31-08-87.

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MAJORAÇÃO DE PROVENTOS DE MILITAR COMMAIS DE TRINTA E CINCO ANOS DE SERVIÇO EPORTADOR DE INCAPACIDADE DEFINITIVA E

QUALIFICADA

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

1. Comunica-se à regra acessória expressa no parágrafo único do art. 143 da Leinº 6.023/74 o caráter especial da norma inscrita no caput do mesmo artigo.

2. As leis e normas especiais têm eficácia restrita aos casos e pessoas que seuenunciado explicita.

3. Não há, pois, cogitar da aplicação dos mandamentos contidos no citado art. 143e seu parágrafo senão aos policiais militares que participaram de operações de guerraou do combate à Revolução Comunista de 1935. Conseqüente inaplicabilidade dessespreceitos a casos gerais, como o que se focaliza nos autos.

4. Pacífico, no âmbito federal, o entendimento favorável à cumulatividade debenefícios homólogos aos estatuídos nos arts. 50, II, e 105, § 1°, da Lei n° 6.023/74.

5. O comando jurídico do § 4° do art. 110 da Lei nº 6.880/80 passou a,expressamente, garantir a percepção simultânea de ambas essas vantagens aosmilitares da União - direito esse também agora explicito, para a Polícia Militar local, nosarts. 98, §§ 4° e 5º, da Lei nº 7.289/84, e para o Corpo de Bombeiros, nos §§ 4° e 5º daLei nº 7.479/86.

6. Juridicamente razoável a concessão do duplo benefício, contanto que diversosos títulos a que sejam devidos e limitados, em qualquer caso, o acréscimo dosproventos à remuneração correspondente a, no máximo, dois graus hierárquicos,mesmo se diferentes os motivos da majoração.

PARECER

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal - v. 15.

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A dificuldade jurídica em torno da qual se vêm dividindo as opiniões nestes autosdiz com a cumulatividade, ou não, das vantagens asseguradas aos policiais militaresnos arts. 50, II, e 105, § 1°, da Lei n° 6.023/74.

2. O citado art. 50, inciso II, garante ao oficial que passe para a inatividade commais de trinta e cinco anos de serviço a percepção da remuneração correspondente aograu hierárquico superior; já o preceito do art. 105, § 1º, manda, também, reformar coma remuneração correspondente ao soldo do grau hierárquico imediato ao que possuirna ativa o policial militar, da ativa, definitivamente incapaz em conseqüência deacidente em serviço, doença decorrente às condições inerentes ao serviço, ou moléstiagrave especificada em lei.

3. Trouxe ainda a Inspetoria à colação o parágrafo único do art. 143 da mesma Leinº 6.023/74, onde se proíbe que a remuneração da inatividade, assegurada no caput doartigo, venha a exceder a que caberia ao Policial Militar "se fosse promovido até 2 (dois)graus hierárquicos acima daquele que tiver por ocasião do processamento de suatransferência para a reserva ou reformado" (sic).

4. Ora, observe-se estar essa regra inscrita num parágrafo do artigo regente dasituação de militares que participaram de operações de guerra ou do combate àRevolução Comunista de 1935 (Leis n°s 288/48; 616/49; 1.156/50 e 1.267/50), motivopor que assume o mesmo e indiscutível caráter de disposição especial que se devereconhecer ao caput do artigo a que pertence. Seu campo de atuação não ultrapassará,pois, o da inativação dos militares beneficiados por qualquer dessas leis especiais.

5. Estará, então, dirimida a dúvida? Creio que ainda não; tanto mais quando, pudeinformar-me, o deferimento cumulativo dessas duas vantagens foi semprepacificamente aceito no âmbito do Estado Maior das Forças Armadas e do EgrégioTribunal de Contas da União com relação aos militares federais, cujos estatuto e lei deinatividade vêm sendo, desde sempre, o modelo legal da legislação dos militares doDistrito Federal.

6. Conferindo as leis reguladoras da reforma dos militares da União, verifico que odisciplinarnento expresso da questão que nos ocupa veio a ser objeto de preceitoinserido no Estatuto dos Militares com a edição da Lei nº 6.880/80, no § 4° do art. 110:

O direito do militar previsto no art. 50, item II, (percepção de remuneraçãocorrespondente ao grau hierárquico superior), independerá de qualquer dos benefíciosreferidos no caput e no § 1° deste artigo (caso de incapacidade qualificada), ressalvadoo disposto no parágrafo único do art. 152 (benefícios decorrentes de leis especiais elimitação à remuneração de até dois graus hierárquicos).

7. Idêntica disposição só veio a ser contemplada, na esfera local, com a Lei n°7.289/ 84 - art. 98, § § 4° e 5° - Polícia Militar - e a Lei nº 7.479/86 (art. 99, § § 4° e 5°) -Corpo de Bombeiros.

8. É de indagar se, no regime das Leis n°s 6.022/74 e 5:023/74, quandoverificados, concorrentemente, ambos os pressupostos fáticos dessas vantagens - osmais de trinta e cinco anos de serviço e invalidez qualificada - será juridicamenterazoável a concessão dos dois benefícios.

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9. Estou inclinado a crer que sim, notadamente em face da mansa jurisprudênciado Tribunal de Contas da União, onde se terão registrado seguramente algumascentenas de casos da espécie, e, também, pelo aclaramento definitivo do tema a partirda Lei n° 6.880/ 80.

10. De qualquer forma, há que observar os contingenciamentos explicitados novoto do eminente Conselheiro Rogério Nunes, com apoio em parecer daConsultoria-Geral da República, da lavra do insigne Ministro Victor Nunes Leal, entãoConsultor-Geral, e da Súmula nº 51 do Supremo Tribunal Federal, a saber: somenteserá admissível a cumulação de benefícios fundados em títulos jurídicos diversos e, emnenhuma hipótese, haverá o direito, na passagem para a inatividade, à elevação demais de dois graus hierárquicos, ainda que por motivos diversos.

_________________PROCESSO N° 743/77 - 30-03-87.

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PENSAO ESPECIAL

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

1. Comprovação dos requisitos indicados na Lei n° 6.782/80.

2. A morte do servidor estabelece presunção jurídicaabsoluta quanto à gravidade da moléstia ou lesão que o vitimou.

3. Exegese possível da regra contida no art. 1º da Lei nº6.782/80 em combinação com a do art. 242 do Estatuto.

4. Legalidade do ato.

PARECER

Está em exame a pensão especial concedida à família do ex-servidor, GenuínoPedro de Oliveira, conforme o que preceitua o art. 242 do Estatuto, em combinaçãocom o teor do art. 1º da Lei nº 6.782/80.

2. Produziu-se prova satisfatória de que a morte do funcionário instituidor dapensão resultou de moléstia grave, especificada na lei, (cf. documentos de fls. 4, 20/21e 27/27v.). Encontro também comprovados os demais requisitos juridicamente exigíveispara o deferimento desse benefício.

3. Pretender distinguir os servidores falecidos em duas categorias, segundo agravidade da moléstia que os vitimou, é despropósito e iniqüidade tão manifestos queeste Ministério Público, sabiamente acompanhado pelo Tribunal, tem adotado critérios,os mais brandos e flexíveis, no exame da prova fática que a lei requer para essahipótese de concessão da pensão especial.

4. Embora induvidoso que somente a lei pode indicar as moléstias que - noestágio atual dos conhecimentos médico-científicos - apresentam gravidade extrema, aponto de justificar a aposentadoria com proventos integrais, contrariaria a lógica e omais comezinho bom-senso fazer valer tal exigência no tocante às pensões especiaisfundamentadas na morte do servidor - fato que, por si só, estabelece, sob o prisma

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jurídico, inarredável e absoluta presunção quanto à gravidade, máxima, da enfermidadeou lesão que o atingiu, a ponto de tirar-lhe a vida.

5. A regra de direito precisa ser interpretada de modo que dela se possa extrairum comando juridicamente razoável, não sendo jamais de admitir que nela se contenhaa incongruência, o disparate, o absurdo.

6. É de todo óbvio que nenhuma moléstia ou lesão, cardíaca, cerebral ou dosistema de coordenação motora, exempli grada, pode reputar-se mais grave,irreversível ou incapacitaste que aquela da qual tenha resultado a morte do paciente.Em face do absoluto, mostra-se inútil e impossível a discussão do relativo.

7. Parece-me, assim, senão indisputável, pelo menos juridicamente razoável aexegese do art. 1° da Lei n° 6.782/80 em que se fundou a Administração para - no usode sua competência primária e específica para a concessão de pensões especiais e àluz da prova dos autos, notadamente da palavra tecnicamente autorizada da juntamédica oficial - considerar comprovados os pressupostos fático-jurídicos da pensãoespecial em exame.

8. Dissentindo, pois, da instrução, proponho à Corte que aprove o ato em exame.

______________PROCESSO N° 1.041/87- 10-07-87.

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REGIME JURÍDICO DA PMDF E DO CBDF

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

1. Caráter geral, e, não, especial, das Leis n° 2.370/54 e3.067/56.

2. Tacitamente revogadas, por incompatibilidade com ospreceitos dos arts. 146, 192 e 193 da Lei nº 4.328/64, as normasdessas leis que asseguravam aos militares reforma no posto ougraduação seguinte à da atividade.

3. Ab-rogação dos mencionados diplomas legais ex vi do art.5º da Lei n° 5.058/66.

4. As leis especiais referidas nos arts. 150 e 151 dosDecretos nº 41.095 e 41.096/57 eram as que beneficiavam osparticipantes em operações de guerra ou no combate à Revoluçãode 1935.

5. Improcedência jurídica do pedido de reconsideração nostermos em que está posto.

6. A situação dos militares locais reformados antes daedição das Leis n° 6.022 e 6.023/74.

PARECER

Mediante o pedido de reconsideração de fls. 1/6, devolve-se ao exame doMinistério Público e do Egrégio Plenário questão provavelmente a mais tormentosa dequantas já suscitadas neste Tribunal: a do regime jurídico da Polícia Militar e do Corpode Bombeiros do Distrito Federal no período anterior à vigência das Leis n° 6.022 e6.023, de 3 de janeiro de 1974, que instituíram estatutos próprios para as referidasCorporações.

2. O assunto, já de si árduo, complexo, teve sua dificuldade largamente acrescidaem razão do equivocado tratamento que recebeu do Governo do Distrito Federal,

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quando se pretendeu, com a simples edição do Decreto n° 515/66, estabelecer oregime de direito aplicável ao pessoal da Policia Militar local.

3. Vindo o processo à Corte, recebeu nesta Procuradoria luminoso parecer do Dr.José Guilherme Villela, que concluiu pela inidoneidade jurídica desse decreto paraaprovar o estatuto dos servidores da PMDF. Dai resultava uma lacuna no ordenamentolocal, a ser preenchida segundo as técnicas da Hermenêutica. Em síntese e conclusão,propunha aquele primoroso trabalho fosse reconhecida à PMDF a aplicação subsidiáriado modelo jurídico peculiar aos militares federais, subordinado à cláusula no quecouber, por sinal legalmente explícita no tocante a vencimentos.

4. O Tribunal aprovou a tese; mas a Administração, inconformada, recorreu dodecidido, insistindo na aplicação da legislação impugnada.

5. Seguiram-se outros importantes pronunciamentos acerca do tema, da lavra daeminente Procuradora-Geral, Dra. Élvia Lordello Castello Branco e do saudoso AuditorDr. Jesus da Paixão Reis, tendo o próprio signatário deste parecer ocasião delongamente discorrer sobre a matéria. Importa salientar que, unanimemente, ospareceres deste Ministério Público apontaram, como solução natural e tecnicamenteadequada à cobertura do vazio legislativo observado, o recurso à legislação regentedos militares das Forças Armadas.

6. Houve por bem, no entanto, a Corte, em atenção às circunstâncias de fatoinvocadas, rever sua decisão, para acatar a pleiteada prevalência da Lei nº 4.328/64 edo Decreto n° 41.095/57, embora sob argumento jurídico diverso daquele em que seapoiava a Administração. É que, sendo notória a simetria entre as situações da PMDF eda Polícia Militar do Estado da Guanabara e havendo o art. 6° do Decreto-lei nº 9/66assegurado ao pessoal federal aproveitado nos quadros da Polícia Militar e do Corpode Bombeiros locais situação funcional idêntica à que viesse a ser garantida pela Uniãoaos militares reincluídos na Polícia Militar do Estado da Guanabara, entendeu-serazoável aplicar extensivamente aos integrantes dessas Corporações do DF alegislação estatutária da PMEG.

7. Foi, portanto, com respaldo em tal decisão que passaram a ser instruídos todosos processos de reforma da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros anteriores àvigência das mencionadas Leis n° 6.022 e 6.023/74.

8. Corolário inevitável da tese perfilhada - para o qual, aliás, chamei enfaticamentea atenção em parecer que proferi no caso-piloto - seria a impossibilidade de admitir aaplicação, no âmbito do Distrito, da Lei nº 4.902/65, reguladora da inatividade dosmilitares federais e que, em determinados casos, previa a concessão de proventos dereforma correspondentes ao soldo do posto ou graduação imediata ao que possuísse omilitar na atividade.

9. Aceita a incidência da legislação pretendida pelo Governo local, não se poderia,coerentemente, dar acolhida a lei posteriormente editada na esfera federal.

10. Passou-se, dali por diante, a recusar, no âmbito do Distrito, a atuação da Lein° 4.902/65 e a concessão das vantagens que instituía.

11. Requerem, agora, os peticionários relacionados no pedido de reconsideraçãode fls. 1/6 se lhes apliquem - no lugar da Lei n° 4.902/65 - as Leis 2.370/54, art. 30, e

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3.067/56, art. 1°, ex vi do disposto nos arts. 151 do Decreto nº 41.095/57 e 150 doDecreto n° 41.096/57.

12. Ora, a regra em comento, inscrita homologamente no Regulamento Geral daPMDF e no do CBDF, prescreve que o militar amparado por leis especiais terá direito areforma no posto ou graduação imediata e com o vencimento correspondente. Sucede,porém, que as citadas Leis nº 2.370154 e 3.067/56 não revestem a natureza de leisespeciais. Bem ao invés, têm índole genérica e aplicação generalizada, por isso queregulam a inatividade dos militares das três Forças Armadas Federais.

13. As leis especiais a que aludem os preceitos regulamentares supramencionados são, em princípio, as de nº 288, de 8 de junho de 1948, 616, de 2 defevereiro de 1949, 1.156, de 12 de julho de 1950, que concedem vantagens aosmilitares e civis participantes das chamadas operações de guerra, bem como a Lei nº1.267, de 9 de dezembro de 1950, que garante promoção a oficiais e praças engajadosno combate à Revolução Comunista de 1935.

14. Como a Lei nº 4.328164 mandava, em seu art. 146, que o militar incapacitadotivesse por provento o soldo integral do posto ou graduação em que fosse reformado,ao mesmo tempo que abolia, pelo art. 192, qualquer vantagem, acréscimo oucomplemento não previsto naquele Código e revogava, no art. 193, todos osdispositivos de leis e decretos que contrariassem matéria nele regulada, é certo queficava, de então por diante, abolidas as vantagens da reforma capituladas no art. 33 daLei nº 2.370/54 e nos arts. 12 e 2º da Lei 3.067156.

15. De mais a mais, ambas essas leis foram objeto de expressa ab-rogação, porobra do art. 5º da Lei nº 5.058, de 29 de junho de 1966.

16. Eis porque considero juridicamente improcedente a tese exposta na petiçãoque abre o processo.

17. Nem por isso deixa de sensibilizar-me, e profundamente, a iniqüidade dasituação em que se vêem os requerentes - reformados todos por incapacidade definitivapara o serviço ativo e sem poderem prover os meios de subsistência - ante a certeza oua ameaça de terem reduzidos de forma drástica os proventos que já vinhampercebendo por muitos anos. Casos há de servidores reformados há quinze e atédezesseis anos...

18. Mais patente se mostra a injustiça quando é sabido que os direitos aquiquestionados se reconhecem pacificamente, quer aos militares da União, quer aosintegrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado da Guanabara, dosquais muitos oriundos, como os peticionários, das Corporações militares do antigoDistrito Federal.

19. Vale repisar que a legislação a cuja luz lhes têm a Administração e o Tribunalnegado a vantagem da promoção ao posto imediato não dispõe especificamente paraos reformados em causa. Foi-lhes aplicada supletivamente, para cobrir lacuna noordenamento local. E, em remate, que, segundo pareceres reiterados e uniformes desteMinistério Público, a legislação verdadeiramente indicada, para suprir a lacuna, seria,por todos os títulos e motivos, a dos militares federais. Daí, que a exegese ortodoxa - àqual de resto chegou a aderir formalmente este Tribunal - apontaria para a

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aplicabilidade da Lei da Inatividade das Forças Armadas vigentes à data das reformas,ou seja, precisamente essa Lei n"- 4.902165.

20. Somente por efeito da decisão final tomada pela Corte, em 30 de novembro de1976, no processo-piloto n° 140/75 (Reforma do Soldado PM, Antonio Monteiro), temesta Procuradoria denegado a incidência local da Lei nº 4.902/65.

21. Sob outro prisma, é imprescindível acentuar que, muito ao contrário do que feza Polícia Militar, acatando prontamente a decisão da Corte e dando-lhe de logoconseqüência, com a revisão dos proventos anteriormente arbitrados, o Corpo deBombeiros em alguma medida recalcitrou e reteve por longos anos os processos dereforma, de sorte que, com relação aos bombeiros, só mais ou menos recentementeteve o Tribunal oportunidade de confutar a aplicação da Lei nº 4.902/65.

22. Revistas em conjunto as várias linhas de raciocínio até aqui expostas,apura-se, de pronto, que a questão em lide carece de univocidade, na medida em quecomporta, já agora, mais de uma solução juridicamente razoável, nenhuma das quais,no entanto, livre de inconveniências ou iniqüidades.

23. Dar resposta adequada à pretensão deduzida no pedido de reconsideração defls. 1/6, nos termos em que está vazada, até que é tarefa relativamente simples,porquanto a tese, como visto, se apresenta desprovida de fundamento. Encontrar,porém, solução juridicamente sólida que permita dar tratamento eqüânime e curial atodos os interesses e valores em causa se me afigura bastante improvável, se nãoimpossível.

24. Pesam, de um lado, os argumentos, já aduzidos, de que:

I - Esses reformados sofreram, ou sofrerão, perda substancial no valor deproventos que a administração fixou faz muitos anos.

II - São todos portadores de incapacidade física grave e definitiva, oficialmentedeclarados sem condições de prover os meios de sua subsistência.

III - Deixarão de receber as mesmas vantagens a que fazem jus,reconhecidamente, tanto os militares da União e os policiais e bombeiros da PM e doCB do antigo Estado da Guanabara, como até colegas seus de Corporação reformadosapós o advento dos estatutos próprios constantes das Leis n° 6.022 e 6.023/74.

IV - Afirmou sempre esta Procuradoria, assim como entendeu o próprio Plenárioem sua decisão original, de 24 de setembro de 1970, que o vazio legislativo existentena ordem jurídica local quanto ao regime desses militares deveria ser suprido pelalegislação das Forças Armadas, o que traria como conseqüência a aplicação a eles daLei nº 4.902/65, que lhes garantia as promoções ora pleiteadas.

25. Sobrelevam, em contrapartida, estas outras ponderações:

I - A Administração e o Tribunal tomaram, na espécie, decisão meditada elongamente amadurecida, sendo que, somente nesta Corte o assunto ficou pendentepor nada menos de seis anos.

II - A interpretação vigente data de mais de sete anos, havendo sido, desde então,acatada e posta em prática, sem oposição.

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III - Inúmeros processos de reforma têm sido examinados e julgados, no entre-tempo, com base em tal orientação, de sorte que alterá-la implicaria, já agora, aonerosa e administrativamente inconveniente revisão dos casos passados, acontrapelo, inclusive, do postulado da estabilidade das relações jurídicas.

IV - Como decorrência mesma desse postulado, já se encontraria prescrito odireito a ponderável parcela de restituições eventualmente devidas a diversos dosreformados, o que, de qualquer sorte, estabeleceria entre eles a situação de iniqüidade.

V - A Polícia Militar fez excluir dos proventos de muitos de seus ex-servidores asvantagens decorrentes da Lei nº 4.902/65, mas, segundo informações colhidasextra-oficialmente, deixou também, a exemplo do Corpo de Bombeiros, de proceder aessa exclusão com referência às reformas ainda não encaminhadas ao julgamento doTribunal.

VI - Na forma do art. 50 do Ato Regimental n° 9/80, os processos de concessão dereforma deveriam ter sido apresentados ao Tribunal $o prazo de sessenta diascontados da publicação do ato concessório, o que, todavia, não foi feito.

26. Ao influxo de todas essas considerações e tendo presente que eventual lesãode direitos dos interessados poderá sempre, com mais propriedade, vir a ser reparadana via judicial, convenço-me de que seria administrativamente injustificável, ex offcio eultra petita, a reabertura de questão há tanto tempo vencida. Não me resta assim outrocaminho senão opiniar, não s6 pela denegação do infundado pedido de fls. 1/6, comopela manutenção da jurisprudência até aqui prevalente.

_______________PROCESSO N° 4.106/84 - 24-10-84.

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TEMPO DE ALUNO - APRENDIZ EM ESCOLASPROFISSIONAIS DA UNIÃO

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

1. A interpretação da regra de direito ao influxo da prática jurisprudencial.

2. Evolução e situação atual da Súmula 96 do Tribunal de Contas da União.

3. Casos em que não se aproveitará o período que o servidor tenha passado comoaprendiz nessas escolas profissionais.

4. Requisitos essenciais ao cômputo de tempo de serviço dessa natureza.Possibilidade jurídica de considerar-se suprida, por presunção, a prova do vínculoempregatício formal.

5. Legalidade da averbação pretendida: tempo prestado à Escola Técnica Federaldo Piauí.

PARECER

A análise jurídica da contagem do tempo de serviço prestado como aluno-aprendizem escolas profissionais da União há que partir, necessariamente, da jurisprudênciapredominante no Colendo Tribunal de Contas da União, seja por ali seconsubstanciarem os resultados da longa e intensa prática daquela Corte no estudoespecífico da questão, seja pela indisputável autoridade técnica e constitucional desuas decisões, seja, enfim, porque, no interesse da eqüidade, é de todo convenienteque, quando possível, as decisões desta Corte de Contas guardem conformidade coma orientação adotada naquele Tribunal - notadamente em tema de contagem de tempode serviço público prestado à União.

2. É que, sem embargo da posição de completa independência do Tribunal deContas do Distrito Federal e de sua competência própria e privativa para a apreciaçãode todos os assuntos sujeitos a seu julgamento, o número relativamente reduzido das

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concessões aqui apreciadas, posto em cotejo com a grande massa de casos eprocessos levados à decisão da Corte federal, aconselha cautela para que não sevenha a negar, na esfera do Distrito, direitos pacificamente reconhecidos na área daUnião com base nas mesmas leis - por sinal, federais - aqui adotadas por recepção.

3. É óbvio que isso não significará jamais a submissão pura e simples dasdecisões desta Corte à orientação do Tribunal de Contas da União, da qual diversasvezes e em questões capitais tem dissentido este Ministério Público, para, aliás,recorde-se, acabar por ver afinal consagradas pelo Poder Judiciário ou por medidaslegislativas de correção as teses aqui sustentadas.

4. Ocorre, porém, que o trato diário e continuado com a atuação de determinadaregra jurídica propicia ao órgão julgador condições excepcionais de aprofundamento doDireito, com a possibilidade de vislumbrar ângulos e facetas que, à primeira vista,escapariam decerto ao mais atento exegeta.

5. O tema em exame é um bom exemplo. Num primeiro momento, sua soluçãocristalizou-se no enunciado da Súmula 96 do T.C.U., onde se afirmavamimprescindíveis para a contagem do tempo de aluno-aprendiz em escola profissionaltanto a existência do vínculo empregatício como o pagamento de retribuição pecuniáriaà conta do orçamento.

6. O contato permanente com a pletora de casos das diversas espéciescompreendidas nesse gênero, e seguidamente levados a seu julgamento, fez com queaquele Tribunal aos poucos se afastasse da rigorosa observância dos termos daSúmula 96, para, à luz de aspectos novos da realidade, terminar por fixar-se,tão-somente, na segunda das condições explicitadas na referida Súmula: a daretribuição com base em recursos provenientes do orçamento público.

7. E que o pagamento de retribuição pelos trabalhos prestados, embora ministre,sob o prisma jurídico, apoio suficiente a que se presuma a relação empregatícia, não é,por si, suficiente para possibilitar a inferência do caráter público desse tempo.

8. Daí exigir-se que a remuneração, além de efetuada em dinheiro, seja custeadapor recursos oriundos do erário.

9. Não é, definitivamente, de aproveitar, portanto, para os fins que se têm emvista, o trabalho:

- prestado sem remuneração;

- retribuído, de forma indireta, por meio do fornecimento pela escola de vestuário,alimentação, pousada, material escolar, etc. Mesmo quando, para isso, se tenhamusado recursos contemplados em verbas orçamentárias públicas.

10. Na hipótese, intermédia, de efetuar-se a remuneração com base em parcelada renda auferida pela instituição, como resultado de execução de encomendas paraterceiros, forçoso é distinguir se o pagamento se operava diretamente a débito dasquantias assim recebidas, ou se, ao contrário, havia o recolhimento desses valores aoscofres públicos, para servirem à ulterior abertura de créditos no orçamento públicodestinados ao custeio da mão-de-obra dos alunos-aprendizes, ou de ex-alunos, comoàs vezes sucedia.

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11. No primeiro caso, conquanto razoável presumir a relação de emprego, essanão seria de Direito Administrativo; donde não haveria cogitar de tempo de serviçopúblico.

12. No outro caso, sim, aceita-se esse tempo para todos os efeitos legais, por sereunirem as condições mínimas previstas na Súmula 96 do T.C.U., a saber:

- trabalho prestado a órgão público mediante remuneração pecuniária;

- pagamento custeado por verbas do Orçamento da União; e

- presunção de vínculo empregatício entre o aluno-aprendiz e o Serviço Público.

13. Ilustrem-se tais conclusões com algumas amostras da evolução jurisprudencialobservada na Corte de Contas federal. Se houve por bem negar a averbação do tempoprestado ao Colégio Agrícola do Amazonas e ao Colégio Agrícola "João Coimbra", porlimitar-se a contraprestação de atividade do operário-aluno à obtenção de vestuário,alimentação e alojamento (doc. de fls. 24) e se descaracterizou também como deserviço público o tempo de aluno-aprendiz na Escola de Aprendizes Artífices dePernambuco, por verificar que a retribuição financeira, a título de prêmios, era deduzidadiretamente da renda arrecadada pela escola (doc. de fls. 29), quando a "remuneraçãopelo erário público é condição (fundamental para ser o serviço prestado consideradopúblico", não hesitou aquela Colenda Corte em mandar contar, para todos os efeitos, otempo prestado à Escola Técnica Federal da Paraíba, "uma vez que a despesa com aremuneração do aprendiz fazia parte do orçamento da União" (doc. de fIs. 26), ou derever decisão anterior, quanto ao cômputo de tempo prestado à Escola TécnicaHenrique Lage, ¡á então equiparada às Escolas Técnicas da Rede Federal, para exigir,mediante diligência, se comprovasse se havia, à época que o interessado cursou aEscola, alguma forma de remuneração à conta de dotação orçamentária, devidamenteconsignada em rubrica própria" (doc. de f7s. 30). os grifos não são dos originais.

14. Em síntese - tal como está posta a questão na jurisprudência da Corte deContas federal - são três apenas os requisitos essenciais ã contagem do tempo emcogitação como de serviço público e para todos os efeitos:

a) haver sido prestado a escola pública profissional na qualidade de aluno-aprendiz:

b) ter-se retribuído a mão-de-obra desses alunos com paga em dinheiro; e

c) correrem os recursos para o pagamento à conta de verbas públicas próprias.

15. No tocante à exigência do vínculo empregatício, a princípio reputadonecessário, acabou a Corte por entendê-lo subsumido na ocorrência das três condiçõessupra referidas, cuja verificação consubstancia inequívoca, embora informalmente, arelação de emprego público.

16. Consoante a certidão de fls. 2, o servidor Lindomar Oliveira, hoje Técnico deControle Externo do quadro deste Tribunal, prestou nos anos de 1955 e 1956, um totalde 672 dias de serviço à Escola Técnica Federal do Piauí. Informa-se, no verso damesma certidão que se tratava de curso industrial básico, com jornada de quarentahoras semanais, constante de ensinamentos teóricos e práticos de oficina. No tocanteao ponto que mais interessa para o deslinde da questão, à remuneração da

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mão-de-obra de alunos e ex-alunos eram destinados 5/8 (cinco oitavos) da dotaçãoorçamentária prevista no art. 5°, e § 1°, do Decreto-lei nº 8.590, de 8 de janeiro de1946.

17. Para a boa compreensão desse regime jurídico de trabalho em escolastécnicas e industriais, transcrevem-se, adiante, os principais tópicos do referidoDecreto-lei n' 8.590/46:

"Art. 1° - Ficam as escolas técnicas e as escolas industriais do Ministério daEducação e Saúde autorizadas a executar, a título de trabalhos práticos escolares,encomendas de repartições públicas ou de particulares, concernentes às disciplinas decultura técnica ministrada nas mesmas escolas.

Art. 3º - A renda bruta resultante dos serviços executados nos termos destedecreto-lei será obrigatoriamente incorporada à receita da União.

Art. 5° - O orçamento da despesa consignará, anualmente, uma dotaçãocorrespondente a 40% sobre o total da receita bruta, arrecadada no ano imediatamenteanterior ao da elaboração da respectiva proposta e resultante dos serviços executadosna forma do presente decreto-lei, destinada ao custeio da mão-de-obra dos alunos eex-alunos e ao desenvolvimento das iniciativas de caráter associativo dos mesmos.

§ 1º - Para a remuneração da mão-de-obra dos alunos e ex-alunos, que nãopoderá exceder de 257- do preço de cada artefato, serão destinados cinco oitavos dadotação de que trata este artigo.

§ 3° - A distribuição da referida dotação pelas diversas escolas será proporcional àreceita correspondente a cada uma delas."

18. Ante o exposto, não hesito em opinar, na esteira da sábia e consistente práticajurisprudencial do Egrégio Tribunal de Contas da União, pela legalidade da averbaçãodo tempo de que cuidam estes autos, para todos os efeitos da lei.

________________PROCESSO Nº 1.683185 - 04-08-87.

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TOMADA DE CONTAS. DEFESA PRÉVIA

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

1. A defesa prévia como etapa necessária e preliminar doprocedimento da tomada de contas.

2. Presunção jurídica de que o interessado possa,eventualmente, demonstrar a inexistência ou inexatidão doalcance, ou, pelo menos, que não lhe deu causa, nem para eleconcorreu.

3. A configuração formal do alcance pressupõe, portanto, aabdicação do direito de defesa ou a inconsistência das razõesaduzidas.

4. Citação do responsável para defender-se.

PARECER

Propõe a instrução que, desde logo, se julgue irregular a tomada de contas emexame e, ao mesmo tempo, seja o responsável notificado para apresentar defesa.Discordo em parte dessa solução, que implica a adoção de medidas entre siincompatíveis.

2. A audiência do responsável para deduzir defesa prévia é providência cautelar,etapa obrigatória da fase preliminar de apreciação das contas pelo Tribunal. Tem porescopo garantir ao interessado o exercício do direito de defesa e, paralelamente, colherdados e informações complementares para o julgamento final da tomada de contas.

3. Teoricamente, contém-se na medida a presunção de poder o responsável - quevai focalizar os fatos de ponto-de-vista diverso do da Administração - demonstrar ainexatidão e até mesmo a inexistência do alcance ou desvio de bens. Quando menos,admite-se lhe seja dado evidenciar que não causou nem sequer concorreu para oevento lesivo do patrimônio público ou do Erário.

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4. Daí, a induvidosa inferência de que, sem abrir-se prazo para defesa ao servidorindigitado como responsável, não estará o processo em condições de ser submetido àdecisão final da Corte.

5. Somente se não oferecida a defesa dentro do prazo, ou, quando apresentada, aCorte a entender destituída de fundamento (cf. A.R., art. 56, § 4°), é que se há deconsiderar formalmente configurado o alcance.

6. Por ora, é o momento de, na forma do art. 56, caput, do Ato Regimental nº 9/80,ordenar-se a citação do responsável para, em trinta dias, apresentar defesa, ou, seassim preferir, repor desde logo a importância do desvio de bens liminarmente apurado.

__________________PROCESSO N° 1.963/86- 17-10-86.

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CONSULTA SOBRE DISPOSIÇÃO CONTIDA NO ART.11, I, A, DO AR Nº 9/80 - CEB

MARLI VINHADELI PAPADÓPOLIS

Senhor Presidente,

A Companhia de Eletricidade de Brasília - CEB, através da Carta nº 822, de26.10.84, apresentou várias dúvidas sobre a disposição contida no art. 11, I, a, do ARn° 9/80, com a redação dada pela Resolução nº 11, de 03.09.84, verbis:

"Art. 11- Para o exercício da auditoria orçamentária, financeira e patrimonial,em relação à Administração Indireta e Fundações, o Tribunal:

1- Tomará conhecimento, pela Publicação no órgão Oficial:

a) dos contratos e convênios celebrados, inclusive os decorrentes de re-cursos recebidos da Administração Direta;"

2. Desconhecida a consulta pelo Tribunal, em Sessão de 11.12.84, por estar desa-companhada do competente parecer técnico-jurídico da Administração (art. 75, § único,do AR n° 9/80), procurou a CEB suprir a lacuna, mediante inclusão aos autos da peçade fls. 12 usque 14. Esta, salientamos, não consubstancia parecer-técnico jurídico;contém, apenas, as incertezas da própria Consultoria Jurídica da CEB, que deram ori-gem ao instrumento inicial destes autos.

3. Não obstante referida falha, o mérito da matéria objeto de consulta deve seranalisado, seja no interesse da Administração, seja no deste Tribunal, considerandoque as publicações de contratos e convênios, se bem feitas, facilitam o exercício dafiscalização de competência desta Corte.

4. No objetivo de fazer uma abordagem o mais amplo possível, detivemo-nos emtrabalho de pesquisa sobre a legislação e decisões do E. Plenário sobre o assunto empauta, conforme colocamos a seguir.

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LEGISLAÇÃO

5. Em 15 de junho de 1976, foi editado o Decreto n° 3.282, para, dentre outrasprovidências, tornar obrigatória a publicação dos atos administrativos da AdministraçãoDireta, Indireta e Fundações do Distrito Federal (fls. 4 e 5). Esse diploma legal, além detrazer implícito o comando de obrigatoriedade de publicação de todos os contratos econvênios celebrados pela Administração - o que amplia os gastos públicos -, não tra-tou da forma (inteiro teor ou extrato) em que referidos acordos seriam dados ao conhe-cimento público, nem estipulou prazo para tanto.

6. Pouco tempo depois, na área federal e para a Administração Direta e suasAutarquias, cuidou-se da publicação obrigatória de contratos administrativos, cujasregras constam do Decreto nº 78.382, de 8 de setembro de 1976 (fls. 6 e 7). Este, emsíntese, prevê:

- piso mínimo (500 x M V R); - publicação em extrato; - elementos (cláusulasessenciais); - prazo (20 dias).

7. Por via do Decreto nº 7.343, de 30.12.82, - que aprovou Normas de ExecuçãoOrçamentária e Financeira -, o Executivo local ditou a primeira regra racionalizadoradas publicações de acordos, ao dispensar a celebração de contrato ou convênio nascondições especificadas no art. 17 ali inscrito. Após sofrer ajustes, a disposição inicialaqui referida ainda é encontrada nas Normas de Execução Orçamentária e Financeiravigentes para o corrente exercício, conforme art. 17 do Decreto n° 8.372, de 28.12.84:

"Art. 17 - Fica dispensada a celebração de Contrato ou Convênio:

I - quando se tratar de serviços públicos concedidos;

II - quando se tratar de prestação de serviços, se o custo for inferior a 200 vezes omaior valor de referência vigente;

III - nos casos de obras ou serviços de engenharia quando seu custo for inferior a500 vezes o maior valor de referência vigente."

8. O Excelentíssimo Senhor Secretário de Administração, atuando com respaldono art. 10 do Decreto n2 3.282, de 15.06.76, e objetivando reduzir custos, expediu o0.1. nº 500, de 25.04.83 (fls. 22), para os órgãos da Administração Direta e entidadesda Administração Indireta e Fundações, por via do qual solicitava aos respectivosgestores providências no sentido de que os assuntos relacionados nos anexos de seuexpediente (fls. 23 e 26) não mais fossem enviados para publicação.

DECISÕES PLENÁRIAS

9. Tendo em conta a omissão de elementos considerados essenciais para ocontrole externo, quando das publicações de acordos, a 2á DICONP da 3a ISCE desteTribunal elaborou a Representação nº 01, de 10 de dezembro de 1980, indicando cadaparte que deveria constar dos extratos de instrumentos contratuais publicados.

10. Em sua 1873ª Sessão Ordinária, o E. Plenário acolheu em todos os seustermos a proposição daquela Inspetoria, dando origem ao OF.GP. nº853/80-CIRCULAR (fls. 19/20).

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11. Ao apreciar o Processo nº 2293/83-1á ICE, em que foi acostado o 0.1. nº500/83 citado no item 8 desta, decidiu o Plenário conhecer das informações prestadaspelo Exm°. Sr. Secretário de Administração, no que se refere às divulgações oficiaisdos atos administrativos dos órgãos e entidades do D.F. e recomendar àquela Pasta.

"que os atos administrativos especiais, de efeitos externos, com repercussãopecuniária, como aqueles que autorizam o pagamento de gratificação qüinqüenal,salário-família, indenização de transporte, horas extras e outros, não sejam alcançadospela orientação constante do 0.1. nº 500/83-GAB/SEA, uma vez que a mesma colidecom as disposições dos Decretos n2s 3.282/76 e 4.903/79, ambos em vigor."

CONCLUSÕES PRELIMINARES

12. É evidente que a regulamentação da matéria-publicação de atosadministrativos -é de competência do Executivo. A esta Casa, em conformidade com oart. 11, inciso I, alínea a, e art. 9º, inciso I, alínea c, todos do AR n° 9/80, no exercícioda auditoria orçamentária, financeira e patrimonial, em relação à Administração Indiretae Fundações e Administração Direta, respectivamente, compete tomar conhecimentodos atos administrativos, pela publicação no órgão Oficial.

13. Se a matéria não se encontra bem posta na legislação vigente, a ponto eprovocar as dúvidas expostas na inicial, é de bom alvitre que os representantes deórgãos e/ou entidades provoquem a quem de direito para que seja tomada medida legalque contenha disposições claras e precisas sobre o assunto.

14. Por outro lado, para o controle externo é fundamental rápido estabelecimentode sistema de publicação que permita conhecimento seguro dos atos de receita e dedespesa. É de importância vital para esta Casa e necessária se torna uma definição docomplexo de elementos a serem indicados pelas estatais, autarquias e fundações,quando das publicações de contratos, convênios, acordos, ajustes, etc.

CONCLUSÕES FINAIS

Pelo exposto, somos por que o ínclito Plenário informe à CEB:

a) ser ela competência do Executivo local a notmatização da matéria objeto dapresente consulta, alertando-a para as disposições vigentes sobre a matéria, contidasno Decreto nº 3.282, de 15.06.76, 0.1. nº 500183-GAB/SEA e Decreto nº 8.372, de28.12.84, cujo art. 17 pode ser aproveitado por aquela empresa;

b) que as publicações de contratos, convênios e respectivos aditivos na forma deextrato atendem ao controle externo, desde que deles constem os seguintes elementos:

- numeração seqüencial;

- espécie;

- resumo do objeto;

- modalidade de licitação ou, se for o caso, o fundamento legal da dispensa desta;

- crédito pelo qual correrá a despesa;

- número e data do empenho da despesa;

- valor do contrato;

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- prazo de vigência;

- assinatura.

c) que as publicações em comento devem ser feitas com a urgência possível, emrazão do controle externo a cargo desta Casa, até que a matéria mereça providencia le-gislativa.

À elevada apreciação de Vossa Excelência.

______________PROCESSO Nº 4.652184 - 15-03-87.