revista de estudos judaicos rej n 6

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REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS ANO VI – N o 6 2005/2006 Instituto Histórico Israelita Mineiro ano VI N o 6 2005/2006 Belo Horizonte p. 1-212 Rev. de Est. Judaicos Belo Horizonte Bianual

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REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOSANO VI No 62005/2006Instituto Histrico Israelita Mineiroano VI No6 2005/2006 Belo Horizonte p. 1-212 Rev. de Est. JudaicosBelo Horizonte BianualISSN: 1517-7904PublicaoInstitutoHistricoIsraelitaMineiroRuaPernambuco,326-BairroFuncionriosCEP: 30130-150 - Belo Horizonte MG BrasilTelefax:(31)3226.7848e-mail:[email protected] EditorialAlxiaTelesDuchownyMaria Antonieta CohenNaftale KatzCapaStefania Marinho de Abreu e Cristina Baa Marinho de AbreuEditoraoAna Beatriz Goulart Pereira Ficha CatalogrficaRevistadeEstudosJudaicos. Ano VI,n.6,2005/2006BeloHorizonte:InstitutoHistricoIsraelitaMineiro,2006.212p.BianualISSN:1517-79041.Judasmo-PeridicoCDD:296.05CDU:296(05)Osarti gossodei ntei raresponsabi l i dadedeseusautores,norefl eti ndonecessariamenteaopiniodestaRevista.SumrioApresentaoEditores ......................................................................................05Os sefarditas de Belm do Par: histria e lnguaCssia Scheinbein ..................................................................07Pernambuco e a segunda comunidade judaicaDiva Maria Gonsalves de Mello....................................................29Judeus em CuritibaSergio Alberto Feldman...............................................................39Disputas pela memria em Niteri: judeus e judeusAndra Telo da Crte...................................................................57O bairro Bom Fim dos judeus de Porto AlegreCristine Fortes Lia ..................................................................75AComunidadejudaicadoRecifeeosreformados:oconflitoreligioso no Brasil Holands 1635-1654Eber Cimas Ribeiro Bulle das Chagas.......................................86AaventuraagrcolajudaicanoBrasilnoinciodosculoXXMarcelo Gruman........................................................................100OsfamiliaresdoSantoOfcioeaInquisioPortuguesaemMariananosculoXVIII:ocasodosprivilegiadosdonmeroAldair Carlos Rodrigues..........................................................114Abafadores, incalces e o blood libelPaulo Valadares ................................................................. 123Um encontro marcado: judeus e negros no CaribeReginaldo Heller........................................................................130Documentos flmicos do HolocaustoLuiz Nazrio..............................................................................152AlbertEinstein,desionistarelutanteasionistaengajadoSalomon Sylvain Mizrahi...........................................................178 sombra do judeu erranteEthel Mizrahy Cuperschmid......................................................19412345678109111213ApresentaoNo 22 ano de sua fundaao, o Instituto Histrico Israelita Mineiro ofereceaopblicoono6daRevistadeEstudosJudaicos,referenteaobinio2005/2006,quetemascomunidadesjudaicasbrasileiras,tantocontemporaneas,quantodeoutrosperodosdanossahistria,comotemacentral.Seisdosartigos que aqui se publicam foram apresentados ao IV Encontro Nacional doArquivo Histrico Judaico Brasileiro, realizado em Sao Paulo, em 2005 e cedidospor seus autores.Alm desses, encontram-se neste volume outros sete artigosque versam sobre as comunidades judaicas brasileiras e tambm sobre outrostemas atuais e afins. O de Cassia Scheinbein, sobre a lngua dos sefarditas deBelm do Para, o hakita, abre a coletanea; seguem-se o de Diva GonsalvesdeMelloeodeEberChagas,sobreacomunidadedePernambuco;odeSrgio Feldman, sobre a de Curitiba; o de Cristine Fortes Lia sobreo famosobairro Bom Fim de Porto Alegre; o de Andra Telo Corte, sobre a histria dacomunidade de Niteri, dentre outros de igual relevancia e interesse, comoasincursoesnahistriadaInquisiaonoBrasil,osincalcoes,aaventuraagrcola judaica no Brasil, a relaao entre judeus portugueses e negros forrosno Caribee a recorrente figura do judeu errante.Sobre questoesatuais, destacam-seo artigode Luiz Nazario, sobre adocumentaao flmica da Shoa, tema perene na histria do povo judeu, bemcomo o de Salomon Mizrahi, sobre Albert Einstein, em complementaao asatividades promovidas pelo IHIM em 2005, o Ano Internacional da Fsica,emcelebraaoaocentenariodoannomirabilis,1905,emqueessefamosofsico de origem judaica, tambm sionista, publicou trabalhos de importanciafundamental para a Fsica Moderna.Com este volume, o Instituto Histrico Israelita Mineiro novamente cumpresuapropostadepreservaaoedivulgaaodahistria,cultura,lnguaseatualidadesjudaicas.AComissaoEditorial.71 Os sefarditas de Belm doPar:histria e lnguaCssia Scheinbein1Resumo: A contextualizaao scio-histrica do hakitia, lngua neolatina e judaica, em avanadoprocesso de extinao, na comunidade sefardita de Belem do Para, Brasil, e apresentada neste artigo.Descreve-sesuaformaaoapartiroseculoXV,comoconseqvnciadadiasporadosjudeusdaHispnia Medieval, ate os dias atuais no Brasil. Especial relevncia e dada a sua inserao culturalaolongodesseperododetempo;umglossariodomesmo,combaseemdadoslingvsticosatuaiscoletados in loco e disponibilizado ao leitor.Palavras- chave: Hakitia; Marrocos; Belem do Para.Antecedentes histricos: a Hispnia medieval e o MarrocosNeste artigo trataremos da comunidade sefardita de Belm do Para edos resqucios de sua lngua: o hakitia, lngua neolatina e judaica, em avanadoprocesso de extinao. Comearemos por contextualizar scio-historicamenteacomunidade,pois,parasedescreveralnguadeumpovoemumadeterminadaregiao, faz-se necessaria a sua inserao num contexto cultural,ja que as lnguas acompanham o homem em suas vicissitudes.A comunidade que objeto de nossa atenao, a dos judeus sefarditasde Belm do Para, na regiao norte do Brasil, tem como origem os judeus quenao aceitaram converter-se ao catolicismo e que, sob ameaa de morte e deconfisco de bens, foram expulsos da Espanha em 31 de Maro de 1492, peloRei Fernando e pela Rainha Isabel.Estima-seque,nessapoca,entre100.000e175.000judeusforam____________________________1 Este texto adaptaao de um captulo de SCHEINBEIN, Cassia. Lnguas em extinao. O hakitiaem Belem do Para. Dissertaao de mestrado, do POSLIN, Fale/UFMG, aprovada em 2006, orien-tadapela professora Dra. MariaAntonieta A. M.Cohen.REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./20068forosamente exilados. Esses, que passaram a ser conhecidos por sefarditas,ousefaradins,apartirdotoponimoSefarad,nomehebraicoutilizadoparadesignaraEspanhaeapennsulaIbricanaIdadeMdia,seguiramtrsrotas principais de exlio:a)amaioriaimigrouparaoImprioOtomano.Asuahistriaeodesenvolvimento de sua lngua muito diferente da dos sefarditas ocidentais.b) muitos dos expulsos da Espanha refugiaram-se em Portugal, tendosido mais tarde ou submetidos a um batismo forado ou de la expulsos em1497. Com outros judeus portugueses, esse grupo foi principalmente para aHolanda, Frana, Inglaterra, Alemanha, e outros pases europeus ocidentais.Esses sefarditas ocidentais mantinham contato com a Espanha e Portugal eficaramexpostos,aslnguas,aliteraturaeoutrasinflunciasdaPennsulaIbrica. Assim, continuaram a falar uma modalidade da lngua portuguesa eespanhola semelhantes as que se desenvolviam em Portugal e Espanha, masforamlevadostambmaadotaraslnguasdospasesondeseinstalaram,tais comooholands,ofrancs,oingls e o alemao,ja apoca lnguasdecultura.c)Nortedafrica,especialmenteoNortedoMarrocos,ondeconstruram consideraveis comunidades em cidades como Tanger, Oran, Fez,Tetuan, e Meknes. A lngua que se formou a, o hakitia, mesclou o espanholcom o hebraico e o arabe.Bemerguy (1998) menciona que o Marrocos ja havia sido refgio paraos judeus em decorrncia das perseguioes religiosas dos reis visigodos nossculosVIeVII,masnossculosXVeXVIquetemlugaromaiorcontingente migratrio para esse pas, em funao dos problemas gerados pelaInquisiao na Pennsula Ibrica.Os judeus vindos da Ibria ficaram confinados em guetos denominadosmelachs,emTetuan,Fez,Marrakesheoutrasvilasecidades.AescolhadoMarrocosexplica-sedadaasuaproximidadecomaPennsulaIbrica.Osexpulsosaficarampor300anos,falandoespanhol,portugusehakitia.ReconstruramassuascomunidadesemTetuan,Tanger,Fez,Rabat,Sal,Marrakesh,Arcila,Larache,CeutaeMelila.Saramdaguezera(sentenamaldita) da Ibria para o guechinam (inferno) do Marrocos.Asituaaoeconomicanaoeraamesmaparatodososjudeusmarroquinos, variava conforme a regiao, mas a maioria da populaao sofriaprivaoes.Os megorashim (expulsos`) chamavam aseus irmaos judeus nativos deforasteiros,ouseja,estrangeirosemrelaaoacomunidade judiadeorigemespanhola. Nao foram bem recebidos pelos judeus nativos, os tochabim, porqueosrecm-chegadostendoassumidoaliderananasjuderiasemelachs,progrediramemseusnegcioseprofissoes,aocontrariodosnativosempobrecidos por sculos de dominaao moura e berbere, sem oportunidadeSCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.9de educaao e profissionalizaao. Esses temiam os judeus vindos da Espanha.A rivalidade e divergncias entre os dois grupos de judeus manifestou-se nocamposocial,comercialereligioso.OsjudeusespanhiseportuguesesdeTanger e Tetuan se achavam superiores pela sua posiao social, por seu statuseconomico e profissional. Essa rivalidade e divergncias foramlevadas paraa nova diaspora, o norte do Brasil, no incio do sculo XIX.Fatores polticos, economicos, sociais, religiosos e educacionais foramos motivos que desencadearam a onda migratria dos judeus sefarditas e doschamados forasteiros marroquinos para a Amazonia.AvidadosjudeusnoMarrocosatingiuumgrandenveldepobrezanos melachs, em cidades como Tetuan, Tanger, Fez, Marrakesh, Sal, Arcila eoutras.PoucasfamliasjudiassefarditasemTetuaneTanger(portosdoMediterraneo e do Atlantico), em frente a Gibraltar, desfrutaram de melhorposiao social e economica. A maioria vivia confinada nos melachs e insalubresjuderias, sujeitos a doenas e epidemias. Laredo (1935, apud BENCHIMOL,1998)mencionaqueoestadodepobrezadosjudeuserataograndequeexistiam22sociedadesjudiasdebeneficinciaedesocorro.Ascondioessanitariasdascidadesmarroquinaserampssimasepioresnosmelachs.Diversas epidemias ocorreram em varias ocasioes, dentre elas,de clera. Afomeagravavaasenfermidades.O apedrejamento de judeus, tanto em vida como na morte, era praticacomum de perseguiao e de hostilidade entre os arabes. As sinagogas eramfreqentementeapedrejadaspelapopulaaoquandohaviaconflitos,revoluoes,mudanadesultoes,bombardeios,invasoes,eoutroseventosque enfureciam as multidoes, de maioria arabe-muulmana, que desprezavametinhamcimesdaqueleslderesjudeusquealcanavamcertaposiaoeconomica e social, em alguns governos. Na substituiao de algum sultao oupacha amigo por um inimigo, sempre ocorriam saques e perseguioes.Nasaljamas,juderias eguetosdaIbriae da Europa eraconstanteapressao para que os judeus filhos da maldiao, deicidas, parias, e excludos`fossemcatequizadosouconvertidosforosamente.Dessamaneira,cria-seumnovotipodemeio-judeuemeio-cristao`,ouseja,osmarranos.NoMarrocos,apressaoparaqueosjudeusaceitassemacrenadeMaomesubstitussem a Tora2 pelo Alcorao3, para torna-los Judid-al-Islam muulmanopor fora e judeu por dentro` tambm se fazia sentir. Muitos casos de conversaoforada ou de martrios ocasionados pelaresistncia ocorreram.____________________________2 Tora, ou os cinco livros de Moiss: Gneses (Bereshit), Lxodo (Shemot), Levtico (Vaikra), osNmeros(Bamidbar)eDeuteronomio(Devarim).3AlcoraoouCoraoolivrosagradodoIslao.OsmuulmanosacreditamqueoAlcoraoapalavra literal de Deus (Ala) revelada ao profeta Muhammad (Maom) ao longo de um perodode22 anos.REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200610Umainstituiaoefundamentalimportanciaequemuitocontribuiupara a educaao de judeus deste pas foi a A.I.U. (Aliana Israelita Universal),fundada em Paris, em 18604. A Aliana teve como objetivo solidarizar comos judeus, trabalhar pela sua emancipaao e progresso moral, oferecer ajudaeassistnciaasvtimasdoanti-semitismo,encorajarapublicaaodelivrosque promovessem esses objetivos. Sua aao se fazia nos nveis diplomaticos,naassistnciaaemigrantes,naeducaao,visandosobretudoaosjudeusorientais vtimas de perseguioes. Entre 1870 e 1885 foram fundadas escolasna Bulgaria, Srvia, Romnia, Turquia, Sria, Iraque, Egito, Jerusalm, Arglia,Tunsia e outros pases do Mediterraneo. A Escola Israelita Universal forneciaformaao em todos os nveis de ensino: lnguas (francs, espanhol, ingls ehebraico),cincias,histria,geografia,ofcioseprofissoes.Asmulheresaprendiamcostura,trabalhosmanuais,msica,almdasmatriascitadas.EscolasdaA.I.U.foramfundadasemTetuan,em1862,emTanger,em 1869, seguidas de mais cinco escolas no Marrocos. As de Tetuan e Tangerdesempenharampapelimportantenaeducaaoepreparaaodejudeus,tirando-os da pobreza e ignorancia, e estimulando-os a emigrar para outrospasescommelhoresoportunidades.Ajudou,portanto,napreparaaodosfuturoslderesjudeusdaAmazoniaquesetornaramimportadoreseexportadores.A importancia dada ao ensino do francs, espanhol, ingls e hebraiconas escolas da Aliana nao ajudou nafixaao do hakitia no Marrocos, umavez que este nao foi considerado relevante no processo educacional, sendoseu uso restrito aos ambientes familiares e sociais judaicos.Antecedenteshistricos no Brasil: apresena judaica naAmazniaEm28dejaneirode1808noBrasilfoiassinadaaCartaRgiadaAbertura dos Portos as Naoes Amigas.Em 19 de fevereiro de 1810, foram feitos dois tratados, um de comrcioe navegaao e outro de aliana e amizade, alm de uma convenao sobre oserviodenaviosentreBrasileGra-Bretanha.OTratadodeAlianaeAmizade determinava que, no futuro, nao haveria mais no Brasil o TribunaldaInquisiao(BENTES,1987).Falbel(1997)assinalaqueestetratadoconstitui um marco e um sinalizadorpara que os judeus do Marrocos e deoutros pases pudessem vir para a Amazonia.Em 18 de junho de 1814, o Prncipe Regente D. Joao assinou um novodecreto,abrindoosportosluso-brasileirosemcaraterdefinitivoatodasasnaoesamigas,semexceao.Noanode1821,D.JoaoVI,enfrentandoas 4A fundaao da A.I.U. deve-se a aao deJ. Carvalho, I. Cahen, N. Leven, A. Cremieux, A. Astruce o poeta E.Manuel,apoiados financeiramente pelo Barao Maurcio de Hirsh.____________________________SCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.11represalias docleroe daigreja, extinguiu aSanta Inquisiaoeos Tribunaisdo Santo Ofcio em todo o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.O Imperador D. Pedro I proclamou a Independncia do Brasil em 7 desetembrode1822.AConstituiaoImperialde1824reconheceuaIgrejaCatlica como a religiao oficial do Estado, permitindo o culto domstico ouparticular de outras religioes em casas sem forma alguma exterior de templo`.As sinagogas poderiam funcionar em casas de famlias judaicas, como ocorreuno incio.Com aProclamaao daRepblicadosEstados Unidos doBrasil,em15 de novembro de 1889, ogoverno provisrio baixou o Decreto 119 queaboleauniaolegaldaIgrejacomoEstado,einstituioprincpiodaplenaliberdade de culto. A emigraao sefardita marroquina para Belm deu-se porvoltade1810.OBrasilabriusuasportasparaacolherosfugitivoseexiladoseseapresentoucomoumnovolar,umanovapatrialivredasperseguioesetemores para aqueles sados do Marrocos. Os fatores polticos, as leis, atrarammigrantes.OutrosfatoresatuaramtambmcomoatraaoparaaAmazonia:aintensificaaodanavegaaodoexterior,propiciandoomaiorcomrciodeimportaao e exportaao, cargas e transportes de passageiros e migrantes; anavegaao interior subsidiando e propiciando a interiorizaao das correntesmigratrias judaicas ao longo do Rio Amazonas e seus afluentes; o ciclo daborracha,quetambmatraiu ingleses, franceses,alemaes,portuguesese osflagelados e retirantes do nordeste, que fugiam das secas de 1877 e 1888. Acombinaao dos fatores de expulsao e atraao fez com que os judeus sassemdo Marrocos e fossem viver na Amazonia.AscorrentesmigratriasBenchimol (1998) divide a presena judaica na Amazonia, a partir de1810,emcincocorrentes: os sefarditas expulsos de Portugal, Espanha e Marrocos, que falavamportugus,espanholehakitia; os forasteiros nativos do Marrocos, que falavam arabe e berbere5; osserfatitas6 de Alsacia e Lorena, de fala francesa e alema; osashkenazitasdaAlemanha,PoloniaedospasesdaEuropaOriental,quefalavamalemaoediche;5BerbereeraalnguadospovosprimitivosquehabitavamointeriordoMarrocos,aqueossefarditaschamavamdearbia,porquenemmesmoosjudeusfluentesemarabeconseguiamentenderoseulinguajarnativo.____________________________6 Serfaty(heb.) - francs`.REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200612 os foinquinitas (foinquinos, que em hebraico e hakitia significa Fencia)do Oriente Mdio, que falavamladino` e arabe.Segundo Bemerguy (op. cit.), o provavel primeiro fluxo migratrio dosjudeus marroquinos a Provncia do Grao-Para antecede o ano de outorga daConstituiao de 1824, que, como ja mencionado, permitiu o culto domsticoou particular de todasasreligioesno Brasil.Aautora diz haverregistro dapresena de judeus marroquinos no Para ja no ano de 1820.Em1842osjudeusjapossuamnecrpoleisraelitanacapitaldaProvncia.AprimeirasinagogadacidadedeBelm-ShaarChashamaim7,provavelmente do anode1824, alm desua funao religiosa, atuava comoagregadora do grupo. Era o local onde se encontravam as famlias e onde osrecm-chegadospodiamtravarconhecimentos.AsdatasdefundaaosaocontroversasbemcomoqualtenhasidoaprimeirasinagogadeBelm.Benchimol(1998)afirmaque aprimeira sinagogafoi fundadaem1823ou1824 - a Essel (Eshel) Abracham8, enquanto a Sinagoga Shaar Chashamaimprovavelmente teria sidofundada em1826ou 1828.Com o advento da exploraao da borracha, a emigraao judaica para aregiaoamazonicaaumentoubastanteeosjudeusdeorigemhispano-portuguesaquehaviamfugidoparaoMarrocoscomearamachegarcadavez em maior nmero para o Estado do Para e para o Estado do Amazonas,onde se estabeleceram nas capitais e no interior dos dois estados. Das cincocorrentes apresentadas, os grupos mais numerosos e influentes que aportaramnaAmazoniaforamosjudeussefarditaseforasteirosqueemigraramdoMarrocos, no perodo de 1810 a 1910.Bentes(op.cit.)afirmaqueessaimigraaofoidecaraterindividual,inicialmente,emsuaquasetotalidade,porjovensentre13e18anosdeidade,comaculturarelativaasuamaioridadereligiosaemnvelbastanteadiantado,eosconhecimentosgeraisdematematica,cinciaseletras,nomnimodocursoprimariocompletoemuitosdelescomocursoginasialconcludo.Algunssobrenomesdaspessoasquealiseinstalaramforam:Abecasss,Azulay,Benchimol,Bengi,Benoliel,Chocrn,Cohen,Israel,Levy,Pazuello,Serfaty,Serruya.Essaspessoas,apsteremconseguidoumaaceitavelcondiaoeconomica,mandavambuscarsuasfamliasouelesmesmosiamconstitu-las nas suas cidades de origem, trazendo-as para o Brasil. Posteriormente, jase casavam com as filhas dos seus correligionarios vindas com seus pais ouja nascidasna Amazonia, mantendoassimsuastradioese asua fidelidadereligiosa.7ShaarChashamaim(heb.)-PortadoCu`.8EshelAbracham (heb.)-Bosque,ArvoredoouPousadadeAbracham`.____________________________SCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.13Essesimigrantesnaoforamfinanciadospornenhumaorganizaaooficialdogovernobrasileiro.Vieramporcontaprpriacomseusparcosrecursos pessoais, ou por emprstimos que posteriormente pagariam, feitosporcomerciantescorreligionariosqueseencontravamnoBrasilelhesproporcionavamempregos,ouporcomerciantesquelhesadiantavamosrecursos para a sua viagem e instalaao. Eidorfe Moreira (apud BENTES, op.cit.)ratificaqueaimigraaojudaicaparaaAmazoniafoiespontaneaevoluntaria, sem onerar o governo brasileiro nem qualquer entidade particular.Os judeus que tinham ido para o Para e a progredido iam visitar suasfamliaseamigosemsuaterranatal,exibindosuasexcelentescondioeseconomicas comseuluxuoso modo devida.Elesnecessitavamde pessoasjovens, cultas e civilizadas, de plena confiana, para auxilia-los na ampliaaode seus negcios, pois no norte do Brasil nao encontravam facilmente pessoascapacitadas para esse fim. Por seu lado, os jovens marroquinos queriam terum futuro prspero como o daqueles que lhes serviam de exemplo. Este foium dos principais motivos de estmulo para os jovens marroquinos migrarempara o Brasil e para conseguirem o consentimento de seus pais, que sabiamqueosseusfilhospoderiamobterprogressoeteriamapoiodeseuscorreligionariosna Amazonia.AsinformaoessobreoprimeirofluxodejudeusmarroquinosnaAmazoniasaopoucasehadivergnciascomrelaaoasinformaoeseasdatas.Comosevera,Benchimol(apudBENTES,op.cit.),afirmaqueasprimeiras famlias judaicas estabeleceram-se na Amazonia por volta de 1850,quando o boom da borracha ainda nao havia adquirido momentum. Provinham,em sua maioria, do norte da frica, especialmente de Tanger, Tetuan, Rabat,Casablanca, do Marrocos francs e espanhol, e Arglia, bem como de Lisboaedeoutrascidadesportuguesas,ecomunidadessefarditas,quehaviamseestabelecido nessa parte do Continente Afro-Ibrico aps a diaspora.DiferentementedeBentes,Benchimol(op.cit.)informaqueacaractersticaprincipaldessaimigraaojudaicaresidiunofatodeque,aocontrario da maioria dos outros imigrantes, foi esta uma imigraao familiar,fazendo-se o homem acompanhar da mulher e dos filhos. Isto se deveria aocarater gregario, domstico da vida judaica, milenarmente presa aos valoresreligiosos e culturais centralizados em torno da famlia, da comunidade, queprocuram logo criar, como forma para assegurar a sobrevivncia de sua prpriaculturaetradiao.Essesimigranteslocalizaram-se,segundoesteautor,naspequenascidades do interior do Para e Amazonas, como Cameta, Almeirim, bidos,Santarm, Itaituba, Itacoatiara, Tef, Humaita, Porto Velho, alm de Belme Manaus, como empregados em escritrios e estabelecimentos comerciais,REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200614ou em atividades mercantis do aviamento e regatao`9. Mais tarde, no perodoaureodociclodaborracha,iniciou-seafasedesuapromoaoeconomicacomoarrendatarioseproprietariosdosseringais,nointerior,oucomocompradores de produtos regionais, nas praas de Belm e Manaus.Bentes (op.cit.) diz que, embora todos os judeus que formaram a comunidadeno Para fossem oriundos de territrios africanos limtrofes, todos com a mesmacultura religiosa sefardita, com os mesmos livros de oraoes e regulados por ummesmo calendario religioso, seus idiomas e tambm dialetos familiares, bem comoos seus costumes regionais, eram muito diferentes entre si.AsgeraesdejudeusnaAmazniaBenchimol(op.cit.)distribuiachegadadojudeusnaAmazonianasquatrogeraoesapresentadasaseguir:a) Primeira gerao os pioneirosA primeira geraao pioneira foi para o interior como jovens aprendizes,empregados,balconistasevendedoresambulantes,contratadosporfirmasjudias de Belm e Manaus, em busca de oportunidade de ganho e trabalho.Aviados por algum judeu prspero desses dois lugares foram para o interiorem cidades como: Breves, Gurupa, Cameta, Baiao, Macapa, Afua, Alenquer,bidos,Santarm,Parintins,Maus,Itacoatiara,Coari,TefchegandoatIquitos, no Peru.Outros pioneiros foram se localizar com suas mulheres e filhos no RioTapajs,ondeformaramascomunidadesdeBoim,AveiroseItaituba.NoRio Madeira, se estabeleceram em Borba, Manicor, Humaita, Porto Velho,Guajara-MirimeFortalezadoAbuna.NoRioPurus,ficaramemLabrea,Boca do Acre at Rio Branco. No Rio Jurua, se estabeleceram no Rio Tarauacacomo seringalistas, ou foram virar regatao at Cruzeiro do Sul. Muitos dessespioneiroscomearam comoempregados, balconistas, gerentes dedepsito,donos de flutuantes, guarda-livros e terminaram como seringalistas e Coronisde Barranco.OprimeirojudeumarroquinonoParafoioSr.JosBenj,comoinforma Ingberg (apud BENTES, 1987). Outra referncia bem antiga se deveao Major Eliezer Moyses Levy.9 Duas sao as acepoes do termo regatao: 1) o comrcio desenvolvido em embarcaoes pelo interiordaAmazonia,naqualestabelecia-segeralmenteosistemadeaviamento,sistemaestedecrditobaseadonatrocadeprodutos;2)oindivduoqueneletrabalhava,negociandoprodutosregionaisporprodutosmanufaturados,comapopulaaoribeirinha(BEMERGUY,1998).____________________________SCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.15Osjudeusforamosprimeirosregatoesdaregiao.Comsuasembarcaoes,levavammercadoriasparavendernosseringaisemtrocadeborracha,castanha,balsamodecopaba,sorva,balata,ucuquirana,pelesecouros de animais silvestres e outros gneros regionais de exportaao. ComodizBenchimol(op.cit.,p.81):Elesdesafiavamograndepodereomonopliodosaviadores`(comrcio de venda a crdito para o interior, no vocabulario amazonico)portuguesesedosCoronisdeBarrancoCearenseseNordestinos,queeramaselitesdominantesquefechavamosrioseeramosdonosdapraa` paraqueoseumonopliodecomrciofossemantido.A geraao dos pioneiros judeus na Amazonia pode ser caracterizada porumtrabalhoduro,abordodepequenasembarcaoesqueserviamaspopulaoesribeirinhas,ondeosbarcosdosgrandescomercianteseaviadores portugueses nao conseguiam entrar. Eles levavam estivas, tecidos,remdios, bebidas, munioes para abastecer os seringueiros e compravamos produtos do extrativismo silvestre, a melhores preos.Osjudeusdemocratizaramoprocessodeintercambiocomercialnointerior da Amazonia e quebraram o monoplio dos aviadores portugueses eexportadores ingleses, franceses e alemaes que dominavam o comrcio e osemprios de Belm e Manaus.Com a situaao mais consolidada, os pioneiros abandonavam o interiore se fixavam nas pequenas cidades onde viviam suas esposas e filhos. Assimforamsendoinstaladasascomunidadesjudaicas,assinagogasnascasasdefamlia, foram fundados os cemitrios judaicos.Esses pioneiros viveram intensamente afebre do rush daborracha eparticiparam dela intensamente, atravs de uma rede capilar de abastecimentoe de criaao de mercado, enfrentando a concorrncia dos grupos poderososdeBelmeManaus.Comonaotinhamchance,meios,oportunidadesoucapital para se estabelecerem nas capitais, para enfrentar os grandes, tiveramque buscar o seu lugarno interior.b) Segunda gerao - odo ciclo da borracha (1850 a 1910)Estageraaocompostadejudeusquepelosucessoobtido,graasaos altos preos da borracha, conseguiram se estabelecer em Belm e Manaus,ondesetornaramgrandesaviadoresecomerciantesdonosdeempriosearmazns,exportadoresdeborracha.Estesconcorriamcomportugueses,ingleses, franceses e alemaes. Suas famlias comearam a ter um alto conceitoeconomicoesocial.Nesseperododosanosdouradosdociclodaborracha,asegundaREVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200616geraao de judeus recebeu um reforo de novos imigrantes marroquinos deTangereTetuan,querecebiammesadasecartasdechamada`deseusparentesecorreligionarios,contandoasvantagensdaterraeafortunaaoalcance de muitos, com o alto preo da borracha.O ano de 1910 marcou o fim do apogeu da borracha. Com o fim domonoplio natural da borracha amazonica, encerra-se a segunda geraao defamliasjudias,queapesardadecadncia,tentaramsobreviveratosanos30 e 40, como exportadores de borracha, substituindo os ingleses, francesese alemaes que abandonaram Manaus e Belm. Tambm buscaram trabalharcomoutrosprodutoscomocastanha,couros,pelesebeneficiamentodeprodutos regionais.Essasegundageraaodejudeusmarroquinosteveumfimtriste.Famlias inteiras de comerciantes abandonaram suas propriedades em BelmeManaus.Firmasjudiasforamafalnciaedesapareceram.Osprincipaisempresariosjudeusquenaofaliram,sobreviverammodestamentecomocomerciantes e lojistas. Muitos migraram para outras cidades do Brasil e doexterior.c) Terceira gerao o xodo do interior para Belm e ManausA terceira geraao de judeus marroquinos pertence ao perodo de 1920a 1950. Durante esses 30 anos, a economia amazonica entrou em crise e osdescendentes da primeira geraao e pioneiros iniciaram o xodo para Manause Belm,em busca de sobrevivncia.Os judeus paraenses que haviam falido durante a crise da borracha, ouqueficarammuitoempobrecidos,tentamreerguer-seemBelm,comoempregadosefuncionariospblicos,vendedores,negocianteselojistas.Algunssetransformaramemgrandesexportadoresdeborracha,sorva,castanha, couros e peles, cumaru, timb e produtos regionais (entre 1930 a1950).Enteosanosde50e60,umagrandepartedeldereseempresariosparaensesabandonououfechouosseusestabelecimentosindustriaisemercantis e migrou para o Rio de Janeiro e Sao Paulo.d) Quarta gerao poca dos doutores e profissionaisA economia amazonica atravessou outro perodo muito difcil entre osanos de 1950 e 1970. As exportaoes de borracha tornaram monoplio federaldoBancodaBorrachaeassim,desestruturou-setodaaeconomiadasempresasjudaicasaviadoraseexportadorasdessesprodutos.Acastanhaeprodutos regionais como o couro de jacar, o leo de pau-rosa, a copaba, amadeira, a juta, que conseguiram manter alguns empresarios vivos. RecomeouSCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.17o despovoamento e o xodo rural para as cidades grandes. Vieram os patroese depois os peoes.Os judeus paraenses e amazonenses, nos anos 50, tiveram de largar evender seus bens, haveres e terras para educar os seus filhos.Os marroquinos tinham famlias numerosas e queriam dar boa educaaoaos filhos; eram esses os valores que mais prezavam. As maes judias tinhamcomo projeto para os seus filhos educa-los para serem mdicos, advogados,engenheiros.Omaisvelhodeveriaseguiraprofissaodopaicomerciantepara levar os negcios da famlia.Devido ao fato de as famlias judias serem numerosas e nao poderemdareducaaouniversitariaparatodososfilhos,elasdesenvolveramumaestratgiamuitoeficiente.Ospais,geralmenteamae,escolhiamomaisbrilhanteeinteligenteparaestudarfora.Ofilhomaisvelhodeviaseguiraprofissao do pai. Os outros comeavam a trabalhar depois do Bar-Mitzva10,para aumentar a renda familiar. Assim, a famlia podia mandar um segundofilho para estudar fora de Belm e Manaus, obtendo uma melhor formaaoprofissional. Este filho era ajudado pelos irmaos mais velhos e pelas irmas,quemandavamosseussalariosparacompletaramesadadosirmaosqueestudavam fora. Quando estes se formavam, tinham como obrigaao ajudaros mais novos a estudarem em alguma universidade. Formava-se assim umacadeiacooperativahumildedeauto-ajudamtua.Nos anos de 50, os judeus de Manaus e Belm comearam o seu xodoparaRioeSaoPaulo.Osqueficavam,abandonavamaprofissaodosseuspais.Tornaram-seprofissionais:mdicos,advogados,economistas,contadores, auditores, administradores, engenheiros, consultores, executivos,professores, pesquisadores e outros.Aquartageraaodejudeusamazonicosdesempenhaatualmenteimportante funao no campo profissional, universitario, empresarial e poltico.Muitos dos seus membros e descendentes se tornaram senadores, deputadosfederais,estaduais,vereadoreseprefeitos.Foisobretudonocampodamedicinaque maissedestacaram.A escolha por profissoes liberais como meio de vida e como instrumentode ascensao social pode ser explicada como uma forma pela qual as famliasjudaicas buscaram encontrar uma maneira de fugir do estigma da imagem doperverso judeu` associada ao dinheiro, a usura e ao comrcio. A busca deprofissoes nobres e humanistas, principalmente a de mdico, promove o judeuaumnovostatussocialeeconomico.Esqueceropassadoderegatoes,seringalistas, aviadores, lojistas e comerciantes tornou-se uma imposiao sociale gratificaao psicolgica para esta geraao que permanece em Belm, Manaus,ou que se estabeleceu no Rio, Sao Paulo e outros locais.____________________________10 Bar-Mitzva a maioridade judaica, quando o rapaz completa 13 anos de idade.REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200618Benchimol(op.cit.)mencionaqueestaquartafasedojudasmoamazonico,centradanasprofissoes,empobreceuascomunidadesjudaicas,principalmente a de Belm. Esta perdeu poder economico para sustentar osservios necessarios e requeridos pela comunidade. As trs sinagogas da cidade,o Centro Israelita do Para e o Clube Benfica (agora A Hebraica`) nao foramsuficientes para gerar receitas e manter coesa a comunidade local.OsjudeusdeBelmperderamascontribuioesedoaoesdosseusantigos comerciantes e empresas que emigraram e entraram em decadncia,ou que foram fechadas por falta de sucessores. Nem todos os profissionaisalcanaram o nvel de classe alta ou de classe mdia superior. A comunidadeparaense entrou em crise, com um aumento de assimilaao e ainda uma quebrae descontinuidade dos elos judaicos-familiares das tradioes e da solidariedadecomunitaria.BelmSanta Maria de Belm do Grao Para foi fundada em 1616 por FranciscoCaldeira Castelo Branco. A cidade espalha-se pela margem da baa do Guajarae dorioGuama,distante120km do oceanoAtlantico e160km aosul dalinha do Equador.Belm floresceu com pau-brasil e drogas do sertao e desabrochou coma exploraao da borracha. Sua maior riqueza a floresta bem prxima, com asua grande biodiversidade que fascina o mundo.Acidadecom1.065kmdeterritrio,apresentounoanode2005,umapopulaaoestimadade1.405.871habitantes,conformeosdadosdoIBGE (http://www.ibge.gov.br). Nao ha dados oficiais sobre a comunidadejudaicadacidade,masconformeBenchimol(1998),Belmteriacercade420/430famliasdejudeusdesinaleorgulho`,ouseja,daquelesqueseidentificamcomojudeus,perfazendoaproximadamentede1.600/1.800pessoas.AtravsdapesquisadecamporealizadanacidadeporScheinbein(2005) para a dissertaao Lnguas em extinao: o hakitia em Belm do Para`,constatou-sequeacomunidadejudaicaconstitudaaproximadamentede400 famlias, na sua maioria formada por profissionais liberais. Como ocorrede maneira geral no Brasil, ha muitos casamentos mistos, ou seja, de judeuscom pessoas de outros credos.AcomunidadedeBelmpossuitrssinagogas:aEshelAbracham(conhecidacomoSinagogadaRuaCamposSales),aShaarChashamaim(conhecidacomoSinagogadaRuaArcipreste),ambastradicionais,eadoBeitChabad,quesegueacorrenteortodoxa.Elasestaoconcentradasemregioes bem prximas umas das outras. Existe uma boa convivncia entre osmembros das mesmas. A bibliografia relata que, tao logo puderam organizaras suas comunidades e as suas sinagogas, os megorashim os exilados sefarditasSCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.19de Tanger, Tetuan, Larache, Melila e Ceuta, e os toshavim moradores nativosberberizadosearabizadosdeSal,Fez,Marrakesh,Mekne,Rabateoutrasvilasepovoados defalaarbia eberbere,procuraramreconstituiro quadrocultural e os valores religiosos de seu grupo de origem.Arivalidadeeadualidadeculturalereligiosapr-existentesnoMarrocosforamtransferidasparaasnovascomunidadesfundadasnaAmazonia a partir do incio do sculo XIX. Por este motivo, foram criadasduas sinagogas em Belm. A Eshel Abracham, uma sinagoga modesta, era aesnoga dos pobres e dos forasteiros toshavim. A Shaar Chashamaim, a sinagogados ricos, era freqentada pela elite religiosa, pelos aviadores, comerciantesprsperos,descendentesdosjudeussefarditasmegorashim.AindaconformeBenchimol (op. cit.), a primeira sinagoga fundada em 1824, pode ter acolhidoas duas correntes. Com a prosperidade da borracha, a segunda sinagoga, maisimponente, se tornou a sinagoga dos sefarditas megorashim.OCentroIsraelitadoParaconcentraaparteadministrativa,quecentralizatodasasatividades.Tudooqueprecisaserfeito,passaprimeiropelo Centro para depois ser encaminhadoa outras entidades. Ha umclubemais retirado da cidade - o Benfica.Benchimol (1998) informa sobre a existncia de quatro cemitrios emBelm: Cemitrio Judeu da Soledade, Cemitrio dos Ingleses, Cemitrio JudeuAntigo do Guama e Cemitrio Judeu Novo do Guama.Apesardenaoserextremamentereligiosa,acomunidadejudaicamantm as tradioes e os seus costumes. Os eventos sociais renem as variasgeraoes. Os seus membros sao muito receptivos, acolhedores, interessadose colaboradores no que se refere a contribuir com dados para pesquisa.Foram encontradosvariossobrenomessefarditasemBelm, a saber:Almescany,Assayag,Athias,Azulay,Barcessat,Bemerguy,Bemuyal,Benchimol, Bendayan, Benguigui, Bentes, Benzecry,Gabbay, Israel, Laredo,Levy, Mendes, Nahon, Obadia, Ohana, Pazuello, Serruya, Tobelem, Zagury.Todos esses, por ns verificados, confirmam as relaoes ja publicadas sobreos sobrenomes sefarditas de Belm e na Amazonia.11Constatou-seuma realidade diferentedaquelaque se tem como idiapreconcebida de comunidades sefarditas em geral, de que os representantesdesse grupo seriam mais tradicionais e fechados, ligados a religiao e menospropensosaassimilaao,ouseja,procurariampessoasdamesmareligiaopara se unirem e assim dar continuidade as suas tradioes. Portanto, seriammais conservadores e propensos a casamentos endgenos. Essa imagem naocorrespondearealidadedossefarditasdeBelm.Comoemtodasascomunidadesjudaicasdopas,osdivrciosocorremcomfreqnciaeoscasamentos com pessoas de fora da comunidade estao presentes.____________________________11 Ossobrenomes sefarditas saocitadosporBentese Benchimol.REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200620Com relaao aos dois grupos de judeus presentes em Belm, ou seja,osashkenazitaseossefarditas,notou-seumacoexistnciaharmonicadosmesmos.Emboraacidadecontecomtrssinagogasatuantes,muitosmembrosparticipamdasatividadeseeventosnasdiferentesinstituioes,sem discriminaaode linhareligiosa. Noque serefere asituaao social, hapessoas de elevado nvel cultural e economico em ambos os grupos.Alnguatnicaqueumdiaossefarditasmarroquinosfalaramcomfluncia, o hakitia, esta hoje, na comunidade em estudo, diluda no portugusbrasileiro, restringindo-se seu uso a situaoes em que seus falantes se sentema vontade para, atravs de expressoes, de palavras, de verbos, de provrbios,deenunciadoscarregadosdeafeto,restabeleceroelocomopassadomarroquinodistante.Naescassabibliografiasobreessamodalidadedojudeu-espanholressaltam-seduasgramaticas,asaber:adeBenoliel(1977)eadeBentes(1981).Aforaessas,haotrabalhopioneirodeSabbaGuimaraes(1989)eoutros, nao muitos, referidos na bibliografia. A maior parte dos estudos sobreojudeu-espanhol,centra-seounodialetooriental,especialmenteodaTurquia, ou no ladino, a vertente escrita dos textos religiosos sefarditas judeu-espanhis. A vertente ocidental, o hakitia, pouco conhecida e ainda poucoexplorada.Noqueserefereaolxico,haquesemencionarodicionariodeBenharroch, publicado em 2004, que serviu de termo de comparaao para oglossarioapresentadoabaixo12, constitudo depalavras aindaexistentes nafaladossefarditasdeBelmdoParaeoglossariodeAflalo13,de 1999.Como se podera observar, o lxico do hakitia predominantemente espanhol,temsuaorigemnosdialetoshispanicosmedievais,utilizadospelosjudeusibricos,acrescidosdeformasmaismodernasdoprprioespanhol,incorporadosaohakitianumprocessodenominadorehispanizaao.Ovocabulario basico hispanico mesclou-se a outras lnguas, como ohebraico,o arabe e, no Brasil, ao portugus brasileiro.12 Dadoscoletados empesquisadecamporealizadaporCassia Scheinbeinem 2005.A analisepropriamentelingsticadosmesmosseraapresentadaemoutrotexto, empreparaao.13 Agradecemos ao prof. Carlos Kertsz a cessao de precioso material sobre o hakitia.____________________________SCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.21Glossrio de hakitiaAabogao - s. m. advogadoabu - s. mentiraabuzero - adj. mentirosoachls - interj. bastaagrado - s. m. presenteahora - adv. agoraaias - v. encontresaigua - o qu?ainar - (< heb.) - s. m. quebranto, mau olhadoalabado - adj. engrandecidoalabar - v. engrandeceralchad ~ elchad - (< heb.) - s. m. domingoamait - s. m. exagero, vaidadeambre - s. f. fomeamene (< heb.) - interj. amm, assim sejaaregu - exp. vai a merda (ch.)arroz - s. m. arrozasnete - s. m. burroauela ~ abuela ~ aguela - s. f. avauelo ~ abuelo ~ aguelo - s. m. avoavd -(< heb.) - v. trabalhouavod - (< heb.) - s. f. trabalhoaier - adv. ontemBbadrear - v. jogar pragabar - (< heb.) - s. m. filhobarminan - exp. benza Deusbassar - (< heb.) - s. carnebat - (< heb.) - s. f. filhabeit - (< heb.) - s. escolabendicin s. f. bendiaoberach - (< heb.) - s. f. bnaoboril - adj. chatobueno - adj. bonitobutitcho - adj. pequenoCcacha - s. f. caixacachl - (< heb.) - s. m. pblicocadish - (< heb.) - adj. sagradaREVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200622caie - s. f. ruacalsado - s. m. sapatocalsetines - s.pl. meiascan -(< heb.) - v. comproucansado - adj. cansadocarne - s. f. carnecarnicero - s. m. aougueirocavod - (< heb.) - s. m. respeitochaber -(< heb.) - s. m. amigochabino - s. m. rabinoChacadosh Baruchu - (< heb.) - s. m. Deuschacham - (< heb.) - s. m. rabinochadrear ~ chadreiar - v. falarchag - (< heb.) - s. m. feriado, festachala - s. f. carachalampa ~ chalampo ~ chalanpon - s. m. ladraochalampas - s. f. pl. roubalheiraschamr -(< heb.) - s. m. burrochamor - (< heb.) - s. f. teimosa, chatachamorito (< heb.) - s. m. dim. burrinhochanteado - adj. rcs. enjoadochanuteado - adj. rcs. chateado, cansadochar - merdacharear - v. defecar, cagar (ch.)charito - s. m. jarrochaufeado - adj. rcs. pessoa com medochauleado - adj. rcs. confuso, indecisochebortina - s. f. rcs. confusaocheb -s. m. rcs. confusaochoger - s. f. privadachondon - s. m. bumbum, cu (ch.)choquear - v. rcs. discutir, brigarchosminaria - s. ou adj. porcariacinturon - s. m. cintocrisis - s. f. criseDdarb - v. quebrouDi ~ Dis - s. m. Deusdirector - s. m. diretordisdreado - adj. acabadodishoso - adj. felizduenho ~ dueno - s. m. proprietariodurse - s. m. boloSCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.23Eedal - s. casacoendiamantado - adj. atraente, bonito, exaltadoenfermo - adj. doenteenshear - exp. ir emboraentontada - adj. bobaentontilho adj. boboesnoga - s. f. sinagogaestudiante - s. m. ou f. estudanteFfalnsa - s. f. melanciafeo - adj. feioferazmal - exp. fora do malfetena - exp. presta atenaoflor - s. f. florflus ~ flush - s. m. dinheirofondac - s. mercadofosforos - s. m. pl. fsforosfrechol - s. feijaoGgato - s. m. gatogi - (< heb.) - s. m. nao-judeugol - s. m. pragagolo de pierr / safon exp. peido (ch.)govierno - s. m. governoguachleado ~ guavleado - adj. triste, aborrecidogueno - adj. bomguerca - adj. geniosaguet - s. m. orgulhoguevos ~ uevos - s. m. pl. ovosguezer - s. f. morte, azar, desgraaguisdor - s. pragaHhaluf - s. m. porcohermosa - adj. formosahielo - s. m. gelohiena - adj. gravidahora - s. f. horahicha ~ hija - s. f. filhahicho ~ hijo - s. m. filhohualu - pr. indef. nadaREVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200624hueno - adj. bomhuenos - adj. pl. bonsIimpuesto - s. m. impostoindrear - v. ir emborainflacin - s. f. inflaaointeligente - adj. inteligenteintontado - adj. confusoinvitar - v. convidariom revii - (< heb.) - s. m. quarta-feiraiuvia - s. f. chuvaLlaleando - v. passeandolamad - (< heb.) - v. estudoulamargo - adj. coitadolashon - (< heb.) - s. lnguala visita - s. f. convidadolashonar - (< heb.) - exp. falar mal dos outroslas ideas - s. f. pl. notciaslibro de meldar - s. m. livro de oraoesMmachalea ~ macle ~ maclear - v. comermad - s. comidamadre - s. f. maemachar - v. vendeumalogrado - adj. azarado, desgraadomanzer - s. f. mulhermanzia -s. pena, triste, filho da puta; escroto (ch.)mat - s. dinheiromareado - adj. tontomazl - (< heb.) - s. m. sortemazlin - s. m. delatormear - v. fazer xixi, mijar (ch.)mear - (< heb.) - s. f. cemitriomechir - (< heb.) - s. m. preomechorado ~ mejorado-adj. bendito, almejadomegorashim - (< heb.)-s. ou adj. expulsosmelach - s. m. guetomelachim ~ melachin - s. m. pl. anjosmeldado - s. m. estudomeldar - v. ler, estudar, orar, recitarSCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.25melecina - s. f. remdiomenear - v. prestar atenaomeneiar-se -v. sair do lugarmenguadas - adj. difceismercado - s. m. mercadomercador - s. m. vendedormessor - s. f. raivamishmar - (< heb.) - s. f. rezar pela alma do falecidomitzv - (< heb.) - s. f. preceitomitzvt - (< heb) - s. f. pl. preceitosmocher - (< heb.) - s. m. vendedormor -(< heb.) - s. f. professoramor - (< heb.) - s. m. professormotivo - s. m. objetivomucher - s. f. mulherNnarancha - s. f. laranjanegro - ints.niscan - s. f. putanoshe - s. f. noitenoticias - s. f. pl. notciasOolam ~ olan - s. m. mundoPpadre - s. m. paipan - s. m. paopantalon - s. m. calapelear - v. brigarperidico - s. m. jornalperro - s. m. cachorroplitech - adj. implicanteponton - adj. pessoa pateta, a toaQquechil - (< heb.) - s. f. comunidadequeso - s. m. queijoRrav - (< heb.) - s. m. rabinoregalo - s. m. presenterishon - (< heb.) - s. m. domingoREVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:7-28, dez./200626ristaurante - s. m. restauranterof -(< heb.) - s. m. mdicoSsabat - (< heb.) - s. m. sabadosacan - (< heb.) - s. f. perigosafon - (< heb.) - s. m. peido (ch.)safonear - v. peidar (ch.)sachen - (< heb.) - s. m. homem, vagabundo, pessoa que nao presta,vizinhosachen - (< heb.) - s. f. mulher, empregada, mulher, prostituta (pej.)sachenita - (< heb.) - s. f. dim. meninasachenito - (< heb.) - s. m. dim. meninosachor - (< heb.) - s. f. negrasachorito - (< heb.) - s. m. dim. neguinhosachtal - pron. indef. muitosadikin - (< heb.) - s. m. pl. justossarsios - s. m. brincosechut - (< heb.) - s. m. merecimentosefer - (< heb.) - s. m. livroseleccin - s. f. eleiaosha - (< heb.) - s. f. horashelem - adj. completasherbeado ~ shorbeado - adj. bbadoshofear - v. olharshorbear - v. beberSidur - (< heb.) - s. m. livro de oraoessol - s. m. solsot - adj. doidosotr - v. preservesuerte - s. f. sorteTtechilim - (< heb.) - salmos do Velho Testamento atribudos a Davidtenicudero - adj. implicantetom - (< heb.) - s. m. gmeotia - s. f. tiatienda - s. f. lojatio - s. m. tiotiquita - adj. pequenatopear - v. brigartor - s. m.o Pentateucotrabachador - s. m. trabalhadortrabachar - v. trabalhartrabacho - s. m. trabalhoSCHEINBEIN, Cssia. Os sefarditas de Belm do Par: histria e lngua.27trampas - s. f. pl. falcatruastrecha - s. f. surratum - s. f. impurezaUuevos - s. m. pl. ovosVveste - s. f. vestidoviento - s. m. ventovistido - s. m. vestidoZzonear - v. transar (ch.), ter relaoes sexuaisReferncias bibliogrficasAFLALO, Esther Cohen. Lo que yo se. Manual de haketa. Cyan, Proyectos YProduccionesEditoriales,S.A.,Madrid:1999.BAIAO,A.AInquisiaoemPortugalenoBrazil-subsdiosparaasuahistoria.Lisboa:1906.BALLESTEROS,C.;RUAH,M.(Org.).OsJudeusSefarditasentrePortugal,EspanhaeMarrocos.Lisboa:EdioesColibri,2004.BEMERGUY, A. Imagens da ilusao: judeus marroquinos em busca de uma terra semmales-Para:1870-1910.1998.Dissertaao(MestradoemHistriaSocial)-PUC/SP, Sao Paulo.BEN-AMI,I.IdentidadeSefaradi:AculturaaoeAssimilaaodosJudeusnaDiaspora. In: NOVINSKY, A.W.; KUPERMAN, D. (Orgs.). Iberia-Judaica: Roteirosda Memria. Sao Paulo: Universidade de Sao Paulo, 1996. p. 343-355.BENCHIMOL, S. Eretz Amaznia - Os Judeus na Amazonia. 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Formaaotanto no sentido da maneira pela qual ela se constituiu, nao s na sociedademas,especialmente,noseudesenvolvimentoeconomicoereligiosoquecontribuiu para a formaao da identidade do prprio povo brasileiro. As festividades cclicas por ocasiao do incio do ano judaico e do DiadaExpiaao,erampreservadaspeloscomerciantesdoacar`dosculoXVII.Eramquasesemprerealizadasnumdosprimeirosengenhospernambucanos, o Engenho Camaragibe. Sabe-se tambm que os casamentosmistos nao eram desejaveis desde os primeiros tempos da formaao da religiaojudaicaeumadascausascontrariasaessescasamentosmistoseraquepudesseminterferircominflunciasdenominadaspagas`avidareligiosados seus seguidores. Mas em Pernambuco essa regra nao foi obedecidacomtantarigidez.Asegundacomunidade,queotemadestetrabalho,encontrouemPernambuco um lugar onde pode viver e onde se fixou. Em umbairro depoisconhecido como o bairro onde vivem os judeus`, o da Boa Vista, no centrodacidadedoRecife,instalaramsuasresidnciasesuaslojascomerciais.Baseada em pesquisa feita nos depoimentos que os imigrantes concederamao Arquivo Histrico Judaico de Pernambuco, elaborei esse trabalho sobre aComunidade do Sculo XX ou Segunda Comunidade.REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:29-38, dez./200630Diferentemente do primeiro grupo de judeus- aquele que comeou aseorganizarlogoapsodescobrimentodoBrasil-formadoporjudeusportugueses e cristaos-novos de procedncia sefardita, isto , os judeus quese originaram da regiao de Sefarad (palavra de origem hebraica = Espanha) osegundotambmchamadodeComunidadeJudaicadoSculoXXeconstitudo, na sua maioria, por judeus ashkenazitas, isto , judeus de origemalema(deAshkenaz=Alemanha).Entreessesgruposexistempequenasdiferenasporteremsofridoinflunciasculturaisdiversas.Elasaparecemcom mais vigor nos ritos e liturgias das cerimonias religiosas, na lngua porqueo primeiro fala o ladino e o segundo o diche, na pronncia do hebraico, nafilosofia e em atitudes comportamentais como em procedimentos fnebres edisposiao interna das sinagogas.Pernambuco tem seu nome ligado aos dois grupos israelitas que aquise formaram e tem pois o direito de ver registrado o seu nome na memriahistrica da comunidade sefardita de Amsterdam`. Daqui saiu o cristao-novo,de origem portuguesa, James Lopes da Costa ou Jacob Tirado, rico senhor deengenho e cobradordeimpostos,queaodeixar o Brasil estabeleceu-se emAmsterdam sendoa ofundadordaprimeirasinagoga portuguesadaquelacidade, a Bet Yahacob ou A Casa de Jacob (MELLO, 1996:19 e 13).Entreosestadosbrasileiros,Pernambucofoioprimeiroareceberisraelitas,poischegaramaindanosculoXVI,parafundaremengenhosdeacarecomercializa-lo.E sabe-se hoje o enorme valor da naao judaica do Recife holands e queaqui nasceu a cultura sefardnica na Amrica.Vultos da maior importancianomundodosjudeusibricosreuniram-seemPernambucoe,emumprimeiroandardecertosobradodaRuadosJudeus,fundaramasuasinagoga, onde nao faziam somente rezar assuas oraoes, masredigiammemoriaiseconsultasemantinham estreita ligaaocomoutroscentrosjudaicos:Constantinopla,Amsterdam,Salonica.TambmnoRecifefoiondecompospoemaseoraoesoprimeiroescritorisraelitaemterrasdas Amricas:o rabino IsaacAboab daFonseca. A ele deve-setambmum poema sobre a insurreiao pernambucana.(MELLO, 2001:31). Um outro cristao-novo que deixou seu nome ligado a histria do Estadode Pernambuco foi Duarte Saraiva, nascido em Portugal em 1572 e em 1635ja vivia no Recife onde faleceu em 1650. Seu nome judaico foi David SniorCoronel.Tornou-seproprietariodevariosengenhos,entreelesomaisconhecido, por ser na Varzea do Capibaribe, regiao dos melhores engenhosde acar pernambucanos, era o Santa Madalena. Ele adquiriu, por compra,umterrenoondeconstruiusuacasa,naatualRuadoBomJesusn143,antiga Rua dos Judeus. Era al que os judeus de Pernambuco se reuniam parasuasoraoesefestasatquepuderamtersuasinagoga,construdanessaMELLO,Diva Maria Gonsalves.Pernambuco easegundacomunidadejudaica.31mesma rua em 1636 e que foi a primeira sinagoga das Amricas.Tanto da primeira quanto da segunda vez que aqui chegaram, vieramimpelidospelasperseguioesmovidascontraelesnaEuropa,pormotivosreligiosos, sociais e polticos. E com um desejo nico: desenvolver um trabalhoque nao s lhes garantisse a sobrevivncia, mas que permitisse, paralelamente,praticar a religiao sem constrangimentos e levar uma vida com liberdade deescolhas.EssegrupomigratrioqueiriaseformarnoBrasildosculoXXcomeouaseorganizarlogoapsachegadadosprimeirosisraelitasemterritrio brasileiro. Alguns vinham do Oriente-Mdio(Sria, Lbano Turquia,etc),noentanto,agrandemaioriachegavadaEuropaCentro-Oriental,especialmentedoImprioRusso,quenapocaseestendiaporvariosterritrios,entreosquaisosdaPolonia,Lituania,Ucrania,BessarabiaeRomniaeparecequedaseoriginouocostumedechamarporaquiosjudeus e outros estrangeiros de russos`.Nessespasesviviaumanumerosapopulaaojudaicaquesofriaconstantes perseguioes por parte do governo czarista, mantenedor de polticaanti-semita.Aviolnciaeraconstanteeorganizadapeloprpriogovernocom dois fins principais: reduzir a populaao judaica e dominar a insatisfaaopopularnaregiao,fazendocrerqueosjudeuseramresponsaveispelosdesmandosaexistentesedessemodo,conseguircontrolarumarevoluaoque,afinal,aconteceriaumpoucodepois,pondofimaoperodoczarista,quandofoiexecutadooltimodosczaresNicolauII,em16dejulhode1918, que ficou conhecido como o czar dos pogrons`.Durante o perodo sob o comando do czar Alexandre II, (1818-1881)que assumiuo governoem02 demaro de1855, aRssiapassouporumbom desenvolvimento economico, ao por em pratica um plano entao inditode administraao. Nessa oportunidade os judeus tambm viveram uma vidamenosperturbada.Puderamfreqentaruniversidades,formando-seemmedicina,engenhariaeoutrasprofissoesliberais.OImprioRussomodernizou-secomaconstruaodeferrovias,fabricaseocomrciodesenvolveu-se.Osjudeustiverammagnficaoportunidadedeprogredireconomicaeintelectualmentee,comefeito,naodeixaramdeaproveitaraocasiao`(SZEKELY,940:289).Com o assassinato de Alexandre II, em 3 de maro de 1881, sofreriamos judeus, outra vez, todo tipo de perseguioes e, novamente, foram acusadosde seremdesordeiros, envenenarem aguas, sacrificarem crianas,etc, numasuposta conspiraao para dominar o mundo. Com o seu sucessor, AlexandreIII, a poltica discriminatria voltou e foram iniciados os pogrons, palavra deorigem russa que significa destruiao` e usada para designar os ataques ajudeusemseusbairrosoualdeias.Daemdiante(1881-82)essespogronsREVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:29-38, dez./200632ocorreriamcontinuamente,emvarioslocais,aterrorizando,matando,destruindo lares, lojas e negcios, impedindo a rotina da vida e ocasionandoa fuga deles para o ocidente.Emabrildomesmoano,logoemseguidaamortedeAlexandreII,duranteaSemanaSanta, oportunidade propciaaos excessosantijudaicos,estourou um pogrom em Elisavetgrado, seguido de outros, mais importantes,emKieveOdessaeemdezenasdeoutraslocalidades`(POLIAKOV,1985:86).Ltristequeeutenhapoucaslembranasfelizesouagradaveisdaqueletempo (...) moravamos no primeiro andar de uma pequena casa em Kiev,eaindapossomerecordarbemdistintamenteterouvidofalardeumpogrom que iriacair sobrens.Naosabia o queeraum pogrom mas sabiaquetinhaalgoavercomserjudeu...Foiumasensaaoqueeuviriaaconhecer novamente muitas vezes em minha vida - o medo, a frustraao,a conscincia de ser diferente... (MEIR, 1982:11).Foi no Imprio Russo dos Czares que :...osmaus-tratosinfligidosaosjudeusforamaomaximosistematicoseangustiantessendoelesdivididos,nessaocasiao,emduasclasses:adosjudeus teis` e a dos judeus inteis` estando esse segundo grupo sujeito acotas trplices de recrutamento militar (JOHNSON, 1989:357).Em abril de 1903 aconteceu o primeiro pogrom do sculo XX, na cidadedeKishinev,capitaldaBessarabia,hojeMoldavia,cidadeeconomicamentedesenvolvida, onde viviam cerca de 60.000 judeus, com sinagogas e escolasjudaicas, mas que, a partir da, tiveram suas vidas destrudas. Ideologicamente,ospogronstiveramcomoconseqncia,almdafugaparaoocidente,ofortalecimento do movimento sionista (MORASH, n 40, p.31).Osjudeus nuncadeixaramde sofrerperseguioes,sempre penosas ecomplicadas,originandoumagrandefugaparaoocidente,quandonaosdeixaram a Rssia, mas tambm outras regioes como a Ucrania e a Romnia.Mesmo assim, em 1914, ao se iniciar a Primeira Guerra Mundial, ainda viviamna Rssia, segundo Paul Johnson, cerca de cinco milhoes de judeus.Uma grande parte dos que deixaram a Europa Oriental imigrou paraos Estados Unidos onde havia mais facilidade para se chegar, embora nemtodososestadosamericanosdesejassemreconhec-losdepronto`.Emoutros locais havia mesmo conflitos em relaao aos princpios religiosos doShabat e do Domingo, mas nada que se pudesse comparar com os sofrimentospassadosnaEuropa.Os judeus encontraram na Amrica dois elementos preciosos que a Europajamais lhes ofereceu: por um lado, a tolerancia, ou seja, a possibilidade deexplorar livre e plenamente os dons que haviam desenvolvido na desgraa;MELLO,Diva Maria Gonsalves.Pernambuco easegundacomunidadejudaica.33por outro, o imenso potencial do prprio pas. A chegada dos judeus naAmricalembraumcontofantasticoemqueumgniocomparavelaArieltivesse vindodespertar umgigante,e os doisentaosepusessemarealizar proezas(MESSADIL, 2003:288).Taologoconseguiramadaptar-seasnovasrotinasenovasatitudesculturais,fundaramsuassinagogasesuasescolas.HojevivenosEstadosUnidos um grande nmero de israelitas que contribui para o desenvolvimentodopas.Saopessoaslivres,negociantes,artistas,profissionaisliberaisecapitalistasdesucesso.A necessidade de deixar a Europa fez com que os judeus procurassemoutrospasesparaimigrar, alm dos Estados Unidos.Alguns foram para oCanada. A Argentina foi tambm procurada por eles. Inicialmente chegaramaos poucos, para logo em seguida aumentar, como em 14 de agosto de 1889,quandochegouaoportodeBuenosAires,depoisde35diasdeviagem,procedentedoportodeBremen,naAlemanha,onavioWesercommileduzentospassageiros,entreeles,oitocentosevintejudeus.EssenmeroequivaliaametadedaquelesquejaseencontravanaArgentina(AVNI,1983:99).O Brasil tambm foi procurado pelos judeus. Para os estados do RiodeJaneiro,MinasGeraiseSaoPaulo,emespecialesteltimo,elesforamchegando, durante a segunda metade do sculo XIX e incio do sculo XX.Eram pessoas que falavam o idiche, lngua de origem alema que se desenvolveucom a ida dos judeus para os pases eslavos do leste europeu.A princpio alngua foi a maior dificuldade encontrada, mas ao lado da tolerancia, liberdadereligiosaetrabalhocompossibilidadesdedesenvolvimentoeprogressoeconomico, tudo se tornou facil. O desenvolvimento industrial brasileiro, ocomrcio e a agricultura absorveram a mao de obra desses recm-chegados.NoRioGrandedoSul,sefezumaexperinciaaoseinstalaremimigrantesemcoloniasagrcolas,destinadasaoapoioeajudaquandodachegadadelesaoBrasil,comoaICA(JewishColonizationAssociation)fundada em 1891 pelo barao Maurice Hirsch. Este francs de origem judaica,associadoaumgrupodeoutroscapitalistas,idealizouessafundaaoparaamparoaosjudeusvtimas,naEuropaOriental,dasperseguioes,ecriouem Santa Maria, no Rio Grande do Sul, uma colonia com incentivos para aagropecuaria,masquenaoprogrediuporqueelesnaotinhamnenhumaexperincia agrcola e de vida rural, pois eram pessoas acostumadas a vivernas cidades e com outro tipo de trabalho.EmPernambuco,asprimeirasfamliaschegaramnoinciodo sculoXX, antes de comear a Primeira Guerra Mundial. Um dos motivos da escolhado Recife era o baixo custo do transporte, por ser o porto mais prximo daEuropa.REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:29-38, dez./200634Ao chegarem, os judeus se dedicaram ao comrcio, tanto urbano quantorural, por ser uma maneira mais rapida de ter um ganho para iniciar a vidanova,quandomuitoschegavamsemnenhumrecurso.UmdosprimeirosimigrantesaportadosnoRecifeveiodeSukuron,naBessarabia,echegouem novembro de 1911.Foi o Sr. Avrum Ishie Vainer e afirmou que ao chegarjaencontrouaquinacidade oito rapazes judeus`.Dedicou-seeleavendadepaoadomiclio.Posteriormentetornou-secomerciantee,emsuaresidncia,nobairroqueseriaconhecidodepoiscomoodosjudeusnoRecife`,odaBoaVista,reuniam-separaorar,aossabados,noSferTora(Rolo da Lei) que haviam mandado buscar.Esse primeiro grupo tornou-se conhecido como o grupo de Sukuron`,embora nele houvesse tambm imigrantes de outros lugares, como da cidadedeOcnitza,naRssia.Noentanto,oprimeiroSferToraquechegouaoRecife, foi em 1913 e pertenceu a famlia Rabin que tambm fazia as oraoesdos sabados em sua casa, dando origem a um segundo grupo que se tornouconhecido como rabinistas`.Com rapidez, a nova comunidade ia se consolidando at fundar, em 1926,no Recife, a Synagoga Israelita da Boa Vista, situada a Rua Martins Junior n 29, nobairro da Boa Vista.UmColgio,queembrevecompletara100anos,surgenacapitalpernambucana em 1918. e funcionou inicialmente no Cais Jos Mariano comonomedeIdishShul.TemelehojeonomedeColgioIsraelitaMoyssChvartseestaagorafuncionandoemterrenoeedifciodepropriedadedoCentro Israelita de Pernambuco depois de ter funcionado em varios outroslocaisdoRecife.Em seguida trataram de adquirir um terreno onde fizeram um Cemitrio,oCemitrioIsraelitadoBarro,em1927.AtconseguiremfundaresseCemitrio os mortos eram enterrados no Cemitrio de Santo Amaro, no Recife,que havia sido inaugurado em 1851 e de onde foram posteriormente retiradosparaoIsraelitadoBarro.Estavaimplantada,dessamaneira,aSegundaComunidade Judaica de Pernambuco, tambm chamada de Comunidade doSculoXX.Atualmentejaexistemaisumcemitrio,anexoaoCemitrioParque das Flores, segundoKaufman (2001).As notcias que chegavam a Europa eram que aqui no Recife se podiaviver`. Ao atingir o destino, a maioria sem condioes materiais e sem falara lngua,estava amparada no princpio judaico da tsedaka (caridade) ou sejao princpio da responsabilidade social, de que um judeu responsavel peloseu semelhante e pela comunidade e ela por ele. Passavam a receber objetos,tecidos, louas, miudezas, etc, em consignaao, para vender e assim batalharpela subsistncia.Os bairros mais pobres, onde as pessoas nao tinham poderaquisitivo para fazer o pagamento a vista, foram imediatamente procurados.Ali, durante a semana vendiam a prestaao e no domingo, depois de criar umMELLO,Diva Maria Gonsalves.Pernambuco easegundacomunidadejudaica.35sistema de cobrana baseadoem um cartaopara controle dos pagamentos,saam para fazer suas cobranas. Dessa maneira, criaram no Recife a categoriados prestamistas, que se tornou conhecida na sociedade pernambucana comoklientelshiks(o gringo da prestaao) oumascates.Foramosprecursoresdasvendas a prazo. Algum tempo depois ja eram capazes de abrir seus prpriosnegcios,preferencialmente no bairro da Boa Vista, onde ocuparam a maiorpartedaslojasdocomrciolocal,razaopelaqual,amaioriadaslojasdasruas centrais e adjacncias chegava a fechar as portas nas suas maiores festas,como Rosh Hashana (cabea do ano) e Yom Kipur (dia do perdao).Ao se iniciar a Segunda Guerra Mundial em 1939, o Recife ja possuaumacomunidadejudaicacompletamenteformada,cujosmembrosjasedestacavam na vida social, cultural e poltica do Estado. Ja haviam fundadoumanovaSinagoga,quefuncionavaeventualmentenaRuadaGlria,n215, onde alm de se estudar a Tora, faziam tambm as festas mais tradicionaise ondese concentravam todasasatividadessociais, culturais eartsticasdacomunidade.Houve um perodo em que a imigraao judaica diminuiu, para aumentardepois de 1945.Entre 1930 e 1945 o Brasil viveu a chamada Era Vargas`,durante a qual os vistos de entrada eram praticamente proibidos, dificultandodessemodoaentradademuitosimigrantes.Pertodotrminodaguerra,chegaramoutravezaopasmuitosestrangeiros,entreeles,muitosjudeusque conseguiram se salvar das perseguioes, dos campos de concentraao eda triagem na Europa.Esse grupo de pessoas, que aqui formou a Segunda Comunidade JudaicadePernambuco,quetraziaamesmaidentidadeequesecaracterizouporganhar a vida com o comrcio em conseqncia talvez da dispersao em queviveram na Europa, identificava-se pela religiao, costumes e tradioes eforamrecebidos noBrasil com hospitalidadee receptividade.NoReciferesidemsobreviventesdecamposdeconcentraao.Tmumavidamaistranqila,emboraaindacomossobressaltosoriginadosdosofrimentoquepassaram.Qualquermudanajamotivoparagrandespreocupaoes, embora a alegria de ver filhos e netos como profissionais nosmaisvariadoscampos,muitosdelesvisitandoIsrael,logoqueconseguem,faz com que esqueam os momentos de apreensao que passaram.Seus depoimentos, ao lado da documentaao que oferecem, como fotosepassaportes,saofontesparaareconstruaodahistriadaimigraaonoBrasil.Atravsdelestoma-seconhecimentodasprivaoes,sofrimentosedasformasdesobreviveresairdesuasdistantesaldeias.Omomentodachegada-osprimeirostemposnumpasdeculturadiferente,aqueagorateriam que se adaptar, integrando-se a essa nova sociedade que os recebia -nao foi facil, mas nada que se pudesse comparar com o que haviam passadoanteriormente.REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:29-38, dez./200636Uma imigrante, a Sra. Sonia Rosenblatt, nos deixou um livro publicado:Lembranas Enevoadas, editado por ela no Recife, em 1984. Conta que nasceuemLipcani,pequenacidadedaBessarabiaequeumdiachegouemsuacidadezinha` a ordem para expulsar os judeus. Os soldados os obrigaram asairdesuascasasefazeremduasfilas:umadasfilaselesfuzilavam,outradeixavamficarvivos.Osqueficavamvivosinvejavamosfuzilados,poisosofrimentodelestinhaterminadoali.Oobjetivodedeixarpartedessapopulaaocomvidaeraadeacabaremdepoiscomelespelafadiga,fome,sede e frio, pois caminhavam dia e noite, meses a fio, inverno e verao, semdescanso.Noincioaindaosdeixarambeberagua.Apenaserapermitidoandar pelosbosques eflorestas. No calor doverao de1941, refrescavamatestacomfolhasdasarvoresporondepassavam.Chegandooinvernoeuropeu, com neve e geadas - que no campo aberto era bem mais rigoroso -o nmero de cadaveres congelados cresceu e centenas de pessoas nao maisresistiram a fome e ao frio. Ao chegarem em Budapeste, na Hungria, e bateremno portao da casa onde funcionava um posto do Joint, (instituiao protetorapara judeus refugiados) ouviram uma voz em diche: Acalmem-se, ja estaoconosco!`ForamconduzidospelaBricha(fuga)atVienaedaparaParis,onde foram feitos os papis para seguirem para o Brasil.Em Pernambucoencontraramcomalgunsfamiliaresquejatinhamvindo,ecomapazeotrabalho que tanto sonhavam. Aqui nasceram nossos filhos... Chegamos comuma vontade enorme de participar da vida judaica do Recife`. Eles ja vieramcasados e aqui comemoraram suas bodas de ouro e seus 80 anos de vida jacom os netos.Numoutrodepoimento,tambmpublicado,aimigrante,SraPlaBerenstein,nascidanaaldeiaVarticautznaBessarabiaconta:Andamos muito...ia muita gente... em cada aldeia que passavamos, juntava-se a ns um novo grupo de judeus... havia crianas, velhos, gente doente,mulheres gravidas. Pessoas que nao tinham condioes de caminhar comtanto esforo.Masissonaoimportavaparaossoldados...nstnhamosque seguir. Para onde? Ningum sabia. (...) A garganta arranhava de tantasede. Apenas caminhavamos, as vezes pelos campos de girassis, outraspelasflorestas.Emcadacidadeoualdeia,ossoldadosserevezavam.Afome,ofrioeotifocomearamtambmamatar,almdocansao.Restavampoucaspessoas.Masafinal,a09demaiode1945aguerraacabou.ABessarabiasempreeraocupada,porumouporoutropasestrangeiro, e passou a ser a partir da a Repblica Socialista Sovitica daMoldavia.FomosparaaFranae,deMarselha,numgrandenavio,seguimos para o Brasil. Depois de trinta dias chegamos ao Rio de Janeiroe seguimos para o Recife, no Nordeste, capital do Estado de Pernambuco.De longe a cidade ja nos pareceu linda... e mais ainda quando vimos seuporto protegido pelas muralhas de arrecifes que lhe deram o nome.FomosMELLO,Diva Maria Gonsalves.Pernambuco easegundacomunidadejudaica.37morar no bairro da Boa Vista, junto com os outros parentes que ja aquiviviam. Com eles e com a comunidade aprendemos a lngua, os costumes,almdemantermososlaosquenosuniamcomnossoscostumesreligiosos, nossas festas e nossa Bessarabia... Vivemos, a princpio, comoos demais, das vendas a prestaao, mas em seguida montamos nossa prprialoja. Nossos filhos foram estudar onde todos os filhos de judeus estudavamnoRecife:noColgioIsraelita.APraaMacielPinheiroeraolugardeprefernciaparanosencontrarmos,conversareaprenderoscostumeslocais. Nossos filhos a podiam brincar, todos juntos, sem nenhum perigo,com toda segurana. Eles se tornaram os primeiros profissionais liberaisde descendncia judaica em Pernambuco, onde freqentaram as EscolasFederais de Ensino Superior. Hoje sao mdicos de valor na nossa cidade.A identidade judaica esta firmada na frase que diz ser judeu o filho demae judia ou aquele que se converteu ao judasmo segundo a halachapalavracom origem hebraica que significa caminho`. A cultura brasileira foi marcadapor esse grupo de pessoas quedeixou, em especial em Pernambuco, influnciasdevariasorigens,athojesentidasnaalimentaao,noscostumes,nascrendices populares, enfim em nossas tradioes.Os imigrantes em geral se dedicavam ao comrcio, porque era a maneiramais rapida de se integrarem a sociedade, mas, a partir da primeira geraao, aescolaridade e depois a especializaao se tornaram comuns a esses, ja agora,brasileirosenaturaisdePernambuco.Pelavidadedicadaaosestudoseespecializaoes, sempre conseguem por essa qualificaao alcanar bons cargospblicos e conceito como profissionais liberais.Aovenceremosprimeirosdesajustesculturais,variosjudeusconseguiram tornar-se profissionais, como o caso do mdico que nasceu naRssia em 1913 - Noel Nutels e que se formou em Medicina pela FaculdadedeMedicinadoRecifeem1936.Juntou-seaosirmaosVilasBoaseDarcyRibeironotrabalhodepreservaaodaculturaindgenabrasileira.SalomaoKelner, nasceu na Argentina em 1916, formou-se em Medicina no Recife efoi o primeiro professor titular da Cadeira de Cirurgia da UFPE. Recebeu ottulodeCidadaoPernambucano.RubemPincovskynasceuem1934,formado em Engenharia Civil e Matematica. Professor da Escola PolitcnicadePernambuco.JosBancovsky,nasceuem1909,formadoemMedicina.Foi Secretario de Sade da Prefeitura da Cidade do Recife. Walter Dimensteinnasceuem1924,formadoemMedicina.FundadordoprimeiroBancodeSangue do Recife e do Servio de Anestesia Moderna do Pronto Socorro doRecife. Mario Schenberg nasceu em 1941, formado em Engenharia. Dedicou-seaoestudodaFsicaedaRelatividade.Saomuitososexemplosedaraopara um futuro trabalho sobre os profissionais liberais de origem judaica emPernambuco.ObairrodaBoaVistacomeanapontequetemomesmonome,REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:29-38, dez./200638continuapelaRuadaImperatrizTerezaCristinaechegaaoquasegueto`dosjudeusdosculoXX.Saoruasquecontamsuashistrias:daGlria,Velha,SantaCruz,LeaoCoroado(ondehaviaasinagogadosKelner),daAlegria,doJasmim,doAragao,daConceiao,TravessadoVeras(aqui,nacasaquefazesquinacomapraa,porumcertoperodo,viveuameninaClarice Lispector) e tantas outras ruas. No centro deste bairro se encontra aPraaMacielPinheiro.EsseeraoRecifedosjudeus.ORecifedepazeliberdade para viver`... Para eles, hoje, o Recife de lembranas e de saudades...Aadaptaaofoiotraofundamentaldessaspessoasqueaofugiramparaviver, aqui encontraram dois grandes desafios: o clima e a lngua. No entantoa aculturaao nao demorou e, com ajuda dos parentes e amigos que ja aquiviviam,ecomoabraofraternoesincerodosnativos,passaramavivercomo em suas prprias terras.Referncias bibliogrficasAVNI, Haim. Argentina y la historia de la inmigracin judia (1810-1950). BuenosAires:Ed.UniversidadHebreadeJerusalen,1983.JOHNSON, Paul. Histria dos Judeus. Trad. de Carlos Alberto Pavanelli. Riode Janeiro: Imago, 1989.KAUFMAN,Tania.PassosPerdidos,HistriaRecuperada:apresenajudaicaemPernambuco.Recife:EdiaodaAutora.2001.MELLO,JosAntonioGonsalvesde.GentedaNaao:Cristaos-novosejudeusemPernambuco,1542-1654.2a.ed.,Recife:Fundaj/Ed.Massangana.1996.MELLO,JosAntonioGonsalvesde.TempodosFlamengos.RiodeJaneiro:Topbooks,2001.MEIR,Golda.MinhaVida.2a.ed.Trad.deWeinfeld&Nicolson,RiodaJaneiro:BlochEditores,1983.MESSADIL,Gerald.HistriaGeraldoAnti-Semitismo.Trad.deRejaneJanowitzer,Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.POLIAKOV,Leon.AEuropaSuicida.SaoPaulo:Perspectiva,1985.REVISTA MORASH., Ano XI, n 40, abril de 2003.SZEKELY,Bella.ElAntisemitismo:suhistoria,susociologia,supsicologia.Trad.do hngaro por Olivier Brachfeld. Buenos Ayres: Editorial Claridad, 1940.393 Judeus em CuritibaAriel FeldmanSergio Alberto FeldmanHomenagempioneiradosestudossobreacomunidadejudaicadeCuritiba,aprofessoraReginaRotembergGouva(ZL).Resumo: Este trabalho faz parte de uma pesquisa realizada entre 1996 e 2004. Fazendo uso detextos e livros de memrias, entremeados de entrevistas orais, tenta lanar uma continuidade para apesquisa de Rotemberg Gouva, a pioneira dos estudos sobre a comunidade judaica do Parana, querealizou um estudo de histria demografica sobre a mesma, no final da decada de 1970. Traa atrajetria histrica da comunidade desde os pioneiros ate o incio dos anos noventa, quando se cria anova comunidade a Kehila de Curitiba.Palavras-chave: Curitiba; comunidade judaica.Os pioneiros (1889-1913)A Repblica foi proclamada em 15 de novembro de 1889. Neste mesmoano chega a Curitiba a primeira famlia judaica de que se tem registro. O fatoindito nao teve qualquer repercussao. Curitiba era uma pequena localidade,inspita, isolada e distante de qualquer comodidade. Para os imigrantes judeuse nao judeus que aqui chegaram, nao havia a magnfica estrutura urbana queaquiseerigiunasegundametadedosc.XX.AimigraaodeeuropeusaCuritibaeaoParanajaseiniciarahaalgumasdcadas.Algunsgruposdeimigrantestiveramapoiooficialeatincentivosfinanceirosaimigraao:poloneses, italianos, alemaes e mais tarde os japoneses. A grande maioria dapopulaaodeimigrantesqueafluraatentaoaCuritibaeredondezaseracompostadetrabalhadoresrurais,ouseja,colonosdosquaissealmejavaque produzissem produtos agropecuarios.Oquemotivavaosjudeusasairdeseuspasesesedirigiralugaresdesconhecidos? Eisenstadt distingue quatro fatores principais: a inseguranadaexistnciafsica;aimpossibilidadedeatingirnasociedadedeorigemREVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:39-56, dez./200640determinados alvos instrumentais; a falta de solidariedade e por efeito distoa ausncia de identificaao com a sociedade de origem; a impossibilidade deobter em seus locaisdeorigem padrao de vidaecondioes de subsistnciadignos(EISENSTADT,1954:5).Osjudeusacreditavamqueistoseriapossvel de ser concretizado no Novo Mundo, na sonhada Canaa` dos temposmodernos, ou seja, a Amrica`.Os judeus que aqui vieram nao eram esperados ou desejados. Vieramfazer a Amrica`, mas neste caso era a Amrica do Sul. Havia uma elevadadosedeousadiaedeaventuranesteprojetodealgunspoucospioneiros.SegundoReginaGouva,ospioneiroseramoscincohomenseastrsmulheresdafamliaFlakseosdoisirmaosRosenmann`(ROTEMBERGGOUVEA,1980:3:44)1.Eramoriginarios daGalcia(atualPolonia),queentao pertencia ao Imprio Austro-Hngaro. Nao tinham nenhuma experinciaagrcolaparapodertrabalharnaterraetampoucoformaaosuperiorparaexercer alguma profissao liberal, ja que na Europa havia restrioes de acessoaosjudeusnasuniversidades(numerusclausus),numregimedecotasquediscriminavaeimpediaaparticipaaodejudeusnosestudosacadmicos.Inexperientesemagriculturaoptamporsededicaraocomrciodecereais.Conheciam a lngua dos colonos poloneses e seus costumes e habitos. EssaproximidadeosatraiuparaasproximidadesdeCuritiba,aondeogovernoimperial assentara colonos poloneses. Max Rosenmann e Jos Flaks associam-seeinstalam-senacoloniaagrcoladeTomasCoelho(Barigui),localizadanas cercanias de Curitiba. Ali abrem um armazm para a compra e venda decereais (ROTEMBERG GOUVEA, 1980, c.3: 44-45)2. A famlia Flaks acabaretornando a Europa em 1901, diante do dilema de que seus filhos realizassemcasamentos exogamicos com as moas polonesas, ja que a comunidade erabastante pequenae havia o desejodemanter as tradioes eacontinuidadedo grupo tnico-religioso (SCHULMAN, VEJA, 1980).Configura-seaquiumadasproblematicasdosjudeus.Amanutenaodastradioesreligiosaseculturaisexigiaalgunspr-requisitosparaqueocorresseacontinuidadedogrupo:a)praticadastradioesecostumes;b)educaaojudaicaparaasnovasgeraoes;c)criaaodeumaestruturacomunitariacomalgumasinstituioeseservios;d)coesaogrupalecasamentos endogamicos. Tudo isto era difcil num lugar tao isolado aondehaviapoucosjudeus.ReginaGouvafundamentaatravsdepesquisase____________________________1 Um dos irmaos Rosemann veio a falecer de malaria, contrada provavelmente em sua passagempeloportodeSantos.2V. tambm VEJAem CURITIBA, Imigraao judaica: 100 anos de Parana. Curitiba: Revista Veja,1989.ReginaGouvatemtambmumartigodemesmonomepublicadonarevistaHistria:Questoes e Debates, Curitiba, (1), nov. 1980. Trata-se de uma sntese de sua dissertaao de mestradoeoscontedosseassemelham.FELDMAN, Sergio Alberto.FELDMAN, Ariel.Judeus em Curitiba.41depoimentosrealizadoscompioneirosefilhosdepioneiros,opapelcatalizadordeMaxRosenmann.Em1898elemudou-separaCuritibaeconstruiuummoinhodecenteioavapor,umapadaria,eumafabricadepregos. O local situava-se na esquina da Rua do Rosario com a Cruz Machado.A sua casa passa a ser um marco de referncia para os primeiros imigrantes:nela se celebravam o Shabat* (dia do descanso semanal), Rosh Hashana*e IomKipur*(asGrandesFestasdoAnoNovoJudaico), Pessach*(Pascoajudaica),ediversosritosdepassagem(BritMila*=circuncisao;Avelut*=ritosmortuarios).A imigraao recomea em 1902 com a vinda de novos imigrantes e desuas famlias. Era um nmero pequeno de pessoas, ja que a maior parte dosimigrantes se dirigiu a outras localidades, como Sao Paulo e Rio de Janeiro.MuitosnaosuportamasdificuldadeseretornamaEuropa.Issogeravaanecessidade de aoes particulares de apoio aos recm chegados e gera a criaaodeinstituioesdeajudamtua.Osjudeusjatinhamfeitoissoatravsdostempos, por serem minoria discriminada e expulsa de seus pases muitas vezese atravs da histria. A atitude era conhecida e muitos a praticavam em seuspases de origem com outros judeus.Os imigrantes geralmente nao vinham em famlia, por falta de recursoseapoiofinanceiro.Erausualqueoshomensantecedessememmesesouanos suas famlias. Esses pioneiros trabalhavam por algum tempo e s entaoadquiriam recursos para trazer suas noivas, esposas e famlias. A ajuda mtuaera um pilar da proto-comunidade`, mesmo sem haver ainda instituioes deapoio e caridade. Um judeu oferecia ao recm chegado um lugar para dormir,trabalho temporario e por vezes sustento at que pudesse obter alguma basepara iniciar um negcio prprio. A maioria absoluta dos imigrantes dedicou-seanegcioscomerciais,aproveitando-sedesuaexperinciaeuropia,jaque eram inexperientes no trabalho agrcola. Este processo foi lento, mas acomunidade cresce e surge a necessidade da criaao das primeiras instituioes.Aprimeiracomunidade(1913)Segundo Regina Gouva,em 1913 havia emCuritiba doze famlias ecerca de dezessete homens solteiros ou temporariamente sem suas famlias.Essegruposejuntaparacriaraprimeirainstituiao,aUniaoIsraelitadoParana, tendo como seu primeiro presidente Max Rosenmann e como viceBernardo Schulman (ROTEMBERG GOUVEA, 1980:46). A primeira sedefoi alugada na Rua Graciosa, atual Candido de Abreu. O eixo central de suasatividadeseraoreligioso.Tratou-sedecriarumasinagoga,adquirindoemSao Paulo, todos os objetos sagrados necessarios para tanto, em especial osRolosSagradosdaTora(pergaminhosmanuscritosporumescribacomotexto em hebraico dos cinco livros de Moiss = Pentateuco). Seria a primeiraREVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:39-56, dez./200642sinagoga de Curitiba e neste perodo, nao ha registro da presena de rabino.Oscongregantesmaisexperientesrealizavamos ofciosreligiososerituais.AUniaotambmcumpriaasfunoesbeneficentesemproldosimigrantesrecm-estabelecidosnacidadeepossivelmenterealizavaatividadessociaise culturais, mas carecemos de registros.O perodo da Primeira Guerra Mundial (1914-1919) faz cessar o fluxoimigratrio e o breve crescimento industrial em Sao Paulo e na Capital Federalatraialgumasfamliaseindivduosquepartemembuscademelhoresoportunidades.Acomunidadeperdealgunsdeseusmembrosoriginais.Ofinal da guerra renova a imigraao, mas traz a problematica dos refugiados deguerra,tendosidofundadosemCuritibainmerosgruposdeajudaaosrefugiadosentreosgruposdeimigrantesexistentes.Osjudeusparticipamdeste esforo de ajuda e organizam um Comit de Socorro para refugiadosisraelitas, alm de Comit Feminino para prestaao de assistncia social aosque se dirigem ao Parana. Ainda no contexto da guerra vemos a criaao da primeira entidadesionista do Parana: a Shelom Tzion. Trata-se de um dos efeitos da declaraaodeBalfour(novembrode1917),quepromete umLarNacionalJudaicona Palestina e da alento ao sonho de redenao e da criaao de um Estadojudaico3. Em 1920 todas as instituioes surgidas na segunda dcada do sc.XXseunemcriandoumaentidadeamplaeunificada:oCIP(CentroIsraelita do Parana). A Uniao Israelita, a Sociedade Beneficente Feminina(antigo Comit Feminino) e a Shelom Tzion. Nao se extinguem as atividadesespecficas, mas sao direcionadas a departamentos. Seria o ncleo de umacomunidadepropriamenteditaquepassaasercentralizadonoCIP.Obviamenteasinagogatempapelfundamentalnestainstituiaoeestainserida no espao do CIP e na maioria das atividades. A primeira diretoriaera formada por: Max Rosenmann, como presidente: Salomao Guelmann,vice, Bernardo Schulmann, secretario geral, Jlio Stolzemberg, secretariopara assuntos sionistas, Frederico Flaks, tesoureiro e Samuel Friedmann,comissario da F.N.J. (Fundo Nacional Judaico ou Jewish National Fund).Nestanovainstituiaoeramrealizadastodasasatividadesdasociedade3ADeclaraaodeBalfourfoidecretadapelochancelerbritanicolordeArthurJamesBalfour(1848-1930),comintenoes ambguas de obter apoios aoesforo de guerrabritanico.Na ticajudaica faz parte do projeto judaico de renascimento nacional, com conotaoes messianicas, masgeralmentereelaboradasemumaformataaolaicaepoltica.Hadiversosgruposquesurgemduranteosc.XXemIsraelenaDiasporarefletindoasideologiasqueseconfrontavamnasociedadeeuropia:sionismo-socialista,liberalourevisionista,porexemplo.EmCuritibatere-mosalgunsdestesgrupossurgindoetendocertavida,massemrepresentarumaentidadeimportante,massimpequenosgruposdesimpatizantes.____________________________FELDMAN, Sergio Alberto.FELDMAN, Ariel.Judeus em Curitiba.43fossem elas nacionais, religiosas, cultural-sociais, beneficentes ou sionistas(www.kehila.com.br/entidades/cip/histrico).Asalteraoesnopanoramamundialenacionaltrazemmudanasna comunidade judaica curitibana e nas demais espalhadas pelo pas. NoBrasil ocorre um relativo crescimento economico em funao da PrimeiraGuerra Mundial que trouxera um pequeno crescimento industrial ao pas.As exportaoes de produtos agropecuarios sao reativadascom ofim doconflito.NaEuropaops-guerrageraratensoesepreconceito.Regimestotalitariosoprimemsuasminoriaseonacionalismorecrudesce.Ofascismo gerara inmeros regimes assemelhados de carater nacionalista ecomposturaspreconceituosasemrelaaoaosjudeus,duranteadcadade 20, na Europa Oriental. Muitos judeus sao prejudicados pelos efeitosdaguerramundialounosanosseguintes,pelaguerracivilqueeclodecomoreaaoaRevoluaoRussade1917eseestendeatquase1922.Com o controle imigracional efetuado pelosUSA, apartir dadcada de1920, reduz-seof l uxodi reci onadoaAmri cadoNort e(LESTSCHINSKY,1972: 77-78)4.Algunspasesdecretamlimitesaimigraao em geral e a judaica especificamente, por razoes diversas.Lesser constata que ha um razoavel fluxo de imigraao judaica ao Brasilna dcada de 1920, tendo aportado cerca de trinta mil judeus. Entre 1926 e1930 atinge-se o patamar de 13% do total mundial de imigrantes judeus quese dirigem e estabelecem em nosso pas (LESSER, 1995:59-67). Este afluxonao ocorre sem conflitos ou oposiao. A presena judaica nas cidades torna-se perceptvel, especialmente em Sao Pauloe Rio de Janeiro, gerando reaoesdiversas, sendo muitas de repulsa ou desconforto. A imagem do judeu sofrediversasanalisesecrticaspreconceituosasocorrem.Nadcadade1930serao tomadas medidas de controle e restrioes a imigraao que analisaremosadiante, possivelmente por efeito desta numerosa e visvel` presena judaica.AcomunidadejudaicadeCuritibarecebeumapequenaparceladeimigrantes judeus e participa docrescimento scio-economicoocorrido nops-guerra, at a crise de 1929. As atividades comerciais tm certo impulsoeaindstriaalimentciatemestmulosparaseexpandirgerandoalgumabonana. Isso facilita a fixaao e a integraao de novos imigrantes. A funaotradicional judaica de vendedor ambulante ou mascate ajuda na expansao dapequena e mdia indstria atravs de uma rede de distribuiao informal.4 Tabelas 3 e 4. De 85% do total dos imigrantes judeus entre 1901-1920, os EUA recebem apenas65%entre1921-1925e31%entre1926-1930(Arredondamososdadosignorandoosvaloresmenoresde1%).Osvaloresdiminuementre1931-1935chegandoaapenas7%dototal,voltandoacrescerapartirde1936.Issodirecionaaimigraaojudaicaparaoutrospases.OCanadaea Argentinatambmfazemcontroles.____________________________REVISTA DE ESTUDOS JUDAICOS. Belo Horizonte, 6:39-56, dez./200644Surgeafiguradoclienteltshik:umvendedorambulantejudeuquecriaumaclientela`nosbairrosperifricosaondenaohaviaumaredededistribuiao atravs de lojas de varejo. Sao personagens que diferem do restoda populaao: andam sempre com cabea coberta, usam barbas e por vezesnao sabem quase se expressar em portugus. Andam com malas, as vezes emcharretes,asvezesap.Comonaotemmercadoriasparavenderenemdinheiroparaadquiri-las,obtmumcrditoemespcie`dealgumjudeuqueviera antese jaacumulara algum capital.Obtmajudaparasobreviverdasinstituioesdeajudamtua,vivendoemcasadeoutros,comendoedormindo de favor.Os clienteltshik inventam a prestaao (venda a prazo), criam o cartao decontrole das parcelas aonde marcam as prestaoes pagas, tendo o vendedore o comprador uma cpia do mesmo cartao. Sao pioneiros do desenvolvimentocomercialtendoajudadonacriaaoemanutenaodaspequenasemdiasindstrias.Dessamaneiraseintegrameconomicamentenoprocessodecrescimento deste perodo. Esta profissao servira a imigrantes at a segundametade do sc. XX, havendo alguns clienteltshik ainda em funao nas dcadasde 70 e 80, do sculo passado.Os judeus estabelecidos no perodo anterior prosperaram e sentiram anecessidade de ampliar suas instituioes. Em 1922 sao feitas eleioes paraaescolhadonovopresidente.OsenhorSalomaoGuelmannfoioganhador. Em sua gestao foram feitas assemblias, de onde derivaram oprojeto do cemitrio e do prdio para a sede do Centro. Ambos exigiramum enorme esforo e a coleta de fundos e doaoes. A sede do centro foiinaugurada,nocentrodacidade,nolocalatualdasinagogaFranciscoFri schmann, emsei sdeabri l de1929, sobpresi dnci adeJl i oStolzemberg,permanecendonestelocalat1960.Noespaodasedefuncionavam todas as atividades da comunidade, como os bailes festivos,eaSinagoga.Aantigasedecontavacomumaquadrapoliesportiva,ebibli oteca,manti dospel oGrmi oEsportivodoCentroIsraeli ta,comandadoporjovensdacomunidade.Ostorneiosdeping-pongsaorememorados por varios elementos da segunda e terceira geraao.OutradasentidadesfundamentaisqueosjudeusalmejavamcriarseriaaChevraKadisha(SociedadeSagrada)queagregavaasatividadesrituais ligadas ao sepultamento, com a administraao do cemitrio judaico.SendoaAvelut(normasjudaicasdesepultamentoedeluto)bastanteespecficas, os judeus atravs da histria nao sepultavam seus mortos emcemitrios de outras religioes ou pblicos. Ha cemitrios judeus milenaresqueseconservameatestamqueestecomportamentotemmotivaoesdiversas e plenamente justificadas pela tradiao (SCHLESINGER, 1951;GOLDBERG; RAYNER, 1989).Em Curitiba na dcada de 1920 foramencontradas resistncias da parte do prefeito da poca, que desconhecendoFELDMAN, Sergio Alberto.FELDMAN, Ariel.Judeus em Curitiba.45ascaractersticasprpriasdaetnia,teimavaemoferecerespaonoCemitrio Municipal, franqueado a todos e universalmente` permitindoquequalquerritofnebrelaserealizasse,semdistinaodecredo.Issodesagradaacomunidade quesegue tentando obtera concessao.Em1926culminaoprocessocomumacorrespondnciaentreoativistacomunitarioSalomaoGuelmanneoarcebispodeCuritibaJoaoBraga que intermdia o pedido de concessao pela prefeitura de um espaoespecfico para a criaao de um cemitrio judaico na Avenida gua Verde,numterrenocontguoaocemitriocristao,jaexistente(SCHULMAN,1988:7). A ajuda do sr. Adriano Gulin foi fundamental para aquisiao doterreno. Ha certa lenda` em torno do pedido de Scholem Paciornik, umpatriarcadarespeitadafamlia,quedisseraquespermaneceriaemCuritiba, se fosse criado um cemitrio judaico na cidade. E ele veio a sero primeiro a ser sepultado no mesmo (SCHULMAN, 1988:7).Posteriormentesaoadquiridosoutrosdoislocaisparacemitrios,conformeaumentaanecessidade:umesta localizado emSantaCandidanofi nal daAv.Parana;otercei rofoi recentementei naugurado,praticamente na virada do milnio`,em Umbara.AEscolaIsraelitatambmsurgenesteperodo.Inicialmentecomum professor que ministrava aulas na sede do CIP (1925) e posteriormentecomumprdioalugadonaRuadoRosario(1927)(ROTEMBERGGOUVEA,1980:50).AEscolaIsraelitaBrasileiraSalomaoGuelmannadquire o nome atual somente em 1935 em homenagem ao doador de seuterreno e seu presidente por varios anos. Analisaremos a escola em textoespecficonestamesmaobra.Na dcada de 1920 ja havia leis restringindo a emigraao de elementosportadoresdedeficincia,idososoudeanarquistaserevolucionarios.Emcerca de uma dcada uma onda imigratria do leste europeu ocorrera entre1924 e1934quandoa Argentinae o Canadahaviamlimitadoa entrada deimigrantes.Estesimigrantesdolesteeuropeunaotinhamnenhumtipodeajuda de seus pases, mas em 1927 o governo brasileiro, atravs do Secretarioda Agricultura assinara um acordo com o governo polons. Mas as condioesde recepao destes poloneses deixavam muito a desejar, desestimulando empa