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Revista da Esmese

Revista da ESMESE, n° 05. 2003

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©REVISTA DA ESMESE

Conselho Editorial e CientíficoPresidente: Juiz José Anselmo de OliveiraMembros: Juiz Netônio Bezerra Machado

Juiz João Hora NetoJuiz Cezário Siqueira NetoJosé Ronaldson Sousa

Coordenação Técnica e Editorial: Joana Angélica de Souza TorresRevisão: José Ronaldson SousaEditoração Eletrônica: Alexandre de Almeida AndradeCapa: Juan Carlos Reinaldo Ferreira

Tiragem: 500 exemplaresImpressão:Gráfica J. Andrade.

Tribunal de Justiça do Estado de SergipeEscola Superior da Magistratura de Sergipe

Centro Administrativo Governador Albano FrancoRua Pacatuba, nº 55, 7º andar - Centro

CEP 49010-150- Aracaju – SergipeTel. 214-0115 Fax: (079) 214-0125

http: wvw.esmese.com.bre-mail: [email protected]

Revista da ESMESE. Aracaju: ESMESE/TJ, n. 5, 2003.

Semestral

1. Direito - Períodico. I. Título.

CDU: 34(813.7)(05)

R454

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COMPOSIÇÃO

DiretoraDesembargadora Clara Leite de Rezende

Presidente do Conselho Administrativo e PedagógicoDesembargador Roberto Eugenio da Fonseca Porto

Subdiretores de CursoLuciana Rocha Melo

Adriano José dos Santos

Subdiretora de AdministraçãoAna Patrícia Souza

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SUMÁRIO

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Sumário

APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 11

DOUTRINA.......................................................................................................... 13

II CORSO DI INFORMATICA GIURIDICA NELL’UNIVERSITÀ DEL PIEMONTE ORIENTALEMario G. Losano .................................................................................................... 15

O CONCEITO DE JUSTIÇA EM JOHN RAWLSJosé Anselmo de Oliveira ..................................................................................... 31

DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIOA mitigação do Princípio da Legalidade Tributáriacom a utilização da medida provisória para a modificação de tributosJosé Gomes de Britto Neto ................................................................................. 39

A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICAE SUA INCIDÊNCIA NO DIREITO TRIBUTÁRIOMarcos de Oliveira Pinto ....................................................................................... 55

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E CONTROLEJUDICIAL DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIAMarta Suzana Lopes Vasconcelos ........................................................................ 83

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E O PODER JUDICIÁRIOFrancisco Alves Junior ......................................................................................... 107

ASPECTOS CRUCIAIS NA INTERPRETAÇÃO DO REEXAMENECESSÁRIO APÓS A REFORMA PROCESSUALPedro Dias de Araújo Júnior .............................................................................. 135

O PROJETO DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENALE O DIREITO À INFÂNCIA E À JUVENTUDEMarcos Roberto Gentil Monteiro ...................................................................... 159

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 10

A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAISE A DEMOCRATIZAÇÃO NO PROCESSO CIVILAspectos de cidadaniaSuzete Ferrari Madeira Martins ........................................................................... 167

A ATIVIDADE JUDICIAL E A REALIZAÇÃO DO DIREITOAntônio Carlos Mathias Coltro ......................................................................... 195

JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE:PODER OU DEVER DO JULGADOR?Diogo de Calasans Melo Andrade ..................................................................... 223

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS ATOS CONVENIAISPedro Durão ......................................................................................................... 261

TUTELA ANTECIPADA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICAMaria Andréa Valadares de Santana ................................................................... 295

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 11

APRESENTAÇÃO

A REVISTA DA ESMESE chega ao seu quinto número seminterrupções, e agora indexada pelo ISBN, alcança o status de revista científicavocação desde o nascimento da própria Escola Superior da Magistratura em1992.

Esta edição é uma homenagem ao décimo primeiro aniversário da EscolaSuperior da Magistratura. A contribuição da ESMESE para o aperfeiçoamentoda prestação jurisdicional pode ser observada no dia-a-dia dos magistradossergipanos que se dedicam além das tarefas do foro dedicam parte do preciosotempo para os debates , cursos, produção de artigos e estudos de Direito.

Essa homenagem é estendida a todos os que fazem o corpo técnico eadministrativo da ESMESE, em especial à sua diretora, Desembargadora ClaraLeite de Rezende, pela sensibilidade e dedicação na difícil tarefa de construir umanova forma de olhar os problemas do Judiciário numa reflexão constante, capazde gerar o amor pela Magistratura e pelo estudo do Direito, atividades que secompletam e que produzem um novo juiz ou juíza comprometidos com osprincípios do Estado Democrático de Direito.

A presente edição é a continuidade da ação voltada para a formaçãointegral, não somente processualística, mas também teórica e filosófica, sem oque o mundo do Direito se empobrece.

A revista espera que os magistrados continuem colaborando com osseus artigos e estudos e para tanto mais uma vez no final desta edição estãopresentes as regras de publicação.

Parabéns ESMESE pelos seus onze anos de existência.

Juiz JOSÉ ANSELMO DE OLIVEIRAPresidente do Conselho Editorial

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 13

DOUTRINA

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 14

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 15

II CORSO DI INFORMATICA GIURIDICA NELL’UNIVERSITÀ DELPIEMONTE ORIENTALE

Mario G. Losano é professor da Universidade de Milão(Itália)

1. LA RIFORMA DELL’UNIVERSITÀ ITALIANA

L’università italiana è stata radicalmente riformata negli ultimi anni. Perla facoltà di giurisprudenza, il vecchio sistema prevedeva corsi di quattro o cinqueanni, conclusi dalla difesa di una tesi di vaste dimensioni, dopo la quale si avevadiritto al titolo di “dottore” e si poteva accedere anche agli esami e ai concorsi diavvocato, giudice e notaio. Il nuovo sistema divide invece il curriculum di studiin due parti: un corso triennale orientato all’inserimento dello studente nelmondo del lavoro, e un successivo corso biennale di specializzazione. Nel casodella facoltà di giurisprudenza, solo chi ha ultimato l’intero quinquennio puòaccedere alle classiche professioni forensi.

Non è una riforma particolarmente felice, anche perché viene realizzatanel momento in cui vengono tagliati i fondi delle facoltà e bloccate le assunzionidi nuovi docenti e impiegati. Inoltre non elimina alcuni dei problemi più gravidel vecchio ordinamento: manca un esame di ammissione o una selezionepreventiva degli studenti; gli esami si possono ripetere un numero illimitato divolte; gli studenti possono rimanere per anni o decenni iscritti all’universitàsostenendo pochi esami, o anche nessuno, senza alcuna conseguenza negativa.Però la riforma introduce il discusso titolo di “dottore iunior” per chi termina iltriennio, dopo una lunga discussione se “iunior” dovesse scriversi con la “i”oppure con la “j” (decisa dall’Accademia della Crusca – massima autorità sullalingua italiana – a favore della “i”).

Sembra che questo titolo (avversato dai docenti universitari) sia statointrodotto durante il dibattito parlamentare. Ma così la riforma universitaria,nata anche per armonizzare i curricula all’interno dell’Unione Europea, haintrodotto un titolo che è un po’ ridicolo proprio nel contesto europeo. Infattiin Europa si diventa dottori solo con qualche anno di studio dopo la conclusionedell’intero ciclo universitario di almeno quattro o cinque anni. Già il vecchioordinamento italiano, che attribuiva il titolo di dottore alla fine degli studi, erastato causa di complicazioni all’estero. In Germania, ad esempio, se il dottoreitaliano usa questo titolo nell’esercizio di una professione, può essere condannatoper abuso di titolo se non scrive “dott.” invece di “Dr.” sulla carta intestata.

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 16

Insomma, un “Doktor” non è un “dottore”, e ancor meno un “dottore iunior”,anche se garantito dalla “i” della Crusca.

In Germania la comparazione dei titoli di studio è resa più complicataanche dall’esistenza di scuole di alta specializzazione professionale(Fachhochschulen), distinte dalle università. I corsi professionalizzanti previstidalla riforma italiana (su cui ritorneremo fra poco) ricadrebbero più nell’ambitodi queste scuole che in quello dell’università. Del resto, nelle università anglo-americane i futuri medici e giuristi studiano nella Medical School e nella LawSchool, che sono distinte dai Departments universitari proprio perché finalizzateall’esercizio di una processione.

Non vorrei tuttavia passare per un laudator temporis acti: il vecchioordinamento universitario italiano era ormai inaccettabile, come avevo illustratodieci anni fa nel mio articolo L’università di Bronxford1, dove per Bronxfordintendevo l’università italiana di allora, cioè un’università che perseguiva eccellenzeda Oxford con metodi da Bronx. Nel 1999 è venuta la riforma universitaria2.Nonostante i suoi difetti, che non è il momento di esaminare, è comunque unariforma: offre quindi la possibilità di innovare e di tentare strade nuove. E’ diqueste positive possibilità che si parlerà qui di seguito.

2. L’INFORMATICA GIURIDICA NELL’UNIVERSITÀITALIANA

Il corso triennale di informatica giuridica è nato grazie a questa riforma,anche se da decenni pensavo a questa realizzazione3. Nei paragrafi seguenti – dopoqualche sommaria notizia sull’informatica giuridica in Italia e sull’Università delPiemonte Orientale, in cui il corso viene realizzato – verrà esaminata la strutturadel corso stesso così come è stato configurato nel suo primo anno di vita.

L’informatica giuridica non ha conosciuto, in passato, una particolarefortuna nelle facoltà di giurisprudenza italiane4 Con l’eccezione dell’Istituto perla Documentazione Giuridica (IDG: www.idg.fi.cnr.it) del Consiglio Nazionaledelle Ricerche, a Firenze, e del Centro di Ricerca in Storia del Diritto, Filosofia eSociologia del Diritto e Informatica Giuridica (CIRSFID: www.cirfid.unibo.it)di Bologna5, i pochi corsi annuali erano affidati a docenti “volanti”. Le primeopere su questa materia erano state pubblicate in Italia in concomitanza conquelle degli altri Stati Europei6, ma poi questi studi erano vissuti all’ombra dellematerie giuridiche tradizionali, ritardando di almeno una generazione laformazione di giuristi informatici.

Mi sia permesso di prendere come esempio alcuni corsi di informaticagiuridica tenuti, prima dell’attuale riforma, all’Università di Milano dalla miacattedra di teoria generale del diritto. A causa della mancata istituzionalizzazionedella materia, lo studente sosteneva un esame registrato come “teoria generale

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del diritto”, anche se il suo contenuto era l’informatica giuridica; se difendevauna tesi di informatica giuridica, risultava laureato in teoria generale del diritto(cosa che non gli facilitava l’inserimento nel mondo del lavoro); infine, se decidevadi intraprendere la carriera universitaria, doveva sostenere un concorso in unamateria giuridica tradizionale (nel caso in esame, teoria generale del diritto), dovela commissione gli avrebbe probabilmente chiesto tutto sulla normafondamentale in Kelsen, ma certamente nulla sull’informatica giuridica.

Soltanto da pochi anni l’informatica giuridica è ufficialmente entrata nelleaule universitarie, anche in concomitanza con i tagli ai finanziamenti alle universitàe al conseguente invito a ricercare fondi alternativi nel mitico “mercato”.L’informatica giuridica ha così rivelato un insospettato lex appeal che ha portatoal suo riconoscimento ufficiale: oggi la materia fa parte del raggruppamento didiscipline in cui il Ministero dell’Università ha incluso anche la filosofia deldiritto, la teoria generale del diritto e la logica giuridica, ha avuto i suoi concorsiper professore ordinario e, quindi, si sta affermando nelle facoltà come unamateria alla pari con le tradizionali materie giuridiche.

I tempi sono quindi finalmente maturi per tentare di realizzare un pianosistematico di insegnamento dell’informatica giuridica. La possibilità concreta –quella possibilità che io attendevo da oltre trent’anni – mi venne offertadall’Università del Piemonte Orientale, ad Alessandria: città nata nelle lotte tra iComuni italiani e Federico Barbarossa, sulle cui origini Umberto Eco(alessandrino!) ha scritto un intero romanzo, Baudolino7.

3. STRUTTURE NUOVE PER UN’UNIVERSITÀ NUOVA

Sino a qualche anno fa, il Piemonte era l’unica grande regione italiana conuna sola università. Nel 1990-91 l’università di Torino iniziò a decentrare alcunefacoltà nei capoluoghi delle province al confine del Piemonte con la Lombardia,un’area densamente popolata e ricca di piccole e medie industrie prosperose.Tradizionalmente gli studenti di questa zona frequentavano soprattuttol’università di Torino, o quelle di Milano e Pavia, oppure quella di Genova.L’università di Torino istituì dunque alcune sedi di facoltà ad Alessandria, Novarae Vercelli, cioè nei capoluoghi delle tre province al confine piemontese-lombardo.Ma non si trattava ancora di un’università autonoma: le singole facoltà erano“filiali” delle facoltà torinesi.

L’Università del Piemonte Orientale “Amedeo Avogadro” – chimicofamoso ma laureato in giurisprudenza, vissuto dal 1776 al 1856 – nacqueformalmente il 1° novembre 1999, avendo già accumulato l’esperienza didatticae organizzativa dei precedenti anni di attività come filiale torinese8. Le facoltàcontinuarono a essere suddivise nelle tre città. Ad Alessandria, in particolare, siconsolidarono tre facoltà: giurisprudenza, scienze politiche e scienze matematiche,

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fisiche e naturali: quest’ultima facoltà offre anche un corso di laurea in informatica.Per offrire agli studenti del Piemonte orientale un curriculum diverso da

quelli classici – già presenti nelle grandi università di Torino, Milano e Genova –la facoltà di giurisprudenza di Alessandria decise di dedicare all’informaticagiuridica non un corso annuale, come avviene generalmente, ma un interotriennio9.

Nel 2001 il piano per un corso triennale di informatica giuridica venneapprovato dalle autorità accademiche e successivamente presentato in varie scuolesuperiori, nella stampa e nella televisione locale. Il primo anno di corso iniziònell’anno accademico 2002-2003. Era frequentato da 35 iscritti (sui 280 studentidell’intera facoltà).

Prima di esaminare il contenuto del nuovo corso di laurea, va ricordatoche la riforma universitaria prevede per la facoltà di giurisprudenza due diversitipi di triennio. Il corso in “Servizi giuridici” è pensato per gli studenti chedesiderano lavorare subito dopo la fine del triennio, mentre il corso in “Scienzegiuridiche” è pensato in funzione del successivo biennio di specializzazione. E’parso opportuno organizzare il corso di laurea in informatica giuridica comecorso in “Servizi giuridici” perché la combinazione di conoscenze tantoinformatiche quanto giuridiche prepara dei quadri particolarmente adatti allepiccole e medie imprese.

Già nel 2001, presentando il corso ai potenziali studenti, era statosottolineato questo aspetto: “Il corso di laurea in informatica giuridica non preparadegli informatici, ma dei giuristi-informatici: dei giuristi cioè che comprendono latecnologia dominante nel mondo produttivo odierno e che sono in grado dilavorare in équipe con gli informatici, ponendo domande sensate sui problemi(anche giuridici) da risolvere nell’impresa e capendo le risposte che vengono dagliinformatici, anche se formulate in termini tecnici. L’obiettivo del corso di laurea ininformatica giuridica, insomma, è quello di creare un giurista che si trovi a suo agiotanto fra le norme quanto fra i programmi”.

Allo studente che sceglie questo corso dal profilo più orientato al mondodel lavoro non viene però precluso l’accesso al biennio superiore: la legge diriforma universitaria prevede infatti che lo studente che porta a termine un corsodi “Servizi giuridici” può accedere al biennio successivo sostenendo un esameintegrativo.

Il corso triennale alessandrino si propone di integrare strettamentel’informatica e il diritto. Per questa ragione è il primo corso italiano di informaticagiuridica riconosciuto come corso “interfacoltà”: questo significa che gli studentiiscritti al corso di informatica giuridica appartengono sia alla Facoltà diGiurisprudenza, sia a quella di Scienze matematiche, fisiche e naturali e che lalaurea triennale in informatica giuridica è riconosciuta da entrambe le Facoltà. Inaltri termini, gli studenti di informatica giuridica sono iscritti contemporaneamente

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alle due facoltà.Riassumendo, la facoltà di giurisprudenza di Alessandria offre una laurea

breve in “Scienze giuridiche” (con due percorsi: “Diritto degli scambitransnazionali” e “Scienze giuridiche”), che dà immediato accesso al corso biennaleconcluso dalla laurea specialistica. Quest’ultima dà la possibilità di divenireavvocato, magistrato, notaio o dirigente pubblico e, non appena il governo neabbia completato l’ordinamento, offrirà anche la possibilità di accedere alle “Scuoledi specializzazione forense” (che apriranno l’accesso ai concorsi da magistrato eda avvocato). Accanto al corso di laurea in “Scienze giuridiche” viene offertoanche un corso di laurea in “Servizi giuridici”, che è appunto il “Corso di laureain informatica giuridica”. Esso ha il valore di un corso immediatamenteprofessionalizzante, però – come si è già ricordato – consente agli studenti chelo abbiano completato di accedere al biennio di specializzazione dopo aversuperato un esame di ammissione. La laurea di primo livello (a conclusione deltriennio) richiede 180 crediti; la laurea specialistica (a conclusione del successivobiennio) richiede 120 crediti: si vedrà fra poco in che cosa consistono i “crediti”.

4. L’ORGANIZZAZIONE DEL CORSO DI LAUREA ININFORMATICA GIURIDICA

Proprio per non precludere ogni possibile scelta futura dello studente, ilcorso di laurea in informatica giuridica – seguendo le prescrizioni del ministero– comprende il 60% di materie giuridiche e il 40% di materie informatiche: inquesto modo, nonostante la forte specializzazione informatica, il corso dà untitolo di studio in giurisprudenza.

La facoltà di giurisprudenza di Alessandria vuole dunque prepararegiuristi-informatici, e non tecnici informatici. Al tempo stesso, però, l’alto livellotecnico dell’insegnamento dell’informatica è garantito tanto dai docenti chevengono dal corso di laurea di informatica, quanto dalla tecnologia chequest’ultima facoltà mette a disposizione anche degli studenti di giurisprudenza.La vera novità rispetto ai corsi tradizionali tanto per giuristi che per informaticiè costituita dalla particolare struttura secondo cui è stato organizzato il nuovocorso di laurea in informatica giuridica.

In esso, il principale problema didattico è costituito dall’esigenza dicollegare fra loro insegnamenti che vengono da due facoltà diverse, per evitare diavere insegnamenti paralleli che non hanno punti di contatto. Senza questafusione, si rischia di insegnare informatica e diritto, ma non informatica giuridica:e due mezze facoltà non fanno una facoltà.

Si è cercato di risolvere questo problema facendo uso della possibilità,offerta dalla riforma universitaria, di costruire gli insegnamenti secondo“moduli”, ciascuno dei quali apporta allo studente un certo numero di crediti. I

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“crediti didattici”10 (ignoti all’università italiana prima della riforma) introduconoanche in Italia il “European Credits Transfer System”, facilitando così lo scambiodi studenti con altre università dell’Unione Europea.

Questa innovazione organizzativa ha permesso di associare ai principaliinsegnamenti giuridici un “modulo” orientato all’informatica, che spiega cioècome quella branca del diritto si colleghi all’informatica. Simmetricamente, aiprincipali insegnamenti informatici è associato un “modulo” orientato al diritto,che spiega cioè come si può applicare quella certa tecnica al diritto. Per esempio, ilcorso di “diritto costituzionale” vale sei crediti; ad esso viene aggiunto un modulodi legimatica o di tutela della privacy di tre crediti. Il corso di “basi di dati” vale seicrediti; ad esso verrà aggiunto un modulo sulla costruzione di banche di datigiuridici che vale tre crediti.

Ma il verde albero della teoria, a differenza di quanto dice Goethe, devefare i conti con il grigiore della prassi11. I crediti vanno dosati secondo arcanealchimie ministeriali. I tagli dei fondi sono così radicali – si tratta di riduzioni del50% dei fondi, e anche più – che è difficile disporre di tutti i docenti necessari.D’altra parte, il complesso intreccio di materie informatiche e giuridiche appenavisto non può essere realizzato per intero già nel primo anno, soprattutto se inquell’anno i bilanci sono funestati da una grande carestia.

Fermo restando che il principio ispiratore dei singoli insegnamenti èl’integrazione degli insegnamenti giuridici con l’aspetto informatico e degliinsegnamenti informatici con l’aspetto giuridico, il programma del primo triennioalessandrino – programma effettivamente in vigore, ma in attesa di futurimiglioramenti – è riassunto nelle seguenti tre tabelle. In esse, accanto al nomedelle materie, è indicato il numero dei crediti che esse attribuiscono. I creditirisultano composti da due valori nei casi in cui siamo già riusciti ad aggiungereun modulo complementare alla materia di base. Questo tipo di corsi è destinatoad aumentare nei prossimi anni.

Il primo anno del triennio comprende dieci materie, per un totale di 58crediti:

Diritto costituzionale (6+3);Diritto privato (6+3);Principi di diritto romano (6);Diritto dell’Unione europea (6);Introduzione all’informatica giuridica (6);Informatica di base (5);Programmazione (con laboratorio) (9);Idoneità informatica (3);Inglese (3);Seminari (2);

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Alcune materie esigono un breve commento. “Introduzioneall’informatica giuridica” fornisce un quadro generale sia della materia, siadell’insegnamento nella facoltà (così come la juristische Enzyklopädie di un tempoforniva agli studenti di giurisprudenza un panorama dell’intero mondogiuridico). “Programmazione”, con il relativo laboratorio, è presa direttamentedal Corso di laurea in informatica. L’”Idoneità informatica” coincide in buonaparte con la cosiddetta “Patente europea del computer” (o European ComputerDriving Licence, o ECDL o, più italianamente, “patentino informatico”)12. Nonpochi studenti lo hanno già acquisito, anche perché in Alessandria e provincia visono scuole superiori con indirizzo informatico. “Inglese” è inteso come linguaspecialistica, dal momento che gli studenti giungono all’università avendo giàcon una conoscenza di base della lingua inglese. A quest’ultima è attribuito unpeso rilevante, perché il suo insegnamento continua anche nell’anno successivo.I “seminari”, infine, sono a libera scelta dello studente fra quelli offerti non solodalla sua facoltà, ma dall’intera università.

Il secondo anno del triennio comprende undici materie, per un totale di 61crediti, e inizierà nell’anno accademico 2003-2004:

Diritto amministrativo (6+2);Diritto commerciale (6+2);Diritto penale (6+2);Diritto del lavoro (6+2);Economia politica (6);Economia aziendale (2);Statistica (6);Basi di dati (5);Reti e sicurezza (5);Inglese (3);Seminari (2).Il secondo anno è caratterizzato dalle materie giuridiche, tutte arricchite

dal modulo di collegamento con l’informatica. Le materie informatiche affrontatenel primo anno vengono approfondite. In vista del futuro lavoro nelle impreseè stato inserito anche un gruppo di tre materie economiche. Per “Inglese” e“Seminari” vale quanto detto per il primo anno.

Il terzo anno del triennio comprende dieci materie, per un totale di 61crediti (che, sommati ai precedenti, danno i 180 crediti richiesti dal ministero perottenere il titolo di finale del triennio di “dottore iunior” in giurisprudenza).Esso inizierà nell’anno accademico 2004-2005:

Diritto processuale civile (4);

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Diritto processuale penale (4);Diritto privato comparato (6+2);Diritto industriale (6+3);Filosofia del diritto (6);Esercitazione informatica (5);Internet e linguaggio Web (10);Materia a scelta libera (9);Tirocinio (3);Prova finale (3).Il terzo anno prepara gli studenti a spiccare il volo. Le materie giuridiche

completano la preparazione degli anni precedenti e facilitano – per chi vorràseguirlo – l’accesso al biennio di specializzazione. L’”Esercitazione informatica”e la “Materia a scelta libera” consentono al singolo studente di approfondire itemi che gli sembrano professionalmente più utili o culturalmente piùinteressanti, mentre il “Tirocinio”, cioè lo stage presso un’impresa, lo mette acontatto con il mondo del lavoro.

La “Prova finale” consiste in un lavoro scritto su un tema scelto dallostudente d’accordo con il docente che presiederà la commissione di tre personenell’esame conclusivo del triennio. Lo scritto dovrà avere la dimensione di unacinquantina di pagine circa: si tratta quindi di un lavoro ben meno gravoso delletesi di laurea finora discusse nelle facoltà italiane. Il voto finale terrà conto tantodella qualità del lavoro scritto, quanto dei voti riportati dallo studente nel suocurriculum studiorum.

Completato questo triennio, il “dottore iunior” potrà andare a lavorareoppure continuare gli studi nel biennio di specializzazione, dopo aver superatol’esame integrativo.

Nell’anno accademico 2002-2003 è stato completato il ciclo di studi delprimo anno; nel successivo verrà attivato il secondo ciclo e, nel 2004-2005, ilcorso triennale sarà completo. Gli studenti che lo termineranno potranno passareal biennio di specializzazione sempre ad Alessandria, perché in quella facoltà digiurisprudenza sono già in funzione il corso di laurea triennale in “Scienzagiuridica” e il relativo biennio di specializzazione.

5. LE DIFFICOLTÀ INIZIALI NEL CORSO DI LAUREA ININFORMATICA GIURIDICA

Il corso di laurea in informatica giuridica ha avuto la fortuna di essereistituito prima del taglio dei fondi e prima del blocco delle assunzioni, ma ha il

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problema di dover crescere e consolidarsi con scarsi mezzi e scarso personaledocente e amministrativo.

Le difficoltà nell’acquisto di nuove attrezzature informatiche e nel lorocostante aggiornamento sono in parte limitate dal fatto che – essendo, come giàsi è ricordato, la laurea breve in informatica giuridica un corso “interfacoltà”,valido cioè per giurisprudenza e per informatica – i giuristi possono contareanche sull’infrastruttura degli informatici. Naturalmente per un periodotransitorio, e con la dovuta discrezione.

Il problema più grave è costituito dall’insegnamento impartitoda docenti che provengono da due facoltà non solo diverse, ma anche ispirate aquelle “due culture” generalmente presentate come antitetiche. Gli studenti digiurisprudenza hanno difficoltà a seguire gli stessi corsi di quelli di informatica,almeno nel primo, ma forse anche nel secondo anno. Lo stesso problema sipresenterà per gli informatici che opteranno per il corso di informatica giuridica,anche se in questo primo anno il caso non si è presentato. Sarebbe dunqueindispensabile che i corsi di informatica per i giuristi fossero tenuti da informatici,ma adattati alle specifiche esigenze e conoscenze dei giuristi.

Questo problema non sarebbe difficile da risolvere, se non ci siscontrasse con le ristrettezze economiche e con il blocco delle assunzioni. Agliinizi si può contare sullo spirito di collaborazione e sull’abnegazione dei colleghiper superare le difficoltà iniziali. Però una facoltà universitaria non puòdurevolmente fondarsi sul volontariato. Queste ristrettezza sembrano comunquelimitate a un breve periodo, forse anzi stanno per finire: in questo caso, lastruttura organizzativa della facoltà è già predisposta per rendere durevoli quellestrutture che, nel primo anno di funzionamento, sono necessariamentesperimentali.

In futuro, tra le materie nuove che potrebbero essere oggetto di seminario anche di un corso, non dovrebbe mancare quella che oggi prende il nome di“tecnica legislativa”. Una legge ben scritta facilita la ricerca nelle banche di dati e,soprattutto, è compatibile con l’informatizzazione della procedura che essaregola13. Tuttavia la riflessione su come redigere un buon testo legislativo andrebbeestesa a tutti i testi giuridici, in particolare alla “legislazione dei privati”14, cioè aquegli atti giuridici che valgono solo fra privati (per esempio, lo statuto di unasocietà per azioni o di un club sportivo, oppure un contratto).

Un atto interno dell’amministrazione pubblica, uno statuto di società,la normativa interna di una grande impresa, un contratto di compra-venditadevono essere redatti con la stessa cura di una norma generale, perché una lorostesura imprecisa può provocare danni e conseguenze giudiziarie. Inoltre, tra glistudenti che frequentano l’università, quelli che scriveranno un contratto o lostatuto di un’associazione sono più numerosi di quelli che emaneranno normevincolanti per la comunità nazionale. Se insomma la tecnica legislativa deve

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entrare nelle materie d’insegnamento universitario – e sarebbe auspicabile – essadovrebbe assumere la forma di una “tecnica per la redazione di testi giuridici”.

Questa materia acquista una particolare importanza se la si inserisce nelcontesto dell’insegnamento dell’informatica giuridica. Nel corso triennale diinformatica giuridica è importante che lo studente impari a redigere con proprietài testi giuridici che gli serviranno nella vita aziendale e privata (per esempio, icontratti informatici) e che alimenteranno i flussi informativi dell’impresa in cuilavorerà (per esempio, i regolamenti interni e le procedure organizzative). Oggiinfatti si studia il diritto commerciale senza imparare a scrivere un contratto:l’aiuto professionale che può venire agli studenti dall’imparare a redigere bene itesti giuridici è infine ulteriormente accresciuto dal fatto che la maggior parte diloro giunge all’università con scarse capacità di formulazione scritta.

6. L’USO DELL’INFORMATICA NEL CORSO DI LAUREA ININFORMATICA GIURIDICA: LE PIATTAFORME DIDATTICHE

E’ ovvio che la tecnologia dell’informatica debba servire d’appoggioall’insegnamento soprattutto in un corso di informatica giuridica. Si può dareper scontato l’uso dell’informatica per le attività correnti (uso di Internet,programmi per l’aumento della produttività individuale) e per le specifiche attivitàdidattiche che prevedono o l’uso di banche di dati giuridici o l’accesso ai sitigovernativi, editoriali, bibliotecari ecc., come complemento alle lezioni di diritto,oppure le esercitazioni nel laboratorio informatico, come complemento allelezioni di informatica.

Un aiuto notevole – specie in un periodo in cui mancano i mezzi perassumere nuovi insegnanti – può venire dall’uso delle piattaforme didattiche.All’università di Milano, nell’anno accademico 2002-2003, ho potuto organizzareil corso sul diritto dell’America Latina indipendente usando la piattaforma Ariel15,predisposta dal Centro Tecnico Universitario. Ad Alessandria è in preparazioneuna piattaforma simile, che dovrebbe essere disponibile dal prossimo annoaccademico. Nel primo anno del corso di informatica giuridica, ora terminato, siè fatto uso del sito Internet della facoltà per svolgere alcune funzioni che, infuturo, saranno affidate a una piattaforma didattica.

Queste piattaforme offrono i vantaggi dell’e-learning, cioè di quello che,anni fa, si chiamava CAI o Computer Aided Instruction16. Macchine e programmisono molto mutati, ma sul piano concettuale i vantaggi (e anche alcuni svantaggi,come vedremo) sono rimasti gli stessi.

La piattaforma può essere usata tanto per fornire materiale didattico aglistudenti, quanto per mantenere i contatti con essi. Può fungere cioè da bibliotecao da bacheca (e anche da buca delle lettere, purché informatiche).

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La funzione di magazzino di materiale didattico permette di memorizzaredocumenti scelti dal docente e indicati come testi d’esame o come letturecomplementari. Da questo punto di vista i vantaggi della piattaforma sononotevoli. Il docente può immettere i documenti man mano che li prepara nelcorso dell’anno accademico; può passarli da letture complementari a testi per gliesami; può infine, quando meglio crede, eliminarli in tutto o in parte. Tutto ciònon crea alcun problema agli studenti che, accedendo alla piattaforma, vedonosubito quali sono i documenti su cui devono lavorare.

I documenti immessi nella piattaforma possono essere scritti dal docente,possono essere testi inediti di terzi (per esempio, una buona ricerca svolta da unpartecipante al corso), possono infine essere testi pubblicati presso una casaeditrice. Qui la struttura della piattaforma aiuta a evitare i problemi derivanti daldiritto d’autore. Infatti l’accesso alla piattaforma viene, in genere, limitato aglistudenti del corso e a qualche “ospite”. Ognuno di questi utenti accede ai testisolo dopo aver fornito il proprio numero di matricola e il proprio codice segreto(attribuito all’inizio del corso). I testi cui lo studente accede non sono quindipubblici: sono materiali didattici ad uso interno, paragonabili alle fotocopie diuna parte d’un libro o di un articolo fatte per uso privato e non a scopo di lucro.

Questo uso della piattaforma è straordinariamente efficace nell’attualesituazione universitaria. La divisione dei corsi in moduli ha provocato unaframmentazione dei testi su cui preparare gli esami. Per tenere conto di questanovità, i docenti indicano spesso agli studenti – come materiale d’esame – parti dilibri di autori diversi, pubblicati presso case editrice diverse. Gli studenti,individualmente, devono fotocopiare le parti indicate, con problemi di reperimentoin biblioteca di libri e riviste, con difficoltà giuridiche sollevate dai negozi dove sifotocopia, con errori nell’individuazione delle parti da fotocopiare, e così via.

Non può essere la cattedra a organizzare le fotocopie per gli studenti,perché il numero degli studenti che sosterranno l’esame non è mai certo (lafrequenza alle lezioni non è obbligatoria; lo studente organizza liberamente ilsuo calendario d’esami; inoltre può iscriversi all’esame e non presentarsi) ecomunque, per riprodurre un certo numero di copie, bisognerebbe chiederel’autorizzazione ai vari editori, che sono poco propensi a concederla. Conl’immissione dei testi propri o altrui nella piattaforma, il problema del numerodegli esemplari da produrre in vista degli esami non si pone, perché ogni studenteinteressato stampa da sé, nel momento in cui ne ha bisogno, i testi indicati dalprogramma d’esame. Come si è detto, l’uso privato non a scopo di lucro delmateriale così stampato è garantito dai codici segreti di accesso.

In particolare, nell’informatica giuridica e nel diritto dell’informatica lapiattaforma consente di aggiornare costantemente la documentazione per glistudenti, tenendo conto delle innovazioni tecnologiche e legislative. Con itradizionali sistemi di stampa e fotocopie questo aggiornamento risulterebbe

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spesso impossibile, e comunque sempre più complesso e più lento.Oltre a questa funzione di banca di dati dinamica, la piattaforma fornisce

anche strumenti di gestione didattica. Un’apposita pagina svolge le funzioni di“bacheca”, avvertendo gli studenti delle date degli esami, degli eventualimutamenti di orario, delle attività complementari, e così via. Ma, soprattutto, lapiattaforma offre la possibilità di organizzare un’attività di “forum” con glistudenti. Nel corso del presente anno accademico ho sperimentato il “forumaperto” ad Alessandria e il “forum controllato” a Milano.

Con il forum “aperto” – in cui gli studenti dibattono fra loro temiattinenti la materia oggetto del corso – non ho finora avuto risultati incoraggianti:i discorsi non decollano, oppure assumono un andamento disordinato. Misembra quindi opportuno che il docente indichi un tema su cui ogni studentedeve fornire – entro una precisa scadenza – un proprio parere o una propriaricerca. Ogni studente ha una casella nella quale scrivere la sua risposta. Questoforum a tema prefissato può essere libero o controllato.

Nel forum libero, tutti possono vedere immediatamente le risposte ditutti gli altri. Questa modalità è stata sperimentata ad Alessandria con scarsirisultati, probabilmente perché gli studenti del primo anno erano ancora insicuridelle proprie opinioni ed esitavano a scriverle per primi, nel timore di sbagliaree di essere giudicati dagli altri. Un forum aperto di questo tipo equivale a farsvolgere un compito alla lavagna: la timidezza può avere il sopravvento (e ineffetti l’ha avuto).

Però, quando gli studenti hanno preso confidenza sia con la piattaforma,sia con l’ambiente universitario, il forum aperto corre due ulteriori rischi: ilprimo è che si trasformi in una chat-line fra compagni di classe; il secondo è chequalche risposta errata induca in errore chi legge quella casella. Per questo, neiprossimi anni, si farà sempre più ricorso al forum controllato per verificarel’apprendimento degli studenti e il loro livello di interesse per i temi trattati nellelezioni.

Il forum controllato è tecnicamente simile al forum libero, nel senso cheil docente assegna un tema (è consigliabile, ripeto, ma non è parte integrantedella tecnica di questo tipo di forum) e ogni studente scrive le sue idee inproposito nella sua casella personale. Essa però è immediatamente visibile nona tutta la classe, ma soltanto al docente, che può scambiare idee con lo studente,apportare correzioni e, soltanto dopo, rendere il contenuto della rispostaaccessibile anche al resto della classe. Questa soluzione richiede un notevoleimpegno del docente, specie se la classe è numerosa, ma presenta il duplicevantaggio di comunicare alla classe solo informazioni verificate e di offrire alsingolo studente una sfera protetta in cui egli lavora come se avesse con ildocente un colloquio privato, e non un colloquio in presenza di tutta la classe

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(come avviene invece nel forum aperto). D’altra parte, proprio per questa ragionegli studenti devono essere preparati ad attendere qualche giorno prima che illoro scritto, con le eventuali correzioni, sia reso accessibile anche al resto dellaclasse.

Oltre alla bacheca e al forum, la piattaforma didattica offre anche lapossibilità di sottoporre agli studenti dei quiz a risposta multipla, che vengonocorretti e valutati dal programma sulla base delle indicazioni fornite dal docente.Anche questo è un buon sistema per verificare se la classe segue il ritmo didatticoimpresso dal docente al suo insegnamento.

Grazie alle sue numerose funzioni, la piattaforma didattica si rivela unostrumento prezioso specie in momenti in cui i compiti dei docenti si moltiplicano,il numero degli studenti aumenta e le materie da insegnare si frammentano incorsi, moduli e seminari. Mentre la lezione tradizionale è irripetibile, il materialedella piattaforma può essere utilizzato più volte dal docente nel corso dell’annoo in anni successivi, ovvero – con l’accordo del titolare della piattaforma – puòessere usato da un altro docente.

La piattaforma può inoltre essere utilizzata a distanza dagli studenti. Glistudenti del programma Erasmus milanese, per esempio, hanno stampato inBelgio e in Germania gli ultimi testi che io, a Milano, andavo caricando sullapiattaforma. Analogamente, gli studenti non residenti ad Alessandria hannopotuto vedere i testi da casa loro e – cosa molto apprezzata – hanno potutotempestivamente informarsi a domicilio su ogni orario d’esame o mutamentodi programma.

Tuttavia, come la Computer Aided Instruction di decenni fa, lapiattaforma ha un’esigenza (che sarebbe eccessivo chiamare un difetto, ma checomunque costituisce un problema): la preparazione del materiale didattico dacaricare sulla piattaforma esige più tempo della preparazione d’una lezionetradizionale; la scelta dei temi per il forum controllato esige altro tempo, e ancorpiù tempo va speso nella revisione individuale delle singole risposte; lapreparazione delle batterie di quiz e delle relative risposte è laboriosa, se si vuoleevitare che i risultati vengano copiati o che siano noti a tutti dopo il secondosvolgimento della prova. Insomma, ancora una volta questo strumento perrisparmiare tempo (soprattutto in presenza di classi numerose e di un fortecarico didattico) a sua volta richiede tempo e aumenta il carico di lavoro. Marichiede tempo e aumenta il carico di lavoro soprattutto nella fase iniziale, superatala quale la piattaforma dispiega tutte le sue qualità positive.

Il problema della didattica informatizzata è dunque sempre il medesimo:come superare il collo di bottiglia della fase in cui si costruisce la piattaforma?Infatti è proprio il peso di questa fase a far desistere molti docenti dall’usare lapiattaforma. Nel momento in cui il carico di lavoro li indurrebbe a ricorrere alla

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piattaforma didattica, risultano troppo gravosi l’allestimento dei suoi contenutie il coordinamento con i tecnici informatici.

Per favorire la diffusione di questa didattica informatizzata bisognerebbein futuro concedere ai docenti interessati un periodo sabbatico, cioè libero daimpegni didattici in aula ma finalizzato unicamente alla preparazione dellapiattaforma, che verrà poi usata ed estesa negli anni successivi. Se non si vuoledistogliere un docente dall’attività corrente, si potrebbe almeno assumere (magaricon un contratto a tempo) qualche giovane laureato che lo affianchinell’insegnamento in aula e che gli costruisca, nel corso dell’anno accademico,una piattaforma fondata sul contenuto delle sue lezioni e sulle domande rivolteagli studenti e ricevute dagli studenti. Se non si trova il modo per alleggerire lafase iniziale della costruzione delle piattaforme didattiche, il loro uso continueràa essere limitato a pochi docenti incuriositi dalla tecnologia ma, soprattutto,resistente allo stress.1 Mario G. Losano, L’università di Bronxford un istante prima del crollo, «MicroMega»,1993, n. 5, pp. 169-191; trad. sp.: La universidad de Bronxford un instante antes delcolapso, «Boletín de la Institución Libre de Enseñanza», II Época, Septiembre1994, n. 20, pp. 45-55.2 Decreto Ministeriale del 3 novembre 1999, n. 509: Regolamento recante normeconcernenti l’autonomia didattica degli atenei.3 Mario G. Losano, Informatica e nuove esigenze didattiche nelle materie giuridiche, in:

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L’università e l’evoluzione delle tecnologie informatiche. Atti del convegno, Milano,15-16 marzo 1983. Testi delle comunicazioni, vol. 2, Milano 1983, pp. 5.1-5.2.;L’insegnamento del diritto e l’informatica, «Data Manager», XIII, luglio-agosto 1988,n. 81-82, p. 17; Programas didácticos para el derecho, in: Segundo encuentro sobre lainformática en las facultades de derecho, Universidad Pontificia Comillas, Madrid1988, pp. 223-30; El aula de informática en la facultad de derecho, in: III encuentro sobrela informática en las facultades de derecho (mayo 1989), Universidad Pontificia Comillas,Madrid 1990, pp. 11-20; Prospettive dell’informatica nella ricerca e nell’insegnamentodel diritto, in: Fondazione IBM Italia (a cura di), Calcolatori e scienze umane.Archeologia e arte, storia e scienze giuridiche e sociali, linguistica, letteratura, Etaslibri,Milano 1992, pp. 121-156.4 Mario G. Losano, I primi anni dell’informatica giuridica in Italia, in: FondazioneAdriano Olivetti (a cura di), La cultura informatica in Italia. Riflessioni e testimonianzesulle origini, 1950-1970, Bollati Boringhieri, Torino 1993, pp. 191-236. Sui primianni dell’informatica giuridica in Germania: Lothar Philipps, Von der hellen zurdunklen Seite des Computers – Die Wende in der Geschichte der deutschen Informatik, inMaria-Theres Tinnefels – Lothar Philipps – Kurt Weis (Hrsg.), Die dunkle Seitedes Chips. Herrschaft und Beherrschbarkeit neuer Technologien, Oldenbourg, München– Wien 1993, pp. 11-15.5 Nell’indirizzo del sito, figura per ora la vecchia denominazione “cirfid”. IlCirsfid rappresenta l’Italia nel progetto di Master Europeo in informaticagiuridica, EULISP, dell’Università di Hannover.6 Per un panorama dell’informatica giuridica in Europa nei tempi eroici dei suoiinizi si veda la bibliografia internazionale di Wolfram Schubert – WilhelmSteinmüller, JUDAC. Jurisprudence – Data Processing – Cybernetics.Internationale Bibliographie, Beck, München 1971, XVI-300 pp.7 Umberto Eco, Baudolino, Bompiani, Milano 2002, 526 pp.8 Il sito dell’Università del Piemonte Orientale è: www.unipmn.it.9 Il sito della Facoltà di Giurisprudenza dell’Università del Piemonte Orientale è:www.jp.unipmn.it.10 Convenzionalmente, a un credito corrispondono 25 ore di lavoro dellostudente (sia frequentando lezioni, sia studiando i testi); un anno accademicocomporta per lo studente un impegno per 60 crediti (pari a 1500 ore), che egliacquista sostenendo gli esami. Non sono previste sanzioni nel caso che lo studentenon raggiunga questo numero di crediti.11 “Grau, teurer Freund, ist alle Theorie, und grün des Lebens goldner Baum”(Faust, I; Mephisto, vs. 2038).12 Ulteriori informazioni sulla ECDL si trovano nel sito dell’Associazione italianaper l’informatica e il calcolo automatico (AICA): www.aicanet.it.13 Mario G. Losano, Diagrammazione a blocchi e programmazione reticolare di proceduregiuridiche, Consiglio Regionale della Lombardia, Milano 1979, III-171 pp.;

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L’informatica e l’analisi delle procedure giuridiche, Unicopli, Milano 1989, 388 pp.(trad. spagnola: La informática y el análisis de los procedimientos jurídicos, Centro deEstudios Constitucionales, Madrid 1991, 222 pp.).14 Ferdinand Kirchhoff, Private Rechtssetzung, Duncker & Humblot, Berlin 1987,558 pp.15 La piattaforma Ariel è usata da tutto l’ateneo milanese: http.//ariel.ctu.unimi.it.Per quanto riguarda la mia cattedra, dopo questo periodo sperimentale in Italia,con l’Universidad de la República, a Montevideo, si sta studiando l’uso dellapiattaforma Ariel per realizzare un progetto di insegnamento a distanza direttosoprattutto alle zone uruguaiane dell’interno.16 Avevo cominciato a occuparmi dell’argomento più di trent’anni fa: Mario G.Losano, L’istruzione programmata, «Elettra», 1971, n. 1, pp. 6-8.

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O CONCEITO DE JUSTIÇA EM JOHN RAWLS

JOSÉ ANSELMO DE OLIVEIRA, Juiz de Direito, Mestre em Direito pelaUFC, Professor da Faculdade de Direito da UNIT/SE, Professor da ESMESE,Autor do livro Direito à Jurisdição: Implicações Organizacionais, Teóricas e Políticas –SAFE/RS, 2003.

SUMÁRIO: I. Introdução. II. A Justiça e o contratualismo. 1.1. A Justiçaem Rousseau. 1.2. Kant e a Justiça. 1.3. John Rawls e a sua Teoriada Justiça. II. O conceito de Justiça em John Rawls. III. Conclusão.IV. Bibliografia.

RESUMO: Trata-se de uma análise do conceito de Justiça segundo JohnRawls a partir de sua teoria contratualista contemporânea. Enfrenta-se um diálogoentre os contratualistas clássicos e a contribuição de Rawls do ponto de vistafilosófico.

I. INTRODUÇÃO

A Justiça desde os primórdios desafia os pensadores a estabelecercoerentemente um conceito, uma teoria que explique a sua existência e o seumodo de operar-se no meio dos homens.

Nada é mais evidente que decorre o valor justiça da compreensão de queo homem é um ser moral e a sua conduta, sua atividade, seu agir, implicasempre numa relação direta com outro ser moral, como sujeito dessa relaçãonatural, não importando que outros seres não morais possam participar dessarelação, especialmente como objeto da mesma relação, a exemplo das relaçõesjurídicas cíveis.

Filosoficamente, a idéia do justo é preocupação que antecede a umaelaboração científica do próprio conceito de Justiça.

Anota-se em Platão, e com maior profundidade em Aristóteles, a idéiade que Justiça é um valor a realizar-se diante de uma relação existente, de uma

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situação, do ponto de vista da justiça particular, a exigir uma justiça distributiva1. Desta visão inicial do pensamento ocidental sobre a justiça até os dias

atuais muito foi construído, sendo importante essa compreensão da evoluçãopor ser indispensável compreender os sistemas onde a justiça aparecia ora comovalor ético, ora como valor moral, e até mesmo ideológico.

Este trabalho não se destina a investigar as várias escolas e os sistemas esuas posições sobre a Justiça. Embora necessariamente se faça uma revisitaçãohistórica, o objeto do nosso estudo é o conceito de justiça na teoria da justiçadesenvolvida por John Rawls.

II. A JUSTIÇA E O CONTRATUALISMO

II.1. A Justiça em Rousseau

Ante as questões suscitadas por Jean-Jacques Rousseau em O contratosocial com relação à legitimidade do pacto social, ao problema da liberdade, aodespotismo, entre outros, que se seguiram aos pensamentos de seus antecessorescomo Hobbes e Locke, foi construída uma teoria que explicava o sistema jurídico.

No século XVII a grande preocupação dos filósofos teve por núcleo adiscussão da passagem do estado de natureza para a sociedade civil, como formade combater a origem divina dos soberanos.

O iluminismo vem se contrapor ao que às vezes tomava a forma defanatismo, diante da falta de explicações para tantas dúvidas. Embora não sediga pura e simplesmente que a Idade Média se curvara à ignorância, muito doque se produziu depois se deve ao esforço de muitos que foram até mesmoesquecidos.

O fato de somente com o racionalismo de Descartes, com a teoria políticamoderna desenvolvida a partir de Hobbes, Locke, Montesquieu, não significanegar a contribuição do pensamento clássico, inclusive dos sofistas, como maistarde reconheceram Hegel, Nietzsche e Grote2.

O fato de dedicar ao pensamento de Rousseau especial atenção, nestaanálise decorre da própria idéia de contratualismo construído por ele, e a discussãoque desenvolve sobre a legitimidade, como se vê, quando diz:

“Quero indagar se pode existir, na ordem civil3, algumaregra de administração legítima e segura, tomando os homenscomo são e as leis como podem ser.4Esforça-me-ei semprepara unir o que o direito permite ao que o interesse prescreve,a fim de que não fiquem separadas a justiça e a utilidade.”5

Como não é objeto desse trabalho analisar a obra de Rousseau, mas asua contribuição para o conceito de justiça, podemos perscrutar sobre a idéia que

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possuía do homem, cujo estigma do Estado liberal que se iniciava tinha noindividualismo a chave, ao contrário, o homem de Rousseau está perfeitamenteligado ao coletivo, tanto que a lei que nasce da entrega do individual em nomedo coletivo como salvaguarda da idéia de justiça com eqüidade nascida da vontadegeral.

A idéia de igualdade natural fez Rousseau, com o uso da razão, terpercebido a existência de uma desigualdade, fruto dessa visão estreita, tanto queem seu “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre oshomens” alerta para o fato de o homem ser a causa da própria infelicidade.

Assim, para Rousseau a lei traz uma forma de justiça que deve respeitara igualdade formal, a partir das ações dos homens, justos ou injustos.

A sua importância está na reflexão sobre o homem enquanto vivendono estado natural e o homem numa sociedade civilmente organizada, a justiçacomo ideal da democracia liberal.

II.2. Kant e a Justiça

A contribuição de Immanuel Kant para a filosofia, de tão significativa,continua até hoje sendo um ponto de partida para a discussão e à reflexão, notocante ao problema da justiça, serve de apoio à idéia do contratualismoinicialmente formulado por Locke em seu Segundo Tratado de Governo e Rousseauem O Contrato Social, principalmente com o Fundamentação da Metafísica dosCostumes, de 1785, onde busca demonstrar o fundamento da filosofia moral.

Para Kant todo o ser racional é dotado de uma vontade e onde a idéia deliberdade sob a qual, e somente sob a qual, ele atua. Uma razão legisladora, quedá ou fixa as leis. Distingue a “lei” fruto da razão das normas que somente sãopostas a partir de um ato de vontade.

Razão e vontade, para Kant, segundo Kelsen, são distintas faculdadesdo homem, porém agindo em busca do sentido de justiça e de liberdade.

A crítica da razão pura e A crítica da razão prática contribuíram para afirmarque o contratualismo se manifesta na possibilidade de racionalmente os homensescolherem a forma de sociedade e de suas leis, o pacto firmado é justificador dajustiça possível e previamente consentida, conceituando-a e explicando-a.

O Estado para Kant era resultado da sua visão apenas jurídica, umconjunto de leis a obrigar os homens que estivessem sob o seu domínio, aexpressar a influência do positivismo em sua concepção, sem superação dojusnaturalismo.

A justiça seria o resultado da vontade e da liberdade do homem enquantoser racional, manifestada nas leis, a exigir o respeito de todos.

II.3. John Rawls e a sua teoria da Justiça

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Alerta o próprio Rawls, que busca em sua teoria fixar fundamentos deum neocontratualisno partindo da inspiração humanista de Locke, Rousseau, esobretudo Kant em oposição ao utilitarismo de Bentham.

A reconstrução do contratualismo a partir de um pacto social,democraticamente posto e renovável, e com a possibilidade de permitir atémesmo a desobediência civil como forma de expressar um direito de resistência,é a novidade proposta por Rawls.

Enfrenta a teoria de Rawls problemas como a questão da igualdade“natural” e a igualdade “liberal”. Produzindo, então, como forma decompatibilizar, dois princípios, o primeiro nascido do momento primário daaceitação diante de fatos e circunstâncias naturais de uma pretensa igualdadefirmada pelo direito e envolto num “véu de ignorância”, e o segundo, numaforma de justiça distributiva, compensatória, resultando necessariamentebenefícios para os menos aquinhoados.

As críticas à teoria de Justiça de Rawls partem da sua própria congregação,o professor de Sociologia da Universidade de Oxford, Steven Lukes, que emrazão do “véu de ignorância” dos contratantes diz ficar configurado o“individualismo metodológico”, e que completa ao afirmar que esta teoria seriaem verdade uma “Teoria da Justiça Democrática Liberal”.6

Para Roberto Mangabeira Unger, esta é “a postura típica tanto dosaristocratas decadentes (sic) quanto das inteligentsias críticas na história do Estadomoderno”.7

Parece que, sem embargo das críticas, o pensamento de Rawls em sua teoriavolta-se para enfrentar um problema típico do formalismo kelseniano, e não se digacom isso que Rawls seria um igualitarista, ao contrário, seria melhor classificá-locomo redistributivista, dando prioridade às necessidades dos menos favorecidos.

Procura Rawls fundamentar a sua teoria de Justiça quando busca explicarem duas partes relativas aos princípios: a primeira, uma interpretação da situaçãoinicial, e a formulação de vários princípios disponíveis para a escolha, a segunda.

Finalmente, após reconhecer que a sua teoria não é completamentesatisfatória, conclui: “Tenho procurado apresentar a teoria da justiça comodoutrina sistemática viável, para que a idéia de maximizar o bem não dominepor omissão.”(Uma Teoria da Justiça, p. 425).

III. O CONCEITO DE JUSTIÇA EM JOHN RAWLS

Expresso como principal idéia da teoria da justiça, o objetivo dojusfilósofo Rawls é a conceituação de Justiça de forma mais genérica possível queleve a um nível mais alto de abstração à difundida teoria do contrato social, talcomo proposta por Locke, Rousseau e Kant.

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A Justiça para Rawls é eqüidade no momento inicial do pacto, partindo-se da suposição que todos são iguais, e que por isso podem determinar a formade atuar a defesa dos seus direitos, fixar os direitos, categorizar os bens queinteressam ao grupo social.

Num segundo momento a Justiça é vista como um bem, partindo daidéia primária de que ninguém teria conceitos de bem, conceito agora fixadocontratualmente como também os seus princípios aptos a produzir vantagenspara todos – o que somente seria justo, ou para alguns quando se destinar amelhorar os menos privilegiados – como redistribuição.

Justiça e igualdade, à moda liberal, andam juntos no conceitoproposto pela teoria de Rawls, representando efetivamente, sem assumir, umapostura de defesa do neoliberalismo.

IV. CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, esse pequeno estudo sobre o conceito de Justiçapermitiu apreender que a filosofia ao dedicar-se a discutir os problemas demoral e dos seus valores, jamais poderia deixar de lado a questão justiça.

A idéia do bem e do justo, que desde a antigüidade clássica até os nossosdias sempre suscitará reflexões, especialmente com as mudanças do homem emsuas relações econômicas, políticas e espirituais.

Independentemente da conceituação de Rawls sobre a Justiça, não poderiaperder a oportunidade de concretamente perceber e dizer que a Justiça é umvalor que acompanha o homem em sua busca de felicidade e de realização, nãoimportando o sistema, o regime político, as convicções religiosas, todos em seutempo e momento histórico, tendo por fim último o homem feliz.

O debate filosófico sobre o que é Justiça obedece aos matizes das correntesideológicas, daí se poder afirmar a existência de uma “justiça liberal”, “justiçasocial”, “justiça moral” e “justiça religiosa”, podemos até mesmo supor aexistência de uma “justiça de malfeitores”, a exemplo do crime organizado,cujos valores exercitados no julgamento dos seus membros são os pactuadosna organização.

Não nos interessou, nesse trabalho, aprofundar as questões imanentesao debate sobre a justiça em todas as suas acepções, fizemos um corte necessáriopara objetivamente concluirmos, que para John Rawls a Justiça cumpre umpapel nos limites do pacto contratual, sem antecedentes axiológicos a perturbaro contrato, nascida apenas do que seria uma vontade geral, em vista da garantiada liberdade nos moldes do liberalismo avançando na redistribuição comoforma não de buscar uma igualdade material plena, mas de compensar aquelesque não foram beneficiados naturalmente no plano da distribuição primária.

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A justiça de Rawls tem na idéia de autonomia e no imperativo categóricode Kant sua base, é a reinterpretação do conceito kantiano.8

V. BIBLIOGRAFIA

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________________________ Discurso sobre a origem e os fundamentos dadesigualdade entre os homens. ( idem. Ibidem.) Vol. II.

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1 Sobre a visão aristotélica da justiça Enrique R. Aftalion e outros, tratam aodiscorrer sobre a história da doutrina sobre a Justiça, em a Introduccion al Derecho,Buenos Aires: 9ª edicion. 1972. ( 176-191).2 Como bem lembra Arnaldo Vasconcelos ao escrever sobre as idéias político-jurídicas dos sofistas, em Direito, Humanismo e Democracia. São Paulo: Malheiros,1998. (58-108).3 Significando hoje ‘ordem pública’, segundo anota Lourival Gomes Machado,não se tratando das relações privadas próprias na atualidade do Direito Civil.4 Ponto de separação entre Montesquieu, pois em o Espírito das Leis temos aexplicação das leis que são a partir dos fatos que a geraram, o Contrato Socialbusca verificar o que devem e podem ser as leis para resolver as questões dohomem, individualmente e coletivamente.5 Não se trata do utilitarismo propriamente, Rousseau deseja princípio e açãoatendidos a um só tempo, conforme observa Lourival Gomes Machado.6 Vamireh Chacon cita as críticas feitas à teoria da justiça de Rawls na introduçãoque escreveu na edição por ele traduzida e editada pela Universidade de Brasília,e que foi utilizada neste trabalho. ( p. 7).7 Vamireh Chacon op. cit. (p. 7).8 Não pode ser outra a própria afirmação de Rawls quando diz: “ Basta dizer quese eu estiver enganado, a interpretação kantiana da justiça como eqüidade émenos fiel às intenções de Kant que estou presentemente inclinado admitir.”Op. cit. ( p. 201).

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DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIOA mitigação do Princípio da Legalidade Tributária com a utilização damedida provisória para a modificação de tributos

José Gomes de Britto Neto é especialista em Direito Tributário; pós-graduandoem Direito do Estado; professor de Direito da UNIT (Aracaju/SE) e do CursoJusFórum (Aracaju/SE); advogado e assessor do Ministério Público EspecialJunto ao Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

SUMÁRIO: Introdução – 1. Princípios constitucionais: 1.1Conceituação; 1.2 Origem e evolução do princípio da legalidadetributária: 1.3 O princípio da legalidade tributária enquanto garantiaindividual do contribuinte – 2. Excessões constitucionais expressase implícitas ao princípio da legalidade tributária – 3. A EmendaConstitucional n. 32 e a utilização da medida provisória em matériatributária: 3.1 Sua inconstitucionalidade?– 4. Conclusão

INTRODUÇÃO

Desde a sua promulgação, a Constituição Federal do Brasil de 1988 vemsofrendo modificações através de diversas emendas constitucionais emanadaspor obra do Poder Constituinte Derivado. Em decorrência, discussões vêmsurgindo no mundo acadêmico sobre a real força normativa da nossa Carta, tidacomo uma das mais bem elaboradas em todo o mundo, garantidora dos direitosfundamentais do cidadão, corolária do nascimento e da garantia de um efetivoEstado Democrático de Direito, daí ser conhecida como a “Constituição Cidadã”.Acontece que muitas vezes, este ato legislativo do Poder Derivado deve seranalisado como um meio de se saber até onde vai a sua legitimidade e a validadedas normas consittucionais que se modificam, podendo vir a causar em algumassituações específicas uma verdadeira ingerência inconstitucional, por tentardesestruturar preceitos fundamentais erigidos pelo constituinte originário,intocáveis, por serem a base principiológica do nosso ordenamento jurídico.

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Alguns destes preceitos fundamentais garantem ao contribuinte, dentrodo sistema tributário nacional, uma rigidez e segurança jurídica na hora do Estadobuscar coercitivamente parcela de sua propriedade para fins de custear as suasdespesas essenciais. Neste ponto, verificamos que o Poder Executivo e até mesmoo Legislativo, vêm interferindo de forma indevida neste sistema constitucional, oque demanda a uma análise mais acurada, sob pena de descaracterizarmos todo oordenamento constitucional tributário, o que geraria uma insegurança ao cidadãoque é sujeitado a todo momento ao cumprimento de exações fiscais, diga-se depassagem, cada vez mais elevadas. Assim, o Chefe do Executivo começou a utilizar,dentre os últimos governos, a medida provisória como meio de buscar recursospúblicos, alterando matéria tributária em desobediência frontal ao princípio dalegalidade tributária, com a desculpa da demora do Legislativo e da urgência erelevância do assunto tratado, como meio de estabilizar a economia.

Para vedar um pouco este abuso, surgiu a Emenda n. 32/01, que trouxelimitações à utilização da medida provisória em matéria tributária, e ainda,regulamentou determinadas situações, como sendo possível a utilização desteintrumento como meio de interferir diretamente no sistema tributário (paraalguns tributos). Tais modificações trazidas por esta emenda são por nósexaminadas nesta exposição, bem como a sua constitucionalidade frente aoprincípio da estrita legalidade tributária, que de certa forma, não é mais o mesmo,impoluto, intocável, forte, encontrando-se hoje mitigado pela intromissãodesenfreada nos preceitos fundamentais da nossa Carta Constitucional, fazendocom que os fatores externos de poder passem a retirar a força constitucionalprópria, fundada pelo constituinte originário.

1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

1.1 Conceituação

O Direito é uma Ciência cultural, consubstanciando o resultado dasexperiências humanas ao longo da sua evolução histórica, refletindo oregramento das relações sociais, visando a obtenção do bem comum. Difere,portanto, das Ciências da Natureza, como a física, a matemática, etc; que partemdo campo exato, da observação humana, para exprimir resultados objetivos,diretos, práticos. Como Ciência cultural, o Direito possui uma carga altamentevalorativa em seus preceitos normativos, imprimindo às suas normas um altograu de valoração do justo e do injusto, do lícito e do ilícito, do permitido e doproibido, enfim, ao passar dos anos, evolui o seu poder de sempre se adequar àsrealidades atuais e aos valores que os homens impõem às suas condutas emsociedade. É a tentativa de se atingir o chamado well fare state.

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Desta forma, a valorização que se encontra nas normas jurídicas, enquantocomponente axiológico, varia de norma para norma, sendo que algumas delasestão mais fortemente impregnadas de valores que levam a uma compreensãomaior de todo o ordenamento jurídico. Tais normas admitem preceitosconsiderados universais, de aplicação abrangente e imediata a todas as regras deconduta delineadas pelo ordenamento jurídico, visando trazer limitaçõesobjetivas e servirem de base fundamental para que o legislador possa ter umnorte a seguir quando da regulamentação de determinadas normas jurídicascomo parte deste ordenamento.

Segundo o ilustre Jurista Paulo de Barros Carvalho1, o termo Princípiopode ser usado não tão somente para fixar importantes critérios objetivos à norma,mas também, para significar o seu próprio valor, independentemente da estrutura aque está agregado. Assim, continua o nobre professor, ao referir-se aos princípios:“(…) nessa breve reflexão semântica, já divisamos quatro usos distintos: a) comonorma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) comonorma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como osvalores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas consideradosindependentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivoestipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta aestrutura da norma. Nos dois primeiros, temos “princípio” como “norma”;enquanto nos dois últimos, “princípio” como “valor” ou como “critério objetivo”.”

Assim, podemos ver no princípio um segmento que regra a normatização,às vezes de forma expressa, às vezes implícitos, porém, retratam um conteúdovalorativo próprio, instituídos pelo constituinte originário, servindo de arcabouçopara a legislatura infra-constitucional, de forma que toda a legislação a ser criadaou modificada, deverá obediência a este preceito valorativo maior, trazendouma identidade axiológica a um determinado sistema jurídico.

A palavra princípio foi utilizada na filosofia por Platão, no sentido defundamento de raciocínio (Teeteto, 155 d), e por Aristóteles, como a premissamaior de uma demonstração (Metafísica, V. 1, 1.1012 b 32 – 1.013 a 19). Kantafirmou que “princípio é toda proposição geral que pode servir como premissamaior num silogismo” (Crítica da Razão Pura, Dialética, II. A). Nesta linha deraciocínio, podemos considerar o princípio não só como o ponto de partida, oinício, alicerce de um sistema jurídico, mas como a pedra angular de um sistema.De fato, os princípios são as normas fundamentais que dão validade e sustentamas demais normas formadoras de um sistema jurídico, e que segundo RoqueAntônio Carraza, “é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por suagrande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes doDireito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e aaplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”.2

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1.2 Origem e evolução histórica do princípio da legalidade tributária

Sendo o princípio o alicerce fundamental da formação de todo um sistemajurídico, pedra basilar que se irradia sobre diferentes normas, servindo de critériopara sua composição e exata interpretação, definindo a lógica e a racionalidade dosistema normativo, é que se faz necessário lembrarmos das árduas batalhas travadasno seio das sociedades primeiras, para que se pudesse consolidar no seu sistemajurídico um conjunto de preceitos maiores que servissem de embasamentofundamental às demais normas legais e às consequentes imposições prescritivassobre os indivíduos, gerando uma maior segurança jurídica para os cidadãos quese viam vez em quando fustigados em seu patrimônio sob as imposiçõespotestativas do Rei, e em especial, no que se referia ao poder de tributar, sempreque o Estado necessitasse de recursos financeiros para custear batalhas, ou praticaratividades vultosas de interesse do Reino.

O fato de que nenhuma prestação pecuniária pode ser imposta a não serpor deliberação dos órgãos legislativos deve-se à Magna Charta Libertatum, duranteo reinado do Rei João Sem Terra, na Inglaterra, onde os barões, por causa daonerosidade e nas injustiças das exigências financeiras, exigiram determinadasconcessões para a tutela de seus direitos, passando a tributação a ser exigidamediante prévia aprovação em assembléia. Tal fato se deu por causa da exacerbaçãoda cobrança de impostos feita pelo rei, a seus vassalos, visando cobrir despesasextraordinárias de guerra, promessas de recompensa, etc; não havia umalegitimação coletiva para a criação e imposição de tributos aos cidadãos, o quedependia unilateralmente do poder absoluto do rei. Com o passar do tempo,passou a haver uma coletividade no consenso para a imposição tributária, tendo-se notícia de que em 11793, o Conselho de Latrão proibiu que os bispos taxassemseu clero sem o consentimento do mesmo, manifestado pelos arquidiáconos.Na Espanha, surgiram as cortes de lamengo, com a função de deliberar sobre osrecursos que iriam para o Rei, que devia obter o prévio consentimento de seussúditos.

Quanto mais gravosa fosse a tributação, o rei deveria demonstrar afinalidade da mesma, e a sua utilidade para fazer frente às despesas públicas. Jána França, com o surgimento da constituição dos États Généraux, em 1314,apareceram as primeiras manifestações para o consentimento na cobrança detributos. Na Itália, os parlamentos deviam ser consultados previamente pelosoberano, e deles participavam todas as classes sociais, a depender da matéria aser discutida.

De certo modo, podemos encontrar o princípio da legalidade em todasas constituições brasileiras. A Constituição do Império, em seu ato adicional de

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1834, estendeu tal princípio às áreas provinciais, atribuindo às assembléiaslegislativas das províncias competência legislativa para instituir os impostoslocais. Na Constituição de 1891, verifica-se a seguinte proposição: “nenhumimposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em virtude de uma leique o autorize (art. 72, parágrafo 30).” A Constituição de 1937 foi a única quenão o autorizou expressamente. O princípio da legalidade aparece plenamentena Constituição de 1946, colocado como direito e garantia individual. Com aEmenda n. 18, de 1965, o princípio foi mantido com ressalvas, no sentido deque os impostos de importação, exportação e sobre operações financeiraspudessem ter suas alíquotas e bases de cálculo alteradas, nas condições e limitesestabelecidos em lei, por ato do Poder Executivo. A Constituição de 1967 criouum Sistema Constitucional Tributário, mantendo o princípio da legalidade comouma limitação ao poder de tributar, passando-se a chamar de princípio dalegalidade tributária.

Assim, podemos obsevar que ao longo da história, no direito comparado,houve as primeiras manifestações dos povos contra a tributação não consentida,impositiva, onde havia uma verdadeira imposição do Império aos cidadãos, noafã de reaver em dinheiro a quantia suficiente para compor as despesasextraordinárias, agravadas ainda com o surgimento das cidades, para amanuntenção das despesas públicas essenciais. Era praticamente o Chefe doExecutivo quem determinava o tributo a ser exigido e coativamente buscava asua arrecadação.

Com isso, o princípio da legalidade tributária surgiu como um meio deigualar a todos que convivem em uma determinada sociedade, visando tãosomente a autorização destes cidadãos para que pudéssem contribuir com parcelasde suas riquezas para a manutenção da máquina estatal e das despesas essenciais.Foi com o surgimento do Estado de Direito que se levou à organização dasassembléias legislativas, onde o soberano, antes de impor tais exações fiscais,passou a obter autorização prévia dos representantes do povo, como meio delegitimar a cobrança que recairia sobre os mesmos, dando uma maior transparênciaaos atos do Poder Executivo e vinculando a receita arrecadada às verdadeirasdespesas comprovadas.

Tal princípio ganhou uma importância fundamental nas CartasConstitucionais de diversos países, inclusive no Brasil, onde foi erigido a statusde garantia individual do contribuinte, como medida da mais rígida segurançajurídica. A tudo isto, devemos ser gratos à solidificação nas constituições, daimportância que se deu à valorização dos seres humanos em sociedade, aos seusdireitos e garantias fundamentais, à liberdade, igualdade, fraternidade; respeitoconquistado com a Revolução Francesa, um dos marcos fundamentais donascimento do Estado Democrático de Direito.

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1.3 O princípio da legalidade tributária enquanto garantiaindividual do contribuinte

Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi erigido um SistemaConstitucional Tributário, arts. 145 a 162, que trouxe uma rigidez maior quantoàs normas gerais de caráter tributário a serem observadas pelo legislador infra-constitucional que, dentro do seu âmbito de competência legiferante, tambémjá traçado pelo mesmo sistema, deve seguir e se basear quando da elaboração oualteração da matéria tributável.

Assim, dentre uma série de princípios trazidos pela Carta Magna, em seuart. 150, I, veio corroborado o princípio da legalidade tributária, assim chamadopor ser decorrente do princípio da legalidade insculpido no art. 5 do mesmodiploma. Por este princípio, os entes de direito público interno, que detêm acompetência para exigir ou aumentar tributos, só podem fazê-lo mediante lei. Eo que nos chama a atenção é o fato de que este princípio, além de se repetir, sóque agora com aplicação específica ao Sistema Tributário, veio como uma garantiaindividual do contribuinte, nos termos do próprio caput do art. 150. Isto querdizer que, o constituinte originário, ao implementar este preceito fundamental,quis deixar claro a fortificação da segurança jurídica do contribuinte, cidadãodotado de direitos e garantias individuais, de somente ser atingido por matériafiscal, e em especial, a imposição de obrigação tributária principal, se for medianteo procedimento legislativo competente: Lei. É não só a corroboração do implícitoprincípio da não-surpresa em matéria tributária, mas a consagração do que háséculos os cidadãos lutaram para conseguir: o direito não serem desprovidos deparcela do seu patrimônio, em prol do Estado, de maneira autoritária, unilateral,sem consenso e conhecimento do povo, através de seus representantes eleitos.É a conquista do Estado Democrático de Direito trazido à lume em nossa CartaMaior.

Neste diapasão, verificamos aqui um princípio não só valorado, masuma norma com efeitos práticos enormes, já que é facilmente identificável saberse determinado tributo está ou não consentâneo com este preceito maior. Porele, portanto, havendo necessidade do legislador ordinário instituir ou majorartributos, a via legal é a única saída. Neste sentido, devemos entender o ato dolegislador em desejar alterar um, alguns ou todos os elementos essenciaisformadores do tributo, quais sejam: fato gerador (hipótese de incidência), basede cálculo, alíquota, sujeito ativo e passivo.

Como preceito fundamental, garantidor de direitos individuais docontribuinte, resulta a sua imutabilidade ou sequer alterabilidade pelo PoderConstituinte Derivado, eis que nos termos do art. 60, parágrafo quarto da

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Constituição Federal, as garantias individuais dos cidadãos constituem aschamadas cláusulas pétreas. Portanto, somente poderá haver qualquer modificaçãoquanto à normatização infraconstitucional, de modo a não se adequar ao princípiofundamental da legalidade tributária, se houvesse outra Assembléia ConstituinteOriginária que o relativizasse ou subtraísse do sistema constitucional, casocontrário, tal princípio serve de fundamento à constituição das demais normasdo nosso sistema tributário.

Segundo Kelsen, as normas subordinadas devem harmonizar-se comas superiores, sob pena de deixarem de ter validade, no ordenamento jurídico.Assim, uma lei que contrarie os preceitos constitucionais resulta inválida, nãoproduzindo efeitos de direito. Neste raciocínio, considerando-se que as emendasconstitucionais são obras do poder constituinte derivado, podem também sertaxadas de inconstitucionais se não respeitarem preceitos fundamentais albergadospelo manto da imodificabilidade garantida pelo constituinte originário, queserve de fundamento de eficácia do poder constituinte derivado. É o que seconvencionou chamar de pirâmide jurídica. Assim, ao tentar mitigar o princípio dalegalidade triutária, o constituinte derivado estaria ferindo cláusula pétrea, eisque as garantias individuais são imutáveis.

Este o principal sentido do Estado Democrático de Direito, onde apopulação somente poderá ser atingida por imposições legais, normasinfraconstitucionais, se seus representantes eleitos para esse fim autorizarem emassembléia, nos termos do procedimento legislativo imposto pela própriaConstituição Federal, em respeito à legalidade como princípio maior garantidorda igualdade e segurança jurídica, refletindo-se assim, a obediência ao preceitonormativo fundamental. Portanto, o princípio da legalidade deve ser observadopor todo o sistema jurídico, de maneira que a legislação infraconstitucional seharmonize com o mesmo, devendo-o obediência, evitando-se assim abusos deordem potestativas da autoridade pública que, no afã de desviar determinadascondutas administrativas, passem a impor de forma unilateral regras decomportamento aos cidadãos. Tais condutas potestativas, como as do Rei, nãoferem somente uma garantia individual do cidadão, mas acima de tudo, o princípiodo pacto federativo, configurando uma verdadeira ingerência do Poder Executivoem matéria de disciplinamento exclusivo do Poder Legislativo, quebrando todaa estrutura do sistema federativo nacional, alcançada ao longo da história comárduas conquistas populares, levando à derrocada a própria configuração daexistência do Estado Federado Brasileiro.

Pelo princípio do pacto federativo, o Brasil é uma República Federativaconstituída pelo regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados,Distrito Federal e dos Territórios. O conteúdo do regime representativo estáexpresso na própria Carta Constitucional quando diz que “todo poder emana

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do povo e em seu nome é exercido”. Assim, só nos resta corroborar o que foidito, ou seja, quando se diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazeralgo senão em virtude de lei, estamos nos referindo a um ato dotado derepresentatividade popular, indispensável, portanto, a atuação do PoderLegislativo.

2. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS EXPRESSAS EIMPLÍCITAS AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

O problema que surgiu após a configuração deste princípio na Carta de1988, foi o fato de que o país passou por mudanças econômico-sociaisconsideráveis, com o impeachment do Presidente Fernando Collor, que trouxe aabertura industrial e comercial ao nosso país, e o consequente advento do PlanoReal, sob o comando do então futuro Presidente Fernando Henrique Cardoso.Tais mudanças resultaram drasticamente em uma necessidade de se reorganizarjuridicamente parte do sistema financeiro nacional, refletindo tal fato no sistematributário, a fim de que pudesse adequar, dentro da legalidade constitucional, asnormas referentes à insituição, arrecadação e aplicação da receita pública dentrodo novo panorama econômico nacional, o que obrigou aos Estados e Municípiosseguirem esta mesma linha de ajuste.

Assim, com o argumento de que determinadas situações jurídicasdeveriam ser urgentemente modificadas, dada a sua relevância no sistemafinanceiro nacional, passou o Chefe do Executivo a utilizar de um instrumentonormativo rápido, eficaz e facilmente ao seu alcance para atingir seus objetivos:a medida provisória, prevista no art. 62 da Constituição Federal. Tal ato doExecutivo, porém, de força normativa, ganhou dimensão e passou a ser utilizadode forma deliberada, atingindo não só as medidas que se entendiam urgentes erelevantes, mas a modificação de toda e qualquer matéria de ordem tributária deacordo com a conveniência deste Poder, e caso o Legislativo não a apreciasse atempo, convertendo-a em lei, o Executivo a reeditava. O descontrole foi tamanho,que se verificarmos em média a quantidade de medidas provisórias editadasapós a Constituição de 1988, poderemos alcançar um número aproximado de12.000 (doze mil). Só para se ter uma idéia do desenfreado encadeamentonormativo, durante os 20 anos da ditadura militar, tivemos metade deste númeroem decretos-lei.

Reza o art. 62 da Constituição Federal: “em caso de relevância e urgência, opresidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso,será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.”

Analisando o preceito normativo acima, podemos constatar que ao

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descrever que a medida provisória tem força de lei, quis o constituinte elevar osefeitos deste ato normativo àqueles oriundos das leis stricto sensu, porém,formalmente, somente será considerada como tal, após a ratificação do CongressoNacional, convertendo-a em lei, nos termos do parágrafo único do retrocitadoartigo.

Portanto, a lei, seja ela complementar ou ordinária, sob a ingerência doart. 59 da Carta Magna, difere da medida provisória, que, uma vez não convertidanaquela, perde seus efeitos desde a sua edição.

Segundo se deflagra da obra do mestre Aliomar Baleeiro, “o fato de olegislador constituinte ter empregado a expressão força de lei para denominar asmedidas provisórias, se deu justamente porque as mesmas não são leis. Talfenômeno apenas será verificado quando estiver complementado o processolegislativo, com a respectiva ratificação da Câmara dos Deputados e do Senado.”

Esta espécie de ato normativo, prescindindo de respeito ao princípio daestrita legalidade tributária, vem sendo utilizado pelo chefe do Poder Executivo,de forma crescente, após a edição desta Carta Constitucional, para o fim deinstituir ou majorar tributos, adotando como fundamento a relevância e urgênciada adoção desta medida em face das constantes mutações no cenário econômico-financeiro do país, o que seria uma justificativa à efetividade desta medidanormativa de exceção.

Fundamentamos ainda a importância e o respeito que se deve dar aoprincípio da legalidade tributária, quando averiguamos as exceções impostaspelo constituinte originário à sua obediência, ao dispor que os impostos eexportação, importação, IPI e IOF, podem ter suas alíquotas alteradas por decretodo Chefe do Executivo. Não quis o legislador, ao impor tal regra de exceção, dara possibilidade do Executivo em alterar determinados tributos, pois não se deubrecha à possibilidade de se modificar o fato gerador ou ainda a base de cálculodos mesmos, mas simplesmente suas alíquotas, e com uma finalidade lógica:dado o caráter extrafiscal destes impostos (impostos do comércio exterior), asimples alteração de alíquota não deveria obedecer ao trâmite legislativo comum,às vezes não eficientes, sob pena de se perder o objetivo desejado pelo Governo,como facilitar a importação ou exportação de determinados produtos, viabilizara venda de determinadas mercadorias em determinado setor produtivo interno,etc. Assim, nem as exceções constitucionais ao princípio da legalidade têm ocondão de modificar a norma tributária, que para ser criada, obedeceu aoprocedimento legislativo próprio. Indevida assim, era a utilização da medidaprovisória em matéria tributária, eis que não havia sequer norma excepcionaldisposta pelo constituinte originário.

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3. A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 32 E A UTILIZAÇÃODA MEDIDA PROVISÓRIA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

A reflexão sobre o tema que ora tratamos se mostra mais atual e necessária,hodiernamente, com a edição da Emenda Constitucional n. 32/01, a qual, dentreoutras modificações, inseriu um parágrafo 2o. ao art. 32 da CF, dando tratamentodiverso à matéria tributária no que diz respeito à edição de medidas provisórias.Visou o legislador, com a edição desta emenda, amenizar os abusos cometidospela legiferação, por meio de medida provisória, de matéria tributária. Com isso,passou o art. 62 a ter a seguinte redação, verbis:

“art. 62: Em caso de relevância e urgência, o Presidente da Repúblicapoderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las deimediato ao Congresso Nacional.

§1o . É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:...III- reservada a lei complementar....§2o. Medida Provisória que implique instituição ou majoração de

impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produziráefeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até oúltimo dia daquele em que foi editada.

Dentre os aspectos mais relevantes trazidos pela EC n. 32 ao art. 62 daCF, identificaremos alguns dos mais importantes em face do tratamento dadoà matéria tributária. Primeiramente, identifica-se o nascimento de limitaçõesmateriais à edição de medidas provisórias, e dentre estas, aquela constante doparágrafo primeiro, inciso III, ou seja, a não possibilidade de se utilizar desteveículo normativo para tratar de matérias de competência exclusiva de leicomplementar. Daí, depreende-se a primeira conclusão, eis que, pela nova redaçãoconstitucional, ainda que venha uma medida deste caráter, regulamentar matériafiscal, não pode aquela invadir matéria cuja competência legiferante encontra-seexpressa na CF como sendo de obrigatoriedade de lei complementar. Estapositivação retira a possibilidade de se utilizar este instrumento normativo paraa exigência de empréstimos compulsórios para o caso de calamidade pública,por exemplo, como defendia o douto Sacha Calmon Navarro Coelho. Agora, oChefe do Executivo não pode mais invadir esta competência.

Manteve também, a emenda sub examine, a exceção à obediência ao princípioda anterioridade aos impostos de importação (II); exportação (IE); operaçõesde crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores imobiliários (IOF);sobre produtos industrializados (IPI) e impostos extraordinários, podendo

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estes concretizarem plena eficácia normativa de forma imediata. Em relação aosdemais impostos, conclui-se que, em sendo de competência de lei ordinária,pode a medida provisória ser instrumento hábil para instituí-los ou majorá-los,porém, seus efeitos somente serão produzidos no exercício financeiro seguinte,desde que seja convertida em lei no mesmo exercício financeiro em que foieditada, a fim de que possa obedecer ao princípio da anterioridade.

A emenda constitucional, como se pode perceber, fala em impostos, deonde deduzimos que, prima facie, os demais tributos não podem ser apreciadoslivremente por instrumento normativo provisório, devendo obedecer ao trâmitelegislativo regular. Em contrapartida, tributos que materialmente poderíamosvislumbrar uma possibilidade de serem regulamentados por medida provisória,pelo seu caráter de relevância e urgência, como já dito acima, após a EC n. 32/01,não podemos mais suscitar esta hipótese. Com isso, apesar dos males trazidoscom esta emenda ao ordenamento jurídico nacional, como a seguir veremos,estes amenizam-se na medida em que houve uma limitação (que não haviaantes desta emenda) à utilização da medida provisória no campo da tributação.

3.1 Sua inconstitucionalidade?

Apesar de alguns benefícios limitativos, como vimos, a utilização damedida provisória no campo da tributação deve ser analisada com cautela. Nãopenso ser esta intromissão de todo inconstitucional, trazendo à lume umavisão Kelseniana da validade da norma jurídica. Porém, não podemos ter nesteinstrumento legislativo uma carta de ilimitação normativa ao critério doExecutivo, dentro da permissibilidade que lhe foi outorgada. Na verdade, alegitimidade do Chefe do Executivo para editar tais medidas não é novidade. Olegislador originário, ao regulamentar as medidas provisórias, quis impor aoExecutivo um poder legislativo limitado, porém constitucional, para que pudesseem determinadas situações, havendo relevância e urgência, editar atos naturalmenteprivativos do Poder Legislativo, sem configurar a intromissão de um Poder emoutro, mas para dar uma maior agilidade em determinadas normas que, pelaquantidade de trabalho que assoberbava e ainda assoberba o Congresso Nacional,muitas vezes seria impossível legislar tais assuntos com a eficácia que senecessitava. Assim, por um período delimitado, o prazo para apreciação peloCongresso da medida provisória, o presidente poderia instituir matéria decompetência do Legislativo, arvorando-se na competência para editar leis sobcondição resolutória de ulterior apreciação e aprovação pela mesa competente,que caso rejeitasse tal medida, não a convertendo em lei, perderia esta seusefeitos desde o dia da sua edição, ex tunc, cabendo ao Congresso regular asrelações geradas pela normatização até então criada.

Assim, podemos conceber, com a enenda atual, desde que haja relevância

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e urgência, a edição de medidas provisórias para criar ou modificar os impostosque já são exceção aos princípios da legalidade e da anterioridade, eis que oconstituinte originário já previu tais exceções, mas mesmo assim, devendo serimediatamente levado ao Congresso Nacional para a aprovação e conversão emlei, sob pena de ineficaz. Isto porque, o caráter extrafiscal e urgência na instituiçãodestes impostos adquirem um caráter relevante no cenário político-econômiconacional, demandando medidas eficazes e eficientes ao próprio desenvolvimentodo país, cabendo ao intérprete analisar de maneira sistêmica o que se encontraposto em nossa Carta Constitucional. Assim, ao possibilitar a utilização damedida provisória para tais tributos, em nada estaríamos ferindo o que oconstituinte originário convencionou como norma principiológica fundamental.

Com relação aos demais impostos, verificamos duas incongruências queleva ao consequente lógico da inconstitucionalidade desta emenda no que tangea este ponto de permissibilidade. Primeiro porque a utilização da medidaprovisória deve ser em caso de relevância e urgência. Ora, onde podemosvislumbrar estes dois requisitos nos demais impostos que têm uma característicaestritamente fiscal? E ainda, onde fica a relevância e a urgência na criação dosmesmos, se devem ser submetidos ao Congresso para sua aprovação no mesmoexercício financeiro em que a medida foi editada, para ter eficácia somente noexercício seguinte? (conforme redação dada ao art. 62 da CF/88 pela Emenda32/01). Não é uma verdadeira incontrovérsia lógico-formal ao estipular que amedida provisória deve obedecer ao princípio da anterioridade? Segundo, oconstituinte originário ao não ter previsto exceções ao princípio da legalidadeaos demais impostos, quis sedimentar a nível de garantia individual o princípioda não surpresa, ou seja, nenhum cidadão poderia ser pego no dia seguinte coma alteração ou até mesmo aumento da carga tributária, fato que causaria umprejuízo patrimonial não programado no orçamento da cada cidadão. Talprincípio, corolário da legalidade, deve ser respeitado fielmente, eis que a tributaçãoé um fato típico que gera um constrangimento legal a todos que praticam condutaslícitas, hipóteses normativas legais, abrangendo portanto toda a sociedade naprática de atos civis.

Portanto, não é o fato do Poder Legislativo estar nas mãos provisóriasdo Chefe do Executivo, que taxamos de inconstitucional a aludida emenda,tanto assim que entendemos a utilização da medida provisória em matériatributária, constitucional, nos limites por nós exarados anteriormente. O quenão se pode considerar constitucional é o ato do Poder Constituinte Derivado,através da emenda constitucional, modificar preceitos normativos intocáveis danossa Carta Constitucional, como os princípios da legalidade e da não-surpresa,que por mais que tentemos dar uma interpretação sistêmica, foge à lógica formal,conforme explanamos, a utilização deste instrumento provisório para legislar

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sobre os demais impostos. Daí, entendemos ser parcialmente inconstitucionalesta emenda n. 32/01, pois os direitos fundamentais do contribuinte, dentreeles os princípios jurídico-constitucionais, jamais poderão ser tocados, porconstituírem cláusulas pétreas.

4. CONCLUSÃO

Neste contexto, percebemos que a teoria exposada por Ferdinand Lassalepassa a prevalecer em determinados momentos históricos em que se encontra opaís, eis que a Constituição Federal atravessa mudanças de forma, via emenda,que de certa maneira retrata a necessidade de coadunar os fatores reais de poderexistentes para finalisticamente atingir determinados objetivos socioeconômicos.Desta forma, são os fatores reais de poder que dão a característica de um textoconstitucional. Esta aplicabilidade constitucional se vê claramente quando daeficácia de determinados textos constitucionais que, formalmente, seriam taxadosde inconstitucional, porém, quanto ao aspecto material, ganham força normativapara atingir determinados objetivos, em detrimento até mesmo de princípiosvalorativos que, segundo Konrad Hesse, têm força e eficácia próprias e sãoimutáveis. É a perda da força normativa da constituição, que lentamente sucumbea forças externas, e pior, sem autorização originária para tanto. Taldesmoronamento constitucional não pode ser permitido, ou sequer tolerado,pelo Poder Judiciário, garantidor dos direitos fundamentais, ou melhor,responsável pela integridade da nossa Constituição Cidadã.

Ao analisarmos este tema, podemos claramente identificar a situação dojuízo de valor utilizado pelo constituinte derivado para fornecer critérios objetivosà modificabilidade de um preceito constitucional, ainda que sob a argumentaçãode estar ferindo um preceito normativo fundamental. Daí a relação com a lógicados juízos de valor de Chaim Perelman. Para ele, a adoção de critérios positivistaspara resolver determinados problemas afasta o papel da lógica e a possibilidadede lidar com determinados problemas pela emoção, pela idéia do justo ou doinjusto. Assim, positivadamente fica fácil dizermos que a Emenda n. 32/01 fereo princípio da legalidade tributária, mas não podemos afirmar com precisão seesta medida foi injusta para o contribuinte, pois se analisarmos o âmbito delimitações introduzidas pela mesma, e principalmente em matéria tributária,verificamos que ela veio trazer um freio à edição descontrolada de medidasprovisórias que vinham avassaladoramente modificando a matéria tributáriasem medir limitações, nos últimos governos. É a aplicação do Juízo de Valoracima mencionado com o intuito de, mesmo frente ao direito posto, trazerjustiça.

Com isso, passou a emenda a trazer uma aplicação de ordem valorada,

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 52abandonando-se a prática aristotélica. Podemos então verificar que no campo dalógica de valores, para aplicarmos a norma, a dialética e a retórica são instrumentosargumentativos utilizados para se chegar a um juízo valorativo capaz defundamentar a validade deste ato emanado do Poder Derivado. É nofundamento das necessidades econômico-político-sociais que nossas Cortesdão validade a tais atos do Poder Derivado.

Com isso, ao erigir a emenda constitucional mencionada, valores foramlevados em consideração que superam a objetiva obediência ao princípio dalegalidade tributária, que teve sua eficácia alongada para abranger atos com forçanormativa em obediência à própria segurança jurídica, ao limitar a utilizaçãoabusiva de medidas provisórias, o que entendemos como constitucional, comopor exemplo, a limitação à utilização da medida provisória quanto a matérias decompetência de Lei Complementar e da vedação lógica à utilização desteinstrumento para o tratamento dos demais tributos que não os impostos. Ocontrapeso surge com os descumprimentos de preceitos valorativos maiores,implícitos, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a segurança jurídica,a legalidade etc.; que por serem preceitos fundamentais, o constituinte derivadonão poderia modificar o que, o próprio constituinte originário petrificou, comogarantia fundamental, individual, do cidadão-contribuinte. Neste ponto, padecede inconstitucionalidade a emenda citada, pois não podemos adotar um critériovalorativo que ultrapasse as forças intocáveis do sistema constitucional.

Portanto, devem as Cortes Judiciais, como protetoras dos direitos egarantias fundamentais do cidadão, impostos pela nossa Constituição Cidadã,julgar não de acordo com o que está positivado, muito menos com o que podeser ou não justo em determinados momentos históricos em que vivemos, masjulgar de forma a dar à nossa Carta Constitucional a força normativa que emanade seus preceitos fundamentais, garantidores da sua existência plena e eficaz,não desvirtuando a sua característica lógico-formal, não deixando que fatoresexternos, trazidos por conveniência de poderes, possam macular a casa que elesalbergam e devem respeito. O Poder Constituinte Derivado deve cumprir efazer eficaz as normas constitucionais e não querer tolher esta eficácia ou alterartais normas aos seus sabores, sob pena de vivermos em estado de totalinsegurança jurídica. Tal controle, assim, cabe ao Judiciário, que deve evitar amitigação não só da legalidade tributária, mas o desfazimeno da baseprincipiológica constitucional, que tem vida própria e independente.

Não penso prevalecer uma visão positivista do ordenamento jurídico,mas devemos também saber até onde nossas mãos alcançam (nem tanto aomar, nem tanto à terra), pois a valoração de determinadas condutas normativas,dentro de um campo interpretativo constitucional, não podem desvalorizaraquilo que as fundamentam: os princípios-valorativos fundamentaissustentáculos do nosso sistema. Devemos modificar? Sim, pois como inicieiesta exposição, o Direito é uma Ciência cultural, porém, modificar com razão,

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com lógica, com bom senso, buscando adequar a evolução da sociedade sem sedesprender dos valores fundamentais, sob pena de em pouco tempo, aoolharmos para a nossa Constituição, não termos mais a nossa identidadeenquanto cidadãos de uma República Federativa Democrática, mas estarmosolhando para uma colcha de retalhos, que de tão emendada, não sabemos maisse a essência existe.

BIBLIOGRAFIA

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 54

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A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E SUAINCIDÊNCIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Marcos de Oliveira Pinto, Juiz de Direito da Comarca de Simão Dias,Mestrando em Direito, Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo proceder a uma análise acerca dateoria da desconsideração da pessoa jurídica e sua aplicabilidade em matériatributária, considerando sua natureza jurídica e os princípios jurídico-constitucionais aplicáveis, especialmente no que se refere à legalidade.

De início, busca-se uma abordagem acerca da própria pessoa jurídica, suanatureza e importância como fator de desenvolvimento social e econômico,bem como quanto à imperiosa necessidade de se garantir o cumprimento de suafunção social, diante do regramento jurídico estabelecido e da eventualidade decondutas nocivas a esse fim, levadas a efeito através dela.

Prosseguindo-se, dentro desse quadro, estabelece-se a ligação com osurgimento da teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica,ou teoria da disregard of legal entity, analisando-se seus fundamentos epressupostos de aplicabilidade de forma geral, passando-se à análise acerca doseu efetivo acolhimento dentro do nosso ordenamento jurídico, a exemplo danormatividade inerente ao direito do consumidor e as disposições do recenteCódigo Civil Brasileiro – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Pretende-se, deste modo, a obtenção de uma visão quanto à importânciada mencionada teoria da desconsideração da pessoa jurídica, como instrumentoidôneo a impedir o denominado abuso da pessoa jurídica, no que diz respeito aosatos praticados por meio dela e em detrimento do direito de outrem, que serevela juridicamente tutelado. Ou seja, posiciona-se dita teoria em termos práticoscomo necessária para que se frustre o desvio de finalidade da função social dapessoa jurídica.

Parte-se, então, para o exame de tal teoria com relação à sua aplicabilidadeno campo do Direito Tributário, efetivando-se antes uma análise acerca dosprincípios basilares deste ramo jurídico, dentre eles os princípios da legalidade eda anterioridade, de modo a permitir uma efetiva compreensão quanto amencionada possibilidade de incidência.

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A questão que se põe sob análise, cumpre observar, não se pretende verresolvida com o presente estudo, mas inegável a importância e a atualidade doseu exame quando se constata dentro do nosso ordenamento jurídico a aceitaçãoexpressa da teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica comouma realidade, sem olvidar de toda a construção jurisprudencial que antecedeudita normatividade.

É certa a indisponibilidade do regramento estabelecido pelas normas dedireito tributário, não se podendo esquecer que se trata de um ramo do Direitoem que impera a tipicidade, a legalidade estrita, impondo, portanto, umcuidadoso exame quanto à incidência e aceitação da doutrina da disregard of legalentity, sob pena de afronta ao regramento jurídico constitucional, em prejuízodo cidadão, do contribuinte, sob quem recai em última análise a obrigaçãotributária. Nisto reside o ponto central de toda a problemática.

A importância na atualidade do papel desempenhado pela pessoa jurídica,no sentido de ser fator de desenvolvimento social, máxime se tomarmos comoparâmetro aqueles empreendimentos que não seriam levados à frente por umindivíduo isoladamente, mas que o são facilmente executados através da reuniãode pessoas numa sociedade, onde impera o interesse comum, acaso denominadade pessoa jurídica, tem na teoria da disregard doctrine, sem olvidar das situaçõesprevistas no próprio ordenamento jurídico, a exemplo das situações deinvalidação dos atos jurídicos em geral, uma forma de controle do uso indevidoda função a ser desempenhada por essa sociedade personalizada.

Pretende-se, deste modo, fazendo ver a importância da teoria dadesconsideração da pessoa jurídica, como também sua incidência e relação comoutras áreas do Direito, demonstrar sua efetiva aplicabilidade em matéria tributária,com o necessário exame das restrições que lhes são impostas pelos princípiosnorteadores do Direito Tributário.

2. DA PESSOA JURÍDICA

Inicialmente, antes de se ingressar propriamente no estudo da teoria dadisregard doctrine e de sua aplicação em questão tributária, cumpre o exame do quevem a ser a própria pessoa jurídica, enquanto realidade de criação jurídica do homem.

A própria terminologia “pessoa jurídica”, como forma de definir ogrupamento de pessoas com idênticos interesses e objetivos, que ganhapersonificação singular, sob um prisma filosófico, encontra campo para umaclássica discussão quando se parte para uma análise acerca do pensamentonominalista e do pensamento realista.

A corrente de pensamento realista sustenta a necessidade de se estabelecerum efetivo vínculo entre o termo e a realidade, ou conforme Warat, citado por

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Maçal Justen Filho, “haveria definições verdadeiras na medida em que pudessemexpressar corretamente as qualidades essenciais da coisa que se pretenderia definir”1

A corrente de pensamento nominalista, no entanto, admite que há umamera convenção na relação entre os termos e os seus significados, tendo em vistaque o uso das palavras pelo homem varia segundo o tempo e o lugar em quesão usadas. A vertente do pensamento nominalista que adquiriu maior relevofoi o denominado pensamento positivista lógico, ou analítico, que recebeu grandeaceitação entre os estudiosos do Direito. Neste sentido, Norberto Bobbio, citadopor Marçal Justen Filho, afirma que:

“a cientificidade de um discurso não consiste na verdade,quer dizer, na correspondência da enunciação com umarealidade objetiva, senão no rigor de sua linguagem, querdizer, na coerência de um enunciado com todos os demaisenunciados que formam sistema com aquele. O valor científicode um estudo, portanto, não é possível fora do uso de umalinguagem rigorosa.”2

É certo que a evolução do pensamento verificado com o passar do tempoimplicou num novo direcionamento da própria ciência do Direito, afastando-seo rígido formalismo, como verificado com o próprio Bobbio, e pela busca deposicionamentos mais integrados com a realidade. Todavia, restou evidente apouca utilidade de se proceder a uma discussão meramente terminológica, sendomais coerente a verificação de que a norma jurídica, como representatividade deopções de natureza axiológica e sociológica, é uma realidade construída pelohomem, dentro do seu tempo e do seu contexto geográfico e social.

Neste sentido, é de se ver a problemática denominada de crise da pessoajurídica, relacionada com a verificação de um descompasso entre o tradicionalmenteaceito acerca de sua natureza jurídica e as peculiaridades do mundo social e jurídico,partindo-se para um questionamento quanto à personificação jurídica de algunsgrupamentos e a sua extensão. Neste aspecto, afirma Marçal Justen Filho que:

O jurista reconhece, cada vez com maior freqüência, ainadequação das teorias acerca da pessoa jurídica, formuladaspara explicar e justificar esse fenômeno. E, na medida emque tais teorias foram consagradas pelo direito positivo, sente-se a dificuldade de subsumir os fatos sociais aos modelosabstratos construídos pelas normas (que são ultrapassados einadequados).3

J. Lamartine Corrêa de Oliveira, autor de respeitada obra acerca do assunto,intitulada A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, também referenciado por Marçal Justen

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Filho, identifica sob dois ângulos o impasse da dogmática jurídica acerca dapessoa jurídica, observando, primeiro, a própria construção do sistema normativosobre a pessoa jurídica; e, segundo, a eventual constatação de incompatibilidadesentre os fins do Direito e a conduta do grupamento personificado, ou seja, dapessoa jurídica, recaindo em resultados imorais ou antijurídicos, reconhecendo-se nisto a denominada crise de função.

É justamente o ângulo relativo à chamada crise de função que interessaráao estudo da teoria da desconsideração da pessoa jurídica.

2.1. DA PERSONIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

A idéia basilar do que se entende acerca da personificação da pessoajurídica reside na sua distinção das pessoas dos sócios, verificando-se nesteaspecto vasta discussão acerca de uma justificação dogmática.

O conceito de pessoa jurídica, que não se tem grau absoluto de certezaquanto ao seu surgimento no direito romano, foi retomado na Idade Médiapor Sinibaldo de Fleschi (Papa Inocêncio IV), aceitando-se a concepção de que apessoa jurídica é uma persona ficta. O abandono desse conceito verificou-se noséculo XIX, em que pese a manutenção da mesma nomenclatura, afirmandoMarçal Justen Filho que:

A ruptura ocorrida no século XIX, no campo da teoria daspessoas jurídicas, consistiu na generalização do conceito. Oséculo XIX conheceu a ampliação da aplicação do conceitopara grupamentos contingentes, situacionais. Deixou deexigir-se a transcendência para admissão da personificação.Entidades não dotadas de transcendência (quer quanto àestrutura, que quanto aos fins) tornaram-se personificáveis.Essa mutação só pode ser devidamente compreendida se setiver em consideração que não se tratou de um fenômenoisolado ou casual. Muito ao contrário, a generalização dapersonificação era uma necessidade e uma conveniência nasociedade e no direito do século passado. A aceitação dessareviravolta conceitual inseriu-se em uma alteraçãogeneralizada da ideologia vigente.4

O próprio desenvolvimento da filosofia política que acompanhou osurgimento do Estado de Direito, materializada no liberalismo, fomentou odesenvolvimento de uma nova relação entre o indivíduo e o Estado, nodesempenho deste em lhe propiciar segurança, como detentor do jus imperii eemissor das normas jurídicas de regramento social, e na possibilidade de seconferir àquele a necessária liberdade para a consecução de seus interesses.

É nesse contexto que se passa ao exame do que efetivamente vem a ser a

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pessoa jurídica, especialmente na Alemanha, onde se desenvolveu a denominadaJurisprudência dos Conceitos.

A polêmica ficção-realidade da pessoa jurídica encontra em Savigny defensorda tese primeira, ou seja, da ficção, com o desenvolvimento da idéia de que apessoa jurídica não poderia ser um sujeito de direito, ante a ausência de vontade,que é inerente ao ser humano, enquanto detentor de existência real e psíquica.Windscheid, por seu turno, desenvolveu a teoria do patrimônio sem sujeito,embasando-se na solução proposta por Brinz. Não existe a figura da pessoajurídica como sujeito de direitos, trata-se, pois, de criação do direito positivo.

Gierke, defensor da teoria da realidade, visualizou a realidade da pessoajurídica com identidade ao ser humano, construindo uma primeira teoriaantropomórfica da pessoa jurídica, afirmando ser esta detentora de uma vontadeigual à vontade do homem.

Dentro dessa discussão dogmática, observa Marçal Justen Filho, anecessidade atual de se valorar as alterações da realidade, afirmando que:

Ou seja, a polêmica, nos termos em que se delineara, eraderivação e função das circunstâncias em que se inseria aquestão, no século XIX. Arquivou-se a fi losofiaindividualista-voluntarista; arquivou-se a concepção doliberalismo econômico; arquivou-se a ideologia do liberalismopolítico – mas se investiga o problema da pessoa jurídica emtermos pouco distantes daqueles de um século e meio atrás.O final do século XIX já conhecera a reação violenta aoconceptualismo da Jurisprudência dos Conceitos. A propostaformulada foi a de uma ciência do Direito orientada à análisee solução dos problemas concretos da vida inter-social – aoinvés de perder-se na hipostasia de abstrações. As provocaçõesde Duguit e de Kelsen exigiram dos fi lósofos umaconscientização acerca dos limites do fenômeno jurídico edas relações entre direito e realidade circundante.5

Após a Primeira Grande Guerra Mundial, e as modificações sociaisverificadas no século XX, consagrou-se a idéia do modelo intervencionista doEstado, não mais estático, mas assumindo seu papel na intervenção do domínioeconômico. Trata-se de uma nova postura do Estado frente ao indivíduo. Asegurança jurídica deixou de ser o único objetivo. A proposta passa então doindivíduo para o corpo social, com ampla necessidade do Estado emdesempenhar suas funções voltando-se para a busca de outros valores, como ajustiça e o bem-estar da comunidade.

Nesse conflito de idéias, se estabelece uma crise no conceito de pessoajurídica, quanto à crença de seu absolutismo. Dita crença, segundo Marçal Justen

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Filho, consoante entendimento defendido na sua já referenciada obra, intituladaDesconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro, reside, primeiro, naconcepção de que a pessoa jurídica corresponde a algo existente, mesmo que deforma abstrata, denominando-se esta tendência de hipostasia da pessoa jurídica;segundo, na idéia da identificação entre a pessoa jurídica e a pessoa física(antropomorfismo da pessoa jurídica); terceiro, na crença da imutabilidade dapessoa jurídica; e, quarto, no entendimento de que a pessoa jurídica é um conceitoúnico dentro do ordenamento jurídico.

A superação de tal absolutismo deve residir, inicialmente, na aceitação deque pessoa jurídica é uma expressão terminológica que pode ser utilizada dediferentes formas e indicar conceitos distintos. Depois, que se trata de umacriação voltada para atender aos interesses humanos, dentro da sociedade, nãose podendo conceber a idéia de ter a pessoa jurídica uma personificaçãomaterializada ou de ser algo imutável no transcurso do tempo. Por fim, é evidenteque um único termo não pode alcançar a identidade de todas as categorias depessoas jurídicas, inclusive pelos diversos tratamentos normativos aplicáveis.

Com a evolução processada a partir do início do século XIX, observou-se uma necessidade de modificação do papel do Estado e do Direito, voltando–se para a adoção de uma postura ativa, podendo-se mesmo falar de umarevolução da funcionalização do próprio Direito, consoante assertivas de MarçalJusten Filho, que afirma:

Quando, porém, acata-se a concepção do direito subjetivo“reflexo” altera-se integralmente o enfoque. Se o fundamentodo direito subjetivo não é a vontade; se o direito objetivo nãoé mero reflexo do direito subjetivo, muito pelo contrário; se oEstado intervém sobre a realidade, através do direito, parapromover a consecução de finalidades coletivas; se a promoçãode finalidades coletivas importa, geralmente, sacrifício deinteresses individuais em benefício da generalidade daspessoas, a conseqüência é a de que o conteúdo e a extensãodos direitos subjetivos tornam-se definíveis e definidos pelodireito objetivo. A realização dos interesses sociais, peloEstado, faz-se também através do direito, no sentido de queo direito (objetivo) atribui ou suprime direitos (subjetivos)tendo em vista os interesses coletivos, assim como define oslimites para os direitos.6

A idéia que se desenvolve é a de que não mais existe para o indivíduo umdireito subjetivo absoluto, ilimitado, como produto da arbitrariedade humana.Pelo contrário, o direito objetivo limita-o em benefício da coletividade,configurando-se a idéia abuso do direito, como categoria decorrente dessa limitação.

As restrições ao direito de propriedade são representações dessa concepção,

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inclusive quanto à sua função social.Neste sentido, é de se ver que sob a pessoa jurídica também incide esse

fenômeno de funcionalização e de socialização do Direito. Aceitando-a como umarealidade técnica, porque concebida pelo direito positivo, pela normatividade, que lheatribui personalidade, evidencia-se um aspecto do próprio direito de propriedade,quanto aos seus sócios, a partir do momento em que o patrimônio transferido àpessoa jurídica retorna através de cotas ou ações, não perdendo o proprietário,mesmo que indiretamente, a possibilidade de fruir dos resultados decorrentes douso dos respectivos bens e, portanto, pertencente a outro sujeito, formalmente.

É evidente a necessidade de se analisar um outro aspecto inerente àmencionada transferência patrimonial, do sócio para a pessoa jurídica, que éjustamente o surgimento do poder de controle tanto sobre o patrimônio, comosobre o destino da própria pessoa jurídica. Segundo Marçal Justen Filho, “Apersonificação societária assegura essa dissociação entre propriedade e controle,especialmente porque o sócio, embora não proprietário, mantém o controlesobre os bens e a atividade empresarial desempenhada através da pessoa jurídica.”7

Desse modo, fica evidente que a função social da propriedade não sedesnatura em decorrência da transferência de patrimônio do sócio para a pessoajurídica, recaindo sobre esta todo um regramento normativo a impor odesempenho de suas atividades, com limitações de seus direitos e de sua função,com repercussão para a pessoa dos sócios, do detentor do seu controle, que nãose pode eximir pela alegação de se tratar de pessoas distintas (o sócio e a pessoajurídica), já que não se vislumbra modificação da responsabilidade do controlepela personificação. Neste sentido, válido o entendimento de Marçal JustenFilho ao afirmar que:

Revelando-se, contudo, que pessoa jurídica é conceito relativo,histórico e funcionalizado, torna-se viável (senão obrigatório)reconhecer que o regime jurídico aplicável não é idêntico àqueleprevisto para pessoa física e que os poderes jurídicos atribuídosa tal “pessoa jurídica” têm extensão e conteúdo que não sãonem necessária nem ontologicamente idênticos - quer quanto àpessoa física, quer quanto às diversas situações usualmenteagrupadas como “pessoas jurídicas”.A pessoa jurídica é e só pode ser um instrumento para obtençãode resultados proveitosos para toda a sociedade. A personificaçãosocietária afigura-se como funcionalmente envolvida naconsecução de valores e não se encerra em si mesma.”8

3. DA TEORIA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

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Considerando o aspecto histórico da teoria da disregard doctrine, cumprever que ela foi primeiramente tratada no Brasil pelo comercialista Rubens Requião,em 1969, em conferência proferida na Faculdade de Direito da UniversidadeFederal do Paraná.

De igual modo, é de se ver que dita teoria surgiu na Inglaterra, do sistemada Comon Law, que tem no costume a fonte principal do direito, através dojulgamento do caso Salomon vs. Salomon & Co. Ltd., decidido pela Câmarados Lordes (House of Lords), em 1897.

Segundo narrativa de Rubens Requião, “O comerciante Aaron Salomonconstituiu uma company juntamente com outros seis componentes de suafamília, havendo cedido seu fundo de comércio à sociedade e recebendo 20.000ações representativas de sua contribuição, restando aos demais sócios apenasuma ação para cada; para a integralização do valor do aporte efetuado, Salomonrecebeu ainda obrigações garantidas de dez mil libras esterlinas. A companhialogo em seguida começou a atrasar os pagamentos, e um ano após, entrandoem liquidação, verificou-se que seus bens eram insuficientes para satisfazer asobrigações garantidas, sem que nada sobrasse para os credores quirografários. Oliquidante, no interesse desses últimos credores sem garantia, sustentou que aatividade da companhia era ainda a atividade pessoal de Salomon para limitar aprópria responsabilidade; em conseqüência Salomon devia ser condenado aopagamento dos débitos da companhia vindo o pagamento de seu crédito apósa satisfação dos demais credores quirografários”. (RT 410/69, nº 58, p. 18).9

O Juízo e a Corte de Apelações acataram a tese sustentada pelo liquidante,consoante acima apresentada, sendo dito entendimento, no entanto, reformadopela Câmara dos Lordes, que decidiu pela legitimação do negócio, sobfundamento de que o objetivo da sociedade não era o de servir de agente para osatos dos sócios. Da jurisprudência reformada surgiu a doutrina da disregard oflegal entity, ou lifting the corporate veil (Estados Unidos), ou ainda durchrigft derjuristischen Person (Alemanha).

É por demais evidente que a narrativa histórica autoriza, de logo, umentendimento do que vem a ser a doutrina da desconsideração da pessoa jurídica,como instrumento voltado para a correção da sua irregular utilização, a fim deimpedir a obtenção de resultado imoral e antijurídico.

Cumpre, no entanto, adentrar de modo mais detalhado no seu estudo.É indiscutível que a pessoa jurídica desempenha um relevante papel dentro

do contexto social, permitindo com sua proliferação a realização de atividades quenão se poderia atingir senão através da organização de um grupo de pessoasvoltadas para um mesmo objetivo e com interesses idênticos. Nisto reside umobjetivo próprio do Estado ao fomentar surgimento da pessoa jurídica, comoexercício de sua política de melhoria da vida dos indivíduos através doimpulsionamento das atividades privadas visando o desenvolvimento social.

Parte-se, deste modo, tomando o Estado como emissor das regras

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jurídicas, para a visualização da função repressiva e da função promocionaldo Direito, consoante for o resultado que se pretenda ver atingido dentrodo organismo social. Tal idéia aplicada ao papel a ser desempenhado pelapessoa jurídica dentro da sociedade é sustentada por Marçal Justen Filho,que afirma:

Isto posto, reputamos que a personificação societáriaenvolve uma sanção positiva prevista pelo ordenamentojurídico. Trata-se de uma técnica de incentivação, pelaqual o direito busca conduzir e influenciar a conduta dosintegrantes da comunidade jurídica. A concentração dariqueza e a conjugação de esforços inter-humanos afigura-se um resultado desejável não em si mesmo, mas comomeio de atingir outros valores e ideais comunitários. Oprogresso cultural e econômico propiciado pelo união epela soma de esforços humanos interessa não apenas aosparticulares mas ao próprio Estado.10

Observa-se, assim, que a associação de indivíduos e a formação da pessoajurídica é um resultado querido, pretendido, pelo Estado, como forma deproporcionar o desenvolvimento socioeconômico da comunidade, que oincentiva, atribuindo-lhe um regime jurídico benéfico, significando, segundo ojá mencionado doutrinador, “a) a não atribuição à pessoa dos sócios das condutaspraticadas societariamente. b) a não atribuição à pessoa dos sócios dos direitos epoderes envolvidos na atividade societária. c) a não atribuição à pessoa dossócios dos deveres envolvidos na atividade societária.”11

Nisto reside a inconfundibilidade entre as pessoas dos sócios e a dapessoa jurídica, com aplicação do denominado princípio da personificação.

A teoria da desconsideração da pessoa jurídica, portanto, consoante jáapontado dentro do seu contexto histórico, teve início na jurisprudência, comoreflexo da problemática verificada num caso concreto, implicando ela nanecessidade de se conceber a ignorância da personificação da sociedade, ou seja,de se desconhecer a própria existência da pessoa jurídica, tratando esta e seussócios como uma única pessoa, com afastamento ou suspensão da incidênciado mencionado princípio da personificação.

A desconsideração, por sua natureza, não implica numa situação permanente,ou seja, não corresponde à invalidação da personalidade da pessoa jurídica, nemtampouco e a princípio, não significa a invalidação de qualquer ato jurídico, tendocomo finalidade evitar o perecimento de um direito, juridicamente tutelado comorelevante. Dentro dessa linha de entendimento, Marçal Justen Filho desenvolve seuconceito acerca da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, nos seguintes termos:

É a ignorância, para casos concretos e sem retirar a validade

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de ato jurídico específico, dos efeitos da personificação jurídicavalidamente reconhecida a uma ou mais sociedades, a fim deevitar um resultado incompatível com a função da pessoajurídica.12

Neste ponto, válido destacar o entendimento de Lamartine, tambémreferenciado por Marçal Justen Filho, no sentido de que:

Sustenta, com apoio na doutrina germânica, a necessidadede distinguir as operações de imputação de atos jurídicos e adesconsideração propriamente dita. Não se trataria dedesconsideração quando a questão fosse de atribuir o atojurídico ou os efeitos desse ato a pessoa distinta a quemusualmente seria imputável. Haveria desconsideraçãosomente quando o caso fosse de responsabilização subsidiáriade uma pessoa pelo débito alheio.13

Revelam-se divergentes ditos conceitos, inclusive pela adoção de posiçõesfilosóficas distintas quanto à pessoa jurídica por partes dos ilustres doutrinadores,sendo coerente para o presente estudo a primeira conceituação formulada, atépela própria assertiva do seu autor de que a definição de desconsideração é meramenteestipulativa.

Cumpre ver que a desconsideração possui diferenciação quanto à suaintensidade (máxima, média e mínima) e extensão (genérica, seriada e unitária),consoante o grau que se pretenda atingir para evitar o perecimento de um direitojuridicamente tutelável, ou, como afirma Marçal Justen Filho, no sentido de que:

O que se afirma é que a variação das modalidades desuperação da personalidade jurídica não deriva simplesmentedo intelecto humano. Significa que as variações do conceitode pessoa jurídica e a pluralidade de circunstânciasproduziram várias formas e modalidades de desconsideraçãoda personalidade jurídica societária.Mais ainda, a multiplicidade de modalidadesdesconsiderativas é acompanhada de uma multiplicidade defundamentos para sua incidência. Em termos práticos, diz-se que o (s) fundamento (s) para uma desconsideração ditatotal e genérica podem ser diversos e inconfundíveis com o (s)pressuposto (s) para uma desconsideração mínima eunitária.14

A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, quanto à sua

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natureza jurídica, possui semelhanças com os vícios dos atos jurídicos, assimconsiderados os casos de nulidade, anulabilidade e irregularidade, ante a exclusãoda produção dos efeitos visualizados pelas partes e a incidência do correto regimejurídico. No entanto, há divergências que não autorizam a conclusão de se trataremde institutos de uma mesma categoria jurídica. Inicialmente, há diferenciaçãoquanto ao ângulo do enfoque do fenômeno jurídico, vez que se chega ao víciodo ato jurídico mediante uma análise estruturalista e estática, enquanto que adesconsideração possui uma abordagem funcionalista, dinâmica, portanto. Domesmo modo, é também de se ver que o vício do ato jurídico se manifestacomo um defeito objetivo, enquanto a desconsideração é tomada como umdefeito subjetivo, quanto ao sujeito que o pratica. Há ainda que se ressaltar adiversidade de efeitos, já que não se pode falar em desconsideração caso verificadaa invalidação do ato, salvo exceção na hipótese em que for relevante o temajustamente em razão do vício, permitindo-se a indagação, então, de quem seimputar o ato viciado ou sob que regime jurídico submeter os seus efeitos. Porfim, fica evidente a diferenciação que se constata quando ocorrente um vício naconstituição societária, já que a desconsideração pressupõe a formação válida deuma sociedade, que adquiriu personalidade jurídica.

Assemelha-se a desconsideração também com os denominados víciossociais (simulação e a fraude contra credores), distintos dos vícios de vontade oude consentimento (erro, dolo e coação), tendo em vista que em ambas as situaçõesa validade do ato se faz presente, como forma de se atingir um resultadoincompatível com o corretamente desejado dentro da comunidade e do seuordenamento jurídico. Diferencia-se, no entanto, quando se observa que somentepredomina a desconsideração quando se ultrapassa a barreira da validade,pressupondo o concurso dos requisitos de validade tanto do ato jurídico comoda personificação societária. Ou seja, se o ato é inválido, não se pode alcançar aaplicabilidade da teoria da desconsideração da pessoa jurídica.

De se ver, portanto, que a mencionada desconsideração tem sua ligaçãocom o plano da eficácia jurídica. Neste ponto, cumpre a diferenciação entre a validadee a eficácia. Observa Marçal Justen Filho, referenciando Pontes de Miranda, que:

Nesses termos, Pontes de Miranda estabelece uma rigorosae precisa distinção. O trecho seguinte bem demonstra oraciocínio do grande doutrinador brasileiro: “A ineficáciapode ser a) por inexistência, e aí é evidentemente inadequadofalar-se do que não existe e o conceito de ineficácia, que éinterior ao sistema lógico, fica de fora; b) por nulidade, eentão se alude ao que ‘é, mas nulamente’; c) por exclusão ouainda não aparição de efeitos, a despeito de ser e valer, ouser e apenas poder ser anulado, rescindido, resolvido etc.Ineficácia compreendendo b) e c) é ineficácia geral (...),

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ineficácia em sentido lato; a ineficácia c) é dita em sentidoestrito (...).”. Por outro lado, Pontes de Miranda evidenciaque a eficácia apresenta gradações. Há uma eficácia mínima,que corresponde à vinculação do sujeito, sem que se possaaludir ao nascimento de direitos e deveres. Há uma eficáciamédia, que corresponde à existência de direitos e deveres. Ehá uma eficácia máxima, indicativa da existência dapretensão, da exigibilidade de conduta.15

Destaca-se ainda, segundo o mencionado doutrinador, a existência deuma eficácia relativa e de uma eficácia absoluta, quanto à existência de efeitos comrelação a algumas pessoas ou a nenhuma delas, respectivamente.

Em suma, enquanto os vícios sociais (simulação e fraude contra credores)são casos representativos de ineficácia do ato, na desconsideração da pessoajurídica se desconsidera a eficácia da personalidade de um determinado sujeito.

3.1. PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DA TEORIA DADESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

A idéia relativa à aplicabilidade da desconsideração da pessoa jurídicapressupõe, por evidente, a adoção de um conceito relativo e múltiplo da pessoajurídica, rejeitando-se a idéia de se tratar de algo absoluto e unitário. Opressuposto basilar da aplicação reside justamente na verificação de ato queobstaculiza a perseguição dos fins que permitiram a personificação da pessoajurídica, ou seja, no ato que implique na incompatibilidade do ordenamentojurídico e o resultado a ser atingido no caso concreto por meio do uso da pessoajurídica. Trata-se, assim, de se verificar a ocorrência do denominado abuso dapessoa jurídica como fundamento para a aludida desconsideração. Neste aspecto,afirma Marçal Justen Filho que:

Por decorrência, quando se alude o abuso da pessoa jurídicanão reputamos admissível buscar na própria sociedadepersonificada o valor que teria ofendido ou o limite que teriasido ultrapassado. O valor ou o limite, em relação ao qual seafirma o abuso, encontra-se externamente à sociedadepersonificada. Não há uma incompatibilidade da pessoajurídica consigo mesma, mas há uma contradição entre oresultado preconizado pelo direito (externamente, portanto)e aquele que seria atingido se aplicado o regime dapersonificação societária.16

Deste modo, evidencia-se que o aludido abuso é caracterizado por sua

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objetividade, a partir do momento em que se analisa a função prevista noordenamento jurídico para a sociedade personalizada e a sua efetiva atuação,como fator de repressão à sua desfunção; e pelo fato de que dita objetividaderepresenta uma incompatibilidade quanto a atuação concreta da sociedade e umasua finalidade que se estabelece externamente a ela.

Neste sentido, é de se observar que o sistema normativo não estabelecede forma expressa os fins a serem perseguidos com a utilização da pessoajurídica, restringindo-se basicamente em disciplinar a forma de sua constituiçãoe de seu funcionamento, estabelecendo regras quanto a sua existência e validade,bem como a forma de se proceder à sua gerência, os direitos dos sócios, suafiscalização, entre outros aspectos, sem tornar expressa a finalidade do Estadoao estabelecer um regime jurídico específico e benéfico para dita sociedade.

Nisto reside o ponto base da teoria da desconsideração da personalidadeda pessoa jurídica, quanto à inexistência de parâmetros expressos acerca de suaaplicabilidade, máxime diante do princípio da legalidade.

Tal aspecto, tendo em vista estudo desenvolvido pelo professor JoãoBaptista Villela, ao tratar da incidência da teoria da desconsideração da pessoajurídica dentro do Direito do Consumidor, foi assim apresentada:

Onde, contudo, exatamente se situam os confins dapersonalidade jurídica é outra questão. E cuja resposta estálonge de ser simples.Em conferência que proferiu, há mais de trinta anos, perantea Sociedade de Estudos Jurídicos de Karlsruhe, observavaRolf Serick, já àquele tempo, que não era tão inquietantedesconhecer o que constituía o ser mesmo da pessoa jurídica.Perturbador, sim, era não identificar os seus limites comprecisão. Criado pelo homem e devendo servi-lo – refletiaSerick – a pessoa jurídica, freqüentemente e ao contrário, odomina. E acrescentava: “Busca-se alcançar fórmula mágica,com a ajuda da qual este Golem (entidade da doutrinaesotérica no Judaísmo) de nosso tempo esclarecido possa fazer-se domável e previsível. Em termos jurídicos: Fixar o pontono qual o juiz, em atenção à peculiaridade do caso concreto,seja autorizado a pôr de lado a construção jurídica, porque arealidade da vida, as necessidades econômicas e o poder dosfatos assim o exigem”. E se interrogava: “Onde, porém,reside esse ponto?”, para concluir, desolado: “O legisladorcala-se.”: Durchgrif fsprobleme bei Vertragsstörugen.Karlsruhe: C. F. Muller, 1959, S. 3-4.17

Deste modo, resta evidente que a incidência de tal teoria ocorre de forma

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diferenciada nos diversos ramos do Direito, tendo em vista suas especificidades,de modo a proteger sempre os direitos do indivíduo, com o uso funcionalmenteadequado da pessoa jurídica, no interesse de toda a coletividade.

4. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOAJURÍDICA E SUA APLICABILIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

A incidência da doutrina da disregard of legal entity nos diversos ramos doDireito, consoante já observado, não encontra regra geral e única. Ao contrário,conforme se trate de direito público ou de direito privado, sua aplicabilidadepode sofrer maior ou menor limitação, inclusive quanto à sua intensidade eextensão, sendo certo, no entanto, que na atualidade, quando já consagrada ditateoria, cuja sistematização é atribuída ao alemão Rolf Serick, após monografiacom a qual concorreu pela docência da Universidade de Tubigem, na década de1950, sua aceitação já se verifica de modo expresso dentro do ordenamentojurídico pátrio.

Assim é que em matéria de Direito Comercial verifica-se indiscutívelaplicabilidade da desconsideração da pessoa jurídica, mesmo porque não sepode admitir a idéia de ilimitada possibilidade de atuação da sociedadepersonificada, sem que se verifique um instrumento de defesa do interessecoletivo contra o abuso de suas funções. Neste sentido, é de se destacar que nãoé qualquer abuso que autoriza a aplicabilidade da teoria da desconsideração, massomente quando se tratar de um abuso não admitido pelo Direito ou pelacomunidade. Neste sentido, afirma o já citado Marçal Justen Filho que “O abusoda pessoa jurídica indica a atividade atípica, descontrolada e insuportável, nãoprevista e, até mesmo, imprevisível ocorrente na utilização pelo particular desseinstrumento.”18.

Aspecto relevante, quanto a este tema, reside em se localizar o interessepreferível pelo ordenamento jurídico, quanto à escolha daquele a ser sacrificadodentro dos interesses em contraposição. Neste ponto, segundo Marçal JustenFilho, ao tratar do sacrifício de interesses indisponíveis, temos que:

Para que seja possível aplicar a teoria da desconsideração, éimperioso recorrer a uma análise prévia, destinada a avaliara disponibilidade ou não do interesse posto em risco pelaconsideração da personalidade jurídica societária. Na medidaem que seja reconhecida a indisponibilidade do interesse,tanto bastará para conduzir à desconsideração.19

Com relação aos direitos disponíveis, é de se destacar a imperiosanecessidade de se proceder a uma análise acerca da anormalidade da conduta e doelemento surpresa, para fins de aplicação da teoria da desconsideração, vez que o

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simples fato de se tratar de direito disponível não afasta a incidência damencionada teoria, já que o terceiro prejudicado pode não ter renunciado ao seudireito, nem expressa e nem tacitamente, simplesmente porque o resultado nãofoi por ele previsto.

É evidente que as regras que norteiam o Direito Comercial são despidasdo caráter formal, rígido, que norteia outros ramos do Direito, a exemplo doDireito Tributário, com observância deste do princípio da legalidade estrita,redundando isto numa limitação à própria incidência da teoria da desconsideraçãoda pessoa jurídica.

Outras hipóteses existem de acolhimento expresso da teoria dadesconsideração, podendo, nesta fase, serem referenciadas a Lei das SociedadesAnônimas e a Lei de Abuso do Poder Econômico.

No Direito do Trabalho, da mesma forma, a incidência da aludida teoriase verifica pelo disposto no artigo 2º, parágrafo 2º, da CLT, que disciplina:

Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual oucoletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica,admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.[...]§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora,cada uma delas, personalidade jurídica, própria estiveremsob a direção, controle ou administração de outra constituindogrupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividadeeconômica, serão, para os efeitos da relação de emprego,solidariamente responsáveis a empresa principal e cada umadas subordinadas.

Evidencia-se neste dispositivo de lei a opção pela preservação dos direitosassegurados ao empregado. Ou seja, o princípio da personalização cede espaçopara a desconsideração da pessoa jurídica sempre que não atendidos ouassegurados os direitos trabalhistas, visto que aí se constata uma desfunção dasociedade diante da finalidade própria do Direito do Trabalho em tutelar osinteresses do homem trabalhador.

A teoria da desconsideração também encontrou previsibilidade expressa como advento do Código de Defesa do Consumidor, que no seu artigo 28, estabelece:

Art. 28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidadejurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor,houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei,fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.A desconsideração também será efetivada quando houverfalência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade

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da pessoa jurídica provocados por má administração.§ 1º - (Vetado.)§ 2º - As sociedades integrantes dos grupos societários e associedades controladas são subsidiariamente responsáveispelas obrigações decorrentes deste Código.§ 3º - As sociedades consorciadas são solidariamenteresponsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.§ 4º - As sociedades coligadas só responderão por culpa.§ 5º - Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídicasempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculoao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.(grifos nossos)

Cumpre observar neste dispositivo a subsidiariedade da responsabilidadeque se impõe na relação de consumo em favor do consumidor e contra osfornecedores, detentores de personalidade jurídica. No entanto, válido tambémdestacar a advertência que apresenta o já citado professor João Baptista Villela,quando afirma que:

Para que não se chegue ao absurdo resultado de anular-se oprincípio da separação frente aos consumidores, é imperiososituar, ou melhor, manter o citado § 5º no contexto teórico dadesconsideração. Isto é, não basta para fazê-la intervir, quea personalidade seja “um obstáculo ao ressarcimento”. Énecessário, ainda, que tenha havido abuso da personalidade.Vale dizer, que o princípio da separação tenha sido empregadode modo contrário à sua função social e, por isso, tenhaofendido a boa-fé. Enfim, não há porque fugir à regrafundamental de que o descarte da personalidade jurídica éde aplicação estrita e episódica, constituindo-se em meioexcepcional de repressão à fraude.20

Fica evidente, pois, que a aplicabilidade da teoria da desconsideração dapessoa jurídica em matéria de Direito do Consumidor não se verifica de formairrestrita, mas unicamente quando se constata o uso indevido da personalidadeda sociedade por seus sócios, em detrimento dos direitos do consumidor.

No campo do Direito Civil, com o advento do novo Código Civil,houve expresso acolhimento da disregard doctrine, estabelecendo o seu artigo 50que:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,caracterizada pelo desvio de finalidade, ou pela confusãopatrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, oudo Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,

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que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigaçõessejam estendidas aos bens particulares dos administradoresou sócios da pessoa jurídica.

Em comentário a tal disposição normativa, Sílvio de Salvo Venosa afirmaque:

Portanto, a teoria da desconsideração autoriza o juiz, quandohá desvio de finalidade, a não considerar os efeitos dapersonificação, para que sejam atingidos bens particularesdos sócios ou até mesmo de outras pessoas jurídicas, mantidosincólumes, pelos fraudadores, justamente para facilitar afraude. Essa é a única forma eficaz de tolher abusospraticados por pessoa jurídica, por vezes constituída tão-sópara o mascaramento de atividades dúbias, abusivas, ilícitase fraudulentas. Antes mesmo do Código de Defesa doConsumidor nossa jurisprudência aplicava os princípios(RT484/149, 418/213, 387/138, 343/181, 580/84), como descreve João Casillo (RT 528) em estudo sobrea matéria.Ainda que não se trate de típica relação de consumo, impõe-se que o princípio seja aplicado por nossos tribunais, sempreque o abuso e a fraude servirem-se da pessoa jurídica comoescudo protetor.21

Fica evidente a repercussão desta inovação legislativa, com expressademonstração da sedimentação da teoria da desconsideração da personalidadeda pessoa jurídica no direito pátrio, após sua ampla discussão teórica e aplicaçãojurisprudencial, demonstrando-se sua importância como instrumento deinibição à desfunção da pessoa jurídica, em benefício do atendimento àsfinalidades pretendidas pelo regime jurídico estabelecido pelo Estado com vistasao desenvolvimento da comunidade.

5. DA APLICAÇÃO DA DISREGRAD DOCTRINE NODIREITO TRIBUTÁRIO

Objeto principal do presente estudo, a aplicação da teoria dadesconsideração da pessoa jurídica em matéria tributária encontra limitaçõesnem sempre verificadas em outras áreas do Direito, a exemplo do acimaexaminado, impondo-se uma análise que leve em consideração suas peculiaridadese garantias.

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De início, cumpre ver que as regras tributárias são voltadas em prol doEstado, tendo em vista a necessidade deste em auferir os recursos necessáriospara sua manutenção e realização das tarefas que lhe são obrigatórias, como odesenvolvimento de suas políticas sociais.

Resta evidente, por outro lado, que o papel do Estado perante o indivíduoevoluiu desde sua formação até os dias atuais, passando o Estado de um merogarantidor de segurança e certeza jurídica, para uma posição dinâmica dentro docontexto social, na busca de promover o desenvolvimento e o bem-estar detodos que integram a comunidade.

O tributo, tomado de forma ampla, representa o preço pago peloindivíduo por sua liberdade dentro da comunidade, configurando-se numaimposição decorrente do pacto garantidor da existência da própria sociedade, narelação verificada entre o próprio indivíduo e o Estado.

Em sendo assim, é de se observar que impera no Direito Tributário umalegalidade estrita, não se podendo facultar ao aplicador do direito o uso da teoriada desconsideração numa situação que não encontra sustentação legal. Privilegia-se, deste modo, a segurança que deve existir nas relações pertinentes a esse ramodo Direito, em benefício do próprio contribuinte. Neste sentido, afirma MarçalJusten Filho que:

Mas o entendimento da liberação do aplicador do direitopara avaliar o caso concreto e estender a previsão normativafoi frontalmente repudiada pela doutrina. Alberto PinheiroXavier, em brilhante tese de doutorado, enuncioudefinitivamente os critérios limitativos da liberdade doaplicador da norma tributária.Demonstrou cabalmente que o princípio da legalidadeapresenta-se, no campo tributário, com uma peculiaridadeatinente à tipicidade. A lei tributária é dotada de tipicidade,na acepção de ser incompatível com cláusulas genéricas. Eacrescenta: “A tipicidade repele assim a tributação baseadanum conceito geral ou cláusula geral de tributo, ainda quereferido à idéia de capacidade econômica, da mesma formaque em Direito Criminal não é possível a incriminação combase num conceito ou cláusula geral de crime. Ao invés doque sucede, por exemplo, com o ilícito disciplinar, os crimese os tributos devem constar de uma tipologia, ou seja, devemser descritos em tipos ou modelos, que exprimam uma escolhaou seleção do legislador no mundo das realidades passíveis,respectivamente, de punição ou tributação.”22

A limitação ao poder de tributar tem sustentação tanto na própria repartição

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da competência tributária entre as entidades políticas, como nos princípiosconstitucionais relacionados com o sistema tributário. No entendimento de KiyoshiHarada, “Esses princípios expressos, juntamente com os implícitos, que decorremdos primeiros, do regime federativo e dos direitos e garantias fundamentais,constituem o escudo de proteção dos contribuintes, atuando como freios quelimitam o poder de tributação do Estado.”23

Quanto aos princípios sob comento, destacam-se os princípios dalegalidade, da anualidade, da tipicidade, da irretroatividade e da anterioridade.Válido sob este aspecto, destacar o afirmado por Sacha Calmon Navarro Coelho,no sentido de que:

Tanto quanto o Direito Penal, o Direito Tributário registra,ao longo de sua evolução histórica, a luta indormecida dospovos para submeter o poder dos governantes ao primado dalegalidade. O jus puniendi e o jus tributandi foram, antanho,absolutos. Hoje, todavia, se repete por toda parte: nullumtributum, nulla poena sine lege. Assim, o quer a consciênciajurídica hodierna. Estado de Direito e legalidade natributação são termos equivalentes. Onde houver Estado deDireito haverá respeito ao princípio da reserva de lei emmatéria tributária. Onde prevalecer o arbítrio tributáriocertamente inexistirá Estado de Direito. E, pois, liberdadee segurança tampouco existirão.24

O princípio da legalidade representa a segurança da reserva legal, da necessáriaprevisibilidade no sistema jurídico, para ser válida, da imposição de uma obrigaçãotributária. A anterioridade objetiva evita a surpresa ao contribuinte, fazendo certa asua segurança frente a uma obrigação tributária futura. O princípio da irretroatividadecorresponde também a uma segurança, no sentido de que o contribuinte temgarantido os atos passados frente a uma obrigação imposta por lei.

A anualidade corresponde à anterioridade, no sentido de que a cobrançado tributo é vinculada a cada exercício financeiro, que é anual. Destaca-se a ausênciado requisito da inclusão orçamentária, como era da tradição do sistemaconstitucional brasileiro.

Por fim, quanto ao princípio da tipicidade ou precisão conceitual, ou dalegalidade material, que não encontra previsibilidade expressa na Constituiçãoou nas leis, é de se observar que ele diz respeito ao conteúdo da norma, aocontrário do princípio da legalidade formal, a que antes cingia-se o princípio dalegalidade. Do mesmo modo, ressalta-se que não pode haver complementaçãoda norma, que deve conter todos os elementos do mandamento jurídico-tributário, vendando-se ainda a utilização da via interpretativa ou integrativa

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para se modificar a modelação definida na lei. Por último, destaca-se o fato de seadmitir por parte do juiz a redução da abrangência da lei quando não se apresentaela de forma clara, aplicando-se sempre o princípio segundo o qual in dúbio procontribuinte.

Dentro deste contexto, fica claro que a aplicação da teoria dadesconsideração da pessoa jurídica em matéria tributária não encontra um campode aplicação idêntico ao de outros ramos do Direito, como se constata no próprioDireito Comercial, este de cunho privado. No Direito Tributário deve semprehaver respeito à legalidade estrita, constituindo-se uma afronta a imposição deuma obrigação tributário ao indivíduo sem que não se encontre seu fundamentolegal. Nisto reside a própria proteção do contribuinte, o respeito à sua condiçãode cidadão, de integrante do corpo social.

Assim ocorrendo, há quem se posicione pela impossibilidade de aplicaçãoda teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica no DireitoTributário, a exemplo de Luciano Amaro, autor de obra intitulada A desconsideraçãoda Pessoa Jurídica (Saraiva, 1997).

Diverso, no entanto, é o entendimento que ora se pretende demonstrar,tendo em vista a observação de que o próprio legislador cuidou de inserir noordenamento jurídico disposições que findam por autorizar o reconhecimentoda incidência da disregard doctrine, ante a possibilidade de evento danoso à aplicaçãoda norma tributária por desfunção da pessoa jurídica. Neste ponto, válidas sãoas assertivas de Marçal Justen Filho, quando afirma que:

No campo tributário, só se poderá cogitar de resultado danoso,decorrente da incidência do regime da pessoa jurídica, quandoocorrer frustração de incidência da norma tributária quehaveria que incidir. O abuso da pessoa jurídica caracteriza-se com o sacrifício do interesse público (retratado na normatributária) porque prevaleceria o interesse privado (consistentena existência de uma pessoa jurídica).Portanto, a desconsideração da personificação societária, nodireito tributário, consistirá na suspensão da eficácia dadistinção entre pessoas (decorrentes da existência da pessoajurídica) para permitir a incidência de uma certa previsãotributária.25

Por conseguinte, válido ver que o Código Tributário Nacional – Lei nº5.172, de 25 de outubro de 1966, estabelece nos seus artigos 134, VII, e 135, II,que:

Art. 134 - Nos casos de impossibilidade de exigência documprimento da obrigação principal pelo contribuinte,

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respondem solidariamente com este nos atos em queintervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:[...]VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.Art. 135 - São pessoalmente responsáveis pelos créditoscorrespondentes a obrigações tributárias resultantes de atospraticados com excesso de poderes ou infração de lei, contratosocial ou estatutos:[...]III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoasjurídicas de direito privado.

Registre-se, por necessário, face ao tema do presente estudo, que a análisedos mencionados dispositivos de lei, na doutrina, se situam no campo daresponsabilidade e em hipótese de substituição tributária. Neste sentido,importante as assertivas de Kiyoshi Harada, quanto ao artigo 134 do CódigoTributário Nacional, no sentido de que:

Por se tratar de responsabilidade solidária, alguns autoresentendem que a responsabilidade das pessoas enumeradasnos incisos I usque VII independem da verificação daimpossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelocontribuinte. O certo é que a própria norma condiciona aresponsabilidade solidária de terceiros aí referidos a doisrequisitos impostergáveis: a impossibilidade de o contribuintesatisfazer a obrigação principal e o fato de o responsávelsolidário ter uma vinculação indireta, através de ato comissivoou omissivo, com a situação que constitui o fato gerador daobrigação tributária. Acrescenta o parágrafo único desseartigo que a responsabilidade solidária, em matéria depenalidades, só tem aplicação em relação às de carátermoratório.26

E continua o ilustre doutrinador quanto ao segundo dispositivo acimatranscrito, afirmando que:

Na prática é comum o equívoco na interpretação do incisoIII, imputando-se a responsabilidade tributária aos sócios,gerentes e diretores de pessoas jurídicas de direito privadopelo não-recolhimento de créditos tributários regularmenteconstituídos, inclusive os escriturados pelo contribuinte-pessoajurídica. Trata-se de grave equívoco. Nos expressos termos

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do caput do art. 135, somente obrigações tributáriasresultantes de atos praticados com infração delei, como, por exemplo, contrabando ou descaminho,acarretam a responsabilização pessoal do sócio ouadministrador. O atraso no pagamento de crédito fiscalregularmente constituído não configura infração do art. 135,III, do CTN, pois esse crédito não resulta de infração legal,contratual ou estatutária, nem de ato praticado com excessode poderes.27

De se ver que, no entanto, adotando uma análise circunscrita àshipóteses que dizem respeito ao tratamento da pessoa jurídica e de seuscontroladores (sócios, diretores, gerentes ou representantes de pessoasjurídicas de direito privado), que efetivamente se trata de aplicação da disregarddoctrine, buscando-se repelir uma desfunção desta, quanto às finalidades quelhe são previstas no ordenamento jurídico, de modo a evitar a ocorrência deum evento danoso que configure situação de impedimento à efetiva incidênciada norma tributária.

A sedimentação da teoria de desconsideração da personalidade da pessoajurídica, como visto, encontra acolhimento no direito pátrio, não se podendonegar que o Direito Tributário também se dirige nesta direção, sendo certo, noentanto, a necessidade de obediência às suas peculiaridades, principalmente emvirtude do princípio da legalidade estrita, que lhe é concernente, consoante járessaltado. Neste sentido, é de se ter em mente ainda o que afirma Marçal JustenFilho, quando diz:

A evolução da legislação tributária parece orientar-se nosentido de disseminar a aplicação da desconsideração dapersonificação societária, sempre que normas tributárias(que impõem deveres acessórios ou que prevêem obrigaçãotributária principal) possam ter sua incidência frustradapor decorrência das regras pertinentes à figura da “pessoajurídica”.28

6. CONCLUSÃO

Considerando todas as razões aduzidas no presente trabalho, pode-seafirmar que a conclusão a que se chega é no sentido de reconhecer a aplicabilidadeda teoria da disregard of legal entity em matéria tributária, observados os princípiose peculiaridades deste ramo do Direito pela necessidade de regular previsãonormativa.

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A concretização do Estado de Direito, como fruto do pensamentopolítico-filosófico e da luta do homem por maior segurança jurídica dentro doseu contexto social, com o reconhecimento da necessidade de se implementaruma mudança de postura do Estado frente ao indivíduo e à própria sociedade,de modo a não só lhe garantir dita segurança, mas também de promover obem-estar de toda a coletividade, justificam o desenvolvimento de teorias comoa da desconsideração da pessoa jurídica, no sentido de fazer prevalecer o direitotutelado pelo Estado, em detrimento das atitudes reputadas imorais eantijurídicas, no que se refere ao tema sob comento.

Dentro dessa realidade, é induvidosa a importância que assumiu a pessoajurídica como fator de desenvolvimento, querido e pretendido pelo Estado, quelhe atribui tratamento jurídico diferenciado, no intuito de ver atingidos as suasfinalidades de concretização do desenvolvimento social. A pessoa jurídica, oconglomerado de indivíduos reunidos num interesse comum, possibilita comsuas ações a consecução de objetivos que não seriam atingidos pelo homemisoladamente considerado.

A equivocada utilização da pessoa jurídica, entretanto, redundando emações não pretendidas pelo Estado, em detrimento da comunidade, configuraum abuso, fazendo ver a necessidade de limitar seus atos, de modo que fiquempreservados os direitos tutelados pelo ordenamento jurídico.

A separação absoluta entre a pessoa jurídica e as pessoas dos sócios, comefeito, representaria a possibilidade de situações indesejadas, prejudiciais àcoletividade, caso efetivada uma má utilização das funções e finalidades da pessoajurídica, amparada pela falta de um controle estatal.

O ordenamento jurídico brasileiro acolheu, como não poderia deixar defazer, ante a excelência de seus fundamentos, a analisada teoria da disregard doctrine,estando ela atualmente expressamente prevista em muitos dos diplomas legais, cujatotalidade não se pretendeu aqui esgotar, a exemplo do recente Código Civil – Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002, demonstrando a preocupação do legislador nacionalcom as conseqüências sociais decorrentes do uso indevido da pessoa jurídica.

No campo do Direito Tributário, como já apontado, a forma e rigidez desuas normas, principalmente pelos princípios aí aplicáveis, em especial o princípioda legalidade, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica encontra coerentelimitação de aplicabilidade, posto que há flagrante impossibilidade de se atribuirobrigação tributária ao indivíduo sem sua correspondente base legal.

Cuida-se de assegurar ao cidadão, em matéria tributária, a necessáriasegurança jurídica, que se tem como basilar, com predomínio sobre as demaisregras e interesses.

Assim, dita teoria, que propositadamente, ou não, encontra campo deatuação no Direito Tributário, consoante já examinado, necessita de prévia e

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expressa previsão legal para sua incidência num caso concreto, fazendo ver que,ante a possibilidade de conduta danosa em detrimento da aplicação das regrastributárias pelo uso indevido da pessoa jurídica, pode o legislador elegerprioridades justificadoras de normativo legal cuja incidência leve em consideraçãoa despersonalização da pessoa jurídica.

Posicionamento diverso, por evidente, geraria uma situação dedescontrole das hipóteses de incidência da mencionada teoria, ou seu absolutoafastamento, situações não pretendidas, como já demonstrado, pela importânciaem preservar os interesses da comunidade contra a desfunção da pessoa jurídica,provocada por uma atuação imoral e antijurídica de seus sócios, com poder decontrole.

Em suma, fica evidenciado que a legalidade estrita que predomina noDireito Tributário é fator de limitação ao operador do direito no manejo dateoria da desconsideração da pessoa jurídica, ao contrário do que se verifica emoutras áreas do Direito, como a própria jurisprudência já vinha consagrando,mas não representa um obstáculo, ante a possibilidade do seu disciplinamentolegal, conforme se vem avançando no campo da normatividade, sem prejuízodos princípios constitucionais aplicáveis à espécie.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Novo Código Civil: Lei n° 10.406, de 10-1-2002/ Obra coletiva de autoriada Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto,Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes – São Paulo: SugestõesLiterárias, 2002.

BRASIL. Código Tributário Nacional/ Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva

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1 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 12.2 JUSTEN FILHO, 1987, p. 14.3 JUSTEN FILHO, 1987, p. 16.4 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 19.

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5 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 29.6 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 40.7 JUSTEN FILHO, Marçal.8 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 45.9 TRIPOD. Site Internet desenvolvido por José Antônio Francisco. Citação emMonografia intituladaDesconsideração da Personalidade Jurídica das empresas. Disponível em: <http://jaf.tripod.com.br/monografias/desconsideração.htm>10 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 49.11 JUSTEN FILHO, Marçal. . Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 50.12 JUSTEN FILHO, 1987, p. 57.13 JUSTEN FILHO, 1987, ps. 57-58.14 JUSTEN FILHO, Marçal. . Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 65-66.15 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 85.16 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 96.17 VILLELA, João Baptista. Monografia intitulada “Sobre a Desconsideração daPersonalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Repertório IOB deJurisprudência – 1ª Quinzena de junho de 1991 – nº 11/91 – p. 233.18 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 121.19 JUSTEN FILHO, 1987, p. 128.20 VILLELA, João Baptista. Monografia intitulada “Sobre a Desconsideração daPersonalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Repertório IOB deJurisprudência – 1ª Quinzena de junho de 1991 – nº 11/91 – p. 227.21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 2ª ed. São Paulo: Atlas.2002. Vol. 1. p. 294.22 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 109-110.23 KIYOSHI, Harada.Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2001. p.282.24 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de

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Janeiro: Forense. 2001. p. 194.25 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 112.26 KIYOSHI, Harada.Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2001. p.364.27 KIYOSHI, 2001, p. 365.28 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no DireitoBrasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 115.

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O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E CONTROLEJUDICIAL DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

Marta Suzana Lopes Vasconcelos é juíza de Direito, mestranda em Direito,Estado e Cidadania

SUMÁRIO: Introdução. 1. Origem etimológica da palavraprincípio e abordagem filosófica do tema. 2. História dos princípiostributários. 3. Fundamento constitucional do princípio da legalidade.4. A legalidade tributária. 5. Controle judicial dos atos praticados pelaAdministração Tributária. 6. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa tecer algumas considerações sobre o princípioda legalidade no Direito Tributário.

Antes de adentrar ao princípio da legalidade tributária convém fazer umaanálise do que vem a ser princípio para a ciência do Direito e uma breve abordagemfilosófica do tema.

Após, procurarei enfrentar o fundamento constitucional do princípio dalegalidade tributária, informando que os princípios constitucionais, segundo amoderna teoria pós-positivista são considerados regras jurídicas, entretanto,tais princípios podem colidir, todavia, diante da tal colisão, o conflito serádirimido pela aplicação do princípio da ponderação, afastando-se o princípiocolidente pelo que tem maior aplicação ao caso concreto.

Abordarei, outrossim, a questão do controle judicial dos atos daadministração pública voltada para o Direito Tributário, dando especial destaqueàs ações judiciais cabíveis e o controle de sua constitucionalidade.

Por fim, ressalto que o princípio da legalidade outrora consentido ecriado a favor do contribuinte, atualmente, consiste em apanágio do PoderPúblico para criação de tributação extorsiva em total desrespeito à essência doprincípio e dos direitos humanos.

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1. ORIGEM ETIMOLÓGICA DA PALAVRA PRINCÍPIO EABORDAGEM FILOSÓFICA DO TEMA

Princípio significa origem, início, começo ou momento em que se fazuma coisa pela primeira vez. Princípio é o início ou o ponto que se consideracomo primeiro em uma extensão ou coisa.1

Em sentido técnico, a palavra princípio está ligada à idéia de ponto departida, de base, de fundamento, isto é, de proposição básica ou de verdadeprimeira. Assim, princípios de uma ciência são as proposições básicas,fundamentais, que constituem os alicerces ou os fundamentos da mesma. Oprincípio se apresenta como a verdade fundante de um sistema de conhecimento,tida como primórdio ou primeira verdade.2

O Direito, como ciência jurídica, tem seus princípios fundamentais, istoé, suas verdades axiomáticas tidas como base das demais verdades que compõeo seu arcabouço científico.

Vários são os princípios que sustentam a ciência jurídica, os quais,constituem o seu fundamento de validade.

Bernardo Ribeiro, tratando sobre o tema com a profundeza que lhe épeculiar, assim lecionou:

Podemos dizer, assim, que os princípios jurídicos são asverdades tidas como iniciais, fundadas, reconhecidas comoverdadeiras, tendo por referência a idéia do direito. Daí adoutrina conceituar esses princípios jurídicos como regrasjurídicas. Princípio, assinala George Ripert, é a noção primeiraque comanda um conjunto de regras. Princípio, no dizer dePaulo Barros Carvalho, “são linhas diretivas que informam eiluminam compreensão de segmentos normativos, imprimindo-lhes um caráter de unidade relativa e servindo de fator deagregação num dado feixe de normas”. Os princípios geraisdo direito são proposições, de natureza monovalente, informamas formulações jurídicas, valendo para todo o direito.”3

O princípio que será objeto de nossa investigação está dentro daquiloque se considerou direito positivo, uma vez que é proveniente de texto legalemanado do Estado enquanto ente abstrato com poder de auto-organizar-se.Portanto, a abordagem deste trabalho será o princípio da legalidade dentro dodireito positivo, mais precisamente no Direito Tributário.

O Direito Tributário codificado faz alusão à aplicação dos princípiosgerais do Direito como forma de integração do sistema jurídico, tendo em vistaa existência de lacunas no ordenamento, a fim de solucionar casos não previstosno ordenamento jurídico. Para o renomado jurista Miguel Reale os princípios

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gerais de Direito são “enunciações normativas de valor genérico, que condicioname orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação eintegração, quer para a elaboração de novas normas”.4

Com efeito, não há que se confundir os princípios gerais do Direito comos princípios sistemático-positivos. Os princípios gerais do Direito são fixadospelo estudo filosófico do Direito, que encontram na doutrina jurídica, como nasdecisões dos tribunais fonte para a sua elaboração.

Existem diversos princípios jurídicos, todavia, nem todos possuem amesma aplicação. Tem princípios de aplicação universal, isto é, aplicam-se atodos os ramos do Direito, outros são restritos a alguns ramos do Direito.Alguns princípios têm fundamento constitucional, recebendo o nome deprincípios constitucionais. Contudo, até nos chamados princípios constitucionaisencontramos princípios de maior valor e dimensão do que outros. Neste campodo valor, tem total aplicação o princípio da proporcionalidade existente paraconciliar os princípios quanto há colisão entre os mesmos. Isto quer dizer quese há colisão de princípios, ou seja, se algo é vedado por um princípio maspermitido por outro, um dos princípios deve recuar. Isto não significa que umdos princípios seja declarado nulo. Este é o entendimento dos filósofos maisabalizados da atualidade, com especial destaque para Robert Alexy, o qual citadopor Paulo Bonavides, assim manifestou-se:

Antes, quer dizer – elucida Alexy- que, em determinadascircunstâncias, um princípio cede ao outro ou que, em situaçõesdistintas, a questão da prevalência se pode resolver de formacontrária.Com isso – afirma Alexy, cujos conceitos estamos literalmentereproduzindo – se quer dizer que os princípios têm pesodiferente nos casos concretos, e que os princípios de maiorpeso é o que prepondera5

A teoria dos princípios converteu-se no coração das constituições.Dworkin, mestre de Harvard, entendeu que realmente os princípios são normase possuem valores ou pesos, senão vejamos:

A dimensão de peso, ou importância ou valor (obviamente,valor numa acepção particular ou especial) só os princípios apossuem, as regras não, sendo este, talvez, o mais segurocritério com que distinguir tais normas. A escolha ou ahierarquia dos princípios é a de sua relevância.Das reflexões de Dworkin infere-se que um princípio,aplicado a um determinado caso, se não prevalecer, nadaobsta a que, amanhã, noutras circunstâncias, volte ele a serutilizado, e já então de maneira decisiva.” 6

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Gomes Canotilho salienta com precisão as diferenças existentes entreregra e princípios afirmando que:7

Os princípios interessar-nos-ão, aqui, sobretudo na suaqualidade de verdadeiras normas, qualitativamente distintasdas outras categorias de normas, as regras jurídicas. Asdiferenças qualitativas traduzir-se-ão, fundamentalmente, nosseguintes aspectos: 1) os princípios são normas jurídicasimpositivas de uma optimização, compatíveis com vários grausde concretização, consoantes os condicionalismos fácticos ejurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamenteuma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não écumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothingfashion) ; a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky);a convivência de regras é antinômica. Os princípios coexistem;as regras antinômicas se excluem-se; 2) conseqüentemente, osprincípios, ao constituírem exigências de optimização,permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem,como as regras, à ‘lógica do tudo ou nada’), consoante o seupeso e a ponderação de outros princípios eventualmenteconflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outrasolução, pois se uma regra vale (tem validade), deve cumprir-se na exata medida de suas prescrições, nem mais nem menos;3) em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objetosde ponderação, de harmonização, pois eles contem apenas‘exigências’ ou ‘standards’ que, em ‘primeira linha’ (primafacie), devem ser realizados; as regras contem ‘fixaçõesnormativas’ definitivas, sendo insustentável a validadesimultânea de regras contraditórias; 4) os princípios suscitamproblemas de validade e peso (importância, ponderação, valia);as regras colocam apenas questões de validade (se elas não sãocorretas devem ser alteradas).

Robert Alexy em palestra proferida na Fundação Casa RuiBarbosa, Rio de Janeiro, em 10.12.98, afirmou que segundo a definição básica dateoria dos princípios, princípios são normas que permitem que algo seja realizado,da maneira mais completa possível, tanto no que diz respeito à possibilidadejurídica quanto à possibilidade fáctica. Princípios são, nesses termos, mandatosde otimização. Assim eles podem ser satisfeitos em diferentes graus. A medidaadequada de satisfação depende não apenas de possibilidades fácticas, mastambém de possibilidades jurídicas. Essas possibilidades são determinadas por

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regras e sobretudo por princípios.Miguel Reale citado por Maria Helena Diniz 8afirma que:

Os princípios gerais de direito, entendemos, não são preceitosde ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementoscomponentes do direito. São normas de valor genérico queorientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicaçãoe integração, estejam ou não positivadas

Com a virada do pós-positivismo, as constituições promulgadasdestacaram a hegemonia axiológica dos princípios, os quais foram convertidosem pedestal normativos sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novossistemas constitucionais, senão vejamos:9

A par da reviravolta antipositivista de Dworkin, nummomento culminante para o advento do pós-positivismo, urge,tocante aos princípios, acompanhar a escalada e odesdobramento da doutrina, desde a tibieza inicial de Bettie Esser em reconhecer-lhes a normatividade, até as posiçõesmais recentes e definidas do constitucionalismo contemporâneoe seus precursores, que erigiram os princípios a categorias denormas, numa reflexão profunda e aperfeiçoada.10

Todavia, como já dito, o princípio que será objeto do nosso estudo nãofaz parte da filosófica ou da ética, porém, do direito positivo.

Os princípios tributários podemos dizer que são verdades básicas iniciais,que servem de apoio para a compreensão do sistema tributário.

O Sistema Tributário Nacional está subordinado a vários princípiosprevistos no Art. 145 e seguintes da Constituição Federal.

José Afonso da Silva, divide os princípios constitucionais tributários emdois grandes grupos, a saber: princípios gerais, porque referem-se a todos ostributos e princípios especiais , os quais se referem a situações especiais.

2.HISTÓRIA DOS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS

Antes de aprofundar a análise do princípio jurídico tributário dalegalidade, mister se faz a evocação, a título histórico, dos princípios da tributaçãoencontrados na clássica obra de Adam Smith, Wealth of nations, do séculoXVIII.

Segundo o grande economista inglês, são quatro os princípios que deramorigem aos princípios da tributação.11

São eles:

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a) Princípio da justiça;b) Princípio da certeza;c) Princípio da comodidade;d) Princípio da economia.

O princípio da justiça os cidadão de cada Estado devem contribuir parao sustento do governo, cada um na proporção mais exata possível de suasrespectivas capacidades, ou seja, na proporção da renda que usufruem em razãoda proteção do Estado. Pelo citado princípio extrai-se a idéia de que os impostosdevem ser justos e eqüitativos. O princípio da justiça se efetiva através de doisconceitos fundamentais, quais seja: generalidade e uniformidade. A generalidadediz que todas as pessoas estão obrigadas a pagar impostos. Pela uniformidadeentende-se que todas as pessoas devem ser consideradas iguais perante osimpostos. 12

Pelo princípio da certeza, o imposto a pagar deve ser fixo, líquido e certo.Certo quanto a sua existência ou origem, sendo conhecido o fato gerador daobrigação tributária, a fonte competente para arrecadá-lo, a forma de pagá-lo, e adata. A liquidez diz respeito ao valor a ser pago pelo contribuinte.13

Pelo princípio da comodidade o imposto deverá ser pago da forma quemais convenha ao contribuinte.14

Pelo princípio da economia os custos da administração tributária devemser pequenos. 15

Dentre as limitações constitucionais ao poder de tributar, o princípio dalegalidade é o mais importante. Representou uma forte reação ao despotismoda antigüidade européia, representada pelos monarcas soberanos.

O princípio da legalidade, relativo à matéria tributária, historicamente,prende-se à própria razão de ser dos Parlamentos. Inicialmente, ficou conhecidocomo princípio do consentimento antecipado dos tributos. Neste caso bastavaque o contribuinte desse o seu consentimento para autorizar a cobrança dotributo. Depois passou-se a exigir a consentimento coletivo. Para a instituiçãode qualquer gravame fiscal era necessário o consentimento geral dos representantesescolhidos pelo povo.

Gemendo pelo peso das injustiças fiscais, os barrões da Inglaterra serebelaram e impuseram determinadas condições, através de um estatuto queprevia a tutela de seus direitos, com a proibição de cobranças extorsivas detributos. Ao Rei não restou outra saída senão aceitar o texto que lhe foiapresentado, hoje conhecido como a primeira constituição inglesa, denominadamagna carta, sancionada em 15 de junho de 1215, por João-Sem-Terra, queprevia “no Taxation without representation”.

Uma das normas da Magna Carta inglesa imposta pelos senhores feudais

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ao Rei João-Sem-Terra, a fim de evitar as represálias deste contra os seus inimigos,estava consignada no artigo XII, segundo o qual “nenhum auxílio oucontribuição se estabelecerá em nosso Reino sem o consentimento de nossocomum Conselho do Reino”. Desta forma, firmou-se o princípio da legalidadetributária como o princípio do consentimento dos impostos, com o escopo deproteger o contribuinte dos abusos da aristocrática monarquia inglesa.

Com o avanço das instituições, o princípio da legalidade veio a substituiro princípio da aprovação do imposto inicialmente aceito pelos súditos.

Após a Revolução de 1688, o princípio da legalidade incorporou-se ao“Bill of Rights” (Declaração dos Direitos), de 15 de fevereiro de 1689. No artigo4º da referida Declaração de Direitos, era considerada ilegal “toda cobrança deimpostos para a Coroa ou para o uso da Coroa sob pretexto de prerrogativas,sem o consentimento do Parlamento, por um tempo maior ou modos diferentesdos designados por ele próprio”.16

O princípio da legalidade migrou para os Estados Unidos da Américaonde foi agasalhado pela Declaração dos Direitos do Homem da Filadélfia, noano de 1774.

Posteriormente o princípio foi acolhido pela Revolução Francesa fazendoparte da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de1789, onde encontra-se consagrado o princípio de que o imposto somentepode ser votado pela nação ou seus representantes. O princípio foi consagradopela Constituição dos Estados Unidos da América do Norte de 1787. A partirde então, o princípio da legalidade passou a representar a máxima garantia doscontribuintes frente aos possíveis excessos do Poder. 17

As constituições políticas dos diversos estados europeus promulgadasno século XIX, por terem sido inspiradas na constituição francesa de 1791,consagraram o princípio da legalidade.

A partir da carta francesa, as constituições vigentes consagraramexpressamente o princípio da legalidade, ou seja, os tributos devem ser aprovadospelo órgão legislativo devidamente eleito pelo povo.

As constituições modernas prevêem que os tributos devem ser aprovadospelo órgão legislativo competente para a instituição do tributo respectivo. Amoderna concepção de tributo determina que não há tributo sem lei, isto porqueos tributos representam invasão da riqueza dos particulares pelo Estado a fimde satisfazer as necessidades coletivas. Todavia, tal invasão só pode ser feitaúnica e exclusivamente por lei.

No Brasil, a idéia da instituição e cobrança de tributos já nasceu com anecessidade de lei em sentido formal.

O princípio da legalidade desde o nascedouro do ordenamento jurídicoconstitucional já esteve presente, tendo em vista que não conhecemos o períodomedieval, por sermos um país jovem, de apenas quinhentos anos.

O princípio da legalidade tributária no ordenamento jurídico nacional

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esteve previsto desde a Constituição Política do Império de 1824.Semelhantemente, constituições posteriores acolheram o princípio da

legalidade, senão vejamos: Constituição Política do Império de 25 de marçode1824, art. 36, inciso I, e art. 171; Constituição Federal de 28 de fevereiro de1891, art. 72 § 30; Constituição Federal de 16 de julho de 1934, art. 17, inciso VII;Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, art. 141, § 34; EmendaConstitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1946, art. 141, § 34; EmendaConstitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, art. 2º, inciso I; Constituiçãodo Brasil, de 24 de fevereiro de 1967, art. 20, inciso I e art. 150, §§ 2º e 29;Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, art. 19, inciso I, e art.154, §§ 2º e 29.18

O princípio da legalidade encontra-se também presente na Carta Magnade 05 de outubro de 1988.

3. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DALEGALIDADE

Legalidade é aquilo que está conforme a lei em sentido formal, estasendo entendida como produto da vontade geral, abstrata, exercida atravésdos representantes escolhidos pelo povo, elaborada segundo o processolegislativo previsto na Constituição Federal, com exclusão das demais fontesde direito.

Rousseau, filósofo francês, afirmava que aquele que detém o poder tendea dele abusar. O princípio da legalidade visa proteger o cidadão contra condutasarbitrárias dos governantes. Para Paulo Bonavides, a legalidade constitui garantiada liberdade: a legalidade é compreendida pois como a certeza que têm osgovernados de que a lei os protege ou de que nenhum mal portanto lhes poderáadvir do comportamento dos governantes, será então sob esse aspecto, comoqueria Montesquieu, sinônimo de liberdade.”19

Para o Professor Ricardo Lobo o tributo é o preço da liberdade:O tributo é o preço da liberdade, pois serve de instrumentopara distanciar o homem do Estado, permitindo-lhedesenvolver plenamente as suas potencialidades no espaçopúblico, sem necessidade de entregar qualquer prestaçãopermanente de serviço ao Leviatã. Por outro lado, é o preçopela proteção do Estado consubstanciada em bens e serviçospúblicos, de tal forma que ninguém deve se ver privado deuma parcela de sua liberdade sem a contrapartida do benefícioestatal(...) O tributo pode implicar opressão da liberdade, seo não contiver a legalidade. Daí por que se atribui tanta

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importância à legalidade na meditação sobre a liberdade nosalbores do Estado de Direito.20

O princípio da legalidade tem sede e foro na vigente Constituição federal,promulgada em 05 de outubro de 1988, que o erigiu à categoria de princípiofundamental. Em um dos seus títulos a citada carta constitucional prevê:

“Título II, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuaise Coletivos.Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção dequalquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito àvida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,nos seguintes termos:..............................................................................................................II -Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algumacoisa senão em virtude de lei;..............................................................................................................Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradasao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao DistritoFederal e aos Municípios: I- exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça”.

Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado e constituiproteção para o cidadão que só está obrigado a fazer aquilo que está previamenteprevisto em lei devidamente aprovada pelo órgão competente, isto é, com adevida observância do processo legislativo constitucional.

A lógica subjacente é a de que somente o povo pode tributar a si mesmo,ou melhor, o povo autoriza seus representantes eleitos para fazer leis e, pormeio delas, instituir tributos. Fica afastada a possibilidade do Representante doExecutivo, através de ato administrativo próprio, ou seja, decreto, instruçãonormativa, regulamento, criar tributos.21

Para o Professor Alexandre de Moraes, o princípio da legalidade mais seaproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual poisnão tutela nenhum bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa derepelir ordens que lhe sejam impostas por uma outra via que não a da lei. E,prossegue o doutrinador, citando o mestre Aristóteles: “a paixão perverte osmagistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão – eis a lei”22

O princípio da legalidade possui uma abrangência maior do que oprincípio da reserva legal. Pelo primeiro determina-se a submissão à lei conformeo processo legislativo constitucional. O segundo significa que certas categoriasde matérias deverão obrigatoriamente ser disciplinadas por lei formal, isto quer

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dizer que não poderão ser disciplinadas por outra forma de produção legislativa.Na reserva legal a própria constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, àlei.

Mais uma vez cito o Professor Alexandre de Moraes: “tem-se que, poisreserva de lei, quando uma norma constitucional atribui determinada matériaexclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada napraxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquelasubordinada”.23

O Professor Victor Uckmar das Universidades de Milão e Gênovatambém comunga do princípio da legalidade como forma de deter a fúriaarrecadadora do Estado, dispondo que: “Algumas Constituições – dentre elasa atualmente em vigor no Brasil -, para limitar o gravame fiscal, dispõem que nocurso do ano não podem ser aplicados tributos em acréscimo àqueles previstosna lei orçamentária”.24

Não se pode escrever sobre o princípio da legalidade sem antes mencionar,nem que seja de maneira sucinta sobre o Estado de Direito. O Estado deDireito erigiu os seus conceitos básicos em oposição ao Estado absolutistaonde o próprio soberano, personalizado na figura do rei ditava suas própriasregras, impondo-as de maneira coercitiva às relações sociais, regulando a condutados indivíduos segundo seus próprios caprichos. Este período absolutista foimarcado pelo poder centralizado na mão de uma única pessoa, o rei, e temcomo característica principal, o poder ilimitado sem nenhum sistema de freiosou contrapesos, ou seja, não existia nenhuma forma de limitação aos mandos edesmandos do rei.

Foi nesse contexto social e político desfavorável à liberdade de expressãoa posicionamentos políticos e sociais, e a falta de um regime jurídico legal quedesse segurança jurídica aos cidadãos, que surgiram naquele momento histórico,várias correntes políticas e filosóficas que não tardaram a demonstrar a formanegativa de ser governado por tirânicos. Foi assim, que os filósofos JohnLocke, Montesquieu e Rousseau e outros filósofos à época, com suas obrasfilosóficas, serviram de esteio para a Revolução Francesa.

Comentando sobre o princípio da legalidade e sobre o Estado de Direito,Celso Antônio Bandeira de Mello25 afirma:

Seja em face dos princípios informadores do Estado de direito,seja ao lume das disposições constitucionais, seja perantelições doutrinárias, resultam claros alguns postos a saber:No Estado de Direito, tanto por razões de segurança jurídica,quanto para a defesa da igualdade de todos os membros docorpo social, como pelo que resulta do princípio da legalidade,ninguém pode sofrer restrição de direito e muito menos ser

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sancionado senão em virtude de norma legal anteriormenteeditada;Na conformidade do Texto Constitucional, só a lei podeimpor ou proibir alguém de fazer ou deixar de fazer algumacoisa, cabendo à administração única e exclusivamenteexecutar o que já conste de norma legal;A regra para os particulares é a liberdade de ação, de talsorte que disposição administrativa, regulamentar ouconcreta, não pode inverter tal princípio, cuja contrição só delei pode resultar.Ato administrativo concreto algum, tem o poder jurídico deimpor à liberdade de atuação dos particulares, restrições oulimitações fora das hipóteses já dantes abstratamenteprevistas, de tal sorte que “ninguém pode ser sancionado porconduta que não tenha sido previamente caracterizada demodo suficiente”, como comportamento proibido.

Em seu dicionário de Direto Administrativo, José Crettela Júnior26

comenta que: “consubstancia o princípio da legalidade nas seguintes proposições:(a) num Estado de Direito, ou seja, que se admite seja governado pelo direito,nenhuma autoridade pode tomar decisão individual que não se contenha noslimites fixados por uma disposição geral, isto é, por uma lei no sentido material;(b) para que um país possua um Estado de Direito é preciso que nele exista umaalta jurisdição, que reúna as qualidades de independência , imparcialidade ecompetência , diante da qual possa ser apresentado recurso de anulação contradecisão que viole ou pareça ter violado o direito. Nenhum ato jurídico é válido anão ser que seja conforme às regras editadas pelo Estado. Nenhuma autoridadede nenhum dos poderes pode tomar decisões que contrariem normas válidasdo sistema jurídico em que se encontram. Mesmo a mais alta autoridade devesuportar a lei que editou, até que seja derrogada por outra mais recente”.

Em linhas gerais foi descrito acima que o Estado absolutista em quenão vigia o império da lei, acabou por impulsionar a Revolução Francesa ,revolução esta que tinha como ponto fundamental fomentar um Estado deLegalidade, um Estado em que o soberano se submetesse às regras formalmentecriadas para serem aplicadas a todos, e também que ninguém sofreria constriçãoem sua liberdade a não ser em hipóteses previamente estabelecidas e conhecidas.

Somente para ilustrar exponho a doutrina do Aleiro Couto e Silva27 emque afirma que atualmente é entendimento pacífico de que a noção de Estado deDireito possui dois aspectos: o material e o formal. Sob o aspecto material,temos como bases, fundamentos do Estado de Direito a idéia de justiça e

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segurança jurídica. Sob o aspecto formal, destaca como componentesfundamentais:

a) um sistema de direitos e garantias fundamentais;b) a divisão harmônica dos poderes do Estado, com existência de um

sistema que limite cada poder, o chamado freios e contrapesos;c) a legalidade da Administração Pública;d) a proteção da confiança que os cidadãos tem de que o Estado obedecerá

e respeitará as leis.

Existe ainda o Estado Social de Direito cujo escopo é estender ao maiornúmero de pessoas os benefícios sociais.

O Estado de Direito evoluiu para Estado Democrático de Direito, coma participação cidadã na realização dos fins estatais, com grande ênfase para agarantia dos direitos fundamentais. A Constituição brasileira de 1988 elegeu oEstado Democrático de Direito como regime.

O ponto essencial do Estado Democrático de direito é a cidadania ativa,processando-se a distribuição dos benefícios de forma participativa.28

4. A LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Nos chamados Estados do mundo ocidental vige o princípio dalegalidade tributária o qual está vinculado ao aforismo nullum vectigal sine lege.No campo tributário, o princípio da legalidade trata de garantir essencialmente aexigência de auto-imposição, isto é, os cidadãos, por meio de seus representantes,que determinem a repartição da carga tributária, e em conseqüência, os tributospodem ser exigidos dos mesmos.29

A lei tributária deve geral, abstrata, igual para todos, irretroativa e nãoconfiscatória, ex vi dos artigos 5º, I e artigo 150 II e III “a”, IV todos daConstituição Federal em vigor.

A lei tributária possui características específicas, isto é, deve prevê a hipótesede incidência do tributo, seus sujeitos ativos e passivos, base de cálculo e alíquotas.O Poder Executivo não poderá criar ou inovar em matéria tributária, nem mesmopor delegação legislativa, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

O professor Roque Antonio Carrazza, citando o escólio de Paulo deBarros Carvalho, não discrepa desse entendimento senão vejamos:

Assinale-se que à lei instituidora do gravame é vedado deferiratribuições legais a normas de inferior hierarquia, devendoela mesma, desenhar a plenitude da regra matriz da exação,motivo por que é inconstitucional certa prática, cediça noordenamento brasileiro, e consistente na delegação de poderespara que órgãos administrativos complementem o perfil dostributos. É o que acontece com diplomas normativos que

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autorizam certos órgãos da Administração Pública Federala expedirem normas que dão acabamento à figura tributáriaconcebida pelo legislador ordinário. Mesmo nos casos emque a Constituição dá ao Executivo federal a prerrogativa demanipular o sistema de alíquotas, como no Imposto SobreProdutos Industrializados(IPI), tudo se faz dentro de limitesque a lei especifica.30

Destarte, só a lei pode criar deveres instrumentais tributários, disporsobre pagamento dos tributos, competência administrativa dos órgãos erepartições que irão lançá-lo, cobrá-los e fiscalizá-los, assim como descreverinfrações tributárias com a imposição de sanções.

O venerável mestre Geraldo Ataliba já dispunha de forma escorreita:31

O princípio da legalidade decorre dos princípiosfundamentais do estado constitucional e de direito, sendoexigência elementar e natural do sistema constitucionalvigente. Foi, entretanto – expressamente, para obviar dúvidas– sancionado pelo constituinte, no art. 141, §§ 2º e 34.Não se limita, pois, a lei a estabelecer o tributo, mas regulaa relação tributária em todos os seus elementos e em todo seudesenvolvimento, determinando com precisão máxima oscasos nos quais o imposto é devido, as pessoas obrigadas aopagamento, o montante deste, os modos e formas de lançamentoe recolhimento. (Ataliba, 1968, p. 153-154).

Vimos que o princípio da legalidade tem sede constitucional e está previstona afirmação explícita de que nenhum ente estatal pode exigir ou aumentartributo sem lei que o estabeleça.

A atividade estatal tributária obedece ao princípio da legalidade, não aoprincípio da legalidade estrito que rege todos os atos da administração, mas auma legalidade específica, a qual se traduz no princípio da reserva absoluta da leiformal. A legalidade específica constitui garantia constitucional do contribuinte,em forma de limitação ao poder de tributar que veda à União, aos Estados, aoDistrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que oestabeleça, conforme alhures citado.

O princípio da estrita legalidade tributária compõe-se de dois princípiosque se complementam: a reserva da lei e a anterioridade da lei tributária.32

Se somente a lei pode criar tributos, somente a lei pode aumentar,ressalvadas as exceções previstas pela própria Constituição Federal. Admitir outrassituações fora das exceções constitucionais seria o mesmo que admitir que normainferior modifique o que em lei foi estabelecido, o que constitui um absurdo.33

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Dizer-se que o tributo deve ser instituído por lei, significa dizer que deveser consentido, tendo em vista que os legisladores, autênticos representantes dopovo, criam leis que vão invadir o seu patrimônio particular retirando parte dosbens para satisfazer as necessidades coletivas.34

Outrossim, o princípio da legalidade serve de balizador para a segurançajurídica dos contribuintes que só estão obrigados a pagar o tributo que estáexpressamente previsto em lei.

O princípio da legalidade alcança todos os tributos, abrangendo osimpostos, taxas e as contribuições de melhoria. Estão também submetidos aocitado princípio os empréstimos compulsórios, os impostos extraordinários,as contribuições parafiscais e as contribuições previstas no artigo 149 da CartaMagna.35

O princípio da legalidade possui uma importância muito mais abrangenteem sede tributária, pois só a lei pode criar ou aumentar tributos, sendo a fontede produção primária por excelência, abaixo, apenas da Constituição Federal.36

Na sistemática jurídica brasileira só a lei tomada na acepção específica, ouseja, fruto de um processo legislativo previamente traçado pela lei maior, aConstituição Federal, pode criar ou aumentar tributos. Além do mais a lei deveser geral e abstrata, produto da vontade geral.

A lei tributária deve conter a descrição minuciosa do fato imponível, comotambém o fundamento da conduta da Administração Fazendária, bem como ocritério de decisão no caso concreto, de modo que através de um processo silogístico(premissa maior a lei, premissa menor os fatos) possa chegar-se à correta exação.

A lei tributária deve conter todos os elementos para a identificação do fatoimponível, ficando vedado qualquer avaliação pessoal do agente administrativo,assim como uma análise discricionária do fato, para entrar no patrimônio docontribuinte. Semelhantemente, é proibido ao Poder Judiciário utilizar-se daanalogia para criar ou aumentar tributos.37 De igual forma é proibido o uso daanalogia in pejus a fim de criar tipos penais ou novas sanções, além das criadas pelolegislador. O princípio da legalidade fechada e da estrita legalidade impede acondenação do contribuinte por indícios, presunções ou ficções.38

O princípio da legalidade tributária possui tipicidade fechada, sendonumerus clausus, o que impede o administrador fazendário de usar a analogiapara criar ou aumentar tributos.

Também não há discricionariedade para a Fazenda Pública frente ao fatoimponível, uma vez ocorrido o agente fazendário deverá aplicar a lei ao casoconcreto, não cabendo ao mesmo julgar da conveniência ou da oportunidade dacobrança do tributo, ou seja, se o sujeito passivo tem ou não condições deefetuar o pagamento da obrigação tributária.

Também não pode a Fazenda Pública renunciar a créditos tributários, ou

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mesmo, transacioná-los, sem estar permitido em lei, em virtude da legalidadeestrita a qual está jungida.

Com o princípio da legalidade estrita, ou da reserva absoluta da lei formal,visa-se espantar a discricionariedade e a parcialidade, senão vejamos a felizexpressão de Sérvulo Correia: “é elemento dissuador imprescindível dosdemônios do arbítrio e da parcialidade”.39

Para que se considere cumprido devidamente o princípio da legalidade,todos os elementos do tributo devem estar abstratamente previstos em lei, nãosendo permitido ao fisco qualquer valoração à respeito do mesmo.

Assim, não deve prevalecer o entendimento dos que defendem a tese deque a Administração Fazendária possa burlar o sigilo bancário, violar o domicílio,a correspondência e as comunicações telefônicas do contribuinte a fim de obterinformações acerca de seus bens, estoque, produção, com o escopo de prevenira fraude e a evasão fiscal.40

Modernamente, os estudiosos do Direito Tributário têm feito umareleitura do princípio da legalidade, afirmando que é necessário compreenderque no Estado Democrático de Direito, a interpretação do princípio da legalidadecompreende não só a lei em sentido formal em contraste com a literalidade dasnormas constitucionais ou infraconstitucionais. É necessária a compreensão deque o princípio da legalidade engloba, também, os direitos fundamentais, osquais são imperativos e têm aplicação imediata. Dentro dessa moderna visão doprincípio da legalidade, encontram-se não só as regras mais também os princípiosconstitucionais, pois, não mais se admite uma interpretação estreita do princípioda legalidade só conforme a lei em sentido formal, porém, a lei conjugada comos princípios constitucionais e demais princípios que informam o SistemaTributário Nacional, senão vejamos:

Os direitos fundamentais, no nosso sistema atual, tal como prescritosna Constituição, se tornaram imperativos e têm aplicação imediata (artigo 5º,parágrafo 1º), e não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios porela adotados (idem, parágrafo 2º).

Temos então que, em decorrência, a lei tributária (e commaior razão a exigência tributária, seja a referente a tributo,seja a relativa às chamadas obrigações acessórias) deverespeitar não apenas os preceitos constitucionais (no sentidomeramente normativo, ou seja, de regras formais) mas – eprincipalmente – os princípios consagrados de forma expressaou implícita no regime ( notadamente o regime democrático esocial)(...)Em suma, para a verificação da legalidade, emcada caso, cumpre indagar se as leis tributárias e os atosadministrativos editados para aplicá-los atendem aos preceitosconstitucionais nos seus abrangentes aspectos de forma e

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conteúdo (substância). Não se trata – fique isso bem claro-de um novo plano de legalidade, mas de adequação dasnormas e exigências tributárias ao quadro de valorespertinentes ao vigente regime constitucional.41

Há, todavia, algumas aparentes exceções ao princípio da legalidade tributária.Digo aparente porque na verdade não são exceções ao princípio da legalidade.

O artigo153, § 1º da Constituição Federal dispõe:É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites

estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisosI, II, IV e V”

Os impostos cujas alíquotas podem ser alteradas pelo Chefe do Executivosão: imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, impostos sobre aexportação de produtos nacionais ou nacionalizados, IPI e imposto sobreoperações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários.

Trago, por oportuno as lições do mestre Roque Carrazza:(...) Não há nesse dispositivo constitucional, qualquer exceçãoao princípio da legalidade. Apenas o Texto Magno permite,no caso, que a lei delegue ao Poder Executivo a faculdade defazer variar, observadas determinadas condições e dentrodos limites que ela estabelecer, as alíquotas(não as bases decálculo) dos mencionados impostos.42

Com efeito, por força da Constituição o Chefe do Executivo pode alteraras alíquotas destes impostos, dentro dos limites estipulados pelo legislador.Jamais poderá o Chefe do Executivo criar impostos, mas, tão-somente alterá-los, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei.

A Constituição concedeu ao legislador a possibilidade de alterar asalíquotas dos impostos que discriminou, estabelecendo parâmetros mínimos emáximos. Se a lei fixar uma única alíquota, não será permitido ao Chefe doExecutivo modificá-la.43

Mais uma leciona com precisão Roque Carraza:A correta proposição descritiva do § 1º, art. 153, da CF, anosso ver, é: O legislador poderá fixar teto e piso de alíquotasdos impostos alfandegários, do IPI e do IOF, permitindo,assim, que o Executivo, obedecendo às condições fixadas nalei, as faça variar dentro desses limites”44

5. CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS PRATICADOS PELAADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

Na hipótese de qualquer desvio na observância do citado princípio, há a

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possibilidade legal da revisão dos atos da administração fazendária pelo PoderJudiciário, através do judicial review.

O artigo 5º, XXXV da Constituição Federal dispõe: “a lei não excluirá daapreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O livre acesso ao Poder Judiciário não representa apenas um socorro aosdireitos públicos subjetivos mas, também, as normas infraconstitucionais. Todae qualquer lesão ou ameaça aos direitos do cidadão poderá ser revista pelo PoderJudiciário, através do juiz natural, que é o órgão previamente competente para aanálise de determinado fato concreto. Para o exercício deste direito fundamentalexistem os instrumentos postos à disposição do indivíduo, tal como o devidoprocesso legal, direito de defesa com os recursos e meios necessários, além domandado de segurança e outra ações judiciais.

A análise do Judiciário tanto pode ser exercida pelo aspecto formal da lei,ou seja, se na sua elaboração foram observados as normas constitucionaisreferentes ao processo legislativo, como também, sob o aspecto do conteúdomaterial ou substancial, o qual diz respeito à compatibilidade vertical com aConstituição, em qualquer âmbito da federação. Havendo desconformidade dalei ou ato administrativo com Carta Magna, tal lei será fulminada de vício deinconstitucionalidade, cujo efeito imediato será a declaração de nulidade.

A diferença entre o controle de seus atos ou atos normativos previstopela própria administração é que esta última somente realiza o controle formalda legalidade. Ao Poder Judiciário incumbe a análise plena da legalidade, comanálise de forma e de conteúdo.

Pelo dever de observar o princípio da legalidade, é que o Poder Judiciárioexerce o seu poder de guardião da Constituição (de normas e princípios), equando há um desrespeito aos direitos do cidadão, o Judiciário é chamado aintervir a fim de excluir as arbitrariedades da Administração Pública.

Há mais de trinta anos, o professor Rubens Gomes de Sousa já expunha,a metodologia do controle da legalidade tributária, senão vejamos:

Dado que a causa da obrigação tributária é a lei, o exameda sua existência se processa em três planos sucessivos: (1º)No plano constitucional: para verificar se a lei que criou otributo é válida em face da Constituição, ou seja, não éinconstitucional; (2º) No plano legislativo: para verificar selei que está sendo aplicada é exatamente a que correspondeà hipótese e, inversamente, se a hipótese que ocorreu éexatamente a prevista na lei aplicável; (3º) No planoadministrativo: para verificar se a atividade administrativado lançamento (Cap. V) foi exercida exatamente de acordocom a lei aplicável. Se o resultado do exame foi afirmativo,nesses três planos, a obrigação tributária é válida porquetem causa legítima; ao contrário, se o resultado do exame for

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negativo em qualquer um daqueles três planos a obrigaçãotributária é nula por falta de causa legítima, e, emconseqüência, o tributo não é devido e não deve ser pago, ou,se já foi pago, deve ser restituído (§ 32) (Sousa,1960, p.78).45

Havendo violação de direito do contribuinte representado porinobservância das leis constitucionais ou infraconstitucionais, o mesmo poderáir ao Poder Judiciário a fim de que o juiz ou tribunal decida, fundamentadamente,quem tem a razão.

É certo que o contribuinte poderá preferir utilizar o contenciosoadministrativo a fim de dirimir a controvérsia, todavia, tal faculdade não oimpede de buscar a tutela jurisdicional do Estado, através dos processos judiciais.

O contribuinte poderá defender-se de exigências concretas ou de ameaçasformuladas pela Administração Fazendária. Tal controle é o mais abrangentepossível, na feliz expressão de Alberto Nogueira, senão vejamos:46

Em suma o contribuinte poderá defender de exigênciasconcretas ou de ameaças decorrentes de dispositivos legais ouadministrativos. Em outras palavras: controle preventivo econtrole repressivo tanto de exigências ainda não efetivadas,como daquelas definitivamente concretizadas. Em outro giro:ameaça à lesão de direito(CF,art.5º, XXXV) ou ato lesivoconsumado. Enfim, cuida-se de um controle o mais abrangentepossível da legalidade da tributação, tal como se infere donosso modelo constitucional de 1988. Essa, aliás, a diferençade conteúdo (substância) e de abrangência entre os sistemas decontrole administrativo e judicial, sendo este último total eilimitado, decorrência, por simetria, aliás, da limitação dospoderes do legislador e da autoridade administrativa.

Observe-se que tanto os juízes como os administradores e os legisladoresestão subordinados ao princípio da legalidade que engloba a total submissão àlei quanto aos princípios fundamentais da pessoa humana, os quais sãoconseqüência imediata do chamado Estado Democrático de Direito.

Vige na moderna interpretação do Direito o pensamento de Karl Larenz,que os princípios uma vez constantes da constituição se tornam em direitopositivo.

A revisão judicial preserva os direitos humanos, tendo em vista que éexercida tanto na lei em sentido formal quanto em sentido substancial.

A correta interpretação do Direito Tributária a partir da Constituição é daconsideração de que a mesma contém regras e princípios que constituem

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preservação dos direitos humanos. A cobrança excessiva de impostos semrespeitar a capacidade contributiva do cidadão representa um sangramento napropriedade do particular. Tal situação, bem como outras, é passível de revisãojudicial, pois a Constituição não admite o confisco de bens, sob o disfarçadomanto da cobrança de tributos.

6. CONCLUSÃO

O princípio da legalidade é antiqüíssimo, sendo imposto ao rei João-Sem-Terra na Magna Carta Libertatum, em 1215 pelos barões ingleses. A cláusulano tax representation foi a bandeira do movimento que exigia a prévia aprovaçãodos Comuns antes de realizar qualquer forma de tributação. Posteriormente foiincorporado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789(Revolução Francesa); a partir de então alçou alcance universal fazendo parte detodas as constituições democráticas do mundo moderno.

No Brasil o princípio da legalidade está encartado, de forma expressa naConstituição de 1988, em atenção ao chamado Estado Democrático de Direito.O artigo 150, I, da Magna Carta, dispõe de forma expressa que todo o tributo sópode ser criado ou aumentado em virtude de lei. No dizer de Bernardo Ribeiro,o princípio da legalidade tributária é decorrência do Estado Constitucional, doEstado de Direito, onde há a integral defesa do império da lei.47

A finalidade do princípio da legalidade é impedir que o Estado interfirana esfera do patrimônio do particular criando-lhe encargos financeiros em nomeda satisfação dos interesses públicos coletivos. De igual forma, visa o citadoprincípio a proteger o cidadão contra as assacadas arbitrárias e discriminatóriasdo Estado. Se quiser ingressar na esfera do particular, o Estado deverá fazê-lomediante lei formal, devidamente aprovada segundo as regras do processolegislativo especificamente previstas na Carta Magna. Deverá, também, o Estado,observar as regras de conteúdo material constante da Constituição Federal quecom muito rigor e precisão, especifica o Sistema Tributário Nacional. Observe-se, todavia, que os princípios constitucionais uma vez positivados se constituemem regras, as quais deverão ser obrigatoriamente observadas sob pena de flagranteinconstitucionalidade, cujo efeito principal é a declaração de nulidade dos atosdecorrentes da mesma.

Lamentavelmente, o princípio da legalidade, modernamente, nãoapresenta reais proteção aos direitos do contribuinte, tendo em vista que a leitributária constitui-se em meio de promover desigualdades, verdadeiras injustiçassociais. Originalmente o tributo era consentido, isto significava que osrepresentantes do povo tinham compromisso com quem o elegeu. Atualmentevimos que o compromisso dos representantes do Congresso Nacional é com

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os grandes grupos de interesse que financiam as suas companhas eleitorais. Osegredo para desfazer a terrível carga tributária que pesa sobre os ombros docontribuinte, principalmente a classe média que tem os seus rendimentostributados na fonte, é valer-se dos princípios e regras da bem elaboradaConstituição Federal de 1988, que consagrou o Estado Democrático de Direito.Ante tal situação não se pode falar que os direitos humanos em matéria tributáriaestão sendo respeitados.

Todavia, o contribuinte tem no Poder Judiciário a esperança de quehavendo violação ou ameaça de seus direitos poderá pleitear, mediante o processojudicial adequado, a reparação de seus direitos. Cabe ao magistrado a maisampla análise da lei ou ato administrativo inquinado de ilegalidade, não podendoadentrar nos critérios de conveniência e oportunidade que conduziram oadministrador na prática de seus atos. Todavia, poderá o juiz ou tribunaldecidir pela inconstitucionalidade da lei ou ato administrativo fiscal que forcontrário à Constituição tanto sob o aspecto formal quanto material, respeitanteàs regras e princípios que uma vez positivados passam a ser normas jurídicas.

A legalidade tributária proveniente do Estado Democrático de Direito,quando corretamente aplicada, produz justiça fiscal, segurança jurídica, igualdadee respeito aos direitos humanos. Mal empregado, tal princípio constitui-se emarbítrio legalizado e injustiça codificada. Encerro este meu trabalho, citando,mais uma vez , as sábias palavras do brilhante intelectual Ricardo Lobo Torres:“O tributo pode implicar opressão da liberdade, se o não contiver a legalidade. Daípor que se atribui tanta importância à legalidade na meditação sobre a liberdadenos albores do Estado de Direito.”48

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1 MORAIS, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 2.ed. rev.aumentada e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 82.2 Idem, ibidem, p. 82.3 MORAIS, Bernardo Ribeiro de, op. cit., p. 83.4 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito.São Paulo: Saraiva, 5. ed. 1978, p. 300.5 BONAVIDES, Paulo. Curso de DireitoConstitucional. São Paulo: Malheiros, 7. ed., 1997, p. 251.6 Idem, ibidem, p. 253.7 CANOITLHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed.

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Coimbra: Almedina, 1991, p. 171/172.8 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 14. ed. SãoPaulo: Saraiva, p. 462.9 Cf. Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 237.10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 239.11 MORAIS, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 2. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1994, p. 84.12 Idem, ibidem, p. 84.13 MORAIS, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 2. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1994, p. 84.14 Idem, ibidem, p. 84.15 Idem, ibidem, p. 84.16 Cf. MORAIS, Bernardo Ribeiro de, Compêndio de Direito Tributário. 2. ed. Riode Janeiro: Forense, 1994, p. 89.17 Idem, ibidem, p. 90.18 Cf. MORAIS, Bernardo Ribeiro de, Compêndio de Direito Tributário. 2. ed. Riode Janeiro: Forense, 1994, p. 90/91.19 BONAVIDES, Paulo., Ciência Política. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986,p. 115.20 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário.Volume III. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Riode Janeiro: Renovar, 1999, p. 4.21 Cf. ALEXANDRINO Marcelo & PAULO, Vicente, Direito Tributário naConstituição e no STF, Teoria, Jurisprudência e 160 questões.2. ed. Rio de Janeiro:Impetus, 2000, p. 40.22 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional, 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p.6223 Idem. Ibidem, p. 6224 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário, 2. ed.Tradução e notas ao Direito brasileiro, Marco Aurélio Greco. São Paulo: Malheiros,1999, p. 54.25 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Regulamento e Princípio da Legalidade.Revista de Direito Público. Revista dos Tribunais. São Paulo. Volume 96, p. 4526 JÚNIOR, José Crettela. Dicionário de Direito Administrativo. São Paulo: Forense.4ª ed. p. 279.27 SILVA, Almiro do Couto e. Princípios da Legalidade da Administração Pública e daSegurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo. Revista de Direito Público,Revista do Tribunais: São Paulo, 1987, v. 84, p. 46-63.28 NOGUEIRA, Alberto. Os Limites da Legalidade Tributária no Estado Democráticode Direito Fisco X Contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa, 2. ed. Rio de Janeiro:Renovar, 1999. p. .37.

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29 Cf. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário,16. Ed. São Paulo: Malheiros. p. 219.30 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 16.Ed. São Paulo: Malheiros. p. 217/218.31 NOGUEIRA, Alberto, Os Limites da Legalidade Tributária no Estado Democráticode Direito Fisco X Contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa, op. cit., p. 25.32 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 6.ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 370.33 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 16 ed. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 34.34 Idem, ibidem, p. 34.35 CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, op.cit., p. 218.36 Idem, ibidem. p. 218.37 Idem, ibidem. p. 200.38 Idem, ibidem. p. 229.39 CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, op.cit., p. 220.40 CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, op.cit., p. 229.41 NOGUEIRA, Alberto. Os Limites da Legalidade Tributária no Estado Democráticode Direito: Fisco X Contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa, op. cit., p. 30.42 Cf CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário,op. cit., p. .259.43 Idem, ibidem, p. 259.44 CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, op.cit., p. 260.45 Cf. NOGUEIRA, Alberto, Os Limites da Legalidade Tributária no EstadoDemocrático de Direito Fisco X Contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa, op. cit.,p. 28/29.46 Idem, ibidem. p. 107.47 Cf. MORAIS, Bernardo Ribeiro de,Compêndio de Direito Tributário. 2. ed. Riode Janeiro: Forense, 1994, p. 94.48 Torres, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário.Volume III. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Riode Janeiro: Renovar, 1999, pag.4.

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O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E O PODER JUDICIÁRIO

Francisco Alves Junior, juiz de Direito, professor da ESMESE, ex-professorda Universidade Tiradentes, mestrando em Direito pela Universidade GamaFilho/RJ

“Constituição democrática é aquela que não apenas consolidaas liberdades civis, mas cria órgãos e leis que ajudem nosentido de que essas liberdades tenham realidade e sejamsalvaguardadas, e que ali onde os bastiões erguidos contra osabusos de poder desmoronem ou estejam ameaçados de ruirpossa rapidamente mobilizar-se para erguer novos redutos.A nossa Constituição é dotada dos dispositivos que permitemenfrentar esse perigo. Mas para fazê-lo são necessários trêsfatores: a consciência de que esse perigo existe, um examebastante preciso dos remédios, a vontade unânime de vivernuma sociedade democrática” (Norberto Bobbio)1

1. Introdução 2. Os princípios jurídicos 3. O princípio da eficiênciaadministrativa 4. Aplicabilidade ao Poder Judiciário 5. Possibilidadesde aplicação 6. Conclusões

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo tecer considerações a respeito doprincípio da eficiência da Administração Pública sobre práticas do Poder Judiciário.

Parte-se da importância do estudo, identificação e reflexão teórica acercados princípios, pois “sem aprofundar a investigação acerca da função dosprincípios nos ordenamentos jurídicos não é possível compreender a natureza,a essência e os rumos do constitucionalismo contemporâneo”2.

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Daí, segue-se em investigação acerca do princípio da eficiência, a realimportância de sua expressão, e sua aplicabilidade ou não ao Judiciário e, emcaso positivo, de que forma ou em que medida.

Em função das naturais limitações, a base empírica analisada foi a Justiçado Estado de Sergipe, onde desenvolvemos nossas atividades profissionais,sem descurar da permanente tentativa de extrair diretrizes gerais a partir desteparadigma.

2. OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Novas exigências sociais forçaram a evolução do pensamento ante asinsuficiências do positivismo jurídico. Essa evolução aponta para o resgate daracionalidade do discurso jurídico, verificando-se a tendência para centralizá-lamuito mais no processo argumentativo e nos princípios, do que nos sujeitos daargumentação e nas simples regras3.

Por óbvio, não cabe mais discutir amiúde o problema da supremacia daConstituição. Toma-se tal idéia como premissa fundamental, dentro da teoriaconstitucional. Dessa maneira, as normas que servem de fundamento de validadepara todo o sistema infraconstitucional encontram-se veiculadas pelo texto daConstituição, implícita ou explicitamente, não sendo de todo ruim a utilizaçãoda formulação kelseniana de “fundamento de validade”.

Dentre as normas constitucionais, as mais caras ao sistema são justamenteos princípios, categorias normativas prenhes de valores porque encerram altacarga axiológica e atuam como “antenas”, captando os principais valores eleitospelo grupo social.

Os princípios constitucionais servem de norte tanto para a criação comopara a interpretação de normas pelo poder constituído, o qual também deveráinterpretar a própria Constituição de forma sistêmica, à luz ou com a “lente”dos princípios por ela mesma veiculados. Os princípios têm, assim, esse condãode orientar a criação, a interpretação e a aplicação das demais normas, sejam estassubprincípios ou simples regras4.

Note-se que, se por um lado o fato de um princípio não se encontrarexplícito não lhe retira a validade e dignidade, não se pode negar que a positivaçãotextual de um princípio antes implícito deve servir, ao menos, como indicativodo legislador para se reforçar a sua identificação e observância.

3. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

Apesar de abalizadas vozes discordantes, assumimos a eficiênciaadministrativa como princípio que sempre esteve presente na concepção teórico-

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jurídica da Administração Pública. Com efeito, se a Administração deve se pautarpela supremacia do interesse público, deve bem versar os recursos pagos pelasociedade contribuinte, de maneira a obter o melhor resultado possível. É umaidéia básica e até mesmo óbvia.

Todavia, a EC 19/98 acrescentou ao rol de princípios da Administração,contido no art. 37 da Constituição, mais um princípio, o da eficiência.

Celso Antônio Bandeira de Mello assim se pronunciou sobre a novidade:Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobreele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável.Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controleao lume do Direito, que mais parece um simples adornoagregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiraçãodos que buliram no texto. De toda sorte, o fato é que talprincípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demaisfazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio dalegalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiênciajustificaria postergação daquele que é o dever administrativopor excelência. Finalmente, anote-se que este princípio daeficiência é uma faceta de um princípio mais amplo jásuperiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: oprincípio da “boa administração”5.

Nesta linha, Maurício Antonio Ribeiro Lopes radicaliza:Inicialmente cabe referir que eficiência, ao contrário do quesão capazes de supor os próceres do Poder Executivo federal,jamais será princípio da Administração Pública, mas sempreterá sido – salvo se deixou de ser em recente gestão política– finalidade da mesma Administração Pública. Nada éeficiente por princípio, mas por conseqüência, e não serárazoável imaginar que a Administração, simplesmente paraatender a lei, será doravante eficiente, se persistir a miserávelremuneração de grande contingente de seus membros, se asinjunções políticas, o nepotismo desavergonhado e a entregade funções do alto escalão a pessoas inescrupulosas ou demanifesta incompetência não tiver um paradeiro [...] Enfim,trata-se de princípio retórico imaginado e ousadolegislativamente pelo constituinte reformador, sem qualquercritério e sem nenhuma relevância jurídica no apêndice aoelenco dos princípios constitucionais já consagrados sobreAdministração Pública6.

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Certamente que comungamos do entendimento segundo o qual taladição era despicienda. Mas ousamos dizer que a eficiência como princípio não édesprezível e não se pode, agora, deixar de levá-la em consideração, ao menospara ampliar o debate acerca de como atingi-la nos diversos setores do serviçopúblico, sempre atentando para o respeito à legalidade, conforme a lição dofestejado Bandeira de Mello.

Assim também entende Emerson Gabardo, em monografia sobre otema:

O princípio constitucional da eficiência administrativo,expressado na Constituição Federal de 1988 pela EmendaConstitucional nº 19/98, já era implícito à estrutura doregime republicano. Sua natureza jurídica é, portanto,inconteste, haja vista não só a sua formalização constitucional,mas, principalmente, a sua característica de princípioconstitucional, cuja ontologia é inafastavelmente normativa.Assim sendo, o princípio não deve ser considerado uma meratransposição de um parâmetro da administração privada,nem implica uma derrogação de qualquer outro princípioconstitucional, notadamente o da legalidade7.

Discorrendo sobre a eficiência, Odete Medauar leciona que[...] é princípio que norteia toda a atuação da AdministraçãoPública. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para produzirresultado de modo rápido e preciso. Associado àAdministração Pública, o princípio da eficiência determinaque a Administração Pública, deve agir, de modo rápido epreciso, para produzir resultados que satisfaçam asnecessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão,a descaso, a negligência, a omissão – característica habituaisda Administração Pública brasileira, com raras exceções8.

Já para Maria Sílvia Zanella Di Pietro,O princípio da eficiência apresenta, na realidade, doisaspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuaçãodo agente público, do qual se espera o melhor desempenhopossível de suas atribuições, para lograr os melhoresresultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar,disciplinar a Administração Pública, também com o mesmoobjetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do

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serviço público9. (grifos no original)

Hely Lopes Meirelles, por seu turno, percebia a importância do princípio:Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público derealizar suas atribuições com presteza, perfeição erendimento funcional. É o mais moderno princípio da funçãoadministrativa, que já não se contenta em ser desempenhadaapenas com legalidade, exigindo resultados positivos para oserviço público e satisfatório atendimento das necessidadesda comunidade e de seus membros [...] A eficiência funcionalé, pois, considerada em sentido amplo, abrangendo não só aprodutividade do exercente do cargo ou da função como aperfeição do trabalho e sua adequação técnica aos fins visadospela Administração , para o quê se avaliam os resultados,confrontam-se os desempenhos e se aperfeiçoa o pessoal atravésde seleção e treinamento. Assim, a verificação da eficiênciaatinge os aspectos quantitativo e qualitativo do serviço, paraaquilatar do seu rendimento efetivo, do seu custo operacionale da sua real utilidade para os administrados e para aAdministração. Tal controle desenvolve-se, portanto, natríplice linha administrativa, econômica e técnica10.

Referindo-se à economicidade e sua conexão com o princípio da eficiência,Juarez Freitas afirma:

É que nosso País insiste em praticar, em todas as searas,desperdícios ignominiosos de recursos escassos. Não raro,prioridades não são cumpridas. Outras tantas vezes, pontesrestam inconclusas, enquanto se principiam outrasquestionáveis. Traçados de estradas são feitos e desacordocom técnicas básicas de engenharia. Mais adiante, escolassão abandonadas e, ao lado, inauguram-se novas. Hospitaissão sucateados, mas se iniciam outros, que acabam por nãoserem concluídos. Materiais são desperdiçados acintosamente.Obras apresentam projetos básicos que discrepamcompletamente dos custos finais, em face de erros elementares.Por tudo isso, torna-se conveniente frisar que tal princípioconstitucional está a vetar, expressamente, todo e qualquerdesperdício dos recursos públicos ou escolhas que não possamser catalogadas como verdadeiramente comprometidas com a

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busca da otimização ou do melhor para o interesse público11.

Assim compreendidas as linhas gerais do que vem a ser a eficiência comoprincípio jurídico, verifiquemos qual a sua influência específica sobre certas praxesdo Poder Judiciário.

4. APLICABILIDADE AO PODER JUDICIÁRIO

É conhecida a insuficiência do critério orgânico para distinguir uma funçãodo Estado. Vale dizer, não se pode tachar determinada atividade de legislativa,por exemplo, somente porque é praticada pelo Poder Legislativo.

O que efetivamente distingue uma função pública é a sua natureza. Istoporque cada um dos três Poderes possui uma função-fim, principal ouprimordial, que convive com outras funções, típicas de outro Poder, mas que seconstituem em funções-meio para a consecução da função-fim.

Tal raciocínio só não me parece válido quando se trata da jurisdição. Defato, a função executiva ou administrativa por excelência é afeta ao Poder Executivo.Mas tal não significa que o Legislativo e o Judiciário não a exerçam, emboravoltada para as funções primeiras daqueles dois Poderes, quais sejam, legislar econtrolar no que toca ao primeiro, e jurisdizer, quanto ao segundo. Executivo eJudiciário, por sua vez, praticam atividades normativas, que seriam próprias doParlamento, verbi gratia, medidas provisórias e regimentos internos de tribunais,respectivamente. Estes atos, embora não sejam leis formais, o são em sentidomaterial, dadas as suas características de generalidade, impessoalidade a abstração.

A par das discussões a respeito das decisões dos tribunais de contas ejulgamentos administrativos e disciplinares pela Administração Pública,entendemos que estas atividades não são jurisdição simplesmente por lhesfaltar a marca da definitividade, somente alcançada pela coisa julgada, por sua vezsomente atribuída aos julgamentos do Poder Judiciário em nosso país.

Daí o caráter relevante e singular da jurisdição. E é para prestar estaimportante função estatal que o Poder a ela afeto se auto-administra, sendo queeste aspecto — o autogoverno do Judiciário — constitui uma garantiaconstitucional consistente numa série de normas que objetivam reforçar aindependência, a exemplo dos arts. 96 e 99 da Constituição Federal.

Desenvolve o Judiciário uma série de atividades administrativas desuporte à jurisdição, em grande parte semelhantes às atividades administrativasdos outros poderes, a exemplo de elaboração de orçamentos, empenhos, folhasde pagamento, licitações, edificações etc.

Contudo, uma destas atividades administrativas chama a atenção pelasingularidade que assume no Judiciário: a gestão processual.

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Não se vai discorrer aqui, por óbvio, acerca de direito processual. Mas écerto que a decantada e perseguida celeridade processual jurisdicional em muitodepende de como se administra o fluxo de processos nos cartórios, secretarias egabinetes do Judiciário.

Em se tratando de atividade de caráter muito mais administrativo quejurisdicional, é certo que deve receber o comando da eficiência, razão pela qualentendemos que também aí se aplica a norma do art. 37 da Constituição Federal.

Avulta sobremaneira a preocupação com uma jurisdição eficiente diantedos números apresentados por Maria Tereza Sadek, em pesquisa patrocinadapela Fundação Konrad-Adenauer:

Durante a década em exame houve, em média, um processopara cada 31 habitantes. Esse índice sofreu grandesvariações no período, indo de um processo entrado para cada40 habitantes, em 1990, até um processo entrado para cada22 habitantes em 1998 – o valor mais baixo nessa série dedados. Embora esses números refiram-se a uma média e,como tal, escondam diversidades, eles revelam um ânguloprecioso neste ensaio fotográfico sobre a justiça brasileira:trata-se de um serviço público com uma extraordináriademanda e, ao que tudo indica, com uma procura crescente.O aumento no número de processos entrados no Judiciário émuito maior do que faria supor o crescimento da população.Enquanto a população no período cresceu 11,33%, a procurapela Justiça de 1º Grau aumentou 106,44%.Trocando-se o ângulo, e observando-se os processos julgados,nota-se que, grosso modo, sua evolução acompanha ocrescimento no número de processo entrado, apresentandouma média anual de 3.549.262. Entre 1990 e 1998houve um aumento de 104,74% nos processos julgados – umpercentual bastante próximo ao crescimento verificado nosprocessos entrados. Isto nos permite constatar que acapacidade de julgamento do Poder Judiciário tem se associadoàs variações da demanda.Focalizando-se, contudo, o desempenho do Judiciário ano aano, verifica-se que a defasagem entre o número de processosentrados e julgados é relativamente constante e sempresignificativa: em média são julgados 71% dos processosentrados [...] aumento nos níveis de escolaridade, de renda ena longevidade contribuem para o crescimento na demandapor serviços judiciais [...] é acentuadamente maior a

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utilização do Judiciário nas regiões que apresentam índicemais altos de desenvolvimento humano12.

O parecer da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a respeitoda Proposta de Emenda Constitucional nº 29 de 2000, referente à Reforma doPoder Judiciário, que já teve como relator o Senador Bernardo Cabral, apontanúmeros impressionantes:

No Brasil, a relação atual é de um juiz para cada 30.000habitantes. Como comparação, na Alemanha, essa relaçãoestá em um juiz para cada 3.863 habitantes. A proporçãoideal, na visão da doutrina brasileira, não deveria ser maiordo que um juiz para cada 10.000 habitantes [...] Essesnúmeros, projetados para todo o Judiciário, ganham dimensõescríticas: 4 milhões de processos por ano; no Supremo TribunalFederal, 40.000 processos em 1997, quase 60.000 em1999, e algo próximo de 70.000 em 2001; no SuperiorTribunal de Justiça, 100.000 processos em 1997, 128.000em 1999, e algo em torno de 200.000 em 2001!13

Todos estes fatores contribuem para a reconhecida morosidadejurisdicional, fenômeno que não é exclusivo do Brasil, como se extrai da clássicaobra de Mauro Capelletti e Bryant Garth, Acesso à Justiça:

Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicialprecisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisãoexeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente seconsiderados os índices de inflação, podem ser devastadores.Ela aumenta os custos para as partes e pressiona oseconomicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitaracordos por valores muito inferiores àqueles a que teriamdireito14.

5. POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO

Segundo Emerson Gabardo “verifica-se completamente plausível aexistência de várias formas de aplicação tópica do princípio da eficiênciaadministrativa, tanto como parâmetro de interpretação, quanto diretriz deorganização e atividade administrativas”15.

Quanto à administração do Judiciário, especificamente no que concerne àgestão processual, podemos elencar várias idéias e procedimentos de rotina,com vistas a torná-la mais eficiente. Certamente, não é pretensão deste trabalho

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esgotar as possibilidades de melhoria da eficiência judiciária — até porque istodeve ser uma meta permanente — mas tão somente exemplificar e quiçá contribuirpara tanto.

Discorrendo sobre o assunto, Sidnei Agostinho Beneti concluiu que a“busca da melhoria judiciária se coloca em algumas frentes, que urge sintetizar,para o adequado enfoque: a) a formação do juiz; b) a organização judiciária; c) asimplificação do processo; d) efetividade das medidas de coerção; e) amodernização dos suportes materiais do Judiciário”16.

5.1. Formação do juiz: a necessidade de permanente capacitação

Qualquer proposta de melhoria da eficiência judiciária não pode prescindirdo exame sobre a figura central do juiz. Certamente que não se pode medir comdosimetria matemática a sua atividade, de cunho eminentemente intelectual ecriativo. Entretanto, algumas posturas podem e devem ser observadas resultandoexpressiva melhora na qualidade e rapidez da prestação jurisdicional.

Uma delas é a atenção que deve ser dada ao contínuo aperfeiçoamento domagistrado. Esta é a vontade constitucional emergente inclusive da mençãoexpressa à segurança no ofício e estudo contínuo, como critérios para a promoçãopor merecimento, ex vi do art. 93, II, c), da Constituição Federal.

A questão se avoluma em importância na medida em que se constatamos fenômenos de juvenilização da Magistratura e complexidade do Direito.

De efeito, os concursos para a Magistratura cada vez mais aprovam pessoasna casa dos vinte e poucos anos de idade. Atualmente, o horizonte de trabalhodestes juízes beira os quarenta anos de serviço na Magistratura, consideradas asatuais regras para aposentadoria. Além da natural falta de experiência prática,dado o pouco ou mesmo nenhum tempo de contato com a praxe judiciária ecomunidades jurisdicionadas, sobretudo as carentes, estes magistrados terão deenfrentar a crescente complexidade legislativa e sociológica, em velocidade nuncadantes vista na história do homem.

Já se vêm advertências inclusive quanto à atual sistemática de recrutamentode juízes no Brasil

Para o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, diretor daEscola Nacional da Magistratura, os concursos públicosprestaram serviços inestimáveis na formação dosmagistrados. Escreve, entretanto, o ministro na Revista doCentro de Estudos Judiciários (1998, pág. 15): “Mas é omomento de se substituir sua metodologia para a inserção decritérios mais consistentes de seleção, priorizando-se osaspectos éticos e vocacionais, até mesmo em detrimento do

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apuro técnico, sabido que uma pessoa destinada a julgar seusemelhante se automotivará ao estudo permanente, enquantoo intelectual aético nunca será um verdadeiro juiz”17.

Logo se percebe o estrago que a acomodação intelectual do juiz podegerar para a comunidade. Caso se deixe levar pela confiança exclusiva em seuparticular bom-senso, o juiz pode, pouco a pouco e sem perceber, mergulharem desconhecimento técnico incompatível com a expectativa da sociedade queele julga.

Por outro canto, o rotineiro despachar de autos, sem maiorespreocupações teóricas e humanistas, ao longo dos anos pode se transformar emato mecânico, desprovido de cuidado e qualidade, ensejando erro judiciário.

Note-se também que não é desejável o hermetismo técnico-burocrático,tão comum a quem não reflete sobre o direito posto em contraste com as exigênciassociais, aceitando acriticamente as posturas do legislador infraconstitucional, comoo paradoxal juiz-escravo-da-lei propagado por Montesquieu.

Conseguir um permanente interesse pelo aperfeiçoamento intelectual étarefa sobretudo das escolas de Magistratura, órgãos com força institucionalsuficiente para promover as críticas necessárias frente à própria estrutura doPoder, já que

Parte da formação da Magistratura para os tempos do futuroestará no trabalho permanente de criação, como se faz nosDepartamentos de Modernização ou de Criação dasempresas, com pessoal incumbido de inventar, testar edesenvolver coisas novas, mantendo a iniciativa do novo, paraque não venham as criações de fora, muitas vezes comdesconhecimento da realidade, mais a turvar do que a seremfator de melhoria18.

Um dos principais óbices a este contínuo aperfeiçoamento residejustamente no grande volume de processos e na excessiva preocupação, seja dosjuízes, seja dos órgãos correicionais, com as estatísticas, como se a produçãointelectual de qualidade pudesse se pautar primordialmente por “metas deprodução”.

Forma-se o círculo vicioso: muitos processos ensejam menos tempopara reflexão, mas menos reflexão faz cair não só a qualidade como, a médioprazo, a velocidade do julgamento, aumentando o resíduo processual.

A mesma advertência parte, de outro ângulo, do Dr. Dalmo de AbreuDallari, citando Zaffaroni:

O primeiro aspecto a ser resultado nessa discussão é o

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reconhecimento de que, na realidade, a formação de juízestem sido negligenciada através do tempo, por vários fatores.Antes de tudo, o próprio Poder Judiciário tem sido quaseomitido nas propostas e discussões teóricas dos juristas. Issofoi bem observado por Raúl Zaffaroni, eminente professorda Universidade de Buenos Aires e estudioso das questõesrelacionadas com a magistratura, que assim se refere a essaquestão no já mencionado artigo intitulado “Dimensión políticade um Poder Judicial democrático”.: “O tremendo descuidoda teoria política e constitucional do Poder Judiciário conduza um cruel paradoxo: a ciência jurídica latino-americanaaprofundada temas de direito básico e processual a níveiselevados, mas se omitem, de modo quase absoluto, quanto àestrutura institucional do poder que tem por função,precisamente, a aplicação desses conhecimentos”19.

De igual forma, José Rogério Cruz e Tucci, em obra destinada a estudara relação entre o tempo e o processo:

Acrescente-se que, além dessa circunstância, com a pletorado serviço judicial – muitas vezes, aliás, desumano – osjuízes não encontram tempo para o necessário aperfeiçoamentocultural. Verifique-se, apenas, a pluralidade deinterpretações equivocadas atinentes aos novos institutos daantecipação da eficácia da sentença e do procedimentomonitório, para concluir-se que realmente algo não vai bem20.

Reconhecida assim a necessidade de contínuo aperfeiçoamento eexiguidade de tempo em função do volume de serviço, não resta outra saídasenão a de se compatibilizar ambas as atividades, estudo (que é também trabalho)e o trabalho propriamente dito, no cotidiano do juiz. Nos parece que a únicasolução é assumir que realmente o estudo faz parte da missão confiada pelasociedade ao juiz tanto quanto o despachar e julgar. Destarte, deve o juiz encontrar,dentro da quantidade de tempo reservado às suas atividades laborativas,respeitados sempre os limites para higidez física e mental, o lapso necessáriopara empreender o seu contínuo aperfeiçoamento técnico e intelectual, sendosalutar, senão imperioso, que a administração superior das entidades judiciáriascompreenda e estimule estas atividades. Tudo sem descurar que o juiz é um serhumano como qualquer outro, com necessidades físicas, psíquicas e sociais, areclamarem tempo e dedicação, e que o seu trabalho, por ser eminentementeintelectual, tem natureza criativa, não podendo se prender a esquemas formais

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de administração burocrática, rígidos em demasia, a ponto de comprometer asua necessária qualidade.

Sobre este aspecto, convém explicitar a lição do sociólogo italianoDomenico de Masi, que pode até chocar os espíritos mais burocráticos numprimeiro momento, mas provavelmente vai assumir gradualmente foros deverdade inteira com o avançar do pensamento social:

Uma vez delegadas às máquinas as tarefas executivas, paraa maioria das pessoas sobra só o desempenho de atividadesde tipo intelectual, flexível, criativo, empreendedor: atividadesque, pela sua própria natureza, desembocam no estudo e nojogo. O publicitário que deve criar um slogan, o jornalistaem busca de uma “dica” para um artigo, o juiz às voltas coma pista de um crime têm todos maior chance de encontrar asolução justa, passeando ou nadando, ou indo ao cinema, doque se ficarem trancafiados dentro das corriqueiras, tediosase cinzentas paredes dos seus respectivos escritórios.Em outras palavras, nos anos passados foi o trabalho quecolonizou o tempo livre. Nos anos futuros será o tempo livrea colonizar o trabalho21.

Justamente em função da falta de criatividade ou acomodação psicológica,quer por questões pessoais, quer em função da esmagadora carga de trabalho,juízes por vezes não se dão conta de que podem, com base nos princípios dedireito processual, sobremodo a instrumentalidade do processo, contornarbarreiras procedimentais, atuando de forma incisiva e dinâmica na condução doprocesso.

Como bem observado por Sidnei Agostinho Beneti,O modo mais seguro de manter jurisdição dinâmica, em queos processos realmente andem depressa, estará na não-fragmentação do procedimento. Cada ato processual deveentrosar-se com o anterior e o posterior. Cada despacho deveestabelecer o protocolo desse encadeamento, prevendo o atoseguinte. E todo despacho deve ser tônico, deve apertar aspartes, advogados, funcionários e até o próprio juiz, no sentidoda providência processual útil ao seguimento no caminho dofim do processo, que não deve jamais ser colocado em pontomorto [...] Deve-se fazer o processo andar automaticamente,até porque enquanto ele anda o juiz não o tem de carregar22.

5.2. Organização judiciária: dois pesos e duas medidas

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Não raro é observar um excessivo volume em uma comarca ou vara aopasso em que outra unidade, muitas vezes até vizinha daquela primeira, seencontra com movimento processual aquém da sua capacidade.

As cúpulas do Judiciário mantêm análise constante sobre as estatísticaspara maior agilidade em redimensionar territórios de comarcas ou competênciasde varas. Mas, é certo que o redimensionamento às vezes esbarra em dificuldadesorçamentárias e até mesmo políticas já que, em que pese a iniciativa privativa dosprojetos de lei necessários (CF, 96, II, d), o Legislativo dá a última palavra, semfalar na obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Todavia, em vários casos é possível adotar as medidas cabíveis sem alocarmais recursos ou criar cargos. Basta a redistribuição do serviço, como vimos,através da alteração de limites territoriais de comarcas ou modificação dacompetência de varas e juizados.

5.3. Simplificação do processo e estímulo aos mecanismosalternativos de composição da lide: a ineficiência por omissão

Embora a União detenha a competência privativa para legislar sobredireito processual (CF, 22, I), há competência concorrente dos Estados paralegislar sobre procedimentos em matéria processual (CF, 24, XI).

É clássica, embora sutil, a diferença entre processo e procedimento.Após longas discussões, a doutrina chegou ao consenso a respeito da

natureza jurídica do processo. Este método de trabalho de que se vale o Estadono exercício da jurisdição constitui-se em uma relação jurídica trilateral, da qualsão sujeitos principais as partes e o órgão julgador. O processo é, pois, umaabstração.

Esta abstração se revela, todavia, através do procedimento, conceituadoeste como sendo o conjunto de atos processuais ordenadamente encadeados,com vistas a alcançar a finalidade do processo, ou seja, a composição da lide pormeio da jurisdição.

Destarte, é o procedimento o aspecto visível, concreto, exterior doprocesso.

O processo é continente e o procedimento, o conteúdo. Vale dizer, oprocesso, “visto por dentro”, examinado em suas entranhas, é uma relaçãojurídica, enquanto se “visto por fora”, apreciado no que tem de visível, é umasérie de atos coordenados, o procedimento.

Extremamente didática é a lição de Carreira Alvim: “o processo é a pessoa,enquanto a indumentária é o procedimento” 23. Ninguém deve ir a um piqueniqueem traje de gala, ou a um baile fino trajando bermuda. Não serão atitudes

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adequadas. Assim também ocorre com o processo, que se desenvolverá de acordocom um determinado procedimento, a depender do litígio que se pretenderesolver. Por exemplo, se há um delito a ser apurado, haverá um processo penalde conhecimento, que se desenvolverá pelo rito dos crimes afetos ao tribunal dojúri, se se tratar de crime doloso contra a vida, ou, ao revés, observará oprocedimento sumaríssimo do juizado especial, caso se trate de delito de menorpotencial ofensivo (vide art. 98, I, da Constituição Federal, e art. 61 da Lei 9.099,de 26.09.1995).

Logo se nota que a adequação do procedimento aos fins específicos doprocesso deve ser uma preocupação do sistema, ou, como quer Dinamarco, “aefetividade do processo é dependente, segundo os desígnios legislador, daaderência do procedimento à causa” 24.

Destarte, conclui-se que o legislador deverá adequar os procedimentosde maneira a possibilitar a solução adequada dos conflitos submetidos à jurisdição,preservando todas aquelas finalidades do processo, enquanto instrumento estatalpara a consecução de legítimos objetivos sociais, políticos e jurídicos, pretendidospela nação por intermédio do Constituinte. Vale dizer, deverá estabelecer oprocedimento adequado, como garantia do processo justo, tanto quanto o juiz,como aplicador do procedimento, não poderá perder de vista o processo dito“de resultado”, o processo justo.

O que se nota, porém, é a queixa permanente, por parte do Judiciáriodos Estados, no tocante aos formalismos embutidos na legislação federal, semque este mesmo Judiciário se mova com a vontade desejada junto às AssembléiasLegislativas, no sentido de promover a criação de procedimentos processuaisadequados às respectivas realidades sociais, políticas e econômicas, aproveitandoou não as bases procedimentais idealizadas pela União.

Com efeito, a competência legislativa dos Estados em matéria deprocedimentos parece letra morta. Assim, muito embora se trate de questãolegislativa, percebe-se uma ineficiência do Judiciário dos Estados quando parecese omitir em não promover a adequação procedimental necessária.

Menos tímida é a atuação dos entes federados em incrementar oschamados meios alternativos de composição de litígios, sem, entretanto, alcançarainda o grau desejado.

Muitas idéias existem a respeito, sendo a arbitragem uma das mais antigase uma das que menos estímulo encontra no Brasil, até mesmo por falta de umaconsciência ou confiabilidade do jurisdicionado.

A conciliação certamente é o meio dito “alternativo” mais popular entrenós. Legislativo e Judiciário vêm estimulando-a muito nos últimos anos.

A criação de juizados especiais, previstos no art. 98, I, da CF, com ênfaseno modelo consensual de justiça, inclusive na área penal, parece ser a mais feliz

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das novidades. Na área criminal, conseguiu-se efetivamente apreciar as questõespequenas mas que constituem fator criminogênico não desprezível. Já na áreacível, mormente em face da possibilidade de ingressar em juízo sem advogadoem causas dentro de certo patamar de valor25, houve um efetivo incremento noacesso ao Judiciário, resultante da admissão de uma demanda que se encontravareprimida. Tanto que, para exame local, em Sergipe, basta a análise das estatísticasde movimentação forense26 para concluir que o número de feitos nas varas cíveiscomuns não diminuiu, apesar da explosão de demandas ajuizadas nos juizadosespeciais cíveis, ao passo que houve, em regra e inicialmente, uma diminuição novolume das varas criminais com a implantação dos juizados especiais criminais.

A Justiça de Paz, outro instrumento que muito contribuiria paradesafogar a Justiça comum, se bem administrada, apesar de prevista no art. 98,II, da Constituição Federal, não se encontra regulamentada, tanto que já hámandado de injunção impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal,objetivando apontar e remover a omissão27.

Uma outra possibilidade negligenciada é a instituição de juízes leigos,com atuação perante os juizados especiais (CF, 98, I, e Lei 9.099/95, 7o).

Não se pode deixar de mencionar a conclusão de Capelletti e Garth:Se os juízes devem desempenhar sua função tradicional,aplicando, moldando e adequando leis complicadas a situaçõesdiversas, com resultados justos, parece que advogadosaltamente habilitados e procedimentos altamente estruturadoscontinuarão a ser essenciais. Por outro lado, torna-senecessário um sistema de solução de litígios mais ou menosparalelo, como complemento, se devemos atacar,especialmente ao nível individual, barreiras tais como custas,capacidade das partes e pequenas causas28.

5.4. Ineficiência por falta de efetividade das decisões de 1o grau: ajustiça “inferior” como mero rito de passagem

A amplitude dada ao duplo grau de jurisdição, a desconfiança do juiz de1o grau, manifestada por institutos como o reexame necessário, a porta larga emdemasia para os recursos aos tribunais superiores, constituem mazelas irracionaisde nosso sistema judiciário.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Des. CláudioBaldino Maciel, com precisão afirmou:

O déficit, portanto, não é de estrutura, mas de funcionalidade.A mais onerosa estrutura judiciária está nas comarcas, nasvaras, na primeira instância, ali onde os juízes atuam maisrentes à sociedade, mais próximos das partes, dos advogados,

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das circunstâncias todas dos litígios judiciais. É ali que estáo maior número de servidores da Justiça, de juízes, deprédios, de computadores, enfim, de estrutura e gasto estatalpara a realização da justiça nos casos concretos. Por paradoxalque seja, tal estrutura imensa é hoje absolutamentedesprestigiada, porque de tudo permite-se o recurso judicialaos tribunais de segundo grau e, ainda, destes aos tribunaissuperiores29.

José Rogério Cruz e Tucci, na obra já citada, descreve o paradoxo técnicoque se observa no Código de Processo Civil, entre o procedimento oral e aamplitude recursal:

Com efeito, apesar da regra da oralidade ter sido acolhida,com veemente rigor, pelo Código de Processo Civil, é certoque a sentença proferida pelo juiz de primeiro grau, salvonas excepcionalíssimas hipóteses em que pode ser executada,na prática, não ostenta valor algum.Esse paradoxo decorre da ampla recorribilidade das decisões,mesmo em questões exclusivamente de fato, que põe a perder,à evidência, a utilidade inquestionável da imediatidade, daidentidade física do juiz e da concentração.Urge, portanto, que se prestigie a sentença do juízomonocrático, admitindo-se, como regra, a exeqüibilidadeprovisória daquela14.

5.5. Escassez de recursos (materiais e humanos): ineficiência porfalta de racionalização

A crise do Judiciário é parte da crise do Estado. O Brasil aspira o modelode Estado social europeu, mas persegue incessantemente superávit primáriopara pagar juros aos credores internacionais pelo dinheiro dos investimentos deque precisa.

Isto gera a crescente desproporção entre os recursos necessários para amanutenção da máquina estatal e a demanda da população por serviços públicos,donde se conclui que a racionalização dos recursos existentes é dever de eficiênciado Administrador, que se insere com relevância na pauta de prioridades.

Contudo, se nota em muitos setores do Judiciário uma brutal ausênciade racionalidade de procedimentos. Muitas rotinas de trabalho são inúteis oupouco eficazes. Tarefas de menor peso e complexidade são desempenhadas porjuízes, tomando-lhes o precioso tempo de trabalho e estudo.

José Rodrigues Pinheiro, em interessante e pragmático trabalho intitulado

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A Qualidade Total no Poder Judiciário, gizou esta obviedade, afirmando que“Contribui também para a dificuldade na tramitação [...] realizar o juiz tarefasinúteis e que não lhe cabem”30. E prossegue o autor:

Essas causas são concernentes ao trabalho dos juízes, quesão os responsáveis pela tramitação do feito, mas temosmuitas outras, muito mais importantes, decorrentes da máatuação dos ofícios judiciais, como o descumprimento dosdespachos ou o seu cumprimento da forma não determinada;a insuficiência dos mandados e seu errôneo cumprimento: oestabelecimento de rotinas de trabalho que dificultam odesenrolar dos serviços judiciários, fazem acumular papéissem importância, impõem a prática de atos plenamentedesnecessários e o fato de buscar sempre a maneira maisdifícil, complicada e onerosa de realizar os serviços em geral31.

Realmente, aos juízes têm sido confiadas tarefas que perfeitamentepoderiam ser desempenhadas por funcionários de menor qualificação, poupandoa exclusividade judicial para as questões que somente os magistrados estãoaptos e legitimados a resolver.

A própria conciliação, tão acaloradamente estimulada, em verdade deveriaser conduzida não necessariamente pelo juiz, em que pese os altos índices deacordo obtidos por alguns magistrados.

Capelletti e Garth, já haviam identificado o problema:Embora pesquisa empírica detalhada seja necessária paradefinir esse ponto, parece que o melhor método é o adotadopelo sistema muito eficiente que opera em Nova Iorque, ondeo juiz que julga o caso não é o mesmo que tentou conciliá-lo.Isso evita que se obtenha a aquiescência das partes apenasporque elas acreditam que o resultado será o mesmo depoisdo julgamento, ou ainda porque elas temem incorrer noressentimento do juiz32.

Alguns Estados já contam com conciliadores profissionais em suaestrutura de juizados especiais, alcançando às vezes mais de 90% de índice deconciliação, a exemplo de Sergipe33. E há abertura legislativa para ampliar a atuaçãodestes funcionários, cabendo a implementação apenas aos Judiciários estaduais,que em geral não tomam a iniciativa de lei deles privativa.

A propósito, veja-se o que dispõem o art. 58 da Lei 9.099/95 e o art. 277,§ 1o, do Código de Processo Civil34.

Moniz de Aragão também identificou esta irracionalidade na utilizaçãoda mão-de-obra dos juízes:

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Também a análise dos atos incumbidos aos juízes mostraráque muitos podem caber a serventuário, no foro judicial e noextra-judicial, máxime os escrivães e notários (em geral –desde que a escolha de tais servidores recaia em pessoascomprovadamente idôneas e capacitadas. O Código e leisesparsas abrigam medidas atribuíveis a serventuários, comosucede em outros países, por exemplo, com o inventário,notificações ou comunicações em geral, que podem ser feitaspor oficiais de registro de títulos e documentos, não precisamtranscorrer em juízo. O processo de execução na Europadesenvolve-se em boa parte não diante do juiz e sim peranteoutros servidores ou o escrivão.Atividades administrativas incumbidas a magistradostambém podem ser por outrem desempenhadas, para o juizdedicar-se apenas à função precípua, sem dúvida a de julgar.Pense-se na “direção do fórum” a transformar o magistradoem um misto de ecônomo e dona de casa, fiscal de goteiras,lâmpadas queimadas e quejandos35.

Neste passo, digno de nota é o advento do automatismo de atosprocessuais, introduzido no art. 162, § 4o, do Código de Processo Civil, comredação pela Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, perfeitamente aplicável aoprocesso criminal por força do art. 3o do Código de Processo Penal.

Vê-se que o auxílio de um staff preparado, bem remunerado, motivadoe comprometido com os anseios de justiça da população é cada vez maisnecessário à atividade do magistrado.

Nos Estados Unidos, segundo Daniel Jonh Meador, professor daUniversidade de Virginia, “auxiliares judiciais de todo o tipo tornaram-se maise mais importantes à medida que o volume dos ajuizamentos continuou acrescer e o número de juízes não acompanhou o aumento da carga de trabalho”36.

Uma questão que também ainda não foi colocada em pauta com omerecido destaque é a permanente análise da estrutura e procedimentos degestão processual, dentro do Judiciário. Segundo, Moniz de Aragão,

As autoridades em geral, as judiciárias em particular, todosos envolvidos na atividade processual vêm agindoamadoristicamente: elaboram leis e as remendam sem jamaister radiografado o paciente a cuja enfermidade tais leis eremendos são oferecidos como medicação. Tampouco sesocorrem de profissionais de administração, o que poderiagerar a “administração judicial” e com certeza trazer

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proveitos [...] Lucraria a distribuição de justiça se osresponsáveis por ela adotassem técnicas modernas deadministração de pessoal, com metas a serem cumpridas.[...] Assim como há comissões permanentes de combate àinfecção hospitalar, ou de prevenção de acidentes do trabalho,é conveniente criá-las também nos serviços judiciários, quiçána jurisprudência dos tribunais, a fim de simplificá-los,desburocratizá-los, adequá-los às exigências do momento edo futuro37.

Outro aspecto de extrema relevância é a informatização. Embora louvávelo esforço dos órgãos judiciários em geral neste ponto, ainda há muito o quefazer.

Por vezes computadores são instalados e sistemas implantados sem odevido treinamento do pessoal que irá operá-los. Por outro canto, a informática,em muitos locais, tem servido apenas para gerir a movimentação processual esubstituir as antigas máquinas de datilografia, o que, se por um lado é considerávelavanço, por outro consiste em subestimar as possibilidades abertas pela tecnologia.

Com efeito, em algumas áreas do Direito é possível o manejo de sistemasde inteligência artificial para construção de sentenças pré-fabricadas, limitando-seo magistrado a avaliar a prova e preencher quesitos elaborados com base nalegislação.

Identificação de autos por códigos de barras e leitoras óticas, filmagem egravação de audiências e sessões em meios magnéticos, uso de correio eletrônicopara comunicação entre juízos e tribunais (inclusive precatórias e cartas de ordemou requisição de informações) e também para envio e recepção de petições erealização de intimações, popularização do acesso informatizado às informaçõesprocessuais, interrogatórios e demais oitivas via teleconferência,desburocratizando as cartas precatórias e eliminando requisições de presos, cargae descarga eletrônica de processos, enfim, um enorme campo de atuação sedescortina com um simples meditar acerca das infinitas possibilidades datecnologia disponível.

Convém também destacar a descentralização de certos serviços judiciários,como forma de aumentar a sua eficiência pela proximidade com a populaçãoatendida, tais como juizados especiais, varas privativas de assistência judiciária,sem falar nas unidades móveis, as chamadas “justiça itinerante” e “justiçavolante”, esta destinada ao atendimento in locu a envolvidos em acidentes detrânsito.

Não se deve descurar o juiz do bom administrar da pauta de audiências.O adiamento de uma audiência é talvez o prejuízo que mais irrita a parte e que

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mais consome o tempo da unidade judiciária envolvida. Marcar próximas asaudiências do mesmo tipo e até mesmo com as mesmas partes e/ou advogadosé solução simples com resultados positivos de grande valia. A reserva de espaçona pauta para processos criminais com réus presos é medida que se impõe paraeliminar o tremendo mal da prisão provisória excessivamente prolongada notempo.

Tudo isto com vistas a aumentar a celeridade, o que consiste em obediênciaao princípio da eficiência pelo Judiciário, desde que mantida a qualidade daprestação jurisdicional, pois, como adverte José Carlos Barbosa Moreira, umdos mitos presentes no debate sobre este Poder:

Consiste em hiperdimensionar a malignidade da lentidão esobrepô-la, sem ressalvas nem matizes, a todos os demaisproblemas da Justiça. Para muita gente, na matéria, arapidez constitui o valor por excelência, quiçá o único. Seriafácil invocar aqui um rol de citações de autores famosos,apostados em estigmatizar a morosidade processual. Nãodeixam de ter razão, sem que isso implique – nem mesmo,quero crer, no pensamento desses próprios autores –hierarquização rígida que não reconheça como imprescindível,aqui e ali, ceder o passo a outros valores. Se uma Justiçalenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue queuma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiçaboa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicionalvenha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor épreciso acelerá-la, muito bem. Mas não a qualquer preço38.

6. CONCLUSÕES

Em face das considerações desenvolvidas, é possível concluir que:1. Os princípios assumem o centro do debate jurídico atual.2. A eficiência é princípio da Administração Pública e, como tal, aplicávelà administração do Poder Judiciário.3. O procedimento racional de tomada de decisão assume dignidadecomo fator de legitimação, mas não se pode descuidar da humanizaçãodos operadores do Direito, entendida como aprimoramento técnicopermanente e adequado, aliado à inserção cultural.4. A cultura positivista, a sobrecarga de processos, a demanda social porceleridade judicial e os excessos legiferantes contribuem, no Brasil, para aposição acrítica do sistema judicial diante de casos concretos,representando fatores de deslegitimação democrática do Judiciário.

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5. Responsabilidade legislativa, atribuição de atuais funções judiciaismecanicistas, meramente ordenadoras e administrativas, para staffauxiliar, formado por técnicos judiciários, maior e permanenteinvestimento no aprimoramento dos juízes, inclusive estimulando oprocesso decisional criativo, são passos que podem trazer melhor qualidadee maior agilidade ao sistema, a curto prazo.

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semestre/1999, p. 65.18 BENETI, Sidnei Agostinho. Da Conduta do Juiz. São Paulo: Saraiva, 1997, p.243.19 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p.27.20 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo: uma análise empírica dasrepercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo:RT, 1997, p. 103.21 MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. Entrevista a Maria Serena Palieri. Traduçãode Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 298.22 BENETI, Sidnei Agostinho. Da Conduta do Juiz. São Paulo: Saraiva, 1997, p.16 e 17.23 ALVIM, J. E. Carreira. Elementos de Teoria Geral do Processo. 7 ed. Rio de Janeiro:Forense, 2000, p. 145.24 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 4 ed. SãoPaulo: Malheiros, 1994, p. 291.25 Ver art. 9o da Lei 9.099/95.26 Disponíveis em <www.tj.se.gov.br>.27 Notícia veiculada no site oficial <www.stf.gov.br>. Acesso em 2 de fevereirode 2003.28 CAPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de EllenGracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998, reimpresso em 2002, p. 81.29 MACIEL, Cláudio Baldino. A Cultura do Ritualismo no Judiciário. ValorEconômico, 31.10.2002, p. E-1, Editoria: Legislação e Tributos.14 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo: uma análise empírica dasrepercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo:RT, 1997, p. 102.30 PINHEIRO, José Rodrigues. A Qualidade Total no Poder Judiciário. Porto Alegre:Sagra Luzzatto, 1997, p. 79.31 PINHEIRO, José Rodrigues. A Qualidade Total no Poder Judiciário. Porto Alegre:Sagra Luzzatto, 1997, p. 82.32 CAPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de EllenGracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998, reimpresso em 2002, p. 86.33 Dados disponíveis em <www.tj.se.gov.br>.34 Em Sergipe, por exemplo, somente os juizados especiais, tanto na capitalcomo no interior, contam com conciliadores. Entretanto, todas as comarcas,mesmo aquelas que não dispõem de juizado especial, aplicam a Lei dos Juizados,fazendo o juiz todas as audiências preliminares de conciliação, o que termina porlhe tomar muito tempo. Assim, embora a maioria das pequenas comarcas nãojustifique a presença de um conciliador exclusivo, um cargo deveria ser criado

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para atender determinado grupo de comarcas, ao longo da semana, servindo-seda estrutura física já existente, sem comprometer a pauta comum de audiênciase economizando o tempo do juiz para os julgamentos mais complexos.35 ARAGÃO, E. D. Moniz de . O Processo Civil no Limiar de um Novo Século. InCidadania e Justiça – Revista da Asssociação dos Magistrados Brasileiros, ano 4,nº 8 – 1o semestre/2000, p. 66.36 MEADOR, Daniel Jonh. Os Tribunais nos Estados Unidos. Tradução de EllenG. Northfleet. Brasília: Serviço de Divulgação e Relações Culturais dos EstadosUnidos da América – USIS, 1996, p. 66. Extremamente interessante, e por istoaqui transcrita, é a descrição resumida, feita pelo autor, acerca da estrutura auxiliarda Justiça norte-americana: “Um law clerk é, em regra, um bacharel recém-formado.Para quase todos estes, uma assessoria é o primeiro emprego após a conclusãodo curso. A maior parte deles teve um desempenho acadêmico significativo.Muito juízes exigem dos candidatos experiência em periódicos jurídicosacadêmicos. Em geral, o assessor serve por um ano, às vezes dois. Existempoucos assessores de carreira. [...] O law clerk é um assessor pessoal do juiz. Seugabinete é em geral contíguo ao do magistrado, com quem ele tem contatodiário e freqüente. Os juízes utilizam o serviço dos assessores de forma variada.Em geral eles se encarregam da pesquisa jurídica, preparam relatórios dos casos,resumindo os fatos e questões de direito e apresentando sua própria análise,editam os rascunhos de decisões escritas pelo juiz e servem como parceiros dediscussão para os juízes. O trabalho como assessor é considerado excelenteexperiência profissional para um jovem graduado em Direito, uma transiçãoentre o mundo acadêmico e o mundo real, com oportunidade de observar deperto o funcionamento da máquina judicial. [...] A diferença entre staff attorneyse law clerks está em que os últimos trabalham para um determinado juiz, nopróprio gabinete deste; o relacionamento é direto e pessoal, e o assessor sóresponde ao próprio juiz. A assessoria centralizada, ao contrário, trabalha para otribunal como um todo. Sua responsabilidade é institucional, e não pessoal. [...]Juntamente com a introdução de assessorias centralizadas nas cortes de apelação,como resposta ao crescimento do volume de recursos, também foram adotadosprocedimentos de triagem e simplificado o procedimento interno para decisãodos feitos. A assessoria centralizada geralmente faz a triagem, processo pelo qualse identificam os recursos que podem ser adequadamente decididos medianteum processo simplificado, que normalmente elimina a sustentação oral. [...]Figura relativamente nova no Judiciário é o courtadministrator (administradorjudicial). Praticamente desconhecido nos tribunais norte-americanos até o terçofinal do século vinte, os administradores judiciais são hoje bastante comuns.Até mesmo um centro de formação para esses profissionais foi fundado: oInstitute for Court Management, em Denver, Colorado. Cada Estado tem um

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administrador judicial estadual. Esse é o principal funcionário administrativono sistema estadual, e geralmente presta contas diretamente ao presidente daSuprema Corte Estadual. O administrador auxilia o presidente num grandenúmero de tarefas, tais como a elaboração do orçamento anual para o sistemajudiciário estadual, a supervisão de pessoal, o levantamento das estatísticas, aconservação dos prédios e a aquisição de equipamentos para os tribunais.Administradores judiciais estaduais freqüentemente contam com equipesnumerosas para desempenhar essas funções. Ademais, os tribunaismetropolitanos freqüentemente têm seus próprios administradores judiciais.Esses funcionários, sob as ordens do juiz-diretor do foro, desempenham naquelacorte em particular as tarefas que incumbem ao administrador estadual, comrelação ao sistema como um todo. [...] Secretárias de juízes são essenciais paraorganização dos papéis nos gabinetes dos juízes [...] O mais novo tipo defuncionário administrativo, agora encontrado em todos os sistemas judiciaisestaduais, é o educador judicial estadual. Esse funcionário, que geralmente trabalhasob as ordens do presidente da Suprema Corte Estadual ou de algum tipo deConselho da Magistratura, é responsável pelo planejamento e desenvolvimentode programas de educação continuada para os juízes estaduais e funcionários”(p. 59 a 64).37 ARAGÃO, E. D. Moniz de . O Processo Civil no Limiar de um Novo Século. InCidadania e Justiça – Revista da Asssociação dos Magistrados Brasileiros, ano 4,nº 8 – 1o semestre/2000, p. 52, 53 e 61.38 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Futuro da Justiça: alguns mitos. In Cidadaniae Justiça – Revista da Asssociação dos Magistrados Brasileiros, ano 4, nº 8 – 1o

semestre/2000, p. 10.

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ASPECTOS CRUCIAIS NA INTERPRETAÇÃO DO REEXAMENECESSÁRIO APÓS A REFORMA PROCESSUAL

Pedro Dias de Araújo JúniorProcurador do Estado de SergipePós-graduado em Direito Constitucional e Processual Civil pela UFS

1 – INTRODUÇÃO

Com o fito de tornar o processo civil mais célere, o legislador pátrioeditou duas leis, a 10.352 e 10.358, ambas de 28 de dezembro de 2001, tecendouma importante reforma no processo civil, em especial no que se refere aoprocesso em segundo grau de jurisdição.

Alguns problemas, entretanto, advirão da aplicação da reforma do reexamenecessário, tema central de nosso trabalho, conforme iremos expor a seguir.

2 – DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO – O NOVODISPOSITIVO

Após tantas críticas ao instituto, decidiu o Congresso Nacional pela suareforma, sem optar pela sua extinção1. Em seu art. 1º, a nova lei alteraprofundamente a sistemática do reexame necessário:

“Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, nãoproduzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal,a sentença:I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal,o Município, e as respectivas autarquias e fundações dedireito público;II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargosà execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585,VI).§ 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará aremessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não ofazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

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§ 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que acondenação, ou o direito controvertido, for de valor certo nãoexcedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como nocaso de procedência dos embargos do devedor na execução dedívida ativa do mesmo valor.§ 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando asentença estiver fundada em jurisprudência do plenário doSupremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal oudo tribunal superior competente.”

2.1 – CONCEITO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, À LUZDA JURISPRUDÊNCIA DO STJ

Algumas considerações prévias se fazem necessárias, antes de se adentrarcom profundidade na reforma processual.

Para um melhor estudo da matéria, precisamos saber qual a conceituaçãodo que venha a ser duplo grau de jurisdição, pois desta premissa é que parte o restodo trabalho.

O primeiro grau de jurisdição, normalmente idealizado perante o juiz deprimeiro grau, traduz-se na investigação do magistrado sobre as matériaspertinentes aos fatos e ao direito. Após essa investigação, que em profundidadevai depender do tipo da ação ajuizada (mandado de segurança, ação cautelar,ação ordinária ...), o juiz chegará a uma decisão, consolidando o primeiro grau dejurisdição.

Embora esta primeira assertiva possa parecer óbvia, suas conseqüênciasdenotam que nem sempre de obviedades vive o processo civil brasileiro.

O segundo grau de jurisdição já parte de uma restrição necessária desteconhecimento, sob pena de perpetuação do processo civil. Os tribunais, deregra, receberão os fatos arrecadados e analisados pelo juiz de primeiro grau,para, em segundo grau de jurisdição, analisar novamente os fatos e aplicar o direitoque achar mais acertado.

E é este segundo grau de jurisdição que nem sempre ocorre. Um segundograu de jurisdição tem sempre que reanalisar matéria de fato e de direito. Se nãohouver a possibilidade de reanálise de matéria de fato, não teremos um segundograu de jurisdição, mas sim uma instância superior, extraordinária, de análise dodireito.

Caso contrário, haveria no direito brasileiro, com a simples interposiçãode recurso especial ou extraordinário de acórdão de segundo grau (ou segundainstância), uma terceira instância ou terceiro grau de jurisdição, coisa que de formaexplícita os Tribunais Superiores refutam22 “Recurso Especial. Não enseja

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reexame de prova (Súmula 7/STJ) nem reabre ao vencido uma terceira instância,na qual possa contestar ou corrigir o julgamento das instâncias ordinárias naapreciação dos fatos da causa. Decisão, que inadmitiu o recurso, confirmada.”STJ 5ª Turma, AGA 44563/RJ, Relator Ministro Assis Toledo, DJ DATA:04/04/1994 PG:06695, RSTJ 81/325.

Além disso, caso a interposição de recursos de natureza extraordinária pudesseprovocar outro grau de jurisdição – o que está longe de ocorrer, posto inexistir outrograu de jurisdição, mas sim instância extraordinária de apreciação apenas de direito –os acórdãos concessivos de mandado de segurança de competência originária detribunal teriam que ter um equivocado duplo grau obrigatório, o que contrariaria todaa jurisprudência firmada dos tribunais superiores3.

Obrigatório, no Direito brasileiro, é sempre o primeiro grau de jurisdição,com produção de provas e interpretação do direito. O segundo grau de jurisdiçãonem sempre ocorre. E quando este segundo grau não ocorre, é sempre pordeterminação constitucional.

Confira-se, a propósito, o caso do mandado de segurança de competênciaoriginária de tribunal estadual. Se a segurança for denegada, haverá a possibilidadede interposição do recurso ordinário e ter-se-á o duplo grau de jurisdição, pois oSTJ reapreciará matéria de fato.

Já no caso de concessão da segurança, não será possível a interposição derecurso ordinário (aliás, de nenhum recurso de natureza ordinária). A entidadeestatal não poderá pedir a reapreciação da matéria de fato, quer seja no recursoespecial ou extraordinário. Não se tem o segundo grau de jurisdição, tão somenteo julgamento de matéria de direito em instância extraordinária.

Não tendo segundo grau de jurisdição, não há, nesta situação e em strictosensu, duplo grau de jurisdição, apenas única instância (ou único grau de jurisdição)seguida de instância superior extraordinária.

2.2 – NATUREZA JURÍDICA DO DUPLO GRAU DEJURISDIÇÃO

Celeuma antiga no Direito Processual brasileiro era saber qual era a naturezajurídica do reexame necessário: se era classificado como recurso ou não.

No CPC de 39, era nominada de “apelação ex officio”, e tinha ainda váriassemelhanças com os recursos cíveis, tais como as hoje existentes:

a) processamento: seu processamento nos tribunais era o mesmo daapelação cível normal;

b)efeito devolutivo: a condenação, in totum, é devolvida para a apreciaçãodo tribunal competente, independentemente de haver recurso de apelação cívele de sua extensão;

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c)efeito suspensivo: uma vez incidindo a regra do reexame necessário, acausa não renderia ensejo à execução provisória, tendo efeitos semelhantes aorecurso de apelação cível do julgado de primeiro grau4;

d) efeito translativo: todos os aspectos importantes do processo“sobem” para apreciação e conhecimento do Tribunal competente, mesmo quea sentença de primeiro grau não as tenha apreciado. Trata-se, pois, da aplicaçãodos artigos 515 e 516 do CPC, no que se refere aos capítulos da sentença proferidoscontra a Fazenda Pública. As questões serão apreciadas, independentemente dehaver apelação ou contra-razões neste sentido. No caso da Fazenda Pública, nãosó as questões de ordem pública5, mas sim todas aquelas em que houvercondenação proferida contra o ente estatal. É o caso do afastamento da prescriçãoargüida6 no processo. Por envolver mérito, mesmo sendo decidida em decisãointerlocutória, tal questão não precluirá e poderá ser apreciada na sentença demérito ou pelo tribunal competente em virtude da força do reexame necessário7;

e) efeito substitutivo: o acórdão do tribunal substituiria a decisão dojuízo de primeiro grau, mesmo que o fosse pela confirmação do julgamento a quo.

Estas conseqüências e semelhanças persistem ainda na legislação atual.Entretanto, não pode ser considerada recurso por uma série de razões. SegundoNelson Nery Jr., “Faltam-lhe a voluntariedade, a tipicidade, a dialeticidade, ointeresse em recorrer, a legitimidade, a tempestividade e o preparo, característicase pressupostos de admissibilidade dos recursos”8.

De fato, não existe a voluntariedade porque quem determina a remessados autos ao tribunal competente é o próprio juiz, e o faz de forma independentede qualquer requerimento das partes.

Falta-lhe a tipicidade, não por inexistência de lei federal prevendo a suaexistência – posto que está regrado no art. 475 do CPC - mas por não estarprevisto em lei federal como recurso.

Não existe, igualmente, a dialeticidade, posto que o magistrado não vaiencaminhar, junto com o reexame necessário, as razões pelas quais a decisãodeva ser reformada.

Aliás, como membro do Poder Judiciário, nem poderia o mesmo intervirno feito em exercício de advocacia para a Fazenda Pública. E, não sendo partenem terceiro interessado, não tem legitimidade nem interesse em recorrer.

Inexiste prazo para recorrer. A conseqüência da não ocorrência do duplograu de jurisdição nos casos legais é que a decisão não transita em julgado.

Por fim, o duplo grau de jurisdição dispensa o preparo. Aliás, esta dispensatambém ocorre nas apelações da Fazenda Pública.

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2.3 – CONCEITO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃOOBRIGATÓRIO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PRÁTICAS

Já traçada a baliza mestra de que o duplo grau obrigatório não é recurso,passa-se agora a definir o que vem a sê-lo. Para tanto, é necessário fazermos umbreve estudo de sua potencialidade face ao processo.

A priori, cumpre ressaltar um ponto que toda a doutrina tem em comumquando disserta sobre o duplo grau de jurisdição obrigatório. Sintetizando-a,Nelson Nery Jr. afirma que: “em nosso sentir esse instituto tem a naturezajurídica de condição de eficácia da sentença”9.

Os casos tratados pelo art. 475 do CPC tiram a possibilidade da sentençade primeiro grau de ser uma sentença definitiva, por si própria. Precisará serreexaminada no tribunal, para a partir daí a decisão do Poder Judiciário produzirseus efeitos.

A ausência de prazo para provocar o reexame necessário provoca outrotipo de conseqüência necessária. Os prazos são previstos no sistema recursalcomo forma de fixação do dia de início do trânsito em julgado da sentença ouacórdão.

Na sentença cível, seu prazo para o trânsito em julgado começa, de regra,após o término do prazo para o recurso de apelação (15 dias). Ou seja, apenasapós o décimo sexto dia da publicação da sentença é que começa a ter efeito asentença civil, a depender de sua carga de eficácia e de se o recurso tem efeitosuspensivo.

Sem o reexame necessário nos casos previstos em lei, a decisão não transitaem julgado. E, na práxis forense, isto pode acarretar um problema sério para aspartes processuais.

Um dos problemas atuais é o caso da apelação parcial da Fazenda Pública.Às vezes, a apelação se cinge apenas a um dos itens do comando normativo dasentença.

Para tornar as coisas mais claras, vamos supor, então, que a FazendaPública foi condenada nos itens “A” e “B”, e decide apelar apenas de “A”. Coma atual sistemática do duplo grau obrigatório, “B” não transitará em julgado atéque seja apreciado pelo tribunal competente via reexame necessário.

Nesta situação, a atenção dos desembargadores há de ser redobrada, sobpena do trabalho de apreciação da causa ter de ser refeito de forma complementar,provocando um retardamento injustificado na entrega da prestação jurisdicional10.Vale ressaltar que as próprias partes podem, uma vez publicada a decisão e aindadentro do prazo, embargar de declaração para que a omissão seja sanada.

Este retardamento possui, atualmente, contornos mais sérios, aindanão devidamente apreciados pelos tribunais. Com o advento da EC 37/02, é

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vedado o fracionamento de pedidos de formação de precatórios da Fazenda decorrentes domesmo processo, desde que uma das parcelas fracionadas ingresse na dispensa deprecatório11.

A conseqüência imediata do comando constitucional é que, faltandoreexame de um dos itens do comando normativo da sentença, não se poderádividir o processo de execução em duas etapas, causando graves riscos para aparte ex adversa da Fazenda Pública.

Uma outra característica é imediatamente derivada desta consideração:não vige nas apelações estatais sujeitas a reexame necessário o princípio dotantum devolutum quantum apellatum.

Isto se dá porque a matéria eventualmente não apelada pela Fazenda Públicasubirá via reexame. Não sendo apreciada pelo tribunal, não transitará em julgado.

A apelação da Fazenda Pública não tem o condão de restringir o alcancedo reexame necessário. Para Sérgio Gilberto Porto, “pode-se, de logo, aduzirque tanto a extensão quanto a profundidade da devolução não sofrem limites,sendo, pois, a matéria integralmente devolvida à análise do juízo ad quem, tenhahavido ou não apelo voluntário, uma vez coloridas as hipóteses elencadas nodispositivo aqui analisado”12.

Por fim, a última característica: vários doutrinadores afirmam ser o reexamenecessário um ato complexo realizado pelo Poder Judiciário.

Para Hely Lopes Meirelles, o ato complexo é “aquele que se forma pelaconjugação de vontades de mais de um órgão administrativo. O essencial, nestacategoria de atos, é o concurso de vontades de órgãos diferentes para a formaçãode um ato único. (...) No ato complexo integram-se as vontades de váriosórgãos para a obtenção de um mesmo ato”13.

De acordo com o magistério de Seabra Fagundes,“Ao estipular a lei que de determinada sentença caberá recurso necessário,

condiciona a integração, e, conseqüentemente, a validez do pronunciamentojurisdicional ao dúplice exame da relação jurídica. Por imposição do seu texto,não haverá sentença, como ato estatal de composição da lide, antes que a segundainstância confirme ou reforme o que na primeira se decidiu. Haverá umpronunciamento jurisdicional em elaboração, por ultimar, pendente de atoposterior necessário. O julgado estará incompleto, como se diz em acórdão doSupremo Tribunal Federal. É o que se infere da natureza e finalidade desserecurso de exceção”14.

De acordo com Juarez Rogério Félix,“Que fique, pois, fixado o entendimento neste trabalho de que o reexame

necessário é condição de existência da sentença, pois o segundo julgamento éconstitutivo integrativo do título, como o é a sentença de liquidação em relaçãoao seu aspecto quantitativo”15.

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Concessa maxima venia, ousamos discordar da posição dos insígnesdoutrinadores. A sentença, enquanto não for passada pelo tribunal, não seráeficaz. Na realidade, sentença que não possui ainda a possibilidade de eficácianão é sentença, é mera possibilidade de sentença.

Enquanto que no ato administrativo complexo o ataque à sua validadese faz com a indicação dos dois atos, que passam a ser considerados um só apósa sua validação pela autoridade competente, no processo civil basta a indicaçãoda decisão revista pelo tribunal, mesmo que seja pela confirmação da sentença.Se o acórdão substitui a decisão revisada, ele atrai, para dentro de si, toda amotivação da decisão do juiz que foi agora transladada para ser consideradamotivação da decisão do tribunal.

No Direito Administrativo, o ato complexo é realizado com o encadea-mento de dois atos, que são considerados no conjunto para a validade do atofinal. No reexame necessário, um ato, para ter validade, precisa ser substituído poroutro, sendo um verdadeiro fenômeno processual que não tem paralelo nodireito comparado.

Ou seja, para ter validade a decisão do juiz de primeiro grau, ela precisaser sacrificada para dar lugar a uma nova decisão, desta feita do tribunal superior.Por essa razão, entendemos que não há como considerar o fenômeno do reexamenecessário como sendo um ato complexo aos moldes do direito administrativo.

Ao se investigar a subsunção de institutos administrativos para o DireitoProcessual, verifica-se que há, em certos casos, uma impropriedade latente. Nemsempre os conceitos de Direito Administrativo são aplicáveis ao processo civilsem sofrer solavancos, uma alteração em sua substância. E esta mudança deroupagem altera o rumo da nova definição, a ponto de desconfigurá-la naorigem16. É o caso do reexame necessário.

O conceito de ato complexo do Direito Administrativo não se amoldacom perfeições ao reexame necessário porque existe o efeito substitutivo operadopelo acórdão do tribunal com relação à decisão reexaminada. Enquanto que noDireito Administrativo o ato anterior possui validade e é elemento do futuroato complexo final, no processo civil o reexame necessário substitui, in totum, adecisão não recorrida.

E tanto é substituição, e não pura e simples confirmação, que eventualrecurso interposto será da decisão do tribunal; a ação rescisória também seráoposta contra a decisão do tribunal, e não do juiz de primeiro grau; os embargosde declaração serão destinados à decisão do Tribunal, e não à decisão do juiz deprimeiro grau, mesmo a que confirmou a sentença de primeiro grau, sob penade intempestividade17.

Assim sendo, o reexame necessário consiste no fenômeno processualque sujeita a sentença de primeiro grau, nos casos previstos em lei, a condição substitutivaobrigatória para poder produzir eficácia.

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2.4 – HIPÓTESES POSITIVADAS DO DUPLO GRAU DEJURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO QUE PERSISTEM APÓS A REFORMA

O duplo grau de jurisdição não se restringe apenas às hipóteses do novoart. 475 do CPC. Em outros diplomas normativos, há a previsão do reexamenecessário para casos específicos que ainda continuam em vigor, como os aseguir elencados que envolvem a Fazenda Pública1818 Embora existamdoutrinadores que afirmem que, após a reforma operada pela Lei 10.352/01,apenas haveria reexame necessário em razão da parte, ainda persistem noordenamento algumas espécies de reexame necessário em razão da matéria. Comoexemplo, podemos citar os diplomas legislativos que ainda continuam em vigor:

a) Decreto Lei 3365/41 (desapropriação): em seu art. 28, § 1º, prevê anecessidade de reexame da sentença que condenar a Fazenda Pública a indenizarpelo dobro da quantia oferecida na inicial;

b) Lei 1.533/51 (mandado de segurança): no art. 12, parágrafo único,estabelece o duplo grau obrigatório, sem efeito suspensivo, para as sentençasconcessivas de segurança. A Lei 4.348/64, no art. 7º, estabelece o efeito suspensivoao duplo grau obrigatório nas condenações que importarem em adição devencimentos ou reclassificação funcional;

c)Lei 2.770/56: exige o duplo grau de jurisdição nas sentenças que julgaremliquidação por artigos ou arbitramento contra a União, Estados ou Municípios19;

d) Lei 4.717/65 (ação popular): em seu art. 19, prevê a aparente inversãodo reexame necessário. Somente ocorrerá duplo grau de jurisdição obrigatóriose a sentença concluir pela carência ou pela improcedência da ação. A inversão, naverdade, é meramente aparente, posto que o que se protege, em último caso,não é a parte, mas sim o erário público, estando esta regra em sintonia com asdemais20;

e) Lei 7.347/85 (ação civil pública): como se aplica subsidiariamente oCPC à lei em comento, haverá reexame necessário toda vez que houver sentençacondenatória contra a Fazenda Pública;

f)Lei Complementar 76/93 (desapropriação de imóvel rural para fins dereforma agrária): é obrigatório o duplo grau de jurisdição das sentenças quecondenem o expropriante em quantia superior a 50% da oblação inicial.

Embora estas hipóteses sejam específicas, entendo que a elas devam-seaplicar, também, as regras dos três parágrafos do artigo 475 do CPC, posto queapenas desta forma o ordenamento ficaria coeso.

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3 – A REFORMA DO REEXAME NECESSÁRIO

O novo artigo 475 do CPC, com a redação dada pela Lei 10.352, de 28 dedezembro de 2001, trouxe algumas inovações, mas não foi alterada a naturezajurídica do reexame necessário.

Adiante será realizada uma análise minuciosa sobre os critérios legislativossobre o que foi reformado e o que foi mantido.

3.1 – “SENTENÇA PROFERIDA”

A nova redação do artigo 475 do CPC não faz nenhuma ressalva quantoàs modalidades de sentença que caibam reexame necessário. Portanto, será cabívelreexame necessário nas sentenças que possuam carga de eficácia declaratória,constitutiva e condenatória.

Igualmente, ocorrerá reexame necessário nas sentenças cuja carga de eficáciapreponderante seja mandamental ou executória lato sensu, atentando-se quesomente haverá efeito suspensivo quando a lei expressamente o indicar.

3.2 – A FALSA INOVAÇÃO QUANTO ÀS AUTARQUIAS EFUNDAÇÕES DE DIREITO PÚBLICO

Antes do advento da Lei 10.352, de 26 de dezembro de 2001, a Lei9.469/97, adotando a orientação do STJ em processos antigos, estabeleceu, emseu artigo 10º, que “Aplica-se às autarquias e fundações públicas o disposto noart. 188 e 475, caput, e no seu inciso II, do Código de Processo Civil”.

Portanto, a disposição prevista no inciso I não é tecnicamente umainovação jurídica. Sobre esta parte não incidirá as normas equivalentes ao direitointertemporal.

3.3 – REEXAME NECESSÁRIO NAS SENTENÇAS QUEJULGAR PROCEDENTES, NO TODO OU EM PARTE, OSEMBARGOS À EXECUÇÃO DE DÍVIDA ATIVA DA FAZENDAPÚBLICA (ART. 585, VI)

O legislador corrigiu uma falha existente na redação originária do CPC,posto que não se julga improcedente processo de execução – haja vista que suadestinação é para a satisfação do crédito, e não para chegar a uma decisão meritória.O que se julgava procedente eram os embargos à execução de dívida ativa da

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Fazenda Pública.Segundo Flávio Cheim Jorge, “a remessa terá cabimento quando os

embargos do executado forem julgados, no todo ou em parte, procedentes. Osembargos podem ser julgados procedentes porque possuem natureza de açãode conhecimento, que comporta julgamento de mérito, e cuja procedência terá ocondão de extinguir o processo de execução, decorrendo daí o prejuízo para oerário, a justificar a remessa”21.

Duas outras hipóteses de embargos, não previstas no art. 475, II, podemcausar controvérsias, que são:

a)embargos à execução, propostos pela Fazenda Pública, quando estiversendo executada;

b)embargos à execução de crédito da Fazenda Pública que não seja dívidaativa.

Na primeira hipótese, de acordo com forte corrente jurisprudencial doSuperior Tribunal de Justiça e que continuará com a nova norma, não cabereexame necessário da decisão do juiz de primeiro grau que julgou totalmenteimprocedente ou parcialmente procedente os embargos à execução opostos pelaFazenda Pública22

Segundo sua exegese, o descabimento do duplo grau obrigatório sedeve ao fato de que a norma imperativa do art. 475 do CPC se destina apenas aoprocesso de conhecimento, e não ao processo de execução23.

De igual forma e pelo mesmo fundamento, não caberá reexame necessáriodo julgamento de procedência dos embargos à execução de crédito da FazendaPública que não seja dívida ativa, por estar fora da previsão legal.

4 – AS HIPÓTESES DE EXCLUSÃO DO REEXAMENECESSÁRIO

Em nome da celeridade processual, foram eleitas pelo legislador dareforma algumas hipóteses de não aplicação do duplo grau de jurisdiçãoobrigatório.

4.1 – REEXAME NECESSÁRIO NAS SENTENÇASDECLARATÓRIAS E/OU CONDENATÓRIAS DE VALOR CERTOINFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS

De acordo com o § 2º do art. 475, “não se aplica o disposto neste artigosempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo nãoexcedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência

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dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor”.O legislador da reforma processual criou no Direito brasileiro a figura do

“piso” necessário para a ocorrência do duplo grau obrigatório, que hoje está novalor de 60 salários mínimos.

Na práxis forense, existem dois problemas graves que irão causar algumceleuma na aplicação do referido instituto, que são o valor da causa e o valor dopedido.

Algumas causas possuem valor certo, perfeitamente identificável nomomento da propositura da ação, mas as partes ex-adverso ao Estado normalmentedão um valor ínfimo com o fito de pagar custas judiciais em valores reduzidos.

Assim, o instituto da impugnação ao valor da causa ganhará emimportância, de forma semelhante ao que acontece nos juizados especiais, postoque o mesmo poderá determinar que causas irão para reexame necessário ounão, tudo a depender do conteúdo de sua decisão.

A norma é bastante clara: o direito controvertido, para fins de piso doreexame necessário, deve ter um valor certo. Caso o valor seja fixado porestimativa, haverá, obrigatoriamente, o reexame necessário.

4.2 – REEXAME NECESSÁRIO E PERTINÊNCIATEMÁTICO/RECURSAL DA DECISÃO

Por fim, no § 3º do art. 475, do CPC, traz a possibilidade de não haverduplo grau de jurisdição obrigatório quando a “sentença estiver fundada emjurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula destetribunal ou do tribunal superior competente”.

Como o reexame necessário é elemento de segurança jurídica no direitoprocessual pátrio, a norma em comento trouxe, também, outros elementos desegurança jurídica que dispensam a ocorrência do duplo grau obrigatório.

Mais uma vez, o legislador da reforma optou pela jurisprudência dascortes superiores para servirem de paradigmas para as decisões dos juízosinferiores, a fim de não submetê-las a reexame necessário.

Necessário se torna traçar um paralelo entre o art. 475 e o 557, ambos doCPC, todos reformados recentemente e com a mesma tônica. A grande diferençaé que este último é destinado às decisões do tribunal em julgamento monocrático,enquanto que aquele serve para as decisões dos juízos de primeiro grau que nãoestariam sujeitas a reexame necessário.

Outra diferença que importa a este trabalho é que o art. 557 do CPC traza possibilidade de aplicação da jurisprudência dominante (termo mais amplo),enquanto que o art. 475 do CPC menciona jurisprudência do plenário do STF,ou de súmula do STF ou do STJ. Não traz a jurisprudência dominante dos

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tribunais superiores.As razões de reforma do art. 557 do CPC, dentre outras, tinham a clara

intenção de indicar previamente à parte ex adverso que o tribunal para a qual iriarecorrer (partindo do tribunal a quo para o ad quem) estava interpretando a normaem sentido contrário à sua pretensão em juízo.

E isto tinha uma conseqüência que prestigiava, ao mesmo tempo,celeridade e segurança: enquanto que antigamente esta causa iria para julgamentoperante uma turma recursal, agora poderia ser julgada perante um únicodesembargador.

Com a aplicação paulatina do instituto, uma conclusão então sobressaía:a jurisprudência dominante do tribunal superior tinha que refletir a interpretaçãoatualizada da causa.

Já o § 3º do art. 475 do CPC tem sua ratio de forma semelhante: face aointeresse fazendário do Estado, o juiz demonstrará à sociedade (através damotivação da sentença) que sua decisão reflete o entendimento sumulado dostribunais superiores, que são os últimos nas escaladas recursais.

E este entendimento, quer seja o sumulado ou decorrente dejurisprudência do plenário do STF, de acordo com a experiência do art. 557, temque estar atualizado, sob pena de burla à legislação.

Resta, então, analisar a razão da alteração, que, à similitude do art. 557 doCPC, trouxe em destaque as súmulas do Supremo Tribunal Federal, de umlado, e do outro as decisões dos tribunais superiores competentes.

Como é cediço, o STF é o último tribunal em matéria constitucional, oSTJ o último em legislação federal e assim por diante. Cingiremos a análiseapenas aos dois tribunais, em virtude do volume de recursos das procuradoriasestaduais serem destinados precipuamente a estes dois tribunais.

Sabe-se que o STF, antes da Constituição de 1988, acumulava a competênciado STJ para julgar legislação federal. E aí fica a dúvida: será que as súmulas do STFem matérias que não a constitucional poderão servir de paradigma para que o juizde primeiro grau não aplique o duplo grau obrigatório de jurisdição?

A opção legislativa – espancando quaisquer dúvidas – é bastante clara: asúmula terá que ser de tribunal superior competente. E esta competência édada hoje pela Constituição de 1988, que retirou do STF a regra de competênciaoriginária para julgar legislação federal em instância superior.

Na interpretação literal do dispositivo, as súmulas porventura existentesdo STF sobre legislação federal não poderiam ser aplicadas para a denegação doduplo grau obrigatório, por não ser mais o STF o tribunal, de regra, competentepara o julgamento desta matéria, conforme giza o § 3º do art. 475 do CPC.

Não penso assim. Em verdade, as súmulas do STF sobre legislaçãofederal podem servir de fundamento à negativa do reexame necessário, desdeque sirvam, atualmente, de fundamento das decisões do STJ como se fossem

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suas próprias súmulas, como é o caso atual de duas súmulas sobrepreqüestionamento24, guardadas as respectivas diferenças.

5 – A APARENTE ANTINOMIA CRIADA PELA REFORMA:REEXAME NECESSÁRIO E O NOVO EFEITO TRANSLATIVO DORECURSO DE APELAÇÃO

Após a reforma processual oriunda da Lei 10.352, de 26 de dezembro de2001, muito se vem falando sobre o novo § 3º do art. 515 do CPC, cuja prescriçãoé esta: “Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267),o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamentede direito e estiver em condições de imediato julgamento”.

Vários doutrinadores afirmam que esta seria uma exceção ao princípioda reformatio in pejus, pois o tribunal, verificando que a causa está “madura”,poderia julgar a causa no estado em que se encontra. É o caso da parte que teveum processo extinto sem julgamento do mérito, apela, e o tribunal julga a causano mérito, tendo conseqüências mais gravosas do que o resultado do primeirograu.

Segundo Nelson Nery Jr., “a expressão reformatio in pejus traduz em simesma um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que se tem a ‘reforma’ comoprovidência solicitada pelo recorrente de modo a propriciar-lhe situação maisvantajosa em relação à decisão impugnada, se vê a piora como sendo exatamenteo contrário daquilo que se pretendeu com o recurso”25.

E continua: “(...) Tecnicamente, só se pode falar em reformatio in pejus sehouver efeito devolutivo do recurso, isto é, manifestação do princípio dodispositivo”26.

O que vários doutrinadores não percebem é que o novo parágrafo 3º doart. 515, embora trazido do Direito Português, tem origem germânica, cujorecurso equivalente de apelação cível possui o chamado efeito “translativo”,novidade na apelação brasileira, e que não se confunde com o tradicional efeitodevolutivo.

De fato, é o efeito translativo que mais se coaduna com o novo instituto.Isto se dá porque a causa – de competência originária do juízo de primeiro

grau – terá a oportunidade de ser julgada em única instância pelo tribunalcompetente. Será o tribunal que irá julgar a “causa integral”, stricto sensu, pelaprimeira vez, através do efeito translativo.

E aí ocorre a primeira antinomia entre as normas do art. 475 e do 515, §3º, ambas do CPC. Enquanto a primeira indica que, quando houver condenaçãoem determinados casos a decisão terá que ter um reexame necessário por umórgão superior, o efeito translativo da apelação cível indica que, uma vez existindocausa madura não julgada no juízo a quo, caberá seu julgamento originário pelo

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tribunal, o que denegaria a possibilidade de reexame necessário.Ao se analisar a ratio da reforma processual, as duas normas tiveram por

fundo uma duplicidade de valores: uma maior efetividade processual somada àsegurança das decisões judiciais. E estes dois valores se chocam quando a apelaçãocível joga a “causa madura” contra a Fazenda Pública para ser julgada, agora emúnica instância, pelo tribunal competente.

Conforme conceituado anteriormente, o reexame necessário é umfenômeno processual que sujeita a sentença de primeiro grau, nos casos previstosem lei, a condição substitutiva obrigatória para poder produzir eficácia.

A priori, cumpre ressaltar que nos casos de não incidência do reexamenecessário, como condenações inferiores a 60 SM ou causas que já estejamsumuladas pelos tribunais superiores, não haverá nenhum impedimento paraque a “causa madura” seja julgada pelo tribunal, posto que nesta situação inexisteantinomia.

A problemática da antinomia das duas normas, naquilo que se chocam(condenações superiores a 60 SM, que não estejam sumuladas pelo STF ou STJ,ou decididas, com atualidade, pelo plenário do STF), deve ser resolvido pelaconciliação da carga valorativa de ambas: uma, traz o valor segurança; a outra, ovalor celeridade processual.

Pelo 475, a sentença somente produzirá seus efeitos quando forsubstituída pela decisão do tribunal competente. Este tribunal foi erigido comofator de segurança para a Fazenda Pública.

Pelo 515, § 3º, é indicado que, estando a causa madura, não é maisnecessário que ela retorne ao juiz de primeiro grau para que o mesmo julgue acausa. O próprio tribunal, com forte economia de tempo, poderá julgar a causa,dispensando seu regresso ao juiz de primeiro grau e posterior reenvio ao mesmotribunal para acórdão.

Outra não parece ser a solução mais justa para o caso. Nas duas hipóteses,o tribunal competente foi erigido como fator de discrímen sob dois valores quecoexistem em perfeita harmonia: segurança, posto que a decisão poderá ser julgada,com celeridade processual, por quem tem mais experiência no quadro do PoderJudiciário local.

Assim sendo, não vislumbro qualquer possibilidade de impedimentode julgamento de causa madura, na hipótese do art. 515, § 3º, contra a FazendaPública, eis que inexiste comando normativo específico determinando que,estando a causa em condições de julgamento, tenha que retornar ao juízo deprimeiro grau para sofrer reexame necessário pela mesma câmara cível que jáestava, anteriormente, preparada para julgar a causa.

6 – CONCLUSÕES FINAIS

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Face a todo o conteúdo exposto, evidenciam-se as seguintes conclusões:a) persite, ainda, no ordenamento jurídico, outras formas especiais de

reexame necessário nas ações contra a Fazenda Pública, como é o caso do mandadode segurança, ação popular, liquidação de sentença, desapropriação;

b) existe o efeito substitutivo no acórdão que aplica o reexame necessário;c) por ter efeito substitutivo, o reexame necessário não pode ser

considerado um ato complexo, nos moldes do Direito Administrativo, porquea primeira decisão, para produzir efeitos, precisa ser sacrificada e ser substituídapela decisão do tribunal, que tomará, para si, toda a eficácia do ato decisório;

d) na reforma do reexame necessário, não houve inovação legislativa noque se refere à sua necessidade nas sentenças proferidas contra autarquias efundações públicas;

e) para haver reexame necessário, é preciso que a condenação ou o direitocontrovertido seja de valor certo e ultrapasse o piso de 60 salários mínimos. Casoseja de valor incerto, ou por estimativa, haverá o reexame necessário;

f) na hipótese do § 3º do art. 475, a decisão do plenário do STF ou dassúmulas do STF ou de outro tribunal superior têm que estar atualizadas eserem de tribunais competentes para o julgamento da causa;

g) inexiste antinomia entre os artigos 475 e 515, § 3º, CPC.

BIBLIOGRAFIA

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Revista dos Tribunais, 2000.1 Alguns autores insistem na retirada do reexame necessário, alegando que ele éum dos elementos que desestimula o ingresso em juízo do particular contra oPoder Público. Ouso discordar desta corrente, porque entendo que não é oreexame necessário, nem o prazo diferenciado apenas para contestar e recorrerque poderiam causar desânimo nas partes que litigam contra a Fazenda Pública.O que mais causa desgosto nos que litigam contra o Estado é o instituto doprecatório judicial, elemento que posterga, em muito, a entrega da prestaçãojudicial. A diferença de tempo de duração do processo civil de conhecimento(entre particulares) para o processo civil público não é tão significativa quanto oabismo que existe entre o início e término da execução entre particulares e oimenso hiato que há no caso símile entre o particular e a Fazenda Pública.Ademais, o grande problema na execução entre particulares não é a demora emsi da solução final, mas sim os percalços que são criados em virtude da ausênciade endereço correto do réu, inexistência de liquidez do devedor, necessidade deinvestigação por parte dos causídicos sobre a real situação financeira do executado,dentre outros. Estes percalços inexistem contra a Fazenda Pública, que sempreterá um orçamento onde será destacada uma quantia para o pagamento dosdébitos judiciais.

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É claro que existem Estados da Federação cujos precatórios judiciais são pagoscom atrasos injustificáveis de 5 a 10 anos, cuja demora é fruto de uma péssimagestão da coisa pública e, por outro lado, existem Fazendas Públicas cujopagamento de precatórios judiciais é realizado no prazo correto, como é o casodas Prefeituras de Aracaju e Porto Alegre. Algumas medidas já foram tomadascomo forma de amenizar o problema dos entes federados no pagamento dosprecatórios judiciais, como foi o caso das EC 30/00 e 37/02.Saliente-se, todavia, que não será por emendas constitucionais que o problemaserá resolvido. A possibilidade de existir forma diferenciada de pagamento dedívidas de pequeno valor (criada pela EC 30/00) não solucionará o processo alongo prazo, pois tudo dependerá da forma como a Administração Pública serágerida.“Não é o Superior Tribunal de Justiça terceira instância, sendo sua funçãoconstitucional uniformizar a interpretação da legislação federal, preservando suacorreta aplicação, motivo pelo qual o recurso especial reveste-se de tecnicidade,cujas hipóteses de admissibilidade estão previstas no art. 105, inciso III da CF/88, devendo ser observados os pressupostos recursais genéricos e específicospara sua admissão.” STJ 2ª Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJUDATA:18/03/2002 PG:00223.3 Tanto é verdade que a Lei 1.533/51 prevê, em seu artigo 12, parágrafo único, oduplo grau obrigatório das sentenças concessivas de mandado de segurança.Por sua vez, o termo “sentença” no CPC é por vezes empregado tanto em seusentido estrito quanto no sentido lato, o que poderia indicar que a “sentença”referida na lei do mandado de segurança pudesse também ser considerada comoacórdão, o que implicaria na necessidade de reexame necessário do acórdão peranteo tribunal imediatamente superior. Não é isto que ocorre, e neste sentido:“Acórdão e remessa necessária. Apenas a sentença do juiz singular está sujeita aoduplo grau necessário, na hipótese mencionada pela norma. Os acórdãosproferidos em MS de competência originária não se sujeitam a esse regime (RTJ129/1069)”, NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processocivil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Revista dosTribunais, 5ª edição, revista e ampliada, p. 2382, nota 10 ao art. 12, parágrafoúnico.4 Além do efeito suspensivo natural do reexame necessário, há casos em que adecisão proferida contra a Fazenda Pública só poderá ser executada após o trânsitoem julgado. Trata-se das hipóteses restritivas das Leis 4.348/64 (reclassificaçãoou equiparação de servidores públicos, concessão ou aumento de vantagens) e9.494/97 (liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação,equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores).5 Antônio Cezar Peluso, recentemente nomeado Ministro do Supremo Tribunal

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Federal, justifica a inocorrência de preclusão da questão de ordem pública, umavez que esta “concerne à regularidade do exercício da função jurisdicional(pressupostos processuais e condições da ação), não a assunto de interessedisponível das partes”. Da preclusão processual civil. São Paulo : RT, 1992, p. 80.6 Urge salientar a distinção entre duas hipóteses de ocorrência da prescrição noprocesso: a) a Fazenda Pública alega a prescrição e o juiz de primeiro grau a afasta;b) o ente estatal não alega em nenhum momento. No primeiro caso, a prescriçãonão ocorrerá (é o caso do texto acima), por conta do reexame necessário; nosegundo, o juiz estará impedido de decretá-la. Além disso, é distinta a alegaçãode prescrição em qualquer fase do processo (desde que provocada nas instânciasordinárias) daquela argüida de ofício. O novo Código Civil, neste ponto, ébastante claro: no artigo 193, consta que “a prescrição pode ser alegada emqualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”, e no artigo seguinte,“o juiz não poderá suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer oabsolutamente incapaz”.7 Neste sentido, o STJ decidiu: “Processual - decisão interlocutória contrária aoEstado -preclusão - coisa julgada - CPC art. 475. Decisão saneadora que afastaalegada prescrição em favor de município. Por efeito do art. 475 do CPC, épossível sua reforma por sentença emitida no mesmo processo.” REsp. 6993/SP. Fonte DJ DATA:24/08/1992 PG:12977, relator Ministro Humberto Gomesde Barros.8 NERY JR., Nelson. Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos. 4ª edição,revista e atualizada, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 55.9 ob. cit., p. 57.10 Esta hipótese é mais comum do que se imagina. No Estado de Sergipe, porexemplo, várias foram as apelações da fazenda estadual que apenas impugnaramo percentual dos honorários advocatícios, requisitando a fixação dos mesmospela regra do art. 20, § 4º, do CPC, e não pela regra do mesmo artigo, só que pelo§ 3º. E o Tribunal de Justiça não apreciava a condenação principal, que depoisfora erroneamente declarada como trânsita em julgado, dando início ao processode execução e formação de precatório judicial. Com a formação de um precatório nulo, vários foram os embates jurídicospara se demonstrar que a decisão do tribunal, não transitaria em julgado na parteem que não foi reexaminada.11 “Art. 100. ..............................................§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar devalor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução,a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3ºdeste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório.” EC 37/02, de 12 dejunho de 2002.

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12 E continua: “Tal posição se justifica, exatamente, porque o propósito da regraé de oferecer às hipóteses consagradas garantia legal de reexame sem qualquerlimitação, não sendo lógico que eventual apelo voluntário venha a limitar aextensão do conhecimento na devolução necessária. Não bastasse isso, cumpreesclarecer que, não sendo a devolução necessária motivo plausível que possafazer com que eventual apelo voluntário gere reflexos limitativos à remessa legal,máxime frente à absoluta divergência de propósitos e natureza jurídica damedida.” Comentários ao Código de Processo Civil – Do processo de conhecimento. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000, nota 5 ao art. 475, p. 239.13 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª edição, atualizadapor AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balesteiro; BURLEFILHO, José Emmanuel. São Paulo, Malheiros, 1999, p. 154.14 FAGUNDES, Seabra. Dos recursos ordinários em matéria civil, p. 193-4, apudMARTINS, Pedro Batista. Recursos e processos de competência originária dos tribunais.Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957, p. 205.15 in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98,coordenação de WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e NERY Jr., Nelson. 1ª edição,São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 429.16 Cite-se o caso do alegado juízo discricionário do magistrado na concessão daliminar em mandado de segurança. Confira-se, a propósito, excepcional lição deMELLO, Celso Antônio Bandeira de: “Quando alguém usa de discrição, estátomando uma decisão que, ante o Direito vigente, pode ser de tal modo, tantocomo poderia ser de outro modo. Na pronúncia jurisdicional, não. A decisãotomada exprime que alguém faz jus a uma dada providência; que é direito dealguém; que é devido ao postulante o que pediu, ou, reversamente, que não édevido. Jamais resultaria de uma decisão jurisdicional a afirmação de que taldireito “pode ser reconhecido”, tanto quanto “poderia não sê-lo”. Seria umabsurdo dizer-se, em um dado caso concreto e perante a norma aplicável, quealguém tem ou não tem dado direito. Que são alternativas igualmente sufragadaspelo direito. Portanto, o órgão jurisdicional, ao decidir, afirma que o direito porele pronunciado preexiste e que a solução dada é cabível e é a única, com exclusãode qualquer outra, porque fala em nome do que já está solucionado na lei, daqual ele é o porta-voz no caso concreto. O deslinde pode (ou não) ser difícil;pode demandar recurso a princípios gerais, mas, de direito, sua pronúncia é aexpressão oracular do que as normas aplicáveis ‘querem’ naquele caso. Este é acaracterística própria, específica, da função jurisdicional”. Mandado de Segurançacontra denegação ou concessão de liminar. São Paulo: Rev. de Direito Público, n° 92,out-dez de 1989, ano 22.17 Se a decisão do tribunal, em reexame necessário, adotou toda a fundamentaçãodo juízo a quo, então esta fundamentação passa a ser do próprio tribunal, e nãomais do juiz de primeiro grau. Tanto que quem vai aclará-la, via embargos

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declaratórios, é o próprio tribunal, podendo dar-lhe efeitos infrigentes e alterar adecisão.a) Lei 7.853/89, que traz o reexame necessário nas matérias relativas à pessoaportadora de deficiência física (art. 4º);b) Lei 6.739/79, que em seu art. 3º, parágrafo único, determina o duplo grauobrigatório das sentenças de procedência do pedido proferidas em ação anulatóriade retificação de registro realizado por pessoa jurídica de direito público, nostermos do art. 213 da Lei dos Registros Públicos;c) Lei 818/49 (Nacionalidade brasileira), que em seu art. 4º, § 3º, submete adecisão, qualquer eu seja o resultado do requerimento de opção pela nacionalidadebrasileira, ao obrigatório duplo grau de jurisdição.19 “Art. 3º. As sentenças que julgarem liquidação por arbitramento ou artigosnas execuções de sentenças ilíquidas contra a União, o Estado ou o Município,ficam sujeitas ao duplo grau de jurisdição”.20 “Processual Civil. Mandado de Segurança Contra Ato Judicial. Ação Popular.Sentença Terminativa do Processo. Duplo Grau de Jurisdição. Antecipação deEfeitos Executórios. Inscrição Imobiliária de Hipoteca Judiciária. Lei 4717/65(Arts. 19 e 22). CPC, artigos 466 e 475. 1. A ação popular está sob a iluminura de superiores interesses públicos(coletivos), com assentamento constitucional, legitimando subjetivamente ocidadão para reprimir atividade comissiva ou omissiva da Administração Pública.O direito subjetivo do cidadão, movido pelo caráter cívico-administrativo daação popular, com a primordial finalidade de defender o patrimônio público,não pode ficar inibido pelo receio de imposição de ônus, antecipando-se efeitosde sentença terminativa do processo, sem o crivo do duplo grau de jurisdição,inarredável condição de eficácia (art. 19, Lei 4.717/65). Antes do reexameobrigatório, sem o trânsito em julgado, a sentença é ineficaz. Assim diferencia-sede outras ações, com pedidos procedentes (art. 475, I, II e III, CPC). O processoda ação popular inverteu essa orientação, estabelecendo obrigatório reexamepara as sentenças que declaram a carência ou improcedência.2. A hipoteca judiciária pode ter os seus efeitos e inscrição imobiliária antecipados,mesmo pendentes recursos contra as sentenças, em ações cujos pedidos foramjulgados procedentes, salvo aquelas submetidas às disposições especiais do artigo19, Lei 4.717/65.3. Recurso provido.” STJ 1ª Turma, ROMS 9002/PR, Relator Ministro MiltonLuiz Pereira, fonte DJ 07/06/1999 p. 42, JSTJ 11/101, RSTJ 119/65, RT 768/162.21 JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JR., Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha.A nova reforma processual. São Paulo: Saraiva, 2002, p.60.22 “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO.

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EMBARGOS À EXECUÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO.IMPOSSIBILIDADE.1. A sentença proferida em sede de embargos à execução não está sujeita aoreexame necessário, por força do disposto no inciso III do artigo 475 do Códigode Processo Civil, que o restringe, no processo de execução, à “sentença quejulgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (artigo 585,VI).”2. O inciso II do artigo 475 do Código de Processo Civil rege o duplo grauobrigatório no processo de conhecimento.3. Longe de incompatíveis as disposições dos artigos 475, inciso III, e 520,inciso V, do Código de Processo Civil, ajustam-se à perfeição, na exata medidaem que o reexame necessário, no processo de execução, é restringido pelo incisoIII do artigo 475 do Código de Processo Civil apenas à hipótese de “sentençaque julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (artigo585, inciso VI)” e o inciso V do artigo 520 do Código de Processo Civil suprimeo efeito suspensivo à apelação da sentença que “rejeitar liminarmente embargosà execução ou julgá-los improcedentes”, exsurgindo manifesta a relação normaespecial - norma geral que se estabelece entre as disposições legais processuais emquestão.4. E tanto mais evidentes se fazem a sustentada restrição do reexame necessário,no processo de execução, e a relação norma especial - norma geral que se estabeleceentre os artigos 475, inciso III, e 520, inciso V, do Código de Processo Civil,quanto se tem presente que a alusão “(artigo 585, inciso VI)”, na disposiçãoinserta no inciso III do artigo 475 do Código de Processo Civil, determina quese a recolha como a hipótese legal da sentença que julgar improcedente, não, aexecução, mas, sim, os embargosà execução de dívida ativa da Fazenda Pública, o que, mais uma vez, põe na luzda evidência a sua pertinência exclusiva ao processo de execução e, neste, a restriçãodo reexame necessário aos embargos à execução de dívida ativa, quando julgadosimprocedentes e, pois, contra a Fazenda Pública.5. É inviável apreciar em sede de agravo regimental a violação de dispositivo legalque não se constituiu em objeto de impugnação na via do recurso especial.6. Agravo regimental improvido.” STJ 6ª-T, AGRESP 311013/SP, Rel. HamiltonCarvalhido, DJU DATA:04/02/2002 PG:00596.“A Eg. Corte Especial firmou entendimento no sentido de que a sentençaproferida em embargos à execução de título judicial opostos por autarquias efundações não se sujeita ao reexame necessário (art. 475, II do CPC), tendo emvista que a remessa oficial só é cabível em processo de cognição sendo inaplicávelem execução de sentença devido ao prevalecimento da disposição contida no art.520, V, do CPC.” STJ RESP 262990/RS, relator FRANCISCO PEÇANHAMARTINS, publicada no DJU de 11/03/2002, página 225.

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 156

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO. EMBARGOS DODEVEDOR OPOSTOS PELA AUTARQUIA. SENTENÇA DEIMPROCEDÊNCIA. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO DODUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO. ARTIGOS 475, I E II,E 520, V, CPC.Não está sujeita ao reexame necessário a sentença que rejeita pretensão da FazendaPública no julgamento de seus embargos de devedor.Embargos de divergência rejeitados.” STJ CE, ERESP 232753/SC, RelatorMinistro Min. MILTON LUIZ PEREIRA, relator para acórdão Min. CESARASFOR ROCHA, fonte DJ DATA:22/04/2002 PG:00154.“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. LEI 9.469/97.REEXAME NECESSÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ARTS. 475, II E520, V DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.Já é pacífico o entendimento de que as “sentenças publicadas posteriormente àedição da MP 1.561/97, convertida na Lei 9.469/97 – que determinou a aplicaçãoàs autarquias e fundações públicas do disposto no Código de Processo Civil,arts. 188 e 475 – devem ser confirmadas pelo tribunal, como condição deexeqüibilidade”.Entretanto, em sede de execução, descabe aplicar o duplo grau de jurisdição,prevalecendo, portanto, o regramento contido no artigo 520, V do CPC.Embargos conhecidos, mas rejeitados.” STJ CE, ERESP 241876/SC, RelatorMin. JOSÉ DELGADO, Relator para acórdão Min. JOSÉ ARNALDO DAFONSECA, fonte DJ DATA:15/04/2002 PG:00156.23 Concessa maxima venia, entendo que a jurisprudência criada foi fruto mais derazões fáticas do que propriamente jurídicas.Na práxis judicial, verifica-se que é no processo de execução onde ocorrem osmaiores riscos à Fazenda Pública. Cite-se, pois, um caso ocorrido no Estado deSergipe no início da década passada, onde cerca de 500 médicos ingressaram,conjuntamente, contra o Estado, requerendo uma revisão salarial. Venceram ademanda em primeiro grau, e houve apelação do Estado. Após o trânsito emjulgado, o escritório de advocacia passou um ano e meio trabalhandoincansavelmente na execução da sentença, enquanto que o Estado teve apenasdez dias para embargar mais de 5.000 folhas de cálculo.Entendo, na realidade, que o processo de embargos à execução –com esteio nadoutrina – é processo de conhecimento, e como tal, perante o ordenamentojurídico, teria de ter o reexame necessário. Mas, pelas mesmas razões de práxisapontadas pela jurisprudência do STJ, reconheço que o reexame necessário nosembargos seria mais um dos inúmeros calvários a serem impingindos a quemlitiga contra a Fazenda Pública.A melhor solução para o processo de execução, ao meu ver, seria a adoção domodelo alemão, com as arestas determinadas pela conversão ao nosso direito

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 157

pátrio. Segundo o testemunho de MOREIRA: “Sabe-se que nesse país a execuçãonão se faz perante o juiz do processo de conhecimento, como entre nós, masperante o executor judicial, pessoa que não é perita em direito. Por essa razão,certamente, não se lhe confia a apreciação de questões técnicas emergentes dedebates que o contraditório propicia, razão de a oposição (embargos) ser aforadano tribunal do processo de primeira instância, em distribuição livre, pois podeser apreciada por órgão distinto do que proferiu a sentença”. MOREIRA, AlbertoCamiña. Defesa sem embargos do executado – exceção de pré-executividade, 3ª edição,revista e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 10.24 Como se sabe, as Súmulas 256 e 282 do STF servem de fundamento para anegativa de juízo de admissibilidade dos recursos especiais. Súmula 282 doSTF- “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisãorecorrida, a questão federal suscitada” Súmula 256 do STF – “O ponto omissoda decisão, sobre a qual não foram opostos embargos declaratórios, não podeser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.25 idem, p. 153.26 idem, p. 154.

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 159

O PROJETO DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E ODIREITO À INFÂNCIA E À JUVENTUDE

Marcos Roberto Gentil Monteiro é Mestre em Direito Constitucional pelaUniversidade Federal do Ceará, ex-professor da Universidade Federal de Sergipe,professor da Universidade Tiradentes da cadeira de Sociologia Geral e Jurídica,assessor técnico da Desembargadora Clara Leite de Rezende.

RESUMO

O problema da menoridade no Brasil é social, não jurídico. A violênciaurbana cometida por jovens não irá desaparecer em virtude de mudança delegislação. Existe motivação social para o cometimento da maioria dos delitoscometidos por adolescentes, relacionada à elevadíssima concentração de rendada sociedade brasileira, à ocorrência do trabalho infantil, à elevada taxa deanalfabetismo. Um problema social não se resolve legalmente, mas através depolíticas públicas que visem a inclusão social dos mais carentes.

INTRODUÇÃO

Num país como o Brasil, que integra o grupo das nações recentementeindustrializadas, não fazendo parte do G-8, nem da OPEP, relacionando-seentão com os E.U.A., Alemanha, Japão, Inglaterra, Itália, França, Canadá eRússia (em razão de seu potencial bélico e de sua localização geográfica), bemcomo com os maiores exportadores de petróleo, a saber, Arábia Saudita, Iraque,Venezuela, Kwait, de modo submisso (não há terceira opção: em qualquersociedade, bem assim na internacional, as relações sociais são de dominação esubmissão a depender do poder de barganha), neste momento histórico deglobalização econômico-financeira, quando as soberanias aglutinam-se em blocosde países com vistas ao fortalecimento de seu poder, na sociedade capitalistaneoliberal excludente deste início de século, a fim de cumprir as metas traçadaspelos organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional, oBrasil enquanto emergente sucateia as políticas públicas estatais, privatizandoquase a totalidade dos serviços públicos, excluindo cada vez mais gente dapossibilidade de ter acesso à satisfação de suas necessidades vitais básicas.

Neste contexto de miséria e exclusão social da maioria, quando a mídia

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 160

eletrônica volta a sua atenção para focalizar a violência dos delitos cometidos pelajuventude brasileira contra seres humanos que integram a elite, a classedominante, retorna ao palco das discussões a obsoleta cantilhena conservadora,simplista e omissa preconizando a redução da maioridade penal como soluçãopara a criminalidade no Brasil.

Este ensaio visa analisar o problema do ponto de vista da ciência social,informada pela objetividade e impessoalidade, desprovida de sentimentalismosque possam macular a descrição da realidade do fenômeno da delinqüênciajuvenil em solo pátrio.

1 – OS INDICADORES SOCIAIS QUE VITIMAM A INFÂNCIAE A JUVENTUDE BRASILEIRAS

Numa sociedade - reunião de grupos de indivíduos ligados, ainda queinconscientemente, por características comuns, capitalista - uma vez que tempor principal objetivo a acumulação de capital, neoliberal - vítima da crescenteredução do Estado na prestação dos serviços públicos e excludente – nãoproporciona aos miseráveis e pobres o acesso a seus direitos fundamentais, osíndices de analfabetismo demonstram-se insatisfatórios, mais de 13% consoanteo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2000, taxa que seeleva para mais de 32%, se o critério a ser analisado não é o de simplesmentedesenhar o próprio nome, mas sim a capacidade de interpretar uma bula deremédio, instruções para montagem e utilização de aparelhos eletrodomésticos,ou seja, o analfabetismo funcional.

A educação, “direito de todos e dever do Estado e da família”, consoanteo artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil vigente, ápice doordenamento jurídico pátrio, que, segundo o mesmo dispositivo legal, possuipor objetivos o pleno desenvolvimento da pessoa, a preparação para o exercícioda cidadania e sua qualificação para o trabalho, na realidade, tendo em vista osucateamento de seu sistema público, e sua mercantilização no sistema privado,não tem proporcionado à cidadania brasileira o desenvolvimento de um espíritocrítico capaz de filtrar as perniciosas influências propaladas em massa,principalmente, pela mídia eletrônica, com a utilização do rádio e da televisão,principalmente.

Para agravar a inconsciência social e a falta de espírito crítico a mídiaeletrônica mais contribui para desinformar e alienar os espíritos no interesse dareprodução e da continuidade do sistema capitalista, através de apelos comerciaisque desvalorizam o ser humano em detrimento de quinquilharias inúteis. Amanipulação da informação promovida no interesse comercial é maciça. A esserespeito, esclarecedoras as palavras de DEMO, Pedro. Introdução à Sociologia:Complexidade, Interdisciplinaridade e Desigualdade Social. São Paulo: Atlas, 2002. p.

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363: “Por conta do contexto do poder e da ideologia, toda informação tambémdesinforma, pois, ao não poder dizer tudo, diz seletivamente o que no momentoparece ser o caso dizer. Não estou referindo-me à informação deliberadamentementirosa, mas à informação comum, à linguagem cotidiana não problemática,bem como à linguagem científica. Em ciência, vale também a regra metodológica:todo dado revela e encobre a realidade, porque é construto interpretativo. Nessatrajetória, seria fundamental envolver os sistemas de informação em aparatos decontrole democrático, para que a desinformação possa ser reduzida ou pelomenos monitorada. A tendência do sistema capitalista de informação é, contudo,do monopólio, em todo o mundo, tamanha é a importância concedida a essetipo de mercado. Basta olhar que todos os políticos seguem de perto omovimento da mídia e, quando podem, buscam tornar-se donos de meios decomunicação. Muitos políticos entram no mundo do mercado capitalista pelavia da posse de meios de comunicação, porque entendem que dominar a mídiaé o fator preponderante do acesso e permanência no poder. Informação é,entretanto, meio. Fim é a formação.”

Sobre as deficiências do sistema educacional discorre com maestria omesmo autor DEMO, Pedro. op. cit. p. 324: “A população excluída está condenadaà escola pública, quase sempre coisa pobre para o pobre. Quem pode a evita,inclusive professores públicos que nela trabalham. Aí a gratuidade indiscriminadanão é problema, porque, destituída de qualidade, essa oferta somente atrai oexcluído, tendencialmente. O princípio universal da gratuidade indiscriminadaé correto apenas em contextos de relativa igualdade social, como em países dowelfare state. Em situações de extrema desigualdade, funciona pelo avesso:discrimina tanto mais a quem deveria proteger. Quanto melhor for a qualidadeda universidade pública gratuita, tanto mais é assaltada pela elite, em cujo baileencontra também certa esquerda: na defesa indiscriminada, oculta-se que nobaile só estão elas. A grande maioria da população fica de fora, à espera deesmola. Temos aqui o apego a formalismos legais, com desprezo solene pelahistoricidade das sociedades, que não vivem de estruturas legais, mas da misériacotidiana a elas infligida. Ao contrário de ser conquista histórica formidável equase avatar da democracia tupiniquim, frutifica no cultivo ostensivo dosprivilégios da elite. Aí se educa a elite, para que como tal se mantenha. Emnome dos excluídos.”

A concentração de riqueza e renda no Brasil são patentes. Segundo oIBGE, o 1% mais rico detém mais de 53% da riqueza e mais de 29% da rendanacionais.

A erradicação do trabalho infantil encontra-se longe de ocorrer. A maioriados jovens brasileiros precisa contribuir com o seu trabalho para o orçamentodoméstico, abrindo mão de se qualificar adequadamente para melhor competirno mercado de trabalho.

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2 – A PERDA DE AUTORIDADE DOS PAIS NA FAMÍLIA E ACRISE DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

A família se vale da vida, da perpetuação da espécie e da integração nogrupo para atender as necessidades básicas de formação do ser humano nasdimensões biopsíquica e sociocultural.

Enquanto instituição social, não dispensa a autoridade dos pais parafiscalizar a coesão intragrupal no atendimento das necessidades dos seusmembros.

A principal função da família é, indubitavelmente, a de socialização dosdescendentes, a de transmitir regras, padrões, valores, tradições, costumes, ouseja, tudo que um ser em formação necessita aprender para ser aceito no gruposocial mais amplo.

Com efeito, a respeito do processo social de interação recíproca denominadosocialização discorre com maestria TURNER, Jonathan H.. Sociologia: conceitos eaplicações. São Paulo: Makron Books, 1999. p. 75.: “Todos nós nos tornamoshumanos através da interação com outros, e nela adquirimos uma personalidade,aprendemos como nos adaptarmos em sociedade e organizar nossas vidas. Esseprocesso de socialização na cultura e estrutura social é vital para a sociedade e parao indivíduo. Sem socialização não saberíamos o que valorizar, o que fazer, comopensar, como conversar, para onde ir ou como reagir. Não seríamos homens.Enquanto a socialização nos primórdios da vida é o mais importante, nuncaparamos de ser “ressocializados” através da trajetória da vida. Tal socialização nosajuda a fazer a transição para novas situações de vida; sem ela, seríamos robôsinflexíveis e vítimas de nossas antigas experiências.”

O papel socializador da família é ressaltado por CASTRO, Celso AntonioPinheiro de. Sociologia do Direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 104.: “Comoinstituição social, a família possui três funções principais: procriativa, educativa eeconômica. Desincumbe-se a família da função procriativa, garantindo a persistênciae a expansão do grupo, determinando o equilíbrio emocional pelacomplementaridade dos sexos. A família contemporânea tende a fixar-se nessafunção. A função educativa é complementar da anterior. Por ela, a família agecomo grupo eminentemente socializador, promove a integração dos novosseres humanos na comunidade. Ela é responsável pela transmissão da herançasociocultural que garante a continuidade do grupo. A família desempenhafunção econômica e garante a sobrevivência dos membros por intermédio dabusca dos meios de subsistência. A tendência atual é a participação cada vezmaior dos membros da família na produção fora do lar. Por isso, a famíliarestringe-se, aos poucos, à função procriativa. Na idade pré-escolar, a criança ésocializada em creches – nova instituição mantida pelo Estado ou por gruposde iniciativa privada – ou pela empregada doméstica.”

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Ocorre que, após a revolução das telecomunicações, com as invenções datelevisão e da rede mundial de computadores, os pais passaram a sofrer aconcorrência poderosa da mídia, enquanto eficientíssimo instrumento de difusãode valores, crenças, atitudes e aspirações, geralmente dissonantes dos princípiosque norteiam a educação familiar.

A respeito do poder da mídia enquanto instrumento poderoso de difusãode valores, ideologia, sentimentos e aspirações discorre VILA NOVA, Sebastião.Introdução à Sociologia. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 174.: “A unilateralidadepredominante na interação feita com a intermediação dos modernos meios decomunicação de massa – cinema, rádio, televisão, jornal – é um eficientíssimo e,por isto mesmo, perigoso instrumento de dominação e manipulação das massas,através da transmissão de crenças e valores, bem como, em conseqüência, daformação de opiniões e atitudes.”

Desde a erotização subliminar promovida pelas apresentadoras deprogramas infantis, passando pela desenfreada violência, tônica dos desenhosanimados, bem como das produções cinematográficas principalmente norte-americanas, sem falar nas minisséries nacionais tais quais, verbi gratia, Presença deAnita, afora a apologia do crime em programas tipo Linha Direta, onde o modusoperandi de diversas infrações penais é semanalmente exibido, até chegar aentrevistas e programas que desconhecem a fronteira entre o público e o privado,desrespeitadores da intimidade, da vida privada e da honra, tais como Casa dosArtistas e Big Brother, a mídia eletrônica é um convite à criminalidade. Antes quese esqueça, há ainda os apelos publicitários ao consumo de drogas e álcool,recheados de gente jovem, saudável e esteticamente agradável.

Some-se a essa perversão, o fato de ser na infância e na juventude oprocesso de socialização mais intenso, devido os jovens possuírem a necessidadenatural de auto-afirmação, eis a tarefa hercúlea dos pais, enquanto titulares dopátrio poder sobre os filhos.

Outro fator que dificulta a socialização dos pais na família foi ocomponente histórico da urbanização a partir de meados do século passado,quando a mulher passou a ocupar os postos de trabalho, deixando de apenasdedicar-se à administração doméstica e à educação dos filhos, com o escopo decontribuir com o poder aquisitivo da família. Isto tem levado a uma diminuiçãoda atenção dispensada aos infantes pelos seus reais socializadores, seus pais, quesão gradativa e insatisfatoriamente substituídas por empregadas domésticas,babá ou pela mídia eletrônica.

Sabido que WEBER conceitua poder como sendo “toda probabilidadede impor a própria vontade numa relação social, mesmo diante de resistências,seja qual for o fundamento dessa probabilidade”; sendo relação social o conjuntode ações sociais dotadas de significado; e ação social, “a ação individual influenciada

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pela ação dos demais”, tem-se que os pais devem exercer sua autoridade combastante equilíbrio. Não devem ser excessivamente permissivos, já que precisampromover a coesão, manter a ordem e preservar a estrutura familiar, nemtampouco autoritários, postura que promove desintegração pela revolta.

A melhor opção é o equilíbrio, o diálogo, o debate, a convivênciarespeitosa. “É proibido proibir”. “Censura nunca mais”. De nada adiantadesligar os aparelhos, controlar o acesso à rede mundial de computadores. Aproibição serve para despertar curiosidade. Pode ser ainda mais prejudicial. Émelhor acompanhar, colocar as intenções subjacentes, interpretar os comerciaisobjetivos, construir a estrada da parceria. É melhor prestar atenção aos filhos,cotidianamente, que se surpreender com toda a rebeldia que a sua energiareprimida é capaz de causar.

Sobre a contemporânea crise de autoridade dos pais na família esclareceCASTRO, op. cit. p. 101: “Todas as instituições possuem uma autoridade queas encabeça e se orientam por ela. Quando essa autoridade perde o poder,duas opções manifestam-se: ou a pessoa portadora da autoridade serásubstituída, ou a instituição imerge em crise. Esse fenômeno lembra-nos opensamento assaz repetido de Lao Tsé: “Se o teu poder não mais receberespeito, um outro poder está a caminho.” Por outro lado, observando, porexemplo, a crise da família contemporânea, verificamos o reflexo na decadênciada autoridade dos pais. Tratando-se de transição, mudança de concepçãoinstitucional da família ou fenômeno ainda não devidamente diagnosticado,o certo é que o sentido difundido de “autoridade” dos pais sofrequestionamento.”

Tal crise familiar é um fenômeno global e provoca conseqüências emtodos os demais setores institucionais, contribuindo decisivamente para aformação de indivíduos que não respeitam regras, limites, desintegradores sociais.

Se você é pai, lembre-se “há o tempo de plantar e o tempo de colher”,crianças e adolescentes rebeldes tendem a conduzir-se desregradamente na escola,bem como tornar-se futuros criminosos em potencial. Se você é filho, reflitasobre os versos de Renato Russo: “Você me diz que seus pais não entendem,mas você não entende seus pais. Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo;são crianças como você. O que você vai ser quando você crescer ?”

3 – MOTIVAÇÃO SOCIAL DA MAIORIA DOS DELITOSPRATICADOS PELA JUVENTUDE BRASILEIRA

Há enorme mistificação em torno do Estatuto da Criança e do

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Adolescente na sociedade brasileira. Muitos acreditam que a lei tornou as criançase os adolescentes brasileiros inimputáveis. Ledo engano, os infantes e jovensrecebem medidas socioeducativas pelos atos infracionais que cometem, que vãodesde a simples advertência até a internação em regime fechado.

As sanções encontram-se, de igual forma, previstas. Ocorre que a funçãoressocializadora da Justiça da Infância e da Juventude é mais enfatizada, emvirtude de serem tais criaturas seres em formação. O objetivo é que através deuma equipe multidisciplinar de pedagogos, assistentes sociais, psicólogos eoutros profissionais de saúde, advogados, haja uma retransmissão e reassimilaçãode normas, costumes, crenças, que possibilitem ao jovem que cometeu atoinfracional um retorno saudável ao convívio social.

Tal tendência ressocializadora é ressaltada diante da constatação de que oagravamento das sanções penais, bem como dos regimes de cumprimentos depena ao invés de contribuir para a redução da criminalidade, pelo contrário, leva,não só ao incremento dos índices de violência, além de difundir na opiniãopública.

Segundo o Ministério da Justiça, in MATTAR, Hélio. Reduzir a maioridadepenal é fuga. Folha de São Paulo. 31 de janeiro de 2001, p. A – 3: “73,8% dasinfrações cometidas por jovens atentam contra o patrimônio e, dessas, 50% sãofurtos. Só 8,5% das infrações atentam contra a vida.”

Acontece que tais atos infracionais atraem a atenção da mídia interessadana exibição da miséria humana e não preocupada com a informação verdadeira.

Obviamente, a delinqüência juvenil brasileira apresenta causa social, enão será através de lei que o problema será equacionado.

WEBER já explicitava com muita propriedade a ineficiência da estruturapolítica estatal enquanto causa da criminalidade. O indivíduo que crê na validadee na eficácia do ordenamento jurídico, acredita que seu comportamento desviadoserá sancionado e não restará impune, orienta de acordo com essa crença a suaconduta, e tende a se comportar de molde a atender as expectativas decomportamento padronizado.

Mas num sistema jurídico como o nacional, onde competentesadvogados possuem à disposição da defesa de seus constituintes um semnúmero de recursos, que podem ocasionar, inclusive, prescrição, o crédito naimpunidade se alastra e com ele os índices da criminalidade.

CONCLUSÃO

Nesta sociedade capitalista, neoliberal e excludente, onde as políticaspúblicas encontram-se crescentemente sucateadas, no interesse econômico da

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elite internacional, formada pelos monopólios e oligopólios, os indicadores dasociedade brasileira acabam constituindo-se na principal causa da delinqüênciajuvenil, principalmente, o analfabetismo, a concentração de renda e o trabalhoinfantil.

Para garantir às crianças e aos jovens brasileiros seus direitos humanos efundamentais, dentre os quais se destaca o de serem socializados adequadamentepela família, e por um sistema educacional de qualidade é necessária umaconscientização da sociedade brasileira de que não será por mudança legislativaque o problema da delinqüência juvenil será resolvido, mas sim através da eficiênciada estrutura política estatal, que deve intervir na economia visando à redução dasdesigualdades sociais e regionais.

Reduzir a maioridade penal seria punir duplamente o futuro do Brasil,alimentando ainda mais o espiral da violência, da miséria e da exclusão socialdesse início de milênio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Celso Antonio Pinheiro de. Sociologia do Direito. 6. ed. São Paulo:Atlas, 1999.

DEMO, Pedro. Introdução à Sociologia: Complexidade, Interdisciplinaridade eDesigualdade Social. São Paulo: Atlas, 2002.

MATTAR, Hélio. Reduzir a maioridade penal é fuga. Folha de São Paulo. 31 dejaneiro de 2001.

TURNER, Jonathan H.. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: MakronBooks, 1999.

VILA NOVA, Sebastião. Introdução à Sociologia. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

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A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS E ADEMOCRATIZAÇÃO NO PROCESSO CIVILAspectos de cidadania

Suzete Ferrari Madeira Martins é juíza de Direito titular do Juizado EspecialCível e Criminal de Lagarto/SE. Mestranda em Direito, Estado e Cidadania,pela Universidade Gama Filho – Rio de Janeiro.

Sumário: Introdução; 1. Aspecto histórico evolutivo; 1.1. Evoluçãohistórica dos paradigmas Estado/Direito; 1.1.1. O Estado Liberal deDireito; 1.1.2. O Estado Social de Direito; 1.1.3. O Estado Democráticode Direito; 2. A motivação das decisões no pensamento tradicional;3. A motivação das decisões judiciais no paradigma do EstadoDemocrático de Direito; 4. Reflexos legislativos no novo paradigmajurídico; 5. A função política da motivação das decisões judiciais; 5.1.Imparcialidade do juiz; 5.2. Legalidade; 5.3. Justiça das decisões; 6.O papel do Judiciário e do juiz na aplicação da lei; 6.1. Justiça cidadã.Conclusão.

INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é elaborar uma abordagem sobre o princípioconstitucional da motivação das decisões judiciais, sob a ótica do princípiodemocrático de direito e o exercício da cidadania.

A escolha do tema deveu-se ao entendimento de que o processo civilmoderno vive uma nova dimensão paradigmática e muitos de seus institutosdevem ser repensados à luz desses novos paradigmas.

Não se pode afastar do momento atual a importância do processo paraa realização e a efetivação dos fins democráticos consagrados na Constituiçãobrasileira. Dentre tantos desses institutos democráticos, enfrentar-se-á o princípioda motivação das decisões judiciais, ante a sua relevância social, visto que além dealcançar as partes envolvidas no processo, projeta-se para fora dele refletindo emtoda a sociedade, quer seja nacional e internacional.

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 168

A motivação das decisões é o meio pelo qual o juiz expõe todo o raciocíniode seu convencimento ao dizer o direito no caso concreto. Portanto, as razões dedecidir – ratio decidendi – é que irradiam o grau de justiça de uma decisão. Aopublicar a sentença, os papéis sociais se invertem e o julgamento popular recaisobre o decisum. Esta transparência jurídica é o mais insigne instrumento dedemocracia e cidadania. Através dela se tem o “termômetro social”, a censura oua aprovação. A sociedade passa a ter força política controladora de seu própriodireito.

Portanto, temas de relevância social como a democracia e cidadania,associados ao processo civil e à motivação das decisões judiciais é que se pretendeabordar.

1. ASPECTO HISTÓRICO EVOLUTIVO

O princípio da motivação das decisões judiciais, embora somente tenhasido erigido à instância constitucional em 1988, não era, até então, matériadesconhecida no nosso ordenamento jurídico. Abordar-se -á um breveretrospecto histórico deste princípio jurídico.

A motivação das decisões judiciais no Brasil é uma regra trazida peloDireito Português, através das Ordenações Filipinas, a qual dispunha no LivroIII, Título LXVI, § 7º que:

E para as partes saberem se lhes convêm apelar ou agravardas sentenças definitivas, ou vir com embargos a elas, e osjuízes da mor alçada entenderem melhor os fundamentos,por que os juízes inferiores se movem a condenar, ou absolver,mandamos que todos nossos desembargadores, e quaisqueroutros julgadores, ora sejam letrados, ora não o seja, declaramespecificamente em suas sentenças definitivas, assim naprimeira instância, como no caso da apelação ou agravo, ourevista, as causas, em que se fundaram a condenar ouabsolver, ou a confirmar ou revogar.

Esta regra do Direito Português incorporou-se ao nosso Direito atravésdo Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, que determinava em seuartigo 232 a obrigatoriedade do juiz motivar as suas decisões.

Esta disposição também foi seguida pelos códigos estaduais aos quaisdeterminavam que as sentenças prolatadas pelos juízes fossem fundamentadasde fato e de direito. A exemplo, têm-se os seguintes códigos de processo civilestaduais: Maranhão, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Minas Gerais,São Paulo, Distrito Federal, Ceará e Paraná.(NERY JÚNIOR, p. 181, 2002) 1

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Com o advento do Código de Processo Civil Nacional de 1939 o princípiocontinuou erigido em dois de seus dispositivos, no parágrafo único do artigo118 e inciso II do artigo 280, ambos dispositivos determinavam ao juiz quefundamentassem suas sentenças mencionando os fatos e circunstâncias quemotivaram o seu convencimento e a razões de direito em que se baseou para ojulgamento da causa.(NERY JÚNIOR, 2002, p. 182).

Já no Código de Processo Civil atual esta orientação se apresenta emvárias disposições. O artigo 131 concede ao juiz liberdade para apreciar a provados autos, mas impõe que o juiz deverá indicar na sentença os motivos queformaram o convencimento. O artigo 458 dispõe que os fundamentos sãorequisitos essenciais da sentença e neles o juiz analisará as questões de fato e dedireito, exigência essa também feita aos acórdãos, como se vê do artigo 165 quetambém, impõe que decisões interlocutórias sejam fundamentadas, ainda quede modo conciso. (ROSAS, 1999, p. 42).

O princípio da motivação das decisões judiciais figurou nos textosconstitucionais desde 1967, entretanto, não expressamente como foi elevadopelo constituinte de 1988. A nossa Constituição instituída sob a nova ordemdemocrática de Direito seguiu uma tendência constitucional internacional, trilhoupelo mesmo iter de outras constituições, como a italiana, grega, alemã e instituiuno inciso IX do artigo 93, textualmente esse princípio:

Art. 93. omissisIX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciárioserão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob penade nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir,limitar a presença, em determinados atos, às próprias partese seus advogados, ou somente a estes;

1.1. Evolução histórica dos paradigmas Estado/Direito

1.1.1. O Estado Liberal de Direito

O Estado Liberal de Direito contrapondo-se à concentração dos poderese as arbitrariedades dos governos absolutos, nasce alicerçado nos princípios daigualdade, liberdade e fraternidade, tendo como principal característica a submissãode todos perante a lei, principalmente, o Estado. A lei é compreendida como atoemanado do poder competente – Poder Legislativo – dotada de abstração egeneralidade. Outra característica do Estado Liberal de Direito é a divisão dospoderes e, também, enunciava as garantias dos direitos individuais. Essasgarantias, portanto, compreendiam os direitos fundamentais individuais, ouseja, apenas os direitos civis e políticos, pois o ideal máximo do Estado Liberal

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de Direito era garantir a liberdade individual, visando a não intervenção doEstado.2

Tal concepção do Estado servia de apoio aos direitos humanos, já quehouve conversão da figura de súditos para cidadãos livres. Entretanto, tal conceitose tornou insuficiente diante da transformação da realidade política. Houve,também, conceitos deformadores do Estado de Direito, diante da dificuldadede se definir Estado e ainda Direito. A concepção formal de Estado de Direito,ou seja, limitando-se à reunião formal de conceitos de Estado e de Direito,levou até mesmo a justificar o conceito do Estado Fascista.

Nascida sob o manto do Estado Liberal, a Constituição brasileira de 1824,também somente declarava e protegia os direitos individuais, não se preocupandocom os direitos sociais. Ao Estado cabia garantir, através da lei, as relações sociaise compatibilizar os interesses privados de cada um com aos interesses de todos.Vê-se, pois, que o Estado não se preocupava com bem-estar coletivo.

No Estado Liberal de Direito o critério de Justiça era o da igualdadeformal, com vinculação à literalidade da lei ou no seu sentido lógico, o critériohermenêutico era o lógico-dedutivo de subsunção ao caso concreto – sistemacartesiano. Portanto, sua atividade era puramente passiva, limitando a aplicar alei, refletindo a vontade estatal, ou seja, a vontade do legislador mens legislatore.Nessa fase, o papel do juiz, chamado moderno, era de aplicar os códigos e elepassa a ser o juiz legalista, o servo da lei: lê juge c´est la bouche de la loi.(SCHIAVONE, 1986), o juiz é a boca da lei.

1.1.2. O Estado Social de Direito

O Estado Liberal fincando seus objetivos na liberdade individual,abstendo-se das questões sociais, gera enormes injustiças. Surge, então, o EstadoSocial de Direito com bases ideológicas antiliberais e com objetivos de realizaçãode justiça social. Nessa concepção o Estado surge como “provedor” dasnecessidades públicas (welfare state), o Estado do Bem-Estar Social. O Estado,assim, torna-se responsável pelas garantias materiais mínimas, como saúde,educação, proteção ao trabalhador, etc. A postura neutra do Estado Liberal nãomais existe. O Estado Social passa a intervir na economia diretamente ouatravés de ações de propostas assistenciais, procurando, destarte, reduzir asdesigualdades sociais por meio de prestação de serviços ou concessão de direitos.

O Estado Social de Direito garante os direitos fundamentais de primeirageração: os direitos civis e políticos, direitos individuais como a vida, apropriedade, segurança individual e liberdade, como também garante os direitosde segunda geração: direito a igualdade, direitos sociais, culturais e econômicos,direitos coletivos ou da coletividade. (BONAVIDES, 1993, p. 476).

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Ao Poder Judiciário, diversamente do primeiro paradigma, cumpre aplicaro direito material ao caso concreto de modo construtivo, procurando interpretara norma em seu sentido teleológico e não mais de acordo com a vontade dolegislador. O julgador decide através de um esforço hermenêutico de integraçãoda norma, enfrentando os desafios de um direito lacunoso e pleno de antinomia.A tônica agora é colocada no controle judicial da constitucionalidade das normas,bem como nas omissões legislativas inconstitucionais.

1.1.3. O Estado Democrático de Direito

Diante desse momento político, a dinâmica da sociedade através de seusmovimentos sociais clama por justiça social e um Estado democrático. O EstadoLiberal de Direito e o Estado Social de Direito, nem sempre caracteriza o EstadoDemocrático. (SILVA, 1996, p.118) O Estado Democrático “é o governo dopovo pelo povo, com o povo, para o povo”. (FERREIRA, 1989, p.34)

Uma coisa é Constituição do Estado Liberal, outra a Constituição doEstado Social. A primeira é uma Constituição antigoverno e anti-Estado; asegunda, uma Constituição de valores refratários ao individualismo no Direitoe ao absolutismo no poder.(BONAVIDES, 2002, p. 336)

O Estado Democrático de Direito não é o somatório dos conceitos deEstado Democrático e Estado de Direito, mas um novo conceito que adicionacomponentes outros, elemento revolucionário de transformação no “statusaquo”. (SILVA, 1996, 119).

A Constituição brasileira de 1988 em seu artigo 1º proclama a RepúblicaFederativa do Brasil um Estado Democrático de Direito, ensina José Afonso daSilva (1996, p. 118) que não se trata aqui de uma mera promessa, mas suafundação do Estado Democrático. Este Estado se funda no princípio dasoberania popular e impõe a efetiva participação do povo na coisa pública. Estaparticipação não se exaure com a formação das instituições representativas, sendoque nela está inserida a participação do povo no processo do poder, isto é, aparticipação popular no processo político e na formação dos direitos e nos atosdecisórios, que qualificam a cidadania. (SILVA, 1996, p. 137)

No Estado Democrático de Direito a qualidade democrática qualifica oEstado, isto é, irradia os valores democráticos a todos os elementos constitutivosdo Estado e sobre a ordem jurídica. Deflui-se, portanto, que o direito terá quese ajustar ao interesse coletivo (SILVA, 1996, p. 120). É um tipo de Estado quecoloca em confronto o processo contraditório e o mundo contemporâneo,procurando superar o capitalismo e se transformar num Estado promotor dejustiça social.

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A este propósito, é relevante citar, in verbis, José Afonso da Silva (1996, p.121):

A Constituição de 1988 não promete a transição para osocialismo com o Estado Democrático de Direito, apenasabre as perspectivas de realização social profunda pelaprática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exercíciodos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilitaconcretizar as exigências de um Estado de justiça social,fundado na dignidade da pessoa humana.

A democracia realizada no Estado Democrático de Direito é um processo deconvivência social, onde a sociedade é justa , livre e solidária (artigo 3º C.F/88), emque o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamenteou por representantes do povo (artigo 1º, parágrafo único) com a participação crescentedo povo no processo decisório e na formação dos atos de governo. A democracianeste modelo de Estado também é pluralista, uma vez que aceita e respeita apluralidade de idéias, culturas e etnias, bem como favorece o diálogo entre a opiniõesopostas, o que possibilita a convivência entre diferentes seguimentos da sociedade.Este é um processo de liberação da pessoa humana, de toda forma de opressão, nãopelas garantias formais de direitos individuais, políticos e sociais, mas pelofavorecimento do pleno exercício das condições econômicas, visando a minimizaros efeitos das desigualdades. (SILVA, 1996, p, 120).

No que concerne às decisões judiciais, a sua motivação é exigência doEstado Democrático de Direito, pois o alcance democrático delas está nos seusfundamentos, uma vez que sua eficácia depende da legitimação social.

O modelo interpretativo positivista lógico-formal do Estado Liberalnão mais satisfaz os novos paradigmas democráticos. Busca-se o sentido materialda norma, como instrumento destinado a estabelecer a adequação entre direitoe sociedade; Estado e legitimidade (BONAVIDES, 2002, p. 434)

No Estado Democrático de Direito o princípio da legalidade é basilar,pois é da sua essência fundar-se na Constituição e na lei democrática. Entretantoa lei aplicada no Estado Democrático é aquela que realiza “o princípio da igualdadee da justiça, não pela sua generalidade, mas pela busca da igualdade das condiçõesdos socialmente desiguais”. (SILVA, 1996, p. 121) Destarte, a lei no EstadoDemocrático de Direito não se impõe pela sua formalidade, abstração egeneralidade mas pela sua função fundamental de regulamentação, capaz deinfluir na realidade social com força transformadora, impondo mudanças sociaisdemocráticas e garantindo valores socialmente aceitos. (SILVA, 1996, p. 122)

Assim, a motivação das decisões judiciais é princípio constitucional queexplicita o Estado Democrático de Direito, à medida que elas são aceitas e

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legitimadas pela sociedade. Não basta, portanto, a aplicação formal da lei, énecessário que a decisão tenha alcance democrático, isto é, seja aceita pela sociedadepara produzir a eficácia da norma.

Ensina Pinto Ferreira (1989, p. 33/34)Legalidade não significa a mesma coisa que legitimidade. Alegalidade repousa na força e no poder. A legitimidade temseu fundamento no consenso e na aceitação das regras deconduta pelo povo. Em grau mais elevado, a legitimidadedeve fundamentar-se ainda no sentimento de justiça, no ideárioda justiça social e de bem-estar da comunidade.

Ensina, ainda, o mestre que a autoridade é respeitada pela sualegitimidade, pela aceitação de suas decisões tomadas pelo poder e admitidasconsensualmente pelo povo. (FERREIRA, 1989, p. 34)

Sob este novo paradigma democrático a motivação das decisões judiciaisfoi erigida à categoria de princípio constitucional, adquirindo, assim, não apenasforça normativa, mas também força política.

2. A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES NO PENSAMENTOTRADICIONAL

Como se pode observar na breve exposição da evolução histórica destetrabalho, a motivação das decisões judiciais nos textos legais ali mencionadosseguiu a orientação doutrinária das Ordenações Filipinas, e era dirigida às partes– “para as partes saberem se lhes convém apelar ou agravar das sentenças definitivas, ou vircom embargos a elas...” – bem como aos tribunais – “e os juízes da mor alçadaentenderem melhor os fundamentos”. Era, pois, esta a finalidade da motivação dasentença: dar esclarecimento às partes dos motivos que levou o juiz a decidir, decomo ele formou o seu raciocínio e se convenceu dos fatos alegados. Da mesmaforma, estes esclarecimentos tinham como destinatário os juízes dos tribunais,para entenderem melhor a ratio decidendi do julgador.

Assim, a motivação da sentença tinha sua base filosófica no Estado deDireito, na qual buscava-se demonstrar que os valores deviam ser equilibrados.Era, pois, uma garantia endoprocessual das partes, como direito de ver suasargumentações devidamente apreciadas pelo magistrado, como decorrência dopróprio direito de ação. Deviam conhecer as razões da vitória ou da derrota parase convencerem da decisão. A este propósito é oportuno citar BARBOSAMOREIRA (1984).

Last but no least, trata-se de garantir o direito que têm aspartes de serem ouvidas e de verem examinadas pelo órgão

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julgador as questões que houverem suscitado. Essaprerrogativa deve entender-se ínsita no direito de ação, quenão restringe, segundo a concepção hoje prevalecente, à merapossibilidade de pôr em movimento o mecanismo judicial,mas incluir a de fazer valer razões em juízo de modo efetivo,e, por conseguinte, de reclamar o órgão judicial à consideraçãoatenta dos argumentos e provas trazidos aos autos.

Os dispositivos do Código de Processo Penal artigo 381, o Código deProcesso Civil artigo 165, a Consolidação das Leis de Trabalho artigo 832, revelamo modo puramente procedimental da lei, para satisfazer interesse das partes noprocesso. O Estado de Direito consagra a supremacia das normas, o respeitoaos direitos individuais e o controle jurisdicional do Poder Estatal, não só paraproteção da maioria, mas também, e basicamente, dos direitos da minoria.

O alcance, portanto, da motivação das decisões na nossa leiinfraconstitucional, tinha como meta garantir o Estado de Direito e,conseqüentemente, o direito de ação. Sua finalidade, portanto, era exclusivamenteprocessual.

3. A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES NO PARADIGMA DOESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A Constituição brasileira de 1988 ao erigir a obrigatoriedade damotivação das decisões judiciais a princípio constitucional, fê-lo em observânciaao novo paradigma político instituído com a nova carta: o Estado Democráticode Direito. Com este novo paradigma a motivação das decisões não só securvam ao Estado de Direito, mas também a um Estado Democrático.Portanto, a finalidade exclusiva do cumprimento normativo cede espaço parauma nova postura democrática, na qual os destinatários da norma não sãomais apenas as partes e Tribunal, mas também e, principalmente, a sociedade.A garantia das partes na aplicação do direito revela-se, também, como garantiada própria sociedade.

Diante dessa nova postura paradigmática, a função do processo nãomais satisfaz apenas como mero mecanismo de composição de litígio. O processodeve ser pensado a partir de sua efetividade, como instrumento de mudançasocial e aplicação da Justiça.

Bem a esse propósito são os ensinamentos de Antônio ScaranceFernandes (2000, p. 119):

Evoluiu a forma de se analisar a garantia da motivação dasdecisões . Antes, entendia-se que se tratava de garantia

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técnica do processo, com objetivos endoprocessuais:proporcionar às partes conhecimento da fundamentação parapoder impugnar a decisão; permitir que os órgãos judiciáriosde segundo grau pudessem examinar a legalidade e a justiçada decisão. Agora, fala-se em garantia de ordem política,em garantia da própria jurisdição. Os destinatários damotivação não são mais somente as partes e os juízes dosegundo grau, mas também a comunidade que, com amotivação, tem condições de verificar se o juiz, e porconseqüência a própria Justiça, decide com imparcialidadee com conhecimento de causa. É através da motivação que seavalia o exercício da atividade jurisdicional. Ainda, às partesinteressa verificar na motivação se as suas razões foramobjeto de exame pelo juiz. A este também importa amotivação, pois, através dela, evidencia a sua atuaçãoimparcial e justa.

Na metade do século XX algumas constituições democráticas traziamem seu contexto expressamente o princípio da motivação das decisões judiciais,como por exemplo, o artigo 111 da Constituição italiana3. Aquele país que tevea sua Constituição Republicana editada em 1947, seguiu a tendência democrática,do pós-segunda guerra. Os doutrinadores italianos, eminentes processualistas,como Calamandrei4, Cappelletti5, já doutrinavam a finalidade do processo comogarantia de justiça e não como puro tecnicismo formalista, buscando adaptar anatureza do processo à sua finalidade.

4 . REFLEXOS LEGISLATIVOS DO NOVO PARADIGMAJURÍDICO

Assim esta nova forma de pensar o Direito, longe de ser meramenteuma abstração, está refletindo-se de modo pragmático na vida profissional,como já se faz sentir nas alterações legislativas da reforma do Código de ProcessoCivil Brasileiro, com as Leis 1.952 de 13 de dezembro de 1994 e 10.444, de 7 demaio de 2002, que alterou, entre outros tantos, o artigo 273, 461 e 461-A doCódigo de Processo Civil e passou a exigir expressamente que as decisões dojuiz que antecipa a tutela de mérito sejam fundamentadas, como a seguirtranscritos:

Artigo 273. omissis§ 1.º Na decisão que antecipar a tutela , o juiz indicará, demodo claro e preciso, as razões do seu convencimento.”Artigo 461. omissis

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§ 3.º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendojustificado receio de ineficácia do provimento final, é lícitoao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediantejustificação prévia , citado o réu. A medida liminar poderáser revogada ou modificada , qualquer tempo, em decisãofundamentada.(grifei)Artigo 461-A. omissis§ 3.º Aplica-se à ação prevista neste artigo o dispositivo nos§ § e 1.º a 6.º do artigo 461.

Destarte, segue a lei ordinária os comandos já explicitados na Constituiçãobrasileira em seu artigo 93, IX, sendo, a reforma processual civil de granderelevância, fazendo com que a regra infraconstitucional venha coadunar-se comos novos paradigmas do Direito.

A importância dada à motivação das decisões judiciais nesta reforma é degrande relevo democratizante, uma vez que não se busca somente atender asnecessidades dos profissionais do Direito, mas abrir também esta argumentaçãopara o cidadão, destinatários da decisão, que poderá “ver satisfeita a sua expectativaem reconhecer que a decisão foi a mais eqüitativa, a mais razoável, a mais plausívelno caso concreto.” (MAIA, 1999, p. 411/412)

Outro grande diploma legal democratizante, que marcou umrompimento com a ideologia jurídica burguesa, 6 (BALDEZ, 1997, p. 254) foia Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, que regulamentou o artigo 98 daConstituição brasileira. Deu-se início a um compartilhamento de produção daJustiça entre juiz togado e juiz leigo, facilitando o acesso à Justiça. A este escopoensina Mauro Cappelletti (p. 23, 1994) que “a utilização de juízes leigoscorresponde ainda a uma finalidade de legitimação democrática da funçãojurisdicional, porquanto, o processo, com a participação destes juízes honorários,perde aquela característica esotérica que o converte em um instrumento estranhoe incompreensível para o grande público”.

Não se deve olvidar, também, dos demais diplomas legaisdemocratizantes que foram positivados, como a lei da Ação Civil Pública, nadefesa dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, os Juizadosde Pequenas Causas, agora Juizados Especiais, o Estatuto da Criança e doAdolescente, o Código do Consumidor e como já referido supra, as reformasdo Código de Processo Civil com o objetivo de tornar o processo eficaz,abandonando-se a idéia formal abstrata, para valorizar a eficácia das normas e aefetivação da jurisdição.

5. A FUNÇÃO POLÍTICA DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES

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JUDICIAIS

O processo, contemporaneamente, há que ter uma visão orgânica deinteração entre o social, o político e o jurídico (DINAMARCO, 1996, p. 154) epassa a ser visto como instrumento político de efetivação do próprio direito.Assim, ensina Cândido Dinamarco (1996, p. 317) que “a jurisdição não tem umescopo, mas escopos (plural)” e, ainda continua o jurista, que a destinação àjurisdição de apenas um escopo jurídico é muito pobre, pois os escopos sociaise políticos são ainda mais importantes.

Abordaremos neste trabalho apenas o escopo político da jurisdição, sobo prisma da participação legitimante da sociedade, com a finalidade de aferir aimparcialidade do julgador; a observância da legalidade e a justiça das decisões.

5.1. Imparcialidade do juiz

O princípio da imparcialidade do juiz7 é resguardado pelas garantias deindependência e vedações de parcialidade, outorgadas aos magistrados peloartigo 95 da Constituição brasileira e, ainda, pelo artigo 93, IX da mesma Cartanormativa, que através do princípio da motivação das decisões, reflete o princípioda imparcialidade e uma série de outros regramentos, como controle dadiscricionariedade judicial, a legalidade e a recorribilidade das decisões.

Ministra Piero Calamandrei (1960, p. 60), que a qualidade preponderantee inseparável da idéia de juiz, desde o seu surgimento, nos primórdios dacivilização, é a IMPARCIALIDADE. Continua o mestre ensinando que o juiz éum terceiro estranho no processo, que não partilha dos interesses e dossentimentos das partes litigantes, com uma postura externa do processo, examinao litígio com serenidade e desapego. O juiz está acima das partes. O motivo queo leva a julgar não é um interesse pessoal e nem é movido pelos sentimentosindividuais existentes no conflito, o interesse que o move é um interesse superiorde ordem coletiva, para que a contenda se resolva de modo pacífico, a fim depreservar a paz social. Essas são as razões que levam o juiz a manter-se afastadoe indiferente às solicitações das partes e ao objeto da lide. In verbis

Historicamente la cualidad preponderante que apareceinseparable de la idea misma del juez, desde su primeraaparición en los albores de la civilización, es laIMPARCIALID. El juez es un tercero extraño a lacontienda que no comparte los intereses o las pasiones de laspartes que combaten entre sí, y que desde el exterior examinael litigio con serenidad y con despego; es un tercero interpartes, o mejor aún, supra partes. Lo que lo impulsa a jugar

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no es un interés personal, egoísta, que se encuentre en contrasteo en connivencia o amistad con uno o con otro de los egoísmosen conflicto. El interés que lo mueve es un interés superior,de orden colectivo, el interés de que la contienda se resuelvacivil y pacificamente, ne cives ad arma veniant, para mantenerla paz social. Es por esto que debe ser extraño e indiferentea las solicitaciones de las partes y al objeto de la lite, nemoiudex in re propria.

A imparcialidade do juiz é pressuposto de validade do processo e, nestesentido, o órgão jurisdicional adquire a capacidade subjetiva. A incapacidadesubjetiva do juiz, ou seja, a suspeita de sua imparcialidade, macula a relaçãoprocessual. (CINTRA... et al, 2000, p. 52) A garantia desta imparcialidade,assegurada na Constituição (artigo 95), é prerrogativa concedida aos juízes paraa garantia de uma jurisdição livre de pressões de quaisquer ordem na conjunturasocial e possa ter o juiz tranqüilidade e liberdade para agir.

Como explicitado acima por Calamandrei, a jurisdição não visa somenteproteger interesse individual dos contendores, ela se projeta além do processo ealcança a coletividade, o bem-estar e a paz social. A garantia de justiça está naimparcialidade do juiz. A justiça é buscada pelas partes, a qual se realiza atravésdo processo e se reflete na sociedade. Assim, somente através de um juizprotegido de influências estranhas é que se pode alcançar, além da validade doprocesso, uma jurisdição justa.

Uma jurisdição justa, abstraída de ingerências externas, para garantia dadefesa dos direitos, também é preocupação dos organismos internacionais. ODireito internacional, ao disciplinar os direitos fundamentais do homem, colocaentre eles o direito ao juiz imparcial: 8 in verbis:

...toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade,de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunalindependente e imparcial, para a determinação de seus direitose obrigações ou para o exame de qualquer acusação contraela em matéria penal”.

Neste mesmo sentido a Comissão Americana sobre Direitos Humanos,em convenção ratificada pelo Brasil, através do Decreto n. 678, de 6 de novembrode 1992, que se tornou conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, tambémenaltece a imparcialidade do juiz ao disciplinar sobre as garantias judiciais no seuartigo 8, textualmente:

Art. 8 . Garantias judiciais1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas

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garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz outribunal competente, independente e imparcial, estabelecidoanteriormente por lei, na apuração de qualquer acusaçãopenal formulada contra ela, ou para que se determinem seusdireitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal oude qualquer natureza.

Vê-se, pois, que o princípio da imparcialidade do juiz, como garantia davalidade do processo e de produção da justiça assume caráter político e ético. Aimportância da questão e seus reflexos para toda a comunidade internacionaltrouxeram preocupações universais, a garantia dos direitos do homem e osdireitos humanos foram regulamentados no campo do direito das gentes.

É através da motivação da decisão que, a imparcialidade do juiz é aferidapelas partes, pelo Tribunal e pela sociedade. O juiz deve demonstrar o motivo eos elementos probatórios utilizados para formação do seu convencimento.Destarte, é de se notar aqui o fundamento democrático deste princípio processualconstitucional.

5.2. Legalidade

A legislação na dogmática analítica contemporânea, seguindo a tradiçãode origem romanística, é modo de formação das normas jurídicas, através deatos competentes provenientes do poder estatal de legislar e dos atossancionadores do presidente da República (TÉRCIO, 2001, p. 224). A suafinalidade é regular a conduta humana. As regras jurídicas exprimem a vontadedo legislador, sendo dotadas de caráter genérico ou universal, ou seja, suavalidade erga omnes, significando que ela deverá ser aplicada indistintamente aquem quer se situe na posição de seu destinatário. Embora, como ensina TércioSampaio (2001, p. 231), existam leis individuais, como por exemplo a Lei n.5.558, de 11 de dezembro de 1968, que prorrogou por cinco anos a duração dosdireitos autorais sobre as obras de Carlos Gomes.

O primado da legalidade é o sustentáculo do Estado Democrático deDireito. A essência do seu conceito é subordinar-se à Constituição e fundar-sena legalidade democrática. A lei no princípio democrático busca realizar o princípioda igualdade e da justiça, através da redução das desigualdades sociais.

A lei, portanto, tem grande relevância no Estado Democrático de Direito,não somente pelo seu aspecto formal de criação e modificação da norma jurídica,mas também pela sua função regulamentadora que a torna “ato oficial de maiorrealce na vida política” (SILVA, 1996, p. 122). Dita as regras de conduta,predeterminando a maneira de como a sociedade deve guiar-se na realização de

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seus interesses.A lei na sociedade hodierna perdeu o conceito puramente formal que

imperou no Estado de Direito clássico, pois para ter eficácia é preciso estar emconsonância com a realidade voltada para as transformações políticas, econômicase sociais, como no dizer de José Afonso da Silva (1996, p. 122) “caracteriza-secomo desdobramento necessário do conteúdo da Constituição”, exercendofunção transformadora da sociedade.

A lei, embora não seja, contemporaneamente, mais conceituada somentepelo seu império, ela é a bússola orientadora do julgador, é limite mínimonecessário para a atuação do intérprete. A decisão a ser tomada deve estar conformea lei, uma vez que ao ser editada ela passa, através do legislador, pela análiseaxiológica. Entretanto, se a lei pode não mais corresponder aos anseios sociaispara os quais foi criada, cabe ao juiz ajustá-la à realidade social. Daí, a importânciada motivação das decisões e o fundamento de seu caráter democrático, uma vezque as decisões poderão ser aferidas popularmente através de sua justificativa. Atodos interessam decisões justas, todavia, deve demonstrar o juiz que respeitouos limites da lei, e se julgou contra ela, tornar evidente quais foram as suas razõesde decidir.

5.3. Justiça das decisões

A justiça da decisão está conectada com a efetividade do processo.O processo contemporâneo segue as tendências instituídas na nova forma

do Estado brasileiro. Tomando como supedâneo as diretrizes estabelecidas nopreâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual tem ajustiça como valores supremos da sociedade e, ainda segundo aquele textoconstitucional, a sociedade brasileira deve ser construída sob bases fraternas,pluralistas e sem preconceitos. Os juízes nas suas decisões devem pautar-se peloo critério da Justiça. Oportuno, pois, citar as palavras de Roberto Rosas (1999, p.210) “a justiça materializa-se no processo. Para atingir esta materialização hánecessidade do processo tornar-se viável e legítimo”, e prossegue o mesmoautor “somente a justiça dirigida ao social pode veicular esse liame entre justiçae processo”.

Ainda para Rosas (1999, p. 211), citando Ricaséns Siches, a justiça e aliberdade estão no mundo social e, portanto, na justiça social9, sem a justiçasocial implanta-se o governo despótico. Por isso, a liberdade é corolário dadignidade moral do homem que encerra no próprio indivíduo o seu fim.

A justiça da decisão deve ser entendida não apenas como o conteúdomaterial da sentença, mas em todos os atos que envolvem o processo, isto é,começa pela análise da celeridade do processo, da apreciação da aprova, da

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subsunção dos fatos à norma, a interpretação dos textos do direito positivo(CINTRA, 2000, p. 35), bem como o reexame das decisões pelas vias recursais.

No que diz respeito à celeridade do processo é impossível deixar de citaro mestre Rui Barbosa e seu magistral discurso “Oração aos Moços”, nessa obra,Rui Barbosa escreveu a célebre frase que se tornou uma máxima: “justiça atrasadanão é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Portanto, a celeridade noandamento do feito é meio para se medir a justiça ou injustiça da decisão e daefetividade do processo, uma vez que a sentença obtida pode não ser mais útilao seu destinatário imediato. Sentença atrasada é sentença qualificadamenteinjusta, porque provém de um Órgão que tem compromisso com a justiça.

Quanto à prova, esta é o instrumento pelo qual o juiz forma a suaconvicção a respeito da veracidade dos fatos alegados. Por conseguinte, a provaé elemento essencial para a formação do convencimento do juiz, “é o farol quedeve guiar os juízes nas suas decisões” (Ordenações Filipinas, livro III, título63)10. A análise deturpada da prova ou a ausência da sua apreciação conduz ojulgador a conclusão não verdadeira. Destarte, a atenção acurada do juiz noexame das provas é relevante para a produção de decisões justas.

No tocante à subsunção dos fatos à norma e a interpretação do direitopositivo são duas atividades de inteligência do juiz que se desenvolvem demodo correlato, pois estão intrinsecamente ligadas. O julgador, por exigênciado próprio sistema, empreende no processo uma atividade retórica que consistena motivação das decisões. É através da justificabilidade e da racionalidadehermenêutica utilizada pelo juiz, no caso concreto, que se pode debater sobre ajustiça ou a injustiça da decisão.

O sistema recursal - duplo grau de jurisdição – é instituto politicamentevinculado à idéia de Estado Democrático e tem por objetivo submeter a umanova apreciação jurisdicional a matéria já decidida, com o propósito de assegurara justiça das decisões. (MOREIRA, 1996, p. 131)

Depreende-se, portanto, que a motivação das decisões judiciais exerce asua função política à medida que garante às partes e à sociedade, através dos atospraticados no processo, interferir nela para adequá-la à realidade e às exigênciassociais, ou aceitá-la, legitimando-a.

6. O PAPEL DO JUDICIÁRIO E DO JUIZ NA APLICAÇÃO DALEI

Foi dito, no item 4 supra, que na visão do processo contemporâneo,como ensina Dinamarco, existem escopos de interação entre o social, o políticoo jurídico. Também foi dito no item 4.3, que a justiça da decisão está conectadacom a efetividade do processo. Não há, portanto, como dissociar o Poder

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Judiciário, o juiz, o processo e a justiça.Esta conexão entre os escopos do processo, delineada por Cândido

Dinamarco, leva a uma reflexão sobre a postura do Judiciário e do juiz naaplicação da lei e os fins do Estado contemporâneo.

Ensina Fábio Konder Comparato11 que os franceses, abstraindo a idéiacentral dos norte-americanos de que Constituição é um ato de vontade coletivoe “instrumento de refundação, em novas bases, da sociedade política”,solenemente, em 26 de agosto de 1789, afirmaram na Declaração de Direitos doHomem e do Cidadão, nela está consignado que toda a sociedade constituídatem por finalidade precípua garantir a livre fruição dos direitos humanos. Assimestatuído ao artigo 16 daquela declaração:

Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada agarantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderesnão tem Constituição.

Continua o mestre, lecionando que a “separação dos poderes, como precisoua ciência jurídica contemporânea, nada mais é do que uma garantia institucionaldos direitos humanos, ou seja, uma forma de organização interna do Estado,destinada a impedir o abuso de poder”. Parafraseando, Comparato, relembraressa idéia matriz do Estado Constitucional é de suma importância para este estudo,à medida que se procura por em evidência os fins do Estado na construção de umasociedade livre, justa e solidária (art. 3º da Constituição brasileira).

O Poder Judiciário na construção dessa sociedade assume importantegrau de relevância, na medida em que ele não é apenas o guardião da Constituição,mas também a expressão do poder estatal. Ministra Cândido Dinamarco (1998,p.150) que a jurisdição é canalizada à realização dos fins do próprio Estado e, emface das mudanças das diretrizes políticas, os objetivos do Estado tambémsofrem variações no tempo e no espaço. Prossegue o Autor afirmando (1998, p.153) que a jurisdição não pode haver somente um escopo, que o corretoenquadramento político do processo, conduz à insuficiência desta determinaçãoe inadequação de todas as posturas que defendem somente o escopo judicial doprocesso. Insurge aquele professor contra as posições que buscam a resposta doproblema nos quadrantes do Direito, sem se reportarem para o aspecto sócio-político em que a própria função jurisdicional está inserida, deixando na sombraa relevante função do Direito perante a sociedade.

Nas lições de Cândido Dinamarco, (1998, p. 153) hoje épreciso projetar para fora todo o estudo teleológico da jurisdiçãoe do sistema processual, ir além do objetivo puramente jurídicoda jurisdição e enfrentar as “tarefas que lhe cabem perantea sociedade e perante o Estado como tal”. Diz textualmente

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o jurista: (1998, p. 153)

O processualista contemporâneo tem a responsabilidade de conscientizaresses três planos, recusando-se a permanecer num só, sob pena de esterilidadenas suas construções, timidez ou endereçamento destoante das diretrizes dopróprio Estado social.

Sendo o Judiciário, Poder da República Federativa do Brasil, os juízes,desembargadores e ministros integrantes do aparato desse Poder, recebem dopovo, através da Constituição,12 a legitimação formal de suas decisões. Contudo,essa legitimação formal por si só não tem força de sustentação e necessita de umoutro ponto de complementação que é a legitimação social. Esta somente ocorrequando os julgadores cumprem o seu papel constitucional, decidindo comjustiça e protegendo eficazmente os direitos da sociedade. Segundo Dalmo deAbreu Dallari (1996, p. 87), “essa legitimação tem excepcional importância pelosefeitos políticos e sociais que podem ter as decisões judiciais”.

Ainda citando Abreu Dallari (1996, p. 87) os juízes, no Estado moderno,são agentes do povo, de quem recebem o poder por delegação, e não mais agentedo rei ou de aristocratas poderosos. Assim, nesta qualidade, de agentes dopovo, o Poder Judiciário e os juízes têm um papel constitucional a ser cumprido,que é a atualização de concepções e a superação do legalismo formalista.(DALLARI, 1996, p. 95)

Segundo o mesmo Autor, (DALLARI, 1996, p. 95) os juízes por víciosanacrônicos do ensino jurídico, associado à sua mentalidade, comumente dãorealce aos aspectos formais e desprezam “a questão da justiça de suas decisões.”Com esse pensamento pleno de técnicas e modelos de interpretação, o julgadoraplica a lei atribuindo ao legislador as injustiças de suas sentenças. É o juiz“escravo da lei”, tentando com isso demonstrar a sua imparcialidade e neutralidadee, ainda, deixando transparecer que o juiz é mero aplicador da lei comorigorosamente foi estabelecido pelo legislador.

Este rigor legal se fazia justificar no século dezessete, para o fortalecimentodo Estado moderno. Francisco Bacon13 em sua doutrina dizia que: “os juízesdevem lembrar-se que sua função é jus dicere e não jus dare”, isto é, interpretar a leie não fazer a lei ou dar a lei.

O legalismo formalista praticado hoje por muitos juízes, na doutrina deAbreu Dallari, (1996, p. 96) tem outra origem e não mais a do fortalecimento doEstado do século dezessete. Para o jurista, o legalismo atual surge no séculoXIX como uma das inovações da Revolução Francesa: o “princípio dalegalidade”, que tinha por objetivo a limitação do poder do Estado, através documprimento estrito da lei, pelos órgãos estatais.

Leciona Abreu Dallari (1996, p. 96) que a Suprema Corte americana, no

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século XIX reconhece “que não se é possível julgar com justiça aplicando a lei emseu estrito sentido literal, ignorando a mudança do sentido das palavras, dascircunstâncias sociais, dos costumes e da própria escala de valores dos povos,influenciados por novas condições de vida e de convivência”. Continua oprofessor dizendo que a mesma Corte Suprema, neste mesmo século, acrescentaque para a aplicação justa da lei era indispensável considerar as circunstânciashistóricas dos fatos a serem julgados. Já no Século XX, sob a pressão dosmovimentos sociais, aquela Corte reconheceu a necessidade de considerar osvalores sociais e os efeitos da aplicação da lei sob o indivíduo e a sociedade parauma aplicação justa.

No que toca ao Direito brasileiro, neste diapasão, o jurista Abreu Dallari(1996, p. 96/97) ministra que, desde a edição da Lei de Introdução ao CódigoCivil n. 4.657 de, 4 de setembro de 1942, que fixa critérios para interpretação eaplicação da legislação brasileira, traz em seu corpo que “na aplicação da lei, o juizatenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.Portanto, não existe razão para o julgador brasileiro prender-se ao legalismoformal, quando a lei orientadora determina que, ao aplicar a lei, o juiz deveprocurar interpretá-la de modo a aproximar a sua decisão da concepção de justiçano lugar e momento de sua aplicação. O conservadorismo existente de muitosjuízes, o nominado “culto da legislação”, reflete uma atitude de acomodação epensamento anacrônico, o qual dispensa esforço de atualização do conhecimentoteórico. Esses juízes embasam suas decisões em autores de renome, osdenominados argumentos de autoridade, para dar a elas aparência de validezcientífica. Todavia tal atitude põe em conflito o direito escrito e a realidade social.

Como foi dito, a legalidade deve ser somente a “bússola”, um referencialde orientação para o juiz, como garantia da segurança jurídica e limite contra asarbitrariedades, mas nunca a fonte de sustentação para decisões injustas.

6.1. Justiça cidadã

Dentro de uma visão pós-moderna do Direito, a doutrina do pós-positivismo dá realce aos direitos humanos e à cidadania. Os direitos humanos,transformados pelo normativismo em direitos fundamentais, ganham dimensãoconstitucional e política. As expressões “Cidadania” e “Direitos Humanos”, nalição de Luiz Alberto Warat (texto internet), vêm cruzando tanto seus sentidos,que são termos cada dia mais sinônimos.

A sociedade nacional e internacional, pode-se dizer, exigem hoje umavisão globalizada dos respeitos aos direitos humanos e do exercício pleno dacidadania. A cada dia precisa-se de formas mais eficazes de administração dejustiça, que garantam a todos o direito de decidir e participar das decisões dos

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seus conflitos.A justiça cidadã é aquela exercida não pela coerção, mas pela participação

do indivíduo e pela aceitação social das decisões. Ensina Luiz Alberto Warat(texto internet) que aqui entra em cena o juiz-cidadão, aquele que ajuda as pessoasproduzir, por elas mesmas, a solução de seus conflitos, dar a possibilidade dedecidirem por elas mesmas as prioridades de suas vidas no tocante aos seusrelacionamentos. As pessoas terão o “direito não só de sentir senão de poderexpressar ao outro os sentimentos, algo que a burocracia que envolve o exercíciotradicional da administração da justiça não permite. Num litígio a voz é silenciada,convertida em petição assinada por um advogado. Uma reivindicação dos desejossem voz que termina ameaçando com violência a condição de cidadão. Uma dascoisas que ameaçam o futuro da democracia e o paradoxo que, em plena revoluçãodas comunicações, continua crescendo o número de silenciados pelas instituiçõesque deveriam dar-lhe voz”

O juiz hoje é visto como uma autoridade distante da realidade. Talvezpela necessidade de demonstrar imparcialidade e neutralidade se distancia cadavez mais do povo, dos debates sociais, da participação da vida cotidiana dacomunidade. É preciso despertar e ver que o juiz não é apenas um indivíduo, étambém um ser político. Embora não possa exercer a política partidária, é umcidadão dotado de convicções políticas e deve direcionar as suas decisões demodo político em busca da justiça social. Não mais se concebe o “juiz-burguês”,14

que apenas buscou a Magistratura para obter poder e “status” social. O juizmoderno não tem apenas compromisso em interpretar e aplicar a lei, mas deveser também o agente público integrado com a realidade social, com a tarefa decriação e mediação na comunidade, colocando seus conhecimentos como formade realização do direito e garantia da cidadania. Portanto, o juiz de hoje deve teruma postura politicamente assumida, comprometida com as demandas sociais,o que não significa uma atitude contraditória com a sua postura neutra e imparcial,isto vale dizer que o juiz deve ser neutro como julgador, mas politicamenteassumido com a Justiça social.

Não posso encerrar este pequeno trabalho, sem citar literalmente, maisuma vez, Luiz Alberto Warat, que em seu pensamento jurídico transmodernoeleva a alma do leitor: (2001, p. 217)

A cidadania e nosso direito a nos amar e a buscarmos umamelhor qualidade de vida se juntam para estruturar outraconcepção do Direito e da Justiça. Um Direito que nãoesteja mais centrado nas normas e sim na cidadania; umaJustiça não mais centrada em valores, mas no exercíciocotidiano de uma outridade cidadã. O direito da cidadania ea justiça cidadã, são duas idéias novas que surgem nopensamento jurídico transmoderno como formas de

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humanização do Direito e da Justiça, distanciando-se deuma concepção normativa de resolução de conflitos, queburocratizou o estabelecimento dos litígios e desumanizou aseus operadores.

Assim, é de se notar que o processo, através de seus escopos, jurídico,político e social é o meio pelo qual a justiça se materializa e, na realização dessesescopos, o Poder Judiciário e os juízes devem assumir uma postura afinadacom a realidade e comprometida com a justiça social.

CONCLUSÃO

Pelo estudo elaborado, conclui-se que o ato de motivar as decisões judiciaisestá implícito nos ideais de democracia e cidadania.

A história relata que esta regra de direito incorporou-se ao nossoordenamento jurídico pelo Decreto 737/1850 e foi trazida para nosso Direitoatravés das Ordenações Filipinas do Império Português. Alguns Códigos deProcesso Civil Estadual também adotaram a regar, até finalmente ser incorporadapelo Código de Processo Civil Nacional de 1939. Sendo somente erigida emprincípio constitucional com a Carta de 1988. As demais Constituições brasileirassilenciaram a respeito. Portanto, viveu-se, no período político do Estado Liberale do Estado Social, um momento de mitigação de democracia e cidadania.

Para se dar mais consistência as estas idéias, pergunta-se: Qual a relaçãoentre a democracia, cidadania e as decisões judiciais? Responde-se: O momentopolítico de um país reflete-se na interpretação das normas e no exercício dodireito.

No Estado Liberal de Direito, com a influência da Revolução Francesa ojuiz era apenas “a boca da lei”, a interpretação devia ser literal e respeitada a menslegislatore. No Estado Social de Direito, com a revolução industrial, a interpretaçãotoma sentido teleológico e o julgador passa a decidir através da integração e comrigor na constitucionalidade da norma. No Estado Democrático de Direito, anorma deve ser interpretada de acordo com os interesses coletivos. O Direitotem que se ajustar aos anseios da sociedade e o Estado passa a ser promotor dejustiça social. Essa interação Sociedade/Estado se desencadeia através datransparência dos atos públicos que oportuniza a participação do individuo emtodo processo político (Executivo – Legislativo – Judiciário). A motivação dasdecisões assume, assim, papel democratizante de relevância, pois é o meio peloqual o Poder Judiciário dá transparência aos seus atos, possibilitando a interaçãosociedade/Estado e o pleno exercício da cidadania. Por tais considerações, asrazões de decidir do juiz devem ser claramente demonstradas. A razoabilidade

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das decisões e a justiça delas serão postas ao embate público e, somente seráplenamente legitimada pela aceitação social. A legitimação formal, não é suficientepara sustentar uma decisão.

Como foi dito, no Direito brasileiro, o dever de o juiz motivar suasdecisões remonta ao século XIX. Portanto, no decurso dos séculos, este princípio,evoluiu e sofreu modificações. No pensamento tradicional, os destinatários damotivação das decisões judiciais eram as partes e o Tribunal a quem competiarever o julgado, no pensamento atual os destinatários desse princípio passa seralém das partes e o Tribunal, também a sociedade. Assim, a motivação dadecisão deixa de ser uma garantia endoprocessual, de finalidade exclusivamenteprocessual, para se transformar também em uma garantia da sociedade. Afunção do processo, então, não é mais vista como mero mecanismo decomposição do litígio.

Diante deste novo paradigma jurídico, a legislação infraconstitucionalteve de ajustar-se a ele. O legislador deu início às reformas de Códigos e leisesparsas de modo a adequá-los ao nosso momento político-social. Um dosgrandes diplomas legais de caráter democratizante e progressista foi a Lei 9.099,de 26 de setembro de 1995, que veio facilitar o acesso à Justiça e democratizar aMagistratura com a introdução no Judiciário dos juízes leigos.

Do estudo realizado, restou configurada a importância do processo civilcomo meio para alcançar uma interação social e política. A motivação das decisõesdos juízes abre espaço para que a sua sentença seja aferida em vários graus devalores, desde a sua postura imparcial até a observação da legalidade, o critério deanálise das provas e a justiça nela alcançada. Assim, denota-se que a motivação dasentença abre diretamente para as partes envolvidas como também para asociedade, vários pontos de controle, para censura ou aceitação dela. Desse modo,o princípio da motivação revela a sua função política, interagindo com o jurídicoe o social.

Diante dessa interação juiz-processo-justiça, não se pode deixar derepensar também o papel do Poder Judiciário e dos juízes de hoje. O juizhodierno não tem mais a função de representar a classe burguesa, ele é umagente do povo e deve cumprir o seu papel constitucional de decidir com justiça,protegendo os direitos da sociedade. O juiz de hoje, como cidadão que é, devetransformar-se em Juiz-Cidadão, assumir o seu papel político, comprometidocom a Justiça e as demandas sociais. Não existe nessas afirmações incoerênciacom a postura neutra e imparcial do juiz, pois neutro e imparcial deve ser aojulgar, o Juiz-Cidadão é humanizado e assumido com os direitos da cidadaniae da justiça cidadã.

Conclui-se, finalmente, que o princípio constitucional damotivação das decisões judiciais, aliado ao escopo democrático de nosso Estado

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e o exercício da cidadania do nosso povo, é instituto democratizante de granderelevância social. Pois, através da função político-social transformadora doprocesso civil contemporâneo, busca-se a justiça social e a superação do legalismoformalista. A sociedade ao participar dos atos do Poder Judiciário transmuda-seem sociedade cidadã, assumindo o controle de seu próprio direito. Assim,contribui para a construção de um Direito novo e uma sociedade mais justa esolidária.

REFERÊNCIAS

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motivos precisos da decisão, tanto de facto como de direito, devem serescrupulosamente consignados na sentença”; Pernambuco artigo 388; RioGrande do Sul artigo 499 “A sentença deve ser clara, sumariando o juiz o pedidoe a contestação com os fundamentos respectivos; motivando com precisão oseu julgado e declarando, sob sua responsabilidade, a lei, uso ou estilo em quese funda”;Minas Gerais artigo 382 “ A sentença deve ser clara, consisa, semdivagações scientíficas, escripta, datada e assignada pelo juiz e conter: 1) os nomesdas partes;2) um relatório summario do pedido e da defesa, com os respectivosfundamentos, e das provas prodduzidas; 3)os motivos precisos da decisão,declarando a lei, o suso, o estylo, ou princípios geraes do direito, em que sefundar”; São Paulo, artigo 333 “A sentença, que será escripta, datada e assignadapelo juiz, deverá conter, sob pena de nulidade: I – os nomes das partes; II – orelatório do pedido e da defesa; II – os fundamentos da decisão , de facto e dedireito”; Distrito Federal artigo 273 caput “A sentença definitiva deve ser clara,mencionar os nomes das partes, summariar o pedido e a defesa com osfundamentos respectivos, e conter os motivos da decisão, a indicação da lei,regulamento, uso, ou estylo, em que se fundar’; Ceará artigo 330 “ A sentençaconterá os nomes das partes e deve ser clara, summariando o juiz o pedido, acontestação, os principais argumentos da réplica e tréplica, quando haja,mencionado as qualidades das provas, além de motivar com precisão o seujulgado e declarar a lei, o princípio de direito, costume ou estylo jurídico em quese fundar”; Paraná artigo 231 “A sentença será scripta, datada e assignada pelojuiz, e conterá: 1º - os nomes e qualidades das partes; 2º - o resumo do pedidoe da defesa, com os respctivos fundamentos; 3º - os motivos do julgamento,expostos com precisão, tanto de facto como de direito; 4º - a conclusão absolutóriaou condemnatória”2 Cf. no dizer de Guilherme Braga Peña de Moraes, “ Estado só seria necessáriopara harmonizar as liberdades individuais, evitando que se chocassem. Noentanto, a garantia material do bem comum não lhe diria mais respeito”. (p.70,1997)3 ....”Tutti i provvedimenti giurisdicionale devono essere motivati...”ConstituiçãoItaliana, Sezione II, Norme sulla giurisdicione, Napoli: Simoni, 2000.4 Assim ensinava CALAMADREI (p. 78. s.d.) “A fundamentação da sentença ésem dúvida uma grande garantia da justiça quando consegue reproduzirexatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juizpercorreu para chegar à sua conclusão, pois se esta é errada, pode facilmenteencontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistradose desorientou“.5 Cf. CAPPELLETTI (p.17-18, 1981) “a instrumentalidade dodireito processual e, portanto, da técnica do processo, impõe, todavia, umaconseqüência de grande alcance. Como qualquer instrumento, também aquele

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direito e aquela técnica devem realmente adequar-se, adaptar-se, conformar-se omais estreitamente possível à particular do seu objeto e de sua finalidade, ouseja, à natureza particular do direito substancial e à finalidade de tutelar osinstitutos do mencionado direito. Tanto mais um sistema processual será perfeitoe eficaz, quanto mais for capaz de adaptar-se sem incoerências , sem discrepâncias,àquela natureza e àquela finalidade”.6 Piero Calamandrei, grande processualista italiano democrata, critica o caráter dajustiça burguesa, que segundo ele é formada por “giudici giuristi” – juízesjuristas – tradução nossa. Calamandrei tem como inconteste a origem burguesados magistrados. O jurista entende que a democratização da Justiça somenteacontecerá quando for criado no Poder Judiciário abertura para integrá-lo, e comqualidade para julgar, pessoas outras que não os de formação jurídica, a fim detrazer para o mundo jurídico outras realidades , outras culturas para partilharcom os juízes togados a compreensão dos fatos, iniciando-se um processopartilhado de produção de Justiça.7 Vale acrescentar aqui o pensamento Aristóteles, em Ética a Nicômaco, nocapítulo em que o filósofo na elaboração de sua Teoria da Justiça, ensinandoque... “o homem que respeita a lei e o homem imparcial são consideradosjustos, justo significa aquilo que é legítimo e aquilo que é igual ou imparcial e oinjusto é o homem sem lei e o parcial”. No que concerne à relação entrelegitimidade e igualdade, Aristóteles diz que não são conceitos idênticos, sendoa legitimidade mais ampla – geral - e a igualdade em si é mais restrita, pois nemtudo que é ilegítimo é desigual, entretanto tudo que é parcial é ilegítimo. Portanto,a igualdade está relacionada com a legitimidade, “como a parte para com otodo”. [1130 b]8 A Declaração Universal dos Direitos do Homem, contida na proclamação feitapela Assembléia Geral das Nações Unidas – ONU – reunida em Paris em 1948.9 Ensina Aristóteles que o homem como um ser naturalmente social, vaiajustando as suas necessidades cotidianas e evoluindo o seu comportamentopara melhor adequação ao meio em que vive. Esta dinâmica da sociedade interferena organização sócio-político e força o legislador a modificar a lei vigente parasatisfazer as necessidades atuais da comunidade. Por conseguinte, todos os atosde acordo com as prescrições legais, que teve por base na sua elaboração à força dadinâmica natural da sociedade, são considerados atos políticos justos. Estepensamento de justiça política de Aristóteles está em Ética a Nicômaco, item 1134b.10 Apud CINTRA, 2000, p. 347.11 Fábio Konder Comparato em sua obra O Papel do Juiz na efetivação dos DireitosHumanos, coloca os direitos humanos no ápice do ordenamento jurídico e oconsidera como uma ponte entre o Direito interno e Direito internacional,

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representando, assim, o núcleo pré-constituído da mencionada “sociedadeuniversal do gênero humano”. O mestre exalta, também, na mesma obra, queo primeiro postulado da ciência jurídica é o de que a razão de ser do Direito é aproteção da dignidade humana, ou seja, da “condição de único ser no mundo,capaz de amar, descobrir a verdade e criar a beleza”.12 Parágrafo único do artigo 1º da Constituição Brasileira.13 Cf. Francisco Bacon ensaio Da Judicatura, apud Dalmo de Abreu Dallari , op.cit. 1996, p. 95.14 Vide nota 6 deste trabalho.

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A ATIVIDADE JUDICIAL E A REALIZAÇÃO DO DIREITO

Antônio Carlos Mathias Coltro, Juiz do Tribunal de Alçada Criminal deS.Paulo, Professor de Direito Civil na PUC - SP e na FADISP - FaculdadeAutônoma de Direito de São Paulo, Membro do Conselho do ILANUD,organismo da ONU e da Academia Paulista de Direito e Academia Paulista deMagistrados.

“Mi vida está consagrada al Derecho, y sentiria que falto ala devoción que le profeso si no hiciera lo que dentro de m¡ meimpulsa a mejorarlo, y, cuando alcanzo a percibir lo que meparece el ideal de su futuro, si vacilara en mostrarlo y eninstar a su consecución com todas las fuerzas de mi corazón”(Justice Oliver Wendell Holmes).

1. Em 1874, na instalação o Tribunal da Relação de São Paulo, oConselheiro Tristão de Alencar Araripe, ilustre cearense que por primeiro opresidiu, assinalou, realçando a importância da Magistratura, que “o magistradoforma um dos mais valiosos elementos da ordem pública. Se o seu misterinteressa grandemente à sociedade, quando decide entre os cidadãos os pleitos eas contendas, restabelecendo a paz da família e o direito violado, muito maisvale o seu ofício, quando o magistrado interpõe-se para preservar os mesmoscidadãos dos excessos e demasias da autoridade. É então, que os tribunaisjudiciários elevam-se à sua verdadeira majestade. O homem em luta com aprópria sociedade, súbito encontra ao seu lado essa mesma sociedade, que, se hápouco era a agressão, agora é a defesa”.

Notavelmente colocada, em tal oração, a moldura do Judiciário e aimportância da função judiciária, do que pese grandeza que o cargo de juiz possaapresentar, devem aqueles que o ocupam não esquecer que ele não os coloca àmargem da sociedade; ao contrário nela e com ela vivem e têm que conviver,sentindo todos os problemas e angústias que lhes são próprios, com, queiramou não, inegáveis repercussões na atividade que lhes é própria.

2. Lembrando a advertência do Juiz Francisco Bernardo Nogueira, “naverdade, somos investidos transitoriamente de atribuições de importância

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transcendental, mas somente enquanto nos conservamos dignos da sublimemissão de julgar. Não nos deixemos dominar, portanto, pela soberba. Bastaque o juiz seja coerente, justo, equilibrado, reto no cumprimento de seu dever,para impor-se no conceito de seus jurisdicionados” 1.

Pode-se imaginar, em face disso e desde logo, a responsabilidade que sereserva aos Tribunais de Justiça, no recrutamento de juízes e sua preparação parao exercício das funções judiciárias que, se depende do respaldo técnico de quesejam os magistrados dotados, subordina-se, ainda e muito, à formação pessoalde cada um, pois, como escrito por Benjamin Cardozo, talvez o notável entre osnotáveis juízes da América do Norte, “durante suas vidas, forças que nãoreconhecem e não podem nomear os estiveram impulsionando continuamente- institutos herdados, crenças tradicionais, convicções adquiridas; e a resultante éuma visão da vida, uma concepção das necessidades sociais, um sentido - emfrase de James - da “impulsão total e da pressão dos cosmos”, que podedeterminar, quando as razões são acuradamente balanceadas, onde deverá recaira escolha” [*] a orientar suas decisões 2.

Ou seja, não é preciso simplesmente que o candidato a juiz tenha umacultura jurídica adequada, sendo necessário e talvez como fator principal até,possua ele real contato com as coisas da vida e ciência de toda rotina de exceçõesnela existente, uma vez que “o bom magistrado é o produto de um estadoespiritual e cultural da pessoa” (Moura Bittencourt) e “aquele que só sabe odireito, nem o direito sabe” (Oliver Holmes), havendo perceber não ser o juizescravo da lei mas, sim, seu aplicador, conforme o que de melhor puder levar emconta em tal missão, inclusive porque “o escravo não é responsável, o juiz temque ser responsável. O juiz é um ser humano dotado de inteligência e de vontadee deve agir utilizando sua inteligência e sua vontade. Ele não pode ser escravo deninguém, nem da lei”, 3 a ponto de Erlich asseverar e com razão, constituir-se apersonalidade do juiz a única garantia de justiça uma vez que não é suficiente aocidadão contentar-se em viver, sendo preciso queira compreender o mundo emque vive e procurar entender o que nele ocorre, pena de tornar-se ao mundo e àvida alheio, o que não se pode admitir, porquanto “o fundamental nodesenvolvimento do direito não está no ato de legislar nem na jurisprudênciaou na aplicação do direito, mas na própria sociedade”, como ressalvado pelomesmo autor 4.

Segundo há muito observado por Platão, “a lei não pode nunca envolveruma injunção de ordem geral que na realidade traduza o que seja mais convenientepara cada um em particular; ela não pode determinar com absoluta exatidão oque seja bom e direito para cada membro da comunidade, a um só tempo, sejaqual for. As diferenças da personalidade humana, a variedade das atividades aque se entregam as pessoas e a inexorável instabilidade de todos os negócioshumanos tornam impossível, seja como for, ditar regras gerais que se mostrem

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boas para todas as questões em todos os tempos” 5.Se no período do Iluminismo procurou-se firmar sentimento dirigido a

que a elaboração de leis fosse de forma suficientemente clara e correta erepresentativa da vontade popular, de forma a ficar o juiz estritamente vinculadoao que nelas estivesse contido, sem ensejo à interpretação, submetendo-se, purae simplesmente, aos parâmetros do legalismo clássico, esse mesmo movimentoacabou por dar força à iniciativa judicial em sentido justamente a possibilitar queo magistrado realizasse a interpretação, pois e como apontado por Amílcar deCastro, “o legislador faz leis, mas lei não é Direito; lei é norma geral, impessoal,enquanto o Direito é necessariamente pessoal, particular” 6 [*].

De se ponderar, contudo, dever a interpretação levar em conta não asconvicções pessoais, de ordem social ou políticas, próprias e internas do juiz, asquais poderiam fazê-lo, de modo geral, ter uma por assim dizer “pré-decisão” ou“pré-juízo” acerca dos casos a ele submetidos, o que implicaria, conforme KarlEngish em reduzir o papel da norma legal, que seria meramente subsidiário,cumprindo-lhe ter em consideração, a realidade a ele externa, o momento em quevive e as circunstâncias a ele inerentes, de maneira a atender, assim, ao que asociedade dele espera e consoante os desejos e hábitos de própria, porque interessa,sim, a procura da justiça para cada caso e o julgamento em direção contrária aopensamento popular enseja o risco do cometimento de injustiça, como ocorretambém com a interpretação da lei que se distancie da época em que levada a efeito.

Não se pode negar sofra todo e qualquer indivíduo a influência da formacomo foi criado ou educado e do meio em que tal ocorreu, com suas vantagense desvantagens, simpatias e antipatias, mas também deve-se afirmar caber-lhe,no exercício da função jurisdicional, afastar essa influência interna e nitidamentepessoal, que tanto pode arredá-lo da realidade do tempo em que vive, comoprestar-se, vez ou outra, a encaminhá-lo a um julgamento que mais tem a vercom suas próprias concepções a respeito da vida 7, afastando, mesmo, a própriaimparcialidade necessária ao magistrado e arredadas, muita vez, do que o sol darua apresenta na experiência diária de viver, e que, em muitos casos, a própriaintuição acaba por ter até maior importância do que elementos racionais e ser“mais útil que o espírito geométrico. É mais com a intuição, do que com oraciocínio, que se perscruta um pensamento e se aprecia um indivíduo” 8 ouuma situação determinada.

Possa parecer estranho a alguns a referência à intuição - e aqui não se háconfundir o quanto se comenta com o antes mencionado a respeito das decisõesproferidas com “pré-compreensão” e que têm a ver, como visto, com as convicçõesou predisposições pessoais de cada juiz - como integrando o processo decisório,o fato é que Jung já apontara sua importância como auxiliar dos juízes, indicando-a, mesmo, como o único guia em situações para as quais não existam conceitos

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já firmados ou valores antes estabelecidos, situando-se ela como “um tipo depercepção que não passa exatamente pelos sentidos; registra-se ao nível doinconsciente...” ou aquilo que Cardozo denominou como a “graça interior quede quando em quando favorece o eleito que acudiu a algum chamamento...” 9 eacaba por colocar-nos, retornando a Jung, “em contacto com o que não podemosperceber, pensar ou sentir, devido a uma falta de manifestação concreta” 10.

Embora emerja a intuição do inconsciente pessoal de cada um e para quese não argumente traduzir-se ela em risco à atividade judicial, cabe relembrar que,no conjunto dos elementos a serem considerados para o processo decisório, “aexperiência do juiz, se acompanhada daquilo que se chama temperamentojudicial, auxiliará, até certo ponto, a emancipá-lo do poder sugestivo de suaspróprias aversões e prevenções. Ajuda-lo-á a alargar o grupo a que são devidas assuas fidelidades subconscientes” (Benjamin Cardozo), momento em que oórgão julgador, seja ele individual ou coletivo, atuará muito mais como umaclínica social, do que como academia, pontuando Engish, com vistas a tanto,dever o juiz tornar-se mesmo “...político *, modelador da vida social, “engenheirosocial” ou pelo mesmo “assistente social de um gênero particular”, abrir-se àscorrentes da época, mas contribuindo ao mesmo tempo para as dirigir...” 11.

Não se nega a dificuldade, para o julgador, quanto à manutenção dacorrespondência entre suas próprias convicções e a consciência social [“...não hácomo afastar a realidade: o juiz sem consciência social, interpretando a lei apenas no encaixedo fato à literalidade da norma jurídica, estará contribuindo para que o Judiciário acabedescartável”12], que se torna “impossível quando o magistrado encontra-se emposição extra ou ultra realidade”, pois, “é a pesquisa do interior projetada àrealidade exterior que concretiza a lídima justiça” 13.

Como conseqüência do que se vem expondo, surge a realidade de que aose falar em independência do magistrado, deve ela ser considerada não só noreferente à necessidade de ser-lhe possível proferir o juízo que tiver a respeitodos casos que lhe forem submetidos, sem interferência de qualquer natureza,sejam elas internas, conseqüentes de seus próprios impulsos e paixões ou detemor ao poder de quem quer que seja, acerca dos quais deverá fazer a necessáriaabstração, inclusive para que mantenha a imparcialidade que lhe é exigida, emborase reconheça a dificuldade de imaginar-se o processo como alguma coisa impessoale fria, pois, “os grandes fluxos e correntes que engolfam o restante da humanidadenão se desviam no seu curso deixando à margem os juízes” 14, que também sãopor elas atingidos e sofrem das mesmas paixões ou sentimentos que alcançamo restante da população e por isso mesmo têm que levar em conta essacircunstância, procurando conscientizar-se que a influência que decorra de taisocorrências não os poderá desviar do adequado julgamento, procurando ver quenão as suas, mas as aspirações, convicções e filosofias dos homens de seu

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tempo quanto aos valores ideais e morais, divorciados da paixão ou caloremocional deste ou daquele momento é que deverão ser o objetivo a terimportância na aplicação do Direito, ainda que nesse trabalho haja a contribuiçãodo próprio juiz, segundo a formação que tenha recebido e apreendido, nainterpretação que der a qual, assim, passa a integrar o resultado a que chegar.

Advertindo não se poder considerar que o juiz seja uma ilha isolada douniverso, devendo com ele interagir, com o fim de seu próprio amadurecimento,observa Federighi, que, “é à medida que ele permite - ou não - que suas convicçõespessoais interfiram no seu julgamento, que se separa o joio do trigo, e que severifica quem é, de fato, um verdadeiro juiz de Direito” 15.

Não se pretende, com isso, o simples afastamento do juiz das aspiraçõesou convicções próprias e filosofias pessoais, mas que tenha a consciência de queo ato de julgar não o transveste de características divinas e, que, na aplicação dodireito, será preciso ponderar com as aspirações, convicções e filosofias do seutempo (Cardozo), com exclusão do aspecto emocional ou de paixão que, emborapossa ser tido como natural conforme a situação que se apresente, acaba porconstituir-se em motivo capaz de distorcer o juízo que façamos a seu respeito.“A garantia maior do cidadão, ao recorrer ao Judiciário, é a de que terá a suapretensão examinada por um juiz imparcial, isento de paixões e de ideologias, eque não fará senão aplicar, na prática, o brocardo dá-me o fato de te darei odireito” 16.

Ponderarão os presentes, possivelmente e em acréscimo ao que lhes foidito, com o fato de que, havendo lei * a respeito do tema a ser examinado ejulgado e, além dela, orientação jurisprudencial firmada a respeito do tema emdecisão, a tarefa do juiz não poderá se apartar de uma e outra, ainda que seupróprio convencimento discorde do regramento a respeito existente ou da soluçãoimposta pelos precedentes.

Nesse momento é que surge, em todo seu esplendor, a missão do juiz.Cabe-lhe, a partir do pensamento que tenha e se, em seu íntimo, tiver

dúvida quanto à justiça da pura aplicação da lei e jurisprudência existentes, apreciara exata adequação de um ou outra ao caso concreto.

Em uma e outra hipótese - decisão conforme a lei ou segundo os prece-dentes - , não há dúvida que estaria o magistrado diante de processos em tudoassemelhados para chefar-se a uma decisão e extremamente facilitadores de seutrabalho, pois bastar-lhe-ia examinar a lei ou a jurisprudência e comparar o caso aambos, aplicando-os ao mesmo, embora dissentindo ser essa a solução que seimponha naquele momento, por conta de alterações ocorridas na vida da comunidade.

Não basta o fato de existir lei a reger a matéria que deva julgar, que omagistrado deva segui-la, sem questionar a adequação ao fato concreto e o serapropriada ou não essa simples providência, ao ato de realizar-se justiça, conforme

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o princípio ético-filosófico a ela inerente.Acresça-se a tanto, o aviso do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, sobre

esmaecer-se, “como recordação de um passado que se distancia, a figura do juizinanimado, insensível aos fatos que o rodeiam, imagem que a realidade repudiou,uma vez que, como proclamava o Filósofo de Estagira, os homens recorremaos juízes como a um direito vivo, uma justiça animada (ad judicem confungiuntomnes, sicut ad justum animatum)... Ao julgar, terá que ser juiz. E apenas juiz. Paraele, no silêncio do seu escritório, ou no burburinho do foro, não há decisõeshistóricas, que o façam desviar-se dos seus princípios e dos seus critérios dejulgamento. Jurista do seu tempo, no entanto, deve viver com sua época, se nãoquiser que esta viva sem ele...não deve curvar-se às doutrinas de conveniências,ou à jurisprudência subserviente, mas revestir-se da coragem de preferir serjusto, parecendo injusto, do que injusto para que sejam salvas as aparências(Calamandrei), mesmo que tenha que divergir do entendimento predominante,procedendo como bonus judex, ou seja, aquele que adapta as normas àsexigências”17.

Vê-se, pois, que “o próprio dever do juiz torna-se questão de grau. Eleé um juiz útil ou pouco prestimoso conforme avalia a regra acurada ounegligentemente” 18.

Os “Códigos e leis certamente não tornam supérfluo o juiz, nemperfunctório e mecânico o seu trabalho. Há lacunas a serem preenchidas. Hádúvidas e ambigüidades a serem esclarecidas. Há asperezas e injustiças a seremmitigadas, se não evitadas” 19, devendo “o juiz da atualidade buscar o direito narealidade, assumindo o papel de um intérprete que se importa em compreendera lei na plenitude de seus fins sociais, atento aos acontecimentos de sua época”20, especialmente quando se reconhece que “em todo texto há uma solicitação. Alei é morta; o magistrado é vivo. Nisto está a grande vantagem dele sobre ela”(Bergeret).

Idêntico ponto de vista se haverá fazer no que concerne aos precedentes,sob pena de afastar-se a possibilidade de o julgador desconsiderar a orientaçãoexistente na jurisprudência a respeito deste ou daquele assunto, pois, em talcaso, “o homem que possuísse o melhor fichário dos casos julgados seria,também, o juiz mais sábio” 21.

O fato de decidir segundo a jurisprudência dominante não implicará emconsiderar-se o magistrado como tendo a qualificação de mais sábio, podendo,no máximo, a ser tido como o mais prático, tanto por ter seu trabalho facilitadopelo fichário que possui e, assim, poder ser, também, rápido, pela adoção dométodo da mera reprodução da espécie (Cardozo), existente também na vidado espírito.

Deve-se ponderar que o direito pretoriano, da mesma forma que a Common

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Law, não pode tratar os casos como verdades finais, “mas como hipóteses detrabalho, continuamente reexaminadas nesses grandes laboratórios do Direitoque são os tribunais de justiça” 22. “É evidente que cada caso apresenta as suasparticularidades, de modo que surge sempre o problema de saber se o novocaso é igual ao outro, anteriormente decidido através do precedente judicial, sobos aspectos considerados essenciais” 23.

O princípio de que “nunca houve, desde o começo do mundo, doiscasos exatamente paralelos”, afirmado pelo Conde Stanhope, tem aplicaçãológica ao Direito, onde caso por caso nota-se uma nova experiência e, ainda queprecedentes existam sobre este ou aquele, de possível aplicação a um ou outro,muitas vezes se percebe a injustiça a que poderão levar em uma determinadasituação que, embora assemelhada, envolve peculiaridade que aconselha afastar-se a jurisprudência existente até então, aconselhando a própria revisão da regraaté então considerada.

Esse esforço pode até ser infrutífero e essa regra “não ser modificadaimediatamente, pois a tentativa de fazer absoluta justiça em cada caso concretotornaria impossível o desenvolvimento e a manutenção de regras gerais; mas secontinua a produzir injustiças, será eventualmente reformulada. Os princípios,estes são continuamente reexaminados; pois se as regras derivadas de umprincípio não estiverem dando bons resultados, ele próprio deverá, em últimaanálise, ser reexaminado” 24, uma vez que, “nenhum critério de princípio,nenhuma norma, no seu valor de hipótese apriorística, deve impedir que sebusquem aquelas diferenças criadas pela natureza e pelos eventos”, na observaçãode Altavilla, não sendo possível, ademais, “afirmar nenhuma espécie de Direitoque não seja regulado, controlado e limitado pelo juiz...” 25, seja ele de primeiroou segundo grau de jurisdição.

Não se afirme que os princípios firmados na jurisprudência sejamabsolutos ou imutáveis, pois o haver “... jurisprudência indicadora de certorumo será apenas indício de ser esse o melhor. Não deixe, contudo, o magistradode formar convicção própria. O reexame da matéria pode sugerir um argumento,pró ou contra, que tenha escapado a outros”, segundo a clara advertência doMin. Mário Guimarães 26, devendo atentar-se, neste aspecto e ademais, que ojuiz não deve ser obstinado e se postar contra qualquer inovação e oposto àsnovidades do mundo, em misoneísmo que o imobiliza e afasta do presente.Ao contrário e “como homem, não pode abstrair-se o juiz da sociedade em quevive, da qual é tributário como pessoa e inclusive - o que é decisivo para alguns-, como pertencente a uma classe social, estratificada corretamente desde umponto de vista econômico” 27.

Embora se diga e corretamente que a jurisprudência é a sabedoria dos

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experientes, deve o juiz, por mais humilde ou tímido que seja, lembrando-sesempre da missão que lhe cabe, não hesitar em, quando divirja dos precedentes- e tenha, para tanto, fortes e corretas razões - , adotar caminho diverso daqueleaté então seguido, constituindo-se tal atitude mais do que um poder, em umdever, tanto para consigo mesmo, quanto e principalmente para as partes, mesmoporque, que, “não há um só credo que não seja abalado, um só dogma que nãose demonstre ser questionável, uma só tradição recebida que não ameace dissolver-se” 28 e, “para cada tendência, parece ver-se uma contratendência; para cada normauma antinomia. Nada é estável. Nada é absoluto. Tudo é fluido e passível demodificação. Há um interminável “vir a ser” 29.

No adequado conceito de Altavilla, “a jurisprudência faz-nos descer dasíntese legislativa à análise de casos particulares e fornece, portanto, ao espíritodo juiz inteligente, uma sábia generalização, à qual resistem os casos que sediferenciam”, cabendo ao magistrado, nestes últimos, aplicar toda sua ciência eexperiência, para não deixá-los na moldura existente e que a eles não se aplica,atualizando e adequando a jurisprudência conforme a matéria e circunstânciasque se ofertem à ação judicial e ao poder de iniciativa do juiz.

Portanto e se já se afirmou ser a vida do Direito experiência e não lógica30,tem-se aí um motivo a mais para que a jurisprudência e a própria interpretaçãodada à lei e que acaba por formar a primeira, sejam objeto de contínua revisão,como forma a atualizar-se o entendimento legal ao tempo que se vive, buscando-se, com tal conduta, atingir-se, o mais próximo possível, à justiça em seu idealpróprio, em que se terá em conta, inclusive, a importância da própria emotividade- que não se confunde com paixão - no magistrado, preocupando-se não só comos aspectos técnicos do conflito que lhe é apresentado mas e também, com olado humano inerente a toda e qualquer situação da vida.

Tais ponderações parecem-me extremamente importantes, quer na esferado julgamento cível, quanto e principalmente, no criminal onde, algumas vezes,ouve-se comentário dirigido a que, se não considerar o julgador, de maneiraobjetiva, os aspectos que lhe cabe examinar, tornar-se-á dificultoso o julgamento,descabendo, assim e com base em tal ponto de vista, para os que o adotam,considerações de ordem subjetiva e segundo o exame de cada caso.

“O magistrado deve ter capacidade para retificar, com o exame do fatoconcreto, o juízo apriorístico do legislador. E na verdade, por mais que estetenha podido inspirar-se em critérios de psicologia, corroborados pela maisextensa casuística, a realidade excederá qualquer previsão: mil indivíduos podemperpetrar um crime objetivamente idêntico e, todavia, podem formar uma escalade punições que vá da prisão maior à impunidade” (Altavilla).

Como exemplo, pode-se mencionar o debate que se trava entre aqueles

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que, relativamente ao acréscimo imposto como conseqüência das qualificadoras,em delitos nos quais previstas, afirmam dever impor-se aumentos que se podemter como “tabelados” para uma, duas ou três qualificadoras e o pensamento dosque fixam o acréscimo segundo o exame de cada caso, estabelecendo,subjetivamente, se cabe ou não a incidência de exasperação superior ao mínimolegal, conforme antecedentes do acusado, o dolo com que se houve no delito eo detalhe de ser ou não menor, além do exame sobre o tipo e quantidade dasarmas que foram utilizadas e a quantidade de assaltantes, no roubo.

O juiz, segundo penso, só deverá procurar soluções práticas e que facilitemo seu trabalho, no que se refere à forma de condução dos processos e à sua própriamaneira de agir, no contato com todos os participantes do cenário judiciário.

Quanto ao julgamento propriamente dito, não se pode considerarrazoável que o magistrado, a pretexto de facilitar o seu trabalho, acabe por criarcondições piores para o destinatário da sentença que profira.

“Nunca, por mínimo esforço, se poupem os magistrados novos aotrabalho de investigar o conteúdo do texto, ainda que o seu sentido lhes desponteclaro e se tenha a jurisprudência definido, repetidamente, nesta ou naqueladireção”31, lembrando-se que “a lei escrita apresenta uma séria de porosidades,que permitem um trabalho de osmose, de acordo com a mudança dossentimentos éticos e, portanto, da opinião pública”; “o juiz não pode ser anti-histórico e deve viver na “plenitude dos tempos” (Altavilla).

Acrescenta-se a tal observação o fato de que “a Lei má, em mãos do bomjuiz, frutificará em decisões justas, enquanto a boa Lei, apesar de todas as sadiasintenções do legislador, pode converter-se em pálio da iniqüidade” 32.

Por outro lado e faça a mídia o estrondo que lhe pareça mais proveitosoà veiculação dos meios de comunicação em torno da criminalidade que a todosatinge, isto, como é óbvio, se dirige às autoridades responsáveis pela segurançapública, que não é função do Judiciário, como expresso na própria ConstituiçãoFederal (art. 144), cabendo a esse Poder unicamente cumprir com a missão quelhe é própria, de prestar a jurisdição, distanciados os magistrados de assumirposturas no sentido de serem mais rigorosos do que a própria lei exige, tantopor afastar-se tal posição do critério de Justiça almejado, como por não prestar-se a indicar que aquele que a adote tenha mais personalidade que outros, atéporque e como escrito por Unamuno, “quem tem personalidade, põe-na ondequer que ponha a mão, e talvez tanto mais quanto mais queira ocultar-se” 33,não servindo a posição de maior ou menor rigorismo a definir quem tenhamais ou menos personalidade.

Verifica-se, portanto, o relevo que tem a sensibilidade moral e apersonalidade do juiz, no cumprimento da tarefa a ele destinada, sendo deatentar-se que mesmo no julgamento cível não haverá o juiz abstrair a figura do

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homem, limitando-se a uma moldura meramente técnica, uma vez que, se nocrime evidencia-se de pronto a circunstância humana e social do fato emjulgamento, também no cível não se deslembrará o julgador que, por trás doscasos a ele submetidos também estão seres humanos, com os aspectos própriosa cada um dos participantes do litígio e do momento social em que vivem, osquais, se pretender-se realizar justiça ou dela se chegar o mais próximo, deverãoser levados à necessária conta, na sentença a ser proferida e, que, estará renovandoa ordem jurídica, realizando o justo no caso particular 34.

A realização do Direito, como se percebe, tem uma larga influência dapersonalidade de quem aplica a norma legal e quando se faz tal colocação deve-se considerar que não se leva em conta aí apenas a personalidade individual dojuiz, porque “a personalidade não é pura, e uma vida dedicada a servir ao Direitodeve sofrer o influxo do sistema, que é obra de gerações de produto social. Porisso se fala do estilo do jurista e do estilo judicial” 35.

Cumpre aos chamados à carreira procurar o significado do Direito, “...oque é conveniente e o que é a medida justa no caso concreto, por modo aempenhar a sua responsabilidade e a sua “melhor ciência e consciência”, sim,mas ao mesmo tempo também por um modo criativo e talvez mesmoinventivo”, segundo Engish 36.

De nada adiantará o ingresso de pessoas que, apesar das dificuldadeseducacionais por que passa o país, logrem nível técnico adequado após aformatura.

Impende necessário possuam mente aberta e aprimorada, além deconhecimento humanístico ou interesse a tanto dirigido e suficiente ao exercícioda função, o que, sem qualquer dúvida, torna-se difícil, uma vez que esseconhecimento envolve a própria experiência de vida que tenha o iniciado e, que,somente o contato e interesse com o que ocorre no mundo poderão lhe propiciar.

Perguntar-se-ão os ouvintes, entretanto, como farão os mais novos, aosquais ainda não foi possível contar com essa experiência da própria vida, paraadquiri-la e poder, assim, exercer a jurisdição pela maneira mais apropriada.

Se o conhecimento científico puro é passível de ser adquirido pela leiturae estudo constante, o mesmo não se dá com a ciência da vida, para a qual seránecessário ao magistrado atentar para o que ocorre em torno de si, não só noslimites de seu gabinete mas e também, até principalmente, para o que se dá foradele, inteirando-se dos aspectos éticos, sociais, históricos e psicológicos eassimilando-os em sua cultura pessoal e individualidade, com o que, semdesgarrar-se dos preceitos legais que limitam sua atividade, poderá, ao final daanálise, realizar a Justiça que, se não for a ideal e esperada, com ela guardarámuita proximidade.

Indagar-se-ão os ouvintes, novamente, como, frente a tudo que possuem

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já em termos de processos e atividades administrativas próprias à carreira, poderão,ainda, buscar esse conhecimento externo?

Não se pretende, de maneira alguma, desanimar a quem quer que seja; aocontrário, é perfeitamente possível seguir o conselho de Warlomont e ser juiz daprópria evolução, acompanhando o movimento das idéias, até como forma detornar a judicatura mais simples, além de adequar a própria atitude pessoal decada um à situação vivida em cada momento, ainda que isto possa constituir umcaminho longo e cuja construção é feita pedra a pedra, daí advindo a multifáriaexperiência de viver.

Afora isso e como por lógico se afere, até como conseqüência do que sevem expondo, é preciso que a formação do juiz seja forrada de bom senso ehumanidade. Terá que ser um bom homem para que possa ser um bom juiz, deforma a que possa humanizar a Justiça, dela afastando a frieza, impessoalidadee desinteresse que alguns entendem ser suas características, principalmente quandose tem em conta que cada caso submetido a juízo deve ser tido como um casoespecial.

Disse Reverdy: “Não basta ter grandes qualidades, é preciso saberempregá-las” e do contato que tiver com a realidade da vida, procurando entendê-la, ainda quando se afaste de convicções pessoais suas ou daquilo que o passadoafirmou como sendo o correto, dependerá a atitude do magistrado, que poderá,então, “enfrentar a realidade, segundo sua consciência, com toda a autoridadeque lhe conferirá a função rejuvenescida e marcada por um dinamismo redobrado”37, relativamente a que perceberá que a convicção anteriormente mantida, poderáser modificada com um mínimo de vontade de abrir-se às mudanças que a vidatraz e às próprias influências disso decorrentes, até de forma inconsciente.

Uma vez mais, retorno a Cardozo, quando assinala que, “aquilo queaprendestes de mais importante foi a capacidade de pensar legalmente e decompreender o método e a técnica pela qual opera o processo judicial. Trata-se,na verdade, de um processo fascinante, desconcertante, evasivo, infinito navariedade de seus aspectos e infinito no seu apelo ao coração, à inteligência e aoespírito da mocidade, rico de generosa ambição. As novas gerações trazem comelas seus novos problemas, a exigir novas regras; estas deverão inspirar-se, semdúvida, nas regras do passado, mas devem, também, adaptar-se às necessidadese à justiça e outro dia e hora”.

A lei existe para ser interpretada e essa interpretação deve ter em conta omomento vivido pelo intérprete e as necessidades da vida e da Justiça, conformeos princípios aplicáveis ao caso e cuja revisão, inclusive, poderá ocorrer no futuro,de maneira a elaborar-se nova apreciação segundo as águas que estiverem rolandono tempo em que ela se faça e de acordo com o rumo que a elas a correnteimprimir, sem se poder desconsiderar o fluxo das marés do entendimento

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jurídico, o qual faz com que a convicção a respeito de um determinado tema orase aproxime da praia da certeza e em outros momentos dela fique afastada.

Tais questões conduzem à necessidade de busca a fórmulas novas para orecrutamento de juízes, em que, a par da maior agilização nos concursos, sepossa contar com candidatos que ostentem a qualificação que se espera ante aimportância da função, tanto sob o aspecto do conhecimento técnico, quanto dohumanístico ou, pelo menos, se interessem em tê-la.

Tudo parece estar a recomendar que se crie, para o ingresso na Magistratura,em Escolas da Magistratura, - sem que isto represente mera ilusão - , espírito queas transforme em verdadeiros “Institutos Rio Branco” e, que, à semelhança dopreparo daqueles que intentem seguir a carreira diplomática, sirvam a prepararos que pretendam ingressar na Magistratura e a partir da qual seja possívelprocurar-se apresentar o Direito como algo cuja evolução é sempre necessária ecom firme orientação a respeito do aspecto moral a nortear o seu aplicador e oslimites em que a interpretação deva ser efetuada ( ).

A judicatura é por demais séria, para que se possa imaginar ser simplestal idéia simples sonho. A realidade pressupõe o sonho com sua condição equem deseja algo já pode considerar como tendo iniciado a obra.

Imagine-se, assim, a possibilidade de, em situação que tal, ser observadaa personalidade do candidato a juiz muito mais por sua própria atitude pessoalantes do ingresso, no contato com os colegas e aqueles a quem conferida amissão de orientá-los, observando-os e examinando-os nas provas de aptidãopessoal à carreira e que poderão, inclusive, ajudá-los a plasmar a personalidade demaneira mais adequada à utilização do que possuem de útil à judicatura,afastando-os de ou mostrando-lhes as paixões e recalques que poderiam desviá-los, futuramente, dos ideais da Magistratura e até impedir-lhes o acesso a ela.

Se o que as Escolas de Magistratura têm feito não é exatamente isso, pordificuldades ou obstáculos de ordem variada, penso que desse objetivo estejapróximo, por conta dos cursos, encontros, debates e questionamentos por elasrealizados a respeito de qual o melhor caminho para se chegar ao ideal pretendido.

Tenha-se certo, de qualquer maneira que, se ao juiz não é exigido ser umsuper-homem, não se pode deixar de reconhecer que a carreira exige abnegação,preocupação e autocontrole quanto às próprias atitudes, de forma a expressar avocação pura à carreira.

A autoridade com que o juiz exerce a função ou passa a viver apósingressar no seu exercício, há que decorrer da própria serenidade e sensatez deque seja dotado ou que procure aprender a ter, e não da maneira com que seapresente, infundindo apenas medo aos circunstantes e que somente se presta adistanciá-lo de todos, sem proveito para qualquer um dos envolvidos na cenaforense e com riscos de incidentes indesejados.

Conhecendo-se o juiz - e autocrítica, mais do que em qualquer outra

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profissão é necessária na Magistratura - ou possibilitando que outros, comoamigos, advirtam-no do que ocorre em suas atitudes -, poderá procurar osmeios necessários ao próprio controle ou até o afastamento de situações; “quandoo magistrado não se sente senhor da necessária irradiação de autoridade pessoal,é melhor que se retraia em seu trabalho e no lar” (Moura Bittencourt) o que,embora se constitua em sacrifício, prestar-se-á a impedir os reflexos negativos desua personalidade no tocante à conduta que seu temperamento o faça manter.

Interessa considerar, sim, que a “Magistratura é para vocacionados, parahomens de equilíbrio e bom senso, e não para atuar como instrumentocompensatório de complexos, recalques e frustrações”, na advertência de Williamdo Couto Gonçalves, invocando, em seguida, Edgar Carlos de Amorim, paraquem “a Magistratura não é lugar para megalomaníacos ou para prepotentes. Ojuiz deve ser simples, porém sério e ativo, quando preciso for” 38.

Da mesma forma e sem que com isto se possa afirmar o juiz comoparcial, deverá saber ouvir tanto partes como advogados, quando pretendamexpor-lhe esta ou aquela circunstância de causa em andamento ou mesmodúvida sobre um ou outro ponto da lide, cabendo-lhe, então e conforme aadvertência do Min. Neri da Silveira, “ter presente que o que bem interessa éa verdade na decisão final. O triunfo da pugna judiciária não deve resultar depequenos lapsos na atividade do adversário, nem convém à Justiça que asdemandas se inutilizem por preliminares de natureza processual, mas, sim,que se decidam os conflitos no seu mérito, pela efetiva existência do direitoao lado do vencedor. Manter o juiz, em relação aos advogados, procuradoresjudiciais e defensores públicos, que se hão de ter como efetivos colaboraresna administração da Justiça, a mais ampla abertura, prestando-lhes, inclusive,se necessário, esclarecimentos, chamando atenção dos litigantes para aspectosdas causas não suficientemente elucidadas, alertando-os, outrossim, paracircunstâncias descuidadas, por um ou outro dos demandantes, mas quepodem ser conhecidas, ex officio, pelo magistrado, não constitui, por si só,quebramento da imparcialidade do julgador, mas representa, isto sim, formade favorecer o andamento das causas e a justiça das decisões. Não há, inclusive,o juiz de recear que essa atividade esclarecedora denuncie sua opinião sobrecertos pontos do processo, pois o derradeiro desate pende sempre da concorrênciade uma pluralidade de fatores” 39.

Se, para o juiz, “o fazer Justiça é o alvo, a tarefa, a missão, o sacerdócio”40 e se a finalidade do Direito é dar cada qual o que lhe cabe, ensejando omáximo de felicidade à sociedade, tem-se, aí, razão maior a justificar o quantomencionado a respeito de como e até que ponto é possível a intervenção domagistrado na causa, enquanto conduz o processo, relativamente ao que,aliás, é de se ver que o Código de Processo Civil, além de possibilitar-lhe, de

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acordo com o princípio do livre convencimento judicial, no art. 131, a livreapreciação da prova, “...atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dosautos, ainda que não alegados pelas partes...”, desde que motivado seuconvencimento, em seu art. 130 possibilita determine ele próprio, de ofício,“as provas necessárias à instrução do processo...” e, no art. 1.107, quando secuidar de procedimento especial de jurisdição voluntária, “investigar livremente osfatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas”, ressalvando o art. 342,ademais, ser-lhe possível “de ofício, em qualquer estado do processo, determinaro comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos dacausa”, podendo, com fundamento no art. 131, conferir ao depoimento “...anatureza de fonte probatória em favor do próprio depoente” (RT 601:207).

Em verdade, há que prevalecer, sempre, “o interesse de ordem públicasobre o interesse privado dos litigantes; o juiz, como parte imparcial, é oprincipal detentor da tutela do processo, como instrumento da jurisdição aserviço das partes” 41.

Por outro lado, seja pela postura adotada por alguns juízes no contatocom advogados e partes, seja pela própria maneira com que conduzem seutrabalho, afastando-se do ideal esperado a respeito, conclui-se que críticaslançadas contra o próprio Judiciário acabam por ter razão de ser, embora sedirijam, na verdade, contra integrantes da Magistratura.

Não será pelo tom de voz que adotem ou pela postura fechada, queadquirirão o respeito dos que os cercam ou com eles trabalham, uma vez que orespeito é decorrente da segurança, prontidão e aplicação que dedicar ao trabalho,além da educação e cordialidade de que se utilizar frente aos que com ele convivem,lembrando-se, sempre, que, se os funcionários estão a eles submetidos, sob oaspecto funcional, o mesmo não se dá com os membros do Ministério Público,advogados e partes, relativamente aos quais lhes incumbe agir segundo o que alei possibilita na condução do processo, lembrando-se, de qualquer maneira,que todos nós temos dias mais ou menos doces e ninguém é obrigado a suportaro excesso ou falta de “açúcar” do juiz, pois, “... não tem o direito de ser grosseiro,intratável, nem o advogado tem o dever de suportar calado as impertinências...”42

e “azedumes” do magistrado.Fique a advertência do Des. Cunha Barreto: “O advogado que agride

o juiz por suas decisões (e atitudes, acrescento), diminui-se a si próprio.O juiz que corre esse páreo de agressão, revela fraqueza moral”.

A prerrogativa maior que o juiz tem e deve sempre atentar para isto, é ade exercer uma função que é pública e fundamental e, assim, tem também umdever social, no tocante ao qual deve sempre lembrar que, ao contrário de emoutras profissões, acaba sendo obrigado, algumas vezes, sem que se diminuaou fique desprestigiado, a “assimilar” determinadas coisas que ouve, para não

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abaixar o nível e o próprio prestígio da função.Se a compostura recomenda sejam os juízes reservados, isto não implica

que se tornem pessoas retraídas, fugidias, uma vez que, impondo-se peloprestígio que decorra de seu trabalho, serão respeitados, inclusive nas atividadessociais que acaso desenvolvam e no contato com as partes, advogados,promotores de Justiça, funcionários, demais integrantes da comunidade e ospróprios colegas, tanto no exercício da função como fora dela.

Na função, aliás, é de se ver que o exercício do cargo de juiz não se presta,como alguns podem pensar, à satisfação de realizações que a pessoa não possuaou em forma de suprimento da inexpressividade própria a alguns e, que, aocontrário, muitas vezes pode sim, ser afastada pelo trato afável e atenção bemcolocada com que o indivíduo atue e que se constitui, com espectro ainda maior,inclusive, no terceiro dos mandamentos propostos por Ransson aos juízes:“Às partes bem tratarás/ Como a todos, afavelmente”.

Tais observações são de grande importância, já que, juntamente com ojuiz, enfrentam os problemas da amargura das partes, até de forma mais direta;insatisfação com a maior ou menor demora do processo e a solução que por fimse dê à causa, a qual, se não agrada sempre a algum dos litigantes, por vezestambém não satisfaz ao próprio julgador que, por circunstâncias relativas aaspectos processuais ou mesmo de direito material, conclui que o melhor quepode fazer para resolver a lide, segundo os meios legais e pessoais que possuía,não ficou exatamente emoldurado naquilo que seria o ideal pretendido de Justiça.

5. Na humildade reside qualidade que muito importa ao magistrado,não implicando ela, como podem pensar alguns, em perda de autoridade, atéporque e como lembrado pela Desembargadora Nancy Andrigui, “a vaidadegera uma confiança excessiva em si, o que redunda em crescimento exagerado dosentido de autoridade e a desconsideração ao pensamento de outros juristas” 43.

Sabendo exercitá-la, evitarão os magistrados superestimar a própriacapacidade e terão como desconfiar de si mesmos, aprendendo a rever os própriosconceitos (ou pre- conceitos) e reconhecer que posições antes assumidas nãoeram as mais adequadas, sem qualquer receio de, com isto, perderem prestígio;ao contrário, engrandecerão a si mesmos e impedirão que a convicção que tenhama respeito deste ou daquele ponto de vista seja tomada como manifestação deorgulho ou teimosia. A inamovibilidade que possuem tem a ver apenas comgarantia constitucional própria ao exercício da função e não à mudança depensamento quanto a este ou aquele assunto!

6. Reclama-se, sempre, da demora no andamento das causas, emborasaibam os presentes da existência ou não de prazos ou momentos para a práticade atos judiciais e do alcance da litigância existente, frente ao número demagistrados que a possa enfrentar.

Reconhece-se, contudo, ser possível, conforme a maneira como se

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conduza a processo, obviá-lo sem que isto se constitua em dano ao direito doslitigantes, uma vez que da preocupação que o juiz tiver quanto à adequadaconcentração de atos e à solução dos incidentes que surgirem, poder-se-á, sempreatentando às normas processuais, limitar o tempo que a causa deverá tomar.

Pecam alguns, - às vezes até por provocação das partes que, tentando ver oprocesso atingido pela demora que atende a seus interesses, - pelo excessivo processualismo.

O processo é meio e não fim e da comedida análise às regras formais serápossível, sempre, atingir-se os objetivos a que se destinam, em lapso de tempoque, não prejudicando o direito dos envolvidos, acaba por conduzir a maisrápida entrega da prestação jurisdicional.

Outrossim, é perfeitamente possível aos juízes criar fórmulas tendentesà racionalização e agilização dos serviços, com reflexos para o público a quese destina a prestação jurisdicional. Naturalmente a experiência diária com asleis existentes propicia a sua melhor aplicação e até sugestões com propostasnovas e conducentes a soluções ainda não idealizadas.

Em época recente a eficaz atuação do Exmo. Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo, -graças à intervenção do Ministério da Justiça, com vistas a tanto - , ao lado de outrosmagistrados, professores e membros do Ministério Público, v.g., ensejou a elaboração deprojetos os quais se destinavam a alterar normas de processo civil e processo penal, sempre como fim de racionalizar e agilizar o andamento dos processos, prestando-se a experiência ademonstrar a valia da colaboração daqueles que lidam direta e diariamente com o Direito.

Não se compreende, p.ex., a insistência em se manter, como regra geral, o serviço decomunicação dos atos mediante oficial de Justiça para tudo quanto se realize a esse respeito,podendo limitar-se sua atuação a hipóteses específicas e restritas, que a lei preveja e em quese tenha como absolutamente necessária sua atuação. Desde o momento em que se passou, noEstado de São Paulo, a intimar por carta as testemunhas, pôde-se perceber o sucesso dainiciativa, que até hoje persiste.

Nos Estados Unidos, segundo se sabe, os próprios advogadosprovidenciam a citação para ações, sem que se tenha notícia do insucesso damedida. Argumentarão alguns com o ser diverso o sistema legal norte-americano,o que poderia impedir a adoção de algumas regras no Brasil. Entretanto, é de sever que não se presta o argumento, pura e simplesmente, a impedir que seprocure, dentro de nosso ordenamento as fórmulas que poderão servir, com asnecessárias modificações, para a melhoria dos serviços judiciários.

No Estado de São Paulo, por exemplo e antes mesmo que o Código deProcesso Civil fosse modificado, de sorte a tornar desnecessária a publicação deeditais por mais de uma vez, em casos de citação por tal modo e em que o autorda ação fosse pobre, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura, por propostade um juiz de primeiro grau, editou resolução onde, argumentando com oconstitucional Direito de ação, orientava os magistrados a que determinassem a

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publicação somente no Diário Oficial, quando o demandante fosse beneficiárioda a assistência judiciária. Ainda que o tema se envolvesse com a própria atividadejurisdicional, não se atemorizou o Egrégio Conselho, ante as ponderações domagistrado, em adotar a medida, que, observe-se, não foi objeto de contestação.

Pode-se imaginar, ainda, para a prática de atos processuais, o uso de meiosmodernos, como a informática ou o fac-símile, bastando que se estudem asfórmulas hábeis a possibilitá-los, administrativa e jurisdicionalmente. O ColendoSuperior Tribunal de Justiça, como se sabe, deliberou, já, ficar a critério de suasTurmas Julgadoras a consideração sobre a valia ou não de recursos interpostospor fac símile, independente de ser juntada, depois, a via original. Eis aí um inícioe que acabou por resultar na recente edição da Lei nº 9.800/99 [44], como o foi oprotocolo integrado em todo o Estado em São Paulo, que tantos resultadospositivos alcançou, apesar de críticas inicialmente lançadas contra o sistema, depoisadotado, também e segundo se tem notícia, por outros Estados.

7. Os juizados de pequenas causas, em especial aqueles agora criadospara as causas cíveis e criminais de menor complexidade se constituem emesperança à solução - pelo menos - do problema relativo à morosidade.

A mídia os vem colocando em tal situação e do próprio interesse e forma com que osjuízes tenham recebido a inovação dependerá o sucesso de sua instalação, não bastando queos tribunais o desejem. A interpretação a ser dada à lei que os rege, de nº 9.099/96 há quelevar em conta o seu espírito desburocratizador, sem que se procure em tal Diploma os seusproblemas mas, sim, as soluções que ele traz. Como ponderado pelo Des. Afonso André, quepresidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, “o juiz vocacionado é aquele dispostoa mudar”.

8. Verifica-se, aí, uma vez mais, a importância da formação e consciênciado juiz a respeito de sua missão, pois não deve se limitar a cumprir asobrigações que lhe são normais, devendo, também, com as idéias que tiver,contribuir à melhora e avanço dos serviços judiciários, em tudo aquilo quelhe for solicitado ou puder idealizar para a sua melhoria [**] lembrando-sesempre que não é um profissional comum que tem hora para entrar e sair etarefas previamente estabelecidas a cumprir, como um simples burocrata.Preocupar-se-á, na condução dos serviços com aquilo que efetivamente importe,pois, “a arte de ser sábio é a arte de saber o que desconsiderar” 45.

A judicatura se constitui em tarefa onde a abnegação é, acima tudo, umdos maiores predicados.

A par de serem verificadas formas de evitar-se que os processos seprotraiam no tempo, como incentivo, inclusive, a impedir que maus profissionaisdeles se valham para impedir se alcance o ideal de Justiça, cumpre pensar, ainda,que eles devem ser simplificados, não se podendo permitir, consoante referido,

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que o excessivo apego à forma, quando ela não é absolutamente necessária,acabe por se tornar em tormento, tanto dos jurisdicionados, quanto do própriomagistrado.

Há que procurar ele a intelecção que melhor se afeiçoe ao fim de Justiça,especialmente quando se leva em conta que o só fato de alguém estar envolvidoem processo judicial já é um problema em si mesmo, esperando o litigantesolução rápida e cuidadosa.

Não se está pregando, com a observação feita, o desapego às normas deprocesso, pretendendo-se, sim, assinalar que o processualismo excessivo podetransformar-se em problema maior que a própria lide apresentada a julgamento.

Quanto mais ágil for o magistrado, na solução dos incidentes que surjame nas medidas tendentes a impedir aqueles que se apresentam próximos deserem suscitados, inclusive como meio, muita vez, de retardar-se o processo,mais rápida será a solução da causa, prestando-se a energia e ética com queconduzido o processo a advertir as partes de que qualquer ato que pratiquem emdissonância com aquilo que lhes cabe, tanto sob a circunstância ética como sob alegal, será prontamente repelida.

9. Não devem os juízes, entretanto, pensar que a magnitude das funçõesque lhes cabem os tornam pessoas diversas das demais. A superioridade quepossuem diz respeito unicamente à autoridade que lhes cabe exercitar emconseqüência das funções que lhes competem, como forma de tornar o Judiciárioe suas decisões respeitadas.

D’Aquesseau advertiu, com total razão, que, “um dos perigos que o juizdeve evitar é revelar-se demasiadamente magistrado fora de suas funções e nãoser o suficiente no exercício delas”, uma vez que a vida é indivisível e não podeser vivida de forma a isolar-se a função judiciária daquele que nela foi investidoda própria vida pessoal que lhe é correspondente, o que, às vezes, não é percebidopor um ou outro, que se porta como tal quando não é preciso e deixa de fazê-loquando exercita suas funções.

Na verdade o juiz tem que saber portar-se, como homem, sem permitirque a postura social lhe retire a autoridade e nem que esta última seja manifestadaem locais nos quais não se torna oportuna tal manifestação, de sorte a demonstrarsofrer daquilo que, no meio forense, é denominado como “juizite” e que dispensaesclarecimentos a respeito do em que se constitui, merecendo apenas o comentáriode que é fato abominado pelos tribunais.

Prosseguindo e no tocante à humanidade, é ela fundamental ao exercícioda judicatura, pois o juiz não é só um aplicador da lei, cumprindo-lhe examinarcada caso verificando as circunstâncias que o cercam, bem como as condições queenvolvem ou envolveram as situações que lhe sejam apresentadas. O juiz tem

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que julgar sem se esquecer de sua natureza humana e que não o afasta daqueleque é julgado.

Se, como advertido, uma vez mais, pelo Conselheiro Alencar Araripe,“difícil é a tarefa de encontrar a verdade como elemento dos juízos humanos;difícil é também a aplicação dela aos fatos controvertidos. Se depois de pacientee laboriosa investigação o magistrado descobre a verdade, tão escondida no seiodas paixões, nem por isso está tudo feito; erguem-se ainda novos embaraços; ese a inteligência tranqüiliza-se pela aquisição da certeza, aí vem a luta do coração”,pois, “na posse da verdade, iluminação anterior do juiz, cumpre aplicar a lei.Então, ora a benevolência, ora a austeridade dominam o julgador”, sem que seesqueça ele que os sentimentos de humanidade não se afastam do Direito; aocontrário, estão presentes em sua própria base.

Rigoroso no exame de cada processo, de forma a não permitir que qualquerfato ou dado lhes escape ao exame, não pode o juiz se esquecer de que a clemência,na lembrança de Pórcia, personagem de Shakespeare, “cai como a doce chuva docéu sobre o chão que está por debaixo dela; é duas vezes bendita; bendiz ao quea concede e ao que a recebe. É o que há de mais poderoso no que é todo-poderoso...” 46.

A serenidade, de sua vez, reside na isenção de ânimo que seja possuidoro magistrado, de modo a não se deixar levar por impulsos, ainda que provocados,buscando com sua autoridade, apenas, que é o que de mais forte possui — e,portanto, deve saber exercê-la —, afastar a impertinência ou excesso daquelesque o procuram ou com ele trabalham.

Nesse aspecto cabe lembrar que o exercício da autoridade, de forma serena, por certofará com que tanto a ordem nos serviços judiciários como no próprio curso dos processos sepreste a possibilitar tenham eles andamento mais rápido, impedindo o juiz que a chicana ouexpedientes postergadores possam ter êxito.

Pode não ser e não é fácil a missão do magistrado, dependendo seuexercício de compostura, aplicação, humanidade, humildade e serenidade, semdeixar de ter, também, contato com as coisas humanas, de forma a que possaconhecer a realidade da vida, sem deixá-la fora da consciência de que necessitapara que possa julgar.

10. Neste ponto é cabível lançar-se nota a respeito do relacionamentodos magistrados com a cúpula do Poder Judiciário.

Alguns entendem que, por força justamente da autoridade que lhes é conferida pelalei, a ninguém cabe interferir ou procurar orientá-los quanto a forma de agir. Todavia, tantoa Presidência dos Tribunais de Justiça como a Corregedoria Geral da Justiça, muitas vezessentem-se obrigadas, conforme o assunto de que se tratar e dentro das atribuições de cadauma, a manter contato com os juízes, tanto com o fim de informarem-se acerca de situaçõesque lhes cheguem ao conhecimento, quanto com objetivo de aconselhar os magistrados sobre

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qual a melhor forma de agir em tais casos, sendo de se ver que, embora a atividade jurisdicionalenvolva independência, por vezes é preciso ocorrer aquela intervenção justamente com o fitode se procurar o aprimoramento da carreira.

Não se cuida, aí, de indevida interferência na atividade dos juízes, mas,sim, de providência tendente a impedir problemas que possam estar surgindoou resolver os que já ocorreram.

*.- No que toca à atividade específica da Corregedoria Geral da Justiça,não existe ela como órgão cuja finalidade é única e exclusivamente a de punir.

O juiz, como homem que é, possui tanto defeitos quanto qualidades,bastando, quanto às primeiras, que delas tenha ciência própria, em auto-análiseque faça, na procura de aprimoramento, enquanto e no tocante às últimas,incumbe-lhe não dar-lhes valor em demasia, de sorte a muito valorar-se e afastara própria humildade, vista já como atributo essencial à função.

Os problemas que surgem para os tribunais, em sua função controladorada atividade jurisdicional e pessoal dos juízes, decorrem, muitas vezes, da faltade controle próprio que tenham os magistrados sobre si mesmos, quanto aseus defeitos e qualidades, como forma de impedir que uns ou outros os impeçamde exercer a judicatura da maneira como se espera.

Algumas vezes, se torna impossível impedir que atitudes enérgicas, departe dos tribunais, sejam tomadas, como forma de coibir tais ocorrências, oque, entretanto, por mais duro que seja, é objeto de constante preocupação doPoder Judiciário, na busca da qualificação de seus integrantes, que, sabem,também, poder contar com o apoio necessário à solução ou procura dela, quantoàs dificuldades pessoais por que passem, junto aos colegas mais velhos eexperientes e aos próprios órgãos a que cabe o exercício da função reguladora efiscalizadora de sua atividade.

Acima da preocupação em punir, está a de orientar, procurando, comisto, ajudar aqueles a quem tantos, em litígios nos quais se envolvem, procuramajuda, também, na espera de uma solução justa e adequada.

A busca de correta orientação junto à Corregedoria Geral, quando tal sefizer necessário, não diminuirá de maneira alguma o magistrado; ao contrário,prestar-se-á a demonstrar sua preocupação em acertar, podendo-se prestar,também, em caso de falta única infelizmente ocorrida, indicar ser o juiz merecedorde perdão, inclusive pelos antecedentes funcionais outros que possua e quevirão em seu favor.

Os poderes que possui para conduzir a marcha do processo estão previstosnos próprios Códigos Processuais, bastando a eles que dos mesmos se utilize,para restaurar a ordem ou impedir que desvios ocorram, sendo desnecessáriotomar medidas que refujam àquelas.

No exercício da função e com os meios que a própria lei lhe dá, deverá

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saber e saberá o magistrado agir corretamente.Feitas tais considerações cabe, ainda, o quanto segue, acerca da atividade

administrativa desenvolvida pelos magistrados.Alguns juízes adotam a salutar prática de, com certa freqüência, efetuar

verificações nos processos que sabem serem os mais problemáticos distribuídosàs varas em que atuam, com o que mantém controle perfeito dos mesmos, tantono que toca à atuação das partes, quando da própria secretaria, evitando com istoeventos anormais e que possam impedir o andamento regular das ações. Oexpediente pode ser usado inclusive quanto aos demais processos ali existentes ecujo exame, ainda que por amostragem, permitirá ao juiz, no exercício da açãocorregedora que a lei lhe atribui, ter constante conhecimento a respeito de comoanda a secretaria, facilitando, mesmo, a correição que anualmente lhe cabe efetuar.

A atividade administrativa do magistrado, aliás, é de grande importânciapara o correto desenvolvimento dos serviços judiciais.

Primeiro com a edição - se absolutamente necessário, já que tudo quanto diz respeitoà ordem do serviço é previsto em leis de processo ou atos da Corregedoria Geral da Justiça - deatos administrativos tendentes às providências que sejam necessárias à organização de tarefase instauração de procedimentos necessários à apuração do quanto for preciso em caso deirregularidades constatadas, lembrando-se o juiz, sempre, que, a não ser nas hipóteses em quea medida seja absolutamente necessária, pela gravidade do fato ou desídia evidente de servidores,a preliminar orientação por certo servirá a corrigir os erros, muitas vezes decorrentes daausência ou errônea compreensão acerca da rotina do trabalho. Se é certo que a secretariapossui um diretor ou pessoa exercente de função a tal equivalente, também é correto que elehá que buscar orientação junto ao superior imediato e, que, no caso, é o juiz corregedorpermanente, a quem cumpre supervisionar os serviços da comarca ou da vara de que sejatitular, dando posse a funcionários, orientando-os e punindo-os, quando e se for a hipótese.

As Corregedorias Gerais estão, sempre, até para que se reduza anecessidade de sua própria atuação, à disposição dos magistrados, para a seguraorientação sobre como e quando ser ou não tomada esta ou aquela providênciano âmbito da função correcional permanente, sendo as medidas e a forma comoatuam os juízes um espelho da sua conduta no setor.

Embora possa parecer, por outro lado, que o acompanhamento, aindacom a realização das correições anuais, dos serviços praticados extrajudicialmentese constitua em desnecessário acréscimo ao trabalho que cabe aos magistrados,na realidade tal função se presta a indicar uma relevante atividade do PoderJudiciário, examinando e corrigindo os serviços que, por sua própria natureza,não podem deixar de ser executados mediante direta fiscalização do mesmo,atuando, ainda, o Ministério Público, segundo a função constitucionalmente aele atribuída.

Nesse exame dos serviços extrajudiciais, há o corregedor permanente de

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atentar tanto para a ordem dos mesmos, segundo a lei a cada um aplicável eregras administrativas para tanto editadas como e também para as condições emque o trabalho é realizado, posto se cuidar de serviço público e para o qual todasas cautelas devem ser observadas, tanto em referência aos que o exercem comoem relação àqueles a que se dirigem.

Paralelamente a tal função, cabe-lhe a direção do fórum, quando for oúnico juiz na comarca ou aquele a quem a Presidência do Tribunal designe paratanto.

Aí, exercitará trabalho de administração propriamente dita, cuidando,com os servidores que atuem na secretaria do fórum, das providências necessáriasà organização e manutenção do prédio e suas condições, conforme as normasacaso estabelecidas pela Presidência do Tribunal de Justiça, a quem, no exercícioda tarefa, estará auxiliando e a ela submetido, valendo, aqui, mais do que nunca,as observações antes lançadas a respeito das condições de trabalho e sobre seradequada a consulta ao tribunal quando surgirem dúvidas ou impasses a respeitode como executar esta ou aquela tarefa, especialmente atentando para o fato deque as questões que dizem respeito a despesas, contratação e execução de serviçosestão submetidas à apreciação do Tribunal de Contas do Estado.

12. Poder-se-á questionar se, com tais requisitos, estar-se-ia a sugerir, narealidade, um homem que refuja à normalidade, o que, entretanto, não é o quese quer.

Conforme a realidade e as condições que se apresentarem, poderá cada juiz realizaro que for de melhor possível no exercício das tarefas que lhe cabem, prestando-se a criatividadecertamente existente em todo ser humano a ajudá-lo a superar dificuldades que surjam,podendo estar convicto que a atuação de cada um se prestará a auxiliar na obtenção de apoiodos órgãos competentes do Tribunal de Justiça e dos próprios colegas, quando necessário.

13. A sociedade aguarda e muito do Poder Judiciário e este de seusjuízes, cabendo àqueles que tiverem em seu espírito a intenção de nele se integrar,de forma franca e preocupados em exercitar da maneira mais sincera possível ajudicatura, a demonstração sobre ser possível transformar em realidade aquiloque foi escrito, um dia, como esperança passível de realização, no Primeiro ColóquioInternacional da Magistratura, sobre não ser “...proibido sonhar com o juiz dofuturo: cavalheiresco, hábil para sondar o coração humano, enamorado da ciênciae da Justiça, ao mesmo tempo que insensível às vaidades do cargo; arguto paradescobrir as espertezas dos poderosos do dinheiro; informado das técnicas domundo moderno, no ritmo desta era nuclear, onde as distâncias se apagam e asfronteiras se destróem, onde, enfim, as diferenças entre os homens logo serãosimples e amargas lembranças do passado...”.

Encerrando e já que se mencionou a esperança, sinônimo de futuro, éapropriada a advertência de Gabriel García Márquez, com vistas a que, “nãoesperem nada do século 21, pois é o século 21 que espera tudo de vocês. É um

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século que não chega pronto da fábrica, mas sim pronto para ser forjado porvocês à nossa imagem e semelhança. Ele só será glorioso e nosso à medida quevocês sejam capazes de imaginá-lo” 47.

Desculpem-me se muito lhes falei, mas o fiz procurando externar meuauto de fé a respeito de nossa carreira e buscando impedir, na advertência doExmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar e consoante Maiakovski, que, “Por nãotermos dito nada, não pudemos fazer mais nada” 48 .

Muito obrigado.

1 “O juiz sua conduta no Foro e na sociedade”, Deontologia Forense, TJMG - Escola

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Judicial, 1979, p. 52* “Escolha significa discricionariedade, embora nãonecessariamente arbitrariedade; significa valoração e “balanceamento”; significaque devem ser empregados não apenas os resultados práticos e as implicaçõesmorais da própria escolha; significa que devem ser empregados não apenas osargumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise lingüísticapuramente formal, mas também e sobretudo aqueles da história e da economia,da política e da ética, da sociologia e da psicologia” Cappelletti, Juízes ..., cit., p. 332 “Quem julga, transfere para o mundo algo muito intenso e veemente queestava aprisionado no seu ser. Não se trata de mera transformação. É mais.Muito mais. É uma transfiguração, verdadeira metamorfose, algo parecido como que diz Rilke da obra de arte: o curso da natureza requer que tudo queime atévirar cinzas, mas na arte é como se isto fosse invertido, de modo que até as cinzaspudessem irromper em chamas. Talvez por isso também, os juristas romanostivessem visto no direito uma arte, ars boni et aequi. O processo de julgar, emsi, não é capaz de produzir e fabricar coisas tangíveis como livros, pinturas,esculturas, partituras musicais. O direito, como a arte, exige uma transformaçãoreificada no mundo. Sem essa materialização, nem o julgamento nem o espíritoartístico podem tornar-se coisas tangíveis. Por isso, o preço do direito como opreço da arte é a própria vida: é na letra morta que o espírito deve sobreviver.Deste amortecimento ambos só escapam quando a letra morta entra novamenteem contato com uma vida disposta a ressuscitá-la, ainda que esta ressurreição,como todas as coisas vivas, tenha que morrer também. Por isso o direito, comoa arte, são fenômenos de comunicação, não existem no isolamento solipsista,exigindo do autor e do fruidor a mesma disponibilidade vital: a liberdade”(Tércio Sampaio Ferraz Jr., Discurso de Posse na Academia Paulista de Letras).3 Dalmo Dallari, “O Poder Judiciário como Instrumento de realização da Justiça”,in O Poder Judiciário e a Nova Constituição, AJURIS, 1985, ps. 57/744 ERLICH, Eugen,”Fundamentos da Sociologia do Direito”, Cadernos da UNB,Ed. da UNB,5 Estadista6 Apud Antônio Carlos Wolkmer, Aspectos Ideológicos na Criação Jurisprudencial doDireito, AJURIS, vol. 34, ps. 92/102* “...hoy se há desterrado la idea de que laúnica misión del Poder Judicial era la aplicación de la ley, considerada comoexpresión de la voluntad general. Según este esquema, no parecia existir ningumadiferencia entre la funcón de la aplicación de las leys, propia de la Administración,y la que debían llevar a cabo los tribunales. Sin embargos, la función judicial nose basa en la aplicación de relas y, además, la regla, por breve e imperativa que seja,no se aplica en su sentido literal, sino después de la discución sobre su sentido,sobre su exacto alcance y sobre la manera de adaptarla al caso particular” (NuriaBelloso Martin, “Division de Poderes e Independencia del Poder Judicial”, in A

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Filosofia, Hoje, Anais do V Congresso Brasileiro de Filosofia, Instituto Brasileirode Filosofia, São Paulo, vol. II, p. 870).7 Idéias que poderão conduzir o magistrado a compor um ideal próprio epessoal, a respeito do que seja justiça e, que muito mais têm a ver com a própriamaneira como formada [ou deformada] sua personalidade, conduzindo-o até aprática daquilo que já se afirmou como direito livre e, que, embora possa parecermelhor, na solução final deste ou aquele caso, possibilitando, da mesma forma,que se afirme solução diametralmente oposta e de excessivo rigor, quandoexaminada a espécie segundo a pura ótica da vítima.8 Altavilla9 Op. cit., p. 1710 Fundamentos da Psicologia Analítica, Ed.Vozes, 1985, p. 11* 11 Não no sentidode exercitar atividade política, a qual, por sua própria natureza, não tem vínculocom a imparcialidade que é própria e necessária à função judicial. Conformepondera Cappelletti, “O bom juiz pode ser criativo, dinâmico e “ativista”e comotal manifestar-se; no entanto, apenas o juiz ruim agiria com as formas e asmodalidades do legislador, pois, a meu entender, se assim agisse deixariasimplesmente de ser juiz” (Juízes Legisladores, Sérgio Antonio Fabrir Editor,1999, p. 74, trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira). Em verdade, quando sealude à atuação política do magistrado, deve ela ser tida segundo o que dispõe oart. 5º da Lei de Introdução ao C.Civil, de forma a adeqüar a norma legal àscircunstâncias do caso concreto e da realidade vivida pela comunidade e daquiloque por ela é esperado quanto à sua atuação, sem que, também, considere-sepressionado por uma ou outra circunstância apaixonada neste ou naquelemomento, a qual poderá até levar em conta no ato de interpretação, sem perdera imparcialidade. “O magistrado necessita ser um sociólogo, um perscrutadoanatomista do meio, observador atento, livre de cláusula que o reteve por séculosna aplicação das codificações, subtraído ao quadro real da vida, da qual só conheciaa superfície, isso mesmo naquilo que esta deixava observar, através dospressupostos das leis”, escrevia já em 1937 o Des. Cunha Barreto, do Tribunalde Justiça de Pernambuco, na obra Direito Aplicado (Cf. no Repertório de Jurisprudênciado Código Civil, Vercingetorix de Castro Garms, vol. I, Max Limonad, 1955, 2ªtir., nº 71, ps/ 33/35) e parece ser de adequada citação, neste passo e acerca do quese comenta.11 Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 7a.ed., trad. J. Baptista Machado, p. 25512 Walter Ceneviva, “Letras Jurídicas”, Folha de S.Paulo, 22.05.9913 Volnei Ivo Carlin, “O Juiz e Sua Consciência: O que é ser justo?”. InJurisprudência Catarinense, vol. 45, ps. 49/5014 Cardozo, p. 15215 Wanderley José Federighi, Jurisprudência e Direito, Ed. Juarez de Oliveira, 1999,

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p. 5416 Jurisprudência e Direito, cit., p. 54* “...o juiz não pode mais se ocultar, tãofacilmente, detrás da frágil defesa da concepção do direito como normapreestabelecida, clara e objetiva, na qual pode basear sua decisão de forma “neutra”.É envolvida sua responsabildiade pessoal, moral e política, tanto quanto jurídica,sempre que haja no direito abertura para escolha diversa. E a experiência ensinaque tal abertura sempre ou quase sempre está presente. Mais uma vez, naspalavras do eminente juiz inglês: Quem poderá negar agora que, para o direito, as decisões judiciárias constituem uma contribuição criativa, e não meramentedescritiva? Não há outra forma de fazer de modo diverso, na medida em queraro é o caso de decisão que não pressuponha a escolha entre duas alternativas aomesmo tempo admissíveis” (Juízes..., cit., p. 33).17 Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, vol. 11, nº 1/2, ps.137/13818 Cardozo, p. 14919 Cardozo, p. 5620 Des. Ronald Accioly, “A Figura do Magistrado nos Dias de Hoje e suasPerspectivas”, Revista da Associação dos Magistrados do Paraná, vol. 39:1921 Cardozo, p. 5822 Monroe Smith. Apud Cardozo, p. 5923 Introdução ao Pensamento Jurídico, Fund. Calouste Gulbekian, 1988, ps. 364/36524 Cardozo, p. 6025 Antônio Carlos Wolkmer, art. cit.26 O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 32727 Carlos de La Vega Benayas, Introduccion al Derecho Judicial, Edit. Montecorvo,Madrid, 1970, Perspectiva Sociologia Del Juez, p. 182, nº 3228 Arnold, Essays in Criticism, second series, pág. 129 Cardozo, p. 6230 Oliver Wendell Holmes, La Senda Del Derecho, Editorial Abeledo Perrot S/A,B.Aires, s.data, p.8. Trad. Eduardo A. Russo31 Mário Guimarães, op. cit., p. 32632 Francisco Bernardo Figueira, O Juiz sua conduta no Foro e na sociedade,Deontologia Forense, TJMG - Escola Judicial, 1979, p. 4833 Ensaios:”Flaubert”34 Carlos de La Vega Benayas, Introduccion al Derecho Judicial, Edit. Montecorvo,Madrid, 1970, Perspectiva Sociologia Del Juez, p. 182, nº 3135 Carlos de La Vega Benayas, Introduccion al Derecho Judicial, El Juez y La Psicologia,p. 175, nº 2536 Introdução..., cit., p. 25237 La Vie Judiciaire, de 10 a 15.05.65, em comentário sobre o Primeiro Colóquio

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Internacional da Magistratura * Advirta-se não se propor, com o quanto até aquiexposto, a adoção de qualquer critério que possa ser considerado como odenominado “direito alternativo”, já que conforme se percebe claramente doart. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, sua redação se insere dentro dosconceitos jurídicos indeterminados, “...deixados intencionalmente peloLegislador para o Juiz aplicá-los aos casos concretos, de acordo com ascircunstâncias particulares, condições sociais, econômicas, políticas, culturais etc”,em que, conforme Carlos Aurélio Mota de Souza, está o campo próprio àeqüidade, quando deva o juiz interpretar as regras aplicáveis, selecionar as maisbenéficas aos interessados, interpretar os aspectos da lide segundo os dispositivosmenos gravosos ao caso e impor a conclusão mais apropriada ou eqüitativa,“...seja amenizando o rigor da lei, seja suprindo eventuais lacunas, seja estendendoo sentido mais favorável da lei ao maior número de situações jurídicas ou quebeneficiem o maior número de partes em confronto” (Segurança Jurídica eJurisprudência - Um enfoque filosófico-jurídico, LTr, 1996, p. 25838 “O Juiz na História, Critérios de Sua Escolha e a Escola da Magistratura”,Revista de Processo, vol. 60, ps. 180/18639 “A Função do Juiz”, AJURIS, vol. 54, ps. 40/5240 Mário Guimarães, O Juiz..., cit., p. 3441 Carlos Aurélio Mota de Souza, Poderes Éticos do Juiz, Sérgio Antonio FabrisEd., 1987, p. 145, nº 2.542 Francisco Bernardo Figueira, trab. ref.43 A Minha Pré-compreensão do Ato de Julgar. Trab. inédito.44* Permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para aprática de atos processuais** Os exemplos dados, a respeito da utilização daestenotipia e da Resolução relativa à citação edital em ações movidas por pessoasbeneficiárias da assistência judiciária, em São Paulo, nasceram de propostas feitaspor juízes de primeira instância, os quais não tiveram receio de apresentá-las àconsideração superior, onde foram aprovadas. Inúmeros são os casos de outrasprovidências originadas em propostas da instância inferior e aprovadas na cúpulado Judiciário, no mesmo Estado.45 Willian James46 O mercador de Veneza, 1981, p.34947 Folha de S.Paulo, 14.1.99, Tendências e Debates48 “A Federação Brasileira e os Procedimentos em Matéria Processual”, Revista deJulgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, vol. 49, p.17.

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JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE: PODER OU DEVER DOJULGADOR?

Diogo de Calasans Melo Andrade, pós-graduando em Direito Civil-Constitucional, assessor jurídico da Presidência do TJ/SE.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Das Considerações Gerais - 3. DosPrincípios que regem a matéria - 4. Do Histórico - 4.1. DosAntecedentes históricos do Julgamento Antecipado da Lide - 4.2. DoJulgamento Antecipado no Direito Brasileiro - 5. Das condições paraa aplicação do art. 330 I E II do CPC – 5.1. Da questão de méritoexclusivamente de direito - 5.2. Da questão de direito e de fato - 5.3.Da desnecessidade de produzir prova em audiência – 5.4. Da revelia- 6. Da aplicabilidade nas ações cíveis - 6.1. Da sua aplicação nasAções de Despejo - 6.2. Da sua aplicação quando existem pedidoscumulativos - 6.3. Da sua aplicação no procedimento sumário - 6.4.Quando ocorrer revelia - 6.5. No caso de apresentação de defesasantecipadas - 6.6. Da sua aplicação nos Embargos - 6.7. Nos casosde ilegitimidade das partes - 6.8. Nos casos de cumulação indevidadas ações 6.9. No caso de excesso de execução - 6.10. No caso denulidade da execução até a penhora - 6.11. Nas causas impeditivas,modificativas ou extintivas da obrigação e demais casos do artigo741,VI - 6.12. No caso de revelia nos Embargos - 6.13. Nos embargosà arrematação ou à adjudicação - 6.14. Nas Ações Cautelares - 7.Impossibilidade de sua aplicação em certas causas - 7.1. Quandoocorrer pluralidade de partes no pólo passivo da demanda - 7.2. Nocaso de revel titular de direitos indisponíveis - 7.3. Quando o MinistérioPúblico, o Curador Especial ou o Advogado Dativo estiver no pólopassivo da lide - 7.4. Na Declaratória Incidental como motivo depostergação dos efeitos da revelia - 7.5. Nos casos de Desapropriação- 7.6. No processo de Execução - 7.7. Na exceção de pré-executividade- 7.8. Nos Tribunais de Justiça - 8. O posicionamento da doutrina - 9.Do julgamento antecipado e da lide e tutela antecipada - 9.1. Dasdiferenciações - 10. Da possibilidade de utilização do instituto após aaudiência de conciliação - 11. Julgamento antecipado da lide: poderou dever do julgador? – 12. Conclusão – Bibliografia

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1. INTRODUÇÃO

Todos os que batem às portas do Poder Judiciário pretendem ter suasações julgadas de forma efetiva, adequada e célere. A morosidade do processogera não só o desprestígio do Poder Judicante, mas a frustração das partes. Oprocesso utilizado de forma demorada torna-se um instrumento de inquietaçãosocial, na medida em que favorece a parte que não tem direito. A ConstituiçãoFederal em seu art. 5º, inciso XXXV, garante o acesso à Justiça ao assegurar quenão será excluída da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.Ocorre que, do acesso à Justiça à sentença final, a morosidade processual equivaleà inaplicabilidade do princípio constitucional.

Atualmente, existe um extremo apego ao formalismo, haja vista que osoperadores do direito vivem uma tendência ritualística, em detrimento doverdadeiro objetivo do processo que é fazer justiça às partes, ao buscar o maisracionalmente o direito litigado. Em sentido contrário, a utilização da cogniçãoexaustiva do direito em litígio, impedindo a celeridade processual, torna oprocesso moroso levando o Judiciário ao descrédito, posto que, segundo oDes. Pascoal Nabuco, justiça seródia é pura injustiça.

As constantes transformações sócio-jurídicas nas relações da sociedadeestão a exigir formas e estilos mais dinâmicos de resoluções de litígios paraalcançar a solução dos conflitos sociais de forma mais eficaz e célere. Uma dassoluções para evitar a perpetuação das lides é a Antecipação do Julgamento,prevista no Capítulo V, Do Julgamento Conforme o Estado do Processo, SeçãoII, e do Julgamento Antecipado da Lide, art. 330, I e II da Lei 5.869, de 11 deJaneiro de 1973, soluções que evitam a superlotação de processos nas VarasCíveis e a composição do litígio de modo a evitar o desnecessário alongamentoda via processual. No atual Código, ele foi separado do despacho saneador,recebendo vida e estrutura própria, com funcionalidade distinta.

Nesse sentido, a bem ponderada aplicação da Antecipação do Julgamento,em absoluta consonância com o direito constitucional das partes de sedefenderem e fazerem provas de seus direitos é medida extremamente eficaz.Tentando localizar as raízes dessa inovação processual fizemos uma incursãohistórica, constatando que teve sua origem em Roma, embora tenha sidoconsagrada na Alemanha. O Brasil tomou por base a Codificação Portuguesapara a criação da elaboração do citado instituto processual.

A prática do Julgamento Antecipado privilegia os PrincípiosConstitucionais da Economia, Simplicidade, Celeridade, Instrumentalidade eEfetividade Processual, além de eliminar a enorme quantidade de audiências, quena maior parte das vezes são inúteis. Existe uma harmonia entre o instituto e o

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art. 125, II, do CPC, que manda o juiz “velar pela rápida solução do litígio” e como art. 130, que ordena o indeferir “as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.

As condições para sua aplicação implicam a questão de mérito, sejaexclusivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não haja necessidade deproduzir prova em audiência ou quando ocorrer à revelia. Pode ser aplicado emquase todas as ações cíveis, restando, apenas, alguns casos que o inadmitem. Osdoutrinadores são unânimes em afirmar sua importância na rápida e eficazaplicação da Justiça.

Importante é estabelecer sua diferença da Tutela Antecipada, prevista noart. 273 do CPC. No primeiro, o julgador decide o próprio mérito da causa,proferindo sentença, na segunda, o juiz antecipa os efeitos da sentença atravésde decisão interlocutória.

No estudo procuramos evidenciar a possibilidade de sua utilização apósa audiência de conciliação, em obediência ao art. 125, IV do CPC e em razão doPrincípio da Conciliação, que é um dever do magistrado. Por fim, tentaremosdemonstrar que o Julgamento Antecipado da Lide não é uma faculdade dojulgador, mas sim um dever que se impõe quando presentes as condiçõeselencadas no art. 330 do CPC.

Em suma, este é o conteúdo do nosso trabalho técnico-científico, queapresentamos sem a intenção de estarmos dando qualquer contribuiçãodoutrinária, mas apenas a de nos somar a quantos têm demonstrado que nãohá discricionariedade no Julgamento Antecipado da Lide, mas efetivação daJustiça, através da prestação jurisdicional mais célere e eficaz.

2. DAS CONSIDERAÇÕES GERAIS

Antigamente o Estado como hoje existe, não tinha força para se sobreporaos indivíduos. Permitia-se aos litigantes a auto-tutela de seus interesses, gerandofatores de insegurança social, tendentes a suscitar a ruptura da vida em coletividade.

Com o transcorrer da história, o Estado se fortaleceu assumindo omonopólio da Jurisdição, isto é, da capacidade de dizer o direito, submetendoas partes à decisão por ele entendida.

Com o surgimento do monopólio da jurisdição, nasce a idéia do processo,que significa avançar, proceder em direção a um fim, ou seja, tornou-se necessáriaa existência de atos ordenados a alcançar um fim, o pronunciamento estatalacerca do direito em litígio, a sentença.

Durante muito tempo o processo foi concebido como uma mera sucessãode atos, até que, em meados do século passado, passou por uma profundarevisão, ganhando, a partir daí, status de ciência autônoma, com meios própriosde investigação científica, o que só foi possível com o questionamento do caráter

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civilista da ação.Assim, o processo passou a ser encarado numa perspectiva instrumental,

trazendo, como aspecto positivo, o cumprimento de seus objetivos sócio-político-jurídicos, e, como negativo, uma tendência processualizante, verificadapelo excessivo apego ao formalismo e sua fuga à realidade social, culminada pelaconsagração dos meios em detrimento dos fins processuais.

A sociedade cresceu, os conflitos se multiplicaram e a prestaçãojurisdicional tornou-se morosa pela utilização do procedimento processual porexcelência, qual seja, o procedimento ordinário, que permite a cognição plena eexauriente do direito em litígio, repelindo sua cognição parcial, sumarizada,colocando-a como exceção.

Houve, portanto, a priorização da segurança jurídica, entendida como odireito dos litigantes à cognição exaustiva do direito em litígio, ensejando aamplitude do contraditório, da defesa, da interposição de recursos, etc, emdetrimento do tempo da prestação jurisdicional, entendida como acesso à Justiça.

Na prática, surge um conflito entre esses dois valores, que, abstratamentesão compatíveis e harmonizados pelo texto constitucional e entre os quais nãohá qualquer hierarquia.

O procedimento ordinário, fundamentado na segurança jurídica, faz comque seja suscitada a desigualdade das partes na relação jurídico-processual, umavez que o ônus da demora do processo recai exclusivamente sobre o autor,tendo se afastado da realidade social.

Assim, o processo tornou-se excessivamente formalista, colocando delado a celeridade em detrimento da segurança jurídica, entendendo-se a demorado processo como um mal necessário à cognição definitiva do Direito, havendoum afastamento da ciência processual em relação ao que se passa na realidadesocial, promovendo uma revolta geral, que transcende à ciência do Direito,preocupando a sociedade como um todo.

Em verdade, o tempo do processo sempre foi visto de forma secundária,o réu que não tem razão beneficia-se da morosidade processual em detrimentodo autor, vale dizer, acarretando-lhe danos de toda a ordem, não só patrimoniais,mas também morais.

Por outro lado, há aqueles que entendem que a morosidade processual énecessária à cognição definitiva do direito, sendo até mesmo natural à tramitaçãodo processo, principalmente pela consagração constitucional do princípio daampla defesa, admitindo-se, defesas abusivas como medidas de se obstar arealização do direito do autor.

É preciso entender que o princípio da inafastabilidade da apreciação dalesão ou ameaça de direito pelo Judiciário, concebido modernamente como atutela efetiva, isto é, tempestiva e adequada, a razão de ser do processo, qual seja,a de dar a cada um exatamente o que é seu, é norma constitucional tal qual a

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ampla defesa, inexistindo qualquer hierarquia entre elas.Com efeito, a justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo

razoável é, na verdade, injustiça. Se o autor for obrigado a esperar a coisa julgadamaterial acerca de um direito, de logo provado, para requerer a execução, a ele terásido imposto um dano, com o processo, auxiliando ao réu que não tem razão.

É claro, portanto, que se deve diminuir o tempo da demanda de formaigualitária entre os litigantes, equilibrando-se a relação processual em torno doprincípio da isonomia, porquanto o direito a um provimento jurisdicionaltempestivo e adequado é, indiscutivelmente, direito à cidadania.

3. DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A MATÉRIA

A função primordial da jurisdição é, por conseguinte, dirimir os conflitossociais e humanos de quantos batem à porta do Poder Judiciário.

Para cumprir esse desiderato mister se faz que os operadores do Direitobusquem, através do processo, a solução que objetive maior eficiência e celeridadena resolução dos conflitos, evitando uma prestação jurisdicional morosa,resultante de práticas procrastinatórias e inúteis, que têm levado o Judiciário aodescrédito.

Entre os institutos processuais que visam evitar a perpetuação das lides,portanto, está o Julgamento Antecipado, fulcrado nos princípios da economia eceleridade processual.

Tal instituto possibilita ao julgador, considerando o desenvolvimento ecircunstâncias do processo, a prolação de decisório de mérito, sem a realização daaudiência específica para a produção de prova oral. A utilização deste instituto commaior freqüência seria uma das soluções para se evitar a superlotação de processosnas Varas Cíveis, importando uma solução mais rápida e justa aos litígios.

São evidentes as vantagens que daí resultarão, para que se atinja o idealsempre perseguido de tornar mais rápida e menos onerosa a distribuição daJustiça, sem prejuízo da instrução da causa. Simplicidade, celeridade e economiasão os requisitos para uma boa aplicação da legislação processual.

Simplicidade, em função da necessidade de se realizar atos processuaissem rigorismos excessivos ou formalidades extremadas, não devendo haverqualquer prejuízo às partes e, evidentemente, com o atingimento de sua verdadeirafinalidade.

A celeridade na prestação jurisdicional talvez seja o que mais tem clamadoa sociedade. A rapidez processual é um aspecto substancial, mas evidentemente,sem o comprometimento de sua efetividade ou dos direitos das partes, tantosob a ótica processual quanto constitucional.

Economia também é assunto de capital importância na seara jurídica,

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considerando os problemas monetários que têm assolado o país nos últimosanos. Se tivéssemos, no entanto, um processo menos oneroso, naturalmentehaveria maiores facilidades para o acesso dos menos favorecidos às decisõesjudiciais.

Admitir o processo como instrumento utilizado para buscar a celeridadena resolução dos conflitos qualificados por pretensões insatisfeitas é aproximaros partícipes da relação processual da efetividade processual. Esta efetividadeestá ligada à rapidez e celeridade de se propiciar prestação da tutela jurisdicionaleficaz. Conclui-se, então, que a morosidade processual é um empecilho a serevitado pelos aplicadores do Direito.

O juiz, revestindo-se de cognição exauriente (em regra, pois no processocautelar basta a cognição sumária para se abrir espaço para julgamento da lidecautelar), desde que respeite os princípios constitucionais, tem, optado pelocompromisso assumido perante a sociedade de prestar a jurisdição através davia mais adequada, usufruindo do julgamento antecipado da lide e proferindosentença de mérito.

Por outro lado, a utilização corajosa do julgamento antecipado da lide éimprescindível para que os valores da efetividade tenham o lugar de destaqueque a sociedade anseia.

Sobre o tema, Benedito Mário Vitiritto, assim escreveu:Cumpre assinalar, ainda, que o instituto em tela – e alvo dopresente estudo – já ao tempo de sua adoção normativa noCódigo de Processo Civil, constitui uma resposta antecipadae elisiva à crônica crítica da morosidade da Justiça, nainquestionável agilização do processo no tempo pela brevidadee economia processual consagrada. Neste, instituto dojulgamento antecipado da lide é uma resposta na presteza –no tempo – da prestação jurisdicional.1

De mais a mais, o Julgamento Antecipado da Lide não derroga o princípiodo contraditório, pois somente poderá ser realizado se os efeitos da reveliativerem ocorrido. Se não ocorrer contestação e se envolver direitos indisponíveis,não obstante, haja revelia, seus efeitos não se verificam, conforme previsto noart. 320 do CPC.

Sendo assim, conclui-se que o julgamento antecipado da lide nada maisé do que atividade valorativa final de um processo, realizada em momentoprocedimental diferenciado do previamente disposto para a generalidade doscasos, através da qual o Estado põe fim a conflitos de interesses qualificados porpretensões resistidas ou insatisfeitas.

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4. DO HISTÓRICO

4.1. Dos Antecedentes históricos do Julgamento Antecipado da Lide:

Remontam ao Direito Romano os fundamentos do julgamentoantecipado da lide, como forma simplificada de solução dos conflitos. A princípio,o romano não fazia separação entre a jurisdição civil e a penal, adotando igualsolução procedimental.

Ao tempo das Ações da Lei, o procedimento era dividido em duas fasesdistintas in iure e in iudicio. Naquela, o magistrado após ouvir o réu, analisava aviabilidade ou não do prosseguimento do feito. Após, adentrava à fase do iniudicio, para posterior julgamento. Se estivesse convicto do término do litígio,deixava de conceder a ação. Aí uma espécie de julgamento antecipado.

No período seguinte, conhecido como Formulário, embora adotadas asfases do anterior período, o magistrado agia com mais liberdade, não sóorientando o processo, mas criando direito, quando ocorresse lacuna ou fossenecessário temperar o rigorismo do jus civile.

Já no período da cognitio extraordinária, os antigos árbitros foramsubstituídos pelos magistrados, como órgãos estatais responsáveis pela aplicaçãoda lei na resolução dos conflitos. É desse período, o aparecimento da figura daSummatim Cognoscere, faculdade deferida ao magistrado para proceder, medianteinvestigação sumária e decidir por simples verossimilhança, através da provasemiplena. Aqui também, o embrião do julgamento antecipado.

Mas, foi no Direito Germânico que se consagrou o instituto, conhecidopor decisão segundo o estado dos autos que se identificou a idéia de se dar umadecisão em meio ao procedimento. Tem-se, portanto, aqui, talvez a origem doinstituto do julgamento antecipado, como conhecido e praticado hodiernamente.

4.2. Do Julgamento Antecipado no Direito Brasileiro:

Importa esclarecer que para a elaboração do artigo 330 do CPC, o legisladorbrasileiro tomou por base os artigos 508, 509 e 510 da codificação portuguesa.Nestes artigos, o fundamento para o julgamento antecipado da lide foi inseridono procedimento comum ordinário. A norma, contida no art. 330, do CPC,guarda, portanto, similitude com aqueles artigos da codificação portuguesa.

O Código de 1939 já previa o julgamento antecipado da lide, nos casosem que o pedido não fosse contestado.

É fundamental reconhecer que o julgamento antecipado da causa, nosmoldes em que está disposto no Código de Processo Civil atual, não encontrasimilitude no direito comparado. Encontra-se, sim, como já foi ressaltado, nasformas de julgamento simplificado.

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Antes da vigência do Código de Processo Civil de 1939, detectava-se ojulgamento antecipado previsto no Decreto-Lei n.º 960, de 1938, que dispunhaa respeito das execuções fiscais, em seu artigo 19, IV.

Também no artigo 354 do Código de 1939, contendo matéria relativa àrenovatória de despejo, em modificação ocorrida em 1948, foi retratado o institutoora analisado. Outro caso é o do artigo 22, do Decreto-Lei nº 3.365/41, queregulamenta o procedimento da desapropriação.

De igual modo, inspirado no então projeto do Código de ProcessoCivil, o Decreto-Lei n.º 890, de 26/06/1969, tendo por escopo abolir asformalidades consideradas inúteis no procedimento da ação de despejo, facultouao juiz o julgamento antecipado da lide.

O surgimento de tal instituto deu-se pela necessidade de se dar maiorceleridade e, conseqüente, economia processual, como também para uma melhorutilização dos atos do processo, quando bem aplicados. O julgamento antecipadoda lide deveu-se, portanto, à observância do princípio de economia processual etrouxe o desafogo do Judiciário pela eliminação de enorme quantidade deaudiências que, ao tempo do Código revogado, eram realizadas sem nenhumavantagem para as partes e com grande perda de tempo para a Justiça.

Este dispositivo foi uma das maiores conquistas que o atual CódigoProcessual trouxe. Desse modo, a antecipação do julgamento da lide importanuma grande conquista para os processualistas que desejavam dar mais celeridadeao processo e autonomia de decidir ao julgador, além de por termo ao desperdíciode tempo que resultava da prática de atos processuais inúteis.

5. DAS CONDIÇÕES PARA A APLICAÇÃO DO ART. 330 I E IIDO CPC

Julgamento Antecipado da Lide é uma forma de decisão conforme oestado do processo, em que o juiz dispensa o prosseguimento processual ejulga desde logo a questão de mérito, por ser unicamente de direito, ou, sendode direito e de fato não houver necessidade de produzir prova em audiência, ou,ainda, quando ocorrer o efeito material da revelia, ex vi do disposto no art. 330do Código de Processo Civil:

O Juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:I - quando a questão de mérito for exclusivamente de direito,ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade deproduzir prova em audiência.II - quando ocorrer a revelia (art. 319).2

Nessas três hipóteses, a desnecessidade de audiência faz com que se

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elimine a incidência do princípio da oralidade do processo de conhecimento.A sentença é definitiva e tem a mesma natureza e requisitos daquela que se

profere, normalmente, após a instrução em audiência, fundada no art. 269, I, doCPC.

Por outro lado, harmoniza-se com a preocupação de celeridade que devepresidir à prestação jurisdicional, e que encontra regra pertinente no art. 125, nºII, que manda o juiz “velar pela rápida solução do litígio”, e no art. 130 querecomenda indeferir “as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.

5.1. Da questão de mérito exclusivamente de direito:

O que é questão? É a dúvida em torno de uma relação jurídica básica dapretensão ou da contestação – (questão de direito) – ou em torno de um fatorelevante (questão de fato).

Mérito consiste no julgamento da procedência, ou improcedência, ouseja, o mérito é lide. Parece, portanto, que mérito é igual à lide, ou seja, é nítidafotografia do conflito de pedido contraditório a ser decidido pelo juiz.

Questão de mérito é questão intrínseca, nuclear, o cerne da questão a serprocessada em Juízo.

Questões exclusivamente de direito são aquelas incontroversas em relaçãoaos fatos alegados, sobre os quais não pairam quaisquer dúvidas. Não havendoimpugnação das conseqüências jurídicas na contestação, a questão será puramentede direito, exigindo-se, de logo, o seu julgamento.

5.2. Da questão de direito e de fato:

Questão de direito é a dúvida em torno de uma relação jurídica básicados pedidos contraditórios. Assim, a questão de direito abrange na área de suacompreensão o direito positivo objetivo, isto é, a lei expressa, ou lei que regulacasos semelhantes ou matéria análoga, ou os princípios gerais do direito, postos,em espécie concreta, com fundamento da pretensão ou da defesa. Se para asolução do litígio não houver necessidade de provas orais, isto é, se o litígio sefunda, por exemplo, em interpretação do direito aplicável a uma determinadarelação jurídica, diz-se que a questão é, apenas, de direito.

Questão de fato é a dúvida em torno da realidade de um fato.Há ocorrência da situação ensejadora do julgamento antecipado da lide

na modalidade em que existem questões de fato e de direito, quando o fato a serprovado aparece de modo cristalino, indiscutível, fora de qualquer dúvida paracognição do juiz.

5.3. Da desnecessidade de produzir prova em audiência:

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Os fatos controvertidos são aqueles relevantes para o deslinde dademanda, mais tais fatos, apesar de controvertidos, deverão ser relevantes e terconexão com a causa. A par de existir fatos controvertidos, a necessidade deprova a respeito deles exige, ainda, que esses fatos controvertidos sejampertinentes e relevantes.

Os objetos da prova são os fatos controvertidos pertinentes e relevantes.Não controvertido o fato (alegado pelo autor e não refutado pelo réu), é ele fatocerto. Decorre que, os litigantes concordando expressamente sobre os fatos queconstituem a lide, nada há a provar.

Fatos pertinentes são aqueles que não são estranhos à causa. Há íntimaligação entre o fato e o desenrolar da lide.

Já fato relevante é o importante, que acresce o conhecimento produtivodo conflito de interesse qualificado por pretensões resistidas ou insatisfeitas.Mesmo que outros fatos surjam, se não ajudam na composição da lide, ojulgamento antecipado não pode ser adiado.

ADA PELLEGRINI assim entende sobre tais fatos: “Para serem objetode prova, os fatos, além de controvertidos, devem, ainda, ser pertinentes erelevantes.”3

No mesmo trilhar, escreveu LUIZ MARINONE:Se o fato, apesar de controvertido, não é pertinente nemrelevante, não há razão para se admitir que a prova recaiasobre ele, sendo necessário, nesse caso, para se evitar oretardamento da prestação jurisdicional, o julgamentoantecipado do mérito.4

5.4. Da revelia:

Revelia é a inatividade do réu que, inobstante ciente da ação, deixatranscorrer in albis o prazo para a resposta. Com a efetivação da citação, surge parao requerido o ônus de promover defesa no prazo fixado pela legislação. Se nãoo faz, caracteriza-se, em regra, o chamado efeito da revelia, que significa a presunçãode verdade dos fatos afirmados pelo autor, como preceitua o art. 319 combinadocom o 324, ambos do Código Processual. Revelia é, então, a não promoção dedefesa, e sua conseqüência de ordem prática é a de presumir-se como verdadeiroo teor fático da petição inicial.

Com a revelia e seus efeitos acontece significativo fenômeno, qual seja, osfatos afirmados pelo autor se revestem, desde que coerentes, da qualidade deveracidade, e assim, deve-se encerrar o processo com julgamento do mérito afavor do autor, julgando-se antecipadamente a lide. Cumpre frisar que julgarantecipadamente a lide não é sinônimo de procedência do pedido.

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Duas conseqüências surgem então do efeito da revelia. A primeira, denatureza substancial, prevista no art. 319, salvante a hipótese do art. 320, que éa de presumir como verdadeiros os fatos asseverados pelo demandante; asegunda, de cunho estritamente processual, vale dizer, produz efeitosdeterminados pelo inciso II, do art.330.

Em conseqüência, afiguram-se-nos como legítimas as seguintesconclusões: ocorrendo a revelia, o autor está dispensado do ônus de provar ofato constitutivo da causa, lembrando que, embora o revel possa intervir “sejaa fase em que se encontre o processo” (art. 322, 2ª parte, do Código) não poderáele produzir prova de fato extintivo ou modificativo do pedido do autor,restando irrecusável a procedência do pedido no conseqüente julgamentoantecipado da lide. Em suma, ocorrerá sobredito julgamento apenas e tão-sóverificada plenamente a revelia, nas condições apontadas.

6. DA APLICABILIDADE NAS AÇÕES CÍVEIS

Com a petição inicial, o juiz ao recebê-la, designa audiência de conciliação.Não alcançada a conciliação, o réu oferece sua defesa, cabendo ao Juiz fixar ospontos controvertidos e sanear as questões processuais pendentes. Estando arelação processual sem vícios processuais e percebendo-se que os pontoscontrovertidos fixados já estão respondidos pelos elementos contidos nos autos,incidindo quaisquer das circunstancias previstas no artigo 330, I, do Código deProcesso Civil, não resta outra alternativa a não ser a do julgamento antecipadoda lide.

Destarte, frustrada a conciliação, o juiz tem a possibilidade de rompercom o procedimento genérico e dilatado, proferindo sentença em audiência, ematendimento aos princípios de celeridade e economia processual. A alegação deque a sentença proferida em audiência pode ter fragilizado o seu conteúdo nãoprospera, pois o fato de a sentença perder em qualidade é extremamentecompensado pelo ganho da celeridade na prestação jurisdicional e publicidadeimediata.

É de se afirmar, ainda, que o julgamento antecipado da lide, por se tratarde medida que procura decidir com celeridade os conflitos sociais, somenteencontra empecilho se afrontar a essência do Direito Material objeto da lide.

A propósito, vale transcrever trecho da obra de Moacyr Amaral Santos,que concluiu:

Tanto num como noutro caso acha-se o processosuficientemente instruído e, pois, maduro para ser julgadoquanto ao seu mérito. Seria perda de tempo inútil e gastosupérfluo de energias processuais dilatar o andamento doprocesso até a audiência de instrução e julgamento, quando

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se encontraria com o mesmo material probatório com o quese apresenta após o encerramento da fase de ordenamento doprocesso. Manda, assim, o princípio da economia processualque, evitando-se perda de tempo e de energias processuais,profira o juiz desde logo sentença quanto à lide, isto é, profirajulgamento antecipado da lide. Para que ocorra esse julgamentose exigem duas condições: a) que o processo tenha constituídoe desenvolvido regularmente; b) que as questões de fato nãoreclamem produção de mais provas.5

6.1. Da sua aplicação nas Ações de Despejo:

É admissível a sua aplicação nas ações despejo e, para corroborar comesta assertiva, trago um julgado do Superior Tribunal de Justiça:

JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE –CERCEAMENTO DE DEFESA –INEXISTÊNCIA – AÇÃO DE DESPEJO DEIMÓVEL RESIDENCIAL – PROVA DAAQUISIÇÃO – ESCRITURA PÚBLICA DECOMPRA E VENDA – INEXISTÊNCIA. Omagistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente alide, desprezando a realização de audiência para a produçãode prova testemunhal, ao constatar que o acervo documentalacostado aos autos possui suficiente força probante paranortear e instruir seu entendimento. Se a decisão que decretoua reforma do imóvel residencial locado funda-se em provadocumental, não tendo o réu instruído sua alegação de ausênciade vínculo locatício com a escritura de compra e venda doimóvel, insusceptível de comprovação mediante provatestemunhal, não há que se falar em cerceamento de defesapor julgamento antecipado da lide. Recurso especial nãoconhecido por unanimidade.6

6.2. Da sua aplicação quando existem pedidos cumulativos:

Quaisquer espécies de pedidos têm a possibilidade de ser objeto detutela antecipatória na hipótese de julgamento antecipado do mérito de um dospedidos cumulativos. Tendo-se formado o processo cumulativo, o julgamentoantecipado somente pode se verificar quando admissível para todas as lides quenele se cumulam. Assim, por exemplo, no caso de processo com reconvenção,

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caberá julgamento antecipado se a ação e a reconvenção estiverem em condiçõesde serem julgadas antecipadamente. Se aquela ou esta não preencher tais condiçõese reclamar prosseguimento do processo, isso dar-se-á para que ambas as lidessejam julgadas pela mesma sentença, em audiência.

Para corroborar com esse entendimento cito Luiz Guilherme Marinone:Estando parte do pedido (ou um dos pedidos cumulados),apesar de contestado, maduro para o julgamento, impõe-se ojulgamento antecipado parcial do mérito.7

6.3. Da sua aplicação no procedimento sumário:

O artigo 278, § 2º, do Código de Processo Civil manda que as disposiçõesdo julgamento conforme o estado do processo sejam aplicadas no rito sumário.Tendo a brevidade na prestação jurisdicional como marca de suas posições, esteprocedimento admite na sua sistemática o julgamento antecipado da lide, poisa ruptura com a realização de atos inúteis atende aos objetivos desseprocedimento.

6.4. Quando ocorrer revelia:

Caracterizada a revelia e ocorridos os seus efeitos, desnecessária fica aprodução e provas, desde que o juiz tenha a seu alcance elementos para o seuconvencimento, julgando antecipadamente a lide.

6.5. No caso de apresentação de defesas antecipadas:

Não raro, o réu, ao invés de esperar a audiência de conciliação, instrução ejulgamento, oferece sua defesa nos autos de forma antecipada. Neste caso érecomendável que o juiz, vislumbrando a existência de elementos suficientespara a formação de cognição exauriente, julgue antecipadamente, sempre tendoem vista as peculiaridades da causa, equilibrando a eficácia de nova tentativa deconciliação.

6.6. Da sua aplicação nos Embargos:

É detectada da redação do artigo 740, parágrafo único, do Código deProcesso Civil, a possibilidade do julgamento antecipado da lide aos moldes doartigo 330, I, do mesmo Código. Ao se examinar as hipóteses legais permissivasdos embargos entende-se que na maioria deles o julgamento antecipado da lideé uma regra, restando a instrução como exceção.

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Com relação aos Embargos à Execução, o art. 740,§ único, do CPC é bemclaro no sentido de admitir o julgamento antecipado, no prazo de 10 (dez) dias,quando ocorrer qualquer das hipóteses ali elencadas. Aliás, este dispositivo éuma transcrição quase que literal do art. 330 do CPC.

6.7. Nos casos de ilegitimidade das partes:

Comprovada a ilegitimidade das partes, deve-se julgar antecipadamentea lide.

6.8. Nos casos de cumulação indevida das ações:

Em casos que tais o julgamento antecipado da lide incidental é imperativoao juiz.

6.9. No caso de excesso de execução:

A falta de sintonia entre o que foi determinado na sentença e oprocedimento escolhido (743, III) certamente acaba no julgamento antecipadoda lide. O julgamento antecipado da lide, embora permitido, é de difícil uso,pois normalmente a comprovação do adimplemento ou não exige audiênciapara oitiva de testemunhas ou para apreciação e exame da prova pericial eesclarecimentos dos peritos.

6. 10. No caso de nulidade da execução até a penhora:

Aqui, a Ação de Embargos, fundada na nulidade até à constrição judicialtem no julgamento antecipado o seu destino natural.

6.11. Nas causas impeditivas, modificativas ou extintivas daobrigação e demais casos do artigo 741,VI:

Na análise para formação da cognição exauriente, o julgamento antecipadoé a solução para a maioria dos embargos fundados nas causas obstativassupervenientes à sentença. No caso de prescrição e de compensação, com execuçãoaparelhada, a certeza do julgamento antecipado aflora. No pagamento e nanovação, em algumas situações, a dilação probatória pode ser necessária. Nosdemais casos, é mister o conhecimento da natureza do direito material envolvidopara revelar se o julgamento pode ser antecipado ou não.

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6.12. No caso de revelia nos Embargos:

Se os Embargos têm fundamento em questões processuais, seria detotal injustiça negar o reconhecimento da presunção da veracidade e o julgamentoantecipado. O resultado da pretensão do Embargante não obedecerá à implacávelrelação de causa e efeito face à inércia do Embargado. Aqui, mais do que nunca,a cautela é imperiosa. O julgamento antecipado da lide, portanto, no caso darevelia, é perfeitamente admissível nos Embargos.

6.13. Nos embargos à arrematação ou à adjudicação:

Após a penhora, se fatos outros houverem que possam influir noandamento da Execução, a ação a ser proposta é a dos Embargos à Arremataçãoou à Adjudicação, conforme a espécie de alienação pública que se deu. Nesta açãoo julgamento antecipado tem grande utilidade, sendo exceção a necessidade deaudiência.

6.14. Nas Ações Cautelares:

Concedida ou não a liminar, após a resposta do requerido, o julgamentoantecipado da lide cautelar pode ser utilizado, não sendo necessária a realizaçãode audiência. É o que se nota pela simples leitura do artigo 803, parágrafo único,do Código de Processo Civil. Presentes os fatos constitutivos de formarazoavelmente alegada, na caracterização da revelia, ou a demanda na qual bastaa devida valoração jurídica, por serem desnecessárias ou suficientes as provascontidas nos autos, o julgamento antecipado da lide cautelar tem sua aplicação.

Certamente este julgamento antecipado somente é cabível em cautelaresantecedentes, pois nas incidentes, a prescrição e a decadência têm o seu domicílioe lá devem ser alegadas, estando sob a égide dos princípios da eventualidade e dapreclusão, quando estas puderem atuar.

Neste trilhar, aquelas matérias do Processo Cautelar, em muitos doscasos admitem, desde que respeitadas suas especialidades, o julgamentoantecipado da lide com formação de cognição exauriente e não somente juízoatravés da cognição sumária.

7. IMPOSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO EM CERTASCAUSAS:

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7.1. Quando ocorrer pluralidade de partes no pólo passivo dademanda:

Se houver no pólo passivo da relação processual pluralidade de partes, ealguma(s) destas contestar(em) a ação, não será atingida a presunção da veracidadedos fatos, exigindo-se prosseguimento da relação processual.

Assim, o artigo 320, I do Código de Processo Civil afasta o julgamentoantecipado da lide na hipótese de contestação de litisconsorte unitário, sejanecessário, seja facultativo.

7.2. No caso de revel titular de direitos indisponíveis:

Também o julgamento da lide na modalidade da revelia não encontraaplicabilidade ao ser deparado como revel o titular de direitos indisponíveis, ouquando a indisponibilidade estiver indiretamente ligada ao revel. O Magistradodeve tomar extremo cuidado quando a questão versar sobre direito indisponível,devendo dar toda amplitude possível aos mecanismos de provas admissíveisno caso, até porque da sutilidade dessas discussões, que extrapolam os limitesda particularidade, pode atingir interesse maior.

Somam-se à categoria dos direitos ou interesses indisponíveis oschamados direitos constitucionais de terceira geração, ou seja, aqueles direitosprevistos na Constituição, que visam proteger e realçar os direitos da coletividadevistos sob um prisma de indeterminação. São aqueles direitos que tocam atodos. Preenchem os reclamos de solidariedade surgidos no seio social. Enfim,qualquer que seja a justificativa da indisponibilidade, o julgamento antecipadoda lide pela revelia não pode ocorrer.

Em sendo assim, tratando-se de direitos indisponíveis, a atuação protetivadeve prevalecer, com a coleta de provas para melhor convicção do julgador,como determinado no artigo 130 do Código de Processo Civil.

7.3. Quando o Ministério Público, o Curador Especial ou oAdvogado Dativo estiver no pólo passivo da lide:

Inoperante o efeito material da revelia também, quando o MinistérioPúblico, o Curador Especial ou o Advogado Dativo atuem no pólo passivo dalide. Em tais hipóteses o julgamento antecipado da lide, de conformidade como artigo 330, II, não incide.

7.4. Na Declaratória Incidental como motivo de postergação dos

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efeitos da revelia:

Exemplo de tal situação ocorre quando o réu, mesmo que tenhapermanecido revel, não sofre o efeito da revelia em vista de o autor, antes do juizproferir sentença, oferecer pedido de declaração incidente de relação jurídicaprejudicial.

Contudo, se após a resposta do autor, o juiz perceber que não seránecessária audiência de instrução para ambas as ações, proferirá julgamentoantecipado pertinente à Ação e à Reconvenção. Se a reconvenção exigir provasoutras, o julgamento da ação inicial ficará sobrestado.

7.5. Nos casos de Desapropriação:

A doutrina entende não ser possível o julgamento antecipado da lide,quando se trata de desapropriação com base em utilidade pública.

7.6. No processo de Execução:

Não havendo em sua essência a atividade cognitiva do direito, pois estejá está decidido, inexiste julgamento e, com maior razão, não há que se falar emjulgamento antecipado da lide.

7.7. Na exceção de pré-executividade:

Na exceção de pré-executividade, instituto não tão novo, já existente,sob a égide do Código de Processo Civil de 1939, o julgamento da lide não temutilidade, porque nada há para se romper.

7.8. Nos Tribunais de Justiça:

O legislador deveria privilegiar a celeridade criando mecanismos quepermitissem o julgamento pelo tribunal. Entre os valores da segurança e daceleridade, modernamente, este tem de sobressair. Contudo, no sistema atual, arestrição ao conhecimento do tribunal decorre da exigência de que o órgãocolegiado ad quem só possa apreciar e decidir questões que o juiz a quo estivesseem condições de resolvê-las, no momento em que proferiu a sentença.

8. O POSICIONAMENTO DA DOUTRINA:

Não parece haver, em princípio, se bem aplicado o art. 330, qualquer

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colisão com outros preceitos do nosso ordenamento jurídico. Ao contrário, oinstituto harmoniza-se perfeitamente com o art. 125 do CPC, inciso II, quedetermina ao juiz velar pela rápida solução do litígio, recomendando a legislaçãoprocessual o indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias,art.130 do Código de Ritos.

O que tem ocorrido, na prática forense, é o juiz, em audiência de conciliaçãoe saneamento, frustrada a conciliação, sanear o feito e marcar audiência de instruçãoe julgamento e, após, rever sua decisão e julgar antecipadamente a lide.

Conceituando o instituto o ilustre professor baiano Calmon de Passos,assim escreveu:

O Julgamento antecipado da lide não é mais do que julgamentodo feito após a fase postulatória, por motivo de se havercolhido, nessa fase, todo o material de prova necessário paraformar a convicção do magistrado (art. 330, I), ou ocorrendoa revelia (art. 330, II).8

A respeito da diminuição das despesas processuais e do tempo bemleciona Pontes de Miranda ao se referir ao instituto:

O julgamento antecipado da lide tem a finalidade de evitarmaiores despesas e ao mesmo tempo diminuir o tempo paraque se ultime o processo.9

Humberto Theodoro Júnior acertadamente mostra as vantagens dautilização do Julgamento Antecipado da Lide, ao eliminar as audiênciasdespiciendas:

A instituição do julgamento antecipado da lide deveu-se,portanto, à observância do princípio da economia processuale trouxe aos pretórios grande desafogo pela eliminação deenorme quantidade de audiências que, ao tempo do Códigorevogado, eram realizadas sem nenhuma vantagem para aspartes e com grande perda de tempo para a justiça.10

No mesmo diapasão Moacyr Amaral Santos:Seria perda de tempo inútil e gasto supérfluo de energiasprocessuais dilatar o andamento do processo até a audiênciade instrução e julgamento, quando se encontraria com o mesmomaterial probatório com que se apresenta após o encerramentoda fase de ordenamento do processo. Manda, assim, o princípioda economia processual que, evitando-se perda de tempo e deenergias processuais, profira o juiz desde logo sentença quanto

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à lide, isto é, profira o julgamento antecipado da lide.11

Ainda sobre os objetivos do instituto rapificador Moacir Caram Júnior,assim escreveu:

O legislador de 1973, ao instituir o Julgamento Antecipadoda Lide – que é uma modalidade do Julgamento Conforme oEstado do Processo-, teve em vista, precipuamente,proporcionar celerização, sumarização e melhorAdministração ao andamento processual.12

Pode ocorrer, também, na hipótese em que os fatos apresentados, tantopelo autor como pelo réu, sejam cumpridamente provados, seja pela aceitação,mesmo tácita, de um ou de outro, por documentos trazidos aos autos, ouainda, mediante alguma atividade instrutória que dispense a realização de audiência,como, por exemplo, a inspeção judicial de pessoa ou coisa.

Em conferência pronunciada no Instituto dos Advogados Brasileiros,Celso Agrícola Barbi deu ao art. 330 do CPC o seu autorizado aval, salientandoa excepcional importância daquele dispositivo que considerou “uma das maioresconquistas que o Código trouxe, reconhecendo o esforço da doutrina e da jurisprudênciabrasileiras”13

O que o processo ganha em condensação e celeridade, sustentava o prof.Alfredo Buzaid, na Exposição de Motivos que acompanhou o projeto que,como Ministro da Justiça, apresentou ao Presidente da República, in verbis:

O que ganha o processo em condensação e celeridade, bempodem avaliar os que lidam no foro. Suprime-se a audiência,porque nela nada há de particular a discutir. Assim, não sepratica ato inútil. De outra parte, não sofre o processoparalisação, dormindo meses nas estantes dos cartórios,enquanto aguarda meses por uma audiência, cuja realizaçãonenhum proveito trará ao esclarecimento da causa, porqueesta já se acha amplamente discutida na inicial e na respostado réu.14

9. DO JULGAMENTO ANTEPIDADO DA LIDE E TUTELAANTECIPADA

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9.1. Das diferenciações:

Aqueles que inadmitem a concessão do provimento antecipatório, apóso término da instrução, estão confundindo a antecipação de tutela com ojulgamento antecipado da lide.

O Juízo de mera probabilidade, que dá lastro à antecipação de tutela, é ofator preponderante de sua diferenciação em face do instituto do julgamentoantecipado da lide. Neste, a decisão é proferida com o fundamento em juízoabsolutamente exauriente, pois considera que o conjunto probatório acostadoaos autos constitui evidência cabal e insofismável do direito do autor, de formaa dispensar a realização de audiência instrutória. Acontece nas hipóteses em quenão há matéria de fato a ser provada, por se tratar de questão meramente jurídicaou havendo matéria de fato, que esta esteja suficientemente demonstrada pelavia documental.

O Julgamento Antecipado da Lide extingue o processo, com a prolaçãode sentença definitiva. Já a antecipação da tutela é provimento temporário, dadomediante decisão interlocutória, modificável ou revogável a qualquer tempo, atéa prolação da sentença final.

Assim, vê-se que, além da tutela cautelar destinada a assegurar a efetividadedo resultado final do processo principal, existe, em dadas circunstâncias, o poderdo juiz de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada noprocesso principal. Este expediente constitui mesmo um reclamo da Justiçapara que a realização do direito não fique, em determinados casos, a aguardaruma longa e inevitável demora da sentença final.

Neste contexto, fala-se em medidas provisórias de natureza cautelar, decunho apenas preventivo, e medidas provisórias de natureza antecipatória, decunho satisfativo. Na verdade, tanto a medida cautelar propriamente dita (objetode ação cautelar) como a medida antecipatória (objeto de liminar na própria açãoprincipal) representam providências, de natureza emergencial, executiva e sumária,adotadas em caráter provisório.

Entretanto, a diferença substancial entre as duas medidas está em que atutela cautelar assegura tão somente uma pretensão, ao passo que a tutelaantecipatória realiza de imediato a pretensão, dentro da própria ação principal.Assim, o regime legal das medidas cautelares (sempre não-satisfativas) não seconfunde com o das medidas liminares de antecipação de tutela (de carátersatisfativo provisório, por expressa autorização de lei). Por outro lado, a medidacautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principalou no seu curso. Há, por assim dizer, uma “autonomia processual” na cautelar.

O texto do art. 273 do CPC prevê que a tutela antecipada, que poderá ser

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total ou parcial em relação aos efeitos do pedido formulado na inicial, dependerádos seguintes requisitos:

· requerimento da parte;· produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial;· convencimento do juiz em torno da verossimilhança da alegação da

parte;· fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou· caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito

protelatório do réu; e· possibilidade de reverter a medida antecipada, caso o resultado da ação

venha a ser contrário à pretensão da parte que requereu a antecipaçãosatisfativa.

Desta forma, a antecipação da tutela deve ser concedida pelo juiz que, arequerimento da parte, se convença da verossimilhança da alegação, mediante aexistência de prova inequívoca, devendo haver, ainda, a existência de um dosincisos do artigo 273, do CPC. Assim, é imperiosa a conjugação de um dosincisos com o caput do artigo 273 do aludido código, para que seja deferida aantecipação.

Note que a tutela antecipatória concedida em sentença em nada seassemelha com o julgamento antecipado da lide. Neste, ainda que haja umasentença de mérito, seus efeitos não são antecipados e, a rigor, o direito subjetivoda parte vencedora continua insatisfeito, tendo ainda que esperar o trânsito emjulgado para após proceder à execução forçada no Processo de Execução (excetono caso de execução provisória).

O julgamento antecipado da lide é uma decisão conforme o estado doprocesso e se dá por circunstâncias que autorizam o proferimento de uma sentençaantecipada (questão de mérito somente de direito ou que não se precise produzirprovas em audiência; ocorrência de revelia).

Exige-se prova inequívoca de ameaça a direito do requerente. Não éapenas um fumus boni juris, mas uma prova-título do direito ameaçado. Aocontrário da medida cautelar, que aprecia hipoteticidades de eventuais danos, atutela antecipatória deve exigir uma certeza através da chamada verossimilhança,que vai além da simples plausibilidade jurídica do direito ameaçado, ocorrendoum juízo de delibação; isto é, a sensibilidade de que há realmente um direito aser tutelado.

A respeito desta distinção Nelson Nery Junior, assim explica:Além de ser medida distinta das cautelares, a tutelaantecipatória também não se confunde com o julgamentoantecipado da lide (CPC 330). Neste, o juiz julga o próprio

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mérito da causa, de forma definitiva, proferindo sentença deextinção do processo com apreciação da lide (CPC 269).Nos casos do CPC 273 o juiz antecipa os efeitos da sentençade mérito, por meio de decisão interlocutória, provisória,prosseguindo-se no processo. No julgamento antecipado dalide há sentença de mérito, impugnável por apelação e sujeitaà coisa julgada material, na tutela concedida antecipadamentehá decisão interlocutória, impugnável por agravo e não estásujeita à coisa julgada material.15

Mais adiante, afirma:Distingue-se da tutela antecipada (CPC 273) porque esta édecisão provisória sobre o mérito, ao passo que o julgamentoantecipado da lide é julgamento definitivo do mérito. 16

Com efeito, quando da entrada de uma ação em juízo, deve-se distinguiros resultados fáticos dos jurídicos esperados pelo autor.

A antecipação da tutela acelera efeitos fáticos da tutela jurisdicional, emnada alterando os efeitos jurídicos, que continuam rumo à coisa julgada.

Já o Julgamento Antecipado da Lide, por seu turno, acelera efeitos jurídicos,não modificando os efeitos fáticos, uma vez que a sentença “imediatamente”prolatada, está sujeita ao recurso de apelação dotado, excetuando-se raros casos– de efeito suspensivo. A eventual execução que se iniciará será provisória, quenada mais é do que uma execução incompleta.

Com efeito, a revelia que provoca o julgamento antecipado da lide aceleraefeitos jurídicos, enquanto que a antecipação da tutela acelera efeitos fáticos. Nãopodem os dois institutos ser, portanto, confundidos, haja vista que produzemefeitos diversos.

10. DA POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO INSTITUTOAPÓS A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO

O magistrado, diante da viabilidade de julgar antecipadamente a lide,deve assim proceder de imediato ou, por primeiro, designar audiência de tentativade conciliação na esteira do artigo 331 do CPC?

Mister se faz dizer que referida audiência preliminar somente ocorreráquando, ao se deparar com causa que verse sobre direitos disponíveis, o juiz nãoverificar qualquer das hipóteses previstas no capítulo intitulado como“julgamento conforme o estado do processo”, ou seja, o processo não poderácomportar extinção com base nos artigos 267 e 269, incs. II a V, do CPC, nemjulgamento antecipado (art. 330, I e II do CPC), conforme exegese extraída,

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aliás, do próprio art. 331, senão vejamos: “Se não se verificar qualquer dashipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versar sobre direitosdisponíveis, o juiz designará audiência de conciliação...”

Bem é verdade que o Código foi omisso no que pertine à menção dequalquer expediente conciliatório em momento processual de tal natureza, o que,no pensar de FREDERICO MARQUES, foi proposital. Preleciona ele a respeito:

não há lacuna alguma, aqui, que precise ser preenchida cominvocação do direito comparado ou com os princípios geraisde direito. O julgamento antecipado da lide, dadas as condiçõesda vida forense aqui no Brasil, tem por objetivo justamenteimpedir, o quanto possível, a realização de audiência, paradar mais folga às pautas das diversas varas e juízos.17

E conclui o insigne mestre dizendo que a conciliação é prevista no fim doprocesso, por ser esse:

o momento propício para essa tentativa de acordo, pois aspartes já estarão cansadas, o processo vem se prolongando,sendo esse então o momento psicológico, como diz o autorfrancês Jean Vicent, para ter possibilidade de conseguir umacordo. E quando o juiz proferir o julgamento, conforme oestado do processo, as partes ainda não atingiram esseamadurecimento psicológico para receber bem uma proposta,para conciliação. A tentativa de conciliação apenas iriaprocrastinar o processo, prolongá-lo, abrindo-se uma audiênciaque justamente se quer evitar com o julgamento antecipado.18

De igual forma, VICENTE GRECO FILHO, em sua obra DireitoProcessual Civil Brasileiro, defende que, como a conciliação deve ser feita em audiênciae o julgamento antecipado é justamente para evitar a audiência, a conciliação daspartes nesta fase não está de acordo com a sistemática do Código, sendo, pois,inaceitável. Adota, como visto, como correta a posição de José Frederico Marques.

Pedimos vênia, para discordar desses ilustres doutrinadores, uma vezque o art. 125, IV, do CPC afirma:

O Juiz dirigirá o processo conforme as disposições desteCódigo, competindo-lhe: tentar, a qualquer tempo, conciliaras partes. 19

De mais a mais, a tentativa de conciliação, como verdadeira meta a serperseguida, em apoio à idéia de otimização dos serviços do Poder Judiciário, foielevada à categoria de dever do magistrado. É dever do juiz, por força do disposto

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no inciso IV do art. 125 do CPC, tentar conciliar as partes em qualquer fase doprocesso.

À luz deste quadro, entendemos que não contraria o Código, mesmoquando o juiz puder realizar o julgamento antecipado do feito, marcar umaaudiência no intuito de conciliar as partes. Trata-se, aliás, de merecida homenagemao princípio da conciliação. Se as partes chegarem ao acordo, este será reduzido atermo e o juiz o homologará por sentença, aplicando-se analogicamente o § 1ºdo art. 331. Não havendo conciliação, ele profere a sentença naquele ato ouposteriormente. No entanto, há de se dizer que pela sistemática do Código talaudiência jamais será designada com fundamento no art. 331, mas, como visto,será produto da faculdade conferida ao magistrado de, a qualquer tempo, estimularas partes litigantes para que cheguem a um acordo.

Assim entende Alcides de Mendonça Lima, citado por Bendito Mário:que não é contra o Código o juiz, mesmo quando pode fazero julgamento antecipado, marcar uma audiência para conciliaras partes não havendo conciliação, ele dá a sentença naquelemesmo ato ou posteriormente. Diz ainda que isso “nãoviolenta o Código, mas está de acordo com seu espírito.20

De mais a mais, adotar o entendimento no sentido do descabimento daantecipação do julgamento após a instrução probatória significa não dar respostaaos direitos que necessitam urgentemente de tutela satisfativa, uma vez quefaticamente nada se altera para o demandante.

Neste sentido o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já decidiu arespeito da possibilidade do Julgamento Antecipado não só após a audiência deconciliação, como também, depois do saneamento do processo, da designaçãoda audiência de instrução e julgamento e do indeferimento de produção deprovas:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - LOCAÇÃOCOMERCIAL - USUFRUTO - FALECIMENTODO USUFRUTUÁRIO NA VIGENCIA DOCONTRATO - PERMANÊNCIA DO AJUSTEATÉ O TERMO FINAL PACTUADO -JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE -APELAÇÃO IMPROVIDA - RECURSOESPECIAL - CERCEAMENTO DE DEFESA EEXTINÇÃO DA LOCAÇÃO - DISSÍDIOJURISPRUDENCIAL E OFENSA AOS ARTS.402, I, E 330, I, DO CPC, 6. E 7., DA LEI 6.649/1979 E 739, I, E 1.202, DO CC.1. TENDO O

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MAGISTRADO, ELEMENTOS SUFICIENTESPARA O ESCLARECIMENTO DA QUESTÃO,FICA O MESMO AUTORIZADO A DISPENSARA PRODUÇÃO DE QUAISQUER OUTRASPROVAS, AINDA QUE JÁ TENHA SANEADOO PROCESSO, PODENDO JULGARANTECIPADAMENTE A LIDE, SEM QUE ISSOCONFIGURE CERCEAMENTO DE DEFESA.2. O CONTRATO DE LOCAÇÃO PACTUADOPELO USUFRUTUÁRIO DO IMÓVEL LOCADOPERMANECE VÁLIDO ATÉ O SEU TERMOFINAL, MESMO EM CASO DE MORTE DOUSUFRUTUÁRIO. OS NUS-PROPRIETÁRIOS,AGORA NO DOMÍNIO PLENO DO IMÓVEL,SOMENTE PODEM INTENTAR A SUARETOMADA APÓS O TERMO FINAL DOCONTRATO. 3. PRECEDENTES DOTRIBUNAL. 4. RECURSO ESPECIAL NÃOCONHECIDO. grifo nosso.21

AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURAPÚBLICA CUMULADA COM OCANCELAMENTO DO REGISTROIMOBILIÁRIO. JULGAMENTO ANTECIPADODA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃOINTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICOEM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO.ARGUIÇÃO DE NULIDADE. ARTIGOS 82, III,246, 331 DO CPC. DEPENDENDO DAAPRECIAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DECADA CASO CONCRETO, PODERÁ O JUIZJULGAR ANTECIPADAMENTE A LIDE, SEMCERCEAMENTO DE DEFESA, MESMO SE EMSANEADOR JÁ HOUVESSE DESIGNADOAUDIÊNCIA. NÃO CABE, EM RECURSOESPECIAL, REEXAMINAR FATOS E PROVAS,PARA VERIFICAR DA EVENTUALRELEVÂNCIA DE ‘ESCLARECIMENTO’ EMAUDIÊNCIA PELOS PERITOS. A NÃOINTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO PODESER SUPRIDA PELA INTERVENÇÃO DAPROCURADORIA DE JUSTIÇA PERANTE OCOLEGIADO DE SEGUNDO GRAU, EMPARECER CUIDANDO DO MÉRITO DACAUSA SEM ARGUIR PREJUÍZO NEMALEGAR NULIDADE. DE OUTRA PARTE,NÃO É NECESSÁRIA A INTERVENÇÃO DOPARQUET QUANDO O CANCELAMENTO DOREGISTRO IMOBILIÁRIO APRESENTA-SENÃO COMO PEDIDO PRINCIPAL, MAS COMOMERA E INAFASTÁVEL DECORRÊNCIA DAANULAÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA EVENDA. EM RAZÃO DA QUALIDADE DAPARTE, A PRESENÇA NO PÓLO PASSIVO DESOCIEDADE DE ECONOMIA MISTAIGUALMENTE NÃO OBRIGA AINTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO, PORAMBAS AS ALÍNEAS, ‘’A’’ E ‘’C’’, DOPERMISSIVO CONSTITUCIONAL.22grifo nosso

CERCEAMENTO DE DEFESA: INDEFERI-MENTO DE PROVAS E JULGAMENTOANTECIPADO DA LIDE. 1. PODE O JUIZINDEFERIR PROVA, SE DESNECESSÁRIA 2.PODE O JUIZ CONHECER DIRETAMENTE DOPEDIDO, AINDA QUE TENHA MANDADOESPECIFICAR E JUSTIFICAR PROVA. 3. CASOEM QUE, POR SUAS CIRCUNSTÂNCIAS, ERALÍCITO AO JUIZ ASSIM PROCEDER, DONDEIMPROCEDENTE A ALEGAÇÃO DE OFENSAAOS ARTS. 130, 330-I 331-I DO COD. DE PR.CIVIL. 4. RECURSO ESPECIAL NÃOCONHECIDO.23grifo nosso.

Desse modo, o argumento das pautas do Judiciário não se revelajustificativa para mitigar a grandeza da busca da tão desejada solução conciliatória.

11. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE: PODER OUDEVER DO JULGADOR?

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 249

A discricionariedade judicial está associada a questões de naturezaprobatória, como o princípio da livre apreciação de prova e do livre convencimentodo julgador, ao contrário da discricionariedade administrativa, que está restrita àoportunidade e à conveniência de seus atos.

A exigência de fundamentação no Julgamento Antecipado da Lide é, porsi só, uma vinculação para o magistrado, restringindo ainda mais seu poderdiscricionário.

É certo que o julgador ao apreciar a possibilidade ou não de julgarantecipadamente a lide, em especial, a presença de seus pressupostos e requisitosexigidos, age com uma pequena margem de discricionariedade, entretanto, emsendo efetivamente comprovada a existência desses requisitos, não é lícito aojuiz deixar de julgar antecipadamente.

Após a fase postulatória, o juiz deverá observar detidamente a questão.Sentindo-se suficientemente convencido dos fatos expostos pelas partes e observandonão carecerem de produção de provas, deverá antecipar o julgamento da ação. Damesma forma, agirá o juiz quando as provas documentais anexadas aos autos peloautor o levarem ao exaurimento da cognição acerca dos fatos expostos.

Por outro lado, não há que se falar em cerceamento de defesa se omagistrado entender pela prescindibilidade da audiência instrutória, jásuficientemente convencido para prolatar sentença. Para tanto, a fundamentaçãodo decisório deve espelhar esse juízo de plausibilidade para mencionadaantecipação de provimento.

De mais a mais, o juiz deve atuar com extrema cautela para não suprimiroportunidade de realização de provas relevantes. Entretanto, o magistrado é osenhor da conveniência na produção dos elementos de convicção, porquanto é odestinatário das provas. Isto significa dizer que ele pode indeferir provasdesnecessárias ou realizar outras não solicitadas, desde que justifique aquilo quelhe permite o melhor julgamento. Assim, não há o vício do cerceamento dedefesa pelo simples fato de a parte ter requerido a produção de uma prova e ojuiz não tê-la deferido.

Ultrapassada a etapa saneadora e não se vislumbrando vícios processuaisinsanáveis, é chegado o momento de encarar a possibilidade de se decidir,definitivamente, a lide, desde que os elementos colhidos na relação processualsejam suficientes e adequados à formação de cognição exauriente.

Questão controvertida é saber se o Julgamento Antecipado é um poderou um dever do julgador.

Sobre o assunto Ernani Fidélis, assim entende, litteris:O julgamento antecipado da lide não está na vontade daspartes. Ocorrendo as hipóteses de possibilidade, deve serproferido. Mas o juiz deve ser parcimonioso em decidir

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antecipadamente. Por mais tênue que seja a dúvida sobre ofato, deve-se oferecer à parte oportunidade de provar o que forde seu interesse. A questão não se prende propriamente àforma de justiça, mas de usar de faculdade que dispensamaiores delongas no andamento do processo24

Para corroborar a defesa de sua aplicabilidade imperativa, é salutar notarque o preceito do artigo 330 é no sentido de que o juiz conhecerá diretamente dopedido como determinação e não como permissão.

No dizer de Theotônio Negrão, em comentários ao art. 330:O preceito é cogente: ‘conhecerá’, e não ‘poderá conhecer’, sea questão for exclusivamente de direito, o julgamentoantecipado da lide é obrigatório. Não pode o juiz, por suamera conveniência, relegar para fase ulterior a prolação dasentença, se houver absoluta desnecessidade de ser produzidaprova em audiência. 25

E, mais adiante, assim se manifesta:Não obstante, deve o juiz ser cauteloso no julgarantecipadamente a lide, pois há um grande número desentenças anuladas, nesse caso, por cerceamento de defesa.26

Neste mesmo sentido entende SÁLVIO DE FIGUEIREDOTEIXEIRA, citado por Joel Dias Figueira Jr:

quando adequado, o julgamento antecipado não é faculdade,mas dever que a lei impõe ao julgador.27

ARRUDA ALVIM, também citado pelo mesmo autor, assim discorre:esse julgamento é antecipado àquilo que ocorreria no sistemade 1939, quando esse mesmo julgamento sempre dependeriade audiência de instrução e julgamento, no sistema atualdizer-se antecipado não tem maior sentido, pois que, se seconfigurarem os pressupostos desse julgamento, é dever dojuiz decidir nessa oportunidade e, pois, em rigor, não háantecipação propriamente dita. Se não decidisse, ocorrentesos pressupostos para fazê-lo só a final, o que haveria, naverdade, seria um julgamento atrasado.28

Trilhando essa idéia, JOEL DIAS FIGUEIRA JR:Desde que a hipótese em concreto se enquadre nos moldes do

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inc. I ou II do art. 330, o julgamento se faz mister sem quese verifique qualquer tipo de cerceamento. Trata-se, portanto,de dever do juiz e não de faculdade ou simples liberalidade.29

Corroborando com esse entendimento, ANTÔNIO SALVADOR,assim escreveu:

deve o juiz fazer o julgamento imediato da lide, dispensandoa audiência, mesmo após o despacho saneador, se já foramproduzidas as provas deferidas, sobre elas ouvidas as partes,que nenhuma prova oral desejam realizar na audiência,inclusive afirmando que não desejam esclarecimentos doperito.30

A esse respeito, judiciosa é a afirmativa de CALMON DE PASSOS, inverbis:

Do julgamento antecipado da lide por desnecessidade dainstrução-Examinados pelo juiz, com ou sem argüição doréu, os pressupostos de constituição e de desenvolvimentoválido do processo, bem como as condições da ação e sanadasas irregularidades ou nulidades que o sejam, se desse examenão decorre a extinção do processo, cumpre ao juiz proferirjulgamento segundo o estado do processo, ou conhecendodiretamente o pedido, ou simplesmente saneando o feito.31

No mesma diapasão MOACYR CARAM JÚNIOR entende:O magistrado deve, então, deparando-se com a questão demérito exclusivamente de direito e, por conseguinte, nãohavendo fato a ser indagado, proceder incontinenti à prolataçãoda sentença antecipadamente.32

Diferente deste entendimento é o de ALEXANDRE BIZZOTTO, queafirma que o Julgamento Antecipado é o dever moral, senão veja-se:

A determinação imperativa que se promulga neste trabalhodeve ser entendida como apontamento de cunho moral para ojulgador. Este dever, já se disse, deve ser bem entendido,pois não se encontra na sistemática processual qualquersanção ao descumprimento. Repita-se, é um dever moral.33

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE entendeque a Antecipação do Julgamento é uma imposição ao magistrado, como se vê

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do seguinte aresto:AÇÃO RESCISÓRIA. ARGUIÇÃO DENULIDADE DA SENTENÇA QUE ANULOUCOMPRA E VENDA DE ASCENDENTE ADESCENDENTE POR INTERPOSTA PESSOA,FUNDADA NO FATO DE QUE NÃO HOUVEJUNTADA DA PROCURAÇÃO DOVENDEDOR. IRRELEVÂNCIA. DECISÃOPROFERIDA COM RESPALDO NAS PROVASPRODUZIDAS. CONFIRMAÇÃO.IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. DECISÃOUNÂNIME. NÃO HAVENDO, COMO NO CASOEM APREÇO, NECESSIDADE DE PROVAS EMAUDIÊNCIA, DEPOIMENTOS, PERÍCIAS OUINSPEÇÃO JUDICIAL, IMPÕE-SE OJULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.ADEMAIS, COMO ESCLARECIDO PELASTESTEMUNHAS E CONFESSADO PELOS RÉUSDA AÇÃO E AUTORA DA RESCISÓRIA,AVENDA FOI EFETUADA COM O OBJETIVO DEBENEFICIAR O IRMÃO DA RÉ, COMO APRÓPRIA CONFESSOU, RAZÃO PELA QUALJULGA-SE IMPROCEDENTE A AÇÃORESCISÓRIA, MANTENDO-SE EM TODOS OSSEUS TERMOS A SENTENÇA RESCINDENDA.(INTELIGÊNCIA DOS ARTS.492 E 330, I,AMBOS DO CPC, C/C O ART. 1.132, DO CÓDIGOCIVIL).34 grifo nosso.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já decidiu que o JulgamentoAntecipado não é uma faculdade e sim um dever do julgador, in verbis:

Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipadoda causa, é dever do juiz e não mera faculdade, assimproceder.35 grifo nosso.Processual Civil - Nulidade de cerceamento de defesa. I-Acaso a sentença obedeça aos ditames insculpidos no art.458 do CPC, não enseja a sua nulidade. ademais, e cediçoque não e nula a decisão com fundamentação sucinta, mas aque carece da devida motivação, essencial ao processodemocrático. II-Em sede de embargos a execução, e

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inadmissível e mesmo inaceitável, a oitiva de testemunhas,portanto, o juízo deve-se ater aos documentos acostados aosautos, devendo o magistrado fazer uso do permissivo no art.330, inc. I do diploma processual civil, quando o processoversar sobre matéria de direito e a prova ser exclusivamentedocumental. a propósito, o STJ, guardião do direitoinfraconstitucional pátrio e incisivo: “presentes as condiçõesque ensejam o julgamento antecipado da causa, e dever dojuiz, e não mera faculdade, assim proceder. STJ, REsp2.831-RJ. III - Recurso não conhecido.36 grifo nosso.

A mesma Corte, em outro julgado, entendeu que a antecipação dojulgamento é um poder-dever:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO POSTULATÓRIADE DIREITOS ESTATUTÁRIOS. REINTE-GRAÇÃO FUNCIONAL. COMPETÊNCIA.JUSTIÇA FEDERAL. - Compete à Justiça Federalprocessar e julgar ação de reintegração em cargo públicofederal, de vez que a pretensão deduzida em juízo temnatureza nitidamente estatutária. PROCESSUALCIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO DALIDE. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCI-MENTO DO JUIZ. CERCEAMENTO DEDEFESA. INEXISTÊNCIA. - A tutela jurisdicionaldeve ser prestada de modo a conter todos os elementos quepossibilitem à compreensão da controvérsia, bem como asrazões determinantes da decisão, como limites ao livreconvencimento do juiz, que deve formá-lo com base emqualquer dos meios de prova admitidos em direito material,hipótese em que não há que se falar cerceamento de defesapelo julgamento antecipado da lide. - O magistrado tem opoder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando arealização de audiência para a produção de prova testemunhal,ao constatar que o acervo documental acostado aos autospossui suficiente força probante para nortear e instruir seuentendimento. Recurso especial não conhecido.37 Grifo nosso.

Por outro lado, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, entendeu quenão há cerceamento de defesa no Julgamento Antecipado, desde que esteja

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fundamentado no convencimento do juiz:AGRAVO DE INSTRUMENTO - CERCEA-MENTO DE DEFESA EM FACE DO JULGA-MENTO ANTECIPADO DA LIDE - INOCOR-RÊNCIA - HIPÓTESE QUE NÃO ENVOLVE AVALORAÇÃO JURÍDICA DA PROVA, MASEVIDENTE PRETENSÃO AO REEXAME E ÀINTERPRETAÇÃO DO ACERVO PROBATÓRIO- IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 279/STF -AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA ÀCONSTITUIÇÃO - RECURSO DE AGRAVOIMPROVIDO. - A decisão judicial que consideradesnecessária a realização de determinada diligênciaprobatória, desde que apoiada em outras provas e fundadaem elementos de convicção resultantes do processo, não ofendea cláusula constitucional que assegura a plenitude de defesa.Precedentes. - A via excepcional do recurso extraordinárionão permite que nela se proceda ao reexame do acervoprobatório produzido perante as instâncias ordinárias.Precedentes.38

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EMAGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTOANTECIPADO DA LIDE. ALEGAÇÃO DECERCEAMENTO DE DEFESA. IMPROCE-DÊNCIA. Julgamento antecipado da lide. A antecipação elegítima se os aspectos decisivos da causa estãosuficientemente líquidos para embasar o convencimento domagistrado, e, por isso, não há necessidade de produção deprovas em audiência. Violação ao princípio da ampla defesa.Inexistência. Agravo regimental improvido.39

Destarte, se a questão de fato gira em torno apenas de interpretações dedocumentos já produzidos pelas partes; se não há requerimento de provasorais; se os fatos arrolados pelas partes são incontroversos; e ainda se nãohouver contestação, o que também leva à incontrovérsia dos fatos da inicial e àsua presunção como verdadeiros (art.319); o juiz não pode promover a audiênciade instrução e julgamento, porque estaria determinando a realização de ato inútile, até mesmo, contrário ao espírito do Código.

Moacyr Caram Júnior, traçando uma orientação para a efetiva utilizaçãodo instituto, assim escreveu em sua obra:

Por fim, se conclui que a aplicabilidade dos institutos

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pesquisados deve ser orientada pela locução consciência,preparo intelectual do magistrado e observância aos preceitosprocessuais e constitucionais, deve ficar patente que oinvestimento na sensibilidade e capacitação técnica-jurídicada magistratura é questão definidora para a melhor utilizaçãodo art.330 do Código Processual Civil.40

É bom lembrar aos magistrados o direito constitucional que garante atodo litigante uma tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, bem comoque a demora do processo prejudica o autor que tem razão e sempre beneficia oréu que não a tem.

Em sendo assim, a regra contida no art. 330 é, a nosso pensar, de ordempública e, portanto, de natureza cogente, não ficando ao alvedrio do juiz ou daspartes a utilização ou não do instituto do Julgamento Antecipado da Lide.

CONCLUSÃO

No transcorrer desse trabalho, decorrem algumas conclusões, poucasrealmente pessoais e algumas outras que decorrem de posicionamentodoutrinário e jurisprudencial.

Mostramos que a prática da cognição exaustiva do direito em litígio,impedindo a celeridade processual, torna o processo moroso levando o Judiciárioao descrédito. Demostramos, por outro lado, que a utilização do JulgamentoAntecipado privilegia os Princípios Constitucionais da Economia, Simplicidade,Celeridade, Instrumentalidade e Efetividade Processual, além de eliminar aenorme quantidade de audiências, que na maior parte das vezes são inúteis.

Afirmamos que dentre os institutos processuais que visam evitar aperpetuação das lides, está o Julgamento Antecipado. Mas adiante,argumentamos que a utilização corajosa do instituto rapificador é imprescindívelpara que os valores da efetividade tenham o lugar de destaque que a sociedadeanseia. Fizemos um passeio na história até chegar ao Julgamento Antecipado daLide presente em nossos dias.

Especificamos as condições para a satisfatória utilização do art. 330 doCPC, conceituando seus vocábulos e adentrando na sua aplicabilidade nas açõescíveis e inaplicabilidade em pouquíssimas causas. Transcrevemos oposicionamento dos grandes doutrinadores brasileiros que escreveram sobre oassunto, no intuito de demonstrar a grande importância de sua utilização, hajavista que existe poucas obras específicas sobre o tema.

Com o objetivo de esclarecer aos operadores do direito, diferenciamos oJulgamento Antecipado da Lide, previsto no art. 330 e incisos, da Tutela

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Antecipada, contida no art. 273 do CPC, que para muitos significam a mesmacoisa, o que não é verdade. Demonstramos que é possível sua aplicação mesmoapós a realização audiência de conciliação, trazendo doutrina e jurisprudência aesse favor.

Por fim, tentamos demonstrar que o Julgamento Antecipado da Lidenão é uma faculdade do julgador, mas sim um dever que se aplica quandopresentes as condições elencadas no art. 330 do CPC, e, para isso, colacionamoso posicionamento do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça,do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, de inúmeros doutrinadores e, osnossos argumentos pessoais.

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constitucional. Revista de Processo, ano II, n.º5, p. 105, janeiro-março de 1977.4 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado eExecução imediata da sentença. 3. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999. p.206.5 SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras Linhas do Direito Processual Civil. 20. ed. SãoPaulo: Saraiva, 1999. p. 260.6 (STJ – REsp 167552/AM, Rel. Min. Vicente Leal)7 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHAT, Sérgio Cruz. Manual do Processode Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 265.8 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed.Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 494.9 MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil. Atualizado porSérgio Bermudas. 3. ed. [S. l.]: [s. n.], 1996. p. 260.10 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 32. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2001. Vol. I. p. 360.11 SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras Linhas do Direito Processual Civil. 20. ed.São Paulo: Saraiva, 1999. p. 259/262.12 JÚNIOR, Moacyr Caram. O Julgamento Antecipado da Lide, Oliveira. São Paulo:Juarez de Oliveira, 2001, p. 93.13 (Revista do IAB nº 31, p. 53).14 JÚNIOR, Moacyr Caram. O Julgamento Antecipado da Lide, Oliveira. São Paulo:Juarez de Oliveira, 2001. p. 100.15 JÚNIOR, Nelson Nery, Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo CivilComentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 613.16JÚNIOR, Nelson Nery, Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo CivilComentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 68717 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. [S. l.]: Bookseller,1997. Atualizado por Uilson Rodrigues Alves. Vol. II p. 143/147.18 MARQUES, José Frederico. anual de Direito Processual Civil. [S. l.]: Bookseller,1997. Atualizado por Uilson Rodrigues Alves. Vol. II p. 143/147.19 NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor.33. ed. São Paulo, Saraiva, 2002. p. 223.20 VITIRITTO, Benedito Mario. Julgamento Antecipado da Lide e outros estudos. 2.ed. São Paulo: lejus, 1999.21 (STJ, RESP 57861-GO, Min. Anselmo Santiago)22 (STJ, RESP 2903/MG, Rel. Min. Athos Carneiro)23 (STJ, RESP 8772/SP, Rel. Min. Nilson Naves)24 SANTOS, Ernane Fidélis dos Santos. Manual de Direito Processual Civil. Processode Conhecimento. São Paulo: Saraiva, 1998. Vol. 1. p. 409.25 NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor.33. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 408.

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26 NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor.33. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 408.27 JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo II.São Paulo:. Revista Tribunais, 2001. Vol. 4 p. 45528 IDEM29 IDEM30 SALVADOR, Antônio Raphael Silva. Julgamento imediato da lide mesmo após odespacho saneador, ano 76, junho de 1987, vol. 620, p. 259.31 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 418.32 JÚNIOR, Moacyr Caram. O Julgamento Antecipado da Lide, Oliveira. São Paulo:Juarez de Oliveira, 2001. p. 43.33 BIZZOTTO, Alexandre. Julgamento Antecipado Civil e Penal. Goiânia: ABEditora, 2000. p. 42.34 (TJ/SE, Acórdão 429/1997, Tribunal Pleno, Rel. Epaminondas S. de AndradeLima)35 (STJ, Resp. 7.267-RS, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 08.04.91)36 (STJ, Min. Waldemar Zveiter, Resp 136381)37 (STJ, Min. Vicente Leal, Resp 102303).38 (STF, Min. Celso de Mello, Agrag. 153467-MG).39 (STF, Min. Maurício Correia, Agrag. 143608-SP40 JÚNIOR, Moacyr Caram. O Julgamento Antecipado da Lide, Oliveira. São Paulo:Juarez de Oliveira, 2001. p. 47.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS ATOS CONVENIAIS

Pedro Durão é Mestre em Direito (UFPe) e Procurador do Estado lotado naSubprocuradoria Geral do Estado de Sergipe. Diretor-pedagógico da Escola Superiorda Associação dos Procuradores do Estado de Sergipe (APESE) eleito por seuspares. Professor da graduação e especialização da Universidade Tiradentes (UNIT/SE). Coordenador do Curso de Especialização em Direito do Estado (UNIT/SE).Membro e Secretário do Instituto Brasileiro da Advocacia Pública (IBAP).

SUMÁRIO: Introdução. 1. VETORES EDUCACIONAIS DO MEIOAMBIENTE: 1.1 Educação: processo ensino-aprendizagem. 1.2Combinação educação, meio ambiente e convênios administrativos.2 CONVÊNIOS DE COOPERAÇÃO: ATO ASSOCIATIVOINTEGRADOR: 2.1 Identificação do ato convenial. 2.2 Papel integradorda educação ambiental. 3 ANÁLISE DAS FORMAS LEGAISPERTINENTES: 3.1 Regime legal da matéria. 3.2 Condições peculiaresda cooperação administrativa ambiental. 3.3 Regramentoinfraconstitucional pertinente. 4 NOTAS CONCLUSIVAS.

INTRODUÇÃO

Há épocas o homem se une para superar seus conflitos, encontrando nacolaboração uma forma de afastar as adversidades do meio. Aliás, a questão dacooperação tem-se revelado de suma importância desde as sociedades antigasaté as contemporâneas, permitindo uma assistência mútua entre povos. Estelaço benéfico uniria as comunidades consagrando a integração.

Na sua evolução, sempre percebemos a existência humana numa visãoassociativa. Diante dessa função, a cooperação geral é um meio em busca de igualfim, encontrando na cooperação administrativa, a formalidade que auferisseêxito no alcance comum. Daí tenham surgido os primeiros passos edificadoresdos institutos em estudo.

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Nessa concepção foram inseridas regras para concretude desta interação.Com a dinâmica dos fatos sociais, as transformações constitucionaisdemonstraram a freqüente preocupação com a sua inclusão nas Normas Ápices.

É, portanto, inegável a aplicação das formas de convênio administrativono direito pátrio efetuado no perfil da atual Carta Magna. Sem, contudo, admitiruma forma perfeita e acabada, mesmo porque é imaturo o dispositivo que asadmite.

Ao lado disso, cambiante são suas expressões nas Cartas Políticas Federale Estaduais, autorizando uma adversidade de nomenclaturas. Essas ediçõesforam direcionadas aos estorvos regionais de cada ente, em pequenas alusõesaos aspectos ambientais. Hoje, entretanto, não há dúvida de sua persecuçãocomo gestão associada de serviços públicos.

Se os convênios de cooperação são uma realidade da administração pública,também deveria ser a certeza de seu correto emprego para impedir o fenômenodestruição do meio ambiente que nos rodeia para admitir uma educação ambientalmais ampla. Assim, constatamos um desprovido tecnicismo neste âmbito.

No emaranhado das causas decompõem-se alguns fatores. Aoadornarmos essas peculiaridades, constatamos a real possibilidade de uma maiorutilização dos atos conveniais voltados ao processo educativo ambiental, objetoespecificado deste estudo.

Sob exame, pretende-se reunir os enunciados pertencentes à matéria,com o intento de impedir ou minimizar a sua proliferação desprovida detecnicismo e solidificar forma convenial admitida, sempre no ensejo de patrocinaralgumas soluções às indagações levantadas no âmbito do meio ambiente.

Esclarecer é o que se espera sobre as particularidades conveniais de direitopúblico ligadas à educação ambiental. Eis por que desenvolvemos em maiorextensão a modelagem formal, tema que sobeja muita dúvida, sem desprezaralgumas reflexões correlatas.

Enfim, esse trabalho não se propõe a propagar a implantação dessesatos, nem suprir todos os óbices, pelo contrário, almeja a sua aplicação noslimites do direito positivo e nos fins estabelecidos.

Daí, podemos dizer que o texto, naturalmente, não esgota a matéria. É,portanto, mero ponto de partida.

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CAPÍTULO 1VETORES EDUCACIONAIS DO MEIO AMBIENTE

1.1 Educação: processo ensino-aprendizagem

A educação no Brasil remonta à época em que os jesuítas pregavam osensinamentos transplantados da cultura medieval européia. Alcançavam,somente, os donos de terra e senhores de engenho, mesmo assim em suaminoria.

Ressalte-se o desinteresse do poder dominante para que a educação seestendesse, já que a mão-de-obra utilizada era escrava. Por efeito, não necessitandode técnica especializada, e sim, a educação, cujo objeto era alimentar o espírito,ou ainda, aduzir uma educação literária, humanista. Essa idéia de educaçãotranscorreu por todo o período colonial, imperial e o período republicano.

Em 1759, com a expulsão dos jesuítas, houve uma desestruturação dosistema do ensino, ocorrendo sérios impedimentos para substituição doseducadores. Nesse momento, leigos foram introduzidos no ensino e pelaprimeira vez coube ao Estado a incumbência da educação.1

A partir da Constituição da República de 1891, iniciou-se o sistema dualde educação, cabendo a União criar instituições de ensino superior e secundárionos Estados e no Distrito Federal e, ao Estado competindo legislar sobreeducação primária, por conseguinte, gerando um desnível educacional estampadona distinção entre a educação da classe dominante e a educação do povo. 2

Com a Revolução de 1930, criou-se o Ministério da Educação e Saúde,ocorrendo uma reforma no ensino, sem grandes inovações permanecendo opredomínio do caráter preparatório, caracterizador do ensino brasileiro. AConstituição de 1937 determinava que cabia a União traçar as diretrizes da educaçãoem todo o país através do Plano Nacional de Educação.

De logo, pode-se asseverar que até a promulgação da Constituição de1988, a educação não era vista como direito e dever de todos, no exercício dacidadania, mas como um fator direcionado apenas para a classe privilegiada daépoca, sem ter um cunho social, interagindo com a sociedade, permitindo oestreitamento dessas relações, com o envolvimento de todos. Ressalte-se que oprocesso-aprendizagem prescindia de empatia, dificultando por conseguinteuma relação efetiva e consciente do mundo exterior.

A educação, historicamente no Brasil, apresenta um quadro de exclusões,perdas e uma característica intrínseca de privilegiar poucos em detrimento deuma maioria esmagadora. Denota-se, por conseguinte, que os resquícios são deopressão, descrédito e falta de perspectivas.

Na expressão de Dermeval Saviani, vale registrar:

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Após três anos do governo neoliberal de Fernando HenriqueCardoso, a crise da educação atinge níveis intoleráveis. Apolítica de desobrigação do Estado com a educação pública,gratuita e de qualidade cada vez mais vem excluindo crianças,jovens e adultos das escolas e aprofundando as desigualdadessociais.3

Na percepção do autor supra os planos de educação brasileiros se pautamem decisões de gabinetes ministeriais ou de comissões contratadas para essefim, ostentando, quase sempre, projetos ou programas com característicassetoriais pontuais, e enfoques meramente econômicos. Destarte,equivocadamente se vincula a educação ligada a desenvolvimento, sem contudo,atinar que a educação é um instrumento disponível para todos como meio departicipação ativa no contexto social, possibilitando criações científicas, artística ecultural. Na verdade, com essa perspectiva estaria formando cidadãos emancipadospoliticamente e socialmente, o que não seria o objetivo dos dirigentes.

Nesse panorama desestruturado, com a atual Carta Magna constituiçãogarantindo o acesso de todos a educação, inclusive o dever do Poder Público emfomentá-la, é necessário por em prática ferramentas que conduzam a efetivaçãode tais prerrogativas, ensejando a participação da comunidade e de estudiososda problemática educacional brasileira e suas vicissitudes culturais e éticas.

Assim, após vários estudos e congressos voltados para a sistematizaçãodos planos educacionais, surge o Plano Nacional de Educação em 1998, comoinstrumento propulsor para efetivação dos princípios e garantias instituídos naCarta Magna. Com isto, ressalte-se a visão de Dermeval Saviani:

Este Plano Nacional de Educação é um documento-referênciaque contempla dimensões e problemas sociais, culturais,políticos e educacionais brasileiros, embasados nas lutas eproposições daqueles que defendem uma sociedade mais justae igualitária e por decorrência, uma educação pública,gratuita, democrática, laica e de qualidade, para todos emtodos os níveis. Assim, princípios, diretrizes, prioridades,metas e estratégias de ação contidas neste Plano consideramtanto as questões estruturais com as conjunturais, definindoobjetivos de longo, médio e curto prazos a serem assumidospelo conjunto da sociedade referenciais claros de atuação.4

Nessa trilha, Patrice Canivez, diz: “a idéia de se educar o cidadão é incômodae suspeita. Esse incômodo se dá pelo fato da educação trafegar uma linha instávelentre a libertação e a alienação de um povo”. 5

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Denota-se que para existir efetividade no processo-aprendizagem éimprescindível que a relação professor e aluno seja verdadeira. Esse aluno sejavisto como ser individual, envolvido nos aspectos sociais, com sua própriahistória e no seu tempo, de forma que não desconsidere os fatores externoscomo família, igreja, cultura e costumes os quais influenciarão no processoformador e, por conseguinte, é de relevante importância a sua participação efetivana gestão democrática de ensino.

Por outro lado, o educador deve estar atento no que diz respeito à formaobjetiva que o conhecimento chega ao discente. O grau de subjetividade concebidono momento da aprendizagem é de vital importância, permitindo a construçãode suas próprias concepções e idéias do mundo e a deste para com ele, pois oexercício da cidadania é a participação e, conseqüentemente, a transformação.

Ainda na feliz manifestação de Patrice Canivez, ressalte-se:[...] O problema da cidadania, porém, não é apenas problemajurídico ou constitucional; se provoca debates apaixonados.É porque coloca a questão do modo de inserção do indivíduoem sua comunidade, assim como a de sua relação com opoder político.6

Daí, chega o momento do papel do educador nessa relação, pois se hácumplicidade, emoção e amor tudo se harmoniza, nos conduzindo a idéia deque o conhecimento é construído levando-se em conta essas vertentes.

Vale registrar a reflexão do eminente educador:Não há educação sem amor. O amor implica a luta contra oegoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inacabados nãopode educar. Não há educação imposta, como não há amorimposto. Quem não ama, não compreende o próximo, não orespeita. Não há educação do medo. Nada se pode temer daeducação quando se ama.7

Portanto, é importante frisar que o fator humano é de suma importânciapara o desenvolvimento do processo de educação, possibilitando de formaconcreta um conhecimento consciente, crítico, oportunizando o crescimentorecíproco que proporcionará uma aprendizagem significativa.

Nessa esteira, a alteridade é um elemento que não pode ser esquecido. Namedida em que nos colocamos no lugar do outro, a probabilidade de se manteruma relação duradoura e contínua é bem maior, partindo do pressuposto deque a educação continuada deve ser preservada. Agindo dessa maneira, o outroterá a oportunidade de evoluir no processo-aprendizagem.

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Não se pode olvidar que a globalização permitiu uma informação semfronteiras, instantânea, repercutindo de maneira a transformar as concepções,sentidos, visões, enfim o conhecimento sem barreiras. É com parcimônia,contudo, que deve ser vista toda a gama de informação, já que um a receptividadeleviana da cultura transplantada, às vezes, pode tornar-se ineficaz, caso não leveem conta o contexto social, político e econômico para adaptação à realidadeexistente.

Depreende-se, por derradeiro, que a diferença do educar se encontra noamor e dedicação ao ser humano em sua essência, ou seja, aprender a aprendercom amor. De que adianta toda a tecnologia se não colocamos nossas emoções,nosso Eu ao contato dos outros?

Enfim, para que se possa compreender o outro é necessário que a razãoe a emoção caminhem juntas, solidárias, só assim então se chegará a um processo-aprendizagem com efetividade.

1.2 Combinação educação, meio ambiente e convêniosadministrativos

Convém ressaltar a importância dos convênios administrativos no âmbitoda educação e do meio ambiente. A primeira a ilustrar é que o ato convenialconcretiza a possibilidade de instrumentalizar a educação voltada para o meioambiente, enquanto a segunda vertente indicaria o envolvimento da comunidade,poder público, enfim, toda a sociedade, compartilhando esforços para umobjetivo comum.

Destarte, com base nesse trinômio o Estado deve priorizar no Plano Nacionalde Educação, a educação voltada para o meio ambiente, mesmo porque para que sepossa preservá-lo e conservá-lo é essencial que se compreenda como fazê-lo.

Saliente-se que somente através do conhecimento sobre as vantagens dese ter um ambiente adequado e saudável é que as pessoas buscam alternativas deimplementar tal intento.

Portanto, é imprescindível que a educação ambiental esteja presente emtodos os momentos da vida do ser humano, onde o próprio poder estatal comandaesse processo através dos seus servidores, ou seja, administradores educacionais.

Tem-se, através dos convênios administrativos, uma forma peculiar deintegração entre as comunidades, a exemplo de uma avença administrativa quetenha por escopo a preservação de um parque ecológico. Neste caso estariaenvolvido o próprio poder público propulsor do evento, juntamente com todaa coletividade, não bastando somente a formalização, mas também a participaçãode todos, sendo verificado todas as necessidades para sua implementação, atentoaos aspectos sociológicos, políticos, sociais e culturais.

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Vale salientar que a educação ambiental deve estar inserida em todos osníveis escolares, tendo como fomentador o poder público, buscando formar avisão crítica do cidadão do mundo ao seu redor, passando este, a exercer comconsciência os seus direitos e deveres, bem como, exigir qualidade dos serviçosprestados.

Por outro lado, para que seja exercitada a cidadania é necessário respaldona educação, ou seja, o cidadão terá que ser educado para tanto. Dessa forma épreciso que tenha conhecimento participativo das ações governamentais, podendopor conseguinte exigir o cumprimento adequado de seus serviços, dentro dascompetências atribuídas a cada ente. Para elucidar melhor essa afirmação,Genebaldo Freire Dias traduz alguns tópicos importantes sobre a incorporaçãoda EA (Educação Ambiental) aos Programas de Educação:

A EA deve contribuir para formar cidadãos capazes dejulgar a qualidade de serviços públicos (saúde, segurança,moradia, educação, lazer) [...], que sejam dotados de espíritocrítico e, ao mesmo tempo, estejam dispostos a apoiar asmedidas ambientais que respondem de maneira autêntica àssuas necessidades e ao seu desejo de melhorar a qualidade domeio e da sua própria existência.8

Nesse ponto, veja dispositivo legal pertinente a educação, na Constituiçãoda República, como corolário de todo o processo da política ambiental voltadapara a participação de todos:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado eda família, será promovida e incentivada com a colaboraçãoda sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificaçãopara o trabalho.9

Em contrapartida, como poderia acompanhar e cobrar a adequação dosrecursos públicos, especialmente os destinados a educação, se não tem acesso oumesmo não detém o conhecimento mínimo sobre a matéria? É realmente umgrande desafio para chegarmos a esse estágio, porém, alcançável.

Em verdade, o ser humano além de aprender, apreender o meio ambiente,deve compreendê-lo, agindo dessa forma, respeitará os limites impostos pelanatureza. Vê-se, portanto, a real relevância da política educacional ambiental, ouainda, da excelsa participação da coletividade nesse processo.

É interessante registrar o que se entende sobre o meio ambiente para quese possa compreender melhor a inter-relação deste, educação e os convêniosadministrativos. Existem muitas controvérsias a respeito do que seja o meio

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ambiente, será que é somente aquele que nos rodeia ou terá uma realidademacro? Ora, meio ambiente é tudo que se encontra ao redor do ser humano, ouseja, o ser vivo (biótico) e o não-vivo (abiótico).

Ressalte-se que a concepção sobre o que seja o meio ambiente atual édiferente do que fora outrora. Infelizmente, tanto os países do primeiro, segundoe terceiro mundo somente reagem sob ameaça de se esgotar os recursos naturaisdisponíveis, devido a crises catastróficas que degradam o meio ambiente e queexterminam pessoas. Foi preciso que acontecesse esse evento para que ahumanidade começasse acordar para o fenômeno da destruição do meioambiente que nos rodeia.

Diante disso, a integração para buscar soluções é um caminhofundamental para consecução dos objetivos traçados pertinentes à qualidade devida da humanidade. Por outro lado, cabe ao poder público a gestão deproblemas que envolvem a comunidade, contudo, deve-se atentar para que nãoocorra uma centralização, canalização para determinada área, beneficiando somenteàquela comunidade mais próxima.

Daí a importância da participação de todos, envolvendo todas as esferasadministrativas, evitando que um dano causado em determinada localidade possarepercutir de forma desastrosa em outro. É função dos órgãos gestores ambientaisatuarem de forma integrativa, tendo a responsabilidade de alertar aos demaispaíses que possam ser atingidos por desastres ecológicos ocorridos em seu país,evitando com essa atitude que as repercussões danosas ao meio ambiente possamatravessar fronteiras, a exemplo de um vazamento de óleo em um rio fronteiriço.

Ademais, a unificação das ações relativas a preservação do meio ambienteé de fundamental importância para o êxito dos programas ambientais,envolvendo a União, Estado e Município alcançando uma política nacionalambiental deflagrada pela Lei nº 6.938/81, a qual enfoca a gestão ambientalgarantindo a sustentabilidade do meio ambiente, senão vejamos:

Art. 1o. – Na execução da Política Nacional do MeioAmbiente, cumpre ao Poder Público, nos seus diferentesníveis do governo:I – manter a fiscalização permanente dos recursosambientais, visando a compatibilização do desenvolvimentoeconômico com a proteção do meio ambiente e do equilíbrioecológico;[...]IV – incentivar o estudo e a pesquisa de tecnologias para ouso racional e a proteção dos recursos ambientais, utilizandonesse sentido os planos e programas regionais ou setoriais dedesenvolvimento industrial e agrícola;

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VII – orientar a educação, em todos os níveis, para aparticipação ativa do cidadão e da comunidade na defesa domeio ambiente, cuidando para que os currículos escolaresdas diversas matérias obrigatórias contemplem o estudo daecologia (sic).(grifo nosso)

Com efeito, a partir da escassez dos alimentos tornou-se necessárialegislação mais impositiva direcionada à educação ambiental, para tanto foi criadaa Lei nº 9.795/99 – Política Nacional de Educação Ambiental.

Segundo Genebaldo Freire Dias, o Brasil é o único que tem uma políticanacional específica para esse setor, iniciando seu entendimento:

Art. 1o. Entendem-se por educação ambiental osprocessos por meio dos quais o indivíduo e a coletividadeconstroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,atitudes e competências voltadas para a conservação do meioambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadiaqualidade de vida e sua sustentabilidade.(grifo nosso)[...]Art. 3o. Como parte do processo educativo mais amplo,todos têm direito à educação ambiental, incumbindo:I – ao Poder Público, nos termos dos artigos 205 e 225 daConstituição Federal, definir políticas públicas que incorporema dimensão ambiental, promover a educaçãoambiental em todos os níveis de ensino e oengajamento da sociedade na conservação,recuperação e melhoria do meio ambiente;[...]IV – aos meios de comunicação de massa colaborar demaneira ativa e permanente na disseminação de informaçõese práticas educativas sobre o meio ambiente e incorporar adimensão ambiental em sua programação;V – às empresas, entidades de classe, instituições públicase privadas promover programas destinados à capacitação dostrabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobreo ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões doprocesso produtivo no meio ambiente;VI – à sociedade como um todo manter atenção permanenteà formação de valores, atitudes e habilidades que propiciema atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, aidentificação e a solução de problemas ambientais. 10

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Depreende-se do exposto, não só pela legislação esparsa, masfundamentalmente pelas garantias asseguradas pela Constituição da República aimportância da participação de toda a comunidade, sendo de competência dopoder público a gestão ambiental.

Saliente-se que os movimentos ambientalistas a título mundial surgirama partir dos problemas em grande escala, com aumento da população,desenvolvimento, florescendo a idéia da tecnologia limpa, ou seja, produzirsem degradar o ambiente.

Vê-se na própria Lei de Licitações a preocupação estatal em determinarque no processo licitátorio, o projeto básico contenha estudo de impactoambiental, agindo por conseguinte de forma proativa, assegurando o bem-estarda coletividade, evitando que a própria administração pública seja responsávelpor degradações ambientais:

Art. 6o. Para os fins desta lei, considera-se:[...]IX – Projeto básico – conjunto de elementos necessários esuficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizara obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto delicitação, elaborado com base nas indicações dos estudostécnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica eo adequado tratamento do impacto ambiental doempreendimento[...]. (grifo nosso). 11

Com efeito, o direito de ser informado encontra-se consagrado nos artigos5o, XXXIII, 220 e 221 da Carta Magna, bem como em outros dispositivos.Observe-se que a informação ambiental é um instrumento para a educaçãoambiental participativa consagrada no parágrafo 1o, VI do art. 225: “promover aeducação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização públicapara a preservação do meio ambiente”.12

Como bem disse o Professor Marcelo Abelha Rodrigues:A informação já foi considerada como um quarto poder.Aquele que detém a informação coloca-se, inevitavelmente,numa posição de vantagem aos demais. Nesse passo, se ainformação é relativa a algo cuja titularidade ultrapassa aesfera pessoal de quem a obteve, é fora de dúvidas que ela, ainformação, deve ser disponibilizada e socializada com todosos titulares do bem sobre o qual recaia a informação. Assim,mais do que uma atividade egoística, a retenção e guarda dainformação relativa a um bem difuso constitui um gravíssimo

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desrespeito ético, moral e social, além de ilícito de sonegaçãode dados dos verdadeiros “proprietários” desse bem: acoletividade. 13

Percebe-se que a conscientização ambiental obtida através das informaçõesveiculadas principalmente pelo poder público contribuirão para uma nova era,ou seja, para uma aprendizagem de formação moral e atitude social que resulteno acolhimento de um novo paradigma ético do ser humano. Nessa trilha, a Leinº 9.795/99, traz em seu artigo 1o. o que seja educação ambiental: “processospor meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservaçãodo meio ambiente...”

É sabido no ordenamento jurídico a importância da aplicação dosprincípios, sendo constatado isso a partir das constituições. Assim, não hásombra de dúvidas de que os mesmos funcionam como viga-mestra nasinterpretações dos ramos de Direito.

O Direito Ambiental, através da Lei nº 9.795/99, que dispõe sobre aeducação ambiental, reservou o artigo 4º para os princípios ambientais, comonorteadores do entendimento sobre o meio ambiente e sua classificação, em umperfil autônomo e de patrimônio da humanidade.

Na lição do jurista Genebaldo Freire Dias destaca-se como princípiosambientais:

1 – Considerar o meio ambiente em sua totalidade, isto é,em seus aspectos naturais e criados pelo homem (político,social, econômico, científico-tecnológico, histórico-cultutral,moral e estético;2 – Constituir um processo contínuo e permanente, atravésde todas as fases do ensino formal e não-formal;3 - Aplicar um enfoque interdisciplinar, aproveitando oconteúdo específico de cada disciplina, de modo que se adquirauma perspectiva global e equilibrada;4 – Examinar as principais questões ambientais, do pontode vista local, regional, nacional e internacional, de modoque os educandos se identifiquem com as condiçõesambientais de outras regiões geográficas5 – Concentrar-se nas condições ambientais atuais, tendoem conta também à perspectiva histórica;6 – Insistir no valo e na necessidade da cooperação local,nacional e internacional, para prevenir e resolver os problemasambientais;7 – Considerar, de maneira explícita, os aspectos ambientais

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nos planos de desenvolvimento e de crescimento;8 – Ajudar a descobrir os sintomas e as causas reais dosproblemas ambientais;9 – Destacar a complexidade dos problemas ambientais e,em conseqüência, a necessidade de desenvolver o senso críticoe as habilidades necessárias para resolver tais problemas;10 – Utilizar diversos ambientes educativos e uma amplagama de métodos para comunicar e adquirir conhecimentosobre o meio ambiente, acentuando devidamente as atividadespráticas e as experiências pessoais. 14

É clarividente a aplicação dos princípios de forma ampla e indefinida,generalizando seu âmbito de autuação, holisticamente considerado.

Nesse diapasão, invocando o princípio da legalidade, os entes federadosdevem exercer suas competências e atribuições para garantir ao cidadão qualidadedo meio ambiente, enfatizando sempre os princípios gerais de direito e àquelesespecíficos de cada ramo em sua especialidade na gestão da coisa pública.

Eis, portanto, demonstrada a plausibilidade do trinômio: educação,meio ambiente e convênios administrativos, estes, por sua vez serão abordadosmais adiante como papel integrador da educação ambiental.

CAPÍTULO 2CONVÊNIOS DE COOPERAÇÃO: ATO ASSOCIATIVO

INTEGRADOR

2.1 Identificação do ato convenial

Ao Estado cabe a prestação dos serviços públicos, para tanto, com oescopo de melhor atender a seus administrados, vale-se de figuras criadas paraeste fim como forma de dinamizar as diversas atividades estatais. Assim, oconvênio administrativo é utilizado efetivamente para o interesse público emcolaboração recíproca.

No entanto, devemos assinalar que a expressão convênio origina-se dolatim convenium que indica o sentido de acordo, pacto, combinação, concórdia,consonância, conformidade, avença ou pacto, utilizado no alemão“Übereinkommen”, no espanhol “convenio”, no francês “couvent”, no inglês“conveniente” ou “agreement”, e ainda, no italiano “conventio”. Seu conteúdorepresenta: “il termine ‘convenire’ (conventio) há presso a poco il medesimo significato di‘consentire’ (concensus) nella sua accezione piú ampla”.15

Oportuno se torna dizer que o convênio administrativo, enunciado na

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Norma Ápice como convênio de cooperação, é uma combinação ajustada entreentes públicos convenentes ou entre estes e entes privados, para realização deobjetivos de interesse comum, em mútua cooperação.16

Deve ser destacado que sua utilização funciona como meio gerencialassociativo de serviços públicos em que as vontades convergem com objetivosmútuos. Conceituado o novo ato convenial, ensina Edmir Netto de Araújo:“São, portanto, acordos de cooperação (quando todas as pessoas têm atividadespreordenadas para o fim desejado) ou de colaboração (quando as pessoasdesempenham atividades-meio, preparatórias, auxiliares ou complementaresda atividade estatal, para o objetivo comum”.17

Assim, o convênio administrativo, indicado na Carta Política Federalcomo convênio de cooperação, é uma avença realizada entre entes convenentes,estes dotados de personalidade jurídica de direito público, ou entre estes eparticular, com escopos mútuos.

A esse respeito Leon Fredja Szklarowsky, conceitua: “Os convêniosadministrativos são acordos entre pessoas jurídicas de direito públicoconstitucional – União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para execução deobjetivos comuns”. 18

Diz Hely Lopes Meyrelles em sua conhecida obra de Direito AdministrativoBrasileiro afirma: “O convênio é acordo, mas não é contrato. No contrato, aspartes têm interesses diversos e opostos, no convênio os partícipes (convenentesnão vinculados contratualmente) têm interesses comuns e coincidentes”.19

Fica evidente a correspondência do instituto convenial como modelopátrio de cooperação ou colaboração para atingimento de interesse comum. Porisso, cremos não haver dúvida de que o partícipe a qualquer momento possa seafastar do avençado, pois se trata de uma conformidade em que nenhum enteestá obrigado a permanecer. A propósito, nada deve impedir a saída do partícipepela impossibilidade de vinculação contratual ou por não haver obrigação depermanecer integrando o ajuste.

Vale registrar o entendimento de Maria Sylvia Di Pietro no que concernea finalidade do convênio:

O convênio não se presta à delegação de serviço público aoparticular, porque essa delegação é incompatível com aprópria natureza do ajuste; na delegação ocorre atransferência de atividade de uma pessoa para outra que nãoa possui; no convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têmcompetências comuns e vão prestar mútua colaboração paraatingir seus objetivos.20

Nesse diapasão, vale ressaltar o posicionamento de Fernando Santana:O convênio administrativo é, assim, para sua perfeita

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caracterização, [...] uma espécie de ato coletivo, comoinstrumento de acordo de vontades, no âmbito do setor público,para cooperação mútua em torno de um fim comum, visandoà consecução de atividades administrativas da competênciade uma das entidades convenentes, que se agrega à participaçãode outra, no atingimento daquelas atividades, conquanto oconvênio não esteja vedado ao acertamento das vontades emque um dos partícipes seja o particular ou organizaçõesprivadas.21

Desse conceito eminentemente estrutural, apreende-se que se de umlado possui o verdadeiro aspecto de ato administrativo, vez que emana dopoder público, ou de quem lhe faça às vezes, é auto-executável, passível decontrole judicial e possui a presunção de legitimidade, de outro, apresenta-secom uma destinação até então alcançada apenas no âmbito contratual.

Decerto, as citadas cooperações administrativas são apenas ajustesadministrativos preconizados na forma da Carta Política Cidadã com redaçãodada pela Emenda Constitucional nº19/98. Não se trata, então, de contrato,nem mesmo administrativo.

Um notável prestígio alcançou, nesse cenário, a obra de Diogo deFigueiredo Moreira Neto,22 responsável por proceder a uma conceituação deconvênio como ato administrativo complexo, numa conversão de interessescomuns, em que entidade pública acorda com outras entidades públicas ouprivadas, na realização de obras ou serviços públicos de competência estatal.

Entre outros, Marçal Justem Filho acrescenta o conceito de convênioadministrativo, no sentido de avença “[...] é instrumento realizado de umdeterminado e específico objetivo, em que os interesses não se contrapõem –ainda que haja prestações específicas e individualizadas, a cargo de cada partícipe”.23

Ora, as modalidades de execução de serviços ditos estatais encontravam,até então, nos contratos, sua maior expressividade, e de outra forma não procedeua legislação pátria ao disciplinar toda a matéria contratual no âmbito daadministração pública, negligenciando o devido e efetivo amparo ao tema emquestão, qual seja, o das figuras dos consórcios e convênios administrativos.

Em verdade, podemos constatar que o convênio é verdadeiro acordo devontades,24 nitidamente diverso dos contratos por representar uma convergênciade interesses, não aleatórios ou individuais, mas públicos com vistas aoatendimento do bem comum, sempre objetivando cumprir os princípiosnorteadores da atuação da administração pública, além da necessária existênciade resultado comum entre os partícipes.

Diante disso, o convênio de cooperação praticado pela administração

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pública tem, por formulação principiológica, um fim materializado no termofirmado pelos anuentes que é a realização do interesse público decorrente da suaexecução.

A realização desse objetivo está, pelo termo de convênio, condicionadaao cumprimento de determinadas exigências, sendo constante entre elas, a execuçãodo objeto em conjunto. Ora, a inobservância dos meios estabelecidos no termode convênio, especificamente o regime de mutirão para realização do escopodeterminado, não configuraria um conseqüente desvirtuamento também dosfins pelos quais existe o instituto administrativo do convênio de cooperação? Aanálise material e formal de cada situação prática nos permite afirmar positivamentea sua consecução.

Não se discute aqui qualquer similaridade negocial que, em última análise,conduza ao equívoco de conceber a sua identidade ao do contrato. Possuiverdadeira forma de convenção25 que, na mais temerária das hipóteses, conduzao entendimento de concorrência de vontades, ou comunhão de objetivos e,reitere-se, resultados comuns.

Cumpre observar que acolhendo a indicação de Robert Boyer e YvesSaillard, a convenção tem força normativa obrigatória:

Convention. Dispositif constituant um accord de volontéstout comme son produit, doté d’une force normative obligatoire,la convention doit être appréhendée à la fois comme le résultatd’actions individuelles et comme un cadre contraignant lessujets.26

Afirma, ainda, Odete Medauar sobre a natureza jurídica dos convêniosadministrativos serem verdadeiros “tipos de contratos”, formas de contratossui generis, “ao lado de contratos programa e dos contratos de gestão viabilizama moderna técnica de administração concertada”. 27

Por outro lado, procurou com a conceituação ampliar o campo de atuaçãodos entes de direito público, acolhendo entidades de qualquer espécie, limitandoentes de direito privado, excluindo, portanto, a atuação de particulares que nãoestejam devidamente constituídos em organização, nesse ponto de vista, emmera pluralidade de integrantes.

No que se refere ao objeto do convênio, percebido desde já como umajuste de entes, não manifesta tal nomenclatura precisão que limite o campo deatuação destes pactos. Assim, vale a menção de que em se tratando de um acordono qual não se observará interesses contrapostos, o objeto há de ser comum entreos convenentes e, ainda, amplo que seja, poderá abarcar qualquer prestação quetenha como lastro a finalidade pública. Por conseguinte, pode-se destacar: obra,serviço, atividade, uso do bem e outros específicos para cada situação de interessepúblico mútuo, inclusive quanto a educação e proteção ambiental.

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Para sedimentar o entendimento sobre as largas dimensões do objetodos convênios, além de redimensionar um conceito baseado nas assertivasdestacadas no presente trabalho, vale a lição: o convênio de cooperação é um atoadministrativo complexo, modalidade pública do gênero acordo, pelo qual entespúblicos, ou estes com os privados cooperam-se para a satisfação de um interessepúblico mútuo.28

2.2 Papel integrador da educação ambiental

Como já visto anteriormente, a educação ambiental deve coexistir emtodos os ângulos da vida humana, fazendo parte do dia-a-dia de cada ser. Dessamaneira, constata-se a possibilidade do seu patrocínio pelos poderes públicosou entidades privadas, por meio dos convênios administrativos.

Nessa esteira, a partir da concepção de desenvolvimento, tem-se emmente que as necessidades e aspirações humanas serão satisfeitas. Contudo,para essa ocorrência é necessário que se tenha um desenvolvimento sustentável,ou seja, que as necessidades de hoje sejam atendidas sem comprometer asnecessidades futuras.

Existem com os aglomerados urbanos, as relações do ser humano como meio ambiente. Essas interações tornaram-se bem mais complexas com opassar do tempo, pois para atender as suas necessidades, o homem cria o lugaronde vai viver, sem contudo atentar as transformações inadequadas da vidahumana. Sabe-se que essas modificações ocorrem à maioria das vezes semplanejamento ambiental, produzindo o maior impacto de destruição da natureza.

O papel do administrador público é de fundamental importância, levandoaos cidadãos perspectivas de melhor conhecer o meio ambiente ao seu redor,mediante parcerias, integrando-os aos problemas ambientais existentes em suacomunidade. Com efeito, através desse mecanismo é plenamente possível acontribuição estatal nessa esfera, vez que estará oportunizando a formação decidadãos capazes de julgar a qualidade do meio ambiente que lhe é oferecido,dispondo respostas de maneira autêntica que atendam as suas necessidades,aliadas ao desejo de melhorar a qualidade do meio ambiente existencial.

A Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 225,caput, como já foi dito, dispõe: “Todos têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadiaqualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.29

Depreende-se a vital importância da divulgação por campanhasinformativas e educativas sobre os problemas ambientais, através dos veículosde comunicação de massas, conscientizando as comunidades sobre a tecnologia

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e os métodos mais apropriados e adequados ao uso dos recursos naturais ou àrecuperação da qualidade ambiental.

Ressalte-se que o poder público deverá capacitar seus agentes públicos,proporcionando treinamentos voltados para a compreensão do meio ambiente,a fim de que os mesmos funcionem como educadores conscientes do papelrepresentativo junto à sociedade concernente a preservação do meio ambientealiado ao desenvolvimento socio-econômico, possibilitando assim umaintegração efetiva na relação poder público e cidadão.

Registre-se o posicionamento do jurista José Afonso da Silva:O ambientalismo passou a ser tema de elevada importâncianas constituições mais recentes. Entra nelas deliberadamentecomo direito fundamental da pessoa humana, não como simplesaspecto da atribuição de órgãos ou de entidades públicas,como ocorria em constituições mais antigas.30

Segundo Paulo Afonso Leme: “Em matéria ambiental como em todosos campos de administração pública de pouca valia será a ação secompartimentalizada e isolada em suas manifestações”.31 Essa afirmação ratificao sistema de cooperação esculpido na Constituição Federal.

É salutar lembrar que para implementação desses programas depreservação e mobilização social para a defesa do meio ambiente o Estado temdotações específicas que deverão ser utilizados ao nível de cada competência,além das parcerias que poderão formar através de ajustes e convênios.

E mais, o artigo 241 consagra da Constituição da República Federativa, osistema de cooperação entre os entes públicos e privados através dos convêniosde cooperação e os consórcios públicos.

Atente-se que essa forma de cooperação é abraçada também pelo Decretonº 99.274/90:

Art. 13. A integração dos Órgãos Setoriais Estaduais(art.30, inciso V, segunda parte) e dos Órgãos Locais aoSisnama, bem assim a delegação de funções do nível federalpara o estadual poderão ser objeto de convênioscelebrados entre cada Órgão Estadual e a Semam/PR,admitida a interveniência de Órgãos Setoriais Federais doSisnama. (grifo nosso)

Por outro lado é de suma importância entender que deverá existirorçamento participativo, tanto é verdade que no Governo atual foi criado oMinistério das Cidades, como sustentáculo para atender as necessidades dacoletividade, haja vista o administrador isoladamente não ter condições de manterde forma equilibrada e harmoniosa o contexto social.

Pela inteligência do artigo 214 da Constituição Federal, depreende-se

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explicitamente a intenção do legislador ao estabelecer: “A lei estabelecerá o planonacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e aodesenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração dasações do Poder Público que conduzam...”. (grifo nosso).32

Seguindo a visão do poder constituinte originário no artigo supra,constata-se a abertura de atuação proporcionada ao poder público em fomentara educação, utilizando os mecanismos legais postos a sua disposição, com oescopo de atender efetivamente aos anseios e necessidades básicas da comunidade.Para tanto, não se deve olvidar que as parcerias são de muita valia para o PoderPúblico, sendo observado através da criação das ONG’s – Organizações Sociais,através da Lei nº 9.637/98, determinando, qualificando e impondo requisitospara sua habilitação.

O artigo 1o. da referida lei trata de qualificar e especificar a atuação dessasorganizações, in verbis:

Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar comoorganizações sociais pessoas jurídicas de direito privado,sem fins lucrativos, cujas atividades sejamdirigidas ao ensino, à pesquisa científica, aodesenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meioambiente, à cultura e a saúde, atendidos aos requisitosprevistos nesta Lei.(grifo nosso).

Em verdade, essas organizações foram criadas como mais uma forma deparceria junto ao Poder Público, contudo, deve-se lembrar que não se trata deconvênios, e sim de contrato de gestão como diz a própria lei:

Art. 5º. Para os efeitos desta lei, entende-se por contrato degestão o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidadequalificada como organização social, com vistas à formaçãoda parceria entre as partes para fomento e execução deatividades relativas as áreas relacionadas no art. 1º.

A correlação existente reside no fato de que, enquanto os convênios sãoavenças administrativas com objetivos comuns, recíprocos, nos contratos degestão há uma delegação do Poder Público daquela atividade para consecuçãodas metas preestabelecidas, as quais serão atingidas pelas organizações, a exemplode alfabetizar determinado número de pessoas, embora, o escopo final é omesmo, ou seja, o de garantir ao povo as necessidades básicas preconizadas naConstituição Federal.

Então o que se pode concluir é que existe todo um amparo jurídico parainserção da educação ambiental em todos os níveis escolares e até mesmosfamiliares, que se denomina de educação formal e educação informal,

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respectivamente, ensejando dessa maneira uma participação efetiva de todas ascamadas da sociedade juntamente com as ações do Poder Público ao implementá-las, formando, por conseguinte, a integração para um fim comum de todos osenvolvidos no processo.

CAPÍTULO 3ANÁLISE DAS FORMAS LEGAIS PERTINENTES

3.1 Regime legal da matéria

O tratamento constitucional coevo imposto a matéria foi estabelecidopela Emenda Constitucional nº19 de 14 de julho de 1998, mencionando suaestruturação pelo poder constituinte derivado e as possíveis falhas decorrentes:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e osMunicípios disciplinarão por meio de lei os consórciospúblicos e os convênios de cooperação entre os entesfederados, autorizando a gestão associada de serviçospúblicos, bem como a transferência total ou parcial deencargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidadedos serviços transferidos”.33 (grifos nosso)

O texto constitucional se apresenta em má redação. No primeiro grifo, aregra em análise estabelece a criação de lei em alusão à matéria, mas não definequal tipo de norma - complementar ou ordinária – aduziria à espécie. Por causadisso, a União não poderia elaborar diploma que submetesse os Estados-membros, sob risco de afrontar o princípio da independência e autonomia dosentes estatais.

O Estado-membro não teria robustez para gerar norma que atrelasseoutros entes estatais. Fica, portanto, a impossibilidade de criar uma ordem geralque dê regência a todos os ajustes administrativos e o impasse que cada entedeve criar sua norma específica, seja a União, Estados, Distrito Federal ouMunicípios.

Em verdade, da inteligência do artigo 241 da Carta Magna depreende-seexplicitamente o federalismo cooperativo, dispondo uma verdadeira cooperaçãoentre os entes federados, na gerência dos serviços públicos como espécie decolaboração para um objetivo comum.

No segundo grifo, indicado no texto constitucional em comento,percebemos que apesar deste teor consignar a expressão “entes federados”, háde entender que este não exclui os entes privados, pois os ajustes serão realizados

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nos patamares das normas da administração pública para consecução de objetivosparalelos e mútuos, possibilitando, nos atos conveniais a participação de entesde direito privado.

Outro aspecto, que causa espanto é o tropeço apresentado no presentepreceito constitucional, no sentido da impossibilidade de conveniar dois países,por exemplo, sob obediência a mesma norma, e ainda, que os ajustesadministrativos só seriam efetivados por entidades públicas, desconhecendo aexistência de convênios de cooperação com entidades privadas.

A referência a criação de convênios e consórcios administrativos ficoupor conta do art. 241 e de disciplinamento por lei. Ainda assim, menciona asformas de cooperação que remonta à idéia basilar de convênios de cooperação econsórcios públicos, autorizando uma gestão associada de serviços públicos.

Não é sem razão que Recaredo F. de Velasco Calvo34 admite gestãoadministrativa por diversas finalidades agrupadas aos fins de condicionamentoambiental, social, cultural, sanitários, econômicos e benefícios, enquanto que oserviço público, segundo Osvaldo Aranha Bandeira de Mello35 e Carlos GarciaOviedo36 deduz-se em razão do fim e corresponde a um processo técnico especialde satisfação das necessidades coletivas e gerais, de comodidades públicas, semprena conformidade do interesse público.

O Estado, por exemplo, intervém com a polícia sanitária, exigindocondições higiênicas e as profilaxias necessárias, visualizando eliminar suas causasexteriores, ou até mesmo, impedir ou reduzir epidemias e enfermidades, comvistas a prorrogar a vida média da população. Fins econômicos envolvem relaçõesde produção, transação e consumo com os entes estatais, com o escopo degarantir, inclusive, o desenvolvimento de comércio.

Importa, também, consignar o enfoque constitucional manifestado natentativa de solucionar normativamente a matéria para ponderar a forma do art.23, parágrafo único, que impõe a criação de textos legais por lei complementarpara fixar normas de cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federale os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.37

Assim sendo, o referido preceito da atual Carta Magna dispõe de maneirarudimentar a matéria, sem ter ao menos atribuído a cada um dos entes públicosa forma de sua institucionalização, apenas como regra de eficácia contida. Cumpredizer que o federalismo cooperativo poderia ganhar maior expressividade setivesse em cada Constituição estadual uma previsão para tal mister, como veremosem seção específica.

A idéia de cooperação é forte no atual texto constitucional, firme nodesígnio do seu poder constituinte. Esta noção se impõe desde dos princípiosnas relações internacionais indicando a cooperação entre os povos para o progresso

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da humanidade38 até nos objetivos da competência municipal com previsãopara cooperação técnica e financeira da União e Estado para manutenção deprogramas de educação pré-escolar e de ensino fundamental, e a prestação deserviços de atendimento à saúde da população.39

É interessante não olvidar que o poder constituinte originário consignousua intenção colaborativa entre os entes estatais, principalmente, sob o título daordem social. Nessa alusão, também, constata-se a organização dos entes estataisna educação em regime de colaboração dos seus sistemas de ensino, sem adotar,contudo, a terminologia convênio.40

Além do mais, podemos assinalar a possibilidade de celebração e controledo ato convenial em nossa Lei Fundamental. Nesta vereda, realçamos: a) aplicaçãode fundo de participação dos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios;41

b) manutenção de escolas de governo e o aperfeiçoamento dos servidorespúblicos;42 c) no controle externo, exercido com auxílio do Tribunal de Contasda União;43 d) estabelecimento de incentivos fiscais de natureza setorial entreentes estatais.44

Sobre convênio administrativo de educação, a sua idéia se consolida comoato plurilateral para atuação conjunta com compromissos recíprocos, sem licitaçãoprévia e interesse patrimonial privado imediato ou qualquer tipo de remuneração.Cumpre chamar a atenção para o fato de que o convênio propriamente dito foireferenciado por seis vezes em todo o atual texto constitucional, enquanto queo consórcio público só foi inscrito uma única vez.45

Por cima das diferenças existentes entre uma e outras formas decooperação administrativa, encontramos na Carta Cidadã de 1988, a Constituiçãobrasileira que mais fez referências aos convênios e os consórcios administrativos,dentre todas as Cartas Políticas anteriores.

3.2 Condições peculiares da cooperação administrativa ambiental

De posse das noções até aqui expostas, enfrentaremos o tratamento doato convenial em todas as constituições estaduais e na Lei Orgânica do DistritoFederal para fins de aperfeiçoamento do tema.

Há, na atualidade, acentuada tendência nas diversas cartas estaduais teremcomo ponto comum a competência legislativa para fiscalização e aplicação dosrecursos repassados e a competência do Chefe do Executivo estadual para acelebração das formas de cooperação administrativa.

Realmente, o que ocorre na verdade é citação da expressão convênio econsórcio como indicativos de cooperação administrativa, sem qualquertratamento uniforme e específico.

É fácil perceber que o Poder derivado estatal procurou dar atenção aostópicos que acreditava ser de maior ressonância. Para tanto apoiaram o ato

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cooperativo com variadas expressões conforme anterior indicação.Parece tarefa difícil, senão impossível, elaborar textos constitucionais

estaduais dentro de uma padronização técnica e doutrinária dos acordos decooperação brasileiros. Precisaria somente fazer alusão a possibilidade de celebraçãodas avenças administrativas para fins de cooperação,46 sem qualquer designativoexpresso de convênio ou consórcio que automaticamente estaria implícito.

Viu-se, ainda, que as constituições estaduais preceituam os convênios decooperação, dando importância ao ensino em geral,47 instituições universitárias,de ensino ou de centros de pesquisa científica,48 escolas de governo para formaçãoe aperfeiçoamento de servidores públicos.49

E não por aí, essa multiplicidade de relações colaborativas. Por efeito,alguns Estados-membros prestigiaram a combate a incêndio, defesa do meioambiente e da ecologia.50

Assinale, sobremais, que alguns textos estaduais optaram em garantirespaços geográficos, agrários e de proteção ambiental, com discriminação elegitimação de terras devolutas,51 reflorestamento de margem de rio,52 convêniospara uso das águas, ou ainda, reservas hídricas ou minerais,53 e proteçãoambiental.54

Fica, portanto, evidente que o Poder decorrente exercido pelos Estados-membros poderia desprender de maior cuidado sobre a matéria registrando oseu teor nas diversas constituições estaduais.

Ademais, há um descaso em seu tratamento extensivo, implicando nacarência de uniformidade da matéria. Enfim, em função de sua importância, faz-se necessário que o legislador não olvide de pontos básicos e gerais referentes àgestão associada de serviços públicos.

Observa-se, por fim, que se exige para o exercício de atividades decooperação administrativa, o controle pelo Poder Legislativo e seus respectivosTribunais de Contas, apesar, das constituições estaduais guiarem os convêniosde cooperação tão-somente a partir de sua finalidade.

3.3 Regramento infraconstitucional pertinente

Como já foi exaustivamente mencionada ao longo deste trabalho, amatéria que disciplina convênios administrativos é escassa e não oferece muitasalternativas de adaptação aos modelos institucionais de Direito Administrativoexatamente pela singularidade que tem se apresentado em sua constituição formal.

A Constituição Federal de 1988, como já foi dito, não é muito precisa noseu tratamento, e silencia a respeito da disciplina pormenorizada da matéria.Quase de maneira imperceptível, deduz-se a inserção do consórcio administrativona expressão: convênios, ajustes e “outros instrumentos congêneres”, como se

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refere o art. 116 da Lei nº 8.666/93, ou ainda, na expressão “acordos ou ajustes”.Para os convênios públicos, o amparo legal é mais extenso, havendo até

possibilidade de convênios serem firmados com consórcios, como é o caso deconvênios entre entes estatais e consórcios municipais. Em alguns casos, oMunicípio sede representa o consórcio, na ausência de um órgão gerenciador.

Prevê, também, o Decreto–lei nº 200/67 sobre a possibilidade deconvênios travados pela União, inclusive, como forma de descentralização daadministração federal e aparelhamento das unidades estaduais, realizados, emsua maioria, com liberação de recursos para cumprimento dos programas:

Art. 10. A execução das atividades da AdministraçãoFederal deverá ser amplamente descentralizada.§1º. A descentralização será posta em prática em trêsprincipais planos:[...]b) A Administração Federal para as unidades federaisquando estejam devidamente aparelhadas e medianteconvênio;[...]§5º Ressalvados os casos de manifesta impraticabilidade ouinconveniência, a execução de programas federais de caráternitidamente local deverá ser delegada no todo ou em parte,mediante convênio, aos órgãos estaduais ou municipaisincumbidos de serviços correspondentes.§6º Os órgão federais responsáveis pelos programasconservarão a autoridade normativa e exercerão controle efiscalização indispensáveis sobre a execução local,condicionando-se a liberação dos recursos ao fiel cumprimentodos programas e convênios. (grifos nosso) 55

Há também no Decreto nº 93.872/86 preceitos sobre convênios, acordosou ajustes dos quais participam União, órgãos ou entidades federais (arts. 48 a57). Mas em geral, os Estados e Municípios não possuem legislação específica,espelhando-se no que for compatível, com as regras da União, ou por singelascitações nas constituições estaduais.

Por outro lado, em pesquisa realizada sobre a expressão “convênio” emCódigos brasileiros, ligados ao estudo ambiental, conseguimos constatar a suaexistência, somente a título de citação ou referência, sem qualquer regulação ouexplicitação, como podemos ver exemplificadamente:

a) Código Florestal: Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 – Instituio novo Código Florestal (art. 22).

b) Código de Pesca: Decreto-lei nº 221, de 28 de fevereiro de 1967 -

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Dispõe sobre a proteção e estímulos à pesca e dá outras providências (art.82) .c) Código de Mineração: Decreto-lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967

(art.1º, §§ 1º e 2º).

Em verdade, da pesquisa realizada, dentre as legislações brasileiras, a quemelhor explicita a matéria é a Lei nº 8.666/93 que dispõe sobre licitações econtratos administrativos, mesmo assim, somente nos art. 116 a 118, como jáfoi dito.

A União dá o lume à Instrução Normativa nº01 de 15.01.1997,disciplinando os convênios de cooperação e suas peculiaridades, sendo esta,adotada como paradigma por alguns entes na consecução de ajustes por ausênciade regra própria.

Alguns Estados-membros adotam norma própria espelhada nainstrução normativa federal, a exemplo, o Estado de Sergipe exclui normasessenciais, por conveniência do administrador público, ao disciplinamento damatéria na esfera estadual, principalmente no tocante ao aspecto financeiro.56

Com isso, ainda preceitua a proibição de cooperação administrativa aos entesque não tenham aplicado no exercício financeiro imediatamente anterior, opercentual mínimo na manutenção e no desenvolvimento do ensino, sob penade nulidade.57

De qualquer forma, talvez por incredulidade do legislador ou por faltade mecanismos institucionais que conferissem arcabouço à matéria, o fato éque o contorno da matéria ainda tem reclamado maior tratamento.

CAPÍTULO 4CONCLUSÕES

Traçar o regime jurídico de cooperação administrativa, a partir do estudode sua expressão doutrinária até sua dogmática coeva, é estabelecer a naturezajurídica dos institutos pertinentes ao assunto. Em verdade, conforme notasintrodutórias, esta pesquisa foi elaborada com o escopo de analisar a atuação dapública administração perante as formas atuais de cooperação administrativa esuas distinções diante dos ensinamentos respeitantes e da vigente Carta Política.

O Estado passa por transformações evoluindo na medida em que buscao atendimento das necessidades coletivas com o fito de lograr mais eficiência naprestação de serviços públicos. Diante disso faz-se necessário estabelecer as formasde ajustes administrativos, inclusive quanto aos atos conveniais de educaçãoambiental.

Sobre o ordenamento jurídico pertinente à espécie, percebe-se a escassez

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normativa sobre o assunto e a dificuldade de regra comum a todos os entespúblicos, sob ameaça da própria autonomia de cada ente estatal. Por efeito,tendo em vista o caráter dos convênios de cooperação e dos consórcios públicos,estes realizados entre pessoas de direito público, torna-se indispensável observara existência de regras específicas no âmbito de cada partícipe. Destarte, justifica-se que este compacto estudo buscará contribuir para o exame das formas decooperação administrativa à luz da dogmática brasileira.

Nota-se imperioso que a administração pública busque considerar ascondicionantes sociais, permitindo concluir que a cooperação, dentro de umaspecto geral e como fenômeno social, advém do conflito ou surge como umaforma de neutralizar seus efeitos. Em síntese, toda perquirição empreendidaparece revelar a necessidade de se robustecer uma formação real de cooperaçãoentre as comunidades sociais contemporâneas, formalmente constituídas –União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal.

Finalmente, de tudo que foi cuidadosamente analisado, firmamos nossadissertação com as seguintes conclusões a respeito do título proposto:

1. Com a globalização surge um novo conceito de cooperação que visaaglomerar núcleos de produção para formação de blocos unidos comcaracterísticas culturais e econômicas em situação de similaridade quecom um simples abalo em um dos seus integrantes provoque repercussãonos demais. Nessa menção, as cooperações administrativas seriam uma etapade microneutralizações de divergências e carências regionais;2. A integração regional implica em um estágio de harmonia concebidaapós a reunião de entes no sentido de suprimirem as suas peculiaresdivergências e dificuldades;3. A cooperação administrativa brasileira ratifica-se pelo uso de convêniosde cooperação e consórcios públicos como meio demonstrativamenteviável a ampla integração regional dentro do sistema globalizado noorganicismo favorável do Estado Mínimo;4. A República Federativa do Brasil, a própria União Federal, é formadapelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, todosautônomos nos termos da Constituição Federal, favorecendo aconsecução das avenças administrativas;5. A cooperação administrativa é forma de descentralização das atividadesestatais com o fito de dinamizar a prestação dos serviços e viabilizarcertos setores estatais para atendimento do interesse público;6. O convênio administrativo, indicado na Carta Política Federal comoconvênio de cooperação, é um ajuste realizado entre entes convenentes,estes dotados de personalidade jurídica de direito público, ou entre estese particular, com escopos mútuos, em verdadeira amostragem de atoadministrativo coletivo;

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7. O ato convenial nitidamente difere dos contratos por representar umaconvergência de interesses, não aleatórios ou individuais, mas públicos,visando ao atendimento do bem comum, sempre com vistas aocumprimento dos princípios norteadores da atuação da administraçãopública, além da necessária existência de resultado comum entre ospartícipes;8. Assim, podemos afirmar que o convênio de cooperação é um atoadministrativo complexo, modalidade pública do gênero acordo, peloqual entidades públicas ou privadas cooperam-se para a satisfação de uminteresse público mútuo, e aqui insistimos, que o resultado seráobrigatoriamente comum;9. Na Constituição Federal coetânea, não obstante seja destacada a idéiade cooperação, como também, seja feita alusão constante aos convêniose consórcios administrativos, é interessante frisar que a Carta Cidadã de1988 enfoca de modo pouco abrangente a institucionalização das formasde cooperação administrativa. Outrossim, as Constituições Estaduais ea Lei Orgânica do Distrito Federal revelam imprecisão e descaso quantoao seu tratamento uniforme. Enseja-se, por fim, necessidades demudanças constitucionais no sentido de motivar e aperfeiçoar a matéria;10. Assim, a celebração do convênio e consórcio administrativos dá-sepela forma de ajuste, no qual estarão elencadas todos os dispositivosque nortearão os rumos dos partícipes na consecução da cooperaçãoadministrativa de acordo com a legislação vigente;11. Torna-se prudente levantar questões ambientais e encorajar as pessoasa refletirem sobre o assunto, no sentido de repassar para o consumidoruma taxação maior sobre determinado bem utilizado que pode sersubstituído por conta do dano causado ao meio ambiente;12. Caberá ao poder público através de política específica de comunicaçãovoltada para problemáticas ambientais, demonstrar à população que omeio ambiente é aquele além do imaginável, incluindo não só o que estábem próximo, mas as catástrofes mundiais, bombas nucleares, etc,comprometendo toda a existência humana;13. A necessidade de fomentar campanhas publicitárias, divulgando comoestá nosso meio ambiente e de que forma protegê-lo; através de diálogos,viabilizar a conscientização do público a transformar os valores éticosambientais;14. A capacitação de administradores públicos em administradoreseducacionais ambientais por meio de treinamento, bem como da educaçãocontinuada para efetividade do processo, evita a divulgação de conceitosambientais equivocados à coletividade;15. É necessário modificar o panorama da existência de professores leigos

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nos ensinos primário e fundamental, incentivando-os às universidades,pois formarão a geração mais nova com visão crítica do que seja o meioambiente atual, procurando informar e sensibilizar a população não sósobre as questões ambientais setorizadas como as de nível nacional;16. Não se pode olvidar que a promoção de cursos, seminários eencontros sobre a educação ambiental com o escopo de preparar oprofissional de comunicação, para que a mídia conduza o real papel socialda comunidade como formador de opinião nas questões ambientais;17. É razoável a divulgação das questões ambientais em horário nobre,proporcionando condições de acesso a toda sociedade, sem exclusão,repassando experiências sobre a educação ambiental formal e a não-formal,valorizando o cidadão, o meio ambiente e os valores éticos para aformação de uma sociedade livre, justa e solidária;18. O comprometimento nas ações sobre a área ambiental é dever detodos, do poder público e de toda a sociedade, contudo, a parcela maissensível e importante nesse contexto cabe à administração pública, tantoo é, que a própria legislação ambiental delega poderes inerentes, comdomínio público, a exemplo da utilização da água, a fauna e outros.Da perspectiva abordada, podemos ver que o assunto não se esgota

neste compacto estudo, requerendo uma constante diligência e análise profundados reclames da sociedade como forma de solução dos conflitos da administraçãopública.

Em últimas palavras, emerge a necessidade de aprimoramento dotecnicismo jurídico aplicado à gestão associada de serviços públicos e a educaçãoambiental apoiados nos princípios setoriais e no regime legal da matéria.

BIBLIOGRAFIA

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 291

2 Ibidem. p. 46.3 SAVIANI, Dermeval. Da nova LDB ao novo plano nacional de educação: por umaoutra política educacional. 3. ed. São Paulo: Autores Associados, 2000. p. 131.4 SAVIANI, Dermeval. Da nova LDB ao novo Plano Nacional de educação: Por umaoutra política educacional. 3. ed. São Paulo: Autores Associados, 2000. p. 132.5 CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão? São Paulo: Papirus, 1991. p. 32.6 Idibem. p. 34.7 FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p. 29.8 DIAS, Genebaldo Freire Dias. Educação ambiental princípios e práticas. 7. ed. SãoPaulo: Gaia, 2001. p. 213.9 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 20. ed. São Paulo: Atlas,2003. p. 2001.10 DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental – princípios e práticas. São Paulo:Gaia, 2001. p. 37.11 BRASIL. Lei de Licitações e contratos administrativos – Lei 8.666/93.12 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Op. cit. p. 212.13 RODRIGUES, Marcelo Abelha Rodrigues.Instituições de Direito Ambiental.SãoPaulo: Max Limonad, 2002. v.1 , p. 25914 DIAS,Genebaldo Freire. Educação ambiental – princípios e práticas. São Paulo:Gaia, 2001. p. 112-124.15 AZARA, Antonio; EULA, Ernesto. Novissimo digesto italiano. Roma: VnioneTipografico – Editrice Torinese, 1978. v. 4. p. 799.16 Faz advertência similar Roberto Ribeiro Bazilli e Hely Lopes Meyrelles, esta amais aceita e pioneira entre os doutrinadores, enquanto, Leon Fredja mencionaa sua possibilidade entre entes públicos. BAZILLI, Roberto Ribeiro. Contratosadministrativos. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 35. MEIRELLES, Hely Lopes.Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 343.SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Os convênios administrativos: ajustes – outrosinstrumentos congêneres. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 667, p. 217-227,jul. 1991.17 ARAÚJO, Edmir Netto de. Do negócio jurídico administrativo. São Paulo: Revistasdos Tribunais, 1992. p. 145.18 SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Op. cit. p. 217-227.19 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 359-360.20 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo:Atlas, 1999. p. 286.21 SANTANA, Fernando. Op. cit. p. 86.22 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 3 ed.rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 118 e 119.23 JUSTEM FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos.5. ed. rev. e amp. São Paulo: Dialética, 1998. p. 629.

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 292

24 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceria na administração pública: concessão,permissão, franquia, terceirização e outras formas. São Paulo: Atlas, 1999. p. 177;SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Os convênios administrativos. In: Boletim deLicitações e contratos. São Paulo: NDJ Ltda., 1990. p. 95; .MEIRELES, HelyLopes. Direito municipal brasileiro. 7. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 308;MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 3. ed.,rev. atual. e amp. Rio de Janeiro: 1976. p. 46-47; GASPARINI, Diógenes. Direitoadministrativo. 5. ed. rev. amp. e aum. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 364-368; SOUTO,Marcos Juruema Villela Souto. Licitações e contratos administrativos. São Paulo:Atlas, 1995. p. 359-362; JUSTEM FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações econtratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2000. p. 668; ARAÚJO, EdmirNetto de. Convalidação do ato administrativo. São Paulo: Ltr, 1999. p. 60 e 61.25 Discorda o Procurador do Estado do Rio de Janeiro Amilcar Motta, acreditandoque são sinônimas tais expressões: acordos, ajustes e contratos. In: Contratosadministrativos e convênios: conceituação e distinção; outros atos de naturezaconvencional. Parecer nº 36/93-AM. Revista de Direito da Procuradoria Geraldo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 37, p. 198-211, 1985.26 BOYER, Robert; SAILLARD, Yves. Théoria de la régulation l’état des savoir.Paris: La décourvert, 1995. p. 540.27 Citada por Marcos Juruema Villela Souto em sua obra Licitações e ContratosAdministrativos, p. 360.28 DURÃO, Pedro. “Cooperação administrativa: meio gerencial de serviçospúblicos e seu (des)amparo lega”l. XXVII Congresso Nacional dos Procuradores deEstado. V.1.. Caderno de Teses. Porto Alegre: Metrópole, 2002. p. 309.29 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Op. cit. p. 211.30 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2a. ed. São Paulo:Malheiros, 1997. p. 23.31 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental. São Paulo: Malheiros,1996. p. 73.32 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Op. cit. p. 205.33 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 20. ed. São Paulo: Atlas,2003. p. 221.34 CALVO, Recaredo F. de Velasco. Resumen de derecho administrativo y de ciencia dela administración. 2. ed. Barcelona: Librería Bosch, 1931. t. 2. p. 1.35 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo.2. ed. Rio de janeiro: Forense, 1979. v. 1. p. 160-161.36 OVIEDO, Carlos Garcia. Derecho administrativo. 6. ed. Madrid: ImprentaProvincial Murcia, 1957. p. 260.37 “art. 23. Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para cooperação entre aUnião e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do

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desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” BRASIL. Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil. op. cit. p. 28.38 “art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelosseguintes princípios: [...] IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. op. cit. p. 34.39 Registre-se a informação contida na atual Carta Política Federal: “art. 30. Competeao Município: [...] VI- manter, com a cooperação técnica e financeira da União e doEstado, programas de educação pré-escolar e fundamental; VII- prestar, com a cooperaçãotécnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;”BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. op. cit. p. 34.40 É possível perceber a forte intenção colaborativa no texto constitucional: “art.211. A União, Estados e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.”(grifo nosso) BRASIL. Constituição da República Federativa doBrasil. op. cit. p. 125.41 “art. 34. [...] § 2º. O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e o Fundode Participação dos Municípios obedecerão às seguintes determinações. [...] § 8º - Se, noprazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a leicomplementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, “b”, os Estadose o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24,de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil. op. cit. p. 155.42 “art. 39. [...] § 2º. A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governopara a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participaçãonos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebraçãode convênios ou contratos entre os entes federados.”(grifo nosso) BRASIL. Constituiçãoda República Federativa do Brasil. op. cit. p. 42.43 “art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxíliodo Tribunal de Contas da União, ao qual compete:[...] VI - fiscalizar a aplicação dequaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outrosinstrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;”(grifo nosso)BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. op. cit. p. 59-60.44 “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - art. 41. Os Poderes Executivos daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivosfiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos asmedidas cabíveis. [...] §3º - Os incentivos concedidos por convênio entre Estados,celebrados nos termos do art. 23, § 6º, da Constituição de 1967, com a redação da EmendaConstitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, também deverão ser reavaliados e reconfirmadosnos prazos deste artigo.”(grifo nosso) BRASIL. Constituição da República Federativa doBrasil. op. cit. p. 155

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45 A saber, no tocante aos convênios os art. 37, §2º; art. 39, §2º; art. 71, VI; art.199, art. 241, e art. 41, §3º da ADCT; e aos consórcios, apenas, o art. 241 daConstituição Federal.46 Pode-se citar o exemplo da Constituição do Estado de Goiás que faz oregistro de forma geral para fins de cooperação econômica, cultural, artística,científica e tecnológica (art. 5º, VIII).47 Alagoas (art. 204), Minas Gerais (art. 182 e 224, §1º, II), Pará (art. 278, §3º, I,letra e), Rondônia (art. 134), Rio Grande do Sul (art. 211, I e II, §1º) e Sergipe(art. 219, I e II, §1º).48 Ceará (art. 231, §5º §7º) e Pernambuco (art. 190 e 218).49 Amapá (art. 47, §2º), Bahia (art. 34, I), Espírito Santo (art. 38, §2º), Pará (art.30, §2º) e Tocantins (art. 11, §2º).50 Rio de Janeiro (art. 350), Paraíba (art. 11, XIV) e Tocantins (art. 6º, VI, d).51 Minas Gerais (art. 93).52 Piauí (ADCT art. 19).53 Alagoas (art. 223), Ceará (art. 319 e 324), Espírito Santo (art. 258, §3º) e MatoGrosso (art. 287), Mato Grosso do Sul (art. 236) e São Paulo (art. 205, V).54 Paraná (art. 207, §1º, XI).55 BRASIL. Decreto-lei n. 200, de fevereiro de 1967. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001. p. 863.56 O Estado de Sergipe adotou Código de Organização e de Procedimento daAdministração Pública e instrução normativa própria com alusão às avençasadministrativas em que este Estado-membro funcione como partícipe, apesarde não perceber atos conveniais sobre a educação ambiental. Instrução Normativanº001/CONGER/2000 aprovada pelo Decreto Estadual nº18.994, de 23 dejulho de 2001.57 Cf. art. 164, caput e § único do Código de Organização e de Procedimento daAdministração Pública do Estado de Sergipe – Lei complementar nº33, de 26 dedezembro de 1996.

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 295

TUTELA ANTECIPADA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

Maria Andréa Valadares de Santana é Bacharel em Direito pela UniversidadeTiradentes e pós-graduada em Direito Processual Civil pela PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo – PUC.

1. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA EM FACE DA FAZENDAPÚBLICA

1.1. Definição de Instituto da Antecipação de Tutela

Consiste a antecipação de tutela na possibilidade de o juiz conceder aoautor ou ao réu (nos casos de ações dúplices) um provimento provisório queassegure ao demandante da prestação jurisdicional a prestação do direito material,objeto da relação jurídica em litígio, o que de ordinário só ocorreria depois deexaurida a apreciação de toda controvérsia e proferida a sentença definitiva.

1.2. Pressupostos Para a Concessão da Tutela Antecipatória

Parte da doutrina tem adotado a seguinte classificação para as hipótesesde tutela antecipada, prevista no artigo 273, caput, do Código de Processo.

Pressupostos genéricos:“Requerimento da parte”“prova inequívoca”; e“verossimilhança da alegação”;

Para que se possa conceder a antecipação de tutela torna-se necessário orequerimento da parte, isto porque, não poderá o juiz antecipar a tutela de ofício.

Entende-se por prova inequívoca, a prova suficiente para convencer oórgão julgador da verossimilhança do alegado pelo autor, sendo tal prova,segundo a doutrina dominante, mais do que a simples fumaça do bom Direito(o fumus boni uiris).

O significado do vocábulo verossimilhança é aquilo que parece serverdadeiro, plausível, que tem a probabilidade de ser verdadeiro.

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REVISTA DA ESMESE, Nº 05, 2003 - 296

Pressupostos específicos:“Receio de dano irreparável ou de difícil reparação”;“Abuso de direito ou manifesto propósito protelatório do réu”.

“Receio de dano irreparável ou de difícil reparação” afirma Luiz RenatoBenucci, que nada mais representa que o periculum in mora previsto na tutelacautelar, não havendo distinção entre o periculum in mora previsto nos artigos 273e 798 do Código de Processo Civil.1

Para Humberto Theodoro Júnior, “Receio Fundado” não se caracterizapelo temor da parte, mas sim de dados concretos, seguros, provenientes deprova capaz para autorizar o juízo de grande probabilidade de prejuízo grave.2

No tocante ao inciso II, do artigo 273, prevê a ocorrência de duas situaçõesdistintas entre si, quais sejam, “abuso do direito de defesa” ou “manifestopropósito protelatório do réu”, e dessa forma, devem ser analisadasseparadamente, buscando uma melhor interpretação de cada situação.

Analisando inicialmente o abuso do direito de defesa, entende HumbertoTheodoro Júnior que isso ocorre quando o réu oferece resistência à pretensãodo autor, sendo tal infundada ou contra previsão legal e ainda quando empregameios escusos para forjar a defesa tais como: “a) a deturpação dos fatos; b) arelutância frente a fatos notórios ou incontroversos; c) erro grave ou grosseiro e,portanto, inescusável, de interpretação do conteúdo de dispositivo legal; e d) adesconsideração ou indiferença em relação a direitos e garantias constitucionais”.3

No que diz respeito ao “propósito protelatório do réu” nada mais é quequalquer outro ato não relacionado à contestação, que ocorre fora do processo,mas em regra, durante o seu curso, tendo por escopo o retardamento do mesmo.Convém lembrar que, para essa modalidade dispensa-se o periculum in mora, ouseja, será concedida, ainda que inexistente o perigo de dano, na medida em queocorra o abuso de direito de defesa ou a conduta protelatória do réu, bastandotão somente para ambas a verossimilhança das alegações baseando-se em provainequívoca.

1.3. Conceito de Fazenda Pública

O sentido técnico processual de Fazenda Pública, segundo Luiz RenatoBenucci, significa que são as próprias pessoas jurídicas de Direito Público emjuízo, ou resumindo, é o “Estado em juízo”.4

A expressão Fazenda Pública, refere-se à União, aos Estados, aosMunicípios e ao Distrito Federal, além das autarquias que são consideradas umlonga manus do ente estatal, bem como as fundações públicas.

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Para o saudoso Hely Lopes Meirelles, o termo “Fazenda Pública” significadizer quando a Administração Pública atua em juízo através de suas entidadesestatais, recebendo esta designação, posto que é “ seu erário que suporta osencargos patrimoniais da demanda”.5

Nos países que adotam o sistema de jurisdição uma como é o caso doBrasil, o Poder Judiciário aprecia as questões que envolvem o Estado-administração, possibilitando o controle dos atos administrativos pelo PoderJudiciário. No entanto, não gozam essas decisões judiciais de uma verdadeiraefetividade, cujo principal argumento é a impossibilidade dessas decisõesconferidas pelo Poder Judiciário de não ser dotado de poder constritivo sobreos outros poderes constituídos.

No entanto, como bem se pronunciou Paulo Afonso Brum Vaz, se édado ao Poder Judiciário o controle dos atos da Administração, por conseqüênciaqualquer ato tendente a limitar este controle, como exemplo a restrição deprovimentos judiciais de urgência, revela-se descabida.6

Vai mais além o referido autor dizendo que: “Despido o Judiciário dopoder de coarctar atos do Poder Público ilegítimos com a presteza e rapidez queexigem as situações de urgência e de direito evidente, para a preservação dedireitos subjetivos, certamente não se estará honrando a regra da inafastabilidadedo controle judicial sobre os atos administrativos”7.

1.4. Prerrogativas da Pessoa Jurídica de Direito Público

Aspecto bastante polêmico com relação à concessão da antecipação detutela em face dos entes que compõem a Fazenda Pública como a União, osEstados, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas, em virtude dosprivilégios processuais que gozam estes entes.

“A primazia do interesse público sobre o privado éinerente à atuação estatal e domina-se, na medida emque a existência do Estado justifica-se pela busca dointeresse geral”.8

Como bem ressaltou Celso Antônio Bandeira de Melo, “ o princípio dasupremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral deDireito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência”.9

Essa supremacia do interesse público afirma privilégios e prerrogativasjurídicas para quem tem o dever de atuar na busca da satisfação do interessepúblico, de modo a deixá-lo em um patamar de superioridade em relação àquelesque buscam a satisfação de interesses privados.

Dessa maneira, a Fazenda Pública goza de várias prerrogativas tanto noâmbito do direito material, bem como no campo processual, onde podemos

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destacar: prazos mais dilatados para a Fazenda Pública; procedimento própriopara execução das condenações da Fazenda Pública em pagamento por quantiacerta, conforme se verifica no artigo 100, da Constituição Federal e no artigo 730,do CPC; o duplo grau de jurisdição, obrigatório das sentenças proferidas emface da Fazenda Pública, e o regime próprio no tocante às decisões proferidas emcaráter provisório.

No entanto, ao lado das prerrogativas que são conferidas ao Poder Públicoexistem limites que são impostos para conferir proteção ao indivíduo que são asgarantias. Garantias estas que constituem instrumentos capazes de permitiruma resposta aos litígios entre o particular e a Administração Pública.

As prerrogativas não podem ser confundidas com privilégios, já queestes dão a idéia de ilegalidade, o que de forma diversa ocorre com as prerrogativas,que possuem previsão estabelecida em lei e fundamento de validade na própriaCarta Magna.

Essas prerrogativas conferidas ao Poder Público não ferem o princípioda isonomia, e tampouco o princípio da acessibilidade ao Poder Judiciário.

Willis Santiago Guerra Filho, citado por Paulo Afonso Brum Vazmenciona que “é admissível e, mesmo necessária a atribuição de competência doEstado para, tutelando primordialmente o interesse público, fazer o devidoabalizamento da esfera até aonde vão interesses particulares e comunitários, parao que, inevitavelmente, restringirá direitos fundamentais, para com isso assegurara maior eficácia deles próprios, visto não poderem todos, concretamente, serematendidos absoluta e plenamente. É nessa dimensão, objetiva, que aparecemprincípios como o da isonomia e proporcionalidade.10

Dessa forma, a proibição da antecipação de tutela em face do PoderPúblico, parece-me violação aos princípios da razoabilidade, que conflita comoutros princípios, como o princípio do devido processo legal e o acesso à Justiça,bem como o princípio da proporcionalidade.

1.5. Dos Óbices que se Levantam à Concessão da Tutela Antecipada

Os obstáculos que se apontavam pela maior parte da doutrina para a nãoaceitação da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública baseavam-se em trêsargumentos:

1) As disposições legais previstas nas Leis nº 8.437/92,posteriormente abarcada pela Lei nº 9.494/97, que limitam a concessãode liminares e tutela antecipada em face do Poder Público.2) O reexame necessário como condição de eficácia da sentença, poisse a sentença desfavorável ao ente público não for revista pelo tribunalnão poderá ser executada, bem como a decisão que antecipa a tutela.

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3) A obrigatoriedade de que a realização dos pagamentos decorrentesde sentenças judiciais condenatórias, tivessem que aguardar à ordemcronológica dos precatórios. A regra contida no parágrafo 2º, do artigo273, do Código de Processo Civil, que estabelece como pressupostonegativo da antecipação da tutela o perigo da irreversibilidade doprovimento antecipatório.

As restrições contidas na Lei nº 8.437/92 dizem respeito à vedação deconcessão de medida liminar em procedimento cautelar contra ato do PoderPúblico, nas matérias em que a concessão também não é permitida em ação demandado de segurança. Essa lei teve como objetivo evitar que em optando poruma ação cautelar diversa do mandado de segurança, os postulantes fossembuscar a sua pretensão por outra ação de rito expedito escapando desta forma aoimpedimento que a Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964 impõe.

De igual modo, a Medida Provisória nº 1.570, de 26 de março de 1997,posteriormente convertida na Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, passoua disciplinar, hipóteses de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública,momento em que o legislador estendeu às restrições contidas na Lei nº 8.437/92 à tutela antecipada.

Com efeito, a Lei nº 9.494, de 10/09/97, estabeleceu, em seu artigo 1º,que se aplica à tutela antecipada o disposto no artigo 5º e seu parágrafo único e7º da Lei nº 4.348/64, de 26/06/64, no artigo 1º e seu parágrafo 4º da Lei nº5.021, de 1996 e nos artigos 1º, 3º e 4º, da Lei nº 8.437, de 1992.

Lei nº 4.348/64: “ Art. 5º - Não será concedida a medida liminar demandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação deservidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.

Parágrafo único – Os mandados de segurança a que se refere este artigoserão executados depois de transitada em julgado a respectiva sentença.

Art. 7º - O recurso voluntário ou ex officio, interposto de decisão concessivade mandado de segurança que importe outorga ou adição de vencimentos ouainda reclassificação funcional, terá efeito suspensivo”.

Lei 5.021/66: “Art. 1º - O pagamento de vencimento e vantagenspecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, aservidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidorpúblico estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestaçõesque se vencerem a contar da data do ajuizamento inicial.

§ 4º - Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento devencimentos e vantagens pecuniárias.”

Lei 8.437/92: “art. 1º - Não será cabível medida liminar contra atos doPoder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza

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cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder serconcedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

§ 1º - Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelarinominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, navia de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

§ 2º - O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos deação popular e de ação civil pública.

§ 3º - Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte,o objeto da ação”.

“Art. 2º - No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, aliminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicialda pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo desetenta e duas horas”.

“Art. 3º - O recurso voluntário ou ex officio, interposto contra a sentençaem processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seusagentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificaçãofuncional, terá efeito suspensivo”.

“Art. 4º - Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber oconhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, aexecução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes,a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito públicointeressada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade,e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia popular.

§ 1º - Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processode ação transitada em julgado.

§ 2º - O presidente do tribunal poderá ouvir o autor e o MinistérioPúblico, em cinco dias.

§ 3º - Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, noprazo de cinco dias”.

O Supremo Tribunal Federal, na Ação Declaratória de Constitucionalidadenº 04-6/DF, em votação majoritária, deferiu medida liminar com o fim desuspender, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante decisão sobre o pedidode antecipação de tutela, em face da Fazenda Pública, que tenha por pressupostoa constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 9.494/97,sustando ainda, com a mesma eficácia os efeitos futuros dessas decisõesantecipatórias de tutela prolatadas contra a Fazenda Pública.

Humberto Theodoro Júnior lança interessantes comentários acerca daproibição da concessão de liminares contra a Fazenda Pública, concluindo que talvedação não alcança a antecipação da tutela, fora das proibições contidas nas Leisnos 4.343, de 26/06/64; 5.021 de 09/06/66 e 8.437 de 30/06/92, restando

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válidas as hipóteses previstas no artigo 273, do Código de Processo Civil.“Uma vez que a antecipação de tutela não se confunde coma medida cautelar, tem-se entendido que o particular,observados os requisitos do art. 273 do CPC, tem direito deobter, provisoriamente, os efeitos que somente advinham dafinal sentença de mérito, mesmo em face da Fazenda Pública.A Lei n.º 8.437/92, ao vedar medida liminar em açãocautelar que esgote, no todo ou em parte, o objeto do processomovido contra o Poder Público, não representaria empecilhoà antecipação da tutela, justamente por não se tratar demera medida cautelar, mas de instituto novo, não alcançadopela restrição da questionada lei de proteção processual àFazenda Pública.Não havendo no regime do art. 273 do CPC nada queexclua o Poder Público de sua incidência, correta a conclusãoque defende sujeição desta a norma contida naquele dispositivolegal (J.E.S. Frias, ob. cit., n.º 44, p. 69). O certo, porém,é que a execução provisória da medida antecipada, in casu,não poderá fugir da sistemática dos precatórios, se tratar depagamentos de somas em dinheiro, ainda que as prestaçõessejam de natureza alimentar, como já assentou o SupremoTribunal Federal (RTJ, vol. 143, p. 289; João BatistaLopes, ‘O juiz e a Tutela Antecipada’, Tribuna daMagistratura, Caderno de Doutrina, jun. 1996, p. 18)”.11

O Direito ao livre acesso à Justiça pressupõe a existência de instrumentoscapazes de dar uma resposta jurisdicional compatível conforme a tutela que sepleiteia. Negar o direito de se exigir uma tutela provisória baseado na urgência,só porque o réu é a Fazenda Pública é o mesmo que negar o acesso à Justiça.

É o mesmo que dizer que quando a Fazenda Pública figurar no pólopassivo da relação processual, não precisa ter efetividade que dela se cobra nacomposição de outras relações jurídicas controvertidas.

Logo, o que se depreende da Lei nº 9.494/97 é que ao mandar aplicar asrestrições contidas na Lei nº 8.437/92, que diz respeito à concessão de liminarem mandado de segurança e nas medidas cautelares, não significa concluir que setrata de uma vedação completa e irrestrita ao cabimento de medidas antecipatóriascontra o Poder Público.

Extrai-se da Lei nº 9.494/97 a admissibilidade de semelhantes medidas,as quais apenas nas hipóteses excepcionais enumeradas pelo legislador é quesofreriam restrições; no entanto, fora das limitações do referido diploma é

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perfeitamente possível a aplicação da antecipação da tutela em face da FazendaPública.

O exame dos diplomas a que se refere a Lei nº 9.494/97, deixa evidenteque a antecipação de tutela só não poderá ser concedida quando as ações propostascontra a Fazenda Pública impliquem em : pagamentos a servidores públicoscom a incorporação, em folha de pagamento, vantagens funcionais vencidas,equiparações salariais ou reclassificações.

1.6. A Problemática do Reexame Necessário

O reexame necessário se apresenta para uns, como o mais importanteóbice à antecipação de tutela, por ter o texto legal expressamente negado eficáciaà sentença proferida contra a Fazenda Pública antes da devolução obrigatória.

Segundo Luiz Renato Benucci, o argumento apresentado para superar oobstáculo imposto ao artigo 475, inciso II, do Código de Processo Civil, baseia-se nos efeitos da sentença ainda não recorrida proferida contra a Fazenda Pública,cujos efeitos igualam-se à sentença proferida contra o particular na qual foiinterposta apelação com efeito suspensivo. “Embora o recebimento da apelaçãocom o duplo efeito, em nossa sistemática processual, ainda seja a regra, tal fatonão pode impedir a aplicação da tutela antecipada, sob pena de se tornar oinstituto da tutela antecipada inócuo.12

Inicialmente é preciso esclarecer que a decisão que defere a antecipação detutela, não se submete ao duplo grau de jurisdição, como condição para suaefetivação, já que esta decisão está apta a produzir todos os efeitos práticos. Adecisão que concede a tutela antecipada desafia o manejo do agravo deinstrumento, não sendo a apelação o recurso previsto pelo sistema processualpara a impugnação das decisões interlocutórias.

Com o acréscimo do inciso VII ao artigo 520, do Código de ProcessoCivil, pela Lei nº 10.352/2001, retirando o efeito suspensivo da apelação queconfirma a tutela antecipada, deixa evidente que a concessão da antecipação detutela poderá produzir os seus efeitos imediatamente. O recebimento da apelação,em seu duplo efeito, não impede a antecipação do provimento e a execuçãoimediata da sentença prolatada em face do particular, de igual forma a sentençaproferida em face da Fazenda Pública.

No mesmo sentido, ressalta Paulo Afonso Brum Vaz: “se admitirmosque a tutela antecipada contra a Fazenda Pública não produz efeitos antes daconfirmação pelo tribunal, teríamos inviabilizado o próprio instituto jurídico,pois nem aos particulares teria aplicabilidade, em razão da regra do duplo efeitoatribuído em regra à apelação”.13

Contudo, a Lei n° 9.494, de 10 de setembro de 1997, em seu artigo 1°

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estabelece que :“Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461do Código de Processo Civil o disposto nos arts 5° e seuparágrafo único e 7° da Lei n° 4.348, de 26 de junho de1964, no art. 1° e seu § 4° da Lei n° 5.021, de 9 de junhode 1996, e nos arts. 1°, 3° e 4° da Lei n° 8.437, de 30 dejunho de 1992.”Ao remeter ao artigo 7° da Lei n° 4.348,de 26 de junho de 1964, o Diploma Processual, reguladorda tutela antecipada estendeu efeito suspensivo também àsdecisões prolatadas em face da concessão de antecipação detutela nos casos a que se refere, vedando ao nosso ver aexecução provisória nesses casos.

1.7. A Antecipação da Tutela e a Questão do Precatório

Outro óbice apontado ao instituto da antecipação da tutela está nascondenações em pagar quantia certa, proferida em face da Fazenda Pública, postoque só poderia ocorrer através dos precatórios requisitórios de pagamento,previstos no artigo 100 da Constituição Federal de 1988, cujo procedimento éregulado pelos artigos 730 e 731, ambos do Código de Processo Civil.

Reza o artigo 100, da Constituição Federal :“À exceção dos créditos de natureza alimentícia, ospagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual eMunicipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ãoexclusivamente na ordem cronológica de apresentação dosprecatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida adesignação de casos ou de pessoa nas dotações orçamentáriase nos créditos adicionais abertos para este fim.§ 1º - É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidadesde direito público, de verba necessária ao pagamento de seusdébitos oriundos de sentenças transitadas em julgado,constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º dejulho, fazendo-se o pagamento até final do exercício seguinte,quando terão seus valores atualizados monetariamente.§1º - A – Os débitos de natureza alimentícia compreendemaqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensõese suas complementações, benefícios previdenciários e indenizaçõespor morte ou invalidez, fundadas em responsabilidade civil, emvirtude de sentença transitada em julgado.§ 2º - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão

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designados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo aopresidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüendadeterminar o pagamento segundo as possibilidades do depósito,e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamentepara o caso de preterimento de seu direito de precedência, oseqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.§ 3º - O disposto no caput deste artigo, relativamente àexpedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos deobrigações definidas em lei como de pequeno valor que aFazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipaldeva fazer em virtude de sentença judicial transitada emjulgado.§ 4º - A lei poderá fixar valores distintos para o fim previstono parágrafo 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidadesdas entidades de direito público.§ 5º - O presidente do Tribunal competente que, por atocomissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidaçãoregular de precatório incorrerá em crime deresponsabilidade”.

Luiz Renato Benucci, sobre o tema, preconiza que: “o precatório é afórmula através da qual o Poder Judiciário solicita ao Poder Executivo que tomeprecauções orçamentárias para o pagamento de ordem judicial”.14

A interpretação literal do citado artigo 100, da Constituição Federal de1988, leva-nos a dois posicionamentos distintos quanto ao ato judicial quepossibilita a imissão do precatório.

O primeiro posicionamento afirma a inviabilidade da antecipação detutela em face da Fazenda Pública nas obrigações de pagar quantia certa, vez quetal artigo faz menção à sentença judiciária e não à decisão interlocutória.

O posicionamento oposto defende a tese de que pelo fato do artigo 100,da mesma Carta, não ter se referido à decisão interlocutória estaria totalmenteexcluída dos regimes dos precatórios.

Porém, não se deve interpretar o artigo 100, do referido estatutoliteralmente, pois como lembra Antônio Cláudio da Costa Machado, citado porLuiz Renato Benucci, “embora a tutela antecipatória não se encontre entre ashipóteses legais de tutelas judiciais, nem por isto defende o não cabimento dasua execução provisória, pois admitir-se isto seria inviabilizar o instituto daantecipação de tutela”.15

Entende a posição doutrinária majoritária que não pode haver dispensa

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dos precatórios quanto à antecipação da tutela em face da Fazenda Pública,quando a mesma é condenada ao pagamento de quantia certa. No entanto,surge a problemática de determinadas situações em que a execução da tutelaantecipada de soma deve ser adiantada, sob pena de perecimentos dos direitosfundamentais.

Luiz Renato argumenta que o magistrado ao sopesar os valores dosbens jurídicos em conflito é possível juridicamente e razoável que o pagamentopela Fazenda Pública seja feita independentemente da ordem dos precatórios.16

Com efeito, em determinadas situações, torna-se necessária a nãoobservância da ordem cronológica dos precatórios, na medida em que o juiz sedefrontar com um caso em que a demora possa colocar em risco, direitosfundamentais protegidos pela Constituição.

No tocante ao crédito de natureza alimentar, que consiste na prestaçãodestinada à subsistência, embora a mens legis do artigo 100 da CF/88 aponte paraa exclusão do crédito ao sistema dos precatórios, entende a doutrina majoritáriaà necessidade do precatório para o pagamento dos referidos créditos.

Todavia, manifesta-se Luiz Renato Benucci, no sentido de que aantecipação de tutela contra a Fazenda Pública, nos casos de fundado receio e dedifícil reparação, não poderia submeter-se ao regime dos precatórios requisitóriosde pagamento, sob pena do perecimento do direito.17

1.8. A Irreversibilidade como Óbice à Antecipação da Tutela emFace da Fazenda Pública

Estabelece o artigo 273, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil:“Não se concederá a antecipação da tutela quando houverperigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.

No plano jurídico sempre será possível a reversão, que pode ocorrer coma revogação da decisão que antecipa a tutela, com a sentença de improcedência dopedido, resolvendo-se em perdas e danos. No entanto, convém frisar que areversibilidade somente é importante no plano fático.

A possibilidade de o provimento antecipatório vir a causar prejuízopatrimonial à parte não constitui obstáculo a sua concessão, isto porque olegislador ao se reportar à irreversibilidade do provimento não se cogitou aeventualidade de esse provimento causar prejuízo, senão teria aludido a prejuízoirreparável.

Portanto, estando presentes os requisitos para a concessão da antecipaçãode tutela, deverá esta ser concedida e, se improcedente a ação, remota a perspectivado status quo ante, ou de recomposição por indenização, não se podendo deixarde deferir a medida, pois se estaria inviabilizando o instituto.

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2. À ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDAPÚBLICA E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NODIREITO BRASILEIRO

2.1. Dever-Poder de Tutela e a Indisponibilidade do InteressePúblico

O professor Celso Antônio Bandeira de Melo, escudado na lição deCarnelutti e Picardi adverte que “os interesses secundários do Estado só podemser por ele buscados quando coincidentes com os interesses primários, isto é,com os interesses públicos propriamente ditos.”18 Por outro lado, advertetambém que o interesse público” deve ser conceituado como o interesse resultantedo conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quandoconsiderados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fatode o serem.”19

A ordem jurídica, tal qual o corpo humano, deve funcionar em harmonia,ou seja, como um conjunto de células que funciona em uma simbiose, visandoa manter o equilíbrio para que a vida não pereça. Sendo a sociedade um organismovivo, formado por pessoas físicas e jurídicas, podemos comparar estas a células.Cada pessoa representa dentro deste contexto a substância do corpo social, quedentro da sua esfera jurídica deve respeitar a integridade jurídica da outra. Aí,reside a realização do Estado e do Direito na busca da vida que é o interesse detodos.

No corpo humano a vida resulta do equilíbrio nas realizações existentesentre cada célula. Na ordem social, resulta do respeito que cada indivíduo deveter, nas suas relações, às esferas jurídicas dos outros. A violação por um integrantedo corpo social que compõe a manutenção da ordem jurídica, pode comprometera ordem como um todo. Por isso, cada um deve buscar a realização plena dointeresse de todos. Às vezes a manutenção da inviolabilidade da esfera jurídicade um dos integrantes do corpo social, que é o Estado é a garantia do interessedo conjunto de indivíduos. Por isso, a lição do eminente professor de DireitoAdministrativo, acima foi invocada para ilustrar esta comparação nos doisorganismos vivos.

O direito nasce do Estado e não existe Estado sem direito. A existênciadeste depende de uma ordem jurídica, instalada para conter o caos que seria emuma relação de forças de uma sociedade sem normas. O poder na sociedade seacha originariamente difuso, necessitando destarte de um controle instituídopela centralização em um núcleo capaz de conter os excessos e manter a ordem.

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Poderíamos, nos valendo da lição do professor Michel Temer dizer que o Estadoexerce uma força centrípeta, visando neutralizar a força centrífuga que seria umasociedade sem ordem jurídica e portanto sem ordem social. Sem este núcleoestaríamos sujeitos à lei da selva em que o mais forte abateria o mais fraco, mascom um agravante: na selva o mais forte usa a força o suficiente para a suasubsistência; no caos social o mais forte usaria a força para acumular excedentes.

Nessa busca incessante na manutenção da ordem jurídica, que nada maisé que o equilíbrio da ordem social, é que vamos encontrar o interesse público. Eexatamente por ser ele o responsável pela sobrevivência da sociedade, e emúltima instância, pela existência do próprio Estado é que se torna este interesseindisponível. A quebra da ordem jurídica do Estado do Iraque por parte doPresidente Saddam Husseim, violando o interesse público, para a manutençãode direitos individuais, serviu de pretexto aos Estados Unidos para a supressãoda soberania daquele território e, portanto, dos seus cidadãos enquanto Estado.Por isso é que o interesse público não é deliberação de um indivíduo, mas abrigoda garantia de todos. A sua preservação consiste no respeito à ordem jurídicaque tem como estatuto supremo a Magna Carta.

Para a manutenção e garantia do interesse público, o Estado instituiuórgãos e funções, os quais são investidos com a finalidade de tutelar o direito,para os quais foram criados, cada um na sua esfera de atuação. Mais uma vez,nos valeremos do ensinamento do referido publicista, no esclarecimento dospoderes da administração e a supremacia do interesse público in verbis:

“A atividade administrativa é desempenho de função. Tem-se função apenas quando alguém está assujeitado ao dever debuscar, no interesse de outrem, o atendimento de certafinalidade. Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito defunção necessita manejar poderes, sem os quais não teriacomo atender à finalidade que deve perseguir para a satisfaçãodo interesse alheio. Assim, ditos poderes são irrogados, únicae exclusivamente, para propiciar o cumprimento do dever aque estão jungidos; ou seja: são conferidos como meiosimpostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercentede função deverá suprir.Segue-se que tais poderes são instrumentais: servientes dodever de bem cumprir a finalidade a que estãoindissoluvelmente atrelados. Logo, aquele que desempenhafunção tem, na realidade, deveres-poderes. Não “poderes”,simplesmente. Nem mesmo satisfaz configurá-los como“poderes-deveres”, nomenclatura divulgada a partir de SantiRomano.

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Com efeito, fácil é ver-se que a tônica reside na idéia dedever, não de “poder”. Daí, a conveniência de inverter ostermos deste binômio para melhor vincar sua fisionomia eexibir com clareza que o poder se subordina ao cumprimento,no interesse alheio, de uma dada finalidade”.20

A finalidade a que alude o parágrafo supra é sempre a do interesse públicoe é para isso que a Administração Pública existe. Quando o administradorpúblico se afasta do seu mister e com isso viola direitos que são garantidos pelaordem jurídica, resta ao sujeito que sofreu a lesão na sua esfera jurídica buscar,dentro do próprio organismo da Administração Pública lato sensu a restauraçãoda integridade desta ordem.

Como vimos, a busca deste equilíbrio deve ser feita sempre dentro dopróprio sistema e aí se encontra o sistema judiciário. Contudo, sendo estetambém integrante do arcabouço governamental que integra o Estado, deveficar também adstrito à finalidade da indisponibilidade do interesse público.Registre-se, no entanto, que o interesse público pode estar adstrito à restauraçãoda ordem jurídica violada, pela ofensa à esfera jurídica de um único indivíduo.Nem sempre a defesa do interesse público significa a defesa de grupos ou decoletivo de indivíduos. O que interessa a manutenção do Estado é a harmoniana ordem social e portanto a manutenção da ordem jurídica, mesmo que aconstrição ocorra contra os excessos de um outro órgão da Administração.

Nesta restauração da ordem jurídica é que atua em último caso, quandoconvocado a fazê-lo, o órgão de jurisdição do Estado competente. Contudo, natutela jurídica dos administrados, o agente encarregado dessa proteção estáadstrito também aos princípios inerentes à Administração Pública, dentre osquais o da indisponibilidade dos bens públicos. Nesse particular, vamos encontrarfundamento nos artigos 183, § 3° e 191, parágrafo único, da Constituição Federal,os quais tornam insuscetíveis de transferência de domínio através do usucapiãoos imóveis públicos. De igual modo, o Código de Processo Civil, em seu artigo649, inciso I, estabelece que são impenhoráveis os bens inalienáveis. Como oartigo 100, do Código Civil onera com a cláusula de inalienabilidade, os benspúblicos, estes são também impenhoráveis e, portanto, indisponíveis.

Ainda no artigo 320, inciso II, do Código de Processo Civil, exclui comoinsuscetível de confissão ficta e portanto não sujeitos aos efeitos da revelia osdireitos indisponíveis. O que é inalienável e impenhorável é de igual modoindisponível. Assim, estão também excluídos por força do artigo 1420, doCódigo Civil os direitos referentes ao penhor, à hipoteca e à anticrese, sobre osbens públicos.

Essa indisponibilidade dos bens públicos é um dos limites para aconcessão de tutela judicial, seja ela antecipada ou definitiva. Isso decorre,

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segundo o saudoso professor Hely Lopes Meirelles do princípio, “que não hádireito contra direito, ou, por outras palavras, não se adquire direito semdesconformidade com o direito”.21 Ainda, segundo o emérito administrativista,essa limitação e contracautela em favor dos bens públicos à tutela do interesseprivado, decorre do artigo 100, da Constituição Federal, que torna impenhoráveisos bens públicos.

2.2. Supremacia do Interesse Público contra o InteresseIndividual ou Coletivo frente ao Princípio da Proporcionalidade

Volvendo ao magistério do insigne professor da cadeira de DireitoAdministrativo da PUC de São Paulo para esclarecer “22 que as competênciasadministrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidadeproporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidadede interesse público”, onde vamos nos valer para respaldar a proporcionalidadecomo princípio. Agora, valendo-nos do ensinamento do velho mestre de DireitoConstitucional da Universidade Federal do Ceará, Paulo Bonavides, o qualidentifica na proporcionalidade a matriz do princípio da legalidade23. Desteentendimento também comunga o citado mestre da nossa PontifíciaUniversidade Católica.

Com base na doutrina acima referida, vamos identificar o princípio emestudo, no artigo 37, da Constituição Federal, exarado na cláusula seguinte: “AAdministração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios delegalidade, ...”, também no artigo 5° “Todos são iguais perante a lei sem distinçãode qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentesno país a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade,nos seguintes termos: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazeralguma coisa senão em virtude de lei;”.

Vamos encontrar ainda na Carta Magna, como axioma do princípio quedelimita a atuação dos entes que compõem a organização político-administrativa,da República Federativa do Brasil, as cláusulas contidas nos artigos assimtranscritos: “Art. 21. Compete à União: I – manter relações com Estadosestrangeiros e participar de organizações internacionais; ...XXV – estabelecer asáreas e as condições para o exercício de atividade de garimpagem, em formaassociativa. “Ainda como balizamento à atuação orgânica do Estado, podemosidentificar o princípio em foco, no âmbito de jurisdição federal de primeiro grau,o seguinte: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I- as causasem que a União, entidades autárquicas ou empresa pública federal foreminteressadas...”.

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Desta forma, o princípio da proporcionalidade surge como princípiogeral de direito, já que se fixa como o fiel da balança a pugnar pelo equilíbrioentre os dois pêndulos. Se de um lado temos a República Federativa do Brasil,organizada em Estados, Distrito Federal e Municípios, com seus órgãos, cargos,funções, atribuições, agentes e competências; de outro temos os cidadãos areclamar o cumprimento dos princípios e dos objetivos desse mesmo Estado.Quando o artigo 1°, da nossa Carta Política, como já visto no capítulo 1, estabeleceos fundamentos do Estado , dentre os quais o da cidadania e o da dignidade dapessoa humana, significa que não mais pretende estabelecer uma relação, Estadosúdito, mas de Estado-Cidadão (expressão cunhada por Celso Antônio Bandeirade Melo).

A dose de atuação dos órgãos do Estado, através de seus agentes públicos,em qualquer de suas funções, deve ser proporcional à necessidade, à finalidadealmejada pelo cidadão. Esta finalidade é deduzida da lei que atribui aos órgãosos limites da sua atuação. Contudo, a lei vai encontrar o seu fundamento noestatuto maior que é a Constituição Federal. Quando qualquer agente público daAdministração, strito sensu, ultrapassa, nas suas ações, este limite, viola a proporçãoadequada ao ato que deveria desprender.

Neste caso, o Estado-Cidadão vai encontrar no Estado-Jurisdição a tutelatambém necessária à reparação do excesso, que pode ser o desvio da lei ou acompleta ausência dela no atuar administrativo. Se, contudo, a violação é praticadapelo próprio Estado-Jurisdição, como este é uno, e tem como finalidade sempreo interesse público da manutenção da ordem jurídica, outro órgão deverá realizara tarefa, de dosimetria do atuar estatal, proporcional a necessidade almejada peloEstado-Cidadão, titular e soberano da finalidade do Estado Democrático deDireito.

2.3. A Incidência do Princípio da Proporcionalidade na Antecipaçãoda Tutela em face da Fazenda Pública

Conforme vimos a expressão Fazenda Pública, significa o ônus que oscofres públicos estão sujeitos a suportar, em juízo em face de um resultado quelhe seja desfavorável. Por outro lado, também fora visto que antecipação detutela significa a efetivação de um direito em um momento anterior ao que seriaconcedido pelo órgão jurisdicional para atender a uma urgência, desde queatendidos os pressupostos contidos no artigo 273, do Código de ProcessoCivil. Se, de um lado, este dispositivo da lei instrumental civil garante a entregada prestação jurisdicional antes do prazo regular, de outro, a Fazenda Públicatem os seus bens revestidos da garantia da indisponibilidade, por força doartigo 320, inciso II, do Código de Processo Civil. Nesse binômio, Fazenda

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Pública versus tutela jurisdicional, encontra-se o limiar da proporcionalidadeentre os direitos.

A Fazenda Pública representa em juízo a Administração Pública. Nãopodemos olvidar que este organismo governamental tem, perante osadministrados, funções e, portanto, deveres. Para cada dever funcional dos órgãosda Administração Pública que lhe são inerentes, corresponde, na concepção doEstado-Cidadão um direito dos administrados. A mesma Carta Política estatal,que estipula a proteção à Fazenda Pública, como finalidade de garantir o interessepúblico, também reveste de anteparos o indivíduo enquanto destinatário dasfinalidades do Estado, na busca incansável da defesa da dignidade da pessoahumana. Então, vemos que, quando o Estado na persecução dos seusfundamentos e objetivos fundamentais busca a proteção da Fazenda Pública ea dignidade da pessoa humana, dois horizontes aí se encontram. De um lado, omar que é da Fazenda Pública, do outro o firmamento que é a dignidade dapessoa humana. No encontro dos dois horizontes fita-se o interesse público.

Nesse encontro, do mar e do firmamento, Fazenda Pública e dignidadeda pessoa humana, na busca do interesse público se confundem, qual dos doisé o mar e qual é o firmamento, posto que ambos se encontram no interessepúblico? Nessa analogia inspirada nos versos do poeta Castro Alves, concluímosque ambos merecem a proteção jurídica, porquanto, buscam o mesmo rumo,que é a finalidade do bem comum. Quando o artigo 5°, da Constituição Federal,estabelece os direitos e garantias fundamentais, dentre os quais o direito à vida,confirmando o enunciado do fundamento do direito à dignidade da pessoahumana, deixa nítido que as ações do Estado não podem ultrapassar os limitesda defesa dos bens inerentes à vida.

O já citado emérito professor Paulo Bonavides, ao tratar do princípio daproporcionalidade, diz ao tratar da interpretação do mesmo que: “... situaçõesconcretas onde bens jurídicos, igualmente habilitados a uma proteção doordenamento jurídico se acham em antinomia, tem revelado a importância doprincípio da proporcionalidade.

Partindo-se do princípio da unidade da Constituição, mediante o qual seestabelece que nenhuma norma constitucional seja interpretada em contradiçãocontra norma de Constituição, e atentando-se, ao mesmo passo, para o rigor daregra de que não há formalmente graus distintos de hierarquia de direitosfundamentais – todas se colocam no mesmo plano...”.24 Podemos daí, deduzir,que na iminência de evitar a submersão de um direito, o Estado-Jurisdição, temo dever-poder de antecipar a fruição do direito material, como estado denecessidade, visando salvar à vida do indivíduo que se encontre em vias desucumbir. Sendo o patrimônio da Fazenda Pública uma tábua de salvação, emdisputa no mar do interesse público, e à vida humana preste a perecer, no

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conflito, diante da necessidade de flutuar, ao abrigar-se sobre um quinhão dessebem, o estado de necessidade deve ser reconhecido, pelo agente públicoencarregado de resolver a lide. Essa tutela liminar e iminente, não pode aguardar,o barco de salvação tripulado pelos óbices de proteção do direito fazendário.

Estamos certos acerca da proteção jurídica assegurada a todos os cidadãos,pelo nosso ordenamento jurídico, por força do artigo 5°, inciso XXXV, danossa Carta Magna que, ela deve ser efetivada com presteza. Essa realização daJustiça decorre da própria finalidade do Estado Democrático de Direito e doanseio do homem ao longo da sua história. Quando a intervenção jurisdicionaltem como finalidade a solução de conflitos existentes entre indivíduos, nãoresulta óbice para que a tutela deduzida seja prestada dentro da brevidadedecorrente do direito material controvertido.Nesse aspecto, o nosso DireitoProcessual Civil sofreu avanços significativos ao longo das últimas décadas.Podemos elencar alterações importantes no Estatuto Adjetivo, trazidos pelasLeis n°s 8.952/1994; 10.352/2001; 10.444/2002, que instrumentalizaram osórgãos jurisdicionais, mormente os de 1°grau para a antecipação da tutela,tornando mais efetiva a entrega da prestação jurisdicional. Contudo, a doutrinae a jurisprudência, apesar de pacífico nesse ponto de vista quando as partes queatuam no processo são pessoas jurídicas de direito privado, o mesmo não sesucede, quando a relação jurídica processual se estabelece entre esta e uma pessoajurídica de direito público. Aí, surgem os dissídios, jurisprudenciais e doutrinários,no reconhecimento da aplicação do instituto da efetivação do direito, através daantecipação da tutela material pleiteada.

Buscando se contrapor a busca da efetivação dessa tutela expedita,almejada pelo particular, à Fazenda Pública, através de ações cautelares inominadas,o legislador respondeu, no sentido inverso, do que era deduzida em juízo.Agora, responde o Estado legislativo, com leis que visam a restringir e fechar asbrechas acaso existentes, na regulamentação mandamental, com as Leis n°s4.348/1964 5.021/1966; 8.437/1992 e 9.494/1997. As três primeiras tratam deconcessão de direitos através de ações mandamentais na forma liminar e a últimadisciplina à antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. Comparando a ediçãodas normas tratadas no parágrafo anterior, com estas elencadas nestes parágrafos,fica nítido o tratamento diferenciado, que o legislador deu aos sujeitos do processo,quando o sujeito passivo da relação jurídica adjetiva é o Estado-Administração,ou seja, a Fazenda Pública.

O que buscamos demonstrar ao longo desse trabalho é a proteção dobem jurídico que o ordenamento jurídico almeja. Não restam dúvidas que aConstituição de 1988, implantou um novo Estado na nação brasileira.Estabeleceu que o fundamento e os objetivos da nossa organização política é aproteção da cidadania e da dignidade da pessoa humana, como suporte real dointeresse público. Nesse particular, os atos e atuação do Estado, terão para a sua

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legitimação, o escopo do interesse público, o qual se sustenta na vida humanaprotegida pelo artigo 5° do mesmo estatuto. A interpretação da legislaçãoinfraconstitucional, tanto material quanto instrumental, deve-se manter fiel ànova realidade da Constituição cidadã.

A nova realidade jurídica rompeu a relação até então estabelecida de umEstado-Súdito, para um Estado-Cidadão. Neste novel Estado, a ordem socialganha destaque e capítulo distinto da ordem econômica. Mesmo nesta última,o artigo 170, da Constituição Federal, reduziu a finalidade da ordem econômicaà existência digna e aos ditames da justiça social, estabelecendo, destarte, umarelação com a ordem social, quando o artigo 193, da mesma Carta, colocoucomo base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiçasociais. Relacionando a garantia da inviolabilidade do direito à vida, com a saúde,como direito de todos e dever do Estado assegurado no artigo 196, do mesmoEstatuto, não resta dúvida de que o bem jurídico maior que temos a preservaré a existência humana em sua plenitude.

Diante dessas premissas, é que o princípio da proporcionalidade seestabelece como bússola a orientar, a rota das ações dos órgãos estatais, realizadasatravés dos seus agentes públicos, com especial destaque para o Estado-Jurisdição. Se um cidadão reclama a tutela jurídica diante da violação de seudireito à saúde, garantido na regulamentação da Lei n° 8.080/1990, a qualespecifica as competências e as ações no âmbito da saúde, por omissão doEstado-Administração, temos aí, um conflito de dois interesses públicossubjetivos: a Administração Pública tentando proteger a economia de suasfinanças e o cidadão em busca de salvaguardar a sua vida. O princípio daproporcionalidade, diante da situação fática, norteará o intérprete, ou seja, oaplicador da lei, para a concessão ou não da efetivação da tutela.

Vamos pegar, como exemplo, a situação de uma pessoa usuária do SistemaÚnico de Saúde que se encontra com um aneurisma cerebral e recebe do órgãopúblico de saúde a resposta de que não pode realizar o exame de ressonânciamagnética, por não existir o aparelho em suas dependências, e se negue a fazertal serviço em uma clínica privada, por ter tal exame um custo elevado. O médico,autor da requisição, atesta que o atraso na feitura do exame poderá levar o seupaciente a óbito. É sabido que o aneurisma cerebral causa hemorragia na caixacraniana. O atraso num diagnóstico preciso para a intervenção cirúrgica, visandoa estancar o sangramento, estatisticamente tem conduzido o enfermo à morte.Diante de tal circunstância, a tutela jurídica deve ser antecipada, ou vamos aguardaros institutos de defesa inerentes à Fazenda Pública? Esta é a situação com a qualnos deparamos e buscamos nos posicionarmos.

As ações e serviços de saúde têm a sua execução regulada em todo o

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território nacional, através da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. A referidalei estabelece nos seus artigos 2° ao 4°, que a saúde é um direito fundamental doser humano e o Estado tem o dever de prover o pleno exercício. Esse dever,esclarece ainda, consiste na formulação e execução de ações e serviços queassegurem o acesso universal e igualitário. Respectivos dispositivos garantem àspessoas e à coletividade, condições de bem-estar físico, mental e social. Estagarantia deve ser prestada por um conjunto de ações de serviços de saúde,através de órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais,constituindo assim em um sistema único de saúde.

Esse sistema tem como objetivos, atribuições, princípios e diretrizes,entre outros a assistência às pessoas, realizadas através de ações e atividades quepromovam a proteção e a recuperação da saúde, com terapia integral, inclusivefarmacêutica. Dentro dessa assistência, deve estar garantido o acesso universalaos serviços de saúde de todos os níveis, com ações contínuas de serviçospreventivos e curativos exigidos para cada caso, em todos os níveis decomplexidade. Os princípios e diretrizes traçados, pela referida lei, asseguramigualdade na assistência à saúde sem preconceitos ou privilégios de qualquerespécie. Aí estão definidos direitos e obrigações.

Não restam dúvidas, diante da análise legislativa acima, de que a saúde éum direito público subjetivo do cidadão e que o Estado tem o dever de prestá-lo. A deficiência ou a omissão no cumprimento dessa obrigação resultam de umato administrativo, omissivo ou comissivo, os quais podem ser combatidospela via judicial. De igual modo, é extreme de dúvida que o exemplo aduzidoalhures, acerca da emergência na prestação de cura, enseja uma resposta no prazonecessário à salvaguarda do direito violado.

A modificação na legislação processual civil, introduzida pela Lei 9.494,de 10 de setembro de 1997, que em seu artigo 1°, restringe a concessão de tutelaantecipada nos casos ali especificados, cujos dispositivos reproduziremos a seguir:

Lei n° 4.348, de 26 de junho de 1964, “Art. 5º - Não será concedida amedida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificaçãoou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensãode vantagens.

Parágrafo único – Os mandados de segurança a que se refere este artigoserão executados depois de transitada em julgado à respectiva sentença.

Art. 7º - O recurso voluntário ou ex officio, interposto de decisão concessivade mandado de segurança que importe outorga ou adição de vencimentos ouainda reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.”

Lei 5.021, de 09 de junho de 1966: “Art. 1º - O pagamento de vencimentoe vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado desegurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a

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servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente àsprestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.

§ 4º - Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento devencimentos e vantagens pecuniárias.”

Lei 8.437, de 30 de junho de 1992: “Art. 1º - Não será cabível medidaliminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisqueroutras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providênciasemelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, emvirtude de vedação legal.

§ 1º - Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelarinominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, navia de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

§ 2º - O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos deação popular e de ação civil pública.

§ 3º - Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte,o objeto da ação”.

“Art. 3º - O recurso voluntário ou ex officio, interposto contra a sentençaem processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seusagentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificaçãofuncional, terá efeito suspensivo”.

“Art. 4º - Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber oconhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, aexecução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes,a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito públicointeressada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade,e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia popular”.

Observa-se das disposições acima elencadas que as restrições abrangem aantecipação de tutela, no que diz respeito a direitos inerentes a condição defuncionários públicos. Exceção existe no caso do § primeiro da Lei n° 8.437/92,que ressalva a competência originária dos tribunais.

Contudo, o § 2º não inclui dentre as competências originárias dostribunais as ações populares e civis públicas. Com efeito, podemos concluir queé cabível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, fora desses casos,desde que o direito pleiteado esteja protegido pelo interesse público, que suplanteas salvaguarda que acobertam a Fazenda Pública.

Essa interpretação, extraída da análise feita acerca do direito à saúde,encontra reforço ao interpretarmos a contrário sensu, o artigo 4°, desta lei, queautoriza o presidente do tribunal competente a suspender a execução de medidaliminar, para evitar grave lesão à saúde. Se cabe ao órgão jurisdicional odesfazimento do ato que causa grave lesão à saúde pública, de igual modo amedida liminar para a antecipação de tutela pode ser concedida para impedir que

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a grave lesão à saúde possa ocorrer.O caso concreto, diante da complexidade dos bens que protegem a vida

como expressão maior da dignidade humana, dentro dos princípios gerais doDireito e em especial o princípio da proporcionalidade, é que vão nortear oagente público, encarregado da tutela jurisdicional, fora dos casos em que aantecipação da tutela contra a Fazenda Pública, são expressamente vedados porlei, dar necessidade ou não da sua concessão, atendidos os pressupostos erequisitos contidos no artigo 273, da lei processual civil. O que buscamosdemonstrar é que o Estado Democrático de Direito em que se constitui aRepública Federativa do Brasil tem os seus fundamentos e objetivosfundamentais traçados na Constituição Federal, cuja finalidade e legitimidade sóencontrarão respaldo quando os atos públicos tiverem como destinatáriosprincipais a dignidade humana, escopo derradeiro do interesse público.

1 BENUCCI, Luiz Renato. A Antecipação da tutela em Face da Fazenda Pública. SãoPaulo: Dialética, 2001, p. 262 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar. 20ª ed. revista e atualizada.São Paulo: Leud , 2002, p. 453

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3 VAZ, Paulo Afonso Brum. Manual da Tutela Antecipada. Porto Alegre. Livrariado Advogado, 2002, p. 1544 BENUCCI, Luiz Renato. A Antecipação da Tutela em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2001, p. 435 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo:Malheiros, 2000, p.6646 VAZ, Paulo Afonso Brum. Manual da Tutela Antecipada. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2002, p. 2467 Idem Ibidem. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 2468 MEIRELLES,Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.958 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro . 25ª ed. São Paulo:Malheiros, 2000, p. 959 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11ª ed.SãoPaulo: Malheiros. p.5510 VAZ, Paulo Afonso Brum. Manual da Tutela Antecipada. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2002, p.24911 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 28a ed.Vol. II.. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.562.12 BENUCCI, Luiz Renato. Antecipação da Tutela em Face da Fazenda Pública. SãoPaulo: Dialética, 2001, p. 6513 VAZ, Paulo Afonso Brum. Manual da Tutela Antecipada. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2002, p. 25614 BENUCCI, Luiz Renato. Antecipação da Tutela Antecipada em Face da FazendaPública. São Paulo: Dialética, 2001, p. 7815 BENUCCI, Luiz Renato. Antecipação da Tutela Antecipada em Face da FazendaPública. São Paulo: Dialética, 2001, p. 8016 Idem Ibidem. São Paulo: Dialética, 2001, p. 8317 BENUCCI, Luiz Renato. Antecipação da Tutela em face da Fazenda Pública. SãoPaulo: Dialética, 2001, p. 8818 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. SãoPaulo: Malheiros, 2001,p. 6419 Idem Ibidem. 13ª ed. São Paulo : Malheiros, 2001,p. 5920 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.13ªed. SãoPaulo: Malheiros, 2001, p. 68-6921 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo:Malheiros, 1998, p. 43322 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. SãoPaulo: Malheiros, 2001,p.8123 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros,1997, P. 356-39724 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros,

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1997, P. 387