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Revista Digital Ano VI - Número 22 Abril a Junho de 2014 ISSN 2175-2176

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Page 1: REVISTA DE DIREITO ELETRÔNICO - REDE 01 - ISSN · 2 2 Conselho Editorial Coordenador-Geral Fernando Maximo de A. Pizarro Drummond Conselho Editorial Antonio Luiz Calmon Teixeira

Revista Digital

Ano VI - Número 22 Abril a Junho de 2014

ISSN 2175-2176

Page 2: REVISTA DE DIREITO ELETRÔNICO - REDE 01 - ISSN · 2 2 Conselho Editorial Coordenador-Geral Fernando Maximo de A. Pizarro Drummond Conselho Editorial Antonio Luiz Calmon Teixeira

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Conselho Editorial

Coordenador-Geral

Fernando Maximo de A. Pizarro Drummond

Conselho Editorial

Antonio Luiz Calmon Teixeira da Silva - BA

Alexandre Brandão Martins Ferreira - RJ

Claudia Lima Marques - RS

Claudio Araújo Pinho - MG

Ester Kosovski - RJ

Geraldo Luiz Mascarenhas Prado - RJ

José Ribas Vieira - RJ

Luiz Dilermando de Castelo Cruz - RJ

Vitor Sardas - RJ

INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS.

REVISTA DIGITAL

Rio de Janeiro: IAB, 2014.

Ano VI – Número 22, Abril a Junho de 2014

Periodicidade: Trimestral

Acesso: http://www.iabnacional.org.br

ISSN 2175-2176

FICHA CATALOGRÁFICA

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Sumário

4 CUNHA, Márcio Felipe Lacombe da

A Progressividade do IPTU Pós Constituição de 1988: uma Breve Resenha da Doutrina e da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

19 ALMEIDA JR., João Theotonio Mendes de

A Baía de Guanabara e as ações relacionadas à poluição da água : Programa de Despoluição da Baía de Guanabara

47 BRAUER, Bernardo Guitton O Modelo de Processo Cooperativo e seus Protagonistas

63 SILVA, Érica Guerra da

Corte Constitucional, Equilíbrio de Poderes e Proteção da Cidadania

73 SARDAS, Vitor Greijal

Eutanásia: Aplicabilidade do Procedimento em Face dos Direitos Humanos e Proteção à Vida

91 SULOCKI, Victoria-Amália de Barros Carvalho Gozdawa de

Indicação 026/2013: Nova Lei de Crimes Resultantes de Discriminação e Preconceito

98 CASTELLAR, João Carlos

Delação Premiada: O Pau de Arara da Pós-Modernidade

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Doutrina

A Progressividade do IPTU Pós Constituição de 1988: uma Breve Resenha da Doutrina e da Jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal

The Progressivity of IPTU Post 1988 Brazilian Constitution: a Brief Review of the Legal Doctrine and the Jurisprudence of the

Brazilian Supreme Court

Marcio Felipe Lacombe da Cunha1

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar o princípio constitucional da capacidade

contributiva e o seu subprincípio da progressividade, notadamente a incidência deste no

imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) após a promulgação da

Constituição do Brasil de 1988, fazendo um apanhado da doutrina e da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário; Capacidade Contributiva; Progressividade.

ABSTRACT: This article aims to analyze the constitutional principle of ability to pay and their

sub-principle of progressivity, especially its impact on the Brazilian tax on urban property

(IPTU) after the promulgation of the Constitution of Brazil of 1988, making an overview of

legal doctrine and jurisprudence of the Brazilian Supreme Court about the theme.

KEYWORDS: Tax Law; Ability to Pay; Progressivity.

1 Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Advogado da União. Atualmente, ocupa a função de Presidente da Junta Recursal da Junta de Julgamento da Aeronáutica (JJAER). Membro da Comissão Permanente de Direito Administrativo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA).

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INTRODUÇÃO

A crescente complexidade da sociedade contemporânea – que nasce mundial, ao

desvincular-se “das organizações políticas territoriais, embora estas, na forma de Estados,

constituam uma das dimensões fundamentais à sua reprodução” 1 –, resultante do processo de

diferenciação funcional do sistema social, fez e faz surgir diversos sistemas sociais parciais ou

subsistemas (política, economia, direito, etc.) para a resolução de problemas sociais

específicos. Consequentemente, surge “uma superprodução de possibilidades que só podem

ser parcialmente realizadas, exigindo então cada vez mais o recurso a processos de seleção

consciente” 2.

O direito, enquanto sistema social autopoiético, isto é, autoreprodutor de suas

próprias estruturas, ao “constantemente agir como umas das estruturas sociais redutoras da

complexidade das possibilidades do ser no mundo” 3 é capaz de gerar outros sistemas parciais

e assim sucessivamente. Entre estes se encontra, por exemplo, o sistema tributário brasileiro

que, na lição de RICARDO LOBO TORRES, abrange: o sistema tributário nacional, que se

estrutura conforme a base econômica da incidência, independentemente da pessoa jurídica

titular da competência (arts. 145, 148 e 149, da Constituição do Brasil de 1988,

complementado pelo Código Tributário Nacional); o sistema tributário federado (ou sistema do

federalismo fiscal), que se estrutura levando em consideração a pessoa jurídica titular da

competência (arts. 148, 149, 153 a 156 da Constituição do Brasil de 1988); e o sistema

internacional tributário, que compreende as incidências sobre o patrimônio, a renda e a

circulação de bens relativos a cidadãos e empresas em diversos países, bem como a partilha

da riqueza universal entre os diversos Estados soberanos (arts. 153, I e II, 155, § 1º, III, “b”,

155, § 2º, X, “a”, 156, § 3º, II, da Constituição do Brasil de 1988, além dos tratados

internacionais) 4.

O direito tributário, não obstante sua autonomia legislativa, científica e didática – ainda

que seja “preciso sublinhar que, em todos esses aspectos, a autonomia é sempre relativa”

(grifado no original) 5 –, entrelaça-se com os diversos ramos dogmáticos do direito,

1 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 26. 2 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I; trad. de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983, p. 225. 3 ROCHA, Leonel Severo. Luhmann, Niklas. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 552. 4 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 15ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 355-368. 5 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 9. Com relação à autonomia do direito tributário em face do direito financeiro, transcreve-se a seguir a lição de Achille Donato Giannini in Instituciones de Derecho Tributario. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1957, p. 7: “Precisamente por la diversa naturaleza de las materias que componen la vasta trama del Derecho financiero, parece más conforme con un exacto criterio sistemático adoptar como objeto de una disciplina jurídica diferente tan sólo aquella parte del Derecho financiero que se refiere a la imposición y a la recaudación de los tributos, cuyas normas son, en efecto, susceptibles

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notadamente o direito constitucional. O sistema tributário brasileiro, é bem de ver, extrai

praticamente todos os seus fundamentos do texto constitucional que, por sua vez, é a

ferramenta que regula o acoplamento estrutural entre o direito e a política, “aunque las

operaciones (entrelazadas recursivamente en cada uno de los sistemas) se mantienen

separadas” 1. De fato, o legislador constituinte originário de 1988 “definiu os princípios básicos

do sistema tributário, um dos quais consiste em que os tributos são somente os que nele estão

previstos” 2.

A Constituição do Brasil de 1988 modificou profundamente a posição institucional dos

Municípios no Brasil, ao incluí-los no conceito de Federação (arts. 1º e 18), conforme

reivindicação de municipalistas clássicos, tais como: HELY LOPES MEIRELLES e LORDELO DE

MELO, reconhecendo-lhes, por consequência, “o poder de auto-organização, ao lado do

governo próprio e de competências exclusivas, e ainda com ampliação destas” (grifos no

original) 3. Não obstante, a Constituição do Brasil de 1988 outorgou aos Municípios as

seguintes competências tributárias, isto é, a possibilidade de instituir os seguintes tributos,

observados os limites nela estatuídos: (i) as taxas de que trata o seu art. 145, II; (ii) a

contribuição de melhoria, prevista em seu art. 145, III; (iii) os impostos discriminados em seu

art. 156, I, II e III; (iv) a contribuição social cobrada de seus servidores, para o custeio do

regime previdenciário, inserta em seu art. 149, parágrafo único4; e, por fim, (v) a contribuição

destinada ao custeio do serviço de iluminação pública, prevista em seu art. 149-A (acrescido

pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002).

Assim, compete aos Municípios instituir o imposto sobre a propriedade predial e

territorial urbana (IPTU), na forma do art. 156, I, da Constituição do Brasil de 1988, cujo fato

gerador é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão

física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município (art. 32, do Código

Tributário Nacional). O IPTU após a promulgação do texto constitucional de 1988,

notadamente após a edição da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, poderá ser progressivo,

em função de duas variáveis: (i) a da política urbana, na forma do disposto no art. 182, § 4º,

II, da Constituição do Brasil, de forma a assegurar o cumprimento da função social da

de coordinase en un sistema científico, por ser las que regulan de un modo orgánico una materia bien definida, la relación jurídico-tributaria, desde su origen hasta su realización”. 1 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad; trad. de Javier Torres Nafarrate. México: Herder, 2006, p. 620. A respeito do debate acerca da autonomia do direito em relação à política, inclusive na doutrina norte-americana (notadamente os movimentos do legal realism e da critical legal studies), bem como sobre a questão da judicialização da política e do ativismo judicial no Brasil, vide: BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. RFD - Revista da Faculdade de Direito - UERJ, v. 2, n. 21, jan./jun. 2012. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/1794/2297>. Acesso em: 23 abr. 2014. 2 MACHADO. Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 78. 3 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 306-307. 4 Como observa Luciano Amaro in Direito tributário brasileiro. 12ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 85-86, a característica peculiar da espécie tributária das contribuições reside na circunstância de que estas possuem “destinação específica que as diferencia dos impostos, enquadrando-as, pois, como tributos afetados à execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica, que pode aproveitar ou não ao contribuinte, vale dizer, a referibilidade ao contribuinte não é inerente (ou essencial) ao tributo, nem o fato gerador da contribuição se traduz na fruição de utilidade fornecida pelo Estado” (grifos no original).

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propriedade (progressividade extrafiscal no tempo); e (ii) a da capacidade do contribuinte,

decorrente das disposições do art. 145, §1º, c/c o art. 156, § 1º, I e II, ambos da Constituição

do Brasil de 1988, de modo que o IPTU possa ser progressivo em razão do valor do imóvel,

bem como ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e uso do imóvel

(progressividade fiscal) 1.

1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, PROGRESSIVIDADE E O IPTU

Em uma das obras mais relevantes do constitucionalismo contemporâneo, base de sua

aula inaugural na Universität Freiburg, no ano de 1959, KONRAD HESSE contrapõe-se à ideia

de FERDINAND LASSALLE de que a Constituição jurídica significaria simples pedaço de papel

ou estaria, simplesmente, condicionada à realidade histórica de seu tempo; ela conteria,

portanto, pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que permitem assegurar

sua força normativa em caso de confronto com os fatos. Entretanto, “a íntima conexão, na

Constituição, entre a normatividade e a vinculação do direito com a realidade obriga que, se

não quiser faltar com seu objeto, o Direito Constitucional se conscientize desse

condicionamento da normatividade” 2.

Neste sentido, a Constituição deve ser compreendida, consoante lição de JOSÉ

JOAQUIM GOMES CANOTILHO, como um sistema aberto de princípios e regras. É um sistema

aberto, em primeiro lugar, na medida em que possui uma estrutura dialógica, isto é, as

normas constitucionais devem adaptar-se à constante evolução social. De fato, a Constituição

“permite la apertura hacia adelante, hacia el futuro; institucionaliza las experiencias (apertura

hacia atrás) y abre espacio para el desarrollo del espíritu humano y su historia” 3. É um

sistema de princípios e regras, em segundo lugar, “pois as normas do sistema tanto podem

revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras” (grifos no original) 4.

Na concepção liberal-igualitária de RONALD DWORKIN, “os direitos devem ser vistos

como ‘trunfos’ contra as pretensões majoritárias” 5, isto é, certas questões atinentes aos

direitos fundamentais das pessoas (a igualdade racial, o direito dos acusados ao devido

processo legal, etc.) constituem limites às políticas destinadas a maximizar o bem-estar geral.

Neste sentido, o instituto do judicial review – que autoriza o Judiciário a declarar a

inconstitucionalidade de um ato normativo –, construído por JOHN MARSHALL, “assegura que

1 LEAL, Rogério Gesta. O IPTU progressivo como instrumento de efetivação da função social da cidade no Brasil. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – A&C. Belo Horizonte, n. 16, ano 4, abr./jun. 2004. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12670>. Acesso em: 21 abr. 2014. 2 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição; trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 26. 3 HÄBERLE. Peter. El estado constitucional; trad. de Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003, p. 4. 4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 165. 5 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls; trad. de Alonso Reis Freire. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 201.

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as questões mais fundamentais de moralidade política serão finalmente expostas e debatidas

como questões de princípio e não apenas de poder político” 1.

A Constituição, como visto acima, é um sistema aberto de princípios e regras.

Consoante RONALD DWORKIN, a distinção entre princípios e regras é de natureza lógica ou

quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira all-or-

nothing, isto é, “ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita,

ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão” 2; os princípios, por sua vez,

possuem uma dimensão de peso ou importância que as regras não têm e, assim, quando os

princípios se intercruzam “aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força

relativa de cada um” 3.

O princípio da capacidade contributiva extrai-se do art. 145, § 1º, da Constituição do

Brasil de 1988, segundo o qual “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. O princípio em questão,

que não encerra mera diretriz programática, consoante lição de ROQUE ANTONIO CARRAZZA,

reafirma, no campo tributário, o princípio constitucional da igualdade (art. 5º, I) e os ideais

republicanos. De fato, a capacidade contributiva de que trata o texto constitucional, e que

deve ser levada em conta pelo legislador ordinário ao instituir impostos, possui natureza

objetiva, isto é, “refere-se às manifestações objetivas de riqueza do contribuinte (ter

imóvel luxuoso, possuir automóvel do ano, ser proprietário de jóias ou obras de arte valiosas

etc.)” (grifos no original) 4.

O princípio da capacidade contributiva, por outro lado, relaciona-se intimamente com os

princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade

social (art. 3º, I) e, em última análise, com a idéia de justiça distributiva, “característica do

regime publicístico, consistindo em tratar desigualmente aos desiguais na medida em que se

desigualam” 5 – no campo tributário, como observa HUGO DE BRITO MACHADO, “o princípio da

isonomia às vezes parece confundir-se com o princípio da capacidade contributiva” 6. Portanto,

no âmbito do Estado Social e Democrático de Direito, conforme lição de RICARDO LODI

RIBEIRO, é imperioso “angariar recursos daqueles cuja sobrevivência digna não depende das

prestações estatais para, desta forma, socorrer os reclames elementares da grande massa

que, embora não tenha recursos para contribuir, necessita das prestações estatais” 7.

1 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio; trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 102. 2 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério; trad. de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 39. Para uma análise crítica do critério de distinção entre princípios e regras de Ronald Dworkin (quanto ao modo de aplicação), vide: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 49-55. 3 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério; trad. de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 42. 4 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 60. 5 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 15ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 92. 6 MACHADO. Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 259. 7 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 8, n. 46, jul./ago. 2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=68930>. Acesso em: 4 maio 2014.

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A despeito de o art. 145, § 1º, da Constituição do Brasil de 1988, fazer referência

apenas à incidência da capacidade econômica ou contributiva nos impostos, nada impede,

consoante magistério de LUCIANO AMARO, que outras espécies tributárias levem em

consideração essa capacidade, uma vez que “em diversas situações, o próprio texto

constitucional veda a cobrança de taxas em hipóteses nas quais não se revela capacidade

econômica (cf., por exemplo, art. 5º, LXXVII)” 1. A esse respeito, transcreve-se abaixo lição de

RICARDO LODI RIBEIRO2:

Quanto à sua extensão, como vimos, o princípio não se aplica apenas aos impostos, como

podem imaginar os intérpretes mais apressados do art. 145, §1º, da Constituição Federal.

Se a capacidade contributiva deriva da Igualdade, deve ser aplicada mesmo quando não

prevista expressamente na Constituição, como é o caso da Alemanha e do Brasil, de 1965 a

1988. Por esse motivo, não se pode afastar sua aplicação em relação aos demais tributos

pelo simples fato do texto constitucional utilizar a expressão impostos, ao invés da palavra

tributos. Embora a Constituição se refira somente aos impostos, uma vez que nesta

espécie tributária só há a riqueza do contribuinte a se mensurar, sem considerações

relativas às atividades estatais do contribuinte, o princípio também é aplicado aos tributos

vinculados, como a taxa, conforme já reconheceu o STF, e à contribuição de melhoria.

Assim, a limitação contida no §1º do art. 145, CF, à aplicação do princípio, restringindo-o

aos impostos, diz respeito ao subprincípio da personificação, índice de capacidade

contributiva relativo aos tributos não vinculados a uma atividade estatal em relação à

pessoa do contribuinte, e não ao próprio princípio da capacidade contributiva. (grifos no

original).

Finalmente, o princípio da capacidade contributiva aproxima-se de outros princípios

constitucionais tributários “que, sob ângulos diferentes, perseguem objetivos análogos e em

parte coincidentes: a personalização, a proporcionalidade, a progressividade, a seletividade” 3.

A progressividade, que se materializa pela elevação da alíquota na medida em que se alarga a

base de cálculo, é, na verdade, consoante lição de RICARDO LODI RIBEIRO, um dos

subprincípios da capacidade contributiva, constituindo um “importante instrumento de

redistribuição de rendas no Estado Social e Democrático de Direito” 4. Na concepção liberal-

igualitária de JOHN RAWLS, o princípio da tributação progressiva não tem por propósito

aumentar a receita governamental, “mas corrigir, gradual e continuamente, a distribuição da

1 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 142. Em sentido contrário, isto é, entendendo que o art. 145, § 1º, da Constituição do Brasil, aplica-se somente aos impostos, diferentemente do que dispunha o art. 202, da Constituição de 1946, vide: SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 658. 2 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 8, n. 46, jul./ago. 2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=68930>. Acesso em: 4 maio 2014. 3 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 140. 4 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 8, n. 46, jul./ago. 2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=68930>. Acesso em: 4 maio 2014.

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riqueza e impedir concentrações de poder que prejudiquem o valor eqüitativo da liberdade

política e da igualdade eqüitivava de oportunidades” 1.

Após a promulgação da Carta Política de 1988 uma vexata quaestio surgiu na doutrina

pátria, qual seja: a possibilidade de se estabelecer alíquotas progressivas no IPTU em hipótese

distinta da progressividade extrafiscal no tempo a que aludia o art. 156, § 1º, em sua redação

originária, c/c o art. 182, § 4º, II, da Constituição do Brasil de 1988, como “sanção pelo não

atendimento de regular e específica exigência do Poder Público Municipal” 2. Duas correntes

formaram-se: i) a primeira – poder-se-ia dizer: progressista – defendia que o IPTU poderia

experimentar alíquotas progressivas como conseqüência do aludido princípio constitucional da

capacidade contributiva (art. 145, § 1º), capacidade esta “aferida em função do próprio imóvel

(sua localização, dimensões, luxo características etc.) e, não, da fortuna em dinheiro de seu

proprietário” 3, sem embargo do emprego da extrafiscalidade quando do desatendimento da

função social da propriedade; a segunda – poder-se-ia dizer: conservadora –, por sua vez,

entendia que o pressuposto que autorizaria a progressividade do IPTU seria “apenas e tão-só,

o uso da propriedade imobiliária em descompasso com sua função social, segundo as normas

da lei que estatui o plano diretor da cidade” 4.

Como já registrado, o Poder Constituinte Derivado promulgou a Emenda Constitucional

nº 29, de 2000, que, dentre outras providências, deu nova redação e incluiu os incisos I e II

no art. 156, § 1º, da Constituição do Brasil de 1988, separando, doravante, topograficamente,

a progressividade fiscal (art. 156, § 1º, I), em razão do valor do imóvel – sem prejuízo da

diferenciação de alíquotas de acordo com a localização e o uso do imóvel (art. 156, § 1º, II) 5

–, da progressividade extrafiscal (art. 182, § 4º, II), que incide quando o proprietário do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado deixa de promover o seu adequado

aproveitamento. A alteração perpetrada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000, na visão

de AIRES F. BARRETO, no entanto, padeceria de inconstitucionalidade por ferir o princípio da

capacidade contributiva (art. 145, § 1º), verdadeiro direito individual do contribuinte e, como

tal, cláusula pétrea no texto constitucional de 1988, e que, sob uma perspectiva positiva,

contém autorização para a criação de impostos progressivos, desde que sejam pessoais e, que

sob uma perspectiva negativa, “veda a instituição da progressividade, quando de impostos

reais” 6.

1 RAWLS, John. Uma teoria da justiça; trad. de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 306. 2 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 690. 3 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 65. 4 BARRETO, Aires F. Imposto predial e territorial urbano – IPTU. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito tributário. 14ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1005. 5 Consoante lição de Ricardo Lobo Torres in Curso de direito financeiro e tributário. 15ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 397, a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, ao incluir o inciso II no § 1º do art. 156 da Constituição do Brasil, teria introduzido o princípio da seletividade no IPTU. 6 BARRETO, Aires F. Imposto predial e territorial urbano – IPTU. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito tributário. 14ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1014.

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Por outro lado, o fenômeno da correção legislativa da jurisprudência, que se dá quando

o Congresso Nacional reage, quer por meio de emenda à Constituição – no exercício do poder

constituinte reformador – quer por meio de lei: complementar ou ordinária, alterando uma

determinada interpretação judicial com a qual não aquiesça tem sido aceito pela doutrina e

jurisprudência majoritárias. De fato, como observam CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO e

DANIEL SARMENTO, o Poder Legislativo não está adstrito ao efeito vinculante emanado das

decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nas ações

diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102, §

2º, da Constituição do Brasil de 1988, com redação dada pela Emenda constitucional nº 45, de

2004), nem à súmula vinculante de que trata o art. 103-A, da Constituição do Brasil de 1988,

incluído pela Emenda Constitucional acima referida. Assim, afigura-se legítimo ao Congresso

Nacional aprovar uma emenda constitucional em reação à determinada decisão proferida pelo

STF em sede de controle de constitucionalidade com a qual não se conforme, com vistas ao

aperfeiçoamento do texto normativo glosado, não havendo falar-se em ofensa ao monopólio

constitucional da última palavra dessa Corte, salvo se emenda à Constituição vilipendiar

alguma das cláusulas pétreas previstas na Carta Política de 1988 (art. 60, § 4º, I, II, III e IV),

cuja função não é conferir proteção absoluta e mecânica a todos os direitos consagrados no

texto constitucional, mas àqueles princípios básicos, entre os quais se encontram diversos

direitos políticos e sociais “que assegurem uma condição minimamente ideal para que os

indivíduos possam deliberar de forma livre e igual a respeito dos direitos e da forma pela qual

querem ser governados” 1. Contudo, “em se tratando de emenda constitucional, aprovada por

maioria parlamentar qualificada, a posição do STF deve ser de atenção e deferência ainda

maior à interpretação constitucional adotada pelo Congresso” 2.

A questão da correção legislativa da jurisprudência relaciona-se, ainda, com as diversas

e cada vez mais onipresentes teorias de diálogos constitucionais que, por sua vez, “emphasize

that the judiciary does not (as an empirical matter) nor should not (as a normative matter)

have a monopoly on constitutional interpretation” 3 e oferecem alternativas ao

aperfeiçoamento do modelo do judicial review e à sua chamada dificuldade contramajoritária.

Hodiernamente, há um relevante debate no sistema anglo-saxônico como um todo no sentido

de que o constitucionalismo do século XXI não deve restringir-se ao papel de limitar o poder

1 VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 229. 2 SOUZA NETO, Cláudio Pereira & SARMENTO, Daniel. Notas sobre jurisdição constitucional e democracia: a questão da "última palavra" e alguns parâmetros de autocontenção judicial. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 06, n. 02, 2013. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/9315/7220>. Acesso em: 24 maio 2014. 3 BATEUP, Christine A. The dialogic promise: assessing the normative potential of theories of constitutional dialogue. New York University Public Law and Legal Theory Working Papers, Paper 11, 2005. Disponível em: <http://lsr.nellco.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1010&context=nyu_plltwp>. Acesso em: 31 maio 2014.

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político, tal qual concebido pela teoria constitucional norte-americana do século XVIII, mas

“avançar na busca de ‘boa governança’ ou de um bom desenho institucional” 1.

Por último, convém destacar a edição da Lei nº 10.257, de 2001, denominada

Estatuto da Cidade, que estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o

uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos

cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (art. 1º), regulamentando, assim, os arts. 182 e

183, da Constituição do Brasil de 1988. O art. 5º deste estatuto dispõe que lei municipal

específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação

ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,

devendo fixar as condições e os prazos para tais providências que, uma vez descumpridos,

autorizarão o Município a aplicar o IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração da

alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos (art. 7º). De fato, “a partir da Constituição de

1988, o sistema jurídico brasileiro somente protege a propriedade que cumpra à sua função

social, ou seja, que aproveite, ainda que de forma indireta, à sociedade como um todo” 2 e,

nesse sentido, o Estatuto da Cidade constitui um importante mecanismo de gestão tributária

da propriedade urbana e predial.

2 A QUESTÃO DA PROGRESSIVIDADE DO IPTU NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL (STF)

O Plenário do STF, após a promulgação da Carta Política de 1988, deparou-se pela

primeira vez com a questão da progressividade do IPTU no Recurso Extraordinário nº

153.771/MG3. Neste leading case, o STF, por maioria, na linha do voto vista do Ministro

Moreira Alves, concluiu no sentido da inconstitucionalidade da cobrança progressiva do IPTU

pelo Município de Belo Horizonte, sob dois principais fundamentos: (i) o texto constitucional de

1988 não admitiria a progressividade fiscal do IPTU, quer com base em seu art. 145, § 1º

(princípio da capacidade contributiva), haja vista ser o IPTU um imposto de natureza real, quer

com base na conjugação do seu art. 145, § 1º, com o seu art. 156, § 1º, em sua redação

originária; (ii) a progressividade extrafiscal do IPTU, para o fim de assegurar o cumprimento

da função social da propriedade, somente seria possível, uma vez observado o art. 156, § 1º,

1 VIEIRA, José Ribas. Conclusão. In: VIEIRA, José Ribas (Coord.). Teoria constitucional norte-americana contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 163. 2 LEAL, Rogério Gesta. O IPTU progressivo como instrumento de efetivação da função social da cidade no Brasil. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – A&C. Belo Horizonte, n. 16, ano 4, abr./jun. 2004. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12670>. Acesso em: 21 abr. 2014. 3 STF. Recurso Extraordinário nº 153.771/MG. Plenário. Rel. p/ acórdão o Min. MOREIRA ALVES. DJ de 05.09.1997, p. 41.892. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=211634>. Acesso em: 2 jun 2014.

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em sua redação originária, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e

4º do art. 182, ambos da Carta Política de 1988. A decisão restou assim ementada:

EMENTA: - IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU

inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a

progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º,

porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade

decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação

desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). - A

interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o

IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a

explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade

extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. - Portanto, é inconstitucional qualquer

progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no

artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do

artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido,

declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de

22.12.89, no município de Belo Horizonte.

Na sequência, sobreveio a correção legislativa perpetrada pela Emenda Constitucional

nº 29, de 2000, de modo a possibilitar a progressividade fiscal do IPTU. O STF, não obstante,

depois de reiterados julgados declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de diversas

leis municipais anteriores àquela emenda constitucional, que estabeleciam alíquotas de IPTU

progressivas, houve por bem editar o Enunciado da Súmula nº 6681 – mecanismo concebido

na década de 60 do século passado pelo Ministro Vitor Nunes Leal do STF “com a finalidade de

agilizar os julgamentos e de tornar mais acessíveis à sociedade os entendimentos consolidados

daquela Corte sobre determinadas questões jurídicas” 2 –, com o seguinte teor:

É INCONSTITUCIONAL A LEI MUNICIPAL QUE TENHA ESTABELECIDO, ANTES DA EMENDA

CONSTITUCIONAL 29/2000, ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS PARA O IPTU, SALVO SE

DESTINADA A ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

URBANA.

Posteriormente, o Plenário do STF – com uma composição renovada –, no Recurso

Extraordinário nº 423.768/SP3, apreciou a constitucionalidade de uma lei do Município de São

Paulo, editada após a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que instituíra alíquotas

1 STF. Súmula nº 668. DJ de 09.10.2003, p. 4. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=668.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 2 jun 2014. 2 MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A súmula vinculante como fonte hermenêutica de Direito. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 13, n. 67, maio/jun. 2011. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=73655>. Acesso em: 2 jun. 2014. 3 STF. Recurso Extraordinário nº 423.768/SP. Plenário. Rel. o Min. MARCO AURÉLIO. DJe de 09-05-2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=622717>. Acesso em: 21 jun. 2014.

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progressivas de IPTU na capital paulista. No caso, esta Corte decidiu, à unanimidade, pela

constitucionalidade daquela lei, bem como pela harmonia da referida Emenda Constitucional

com a Carta Política de 19881, conforme o trecho abaixo extraído do voto do Relator, o

Ministro Marco Aurélio que, no entanto, não reconheceu a correção legislativa da

jurisprudência do STF:

Ora, a Emenda Constitucional nº 29/2000 não afastou direito ou garantia individual. E não

o fez porquanto texto primitivo da Carta já versava a progressividade dos impostos, a

consideração da capacidade econômica do contribuinte, não se cuidando, portanto, de

inovação a afastar algo que pudesse ser tido como integrado a patrimônio. O que decidido

pelo Tribunal de origem implica extensão, ao conceito de cláusula pétrea, incompatível

com a ordem natural das coisas, com o preceito do § 1º do artigo 145 e o artigo 156, §

1º, na redação primitiva. Nem se diga que esta Corte, apreciando texto da Carta anterior à

Emenda nº 29/2000, assentou a impossibilidade de se ter, no tocante ao instituto da

progressão do IPTU, a consideração do valor venal do imóvel, apenas indicando a

possibilidade de haver a progressão no tempo de que cogita o inciso II do § 4º do artigo

182 da Constituição Federal. Atuou o Colegiado, em primeiro lugar, diante da ausência de

explicitação quanto a se levar em conta, para social distribuição da carga tributária, outros

elementos, como são o valor do imóvel, a localização e o uso.

Finalmente, convém registrar que o STF reconheceu a repercussão geral – requisito de

admissibilidade do Recurso Extraordinário que passou a ser exigido após a edição da Emenda

Constitucional nº 45, de 2004, que, de fato, não constitui um instituto inteiramente novo no

ordenamento jurídico pátrio, já que antes do texto constitucional de 1988 “exigia-se, como

requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário, a procedência da argüição

de relevância da questão federal” (grifado no original) 2 – da questão constitucional

suscitada no Recurso Extraordinário nº 602.347/MG, qual seja, a possibilidade de cobrança do

IPTU pela menor alíquota, no período anterior à Emenda Constitucional nº 29, de 2000,

quando se declarar a inconstitucionalidade de sua progressividade. O Recurso Extraordinário

em questão aguarda julgamento pelo Plenário.

3 CONCLUSÃO

A Constituição do Brasil de 1988, que erigiu após um processo de redemocratização

lento e gradual do país, e que estabeleceu como vetor fundamental a dignidade da pessoa

humana, é um sistema aberto de princípios e regras, na medida em que suas normas possuem

a capacidade de adaptar-se à constante evolução da sociedade brasileira, marcada pela

1 Ressalte-se, por relevante, que se encontra pendente de julgamento no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.732/DF, requerida, em 1º de outubro de 2002, pela Confederação Nacional do Comércio, em face da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, na parte em que tratou da progressividade do IPTU. 2 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. II. 15ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 122.

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complexidade e pela pluralidade, sem olvidar sua abertura aos tratados internacionais de

direito humanos que compõem o seu bloco de constitucionalidade (art. 5º, § 3º, incluído pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Não obstante, a Carta Política de 1988 estruturou sistematicamente o direito tributário

brasileiro e procurou manter a racionalidade introduzida no ordenamento pátrio pela Emenda

Constitucional nº 18, de 1965, e pelo Código Tributário Nacional. O sistema tributário

brasileiro, consoante acima salientado, compreende: o sistema tributário nacional; o sistema

tributário federado; e o sistema internacional tributário. A Constituição de 1988 fixou um

sistema tributário federado ou de discriminação das rendas tributárias de caráter rígido,

designando expressamente os tributos concernentes a cada um dos Entes da Federação:

União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, aos quais foi conferida a competência

para instituir, entre outros tributos, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

(IPTU) (art. 156, I).

O princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da Constituição do Brasil de

1988) sintetiza-se na seguinte idéia: aqueles contribuintes que detêm mais riqueza devem

pagar, proporcionalmente, mais tributos. Este princípio relaciona-se, portanto, com os

princípios da solidariedade social (art. 3º, I, da Constituição do Brasil de 1988) e da igualdade

em sentido material (art. 5º, I, da Constituição do Brasil de 1988) que, por sua vez, autoriza a

discriminação dos contribuintes na medida de suas desigualdades e cuja fonte remota

encontra-se na idéia aristotélica de justiça distributiva. A progressividade dos impostos, que

autoriza a elevação da alíquota na medida em que se alarga a base de cálculo, é um dos

subprincípios da capacidade contributiva e constitui um importante mecanismo de

redistribuição de renda, isto é, de realização, in concreto, daqueles mencionados princípios.

À guisa de conclusão, entendemos que a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, ao

incluir os incisos I e II no art. 156, § 1º, da Constituição do Brasil de 1988, permitindo a

progressividade do IPTU em razão do valor do imóvel, bem como a adoção de alíquotas

diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, promovendo, ainda, a correção

legislativa da jurisprudência do STF não violou quaisquer das limitações materiais ao poder de

reforma previstas no texto constitucional de 1988. De fato, mesmo antes daquela emenda

constitucional, já era possível, a nosso ver, estabelecer alíquotas progressivas para o IPTU,

não só em função da política urbana (progressividade extrafiscal), de forma a assegurar o

cumprimento da função social da propriedade, mas também em função da capacidade do

contribuinte proprietário de imóvel (progressividade fiscal), com vistas à efetivação da justiça

distributiva (social) no âmbito do Estado Social e Democrático de Direito em que se constitui o

Brasil (art. 1º, da Constituição do Brasil de 1988).

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Doutrina

A Baía de Guanabara e as ações relacionadas à poluição da água – Programa de Despoluição da Baía de Guanabara

João Theotonio Mendes de Almeida Jr.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Os antecedentes do Programa de Despoluição da Baía de

Guanabara; 2. O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara; 2.1. Resultados Financeiros

obtidos no Programa; 3 A Gestão Ambiental atual da Baía de Guanabara; 3.1. Gestão; 3.2.

Plano; 3.3. Outorga; 3.3.1. Lançamentos de Efluentes; 3.4. Enquadramento; 3.5. Rede de

Monitoramento; 3.6. A importância da despoluição da Baía de Guanabara; 3.7. Programa de

Autocontrole de Efluentes Líquidos (Procon Água); Conclusão; Referências Bibliográficas.

Introdução

Diversos pontos positivos fizeram que a cidade do Rio de Janeiro crescesse às

margens da Baía de Guanabara. Dentre eles destacavam sua geomorfologia, sua rede de

drenagem que garantiam a penetração além da linha da costa, suas exuberantes águas limpas

– resultantes de um eficiente sistema de autodepuração, que conseguiam reciclar os dejetos

daqueles tempos que não retornam mais. Mas, o desenvolvimento desregrado fez com que a

expansão urbano-industrial fizesse com que a renovação das águas tornasse incapaz de

processar a poluição naturalmente. Resultado disso, convivemos atualmente com:

assoreamentos, aterros bem às margens da Baía, poluição de toda sorte, especialmente de

esgotos sanitários.

É nítido, portanto, que a qualidade ambiental daquele paraíso foi com o passar do

tempo se degradando e consequentemente à perda de qualidade da vida da população que

vive ao seu redor que se viu premida das atividades econômicas e sociais que desfrutavam

anteriormente.

A bacia hidrográfica da Baía de Guanabara atinge uma das áreas mais expressivas do

país, social, econômica e culturalmente. Sua área de aproximadamente 8.600km abrange,

parcialmente ou totalmente, os municípios do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, Belford Roxo,

Duque de Caxias, Magé, Petrópolis, Itaboraí, São Gonçalo, Niterói, Rio Bonito, Teresópolis e

Cachoeiras de Macacu, abarcando uma concentração urbana de quase 10 milhões de

habitantes.

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O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara era para apenas despoluir a Baía,

mas sim minimizá-la. O objetivo é reduzir a poluição da Baía, o que não se limita a limpar

diretamente o corpo d’água e sim solucionar o conjunto de problemas ambientais da bacia,

que determinam seu estado atual de degradação. Além dessas obras, o programa atua em

outras vertentes: racionalização do abastecimento de água, melhoria na coleta de lixo,

controle de inundações, mapeamento digital da região e diversos projetos ambientais.

Ao longo desse trabalho verificaremos importante documento que antecedeu ao

Programa, bem como uma pequena parte histórica, antes de adentrarmos no Programa de

Despoluição da Baía de Guanabara – PDBG propriamente dito, seus resultados financeiros,

para em seguida tratar da Gestão Ambiental da Baía de Guanabara, em especial sobre a

gestão, o plano, a outorga, enquadramento e rede de monitoramento. Adiante falaremos

também da importância da despoluição na Baía e do Procon Água que trata de todas as

atividades efetivas ou potencialmente poluidoras de água para apresentarmos nossas

considerações finais.

1. Os antecedentes do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara

Na década de 1960, realizou-se a primeira campanha sistemática de monitoramento

de qualidade de águas da Baía de Guanabara, em 37 estações de amostragem. Já se

constatava naquela oportunidade através dos dados coletados que a qualidade de água já era

bastante desfavorável. “Parâmetros indicadores de poluição orgânica, como a demanda

bioquímica de oxigênio (DBO) e demanda química de oxigênio (DQO), eram bastante altos” 1.

Tanto na porção leste da baía quanto no canal central, os teores de oxigênio dissolvido eram

bons, enquanto na área oeste a saturação de oxigênio era, em média, de 50%, com severos

déficits perto do fundo. Naquela oportunidade os coliformes totais eram abaixo dos níveis

atuais, entretanto as contagens de coliformes já indicavam características de águas poluídas.

Nos idos da década seguinte foram desenvolvidos estudos de controle de poluição da

Baía de Guanabara, através do desenvolvimento de modelos matemáticos de qualidade de

água e modelos econômicos. “Anteriormente, havia um convênio de controle da poluição das

águas da Baía, assinado em 1971 pelo Ministério da Marinha com os governos dos estados da

Guanabara e do Rio de Janeiro, para a fiscalização da poluição por óleo proveniente de navios,

tanques e terminais e da poluição por despejos industriais” 2.

O primeiro relatório que enfocou os usos propostos, análise de custo-benefício,

critérios e situações de qualidade, tirando as primeiras conclusões sobre o efeito das cargas

1 Avaliação Ambiental Estratégica de Empreendimentos do PLANGAS, GNL e COMPERJ na Região em torno da Baía da Guanabara (PPE 9082), pág. 251 Disponível em http://www.lima.coppe.ufrj.br/lima/pages/pagina.php?id=projetos/ipga/02, acesso de 14 de janeiro de 2014. 2 Idem, ibidem.

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orgânicas na qualidade das águas, de acordo com modelos unidimensionais, com a

identificação de toda baía através de seu canal central, data de 1974. Foram desenvolvidos,

posteriormente, pela empresa Hydroscience Inc. modelos bidimensionais onde se permitiu

chegar às seguintes conclusões:

“. a análise dos dados de coliformes e oxigênio dissolvido indicou que a qualidade das

águas em diversas regiões costeiras era bastante ruim e estava interferindo com os usos

recreacionais;

. as projeções dos modelos matemáticos, para o ano 2010, indicaram que os critérios de

qualidade de água (coliformes totais e oxigênio dissolvido-OD), propostos pela FEEMA,

poderiam ser atendidos em 90% das áreas recreacionais, por meio da disposição dos

efluentes adequadamente tratados. Os 100% não poderiam ser atendidos devido às

cargas poluidoras oriundas das favelas; e

. os estudos chamaram a atenção para o problema da eutroficação, pois o crescimento do

fitoplâncton seria favorecido pela implantação de sistemas de tratamento e pelo aumento

das descargas de nutrientes e da transparência das águas.” 1

Segundo o relatório da Avaliação Ambiental Estratégica de Empreendimentos do

PLANGAS, GNL e COMPERJ na Região em torno da Baía de Guanabara, com declínio

econômico, na década de 1980, gerou deterioração ambiental, particularmente no meio

urbano. Situada no centro da Região Municipal do Rio de Janeiro, a Baía de Guanabara acusou

diretamente este impacto.

Registros demonstram que seis anos antes do PDBG já se verificava a necessidade da

recuperação gradual do ecossistema da Baía. Para o seminário “A pesca, o lazer e a Poluição

na Baía de Guanabara”, realizado no auditório do BNDES, o governo do Estado do Rio de

Janeiro, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente - SEMAM, a Fundação Estadual de

Engenharia de Meio Ambiente - FEEMA, a Superintendência Estadual de Rio de Lagoas –

SERLA, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE, a Fundação para o

Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – FUNREM, a Secretaria de Estado

de Desenvolvimento Urbano e Regional – SEDUR, elaboraram o “Projeto de Recuperação

Gradual do Ecossistema da Baía de Guanabara” de dezembro de 1988, que abrangia um

estudo profundo onde foram abraçados diversos pontos importantes, tais como: atividades

industriais – efluentes líquidos –; esgotos sanitários; resíduos sólidos urbanos e hospitalares;

óleo e lixo flutuante; qualidade das águas; balneabilidade das praias; desmatamento e

reflorestamento; assoreamento, dragagem e drenagem; unidades de conservação na

natureza; biota; ganhos ambientais, fumaça negra, poluição acidental, qualidade do ar,

potabilidade da água de abastecimento, zoneamento, vetores e recursos.

Esse estudo visava não só tratar da qualidade da água do espelho d’água da Baía, mas

também todos os fatores componentes daquele ecossistema. Esperava-se que após sua análise

1 Idem, p. 252.

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fosse feita uma evolução das ações e obras prioritárias a serem realizadas pelo Poder Público e

iniciativa privada para recuperação da Baía, demonstrando as melhoras que as ações trariam

ao meio ambiente.

O projeto demonstrava que os efluentes líquidos industriais eram responsáveis por

aproximadamente 25% (vinte e cinco por cento) da poluição orgânica e quase pela totalidade

da poluição por metais pesados e substâncias tóxicas prejudiciais à saúde da população.

Verificou-se que o parque industrial, com cerca de 6.000 indústrias era composto

principalmente de empresas de médio e pequeno porte, sendo selecionadas as 52 como

prioritárias pelo fato de serem responsáveis por 80% (oitenta por cento) da poluição industrial

lançada naquela bacia. Destacava-se a REDUC, eis que seus efluentes líquidos na oportunidade

continham grande quantidade de metais pesados, óleos e graxas, fenóis e carga orgânica. Não

obstante, após um Termo de Compromisso firmado entre a Petrobrás e o Governo em junho

de 1987, foi implantado um sistema de tratamento biológico de seus efluentes, capaz de

remover 12,7 toneladas por dia de carga orgânica, equivalente a 10% (dez por cento) da

carga orgânica industrial lançada na Baía.

Não só a REDUC foi contemplada no estudo, mas também a PETROFLEX, NITRIFLEX,

Bayer – que já vinha atendendo às exigências da FEEMA quanto ao controle de efluentes

líquidos, gasosos e resíduos perigosos –, o Curtume Carioca, a Companhia Eletroquímica Pan-

Americana – principal fonte de mercúrio, através de suas unidades de produção de cloro e

soda com eletrodo de mercúrio. Não ficaram de fora os registros da metalurgia, do ramo

alimentício – que contribuem com elevada carga biodegradável, com destaque para as

indústrias de beneficiamento de pescado –; a indústria têxtil (com seus corantes e pigmentos),

a indústria químico-farmacêutico, e os estaleiros.

Como não poderia deixar de ser, já naquela oportunidade era destacada como uma

das principais fontes de poluição das águas da Baía, os esgotos sanitários de “uma população

estimada de 8,6 milhões de habitantes, com a carga orgânica bruta em potencial gerada na

bacia é de 465 t/dia, com vazão de 17,5 m³ de esgotos” 1.

A cidade do Rio de Janeiro, com a população de 5,9 milhões de habitantes era tida

como a principal poluidora por esgotos domésticos e detentora de uma rede de esgotos que

servia a 70% (setenta por cento) dessa população, especialmente da Zona Norte e da Zona

Sul. Na oportunidade, enquanto não fosse eliminado o lançamento de esgotos no costão do

Pão de Açúcar que recebia parte da carga advinda de Ipanema, por conta da saturação da

rede, o banho na Praia Vermelha era impróprio. Estimava-se que o lançamento diário de Zona

Sul era de 22 toneladas de carga orgânica, ou 1,8m³/s de esgotos2. Somente com a

eliminação de esgotos ali lançados é que se poderia possibilitar o uso da Praia da Urca e

melhorar substancialmente a Praia do Flamengo e a Marina da Glória. Já em Botafogo a

1 Projeto de Recuperação Gradual do Ecossistema da Baía de Guanabara – Extrato – Indicadores Ambientais de Degradação Obras e Projetos de Recuperação, 1988, FEEMA p. 26. 2 Idem, ibidem.

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questão era pior, mais complexa devido ao deságue do rio Bercó, com muita carga orgânica

proveniente de vazamentos dos esgotos sanitários.

A Zona Norte gerava “7,5m³/s de vazão e 221 t/d de carga orgânica” 1. Apenas uma

pequena parte – 2m³/s – era tratada de modo secundário sendo, 1,6 m³/s pela ETE da Penha,

0,2 m³/s pela ETE de Acari e 0,2 m³ pela ETE da Ilha do Governador. Havia previsão de que

em dois anos fosse ampliado o sistema da Ilha do Governador, com a duplicação da Estação de

Tratamento2.

Já naquela oportunidade havia o projeto básico de Estação de Tratamento de Esgotos

da Alegria, ou seja, há 22 anos, todavia, nem havia previsão de prazo para sua implantação. O

que se tinha predefinido era o local para sua construção e a primeira etapa do projeto para se

tratar 5 m³/s de esgotos, assim como a estimativa desse investimento, algo em torno da

ordem de 10 milhões de OTN’s (Obrigações do Tesouro Nacional), entretanto sem qualquer

recurso previsto para esta obra.

Estimava-se também que, para região de São Gonçalo e da Baixada Fluminense, com

uma população aproximada de 2,8 milhões de habitantes, seriam necessários para

implantação da rede coletora estimada em 51,8 milhões de OTN’s para equacionar o esgoto

sanitário com a implantação de 3.500 km de rede e a construção de Estações de Tratamento.

Uma região densamente muito povoada, a bacia do rio Sarapuri, foi considerada por

aquele estudo como área prioritária do Projeto. “Caracterizada por valas negras a céu aberto,

ausência de infra-estrutura urbana e problemas crônicos de drenagem”3 foram previstos a

implantação de 2.220 Km de rede a fim de que fossem beneficiados 860.000 habitantes. Para

tanto, oito Estações de Tratamento, sendo destaque a conclusão do piloto de Vilar dos Teles.

Com relação aos recursos só estavam garantidos aqueles necessários para a construção da

ETE de Gramacho.

Niterói também foi englobada nesse estudo. Possuía na oportunidade uma população

de 470 mil habitantes, sendo que pertencentes a área da baía eram 376 mil habitantes

produzindo uma carga orgânica de 20t/dia.4 Da população de Niterói 69% (sessenta e nove

por cento) contava com estação de tratamento a nível secundário, com vazão de 0,6 m³/s, o

que comprometia a qualidade de suas praias. Estava sendo elaborado o Projeto do Emissário

Submarino de Toque-Toque, a fim de beneficiar suas praias e dispor de forma adequada os

esgotos da Zona Central daquela cidade, através de tratamento prévio e lançamento no canal

da Baía.

Os resíduos sólidos urbanos hospitalares, problema bastante complexo que afeta a

Baía de Guanabara também foram objeto de análise do estudo, especialmente face às

enchentes de fevereiro daquele ano. Destacou-se a inexistência de aterros sanitários nos

1 Idem, p. 27. 2 Idem, Ibidem. 3 Idem, Ibidem. 4 Idem, p. 29.

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municípios pertencentes à Baía e que a maioria deles tinha optado pela operação de

vazadouros de lixo. Pior, a maior parte do lixo produzido pelos municípios integrantes dessa

bacia hidrográfica não era coletado adequadamente e eram jogados em terrenos baldios ou

nas margens da Baía provocando desde a poluição das águas até infestação de ratos, baratas,

mosquitos, prejudicando sobremaneira a saúde da população. Não havia nos municípios

pertencentes à bacia da Baía de Guanabara aterros sanitários e naqueles onde o grau de

concentração urbana era elevado – Nilópolis e São João de Meriti – a disposição final dos

resíduos acabava sendo a céu aberto, em terrenos baldios ou lixões, pela inexistência de áreas

em seus territórios para tal serviço ou uma solução definida.

Absurda era a descrição sobre onde eram dispostos os resíduos de Niterói, ou seja, no

estudo já nos indicava que desde 1982 eles eram alocados no “vazadouro do Morro do Céu, a

céu aberto, em uma depressão entre os morros, na Estrada do Viçoso Jardim/Cubango”1,

próxima a uma região urbana ocupada, de propriedade particular, distante cerca de 10 Km do

centro comercial. O resultado disso descobrimos em abril de 2010, com as fortes chuvas

naquela localidade.

Em São Gonçalo, era utilizado como destino final de seu lixo, o vazadouro de Itaoca,

uma região plana, às margens de um canal, numa área sujeita a inundações o que facilitava o

carreamento do lixo depositado para a Baía.

E Gramacho que é situado às margens da Baía de Guanabara? O Aterro

Metropolitano, Oeste, localizado no município de Duque de Caxias é operado pela COMLURB

desde 1978, atendendo principalmente ao Rio de Janeiro, mas também aos municípios de

Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Nilópolis e São João de Meriti. Ele além de ficar na boca da

Baía, por óbvio, sofre de influências da maré, não dispunha de sistemas que minimizassem o

impacto da qualidade das águas superficiais e subterrâneas.2 Não obstante seu recobrimento

não vinha sendo realizado com frequência e segundo o estudo isso agravava ainda mais a

produção de chorume, cujos efeitos persistirão por muitos anos após o encerramento do

referido aterro.

Muito ainda poderia se tratar a respeito desse estudo datado de 1988, especialmente

sobre óleo e lixo flutuante; qualidade das águas; balneabilidade das praias; desmatamento e

reflorestamento; assoreamento, dragagem e drenagem; unidades de conservação na

natureza; biota; ganhos ambientais, fumaça negra, poluição acidental, qualidade do ar,

potabilidade da água de abastecimento, zoneamento, vetores e recursos, entretanto, nos

parece mais apropriado avançarmos em nossa pesquisa e passarmos para o Programa de

Despoluição da Baía de Guanabara.

1 Idem, p. 32. 2 Idem, p. 33.

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2. O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara – PDBG

O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara foi criado em 1994 principalmente

para melhoria da qualidade de vida das pessoas que, na virada do século XX para o século XXI

ainda convivem com “valas negras”, “lixões”, esgoto a céu aberto. O PDBG recebeu recursos

expressivos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (350 milhões de dólares) e da

Agência Japonesa – Japan Bank for International Cooperation (JBIC) (237 milhões de dólares).

Além deles, o Governo do Estado do Rio de Janeiro se comprometeu com 206 milhões de

dólares. “O Projeto constou de cinco componentes: saneamento (coleta e tratamento de

esgotos sanitários e racionalização do abastecimento de água) melhoria na coleta de lixo,

controle de inundações, mapeamento digital da região e diversos projetos ambientais” 1 das

Bacias contribuintes localizadas no entorno da Baía .

Somando-se as cifras acima verificamos que o orçamento original do Programa de

Despoluição da Baía de Guanabara era de US$ 793 milhões, entretanto a Companhia Estadual

de Águas e Esgotos (CEDAE), que coordena e executa o programa, já investiu cerca de US$ 1

bilhão 2.

O marco inicial do Programa, entretanto, ocorreu em julho de 1991 depois da

assinatura do Convênio de Cooperação Técnica entre os governos brasileiro e japonês, com

objetivo de desenvolver um plano diretor para o controle de poluição das águas da Baía de

Guanabara. Fruto deste convênio, especialistas japoneses, coordenados pela JICA – Japan

International Cooperation Agency (Agência Japonesa de Cooperação Internacional), junto com

técnicos brasileiros da FEEMA, baseando-se na bem sucedida experiência de despoluição da

Baía de Tóquio e no trabalho desenvolvido ao longo de dois anos (1992-1994) na própria Baía

de Guanabara, elaboraram, em março de 1994, o documento de cinco volumes intitulado

Study on the Recuperation of The Guanabara Bay Ecosystem (Estudo Sobre a Recuperação do

Ecossistema da Baía de Guanabara).

Em que pese o lançamento do programa ter ocorrido em 1994, somente um ano após

é que suas obras tiveram início. Não obstante o retardo para o começo das obras o mesmo

também já era para ter findado, mais precisamente em 2000, porém, não tem prazo para ser

concluído. “As obras de primeira fase, devido a irregularidades, sofreram atrasos e parte foi

malfeita, informa a Superintendência de Instrumentos de Gestão Ambiental. Dos investimentos

previstos para a primeira fase, de US$ 1,2 bilhão, já foram gastos US$ 989,3 milhões” 3.

A missão do PDBG, segundo auditoria operacional no Programa de Despoluição da

Baía de Guanabara elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro “é a

1 Disponível em http://www.portalbaiadeguanabara.org.br/portal/exibe_sub.asp?id_sub=47, acesso de 14 de janeiro de 2014. 2 Despoluição gastará 793 milhões de dólares em cinco anos, in Revista FEEMA, vol. 3, num.16, Nov/dez, 1994, p.33. 3 Disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4433067-EI8139,00.html, acesso de 14 de janeiro de 2014.

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implantação dos sistemas, das obras e do aparelhamento físico e aperfeiçoamento humano dos

órgãos operadores. Os órgãos operadores serão os responsáveis pela operação dos sistemas

entregues e pela implementação das ações previstas”. 1 Diante disto, as obras que foram

entregues já não são controladas ou monitoradas pela Superintendência Executiva do

Programa de Despoluição da Baía de Guanabara – ADEG (órgão criado pela CEDAE para

gerenciar os projetos do PDBG).

O Programa que compreende a Baía da Guanabara perfaz um total de cerca de

4.400km², abrangendo sua Bacia Hidrográfica – cerca de 4.000km² com características

topográficas contrastantes que incluem desde áreas montanhosas como planas de baixada e

restingas, mangues e praias 2e uma área de 390km², que inclui 50km² de ilhas e ilhotas. A

Bacia da Baía de Guanabara possui uma rede hidrográfica contribuinte formada por

aproximadamente 35 rios principais e 228 sub-bacias.3 Dentre os principais rios que deságuam

na Baía de Guanabara os que possuem maior bacia de drenagem são Guapi/Macacu, o

Cacerebu e o Iguaçú que formam meandros e deltas estuarinos cobertos de extensos

manguezais.

1, BITTENCOURT, Ana Lúcia Costa, ET AL, Auditoria operacional no Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, p. 2. 2 COELHO, Victor Monteiro Barbosa, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2007 Baía de Guanabara: uma história de agressão ambiental, p.36. 3 Projeto de Educação Ambiental Protetores da Vida – Baía de Guanabara, CIMA, 2001, p. 3.

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Principais Rios Afluentes à Baía de Guanabara

Fonte: Avaliação Ambiental Estratégica de Empreendimentos do PLANGAS, GNL e COMPERJ na Região em

torno da Baía da Guanabara (PPE 9082), p. 126.

Setorização do espelho d’água

Destacam-se entre os problemas identificados pelo Plano Diretor JICA aqueles

relacionados ao lançamento de esgotos sanitários de origem doméstica, dos efluentes

industriais, dos vazamentos de óleos e dos resíduos urbanos, hospitalares e industriais, ou

seja, os mesmos previstos no Projeto de 1988 que mencionamos no item anterior.

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Principais Fontes de Poluição

O Plano Diretor JICA elaborou diagnóstico onde foram definidas áreas prioritárias para

a implementação das medidas compensatórias ou mitigadoras.

Áreas Prioritárias do PDBG

O Programa foi planejado em três fases, sendo que a primeira delas ainda encontra-se

em andamento e é objeto precípuo deste trabalho:

§ Fase I – Programa de Despoluição da Baía de Guanabara.

§ Fase II – Programa de Recuperação Ambiental da Bacia da Baía de Guanabara.

§ Fase III – Programas Ambientais Complementares.

Definiram, como prazos limites para o alcance dos objetivos traçados, os anos de

2000 e 2010, respectivamente, para os objetivos de curto prazo (conclusão da Fase I) e médio

prazo (conclusão da Fase II). A Fase I do PDBG foi estruturada em cinco áreas de

intervenção, denominadas Componentes:

§ Componente I – Saneamento: esgotos sanitários e abastecimento d’água;

§ Componente II – Drenagem urbana (macrodrenagem);

§ Componente III – Resíduos sólidos;

§ Componente IV – Programas ambientais complementares;

§ Componente V – Mapeamento digital.

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De acordo com a auditoria do Tribunal de Contas do Estado, Fase II do PDBG visa

complementar as obras realizadas na primeira, tendo como foco principal a gestão ambiental

(monitoramento e controle do uso de recursos naturais) e a Fase III destina-se a

complementar as obras realizadas em ambas as fases anteriores, visando, fundamentalmente,

fortalecer as instituições públicas que atuam ambientalmente. 1

Verificamos que no site da CEDAE, a seguinte proporção dos valores investidos no

PDBG:

Investimentos do PDBG

Obras Investimento

Esgotamento sanitário U$ 139.500.215,47

Abastecimento de água U$ 157.241.332,24

Macrodrenagem U$ 11.071.956,78

Resíduos sólidos U$ 11.560.226,73

Mapeamento digital U$ 3.449.518,68

Programas ambientais

complementares U$ 4.191.716,12

2

Sem sombra de dúvida os valores mais expressivos foram gastos em esgotamento

sanitário e abastecimento de água. Podemos afirmar que os valores gastos com Mapeamento

Digital e Programas Ambientais Complementares foram muito bem empregados, pois

possibilitaram a aglutinação de dados a serem constantemente pesquisados e trabalhados bem

como a conscientização das indústrias em tratar de seus efluentes, assim como da população

quanto à importância da preservação ambiental.

1 Auditoria operacional no Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, BITTENCOURT, Ana Lúcia Costa, ET AL, Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, p. 4. 2 Disponível em http://www.cedae.com.br/raiz/080.ASP, acesso de 14 de janeiro de 2014.

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2.1. – Resultados financeiros do Programa

Verificamos acima que, em 1994, os recursos para o financiamento da primeira fase

do PDBG provinham de organismos internacionais (Banco Interamericano de Desenvolvimento

– BID e Japan Bank for International Cooperation – JBIC), contando com a contrapartida do

Estado do Rio de Janeiro, recursos esses da ordem de US$793 milhões. No apagar das luzes

de 2005, foi revisto o valor total do Programa para US$1.169 milhões que representou um

aumento da ordem de 48% (quarenta e oito por cento) do previsto quando da assinatura do

convênio de colaboração. A alocação dos recursos foi distribuída em cinco categorias de

investimento, devidamente firmadas nos contratos de financiamento conforme os

Componentes do Programa 1.

Do total contribuído pelo BID para o financiamento do Programa – US$350 milhões –

não se alterou, sendo que foram assinadas sete prorrogações de prazo. A última prorrogação,

de 05.10.05, estabeleceu como data final para desembolso do BID 09.01.06. 2

No que tange ao montante contribuído pelo JBIC, esta entidade financiou US$287,9

milhões do valor orçado do PDBG. Tal quantia destinou-se a financiar “100% (cem por cento)

das construções das Estações de Tratamento de Esgotos – ETE, 100% (cem por cento) das

despesas com estudos, projetos e supervisão dessas construções e 35% dos recursos previstos

para a implantação das (cinco) redes coletoras de esgotos” 3. Esse contrato foi aditado em 25

de novembro de 2003 passando a prorrogação do prazo final de desembolso para 25.12.06.

Conforme contrato com o JBIC, a contrapartida do Estado em 1994 era US$150

milhões de dólares, todavia esses valores passaram para US$531,4 milhões em dezembro de

2005, incluindo os recursos previstos para a implantação das redes coletoras de esgotos que

representava o aporte de 65% (sessenta e cinco por cento). Foram aplicados no PDBG 80,42%

do seu orçamento até 31.12.05, equivalente a US$940.331.534,07, restando o correspondente

a US$228.972.800,88 para serem aplicados.

1 Auditoria operacional no Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, BITTENCOURT, Ana Lúcia Costa, ET AL, Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, p. 4. 2 Idem, ibidem. 3 Idem, p. 5.

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Recursos segundo as fontes (Em milhões de US$)

Por conta de atrasos no cronograma das obras e serviços, houve cancelamento por

parte do BID da última parcela a ser desembolsada. Segundo o Contrato 916/SF, o valor

representa o montante de US$634.746,60 e não foi resgatada até 09.01.2006. Como o prazo

foi ultrapassado não existem mais recursos do BID para serem aplicados no PDBG.

Registre-se aqui que a maior variação na planilha de gastos previstos do Programa

(307,3%) deu-se na categoria “Gastos Financeiros” (quadro 4), cuja responsabilidade estava a

cargo do Governo do Estado. Tal variação deveu-se, principalmente, às parcelas referentes à

Comissão de Crédito (69,0%) e ao pagamento dos Juros (228,5%).

Variação do orçamento para “Gastos Financeiros” em milhões de dólares

Só a título de juros, nosso governo estadual pagou, até 31.12.05, cerca de

US$259.888.402,79 (US$218.553.992,79, ao BID, e US$41.334.410,00, ao JBIC).

Não bastasse ter perdido a última parcela a ser aportada pelo BID, por conta dos

atrasos no cronograma de obras e serviços obrigaram nosso governo estadual a “arcar com

despesas da ordem de US$7.207.187,69, decorrentes do pagamento de Comissão de Crédito,

por não utilizar os recursos disponibilizados dentro do prazo estabelecido na planilha de

desembolso acordada” 1.

Merece destaque o fato de que para a construção das obras de saneamento, como os

coletores tronco de Alegria, “foram utilizados recursos provenientes do Fundo Estadual da

1 Idem, ibidem.

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Saúde e do Fundo de Combate à Pobreza (programas do governo estadual)” 1, embora ainda

seja controversa a legalidade da aplicação de verbas desses fundos, em obras de saneamento.

Além de causarem prejuízos aos cofres públicos estaduais, os constantes atrasos no

pagamento de despesas, para a execução de obras, demonstram a deficiência na

administração financeira por parte do Governo do Estado, especialmente nessas obras de

elevada relevância ambiental e social.

O Tribunal de Contas verificou que face o orçamento do Estado do Rio de Janeiro para

2006 não ser suficiente para as conclusões das obras e projetos da Primeira Fase do PDBG, a

previsão de conclusão das obras seria em dezembro de 2008 já na gestão do Governo atual. A

antiga administração antes de passar o governo, se comprometeu a “dar continuidade à

implementação das obras remanescentes, nos próximos anos”, conforme correspondência ao

JBIC, de 24.02.06 (Relatório do Escopo Revisado do PDBG) 2.

3. A Gestão Ambiental atual da Baía de Guanabara

3.1. – Gestão

Dentre as iniciativas de Gestão Ambiental da Baía de Guanabara podemos citar a

criação do Grupo dos 15, envolvendo os municípios que a compõem, e a iniciativa da criação

dos comitês. Mister se faz destacar os programas de obras de despoluição da baía, não só

gerenciados pelo Governo (PGBD), como também de empresas privadas, em especial o Termo

de Compromisso para Ajuste Ambiental (TCAA), da Petrobrás, entre outros.

Criado pelo Decreto nº 26.174, de 14 de abril de 2000, o Conselho Gestor da Baía de

Guanabara foi a primeira autoridade de gestão da Baía de Guanabara, como parte do

Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro, entretanto o mesmo já não se reúne a muito

tempo. 3

O Decreto nº 38.260, de 16 de setembro de 2005, com base nas diretivas da Lei nº

9.433 de 1997, criou o Comitê da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara e dos Sistemas

Lagunares de Maricá e Jacarepaguá, no âmbito do Sistema Estadual de Gerenciamento de

Recursos Hídricos. A Secretaria Executiva está localizada na Rua Marquês de Paraná, 110,

Centro, Niterói. Segundo o site do Instituto Nacional do Ambiente – INEA, dezessete

municípios integram o comitê, a saber:

Total: Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Tanguá, Guapimirim, Nilópolis, Duque de Caxias,

Belford Roxo, Mesquita, São João de Meriti e Magé;

1 Idem, p. 6. 2 Idem, ibidem. 3 COELHO, Victor Monteiro Barbosa, op. Cit. p. 210

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Parcialmente: Maricá, Rio Bonito, Cachoeiras de Macacu, Petrópolis, Nova Iguaçu e

Rio de Janeiro.

O mandato é transitório de 90 (noventa) dias, sendo o último previsto no site do INEA

de 30 de março a 30 de junho de 2010.

O Plenário é composto por 60 (Sessenta) membros com direito a voto. Destes, 20

Usuários da Água, 20 da Sociedade Civil e 20 do Poder Público entre eles (Governo Federal,

Estadual e Municipal. Possui três câmaras técnicas: CT institucional e legal; CT gestão, estudos

e projetos; e CT educação ambiental e mobilização social. Adotou como instrumento de

planejamento da bacia o Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH).

A Diretoria é colegiada por seis membros, a saber: Diretor Geral: Carlos Alberto V.

Muniz – Vice-Prefeito do RJ; Vice-Diretor: Friedrich Wihelm Herms (UERJ); Secretário

Executivo: Claudia Barros Afonso e Silva (Águas de Niterói); Diretores: Guilherme Frederico

Flach – CCRON, José Carlos dos Santos Perrout – RJ Refresco e Roberto Terranova Barbério –

SMAPCM. 1

O Comitê da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara e dos Sistemas Lagunares de

Maricá e Jacarepaguá tem funcionado precariamente, tentando se reunir três vezes ao ano, e

não consegue que seus subcomitês trabalhem integradamente. “Os subcomitês do Leste da

Baía de Guanabara e do Oeste conseguem funcionar, ainda que precariamente, porém, os

Sub-Comitês de Maricá, Itaipu/Piratininga, Jacarepaguá e Lagoa Rodrigo de Freitas não estão

funcionando” 2. A Lagoa Rodrigo de Freitas apresenta uma visibilidade muito diferente dos

últimos anos e segundo o sentimento dos velejadores do Clube Caiçaras a água não está mais

poluída como na década passada.

O novo sistema de gestão integrado pelo órgão colegiado – Comitê da Região

Hidrográfica da Baía de Guanabara e dos Sistemas Lagunares de Maricá e de Jacarepaguá e

pelo órgão gestor de recursos hídricos (SERLA incorporada ao INEA) e ambiental (INEA)

deverá ser posto em prática com a implantação do cadastro de usuários e demais

instrumentos, devendo ser posteriormente criada a agência de bacia, prevista na lei nº

3.239/99.

Segundo o estudo elaborado neste ano pelo Laboratório Interdisciplinar de Meio

Ambiente – LIMA, “uma das razões pelo mau funcionamento é a inexistência de recursos

financeiros, pois a cobrança pela captação de água já vem sendo realizada, mas ainda não há

cobrança pelo lançamento de efluentes.” 3 A Lei n.º 4.247, de 16 de dezembro de 2003, dispõe

sobre a cobrança pela utilização dos recursos hídricos de domínio do Estado do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, cabe ao INEA, órgão responsável pela gestão e execução da política estadual de

1 Disponível em http://www.inea.rj.gov.br/recursos/com_bguanabara.asp, acesso de 14 de janeiro de 2014. 2 Avaliação Ambiental Estratégica de Empreendimentos do PLANGAS, GNL e COMPERJ na Região em torno da Baía da Guanabara (PPE 9082), pág. 251 Disponível em http://www.lima.coppe.ufrj.br/lima/pages/pagina.php?id=projetos/ipga/02, p. 69, acesso em 14 de janeiro de 2014. 3 Idem, Ibidem.

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recursos hídricos, sua cobrança, sob a supervisão da Secretaria Estadual de Ambiente/SEA. O

INEA além da competência para cobrança, com sua arrecadação deve distribuir e aplicar essas

receitas, “de acordo com o plano de incentivos e aplicação de receitas definidos pelos comitês

das respectivas bacias hidrográficas, onde estiverem organizados, em articulação com as

prioridades apontadas pelo Plano de Bacia Hidrográfica”. 1

De acordo com exigência estabelecida na Agenda 21 e na política dos recursos hídricos

é fundamental a participação da sociedade no processo de planejamento e gestão do espaço

público. É necessária a parceria governo/sociedade civil e esse processo necessita ser

trabalhado melhor. A bacia hidrográfica é o espaço natural ideal para o exercício da

participação da sociedade, porque têm limites identificáveis permitindo ao cidadão entender as

causas dos problemas ambientais locais e facilitando sua correção, mas infelizmente ainda

teremos um longo caminho a trilhar na conscientização desses problemas. A receita, produto

da cobrança, está vinculada ao Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FUNDRH).

Como verificamos acima, lei nº 3.239/99 previu a criação da agência de bacia e, a sua

não criação da agência de água no âmbito dos comitês transformou o governo em agência de

água para todo o estado. Dessa forma, para se cobrar foi criado mais um imposto pelo

governo e diminuiu o interesse das empresas em participar na melhoria da bacia hidrográfica.

Cumpre destacar que segundo a legislação em vigor, do montante arrecadado com a

cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio estadual, 90% devem ser aplicados na

Região Hidrográfica que gerou os recursos, em ações e projetos constantes do Plano de

Investimentos aprovado pelo respectivo Comitê de Bacia, e os outros 10% no órgão gestor de

recursos hídricos do Estado. 2

É importante ressaltar, porém, conforme disposto no INEA, os valores disponíveis para

aplicação não são exatamente iguais àqueles valores arrecadados na respectiva região

hidrográfica, uma vez que há dedução de taxas bancárias e, no caso das Regiões do Guandu e

do Paraíba do Sul, há a obrigatoriedade de 15% dos valores arrecadados no Guandu serem

aplicados no Paraíba do Sul, em virtude da transposição para abastecimento da Região

Metropolitana do Rio de Janeiro.

Por fim, podemos concluir lastreados no estudo do LIMA que, apesar dos esforços,

ainda não foram alcançados um grau mínimo de efetividade na implantação de um sistema de

gestão ambiental integrado na bacia da Baía de Guanabara “e as principais causas são:

agregação de outras bacias hidrográficas ao Comitê da BG; ausência de uma Agência de Bacia

para captar recursos e aplicá-los, de acordo com as prioridades do Comitê”. 3

1 Idem, Ibidem. 2Disponível em http://www.inea.rj.gov.br/mais/financeiro.asp, acesso de 14 de janeiro de 2014. 3 Idem, Ibidem.

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3.2. – Plano

A região hidrográfica da Baía de Guanabara apresenta questões sociais econômicas

bastante complexas, pelo fato de abrigar uma população de aproximadamente 10 milhões de

habitantes, situação agravada pelo grande volume de indústrias e pela grande massa urbana,

inclusive de favelas (sem o tratamento sanitário destas).

O Plano Diretor de Recursos Hídricos – PDRH buscou reforçar a redução de agentes

poluidores de esgotos industriais, domésticos e de lixo lançados na Baía de Guanabara, dentro

da ação do PDBG. Em recursos hídricos o PDRH propõe a racionalização do uso da água,

melhor aproveitamento dos mananciais subterrâneos e de superfície e controle de inundações.

Desta forma, quanto à questão “quantidade de água”, o PDRH propõe:

- programa de combate ao desperdício de água (controle de perdas);

- programa de ativação dos recursos hídricos de superfície (construção de três

barragens e derivações);

- programa de aproveitamento racional de água subterrânea.

Quanto ao controle de poluição urbana e industrial o PDRH propõe os seguintes

programas:

- programa de expansão da coleta e tratamento dos esgotos sanitários;

- programa de controle de lançamento de efluentes industriais;

- programa de coleta e disposição final adequada dos resíduos sólidos. 1

O Plano Diretor de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara -

PDRH-BG constitui-se em mais um dos Projetos desenvolvidos no âmbito dos Programas

Ambientais Complementares - PAC, como parte do Programa de Despoluição da Baia de

Guanabara - PDBG. O PDRH-BG foi elaborado pelo Consórcio Ecologus-Agar, vencedor da

Concorrência Nacional CN 003/2002 - FEEMA-BID, com financiamento do Banco

Interamericano de Desenvolvimento - BID e sob a supervisão da Fundação Estadual de

Engenharia do Meio Ambiente – FEEMA, que foi absorvida pelo INEA, e da Fundação

Superintendência Estadual de Rios e Lagoas - SERLA, órgãos vinculados à Secretaria de Estado

do Ambiente. 2

De acordo com o mencionado estudo do LIMA, quanto ao eixo de infra-estrutura

social e urbana

“foi definida como estratégia a universalização do acesso à energia elétrica até 2008 (Luz

para Todos); a melhoria das condições de vida da população, garantindo a ampliação do

sistema de esgotamento sanitário; despoluição das baías de Guanabara e Sepetiba, das

bacias dos rios Botas e Sarapuí; ampliação do sistema de abastecimento de água da Região

Metropolitana do Rio de Janeiro (Novo Guandu, dentre outros); remoção de moradias

1 COELHO, Victor Monteiro Barbosa, op. Cit. p. 211. 2 Disponível em http://www.cibg.rj.gov.br/detalhenoticias.asp?codnot=363&codman=22, acesso de 28 de janeiro de 2014.

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localizadas em beiras de córregos e áreas de risco: Rio de Janeiro (Rocinha, Alemão,

Manguinhos, dentre outros)”.1

Recentemente decidiu-se implantar o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro

(COMPERJ) em Itaboraí e São Gonçalo um dos principais empreendimentos industriais das

últimas décadas no Brasil. Assim, ganha especial relevo a gestão dos recursos hídricos por se

tratar de uma bacia hidrográfica consideravelmente contaminada. Ainda existem rios que

deságuam na Baía como verdadeiro céu aberto de esgoto.

3.3. – Outorga

Verificamos anteriormente que quando tratamos da Gestão que a Lei Estadual nº

3.239, de 02 de agosto de 1999, que instituiu a Política Estadual de Recursos Hídricos. No

inciso V, art. 5º, dispõe que a outorga do direito de uso dos recursos hídricos é um dos sete

instrumentos de gestão.2

A outorga é o ato administrativo de autorização dada pela Diretoria de Licenciamento

Ambiental – DILAM/ pertencente ao Instituto Estadual do Ambiente – INEA, o órgão gestor de

recursos hídricos, que regulamenta o uso da água, facultando ao outorgado o direito de uso

dos recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, por prazo determinado, nos termos e nas

condições expressas no respectivo ato, com o objetivo de controlar a sua utilização

quantitativa e qualitativamente, e o efetivo exercício dos direitos de acesso aos recursos

hídricos. Através dela tem-se o acesso à água, garantindo a sua disponibilidade para todos os

usuários de uma mesma bacia.

São da competência do INEA, os atos de autorização de usos dos recursos hídricos no

Estado do Rio de Janeiro (outorga, seu cancelamento, a emissão de reserva de disponibilidade

hídrica para fins de aproveitamentos hidrelétricos e sua consequente conversão em outorga de

direito de uso de recursos hídricos, bem como perfuração e tamponamento de poços tubulares

e demais usos).

De acordo com o inciso V, do art. 25 do Decreto nº 41.628, de 12 de janeiro de 2009,

a edição desses atos, cabe à Diretoria de Licenciamento Ambiental – DILAM.

A autorização da outorga é publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. As

declarações de uso insignificante e de reserva hídrica, autorizações de perfuração de poços

tubulares e demais atos são publicados no Boletim de Serviço do INEA.

É necessária a outorga para:

Derivação ou captação de parcela de água existente em um corpo de água, para

consumo;

1 Avaliação Ambiental Estratégica de Empreendimentos do PLANGAS, GNL e COMPERJ na Região em torno da Baía da Guanabara (PPE 9082), pág. 251 Disponível em http://www.lima.coppe.ufrj.br/lima/pages/pagina.php?id=projetos/ipga/02, p. 69, acesso de 28 de janeiro de 2014, p. 88. 2 Disponível em http://www.inea.rj.gov.br/recursos/outorga_apresentacao.asp, acesso de 28 de janeiro de 2014.

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Extração de água de aquíferos;

Lançamento em corpo d’água, de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos,

tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

Aproveitamento de potenciais hidrelétricos;

Outros usos que alterem o regime, quantidade ou qualidade da água existente

em um corpo hídrico.

Sendo a água utilizada para fins diversos, tais como: geração de energia,

abastecimento, navegação, recreação, preservação ambiental, paisagismo etc., podem existir

conflitos de interesse quanto ao seu uso numa mesma região, e por isso é tão necessária à

outorga.

Há casos em que a outorga não é necessária, a saber:

O uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades individuais ou de

pequenos núcleos populacionais, em meio rural ou urbano, para atender as

necessidades básicas da vida;

O uso de vazões e volumes considerados insignificantes, para derivações,

captações e lançamentos.

Observação: O uso insignificante não desobriga o respectivo usuário do atendimento

de deliberações ou determinações do INEA.

3.3.1. – Lançamentos de Efluentes

Conforme disposto no parágrafo 2º do artigo 22 da Lei Estadual nº 3.239, “A outorga

para fins industriais somente será concedida se a captação em cursos de água se fizer a

jusante do ponto de lançamento dos efluentes líquidos da própria instalação, na forma da

Constituição Estadual, em seu artigo 261, parágrafo 4º”.1

3.4. – Enquadramento

Resolução CONAMA nº 357, de 17 de março de 2005, dispõe sobre a classificação dos

corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as

condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. No seu artigo 2º

contém trinta e sete definições importantes, entretanto destacamos as três primeiras onde são

qualificadas as águas em percentuais de salinidade.

“I - águas doces: águas com salinidade igual ou inferior a 0,5 %;

1 Disponível em http://www.inea.rj.gov.br/recursos/outorga_apresentacao.asp, acesso de 28 de janeiro de 2014.

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II - águas salobras: águas com salinidade superior a 0,5 % inferior a 30 5%;

III - águas salinas: águas com salinidade igual ou superior a 30 %;” 1

Em 1980, entretanto, a Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) aprovou a

classificação das águas da Baía de Guanabara através da Diretriz 105. Restou estabelecido no

Enquadramento aprovado que somente as águas das áreas portuárias dos municípios do Rio

de Janeiro e Niterói, seriam destinadas a usos menos nobres de navegação e harmonia

paisagística.

Elizabeth Lima aduz que “para o restante da Baía de Guanabara, foram definidos os

usos de proteção das comunidades aquáticas e de recreação, como usos preponderantes

pretendidos”. 2

Prossegue seu estudo com a assertiva de que “com base na experiência brasileira e

internacional sobre o tema de qualidade de água de estuários, o indicador mais relevante para

representar o problema de qualidade de água da Baia de Guanabara é a Demanda Bioquímica

de Oxigênio (DBO)”. 3Esse indicador nos ajuda a tratar das informações sobre eutroficação da

Baía de Guanabara, tornando mais fácil assimilação dos dados e melhorando o nível das

pesquisas. Como examinamos nos antecedentes do PDBG, já em 1960 apontavam-se altos

índices de DBO na Baía de Guanabara e, portanto esse indicador é considerado como

fundamental para os tomadores de decisão e para a sociedade.

Em virtude da Resolução CONAMA 20, de junho de 1986, o Brasil adotou como

valores de referência para garantia dos usos pretendidos “os valores de 5 mg/L para garantia

do uso para proteção das comunidades aquáticas e recreação e 10 mg/L, para os usos menos

nobres de navegação e harmonia paisagística”.4Registre-se que segundo a pesquisadora e

Subsecretária de Estado de Política e Planejamento Ambiental, tais valores de referência foram

utilizados pela JICA nos anos de 2002 e 2003.

A literatura especializada aduz que DBO menor que 10 mg/L evita condições de

anaerobiose na baía.

De acordo com Cartilha do Plano Diretor de Recursos Hídricos – PDRHBG de

26/01/2007,

“o enquadramento dos rios em classes segundo os usos preponderantes de suas águas é

instrumento fundamental no gerenciamento dos recursos hídricos e no planejamento

ambiental. A Proposta de Enquadramento dos Corpos d’Água apresentada no PDRHBG

indica o nível de qualidade (classe) em que devem ser mantidos os diversos trechos de

rios em função do uso previsto de suas águas, organizando as atividades que se instalarão

1 Disponível em http://www.dicionario.pro.br/dicionario/index.php/Resolu%C3%A7%C3%A3o_CONAMA_n%C2%BA_357/2005, acesso de 28 de janeiro de 2014. 2 LIMA, Elizabeth Cristina da Rocha, Qualidade de Água da Baía de Guanabara e Saneamento: uma abordagem sistêmica, Tese de Doutorado do PPE/UFRJ, 2006, p.28/29. 3 Idem, p. 29. 4 Idem, Ibidem.

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nas bacias hidrográficas e as medidas de prevenção e recuperação dos recursos hídricos

que devem ser tomadas”. 1

3.5. – Rede de Monitoramento

A Gerência de Controle de Qualidade de Água – GCQ é o Órgão da CEDAE responsável

pelo monitoramento e Controle de Qualidade da água produzida e distribuída na Região

Metropolitana do Rio de Janeiro. Os padrões de potabilidade da água foram estabelecidos pelo

Ministério de Saúde através da Portaria 518/2004 e o monitoramento da água na rede de

distribuição e nos mananciais utilizados pelas Estações e Unidades de Tratamento é realizado

pela CEDAE. “A GCQ dispõe de uma força de trabalho de 222 colaboradores e uma frota de 18

veículos leves e pesados, destacando-se o Laboratório Móvel para atendimentos rotineiros e

emergenciais que se façam necessários.” 2

Para garantir a Qualidade da Água produzida e distribuída, a GCQ trabalha 24 horas

por dia, realizando coletas de amostras de água ao longo de toda a rede de distribuição, onde

são priorizados os locais de maior consumo, entre os quais, destacam-se hospitais, shoppings

e escolas. 3

São realizados, mensalmente, cerca de 30.000 análises entre parâmetros,

Hidrobiológicas, Microbiológicos, Químicos e Físico-Químicos. Aduz a Companhia que realiza,

em conjunto com os Distritos Regionais de Água e Esgoto, ações eficientes e de atendimento

rápido por equipes especializadas a fim de que possam ser sanadas eventuais anormalidades

que possam advir de sua rede de distribuição. A Gerência de Controle de Qualidade realiza

todo o monitoramento nos 26 Sistemas de Produção, 27 Mananciais e nos 15 mil quilômetros

da Rede de Distribuição, encaminhando às Vigilâncias Sanitárias do Estado e Municípios da

Região Metropolitana, que são os órgãos fiscalizadores da qualidade da água distribuída pela

CEDAE à população. 4

São encontrados no site da CEDAE, no link Qualidade de Água, os resultados das

análises da água tratada distribuída, assim como a mesma encaminha a seus clientes tais

resultados na conta de água, além de serem afixados em sua Sede. São divulgados,

semestralmente, na Imprensa Oficial e em Jornais de grande circulação, todas as Análises de

Água realizadas pela CEDAE. 5

Além da CEDAE, o INEA realiza bimestralmente o monitoramento em 13 estações de

amostragem da Baía de Guanabara. São monitoradas na bacia contribuinte trinta e oito

1 Disponível em http://www.cibg.rj.gov.br/detalhenoticias.asp?codnot=363&codman=22, acesso de 28 de janeiro de 2014. 2 Disponível em http://www.cedae.com.br/, acesso de 28 de janeiro de 2014 3 Idem. 4 Idem. 5 Idem.

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estações de amostragem, “com o objetivo de acompanhar os principais indicadores físico-

químicos, biológicos e bacteriológicos, bem como a qualidade dos sedimentos e da biota”. 1

3.6. – A importância da despoluição da Baía de Guanabara

É fato que degradação ambiental da Baía de Guanabara acarreta inúmeros impactos

ao ecossistema, à socioeconomia e à saúde da população que vive ao seu redor. É necessário,

portanto, haver uma concepção sistêmica da questão ambiental capaz de ensejar a formulação

de diretrizes adequadas a uma gestão ambiental eficiente (capacidade de reduzir custos),

eficaz (capacidade de atingir meta planejada ou prevista) e efetiva (capacidade de estabelecer

metas socialmente relevantes). 2

Atualmente, verificamos que pelo mundo afora, os corpos d’água têm usos múltiplos e

variados. Não raro, existem conflitos desses usos e apesar de serem de difícil coexistência

podem ser harmonizados através de uma gestão ambiental eficiente. Esse é justamente o caso

da Baía de Guanabara, onde o uso industrial conflita com o lazer, seja na utilização das praias,

seja nas atividades náuticas como também na pesca comercial e recreativa.

É certo que o turismo é uma das molas propulsoras da economia e não devemos

perder de vista esta vertente, portanto, recuperar o espelho d’água da Baía de Guanabara é

vital para o incremento do ecoturismo, lazer náutico, regatas, pesca esportiva, iates clubes,

marinas que trarão divisas para nosso Estado. Nada melhor do que aproveitar esse momento

esportivo que nossa cidade está prestes a receber – Copa do Mundo e Olimpíadas – para

revitalizar aquele que, certamente, é um dos cartões postais mais presentes nas fotografias

mundo a fora, seja com a enseada de Botafogo e o Cristo Redentor ao fundo, seja do Pão de

Açúcar e a enseada de Botafogo.

Sendo caminho necessário para a chegada de todos os transatlânticos, carregados de

turistas de toda parte do Planeta carece da atenção de todos, em especial do Poder Público

que sempre demora a atender as necessidades da população, ainda mais no quesito

despoluição da Baía de Guanabara. A tão pretendida revitalização dos portos e de sua

consequente região portuária, poderiam trazer para aquela região diversas atrações turísticas,

gastronômicas, comerciais e de contemplação paisagística.

É imperioso, portanto, que o PDBG seja tratado com a importância que ele merece,

contando com a colaboração do Poder Público, da sociedade, das indústrias poluidoras da Baía,

a fim de que haja sustentabilidade desse ecossistema. Para tanto, melhorar a qualidade das

1 Disponível em http://www.inea.rj.gov.br/fma/baia-guanabara.asp, acesso de 28 de janeiro de 2014. 2 SILVA, Heliana Vilela de Oliveira, O uso de indicadores ambientais para aumentar a efetividade da gestão ambiental municipal, Tese de Doutorado do PPE/UFRJ, 2008, p. 205.

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águas da Baía de Guanabara é fundamental que sejam levadas a sério todas as ações

previstas no Plano de Despoluição ou em outros que vierem a substituí-lo.

3.7. – Programa de Autocontrole de Efluentes Líquidos (Procon Água)

De acordo com a Diretriz do Programa de Autocontrole de Efluentes Líquidos DZ nº

942 R-7, aprovadas pela Deliberação CECA nº 1.995, de 10 de outubro de 1990, estão sujeitas

ao PROCON ÁGUA todas as atividades efetivas ou potencialmente poluidoras de água. Por

intermédio do Relatório de Acompanhamento de Efluentes – RAE, as indústrias devem fornecer

informações das características qualitativas e quantitativas de seus efluentes, a intervalos de

tempo previamente estabelecidos. 1

No item 3.3.1, verificamos en passant que a outorga para fins industriais, só será

concedida se a captação da água for feita a jusante do ponto de lançamentos de efluentes

líquidos da própria instalação. Neste tópico, deve ser ressaltado que se faz necessário à

vinculação de todos os usuários de recursos hídricos ao PROCON ÁGUA. Usuários são todos

que dependem das águas dos rios, córregos, lagos, poços artesianos e freáticos do Estado do

Rio de Janeiro, como indústrias, agricultores, piscicultores, mineradores, prefeituras,

comerciantes e usuários domésticos. Basta captar água de rios ou lagoas, extrair água de poço

ou lançar esgotos de forma direta ou indireta em corpo hídrico.

Registre-se aqui que o informativo sobre o PROCON Água encontra-se em

manutenção, daí porque apenas apresentaremos o que vem a ser o Programa.

O INEA, como examinado anteriormente é o órgão responsável pela gestão dos

recursos hídricos do Estado do Rio de Janeiro e, em conjunto com a Agência Nacional de Águas

– ANA está trabalhando no sentido de ampliar a regularização dos usos e usuários de recursos

hídricos no Estado. 2

Para facilitar esse processo de regularização, a ANA disponibilizou recentemente o

Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos – CNARH, visando unificar os cadastros de

usuários de águas de domínio da União e dos Estados. “A partir de agora, o CNARH também é

pré-requisito para a solicitação de Outorga de direito de uso no Estado do Rio de Janeiro”. 3

São utilizados como documentos de referência os seguintes, a saber: NT-202 – que

trata de Critérios e Padrões para Lançamento de Efluentes Líquidos; DZ-205 - Diretriz de

Controle de Carga Orgânica em Efluentes Líquidos de Origem Industrial; NT-213 - Critérios e

Padrões para Controle da Toxicidade em Efluentes Líquidos Industriais; MF-402 - Método de

Coleta de Amostra em Efluentes Líquidos Industriais e também a Resolução CONAMA nº 20/86,

de 18 de junho de 1986.

1 SCHEEFFER, Milena, Uma avaliação do controle industrial do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara: O caso das 55 Indústrias Prioritárias, Tese de Doutorado do PPE/UFRJ, 2001, p. 44. 2 Disponível em http://www.inea.rj.gov.br/cadastro/c_usuario.asp, acesso de 28 de janeiro de 2014. 3 Idem.

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São definidas pela Diretriz 942 R-7 como Atividades Poluidoras aquelas que causam

qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente através

de qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou

indiretamente: seja nociva ou ofensiva à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações;

crie condições inadequadas de uso do meio ambiente para fins públicos, domésticos,

agropecuários, industriais, comerciais e recreativos; ocasione danos à fauna, à flora, ao

equilíbrio ecológico, às propriedades públicas e privadas ou à estética e não esteja em

harmonia com os arredores naturais.

Efluentes Líquidos são definidos como despejos líquidos provenientes de

estabelecimentos industriais e comerciais, de condomínios e loteamentos em suas fases de

implantação ou de operação tais como: efluentes de processos industriais, águas pluviais e

águas de refrigeração passíveis de contaminação e esgotos sanitários.

Os Compostos Orgânicos Tóxicos são substâncias orgânicas causadoras dos Seguintes

efeitos: tóxicos agudos ou crônicos no homem e em organismos aquáticos; carcinogênicos,

teratogênicos ou mutagênicos ao homem ou aos animais; bioacumulativos na cadeia

alimentar; de concentração em sedimentos de rios, estuários e mares; de persistência no meio

ambiente; sinergéticos; e outros adversos aos ecossistemas aquáticos. São substâncias

identificadas principalmente nos seguintes grupamentos químicos: compostos organoclorados,

aminas aromáticas, compostos aromáticos polinucleares, pesticidas, nitrosaminas, ftalo-

ésteres, éteres, aromáticos e compostos organo-metálicos.1

Toxicidade é a capacidade de um efluente liquido provocar um efeito observável em

um organismo aquático vivo.

Monitoramento é a atividade que compreende a medição de vazão, coleta de amostra,

análise de campo e laboratorial e interpretação dos dados.

Os parâmetros serão determinados e reportados através da RAE e novos poderão ser

incluídos quando constatada a necessidade por parte da FEEMA/SEA. As análises de efluentes

líquidos para atendimento ao PROCON ÁGUA deverão ser efetuadas por laboratórios

credenciados pela FEEMA.

Nas análises para atendimento ao PROCON ÁGUA deverão ser adotados os métodos de

coleta e os princípios dos métodos de análises estabelecidos pela Comissão Estadual de

Controle Ambiental - CECA. Outros princípios poderão ser adotados desde que previamente

aprovados pela FEEMA.

Os boletins de análises feitas pelos laboratórios deverão ser arquivados na atividade

poluidora, ficando à disposição da FEEMA.

A atividade poluidora deverá estar dotada de um sistema que permita, a qualquer

momento, um monitoramento simultâneo ao realizado pela FEEMA.

1 Disponível em http://www.google.com/search?hl=en&q=DZ+n%C2%BA+942, acesso de 07 de fevereiro de 2014.

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A FEEMA poderá, a seu critério, fixar frequências, datas ou épocas para

monitoramento de qualquer parâmetro ou para apresentação do RAE, diferentes das fixadas,

para atender a casos de acidentes, de condições atípicas de funcionamento, de características

sazonais dos corpos receptores e de características específicas da atividade. A frequência diária

corresponde aos sete dias da semana, ou em caso do não funcionamento da atividade nos fins

de semana, sem geração de efluentes nestes dias, a frequência corresponderá ao número de

dias de funcionamento na semana.

A coleta de amostras dos efluentes líquidos quer das atividades industriais quer das

atividades não industriais deverá ser feita de acordo com o MF-402, podendo ser simples ou

compostas. As amostras deverão ser representativas nas condições operacionais da atividade

ou de situações especialmente desfavoráveis de seu efluente no tocante à poluição hídrica. À

exceção das amostras simples coletadas para análise de cloro residual, pH, temperatura, óleos

e graxas, sulfetos, oxigênio dissolvido e compostos orgânicos voláteis, as demais deverão ser

compostas num espaço de tempo superior a 1 (uma) hora e inferior a 24 (vinte e quatro)

horas, a critério da FEEMA. Para atividades industriais que tenham paralisação ou redução de

produção no período noturno a primeira porção da amostra deverá ser coletada após o reinício

normal do lançamento dos efluentes provenientes do processo de fabricação. Para efluentes

gerados por tratamento em regime bateladas, o número de alíquotas (porção de amostras)

será igual ao de bateladas realizadas no dia. Para efluentes contínuos o número de alíquotas

será função do tempo de amostragem (pré-fixado) e o volume de cada alíquota proporcional à

vazão no instante da coleta. Quando houver várias coletas diárias elas deverão ser feitas em

intervalos de tempo iguais de forma a se obter uma amostra que represente as condições

médias do ciclo de funcionamento da atividade. No caso de frequência semanal (1/7) ou duas

vezes por semana (2/7), as coletas deverão ser realizadas em dias sucessivos abrangendo o

ciclo mensal de produção. Exemplo: frequência 1/7 realizar na primeira semana a coleta na

segunda-feira; na segunda semana na terça-feira; na terceira semana na quarta-feira, etc.;

frequência 2/7 realizar na primeira semana as coletas na segunda-feira e na quinta-feira, na

segunda semana na terça-feira e na sexta-feira, na terceira semana na quarta-feira e no

sábado, e assim sucessivamente.1

Quanto à medição de vazão dos efluentes líquidos do processamento industrial quando

estiverem misturados com os de esgotos sanitários para serem encaminhados a um

tratamento para remoção de carga orgânica, serão considerados a vazão total. As medições de

vazão deverão resultar de medidas instantâneas, simultâneas à coleta de amostras ou a leitura

de um medidor totalizador, de modo a se obter uma estimativa da vazão média no período de

coleta da amostra completa. Recomenda-se que a leitura da vazão seja efetuada a cada 15

minutos para vazões relativamente constantes e a cada 10 minutos para vazões muito

variáveis. Em casos especiais a FEEMA poderá determinar a instalação de um registrador

1 Idem.

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acoplado ao medidor de vazão do efluente líquido, ao equipamento de análise de pH ou de

outros parâmetros cuja leitura contínua se faça necessária.

CONCLUSÃO

Certamente, podemos dizer que o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara é o

maior conjunto de obras de saneamento básico dos últimos 30 anos no Estado do Rio de

Janeiro. Segundo a CEDAE, vale salientar que, do início de 2007 ao início de 2009, foram

concluídas algumas obras que se encontravam a muito paralisadas.1

Alegria, umas das Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), no Caju (zona portuária

do Rio), que por mais de 10 anos ficou abandonada às margens da Linha Vermelha, foi

concluída. Sem sombra de dúvidas parece-nos a obra mais importante do PDBG, e segundo a

CEDAE está reduzindo em 98% a carga poluidora dos 2,5 mil litros por segundo do esgoto

tratado pela estação, em que pese ter sido projetada para operar 5.000 litros por segundo.

Esperava-se que até o fim de 2011, fossem colocadas em funcionamento pela CEDAE

as estações de Tratamento de Esgotos de Sarapuí, Pavuna e São Gonçalo que, somadas,

tratarão cerca de 2,5 mil litros de esgotos por segundo. Segundo o site da CEDAE “as ETEs

Pavuna e Sarapuí já se encontram concluídas com capacidade instalada de 1500 L/s cada à

nível de tratamento secundário”2. Apesar de prontas, falta financiamento para conclusão das

obras de assentamento dos troncos coletores para estas duas ETEs. No dia 10 de junho

próximo passado, segundo informa o site da CEDAE foram reiniciadas as obras de construção

do tronco coletor de esgotos de Sarapuí com diâmetro 2000 mm, extensão total de 6.154

metros, profundidade média de 9 metros e 42 poços de serviço. Este tronco viabilizará o

esgotamento sanitário para a ETE Sarapuí dos municípios de Belford Roxo, São João de Meriti,

Mesquita e parte de Nova Iguaçu. Além do benefício da Interligação, ao final do percurso deste

tronco ao Tronco Coletor Nova Baixada que possibilitará também o esgotamento do município

de Nilópolis para referida ETE.

As Estações de Tratamento de Esgoto da Penha, na Av. Brasil, e da Ilha do

Governador, no Tauá, foram ampliadas mediante novos equipamentos, capacitando a primeira

a tratar 1.600 l/s, de modo a beneficiar 576.000 habitantes e a segunda, com capacidade para

525 l/s, atende outros 240.000 habitantes.3

São Gonçalo não teve a mesma sorte, talvez por falhas estruturais do projeto sua ETE

de Nível de Tratamento Primário, possui vazão projetada de 765 l/s, para beneficiar uma

população de 235.000 habitantes.

Segundo o ambientalista Sérgio Ricardo, membro da organização não governamental

(ONG) Verdejar, que acompanha desde o início o PDBG, metas ousadas foram comprometidas

1 Disponível em http://www.cedae.com.br/, acesso de 28 de janeiro de 2014. 2 Disponível em http://www.cedae.com.br/, acesso de 28 de janeiro de 2014. 3 Idem.

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pelo programa a fim de conseguir o financiamento do BID que até hoje não foram atingidas,

como por exemplo, a despoluição das 53 praias da Baía de Guanabara. 1Na Ilha do

Governador, em Paquetá e Magé verificamos praias impróprias ao banho e, mesmo assim, com

número grande de banhistas, principalmente crianças, no fim de semana. Como se vê não é

uma questão apenas ambiental, é problema maior que deve englobar a saúde pública.

O controle industrial também não ocorreu, “porque existem aproximadamente 10 mil

empresas na Baía de Guanabara e a maioria das suas grandes representantes não são

obrigadas a apresentar os requisitos ambientais, ou as que apresentam não são analisadas”. 2

Não menos importante, tiveram casos de superfaturamento de obras que foram

inclusive objeto de Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI – da Assembleia Legislativa do

Rio de Janeiro cujas conclusões foram entregues ao Ministério Público Federal Estadual a fim

de se apurar as responsabilidades, mas, até hoje não temos notícia de que alguém tenha sido

denunciado a responder pelo dinheiro desviado dos cofres públicos.

Como verificamos, o PDBG previu atuação em várias vertentes, como a racionalização

do uso e abastecimento da água, a melhoria dos serviços de coleta de lixo e o controle de

inundações. Um dos problemas, todavia, é que não há um sistema rígido de fiscalização.

Podemos acrescentar ainda a dificuldade por parte do Governo do Estado do Rio em cumprir a

agenda de pagamento de despesas das obras, sem entrar no mérito se as que captam os

efluentes domésticos seriam prioritárias ou não para uma saúde melhor e águas mais limpas

naquele que é certamente o cartão postal mais conhecido do Rio de Janeiro e exposto em

todas as notícias e fotos com o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor. A lição que se tira é que os

sucessivos governos trataram de maneira diferenciada o problema, quando o objetivo deveria

ser suprapartidário. O que se pretende chamar atenção com o presente trabalho é que o

desenvolvimento deve ser sustentável a fim de que se faça a entrega dos bens públicos às

futuras gerações.

Certamente temos um longo caminho a trilhar para que tenhamos algo parecido com

que os portugueses tiveram quando aqui aportaram pela primeira vez. Talvez com mais

seriedade e consciência da importância da preservação poderemos conseguir novos

empréstimos internacionais para se implementar o que se parou no tempo.

1 Disponível em http://portalexame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/noticias/despoluicao-da-baia-de-guanabara-completa-16-anos-com-poucos-avancos-560091.html, acesso de 07 de fevereiro de 2014. 2 Idem

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Referencias

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BITTENCOURT, Ana Lúcia Costa, ET AL, Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro,

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Saneamento: uma abordagem sistêmica, Tese de Doutorado do PPE/UFRJ, 2006.

Projeto de Educação Ambiental Protetores da Vida – Baía de Guanabara, CIMA, 2001.

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1988.

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SCHEEFFER, Milena, Uma avaliação do controle industrial do Programa de Despoluição

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SILVA, Heliana Vilela de Oliveira, O uso de indicadores ambientais para aumentar a

efetividade da gestão ambiental municipal, Tese de Doutorado do PPE/UFRJ, 2008.

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Doutrina

O Modelo de Processo Cooperativo e seus Protagonistas

Bernardo Guitton Brauer1

RESUMO

O presente artigo tem por escopo analisar de que maneira a colaboração por meio de

um processo cooperativo entre partes e magistrados contribui para o alcance da verdade como

materialização da Justiça, mostrando ainda de que forma o projetado Código de Processo Civil

brasileiro dispõe a esse respeito.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Cooperativo – Deveres Partes e Magistrado – Novo CPC Brasileiro.

ABSTRACT

The scope of this article is to analyze how the collaboration among parties and

magistrates through a cooperative procedure contributes to a reach of the truth as the

embodiment of justice, showing how the projected Brazilian Code of Civil Procedure provides in

this respect

KEYWORDS: Cooperation Process – Parts and Magistrate Duties – Brazilian New Code of Civil

Procedure.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O perfil colaborativo visto sob o prisma doutrinário brasileiro; 3.

Da contribuição estrangeira como fonte para a formação do processo cooperativo brasileiro; 4.

A colaboração na atuação das partes e do magistrado; 5. Novos rumos projetados pelo novo

Código de Processo civil brasileiro; 6. Considerações conclusivas. Referências Bibliográficas.

1 Bernardo Guitton Brauer Mestrando em Direito Processual Civil na USP, LLM em Direito da Propriedade Intelectual pela Queen Mary University of London, Bacharel em Direito pela UFRJ. Associado do escritório Denis Borges Barbosa Advogados.

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1.INTRODUÇÃO

A finalidade mestra proclamada pela doutrina processual é sem sombra de dúvidas o

alcance da Justiça, ou ao menos a tentativa de se chegar o mais próximo possível a ela. Seja

no direito processual civil ou penal, em priscas eras ou até mesmo nos tempos de hoje, o

alcance da Justiça, como fundamentum rei publicae, que tem como decorrência garantir a paz

no seio da sociedade1, através da busca pela verdade (que nem sempre se evidencia como

justa), tem se demonstrado tarefa de complicada consecução.

Como causa dessa dificuldade imposta na incansável – ou ao menos como deveria ser

– procura pela Justiça2, encontra-se entre tantos “responsáveis”, o próprio órgão jurisdicional

que representado individualmente na figura do magistrado, algumas vezes, olvida-se do

caráter publico do processo e do decorrente “poder-dever” concedido “para, no exercício de

função em lei definida, e mediante atividade substitutiva da dos membros da comunhão social,

realizar o Direito aplicável.”3

Em que pese o aludido “poder-dever” presente como inerente prerrogativa da função

jurisdicional exercida pelos magistrados, que desempenham referida a função como

representantes do Estado, importa considerar que o exercício dessa atividade ocorre em

“cooperação com uma ou ambas as partes envolvidas no conflito, segundo um método de

trabalho estabelecido em normas adequadas.”4

Portanto, as partes, figuras presentes da relação jurídica processual, também têm

parcela considerável de responsabilidade visto que, enquanto demandam ou respondem às

pretensões deduzidas, agem ou deveriam agir colaborando com clareza e objetividade para um

célere e justo provimento.

É, portanto, por meio do processo, definido como a “soma de atividades em

cooperação, e a soma de poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições”, 5 que se estabelece

a possibilidade das partes verem suas pretensões atendidas por meio de provimentos

jurisdicionais.

Importa evidenciar que esse modelo de processo no qual as figuras da relação jurídica

processual atuam de maneira cooperativa, colaborando para que o órgão jurisdicional possa

com maior probabilidade de acerto dirimir a contenda, chama-se processo cooperativo.6

1 “È vero che il diritto processuale è in sostanza uma técnica del ben ragionare in giudizio; ma se quella tecnica è vigilata dallo Stato e imposta d’autorità (e per questo le regole tecniche si transformano in norme giuridiche), ciò accade perchè la meta finale di questo procedimento tecnico è l’adempimento dell’ufficio più solene e più alto dello Stato, di quell’ufficio com cui lo Stato assicura la vita pacifica della società: La giustizia, che è fundamentum rei publicae” in CALAMADREI, Piero. Processo e Democrazia. Padova: CEDAM, 1954, p.23. 2 “o escopo primordial da atividade processual, que se encerra com a prestação da jurisdição, é a promoção da paz coletiva mediante a distribuição material da justiça.” In OLIVEIRA, André Felipe Véras. A função pedagógica do juiz como fator de colaboração para o acesso a Justiça. Revista da EMERJ, v. 7, n. 27, 2004, p. 258. 3 TUCCI, Rogério Lauria. Jurisdição, ação e processo civil: subsídios para a teoria geral do processo civil. Revista de Processo, n.52. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p.7 4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 8ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 194. 5 Idem. Ibidem. 6 “O processo cooperativo parte da ideia de que o Estado tem como dever primordial propiciar condições para a organização de uma sociedade livre, justa e solidária, fundado que está na dignidade da pessoa humana. Individuo,

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O Processo cooperativo, então, já experimentado por legislações estrangeiras, no qual

prevalece como senso comum o ideal de colaboração não apenas dos juízes com as partes,

mas também das partes com os juízes, desponta como uma tendência mais consentânea com

o Estado Democrático de Direito em que princípios são valorizados como caminho para a

justiça.

Nesse sentido, reputa-se necessária uma breve análise do escopo do modelo de

processo pautado na colaboração entre todas as figuras da relação jurídica processual.

Relevante também compreender de que maneira a experiência já vivenciada por alguns outros

países pode contribuir para o sistema brasileiro. Sem menos importância, segue-se a análise

com relação ao modo como devem se comportar as partes envolvidas em um processo

cooperativo, não esquecendo, por último, de que forma o projetado Código de Processo Civil

brasileiro já traz sua contribuição.

2. O PERFIL COLABORATIVO VISTO SOB O PRISMA DOUTRINÁRIO BRASILEIRO

O processo costuma ser identificado1 sob dois modelos de estruturação mais

conhecidos: o adversarial, pelo qual se desenvolve como uma disputa entre partes antagônicas

diante de um órgão jurisdicional relativamente passivo, e o inquisitorial, no qual o órgão

jurisdicional desponta como seu mais eloquente protagonista.2

Mais recentemente vem ganhando destaque o modelo de processo cooperativo, onde

partes e o órgão jurisdicional assumem, ambos, papel de relevo na estruturação do processo3.

Colaboram, portanto, de forma bastante equilibrada, cada qual com seus deveres e obrigações

determinados de modo a atender as exigências de uma justiça mais preocupada com a

verdade.

Não é desconhecido que o processo cooperativo, segundo o qual as partes e o

magistrado (como representante do Estado), atuam conjuntamente de forma colaborativa, já

sociedade civil e Estado acabam por ocupar assim, posições coordenadas. O direito a ser concretizado é um direito que conta com a juris prudência, nada obstante concebido, abstratamente, como scientia juris. Por essa vereda, o contraditório acaba assumindo novamente um local de destaque na construção do formalismo processual, sendo instrumento ótimo para a viabilização do diálogo e da cooperação no processo, que implica, de seu turno, necessariamente, a previsão de deveres de conduta tanto para as partes como para o órgão jurisdicional (deveres de esclarecimento, consulta, prevenção e auxilio). O juiz tem seu papel redimensionado assumindo uma dupla posição: mostra-se partidário na condução do processo, no diálogo processual, sendo, contudo, assimétrico no quando da decisão da causa. A boa-fé a ser observada no processo, por todos os seus participantes (entre as partes, entre as partes e o juiz e entre o juiz e as partes), é a boa-fé objetiva que se ajunta à subjetiva para a realização de um processo legal. A verdade, ainda que processual, é um objetivo cujo alcance interessa inequivocamente ao processo, sendo, portanto, tarefa do juiz e das partes, na medida de seus interesses, persegui-la.” In MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 102. 1 “uma das coordenadas que definem qualquer sistema judicial é a posição do juiz na dinâmica do processo. (...) Ordenamentos há em que o personagem confiado ao juiz é, claramente, protagonista; noutros lhe sobressai menos atuação.” In BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Reformas processuais e poderes do juiz. In BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p.53. 2 DIDIER JR, Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (orgs.). Doutrinas essenciais do processo civil. V.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.1348-1349. 3 “Il processo non è um monologo: è um dialogo, uma conversazione, uno scambio di proposte, di risposte, di repliche; un incrociarsi di azioni e di reazioni, di stimoli e di controspinte, di attachi e di contrattacchi.” In CALAMADREI, Piero. Processo e Democrazia.” Padova: CEDAM, 1954, p.123.

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vem há algum tempo sendo esmiuçado e porque não dizer, defendido por importantes nomes

da processualística moderna brasileira.

Inicialmente, com o intento de trazer uma definição mais pura, sem que esteja

vinculada a qualquer dogmática do direito, parece interessante a acepção própria do vocábulo

cooperar segundo o dicionário Aurélio da língua portuguesa. De maneira bastante elucidativa

define como sendo “operar conjuntamente com alguém; colaborar: todos cooperam para o

desenvolvimento intelectual”.1

Nesse sentir e para melhor entender de que forma funciona a colaboração entre os

participantes da relação processual, o preclaro Cândido Dinamarco ensina que “o processo é

um verdadeiro método de trabalho, através do qual busca o Estado os objetivos institucionais

de suas funções básicas, contando seus órgãos, para tanto, com a cooperação de uma ou mais

pessoas interessadas”.2

Nesse mesmo sentido, a função jurisdicional exercida pelo Estado é desempenhada de

maneira cooperativa com as partes envolvidas na demanda, por meio de normas e princípios

adequadamente pré-estabelecidos. “Essa soma de atividades em cooperação, a soma de

poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições [é] que impulsionam essa atividade” 3

jurisdicional.

Segundo Daniel Mitidiero, o processo cooperativo ou colaborativo tem como objetivo a

organização justa do processo, traçando de forma paritária – ou próxima a isso – o trabalho a

ser desempenhado entre todos que constarem como parte da relação processual.4

O mesmo autor em sua obra Colaboração no processo Civil faz uma interessante

estruturação do modelo colaborativo a partir de pressupostos culturais enfocados sob os

ângulos social, lógico e ético. Percucientemente quanto ao aspecto social relaciona a

cooperação do Estado com aquela que existe por meio dos membros de uma sociedade. Do

ponto de vista lógico, por sua vez, reconhece a feição argumentativa do Direito e, quanto ao

prisma ético, parece dar importante relevo à boa-fé objetiva, orientadora da busca pela

verdade.5

Ainda sob esse enfoque, mas dando particular amplitude ao caráter público do direito

processual como um todo, importante ressaltar as palavras de Barbosa Moreira quando sinaliza

que “em todo e qualquer feito existe uma dimensão de interesse público, no sentido de

1 Definição encontrada disponível em http://www.dicionariodoaurelio.com/Acepcao.html. Acessada em 9 junho, 2014. 2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 223. 3 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 194. 4MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como Prêt-A-Porter? Um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo. Ano 36, Vol. 194. Abril, 2011, p.57 5 “Do ponto de vista social, o Estado Constitucional de modo nenhum pode ser confundido com o Estado-Inimigo. Nessa quadra, assim como a sociedade pode ser compreendida como um empreendimento de cooperação entre seus membros visando à obtenção de proveito mútuo, também o Estado deixa de ter um papel de pura abstenção e passa a ter que prestar positivamente para cumprir com seus deveres constitucionais. (...) Do ponto de vista lógico, o processo cooperativo pressupõe o reconhecimento do caráter problemático do Direito, reabilitando-se a sua feição argumentativa. Passa-se da lógica apodítica à lógica dialética. Finalmente, do ponto de vista ético, o processo pautado pela colaboração é um processo orientado pela busca, tanto quanto possível, da verdade, e que, para além de emprestar relevo a boa-fé subjetiva, também exige de todos os seus participantes a observância da boa-fé objetiva, sendo igualmente seu destinatário o juiz.” Idem, p.59-60.

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interesse que toca ao público, à população em geral. Nem poderia ser de outro modo, se

considerarmos que o processo é instrumento da jurisdição, e, portanto, exercício do poder

estatal”.1

No mesmo sentido, mas trazendo uma perspectiva diversa é a definição de Ricardo de

Barros Leonel2 sobre o principio da colaboração ou cooperação, que vista sob o aspecto

subjetivo, dá particular relevo à observância do principio do contraditório.

“Falar em ‘principio da colaboração’ ou ‘cooperação’ significa ver o processo como uma

‘comunidade de trabalho’ com conteúdo essencialmente positivo. Procura-se, com isso,

focar o processo, no aspecto subjetivo, como uma pluralidade de pessoas operantes ao

mesmo tempo, e de modo coordenado, para conseguir um resultado que não pode ser

alcançado por uma só pessoa. Deve-se desenvolver o ‘diálogo’ entre juiz e as partes,

tendo sempre como pano de fundo e coluna de apoio insuprimível o respeito ao

contraditório”

Partindo, portanto, de definições sob diversos enfoques, depreende-se que a

cooperação pode então ser compreendida sob dois aspectos, o objetivo, que dá enfoque às

técnicas de procedimento adotadas como instrumento da jurisdição, e o subjetivo, que

preconiza a consecução das tarefas destinadas à colaboração com o processo por meio das

figuras pertencentes a relação jurídica processual.

Interessante perspectiva que não pode deixar de ser observada, sobretudo, porque

confere uma maior amplitude à cooperação como perfil processual, é aquela que, além de

evidenciar o trabalho em comum, apto para que o Estado concretize sua prestação jurisdicional

em observância às regras processuais enquanto técnicas de procedimento, ressalta a

importância de se respeitar as regras de conduta.3

O processo cooperativo que surge como uma nova tendência, onde as partes colaboram

com o juízo, e vice versa, com o fito de se alcançar a justiça, mais que nunca põe em destaque

a probidade processual que, por meio de regras de condutas – muitas já existentes em nosso

atual Código de Processo Civil, tais como a previsão dos deveres de verdade, lealdade e boa-

fé4 (art. 14, I, II) - não apenas valoriza o caráter ético do processo, como também evidencia

seu caráter público.

A respeito da importância de se perceber o processo sob um de seus aspectos mais

nobres, qual seja, a ética, Ada Pellegrini Grinover5 pondera que a cooperação das partes com o

órgão judiciário, pautada também por normas de conduta, possibilita um provimento

jurisdicional mais consentâneo com a verdade.

1 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O processo, as partes e a sociedade. In BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, 32. 2 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006, p.237. 3 BERALDO, Maria Carolina Silveira. O dever de cooperação no processo civil. Revista de processo. Ano 36. Vol. 198. Agosto 2011, p. 456. 4 Idem p. 457. 5 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court. Revista de Processo. Vol. 102. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, 102-2019

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“Mais que nunca, o processo deve ser informado por princípios éticos. A relação jurídica

processual, estabelecida entre as partes e o juiz, rege-se por normas jurídicas e por

normas de conduta. De há muito, o processo deixou de ser visto como instrumento

meramente técnico, para assumir a dimensão de instrumento ético voltado a pacificar com

justiça. Nessa ótica, a atividade das partes, embora empenhadas em obter a vitória,

convencendo o juiz de suas razões, assume uma dimensão de cooperação com o órgão

judiciário, de modo que de sua posição dialética no processo possa emanar um provimento

jurisdicional o mais aderente possível à verdade, sempre entendida como verdade

processual e não ontológica, ou seja, com algo que se aproxime ao máximo da certeza,

adquirindo um alto grau de probabilidade.”

Logo, percebe-se que a doutrina brasileira já vem pondo em realce o aspecto

cooperativo do processo, tendencialmente apto a permitir que o alcance da justiça se dê não

apenas com o provimento jurisdicional, mas desde o início da formação da relação jurídica

processual, por meio de regras adequadas de procedimento quanto aos deveres das partes e

magistrados e, sobretudo, pela oportunização dos princípios do contraditório e ampla defesa,

sempre pautados pelo cumprimento de preceitos éticos.

3. DA CONTRIBUIÇÃO ESTRANGEIRA COMO FONTE PARA FORMAÇÃO DO PROCESSO

COOPERATIVO BRASILEIRO.

Ainda que a assimilação do princípio da cooperação apareça de forma incipiente na

doutrina e ordenamento brasileiro, a experiência já vivida por algumas legislações

estrangeiras1 no que diz respeito ao principio da cooperação no âmbito do processo, pode ser

de grande valia para uma melhor compreensão e absorção desse princípio pelo ordenamento

brasileiro.

Nesse intento, sem o objetivo de exaurir os exemplos de legislações que já trazem em

seu bojo como importante característica a cooperação, passa-se a análise dos modelos alemão

e português, marcadamente colaborativos.

O principio da cooperação, nitidamente de origem alemã2, corresponde a um dever

associado ao magistrado na consecução de seu ofício de fazer indagações e prestar

esclarecimentos que se fizerem necessários para uma melhor compreensão acerca dos fatos e

do direito atinente às demandas, sempre com o fito de se alcançar uma eventual decisão que

melhor se coadune com a Justiça.

1 “Atualmente, prestigia-se no Direito estrangeiro – mais precisamente na Alemanha, França e Portugal -, e já com alguma repercussão na doutrina brasileira, o chamado principio da cooperação, que orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais de um mero fiscal de regras.” in DIDIER JR, Fredie. O principio da cooperação: uma apresentação. Revista de processo n. 127. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 75-76. 2 GOUVEIA, Lúcio Grassi. O dever de cooperação dos juízes e tribunais com as partes – Uma análise sob a ótica do Direto comparado (Alemanha, Portugal e Brasil). V.5, n. 11. Recife: Revista da Esmape. Janeiro- junho, 2000, p.248.

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53 53

Na Alemanha, onde o Código de Processo Civil traz alguns dispositivos que demonstram

a preocupação do legislador – e não somente – em ressaltar de que forma a colaboração entre

partes e Tribunal deve ser compreendia, o § 139 do Código de Processo Civil - abreviadamente

ZPO – alterado pela Lei de 27.02.2001, assim dispõe:

‘§139 – Condução material do processo (1) O órgão judicial deve discutir com as partes,

na medida do necessário, os fatos relevantes e as questões em litígio, tanto do ponto de

vista jurídico quanto fático, formulando indagações com a finalidade de que as partes

esclareçam de modo completo e em tempo suas posições concernentes ao material fático,

especialmente para suplementar referências insuficientes sobre fatos relevantes, indicar

meios de prova e formular pedidos baseados nos fatos afirmados. (2) o órgão judicial só

poderá apoiar sua decisão numa visão fática ou jurídica que não tenha a parte,

aparentemente, se dado conta ou considerado irrelevante se tiver chamado a sua atenção

para o ponto e lhe foi dado oportunidade de discuti-lo, salvo se tratar de questão

secundária. O mesmo vale para o entendimento do órgão judicial sobre uma questão de

fato ou de direito que divirja da compreensão de ambas as partes. (3) o órgão judicial

deve chamar a atenção sobre as dúvidas que existam a respeito das questões a serem

consideradas de oficio. (4) as comunicações conforme essas prescrições devem ser

comunicadas e registradas nos autos tão logo seja possível. Tais comunicações só podem

ser provadas pelos registros nos autos. Só é admitido contra o conteúdo dos autos prova

de falsidade. (5) se não for possível a uma das partes responder prontamente a uma

determinação judicial de esclarecimento, o órgão judicial poderá conceder um prazo para

posterior esclarecimento por escrito’.1

Ainda com relação ao código alemão, nessa mesma toada, Lucio Gouveia,2 referindo-se

à processualística alemã, esmiúça a obrigação do magistrado de esclarecer os fatos e ainda

estimular as partes a contribuírem com informações e provas pertinentes para a solução do

litígio quando dispõe:

“o presidente deve fazer com que as partes se expressem inteiramente sobre os fatos

decisivos (Erhelliche Tatsachen) e formulem pedidos úteis e particularmente completem as

alegações insuficientes dos fatos invocados e indiquem meios de prova. Nesse objetivo, ele

deve, se necessário, trazer às partes a situação litigiosa em seus aspectos fatuais e

jurídicos e fazer perguntas (...) Ele deve permitir a todos os agentes processuais, sobre

suas pretensões que formulem perguntas”.

Torna-se, assim, bastante claro que no modelo processual alemão o juiz possui um

papel ativo no que diz respeito a condução do processo, assumindo uma postura de quase

“constranger” as partes a se manifestarem de forma exaustiva acerca dos pontos nodais

caracterizadores de suas demandas.

1 Tradução do §139 do Código de Processo Civil alemão para o português feita por Carlos Alvaro de Oliveira conforme Fredie Didier Jr. em Principio da cooperação: uma apresentação, p.75-76. 2 GOUVEIA, Lúcio Grassi. O dever de cooperação dos juízes e tribunais com as partes – Uma análise sob a ótica do Direto comparado (Alemanha, Portugal e Brasil). V.5, n. 11. Recife: Revista da Esmape. Janeiro- junho, 2000, p.249.

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A leitura de dispositivos como § 139 I e § 278 III da ZPO (Código de Processo Civil

alemão) então, expressam o adequado papel do magistrado com relação aos deveres de

indicação, que, em última análise, têm o objetivo de provocar o exercício adequado da

liberdade das partes.1

Além disso, a norma contida no § 139 da ZPO adicionalmente à previsão de cooperação

processual, dá importante relevo para a observância ao principio do contraditório2 para a

condução do processo3, como forma de legitimar a decisão jurisdicional a ser exarada pelo

órgão judicante.

Outra legislação estrangeira que traz algumas contribuições com relação ao modelo

cooperativo, no qual partes e órgão jurisdicional trabalham em conjunto colaborando para um

melhor alcance da justiça, é a legislação portuguesa, que desde seu pretérito Código de

Processo Civil já previa a incidência do principio da cooperação em alguns de seus dispositivos.

A exemplo, a legislação portuguesa através de sua regra contida no dispositivo 7 do

novo Código de Processo Civil de 20134, corroborando o enfoque já assentado pela legislação

pretérita, apresenta alguns “itens” que não deixam dúvidas acerca da prevalência do princípio

da cooperação como baliza na condução e intervenção no processo. O item 1 do referido artigo

já de pronto consagra o principio determinando como ocorrerá e com qual intuito se observará

o principio da cooperação:

“Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais

e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e

eficácia, a justa composição do litígio”.

Não diferente quanto ao “espírito cooperativo” são os demais itens constantes do

referido artigo que estabelecem ainda poderes-deveres aos magistrados quanto ao

requerimento de esclarecimentos sobre matérias de fato ou de direito pertinentes ao

desenrolar da causa, bem como deveres às partes no que tange ao comparecimento para

prestar os devidos esclarecimentos.5

O último ponto do referido artigo, que também merece destaque, de forma subsidiária e

com o intento de prevenir a não efetividade do princípio, ainda escalona o dever dos

magistrados de, sempre que possível, providenciar a remoção de obstáculos que dificultem as

partes de cumprir com seus ônus ou deveres processuais:

1 GREGER, Reinhard. Cooperação como Principio processual. Traduzido por Ronaldo Kochem. Revista de Processo. Ano 37, v. 206. Abril, 2002, p.127. 2 “A necessidade de o juiz assumir a efetiva posição de condutor do processo, com ampla participação no contraditório desenvolvido pelas partes, corresponde à tendência quase unânime da moderna ciência processual”. In BEDAQUE, José Roberto. Direito e Processo. Influência do direito material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 2011. 3 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: Pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.82 4 Ressalta-se que o princípio da cooperação é na legislação portuguesa elencado com a força normativa de principio fundamental. Para acesso ao inteiro teor do novo Código de Processo Civil português: http://dre.pt/pdf1s/2013/06/12100/0351803665.pdf. Acessado em 06 junho 2014. 5 O poder-dever dos magistrados e o decorrente dever das partes com relação a prestação de esclarecimentos constam dos itens 2 e 3 do artigo 7 do novo Código de Processo Civil português.

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“Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter

documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o

cumprimento de ônus ou dever processuais, deve o juiz, sempre que possível,

providenciar pela remoção do obstáculo.”

Esse perfil cooperativo como principio fundamental que rege o processo, ainda pode ser

encontrado em diversos outros dispositivos do Código de Processo Civil português, como o

artigo 8º que estabelece que “as partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de

cooperação resultantes do preceituado artigo anterior”; no artigo 417º que estabelece o dever

de cooperação para a descoberta da verdade; na alínea c do item 2 do artigo 452º que

determina a litigância de má-fé daquele que “tiver praticado omissão grave do dever de

cooperação”; bem como o artigo 765º que trata da cooperação do exequente na realização da

penhora.

Há ainda segundo o modelo cooperativo português um desdobramento de quatro

deveres essenciais ínsitos aos magistrados no que diz respeito ao dever de cooperação com as

partes com o fito de se melhor compreender questões que importarão na elaboração do

provimento jurisdicional. Nas palavras de Gláucia Mara1 Coelho os referidos deveres essenciais

podem ser definidos como:

“...dever de esclarecimento, dever de prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou

insuficiências das alegações ou pedidos, dever de consultar as partes sempre que

pretender conhecer de matéria sobre a qual não tenham tido a possibilidade de

manifestação e dever de auxiliar as partes em casos de dificuldades para o exercício de

seus direitos e faculdades”

Resta claro, portanto, que o principio da cooperação impõe deveres para todos aqueles

que participam da relação processual (partes e magistrado) devendo ser compreendido como

uma “comunidade de comunicação”, pautado em diálogos que colaborem para melhor

entender certas especificidades afeitas à causa, com o fim de se alcançar a solução mais justa

e adequada.2

Desta forma, pode-se inferir que a experiência de outras legislações que já vem

vivenciando há algum tempo o modelo cooperativo de condução do processo, só tem a

contribuir com a ainda incipiente doutrina e legislação brasileira quanto ao tema,

evidenciando-se, portanto, como uma baliza ou mesmo suporte, não apenas para a doutrina

pátria, mas também para o próprio ordenamento brasileiro.

1 COELHO, Gláucia Mara. Direito processual civil português. In CRUZ E TUCCI, José Rogério. Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010, p.293. 2 DA CUNHA, Leonardo Carneiro. O principio do contraditório e a cooperação no processo. Revista Brasileira de Direito Processual. Ano 20, n. 79. Julho-Setembro, 2012, p. 154-155.

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4. A COLABORAÇÃO NA ATUAÇÃO DAS PARTES E DO MAGISTRADO.

O processo cooperativo aparece como uma tendência que se distancia de maneira

significativa dos moldes adotados nos séculos passados, em que os juízes eram

predominantemente sujeitos inertes, impedidos de investigar ou mesmo esclarecer questões

relevantes e pertinentes ao julgamento das demandas, limitando-se a análise do material

probatório trazido pelas partes.1

A colaboração, como característica marcante do processo cooperativo, “estrutura-se a

partir da previsão de regras que devem ser seguidas pelo juiz na condução do processo. O juiz

tem os deveres de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxilio para com os

litigantes”.2

Não obstante se dê particular ênfase ao papel do juiz, visto como o verdadeiro

protagonista do processo,3 parece claro que as partes da relação processual instaurada,

também têm papel de destaque na contribuição para a condução do processo.

No que diz respeito especificamente a atribuição do juiz na condução do processo, o

modelo de perfil colaborativo parece outorga-lhe uma nova dimensão, desempenhando um

duplo papel: é paritário no diálogo, pois permite às partes contribuírem em condições de

igualdade – dando particular relevo ao contraditório e a ampla defesa – e, ao mesmo tempo,

assimétrico na decisão, visto que seu provimento é uma imposição.4

Ainda com relação ao magistrado na orientação do processo, “incumbe-lhe dirigir o

processo de tal maneia que ele sirva bem àqueles a quem se destina a servir”5, e, portanto,

“descumpre inescusavelmente o preceito o juiz [que] condescende com manobras protelatórias

ou, em termos mais amplos, subordina à vontade dos litigantes, ou à de qualquer deles, o

exercício de uma atribuição que a lei lhe confia.”6

1 “Os estudos sobre o ônus da prova procuram pôr em relevo que a tarefa da instrução probatória incumbe às partes, cabendo ao juiz tão somente a verificação e valoração dos elementos carreados aos autos. Com efeito, os autores mais antigos preocupam-se em ressaltar que, como sujeito imparcial da relação jurídica processual, não deve o juiz assumir a tarefa da investigação dos fatos, nem tomar iniciativas para melhor esclarecê-los, devendo limitar-se ao exame do material probatório fornecido pelas partes. Essa orientação se harmonizava com a ideologia liberal do fim do séc. XIX, que restringia os poderes do juiz no processo, uma vez que este era considerado ‘coisa das partes’ (sache der parteien)”. In LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 72. 2 “O principio da colaboração tem assento firme no Estado Constitucional. Não há processo justo sem colaboração. A necessidade de participação que se encontra à base da democracia contemporânea assegura seu fundamento normativo. É preciso perceber que a defesa do processo cooperativo envolve – antes de qualquer coisa – a necessidade de um novo dimensionamento de poderes no processo, o que implica necessidade de revisão da cota de participação que se defere a cada um de seus participantes ao longo do arco processual.” MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como Prêt-A-Porter? Um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo. Ano 36, Vol. 194. Abril, 2011, p.61-63. 3 “Il più importante tra i personaggi del processo, il vero protagonista, è il giudice. Egli assiste muto e impenetrabile a tutto lo svolgimento del drama, sempre presente anche se si limita ad ascoltare in silenzio la disputa degli altri personaggi. Ma ala fine l’ultima parola, la parola risolutiva, è la sua.” In CALAMADREI, Piero. Processo e Democrazia. Padova: CEDAM, 1954, p.46. 4 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como Prêt-A-Porter? Um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo. Ano 36, Vol. 194. Abril, 2011, p.61-62. 5 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O processo, as partes e a sociedade. In BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, 40. 6 Idem. Ibidem.

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E tal se dá, sobremaneira pela caráter público do processo que, como um instrumento

valoroso para a manutenção do Estado Democrático de Direito, é utilizado pelo Estado para o

exercício da atividade jurisdicional, voltando-se para a consecução da “pacificação social, com

efetiva aplicação da justiça”1.

Entretanto, muito embora a ideologia da colaboração seja uma real necessidade diante

de todas as mazelas que criam óbices ao bom funcionamento jurisdicional, não se desconhece

que nem sempre colaborar é algo que inspira as partes quando estão em jogo suas pretensões

em juízo.

Expedientes procrastinatórios dos mais variados têm sido uma máxima utilizada pelas

partes que ora mal intencionadas, ora apenas inconformadas, procuram dificultar ao máximo o

já, também por outras razões, moroso caminhar das demandas jurisdicionais.

Com o intento de minimizar a incidência de artimanhas processuais, Marcelo Bonício

argutamente defende a possibilidade de instauração de processos em apartado para o

julgamento das condutas das partes – após o transito em julgado, onde todas as condutas

seriam melhor identificadas - que de forma reiterada estiverem provocando incidentes

procrastinatórios.2

No que concerne ainda à condução do processo de forma cooperativa pelas partes e

juízes, embora o “dever de colaboração” previsto no projetado Código de Processo Civil seja

precipuamente voltado às partes, que, para contribuírem com a celeridade processual, devem

contribuir com a especificação das questões de fato e de direito, é também necessária a

observância pelos magistrados da fixação dos pontos controvertidos do processo, “pois é isso

que vai permitir a realização de uma fase instrutória proveitosa, principalmente porque lança

luzes a respeito dos ônus probatórios das partes, dando significado real ao ‘dever de

colaborar’”.3

A inobservância dessa “obrigatoriedade” por parte dos magistrados, portanto, tem

como consequência a diminuição da amplitude do dever de colaborar, podendo reduzir o

1 LOBO, Arthur Mendes; NETTO, Antônio Evangelista de Souza. Análise principiológica do juiz no novo CPC. In Novas tendências do processo civil, estudo sobre o projeto do novo código de processo civil, Vol. II, em que são organizadores Alexandre Freire, Bruno Dantas, Dierle Nunes, Fredie Didier Jr., José Miguel Garcia Medina, Luiz Fux, Luis Volpe Camargo e Pedro Miranda de Oliveira. Bahia: Editora Juspodvim, 2013, 146. 2 BONICIO, Marcelo José Magalhães. Ensaio sobre o dever de colaboração das partes previsto no projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v. 35, n. 190, p. 210-230, dez. 2010. Ressalta-se que o descumprimento do dever de cooperação pode também ser aduzido ao juiz que segundo Mitidiero, “Os deveres de esclarecimento, de diálogo e de prevenção, como se resolvem em deveres que o juiz pode cumprir independentemente de qualquer conduta a ser adotada pela parte contrária perante a qual tem o dever de colaborar, podem gerar responsabilização do juiz por ausência (art. 133, CPC).” In MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como Prêt-A-Porter? Um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo. Ano 36, Vol. 194. Abril, 2011, p. 63-64. 3 BONICIO, Marcelo José Magalhães. Ensaio sobre o dever de colaboração das partes previsto no projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v. 35, n. 190, p. 210-230, dez. 2010; “Atados indissociavelmente à repartição das tarefas na produção probatória estão os pensamentos humanos sobre a possibilidade de conhecer a verdade sobre os poderes e deveres existentes em uma comunidade. A matéria probatória reflete concepções sobre o alcance de certeza possíveis, através dos meios de busca da confirmação dos argumentos fáticos lançados e controversos pelas partes, bem como propõe a distribuição de tarefas direcionadas a dar credito a esse arranjo.” in SCARPARO, Eduardo Kochenborger. Tópicos sobre a colaboração com a instrução probatória. Revista Jurídica, Ano 56, nº 366. Abril de 2008, p.77.

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escopo e aplicação desse novo perfil sistemático colaborativo que se desenvolve na

processualística moderna.

Por último, ainda que possa haver criticas quanto ao fato do juiz colaborar com uma

das partes, o que em tese poderia comprometer sua imparcialidade, Humberto Theodoro

Junior entende que “a parcialidade em verdade se manifestaria, com muito mais intensidade,

se o julgador, ciente de poder melhor decidir a causa com justiça, se abstivesse de fazê-lo. A

neutralidade, in casu, contribuiria para a injustiça do processo, e descumpriria a sua função

social, ínsita no principio moderno da cooperação entre os sujeitos processuais.”1

Assim, ‘a cooperação [aparece] como trave mestra do processo civil contemporâneo’,2

tornando evidente que o bom funcionamento da justiça depende mais das boas relações entre

as partes e o juiz do que da bondade das leis.3

5. NOVOS RUMOS PROJETADOS PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

BRASILEIRO

O Projeto de Novo Código de Processo Civil proposto pelo Senado Federal (PLS

166/2010), reconhecendo a importância de um comportamento cooperativo, que realça a

colaboração entre todos aqueles que fazem parte da relação jurídica processual, consignou

expressamente a intenção de tornar o processo um instrumento de participação ativa das

partes na consecução da justiça.

Nesse sentido, apresentou a norma contida no dispositivo 5º, enfatizando a

cooperação não apenas das partes com o magistrado, mas também uma participação

cooperativa entre as próprias partes da demanda processual:

“Art. 5º As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e

com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou

determine a pratica de medidas de urgência”.

Não obstante, para a surpresa e descontentamento de alguns,4 o Projeto do novo

Código foi enviado à Câmara dos Deputados (PLC 8.046/2010) com sutil, porém, importante

1 THEODORO JR, Humberto. Juiz e partes dentro de um processo fundado no principio da cooperação. Revista dialética de Direito Processual. n. 102. Setembro 2011, p.68. 2 SANTOS, Igor Raatz dos. Processo, igualdade e colaboração: os deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxilio como meio de redução das desigualdades do processo civil. Revista de Processo, n. 192. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.67. 3 “Se in regime di democrazia il processo dev’essere invece um colloquio civile tra persone poste allo stesso livello umano, è facile intendere quale sai, in un ordenamento democrático dela giustizia, l’importanza dell’avvocato: anzi degli avvocati, interlocutori necessari di questo dialogo. L’esito del processo e quindi la sorte dela giustizia, dipende dall’amichevole e leale svolgimento di questo colloquio: dalle buone relazione tra i giudici e gli avvocati dipende, più che dalla bontà delle leggi, il buon funzionamento dela giustizia” in CALAMADREI, Piero. Processo e Democrazia. Padova: CEDAM, 1954, p. 130. 4 “Não há, e nem pode haver qualquer duvida com relação à extensão do dever de cooperação: as partes têm sim o dever de cooperar entre si. Qualquer interpretação em contrário representa manifesto retrocesso na compreensão do significado da probidade processual que deve permear a prática de todos os atos no processo.” In BERALDO, Maria

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alteração no que concerne a cooperação das partes entre si. O referido artigo manteve a

redação original, mas suprimindo a parte dispositiva quanto ao direito das partes cooperarem

entre si.

No entanto, enquanto de indubitável importância a cooperação entre partes e juízes,

parece não restar dúvidas que, em sendo antagônicos os interesses das partes em conflito,

não poderia se esperar que as mesmas colaborassem entre si em detrimento de seus

eventuais êxitos processuais.1

Em que pese apenas o dispositivo 5º do novo Código de Processo Civil tratar

expressamente sobre o principio da cooperação, há inúmeros outros que de uma forma ou de

outra evidenciam o aspecto colaborativo das partes com o juiz tendentes a tornar cada vez

mais efetiva a tutela dos direitos.

Nesse sentido Humberto Theodoro Junior2, contribui com a explicitação de algumas

importantes regras contidas no projetado Código3 – que, após a aprovação da Câmara dos

Deputados, encontra-se atualmente de volta ao Senado que será responsável pelo seu formato

final.

“podem ser citados os deveres de veracidade, de lealdade e boa-fé, e de não praticar atos

inúteis ou desnecessários (Projeto, art. 80), bem como o dever geral das partes, incluído

entre os princípios fundamentais do novo Código, de “contribuir para a rápida solução do

litígio, colaborando com o juiz para a identificação das questões de fato e de direito e

abstendo-se de provocar incidentes desnecessários e procrastinatórios.” (art. 8º.)”

Desta forma, considerando a existência de um dispositivo que já se preocupa com o

aspecto colaborativo dentro do processo, o projetado Código de Processo Civil demonstra a

importância de se buscar medidas que possam efetivamente contribuir não somente com a

atividade jurisdicional, mas também com a forma de condução do processo pelas partes.

Ainda que não recheado de artigos que realcem a efetiva importância de tornar o

processo mais cooperativo entre partes e juízes, a preocupação do projetado Código,

sobremaneira com a inclusão do disposto no artigo 5º, já indica mudanças na percepção da

sistemática processual.

Carolina Silveira. O dever de cooperação no processo civil. Revista de processo. Ano 36. Vol. 198. Agosto 2011, p. 459. 1 THEODORO JR, Humberto. Juiz e partes dentro de um processo fundado no principio da cooperação. Revista dialética de Direito Processual. n. 102. Setembro 2011, p. 64. Ainda “a colaboração no processo civil não implica colaboração entre as partes. As partes não querem colaborar. A colaboração no processo civil que é devida no Estado constitucional é a colaboração do juiz para com as partes.” In MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como Prêt-A-Porter? Um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo. Ano 36, Vol. 194. Abril, 2011, p. 62. 2 “É, ainda, exemplo de dever cooperativo da parte, perante o juiz e a outra parte, o que se sujeita à exibição de documento ou coisa que tenha em seu poder e que se revele relevante para a apreciação da demanda ou da defesa (Projeto, art. 382). Ao descumprimento imotivado desse dever de colaboração com a apuração da verdade, corresponde a sanção legal de presumirem-se verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar.” In THEODORO JR, Humberto. Juiz e partes dentro de um processo fundado no principio da cooperação. Revista dialética de Direito Processual. n. 102. Setembro 2011, p.64. 3 Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=831805&filename=PL+8046/2010. Acessado em 10 junho 2014.

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6. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

De todo o exposto parece indubitável que a processualística moderna brasileira

caminha em direção a um processo pautado na cooperação entre as partes e magistrados, por

intermédio de meios justos, colaborando para o alcance da verdade materializada em forma de

justiça.

Mais que servir para a organização da participação das partes e do juiz no processo

civil de forma equilibrada1, a colaboração tem como consequência conferir maior legitimidade

aos provimentos jurisdicionais, visto que, segundo o modelo cooperativo, há necessariamente

maior e mais efetiva participação de todas as figuras constantes da relação jurídica processual.

Ressalta-se também que o modelo cooperativo-colaborativo, onde são postas em

relevo condutas pautadas por um senso ético, trarão indissociavelmente como consequência

um maior senso de fidúcia2 entre partes e magistrados, permitindo assim, que a tutela

jurisdicional seja prestada também de forma mais consentânea com a justiça.

A vindoura materialização de um novo Código de Processo Civil, por sua vez,

projetado para minimizar algumas imperfeições experimentadas pelo Código ainda vigente e,

aproximar-se cada vez mais dos ideais do Estado Democrático de Direito – processo justo –

deixando para trás um processo limitado por simples regras técnicas dissociadas da efetiva

realização dos direitos subjetivos,3 ainda que timidamente, parece “abraçar” o perfil

colaborativo ao menos como uma ideologia a ser seguida.

Não obstante o processo sob o perfil cooperativo seja uma “nova” tendência que

possibilita e instiga uma maior participação das partes e magistrado, a cooperação não deve

ser entendida como um interesse em dar razão a uma das partes em litígio, mas, sim como

um interesse de toda uma sociedade. Parece insofismável, assim, que “não é o processo

[tenha o processo o perfil que tiver: inquisitorial, adversarial ou cooperativo] que serve às

partes, e sim as partes ao processo”.4

1 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como Prêt-A-Porter? Um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo. Ano 36, Vol. 194. Abril, 2011, p. 62. 2 CALAMANDREI, Piero. Processo e Democrazia. Padova: CEDAM, 1954, p.134. 3 THEODORO JR, Humberto. Juiz e partes dentro de um processo fundado no principio da cooperação. Revista dialética de Direito Processual. n. 102. Setembro 2011, p.63. 4 “A finalidade das partes é ter razão; a finalidade do processo é dar razão a quem a tenha. Nas duas fórmulas, voluntariamente simples, está a antítese entre o interesse interno e externo: que se dê razão a quem a tenha, não é um interesse das partes, sim um interesse da sociedade inteira. Portanto, não é o processo que serve às partes, e sim as partes ao processo” in CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classicbook, 2000, 337.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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José Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004.

___________________. Reformas processuais e poderes do juiz. In BARBOSA MOREIRA, José

Carlos. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004.

__________________. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004.

BEDAQUE, José Roberto. Direito e Processo. Influência do direito material sobre o processo.

São Paulo: Malheiros, 2011.

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Doutrina

Da constituição da atividade empresária individual de responsabilidade limitada

Érica Guerra da Silva1

SUMÁRIO: Introdução 1. A regulamentação da limitação da responsabilidade do

empresário individual 2. A constituição da sociedade unipessoal no ordenamento jurídico

brasileiro. Conclusão. Referências bibliograficas.

INTRODUÇÃO

O estudo toma como pressuposto da limitação da responsabilidade do empresário

individual pessoa jurídica, diante da nova espécie de atividade empresarial inserida no

ordenamento jurídico pátrio pela Lei 12.441/2011 (EIRELI).

Ademais, pretende-se examinar o Projeto de Lei do Senado Federal (nº 96/2012), que

propõe a alteração da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para aperfeiçoar

a disciplina da empresa individual de responsabilidade limitada e para permitir a constituição

de sociedade limitada unipessoal.

1. A REGULAMENTAÇÃO DA LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO

INDIVIDUAL.

A regulamentação da limitação da responsabilidade do empresário individual é discutida

no Brasil desde a década de 80, sendo regulada em ordenamentos jurídicos europeus há

décadas.

A Comunidade Europeia já publicou diretriz para uniformizar a limitação da

responsabilidade do empresário individual (Diretiva 89/667, revogada pela Diretiva 2009/102),

tendo em vista a regulamentação por vários países de pessoas jurídicas distintas, por exemplo,

as figuras do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, em Portugal (Decreto-lei

1 Doutoranda em Direito da Universidade Estácio de Sá. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro Permanente da Comissão de Direito Empresarial. Professora Assistente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ-ITR). Autora de Livros e artigos jurídicos.

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nº 248/86), que alterado posteriormente passaram a admitir a sociedade unipessoal de

responsabilidade limitada (Decreto-lei n.º 257/96), e sociedade unipessoal de responsabilidade

limitada, na França (Lei nº 85-697), dentre outros países que também regulamentaram a

matéria.

No Brasil, a regulamentação da matéria está relacionada a eliminar a sociedade

limitada constituída com dois sócios, sendo um sócio majoritário, como maioria de capital

social com 95% a 98% das quotas, e um sócio minoritário com as quotas remanescentes. A

figura do sócio minoritário objetiva apenas limitar a responsabilidade, todavia, não dispensava

o referido sócio das repercussões da participação na sociedade.

A maioria das atividades empresárias no Brasil é desenvolvida por

microempreendedores (MEI), microempresas (ME), e médias (EPP):

“Considerando os dados mais recentes da poulação brasileira de 18 a 64 anos – cerca de 123 milhões de indivíduos – pode-se estimar que a taxa total de empreendedores – iniciais e estabelecidos – de 32,3%, representam cerca de 40 milhões de pessoas, indicando o expressivo contingente de indivíduos de 18 a 64 anos envolvidos com a criação ou a

administração de algum tipo de negócio e, portanto, a relevância do empreendedorismo no Brasil: 21 milhões de empreendedores iniciais e 19 milhões de empreendedores estabelecidos.” 1

De acordo com a legislação vigente, o empresário individual de responsabilidade

ilimitada, destaca-se por ser a pessoa natural titular da empresa, registrar a declaração de

firma individual na Junta Comercial, ter responsabilidade ilimitada, adotar nome empresarial

do tipo firma e escrituração contábil simplificada. Em se tratando de analfabeto, só pode

constituir-se como empresário individual representado por procurador constituído por

instrumento público.

Há décadas a discussão sobre a limitação da responsabilidade do empresário individual

pelas dívidas contraídas na exploração da empresa permeia a doutrina nacional e

internacional.

Argumentos favoráveis importantes pela limitação da responsabilidade do empresário

individual podem ser extraídos, por exemplo, da Lei Portuguesa que instituiu o

Estabelecimento Mercantil Individual de Responsabilidade Limitada, DL n.º 248, de 25 de

Agosto de 1986:

“Como é geralmente sabido, vem sendo defendida há várias décadas por importante sector da doutrina a limitação da responsabilidade do comerciante em nome individual pelas dívidas contraídas na exploração da sua empresa. Contra essa solução tem sido, porém, invocados vários argumentos. Assim, observa-se que a concessão desse favor colocaria terceiros (credores comerciais e particulares do comerciante) sob a ameaça de graves prejuízos. Aduz-se depois que a responsabilidade ilimitada patrimonial do comerciante é o factor que melhor o pode ajudar a obter o crédito de que necessita. Pondera-se ainda ser justo que quem detém o domínio efectivo de uma empresa responda com todo o

1 Resultado da Pesquisa GEM Brasil 2013. http://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Relatorio%20Executivo%20GEM%202013.pdf Consulta em 16 de junho de 2014.

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seu património pelas dívidas contraídas na respectiva exploração. Tais argumentos não parecem decisivos. Quanto ao primeiro, a réplica surge de imediato: tudo vai do regime a que se submeta o novo instituto. Não constitui, na verdade, dificuldade insuperável incluir nele normas adequadas a assegurar a terceiros

uma tutela eficaz. E esta é justamente uma das linhas dominantes e uma das ideias-força do presente diploma. Enunciem-se agora os mais importantes argumentos em seu favor. (...) O juízo favorável à limitação de responsabilidade do empresário singular, que daqui emerge, não se altera se forem perspectivadas as coisas do ponto de vista do interesse da própria organização mercantil, ou seja, da empresa. Certo é que os credores da empresa perdem agora a vantagem de poderem executar a totalidade do património do empresário e do seu casal, mas ganham em troca a de verem os bens investidos no estabelecimento rigorosamente afectados ao pagamento das dívidas contraídas na respectiva exploração. Efectivamente, qualquer que seja a opção tomada quanto ao enquadramento jurídico do novo instituto, sempre ela há-de ter por base a constituição de um património autónomo ou de afectação especial, com o regime característico (bem conhecido) desta figura.” (grifamos)

A Lei 12.441/2011, que regulamentou a Empresa Individual de Responsabilidade

Limitada (EIRELI), foi estruturada de molde a servir os interesses do empresário individual,

pessoa natural.

A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 117, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2011 do Departamento

Nacional Registro de Comércio (DNRC), que aprovou o primeiro Manual de Atos de Registro de

Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, estabelecia no item 1.2.11 - IMPEDIMENTO

PARA SER TITULAR: “Não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa

natural impedida por norma constitucional ou por lei especial.” Ademais, a INSTRUÇÃO

NORMATIVA Nº 117, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2011, item 1.2.23.4, dispunha que “a pessoa

jurídica não pode ser administradora na Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.”

Hodiernamente, com a transformação do Departamento Nacional Registro de Comércio

(DNRC) no Departamento Registro Empresarial e Integração (DREI), foram aprovadas a

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 10/2013 e o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de

Responsabilidade Limitada, por meio da Portaria 1/2014, publicada no Diário Oficial de

05.06.2014, tendo reprodido o que já estava estabelecido: item 1.2.11 - IMPEDIMENTO PARA

SER TITULAR: “Não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural

impedida por norma constitucional ou por lei especial” e item 1.2.23.3, que “a pessoa jurídica

não pode ser administradora na Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.”1

Tramita, no Supremo Tribunal Federal, a ADI 4637 proposta pelo PARTIDO POPULAR

SOCIALISTA – PPS, Relator Ministro Gilmar Mendes, que aduz a inconstitucionalidade da parte

final do caput do art. 980-A do Código Civil, com a redação conferida pelo art. 2º da Lei

n°12.441/2011, por estabelecer a vinculação do capital social da EIRELI, devidamente

1http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/pasta-instrucoes-normativas-em-vigor/in102013_alterada.pdf Consulta em 16 de junho de 2014.

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integralizado, ao salário mínimo: “não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo

vigente no País.” O processo está concluso ao Relator desde 27 de novembro de 2012.1

No Senado Federal, tramita o PL 96/2012, que visa alterar a Lei n° 10.406, de 10 de

janeiro de 2002, para aperfeiçoar a disciplina da empresa individual de responsabilidade

limitada e para permitir a constituição de sociedade limitada unipessoal. O referido Projeto de

Lei do Senando, foi encaminhado para a Câmara dos Deputados (casa revisora), em 05 de

novembro de 2013. Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei tramita sob o nº 6698/2013,

estando pronto para pauta na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio

(CDEIC), para votação do parecer do Relator, Deputado Renato Molling (PP-RS).

Há no PLS 96/2012, o ajuste do uso da expressão “capital social”, que foi empregada

indevidamente, pois não existe a constituição de sociedade. Assim, será substituída a

expressão “capital social” pela palavra “capital”.

Ademais, não haverá mais a determinação de um valor mínimo para o capital e a

obrigatoriedade de integralização de todo o capital no momento da constituição da empresa.

O nome empresarial da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada também será

ajustado, para substituir a expressão “denominação social” pela palavra “denominação”. A

denominação é formada pelo nome civil ou qualquer expressão de fantasia (nome de fantasia)

ligada à atividade empresarial (art. 1.158 §2º, CC/02).

A limitação da constituição de uma única Empresa Individual de Responsabilidade

Limitada por pessoa natural deixará de existir.

Expôs o Relator Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Gim Argello:

“Segundo a redação (em vigor) do § 2º do art. 980-A, uma pessoa natural só pode ser titular de uma única “empresa individual de responsabilidade limitada”. Essa restrição também enseja a constituição de sociedades limitadas mediante o uso do artifício de “sócio-laranja”, porquanto, para esta última modalidade societária, não existe limitação a uma única sociedade, o que provoca a redução da eficácia da norma atual.”. 2

Por fim, altera o § 3º do art. 980-A: “A empresa individual de responsabilidade limitada

também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único

sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.” (grifamos)

Com a alteração sugerida o § 3º do art. 980-A terá a seguinte redação: “A empresa

individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de

modalidade societária em um único sócio, independentemente das razões que motivaram a

concentração.”.

O legislador estabeleceu no Código Civil de 2002, prazo para adequação da sociedade

limitada as suas regras. A Lei 12.441/2011, não dispõe de regra semelhante. Assim, a

sociedade de “faz de conta” se transformará em EIRELI quando lhe convier sem dispensa das

1 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4123688 Consulta em 16 de junho de 2014. 2 http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/124539.pdf Consulta em 16 de junho de 2014.

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repercussões da participação na sociedade do sócio minoritário que, em regra, será o sócio

retirante para transformação da sociedade em EIRELI pelo sócio remanescente.

A Lei 12.441/2011 estabelece a aplicação subsidiária das regras previstas às

sociedades limitadas. Há área para aplicação subsidiária das regras das sociedades limitadas

para EIRELI constituída por pessoa natural, para a proteção do terceiro de boa-fé atingindo o

patrimônio afetado.

Desta feita, a constituição da EIRELI dependerá da formulação de contrato que

permitirá o terceiro se resguardar através do patrimônio afetado, que corresponde o capital

social de 100 (cem) salários mínimos, de modo a resguardar o patrimônio pessoal do

empreendedor.

O legislador adotou a expressão “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”,

EIRELI, optando em se referir à EMPRESA ao invés do sujeito de direito EMPRESÁRIO.

No direito comparado há caso semelhante, por exemplo, Portugal o legislador,

primeiramente, criou a figura do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada,

numa referência ao complexo de bens e não ao sujeito de direito. Sendo certo que dez anos

após passaram a admitir a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada.

A Lei 12.441/2011 objetiva a proteção dos interesses de terceiros através da afetação

de uma parte do patrimônio do titular da empresa a destinar à atividade empresária, assim

disposto no art. 980-A do Código Civil e na INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 10/2013, do DREI,

item 1.2.19, podendo constar no ato constitutivo que a responsabilidade do titular é limitada

ao capital integralizado.

Hodiernamente, o PLS 96/2012 tramita na Câmara dos Deputados (casa revisora), sob

o nº 6698, na fase de votação do parecer da Comissão Constituição, Justiça e Cidadania pelo

Relator Depurado Esperidião Amin. No que tange a EIRELI destacamos do parecer:

“A exigência de formalização de capital mínimo no momento do registro visa proteger os credores da empresa individual. Além disso, para se iniciar um empreendimento ou introduzir uma novidade no mercado são necessários pesquisa e capital inicial. O primeiro desafio do empresário é unir uma ideia inovadora com o capital próprio ou de terceiro, sendo natural, portanto, que o empresário possua um capital para iniciar a atividade econômica. O capital mínimo é usado logo após o momento em que é cumprida a exigência legal, dificilmente restando algum valor quando da eventual falência da empresa individual. Vale

destacar que o capital não se confunde com o patrimônio. O capital é um valor lançado no ato constitutivo, enquanto que o patrimônio é definido como o conjunto de bens, direitos e obrigações da empresa individual. O capital social como garantia aos credores vem perdendo força na doutrina mais recente, que considera o patrimônio líquido a verdadeira garantia das obrigações. (...) Além disso, a restrição do capital mínimo no Brasil se aplica somente às empresas individuais de responsabilidade limitada, sem que igual exigência seja extensiva a sociedades limitadas, incentivando a criação e manutenção de sociedades limitadas em que um sócio é detentor de quase todo o capital social enquanto o outro é detentor de parcela inexpressiva. A imposição de capital mínimo ou deveria ser aplicada a todos os tipos jurídicos que contam com o atributo da responsabilidade limitada ou não deveria valer para qualquer um deles. Desse modo, parece-nos que o legislador deveria estender o requisito do capital mínimo aos demais tipos jurídicos ou deveria revogá-lo para todos eles, o que nos parece a solução mais adequada. Ao abordar o nome empresarial de empresa individual, a redação atual do § 1º do art. 980-A do Código Civil aplica equivocadamente a expressão “denominação social”. A proposição repara esse erro mediante a substituição dessa expressão pela palavra “denominação”.

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Segundo a redação (em vigor) do § 2º do art. 980-A, uma pessoa natural só pode ser titular de uma única “empresa individual de responsabilidade limitada”. Essa restrição também enseja a constituição de sociedades limitadas mediante o uso do artifício de “sócio-laranja”, porquanto, para esta última modalidade societária, não existe limitação a

uma única sociedade, o que provoca a redução da eficácia da norma atual. Por sua vez, o atual texto do § 3º do aludido artigo define, erroneamente, que a empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração, pois a empresa individual não tem natureza jurídica de sociedade. A redação proposta corrige essa impropriedade. Os demais parágrafos do referido dispositivo não foram objeto de modificação pelo projeto de lei. Em nosso entendimento, é apropriada a disciplina proposta para o art. 980-A do Código Civil.”

Na Câmara dos Deputados, em ambas as Comissões de Desenvolvimento Econômico,

Insdústria e Comércio e de Constituição, Justiça e Cidadania, o projeto de lei não recebeu

emenda. As alterações sugeridas à pessoa jurídica da EIRELI visam apefeiçoa-la para garantir

maior efetividade.

2. A SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Na Justificação do PLS 96/2012, que visa alterar a Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de

2002, para aperfeiçoar a disciplina da empresa individual de responsabilidade limitada e para

permitir a constituição de sociedade limitada unipessoal, o autor, Senador Paulo Bauer, expôs

que o projeto objetiva reconhecer no ordenamento jurídico brasileiro a sociedade limitada

unipessoal:

“A sociedade limitada unipessoal atende tanto ao interesse da pessoa natural quanto ao da pessoa jurídica. No primeiro caso, serve de instrumento de organização da separação e de limitação patrimonial de pequenos negócios; no segundo, é forma de organização administrativa de grupos societários.”1

O PLS 96/2012 objetiva criar a figura da sociedade limitada unipessoal, mediante o

acréscimo, no Capítulo IV – Da Sociedade Limitada, da Seção IX, estruturada em seis artigos

(arts. 1.087-A a 1.087-F).

Os dispositivos abordam: a) a constituição da sociedade limitada unipessoal; b) o seu

nome empresarial; c) a eventualidade de sua transformação em sociedade limitada; d) as

competências do sócio único; e) os negócios jurídicos celebrados entre o sócio e a sociedade;

f) o arquivamento de documentos no Registro Público de Empresas; g) e da extensão de

aplicação das normas que regem a sociedade limitada à sociedade limitada unipessoal, exceto

aquelas que dizem respeito à pluralidade de sócios.

O Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Gim Argello,

explicou:

1 http://www6.senado.gov.br/mate-pdf/105436.pdf Consulta em 16 de junho de 2014.

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“No que concerne à segunda parte do PLS nº 96, de 2012, que cuida da sociedade limitada unipessoal, modalidade societária por ele instituída com o propósito de se permitir a limitação da responsabilidade do empresário. Torna-se, então, necessário distinguir esse tipo societário da empresa individual de responsabilidade limitada. A diferença entre elas

reside no fato de que a forma societária possibilita que uma pessoa jurídica assuma a titularidade de uma sociedade limitada unipessoal, na condição de sócio único, ao passo que, para uma empresa individual de responsabilidade limitada, apenas uma pessoa natural pode ser titular. Destaque-se que a titularidade da sociedade limitada unipessoal pode ser atribuída a uma pessoa natural ou a uma pessoa jurídica.”1

Em 05 de novembro de 2013, o projeto de lei foi recebido no Câmara dos Deputados

(casa revisora), recebendo o nº 6698, tendo sido encaminhado às Comissões de

Desenvolvimento Econômico, Insdústria e Comércio e de Constituição, Justiça e Cidadania.

Na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Insdústria, na reunião deliberativa de 16

de julho de 2014, sob a relatoria do Deputado Guilherme Campos (PSD-SP), foi aprovado o

parecer. Destaca-se do parecer:

“(...) O segundo aspecto central da proposição se refere à criação da ‘sociedade limitada unipessoal’, figura que inexiste no atual direito societário brasileiro. Essencialmente, a diferença entre a empresa individual de responsabilidade limitada e a sociedade limitada unipessoal refere-se ao fato de que nesta é possível que o titular seja pessoa física ou pessoa jurídica. A proposição prevê que, caso exista a saída de sócios de uma sociedade limitada, o único sócio restante poderá, a qualquer tempo, requerer ao registro público competente a transformação dessa sociedade em sociedade limitada unipessoal. Por sua vez, a sociedade unipessoal também poderá transformar-se em sociedade limitada, caso exista a agregação de novos sócios. O projeto estabelece, ainda, restrições às negociações entre a pessoa que é sócia única e a sociedade, as quais devem atender ao objeto da sociedade e ser registradas, em regra, por escrito. É destacado que a inobservância dessas determinações acarretará a nulidade dos negócios praticados e tornará ilimitada a responsabilidade do sócio. Nesse contexto, consideramos que se trata de um modelo societário que apresenta grande flexibilidade, e que poderá contribuir para a formalização dos empreendedores brasileiros. Desta forma, entendemos que a proposição é meritória, propiciando avanços relevantes ao nosso direito societário. Assim, ante o exposto, votamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 6.698, de 2013."

No dia 29 de outubro de 2014, na Comissão Constituição, Justiça e Cidadania foi

apresentado parecer pelo Relator Depurado Esperidião Amin, manifestando pela

constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação. Aduz o

Relator:

“No que concerne à segunda parte do projeto, que cuida da sociedade limitada unipessoal, o objetivo é instituir uma modalidade societária com o propósito de se permitir a limitação da responsabilidade do empresário. Torna-se, então, necessário distinguir esse tipo societário da empresa individual de responsabilidade limitada. A diferença entre elas reside no fato de que a forma societária possibilita que uma pessoa jurídica assuma a titularidade de uma sociedade limitada unipessoal, na condição de sócio único, ao passo que, na empresa individual de responsabilidade limitada, apenas uma pessoa natural pode ser titular. Destaque-se que a titularidade da sociedade limitada unipessoal pode ser atribuída a uma pessoa natural ou a uma pessoa jurídica. O disciplinamento da sociedade limitada unipessoal nos arts. 1.087-A a 1.087-F revela-se pertinente e oportuno, além de regular, de modo cabal, essa nova modalidade societária.”

1 http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/124539.pdf Consulta em 16 de junho de 2014.

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É cediça, a existência do empresário individual (pessoa natural que exerce a empresa

individualmente) e do empresário coletivo (sociedade empresária).

O conceito de empresário está disposto no artigo 966 do Código Civil de 2002, ao

explicitar: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica

organizada para produção ou circulação de bens ou de serviços”.

Tal definição serve ao empresário individual e ao empresário coletivo (sociedade

empresária); logo, sócio não é sinônimo de empresário. A formação de uma sociedade exige a

combinação de interesses de duas ou mais pessoas, ou seja, pressupõe a pluralidade.

O Código Civil, no Livro II, ao tratar do Direito da Empresa, consolidou a Teoria da

Empresa que adota o critério objetivo, cujo núcleo é a atividade empresária. No Título I do

Livro II, o Código Civil trata do empresário dispondo da caracterização, inscrição e capacidade,

sendo esse título norteador para o empresário individual; no Título II dispõe da sociedade.

Encontram-se no direito pátrio duas classificações para a sociedade unipessoal:

sociedade unipessoal por prazo determinado ou indeterminado e sociedade unipessoal

originária ou superveniente.

Além da Empresa Pública, que possui a peculiaridade do capital social exclusivamente

público, exemplo de unipessoalidade originária por tempo indeterminado. Há como exemplos

de sociedades unipessoais supervenientes temporárias a subsidiária integral (art. 251 da Lei

6404/76)1 e a sociedade unipessoal (sociedades em geral), que decorre do falecimento ou

retirada de sócio, podendo assim permanecer por 180 dias até recompor o quadro social ou,

em razão de alteração recente do artigo 1.033, parágrafo único2 do Código Civil, transformar-

se em empresário individual.

Como disposto no Enunciado 03, aprovado na I Jornada de Direito Comercial, do

Conselho da Jusça Federal: “A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não

é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade

empresária.”3

1 Lei 6.404/1976: Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira. § lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único. § 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252. 2 Lei 10.406/2002: Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira no Registro Público de Empresas Mercantis a transformação do registro da sociedade para empresário individual, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código. (Incluído pela lei Complementar nº 128, de 2008) 3www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/LIVRETO%20-%20I%20JORNADA%20DE%20DIREITO%20COMERCIAL.pdf Consulta em 16 de junho de 2014.

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71 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 12.441/2011 estabelece a aplicação subsidiária das regras previstas às sociedades

limitadas. A constituição da EIRELI dependerá da formulação de contrato social que permitirá o

terceiro se resguardar através do patrimônio afetado, que corresponde o capital social de 100

(cem) salários mínimos, de modo a resguardar o patrimônio pessoal do empreendedor.

A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) deve estar em

consonância com os interesses gerais, a fim de garantir as funções primordiais dos contratos:

econômica, social e a função social. Desta forma, a Empresa Individual de Responsabilidade

Limitada estará voltada à relação entre os ganhos e os custos que envolvem a atividade

empresária.

Mesmo após a promulgação da Lei 12.441/2011, o direito brasileiro ainda não admite a

sociedade unipessoal originária por pessoa jurídica constituída com capital privado, apesar de

ter admitido figura do empresário individual com responsabilidade limitada e, por conseguinte,

estabeleceu-se a distinção entre o patrimônio empresarial (o patrimônio do empresário

individual afetado ao exercício de sua empresa) e patrimônio particular do empresário pessoa

natural.

O Projeto de Lei do Senado 96/2012, que visa alterar a Lei n° 10.406, de 10 de janeiro

de 2002, para aperfeiçoar a disciplina da empresa individual de responsabilidade limitada e

para permitir a constituição de sociedade limitada unipessoal seja por pessoa natural ou

jurídica.

Há dados descritos no parecer da Comissão Constituição, Justiça e Cidadania,

apresentado pelo Relator Depurado Esperidião Amin, informando não ter diminuído o número

de atividades empresárias constituídas pelo tipo societário sociedade limitada. Destacando

que mantem-se a constituição de sociedade limitada com dois sócios, sendo um sócio

majoritário, como maioria de capital social com 95% a 98% das quotas, e um sócio minoritário

com as quotas remanescentes. A figura do sócio minoritário objetivando apenas limitar a

responsabilidade. O Deputado Esperidião Amin aduz que as alterações sugeridas para EIRELI e

a constituição da figura da sociedade limitada unipessoal pode reverter esta situação.

O Projeto de Lei está em fase de aprovação do parecer do Relator Depurado Esperidião

Amin, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, após será encmainhado para casa

iniciadora, o Senado.

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72 72

REFERÊNCIAS

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MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial: empresa comercial, empresários

individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. Ed. rev. e

atual. por Carlos Henrique Abrão. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

PIMENTA, Eduardo Goulart. Sociedade Subsidiária Integral, Parcerias Empresariais e

Custos da Minoria Societária. In WALD, Arnold; GONÇALVES, Fernando; SOARES DE

CASTRO, Moema Augusta (coord.); FREITAS, Bernardo; CARVALHO, Mário Tavernard Martins

de (org.). Sociedade Anônimas e Mercado de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

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www.senado.gov.br

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Doutrina

Eutanásia: Aplicabilidade do Procedimento em Face dos Direitos Humanos e Proteção à Vida

Vitor Greijal Sardas1

Resumo: A eutanásia aborda situações relacionadas com a vida que envolvem aspectos

jurídicos constitucionais e penais. A eutanásia é discutida tanto na área da bioética quanto na

área do biodireito, provocando diversas opiniões favoráveis e contrárias sobre a sua aplicação.

O jurista com posicionamento favorável a sua aplicação defende que a eutanásia é a forma

mais simples e rápida de acabar com o sofrimento da família e do doente terminal, não

possuindo mais possibilidades de melhora nem condições de viver sem auxílio de aparelhos. O

jurista com posicionamento contrário a sua aplicação, defende que a eutanásia fere o

dispositivo da Constituição Federal em que o direito à vida é inviolável. Neste caso, se a família

permitir que o médico faça o procedimento da eutanásia estará cometendo homicídio conforme

previsto no Código Penal.

Palavras-chaves: 1.eutanásia. 2.vida. 3. direito.

Abstract: Euthanasia addresses situations which are connected with life. In Brazil, these

situations involve constitutional and criminal juridical aspects. Euthanasia is discussed in the

field of bioethics and biolaw, resulting in favorable or contrary opinions on the application. The

lawyer in favor of euthanasia implementation, argues that it is the most simple and fast to end

the suffering of the terminally ill and their families. In the opposite hand, the lawyer who

denies the application of euthanasia and argues that hurts the device in the Federal

Constitution on the protection of life. In this case, if the family let the doctor do the procedure

of euthanasia will be committing a murder under the Penal Code.

Keywords: 1.euthanasia. 2. life; 3. law.

1 Membro da Comissão Permanente de Direito Processual Civil do Instituto dos Advogados Brasileiros

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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direitos humanos. 3. Proteção à vida humana. 3.1.

Inviolabilidade constitucional do direito à vida. 3.2. Direito à vida e a eutanásia. 4. Eutanásia.

4.1. Embasamento histórico. 4.2. Conceito. 4.3. Classificação. 4.3.1. Tipos de ações. 4.3.2.

Tipos de consentimentos. 4.3.3. Outros tipos de classificações. 4.4. Modalidades. 4.5.

Aplicações. 4.6. Argumentos favoráveis e contrários. 4.6.1. Favoráveis. 4.6.2. Contrários. 4.7.

Eutanásia no Brasil. 4.8. Posicionamento da Igreja Católica. 4.9. Diferenças entre ortotanásia,

distanásia e mistanásia. 4.9.1. Projeto de Lei sobre a ortotanásia. 4.9.2. Projeto de Lei sobre a

eutanásia. 5. Conclusão. 6. Referências.

1. Introdução

Na aplicação da eutanásia são envolvidas as questões éticas e jurídicas. O artigo 5º da

Constituição Federal de 1988 defende os direitos e garantias individuais, inclusive a

inviolabilidade do direito à vida.

Eutanásia significa morte digna e piedosa, aliviando o sofrimento do paciente e

familiares. Porém, no Brasil não é permitido à aplicação deste método. Serão punidos pelo

ordenamento jurídico brasileiro os médicos ou terceiros que realizarem ou auxiliarem na

prática do ato.

2. Direitos humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos defende que toda pessoa tem direito à

vida, à liberdade e à segurança pessoal. 1

Quem defende a eutanásia diz que não se trata de nenhuma violação do direito à vida.

Significa dizer que a aplicação da eutanásia é uma forma de proteção para a pessoa enferma

ou debilitada em demasia para receber tratamentos dolorosos. Ademais, a aplicação da

eutanásia amenizaria a dor dos parentes e amigos em não gerar esperanças de recuperação do

ente querido. 2

Aqueles que possuem o posicionamento ao contrário defende que não é permitido por

lei a família ou o próprio paciente decidir por um método tão extremo e desnecessário. É

defendido que em nenhuma hipótese a vida de qualquer pessoa poderá ser retirada,

independentemente da situação. 3

1 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acessada em: 9 jul. 2014. 2 DINIZ, Maria Helena de. O Estado Atual do Biodireito. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 23. 3 Idem, Ibidem.

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos é contra o método da eutanásia ou

similares. Também aborda, em seu preâmbulo, que a vida é considerada uma dignidade

intrínseca e um direito inalienável. Segue o trecho do preâmbulo e do artigo 3º que faz

menção a esta proteção: 1 2

“Preâmbulo: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros

da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da

justiça e da paz no mundo. Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos

humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o

advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da

liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta

aspiração do homem comum. Considerando essencial que os direitos humanos sejam

protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último

recurso, à rebelião contra tirania e a opressão. Considerando essencial promover o

desenvolvimento de relações amistosas entre as nações Considerando que os povos das

Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na

dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das

mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em

uma liberdade mais ampla. Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a

desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos

humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades.

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mis alta

importância para o pleno cumprimento desse compromisso.

(...)

Artigo 3º: Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” 3

3. Proteção à vida humana

3.1 Inviolabilidade constitucional do direito à vida

O Estado possui a função de assegurar e proteger a vida humana. Independente de

qual situação, a legislação não permite que profissionais ou terceiros utilizem de métodos que

possam acelerar a morte. 4

A vida é considerada um direito personalíssimo, e por este motivo qualquer pessoa

tem o dever de respeitar a vida alheia. Este respeito é erga omnes, pois existe uma tutela

constitucional que ampara o direito à vida. 5 1 2

1 Idem, Ibidem. Acessada em: 9 jul. 2010. 2 NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 419. 3 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acessada em: 9 jul. 2010. 4 DINIZ, Maria Helena de. O Estado Atual do Biodireito. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 23. 5 Idem, Ibidem.

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A inviolabilidade do direito à vida trata-se de um dos vários direitos e garantias

fundamentais do ser humano, tanto individual quanto coletivo. Desta forma, nem a bioética e

nem o biodireito poderão utilizar de métodos que possam ofender ou violar à vida de alguém. 3

No mundo atual existe uma tomada de consciência a favor do bem mais primário e

indeclinável de todos tutelados pelo Direito, que é o respeito pela vida humana. É dever da

família, da sociedade e do Estado assegurar a inviolabilidade do direito à vida, pois qualquer

atentado a ele estaria eivado de inconstitucionalidade. 4

Governantes, legisladores, cientistas e juristas de todo o mundo deverão unir-se em

busca de meios para salvaguardar a vida, que é um direito inerente à pessoa humana. 5

3.2. Direito à vida e a eutanásia

A doutrinadora Maria Helena Diniz defende ser contra as técnicas da eutanásia

alegando que a vida jamais deverá ser violada 6 7. Segue o trecho de sua obra:

“Não se admite qualquer ato contrário à vida de nascituro, recém-nascido, criança ou

adulto, nem mesmo se atacam a eutanásia, a pena de morte, o suicídio ou o seu

induzimento. A vida é resguardada, salvo nas hipóteses de legítima defesa, estado de

necessidade e exercício regular de um direito, que excluem a ilicitude, e de aborto legal

(artigo 128, incisos I e II do Código Penal), que extingue a punibilidade.” 8

Entretanto, quando a família está acompanhando os diagnósticos médicos e chega-se

à conclusão que o paciente possui o quadro irreversível requerendo o procedimento da

eutanásia, o objetivo é justamente em proteger à vida daquele que não consegue se defender

da dores e enfermidades. 9

A eutanásia irá acelerar a morte do doente que não consegue mais suportar aquela

situação de incapacidade ou dor. Em alguns casos, o paciente já teria a morte cerebral

confirmada, caso não fosse os meios artificiais, o que entrega sobrevida ao paciente. Neste

1 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 249-253. 2 PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. p. 245. 3 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 249-253. 4 DINIZ, Maria Helena de. O Estado Atual do Biodireito. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 23. 5 Idem, Ibidem. 6 Idem, Ibidem. p. 21-24. 7 NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 419. 8 Idem, Ibidem. p. 25. 9 Idem, Ibidem. p. 425.

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momento, se a família defender a eutanásia, irá solicitar para que os médicos desliguem os

aparelhos e se for o caso que providenciem o transplante de órgãos. 1

Vale ressaltar que esta técnica não é permitida no Brasil, mesmo que fique

comprovada a existência da enfermidade terminal irreversível e que tenha o consentimento

expresso da família.

4. Eutanásia

4.1. Embasamento histórico

Para entendermos o significado da eutanásia é necessário saber a sua origem. Dessa

forma, é fundamental o conhecimento do embasamento histórico. 2

O método da eutanásia surgiu desde a Grécia antiga através de divergências de

Platão, Sócrates, Epicuro, Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates. Desde a antiguidade, este

método já causava polêmicas e muitas punições. 3

Platão, Sócrates e Epicuro defendiam que se pessoa estivesse com alguma doença

dolorosa e optasse pela eutanásia estaria sujeito a cometer um suicídio, mesmo que perdesse

o entusiasmo pela vida. Já Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates condenavam esta ideia de

suicídio. Em seus posicionamentos eram ditos que jamais podiam fornecer ou aplicar algum

tipo de medicamento que pudesse por fim na vida de alguém. 4

Na Índia, antigamente, aplicava-se a eutanásia para os doentes que fossem

considerados incuráveis. Estes doentes tinham a boca e o nariz cobertos por barro na beira do

Rio Ganges. 5 6

Encontra-se na Bíblia que os procedimentos da eutanásia já existiam desde a guerra

entre os israelitas e filisteus. Segue o trecho da passagem:

“Os filisteus lutavam contra os israelitas, e morreram muitos deles no monte Gelboé. Os

filisteus investiram contra Saul e seus filhos, matando Jônatas, Abinadab e Meslquisua,

filhos de Saul, para logo em seguida investirem contra ele mesmo. Alcançaram-no os

flecheiros e feriram-no gravemente. E disse Saul para o seu escudeiro: Desembainha a tua

espada e atravessa-me com ela para que não venham estes incircuncidados e me tirem a

vida, escarnecendo de mim. O escudeiro não quis atender tendo em vista o terror que se

apoderava de sua pessoa. Assim, só restou a Saul desembainhar a sua espada, deixando-se

cair sobre ela. Vendo o escudeiro que Saul estava morto, lançou-se também sobre sua

espada e morreu ao pé dele. Saul não morreu de imediato, segundo depoimento de um

1 NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 425. 2 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 301. 3 GOLDIM, José Roberto. Breve histórico da eutanásia. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/euthist.htm. Acessado em: 5 jul. 2014 4 Idem, Ibidem. 5 Idem, Ibidem. 6 Idem, Ibidem. p. 301.

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amalecita a David: Cheguei casualmente ao monte de Gelboé no momento em que Saul se

havia lançado sobre a ponta de sua espada e quando os carros de guerra e a cavalaria do

inimigo o cercavam; olhando para trás e vendo-me, chamou-me. Respondi que estava às

suas ordens e ele me perguntou: Quem és? Disse-lhe que era um amalecita, ao que ele me

solicitou: Monta sobre mim e mata-me, porque estou na agonia e não acaba de sair minha

alma.” 1

A eutanásia, mesmo tendo divergências por diversos anos, acabou evoluindo de forma

que causou um marco na história.

Ouviu-se pela primeira vez o termo eutanásia através de Francis Bacon, no ano de

1623, através da obra Historia vitae et mortis. 2

Na Prússia, foi criado o plano nacional de saúde que visava aplicar a eutanásia para

aquelas pessoas que fossem consideradas inúteis para conviver na sociedade. Este fato

aconteceu em 1895. 3

No período de 1931 até 1936, na Inglaterra, foi discutida na Câmara dos Lordes a lei

específica sobre a eutanásia, chamada de Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária. 4

A eutanásia foi inclusa no Código Penal Uruguaio na parte de homicídio piedoso. A

mudança ocorreu no ano de 1934 e vige até os dias atuais. 5

Em 1.939, foi criado o Programa Nazista da Eutanásia com o objetivo de realizar uma

“reestruturação da sociedade” em que seriam eliminados os doentes incuráveis. 6

Quando a eutanásia ocasionou grande repercussão em diversos países, a Igreja

Católica, em 1956, expôs seu primeiro posicionamento contrário. 7

O posicionamento da Igreja passou a viger no ano de 1957, quando o Papa Pio XII

criticou o trabalho de alguns médicos. Sua opinião dizia que a eutanásia dava a oportunidade

de ser aplicado o princípio do duplo efeito. Este princípio defende a possibilidade do cidadão

optar pela eutanásia ou passar pelo tratamento à base de drogas específicas para amenizar o

sofrimento. 8

A Associação Mundial de Medicina criou a resolução contrária sobre os ditames da

eutanásia. Fato acontecido em 1968. 9

Na Holanda, foi julgado um dos primeiros casos sobre a aplicação real da eutanásia.

No ano de 1973, uma médica foi punida pelo crime de homicídio, com uma pena de suspensão

1 PEREIRA, Sandra Aparecida; PINHEIRO, Ana Claudia Duarte. Eutanásia. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/10965. Acessado em: 6 jul. 2014. 2 GOLDIM, José Roberto. Breve histórico da eutanásia. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/euthist.htm. Acessado em: 5 jul. 2014. 3 Idem, Ibidem. 4 Idem, Ibidem. 5 Idem, Ibidem. 6 Idem, Ibidem. 7 Idem, Ibidem. 8 GOLDIM, José Roberto. Breve histórico da eutanásia. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/euthist.htm>. Acesso em: 5 jul. 2014. 9 Idem, Ibidem.

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de uma semana e liberdade condicional por 1 (um) ano ao colocar morfina na veia da própria

mãe. 1

A posição contrária da Igreja fez com que o Vaticano, no ano de 1980, mostrasse seu

posicionamento sobre a aplicação do princípio do duplo efeito. Este posicionamento surgiu

através da Declaração sobre a Eutanásia e defende a falta de necessidade deste tratamento. 2

A Corte de Rotterdam, com seu posicionamento em 1981, revisou a aplicação da

eutanásia e seus efeitos. 3

Após alguns anos, foi solicitado pela Real Sociedade Médica dos Países Baixos e pelo

Ministério da Justiça, no ano de 1990, a ausência de punição criminal para qualquer

profissional que realizasse o procedimento da eutanásia. 4

Em 1991, o legislador tentou colocar a aplicação da eutanásia e do aborto no Código

Penal Californiano. Porém, não obteve êxito. 5

Já na Austrália e no Brasil, em 1996, tentaram tornar a eutanásia um procedimento

legal. No Norte da Austrália, aconteceu através de uma lei específica em que foi revogada

meses depois, e pelo Brasil, por um Projeto de Lei nº 125 de 1996 que tramitava no Senado

Federal. 6

No ano de 1997, implantou-se com êxito o procedimento da eutanásia na Colômbia e

nos Estados Unidos. Na Colômbia, foi estabelecido que nenhum profissional seria

responsabilizado pela realização desta prática, pois existia o Movimento com Direito à Morte,

criado em 1979. Já nos Estados Unidos, legalizou-se o suicídio assistido. 7

Por fim, no ano 2000, pela Câmara de Representantes dos Países Baixos foi aprovado

uma legislação sobre a morte assistida, inclusive podendo ser solicitada pelos menores de

idade. O Vaticano manteve seu posicionamento contra, alegando que feria a dignidade

humana. 8

4.2. Conceito

O termo eutanásia vem de origem grega. A palavra eu significa bom ou digno e

thanatos significa morte. 9

Define-se a eutanásia como a morte digna ou como a boa morte no ato de poupar o

doente e seus familiares do sofrimento de alguma doença terminal. Contudo, para aplicação da

eutanásia é levado em conta o lado humanitário e piedoso. 1 2

1 Idem, Ibidem. 2 Idem, Ibidem. 3 Idem, Ibidem. 4 Idem, Ibidem. 5 Idem, Ibidem. 6 Idem, Ibidem. 7 Idem, Ibidem. 8 GOLDIM, José Roberto. Breve histórico da eutanásia. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/euthist.htm. Acessado em: 5 jul. 2014. 9 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 301 e 302.

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A eutanásia não é exemplo somente de doentes terminais, pois também podem

acontecer em outras situações. São exemplos os recém-nascidos com anomalias congênitas

(eutanásia precoce); ou pessoas em estado vegetativo (eutanásia irreversível) ou pessoas

inválidas e que não são capazes de cuidar de si mesmos. 3

4.3. Classificação

A eutanásia pode ser classificada de diversas formas, dentre as quais se destaca as

que se refere ao tipo de ação e ao consentimento do paciente sobre a aplicação deste método.

4.3.1. Tipos de ações

A ação pode ser ativa, ou passiva e indireta ou por duplo efeito.

A primeira acontece com a morte do paciente sem causar sofrimento. 4 Já a ação

passiva ou indireta acontece a morte do paciente devido a um fato terminal existente ou por

alguma omissão médica. 5 Quanto ao duplo efeito, o paciente encontra-se em fase terminal e

por vontade própria ou dos familiares é pedido ao médico que acelere a sua morte. 6

4.3.2. Tipos de consentimentos

O consentimento pode ser voluntário, ou involuntário ou não voluntário.

O consentimento voluntário advém da própria vontade do paciente. 7 No

consentimento involuntário, o paciente encontra-se em fase terminal, mas não deseja que sua

vida seja interrompida. O consentimento torna-se involuntário ao usar alguma intervenção

médica contra a vontade do paciente para que acelere a sua morte. 8 No consentimento não

voluntário, acaba por acontecer à morte do paciente sem que tenha manifestado a favor ou

contra. 9

4.3.3. Outros tipos de classificações

1 Idem, Ibidem. p. 302. 2 NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 425. 3 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia. Comentários à resolução 1.805/2006 CFM. Aspectos Jurídicos. Curitiba: Afiliada, 2009. 4 FRANCISCONI, Carlos Fernando; GOLDIM, José Roberto. Tipos de Eutanásia. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutantip.htm. Acessado em: 9 jul. 2014. 5 Idem, Ibidem. 6 Idem, Ibidem. 7 FRANCISCONI, Carlos Fernando; GOLDIM, José Roberto. Tipos de Eutanásia. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutantip.htm. Acessado em: 9 jul. 2014. 8 Idem, Ibidem. 9 Idem, Ibidem.

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81 81

Recebe o nome de eutanásia natural quando o paciente chega ao óbito de forma

natural. 1

A eutanásia provocada ou voluntária acontece quando o paciente chega ao óbito

através de artifícios utilizados para acelerar a sua morte. Esta classificação de eutanásia

subdivide-se em autônoma e heterônoma. A autônoma acontece pela não intervenção de

terceiros. A heterônoma possui a atuação de terceiros. 2

A eutanásia solutiva também pode ser chamada de eutanásia pura, porque neste tipo

de eutanásia utiliza-se somente à assistência física, moral, espiritual ou psicológica do doente.

3

Na eutanásia resolutiva, a morte do paciente é acelerada com o seu devido

consentimento ou manifestação, se possível. Esta se subdivide em diversas espécies. A

libertadora ou terapêutica possui a função de causar o menor sofrimento possível ao paciente.

A eugênica ou selecionadora irá selecionar os doentes incuráveis para aplicar esse

procedimento. A econômica tem o intuito de suprir da sociedade os doentes incuráveis. 4

A eutanásia ativa ou por omissão ocorre quando são utilizados métodos que ajudam o

paciente a morrer buscando eliminar o sofrimento. É dividida em direta e indireta. A direta

possui a finalidade reduzir o tempo de vida do paciente por meio de métodos que o auxiliam a

morrer. A indireta destina-se a diminuir o sofrimento do paciente e reduzir seu tempo de vida 5

4.4. Modalidades

Assim como as classificações, o estudo da eutanásia também aborda suas devidas

modalidades.

A eutanásia trata-se de um único método, porém com várias formas de aplicação. Vale

lembrar que para cada paciente tem uma opção de eutanásia diferente. 6

A morte libertadora acontece na hipótese em que o paciente manifesta a vontade de

colocar fim na própria vida, ao alegar dor. 7

A morte eliminadora tem como referência a eugenia. Ou seja, as situações que fogem

da normalidade do mundo humano. 8

A morte econômica envolve o princípio da economia. O médico ao constatar no

diagnóstico dizendo que a situação do paciente tornou-se irreversível, a partir deste momento,

qualquer atitude será inútil. 1

1 Idem, Ibidem. 2 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia. Comentários à resolução 1.805/2006 CFM. Aspectos Jurídicos. Curitiba: Afiliada, 2009. 3 Idem, Ibidem. 4 Idem, Ibidem. 5 Idem, Ibidem. Acessado em: 9 jul. 2014. 6 FRANCISCONI, Carlos Fernando; GOLDIM, José Roberto. Tipos de Eutanásia. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutantip.htm. Acessado em: 9 jul. 2014. 7 Idem, Ibidem. 8 Idem, Ibidem.

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4.5. Aplicações

No ordenamento jurídico brasileiro, a eutanásia é tratada de forma polêmica por não

existir fato típico descrevendo tal conduta. 2

Ainda há quem considere a eutanásia provocada ou voluntária autônoma como

espécie de suicídio. A conduta, neste caso, é tipificado pelo de crime de induzimento,

instigação ou auxílio ao suicídio (artigo 122 do Código Penal – suicídio assistido). 3

A escritora Maria de Fátima Freire de Sá expõe em seu livro a diferença da eutanásia

para o suicídio assistido, mostrando que as figuras não podem consideradas sinônimas:

“Na eutanásia, o médico age ou omite-se. Dessa ação ou omissão surge, diretamente, a

morte. No suicídio assistido, a morte não depende diretamente da ação de terceiro. Ela é

consequência de uma ação do próprio paciente, que pode ter sido orientado, auxiliado ou

apenas observado por esse terceiro.” 4 5

Tereza Rodrigues Vieira aproveita as ideias da escritora Maria de Fátima Freire de Sá e

também esclarece em sua citação que o homicídio, o suicídio ou o suicídio assistido não

possuem correlação com o fato da pessoa portadora de moléstia ou em estado terminal se

desinteressar de viver daquela forma. É defendido que qualquer pessoa pode perder o

interesse de viver, independente de estar com alguma doença.

“É interessante sublinhar que, tal como no homicídio, nem sempre as situações de auxílio ao

suicídio ou suicídio assistido têm relação com doentes terminais, pessoas que sofrem de

alguma forma moléstia física etc. Muitas vezes não há essa relação, já que alguém pode

decidir deixar de viver sem possuir alguma doença terminal. Muitos são os problemas e

circunstâncias que podem levar o indivíduo a querer morrer por não conseguir conviver com

determinada situação.” 6

4.6. Argumentos favoráveis e contrários

4.6.1. Favoráveis

1 Idem, Ibidem. 2 RIBEIRO, Diaulas Costa. Viver bem não é viver muito. Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano 3, n.29, v.1,p.17-20, maio 1999. 3 Idem, Ibidem. 4 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 304. 5 RIBEIRO, Diaulas Costa. Viver bem não é viver muito. Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano 3, n.29, v.1,p.17-20, maio 1999. 6 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2002.p.83.

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A vida humana possui um valor fundamental, mas não pode ser mantida como

absoluta nos casos de enfermidade terminal. 1

Deixar que a morte prevaleça à vida acaba envolvendo a esfera da liberdade e

autonomia do paciente, e todos possuem o direito de escolher se querem viver em condições

terminais ou morrer para amenizar o sofrimento. 2

O princípio da dignidade da pessoa humana expõe que todos merecem tanto viver

quanto morrer dignamente. Desta forma, evitará que o doente em fase terminal seja visto

perante à sociedade com olhos de piedade, humilhação e compaixão. 3

O prolongamento da vida de um paciente em condição vegetativa trará sofrimento,

pois este não conseguirá viver em sociedade como antes. 4

Também se trata de ato piedoso, humanitário e solidário. 5

A morte não deve ser analisada como uma maldade para o paciente, por conseguinte

ao não possuir mais perspectivas de sobrevivência digna estar-se-á realizando o bem. 6

4.6.2. Contrários

A vida não pode ser retirada, independentemente do estado de saúde em que o

paciente se encontra. 7

A eutanásia é considerada um homicídio, pois estará retirando a vida de uma pessoa

que mesmo em condições terminais, possui o corpo presente. 8

A vida é um bem inviolável e a permissão da eutanásia proporcionaria que os

pacientes terminais ficassem longe de suas famílias e amigos, pelo simples fato de não

poderem corresponder no afeto e na companhia. Caso isso aconteça o doente passaria a ser

visto como uma pessoa inativa e insignificante para a sociedade, retirando a sua vez de existir.

9

A eutanásia não pode ser considerada totalmente válida, afinal, pode acontecer à

possibilidade de um erro médico. 10

Com o avanço tecnológico em diversas áreas, inclusive na saúde, constatam-se

avanços na medicina ao ponto de advirem descobertas terapêuticas. 11

1 LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e Estado Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.137 a 162. 2 Idem, Ibidem. 3 Idem, Ibidem. 4 Idem, Ibidem. 5 LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e Estado Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.137 a 162. 6 Idem, Ibidem. 7 Idem, Ibidem. 8 Idem, Ibidem. 9 Idem, Ibidem. 10 Idem, Ibidem. 11 Idem, Ibidem.

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O paciente ao se encontrar em estado vegetativo e irreversível, ampliam-se as

chances de tráfico de órgãos, tendo em vista, que há casos onde grande parte dos aparelhos

do corpo humano funcionam perfeitamente. 1

4.7. Eutanásia no Brasil

Quem pratica a eutanásia no Brasil está cometendo o crime de homicídio simples,

aplicando-se as regras e penalidades do artigo 121 do Código Penal Brasileiro. Também

existem aqueles que defendem que a prática da eutanásia tipifica o crime de induzimento,

instigação ou auxílio ao suicídio (artigo 122 do mesmo Código Penal). 2

As cláusulas constitucionais prevalecem à ideia de que o Estado deve cuidar da vida

do cidadão em todas as situações, independente de doença terminal. 3

Vale ressaltar que o médico que praticar a eutanásia, além de responder pelas

penalidades civis e criminais, irá sofrer punições do Conselho Regional de Medicina, proferidas

pelo Conselho de Ética Médica. 4

O novo Código brasileiro de ética médica defende que o médico deverá sempre

proteger a vida do paciente, independente de possuir enfermidade incurável. Ainda estipula

que o médico está proibido de utilizar artifícios que venha a prejudicar a vida ou a dignidade

humana. 5 6

Na Câmara dos Deputados estão presentes 03 (três) projetos de leis para serem

votados sobre a aplicabilidade da eutanásia, quais sejam Projetos de Leis n.° 4.662 de 1981;

732 de 1983 e 1.989 de 1991. 7

4.8. Posicionamento da Igreja Católica

No dia 05 de maio de 1980, o papa João Paulo II se manifestou sobre a declaração da

eutanásia. Esta manifestação teve o objetivo de informar aos católicos sobre os efeitos,

consequências e pensamentos jurídicos sobre o tema. 1

1 Idem, Ibidem. 2 PEREIRA, Sandra Aparecida; PINHEIRO, Ana Claudia Duarte. Eutanásia. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/10965. Acessado em: 6 jul. 2014. 3 PEREIRA, Sandra Aparecida; PINHEIRO, Ana Claudia Duarte. Eutanásia. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/10965. Acessado em: 6 jul. 2014. 4 Idem, Ibidem. 5 Art. 6º: O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em beneficio do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra a dignidade e integridade. É vedado ao médico: Art. 41: Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo Único: Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. 6 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – Novo Código de Ética. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20660:capitulo-v-relacao-com-pacientes-e-familiares&catid=9:codigo-de-etica-medica-atual&Itemid=122. Acessado em: 12 jul. 2014. 7 Idem, Ibidem. Acessado em: 6 jul. 2014.

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Nesta declaração sobre a sutanásia está explicando os posicionamentos da doutrina

católica contra a implantação de tal meio, alegando que Deus é o único que pode retirar a vida

de uma pessoa e que este fará na hora e momento certo, independentemente do problema de

saúde. Desta forma, a Igreja Católica não permite o suicídio, o suicídio assistido, o homicídio e

a eutanásia. 2

4.9. Diferenças entre ortotanasia, distanásia e mistanásia

A ortotanásia é considerada como morte natural sem que haja a intervenção da

pessoa ou de terceiros. 3 4

A distanásia consiste no retardamento do processo de morte. Isto é, os médicos irão

adotar métodos para que a vida do paciente, em estado terminal, perdure o máximo possível

com remédios e aparelhos. 5 6

A mistanásia está relacionada com a situação financeira do paciente e da família, pois

o paciente que desejar encurtar o lapso temporal da vida e não possuir condições econômicas

suficientes será aplicado o procedimento da mistanásia em um hospital público. 7

4.9.1. Projeto de Lei sobre a ortotanásia

Em 26 de dezembro de 2009, sábado, foi publicada a matéria no jornal Folha de São

Paulo sobre a aprovação ou não do projeto de lei referente à ortotanásia. 8

O Senador Gerson Camata, que faz parte do Partido do Movimento Democrático

Brasileiro – PMDB, através de um projeto de lei conseguiu retirar a ortotanásia da parte de

ilicitudes penais. 9

Este projeto de lei, caso fosse aprovado, iria permitir que os médicos aplicassem o

método da ortotanásia no Brasil para os pacientes considerados terminais. Esta comprovação

seria através de laudos médicos específicos. Neste projeto, também seria aplicado

conhecimentos médicos para que o paciente tenha o menor sofrimento possível no transcorrer

da morte. Seria considerada uma morte digna e sem a obrigatoriedade de artifícios que fossem

contra a vontade ou consentimento do paciente e que pudesse acelerar o óbito. 10

1 OLIVEIRA, Everth Queiroz. A Igreja e a Eutanásia. Disponível em: http://beinbetter.wordpress.com/2009/02/06/a-igreja-e-a-eutanasia/. Acessado em: 7 jul. 2014. 2 Idem, Ibidem. 3 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia. Comentários à resolução 1.805/2006 CFM. Aspectos Jurídicos. Curitiba: Afiliada, 2009. 4 NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. p. 426. 5 Idem, Ibidem. 6 Idem, Ibidem. p. 425. 7 Idem, Ibidem. 8 LIMA, Carlos Vital. Deve ser aprovado o projeto de lei que descriminaliza a ortotanásia? Folha de São Paulo, São Paulo, 26 dez. 2009. 9 Idem, Ibidem. 10 Idem, Ibidem.

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Esta iniciativa teve como base a Resolução nº 1.805 do Conselho Federal de Medicina.

A Resolução procura abordar as questões éticas no transcorrer do tratamento utilizando meios

que não prejudicassem os pacientes terminais. 1

Na ortotanásia, a morte aconteceria de forma natural e no momento certo. O que se

difere da eutanásia que acelera a morte ou da distanásia que prolonga. 2

Vale ressaltar que, atualmente, este projeto não se encontra em tramitação, tendo

sido arquivada no final da legislatura do ano de 1999. 3

4.9.2. Projeto de Lei sobre a eutanásia

O artigo 121 do Código Penal brasileiro tipifica o homicídio simples com pena de

reclusão. O §4º, do mesmo artigo, estabelece que a pena será aumentada de 1/3 (um terço)

se o homicídio resulta inobservância de regra técnica da profissão. Por analogia, o médico

poderá responder pelo crime de homicídio caso venha a praticar a eutanásia. 4 5

É defendido por outros que se o médico aplicar os métodos da eutanásia poderá

responder pelo crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, como demonstra o

artigo 122 do mesmo Código. Ainda existe a possibilidade de aumento de pena para a prática

deste crime. 6 7

Diante desta penalidade vigente na legislação brasileira, existiu um projeto com o

objetivo de tornar possível a aplicação da eutanásia sem que o médico receba alguma punição.

A fundamentação jurídica para a permissão do ato seria os casos de exclusão de ilicitude. 8

Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se

previamente atestada por 2 (dois) médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que

1 Idem, Ibidem. 2 Idem, Ibidem. 3 LIMA, Carlos Vital. Deve ser aprovado o projeto de lei que descriminaliza a ortotanásia? Folha de São Paulo, São Paulo, 26 dez. 2009. 4 Homicídio Simples CP, Art. 121, caput: Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. [...] Aumento de pena §4º: No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. 5 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07.12/1940. Institui o Código Penal. Presidência da República. Rio de Janeiro, RJ, 7 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acessado em: 7 jul. 2014. 6 Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio CP, Art. 122, caput: Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena I – Se o crime é praticado por motivo egoístico; II – Se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. 7 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07.12/1940. Institui o Código Penal. Presidência da República. Rio de Janeiro, RJ, 7 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acessado em: 7 jul. 2014. 8 PEREIRA, Sandra Aparecida; PINHEIRO, Ana Claudia Duarte. Eutanásia. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/10965. Acessado em: 6 jul. 2014.

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haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente,

cônjuge, companheiro ou irmão. 1

A eutanásia prevista no anteprojeto não possuía a finalidade de retirar a vida da

pessoa, mas de amenizar o sofrimento do doente e da família. Neste caso, o médico não

continuaria prolongando a vida de uma pessoa que necessita de métodos artificiais para que o

corpo continue funcionando. 2

Se fosse permitida a eutanásia, o artigo do Código Penal possuíra uma nova redação.

Seria a seguinte: 3

“Homicídio Simples

Artigo 121, caput: Matar alguém:

Pena – Reclusão, de seis a vinte anos.

[...]

§3°: Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para

abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:

Pena- Reclusão, de três a seis anos.

§4°: Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se

previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que

haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente,

cônjuge, companheiro ou irmão.” 4

Este Projeto elaborado pelo Senador Gilvam Borges, encontra-se arquivado desde

1999, não tendo mais a possibilidade de vir a ser aprovado. 5

5. Conclusão

A Eutanásia é a forma mais simples e rápida de acabar com o sofrimento do paciente

portador de enfermidade incurável. Além deste método existem outras formas semelhantes

como a ortotanásia, a distanásia ou mistanásia.

O Estado possui vários deveres perante à sociedade. Porém, o principal deles é

assegurar e proteger a vida de todos. Ademais, este bem é considerado o mais importante e

valioso, sendo ainda ato personalíssimo e possuindo ampla proteção jurídica. Reafirma-se que

ninguém pode violar ou ofender, direta ou indiretamente, a vida de outrem. Neste aspecto

jurídico, não há o que se discutir.

1 PEREIRA, Sandra Aparecida; PINHEIRO, Ana Claudia Duarte. Eutanásia. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/10965. Acessado em: 6 jul. 2014. 2 PEREIRA, Sandra Aparecida; PINHEIRO, Ana Claudia Duarte. Eutanásia. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/10965. Acessado em: 6 jul. 2014. 3 Idem, Ibidem. 4 Idem, Ibidem. 5 Idem, Ibidem.

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A aplicação da eutanásia é a forma de proteção da pessoa enferma ou debilitada que

não suporta continuar com tratamentos dolorosos. A aplicação do procedimento, desde que

obedecidos todos os requisitos, amenizaria a dor dos familiares e amigos em falsas esperanças

de recuperação do ente querido.

Deve ser observado que a defesa para a aplicação da eutanásia aconteceria nos casos

realmente extremos, por exemplo, na situação de recém-nascidos com anomalias congênitas

(eutanásia precoce); de pessoas em estado vegetativo (eutanásia irreversível); de indivíduos

inválidos e que não são capazes de cuidar de si mesmos.

O direito à vida deve ser preservado, porém o ordenamento jurídico não deve

apreciado com radicalismo ou imposição. Afinal, o Estado deve proporcionar uma vida digna ao

ser humano e as leis devem ser aplicadas para o benefício de todos.

O princípio da dignidade da pessoa humana expõe que todos merecem tanto viver

quanto morrer dignamente. Desta forma, evitará que o doente em fase terminal seja visto

perante a sociedade com olhos de piedade, humilhação e compaixão. Isto não é considerado

uma maldade.

Conclui-se que o procedimento da eutanásia deve ser melhor discutido e analisado de

forma ampla, mesmo citado por diversas vezes em preservar à vida. Entretanto, a situação

peculiar do paciente incapacitado e debilitado para desfrutar de uma vida digna seria uma

exceção a regra, pois não haveria dignidade e integridade na vida humana.

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6. Referências

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http://www.ufrgs.br/bioetica/eutantip.htm. Acessado em: 9 jul. 2014.

GOLDIM, José Roberto. Breve histórico da eutanásia. Disponível em:

http://www.ufrgs.br/bioetica/euthist.htm. Acessado em: 5 jul. 2014.

LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e Estado

Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

LIMA, Carlos Vital. Deve ser aprovado o projeto de lei que descriminaliza a ortotanásia? Folha

de São Paulo, São Paulo, 26 dez. 2009.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.

OLIVEIRA, Almir de. Curso de Direitos Humanos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

OLIVEIRA, Everth Queiroz. A Igreja e a Eutanásia. Disponível em:

http://beinbetter.wordpress.com/2009/02/06/a-igreja-e-a-eutanasia/. Acessado em: 7 jul.

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PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

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PEREIRA, Sandra Aparecida; PINHEIRO, Ana Claudia Duarte. Eutanásia. Disponível em:

http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/10965. Acessado em: 6 jul.

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RIBEIRO, Diaulas Costa. Viver bem não é viver muito. Revista Jurídica Consulex, Brasília,

ano 3, n.29, v.1,p.17-20, maio 1999.

SÁ, Maria de Fátima Freire de. Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2002.

_______. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da

República, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em:

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_______. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07.12/1940. Institui o Código Penal. Presidência

da República. Rio de Janeiro, RJ, 7 dez. 1940. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acessado em: 7 jul. 2014.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – Novo Código de Ética. Disponível em:

http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20660:capitulo-v-

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Acessado em: 12 jul. 2014.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:

http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acessada em: 9 jul.

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Doutrina

Indicação 026/2013: Nova Lei de Crimes Resultantes de Discriminação e Preconceito

Victoria-Amália de Barros Carvalho Gozdawa de Sulocki1

PARECER - Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

Autor: Jacksohn Grossman

Matéria: Nova Lei de Crimes Resultantes de Discriminação e Preconceito

Relatora: Victoria-Amália de Barros Carvalho Gozdawa de Sulocki

Ementa: Projeto de Lei da Câmara n° 6.418 de 2005. Revoga

integralmente a Lei 7.716/89 (Lei Caó). Defrne crimes resultantes de

discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião, aparência,

condição social, descendência, origem nacional ou étnica, de idade ou

condição de pessoa com deficiência.

A presente indicação visa o exame do PLC n° 6.418/2005 de 2006, em tramitação na

Câmara dos Deputados, cuja origem é o Projeto de Lei do Senado n° 30912004 de autoria de

Paulo Paim (PTIRS), que visa revogar por inteiro a Lei n° 7.716/1989, substituindo-a pelo

projeto que, da mesma fora que a já conhecida lei Caó, defrne crimes para coibir a

discriminação de gênero, sexo, etnia, religião, idade, condição de pessoa com deficiência, e

curiosamente, deixa de tipificar as condutas de preconceito em razão de orientação sexual e

identidade de gênero.

Muito bem percebeu o I. Consócio indicante quando afirmou que:

"O PLS em questão reproduz praticamente todas as disposições já contidas na Lei em vigor, apenas introduzindo algumas figuras delitivas, como violência, homicídio e lesões corporais, resultantes de preconceito, bem como a associação cnmmosa com o fim de cometer algum dos crimes ali previstos. Com efeito, a discriminação no mercado de trabalho já se acha contemplada nos arts. 3°. e 4°., e seus parágrafos, da Lei vigente. O mesmo quanto ao agravamento de pena se praticada contra menor.

1 Victoria-Amália de Barros Carvalho Gozdawa de Sulocki - Professora Doutora pela PUC-Rio em Teoria do Direito, com

diversas publicações na área do direito, lecionando na cadeira de Direito Penal e Processo Penal na mesma

Universidade. Presidente da Comissão Permanente de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros

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No tocante à injúria, esta já se acha incorporada ao Código Penal, sob a denominação de injúria racial, em seu art.140 - § 3°, por força da Lei no.9.459/97, de autoria do então Deputado Paulo Paim. Nesse particular, a Lei no. 12.033/2009, alterando o § único do art. 145 do Cód. Penal, tomou pública condicionada a ação penal quando a injúria consiste na

utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, avançando, pois, em relação ao art. 9°. do PLS em foco, que restringe a iniciativa à representação do ofendido. Ademais, a declaração de que os crimes de racismo são inafiançáveis e imprescritíveis, já consta do art. 5°. - inciso XLII, da Constituição Federal, consoante a propositura de emenda pelo então deputado Carlos Alberto de Oliveira. Por outro lado, a Lei CAÓ, durante 23 anos de vigência, mostrou-se eficaz para combater a discriminação e o preconceito, tendo sido aperfeiçoada mediante diversas alterações, tais como a Lei no. 9.459, de 15/05/97, de autoria do mesmo, mas então Deputado Paulo Pairo, que introduziu a procedência nacional como um dos elementos de discriminação, assim também a fabricação, comercialização e veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, a previsão de ser o crime praticado por intermédiodos meios de comunicação social; a Lei no. 12.288, de 2010 (Estatuto da Igualdade Racial), de autoria do mesmo Senador Paulo Paim, que introduziu diversas capitulações relativas à discriminação nas relações do trabalho, e finalmente, a recente Lei no. 12.735, de 30.11.2012, que prevê a possibilidade de o juiz determinar, antes do inquérito policial, ouvido o Ministério Público, ou a pedido deste, a cessação de transmissões radiofônicas, televisivas ou eletrônicas, se se tratar da prática, indução ou incitamento à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Portanto, não se vislumbra a necessidade de uma nova Lei, revogando a anterior, que poderia, quando muito, sofrer alterações que possamvir a aprimorá-Ia, como aliás algumas vezes já ocorreu."

O projeto em análise, além de reproduzir praticamente as disposições da Lei 7.716/89

que se pretende revogar, traz alguns retrocessos, como, por exemplo, a retirada das

determinações judiciais de recolhimento imediato ou busca e apreensão de materiais de

propagandas discriminatórias, ou ainda, da cessação de transmissões radiofônicas ou

televisivas, hoje previstas nos parágrafos do artigo 20 da Lei 7.716/89, que são medidas com

objetivo de fazer cessar a discriminação, por vezes mais eficazes do que a mera repressão

penal.

No entanto, talvez o maior descompasso do projeto seja pretender substituir toda Lei

7.716/89, por uma nova lei, sob o argumento de que "esse projeto de lei oriundo do Senado

Federal representa definitivamente um avanço. Corrige eventuais falhas da Lei no 7.716, de

1989, e valoriza a dignidade humana, que abrange a todos de idêntica maneira,

independentemente de sua origem, cor, etnia, religião ou sexo", mas deixa de fora a

discriminação e o preconceito em razão de "orientação sexual e identidade de gênero".

E neste ponto está a maior fraqueza deste projeto que ao contrário do PL 122/2006,

de autoria do mesmo Senador Paulo Paim, não contempla todas as formas de discriminação,

limitando-se a reproduzir quase todos os dispositivos da lei 7.716/89, retirando da Lei Caó

instrumentos não penais, mas de cunho preventivo, como recolhimento de material

discriminatório ou suspensão de emissões preconceituosas.

O PL 122/2006 visa alterar a Lei n° 7.716/1989, o Decreto-dei n° 2.848/1940 (Código

Penal) e o Decreto-Lei n" 5.452/1943 (CLT) para coibir a discriminação preconceito de raça,

cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo,

orientação sexual ou identidade de gênero. Além da proteção contra discriminação ou

preconceito pelas razões já indicadas na Lei em vigor, acrescentava a proteção contra

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discriminações em razão de condição de pessoa idosa ou com deficiência, orientação sexual ou

identidade de gênero; também alterando alguns dispositivos de forma a aumentar a proteção

contra tais discriminações.

O PL 122/2006 foi objeto de parecer da Comissão Permanente de Direito Penal,

aprovada à unanimidade em Sessão Plenária, parecer este que ora se anexa ao presente texto.

Essa remissão ao PL 122/2006 se faz necessária, uma vez que trata-se de projeto com

conteúdo semelhante, mas que tão somente pretende modificar a Lei 7.716/89, dando-lhe

uma feição que responda de forma mais adequada às demandas de ampliação o rol de

proteção a cidadãos que integram classes sociais minoritárias que sofrem graves e constantes

discriminações.

Assim, o PL 122/2006 permitiria o maior exercício da cidadania, a dignidade das

pessoas e o tratamento igualitário, todos direitos constitucionais fundamentais passíveis de

tutela penal, eIS que constituem valores imprescindíveis para o convívio em nossa sociedade

que é pluralista, mas apresenta severas dificuldades de aceitar e viver com a alteridade diária

e permanente1.

Desta forma, em razão da conclusão do parecer anteriormente apresentado a favor do

PL 122/2006 que modifica a Lei 7.716/89, e pelo fato do PL 6.418/05, embora pretendendo

revogar toda Lei vigente, substituindo-a por nova lei, ser menos abrangente em relação às

proteções contra toda forma de discriminação e preconceito, retirando da legislação inclusive

algumas medidas de prevenção, é que esta relatoria é contra a aprovação do PL 6.418/2005.

Aditamento

Ref. Indicação n° 066/2011

Autor: Presidente da Comissão Permanente de Direito Penal IAB

Matéria: Crimes resultantes de preconceito

Relatora (vista): Victoria-Amália de Barros Carvalho Gozdawa de Sulocki

Ementa: Projeto de Lei da Câmara n° 122 de 2006. Crimes resultantes

de preconceito de raça, cor, etnia, religião, gênero, sexo, orientação

sexual e identidade de gênero. Alteração da Lei n° 7.716 de 5.01.1989 e

da redação do §3° do art. 140 do Código Penal. Parecer original da

Consócia Marcia Dinis. Modificação parcial do voto original.

A presente indicação visa o exame do PLC n° 122 de 2006, em tramitação no Senado

Federal, cuja origem é o Projeto de Lei n° 05003 de 2001 de autoria da então Deputada Iara

Bemardi (PT/SP) que visa alterar a Lei nº 7.716/1989, o Decreto-dei n° 2.848/1940 (Código

Penal) e o Decreto-Lei nº 5.452/1943 (CLT) para para coibir a discriminação de gênero, sexo,

orientação sexual e identidade de gênero.

1 BAUMAN, Zygmunt ob. cit, p. 44.

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A matéria desde o início vem suscitando debates acalorados em razão do embate que

desde logo se instalou entre os diversos movimentos de proteção aos direitos de homossexuais

e as diferentes instituições religiosas, sobretudo a Igreja Católica e Igrejas Evangélicas,

ficando o projeto de lei mais conhecido como o projeto de criminalização da homofobia.

O foco na questão da homofobia acabou por desvirtuar um pouco o debate, uma vez

que as alterações propostas não tratam apenas deste tipo de discriminação e violência, mas

ampliam o rol das discriminações criminalizadas quanto à "condição de pessoa idosa ou com

deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero", não contempladas

anteriormente pela proteção penal prevista no artigo 1.o. da Lei 7.716/89. Tal proteção

também é contemplada na mudança prevista para o artigo 140 do Código Penal, tipo penal de

injúria, em seu parágrafo 3.o., pois o Projeto de Lei inclui essas novas formas de

discriminação.

A tramitação do PLC no Senado, que tomou o n° 122 e se iniciou em dezembro de

2006 é pontuada por audiências públicas, embates nas mídias, moções públicas, tanto pró,

quanto contra o projeto. Até dezembro de 2012, o PLC 122/2006 encontrava-se na Comissão

de Direitos Humanos do Senado Federal, sob relatoria da Senadora Marta Suplicy (PT/ SP). A

senadora chegou a apresentar uma prévia do seu parecer em maio de 2011, que não chegou a

ser lido nem votado devido às polêmicas em tomo do projeto. Atualmente, o PLC 122/2006 foi

redistribuído para o Senador Paulo Paim, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e

Legislação Participativa, que avocou a relatoria do Projeto.

A presente indicação foi objeto de parecer da I. Consócia Marcia Dinis apresentado em

reunião da Comissão Permanente de Direito Penal, tendo a relatora apresentado excelente

trabalho ao qual ousei divergir parcialmente, apenas no tocante à criação de dois novos tipos

penais (artigos 8.0. - A e 8.0. - B) na Lei 7.716/89, com penas maiores (de 02 a 05 anos) do

que as previstas nos outros crimes referentes à outras discriminações (de O1 a 03 anos) na

mesma Lei. Na ocasião, entendia que estaríamos criando uma discriminação dentro da própria

Lei 7.716/89, com alguns tipos de discriminações tendo um tratamento gravidade. Porque

seria mais grave a discriminação por homofobia do que a por religião ou raça?

Tendo maioria na Comissão votado na divergência parcial, coube-me a elaboração de

novo parecer sobre a matéria. Neste ínterim, o Projeto de Lei 1221/2006 foi novamente

modificado e o texto atualmente em tramitação é o substitutivo apresentado pela então

Senadora Fátima Cleide (PT/RO) que contempla, dentre outras modificações, exatamente o

ponto do qual divergia no parecer anterior.

O Projeto de Lei que passou a tramitar foi o substitutivo apresentado pela Senadora

Fátima Cleide, o qual retirou diversos artigos apresentados como emendas, simplificando o

projeto, sem no entanto deixar de comtemplar os diversos novos tipos de discriminação que

passaram a constar do rol do artigo l.o. Ia Lei 7.716/89, com sua nova redação:

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EMENDA - CDH (SUBSTITUTIVO) Projeto de Lei da Câmara 122, de 2006 Altera a Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o § 3° do art. 140 do Decreto-Lei n°

2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para punir a discriminação ou preconceito de origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, e dá outras providências. Art. 1° A ementa da Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação: "Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero." (NR) Art. 2° A Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero." (NR) "Art. 8° Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares ou locais semelhantes abertos ao público. Pena: reclusão de um a três anos. Parágrafo único: Incide nas mesmas penas aquele que impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público de pessoas com as características previstas no art. 1º desta Lei, sendo estas expressões e manifestações permitida às demais pessoas." (NR) "Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Pena: reclusão de um a três anos e multa. "(NR) Art. 3°. O § 3° do art. 140 do Decreto-Lei n" 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: "§ 3° Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:.............................................................." (NR) Art. 4° Esta Lei entra em Vigor na data de sua publicação."

O parecer se dirige no sentido da aprovação do Projeto de Lei, tal como acima

redigido, por entender que ele não se enquadra no processo de expansão desmesurada do

poder punido, mas tão somente acresce à lista de bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal,

outros tantos direitos já inscritos em nossa Constituição da República. Para tanto, e em

homenagem à Consócia Márcia Dinis, faço minhas suas palavras para fundamentar meu

entendimento.

"O Projeto de Lei n° 122/2006 não pretende criar nova lei penal, mas ampliar o rol de proteção a cidadãos que integram classes sociais minoritárias que sofrem graves e constantes discriminações. Este rol incluía inicialmente discriminações de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (na redação da Lei n° 7.716, acrescida pela Lei n° 9.459, de 15/05/97) e previsto no art. 140, §3°, do CP. Também não tem a intenção de criar bens jurídicos, até porque "a legislação penal não cria bens jurídicos: são eles criados pela Constituição, pelo direito internacional a ela incorporado".1 A Constituição Brasileira de 1988, no seu art. 1°, prevê como direito fundamental de todos brasileiros a cidadania e a dignidade da pessoa humana e, em seu art.3°, consigna dentre os objetivos fundamentais do Estado brasileiro "reduzir as desigualdades sociais" e "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. "

1 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro. V. 2. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p.216.

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Ainda dispõe no caput do art. 5° que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade." Da mesma forma, está previsto no art. 7° da Declaração Universal dos Direitos Humanos,

da qual o Brasil é signatário, que "todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação". Da mesma forma, está previsto no art. 7° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que "todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação". Vivemos, numa sociedade complexa, onde as diferenças e o pluralismo são acentuados. Salienta José Afonso da Silva que "o pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categoriassociais, de classes, grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos" e "o Estado Democrático de Direito, em que se constituiu a República Federativa do Brasil, assegura os valores de uma sociedade pluralista”1. A desigualdade, que até tempos atrás era autorregulável e autocorrigível, atingiu proporções tamanhas que o Direito Penal tomou-se necessário.2 Primeiramente, foram reguladas as diferenças de cor, raça, etnia e religião. Depois, a proteção dos idosos e deficientes físicos. Agora, busca-se eliminar os preconceitos de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Optar por uma sociedade pluralista é promover a defesade interesses, muitas vezes, contraditórios.3 E o conflito de interesses no Projeto de Lei n° 122/2006 é evidente diante da tendência atual de prevalecer o Direito Penal Mínimo e, ao mesmo tempo, adequar o Direito Penal à sociedade complexa e pluralista que somos. Segundo Zygmunt Bauman, "os tempos pós-modernos estão marcados por uma concordância quase universal de que a diferença não é meramente inevitável, porém boa, preciosa e precisando de proteção.4 De acordo com o princípio da intervenção mínima ou ultima ratio, que orienta e limita o poder punitivo do Estado, a criminalização de uma conduta só é legitima se constituir meio necessano para a proteção de determinado bem jurídico.5 Além disso, o Direito penal possui caráter fragmentário, eis que tutela somente bens jurídicos de indiscutível relevância quanto à gravidade e ofensividade.6 O exercício da cidadania, a dignidade das pessoas e o tratamento igualitário são direitos constitucionais fundamentais passíveis e necessários de tutela penal eis que constituem valores imprescindíveis para o convívio em nossa sociedade que é pluralista, mas apresenta severas dificuldades de aceitar e viver com a alteridade diária e permanente.?7

O Projeto, portanto, tem como objetivo ampliar o alcance da tutela da Lei n°

7.716/1989 para incluir entre os crimes resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião

ou procedência nacional (na nova lei designada como "origem"), a discriminação ou

preconceito sobre a condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação

sexual e identidade de gênero. E o faz já no artigo 1.0. da Lei quando acresce ao texto tais

elementos.

1 SILVA,José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 143. 2 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 34. 3 Idem. ibdem. 4 BAUMAN, Zygmunt. ob. cit. p. 44. 5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, P: 11. 6 Idem, p. 12. 7 BAUMAN, Zygmunt. ob. citop. 44.

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O Artigo 8º1 tem o acréscimo de um parágrafo único - "incide nas mesmas penas

aquele que impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais

públicos ou privados abertos ao público de pessoas com as características previstas no art. 10

desta Lei, sendo estas expressões e manifestações permitidas às demais pessoas."

O disposto neste parágrafo único introduzido na Lei 7716/89 pelo projeto de Lei vai de

encontro aos anseios de tratamento igualitário entre as pessoas, protegendo assim o direito

delas de, na diferença, serem tratadas da mesma forma. Andou bem o projeto ao deixar de

aumentar as penas já existentes no texto vigente da lei 7.716/89, mantendo-as no patamar de

01 a 03 anos, obedecendo ao princípio da proporcionalidade.

Por fim, da mesma maneira que ocorre na mudança da Lei 7.716/89, a forma

qualificada do crime de injúria, prevista no § 3° do art. 140 do CP, configurar-se-á não só com

a utilização dos elementos de cor, raça, etnia, origem, religião, como também condição de

pessoa idosa ou portadora de deficiência física, elementos de gênero, sexo, orientação sexual

e identidade de gênero.

O Projeto de Lei n° 122/2006 pretende promover o exercício da cidadania, a dignidade

das pessoas e o tratamento igualitário em grande parte da sua redação. Muito longe de

pretender atingir qualquer fim pedagógico ou educacional, para o qual o Direito Penal é

ineficaz, o Projeto não ensinará às pessoas a respeitarem os direitos fundamentais de outras

pessoas que integram setor minoritário ou desprotegido. Desta observação fica a

recomendação, se é possível fazê-Ia em uma lei de cunho penal, da previsão não só de penas

prisionais, mas talvez de reprimendas e/ou responsabilização também de natureza de

educativa no sentido da cidadania plena e para uma maior compreensão das diferenças entre

as pessoas. Como já escreveu Hannah Arendt "a pluralidade é uma condição humana pelo fato

de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a

qualquer que tenha existido, exista ou venha a existir.2

O reconhecimento da alteridade é um passo fundamental para o caminho da

democracia e, embora, - ressalvo -, não acreditar que o Direito Penal seja o instrumento

adequado para tanto, o PLC 122/2006 traz tal reconhecimento em seu bojo. Desta forma,

entendemos pela aprovação do Projeto de Lei.

Victoria-Amália de Barros Carvalho Gozdawa de Sulocki

1 Redação atual: Art. 8° - Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público. Pena: reclusão de um a três anos.

2 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 1O.ed Forense Universitária, 2005, p. 17.

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Doutrina

Delação Premiada:

O Pau de Arara da Pós-Modernidade

João Carlos Castellar

RESUMO. O artigo debate o instituto processual da delação premiada revendo suas remotas

origens históricas e sua recente inspiração em normativas internacionais. Associa sua

utilização com métodos de investigação violadores de garantias constitucionais e repudia sua

inserção no ordenamento jurídico pátrio.

PALAVRAS-CHAVE. Delação Premiada – Antecedentes – Tortura, confissão e delação -

Importação e recepção de direitos.

1.ANTECEDENTES

Iniciar esta fala comentando a delação de Judas pode não ser muito elegante em se

tratando de uma Universidade Católica. Mas parece não haver dúvida, tal como relata a Bíblia,

de que Jesus, em razão de seus discursos revolucionários, foi julgado por uma corte romana,

passou por martírios e sofreu a pena da crucificação1, por ter sido traído por um dos seus

apóstolos. Claros são os benefícios que Judas Iscariotes, o alcaguete bíblico, recebeu na

ocasião: além de receber trinta dinheiros, escapou do mesmo destino do seu líder. Não se

livrou, porém, da pecha de delator, nem de ser até hoje linchado em praça pública no Sábado

de Aleluia, quando se comemora a Semana Santa católica.

A delação premiada, filha bastarda da confissão, como a apelidou Claudio Costa2,

permeia inúmeros acontecimentos históricos. Mais uma vez pedindo vênia para fazer

referência à Igreja Católica, é de se recordar que à época da Santa Inquisição, ao instalar-se

um Auto de Fé em determinada povoação afixava-se um “aviso canônico” na porta da igreja e

O autor é Doutor em Direito e Diretor Cultural do Instituto dos Advogados Brasileiros (biênio 2014/2016) Palestra proferida por ocasião do Seminário Direito Penal e Processo Penal na PUC-Rio em 30/101/2014. 1 Segundo Mario Curtis Giordani, à época romana, aquelas categorias de seres humanos que não eram passíveis de repressão ordinária, como os escravos e os não cidadãos, ou quando o magistrado se encontrava diante de fatos que se revelavam puníveis, mas para os quais não existiam leis, podiam ser infligidas penas graves que levavam à morte, as summa suplicia, entre as quais a da crucificação (crux). GIORDANI, Mario Curtis. Direito Penal Romano. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pgs. 68 e 79. 2 COSTA, Claudio. Reflexões sobre a delação premiada: processo, prova, ética e história. Escritos Transdisciplinares de Criminologia, Direito e Processo Penal – homenagem aos mestres Vera Malaguti e Nilo Batista. Rio de Janeiro: Revan, 2014, p. 265.

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em outros lugares públicos com os seguintes dizeres: “se alguém souber, tiver visto ou ouvido

a respeito de pessoas consideradas hereges ou bruxas, ou de pessoas de que se suspeite

terem causado males a homens, ao gado ou aos frutos da terra, em prejuízo do Estado, que

nos venha revelar o caso”. E mais, aquele que “não obedecer a essa ordem e a esse aviso

revelando os casos no prazo mencionado fique sabendo que será banido pela espada da

excomunhão”.

Oportuno mencionar, que em Portugal a Inquisição foi criada no ano de 1536 e já

1591 se dá a primeira visita do Santo Ofício ao Brasil, desembarcando na Bahia, com breve

escala em Pernambuco, o visitador Heitor Furtado de Mendonça, que exercera o cargo de

desembargador real e capelão D’El Rei. Desde logo, o deputado do Santo Ofício mandou

publicar o Edital da Fé e o Monitório da Inquisição, documentos através dos quais os fiéis eram

convocados a confessar e delatar as culpas atinentes ao Santo Ofício, sob pena de

excomunhão maior, afirmando-se nestes éditos que ninguém seria poupado, qualquer que

fosse o “grau, estado e preeminência” dos indivíduos, devendo todos confessar ou acusar as

heresias e apostasias de que cuidava a Inquisição1.

Não é difícil imaginar a quantidade de vinganças pessoais, intrigas, fuxicos e

maledicências que eram levadas ao conhecimento dos inquisidores, não raro resultando na

instauração de inquéritos potencialmente capazes de submeter os indigitados suspeitos às

práticas então empregadas para obtenção do que hoje chamamos de verdade real, com sua

prova máxima: a confissão do réu com a nomeação dos seus cúmplices – mesmo que ele não

quisesse ou não tivesse o que confessar.

Para que se tenha ideia dos métodos empregados pelo Santo Ofício para obtenção

desta prova, valiam-se os inquisidores do Malleus Maleficarum, o manual do inquisidor, escrito

em 1484 por Heinrich Kramer e James Sprenger, obra em que os padres alemães detalham as

técnicas que deveriam ser utilizadas para infligir suplícios sem derramar ao solo o sangue do

inquirido, bem como para avaliar a credibilidade das confissões deste modo extraídas2. Veja-

se:

Enquanto os oficiais se preparam para o interrogatório, que a acusada seja despida; se

for, que primeiro seja levada a uma das células penais e que seja lá despida por mulher

honesta de boa reputação (...).

Enquanto estiver sendo interrogada a respeito de cada um dos pontos, que seja submetida

à tortura com a devida frequência, começando-se com os meios mais brandos: o Juiz não

deve se apressar em usar dos meios mais violentos.

E enquanto isso é feito, que o Notário a tudo anote: de que modo é torturada, quais as

perguntas feitas e as repostas obtidas. E notar que, se confessar sob tortura, deverá ser

1 VAINFAS, Ronaldo (org.). Confissões da Bahia – Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 20. 2 KRAMER, Heinrich e SPRENGER, James. ‘Malleus Maleficarum’ – O Martelo das Feiticeiras. 3ª ed. Trad. P. Fróes. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos Ltda, 1991, p. 431-433.

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levada para outro local e interrogada novamente, para que não confesse tão somente sob

a pressão da tortura.

Se após a devida sessão de tortura a acusada se recusar a confessar a verdade, caberá ao

Juiz colocar diante dela outros aparelhos de tortura e dizer-lhe que terá de suportá-los se

não confessar. Se então for induzida pelo terror a confessar, a tortura deverá prosseguir

no segundo ou no terceiro dia, mas não naquele mesmo momento, salvo de houver boas

indicações do seu provável êxito.

Mais do que a descrição de métodos inquisitivos – repugnantes para os dias atuais –

sobressai claramente desse trecho que ao comporem suas obras doutrinárias os juristas

daquele período mencionavam em seus escritos a coação da tortura para obtenção da

confissão com a mesma naturalidade com que os de hoje abordam, por exemplo, o

oferecimento da delação premiada ao réu preso cautelarmente, a fim de que se livre solto e se

beneficie do perdão judicial, desde que confesse a prática criminosa e delate seus partícipes. É

o que estabelece o artigo 13 da Lei nº 9.807, de 13 de junho de 1999:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e

a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado

efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa

colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do

beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Antes de prosseguir, não será ocioso anotar que as Ordenações Filipinas, codificação

que vigeu no Brasil desde o seu descobrimento até a promulgação do Código Penal do Império,

de 1830, e do Código de Processo Penal, este de 1832, continha dispositivo muito semelhante

ao previsto no artigo 13 da atual Lei nº 9.807, de 1999. Nas hipóteses de Crime de Lesa

Magestade, o mais grave dos delitos ali relacionados, punido com a “morte natural

cruelmente” e infamando para todo o sempre os sucessores do condenado, previa-se o

seguinte:

E quanto ao que fizer conselho e confederação contra El Rey, se logo sem algum spaço, e

antes que per outrem seja descoberto, elle o descobrir; merece perdão.

E, ainda que isso lhe deve ser feita mercê, segundo o caso merecer; se elle não foi o

principal tratador desse conselho e confederação.

E não o descobrindo logo, se o descobrir depois per spaço de tempo, antes que El Rey seja

disso sabedor; nem feita obra por isso, ainda deve ser perdoado, sem haver outra mercê.

E em todo o caso que descobrir o tal conselho, sendo já por outrem descoberto, ou posto

em ordem para se descobrir; será havido por commettedor do crime de Lesa Magestade,

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sem ser relevado da pena, que por isso merecer; pois o revelou em tempo que El Rey já

sabia, ou stava de maneira para o não poder deixar de saber.

Foi com base nesta disposição que o Coronel Joaquim Silvério dos Santos, ativo

participante dos conventículos sediciosos juntamente com os demais inconfidentes mineiros,

recebeu o prêmio a impunidade e a manutenção da posse dos seus bens. O militar “dedo

duro”, contudo, hoje é tido e havido como o maior traidor do Brasil, sendo relegado ao lixo da

História precisamente por ter denunciado ao Visconde de Barbacena (Luís António Furtado de

Castro do Rio de Mendonça e Faro) o que se denominou de Conjuração Mineira, delação que

deu início às que resultaram na condenação e na morte pela forca do nosso mais aclamado

herói nacional – Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes1.

Vários séculos se passaram e terríveis experiências seguem se verificando no curso de

nossa História, podendo-se desfilar inúmeros exemplos de erros judiciários decorrentes desta

odienta prática, que alia delação e tortura e produz confissões mentirosas, falseadas, incríveis.

Entre os mais conhecidos destes casos está o dos irmãos Naves, que correu o mundo e

mobilizou o país2. Isso para falar nas hipóteses de causas que tramitaram pela Justiça Comum,

civil, e não daquelas submetidas ao Tribunal de Segurança Nacional da era getulista ou as

apreciadas pelos Tribunais Militares, a partir do golpe de 1964.

Mittermayer, que escreveu seu precioso Tratado da Prova em Matéria Criminal em

meados do século XIX, já naquela época fazia pungente censura à prova obtida mediante

confissão do réu. Advertia que este autor que o réu, “quando confessa, depõe contra os seus

interesses e sabe que incorre na pena merecida pelo seu crime, e isto já é bastante para

destruir a objeção tirada do fato de falar em causa própria. Depois deve-se convir que é

preciso que um homem tenha motivos muito graves para dar um passo tão insólito, qual o de

denunciar-se a si próprio, expondo-se livremente e de bom grado a um mal material”.

Destaca, ademais, não ser rara a situação em que um acusado, “querendo fazer mal a

1 Veja-se trecho da sentença: Portanto, condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier; por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que, com baraço e pregão, seja levado pelas ruas públicas desta cidade ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, ate que o tempo também os consuma, declaram o réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e a Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscado, e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu; (...). 2 Transcorrido durante o período do Estado Novo, este é um dos mais célebres casos de erros judiciários registrados pela crônica forense brasileira. Em 1938, os irmãos Joaquim e Sebastião Naves foram acusados de homicídio, tendo o Tribunal do Júri os absolvido por duas vezes. Em julho de 1939, contudo, esta decisão foi reformada pelo Tribunal de Apelação de Minas Gerais, que lhes impôs a pena de 25 anos de reclusão. Os réus sempre alegaram inocência, afirmando que a confissão em que se baseava a acusação fora obtida mediante tortura. Amargaram por anos na prisão, até que em julho de 1952 a vítima Benedito Pereira Caetano reapareceu viva.

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terceiro, por ódio ou por vingança, denuncia-o como cúmplice de um crime que confessa sem

tê-lo cometido”1.

Ainda na esteira do professor tedesco, a confissão simplesmente não pode fazer prova

contra o confitente quando provocada por meio de um tipo de constrangimento ilegal, sendo

mister que a confissão, para estar dotada de alguma validade processual, tenha sua origem na

própria vontade do acusado. Havendo o emprego de meios análogos à tortura, que propiciem

dor ou sofrimento físico e mental, a confissão não pode absolutamente fazer fé. Estas são

lições que permanecem atuais. Confissão, delação e tortura não se conciliam.

2. TORTURA, CONFISSÃO E DELAÇÃO

Mas que tipo de constrangimento, dor ou sofrimento está revestido do potencial de

retirar, suprimir ou diminuir a credibilidade da confissão e da delação de partícipes? No

ordenamento jurídico brasileiro, esta definição se encontrará na tipificação do crime de tortura,

contida no artigo 1º da Lei nº. 9.455, de 07 de abril de 1997: constranger alguém com

emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim

de obter informações, declaração ou confissão da vítima ou de terceiro.

É também o que estabelece a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em vigor entre nós através do

Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991:

Para os fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual

dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma

pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de

castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por

qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou

sofrimento são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de

funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não

se considerará como tortura as dores ou sofrimentos consequência unicamente de sanções

legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.

Assim, se a confissão ou a delação decorrer do emprego de algum método que

resulte em sofrimento ou dor, física ou mental, o que se tem, na realidade, não é uma

confissão, ao menos uma confissão aceitável. É a pratica do crime de tortura, que contamina

indelevelmente a prova então obtida, fazendo com que seja reputada ilícita. Quanto ao ponto,

a Constituição Federal é bem clara ao instituir como garantia individual que “são inadmissíveis

as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI).

1 MITTERMAYER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal. Trad. A. A. Soares. 2ª ed. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos, 1909, p. 227.

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Por outro lado, é verdade que, malgrado o cenário global de abolição da tortura

como técnica investigativa e o inequívoco espírito da normativa internacional e de todo

movimento mundial no sentido de erradicar o uso da tortura, em 2002, embalado numa

desatinada campanha antiterrorista haurida sob o trauma dos atentados de 11/09/01, o

Governo estadunidense, através de Memorandum enviado pelo Advogado-Geral Adjunto, Jay

Bybee, ao então Conselheiro da Casa Branca Alberto R. Gonzales (posteriormente nomeado

Advogado-Geral pelo Presidente George W. Bush), conferiu peculiar interpretação à referida

Convenção da ONU contra a Tortura.

Considerou este advogado que a dor e o sofrimento têm gradações, sendo possível,

deste modo, impor aos investigados interrogatórios violentos, desde que estes recursos não

causem “significativo dano psicológico de longa duração”. Verbis:

“(...) para um ato constituir tortura (...) deve infligir dor que é difícil de suportar. A dor

física correspondente à tortura deve ser equivalente em intensidade à dor acompanhada

de sérias lesões físicas, como falha dos órgãos, prejuízos a funções corporais ou até

mesmo a morte. Para sofrimento ou dor puramente mental corresponder à tortura (...),

deve resultar em significativo dano psicológico de longa duração, e.g. durando por meses

ou até mesmo anos” 1.

Significa dizer que, para as autoridades policiais, militares e serviços de inteligência

daquela potência mundial o emprego de afogamentos, o envolvimento da cabeça do suspeito

em sacos plásticos ou obrigar o interrogando a permanecer em pé sobre baldes de braços

abertos, além de outras técnicas semelhantes, não se enquadrariam na classificação de

tortura, sendo, portanto, perfeitamente legítimo o emprego destes eufemísticos “métodos

severos” no âmbito da atividade persecutória estatal.

É curioso, no entanto, que estes métodos ou técnicas, em que pese autorizados ou

tolerados naquele país, não sejam aplicados em solo norte-americano. Lá, entre as fronteiras

do território, há regras constitucionais e sedimentado entendimento jurisprudencial proibindo

sua utilização. Esta limitação não ocorre, porém, nas prisões da base militar de Guantánamo,

em Cuba, ou na Prisão Central Al Wathba, em Abu Ghraibi, em Bagdá, Iraque. Segundo

Anthony Romero, Diretor-Executivo da Associação Americana Pelas Liberdades Civis, o

Presidente Bush “emitiu uma ordem secreta autorizando a Central Inteligence Agency , a CIA,

a construir prisões secretas no exterior. A CIA requisitou autorização para torturar prisioneiros

nesses locais sombrios, o Conselho de Segurança Nacional aprovou o pedido e o Departamento

de Justiça deu ao programa um verniz de legalidade”2.

Com efeito, passados doze anos, a Comissão de Inteligência do Senado dos Estados

Unidos concluiu investigação sobre tais práticas e emitiu detalhado relatório, em que se

1 Office of the Assistant Attorney-General. Memorandum for Alberto R. Gonzales, Counsel for the President: Standards of Conduct for Interrogation under 18 U.S.C. 2340-2340A (tradução livre) In: http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB127/020801.pdf . Sobre o tema, veja-se: ANDRADE, Fernanda Rodrigues Guimarães. Flexibilização da norma de proibição dos maus-tratos nas políticas norte-americanas de combate ao terrorismo. In: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/artigos/Fernanda%20DH.pdf , acesso em 21/03/2012. 2 ROMERO, Anthony. Perdão a Bush e a outros criminosos. Rio de Janeiro: Jornal O Globo, 10/12/2014, p. 34.

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detectou a existência de amplo programa de tortura implementado pela CIA no governo Bush,

método que foi utilizado em 119 pessoas, sendo que pelo menos uma delas morreu, como

decorrência de hipotermia depois de ficar confinada em ambiente gélido por longo período. A

Presidente dessa Comissão, Diane Feinstein, afirmou que tal programa, “além de representar

violação inaceitável de direitos humanos, o emprego de tortura não foi eficiente ou relevante

para a descoberta de planos ou ataques terroristas ou a prisão de suspeitos”1.

3.Importação de Direitos

A delação premiada, nos moldes em que está concebida nos dias de hoje – além de

outras técnicas para apuração de crimes, tais como a infiltração de agentes, a escuta

ambiental, o “grampo” telefônico etc. – se inclui num rol de providências persecutórias

originárias de países regidas por ordenamento jurídico de perfil costumeiro, que aplicam este

método há longa data, como é de sua tradição.

Os EUA, exercendo seu poder político e econômico nas Nações Unidas e visando,

basicamente, seus interesses internacionais na guerra ao terrorismo (e também na guerra às

drogas, na guerra à corrupção e na guerra à lavagem de capitais e em todas as outras guerras

em que se envolve), inseriram tais técnicas investigativas em várias Convenções

Internacionais, a que se obrigaram a aderir várias outras nações, inclusive o Brasil e demais

países latino-americanos, lavrando-se, em seguimento, protocolos de colaboração

internacional. O “produto” foi exportado, independentemente das necessidades específicas de

cada país importador.

Veja-se, a propósito, o que estabelecem os artigos 20 e 24 da Convenção das Nações

Unidas contra o Crime Organizado – Nova York, recepcionada aqui pelo Decreto 5015, de 12

de março de 2004.

Artigo 20

Técnicas especiais de investigação

1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada

Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições

prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso

apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras

técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de

vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu

território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

2. Para efeitos de investigações sobre as infrações previstas na presente Convenção, os

Estados Parte são instados a celebrar, se necessário, acordos ou protocolos bilaterais ou

multilaterais apropriados para recorrer às técnicas especiais de investigação, no âmbito da

1 Idem, p. 33.

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cooperação internacional. Estes acordos ou protocolos serão celebrados e aplicados sem

prejuízo do princípio da igualdade soberana dos Estados e serão executados em estrita

conformidade com as disposições neles contidas.

3. Na ausência dos acordos ou protocolos referidos no parágrafo 2 do presente Artigo, as

decisões de recorrer a técnicas especiais de investigação a nível internacional serão

tomadas casuisticamente e poderão, se necessário, ter em conta acordos ou protocolos

financeiros relativos ao exercício de jurisdição pelos Estados Partes interessados.

4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão

incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção

de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou

após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.

Artigo 24

Proteção das testemunhas

1. Cada Estado Parte, dentro das suas possibilidades, adotará medidas apropriadas para

assegurar uma proteção eficaz contra eventuais atos de represália ou de intimidação das

testemunhas que, no âmbito de processos penais, deponham sobre infrações previstas na

presente Convenção e, quando necessário, aos seus familiares ou outras pessoas que lhes

sejam próximas.

2. Sem prejuízo dos direitos do arguido, incluindo o direito a um julgamento regular, as

medidas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo poderão incluir, entre outras:

a) Desenvolver, para a proteção física destas pessoas, procedimentos que visem,

consoante as necessidades e na medida do possível, nomeadamente, fornecer-lhes um

novo domicílio e impedir ou restringir a divulgação de informações relativas à sua

identidade e paradeiro;

b) Estabelecer normas em matéria de prova que permitam às testemunhas depor de forma

a garantir a sua segurança, nomeadamente autorizando-as a depor com recurso a meios

técnicos de comunicação, como ligações de vídeo ou outros meios adequados.

3. Os Estados Parte considerarão a possibilidade de celebrar acordos com outros Estados

para facultar um novo domicílio às pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo.

4. As disposições do presente Artigo aplicam-se igualmente às vítimas, quando forem

testemunhas.

Firmado este e outros tratados, o ordenamento jurídico brasileiro passou a recepcionar

uma série de conceitos – como o de organização criminosa ou de lavagem de capitais, além

das figuras do agente infiltrado e da escuta ambiental e à distância. É verdade que nossa

tradição jurídica já previa há muitas décadas tais figuras típicas, mas batizadas com outros

nomes jurídicos, como a conhecida quadrilha ou bando ou a receptação, delitos que passaram

a ter tratamento muito mais severo, seja pela nova redação dada aos tipos ou pelo

agravamento das penas originariamente impostas ou, ainda, em virtude da inserção de regras

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processuais derrogatórias de cristalizadas garantias constitucionais, como é o caso das acima

citadas.

Deveras, esta importação de direitos, tanto mais se levando em consideração que são

oriundos, reitere-se, de países que adotam sistema jurídico baseado no precedente – e não em

códigos e leis como é o nosso caso – não obedeceu às mesmas exigências de aplicabilidade

adotadas pelos países de onde se originam.

As Quarta e Quinta Emendas à Constituição Norte-americana1, por exemplo, exigem

que todas as provas em sede de investigação criminal devem ser produzidas de determinado

modo, estando rigorosamente proibida sua aceitação se produzidas de maneira distinta. Assim,

se, malgrado a previsão constitucional, a prova foi obtida de modo irregular, então o produto

resultante dessa colheita, ainda que a constituição não o diga expressamente, deve ser

excluído do processo e não pode ser considerado na sentença. Cuida-se da teoria da árvore

dos frutos envenenados.

A Suprema Corte daquele país é bastante rigorosa no cumprimento desta cláusula e

este entendimento é seguido pelas instâncias inferiores, havendo segurança jurídica no sentido

da aplicabilidade do preceito constitucional e das regras de investigação. Com efeito, em Wong

Sun vs United States (371 US 471, 487 (1962), a decisão, da lavra do Justice Brennan,

resumiu a doutrina e a aplicou ao caso, no qual se concluiu que somente as declarações

ilicitamente colhidas de um dos corréus (Toy) é que haviam possibilitado a apreensão da droga

em poder de outro (Yee), de modo que a ilegalidade da primeira se comunicava à prova

material e induzia à sua inatendibilidade2.

Aqui, no entanto, em que pese, por exemplo, o artigo 5º da Lei nº 9.296, de 21 de

julho de 1996, estabelecer que a escuta telefônica “não poderá exceder o prazo de 15 dias,

renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”, têm

os Tribunais – e mesmo o Supremo Tribunal Federal – permitido que o “grampo” se prolongue

1 Emenda IV (1791). Não atingirá o direito dos cidadãos de estarem livres de busca e apreensão arbitrárias, quanto à sua pessoa, domicílio, documentos e seu patrimônio: nenhum mandado poderá ser expedido se ele não se baseia em motivos plausíveis, se não se apoia em declarações ou afirmações sob juramento e se não menciona de forma detalhada os locais objeto da busca e as pessoas ou objetos a apreender. Emenda V (1791). Ninguém poderá responder por crime capital ou infamante, exceto por denúncia ou julgamento perante um Grande Júri, salvo situações ocorridas em tempo de guerra, no serviço ativo do exército, da marinha ou na milícia, ou em caso de perigo público; ninguém poderá pelo mesmo delito ser duas vezes ameaçado em sua vida ou personalidade; ninguém poderá ser obrigado a testemunhar contra si mesmo em um processo criminal, nem ser privado de sua vida, sua liberdade ou de seus bens, sem processo legal regular (due process of law); não será possível qualquer expropriação no interesse público sem justa autorização. 2 Eis as palavras do Justice Brennam: We now consider whether the exclusion of Toy’s declarations requires also the exclusion of the narcotics taken from Yee, to which those declarations led the police. The prosecutor candidly told the trial court that “we wouldn’t have found those drugs except that Mr. Toy helped us to.” Hence this is not the case envisioned by this Court where the exclusionary rule has no application because the Government learned of the evidence “from an independent source,” Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S.385, 392; nor is this a case in which the connection between the lawless conduct of the police and the discovery of the challenged evidence has “become so attenuated as to dissipate the taint.” Nardone v. United States,308 U.S.338, 341. We need not hold that all evidence is “fruit of the poisonous tree” simply because it would not have come to light but for the illegal actions of the police. Rather, the more apt question in such a case is “whether, granting establishment of the primary illegality, the evidence to which instant objection is made has been come at by exploitation of that illegality or instead by means sufficiently distinguishable to be purged of the primary taint.” Maguire, Evidence of Guilt, 221 (1959). We think it clear that the narcotics were “come at by the exploitation of that illegality” and hence that they may not be used against Toy.” (Sobre o tema veja-se o seguinte acórdão da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence: STF, HC n. 69.912-RS [Informativo do STF nº 36, de 17 a 21/junho/1996]).

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por meses a fio (com as escusas pelo involuntário trocadilho), mesmo estabelecendo a

Constituição, com todas as letras, que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por

meios ilícitos” (art. 5º, inciso LVI). Veja-se o seguinte acórdão da Suprema Corte brasileira:

Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não

há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas, nem

ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação1.

No tocante à obediência estrita às normas processuais que regulam a busca e

apreensão, reiteradamente burladas quando a diligência é realizada em favelas ou

comunidades carentes, também a jurisprudência é bastante complacente em exigir o rigor no

seu atendimento: Veja-se esta outra ementa, também do STF:

A questão da prova ilícita, decorrente da não-observância de formalidade na execução de

mandado de busca e apreensão, foi debatida e rejeitada pela maioria, prevalecendo o voto

divergente no sentido de preservar a denúncia respaldada em prova autônoma,

independente da que foi impugnada2.

Nem se diga na obediência à regra do § 2º do artigo 240 do Código de Processo Penal

que estabelece que somente se procederá à “busca pessoal quando houver fundada suspeita

de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h

do parágrafo anterior”.No entanto, como é notório, nas “batidas” policiais, nas odientas blitz

no trânsito e, sobretudo, no controle de entrada e saída dos moradores (inclusive crianças com

uniforme escolar) nas comunidades ocupadas pela polícia ou pelas Forças Armadas a pretexto

de “pacificação” esta norma é absolutamente desprezada.

Tão ou mais preocupante é o que vem ocorrendo nos dias atuais. O Ministério Público,

órgão incumbido, conforme mandamento da Constituição Federal, da “defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” tem,

reiteradamente, se manifestado em pareceres ofertados em sede de habeas corpus, no sentido

de que prisão preventiva reveste-se da “importante função de convencer os infratores a

colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais”3.

Com todas as vênias, não parece consentâneo com a ordem jurídica nem com o

regime democrático trancafiar-se uma pessoa com a finalidade precípua de convencê-la a

colaborar com a apuração de crimes e restituir-lhe a liberdade como um prêmio, a ser

concedido em troca de nomes de possíveis cúmplices. Não pode, de forma alguma, ser

considerada espontânea uma confissão, e possível delação, extraída do investigado nestes

termos. Este é um tormento que não se deve aceitar seja cometido pela autoridade pública.

Não se trata apenas de um método severo de colheita de prova. Cuida-se da supressão de um

1 RHC 85.575/SP, 2.ª Turma, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 16/03/2007. 2 HC 25684.679-ED, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 30-8-05, 1ª Turma, DJ de 30-9-05 3 Parecer da lavra do Procurador Regional da República Manuel Pastana, emitido nos autos do HC nº 502905046.2014.404.0000, da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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direito universal e personalíssimo que não pode ser objeto de negociação leonina entre o

Ministério Público e acusado – o direito fundamental de ir e vir livremente.

4.CONCLUSÃO

Um odor nauseabundo de calabouço medieval paira sobre estas questões. Daí

concluir-se que a delação premiada, por se constituir em meio extremamente inseguro para

obtenção de prova, deve ser suprimida de nossa legislação. É claro que essa voz – e a de

alguns outros – talvez não encontre eco na sociedade brasileira, contaminada pela ideia de que

esta norma é um grande avanço no desvendamento de ilícitos, nomeadamente daqueles

praticados no âmbito sócio-econômico-financeiro, pouco importando que em sua aplicação

sejam suprimidas garantias constitucionais.

Nesse contexto, é necessário lembrar que mesmo em tempos mais duros, mesmo

quando juízes das cortes superiores eram designados por ditadores, a aversão à prova obtida

por meio de confissão extraída ilicitamente era a tônica e os tribunais, destacando-se o

Supremo Tribunal Federal, não a aceitavam tal tão facilmente como ocorre nos dias de hoje.

Veja-se o acórdão a seguir, da lavra do Ministro Aliomar Baleeiro. Ressalte-se que este

magistrado foi designado para uma vaga no Supremo pelo primeiro ditador do golpe militar, o

Marechal Castello Branco, então aplaudido como democrata por quem marchara com Deus

pela democracia. Foi este presidente militar, aliás, que através de ato institucional – o AI-2 –

criou mais quatro assentos na mais alta Corte da Nação para que seu governo pudesse contar

a maioria dos Ministros nas causas de seu interesse. Apesar de tudo, vejam-se as corajosas

palavras do Ministro Baleeiro:

As confissões policiais na calada da noite, sem assistência de advogado, sobretudo quando

muito minuciosas e incriminadoras, sem que se esboce o instinto de defesa do confitente,

devem ser recebidas com reservas, mormente em fases de conturbação aguda da política

[nosso último confessor saiu do armário a pouquíssimos dias de uma acirrada disputa

eleitoral]. Vinte séculos de civilização não bastaram para tornar a polícia uma instituição

policiada, parecendo que o crime dos malfeitores contagia fatalmente o caráter dos

agentes que a nação paga para contê-los e corrigi-los. A confissão policial do recorrente e

permeada de pormenores, sem que se esboce o menor gesto de instinto de defesa,

sempre encontradiço nas palavras dos acusados. Há como que um masoquismo de

autoacusação muito suspeito. O confitente quer expiar o crime, dando às autoridades

todas as armas, sem guardar nenhuma (RTJ 66/334).

Por tudo isso, propugna-se que sejam mantidas as tradições brasileiras e excluídos os

estrangeirismos punitivistas e supressores de garantias individuais, como é o caso da delação

premiada.

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E como melhores tradições se expressam através da arte popular, encerra-se com um

samba de Wilson Batista, que Clementina de Jesus interpretou com a força de sua brasilidade

(Mulato Calado):

Vocês estão vendo aquele mulato calado

Com o violão do lado,

Já matou um, já matou um

Numa noite de sexta-feira,

Defendendo sua companheira

A polícia procura o matador,

Mas em mangueira não existe delator

Estou com ele, é o Zé da Conceição

O outro atirou primeiro, não houve traição

Quando a lua surgia, que acabava a batucada

Jazia um corpo no chão e ninguém sabe de nada...

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Fernanda Rodrigues Guimarães. Flexibilização da norma de proibição dos maus-

tratos nas políticas norte-americanas de combate ao terrorismo. In:

http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/artigos/Fernanda%20DH.pdf , acesso em

21/03/2012;

BRASIL: STF. HC n. 69.912-RS [Informativo do STF nº 36, de 17 a 21/junho/1996];

BRASIL. STF. RHC 85.575/SP, 2.ª Turma, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 16/03/2007;

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