revista dialética vol2 v14revistadialetica.com.br/wp-content/uploads/2015/02/re... ·...

73

Upload: lamtuong

Post on 30-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Ano 2 / Vol. 2 / Nº 2 / 2011

Conselho Editorial

Ricardo Moreno (editor)Milton BarbosaIlka BicharaMuniz FerreiraMilton PinheiroJoão AugustoJéferson BragaOlival FreireRenildo SouzaElias RamosElias DouradoUbiratan Castro de AraújoFlávio GonçalvesJorge WiltonAudrin CastellucciGisélia SouzaAugusto VasconcelosNilton VasconcelosÂngela GuimarãesCaio BotelhoUrano Andrade Ana Guedes Antonio Barreto

REVISTA DIALÉTICA

Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia

Rua Comendador Gomes Costa, 44 CEP: 40070-120 Salvador - BA

www.revistadialetica.com.br

DIALÉTICA / Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia - v.2, n.2 (2011). Salvador.

ISSN 2317-1391

1. Dialética I. Centro de Estudos

......................................................................

VOLUME 2 / Ano 2 / Nº 2 / NOVEMBRO 2011Revista do Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia

REVISTA DIALÉTICA

EDITORIAL .......................................................................................................4

ESPECIAL

Homenagem a ...Ubiratan Castro de Araújo .......................................................5

Homenagem a Luis Henrique Dias Tavares ........................................................7

INTERNACIONAL

Paz, democracia y derechos humanos. Una perspectiva individualista.Pedro S. Limiñana .............................................................................................9

POLITICAS PÚBLICAS

O Pensamento Marxista e o Pensamento Critico sobre e o Urbano.Glória Cecília Figueiredo ..................................................................................23

BRASIL

As cidades e a “anatomia do macaco”Elias Jabbour ...................................................................................................36

MUNDO DO TRABALHO

Fantasmas e Totens: O fetiche e a lógica e do capital.Ricardo Moreno ...............................................................................................44

A Comuna de Paris: contradições do Estado burguês e poder emancipatório.Milton Pinheiro . ...............................................................................................48

FILOSOFIA

Iusnaturalismo, Equilibrio de Poder y Derecho de Resistencia em LockePablo Ojeda Déniz ...........................................................................................54

SUMÁRIO

O espetáculo está prestes a começar, o burburinho já circula pelas ruas, a lona vai sendo montada, os artistas se concentram e os animais vão sendo preparados para a sua entrada no picadeiro. Em 2012 o show de democracia volta à baila, e as cidades brasileiras ocuparam o centro das mais importantes discussões nacionais. Planos espetaculares serão apresentados como grandes soluções ao graves problemas urbanos. E enquanto nos envolvemos no emaranhado de idéias imediatistas que visam seduzir o eleitor falando de seus conflitos cotidianos, pouco se apresenta de densidade acerca de quais projetos de cidade estão a se falar.

Queremos saber qual é a cidade que temos? A cidade que teremos no futuro? Feita por quem? Para quem? Será que as nossas cidades litorâneas devem continuar a ser feitas para as pessoas que vêm a passeio, atendendo aos interesses do capital? Ou será que finalmente poderemos refletir sobre a cidade voltada para quem nela vive?

Em Salvador, a Fundação Mauricio Grabois se propôs a provocar esta reflexão através do ciclo de debates sobre “cidade”. O primeiro evento aconteceu no dia 23 de março, na semana de comemoração aos 452 anos desta que foi a primeira capital do Brasil, e por mais de três séculos o aglomerado urbano e entreposto comercial mais importante do atlântico sul. Na oportunidade, as justas homenagens aos historiadores Luis Henrique Dias Tavares e a Ubiratan Castro de Araújo, foram preliminares de um grande debate acerca da formação histórica da capital baiana.

O ciclo prosseguiu já tendo ocorrido mais dois eventos. Em abril, “A Cidade na ótica do Marxismo” foi o tema da palestra da Presidente da Associação Brasileira de Urbanismo, Glória Cecília Figueiredo, e do Arquiteto Javier Alfaya; e em junho, a Professora Angela Gordilho, e o Presidente do Instituto de Arquitetos da Bahia, Daniel Colina, abordaram o tema “Reforma urbana: Cidadania e construção da Democracia”.

Estaremos trazendo em nossas próximas publicações algumas das comunicações que ocorreram neste ciclo. Já no nosso segundo número, temos o texto de Glória Cecília Figueiredo intitulado “O pensamento marxista e o pensamento crítico sobre o urbano: algumas anotações”.

Outra contribuição que recebemos nos foi enviada do geógrafo Elias Jabour “As cidades e a anatomia do macaco (um ensaio)” traz reflexões sobre, o que chamou de crise de realização das cidades brasileiras.

Saindo do tema urbano, recebemos dois artigos originários da Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, enviados por Pablo Ojeda Déniz, e Pedro S. Limiñana, que apresentam os artigos “Iusnaturalismo, equilibrio de poder y derecho de resistência em Locke: armas de combate contra El Leviatán, e, “Paz, democracia y derechos humanos. Una perspectiva individualista”, respectivamente.

E, fechando este nosso segundo número, o historiador Ricardo Moreno apresenta o artigo “Fantasmas e Totens: O fetiche e a lógica e do capital. Uma reflexão acerca da lógica da moral burguesa; e o cientista político José Milton Pinheiro, volta a debater a experiência da Comuna de Paris.

Agradecemos a todos os leitores pela ótima receptividade que tivemos em nosso primeiro número e também com o lançamento de nosso site. Continue participando.

EDITORIAL.4 EDITORIAL.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 4, 2011Novembro

.5 ESPECIAL

.

Ubiratan Castro de Araújo foi mais um dos estudantes que realizou a sua formação acadêmica no período mais duro da ditadura militar brasileira, graduou-se em História pela Universidade Católica do Salvador(1970), e em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1971). Meio ao turbilhão da época relizou o Mestrado em História na Université de Paris X, na, França.

Em 1978 Ubiratan Castro de Araújo passou a lecionar na Universidade Federal da Bahia, ensinado as disciplinas Introdução ao Estudo da História, História Contemporânea, Historiografia, Pesquisa Histórica, História Moderna, História da África, História do Brasil e História da Bahia, dentre outras.

Na pós-graduação Ubiratan Castro ensinou Temas Selecionados de História Política do Brasil, Temas Selecionados de História Social Brasileira, Métodos da História, História Social - Estruturas Sociais, Pesquisa Supervisionada, Temas Selecionados- Escravidão e Liberdade.

Entre 1988 e 1992 o Professor Ubiratan Castro de Araújo retornou a Paris, desta vez na Sorbonne, para fazer o seu Doutoramento em História, defendendo uma tese sobre economia esclavagista na Bahia, orientado pela professora Kátia Mattoso.

Ub ratan Castro de Araújo exerceu ainda as funções de Coordenador do Mestrado em iCiências Sociais, do Mestrado em História, a direção do Centro de Estudos Afro-Orientais. Até que em 2003 foi convidado para a direção da Fundação Cultural Palmares, no Goverrno do Presidente Luis Inácio Lula da Silva.

À frente da Fundação Cultural Palmares, Ubiratan Castro de Araújo teve o mérito de acelerar as titulações de terras em caráter imemorial por parte das comunidades remanescentes de quilombo, apropriando-se da re-semantização do termo e viabilizando a aplicação do artigo 68 das disposições transitórias da Constituição de 1988, transformando-a em Lei.

Em 2007 o Professor Ubiratan Castro assumiu a Direção Geral da Fundação Pedro Calmon – Centro de Memória e Arquivo Público da Bahia.

Por sua trajetória o Professor Ubiratan Castro de Araújo recebeu o prêmio Troféu Clementina de Jesus, conferido em 2001 pela União dos Negros pela Igualdade;

A Medalha do Bicentenário da Restauração Portuguesa, Academia Portuguesa de História (2001)

Medalha Ordem do Mérito Zumbi dos Palma es - Grau Comendador, Governo do r

ESPECIALUbiratan Castro de Araújo

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 5-6, 2011Novembro

do Estado de Alagoas (2005)

Insignia da Ordem do Rio Branco, Ministério das Relações Exteriores (2005)

Medalha Zumbi dos Palmares, Câmara Municipal de Salvador (2006)

Doutor Honoris - Causa, UNI-American Universidade Corporativa das Américas (2007)

Publicou seis livros, vários artigos em revistas acadêmicas e científicas, possui inúmeras participações em eventos de caráter científico, cultural e político. Tendo o Negro e a história Baiana como seus temas mais abordados.

Por tudo isto a Fundação Maurício Grabois Homenageia Ubiratan Castro de Araújo, unindo-se a todos e todas em agradecimento a sua contribuição para a nossa cultura.

Salvador, 28 de Março de 2011

.6 ESPECIAL

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 5-6, 2011Novembro

Nascido em 25 de Janeiro de 1926, o professor Luis Henrique Dias Tavares é autor da mais conhecida síntese da História da Bahia.

Graduou-se em Geografia e História pela Universidade Federal da Bahia, obteve a Livre-docência em 1961, realizou Pós-Doutorado na University College of London,( Inglaterra).

O Professor Luis Henrique ensinou Geografia, História Antiga e História do Brasil, na Universidade Federal da Bahia, Institute of Latin America Studies (EUA), University college London (Inglaterra). Mas se orgulha mesmo é de ser professor e servidor público desde a década de 1950.

Também ensinou e orientou em cursos de Mestrado e Doutorado nas áreas de Educação, Ciências Sociais, e História. Dentre os muitos orientandos do Professor Luis Henrique, temos os exemplos de Antônio Fernando Guerreiro Moreira de Freitas, Angelina Nobre Rolim Garcez, Cândido da Costa e Silva, Maria José de Souza Andrade, Marli Geralda Teixeira, Consuelo Novais Sampaio, Maria José Rapassi Mascarenhas, elém de outros. Todos e todas, grandes expressões do meio academico baiano.

Na UFBA foi ainda Coordenador de Mestrado, Chefe de Departamento, Presidiu a Câmara de Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa; foi também, assessor do CNPQ, Assessor e Pesquisador da Universidade do Estado da Bahia, assumiu a Direção do Departamento de Educação Superior e da Cultura no Governo do Estado (1967-1969), Diretor do Arquivo Público do Estado da Bahia, (1959 – 1969), e Pesquisador do Ministério de Educação (1955-1961).

Dentre seus títulos, em 1955 o Professor Luis Henrique tornou-se Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia; Membro da Academia de Letras da Bahia (1968); Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1976); Membro do Conselho Estadual de Cultura (1992); Professor Emérito, Universidade Federal da Bahia. (1992); Sócio de Mérito, Academia Portuguesa de História. (2002), Doutor Honoris Causa, UNEB (2009).

Foram 27 obras publicadas, mais, artigos em jornais, periodicos acadêmicos, trabalhos publicados em Anais e Congressos. Em “comércio proibido de escravos”, por exemplo, publicado pela Ática em 1988, temos uma demostração da ousadia do professor Luis Henrique, ao cruzar suas fontes e revelar a relação do capital inglês e o tráfico clandestino.

Mas é por meio da obra “Históriada Bahia” (1959) que o historiador Luis Henrique Dias

ESPECIALLuis Henrique Dias Tavares

.7 ESPECIAL

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 7-8, 2011Novembro

Tavares é sempre lembrado. Este clássico da nossa historiografia tornou-se leitura obrigatória para se compreender o papel da Bahia no cenário nacional.

Ao homenagear o professor Luis Henrique Dias Tavares, a Fundação Mauricio Grabois ratifica o nosso agradecimento por toda a sua contribuição à cultura e ao pensamento nacional.

Salvador, 28 de Março de 2011

.8 ESPECIAL

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 7-8, 2011Novembro

1Pedro S. Limiñana

Resumo: En este trabajo se trata de mostrar que las condiciones que Kant estableció para garantizar una paz duradera son insuficientes toda vez que el modelo jurídico-político propuesto

por el filósofo de Königsberg en Hacia la paz perpetua no evita la desigualdad social ni tampoco garantiza la libertad individual, razones por las que se revela incapaz de erradicar la violencia.

Creemos que la crítica a la filosofía política kantiana es extensible al neoliberalismo actual y por ello damos cuenta de la crítica realizada por Ernst Tugendhat desde lo que él mismo considera la

teoría del Estado legítimo. Mas la crítica al neoliberalismo no se agota en la defensa del Estado social, tal como nos recuerda Javier Muguerza con su defensa del individualismo ético. Y es que lo que

la justicia exige es la efectiva distribución igualitaria de la riqueza y el poder que es en lo que, en suma, consiste el comunismo libertario que pretendemos reivindicar en este artículo.

Paz, democracia, derechos humanos, individualismo, libertad, justicia.Palavras-chave:

PAZ, DEMOCRACIA Y DERECHOS HUMANOS. UNA PERSPECTIVA INDIVIDUALISTA

En su célebre opúsculo Hacia la paz perpetua, Kant trata de establecer las condiciones que a su juicio son necesarias para alcanzar una paz duradera. Kant entiende que la búsqueda de la paz es un deber de la razón pura práctica, pero que sólo es alcanzable jurídicamente; de

ahí su empeño en elaborar una teoría jurídico-política que permita dilucidar la manera en que habrían de organizarse las sociedades humanas para lograr tal fin. Como ya hicieran otros

autores antes que él, Kant adopta la perspectiva contractualista, y aunque con notables

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

contractualista, y aunque con notables influencias tanto de Hobbes como de Rousseau, elabora su propia versión del contrato social. El punto de partida es, pues, el concepto de estado de naturaleza, que alude a la situación en la que vivían los hombres antes de que se instaurara el estado civil. Empero, no se trata de ningún período histórico, tal estado de naturaleza nunca existió, sino que es más bien una herramienta teórica, una hipótesis de trabajo, que le sirve a Kant para justificar la necesidad del Estado, al modo en que lo había hecho Hobbes, así como de ideal crítico desde el que denunciar las sociedades del momento, en clara

2interlocución con Rousseau.

Si Hobbes había afirmado que lo que marca la naturaleza humana es su maldad, “el hombre es un lobo para el hombre”, de modo que en el estado de naturaleza los seres humanos viven en una situación de guerra de todos contra todos, mientras que Rousseau pensaba todo lo contrario, a saber, los hombres son buenos por naturaleza, así que en ausencia de Estado éstos viven aislados unos de otros, pero si por fortuna llegan a encontrarse tienden a establecer relaciones cordiales con sus semejantes, Kant va a señalar que lo que define a la naturaleza humana es su es insociable sociabilidad,decir, la propensión de los hombres a relacionarse con sus congéneres al tiempo que se ven impelidos a replegarse sobre sí, razón por la cual en el estado de naturaleza lo que se va a dar es una situación de guerra potencial permanente, una situación en la que el conflicto permanece latente y en cualquier momento se puede desatar: “El estado de paz entre hombres que viven juntos –escribe Kant- no es un estado de naturaleza , que es más bien (status naturalis)un estado de guerra, es decir, un estado en el que, si bien las hostilidades no se han declarado, sí existe una constante amenaza de que se declaren”.3

En el estado de naturaleza descrito por Hobbes, los hombres no soportarían vivir en unas condiciones de inseguridad tan

grandes, así que, buscando el propio interés, sería lógico que acordaran entre ellos instaurar la autoridad mediante el contrato social: se trata de aquel acuerdo, irreversible una vez llevado a cabo, al que llegarían todos los individuos en virtud del cual han de ceder totalmente su libertad al soberano, el leviatán, a cambio de que éste les proporcione seguridad. De este modo, es claro que lo que Hobbes persigue con su teoría del contrato social es justificar el Estado autoritario que es el tipo de Estado que a él le resulta más plausible. La razón por la cual en el estado de naturaleza hobbesiano los individuos querrían firmar el contrato social es bien clara, pues es la única manera de garantizar su propia seguridad, mas en la concepción rousseauniana la cuestión es del todo distinta, pues aquí no existe el problema de inseguridad, así que para justificar la necesidad del contrato social, Rousseau señala que en el estado de naturaleza los individuos, aislados unos de otros, serían incapaces de sobrevivir por sí solos, de ahí que tuvieran que asociarse entre ellos dando lugar al Estado. El contrato social defendido por Rousseau es pues radicalmente opuesto al hobbesiano, pues ahora los individuos en lugar de ceder totalmente la libertad al soberano lo hacen sólo de forma parcial y el soberano, a cambio, no sólo ha de brindarles seguridad, que también, sino que además ha de proteger los bienes y la autonomía de cada individuo. Y es que el tipo de Estado que Rousseau pretende justificar es la democracia directa, en la que los individuos son a un tiempo súbditos y colegisladores. Kant, por su parte, encuentra razones parecidas a las de Hobbes para justificar el advenimiento del Estado, pues si los hombres, en el estado de naturaleza, viven en una situación de guerra potencial permanente, es precisamente por la ausencia de una autoridad pública que haga cumplir la ley. Es por ello que, al igual que pensaba Hobbes, Kant sugiere que los individuos, interesados como están, principalmente por razones de seguridad, en salir del estado de naturaleza, estarían dispuestos a llevar a cabo el contrato social

.10 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

instaurando así el Estado y con él la autoridad pública y el derecho, mas el tipo de contrato social que Kant propone se distancia del hobbesiano y se asemeja bastante al de Rousseau, pues también Kant considera que mediante el pacto social los individuos cederían sólo parcialmente su libertad al soberano a condición de que éste les garantizara la protección de su integridad así como de sus bienes y su autonomía. Y es que si el propósito de Rousseau era reivindicar la democracia directa como el tipo de Estado más plausible, el contractualismo kantiano tendría por objeto la justificación de lo que el propio Kant denomina la concepción republicana, que vendría a ser muy parecida a lo que hoy conocemos como democracia representativa.

Así pues, para Kant, el único Estado legítimo es el republicano y éste debe sustentarse en tres principios, tal como él mismo señala: “Solo la constitución establecida de conformidad con los principios, primero de la libertad de los miembros de una sociedad (en cuanto hombres) , segundo, de la dependencia de todos respecto a una única legislación común (en cuanto súbditos); y tercero, de conformidad con la ley de la igualdad de todos los súbditos (en cuanto ciudadanos), la única que deriva de la idea del contrato originario y sobre la que deben fundarse todas las normas jurídicas de un pueblo, es republicana”. Y es a partir de estos tres principios como se explican los conceptos de libertad e igualdad jurídicas en la concepción kantiana, que vendrían a consistir en el derecho del individuo a no cumplir ninguna ley a la que previamente no haya dado su consentimiento así como en el deber de someterse a la misma ley que se exige a los demás que cumplan. “Mi libertad exterior (jurídica) –escribe Kant en una nota a pie de página- hay que explicarla, más bien, de la siguiente manera: como la facultad de no obedecer ninguna ley exterior sino en tanto en cuanto he podido darle mi consentimiento. Asimismo, la igualdad exterior (jurídica) en un Estado consiste en la relación entre los ciudadanos según la cual

nadie puede imponer a otro una obligación jurídica sin someterse él mismo también a la ley y poder ser, de la misma manera, obligado

4a su vez”.

Con el primero de estos principios, Kant señala que en la constitución republicana todos los hombres tienen derecho a buscar su propia felicidad como estimen oportuno, ya que el Estado no tiene autoridad para decir a los individuos cómo han de ser felices, es decir, que el Estado no puede legislar en materia de felicidad porque la búsqueda de la felicidad forma parte del ámbito privado de los individuos, de suerte que todo individuo tiene derecho a intentar procurársela como considere más conveniente sin más límite que la libertad de los demás.

En cuanto al segundo de los principios, el de la dependencia de todos los súbditos con respecto a una única legislación común, es clave para entender el igualitarismo liberal al que se adscribe Kant, pues con este principio el filósofo pretende garantizar que en la república rija el imperio de la ley, de modo que todos y cada uno de los miembros de la sociedad habrían de estar obligados por igual a cumplir una y la misma ley. Y el que garantiza que la ley es la misma para todos y es obedecida por todos no es otro que el Estado, que se entiende que dispone de los recursos necesarios para imponer su autoridad en el territorio donde es soberano. Ahora bien, esta igualdad de la que nos habla Kant es efectivamente una igualdad ante la ley, es decir, una igualdad formal que en ningún caso hay que confundir con una igualdad real, con una efectiva igualdad de las condiciones materiales de existencia que reivindicarán con posterioridad diversos pensadores socialistas. Y es que para Kant, como buen liberal que era, la igualdad formal que exige la constitución republicana puede coexistir sin mayores problemas con la desigualdad real, y en última instancia, no cabe pedirle responsabilidades al Estado de las desigualdades sociales, pues la causa de éstas, si el Estado legisla igual para todos y hace cumplir la ley a todos por igual, sólo

.11 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

por todos no es otro que el Estado, que se entiende que dispone de los recursos necesarios para imponer su autoridad en el territorio donde es soberano. Ahora bien, esta igualdad de la que nos habla Kant es efectivamente una igualdad ante la ley, es decir, una igualdad formal que en ningún caso hay que confundir con una igualdad real, con una efectiva igualdad de las condiciones materiales de existencia que reivindicarán con posterioridad diversos pensadores socialistas. Y es que para Kant, como buen liberal que era, la igualdad formal que exige la constitución republicana puede coexistir sin mayores problemas con la desigualdad real, y en última instancia, no cabe pedirle responsabilidades al Estado de las desigualdades sociales, pues la causa de éstas, si el Estado legisla igual para todos y hace cumplir la ley a todos por igual, sólo puede encontrarse en las diferencias de mérito y capacidad de los propios individuos. Y esta afirmación, tan propia del liberalismo clásico, y del peor de los liberalismos de nuestros días, difícilmente podría soportar la crítica realizada por el pensamiento libertario, marxista y socialdemócrata posterior, pues, desde luego, el loable proyecto kantiano para alcanzar una paz duradera se vería truncado por un igualitarismo tan poco igualitario como este que hemos dado en llamar igualitarismo liberal, que es el que suscribe el propio Kant. Ello es así porque ciertamente la paz, que es para Kant un deber de la razón pura práctica, exige la erradicación de la violencia, pero de todas las formas de violencia, por lo que, si nos queremos tomar en serio la búsqueda de la paz, debemos tener en cuenta la distinción entre violencia directa y violencia estructural. Como se sabe, la primera consiste en una agresión física directa, cuya máxima expresión tendría lugar en un conflicto bélico, mientras que la segunda consiste en la violación de los derechos fundamentales de las personas. Si atendemos a la violencia directa, la paz se concibe negativamente como la ausencia de agresiones físicas, como ausencia de guerra; pero si atendemos a la violencia estructural, entonces la paz se comprende de forma positiva como el respeto

a los derechos fundamentales de los seres humanos, y dado que éstos no incluyen únicamente a los de la primera generación, los denominados derechos humanos negativos, los civiles y políticos, inspirados en el valor moral de la libertad, que son los únicos que reconoce el Estado liberal, sino que además abarcan a los de la segunda generación, los derechos humanos positivos, los económicos y sociales, inspirados en el valor moral de la igualdad, entonces la paz, en sentido positivo, exige la implantación de la justicia. Así las cosas, se comprende con facilidad que el proyecto kantiano sólo tendría en cuenta la paz en sentido negativo, en incluso en sentido positivo exigiría también el respeto a los derechos humanos de la primera generación, pero desecharía por completo la exigencia de la paz positiva de que todos los seres humanos alcancen unas mínimas condiciones materiales de existencia. Puesto que la genuina paz debiera abarcar estas dos dimensiones, no podemos sino concluir que el proyecto kantiano está abocado al fracaso, pues las condiciones que Kant establece para alcanzar una paz duradera, como mínimo habrían de ser insuficientes, y resta por ver si no serán además innecesarias.

Y esta crítica al igualitarismo liberal de Kant habrá de ser pertinente también para quienes hoy en día suscriben este discurso cuando se muestran en contra de la legitimidad de los derechos humanos de la segunda generación. Nos referimos a los partidarios de esa corriente del liberalismo –el peor liberalismo, decíamos más arriba- integrada por pensadores que se llaman a sí mismos libertarians y que en ningún caso deben confundirse con los libertarios, pues la tradición libertaria se identifica con el anarquismo, es decir, con el comunismo libertario, y no con esta suerte de anarco-capi tal ismo reiv indicado por estos libertarians. Así pues, a fin de evitar confusiones, propongo llamar neoliberales o partidarios del neoliberalismo a los autodenominados libertarians, más o menos anarco-capitalistas, y reservar el término

.12 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

libertario para los afines al anarquismo, es decir, para los afines al comunismo libertario. Frente a la negativa neoliberal a reconocer los derechos humanos de la segunda generación y la legitimidad del Estado para distribuir la riqueza, se ha posicionado Ernst Tugendhat, quien ha abordado la cuestión de los derechos humanos económicos en relación con la libertad desde la perspectiva de la teoría del Estado legítimo. Tugendhat argumenta que el concepto de autonomía, obviamente vinculado con el de libertad, hace necesaria la existencia de los derechos económicos y la consecuente restricción del derecho de propiedad. Para justificar tal afirmación, Tugendhat comienza por traer a colación una definición de libertad que entiende representativa de la corriente neoliberal, a saber, la expresada por F. A. Hayek en The Constitution of Liberty, donde libertad “significa siempre la posibilidad de que una persona obre de acuerdo a sus propias decisiones y planes, en contraste con l a p o s i c i ó n d e a q u e l l a s u j e t a irrevocablemente a la voluntad de otra que por decisión arbitraria la coerciona a obrar o

6no obrar de determinada manera”. Desde esta perspectiva, la libertad se entiende sólo en el marco de las relaciones entre las personas y por lo tanto, el resto de las condiciones que afectan a la elección no sería, en rigor, relevante para la libertad. En parecidos términos se ha expresado Felix Oppenheim en Dimensions of Freedom, donde en un intento de aclarar la definición de Hayek insiste en que el concepto de libertad como no coerción debe tomarse como una definición únicamente descriptiva y no en un sentido evaluativo.

Este concepto de libertad es de suma importancia porque desde el neoliberalismo

7se afirma que lo definitorio del capitalismo es que las relaciones económicas entre las personas son libres en el sentido apuntado por Hayek, por lo que el sistema de mercado se considera como el punto de partida ideal. En este sentido, Milton Friedman, en su defensa del capitalismo, considera que en las

relaciones económicas capitalistas ni los compradores ni los trabajadores son c o e r c i o n a d o s , m i e n t r a s q u e l a s interferencias del Estado son siempre coercitivas y sólo podrían estar justificadas para garantizar el mantenimiento del sistema pero nunca si distorsionan las relaciones de mercado o tienen por objeto la redistribución de los ingresos. Pero lo que para Tugendhat es más importante de las ideas de Friedman es que para éste, como para muchos otros adscritos al neoliberalismo, estas relaciones económicas que se dan en el mercado son siempre voluntarias. Y ahí encuentra Tugendhat el punto débil del neoliberalismo: “Hablamos de una acción intencional como no voluntaria, no sólo si hemos sido forzados a ella por otras personas, sino también si hemos sido forzados por otras razones y no tenemos alternativa [...] por un lado, es verdad que el trabajador no es coercionado a vender su fuerza de trabajo pero, por otro, en general no es verdad que tenga alternativas, por lo tanto es forzado (aunque no por

8alguien) a vender su fuerza de trabajo”. Llegado a este punto, Tugendhat no duda en afirmar que la asunción hecha por Hayek y Oppenheim con respecto a la posibilidad de distinguir entre el concepto de libertad en el sentido de la no coerción y otros conceptos de libertad ya no resulta plausible, pues el aspecto de la elección resulta fundamental para cualquier concepto de libertad.

Una definición más amplia de la libertad y que Tugendhat también observa es la realizada por Isaiah Berlin, quien caracteriza la libertad como “la ausencia de obstáculos para posibles elecciones y actividades... Una tal libertad no depende, en última instancia, de si yo deseo andar simplemente o hasta dónde, sino de cuántas puertas están abiertas y qué tanto están abiertas con respecto a su

9relativa importancia en mi vida”. A pesar de ofrecer este concepto de libertad, Berlin también incluye en su concepción de la libertad el aspecto destacado por Hayek, incluso le parece decisivo: “El sentido fundamental de la libertad es la libertad de las cadenas..., de la esclavización de otros... La

.13 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

libertad, al menos en su sentido político, es un término coextenso al de ausencia de

10intimidación o dominación”. Tugendhat está interesado en dilucidar cuáles son las conexiones que pueda haber entre estos dos aspectos contemplados por Berlin en el momento de definir la libertad y las encuentra en tres factores fundamentales que a su juicio han de confluir en la libertad: elección, capacidad y oportunidad.

A pesar de la insistencia por parte de muchos autores como Hayek partidarios del neoliberalismo en diferenciar el impedimento debido a otras personas del impedimento por otras causas, entre ellas la falta de medios, Tugendhat señala que tan forzado se encuentra el individuo que es coercionado por otro para actuar o no actuar de un modo determinado como el que no tiene más alternativa, por lo que vuelve contra Friedman, y contra la posición neoliberal en general, diciendo: “Es verdad que el proletario no tiene, en general, otra alternativa que aceptar la oferta del capitalista; si es forzado (aunque no por él) a aceptar esta oferta, la situación contractual es una en la que (a pesar de lo que opina Milton Friedman) el proletario no entra vo lun ta r i amen te . No es tá s i endo coercionado pero entra bajo coacción. El capitalista (o el sistema capitalista) está abusando del hecho de que el proletario no tiene alternativas y se puede decir que esto al

11menos se acerca a la coerción”. Es por ello que la distinción realizada por Hayek no es adecuada para el esclarecimiento de las relaciones económicas en el seno del capitalismo, pues aunque las relaciones contractuales sean formalmente libres, lo cierto es que son esencialmente asimétricas y que esta asimetría se deriva del poder que una de las partes (el capitalista) tiene sobre los recursos, lo cual genera una dependencia unilateral del trabajador con respecto al capitalista, pues aquél no tiene más opción que aceptar las condiciones que éste ponga al no tener más alternativa para acceder a los recursos necesarios para la existencia. Esta dependencia unilateral es percibida como

mala porque, aun siendo una relación libre en el sentido de Hayek, impide a los individuos elegir como quieren porque otras personas obstaculizan las alternativas, y en este sentido, se puede decir que es mala por los mismos motivos que es mala la coerción.

Ahora Tugendhat está en disposición de desmontar toda la concepción neoliberal: “Entonces, si para el liberalismo en el sentido estrecho (libertario) [neoliberal] es la obligación del gobierno velar para que las condiciones de libertad sean garantizadas, hay un corto paso de aquí a una concepción de acuerdo a la cual tendría que ser también una obligación del gobierno establecer condiciones que redujeran el poder unilateral en las relaciones formalmente libres de los contratos asimétricos. Medidas que van en esta dirección son, en particular, leyes que refuercen la posición del más débil en el convenio contractual y también leyes que aseguren una redistribución de riqueza por medio de una tributación progresiva; la distribución desigual de recursos está a la base de las injusticias de la dependencia unilateral. De esta manera, la concepción libertaria [neoliberal] del estado liberal abriría camino a la concepción igualitaria del estado liberal, no por medio de la adición de un propósito completamente diferente, sino por medio de una mera extensión del concepto de falta de libertad al concepto gemelo de

12dependencia unilateral”.

A pesar de que este tipo de acciones gubernamentales suponen una coerción, tal como denuncian los neoliberales, para Tugendhat se trata de una coerción justificada, pues el Estado no sólo tiene el deber de garantizar la libertad formal sino que además tiene que evitar las relaciones de dependencia unilateral y coercitivas entre los ciudadanos. En su opinión, cuando desde la posición neoliberal se aduce que la tributación es un tipo de robo, se presupone que existe una especie de justicia inherente a la distribución de la riqueza, lo cual descansa sobre el mito del estado natural lockeano en el que todos los individuos tienen acceso a

.14 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

los recursos. Como bien señala Tugendhat, la realidad es muy distinta puesto que la posesión de los recursos económicos ya está distribuida; de hecho, la propiedad no es anterior a la sociedad y al Estado sino que existe en función de un sistema de derechos y deberes y no es más, ni menos, que una institución social. Es por ello que a juicio de Tugendhat no hay razón para que se pueda considerar justificado que el Estado proteja la propiedad y no que la distribuya, pues si no éste carecería de legitimidad para los no propietarios. A partir de aquí, Tugendhat puede asumir la reivindicación de los derechos económicos, pues “podría ser la consecuencia normativa necesaria que se sacara del reconocimiento de que el Estado moderno no es –como la teoría clásica lo quería- una unión de propietarios; además, que ya no hay recursos libres. Con la ausencia de recursos libres en el Estado moderno, el Estado debe considerarse como atado al deber de garantizar a sus ciudadanos la posibilidad de ganarse la

13vida”.

Sin embargo, Tugendhat mantiene sus reservas con respecto a que los derechos económicos, tal como se recogen en la Declaración Universal de los Derechos Humanos de las Naciones Unidas y fueran elaborados en el Convenio de las Naciones Unidas sobre Derechos Económicos, Sociales y Culturales de 1966, se puedan inferir sin dificultad de la obligación que tiene el Estado de paliar las relaciones de dependencia unilateral, pues este tipo de derechos, tales como el derecho a la educación, al trabajo, a un estándar de vida adecuado, a atención médica, seguro de desempleo, enfermedad, invalidez y vejez, responden a problemas que trascienden el contrato asimétrico del que se ha venido hablando, pues, a su juicio, este problema era un problema de libertad en sentido amplio mientras que los problemas relacionados con estos derechos no parecen mantener este carácter. Por ello es necesario ampliar el concepto de libertad de tal forma que la falta de oportunidad sea entendida como una

forma de no libertad. De este modo el derecho al trabajo aparece como un problema de libertad porque éste es necesario para la autonomía de la persona. Asimismo se amplía aún más el concepto de libertad cuando se compensa a las personas que ya sea por invalidez, enfermedad o vejez no pueden trabajar, pues de lo que se les compensa no es de la falta de oportunidad sino de capacidad y, en definitiva, de la falta de libertad para actuar como desearían si no fuera por tal incapacidad.

Pero lo que más parece preocupar a Tugendhat en relación con el asunto de los derechos económicos es cómo se debe entender el concepto de derechos humanos para que en éstos queden incluidos aquéllos habida cuenta de la controversia suscitada al respecto, o, dicho de otro modo, si existen razones en el puro concepto de los derechos humanos que hagan necesario rechazar los derechos económicos. Aunque Tugendhat opina que la distinción entre derechos humanos negativos y positivos no es del todo correcta, considera que la mejor manera de abordar el problema es aceptarla como válida para luego preguntarse si contiene alguna razón para descartar los derechos económicos. Desde ese enfoque es necesario tener en cuenta la diferencia que existe entre la concepción de los derechos humanos que se tenía en el siglo XVIII y la que se ha mantenido desde la segunda mitad del XX, ya que en el siglo de las luces los derechos humanos eran concebidos como derechos naturales, es decir, derechos que los individuos tenían en un supuesto estado natural y que los gobiernos no sólo deben garantizar sino que además éstos son inst i tu idos precisamente para que proporcionen esa garantía. Esta concepción, en la que cada individuo mantiene en virtud de sus derechos exigencias con respecto a los demás individuos, excluye los derechos positivos, ya que éstos no pueden tener otro destinatario que el Estado, pero también entra en contradicción con los derechos civiles clásicos, los negativos, pues éstos están dirigidos principalmente al Estado. Es

.15 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

por ello que resulta más preciso concebir los derechos humanos como derechos únicamente legales en lugar de pensarlos como propios del derecho natural, lo que integra este problema en el más amplio de lo que ha de ser el Estado legítimo: “Entonces, parece lo más adecuado pensar los derechos humanos como exigencias cuyo destinatario es, ya en primera instancia (y no sólo secundariamente, como garantizador), el gobierno. Tan pronto como esto es reconocido, toda la idea de los derechos humanos se convierte en una parte de la

14teoría del Estado legítimo”.

Esta cuestión de la legitimidad alude a la necesidad de que la fundamentación última de los derechos humanos haya de ser moral y ello es reconocido por las Naciones Unidas toda vez que desde 1966 se explicita que “los derechos humanos 'se derivan' de la

15'inherente dignidad' de la persona humana”. Tugendhat entiende que existe una clara conex ión ent re d ign idad humana, autonomía, respeto e iguales derechos, por lo que el concepto de dignidad es el núcleo en el que confluyen los derechos negativos y los positivos. En este sentido arguye: “Ahora bien, si la autonomía está a la base del respeto y el respeto exige iguales derechos, parecería que la autonomía tendría que ser la pauta para la cuestión del contenido de los iguales derechos. Esto ya fue el caso en la concepción clásica de los derechos humanos, sólo que allá la autonomía fue algo tomado como ya dado y puesto en peligro sólo por la interferencia de los gobiernos. Así que los derechos humanos podían estar restringidos a los derechos negativos, derechos de libertad en el sentido estrecho de la palabra. Pero si, por otra parte, la autonomía de la persona es algo a que cada uno aspira pero que es inalcanzable para la mayoría de la gente por las condiciones predominantes, los derechos tienen que ser derechos no sólo de protección sino de posibilidad de realizar la autonomía. [...] Los derechos humanos positivos no pueden ser subsumidos bajo los derechos de libertad, porque independencia y autonomía son el

concepto más amplio; pero, en cambio, los derechos negativos sí pueden ser subsumidos bajo el concepto de autonomía e independencia. La autonomía es puesta en peligro no sólo por interferencia sino también por falta de condiciones favorables. La dignidad humana sufre daño en ambos

16casos”.

Al fundamentar los derechos humanos en la autonomía, Tugendhat considera que se otorga a los individuos un sentimiento de no dependencia y de respeto hacia sí mismos, toda vez que éstos ya no han de solicitar la protección del gobierno sino que pueden exigir a éste que cumpla con su obligación, pues los individuos tienen ese derecho; de este modo se puede superar la concepción benefactora de la legislación por otra en la que los individuos se conciben como sujetos de derechos y, por lo tanto, tienen la capacidad de demandar al Estado que los satisfaga.

Frente a esta concepción, los neoliberales han objetado que los derechos humanos han de ser universalizables y que los derechos económicos no cumplen con este requisito. En ese sentido, Michael Levin ha argüido que estos derechos no pueden ser universales porque hacerlos efectivos para algunos sólo es posible a expensas de otros, y en parecidos términos se ha expresado J. P. Day, quien mediante una suerte de argumentación similar concluye que la satisfacción de los derechos humanos económicos exige la violación de los derechos de propiedad de otras personas. Contra estas objeciones, Tugendhat responde que es trivial que aunque la compensación en la que consisten los derechos humanos económicos implique obviamente una relación asimétrica, ésta sólo se ha de llevar a cabo para paliar una asimetría aún mayor, y que, en cualquier caso, esta compensación requiere de una distribución por parte del gobierno que dista de ser igualitaria. Así pues, el referente básico de la universalidad no es otro que la dignidad humana: “El punto de referencia

.16 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

fundamental para la cuestión de la universalidad tiene que ser la dignidad humana. Lo que queremos es una sociedad donde la posibilidad de vivir una vida respetándose a sí mismo no sea un privilegio de algunos sino el derecho de todos. Este es el punto clave de la concepción ampliada de

17los derechos humanos”.

Así pues, Tugendhat consigue fundamentar de manera plausible la inclusión de los derechos económicos en los derechos humanos fundamentales sobre la base de los conceptos de autonomía y de dignidad, desmontando de manera contundente todo el planteamiento neoliberal, según el cual, como acabamos de ver, el Estado sólo tiene la función de garantizar el mantenimiento del sistema libre de mercado. No obstante, y aunque Tugendhat señala que e l reconocimiento de los derechos positivos ha de enmarcarse en la teoría del Estado legítimo, según la cual el Estado debe garantizar no sólo el derecho a la propiedad sino la protección de los no propietarios, pues, de lo contrario, carecería de legitimidad ante estos últimos, tengo para mí que tal legitimidad no se puede fundamentar. Porque, como bien señala Tugendhat, hablar de legitimidad alude a la fundamentación última, y ello no puede consistir en otra cosa que en ofrecer razones morales por las que el individuo deba someterse al Estado. ¿Y qué razones morales pueden encontrar los individuos para ceder su libertad ante el Estado? En mi opinión, ninguna: las únicas razones por las que los individuos se sienten obligados con respecto al Estado son de carácter prudencial, no moral. Ello no significa, obviamente, que todas las formas estatales sean igualmente ilegítimas, porque también la cuestión de la legitimidad es gradual. En este sentido, hay que reconocer que el Estado social que propone Tugendhat es menos ilegítimo que el Estado meramente liberal reivindicado por los neoliberales, ya que no es lo mismo un Estado que únicamente garantiza la dependencia unilateral de los trabajadores con respecto a los capitalistas, que otro, que realizando

también esta función, se preocupa por dar protección a sus ciudadanos. Pero esta protección social no va más allá de un sistema de mínimos y excluye casi totalmente la participación política de los ciudadanos, lo cual dista mucho de la genuina sociedad igualitaria hacia la que se debe apuntar si, en rigor, se pretende hablar de justicia. Porque mientras el Estado siga garantizando que exista un reparto desigual de la riqueza y del poder, habrá injusticia, y si atendemos a la caracterización de la violencia expresada más arriba, no podemos sino concluir que el Estado es, por su propia naturaleza, violento, y, por ende, ilegítimo. Tomarse la justicia en serio, tomarse la paz en serio, significa pues apuntar hacia la sociedad sin clases, hacia una sociedad que se distancia tanto del capitalismo liberal p redom inan te en l as soc iedades occidentales como del comunismo autoritario propio del ya desaparecido socialismo real, una sociedad que, en suma, se oriente hacia la realización del comunismo libertario.

Así pues, la crítica al discurso del liberalismo clásico no se agota en la postura mantenida por autores como Tugendhat, pues también el Estado social dista mucho de ser el mejor de los mundos sociales posibles y presenta, como acabamos de ver, importantes problemas de legitimidad. A este respecto resulta interesante la propuesta libertaria realizada por Javier Muguerza y su crítica al “renacimiento del Estado liberal” reivindicado

18por los neoliberales en general y por Robert Nozick en particular. Tal como nos recuerda Muguerza, Nozick afirma que cualquier tipo de Estado que vaya más allá de lo que él denomina Estado mínimo sería moralmente injustificable, pues éste es en última instancia el único tipo de Estado que respeta los

19derechos individuales. El Estado mínimo conceptualizado por Nozick es el único legítimo a su juicio porque tiene como función proteger los derechos individuales, razón por la que está llamado a defender la propiedad privada, pero no puede proceder a la redistribución de la riqueza mediante el cobro de impuestos, pues de ese modo atentaría

.17 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

contra los derechos individuales de los propietarios. Así las cosas, parece claro que los únicos derechos individuales que reconoce Nozick son los de la primera generación y por ello mismo debemos entender que su propuesta no podría resistir la crítica tugendhatiana al neoliberalismo. Muguerza, por su parte, señala que tanto neoliberales como libertarios coincidirían en la exaltación del individuo, pero se distancian radicalmente en la concepción que unos y otros sostienen del individualismo. Y es que e l ind iv idua l ismo que subyace a l neoliberalismo, y del que sin duda participa Nozick, viene a ser el que Crawford Macpherson acuñó como individualismo posesivo, el cual se remonta, en opinión de Macpherson, a Hobbes y posteriormente a Locke. Según Macpherson, el individualismo posesivo propio del liberalismo clásico y del neoliberalismo actual concibe la sociedad como un artificio humano destinado a garantizar las propiedades de los individuos, de manera que las relaciones entre éstos, que son ante todo de carácter mercantil, pues los propios individuos son primordialmente propietarios, se establezcan de manera ordenada. El propio Macpherson apunta que tal individualismo posesivo entró en crisis con la irrupción del movimiento obrero en la sociedad política, ya que ello obligó a las clases dominantes a organizar su propia clase política e incluso a subordinar el propio Estado a sus intereses de clase, tendencia de la que la máxima expresión estaría constituida por el auge de los fascismos en el siglo XX. En rigor, señala Muguerza, tal individualismo había nacido ya viciado porque, tal como Marx había puesto de relieve, el individuo es siempre individuo en sociedad, razón por la cual la concepción liberal del individuo deviene inoperante; sin embargo, aunque Muguerza hace esta concesión a Marx, señala de inmediato, haciendo gala de su libertarismo, que ciertamente el individuo no es posible al margen de la sociedad, pero tampoco es posible en la sociedad, al menos en las sociedades conocidas: “Ahora bien, contra lo que ciertos marxistas de propensión

colectivista se apresurarían tal vez a concluir –escribe Muguerza-, esa frase de Marx está muy lejos de zanjar la cuestión del individualismo. Pues la contrarrespuesta libertaria, y no ya simplemente liberal, podría bien ser que el individuo –que ciertamente no es posible sin la sociedad- no es tampoco posible en la sociedad o, por lo menos, en las

19sociedades que conocemos”. Y es que Muguerza entiende que, amén de las diferentes interpretaciones de Marx que ha habido, es también posible realizar una lectura individualista de Marx en relación con su tesis de la abolición del Estado, lectura individualista que habría de hacerse no ya desde el individualismo liberal, sino desde esa otra suerte de individualismo que Muguerza re iv ind ica , a saber, e l individualismo libertario. Como señala Muguerza, dicho individualismo se distancia r a d i c a l m e n t e d e l i n d i v i d u a l i s m o metodológico propuesto por Watkins o Jarvie, teóricos sociales popperianos que entienden que la teoría social sólo debe tener en cuenta aquellas categorías que puedan ser reducibles a los individuos o a las relaciones entre los individuos, puesto que tal individualismo metodológico se revelaría incapaz de explicar fenómenos sociales supraindividuales como la misma lucha de clases. A la pregunta por la existencia de tales fenómenos, el individual ismo metodológico sería incapaz de responder, mientras que otra suerte de individualismo, esta vez el ontológico reivindicado por Robert P. Wolff, respondería negativamente acaso de forma ingenua, al afirmar que lo único que existe realmente son los individuos, que entidades como el Estado o las clases sociales carecerían de existencia real, no tendrían un estatus ontológico, pues estarían reducidas a meras construcciones verbales. La resistencia que el Estado, las clases sociales y otras entidades supraindividuales muestran a su extinción es para Muguerza un argumento que evidencia la realidad de dichas entidades, y desde el individualismo ético que, en suma, es el individualismo libertario que reivindica Muguerza, no se vendría a defender la inexistencia de tales

.18 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

entidades supraindividuales, sino que, antes bien, se abogaría por la conveniencia de que dejaran de existir, pues una cosa es el ser, el mundo tal como es, y otra bien distinta el deber ser, es decir, el mundo tal y como creemos, siempre desde la perspectiva de nuestros valores, que debería ser, y, a juicio d e M u g u e r z a , n i n g u n a e n t i d a d supraindividual que atente contra la individualidad de los seres humanos debería existir: “Lo que sí me parece que se podría decir es que, existiendo todas aquellas entidades supraindividuales, acaso estaría bien que no existieran. Estaría bien que las relaciones de amor entre la gente nunca se institucionalizasen, como también estaría bien que no hubiera géneros ni roles de hombre o de mujer sino sólo personas relacionadas entre sí de muy diversos modos. Como también estaría bien que no hubiera diferencias de clase ni, puestos a eso, tampoco estratificación social o cualquier otro sucedáneo de las mismas. Y, por supuesto, estaría bien que no existiese algo como el Estado con el que sólo nos es dado relacionarnos como el siervo con el señor. Pero, con todo eso, lo único que estaríamos diciendo es que lo que existe –o, más exactamente, parte de lo que existe, es decir, todo cuanto atente contra la individualidad de los individuos- no debiera existir. Y semejante individualismo, muy distinto del ontológico, sería lo que podríamos llamar ahora un individualismo

21ético”.

Sobre la base de tal individualismo, pues, cabe no sólo criticar al Estado liberal sino también pasar revista al Estado social, pues ni uno ni otro satisfarían las aspiraciones libertarias que, en suma, vendrían a consistir en la efectiva distribución igualitaria de la riqueza y el poder. Y desde una perspectiva libertaria como la que hemos venido defendiendo, también el tercero de los principios sobre los que según Kant habría de sustentarse el Estado republicano, el de la igualdad de los súbditos en cuanto ciudadanos, sería problemático, por cuanto atentaría contra la libertad individual y

contribuiría por ende a hacer de tal Estado una institución violenta. Ciertamente Kant pretende salvaguardar la autonomía de los ciudadanos y, de hecho, mediante este tercer principio asume la tesis rousseauninana según la cual ningún hombre está obligado a cumplir ninguna ley que no se haya dado a sí mismo. Surge así un conflicto entre el segundo y el tercer principio, pues por una parte todos los ciudadanos tienen la obligación de obedecer las leyes que promulga el Estado y por otra no están obligados a cumplir sino las leyes que se autoimponen. Y para resolver esta aparente contradicción Kant recoge el también rousseauniano concepto de voluntad general, el cual se refiere no a la voluntad de la mayoría sino a la voluntad unificada del pueblo, a la voluntad de todos y de cada uno. En efecto, si las leyes por las que se rige la república emanan de la voluntad general entendida como la voluntad de todos y de cada uno, quedaría salvaguardado el principio de autonomía, pues el individuo, al obedecer a la voluntad general, en rigor sólo se estaría obedeciendo a sí mismo. Ahora bien, esto no significa que Kant fuera partidario de la democracia, entendida como aquella forma de organización política en la que el poder y por tanto la capacidad para elaborar las leyes está en manos de todos los ciudadanos, pues ésta es a juicio de Kant una forma despótica de organizar el Estado. En efecto, Kant señala que las formas de organizar el Estado se pueden distinguir según dos criterios: en función de la soberanía o en función de la forma de gobierno. Atendiendo al primer criterio, un Estado puede ser una autocracia, cuando el poder reside en una sola persona; una aristocracia, cuando el poder lo tiene un grupo reducido de individuos; o una democracia, si el poder está en manos de todos los miembros de la sociedad. Pero en relación con el segundo criterio, un Estado sólo pude ser republicano, cuando respeta la libertad de los individuos, o despótico, cuando no lo hace. Y Kant recela de la democracia precisamente porque entiende que ésta incurre en el despotismo por dos

.19 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

razones: primero porque en una democracia no hay cabida para la separación de poderes, necesaria para la elusión del despotismo, y segundo porque en democracia las leyes nunca emanan de la voluntad general sino que en el mejor de los casos proceden de la voluntad de la mayoría, con lo que los regímenes democrát icos dev ienen finalmente en tiranía de la mayoría: “Para que no se confunda la constitución republicana con la democracia (como suele ocurrir) es preciso hacer notar lo siguiente. Las formas de un Estado (civitas) pueden clasificarse por la diferencia en las personas que poseen el supremo poder del Estado o por el modo de gobernar al pueblo, sea quien fuere el gobernante; la primera se denomina realmente la forma de la soberanía (forma imperii) y sólo hay tres forma posibles, a saber, la soberanía la posee uno solo o algunos relacionados entre sí o todos los que forman la sociedad civil conjuntamente (autocracia, aristocracia y democracia, poder del príncipe, de la nobleza, del pueblo). La segunda es la forma del gobierno (forma regiminis) y se refiere al modo como el Estado hace uso de la plenitud de su poder, modo basado en la constitución (en el acto de la voluntad general por el que una masa se convierte en un pueblo): en este sentido la constitución es o republicana o despótica. El republicanismo es el principio político de la separación del poder ejecutivo (gobierno) del legislativo; el despotismo es el principio de la ejecución arbitraria por el Estado de leyes que él mismo se ha dado, con lo que la voluntad pública es manejada por el gobernante como si se tratara de su voluntad particular. De las tres formas de Estado, la democracia es, en el sentido genuino de la palabra, necesariamente un despotismo, porque funda un poder ejecutivo donde todos deciden sobre y, en todo caso, también contra uno (quien, por tanto, no da su consentimiento), con lo que todos, sin ser todos, deciden; esto es una contradicción de la voluntad general consigo misma y con la

22libertad”.

Puesto que uno de los grandes problemas de

la democracia es que en ella no hay cabida para la separación de poderes, ya que si el soberano es todo el pueblo entonces todos participan por igual del poder legislativo, Kant va a proponer un sistema representativo como alternativa para no incurrir en el despotismo. Lo ideal para Kant, entonces, es que en lugar de que todos los ciudadanos sean igualmente soberanos, en vez de que todos participen en condiciones de igualdad en la elaboración de las leyes que luego habrán de cumplir todos, que sean sólo unos pocos en representación de todos quienes se encarguen de legislar. Y es aquí donde aparece el célebre “como si” kantiano, pues a su juicio la única manera de que la ley del Estado sea representativa de la voluntad general es que ésta sea promulgada por unos representantes que habrán de realizarla “como si” ésta emanara de la voluntad general: “Se puede decir, por consiguiente, que cuanto más reducido es el número de personas del poder estatal (el número de soberanos) y cuanto mayor es la representación de los mismos, tanto más abierta está la constitución a la posibilidad del republicanismo y puede esperarse que se llegue, finalmente, a él a través de sucesivas reformas. Por esta razón, llegar a esta única constitución totalmente legítima resulta más difícil en la aristocracia que en la monarquía e imposible en la democracia, a no ser mediante una revolución violenta. Pero el pueblo tiene más interés, sin comparación, en el modo de gobierno que en la forma de Estado (aun cuando la mayor o menor adecuación de ésta a aquel fin tiene mucha importancia). Al modo de gobierno que es conforme a la idea del derecho pertenece el sistema representativo, único en el que es posible un modo de gobierno republicano y sin el cual el gobierno es despótico y violento

22(sea cual fuere la Constitución)”.

La democracia de la que Kant desconfía es pues la democracia directa entendida más o menos al modo rousseauniano que hoy llamaríamos democracia participativa, mientras que la constitución republicana de la que él nos habla se asemejaría bastante a

.20 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

nuestras democracias representativas actuales. Y desde luego, desde un punto de vista libertario, la crítica kantiana al modelo de democracia defendido por Rousseau sería considerada del todo plausible sobre todo en lo que se refiere a la posibilidad de que la ley del Estado emane de la voluntad general entendida como voluntad unificada del pueblo, pues ciertamente cuando de lo que se trata es de hacer coincidir las voluntades de individuos humanos con intereses contrapuestos, rara vez se alcanza un consenso, es decir, un acuerdo por unanimidad, y a lo más que se suele llegar es a un acuerdo mayoritario. Mas por plausible que sea la crítica kantiana a la democracia participativa, no parece admisible la solución representativa que nos propone, pues si para que una norma jurídica tenga legitimidad es necesario que cuente con el consentimiento de todos los afectados, no se ve de qué forma si éstos son incapaces de llegar a un consenso podría un solo representante interpretar la voluntad general a partir de las distintas, y a veces opuestas, voluntades particulares sin atentar contra la libertad de ninguno de los afectados. Así las cosas,

habría que concederle a Kant la razón cuando tilda a la democracia directa de régimen violento, mas habría también que señalar que su propuesta representativa es aún más violenta, pues el grado de violencia se mide aquí en función del respeto a la libertad del individuo. Y esa violencia, que no es otra que la violencia del Estado que es en sí mismo violento, continúa hoy en día incluso en los países que se llaman a sí mismos democráticos, pues cuando el Estado impide a los individuos participar directamente en la elaboración de las leyes que luego están obligados a cumplir actúa violentamente, y cuando el Estado protege la propiedad privada de los más favorecidos en claro perjuicio de los excluidos de la sociedad, actúa con violencia, por más que luego, en el mejor de los casos, sea capaz de llevar a cabo una política social de protección; en definitiva, mientras persista la estratificación social, mientras no se erradiquen las desigualdades sociales y los individuos no puedan decidir libremente qué normas se dan a sí mismos, habrá violencia. Y contra esta violencia, sólo cabe el disenso.

Notas

1. Profesor tutor del Centro Asociado de la UNED d e L a s P a l m a s d e G r a n C a n a r i a . [email protected]

2. Cfr. M. A. Rossi, “Aproximaciones al pensamiento político de Immanuel Kant”, en A. A. Boron (comp.), La filosofía política moderna. De Hobbes a Marx, Buenos Aires, Clacso, 2000.

3. I. Kant, Hacia la paz perpetua. Un esbozo filosófico, 1795, traducción de J. Muñoz, Madrid, Biblioteca Nueva, 1999, p. 81.

4. Ibíd., p. 83.

5. Ibíd.

6. F. A. Hayek, The Constitution of Liberty, p. 12, citado por Tugendhat.

7. Cfr. M. Friedman, Capitalism and Freedom, cap. I.

8. E. Tugendhat, Ser, verdad, acción. Ensayos filosóficos, Barcelona, Gedisa, 1998, p. 241.

9. I. Berlin, Four Essays on Liberty, citado por Tugendhat.

10. Ibíd, citado por Tugendhat.

11. E. Tugendhat, ob. cit., p. 243.

12. Ibíd, p. 245.

13. Ibíd, pp. 246 y s.

14. Ibíd, p. 250.

15. Ibíd, p. 251.

16. Ibíd, p. 252.

.21 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

17. Ibíd, p. 254.

18. Cfr., J. Muguerza, Desde la perplejidad, México, Fondo de Cultura Económica, 1990, pp. 172 y ss.

19. Cfr. R. Nozick, Anarquía, Estado y utopía.

20. J. Muguerza, ob. cit., p.178.

21. Ibíd., pp. 180 y s.

22. I. Kant, ob. cit., pp. 85 y s.

23. Ibíd., pp. 87 y s.

17. Ibíd, p. 254.

18. Cfr., J. Muguerza, Desde la perplejidad, México, Fondo de Cultura Económica, 1990, pp. 172 y ss.

19. Cfr. R. Nozick, Anarquía, Estado y utopía.

20. J. Muguerza, ob. cit., p.178.

21. Ibíd., pp. 180 y s.

22. I. Kant, ob. cit., pp. 85 y s. 3. Ibíd., pp. 87 y s.

.22 INTERNACIONAL - Pedro S. Limiñana

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 9-22, 2011Novembro

Glória Cecília Figueiredo ¹

Resumo: Este artigo parte do reconhecimento de que permanece a importância fulcral do pensamento de Karl Marx ente ndido como uma conceituação insurgente e subversiva que problematizou a

hegemonia do modo capitalista de produção social. Considerando-se isto, o artigo focaliza especialmente diversas contribuições do pensamento marxista e do pensamento crítico sobre a

cidade e sobre o urbano, revisitando algumas conceituações de referência nos campos dos Estudos Urbanos e do Urbanismo. Propõe-se também uma reflexão que mobilize as formulações revisitadas para uma compreensão e ação dentro do atual cenário urbano de Salvador.

Marxismo – Espaço - Urbano – Cidade – Salvador.Palavras-chave:

O PENSAMENTO MARXISTA E O PENSAMENTO CRÍTICO SOBRE O URBANO:

ALGUMAS ANOTAÇÕES

1.0. Introdução

A partir da referência do pensamento marxista sobre a cidade e sobre o urbano, propõe-se uma abordagem que focalize, nos campos dos Estudos Urbanos e do Urbanismo,

conceituações, através dos quais se produziram análises críticas da produção social do espaço hegemonizada pelo modo capitalista de produção.

O ponto de partida para tal abordagem é reconhecer que permanece a importância e a

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

O ponto de partida para tal abordagem é reconhecer que permanece a importância e a referência fulcral do pensamento de Karl Marx, entendido como uma conceituação insurgente e subversiva que problematizou a hegemonia do modo capitalista de produção social (LIPIETZ, 1991, CHAUÍ, 1993). Neste caso, entendemos que a concepção materialista da história (que ele partilhou com F. Engels) é uma referência crucial, quando dá centralidade à própria vida humana, sua materialidade (objetiva e subjetiva) e as condições e modos sociais para a vida humana, historicamente definidos (MARX e ENGELS, 2009). Cabe destacar que o pensamento marxista apresenta análises sobre questões que se colocavam na realidade que se apresentava para seus pensadores.

Notadamente com relação ao tipo de problematização da questão urbana, efetuada na obra de Karl Marx, podem-se destacar alguns temas referenciais, sistematizados por David Harvey, a partir da obra “O Capital” e também colhidas nos Manuscritos econômicos e filosóficos do próprio Marx (HARVEY 2005, MARX, 2008):

- A percepção da “organização espacial” e da expansão geográfica como produto necessário para o processo de acumulação capitalista, já que a criação da mais valia depende de uma expansão constante da esfera da circulação.

- A consideração dos meios de comunicação e transporte e dos custos de circulação do capital resultantes como variável que interfere na criação de condições para a troca. E vinculado a isto, o papel das economias de aglomeração urbana.

- A discussão sobre a renda da terra, a partir de Smith e Ricardo, mas que imprime uma interpretação marxista da renda da terra como preço de monopólio, onde a localização tem um papel decisivo e é calibrada pelo conflito entre arrendatário e proprietário.

Mesmo reconhecendo a pertinência da formulação indicada acima, faz-se necessário alertar que a condição de validade e atualidade do pensamento marxista sobre a cada vez mais complexa realidade urbana, precisa se despir de qualquer abordagem doutr inár ia e essencialista. Aqui se está diretamente dialogando com a perspectiva de autores como Doreen Massey, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (LACLAU e MOUFFE, 1987, MASSEY 2008).

Outro aspecto a ser enfatizado é o de que a referência, no debate do urbano, do pensamento de Marx e as novas formulações do campo chamado de marxista, precisam ser encaradas pelo que foram e são efetivamente: como representações que disputam e disputaram na sociedade a orientação das ações humanas com outras representações. Neste ponto, podemos nos apoiar em Hanna Arendt para afirmar que o agir humano é constituído no jogo entrelaçado entre discursos e ações dos seus múltiplos agentes (ARENDT, 2007).

Discurso e ação guardam reciprocidade, mas não são coincidentes. Isto para dizer logo em seguida, que o pensamento marxista e outros pensamentos críticos que o adotaram como referência em diferentes graus, existiram ao lado de uma miríade outras correntes de pensamento, na disputa pela instituição de diferentes tendências de uso e ocupação do espaço. A ativação na íntegra ou parcialmente desta ou daquela tendência, no processo de produção social do espaço, r e fe re - se à va lo ração de ce r t as representações e concepções como orientadoras ou como explicativas para ações de determinados agentes sociais, de acordo com os seus interesses.

2 A contribuição do pensamento .0.marxista e do pensamento crítico nos Estudos Urbanos e no Urbanismo

Especificamente nos campos dos Estudos Urbanos e do Urbanismo, pode-se afirmar

.24 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

que o pensamento marxista coexistiu, não sem tensões e conflitos, com outras representações. Seja considerando as correntes relativas a uma prática urbanística

2pré Revolução Industrial (KOHLSDORF, 1996), seja com relação ao amplo espectro de correntes urbanísticas instituídas por um estatuto científico (KOHLSDORF, op. cit., CHOAY, 2005, HALL, 2007, LEME, 2005), cujo discurso precursor seria dado por

3Ildefonso Cerdá em 1859 (SORIA y PUIG, 1996).

Dito isto, passa-se agora a pontuar algumas contribuições fundamentais do pensamento marxista e do pensamento crítico no âmbito dos Estudos Urbanos e do Urbanismo. Entende-se que estas contribuições disponibilizam um instrumental conceitual que continua extremamente importante, para o enfrentamento dos nossos atuais problemas urbanos, numa perspectiva de necessária superação do domínio capitalista.

Num contexto de emergência das sociedades industriais européias do século XIX teve-se, além da contribuição de Karl Marx, já pontuada, a discussão que F. Engels promoveu no seu emblemático “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”. Engels apresentou as condições de reprodução da classe trabalhadora nas cidades inglesas do século XIX. Neste contexto, as cidades inglesas foram transformadas pela Revolução Industrial, evidenciando a dominação do modo de produção capitalista. Engels analisou assim um quadro funesto e detalhado das condições precárias da habitação dos trabalhadores em tais cidades, ao mesmo tempo em que denunciava a existência de um dinâmico mercado imobiliário, de locação, que exauria ao máximo a renda do proletariado, mesmo oferecendo-lhes condições de moradia hediondas (ENGELS, 1975).

Já a literatura urbana que aborda o período entre fins do século XIX e meados do século XX, é marcada pelos temas da habitação

proletária na Europa e Estados Unidos, da modernização das antigas estruturas coloniais das cidades brasileiras e do processo de suburbanização europeu e estadunidense. Neste período destacam-se dentre as análises do campo marxista as formulações de N. Bukharin e G. Preobrajensky, revisitados através da Antologia de Françoise Choay (CHOAY, 2005).

Os dois marxistas, supra referidos, trataram, em 1919 sobre questões urbanas com as quais se defrontava o regime socialista soviético da primeira fase da revolução. A abordagem destes autores foi muito mais de um programa de orientação da ação estatal, que definia de forma dinâmica e processual desdobramentos territoriais e espaciais, do que um "modelo urbanístico". N. Bukharin e G. Preobrajensky trataram das políticas de habitação empreendidas pelo poder soviético, tais como a nacionalização das casas burguesas, a anulação ou diminuição dos aluguéis atrasados dos operários, a instituição de um programa de alojamento gratuito para os trabalhadores que moravam nas casas nacionalizadas, a relocação, nas grandes cidades, dos operários que originalmente moravam em subsolos e casas destruídas, para palacetes e grandes imóveis do centro e a desurbanização (ibid).

Avançando para um contexto pós segunda Guerra Mundial coloca-se com relevo o pensamento crítico de Jane Jacobs, que se insurgiu contra o Urbanismo ortodoxo modernista ou howardiano. Jane Jacobs propôs que a rua urbana deveria possuir três qualidades principais, quais fossem, uma demarcação entre espaço público e privado, fachadas dos edifícios voltadas para ela, além do uso e animação permanente da rua. Jacobs entendia que a existência de ocupações de lojas, bares e restaurantes contribuiriam para a segurança da rua, pois seriam atrativos para o seu uso. Estas condições constituiriam um sentido de locais de passagens vivos, através de uma circulação permanente e intensa (CHOAY,

.25 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

2005, JACOBS, 2009).

No âmbito da Economia Política Marxista faz-se referência para a teoria do controle social e da forma urbana de David Gordon, que dispõe uma explicação marxista para a forma dispersa de cidade. Michael Storper e Richard Walker apontaram uma teoria da localização segundo o trabalho e a forma urbana. A teoria da acumulação de capital, pela perspectiva de teóricos como Hill, Harvey e Edel, tratou dos processos de desenvolvimento da cidade ou urbanização enquanto manifestação espacial do processo de acumulação (GOTTDIENER, 1997, HARVEY, 2005).

Num período mais recente, situado em tempos de acumulação flexível, destacam-se como contribuições do campo marxista as formulações de David Harvey, onde este autor observa a relação entre a ascensão de

4formas culturais “pós-modernas” . Harvey salienta a emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital e um novo ciclo de “compressão do tempo-espaço” na organização do capitalismo, na transição do fordismo para a acumulação flexível, enquanto forma de organização dominante deste modo de produção (HARVEY, 2006a, pp. 115-184).

Outro tema, tratado por David Harvey, refere-se ao papel do capital financeiro e do Estado intervencionista na produção do ambiente construído. Segundo Harvey, a atuação dos agentes capitalistas se daria, através da realização de três circuitos distintos de acumulação: o circuito primário que, se referia à organização do próprio processo produtivo, como a aplicação da maquinaria e trabalho assalariado para produzir bens em troca de lucro; o circuito secundário que implicava investimento no ambiente construído para produção, ou ativo fixo, e bens de consumo, ou fundo de consumo; e o circuito terciário que se referia ao investimento em ciência e tecnologia e a d e s p e s a s s o c i a i s r e l a c i o n a d a s , principalmente, com os processos de

reprodução da fo rça de t raba lho (GOTTDIENER, 1997, HARVEY, 2005).

Outra referência fulcral do pensamento marxista refere-se à obra de Henri Lefebvre, formulada na década de 1970. Lefebvre desferiu críticas sobre as hipóteses conceituais do espaço essencializado, do espaço funcional, e do espaço racional-funcional e funcional-instrumental e propôs uma abordagem do espaço como articulação entre forma e conteúdo. Para Lefebvre, o espaço era produto social e produto da história, e a produção do espaço se vincularia a grupos particulares que se apropriavam do espaço para gerí-lo e para explorá-lo. Diante disso a análise crítica deveria definir como e de acordo com qual estratégia determinado espaço cons ta táve l fo i p roduz ido (LEFEBVRE, 2008).

Não se pode deixar de mencionar Manuel Castells, no seu emblemático livro “A Questão Urbana” de 1972. Nesta obra, Castells colocou a discussão sobre o espaço urbano, cujo principal efeito foi evidenciar a problemática da reprodução da força de trabalho, dando ênfase a necessidade de superar os déficits dos equipamentos e serviços de consumo coletivo que afetavam, e continuam afetando, a classe trabalhadora (CASTELLS, 1983, GOTTDIENER, 1997).Outra conceituação importante é aquela atinente à perspectiva anti-essencialista de hegemonia proposta por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. Estes autores conceituam que

Si la hegemonía es un tipo de relación política y no un concepto topográfico, está claro que tampoco puede ser concebida como uma irradiación de efectos a partir de un punto privilegiado (...) ninguna lógica hegemônica puede dar cuenta de la totalidad de lo social y constituir su centro, ya que en tal caso se habría producido una nueva sutura y el concepto mismo de hegemonía se habría autoeliminado. La apertura de lo social es, por consiguiente, la

precondición de toda práct ica hegemónica.(...) Por tanto, el problema del poder no puede plantearse en términos de la búsqueda de la clase o del sector dominante que constituye el

.26 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

centro de una formación hegemónica, ya que, por definición, dicho centro nos eludirá siempre. Pero también es incorrecto plantear como alternativa el pluralismo, o la difusión total del poder en el seno de lo social, ya que esto tornaría el análisis ciego a la presencia de puntos nodales y a lãs concentraciones parciales de poder existentes en toda formación social concreta. Este es el punto en el que buena parte de los conceptos del análisis clásico —«centro», «poder», «autonomía», etc.— pueden ser reintroducidos si se define su estatus: todos ellos son lógicas sociales, contingentes, que como tales adquieren su sentido en contextos coyunturales y relaciónales precisos, en los que siempre estarán limitados por otras lógicas, muchas veces contradictorias; pero ninguno de ellos tiene una validez absoluta en el sentido de que defina um espacio o momento estructural que no pueda, a su vez, ser subvertido (LACLAU e MOUFFE, 1987, pp. 241-243).

Ressalta-se, na década de 1990, a crítica efetuada por Mike Davis da Arquitetura denominada pós-moderna. A partir da realidade norte-americana, Davis observa a “intenção coercitiva da arquitetura pós-modernista, em sua ambição não de hegemonizar a cidade, à maneira dos grandes prédios modernistas, mas antes, de polarizá-la em espaços radicalmente antagônicos”. O entender de Davis foi o de que “esse impulso profundamente antiurbano, inspirado por forças financeiras d e s e n f r e a d a s e p o r u m a l ó g i c a haussmanniana de controle social, parece-me constituir o verdadeiro zeitgeist do pós-modernismo” (DAVIS, 1993).

Já o brasileiro e geógrafo Milton Santos Milton Santos apresenta em 1996 uma conceituação dialética do espaço, onde o define como sendo “formado por um conjunto ind issoc iáve l , so l idár io e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Para Santos, atualmente o espaço seria “um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes”.

Este autor alerta para o fato dos objetos não terem realidade filosófica, pois não nos permitem o conhecimento quando os vemos separados dos sistemas de ações (SANTOS, 2008, p. 63).

Também na geografia é crucial a abordagem alternativa anti-essencialista de espaço proposta por Doreen Massey – abertura para o futuro e para política, considerando que

Primeiro, reconhecemos o espaço como produto de inter-relações, como sendo constituído através de interações, desde a imensidão do global até o intimamente pequeno (...) Segundo, compreendemos o espaço como a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade, no sentido da pluralidade contemporânea, como a esfera na qual distintas trajetórias coexistem; como esfera, portanto, da coexistência da heterogeneidade. Sem espaço, não há multiplicidade; sem multiplicidade, não há espaço. Se espaço é, sem dúvida, o produto de inter-relações, então deve estar baseado na existência da pluralidade. Multiplicidade e espaço são co-constitutivos. Terceiro, reconhecemos o espaço como estando sempre em construção. Precisamente porque o espaço, nesta interpretação, é um produto de relações-entre, relações que estão, necessariamente, embutidas em práticas materiais que devem ser efetivadas, ele está sempre no processo de fazer-se. Jamais está acabado, nunca está fechado. Talvez pudéssemos imaginar o espaço como uma simultaneidade de estórias-até-agora (...) (MASSEY, pp. 29-33).

Parece importante também apontar para o desvelamento que a filósofa Otília Arantes faz do Planejamento Estratégico. Para esta autora, esta corrente seria marcada por uma concepção centrada na mobilização de valores e elementos culturais que conferem uma identidade local, combustível da estratégia de inserção competitiva na economia globalizada. Para Arantes, o Planejamento Estratégico participa da exploração de uma nova fronteira de acumulação de poder e dinheiro, qual seja, o negócio das imagens, através da prática de um culturalismo de mercado. Assim, se configuraria a “âncora identitária da nova urbanística” (ARANTES, 2000, pp. 11-16).

Outra referência importante é a contribuição

.27 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

.28 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.do sociólogo Francisco de Oliveira, que desde a década de 1970, apoiado em um instrumental conceitual marxista chama atenção para as especificidades dos países subdesenvolvidos (OLIVEIRA, 1976). Mais recentemente este autor alerta para a constituição de um “Estado de exceção”. Para Oliveira, historicamente o Estado brasileiro transitou de um “esforço de normatividade para lograr estabelecer a relação capital-trabalho” e “promover as condições gerais da produção para a industrialização” para um “Estado de exceção” (ibid, 2003, pp. 9-14). Para este autor neste Estado

A financeirização das economias e principalmente dos orçamentos públicos retira a autonomia do Estado; produz-se uma autonomização do mercado, que é o outro pilar da exceção. Mas a contradição está em que tornado supérfluo pela autonomização, o Estado se funcionaliza como uma máquina de arrecadação para tornar o excedente disponível para o capital. E a exceção está em que as políticas sociais não têm mais o projeto de mudar a distribuição da renda (...) e se t r a n s f o r m a r a m e m a n t i p o l í t i c a s d e funcionalização da pobreza (ibid, p. 11).

Chama-se atenção também para a atualização que Pedro Fiori de Arantes apresenta sobre a discussão da “velha renda fundiária”, ao abordar um novo tipo de renda imobiliária, que ele denomina “renda da forma”. Sua emergência estaria articulada com a passagem da hegemonia do capital industrial para a das finanças globalizadas e com uma tendência de fusão entre uma arquitetura de fluidificação das formas e marketing, cujo emblema é o Guggenheim Bilbao (ARANTES, 2010, pp. 161-184). De acordo com a formulação de Arantes sobre esta renda

(...) O tipo de valorização que promovem é de outra natureza que a do mercado imobiliário stricto sensu. Essas obras, em geral, não estão diretamente à venda, apesar de muitas vezes fazerem parte de estratégias de “cidades à venda” ou de valorização das marcas. Seu valor de uso é o de representação e distinção. Elas não compõem o tecido urbano corriqueiro e, em geral, não precisam obedecer às legislações de uso do solo. São exceções que pretendem constituir-se em “fatos primários” da cidade,

reconhecidos como monumentos, mesmo quando a encomenda é privada. A renda que geram é similar à renda fundiária, porém diferente: é uma renda monopolística intrínseca à sua forma arquitetônica única e espetacular.Por isso, essa arquitetura obtém mais dividendos na circulação do que com sua produção, ou melhor, sua produção é comandada pelos ganhos advindos da sua divulgação midiática e da capacidade de atrair riquezas (por meio de investidores, turistas, captação de fundos públicos etc). Trata-se de uma arquitetura que circula como imagem e, por isso, já nasce como figuração de si mesma, num círculo tautológico de redução da experiência arquitetônica à pura visualidade, resultado da busca incessante pelo ineditismo e pelo que denominamos renda da forma (ibid, 2010, p. 162).

3.0. Pensar e agir subversivo no Urbano de hoje: o caso de Salvador

Parece importante apontar para uma reflexão que mobilize os conceitos do pensamento marxista e do pensamento crítico sobre o urbano para uma compreensão e ação dentro do atual cenário urbano de Salvador. Assim, nos itens abaixo apresentamos alguns aspectos de caracterização deste cenário para em seguida propor Outras Estórias Possíveis.

3.1. O passivo urbano de Salvador

No período recente, eclodem inúmeros eventos e fatos, relativos à produção do urbano, com implicações na formação de tendências de uso e ocupação do espaço. A emergência destes eventos e fatos relaciona-se com a constituição no Brasil de uma nova ambiência legal, normativa e institucional no âmbito do planejamento urbano, do Urbanismo e das políticas urbanas. Os marcos desta ambiência referem-se à aprovação do Estatuto da Cidade no ano de 2001; a criação do Ministério das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades em 2003; a realização de conferências bianuais das cidades, a partir de 2003, com definição participativa da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano; a aprovação da lei federal de iniciativa popular que instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

Social e seu respectivo Conselho gestor em 2005; a aprovação do marco regulatório do saneamento básico; a vigência do Plano de Aceleração do Crescimento e do Programa Minha Casa, Minha Vida, dentre outras.

Ao mesmo tempo, persiste e se atualiza um histórico de urbanização marcada por uma vasta produção de acirradas desigualdades espaciais, com as marcas brasileiras do racismo, da pobreza urbana em massa, da violência, do tráfico de drogas, dos processos de segregação, expulsão e gentrificação que afetam os pobres e as coletividades em situação de vulnerabilidade social e econômica. Os megaeventos esportivos, a generalização da violência e da “indústria do medo”, os freqüentes desastres “não naturais”, que acometem a população das metrópoles brasileiras, incluída Salvador, dão o tom deste cenário atual.

Especificamente no que diz respeito às demandas sociais por direito à moradia e direito à cidade, os indicadores disponíveis apontam para níveis expressivos de necessidades habitacionais nos âmbitos nacional, regional e local. De acordo com estudos elaborados pelo Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro (CEI/FJP), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o déficit habitacional no país estimado em 2007 é de 6,273 milhões de domicílios, dos quais 5,180 milhões, ou 82,6%, estão localizados nas áreas urbanas (CEI/FJP, 2009, p. 24). Este passivo de necessidades habitacionais apresenta as maiores ocorrências na região Sudeste - 2,335 milhões ou 37,2% do total -, seguido pela Nordeste, com 2,144 milhões ou 34,2% do mesmo total (op. cit.).

Na Bahia o déficit habitacional estimado é de 510.677 domicílios, sendo 359.784 em áreas urbanas e 150.893 nas rurais. Para a Região Metropolitana de Salvador o indicador é de 141.025 unidades, sendo que 138.946 em áreas urbanas e 2.079 nas rurais (ibid, p. 25)Ainda conforme os estudos do CEI/FJP dentro das diversas categorias em que se apresentam a inadequação dos domicílios urbanos no Brasil têm-se 1.879.907 unidades com inadequação fundiária, 928.777 domicílios sem banheiro, 10.454.947 com carência de infraestrutura, 1.500.709 unidades com situações de adensamento excessivo e 543.066 com cobertura inadequada (2009, p. 59).

No que se refere à distribuição do déficit habitacional por faixas de renda, os estudos do CEI/FJP apontam para a concentração na faixa até três salários mínimos, que responde por 89,4% destas situações. A região onde as desigualdades de acesso à moradia são mais graves é a Nordeste, onde 95,9% do déficit habitacional corresponde aos domicílios na faixa até três salários mínimos (2009, p. 28). No Estado da Bahia o percentual deste déficit na faixa de renda de zero a três salários mínimos é de 95,7% e na Região Metropolitana de Salvador é de 94,8% (op. cit., p. 29).

Gráfico 1 – Déficit Habitacional, segundo Unidades da Federação – Brasil – 2007.

.29 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

Os cenários delineados, pelos indicadores apresentados acima, indicam a ocorrência predominante das situações de déficit habitacional em grupos sociais e coletividades vulneráveis social e economicamente que demandam a promoção do direito à cidade e do direito à moradia.

3.2. A Hegemonia das Empresas imobiliárias na produção do Espaço

Um outro aspecto do cenário urbano atual de Salvador, diz respeito aos termos em que acontece a produção imobiliária. Assim, observando-se a emissão das licenças de alvarás de construção de 2001 a 2009, fica evidente uma avassaladora hegemonia das empresas imobiliárias nos processos de formalização da produção do espaço

Quadro 1 - Participação dos agentes nas intenções da produção imobiliária licenciada - Salvador, 2001 a 2009.

*A. C. = Área construída licenciada.**No. Empreend. = Quantidade de empreendimentos licenciados, segundo número de licenças de alvarás de construção emitidos. Elaborado pela autora com base nos dados da SUCOM (2009).

Gráfico 2 – Participação dos agentes nas intenções da produção imobiliária licenciada - Salvador, 2001 a 2009.

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da SUCOM (2009).

Como se constata, as empresas imobiliárias são responsáveis por mais de 55% do total de área cons t ru ída l i cenc iada para os 6 .972 empreendimentos aprovados. Este domínio imperioso logo contrasta com os desempenhos, que se tornam pífios, comparativamente, das intenções da produção imobiliária licenciada dos órgãos estatais, associações e igrejas e entidades religiosas.

Esta circunstância de hegemonia pelas empresas imobiliárias indica uma imensa concentração das intenções da produção imobiliária licenciada por poucos destes agentes. Entende-se que este fato resulta da condição de restrita socialização do controle jurídico da propriedade, bem como das capacidades monetárias dos agentes e financiamento da produção do espaço.

Porém, não sendo um a priori, esta hegemonia das empresas imobiliárias, tem se constituído e se atualizado pelas circunstâncias e articulações contingentes que especificam as condições de realização dos processos de formalização do espaço. Assim, por uma “ intervenção

5hegemônica” as empresas imobiliárias tem produzido socialmente territorialidades e territorializações que imputam racionalidades capitalistas para o conjunto da sociedade.

Agentes 2A.C. (m )* oN . Empreend.**

Empresas imobiliárias 13.931.490,84 1.105

Outras empresas 4.790.652,78 791

Pessoas físicas 3.301.182,68 4.466

Órgãos estatais 1.140.755,14 180

Associações 1.116.288,99 165

Igrejas e entidades de cunho religioso

320.192,16 193

Outros 458.015,25 72

Total Geral 25.058.577,84 6.972

.30 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

Neste cenário é importante destacar a imensa fragilidade da atuação estatal, já que suas intenções de produção do espaço possuem uma baixíssima abrangência territorial - se comparada com as das empresas imobiliárias ou das outras empresas -, resultante da hegemonia de processos de instrumentalização do espaço, sob a égide da racionalidade capitalista. A marca desta fraca presença espacial estatal na produção imobiliária licenciada pelo Município de Salvador remete para um desequilíbrio dado pela maior participação do Estado da Bahia e da União – destacando-se a histórica centralização das políticas urbanas pelo primeiro ente -, em detrimento da participação do Município, responsável pelos serviços locais de caráteressencial.

Mesmo sem desconsiderar que as funções de políticas de habitação e saneamento e de políticas de habitação e saneamento articuladas com a prestação de serviços públicos vêm sendo desenvolvidas pelos agentes estatais, constata-se os indícios de uma atuação extremamente frágil do Estado na produção, distribuição e administração dos meios de consumo coletivo. Isto porque, dentro das intenções da produção imobiliária licenciada pelo Município de Salvador para os órgãos estatais, as funções prestação de serviços públicos de administração, que se re fe rem a a t i v idades eminen temente administrativas, apresentam um peso mais relevante do que atividades de promoção direta de direitos sociais como saúde, educação, cul tura, t ransporte, desporto e lazer, fundamentais para a qual i f icação dos assentamentos humanos. A mudança deste cenário, de modo a ampliar a inserção espacial das coletividades vulneráveis e ampliar a presença do Estado, sobretudo como promotor de direitos e

pela produção de espaços públicos e coletivos, requer uma atuação decisiva de aplicação dos instrumentos urbanísticos de acesso à terra urban izada (ZEIS, IPTU progress ivo, regularização fundiária etc).

A concepção diferenciada do plano diretor, definida pelo Estatuto da Cidade, disponibiliza um conjunto de ins t rumentos vo l tados à democratização do acesso à terra urbanizada. Contudo, os atuais planos diretores dos municípios brasileiros são marcados por uma relativa ambigüidade. Esta ambigüidade é dada

pelo fato de que na maior parte dos planos diretores vigentes, a auto-aplicabilidade de suas definições restringe-se aos parâmetros urbanísticos intensificadores da formação de “preços de antecipação”, de “renda de monopólio de segregação” e de “rendas diferenciais

6primárias e secundárias” . Por outro lado, dispositivos de regularização fundiária e de captação da mais valia urbana, fundamentais para a reversão dos processos hegemônicos de concentração fundiária e de riquezas, foram d i s c r i c i o n a r i a m e n t e r e m e t i d o s p a r a

7regulamentação em legislação posterior .

3.3 As intervenções da Copa 2014: a ameaça de expulsão da população pobre pelas obras e intervenções dos mega eventos esportivos

No caso brasileiro, atualmente estão anunciadas e em curso diversas intervenções voltadas para a realização da Copa Mundial de Futebol em 2014, que será sediada no país, bem como das Olimpíadas em 2016 na Cidade do Rio de Janeiro. As intervenções pró grandes eventos esportivos já detonaram diversos processos de despejos, segregação e ou gentrificação, que ameaçam coletividades vulneráveis, a exemplo da Vila Autódromo no Rio de Janeiro (RELATORIA DA ONU PARA O DIREITO À MORADIA ADEQUADA, 2010).

Em outros casos estas intervenções induzem para a instituição de processos de valorização imobiliária especulativa associados com a produção de segregação e gentrificação, tal como a recente demolição do Estádio Otávio Mangabeira, popularmente conhecido como Fonte Nova, em Salvador.

Como já havia afirmado Ana Fernandes, a decisão de demolir a Fonte Nova seria insustentável, sobretudo, pela redução drástica de sua utilização, já que seu uso esportivo passaria de uma ocupação pública de complexo olímpico para o de uma arena privatista de luxo. Para Fernandes, os motivos alegados para a demolição deste estádio - “exigências da FIFA, criação de centros de negócios, construção de shopping Center, centro empresarial, camarotes, salas e acessos vips, estacionamentos a granel, arena monofuncional” -, estão na contramão de uma política pública de esporte e de desenvolvimento do Estado da Bahia

.31 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

(FERNANDES,2010).

Guiados por uma inadequada concepção u rban í s t i ca empresa r i a l denom inada “Planejamento Estratégico”, os grupos sociais populares, ameaçados pela natureza destas intervenções, tornam-se reféns de uma inserção econômica precarizada, e via de regra informal, na ocasional divisão social e territorial do trabalho. Contudo, como alerta Raquel Rolnik, este processo de inserção ambígua das populações mais vulneráveis nas cidades, “não está acontecendo por conta dos jogos, mas se agrava com eles porque ganha uma legitimidade ancorada no apoio patriótico da população (...) Fica mais fácil e mais rápido. O espaço negocial e discricionário que antes existia desaparece” (RELATORIA DA ONU PARA O DIREITO À MORADIA ADEQUADA, op. cit.).

3.4. Outras Estórias Possíveis

O imenso passivo urbano em Salvador, expresso na não garantia do direito à cidade das coletividades mais vulneráveis, a hegemonia das empresas imobiliárias nos processos de formalização da produção do espaço e a ameaça de expulsão da população pobre pelas intervenções da Copa 2014, podem ser entendidas como articulações contingentes. A natureza e as características destes processos, comentados anteriormente, delineiam um campo de força dominante pelas conexões capitalísticas que são ativadas pelos mesmos. Contudo o caráter destas articulações são o de “construções contingentes, precárias e pragmáticas”, já que

(...) As duas características centrais de uma intervenção hegemônica são (...): 1) o caráter contingente das articulações hegemônicas; e 2) seu caráter constitutivo, no sentido de que elas instituem relações sociais de forma primária, não dependente de qualquer racionalidade social a priori (LACLAU, 1996).

Se as tendências de urbanização perversa dos processos em questão não existem como a priori, já que resultam da produção social e histórica do espaço, tais tendências são sempre sujeitas a transformações (LEFEBVRE, 2008, SANTOS 2008c, MASSEY, 2008). Assim pode-se propor uma problematização das condições de realização destes processos por uma perspectiva do pensamento marxista e do pensamento crítico. Esta problematização pode apontar e propulsionar novas articulações contingentes que

coloquem possibilidades de constituir Outras Estór ias, com capacidade de ampl iar substantivamente a criação de espaços, territórios e territorializações de justiça social e direito à cidade. Considera-se assim que

(...) A reativação da intuição do caráter contingente destas articulações produzirá assim uma ampliação de horizontes, na medida em que outras articulações – igualmente contingentes – também demonstrarem sua possibilidade.(...) Isto também implica, por outro lado, numa expansão do campo da política ao invés de sua retratação – um alargamento do campo da indecidibilidade estrutural que abre caminho para um aumento do campo da decisão política. É aqui que “desconstrução” e “hegemonia” mostram sua complementaridade como dois lados de uma ú n i c a o p e r a ç ã o ( . . . )(...) há uma indecidibilidade inscrita em toda estrutura (entendendo-se por “estrutura” uma identidade complexa constituída por uma pluralidade de momentos).

Pois a estrutura requer conexões contingentes como parte integrante de sua i d e n t i d a d e ( . . . )(...) na medida em que nenhum conteúdo específico está predeterminando a preencher o vazio estrutural, é o conflito en t re vá r ios con teúdos ten tando desempenhar esse papel de preenchimento que vai tornar visível a contingência da estrutura (LACLAU, 1996).

Porém, ao mesmo tempo e inequivocamente, este sentido perpassa pela construção da condição humana do comum, remetendo para a discussão da teia de relações de Hanna Arendt (2007).

A perspectiva acima vai ao encontro da miríade de diferentes agentes que estão “na frente” de representações s impl i f icadoras, como coletividades vulneráveis, pobres, população de baixa de renda, excluídos, informalidade, bairros populares, movimentos sociais e populares, sem-teto, comunidades, quilombolas, religiões de matriz africana, ribeirinhos etc. Reconhecer estes agentes signif ica reconhecer as suas particularidades e demandas específicas (LACLAU, 2008, p. 27 e 28) como força propulsora de criação de “espaços de esperança” ou de um “utopismo espaço-temporal” (HARVEY, 2006b, pp. 239-258).

Deste modo, no sentido suscitado por Ernesto

.32 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

Laclau, as particularidades das demandas colocadas pelos agentes sociais referidos acima, longe de inviabilizar a constituição de identidades políticas mais amplas se colocam enquanto unidades básicas da ação social. Tais ações fazem emergir atores emancipatórios, por trás dos quais se encontram associações e afetos, que podem contaminar e transformar estas ações na expressão de tendências muito mais gerais (LACLAU, 2008, p. 27 e 28).

Parece assim que a configuração de outras estórias possíveis, através da reformulação das condições de realização dos processos de urbanização, converge com a assunção de uma “estratégia urbana” (LEFEBVRE, 1999, p. 125 a 137), atual izada por complexidades e circunstâncias históricas geográficas atuais, como os termos da sociedade de consumo, a generalização da financeirização capitalística da vida etc (SENNET, 2006, BAUMAN, 2010). Isto aponta para uma necessária disputa política e de sentidos que perpasse por um balanço crítico dos modos de luta pelo direito à cidade, destacando-se o histórico do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU) e da não aplicação dos instrumentos urbanísticos de democratização do acesso à terra urbanizada, disponibilizados pelo Estatuto da Cidade. Este movimento aguça também a necessidade de problematizar, através da Política, a mobilização dos campos de ação científicos e profissionais, com ênfase daqueles relativos ao Urbanismo, para uma práxis com maior reciprocidade entre discurso e ação.

4.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. In:

ARANTES, Otília, VAINER, Carlos, MARICATO, Erminia. A c idade do pensamento único: desmanchando consensos. 3ª edição. Petrópolis, Vozes, 2000, p. 11-74.ARANTES, Pedro Fiori. A Renda da Forma na Arquitetura da era financeira. In: OLIVEIRA, Francisco, BRAGA, Ruy, RISEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas. Coleção Estado de S í t i o . S ã o P a u l o : B o i t e m p o , 2 0 0 1 .

ARENDT, Hanna. A condição humana. 10. ed. 6. reimp. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2007.

BAUMAN, Zygmund. Vida líquida. Rio de Janeiro: J o r g e Z a h a r E d . , 2 0 0 7

CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

CHAUÍ, Marilena. O Marxismo vive. In: SILVA, J. O pensamento do fim do século. Porto Alegre, L & PM, 1993.

CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidade, uma antologia. 6ª edição. São Paulo, Perspectiva, 2005.

DAVIS, Mike. O renascimento urbano e o espírito do Pós-Modernismo. In: KAPLAN, E. Ann. O mal-estar no Pós-Modernismo: Teorias. Práticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. pp. 106-116.

ENGELS, Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Lisboa: Ed. Presença, 1975, Cap. As Grandes Cidades, pp. 43-11.

FERNANDES, Ana. Está errado demolir a Fonte Nova. Artigo publicado no Jornal A Tarde. Edição de 25 de Junho de 2010.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO / CENTRO DE ESTATÍSTICA E INFORMAÇÕES (CEI/FJP). Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação. Déficit habitacional no Brasil 2007. Brasília, 2009. 129p.

GOTTDIENER, Mark (1985). A Produção Social do Espaço Urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997. 2ª ed.

HALL, Peter. Cidades do amanhã: uma história intelectual do planejamento e do projeto urbanos no século XX. São Paulo, Perspectiva, 2007.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. 252p.

______. Condição Pós-Moderna: uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. São Paulo: Edições Loyola, 2006a, 15ª ed.

______. Espaços de Esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2006b, 2ª ed.

JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. WMF Martins Fontes, 2009.

JAMESON, Fredric. O Pós-Modernismo e a Sociedade de Consumo. In: KAPLAN, E. Ann. O mal-estar no Pós-Modernismo: Teorias. Práticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. pp. 25-44.

JARAMILLO, Samuel. Los fundamentos econômicos de la “participación en plusvalías”.

Extracto del documento “Los fundamentos econômicos de la participación en plusvalías” preparado para el CIDE Universidad de los Andes y el Lincoln Institute of Land Policy, 2003.

.33 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

KOHLSDORF, Maria Elaine. Ensaio sobre o pensamento urbanístico. Brasília, Pós FAU UnB, 1996. Disponível em <http://vsites.unb.br/fau/planodecurso/graduacao/12007/Ensaio.pdf>. Acesso em 10 jun, 2010.

LACLAU, Ernesto, MOUFFE, Chantal. Hegemonía y estratégia socialista: hacia uma radicalización de la democracia. Siglo XXI, Madrid, 1987.

LACLAU, Ernesto. Debates y combates: por un nuevo horizonte de La política. 1ª Ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2008.

______. Poder e representação. Artigo publicado na revista Estudos Sociedade e Agricultura, 7, dezembro 1996: 7-28. Disponível em<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/sete/laclau7.htm>. Acesso em 5 jan, 2011.

LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFGM, 1999.

______. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

LEME, Maria Cristina de Silva (org.), FERNANDES, Ana, SAMPAIO, Antonio Heliodório, et al. Urbanismo no Brasil 1895-1965. Salvador, EDUFBA, 2005.

LIPIETZ, Alain. Crises do Marxismo: da teoria social ao princípio esperança. In: Audácia: uma alternativa para o século XXI. São Paulo: Nobel, 1991.

MASSEY, Doreen. Pelo Espaço: uma Nova Política da Espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. 312 p.

MARX, Karl (1844). Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008. 2ª reimp.

MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

MINISTÉRIO DAS CIDADES (MCIDADES), CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA (CONFEA). Pesquisa Plano Diretor Participativo. Agosto de 2007.Disponível em:<http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-urbanos/biblioteca/plano-diretor/publicacoes-institucionais/>, acesso 1º dez, 2008.

OLIVEIRA, Francisco de. Acumulação Capitalista, Estado e Urbanização: A nova qualidade do Conflito de Classes. Revista do Centro de Estudos

oNoel Nutels / Contraponto, Ano 1, N 1, novembro de 1976.

______. O Estado e a Exceção ou o Estado de Exceção? Revista Brasileira de Estudos Urbanos e

oRegionais. Volume 5, N 1, maio de 2003.

RELATORIA DA ONU PARA O DIREITO À MORADIA ADEQUADA, 2010. Megaeventos. Disponível em <http://direitoamoradia.org/pt/noticias/blog/megaeventos/>. Acesso em dez, 2010.

SENNET, Richard. A Cultura do Novo Capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.

SORIA y PUIG, Arturo (compilación, estructuración y comentarios). Cerdá: las cinco bases de la teoría general de la urbanización. Madrid, Electa, 1996.

SUPERINTENDÊNCIA DO CONTROLE E ORDENAMENTO DO USO DO SOLO DO MUNICÍPIO (SUCOM). Relação de alvarás divulgados no diário oficial. Disponível em: <http://www.sucom.ba.gov.br/sucom_construcao_consulta.asp>. Acesso em 30 dez, 2009.

NOTAS

1 Urbanista, Diretora-Presidente da Sociedade Brasileira de Urbanismo – SBU, membro da Federação Iberoamericana de Urbanismo – FIU e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Lugar Comum do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA.

2 Das quais se tem registro, de lugares diversos do planeta, pelo menos desde os os séculos XIX e XIV a.C. (KOHLSDORF, 1996).

3 Cerdá formula em 1859 sua multidisciplinar Teoría general de la urbanización, que pode ser traduzida como Teoria Geral do Urbanismo, definida por este autor, enquanto acepção científica, como um “conjunto de conocimientos, principios, doctrinas y reglas, encaminados a enseñar de qué manera debe estar ordenado todo agrupamiento de Edifícios, a fin de que responda a su objeto, que se reduce a que sus moradores puedan vivir cómodamente y puedan prestarse recíprocos servicios, contribuyendo así al común bienestar”. Na visão cerdatiana os elementos constitutivos da urbanización são “los albergues, su objeto la reciprocidad de los servicios y sus médios las vias comunes, es decir, de común aprovechamiento” (CERDÀ, apud SORIA y PUIG, 1996).

4 Não há consenso no debate acerca da emergência do pós-modernismo. Fredric Jameson apresentou uma referência interpretativa crucial ao afirmar a centralidade, no pós-modernismo, da inscrição dominante da cultura como mercadoria em uma sociedade de consumo, ao lado da institucionalização dos cânones modernistas, essa acompanhada da perda do caráter transgressor e subversivo dos mesmos (JAMESON, 1993, pp. 25-44).

.34 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

Para Zygmunt Bauman, haveria uma "modernidade

líquida" intimamente ligada a uma "vida líquida".

Segundo Bauman, na sociedade “líquido-moderna” as

condições de vida mudam num tempo mais curto do

que o necessário para a consolidação, em hábitos e

rotinas, das formas de agir (BAUMAN, 2007, pp. 7-23).

Já para Ernesto Laclau, frequentemente os

movimentos de pensamento como os da pós-

modern idade permanecem no ter reno da

modernidade, já que operam pela simples inversão de

seus postulados fundamentais. Em outra perspectiva,

este autor sugere uma estratégia alternativa com

ampliação do campo da decisão política, pela qual, “ao

invés de inverter os conteúdos da modernidade,

desconstruir o terreno que possibilita a alternativa

modernidade/pós-modernidade. Isto é, ao invés de

permanecer no interior de uma polarização, cujas

opções são inteiramente governadas pelas categorias

básicas da modernidade, mostrar que esta última não

constitui um bloco essencialmente unificado, mas é o

resultado sedimentado de uma série de articulações

contingentes. Isto implica, por um lado, numa nova

atitude frente à modernidade: não de ruptura radical,

mas uma nova modulação de seus temas; não de

abandono de seus princípios básicos, mas sua

hegemonização por uma perspectiva diferente”

(LACLAU, 1996, pp. 7-28).

5A este respeito ver a discussão de Ernesto Laclau

sobre poder e representação (LACLAU, 1996).

6Os conceitos de “preços de antecipação”, “renda de

monopólio de segregação” e “rendas diferenciais

primárias e secundárias” utilizados aqui, referem-se as

acepções dadas por Samuel Jaramillo (JARAMILLO,

2003).

A Pesquisa Plano Diretor Participativo (que analisou

um universo de 1.552 municípios dos 1.682 com

obrigatoriedade de elaborar estes planos) constatou

que, apesar da maior parte dos planos diretores

elaborados sob a égide do Estatuto da Cidade fazer

referência aos instrumentos de democratização do

acesso à terra urbanizada, de cumprimento da função

social da propriedade urbana, de recuperação da mais

valia urbana, e de gestão democrática, não há uma

correspondência de tal previsão de aplicabilidade dos

mesmos. Os resultados desta pesquisa apontam

baixos indicadores, em relação ao conjunto dos planos

analisados, no que refere-se às seguintes questões:

oferta de terras para novas moradias em 13,7%; ação

sobre os vazios urbanos em 14,9%; regularização

fundiária em 21,8%; definição de prioridades para o

orçamento municipal em 13,1%; captura de valorização

imobiliária em 3,4%; participação do cidadão no

acompanhamento do plano diretor em 21,0%

(MCIDADES, CONFEA, 2007).

.35 POLITICAS PÚBLICAS - Glória Cecília Figueiredo

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 23-35, 2011Novembro

Elias Jabbour¹

(1)

Estabelecer marcos conceituais e teóricos à compreensão das cidades não é um dos exercícios dos mais fáceis. Existe sempre a tendência de se automatizar somente este ou aquele marco, geralmente

pautado unicamente e exclusivamente pela análise de relações de produções e pouco pelo desenvolvimento das forças produtivas. Daí o senso comum do estabelecimento de soluções aos

problemas urbanos fincados em aspectos quase lúdicos. Exemplo disto é o espraiamento de debates

AS CIDADES E A “ANATOMIA DO MACACO”(UM ENSAIO)

A cidade é o único lugar em que se pode contemplar o mundo com a esperança de produzir um futuro. Mas se criou toda uma liturgia anticidade. A cidade, porém, acaba mostrando que não existe outro

caminho senão o socialismo. Para evitar que as pessoas acreditem nisso, há todo um foguetório ideológico para dizer que a cidade é uma droga. Imagine ir morar num campo. Só um louco quer morar

em uma cidadezinha do interior.MILTON SANTOS

Resumo: A aproximação das eleições municipais coloca novamente à tona o debate sobre as cidades e seu futuro. Existe um consenso no diagnóstico para quem as cidades brasileiras vivem uma grande crise

de realização; crise esta que se relaciona diretamente com a própria hipertrofia urbana. Soluções de diversa monta não são incomuns. O problema é uma falta de visão que coloque no centro do debate esta crise como resultado do óbice do processo de industrialização, e consequentemente, do financiamento da

reprodução urbana. Independente da euforia que tomou conta do país nos últimos anos, a persistente crise urbana é expressão direta de uma crise que afronta o Brasil desde a década de 1980 e com

soluções e enfrentamentos ainda em aberto, mas que pressupõem uma discussão – séria e fundo – sobre os próprios problema nacionais.

Palavras-chave:Brasil, cidades, história, crise, desenvolvimento, indústria, capital financeiro

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 36-43, 2011Novembro

em torno de lemas nascidos na pós-modernidade, como por exemplo, aqueles em torno de, “cidades mais humanas” e no melhor dos casos os relacionados à “democratização do espaço urbano”.

O salto metodológico deve partir de pressupostos mais sofisticados, dentre tais as contradições básicas entre superestrutura x base econômica; forças produtivas x relações de produção e imperialismo x projetos nacionais autônomos. O escopo de análise deve ser tanto “local”, quanto “global” e entre “parte” e “todo” de forma que determinada ordem de contradições seja mais plausível de análise. Desta forma a cidade, seu desenvolvimento ou não desenvolvimento, passa a ser exprimida partindo de pressupostos mais relacionados ao “grande problema nacional”. Referimo-nos, neste caso, ao desenvolvimento e seus entraves no atual contexto brasileiro. Logo, os entraves ao desenvolvimento nacional são os mesmos entraves que delimitam o raio de ação das diferentes governanças municipais pelo país afora. Logo, seria um despropósito exigir dos governos municipais encaminhamentos lógicos a problemas não criados por movimentos puramente locais. A questão é muito mais de fundo do que se imagina.

(2)

Uma compreensão “total” do que são as cidades como construção histórica nos remeterá à própria origem do Estado, das classes sociais, da divisão social do trabalho e da centralização do poder político. O nível histórico da generalização não poderá acarretar em uma noção mecânica do processo histórico. Em outras palavras, diferentes núcleos urbanos são produtos de diferentes formações sociais; formações sociais tais que se desenvolvem em concordância – ao caso das cidades da periferia do capitalismo – tanto com a lei do desenvolvimento desigual e combinado quanto como síntese do contato entre as leis econômicas inerentes da própria formação social com as leis próprias do capitalismo central. Esta combinação de diferentes formas de ação das leis econômicas redundou no surgimento de modos de produção complexos ou dualidades nas palavras de Ignácio Rangel .2

O contato entre diferentes pólos urbanos centrais e periféricos levaram a estagnação e decadência tanto às cidades greco-romanas, quanto suas similares árabes e asiáticas. Concomitante a esta

d e c a d ê n c i a , a s c i d a d e s e u r o p é i a s , impulsionadas pelo processo de acumulação primitiva, desenvolveram-se de forma acelerada a partir dos séculos XVI e XVII. Na América Latina, este desenvolvimento urbano europeu criou cidades cuja formação remontava similares existentes no sul da Península Ibérica e Itálica caracterizadas pela força do latifúndio e subordinadas aos interesses dos mercados externos de sua produção agrícola .3

O poder da metrópole portuguesa sobre sua colônia americana instava sobre a necessidade de controle de algumas cidades litorâneas que eram ao mesmo tempo comerciais, militares e político-administrativas. Sob a égide de uma economia voltada aos interesses comerciais portugueses, que por sua vez via-se diante do desafio de explorar um imenso território conformou uma formação social dual: com um latifúndio caracterizado por relações de produção escravistas no interior da grande fazenda e relações de produção feudais com a metrópole. Conforme Rangel:

Com isso queremos dizer que a fazenda de escravos estava sujeita a duas ordens de leis: as do escravismo e as do capitalismo, e podemos passar a uma observação da máxima importância, porque comum a todas as fases de evolução da economia brasileira, isto é: que essas duas ordens de leis governam, respectivamente, as relações internas e externas da economia .4

Assim sendo, o Brasil já nasce tendo a variável comércio exterior como algo de primeira monta e por onde gravitava a própria fazenda de escravos. Esta especificidade brasileira (economia que nasce “aberta”, voltada “para fora”) difere muito, por exemplo, tanto da vila romana quanto do oikos grego; economias fechadas, voltadas somente para suas necessidades internas. Conforme já colocado, a presença de cidades era um pré-requisito político como expressão própria do poder da coroa portuguesa. Contraditoriamente, a implantação de um latifúndio-escravista trazia em seu bojo uma característica “pouco urbanizadora”, dada a própria natureza fixa, não móvel, do escravo como mercadoria. Esta contradição resolveu-se pelo surgimento de grandes cidades no litoral da colônia, entre elas Salvador. O surgimento destas cidades não pode ser vista como um fim em si mesmo. Na verdade, foi o início do assentamento de um capital comercial interno, cujo desenvolvimento posterior teve ápice com o rompimento deste mesmo

.37 BRASIL - Elias Jabbour

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 36-43, 2011Novembro

capital comercial maduro em contraposição ao capital comercial português. A independência de 1822 é o ponto alto deste processo.

(3)

A formação urbanística de uma economia pré-capitalista, e mesmo de caráter pré-industrial a separação campo-cidade coloca em relação dialética a parte agrária, centro do processo de produção, e a cidades que alocam o nascente capital comercial como elo entre os dois lados da economia, o externo e o interno. A independência do país em 1822 confere novo status às cidades, agora parte integrante do todo complexo da economia nacional com cada vez maior importância na medida em que para as cidades passam a confluir pequenas unidades mecânicas, dando origem ao Departamento 1 artesanal da economia, engendrando assim a própria raiz da indústria nacional, porém sem romper ainda a lógica pouco urbanizadora do povoamento do território nacional anterior a 1930.

Dando um salto histórico, podemos afirmar que muito do que se analisa sobre o mote da problemática urbana tem raiz no caminho percorrido pelo nosso país em matéria de industrialização e, consequentemente, de urbanização. Os óbices urbanos brasileiros são produto deste magnífico processo desencadeado a partir da década de 1930 e sua superação depende, sobremaneira, de uma nova etapa – superior – do próprio processo de industrialização do país.

(4)

O processo de industrialização no Brasil país tomou impulso candente a partir da década de 1930. É sabido de todos, pelo menos em tempos de transformação da crise agrária de superpopulação em grave crise urbana, que a grande anomalia deste processo foi justamente pela mesma ter ocorrido sem uma prévia reforma agrária – como desejavam os revolucionários da década de 1930 (fruto político do exercício da hegemonia do poder estatal pelo latifúndio feudal voltado ao mercado interno). Ao contrário do que o programa da ALN propugnava, a falta de reforma agrária não se transformou em empecilho a este processo, como foi passiva para uma formação de capital sem precedentes na história do capitalismo mundial .5

A via prussiana brasileira, transmutando o latifúndio feudal em grande propriedade capitalista, foi o mola propulsora deste capitalismo particular, brasileiro. A essa transformação, pelo menos na forma, nada tinha a se objetar, pois a mecanização da agricultura é um dos passos essenciais ao desenvolvimento do próprio capitalismo, para não dizer – também – do socialismo.

A dialética inerente a este processo encontra-se na relação entre uma rápida formação de capital, m e d i d o p o r e x t r a o r d i n á r i o s e f e i t o s multiplicadores – que num primeiro momento ocorreu sob a dependência do suprimento de bens de investimento pela utilização intensiva de mão-de-obra –, com a própria proscrição do efeito multiplicador do emprego pela via de uma industrialização cada vez mais intensiva em capital em detrimento do trabalho vivo. Sob outro escopo de análise, este desenvolvimento conferia dois movimentos paralelos: 1) o da ativação de grande parcela da população pela desagregação da economia rural e 2) o de intensa urbanização.

O processo de urbanização é algo perfeitamente normal em economias que se industrializam e, consequentemente, milhares de pessoas entram na chamada economia de mercado. O que não pode ser naturalizada é a rapidez com que esse processo se deu no Brasil entre os anos de 1960 e 1980, onde afluíram para as grandes cidades cerca de 50 milhões de pessoas. O agravante deste processo histórico está na transformação – conforme já enunciado – da crise agrária de superpopulação em crise propriamente urbana, agravado pelo surgimento no final da década de 1970 de uma indústria mecânica pesada (departamento 1 novo) poupadora de mão-de-obra. Por outro lado, esgarça-se outra característica de uma via industrializante sem prévia reforma agrária: o aparecimento de um teratológico exército industrial de reserva como base de achatamento salarial, resultando – na ponta do processo – num absurdo esquema de distribuição de renda. Os “complexos” que se transformaram as favelas que se avistam no horizonte de qualquer cidade brasileira é a grande expressão desta anomalia de nosso processo de desenvolvimento industrial.

Neste sentido, a chamada “macrocefalia urbana” é o resultado – contraditoriamente – tanto de uma

.38 BRASIL - Elias Jabbour

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 36-43, 2011Novembro

colonização com caráter de baixa urbanização, quanto de uma urbanização que se processou tão rapidamente, a ponto de as cidades brasileiras serem o lócus privilegiado onde a hipertrofia da contradição entre forças produtivas x relações de produção é latente, palpável e dolorosamente sentida, por exemplo, nos altíssimos índices de criminalidade. O futuro das cidades está na solução (ou não) desta contradição básica do modo de produção capitalista.

(5)A redemocratização do país coincidiu com seqüentes crises econômicas. Aliás, a própria ditadura militar entrou em débâcle com a crise da dívida do México em 1982. Anteriormente, na segunda metade da década de 1970, as crises do petróleo e o aumento da taxa de juros nos EUA abalaram as bases externas da dívida brasileira, colocando a nu os limites do chamado modelo nacional-desenvolvimentista. O que não impediu o país de encerrar, brilhantemente (repetimos), todas as etapas da 2ª Revolução Industrial, ainda no governo Geisel. Foi a época dos grandes empreendimentos nacionais. Itaipu, Tucuruí, Programa nuclear, Transamazônica, EMBRAPA, cabos ópt icos submarinos, complexos agroindustriais e implantação do mais moderno metrô do mundo (SP). O país conseguira, inclusive, dotar estas obras com equipamentos nacionalmente manufaturados, o que é um paradoxo nada aparente diante de um momento – como hoje – em que exportamos minério de ferro, importamos trilhos e trens de segunda categoria seja da China, seja dos EUA.

A presente crise das cidades é a cara-metade de uma crise nacional nascida da incapacidade de seguidos governos em não enfrentar as contradições surgidas deste intenso processo de industrialização e urbanização suscitada entre 1930 e 1980. A bem da verdade, o processo de desenvolvimento não é nenhum mar de rosas, nem tampouco o caminho no rumo do “paraíso”. Como processo o desenvolvimento é o único caminho correto à solução de contradições, o que implica no surgimento de outra gama de cont rad ições e ass im por d ian te . O desenvolvimento é um caminho tortuoso, de “dores de parto”. Porém o custo da negação do processo de crescimento econômico – e, por conseguinte – do próprio desenvolvimento tem um custo que a própria sociedade brasileira (leia-se cidades) não tem conseguido suportar. A redemocratização, seguida da violência

neoliberal, colocou no leme do pensamento “acadêmico” e mesmo das forças de esquerda uma metodologia cuja essência nega tanto o desenvolvimento, como a própria história do Brasil.

Não é incomum nos depararmos com arremedos de pensamento sociológico para quem tudo o que ocorreu no Brasil no século XX foi um verdadeiro “desastre”, que “tudo podia ser diferente” e que o Brasil “cresceu, mas não se desenvolveu”. Pontos de partida equivocados e que servem de base para uma prática governamental que relega à esquife da história problemáticas muito caras à reprodução dos países periféricos, entre elas o direito ao desenvolvimento, a centralidade da industrialização e o imperativo do planejamento.

Uma falsa separação entre uma dita agenda “social” da agenda “economicista” tem custado caro à própria (in) capacidade dos partidos de esquerda brasileira se apresentarem como alternativa real (de projeto, não de poder), não somente internamente, mas também num plano internacional onde países como China, Índia, Rússia, África do Sul, Malásia e Coreia do Sul têm na bandeira do crescimento rápido e acelerado o fio condutor ao enfrentamento de seus óbices internos e externos. Nestes países, ao contrário do Brasil, a “estabilidade monetária” só é passiva de realização com crescimento econômico, aprofundamento da industrialização e de agressivas estratégias mercantilistas externas.

(6)Voltemos a fazer algumas relações. Falamos até aqui de um tipo de desenvolvimento (Via Prussiana), concebido sem plano, onde a permanência de uma estrutura agrária concentradora deu margem a uma urbanização e consequente êxodo rural sem precedentes tanto na história nacional como em nosso redor. Algo que podemos dizer que o Egito viveu por força tanto da construção da usina hidrelétrica de Assuam, quanto da destruição de sua agricultura por ingerências externas em matéria de política monetária aprofundadas na década de 1990 tanto pelo FMI, quanto pelo Banco Mundial . A 6

agricultura egípcia e de outros países da África sucumbiu na mesma velocidade da incipiente indústria de dezenas de países africanos, o que explica em grande parte a onda de revoltas em andamento no mundo árabe.

.39 BRASIL - Elias Jabbour

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 36-43, 2011Novembro

a década de 1990 e que ainda hoje carece de lucidez, tanto para sua percepção, quanto ao encaminhamento de uma solução é o problema do casamento entre uma estrutura industrial existente, sofisticada e diversificada com o papel histórico dos bancos no processo de desenvolvimento. A diferenciação política se dá a partir da prática política, da capacidade de reunir forças em torno de um projeto. Mas também se dá partindo de uma visão estratégica das cidades, das novas formas de financiamento da economia e, sobretudo, de criatividade para entender que se trata de um despautério creditar ao orçamento a única forma de encarar grandes problemas.

Havíamos dito anteriormente sobre novos campos de acumulação tendo as cidades como pólo. E bem acima reiteramos a necessidade de tomada do lugar histórico reservado ao sistema financeiro ao desenvolvimento nacional. Não precisamos ir muito longe para percebermos que a melhoria da qualidade de vida nas cidades depende de centenas de bilhões de reais de investimentos em centenas de linhas de metrô, faixas exclusivas para ônibus, novos e modernos ônibus, saneamento básico, água, luz, asfaltamento e mesmo a usando as políticas públicas para a área de cultura como um estarte para a formação de uma indústria, com cadeias produtivas próprias, da cultura.

Programas massivos de habitação, túneis, pontes, viadutos, viabilização do uso – em grande escala – de fontes limpas de energia no transporte público etc. Nada disso pode ocorrer em pequena escala; a grande escala é a garantia de maiores averages no PIB nacional, garantindo encomendas em empresas localizadas no território nacional; gerando efeitos sociais sob a forma de efeitos multiplicadores em todas as cadeias produtivas da economia nacional.

(9)O que propomos tem um alcance de revolução. Sim, pois seria uma verdadeira revolução o empenho de uma soma financeira gigantesca, centrado nas cidades, como forma de enfrentar os óbices de 30 anos de semi-estagnação. Um país das dimensões do Brasil necessita de viabilizar a formação de grandes bancos nacionais voltados diretamente ao suporte de novos investimentos nas cidades. Cada grande capital deve contar com seu próprio banco de investimentos. O alcance transformador e radical inseridos nesta forma de conceber o futuro das cidades não é

separada da necessidade de completa rediscussão dos parâmetros e limites das opções em matéria de política monetária feitas pelo nosso país nos últimos 20 anos. Os limites de nossas opções ficam óbvios nos altos índices de desemprego de jovens em cidades como Salvador, Brasília, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro. A opção pela indústria e por um desenvolvimento urbano que utilize plenamente a capacidade instalada de nosso parque produtivo demanda uma grande reviravolta de prioridades nacionais.

(10)Uma das expressões de uma hipotética reviravolta nas prioridades nacionais está na criação de um amplo ambiente para o investimento privado e o surgimento de pequenas e médias empresas capazes de absorver grande parte da mão-de-obra sobrante. Do ponto de vista da história, e mesmo da conjuntura, é interessante notar o fato de estar na hora de a iniciativa privada tomar seu lugar no país. Um grande país capitalista, cujo desenvolvimento futuro demanda a formação de um poderoso capitalismo de Estado, tem na iniciativa privada seu elo com características de principalidade; a lgo que demanda visão estratégica, desideologizada e que na ponta do processo redunde no fortalecimento do próprio Estado Nacional.

Um sistema financeiro “citadino” deveria servir de base, além dos grandes bancos públicos e privados, a uma maior participação da iniciativa privada em grandes empreendimentos nas áreas de transporte, energia e saneamento básico. A formação de conglomerados privados para a execução de grandes obras públicas seria o grande fôlego tanto para a formação de capital, quanto numa grande política para geração de emprego, renda e inclusão social. É nodal levar às últ imas conseqüências mecanismos de concessão de serviços públicos para empresas privadas nacionais e da articulação de Parcerias Público-Privadas (PPP`s) no processo de planejamento e execução dos já ditos, e necessários, empreendimentos.

O debate é complexo, demanda mente aberta e visão histórica. A retomada do desenvolvimento em larga escala nas cidades é o antídoto capaz de reverter esta, conforme epígrafe, “liturgia anticidades” muito forte seja no pensamento sociológico brasileiro, seja na própria concepção

.40 BRASIL - Elias Jabbour

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 36-43, 2011Novembro

Conforme já dito, essa via prussiana ao conceber uma tipologia de desenvolvimento concentrador de renda, lançando milhões de pessoas a uma busca pela vida nas grandes cidades, suscita um paradigma nodal para, tanto a sua reprodução, quanto à manutenção da paz social: a necessária continuidade do crescimento econômico, da abertura de novos campos de acumulação capazes de dar cabo a reprodução da vida humana e da própria sociabilidade das cidades e do país como um todo. Foi este desafio – do crescimento continuo – que levaram países como Japão e Alemanha (os percussores da via prussiana) a darem saltos espetaculares em matéria de desenvolvimento.

Uma visão que coloque o desenvolvimento como mote, necessariamente, se contrapõe a verdadeiras modas que povoam nossas universidades para quem se faz necessária um êxodo rural às avessas, mesmo num momento em que a agricultura suscita soluções de produtividade cada vez mais poupadoras de mão-de-obra e onde formas tidas como familiares de produção não alcançam escalas de produção suficiente para dar abrigo às necessidades de uma família camponesa. Pouca atenção se dá à cortante observação de Lênin onde se lê que “o futuro do campo é a cidade”.

(7)Neste sentido, a equivocada centralidade de uma “agenda social” completamente desconectada de uma agenda econômica, industrializante e desenvolvimentista choca-se com outro campo de limites teóricos e práticos: a ilusão orçamentária e fiscal. É de comum conhecimento os imensos limites impostos aos orçamentos municipais. Uma grande herança a ser enfrentada reside nas imensas dívidas públicas municipais que engessam, para fins de rolagem das dívidas, de 6% a 13% dos orçamentos.

Nos mesmos orçamentos, o financiamento da máquina consome – em média – mais de 50%; sem contar investimentos e gastos “carimbados” em saúde e educação. A “sobra de caixa” para fins de investimentos e afins não chega – no melhor dos casos – a 10% do total orçamentário, inviabilizando – assim – algum fôlego para bancar pelo menos um quinto das promessas de campanha.

Sobram aos governos duas saídas: gastos crescentes com policiamento tendo em vista a

explosão de criminalidade que ocorre, de forma s i m é t r i c a , a o i n t e n s o p r o c e s s o d e desindustrialização e à geração de empregos de no máximo dois salários mínimos e a saída pela via do arrocho tributário sobre a classe média para fins de financiamento de políticas sociais justas, mas sem sentido estratégico. O que existe em nosso país hoje é uma grande transferência de renda das classes médias – cada vez mais descapitalizadas – para as classes pobres.

In fere-se uma aparênc ia de “grande progressismo” sem analogia nenhuma com algum projeto de maior alcance. Está aí o limite conceitual de discursos que colocam no centro da “solucionática” dos problemas urbanos a implementação de “políticas públicas”, de “democratização do espaço público” e da construção de “cidades mais humanas” e na difusão de um chamado “modo petista de governar”, redundando em algo completamente sem pé, nem cabeça, mas com muito coração. Voltamos a enfatizar acerca da necessária pauta social, da necessidade de implementação de políticas públicas cujo retorno direto é a melhoria das condições de existência urbana, entre elas, a “compensação” pela via de transferência de renda a famílias cuja situação nem o próprio desenvolvimento poderá ser capaz de resgate. Porém, o norte a ser seguido está na cunha a ser aberta diante da nacionalização da discussão de fundo dos reais problemas das cidades. O problema é político, estratégico e financeiro. Vamos tratar um pouco desta questão neste final de ensaio.

(8)Assim chegamos à chamada, por Marx, de “anatomia do macaco”. Trata-se de uma relação filosófica do conhecimento da anatomia do macaco a partir do pleno conhecimento da anatomia humana. Em digressão histórica, filosófica e econômica isso significa, por exemplo, que não daremos uma solução ao problema do campo fora do futuro das cidades. Nem tampouco, chegaremos a uma “solução final” para os problemas urbanos em desconexão com o grande problema/contradição nacional. E esse problema/contradição chama-se criação de um ambiente político e econômico à solução do óbice do desenvolvimento. A solução do problema urbano é parte da solvência do problema nacional.O cotovelo da história que o Brasil chegou no início da década de 1980, que se agravou durante

.41 BRASIL - Elias Jabbour

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 36-43, 2011Novembro

de desenvolvimento social muito presente no dia-a-dia do chamado “pensamento progressista”.

(11)Por fim, alguns dados para reflexão:1. Tem ocorrido uma queda extraordinária das exportações industriais brasileiras. Eram 58% do total em 2000 e caíram para 38% em 2011. O déficit da balança industrial alcançou U$S 37 bilhões em 2010. Ao mesmo tempo, as exportações primárias (minério de ferro / soja), que eram 22% em 2000, aumentaram para 46% em 2010; e se somarmos celulose e pasta de papel, ultrapassam os 60% durante esse período. Elas dobraram em 10 anos.2. Este processo coincide com uma extraordinária valorização de 119% do real, entre 2004 e 2011. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 45% das empresas industriais que concorrem com produtos chineses perderam participação no mercado nacional entre 2006 e 2010; e com 67% das empresas exportadoras aconteceu a mesma coisa. Os fatores por trás da perda de mercado são o alto custo de produção e a baixa produtividade / competitividade, agravada pela valorização do real.3. Os custos de produção estão diretamente relacionados com o custo do capital, com uma taxa de juros de 12% ao ano, três vezes superior ao da China; e uma pressão impositiva que é de 37% do PIB, duas vezes e meia a da República Popular da China. E ainda há o "custo Brasil": modernização insuficiente da infraestrutura e do sistema público, baixa produtividade e altos custos de produção. O papel do Brasil no comércio internacional é essencialmente passivo; seu superávit depende do preço das commodities no mercado mundial (demanda chinesa) e não do próprio Brasil.Qual o futuro das cidades brasileiras com a continuidade e o aprofundamento do processo descrito acima? Existe alguma alternativa às cidades diante desta realidade?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MAMIGONIAN, Armen. “Notas Sobre a Geografia Urbana Brasileira”. In, SANTOS, Milton (org): Novos Rumos da Geografia Brasileira, pág. 205. Editora Hucitec. São Paulo, 1982.

RANGEL, I. “A história da dualidade brasileira”. In Revista de Economia Política n° 1, vol.4, p. 5-34, jan-mar/1981. Disponível em: http//www.rep.org/pdf/04.pdf_________. “Dualidade Básica da Economia

Brasileira” (1957). In, Obras Reunidas de Ignacio Rangel. Vol.1, pág. 297. Editora Contraponto. Rio de Janeiro, 2005.

NOTAS

1 Doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de “China: Infra-Estruturas e Crescimento Econômico” (Anita Garibaldi, 2006, 256p.).

2 Sobre isto ler: RANGEL, I. “A história da dualidade brasileira”. In Revista de Economia Política n° 1, vol.4, p . 5 - 3 4 , j a n - m a r / 1 9 8 1 . D i s p o n í v e l e m : http//www.rep.org/pdf/04.pdf. Em miúdas palavras, significa que apesar de válida a lógica dialética da sequência de diferentes modos de produção (comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo, socialismo), esta sequência não é capaz de explicar per si a evolução da sociedade brasileira. A história do Brasil não é um retrato fiel da história universal (e européia em particular), pois nossa evolução não é autônoma, um produto exclusivo das ações das leis econômicas internas de nossa formação social: nossa economia nasceu e se desenvolveu como complemento do conjunto heterogêneo formador do complexo econômico do centro do sistema, estando, desta forma, sujeito às suas vicissitudes. Daí o caráter complexo dos modos de produção e da própria formação social brasileira.

3 MAMIGONIAN, Armen. “Notas Sobre a Geografia Urbana Brasileira”. In, SANTOS, Milton (org): Novos Rumos da Geografia Brasileira, pág. 205. Editora Hucitec. São Paulo, 1982.

4 RANGEL, I. “Dualidade Básica da Economia Brasileira” (1957). In, Obras Reunidas de Ignacio Rangel. Vol.1, pág. 297. Editora Contraponto. Rio de Janeiro, 2005.

5 Entre 1930 e 1980 a economia brasileira cresceu 27 vezes; algo somente equiparado ao desenvolvimento soviético dos primeiros planos qüinqüenais e japonês nos três primeiros decênios do pós-2ª Guerra Mundial. Em suma, o brilhante caminho seguido pelo país nas referidas décadas pode ser ilustrado no fato para qual em 50 anos percorremos o caminho que a Europa trilhou em 600 anos, isto é: da Idade Média à Contemporânea. Nunca é demais lembrar que se para Rangel (como Lênin na análise do desenvolvimento do capitalismo na Rússia) o Brasil se compreende como um mix entre atraso x dinamismo, para os estruturalistas (C. Furtado), nosso país estava condenado ao atraso, numa mistura de atraso x estagnação. Essa relação entre atraso x dinamismo é perceptível no fato de o país ter aferido um espetacular crescimento, apesar da existência

.42 BRASIL - Elias Jabbour

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 36-43, 2011Novembro

de uma estrutura agrária arcaica, conservadora. Mais uma expressão da chamada dualidade de nossa formação social.

6 Na conurbação urbana do Cairo vivem hoje

cerca de 20 milhões de habitantes, mais de um quarto da população total do Egito.

.43 BRASIL - Elias Jabbour

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 36-43, 2011Novembro

Ricardo Moreno ¹

Resumo: Reflete o fenômeno do fetichismo do capital como sendo o fator psicológico gerador de uma moral burguesa regida pela lógica da

substituição da essência pela aparência do consumo.

Palavras-chave: Fetiche, Totem, Capital, Trabalho, Valores.

FANTASMAS E TOTENS: O FETICHE E A LÓGICA E DO CAPITAL

O totem e o fetiche

O totem era um desenho posto em uma espécie de brasão correspondente a emblemas que ²serviam para identificar pertencimento a determinado grupo familiar. As famílias destes povos americanos mandavam esculpir estes totens quando podiam. Geralmente, eram peças altas,

fincadas como pilares de cedro, o brasão ficava no elmo e em geral

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 44-47, 2011Novembro

expressava a figura de um animal. Esses índios tinham o totem como uma espécie de talismã e acreditavam que os poderes advindos da escultura os velavam e os protegia.

Este fenômeno foi utilzado por cientistas sociais servindo de explicação para a origem das estruturas sociais e psicológicas. Totemismo seria, portanto, um conjunto de idéias e práticas baseadas na crença da existência de um parentesco místico entre seres humanos e objetos naturais. Uma variedade de relações de ordem ideológica, míst ica, emocional, genealógica que levariam a veneração entre estes grupos sociais ou indivíduos específicos e animais ou outros objetos.

Utilizamos aqui a idéia do totemismo em analogia a expressão “fetiche”, que advém do francês fétiche, ou do português feitiço, cuja origem é o latim facticius, ou seja, "artificial”, ou “fictício” . ³

todas essas sociedades, mas não possuía a função geral de representar a socialização inconsciente, que adotara outras formas. Somente na modernidade a forma dinheiro assumiu definitivamente essa função, por isso, podendo ser designado como totemismo objetivado e secularizado.

4Marx e a fetichização do capital

Foi Karl Marx quem utilizou ironicamente o conceito à moderna sociedade produtora de mercadorias, que se sujeita a um fetichismo análogo na forma do dinheiro e de seu movimento de exploração. Marx buscou com esta analogia caracterizar que no estado da modernidade a sociedade não tem consciência de si mesma, não compreende a sua própria forma de socialização, e a representa simbolicamente em um objeto externo. Esse objeto assume então um significado sobrenatural que não é idêntico a sua forma externa, mas que aparece através desta. Em virtude desse significado adquire, apesar de sua banalidade material, poder sobre todos os membros dessa sociedade.

A crítica do fetiche da mercadoria e de sua forma de manifestação, como dinheiro, revela que o capitalismo faz parte da pré-história da humanidade. E que a superação desta para uma sociedade superior compreende a emergência de um homem possuidor de total consciência de si e de sua forma de organização. A descrição deste

fenômeno aparece no primeiro capítulo do Livro I de “O Capital”, justamente onde se analisa a mercadoria e o dinheiro.

Para Marx “a mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de 5qualquer espécie” . E como tudo que possui utilidade, possui um valor de uso, que se realiza somente no uso ou no consumo. Já o valor de troca aparece inicialmente como uma relação quantitativa, na proporção da troca de valores de uso entre espécies diferentes. Uma relação que muda de acordo o tempo e espaço. É, portanto, socialmente definido a abstração de valores de uso para troca de mercadorias desde que estando estas disponíveis em proporções adequadas.

Daí, temos o poder do dinheiro, que se insere no sistema de trocas com o papel singular de medida e reserva de valor das mercadorias, além de ser naturalmente um facilitador de trocas.

Mas, para compreender a definição de medição de valor de uma mercadoria utiliza-se o que há de comum a todas elas, o fato de serem produtos do trabalho. E Marx convencionou chamar o tempo social médio de elaboração da mercadoria como aferidor do trabalho nela apreendido, ou seja, a grandeza de valor da mercadoria.

Daí, temos que na mercadoria a representação de trabalho empregado deve ser expressa quantitativamente por meio de alguma convenção de valores.

Uma maior quantidade de valor de uso representa em si maior riqueza material, maior posse sobre mercadorias, maior domínio sobre toda a relação social que está por detrás da sua produção, uma vez que a divisão social do trabalho é condição básica para a produção da mercadoria.

A mercadoria que aparece inicialmente como coisa trivial se transforma como coisa metafísica. Além de se por com os pés no chão, ela se põe sobre a cabeça perante todas as outras mercadorias e desenvolve cismas muito mais estranhas do que se ela começasse a dançar por sua própria iniciativa.

“O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como características objetivas

.45 Artigo - Cultura - Ricardo Moreno

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 44-47, 2011Novembro

dos próprios produtos do trabalho, como propriedades naturais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social existente fora deles”6

Logo, a relação entre a forma mercadoria e a relação de valor entre os produtos do trabalho, nela representada, expressa uma relação social que,

“assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos de nos deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantém relações

7entre si e com os homens”.

Eis então a chave que nos leva a entender a relação psicológica gerada no capitalismo entre o homem e a mercadoria como sendo uma relação fetichista.

Consequências do fetichismo do capital

O fetiche da mercadoria opõe-se à idéia de "valor de uso", e relaciona-se à fantasia, ação simbólica, que paira sobre o objeto, projetando nele uma relação social definida, estabelecida entre os homens.

Assim, o fetichismo exercido pelo capital cria uma relação entre a cultura e o princípio da valorização da mercadoria. Esta abordagem implica não mais a apenas um fenômeno objetivo, mas também na construção de superestruturas decorrentes deste processo, que se torna, ao mesmo tempo, reprodução ideológica, por meio uma abstração funcional que constitui o cerne das relações sociais regidas pelo capital.

Este movimento histórico não se restringe a uma dada base que deu origem a uma superestrutura correspondente, mas por que as mudanças nas relações produtivas são vivenciadas na vida social e cultural, refletem-se nas ideias e nos

8valores dos homens . A lógica do valor é a resultante de um dado modo de produção, ou reprodução de um dado modo de vida.

O capital cresceu e se concentrou cada vez mais na medida em que fabricou necessidades, e isto alimentou a sua roleta lucrativa. Algo que se manifestou desde a sua origem, quando na fase de acumulação primitiva o homem que foi

extorquido dos séquitos feudais, foi lançado aos centros das cidades, tornando-se mão de obra barata, e constituindo-se também em mercado consumidor, uma vez que na nova cultura fez-se necessário comprar aquilo que o satisfizesse. Com o desenvolvimento da lógica do consumo, regido pela sombra fantasmagórica do fetiche, a necessidade objetiva transformou-se também em necessidade subjetiva, assim, as pessoas tornaram-se reféns enquanto produtoras, consumidoras e excluídas do processo, passando a sofrer não só as consequências sociais, mas também psicológicas desta exclusão.

O fetiche do valor passou a reger o conjunto das atividades humanas sob a batuta do capital. Transformando as pessoas em meros suportes para a produção e permuta de mercadorias, com o fim de transformar valor em mais valor, de modo que o capital, em suas diversas encarnações – dinheiro, meios de produção, mercadorias –, se torna o verdadeiro sujeito social, e as pessoas, os objetos.

O dinheiro só se transforma em capital, transcendendo sua natureza original de meio de circulação, quando trocado pelas mercadorias, meios de produção e, sobretudo, força de trabalho com o objetivo de se multiplicar, sendo a força de trabalho a única mercadoria capaz de efetuar esse milagre, já que transfere ao produto, através do trabalho excedente, a mais-valia, um valor superior ao seu próprio, expresso no salário, que corresponde ao tempo de trabalho necessário, medido pelo valor do conjunto de mercadorias necessárias à sua produção e reprodução.

O dinheiro, os meios de produção e as mercadorias, são formas materiais do valor, expressões do capital. O valor organiza o conjunto das relações sociais, subordinando ao homem. É o coração e a alma do capital, encarnado ora em dinheiro, ora em meios de produção, ora em mercadorias.

No Capitalismo as pessoas não produzem para consumir, mas são consumidas para produzir. A produção e o consumo humanos estão subjugados como meros meios para a transformação de valor em mais valor, ou de capital em mais capital, acima de quaisquer outros critérios.

.46 Artigo - Cultura - Ricardo Moreno

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 44-47, 2011Novembro

Sociedade de consumo, sociedade do espetáculo.

O desenvolvimento da sociedade de consumo criou um universo em que as pessoas são aquilo o que podem consumir, ou seja, o que está de acordo com o potencial econômico, gastando segundo as de te rm inações de suas necessidades, sejam elas do estômago ou da fantasia, e estas são por sua vez estruturadas pela sua cultura, reprodutora da formação humana de determinado tempo e espaço. Um ciclo que alimenta e realimenta uma forma de vida, uma criação de sentidos de existências. Essa cultura se nutre, reorganizando, de acordo com seus próprios fins, o conjunto dos demais elementos que compõem a vida dos sujeitos. Estes se tornam reféns alienados deste jogo, adoradores do Totem que expressa a existência do Deus mercado. Isso levado às ultimas conseqüênc ias faz o própr io homem desumanizar-se, tornar-se coisa, alienável, objeto da sociedade que também o consome tal como mercadoria.

Esta é a lógica existencial do capitalismo, o mecanismo que sobre, e com ele, se erguem ideias, concepções, filosofias, valores, todo um aparato que visa proteger e legitimar o poder e o status dos possuidores do capital. A diferença do tempo atual é que isso se torna cada vez mais explícito e assumido no cotidiano das pessoas.

O pós-modernismo, como construção da lógica cultural do capitalismo tardio, prega a produção da cultura superficial e está associado ao fetichismo do capital, o consumo da própria mercadoria como processo, como idolatria da indústria cultural, a cultura como indústria de consumo. Com a ascensão da concepção pós-moderna a sociedade assumiu sem reservas o fetiche como padrão de vida, tomando esta como

9inata a natureza humana .

Assim compreendemos melhor aquilo que os antropólogos querem dizer quando afirmam que nas sociedades dirigidas pela cultura do mercado, as mais belas se casam com os mais ricos, pensam poder amar independente de quem seja ela por detrás da aparência natural, ou ele por detrás da aparência do consumo, substitui-se a essência pela aparência. Trata-se de sociedade superficial, regida pela imagem, aonde as pessoas adoram o que lhes transcende, a forma exter ior revelada no objeto que t raz

implicitamente um conjunto de relações sociais, o segredo oculto que atua de forma fantasmagórica no cérebro de homens e mulheres, e dita valores, ética, estética, etc.

REFERENCIAS

CHOLI. sites.uol.com.br/totemismo.htm. visitada em

25 de abril de 2011.

LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. São Paulo: EDUSC, 2002.

JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2000

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1988

TOMPSON, Edward Palmer. Folclore, antropologia e História social; in Tha Indian Historical Review. Jan 1977- vol III (n-02)

NOTAS

1 Professor Assistente de História da África na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

2 choli.sites.uol.com.br/totemismo.htm. visitada em 25 de abril de 2011.3 LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. São Paulo: EDUSC, 2002.

4 Marx, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

5 Marx, pg. 45

6 Marx, pg. 71

7 Idem, Ibidem

8 TOMPSON, Edward Palmer. Folclore, antropologia e História social; in Tha Indian Historical Review. Jan 1977- vol III (n-02)

9JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2000.

.47 Artigo - Cultura - Ricardo Moreno

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 44-47, 2011Novembro

Milton Pinheiro¹

Resumo: O prólogo desta História deveria ser a história do quarto Estado desde de 1789. Mas o tempo urge; as vítimas

descem ao túmulo; as perfídias liberais ameaçam superaras calúnias gastas dos monarquistas; limito-me hoje à

introdução estritamente necessária.Prosper-Olivier Lissagaray

A COMUNA DE PARIS: CONTRADIÇÕES DO ESTADO BURGUÊS E PODER EMANCIPATÓRIO

O ano de 1848 entra para a história da humanidade, em especial para a história francesa, como um momento de transformação do regime político. A república surge para substituir a monarquia, é um

momento de despersonificar o poder. Mas, como se apresenta esse novo poder? Será a original forma encontrada para possibilitar a dominação de uma classe sobre o Estado e, nesse caso, a burguesia? A

revolução de 1848 terminou com a derrota dos

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 48-53, 2011Novembro

trabalhadores que levantaram a França de fevereiro à maio desse ano, numa incipiente manifestação de simpatia socialista. A república de 1848 tentou atualizar a Revolução Francesa, é o grande levante da república como nos permite

2compreender Henri Guillemin .

A história da França é marcada pela procura da república, e 1848 seria diferente de 1830, agora a luta se reinventava com esperança de transformações sociais e humanas. O movimento de 48 descortina as questões dos operários e dos camponeses, entra em cena a descoberta da França. Todavia, a procura constante da república como possibilidade do sonho da igualdade social esbarrou no projeto da burguesia que se veste do manto da dominação, perde suas características progressistas e assume-se como classe dominante, lançando mão de um projeto conservador.

A burguesia consegue constituir-se em força hegemônica com a vitória na última revolução burguesa do século XIX. Esse fenômeno se aprofunda com o golpe de 18 brumário e em especial com o surgimento do bonapartismo. Essa reação é na verdade a primeira forma de ditadura burguesa, e constitui-se também, num acordo das frações de classe para impor um projeto de dominação. O bonapartismo aparece de forma concreta na história das lutas entre a burguesia e o proletariado, confirmando-se como uma ação para executar as tarefas da revolução burguesa. Trata-se de uma forma política para impedir um novo ascenso das massas, em particular no decorrer das contradições que imperavam na sociedade francesa de 1848 a 1870.

O bonapartismo se concretiza a partir de algumas características do processo político, em que a existência de equilíbrio entre os projetos em disputa, onde nenhuma das classes, ou frações de classe, consegue ter a hegemonia social e a capacidade para impor a sua dominação política. Napoleão III, um líder carismático, com grande percepção conjuntural, articulado pela presença do campesinato na sua base social, governa até 1870. Ou seja, o bonapartismo é consequência do equilíbrio entre as classes, da falta de hegemonia política e de um líder com base social a serviço de uma articulação das diversas frações de classe da burguesia.

¨Em realidade, era a única forma de governo

possível, num momento em que a burguesia já havia perdido a capacidade para governar o país e a classe operária ainda não a havia adquirido. O Império foi aclamado de um extremo a outro do mundo como o salvador da sociedade. Sob sua égide, a sociedade burguesa, l ivre de p r e o c u p a ç õ e s p o l í t i c a s , a t i n g i u u m desenvolvimento que nem ela mesma esperava. Sua indústria e seu comércio adquiriram proporções gigantescas; a especulação financeira realizou orgias cosmopolitas; a miséria das massas ressaltava sobre a ultrajante ostentação de um luxo suntuoso, falso e vil. O poder estatal, que aparentemente flutuava acima da sociedade, era de fato o seu maior escândalo e o viveiro de

3todas as suas corrupções ¨.

Essas ações de afirmação do capitalismo vão ter implicações culturais, sociais e políticas. A burguesia se fortalece de forma acentuada no período de 1850 a 1870, quando seus lucros ultrapassaram os 300%, enquanto o salário cresceu apenas 45%.

A partir de 1862, os trabalhadores franceses já tinham conhecimento do que ocorria na Inglaterra. Começaram a desenvolver lutas específicas e conquistam algumas vitórias. Entram em contato com o conjunto das lutas que ocorriam no continente. Em 1864 é fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), que passa a ter um papel preponderante na organização das lutas dos trabalhadores. Todavia, logo vão sofrer, na França, uma grande repressão política, comandada por Napoleão III, chegando ao acontecimento da Comuna, muito desorganizada e frágil.

O bonapartismo começa a sofrer desgaste em todos os setores da sociedade. Luís Bonaparte se utiliza da disputa externa como instrumento político para vencer a disputa interna. E este é um dos fatores.

A guerra franco–prussiana tem os seus primeiros sinais com a derrota da Áustria em 1866 para a Prússia. A partir daí, Bismarck parte efetivamente para unificação da Prússia, com a criação, em 1867, da confederação alemã do norte, faltando apenas a anexação dos Estados do sul, para a unificação da Alemanha. A França não queria um Estado agressivo, com essas características do Estado prussiano unificado, colado em sua fronteira.

Com o desespero de Napoleão III em recuperar o seu prestígio com a burguesia francesa, via na

.49 Mundo do Trabalho - Milton Pinheiro

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 48-53, 2011Novembro

movimento. Uma das possibilidades para entender esse princípio, é a existência de um Estado frágil, onde a luta pela hegemonia se estabelece de acordo com o conceito gramsciano, a partir do controle da produção, mas não somente na produção.

Em Paris a contra-revolução tenta encetar os seus golpes, Thiers, agora chefe do governo em Versalhes, manda tropas para recuperar as armas que estavam nas colinas de Montmartre. Os trabalhadores, em dias anteriores, já tinham resistido em diversas partes da cidade a essa tentativa das tropas de Thiers. Portanto, na madrugada do dia 18 de março de 1871, as forças de Versalhes sob o comando do general Lecomte tentam se apoderar dos canhões de Montmartre e encontram uma vigorosa resistência de homens e mulheres que partiram para o enfrentamento, e sob o comando de Louise Michel, se dirigiram aos soldados do governo impedindo-os de atirar contra o povo. A tropa não aceitou massacrar os Comunardos e passaram para o lado da rebelião da cidade, o general que ordenou o massacre foi preso e fuzilado, eclodia a auto-defesa dos trabalhadores diante da contra-revolução, começava assim a Comuna de Paris, e o rastilho dessa forma de resistência se espalhou pela cidade: na Bastilha, em Belleville e em outras partes.

O comitê central da guarda nacional assume o poder em Paris, e logo em seguida convoca eleições que são realizadas no dia 26 de março para o conselho da Comuna.

Aprendizado na história

Podemos tirar nesse momento algumas primeiras lições desse contexto antecedente da Comuna de Paris. A primeira é que a Comuna se apresenta como conseqüência da guerra franco-prussiana, a segunda é que o momento aberto pela derrota em Sedan consolida um vazio político, onde se manifestam na arena da batalha as forças do governo de defesa nacional e depois do governo provisório, por um lado, e o poder que se estabelece a partir das massas insurretas no seu espontaneismo, e no governo operário da Comuna, por outro. A terceira é que também se apresenta nesse ciclo uma perspectiva de padrão histórico para entender as revoluções, todavia, sem se constituir em um dogma. No entanto esse padrão nos dá sinais para compreender como a revolução proletária, em especial nesses

períodos mais recentes da história, nos apresenta um novo roteiro histórico pautado em lutas democráticas e revolucionárias, em guerras e revoluções. Esses sinais de um padrão histórico vão se manifestar na revolução russa e em outras revoluções no decorrer do século XX. Mas em especial, podemos tirar como lição e não como exemplo desse contexto, um conjunto de sinais históricos que partem da Comuna em Paris, e se confirma na revolução russa de1917.

A Comuna está no exercício do auto-governo dos t r a b a l h a d o r e s , t o m a n d o m e d i d a s , e implementando ações que entraram para a história da humanidade. As comissões de trabalho da Comuna tiveram preocupações excepcionais com a questão da justiça, da segurança pública, finanças, instrução pública, medidas militares, saúde, trabalho e comércio, serviços públicos e relações exteriores, tudo isso articulado numa comissão executiva. Esse papel executivo estava imbricado com a função legislativa, e todos os mandatos eram revogáveis, temos aqui uma forma política que entra para a história.

Essa forma política e esse poder confirmam uma dualidade de poder. Essa dualidade nasce em Paris, afirma-se no contraponto à ordem burguesa e avança quando a Comuna começa a destruir o aparelho do Estado da burguesia. O conjunto de medidas tomadas contra a ordem burguesa e as ações para impor uma nova democracia passa, de certo modo, a se configurar

6como uma possibilidade de transição . Portanto, medidas e ações da natureza política constituídas pela Comuna avançam na ruptura com a ordem burguesa e encontra ressonância na história das idéias marxistas, com as variadas formas de se analisar o processo de transição. Esse processo de transição pode ser entendido como uma marcha da história que cria situações para um entendimento dos acontecimentos democráticos, das lutas radicais, de guerra e revolução, quebra do aparato de Estado da burguesia, dos trabalhadores se constituindo em classe dominante e a socialização do poder político.

Todavia, a Comuna cometeu erros na sua efêmera existência de 72 dias. O respeito que a Comuna demonstrou em não confiscar a propriedade dos meios de produção, apenas controlando socialmente aquelas fábricas (oficinas) que os donos haviam abandonado na fuga de Paris; não ter marchado no primeiro

.50 Mundo do Trabalho - Milton Pinheiro

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 48-53, 2011Novembro

guerra uma forma de, derrotando a Prússia, voltar a ter força política, e daí reafirmar, mais uma vez, o seu projeto de dominação burguesa sobre esse país, e talvez assim, articular a expansão da França enquanto potência capitalista e imperialista.

Na guerra franco-prussiana, no teatro de operações as tropas francesas mostraram-se taticamente incompetentes, apesar da enorme quantidade de soldados mobilizados, mas inferior nos equipamentos bélicos. A guerra não se prolongou por muito tempo. Após várias derrotas, com grande mortandade, o aprisionamento de 100 mil soldados franceses e a prisão do imperador Napoleão III, a França é derrotada e humilhada no dia 2 de setembro de 1870 na batalha de Sedan.

Com a derrota em Sedan o bonapartismo fechou o seu ciclo e iniciou o seu colapso. Na França, a repercussão da guerra e a prisão do imperador, alimentaram manifestações políticas, forçando o término da monarquia, e a formação de um governo provisório no dia 14 de setembro de 1870, iniciando assim a III república. Mesmo com instalação da república, as lutas continuaram, agora com o protagonismo dos trabalhadores de Paris que lutavam contra a burguesia e a sua a l iança re t rógrada com segu imentos monárquicos.

Apesar de termos, durante esse período, um governo provisório, instala-se, pelas contradições sociais e políticas, um vazio político. As massas demonstram insatisfação com as condições da derrota, o governo de defesa nacional fracassa na tentativa de acordo com Bismarck e as tropas prussianas estão nos portões medievais de Paris. Lyon se levanta, em Paris as massas trabalhadoras exigem armas para enfrentar o inimigo. No último dia de outubro Paris está em ação direta, agora contra o governo de defesa nacional, que capitulou no campo de batalha em Metz, os operários e a guarda nacional, tendo a frente às lideranças blanquistas formam uma Comuna ao tomar o palácio municipal, mas logo são derrotados e expulsos pelas tropas do governo de defesa nacional. Ainda durante o ano de 1870, tivemos outro levante, em Marselha, logo também derrotado.

Nasce a bandeira vermelha

O ano de 1871 começa com o bombardeio de

Paris pelos prussianos que, no dia 18 de janeiro, ocupam Versalhes e proclamam o surgimento do império alemão.

O governo provisório convoca eleições para Assembléia Nacional, são eleitos 750 deputados, dos quais 450 são monarquistas, e o restante, republicanos das mais diversas posições. Todavia, em Paris são eleitos 46 deputados, dos quais apenas 06 são aliados do governo provisório. Continua no espaço da luta um vazio político, com indefinição e improvisações. As lutas de classe se acirram em França, em particular em Paris, apontando para a dualidade de poder. O povo em Paris está em armas para combater as tropas prussianas, o governo provisório se vê na obrigação de formar batalhões da guarda nacional, passam a existir mais de 200 batalhões, é um momento de profunda divisão de classe. Cada classe, proletariado e burguesia, levantam táticas e estratégias para construir o seu poder, afirma-se então, a conjuntura da dualidade de poder.

Nesse contexto de confronto, a AIT que já havia 4anteriormente lançado um manifesto , documento

em que Marx alertava os trabalhadores da Alemanha e da França para não aceitarem a provocação da guerra salientando que essa ação era imperialista. Agora é lançado outro manifesto

5da AIT , também escrito por Marx, cujo conteúdo estava claramente solicitando a paz e fazendo um ataque frontal ao governo de defesa nacional, e avisava que seria loucura derrubar esse governo com o inimigo nas portas de Paris. Percebe-se nesses comunicados a visão arguta de Marx, primeiro na defesa da integridade física dos trabalhadores e na avaliação da conjuntura em tela; segundo, na avaliação do tabuleiro da guerra com as tropas invasoras nas portas de Paris. É nesta luta concreta dos trabalhadores que podemos perceber como Marx parte da análise do real para construir a sua análise política e elaborar os primeiros passos de uma teoria da revolução.

Marx movimenta-se em diversos momentos da história, como homem de ação e teórico da revolução, no estreito limiar do desenrolar da luta, ele sempre demonstrou não ter receio do relógio da história. Suas análises no fogo da luta sempre souberam responder ao processo em curso.

Percebemos como a Comuna, se apresenta como revolução permanente, esse principio que pode ser encontrado no jacobismo e na guerra de

.51 Mundo do Trabalho - Milton Pinheiro

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 48-53, 2011Novembro

momento sobre Versalhes, quando as tropas do g o v e r n o d e T h i e r e n c o n t r a v a m - s e desorganizadas; o não confisco do dinheiro do banco de França, que estava financiando as ações contra-revolucionárias do governo de Versalhes; a completa desarticulação entre o campo e a cidade; a falta de vontade política em abrir os arquivos da França, nos quais estavam as mais sórdidas histórias da burguesia e da monarquia; e por fim, a desorganização das tropas da Comuna, que não conseguiam ter uma disciplina para colocar em ação/combate o poderoso conjunto de homens e mulheres que estavam com sede de luta e motivados para transformar o mundo em que viviam.

A Comuna é o primeiro Estado operário e inicia o processo histórico de revolução proletária da era contemporânea. A posição de Gramsci, ao que me parece, de que a Comuna concluiu a revolução burguesa, que começou em 1789, não se comprova com as características da Comuna: composição social, medidas e ações tomadas em defesa da revolução social. A Comuna inicia o ciclo das revoluções proletárias e se consolida enquanto perspectiva revolucionária. A Comuna de Paris desnudou que a reprodução social do sistema, passa pela afirmação da ordem do capital, pela submissão do trabalho assalariado e pela dominação de classe, através do Estado.

Paris e a Comuna foram derrotadas. Essa tragédia tem nos elementos circunstancias que já falamos especificamente aqui, uma relação de causa e efeito. A Comuna é a representação das idéias comunistas, e a Comuna levou a sério a questão ontológica, ou seja, a Comuna compreendeu que a problemática da revolução é a questão da exploração, que esta ligada ao mundo da produção, compreendeu também nesse momento que o trabalho, já que era uma Comuna operária, era efetivamente uma categoria fundante do ser social, e que a política efetivada pela esfera pública era um instrumento de c lasse a serv iço da propr iedade privada.Todavia, é importante analisar que uma revolução nunca é igual à outra, em sua forma de produção e em suas perspectivas sociais, mas a Comuna mostrou o seu caráter proletário, percebeu aquilo que está no manifesto comunista, ou seja, que o Estado é um comitê para administrar os negócio da burguesia, e os Comunardos insistiram em destruir esse Estado moderno que estava efetivamente a serviço da propriedade privada e da sua hegemonia moral.

A partir da derrota dos trabalhadores consolidou-se a contra-revolução burguesa. Mas com o advento da primeira guerra mundial uma nova vaga revolucionária vai começar, agora com a presença do sujeito coletivo, o operador político que passamos a chamar de partido de classe que chega ao poder com a revolução russa de 1917, construindo os sovietes. A Comuna nos traz a lição, mais uma vez, de um poder de transição, e esse poder de transição que desarticula a repressão política, socializa o exercício do poder político, é o primeiro passo para a transição, o governo operário é uma democracia de novo tipo, tendendo a ser socialista como dizia Marx. A Comuna consegue se atualizar de forma brilhante com a revolução russa, afirmaria o comandante da revolução de outubro, Lenine.

Portanto, se a Comuna foi derrotada em Paris, se os sovietes foram derrotados na URSS, outras formas de Comuna e outros outubros virão para permitir àqueles que lutam pela revolução social a perspectiva de mudar o mundo, ao tomar o poder. Vida longa aos que tombaram em defesa da humanidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Agulhon, M. 1848 – O aprendizado da república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

Coggiola, O. (org.) Escritos sobre a Comuna de Paris. São Paulo: Xamã, 2003.

Guillemin, H. Le coup Du 2 decémbre. Paris: Gallimard, 1951.

Gramsci, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1987.

Jvostvov, V. M; Zubok, L. I. História Contemporânea. Lisboa – Porto: centro do brasileiro, 1976.

Lênin, V. I. O Estado e a Revolução. In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980. v. 2.

Lissagaray ,Prosper-Olivier. História da Comuna de 1871. São Paulo: Ensaio, 1991.

Marx, K. A Guerra Civil na França. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977, p. 196.

.52 Mundo do Trabalho - Milton Pinheiro

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 48-53, 2011Novembro

.53 Mundo do Trabalho - Milton Pinheiro

.Marx, K. & Engels, F. Textos. São Paulo: Alpha-Ômega, 1977.

__________. O Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez, 1998.

Netto, José Paulo. Democracia e transição socialista. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990, p. 87.

Pinheiro, M. (org.). Outubro e as experiências socialistas do século XX. Salvador: Quarteto, 2010.

9Rougerie, J. La Commune de 1871. Paris: PUF, 1977.

NOTAS1Milton Pinheiro é professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia – Uneb, pesquisador do Neils (PUC/SP), coordenador do Cemarx/Uneb e editor da revista Novos Temas. É autor e organizador dos livros, e Outubro e as Experiências Socialistas do Século XX, Caio Prado Júnior – História e Sociedade, ambos pela editora Quarteto.2Guillemin, H. Le coup Du 2 decémbre. Paris: Gallimard, 1951.

3Marx, K. A Guerra Civil na França. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977, p. 196.

O primeiro manifesto havia sido escrito por Marx, e lançado em Londres, no dia 23 de julho de 1870.

Escrito por Marx, foi lançado no dia 09 de setembro de 1870, também do escritório da AIT, em High Holborn, 256, Londres.

6Como afirma José Paulo Netto, “a transição socialista, ou seja, o período histórico que compreende a realização de essas tarefas, a etapa entre a liquidação do domínio político-econômico da burguesia e a emancipação de todas as classes na supressão do proletariado enquanto classe – a transição socialista, na ótica do pensamento socialista revolucionário nas suas matrizes 'clássicas', constitui precisamente o tempo sócio-histórico em que, simultaneamente, se opera a socialização da economia e a socialização da política (do poder político).” Netto, José Paulo. Democracia e transição socialista. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990, p. 87.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 48-53, 2011Novembro

Estado de la cuestión

Pablo Ojeda DénizLicenciado en Historia por la Universidad de Las Palmas de Gran Canaria.

Resumen:La complejidad y riqueza del pensamiento político de John Locke están fuera de toda duda. No

obstante, para una mejor comprensión del mismo, hace falta no sólo conocer las principales interpretaciones sobre su obra, a cargo de importantes especialistas en la teoría política, como

también no perder la visión de conjunto de sus escritos y, en particular, del Segundo tratado sobre el gobierno civil. Una lectura integral de esta obra es necesaria a la hora de reconstruir el sistema

conceptual del pensamiento de Locke y poder valorar sus grandes aportaciones: la destrucción de la teoría del absolutismo (en todas sus variantes) o las bases teóricas de los actuales regímenes

constitucionales, entre otras. El análisis del contexto histórico también puede ayudar a comprender algunas claves, que una mera lectura aislada de la obra de Locke no puede

proporcionar. Partiendo de dos hipótesis básicas (vinculación del derecho de resistencia al iusnaturalismo, poder como concepción de equilibrio), se han alcanzado distintas conclusiones

que ocupan diversos planos de la teoría política: la reinterpretación del derecho natural a partir de diversas influencias; el afianzamiento de una mayor secularización de la concepción del poder; o

un importante rearme del derecho de resistencia, que supera a la pasividad del grueso de la Ilustración en este terreno. Las cimas intelectuales logradas por Locke no deben ocultar las

dramáticas contradicciones que alcanza su pensamiento en lo que concierne a la propiedad, el ejercicio del poder o la esclavitud. La profundidad filosófica de Locke, que se desagrega entre una

vertiente racionalista (iusnaturalista) y otra empirista, es causa de claras tensiones epistemológicas en su pensamiento político, pero también fuente de gran riqueza e influencia

posterior.

Palabras clave

Ley natural, derecho natural, estado de naturaleza, división de poderes, derecho de resistencia.

John Locke es un pensador con un importante prestigio en el campo de la filosofía. Su teoría política está vinculada a las revoluciones inglesas del siglo XVII, un proceso que tuvo una importancia decisiva

en el desarrollo histórico de Inglaterra. El pensamiento político de Locke tiene una importante complejidad, siendo una llave con distintos vástagos en los siglos siguientes: Locke está considerado

como uno de los padres de los regímenes constitucionales occidentales, sin ir más lejos.

IUSNATURALISMO, EQUILIBRIO DE PODER Y DERECHO DE RESISTENCIA EN LOCKE: ARMAS DE COMBATE

CONTRA EL LEVIATÁN.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

liberal posterior, aunque el edificio no quede completo. Da la impresión que la teoría de la división de poderes (tercer apartado) de Locke ha quedado minusvalorada frente a Montesquieu, cuando la aportación del primero al segundo es decisiva.

El cuarto apartado no queda exento de polémica. Locke es partidario al mismo tiempo del compromiso político y de la acción revolucionaria: sin esta unidad dialéctica no se comprenderá bien su pensamiento. Tal como veremos en las conclusiones, Locke está en el arranque del ciclo de las revoluciones liberales, siendo un puente teórico, insoslayable, entre las revoluciones inglesas del siglo XVII y la Guerra de Independencia de EE.UU. Y también estará el punto de partida de la cultura política británica actual, incluso en la vertiente liberal conservadora de la misma (Burke).

Por último, quiero expresar mi agradecimiento a los profesores de Ciencias Políticas Francisco de Borja Riesgo Pérez y Francisco Javier Sánchez Herrera, del Centro Asociado de Las Palmas de Gran Canaria-Universidad Nacional a Distancia (UNED, España), por la ayuda prestada en la estructura y contenidos de este texto. Los errores que puedan quedar son responsabilidad mía.

1. Introducción al pensamiento de Locke

1.1. Contexto histórico

John Locke nació en la aldea de Wrington (1632), al sur de Bristol, en el seno de una familia acomodada. Su padre fue abogado y oficial del New Model Army, el ejército revolucionario de Cromwell. En la Westminter School aprendió lenguas clásicas. En 1650, Locke ingresó en la Christ Church de Oxford, con este programa de estudios: metafísica, lógica, retórica, griego, latín, predominando la escolástica. Posteriormente, estudió medicina, lo que le permitió introducirse en la ciencia experimental. Fue miembro del servicio diplomático. En 1666, conoció a Anthony

1Ashley Cooper, conde de Shaftesbury , quien nombró a Locke tutor de su hijo, además de consejero político y médico de la familia. Fue miembro de la Royal Society, centro de investigaciones filosóficas y científicas. Mantuvo amistad con sir Isaac Newton.

Colaboró con Shaftesbury en la redacción de una Constitución para la colonia británica de Carolina.

Locke viajó a Francia, donde entró en contacto con los filósofos cartesianos. Shaftesbury sufrió prisión por su oposición a Carlos II Estuardo, después de 1675, y huyó a Holanda, donde se encontró con Locke (1683). Locke colaboró con

2Guillermo de Orange, futuro rey de Inglaterra , quien instauró una monarquía constitucional en una nación de mayoría protestante. Tras la Revolución Gloriosa (1688), Locke fue nombrado comisario de Apelaciones y en 1696 fue consejero del Board of Trade, departamento del gobierno

3británico para comercio interior . Murió en una casa de campo, en septiembre de 1704, a veinte millas de Londres.

Las obras de Locke más importantes son la Carta 4sobre la Tolerancia (1689) , el Ensayo sobre el

entendimiento humano (1690) y Dos tratados sobre el gobierno civil (1690), aparte de una serie de escritos políticos, económicos o filosóficos menores.

El contexto histórico abarca las revoluciones inglesas del siglo XVII (1640-1660 y 1688) contra la dinastía de los Estuardo y sus gobiernos absolutistas. La vida de Locke tiene lugar durante la Restauración (1660-1688), un interregno absolutista. El bando revolucionario, formado por varias tendencias, tiene un denominador común poco claro (TOUCHARD, 2008, pp. 256-257 y 290-292; COLOMER, 2002, pp. 12-13):

Defensa de las libertades tradicionales inglesas (Carta Magna, 1215).

Emergencia del utilitarismo, que concibe justificables las instituciones sólo en la medida en que protegen intereses y derechos individuales.

El puritanismo capitalista asocia el deber de enriquecerse con la salvación (visión antropológica relativamente pesimista).

Defensa de la libertad religiosa contra anglicanismo/catolicismo: destaca aquí el componente puritano, partidario de la separación entre Iglesia y Estado.

Defensa de los pr iv i leg ios de los parlamentarios, que puede tener una deriva conservadora hacia la soberanía parlamentaria (presbiterianos).

Presencia de un republicanismo, que puede ser de corte aristocrático.

.56 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

Desde una perspectiva textualista, tenemos dos estudios importantes de la obra de Locke, que corresponden a los autores Sabine y Strauss. Sabine opera en la configuración de la teoría política de Locke a partir de la síntesis entre el iusnaturalismo de impronta medieval (teoría del gobierno moralmente responsable) de Richard Hooker, y el materialismo y iusnaturalismo de nuevo cuño de Hobbes, quien fundamenta el poder en la utilidad que puedan dar los individuos a las instituciones. Strauss centra su disertación en el vínculo que existe entre Hobbes y Locke desde el punto de vista de la moral económica (justificación de la acumulación privada de riqueza), atemperando las diferencias entre ambos.

De otro lado, desde la perspectiva del análisis del contexto histórico, Jean Touchard aporta numerosos datos y enfoques útiles para comprender lo que Locke dice y por qué lo dice. Pero desde nuestro punto de vista, Touchard no acierta al concebir el pensamiento de Locke como “conservador” y al minimizar las diferencias entre los conceptos de sociedad civil y de Gobierno en este autor. Más importantes son las conclusiones de Touchard sobre el pensamiento de Locke, desde el punto de vista metodológico, trazando así cinco ambivalencias que se tendrán en cuenta en esta investigación:

Propiedad privada/llamamiento a la moral.Poder eficaz/consentimiento.Individualismo/mayoría.Empirismo/racionalismo.Tolerancia/dogmatismo.

El debate entre Carlos Mellizo y Macpherson referente al carácter democrát ico del pensamiento de Locke (posición de Mellizo) es importante, aunque también parte de un artificio: Locke es un pensador liberal que admite una lectura democrática y otra conservadora. Y Macpherson, un pensador brillante, incurre en una contradicción de fondo: difícilmente se puede atacar a Locke y, al mismo tiempo, alabar a Thomas Jefferson, cuando el segundo bebe en las fuentes del primero.

Las posic iones de estos importantes especialistas se completarán con otros no menos importantes autores, que aparecen en los análisis posteriores y en la bibliografía, y que se han escogido aquí porque abren posiciones de síntesis en la interpretación del pensamiento de

Locke.

La obra más importante de Locke, desde el punto de vista político, es el Segundo tratado sobre el gobierno civil, con distintos aspectos polémicos que siguen creando debate en la comunidad científica actualmente. Así, la condición de clásico de Locke, como las distintas interpretaciones de su obra, hace de él una referencia permanente de estudio y discusión: si hay, o no, contradicción entre su obra filosófica y su obra política; quién es el adversario intelectual (real) que se esconde tras las páginas del Segundo tratado…; si el pensamiento de Locke es consecuentemente democrático, o no, son cuestiones no del todo resueltas aún.

Las hipótesis de partida de nuestra investigación, a la hora de analizar el Segundo tratado, son las siguientes:

La vinculación del derecho de resistencia al iusnaturalismo en Locke le da una impronta novedosa al primero, que le permite enlazar con los procesos revolucionarios del s. XVIII (ej. EE.UU.).

El poder político en Locke se configura como una concepción de equilibrio para preservar derechos naturales: aquí surgen los mecanismos de la división de poderes y lo que se puede denominar como doble contrato.

Con ello, hemos estructurado este artículo con un capítulo referente al contexto histórico y a la caracterización de la filosofía y de la teoría política de Locke, para rematarlo con un análisis de conjunto del Segundo tratado, con la finalidad de despejar algunas de las dificultades que plantea el análisis de esta obra.

El segundo apartado entra de lleno en el desarrol lo del sistema conceptual del pensamiento político de Locke, despejando los términos a partir de las raíces iusnaturalistas, por un lado, o empiristas, por otro, de este autor. Así, exploraremos la actitud ética de Locke en lo que respecta a la defensa de los derechos individuales, como también su forma de analizar la realidad social e histórica, muy tensionada por sus ambivalencias epistemológicas. Sobre estos cimientos, Locke levanta un modelo de sociedad civil y de Estado, de tanta importancia en la historia de la teoría política, como el realizado por Hobbes, abriendo vías para el pensamiento

.55 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

Desarrollo de la teoría política hacia posiciones más democráticas (independientes y

5niveladores) y, en algunos casos, utópicas .

1.2. Líneas generales del pensamiento filosófico de Locke e interpretaciones sobre su teoría política: un puente entre el empirismo y el racionalismo

El pensamiento filosófico de John Locke forma parte de la escuela empirista inglesa, a la que pertenecen otros autores importantes como

6David Hume . Esta corriente se caracteriza por el predominio de los sentidos como fuente de conocimiento, desechando las concepciones metafísicas. El Ensayo sobre el entendimiento humano (1690) es la obra propiamente filosófica de Locke, donde aparecen las líneas más relevantes de su pensamiento (COLOMER 2002, p. 17; ESCOHOTADO, 1996, pp. 293-295; FERRATER MORA, 2008, pp. 13, 17, 111, 200-201; GINER, 1992, p. 309; SABINE, 1995, p. 407):

Rechazo de las ideas innatas, comunes a todos los hombres (concepción platónica). En todo caso, Locke reconoce “facultades naturales” (innatismo moderado).

La mente posee ideas, pero éstas provienen de la experiencia, bien por nuestra observación de objetos perceptibles, bien por operaciones mentales. No hay certezas absolutas.

La abstracción sólo generaliza “ideas” particulares, evitando así usar una infinidad de nombres. No es una operación metafísica.

Al ser empirista esta doctrina, Locke hace hincapié en el método inductivo; lo demás, es conocimiento probable o de sentido común.

Si bien la filosofía es empirista en Locke, su teoría política está sometida a fuertes tensiones internas, al no concordar con sus principios epistemológicos (GINER, 1992, pp. 309-310; ,

71995, p.399) . Esto se demuestra con un examen de las fuentes de conocimiento que hay en el Segundo tratado sobre el gobierno civil:

El iusnaturalismo, válido para explicar tanto los derechos naturales que pertenecen a todos los individuos, como una hipotética situación de

8libertad original del ser humano . Análisis empírico de determinadas épocas

históricas: la Antigüedad Clásica, la América colonial, la Inglaterra del siglo XVII… Múltiples referencias al Antiguo Testamento, siendo un aspecto de polémica en su obra.

Estas cuestiones están fundamentadas en los correspondientes ejemplos que ahora se indican. Justo al comienzo del capítulo V (“De la propiedad”), Locke emplea la siguiente fórmula en su discurso: “tanto si consideramos la razón natural […] como si nos atenemos a la

9revelación ”; otra expresión similar utiliza en el capítulo VI (“Del poder paternal”): “mas si consu l tamos con la razón o con la

10Revelación …”; más adelante dice: “al estar la razón claramente de nuestro lado cuando afirmamos que los hombres son libres por naturaleza; y al darnos la historia ejemplos de que los gobiernos del mundo que se iniciaron en época de paz estuvieron basados en ese

11fundamento ”. Las tensiones entre teología y iusnaturalismo, y entre empirismo y racionalismo son más que evidentes.

En el curso de una disertación en el capítulo VIII (“Del origen de las sociedades políticas”), ante la dificultad de establecer un marco de análisis histórico para anclar una hipótesis de formación de la sociedad civil, Locke dice que: “en todas partes los gobiernos son anteriores a los documentos; y las letras no surgen en los pueblos hasta […] una continuada y larga convivencia civil. Es entonces cuando los ciudadanos empiezan a investigar en la historia de sus fundadores y a indagar en sus orígenes,cuando

12ya han perdido memoria de ellos” . O sea, la insuficiencia de datos empíricos sería otro elemento que empujaría a Locke a una vertiente más racionalista.

1.3. Análisis de conjunto del Segundo tratado sobre el gobierno civil: ¿qué autor es el destinatario real de las críticas?

El Primer tratado y el Segundo tratado se encuentran ligados por el nexo del capítulo I del Segundo tratado, donde Locke realiza un resumen de la primera de las dos obras. Aquí se expone sucintamente la crítica al Patriarca (1680) de sir Robert Filmer (1588-1653), influyente teórico del absolutismo en la Inglaterra del siglo XVII. Locke se centra en la distinción y separación tajante entre los poderes paternal y político, y en

.57 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

la negación de la transmisión divina del poder a un hipotético heredero legítimo de Adán, cuestión imposible de investigar entre un mar de humanidad. Para Filmer los decretos y la autoridad del monarca son mandatos divinos. Esta introducción es importante, aparte del resumen de la crítica a Filmer, por la definición de poder político que Locke realiza al final de la misma: “es el derecho de dictar leyes […] a fin de regular y preservar la propiedad, y ampliar la fuerza de la comunidad en la ejecución de dichas leyes y en la defensa del Estado. Y todo ello con la

13única intención de lograr el bien público” .

Profundizando en el océano del pensamiento de Locke, en concreto en el capítulo VIII, donde el autor discute el método para tomar decisiones en la comunidad (unanimidad o mayoría), no disimula sus dudas con una frase que puede pasar desapercibida: “una Constitución así haría del poderoso Leviatán una entidad de duración

14más breve que […] la más débil criatura” . La presencia de Hobbes en esta obra no tiene un claro consenso entre los especialistas, pero las críticas a la soberanía absoluta, sin aludir directamente a nadie, suelen servir de ejemplo (MELLIZO, 1990, pp. 12-13). El problema deriva de la importancia decisiva de Hobbes en la teoríapolítica del siglo XVII y de su relación

15ambivalente con el liberalismo posterior . Otro teórico absolutista con el que Locke polemiza abiertamente es Barclay (capítulo XIX).Hay que resaltar una falta de concreción terminológica en la obra de Locke, lo cual conlleva serios problemas de definición. Llama la atención que Locke utilice para la organización política un sinfín de expresiones: sociedad, sociedad civil, sociedad política, gobierno, gobierno civil, Estado…, sin que aclare expresamente los matices para entender un vocabulario relativamente amplio. Esta terminología se reducirá en esta investigación a sólo dos términos: sociedad civil y Gobierno, tal como se detallará en el apartado 2º. Otra cuestión importante es que Locke no separa tácitamente sus contenidos de un capítulo a otro, añadiendo así gran complejidad. Ello obliga a una lectura integral de su obra porque, a veces, las definiciones relevantes no se hallan en el capítulo correspondiente. Los ejemplos que se ofrecerán a lo largo del análisis demostrarán este relativo desajuste entre los contenidos concretos y sus respectivos apartados.

2. Iusnaturalismo y formación de la sociedad civil en Locke

2.1. El valor de los derechos naturales

El arranque de la teoría política de Locke es la recreación de una situación ahistórica: el “estado de naturaleza”, lo cual crea tensiones con su propia filosofía empirista. En el capítulo II, y en otros, define así al estado de naturaleza

16siguiendo al teólogo Hooker :

“Es […] un estado de perfecta libertad para que cada uno ordene sus acciones y disponga de posesiones y personas como juzgue oportuno. […] Es también un estado de igualdad, en el que todo poder y jurisdicción son recíprocos”.

“No es […] un estado de licencia. Pues aunque […] el hombre tiene una incontrolable libertad de disponer de su propia persona o de sus posesiones, notiene, sin embargo, la libertad de destruirse a sí mismo, ni tampoco a ninguna criatura de su posesión”.

“El estado de naturaleza tiene una ley de naturaleza que lo gobierna y que obliga a todos; y la razón, que es esa ley, enseña […] que siendo todos los hombres iguales e independientes, ninguno puede dañar a otro en lo que atañe a su vida, salud, libertad o posesiones. […] Los hombres son ante todo obra de un omnipotente

17[…] Hacedor” .

“Cada hombre tiene el derecho de castigar al que comete una ofensa, y de ser ejecutor de la ley de la naturaleza […]. Quien ha padecido el daño tiene, además del derecho de castigar […], un derecho particular de buscar reparación de quien le ha causado ese daño. Y cualquier otra persona que lo considere justo, puede unirse a quien ha sido dañado. […] Y ello es así por el derecho de autoconservación”.

“Es un estado de paz, buena voluntad, asistencia mutua y conservación”.

.58 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

[Hay otra] “ley original de la naturaleza que se aplica […] a los bienes comunes para establecer los orígenes de la apropiación”.

“Todo hombre nace con un doble derecho: primero, un derecho a la libertad de su persona […]. En segundo lugar, un derecho a heredar […] los bienes de su padre”.

“Un hombre está por naturaleza libre de sujeción a todo gobierno”.

“[Todos] han de estar sujetos a la ley de Dios y de la naturaleza. Ninguna persona, ningún poder puede estar exento de las obligaciones que impone esa ley eterna”.

Aquí hay distintos conceptos que, aunque aparentemente son sinónimos, en realidad no significan lo mismo: estado de naturaleza, ley natural, derecho natural. La principal utilidad del primero es justificar por qué existen, previamente a la sociedad civil, los derechos naturales y apuntalar así una crítica a la monarquía absolutista. La distinción entre ley/derecho es fundamental en Locke (BARUDIO, 1986, p. 322): una cuestión es la ley natural (ej.: imposibilidad de dañar a otro hombre) y otra el derecho natural

18(vida, libertad, posesiones) . Lo más lejos que llega Locke, cuando intenta plasmar una mínima recreación histórica, es encarnar el estado de naturaleza en la América de su tiempo y, particularmente, en las relaciones entre europeos

19e indígenas .

La situación en el capítulo II se complica cuando Locke traslada esta propuesta hipotética al análisis del derecho internacional para reforzar su posición contra los absolutistas en un punto más concreto: “que me expliquen con qué derecho puede un príncipe, o un Estado, dar muerte o castigar a un extranjero por un crimen que éste

20haya cometido en dicho Estado” . Esto se relaciona con el capítulo XVI, donde Locke realiza una velada crítica “de la conquista” al expresar que “muchos han confundido la fuerza de las

21armas con el consentimiento del pueblo” . Por tanto, en una “guerra injusta” el “agresor” no debe

22“tener derecho alguno” .

2.2. La formación de un doble pacto: sociedad civil y Gobierno

Locke explica así la necesidad del tránsito del estado de naturaleza a la sociedad civil: “es Dios

el que ha puesto en el mundo los gobiernos, a fin de poner coto a la parcialidad y violencia de los hombres. Concedo sin reservas que el gobierno civil ha de ser el remedio contra las inconveniencias que lleva consigo el estado de

23naturaleza” . El tránsito es, en el esquema político de Locke, el “estado de guerra” (capítulo

24III) :

“El estado de guerra es un estado de enemistad y destrucción. […] Quien intenta poner a otro hombre bajo su poder absoluto, se pone a sí mismo en una situación de guerra con él”.

“Cuando la fuerza deja de ejercerse, cesa el estado de guerra […] y ambos bandos están sujetos al justo arbitrio de la ley. Pues entonces queda abierto el recurso de buscar remedio para las injurias pasadas y para prevenir daños futuros”.

El estado de guerra es una posibilidad a partir del estado de naturaleza: esto es sólo una contradicción parcial con Hobbes (MELLIZO, 1990, pp. 13-14; TOUCHARD, 2008, p. 293): “los hombres se hallan naturalmente en un estado así […], hasta que por su propio consentimiento se hacen miembros de alguna sociedad política”. Para Locke no es cualquier pacto, sino un pacto

25para “formar un cuerpo político” .

En el capítulo IX (“De los fines de la sociedad política y del gobierno”), tal vez el más cercano a Hobbes, Locke reconoce que puede haber “incertidumbre” en el estado de naturaleza, que éste t iene además “una condición de

26enfermedad” , sin nombrar aquí al estado de guerra. Así se refuerza la necesidad de la sociedad civil para proteger los derechos naturales. Esto sucede por los inconvenientes del

27estado de naturaleza habida cuenta la falta de: “una ley establecida, fija y conocida”, “un juez público e imparcial” y “un poder que respalde y dé fuerza a la sentencia”.

Aparte de la posibilidad del estado de guerra, otro mecanismo que impulsa al ser humano a vivir en sociedad es la necesidad de convivencia, que comienza por la constitución de la propia familia

28(capítulo VII: “De la sociedad civil o política”) , aunque el poder que puede existir en ésta es

29distinto del poder político .

Para recapitular, éstas son las características de 30la nueva sociedad civil :

.59 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

Protección de las propiedades de los miembros de la comunidad.

Establecimiento de una libertad en sociedad basada en el libre consentimiento (tácito o expreso) de cada cual para formar la comunidad y establecer un poder legislativo.

Requisito de la mayoría para la toma posterior de decisiones en la comunidad, particularmente en lo que se refiere a la aprobación de leyes civiles y ante la práctica imposibilidad de la unanimidad por “la variedad de opiniones e intereses que inevitablemente tiene lugar en toda colectividad”.

Dotarse de un órgano legislativo colectivo en el seno de la sociedad civil (“Senado” o

31“Parlamento”) .

Establecimiento de un juez imparcial con 32autoridad .

Las ventajas adquiridas con la sociedad civil son obvias, lo que vincula a Locke con el utilitarismo político, aun cuando haya alguna reminiscencia medieval: “el poder de la sociedad […] no puede suponerse que va más allá de lo que pide el bien común, sino que ha de obligarse a asegurar la propiedad de cada uno”. Así, en el capítulo XI (“Del alcance del poder legislativo”), puede haber una crítica velada a Hobbes: “el poder absoluto y arbitrario […] no puede ser compatible con los fines de la sociedad y del gobierno. Los hombres no abandonarían la libertad del estado de naturaleza, […] si no fuera porque buscan con ello preservar sus vidas, sus

33.libertades y sus fortunas”

El proceso de cambio no equivale siempre a un mismo modelo político, tal como se aclara en el capítulo X (“De los tipos de Estado”). Combinando los conceptos de mayoría y de depósito del poder legislativo, Locke crea un cuadro relativamente

34amplio de formas de gobierno :

Todo el poder de la comunidad reside naturalmente en la mayoría; y ésta puede emplear todo ese poder en hacer periódicamente leyes para la comunidad, y en ejecutar esas leyes sirviéndose de los oficiales que la mayoría nombra. En ese caso, la forma de gobierno es una democracia perfecta. Puede también depositarse el poder de hacer leyes en manos de unos pocos hombres selectos, y en sus herederos o sucesores; entonces tendremos una oligarquía.

Puede también depositarse en manos de un solo hombre y entonces es una monarquía; si el poder se le concede a él y a sus herederos, tendremos una monarquía hereditaria; y si sólo se le concede a él mientras viva, y el poder de nombrar a su sucesor revierte al pueblo, entonces tendremos una monarquía electiva. Y basándose en estas formas de gobierno, “la comunidad puede

35combinarlas según le parezca conveniente” .

Este capítulo se cierra con la definición de Estado como una “comunidad independiente, a lo que los latinos llamaban civitas, que en nuestra lengua

36corresponde a la palabra commonwealth” ; aquí parece que Locke aproxima el concepto de Estado al de sociedad civil, aunque como veremos al final de este epígrafe, esto no encaja

37del todo con el resto de su obra .

Otra característica que diferencia al estado de naturaleza de la sociedad civil es el distinto concepto de libertad que hay en ambas, a modo de réplica a la posición de Filmer, quien consideraba la libertad como un obstáculo a la

38aplicación de la ley :

La libertad natural del hombre consiste en estar libre de cualquier poder superior sobre la tierra, y en no hallarse sometido a la voluntad o a la autoridad legislativa de hombre alguno, sino adoptar como norma, exclusivamente, la ley de la naturaleza. La libertad del hombre en sociedad es la de no estar bajo más poder legislativo que el que haya sido establecido por consentimiento en el seno de Estado.

La formación de la sociedad civil implica que hay una libertad individual bajo el poder legislativo, que dicha sociedad ha puesto en pie. La libertad en Locke se halla estrechamente vinculada al principio de autoconservación. Por ello, vincula el estado de guerra a la “esclavitud (capítulo IV): “el estado de guerra continuado entre un legítimo vencedor y su cautivo”; ello no descarta que puede haber pactos “en que uno limite su poder a cambio de que el otro preste obediencia”, lo cual pone de relieve la posición real de Locke con respecto a la problemática de la esclavitud39.

La otra piedra angular de la sociedad civil es el derecho a la propiedad, a la que Locke dedica íntegro el capítulo V, aparte de menciones concretas en otros:

La propiedad es un derecho natural que el hombre preserva en la sociedad civil, siendo elemento básico de la misma la protección de ese

.60 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

40derecho .

La condición de propietario está ligada a la condición de ciudadano, un eco del modelo que

41se dio en la Antigüedad Clásica .

El desarrollo de una incipiente teoría económica en Locke basado en cuestiones tales como el valor-trabajo, el uso del dinero y la

42acumulación de riqueza .

En el estado de naturaleza la propiedad se deducía del derecho de autoconservación, aunque éste era un derecho originalmente común de apropiación sobre los bienes de la tierra. La propiedad privada nace con el trabajo ejercido por el hombre para transformar los productos de la naturaleza, mediante la recolección u otro tipo de

43actividades (pesca, caza) .

Así, la agricultura es importante porque “toda porción de tierra que un hombre labre, plante, mejore, cultive y haga que produzca frutos para

44su uso, será propiedad suya” . Ello no implica que Locke sea claramente favorable a la acumulación

45de propiedades . El ejemplo de su tiempo que Locke pone sobre la mesa es el caso de las “tierras salvajes de América que no han sido cultivadas y permanecen en su estado natural, sin

46ninguna mejora” . Relacionado con la propiedad, se halla el dinero como mecanismo de

47intercambio . Y de ahí a la acumulación de riqueza: “la invención del dinero les dio la oportunidad de seguir conservando [las]

48posesiones y aumentarlas” .

Para cerrar este apartado hay que justificar en la obra Locke la existencia de un doble pacto. En el capítulo IX se dice al retomar la cuestión del consentimiento entre los individuos: “esto es lo que los hace estar tan deseosos de renunciar al poder de castigar que tiene cada uno […]; esto es lo que los lleva a conducirse según las reglas que la comunidad […] ha acordado. Y es aquí donde tenemos el derecho original del poder legislativo y del ejecutivo, así como el de los gobiernos de las

49sociedades mismas” . Locke no sólo apunta a la división de poderes, sino también a la distinción entre “sociedad civil” (pacto original, comunidad) y “gobierno” (Estado). Esto se observará más adelante cuando Locke distinga entre función legislativa originaria (pueblo) y un poder legislativo derivado del anterior; así traza la distinción que nos interesa ahora: “la comunidad es siempre el poder supremo; mas no es así

mientras se halle bajo alguna forma de gobierno, pues dicho poder del pueblo no puede tener lugar hasta que el gobierno sea disuelto”. En el capítulo XV (“De los poderes paternal, político y despótico considerados juntos”), Locke expone que “el poder político es el que, teniéndolo todos los hombres en el estado de naturaleza, es entregado por éstos a la sociedad y, a través de ella, a los gobernantes que la sociedad misma ha erigido con el encargo […] de que ese poder sea

50empleado para su propio bien” . En el último capítulo (“De la disolución del Gobierno”), se hace más explícito el doble pacto: “quien se proponga hablar con alguna claridad de la disolución del gobierno, debe distinguir entre la disolución de la

51sociedad y la disolución del gobierno” .

Hay que aclarar que la sociedad civil no acaba completamente con el estado de naturaleza, al seguir existiendo ésta en las relaciones entre los

52Estados :

Como todos los príncipes […] del mundo […] se encuentran en un estado de naturaleza, es obvio que nunca […] faltarán hombres que se hallen en tal estado. No todo pacto pone fin al estado de naturaleza entre los hombres, sino solamente el que los hace establecer el acuerdo mutuo de entrar en una comunidad […]. Hay otras promesas y convenios que los hombres pueden hacer entre sí, sin dejar por ello el estado de naturaleza.

3. La división de poderes: desarrollo específico en Locke

Los precedentes de la división de poderes se hallan en el gobierno mixto de la Antigüedad, que tuvo por representantes a Aristóteles o Polibio (GINER, 1992, p. 313). Hubo esquemas similares en la Edad Media. En el capítulo VII, Locke

53expresa que :

El Estado se origina mediante un poder que establece […] el castigo que corresponde a las diferentes transgresiones […]; éste es el poder de hacer leyes y a él debe añadirse el poder de castigar cualquier daño […] cometido por alguien que no pertenece a [ese Estado]. Este segundo poder es el de hacer la guerra y la paz. […]. Junto con la entrega de ese poder […] a la legislatura en todos aquellos casos en los que […] fue posible recurrir a un magistrado, también [todo hombre] ha dado al Estado el derecho de emplear su propia fuerza personal para que se ponga en ejecución los juicios de dicho Estado. […] Y ahí tenemos el origen del poder legislativo y ejecutivo de la sociedad civil, poder que consiste en juzgar,

.61 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

mediante leyes, hasta qué punto deben castigarse las ofensas cuando son cometidas dentro del Estado.

El grueso de la teoría de la división de poderes está en los capítulos XII (“De los poderes legislativo, ejecutivo y federativo del Estado”), XIII (“De lasubordinación de los poderes del Estado”) y XIV (“De la prerrogativa”). Las características concretas del poder legislativo

54son :

“La primera y fundamental ley positiva de todos los Estados es el establecimiento del poder legislativo”.

“La primera y fundamental ley natural que ha de gobernar el poder legislativo mismo es la preservación de la sociedad”.

“La constitución del poder legislativo, al ser acto original y supremo de la sociedad, […] y dependiente de la totalidad del pueblo, no puede ser alterada por un poder inferior”.

“Ningún edicto de nadie […] tendrá la fuerza y la obligación de una ley, si no ha sido sancionado por los magistrados de la legislatura que el pueblo ha escogido o nombrado”.

“Toda obediencia que […] puede una persona estar obligada a prestar, se reduce […] a […] este poder supremo”. “Ningún juramento prestado a un poder extranjero cualquiera, […] exime a ningún miembro de la sociedad de prestar obediencia al poder legislativo”.

“La esencia y unión de la sociedad consiste en tener una sola voluntad; y el poder legislativo […] es el que […] mantiene esa unidad”.

Las fuertes competencias del poder legislativo quedan reguladas por una serie de “condiciones impuestas”, que reequilibran la situación a favor de los súbditos55:

Ejercicio no arbitrario del legislativo sobre vidas y fortunas (“la contribución tiene que hacerse previo consentimiento”).

“La autoridad legislativa […] no puede […] gobernar mediante decretos […] arbitrarios, sino que está obligada a administrar justicia y a decidir cuáles son los derechos de un súbdito, guiándose por leyes promulgadas […] y sirviéndose de jueces autorizados”.

“La legislatura no puede transferir a nadie el poder hacer leyes […]. Sólo el pueblo puede determinar el tipo de Estado”. “El pueblo retiene […] el supremo poder de disolver o de alterar la legislatura, si considera que la actuación de ésta ha sido contraria a la confianza que depositó en ella”56.

“No es necesario que la legislatura haya de estar permanentemente en activo. […] Debido a la fragilidad de los hombres […], éstos podrán ser tentados a tener en sus manos el poder de hacer leyes y el de ejecutarlas para así eximirse de obedecer las leyes”. “Una vez que las leyes han sido hechas, la asamblea vuelve a disolverse, y sus miembros son entonces súbditos, sujetos a las leyes”.

Ésta es la justificación del poder ejecutivo: “esas leyes […] tienen, sin embargo, […] vigencia y necesitan ser ejecutadas y respetadas sin interrupción, [para ello] es necesario que haya un poder que esté siempre en activo y que vigile […] la aplicación de las mismas. De ahí el que los poderes ejecutivo y legislativo suelan estar

57separados” .Hay, además, un tercer poder de difícil lectura y que se adelantaba más arriba: “hay en todo Estado otro poder que podríamos llamar natural” y que es “un poder de hacer la guerra y la paz, de establecer ligas y alianzas, y de realizar tratos con todas las personas y

58comunidades fuera del Estado” .Es el poder federativo, que presenta dificultades tanto por su ubicación concreta en el esquema institucional, como por su poca predisposición a regirse por “leyes positivas”.

Así se nos presenta una cuestión distinta, y que puede pasar desapercibida, y es cómo se establecen en realidad las relaciones entre los

59poderes :

“Mientras el gobierno subsista, el poder supremo será el legislativo; pues aquél que dicta leyes a otro deber ser necesariamente

60superior a éste” .

“El poder ejecutivo que se deposita en una persona, que no es parte de la legislatura, es claramente un poder subordinado al poder legislativo y debe rendir cuentas a éste; y puede cambiar de manos y ser depositados en otra persona, si así lo desea la legislatura”.

.62 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

“No es necesario […] que el poder legislativo esté siempre en funciones; pero sí es absolutamente necesario que el poder ejecutivo lo esté. Pues no hay necesidad de nuevas leyes, pero sí la hay de que las leyes […] sean constantemente ejecutadas”.

“[Los] dos poderes, el ejecutivo y el federativo, aunque en realidad son distintos […], ambos están casi siempre unidos. [Si no], la fuerza pública estaría bajo mandos diferentes, lo cual causaría […] el desorden”. “El poder federativo […] y el ejecutivo son poderes ministeriales y subordinados al legislativo”.

“El poder de convocar la legislatura suele residir en el ejecutivo [con] dos limitaciones […]: que […] la Constitución original requiera que los legisladores se reúnan a ciertos intervalos […] o que se deje al criterio del ejecutivo convocarlos para nuevas elecciones”.

“Si el ejecutivo […], observando cuál es la verdadera proporción que ha de tenerse en cuenta, […] establece e l número de representantes que deben provenir de cada lugar […] -número que nadie pueda pretender que no sea proporcional a la población […]-, no podrá decirse que con ello se esté erigiendo un nuevo poder legislativo”.

“Como los legisladores no pueden prever […] todo lo que pueda serle útil a la comunidad, el ejecutor de las leyes […] tiene, por derecho común natural, el derecho de hacer uso de dicho poder para el bien de la sociedad”. “Este poder de actuar a discreción para el bien público, sin hacerlo conforme a lo prescrito por la ley, es lo que

61se llama prerrogativa” .

Tal como Locke comenta en el capítulo XIV una efectiva división de poderes es propia de “monarquías moderadas” y de “gobiernos bien estructurados”, dándonos así ciertas claves sobre sus preferencias políticas.

4. El ejercicio del derecho de resistencia en Locke

4.1. Derecho de resistencia como mecanismo de protección de los derechos naturales

Cuando en el apartado anterior, se comprobó que Locke podía ubicar el poder supremo legislativo

realmente en manos de la comunidad frente a una 62posible asamblea arbitraria , ya él apuntaba

implícitamente un mecanismo de aplicación de lo que entiende por derecho de resistencia, concretamente que el pueblo pueda revocar a sus representantes. Otra cuestión básica es que nadie está por encima de las leyes (ya sea el monarca o los magistrados): “cuando un hombre viola la ley, no tiene derecho a que se le preste obediencia, ya que sólo tiene derecho a reclamarla como persona pública investida con el

63poder de la ley” . Una situación extrema en la relación pueblo/Ejecutivo es la siguiente: “usar la fuerza sobre el pueblo, que no esté autorizada […], equivale a un estado de guerra con el pueblo, el cual tendrá derecho a restablecer a sus

64legisladores […]” . Más adelante, Locke es 65todavía más explícito :

Aunque el pueblo no puede ser juez […], sí tiene en virtud de una ley que es anterior a todas las leyes positivas […] y también de autoridad mayor, el derecho de reservarse la última decisión […] cuando no hay sobre la tierra apelación posible; […] el derecho de juzgar si hay o no hay causa justa para dirigir su apelación a los cielos. Y a ese derecho no pueden renunciar, pues está fuera del poder de un hombre el someterse a otro dándole la libertad de destruirlo.

La resistencia se puede ejercer tanto contra el poder legislativo como contra el poder ejecutivo cuando ambos se exceden en sus funciones. Relacionado con la cuestión del derecho de resistencia, Locke establece en el capítulo XVII (“De la usurpación”) una curiosa distinción entre usurpación y tiranía: “un usurpador jamás puede tener el derecho de su parte, no habiendo usurpación excepto allí donde uno hatomado posesión de algo a lo que otro tiene derecho […]”, al “ser sólo un cambio de personas, pero no de las formas y reglas del gobierno, pues si el usurpador extiende su poder más allá de lo que por derecho pertenecía a los […] gobernantes legítimos del

66Estado ello significará la tiranía […]” . Para Locke, ambos casos carecen de legitimidad, particularmente para la persona que ocupa el poder: “porque la anarquía es tanto carecer de una forma de gobierno, como acordar […] que sea monárquico y, luego, no […] saber cómo designar

67a la persona que ostentará el poder […]” .

4.2. Problemática de la ética de la violencia revolucionaria en Locke y su adaptación a las circunstancias concretas de su época

.63 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

La historia ofrece ejemplos abundantísimos […] de hombres que se apartaron de la jurisdicción en la que habían nacido y se negaron a obedecerla […]. De ello surgió toda esa multitud de pequeños estados en la época antigua […]. Todo esto testimonia en contra de la soberanía paternal […], pues si ese presupuesto fuese cierto, hubiera sido imposible que surgiesen tantos reinos pequeños; si los hombres no hubiesen tenido la libertad de separarse de sus familias y de su gobierno, […] sólo habría existido una sola monarquía absoluta.

Locke no sólo entierra el principio del poder paternal como apoyatura de la monarquía absoluta, por si quedó alguna duda en el apartado 2º de nuestra investigación, sino que trata abiertamente de los derechos de los pueblos con respecto a las pretensiones de los imperios. Es más, se expresa a favor del derecho de secesión de los griegos con respecto al Imperio Otomano, cuestión que se hará realidad a partir de 1820. La legitimidad viene dada porque “ún gobierno puede tener derecho a la obediencia de un pueblo que no ha dado su libre consentimiento”; y éste no se expresa por parte del pueblo “hasta que […]

pueda elegir su gobierno […], o […] hasta que haya leyes vigentes a las que el pueblo, o sus representantes , puedan dar su l ib re consentimiento[…]. Sin esto, los hombres […] no son hombres libres, sino esclavos sometidos por

71la fuerza ”. De aquí a la independencia de EE. UU. sólo hay un paso

.El capítulo XVIII (“De la tiranía”) es muy interesante y complejo por momentos, tanto por la incursión que realiza en el terreno de la justificación de la violencia como por fundamentar su posición en defensa de una monarquía legítima en los discursos de Jacobo I ante el Parlamento, el primer rey de la dinastía de los Estuardo (inicios del siglo XVII). Aunque Jacobo I se apoya parcialmente en el derecho divino, se compromete “a observar las leyes fundamentales

72de su reino” y “a proteger a su pueblo ”. Más que el carácter sagrado de la persona del rey, a Locke le interesa salvaguardar la dignidad del rey en una

73monarquía constitucional . En el capítulo XIX, Locke insinúa un modelo político, de abierta inspiración inglesa, cuyo legislativo estaría formado por la “concurrencia” y el equilibrio entre

74“tres personas” : “una persona individual, de carácter hereditario, que tiene el poder ejecutivo”, “una asamblea de la nobleza hereditaria” y “una asamblea de representantes elegidos pro tempore por el pueblo”. Éste esquema ideal que traza Locke sirve de hilo conductor para establecer los posibles supuestos de la disolución del gobierno: descomposición del legislativo, actuación contraria a su misión del príncipe o del

75propio legislativo…

La posibilidad de la revolución es algo mucho más complejo que la propia resistencia, con lo que Locke quiere evitar acusaciones de subversivo, al tiempo que separa claramente el derecho de resistencia de la revolución; en este punto, justificamos el haber empleado dos epígrafes

76distintos para ambos conceptos :

El pueblo no está tan predispuesto a salir de sus viejas formas de gobierno como algunos quieren sugerir. Es muy difícil convencerlo de que tiene que corregir los errores declarados que tienen lugar dentro del régimen al que está acostumbrado. […] Esta lentitud y aversión que el pueblo muestra a la hora de abandonar viejas Constituciones, se ha visto, en éstos y en otros tiempos, en las muchas revoluciones que hemos presenciado en este país; y ha […] vuelto a sujetarnos a nuestro viejo orden de legislativo de rey, lores y comunes.

.64 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.Locke, que fue ambiguo en temas tan dramáticos como la esclavitud, tiene en su obra una serie de afirmaciones de gran calibre revolucionario; por ejemplo, en el curso del análisis histórico del capítulo VIII hace esta afirmación: “la monarquía era un simple y obvio sistema de gobierno para hombres que no habían conocido ningún otro, y que ni la ambición ni la insolencia del imperialismo les había enseñado a prevenirse contra los abusos de privilegio o contra los inconvenientes del poder absoluto que otras monarquías subsiguientes iban a reclamar para sí” . ¡Locke condenando el imperialismo, 68

cuestión que era una de las graves contradicciones de la Revolución Inglesa, particularmente en el contexto de una Irlanda sometida a sangre y fuego por las tropas de Cromwell! La violencia es un ejercicio legítimo en circunstancias como ésta : “es el injusto uso de 69

la fuerza lo que pone a un hombre en guerra con otro; y el culpable de la agresión es el que ha abandonado su derecho a la vida. Pues al no actuar conforme a la razón […] y al hacer uso de la fuerza, está comportándose como las bestias. Y, de este modo, se expone a ser destruido por aquél contra el que ha ejercido dicha fuerza”.

En el mismo capítulo VIII, Locke apunta alto y casi dibuja una profecía relacionada con la problemática del Imperio Británico en los siglos

70posteriores :

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

Locke entra de lleno en la historia de su país, caracterizada por cierta estabilidad política, pero condicionada por algún que otro proceso revolucionario. Las revoluciones se dan por el “sufrimiento” del pueblo y “no […] por causa de pequeños errores de administración en los asuntos públicos”. Así, la “doctrina que da al pueblo el poder de procurar su propia seguridad mediante el establecimiento de un cuerpo legislativo […], es la mejor defensa contra la

77rebelión y el medio más probable de evitarla” .

El derecho divino se pulveriza con este audaz comentario: “la rebelión tendrá lugar, por mucho que se les diga que sus gobernantes son hijos de Júpiter, sagrados o divinos, descendidos de los

78cielos…” . Ahora viene una enérgica justificación del derecho de resistencia como ejercicio concreto de violencia revolucionaria:

Si quienes dicen que esta doctrina “está sembrando la semilla de la rebelión” quieren con ello dar a entender que el decir al pueblo que está absuelto de prestar obediencia, cuando se intenta invadir sus libertades o propiedades, puede dar lugar a guerras civiles […]; si lo que quieren dar a entender es que decirle al pueblo que éste puede oponerse a la violencia ilegal de sus magistrados cuando éstos invaden sus propiedades, contrariamente a la misión que se les encomendó, es una doctrina impermisible porque resulta destructiva para la paz del mundo, entonces, podría agregarse también […] que los hombres honestos no pueden oponerse a los ladrones y piratas, porque esto puede dar lugar a desorden y derramamiento de sangre. Mas si alguna desgracia tiene lugar en casos así, no será por culpa de quien está defendiendo su derecho, sino de quien está violando el de su prójimo.

Locke concluye su defensa de la resistencia frente a otro de los teóricos del absolutismo:

80William Barclay , quien hace referencia a una resistencia moderada en situación extrema, salvando la inviolabilidad de la persona del príncipe. La respuesta de Locke es consecuente: “hace falta una facultad especial para entender cómo podrá ofrecerse resistencia a la fuerza sin devolver el golpe, o cómo se puede golpear con reverencia”. Locke cuestiona así la inviolabilidad del príncipe “en cuanto a […] que un inferior no puede castigar a un superior […], eso es generalmente verdad siempre y cuando el superior siga siendo tal. Pero resistir la fuerza con la fuerza implica estar en condición de guerra que

iguala a las partes en litigio”. A lo que más llega Barclay es al destronamiento, lo cual le sitúa en una posición tensa para un teórico del absolutismo. Pero Locke remata su tesis: cuando “un rey […] deja de ser rey […] puede ser resistido; pues en cuanto cesa la autoridad, […]

81es como otro individuo cualquiera” . La sombra de la ejecución de Carlos I (1649) planea aquí.

5. Conclusiones

1) La problemática de la fuerte tensión dialéctica entre la filosofía y la teoría política de Locke es relativa, porque puede estar presente en su propia filosofía, al desarrollar tanto la vertiente empirista como la racionalista. Esta tensión es una fuente de riqueza para su teoría política porque da lugar a múltiples lecturas. Su huella en la Ilustración Francesa, vía Voltaire o la Enciclopedia, es decisiva.

2) La distinción entre ley natural y derecho natural es fundamental al separar, en el estado de naturaleza, un mandato moral de la humanidad de los derechos fundamentales del individuo. Con la sociedad civil, la ley natural pasa a ser un mandato moral para el Estado: esto es una necesidad teórica destinada a salvar las limitaciones éticas que para Locke tiene el derecho positivo (COLOMER, 2002, p. 26; SABINE, 1995, pp. 404-405; STRAUSS, 2000, pp. 265 y 298).

3) Locke utiliza el iusnaturalismo no sólo para explicar el origen de las sociedades humanas, sino también como base del derecho internacional de su época, lo cual le lleva a considerar a los Estados como individuos en estado de naturaleza. Locke influirá parcialmente en este punto en Kant o Hegel.

4) Considero que ha quedado claro que “sociedad civil” equivale en Locke a una comunidad política, entendida ésta como conjunto de ciudadanos que pactan un marco de convivencia política (puede ser un marco constitucional), mientras que gobierno equivale al conjunto de las instituciones por las que se rige e s a c o m u n i d a d , l a c u a l d e l e g a condicionadamente su poder. El gobierno en Locke es, en líneas generales, representativo.

5) La tensión no resuelta entre ley natural/ley positiva con respecto al problema de la propiedad, hace de Locke un precursor tanto de las teorías que postulan sociedades de una sola

.65 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

clase social, de pequeños propietarios (Rousseau, Jefferson), como de aquéllas que justifican la acumulación de capital (Adam Smith). Aquí se halla la dialéctica desigualdad económica/igualdad política, piedra de toque del liberalismo. La ambivalencia de la teoría de la propiedad en Locke es análoga al planteamiento de Harrington en su Oceana. La propiedad como derecho natural, anterior al pacto social, implica una ruptura frontal con Hobbes (GINER, 1992, p. 312; SPIEGEL, 1996, pp. 202-205 y 280-281; TOUCHARD, 2008, pp. 291-293).

6) El recurso de Locke al análisis histórico es más consecuente con su filosofía empirista. Sólo es parcialmente correcto hablar de tratamiento empírico de la Biblia en Locke, como una fuente histórica más, porque él iguala ley natural a ley divina, acercándose paradójicamente a un terreno más teológico, próximo a la Revolución Inglesa (ej., A. Sidney). No obstante, los especialistas destacan el componente secular de Locke (SABINE, 1995, pp. 398 y 405; TOUCHARD, 2008, p. 295; STRAUSS, 2000, pp. 267 y ss.).

7) Con la inclusión del desarrollo histórico desigual, Locke puede discutir la tesis de la necesidad de la monarquía absoluta, particularmente por los orígenes de las civilizaciones (GINER, 1992, p. 312).

8) La dialéctica barbarie/civilización sirve para e s t a b l e c e r u n a h i p ó t e s i s h i s t ó r i c a (empírica/dinámica) que ilustre el salto del estado de naturaleza a la sociedad civil (hipótesis racionalista/estática) (COLOMER, 2002, pp. 20-23; MELLIZO, 1990, pp. 14-17). Locke sabe que en el terreno del análisis histórico, donde tiene dificultades, sus adversarios se hunden ante la imposibilidad de compaginar dichos análisis con susrígidas propuestas teológicas. Locke, pese a sus contradicciones, golpea en el núcleo del absolutismo: la imposibilidad de justificar el derecho de origen divino en la época de avance del conocimiento científico.

9) Siguiendo la senda trazada por Aristóteles, Locke separa al poder paternal del poder político (SABINE, 1995, p. 405). Esta argumentación corta de raíz cualquier posibilidad de legitimar el absolutismo a través del poder paternal, por las distintas características entre ambos poderes y porque el segundo se haya distribuido entre los súbditos. Locke niega, además, el derecho de

conquista como otra teoría justificadora del absolutismo, con ejemplos ilustrativos de la propia historia de Inglaterra: demuestra así que conquista no equivale siempre a legitimidad. En todo caso, la conquista, en el esquema de Locke, debe insertarse en el Derecho Internacional como una variante de la guerra legítima, sujeta por tanto a una serie de normas. Si no se cumple esta condición, la conquista es equivalente a tiranía.

10) Locke presenta inconsistencias en el terreno de la esclavitud, que luego se reflejarán en el ordenamiento constitucional norteamericano. La esclavitud es incompatible, pues, con cualquier tipo de contrato; excluye al hombre de la sociedad civil al carecer de libertad y, más aún, de propiedad.

11) El derecho de resistencia en Locke presenta también ambigüedades. Puede ejercerse de forma pacífica mediante la resistencia a los actos ilegales de un magistrado o el derecho de revocación de los representantes. Pero tiene un punto de ruptura frontal con Santo Tomás de Aquino y, en parte, con los monarcómanos, cuando la resistencia, incluso violenta, no requiere una autoridad competente, pues basta “la apelación a los cielos”, sin aclarar procedimientos. La legitimidad descansa en el pueblo sin matices: esto parece indicar una predisposición de Locke hacia la soberanía popular y, por consiguiente, hacia la democracia (GINER, 1992, p. 312; posición contraria en TOUCHARD, 2008, pp. 294-295).

12) Las tesis de Locke acerca de la violencia revolucionaria no son conservadoras y son más radicales que el grueso de la Ilustración Francesa, que carece de una teoría del derecho de resistencia tan consecuente. La Ilustración supera parcialmente a Locke en el terreno de la democracia (ej. Rousseau), pero cuando Locke cuestiona la condición sagrada de los reyes justifica el tiranicidio un siglo antes de la Revolución Francesa (COLOMER, 2002, p. 31), aunque teóricamente ésta no sea una cuestión novedosa (ej. Salisbury). Esto contradice la tesis de Touchard respec to a l a de fensa “conservadora” de la revolución inglesa que realiza Locke. En realidad, Touchard simplifica aquí la ecuación: Locke = Burke. La impronta iusnaturalista de Locke, por su carácter ético y de acción, es incendiaria, aunque algunos pasajes de su obra admitan una lectura conservadora. La impronta iusnaturalista separa a Locke de Burke y

.66 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

aproxima al primero a Jefferson, pese a las influencias que pueda haber de Locke en Burke (tendencia al compromiso, justificación de la desigualdad social, defensa de las libertades tradicionales). Por ello, es mejor recoger la otra parte de la argumentación de Touchard: la que permite estudiar el pensamiento de Locke desde el punto de vista de sus ambivalencias dialécticas; y si me permite el lector una pequeña osadía: esto supone reinterpretar a Locke a través del método dialéctico de Hegel.

13) Hay un consenso en la comunidad científica para establecer un vínculo de hierro entre Locke y el presidente norteamericano Thomas Jefferson (1801-1809), autor de la Declaración de Independencia de EE.UU. (1776) [COLOMER, 2002, p. 19; GINER, 1992, pp. 308-309; SABINE, 1995, p. 407; TOUCHARD, 2008, pp. 351-354]. Locke es un gran precursor en este campo al anticiparse al movimiento de descolonización del siglo XX. Si esta relación no admite discusión, habrá que admitir una lectura progresista de Locke.

14) La teoría de la división de poderes de Locke no encaja con los ordenamientos constitucionales actuales, al colocar la función de política exterior en un poder concreto (Federativo) o desagregar la función judicial entre el Legislativo y el Ejecutivo. Puede que aquí se halle una influencia, en el pensamiento de Locke, de la propia historia institucional inglesa. De hecho, pese a sus limitaciones, Locke aporta un esquema institucional para sostener a los poderes del Estado y logra diseñar una articulación, importante en la Historia de la Teoría Política, de las relaciones y conflictos que puedan darse entre esos poderes. Montesquieu completará el esquema de Locke acercándose al modelo actual. La división de poderes marca una divisoria entre Hobbes y Locke, y entre éste y Rousseau, por ser contraria a una concepción centralizada y unitaria de la soberanía (GINER, 1992, pp. 308-309 y 313; BARUDIO, 1986, pp. 325-326). La Tolerancia, la división de poderes y el doble pacto refuerzan el concepto de poder como equilibrio en Locke.

15) La obra política de John Locke respira en las dramáticas contradicciones del proceso revolucionario inglés. Si Cromwell es el gran estadista, Locke es el intelectual orgánico. Locke retoma elementos dispares de los puritanos (egoísmo individual) o de los niveladores

(inclinación hacia la democracia). Aquí radica la medida de su genio. Ejercerá una gran influencia, aunque también desigual, en el liberalismo británico del siglo XVIII, corriente de pensamiento que se decantará por la vertiente empirista frente a la iusnaturalista, particularmente a partir de David Hume.

BIBLIOGRAFÍA

TEXTO BASE

LOCKE, John. 1990. Segundo tratado sobre el gobierno civil. Madrid: Alianza [prólogo: John Locke, vida y escritos, por Carlos MELLIZO].

BARUDIO, Günter. 1986. La época del absolutismo (1648-1779). 4ª edición. Madrid: S. XXI.

COLOMER, Josep M. “Ilustración y liberalismo en Gran Bretaña: J. Locke, D. Hume, los economistas clásicos, los utilitaristas”, en VALLESPÍN, Fernando (ed.). Historia de la Teoría Política. 2002. vol. 3. Madrid: Alianza.

ESCOHOTADO ESPINOSA, Antonio. 1996. Filosofía y metodología de las Ciencias Sociales. Madrid: UNED.

FERRATER MORA, José. 2008. Diccionario de Filosofía Abreviado. Barcelona: Edhasa.

GINER, Salvador. 1992. Historia del pensamiento social. 8ª edición. Barcelona: Ariel.

KAMEN, Henry. 1987. Nacimiento y desarrollo de la tolerancia en la Europa moderna. Madrid: Alianza.

MACPHERSON, C. B. 2003. La democracia liberal y su época. Madrid: Alianza.

MARTÍNEZ RODRÍGUEZ, Miguel Ángel. 1999. La cuna de liberalismo. Las revoluciones inglesas del siglo XVII. Barcelona: Ariel [Recopilación de documentos históricos].

SABINE, George. 1995. Historia de la Teoría Política. Madrid: FCE.

STRAUSS, Leo. 2000. Derecho natural e Historia. Barcelona: Círculo de Lectores [prólogo por Fernando Vallespín].

TOUCHARD, Jean. 2008. Historia de las ideas políticas. 6ª edición. Madrid: Tecnos.

VALLESPÍN, Fernando. “Tomás Hobbes y la teoría política de la Revolución inglesa”, en

.67 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

VALLESPÍN, Fernando (Ed.). 2002. Historia de la Teoría Política. vol. 2, Madrid: Alianza.

NOTAS

1 Fue promotor del partido whig. Desempeñó altos cargos de Gobierno durante la Restauración.

2 A Guillermo III dedicó sus Dos tratados sobre el gobierno civil, aunque la edición original es anónima.

3 Sus vínculos con el negocio de la seda o la Royal Africa Company, relacionada con la trata de esclavos, han provocado una dura polémica entre los especialistas, particularmente la réplica de Mellizo contra Macpherson (MELLIZO, 1990, pp. 11-12). Igualmente polémicas son las recomendaciones coercitivas que Locke propuso contra los mendigos (SPIEGEL, 1996, p. 204).

4 En materia religiosa, Locke tuvo una disputa con los calvinistas que lo acusaban de ateísmo por su obra El cristianismo razonable (1695) (MELLIZO, 1990, p. 11), al considerar a Jesucristo como verdad indemostrable. La religión es un asunto privado. No hay base para un Estado cristiano (COLOMER, 2002, p. 19). Locke considera que la tolerancia está ligada a la esencia del cristianismo, al tiempo que apuesta por una separación entre Iglesia y Estado y por la libertad individual a la hora de formar parte de una iglesia; ésta no tiene ninguna capacidad coercitiva sobre los fieles, salvo la expulsión, porque nadie renuncia a ningún derecho natural cuando se incorpora a una iglesia. También es importante preservar el equilibrio entre iglesias. No obstante, la Carta sobre la Tolerancia presenta tres excepciones, que dañan parcialmente a la teoría de Locke en esta materia; así, no se puede tolerar: a sectas que ponen en peligro a la sociedad, a los ateos y a los católicos (KAMEN, 1987, pp. 222-226).

5 MACPHERSON (2003, pp. 26-28) no niega las inclinaciones democráticas del puritanismo, pero sí aclara que, salvo el ala izquierda de los niveladores, las propuestas se encaminaban a un sufragio censitario de base relativamente amplia. El vínculo entre ciudadanía y propiedad sería el principal obstáculo.

6 En la teoría política destaca el escepticismo de Halifax con respecto a los principios abstractos, primando este autor el valor del common law en la práctica, mediatizada por fuerzas e intereses.

7 FERRATER MORA (2008, pp. 111-112 y 300) tiene una posición distinta porque Locke “muestra […] un fuerte componente racionalista”. COLOMER (2002, pp. 12-13 y 17) considera al pensamiento de Locke como una “amalgama” de iusnaturalismo y empirismo. En Locke, hay principios evidentes por sí mismos: la existencia de un Dios creador, la ley universal de la Naturaleza y la racionalidad humana.

8 Son importantes en el Segundo tratado las referencias al teólogo anglicano Richard Hooker (1554-1600), quien resume a fines del siglo XVII la irrupción de la Reforma en Inglaterra y proporciona a Locke una definición sobre la razón natural en los hombres con reminiscencias medievales: restricciones morales del poder, responsabilidad de los gobernantes ante sus comunidades y subordinación del gobierno al derecho. Destaca su obra De las leyes de la sociedad eclesiástica. Hooker era un defensor de la igualdad cristiana de todos los hombres. No obstante, Hooker estaba lejos de ser un revolucionario. Defendía una Iglesia Nacional, por ejemplo, frente a las posturas puritanas. (BARUDIO, 1986, pp. 321-322; MELLIZO, 1990, pp. 13-14; SABINE, 1995, p. 402; STRAUSS, 2000, p. 271; TOUCHARD, 2008, p. 256).

9 LOCKE, John: Segundo tratado sobre el gobierno civil, V, 25

10 Ibíd. VI, 52

11 Ibíd. VIII, 104

12 Ibíd. VIII, 101. GINER (1992, pp. 331-332) destaca este punto como fundamental para comprender las ambivalencias teóricas de Locke.

13 LOCKE, John: op. cit., I, 3

14 Ibíd. VIII, 98

15 Si Hobbes es un teórico exclusivo de la soberanía, sus distancias con el liberalismo están difuminadas. Si, por contra, lo vemos como un teórico del absolutismo el choque con los liberales es frontal. Pero, ¿era realmente Hobbes un absolutista aparte de su concepto de la soberanía? Su concepción racional de la soberanía no gustó a los absolutistas de su tiempo y hubo serias dudas sobre la inspiración real del Leviatán: o los Estuardo o Cromwell. La concepción utilitarista de Hobbes, centrada en las motivaciones egoístas para justificar el pacto social, tendrá una influencia decisiva en Locke (BARUDIO, 1986, pp. 320-322; SABINE, 1995, pp. 402-404; TOUCHARD, 2008,

p. 358 y ss.; VALLESPÍN, 2002, pp. 268-270).

16 LOCKE, John: op. cit., II, 4, 6, 8, 10-11; III, 19; V, 30; VII, 87; VIII, 95; IX, 128 y XVI, 190-192, 195

17 La cursiva es mía. En el capítulo XI, Locke dice: “con la ley de la naturaleza, es decir, con la voluntad de Dios, de la cual la ley de la naturaleza es manifestación”, y también: “la ley de la naturaleza no está escrita y sólo puede encontrarse en el alma de los hombres”. LOCKE, John:

18op. cit., XI, 143 Respecto a la cuestión de la

.68 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

igualdad ésta se relativiza posteriormente en el capítulo VI, por los siguientes criterios: papel de la edad, de los méritos, nacimiento…

19 LOCKE, John: op. cit., II, 14

20 Ese derecho del príncipe contra un súbdito extranjero justifica el derecho natural. Ibíd. II, 9

21 Ibíd. XVI, 175

22 Esto servirá para criticar tanto las prácticas imperialistas, como la pretensión de justificar la monarquía absolutista inglesa del siglo XVII en la conquista de Inglaterra por parte de Guillermo I (siglo XI). De asumir esto, también habría que considerar, según Locke, legítimo el Danelaw, la situación de dominio por parte de los daneses que sufrió Inglaterra durante la Alta Edad Media. Cuestión distinta es la “guerra justa”, aunque ésta presenta sus límites: respeto a los aliados, derechos sólo sobre los agresores, derechos exclusivos sólo sobre la vida de los enemigos, derechos de reparación respetando los derechos de la población no combatiente. LOCKE, John: op. cit., XVI, 176-177, 179-180, 182, 196

23 LOCKE, John: op. cit., II, 13

24 Ibíd. III, 16-17, 20

25 Ibíd. II, 14-15; III, 21 y VIII, 95, 106

26 Ibíd. IX, 123, 127. STRAUSS (2000, pp. 290-293) insiste aquí para poner de relieve las contradicciones del estado de naturaleza en Locke y medir así la dificultad real para superar a Hobbes.

27 Aunque Locke justifica la necesidad del tránsito, no disimula su rechazo a los gobiernos absolutistas de su tiempo, prefiriendo el mal menor: “mucho mejor sería la condición del hombre en su estado natural, donde, por lo menos, los individuos no están obligados a someterse a la injusta voluntad del prójimo”. Más adelante golpea directamente: “la monarquía absoluta, considerada por algunos como el único tipo de gobierno que puede haber en el mundo, es, ciertamente, incompatible con la sociedad civil y excluye todo tipo de gobierno civil”, siendo la condición del súbdito de un príncipe absoluto similar a la de un esclavo. La monarquía absoluta se halla vinculada al “poder despótico”, “que la naturaleza jamás concede”. LOCKE, John: op. cit., II, 14-15; VII, 87, 90-91; IX, 124-126 y XV, 172

28 LOCKE, John: op. cit., VII, 77

29 En el capítulo VI, Locke desarrolla la crítica a Filmer: ahora insiste en el “poder de los padres”, insinuando cierta inclinación por la igualdad de sexos sólo en el ámbito familiar. Los “padres tienen una suerte de gobierno” sobre los hijos durante “el estado imperfecto

de la infancia”, pero es un “mandato provisional”.Ello no es incompatible con que los hijos mayores honren a sus padres o que los padres puedan condicionar a sus hijos con una posible herencia. Tampoco da especial poder al padre el que cuente con siervos a su servicio, al ser en realidad una relación asalariada. La relación entre hombre y mujer puede ser duradera; sin embargo, esta relación se reduce a una asociación de intereses, con la posibilidad de cancelación. Ibíd. VI, 55, 58, 65; VII, 77, 79, 80-81, 85 y XV, 170

30 LOCKE, John: op. cit., VIII, 95-97 y 119

31 El príncipe absoluto quedaría al margen de la sociedad civil, en estado de naturaleza: la confusión entre estado de naturaleza y sociedad civil no ha sido defendida “ni siquiera por los grandes apologistas de la anarquía”. LOCKE, John: op. cit., VII, 94

32 Destaca, además, otra cuestión importante, expuesta en el apartado anterior: que del derecho de castigar como del derecho de reparación surge la figura del magistrado que, aunque Locke no lo aclara, por el contexto se deduce implícitamente que analiza esta figura en una sociedad ya formada, dado que trata este aspecto en distintos momentos de su obra: la renuncia al poder ejecutivo de la ley natural por un poder público. Es aquí donde se halla uno de los problemas centrales del estado de naturaleza: cómo hacer factible que cada cual sea juez de su propia causa, lo cual explica la necesidad de un posterior tránsito a la sociedad civil. LOCKE, John: op. cit., II, 11 y VII, 89

33 LOCKE, John: op. cit., IX, 130-131 y XI, 137

34 Ibíd. X, 132. La problemática concreta de la democracia, y de su posición ambigua en la obra de Locke, se debe al contexto histórico de reconciliación entre el bando revolucionario y la institución de la monarquía. Esto afectará al liberalismo inglés del siglo XVIII (SABINE, 1995, p. 411).

35 El entrecomillado es mío.

36 LOCKE, John: op. cit., X, 133

36 LOCKE, John: op. cit., X, 133

37 Locke reconoce que la formación de la sociedad civil puede presentar dos inconvenientes teóricos. La primera objeción es que puede alegarse que “no se encuentran en la historia ejemplos de hombres iguales e independientes entre sí, que se unieran […] para establecer un gobierno”. La segunda puede ser más drástica: “es imposible que los hombres tengan derecho a hacer esto, pues todos nacen bajo un gobierno al que someterse”. Locke intenta trazar una senda de análisis empírico, prácticamente por vez primera en su obra, si descartamos las no pocas referencias bíblicas y la compleja lectura que se pueda hacer de su uso en esta obra. Los escenarios históricos

.69 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

corresponden a los orígenes de Esparta y Roma (Antigüedad Clásica), de la Venecia medieval, de los Imperios precolombinos de América (Perú, México) o de Israel (Antiguo Oriente). Reconociendo la importancia que en la formación de los Estados pudieron tener determinados individuos o familias, Locke relativiza la importancia del poder paternal en los orígenes de las monarquías, porque éstas podían ser monarquías electivas. Locke apunta a la teoría del carácter desigual del desarrollo histórico: “los reyes de los indios de América, que continúa siendo una réplica de lo que fueron los tiempos primitivos en Asia y en Europa”, o cuando, apoyándose en el misionero jesuita José Acosta, resalta la comparación entre los primitivos habitantes de Perú, antes de la construcción de su Imperio, y los que en el tiempo de la conquista europea de América vivían como “hordas” en Florida o Brasil. LOCKE, John: op. cit., VIII, 100, 102-103, 106 y 108

38 LOCKE, John: op. cit., IV, 22. La libertad en Locke está vinculada a la felicidad y al carácter racional del hombre; por ello, la política debe buscar paz, armonía y seguridad (TOUCHARD, 2008, p. 293).

39 De hecho parece justificar, a través de una cita del Antiguo Testamento, una relación concreta de servidumbre. Así, en el capítulo XVI hay una breve referencia negativa al célebre revolucionario Espartaco, a propósito de la condena del derecho de los conquistadores: “el que habría tenido Espartaco si hubiera conquistado Italia” [la cursiva es mía], silenciando Locke lo más importante del contexto de este episodio de la Antigüedad Clásica: la sublevación de los esclavos contra Roma (73-71 a. C.). Lo cual quiere decir que Locke concede más importancia a una sociedad organizada, basada en el consenso de una parte de la población y en la garantía de la propiedad, que al problema de la esclavitud en sí. En otra parte (capítulo VII) dice de los esclavos que “al haber sido capturados en una guerra justa, están por derecho de naturaleza sometidos al dominio absoluto […] de sus amos”, porque han “renunciado a sus libertades” y que, por tanto, al “no […] tener propiedad alguna, no pueden ser considerados como parte de la sociedad civil del país”. LOCKE, John: op. cit., IV, 24; VII, 85, XV, 172 y XVI, 196

40 STRAUSS (2000, p. 305) considera que aquí está la ruptura real de Locke con el pensamiento anterior.

41 “Cuando el propietario […] se deshace de su propiedad mediante cesión, venta u otro procedimiento, está ya en libertad de incorporarse al Estado que desee y tiene también la libertad de acordar con otros hombres la iniciación de un nuevo Estado […] en cualquier parte del mundo que esté desocupada”. Esto ocurre en el caso especial del consentimiento tácito, que es ilustrativo de lo importante que es la propiedad en la teoría política de Locke. Situación contraria ocurre con el consentimiento expreso que sí obliga a una relación “perpetua” con el Estado. La

excepción a la condición de un propietario sería la de los súbditos extranjeros, por cuanto no son ciudadanos del Estado donde residen, pero sí están obligados a respetar sus normas. LOCKE, John: op. cit., VIII, 121-122. Por su parte, MACPHERSON (2003, p. 34) considera que la propiedad distorsiona por completo el cuadro del liberalismo, por la aceptación de las relaciones capitalistas, haciendo difícil el desarrollo de la democracia.

42 SABINE, 1995, pp. 405-406. Por su parte, SPIEGEL (1996, pp. 191-205) desarrolla el pensamiento económico de Locke a través de conceptos tales como el interés, la teoría de la moneda, la teoría del valor y del precio, la propiedad… La teoría económica de Locke se halla en el Segundo tratado y en otros textos menores.

43 No obstante, pueden existir tierras comunales si se da esta situación por convenio: “nadie puede cercar o apropiarse de parcela alguna sin el consentimiento de todos los co-propietarios […], pues esas tierras llegaron a ser comunales mediante pacto”. Aunque éste aparece algo débil ante la posibilidad de que el trabajo individual en dichas tierras, de uno de los copropietarios, justifique la apropiación de productos naturales en este caso. Aquí hay un problema de compatibilidad entre la ley natural de apropiación sobre bienes originalmente comunes, por una parte, y “las leyes positivas para determinar la propiedad”, por otro. La propiedad en Locke encuentra un límite: “todo lo que uno pueda usar para ventaja de su vida antes de que se eche a perder, será lo que le está permitido apropiarse mediante su trabajo. Mas todo lo que excede lo utilizable será de otros”. LOCKE, John: op. cit., V, 28, 30-31 y 35

44 Ibíd. V, 32

45 “Hay en el mundo tierra suficiente para abastecer al doble de sus habitantes, si la invención del dinero, y el tácito consentimiento de asignarle a la tierra un valor, no hubiese dado lugar al hecho de posesionarse de extensiones de tierra más grandes de lo necesario”. Ibíd. V, 36. El debate acerca de si Locke es un teórico del capitalismo a ultranza es fuerte (MELLIZO, 1990, pp. 20-22; STRAUSS, 2000, pp. 324).

46 Éste es el problema de la coherencia real de Locke en la cuestión de la propiedad: cuáles son los mecanismos para evitar una excesiva acumulación de tierras y si habrá disponibles para todos (problema económico) y la posibilidad de ejercer, tácitamente, el derecho de conquista contra las poblaciones indígenas (problema político). El análisis histórico es leve, circunscrito a la parcelación de la propiedad por consentimiento social; éste es un fenómeno vinculado al crecimiento de las ciudades, la delimitación de fronteras entre territorios y las alianzas entre Estados. LOCKE, John: op. cit., V, 37-38, 42, 45

47 Ibíd. V, 47

.70 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

48 Ibíd. V, 48

49 Ibíd. IX, 127

50 La cursiva es mía. LOCKE, John: op. cit., XIII, 149 y XV, 170

51 La cursiva es mía. Ibíd. XIX, 211. SABINE (1995, pp. 409-410) acepta con reservas esta teoría, pero aclara que aquí se da la síntesis entre Hooker (teoría del Gobierno) y Hobbes (teoría del pacto social). COLOMER (2002, pp. 14 y 25) adopta una posición semejante. TOUCHARD (2008, p. 294), por contra, opina que Locke <<emplea más o menos indiferentemente las expresiones sociedad civil y gobierno>>.

52 LOCKE, John: op. cit., II, 14

53 La delimitación de poderes es ambigua en Locke al afirmar que el “juez es la legislatura o el magistrado nombrado por ella”, lo cual une la función judicial al poder legislativo, pero en la cita del texto principal dicha función parece estar vinculada al Ejecutivo. LOCKE, John: op. cit., VII, 88-89

54 LOCKE, John: op. cit., XI, 134; XII, 143; XIII, 157 y XIX, 212

55 Ibíd. XI, 135-142, particularmente, 142; XII, 143; XIII, 149, 154 y XIX, 221-222. SABINE (1995, p. 412) aclara que las reservas de Locke se deben a los excesos del Parlamento durante la Revolución, que llegó a ser una fuerza de oposición al New Model Army, tras la victoria de éste en la guerra civil.

56 La cursiva es mía.

57 LOCKE, John: op. cit., XII, 144

58 Ibíd. XII, 145-146. Para BARUDIO (1986, p. 324), el poder federativo, como poder cohesionado e indivisible frente al exterior, responde a una clara influencia de Hobbes.

59 LOCKE, John: op. cit., XII, 146-147; XIII, 150-154 y XIV, 159-160.

60 Aquí habría una excepción: “en algunos Estados en los que la legislatura no está siempre en funciones y el ejecutivo reside en una sola persona, que también forma parte de la legislatura, puede muy bien tolerarse a esa persona el nombre de suprema”. Ibíd. XIII, 150-151.

61 La prerrogativa debe estar sujeta al control popular, porque en las monarquías absolutas, carentes de división de poderes, “la prerrogativa sería […] un poder arbitrario”. LOCKE, John: op. cit., XIV, 163. Por contra, BARUDIO (1986, pp. 324-325) considera a la prerrogativa equivalente a un estado de excepción.

62 LOCKE, John: op. cit., XIX, 222

63 Más claro aún: “cualquiera que […] excede el poder que le ha dado la ley y hace uso de la fuerza […] cesa en ese momento de ser magistrado y […] puede hacérsele frente”. Ibíd. XIII, 151 y XVIII, 202

64 Ibíd. XIII, 155 y XIX, 220

65 La cursiva es mía. Ibíd. XIV, 168

66 LOCKE, John: op. cit., XVII, 197

67 Ibíd. XVII, 198

68 Ibíd. VIII, 107

69 Ibíd. XVI, 181 y XIX, 232

70 La cursiva es mía. Ibíd. VIII, 115

71 Ibíd. XVI, 192

72 La tiranía no sólo es producto de la monarquía absolutista del siglo XVII, sino que se ha dado en otras épocas históricas (Grecia antigua), aunque con características distintas. Ibíd. XVIII, 200-202

73 LOCKE, John: op. cit., XVIII, 205-206

74 Ibíd. XIX, 213

75 La voluntad arbitraria del príncipe se da al imposibilitar la reunión de la legislatura o alterar “los sistemas de elección […] sin el consentimiento del pueblo”. Otras causas graves que disuelven el Gobierno son: “entregar al pueblo a la sujeción de un poder extranjero” o por abandono del poder por parte del príncipe. Esto da lugar a la anarquía: “allí donde las leyes no se pueden ejecutar, es lo mismo La voluntad arbitraria del príncipe se da al imposibilitar la reunión de la legislatura o alterar “los sistemas de elección […] sin el consentimiento del pueblo”. Otras causas graves que disuelven el Gobierno son: “entregar al pueblo a la sujeción de un poder extranjero” o por abandono del poder por parte del príncipe. Esto da lugar a la anarquía: “allí donde las leyes no se pueden ejecutar, es lo mismo que si no hubiera leyes”. Locke aclara que el “uso de la fuerza sólo está justificado cuando a un hombre no se le permite buscar remedio mediante recurso legal”. A continuación, Locke ofrece una condena implícita del régimen de los Estuardo: “si todo el mundo advierte que […] la prerrogativa […] es empleada con fines contrarios para los que fue concedida. […] Si el pueblo ve que el poder arbitrario se manifiesta en varios casos y que bajo cuerda se favorece a la religión que da más aliento a esas arbitrariedades […], ¿cómo podría hombre alguno evitar buscar algún modo de salvarse?” [la cursiva es mía]. Se alude, entre líneas, al catolicismo. Ibíd. XIX,

.71 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro

207, 210-212, 217, 219, 221, 239

76 LOCKE, John: op. cit., XIX, 223

77 Ibíd. XIX, 224-226

78 Además, da la impresión que Locke distingue entre revolución (legítima) y rebelión ilegítima: “cuando el cuerpo legislativo se altera, o los legisladores actúan contrariamente al fin para el que fueron constituidos,

quienes resulten culpables serán culpables de rebelión”. Ibíd. XIX, 224-227

79 LOCKE, John: op. cit., XIX, 228

80 Autor a caballo entre el siglo XVI y el XVII; escribió en 1600 De Regno et Regali Potestate.

81 La cursiva es mía. LOCKE, John: op. cit., XIX, 232, 235 y 239

.72 Filosofia - Pablo Ojeda Déniz

.

Revista Dialética, v. 2, n. 2, p. 54-72, 2011Novembro