revista da escola superior de guerra · americana - uma das prioridades da política externa...

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ISSN 0102-1788 Revista da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA VOL 25 Jan/Jun 2010 n. 51 NESTA CASA ESTUDA-SE O DESTINO DO BRASIL

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ISSN 0102-1788

Revista da

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

VOL 25

Jan/Jun 2010n. 51

NESTA CASA ESTUDA-SE O DESTINO DO BRASIL

REVISTADA

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

VOL 251º Semestre 2010

Rio de Janeiro 2010

Revista da Escola Superior de Guerra. — v.. 25, n. 51 (jan/jun) 2010 – Rio de Janeiro : ESG, 2010.

SemestralISSN 0102-1788

1. Ciência Militar - Periódicos. 2. Política - Periódicos. I. Escola Superior de Guerra (Brasil). II. Título.

CDD 320.981

Revista da Escola Superior de Guerra

A Revista é uma publicação s e m e s t r a l d a E S C O L A SUPERIOR DE GUERRA, do Rio de Janeiro. Com tiragem de 1.000 exemplares, circula em âmbito nacional e internacional.

Comandante e Diretor de EstudosTenente-Brigadeiro-do-Ar

Antonio gomes leite filho

Subcomandante e Subdiretor de Estudosgeneral de DivisãoCelso José Tiago

Diretor do Centro de Estudos Estratégicosgeneral de Brigada R/1

João Cesar Zambão da Silva

Conselho Editorialgeneral de Brigada R/1 João Cesar Zambão da Silva

Professor Doutor Jorge Calvario dos SantosProfessor Doutor José Amaral Argolo

Capitão-de-Mar-e-guerra (CA-RM1) Caetano Tepedino MartinsCapitão-de-Mar-e-guerra (CA-RM1) Carlos Alberto de Abreu Madeira

Capitão-de-Mar-e-guerra (fN-RM1) José Cimar Rodrigues Pinto

Editor ResponsávelJosé Cimar Rodrigues Pinto

Capitão-de-Mar-e-guerra (fN-RM1)

Revisão EditorialMaria da glória Chaves de Melo

Padronização BibliográficaCleide S. Souza(CRB-7/3381)

Diagramação e Arte FinalAnério ferreira Matos

Projeto, Produção Gráfica e Impressãográfica da Escola Superior de guerra

SUMÁRIO

Editorial 5

Ten Brig Ar Antonio Gomes Leite Filho

A Integração Sul-Americana: Situação Atual e Perspectivas 7 Heleno Moreira

Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservara Soberania na Região 24

Edson Henrique Ramires

Geopolítica, Segurança Jurídica e Inserção do Brasil na Questão Energética Internacional 49 João Eduardo de Alves Pereira

Princípio da Igualdade em Face do GATT 59 Adilson Rodrigues Pires

Os Fundamentos do Pensamento Estratégico: Instrumentos Ainda Válidos ao Brasil 71 José Alexandre Altahyde Hage

Relacionamento Civil-Militar no Brasil Hoje 82 Laura Maria Corrêa de Sá Freire

Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais 95 Gilberto Maciel da Silva

Ordem Militar de Williamsburg e seus Desdobramentos Percepções da Defesa e da Segurança a partir de 1995 114 Ana Paula Lage de Oliveira

Revista da Escola Superior de Guerra Rio de Janeiro V. 25 n. 51 p. 1-132 jan/jun 2010

Editorial

Oito artigos contemplam esta edição da Revista da Escola Superior de Guerra. Quatro deles refletem questões relacionadas à Geopolítica; quais sejam: A Integração Sul-Americana: Situação Atual e Perspectivas; Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para preservar a Soberania da Região; Geopolítica, Segurança Jurídica e Inserção do Brasil na Questão Energética Internacional; e Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais.

Os demais textos enfeixam aspectos igualmente atuais e interessantes; tais como o equilíbrio das barreiras tarifárias entre os países originalmente signatários do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT); Os Fundamentos do Pensamento Estratégico: Instrumentos ainda válidos no Brasil, a partir das assertivas chanceladas por um dos mais representativos intelectuais do Século XX: Raymond Aron (autor do clássico Paz e Guerra entre as Nações); as variáveis nas relações entre civis e militares no tempo presente; e, finalmente, uma densa explanação sobre as conferências dos ministros de Estado de Defesa realizadas no período compreendido entre 1995 e 2008 (a primeira delas, em Williamsburg, Virginia, EUA).

Verifica-se, portanto, a partir desse conjunto de idéias e percepções, um razoável quantitativo de desdobramentos e, porque não dizer, desafios. No caso específico da Amazônia, vale recordar que, antes mesmo da Independência, o território brasileiro já estava praticamente demarcado, tendo sido as últimas e pequenas pendências equacionadas graças, em especial, à intermediação de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, designado ministro das Relações Exteriores no Governo Rodrigues Alves.

Destaque, conforme supra-assinalado, deve ser dado ao papel da Marinha Mercante e da indústria naval brasileira tendo em vista a vastidão do litoral do nosso País (aproximadamente 8 mil km) — e o fato de que, atualmente, 50 mil navios mercantes transportam noventa por cento do comércio mundial — o que nos faz refletir sobre atualidade do pensamento de Sir Walther Raleigh (ele próprio responsável pela implementação do primeiro núcleo de colonização inglesa na América do Norte, mais especificamente na Virginia), quando afirmava:

“Quem domina o mar, domina o comércio, e quem é o senhor do comércio do mundo é dono e senhor da riqueza do mundo”.

Boa leitura, pois

Tenente-Brigadeiro-do-Ar Antonio Gomes Leite Filho Comandante e Diretor de Estudos Escola Superior de Guerrave

textos integram o presente volume da Revista da Escola Superior de

7Revista da Escola Superior de Guerra, v.25, n.51, p. 7-23, jan/jun. 2010

A Integração Sul – Americana: Situação Atual e Perspectivas

A Integração Sul – Americana:Situação Atual e Perspectivas

Heleno MoreiraCoronel da Reserva do Exército Brasileiro, Estagiário do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia desta Escola em 2008 e Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra.

Resumo

O presente trabalho faz uma análise sucinta sobre a situação da integração sul-americana - uma das prioridades da política externa brasileira - o que existe atualmente no continente, bem como suas perspectivas. Está dividido em sete partes, incluindo uma conclusão, e traz as considerações iniciais na introdução. Inicialmente, discorre-se sobre os antecedentes históricos em relação a essas tentativas, demonstrando-se, em seguida, a influência da Geopolítica no assunto, bem como as teorias relativas à matéria. A terceira sessão apresenta os blocos existentes na América do Sul e a iniciativa para a integração física do continente, destacando-se, mais à frente, no quarto item do artigo, os pontos fracos e as ameaças a esse processo. Na última parte, projeta-se um cenário futuro, sugerindo-se políticas e estratégias a serem implementadas na região. E, finalizando, a conclusão, que traduz a possibilidade de se valorizar mais este tema tão necessário ao continente, qual seja, a Integração Regional.

Palavras-Chave: América do Sul. Integração.

Abstract

This paper makes a brief analysis on the situation of South American integration - one of the priorities of Brazilian foreign policy - which currently exists on the continent and its prospects. It is divided into seven parts, including a conclusion, and brings the initial considerations in the introduction. Initially, talks about the historical background for these attempts, showing up, then the influence of geopolitics on the subject, as well as theories on the matter. The third session presents the existing blocks in South America and the initiative for the physical integration of the continent, especially, later, in the fourth item of the article, weaknesses and threats to that process. In the last part, it is projected a scenario, and suggests policies and strategies to be implemented in the region. And finally, the conclusion, reflects the ability to better exploit this issue as necessary for the continent, the Regional Integration.

Keywords: South America. Integration.

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Heleno Moreira

INTRODUçãO

A maior parte da população sul-americana é católica e de origem ibérica, com características antropológicas comuns e um passado histórico compartilhado, constituindo uma homogeneidade que facilita o processo de integração.

O parágrafo único do artigo 4o da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, diz o seguinte: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Dentre os principais entraves, na integração latino-americana, destacam-se o alinhamento do México com os EUA, no Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA); e a dependência dos países da América Central nas exportações para os Estados Unidos. Não se pode esquecer que a América Latina é tradicional área de influência dos EUA. E há que se conviver com essa realidade. Um exemplo disso é a reativação da 4ª Esquadra norte-americana no Atlântico Sul.

Hoje, a América do Sul conforma-se em três espaços geopolíticos, com seus respectivos blocos geoeconômicos: Cone Sul – Mercado Comum do Sul (MERCOSUL); Região dos Andes – Comunidade Andina de Nações (CAN); e o Arco Amazônico – Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Assim, há necessidade da integração sul-americana para se abrir três frentes: a Norte, que levará aos centros mundiais do poder, a Africana e a Sul-Sul. Esta conduzirá aos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), ao IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e aos Países Árabes.

O continente sul-americano está relegado, juntamente com a África, à posição de continentes que não foram capazes de montar e operar zonas de livre comércio abertas, modernas e eficientes. Os Estados Unidos estão ocupados com outra agenda: Iraque, Afeganistão, Coréia do Norte, Irã, a nova Rússia e a crescente presença da China aparecem como temas de grande urgência, além dos seus problemas econômicos.

O objetivo deste trabalho é apresentar um breve histórico da integração sul-americana, enfatizando a situação atual, os pontos fracos, as ameaças e as perspectivas futuras, ressaltando-se as principais iniciativas em desenvolvimento, que poderão ser consolidadas num único espaço geopolítico.

AntECEDEntES HIStóRICOS

A integração sul-americana já vinha sendo buscada, sem êxito, embutida no processo latino-americano. Simon Bolívar defendia um processo de inclusão denominado hispano-americanismo, que consistia na construção de um sistema de cooperação entre as nações latino-americanas que as protegessem não somente das tentativas europeias de constituir movimentos de restauração da ordem colonial no continente, mas, também, dos Estados Unidos e sua Doutrina Monroe.

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A Integração Sul – Americana: Situação Atual e Perspectivas

Em 1815, Bolívar lançou a ideia da constituição de uma Confederação Americana. Porém, somente em 1826, após intensas negociações, conseguiu realizar o Congresso do Panamá.

Pode-se apontar que tal esforço apenas começou a surtir efeito prático, efetivamente, a partir da segunda metade do século XX. Os países latino-americanos, cientes das suas dificuldades econômicas e carentes da ajuda das nações desenvolvidas, criaram a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), em fevereiro de 1960, através do Tratado de Montevidéu, que previa o estabelecimento de uma área de livre comércio em 12 anos, nos moldes do Mercado Comum Europeu, e que deveria ser a base para a criação de um mercado comum latino-americano. No entanto, por vários motivos – até em razão da instabilidade política e econômica que afetou a região nas décadas seguintes – essa organização internacional não prosperou. Foi, posteriormente, substituída por um novo Tratado, assinado em 12 de agosto de 1980, para uma outra organização mais flexível: a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

O projeto de criação da Área de Livre-Comércio Sul-Americana (ALCSA) foi apresentado pelo Brasil aos países do MERCOSUL no início de 1994. Embora não tenha ido adiante, também nessa iniciativa ficou evidente o objetivo de fortalecer a região – e a posição relativa brasileira – para negociar com os EUA no âmbito da proposta de integração hemisférica e, posteriormente, com outras regiões do mundo.

UM POUcO DE GEOPOlíTIcA

O que é Geopolítica? Segundo Beckheuser1, “Geopolítica é a Política feita em decorrência das condições geográficas”. O primeiro fenômeno geopolítico ocorrido na América do Sul foi o papel pioneiro e revolucionário de Portugal, seguido posteriormente pela Espanha, ao dar início às grandes navegações, alterando o centro de gravidade comercial do Mar Mediterrâneo para o Oceano Atlântico.

Essa pujança ibérica nos mares deu origem ao conceito geopolítico mais inesperado da época – o Tratado de Tordesilhas, pois legou o domínio do Atlântico Sul a Portugal, uma vez que este país alterou a Bula Papal inter coetera.

Para maior clareza e simplicidade, somente serão apresentadas aqui as teorias úteis ao embasamento geopolítico deste trabalho.

Em 1930, Karl Ernst Nikolas Haushofer, general geógrafo alemão, estabeleceu a Teoria das Pan-Regiões, que tem como ideia-chave a divisão do mundo em quatro grandes regiões naturais: Pan-América, Euráfrica, Pan-Rússia e Pan-Ásia.

Quanto às concepções mais atuais, surgiu, em 1968, a Teoria da Tríade, engendrada pelo Clube de Roma (bloco econômico precursor do Grupo dos Sete - G 7). Nela, o mundo seria dividido em três blocos: americano, europeu e asiático.

1 Everardo Adolfo Beckheuser foi considerado o precursor da Geopolítica no Brasil (MATTOS, 2007, p. 61).

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Heleno Moreira

Obviamente, sob a direta influência político-econômica dos EUA.Em 1991, o conselheiro francês Jacques Perruchon de Brochard lançou a

Teoria dos Blocos, que consiste na divisão do mundo em quatro “Blocos”: Federação das Américas (“Casa do Dólar”), Confederação Euroafricana (“Casa do Euro”), União das Repúblicas Soberanas (“Casa do Rublo”) e Liga Asiática (“Casa do Iene”).

Também em 1991, foi apresentada a Teoria do Limes, cujo autor é o francês Jean-Christophe Rufin, e reside no “conflito” entre os Estados ricos do Norte e os Estados pobres do Sul. Porém, o Norte ou Sul não deve ser entendido como demarcação essencialmente geográfica, e, sim, econômico-social. Para que tal concepção pudesse ser aplicada, seria traçada uma nova fronteira, que chamou de “Limes”, por intermédio da qual se procuraria impedir que os “novos bárbaros” invadissem o “Império” (imigração da miséria).

Em 1992, o estrategista Pierre Lellouche, também de origem francesa, estabeleceu a Teoria da Incerteza (ou da Turbulência), que é a seguinte: após o esfacelamento da URSS, e o consequente término do conflito Leste x Oeste, o século XXI se caracterizaria por uma “desordem mundial”, que poderia durar três décadas (até 2025). Tal desordem seria causada por revoluções nas antigas Repúblicas Soviéticas, explosão demográfica na África, ameaça nuclear de países islâmicos do norte da África contra a Europa, rearmamento do Japão, dentre outras. É importante ressaltar que a América Latina está livre dessa turbulência.

Sobre o Brasil, Lellouche disse que o País deveria aproveitar-se desse cenário de turbulência para sair da estagnação, sozinho (se necessário for); com um grupo de países vizinhos (melhor); ou com toda a América do Sul (ideal) (MAFRA, 2006, p. 173).

Em 1996, o coronel do Exército Brasileiro Roberto Machado de Oliveira Mafra desenvolveu a Teoria do Quaterno, cuja ideia é que, a partir do primeiro quarto do século XXI, o mundo seria dividido em quatro blocos: Bloco Norte-Americano: países integrantes do NAFTA; Bloco Sul-Americano: inicialmente, países sul-americanos e, posteriormente, acréscimo dos países latino-americanos da América Central, do Caribe e o México; Bloco Europeu: idêntico ao da Teoria da Tríade; e o Bloco Asiático: da mesma forma.

O sustentáculo dessa teoria é a negação, pelos Estados latino-americanos, de tratamento inferiorizado por parte das lideranças mundiais e outros blocos (MAFRA, 2006, p. 197).

SITUAçãO ATUAl

A América do Sul possui os seguintes blocos, todos com o objetivo de integração: Comunidade Andina de Nações (CAN), Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), além da Iniciativa para a Integração das

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A Integração Sul – Americana: Situação Atual e Perspectivas

Infraestruturas Regionais Sul- Americanas (IIRSA), que é a ligação física. Ressalta-se que o MERCOSUL tem se mostrado mais estruturado e com mais potencial. A UNASUL originou-se da iniciativa de unir a CAN ao MERCOSUL.

A COMunIDADE AnDInA DE nAçõES (CAn)

O Acordo de Cartagena criou, em 26 de maio de 1969, o Pacto Andino para facilitar a integração econômica dos países andinos – Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Entretanto, esse bloco sofreu modificações com a saída do Chile em 1976 e com a incorporação da Venezuela em 1974, a qual, também, retirou- se em 2006. O Peru suspendeu sua participação em 1993, mas voltou a integrar a associação em 1994. Em setembro de 2006, o Conselho Andino de Chanceleres, reunido em Nova York, aprovou a reincorporação do Chile à CAN como membro associado.

Esse Acordo teve como principal motivação a insatisfação de alguns dos participantes da ALALC, principalmente países médios e pequenos, devido à distribuição desigual dos benefícios e à falta de políticas compensatórias de perdas para países com infraestrutura menos desenvolvida (BRAGA, 2006). Também conhecido como Pacto Andino2 (até 1996), o Acordo de Cartagena tinha como objetivo a integração regional nos moldes dos padrões internacionais.

A experiência da CAN exibe muitos ensinamentos e seu resgate constitui-se numa condição necessária para o entendimento das reais dificuldades na cooperação econômica e política entre os países do continente.

ORGAnIzAçãO DO tRAtADO DE COOPERAçãO AMAzônICA (OtCA)

Encontra-se na América do Sul a Amazônia, que tem sido foco da atenção nacional e internacional, um tema central no debate político sobre o efeito estufa e suas consequências para o clima. A sua importância estratégica pode ser vista como decorrência da sua dimensão continental, por ser a maior bacia hidrográfica do planeta e a mais extensa floresta tropical da superfície terrestre, com enorme quantidade de recursos naturais renováveis e não renováveis.

Enquanto isso, as demandas do mercado global por água, energia, alimentos, biocombustíveis e fármacos, bem como a crescente preocupação mundial com os riscos para a humanidade, decorrentes de práticas ambientais destrutivas, aumentaram a importância geopolítica da Amazônia e de seus recursos naturais.

Durante as últimas décadas, a região tem sido foco de tensões devido, principalmente, a pressões e interesses internacionais sobre os países da região, fundamentado nas questões de direitos humanos e problemas indígenas, na 2 O Pacto Andino foi convertido em Comunidade Andina de Nações (CAN) em 1996, por intermédio do Proto-

colo de Trujillo.

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Heleno Moreira

proteção do meio ambiente, no acesso às riquezas do local e no incremento da ocorrência de ilícitos transnacionais.

Estes problemas, aliados à dimensão continental e à sua riqueza, fazem da Amazônia objeto de preocupação e atenção dos respectivos governos, quanto a sua segurança e defesa, pois podem contribuir para uma instabilidade política e militar.

Assim, as nações localizadas nessa área, sensíveis a esses problemas, formularam o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), que foi assinado no dia 03 de julho de 1978, em Brasília, pelos oito países amazônicos3. É um instrumento jurídico de natureza técnica que tem por objetivo promover o desenvolvimento harmônico da região, que permita uma distribuição equitativa dos benefícios desse desenvolvimento entre as partes contratantes, para elevar o nível de vida de seus povos e lograr a plena incorporação de seus territórios amazônicos às respectivas economias nacionais.

Em 1995, os Ministros do Exterior dos países-membros, reunidos em Lima, Peru, acordaram a instituição da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)4, de modo a fortalecer institucionalmente o TCA e dar-lhe personalidade internacional. A emenda foi aprovada em Caracas, Venezuela, em 1998, permitindo o estabelecimento da Secretaria Permanente da OTCA em Brasília.

A importância crescente da região na geopolítica mundial, os avanços no debate e na promoção do paradigma do “desenvolvimento sustentável”; o caráter global dos desafios da proteção ambiental, assim como a responsabilidade soberana dos países amazônicos pelo futuro da região, reiteram uma firme disposição política e o apoio irrestrito das Partes de realizar ações adicionais para que a cooperação regional amazônica seja mais eficaz e alcance resultados de maior projeção.

Somente a atribuição de valor econômico à floresta permitirá a ela competir com outros usos que pressupõem sua derrubada ou degradação, e apenas a Ciência, a Tecnologia e a Inovação (C, T & I) poderão mostrar o caminho de como utilizar o patrimônio natural sem destruí-lo, incentivando a pesquisa e o desenvolvimento para as indústrias de fármacos e cosméticos, por exemplo.

Os recursos hídricos são, muitas vezes, transnacionais, o que pode levar ao conflito ou à cooperação entre os Estados pela sua utilização. No caso da Amazônia, que é compartilhada por oito países, já existe uma organização internacional, a OTCA, que busca, através da cooperação entre os países, formular soluções para seus problemas comuns.

Neste contexto, a região surge como um importante polo de atração política, de oportunidades econômicas e de integração com seus vizinhos.

O MERCADO COMuM DO SuL (MERCOSuL)

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é um processo de integração 3 Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.4 Entrou em vigor em 2002.

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A Integração Sul – Americana: Situação Atual e Perspectivas

econômica entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, constituído em 26 de março de 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção. Sua evolução começou a partir do programa de aproximação econômica entre Brasil e Argentina, em meados dos anos 80.

A criação do MERCOSUL procurou explorar a tendência mundial de implantação de blocos econômicos que permitissem às economias de seus integrantes a sua dinamização e a supressão das vulnerabilidades externas.

Assim, em 6 de julho de 1990, Brasil e a Argentina firmaram a “Ata de Buenos Aires”, quando fixaram a data de 31/12/94 para a conformação definitiva de um Mercado Comum entre os dois países. Em agosto de 1990, Paraguai e Uruguai foram convidados a incorporar-se ao processo de integração, tendo em vista a densidade dos laços econômicos e políticos que os unem ao Brasil e Argentina. Como consequência, é assinado, em 26 de março de 1991, o “Tratado de Assunção para Constituição do Mercado Comum do Sul”.

O MERCOSUL é, desde 1o de janeiro de 1995, uma União Aduaneira5. No entanto, pode-se dizer que é um projeto de construção de um Mercado Comum que, para atingi-lo, deverá concretizar os seguintes objetivos: a) eliminação de barreiras tarifárias e não tarifárias no comércio entre os países membros; b) adoção de uma Tabela de Tarifa Externa Comum (TEC); c) coordenação de políticas macroeconômicas; d) livre comércio de serviços; e) livre circulação de mão de obra; e f) livre circulação de capitais.

Ele representa um salto qualitativo nas relações econômicas entre os quatro Estados-membros que o integram. Este bloco empreende esforços no sentido de ampliar o seu quadro de participantes num princípio de regionalismo aberto, aceitando a adesão de outros membros ou blocos, mediante negociação conjunta, visando alcançar toda a América do Sul. A sua expansão inclui, hoje, membros como a Venezuela, que aguarda o referendo do Congresso paraguaio, e outros associados e participantes complementares da dinâmica comercial como o Chile, a Bolívia, o Peru, o Equador e a Colômbia.

A adesão da Venezuela é um importante marco para o aprofundamento do processo de integração da América do Sul. Além da natural ampliação dos fluxos comerciais regionais, a incorporação desse país - andino, caribenho e amazônico - abre amplas possibilidades de cooperação nos setores energético e de infraestrutura, dois dos principais desafios que se colocam para os países do continente. E também é preciso destacar a proximidade geográfica com os EUA e com a Europa.

Mas grandes obstáculos surgiram. Diante do novo cenário internacional, particularmente após a queda do muro de Berlim, o MERCOSUL sofreu severas pressões por parte dos Estados Unidos da América, que passaram a ser a potência

5 União aduaneira é um passo da zona de livre comércio cujo elemento característico de livre circulação de mercadorias incorpora, completando-o com a adoção de uma tarifa aduaneira comum, eliminando os com-plexos problemas da definição das regras de origem (ALMEIDA, 2003).

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líder de um mundo que, à deriva, parecia caminhar para o unipolarismo, e não tardaria a executar ações consideradas vitais para os seus respectivos interesses nacionais. Dessa maneira, as relações argentino-brasileiras pareciam perdidas.

Para reduzir o desequilíbrio da sua balança comercial, os EUA promoveram a liberalização do comércio exterior. Um dos objetivos era implantar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). O MERCOSUL foi uma resistência a essa Área, que, se implantada como queriam os americanos, hoje, o parque industrial dos países sul-americanos estaria falido e teria sido confirmada a Teoria do Limes – o sul como eterno fornecedor de commodities para o norte.

O núcleo geoeconômico do MERCOSUL é a região platina, abrangendo o Centro-Sul do Brasil, o pampa argentino, o Uruguai e o oeste do Paraguai, onde se encontram os seus principais centros populacionais e industriais. Desse modo, sustenta o caráter estratégico do chamado eixo sul-sul e, neste âmbito, da afirmação da identidade sul-americana do Brasil.

Hoje, o MERCOSUL vive uma fase de forte recuperação econômica, mas sua integração comercial encontra dificuldades adicionais, devido à emergência de governos mais nacionalistas na região.

unIãO DAS nAçõES SuL-AMERICAnAS (unASuL)

A União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) foi instituída formalmente, em 23 de maio de 2008, em Brasília, com a assinatura do Tratado Constitutivo, que confere personalidade jurídica internacional ao subcontinente. Congrega, atualmente, os doze países sul-americanos, com objetivos de coordenação política, econômica e social e espera avançar na integração física, energética, de telecomunicações, de ciência e educação.

Teve sua origem no terceiro encontro de cúpula sul-americano, em 8 de dezembro de 2004, quando os presidentes ou representantes dos doze países sul-americanos assinaram a Declaração de Cuzco, uma carta de intenções, anunciando a fundação da então Comunidade Sul-Americana de Nações. Os líderes anunciaram a intenção de modelar a nova comunidade segundo a União Europeia, incluindo uma moeda, um passaporte e um parlamento comuns.

Uma das iniciativas do UNASUL é a criação de um mercado comum, começando com a eliminação de tarifas para produtos considerados não sensíveis até 2014 e para produtos sensíveis até 2019.

Dessa maneira, a América do Sul ganha status de organização internacional, reconhecida na Organização das Nações Unidas (ONU) e capaz de negociar com outros países, blocos de países e instâncias multilaterais.

A rigor, a reunião de Brasília cumpriu seu objetivo central - a assinatura do tratado constitutivo da UNASUL, com as bases jurídicas para a ação desse novo organismo regional. Como se reiterou na cúpula de Brasília, espaços como esse

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A Integração Sul – Americana: Situação Atual e Perspectivas

são essenciais para botar a América do Sul “no mapa” e dar-lhe peso maior nas negociações internacionais.

A UNASUL cria uma nova geopolítica em uma parte do mundo onde existem grandes reservas de recursos naturais, como minérios, águas, terras cultiváveis e energia. Esta dotação de recursos naturais, apoiada por infraestrutura e recursos humanos bem treinados, pode tornar a região numa das mais importantes áreas econômicas de um mundo globalizado que consome grandes quantidades de alimentos, matérias-primas e energia.

O projeto de constituição da UNASUL pode ser interpretado, em ampla medida, como a concretização do intuito de se priorizar não apenas a economia e o intercâmbio comercial, mas também a política, possibilitando a construção de uma maior capacidade coletiva de influência nas negociações internacionais, além de tentar certa neutralização de eventuais ações unilaterais dos EUA.

InICIAtIVA PARA A IntEGRAçãO DA InFRAEStRutuRA REGIOnAL SuL-AMERICAnA (IIRSA)

A América do Sul é um território com quatro grandes obstáculos internos: a cordilheira dos Andes, a selva amazônica, o Rio Amazonas e o Pantanal. É fundamental, para o êxito da integração regional, construir as “pontes” para unir estas ilhas. Sem a ligação física entre os países é muito difícil integrarem-se as populações, que se vêem como povos distantes e dissociados.

A partir da criação do MERCOSUL, a meta de integração física passou a ter conotações comerciais e desenvolvimentistas, buscando-se a formação de corredores de integração, dos quais possa beneficiar-se a população.

A IIRSA, um instrumento da atual política exterior brasileira para a América do Sul, tem por objetivo promover o desenvolvimento da infraestrutura de transporte, energia e telecomunicações regional, procurando a integração física dos doze países, visando alcançar um padrão de desenvolvimento territorial equitativo e sustentável. Ou seja, desenvolver a região sob a égide da coesão social e econômica para uma integração competitiva no mercado global.

Essa iniciativa, que contou com a participação de todos os países da América do Sul, surgiu na Reunião de Presidentes da região realizada no mês de agosto de 2000, na cidade de Brasília, quando os mandatários acordaram em acertar ações conjuntas para impulsionar o projeto de integração política, social e econômica sul-americana, incluindo a modernização da infraestrutura regional e ações específicas para estimular a integração e o desenvolvimento de sub-regiões isoladas. Estabeleceu-se um prazo de dez anos como horizonte de ação para a implementação desse processo.

No entanto, uma integração física é complexa: as proporções do continente, barreiras naturais e particularidades socioeconômicas de ocupação da América do Sul são fatores que dificultam a ligação. Por meio do trabalho conjunto dos países

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Heleno Moreira

e instituições multilaterais participantes, a IIRSA concentrou seus esforços em dez Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID), que são os seguintes:

1. Eixo Mercosul-Chile (São Paulo – Montevidéu - Buenos Aires - Santiago); 2. Eixo Andino (Caracas-Bogotá-Quito-Lima-La Paz); 3. Eixo Andino do Sul (do Norte ao Sul da Argentina); 4. Eixo da Hidrovia Paraná-Paraguai; 5. Eixo de Capricórnio (Antofogasta/Chile - Jujuy/Argentina - Assunção/Paraguai – Porto Alegre/Brasil); 6. Eixo do Escudo das Guianas (Venezuela-Brasil-Guiana-Suriname); 7. Eixo Multimodal do Amazonas (Brasil-Colômbia-Equador-Peru); 8. Eixo do Sul (Talcahuano-Concepción/Chile-Neuquen-Bahia Blanca/Argentina); 9. Eixo Peru-Brasil (Acre-Rondônia-Bolívia); e 10. Eixo Interoceânico Central (Brasil-Bolívia-Paraguai-Peru-Chile).

Deve-se assegurar que os projetos não se convertam somente em grandes corredores de exportação, mas também possam gerar desenvolvimento nas suas áreas de influência. Antes mesmo de se concretizar uma ligação interoceânica por meio da integração das infraestruturas na América do Sul, focaliza-se na importância desses projetos no estímulo ao desenvolvimento do interior do continente que, longe da costa, está pouco conectado aos fluxos regionais e globais. O fato dos doze países sul-americanos terem firmado uma lista de 31 projetos simboliza a coesão da região em torno de prioridades comuns para o seu desenvolvimento e integração.

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A Integração Sul – Americana: Situação Atual e Perspectivas

A IIRSA é uma revolução silenciosa na América do Sul e sua vinculação à UNASUL na estratégia de integração regional tende a conferir maior importância à iniciativa, tornando-se relevante um monitoramento constante da sua evolução.

PONTOS FRAcOS E AMEAçAS

A questão ambiental, o papel da Amazônia e a expansão do ilícito transacional constituem temas de interesse compartilhado pelo Brasil e vários de seus vizinhos. Outra preocupação é a quantidade de Organizações Não Governamentais (ONG) que atuam na Amazônia brasileira. Estas organizações, utilizando argumentos de violação aos direitos humanos (questão indígena, trabalho infantil e escravo) e de proteção ambiental, têm criado dificuldades às tentativas de desenvolvimento da região. Recentemente, o governo brasileiro começou a cadastrá-las.

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A questão da segurança energética é central nos dias de hoje e no futuro previsível. A integração e a autonomia regional energética para garantir a segurança de abastecimento são prioridades absolutas da política externa brasileira na região.

A burocracia nacional também é um problema a ser solucionado, pois, apesar dos acordos de livre-comércio negociados pelo Brasil com quase todos os países da região (exceto Guiana e Suriname), permanecem barreiras resultantes de ações dessa burocracia, que mantém exigências, muitas vezes desnecessárias, impedindo o crescimento do comércio.

A nacionalização dos recursos naturais, como no caso dos hidrocarbonetos na Bolívia, a prioridade de objetivos domésticos sobre a cooperação regional, exemplificada pelo conflito das papeleras6 entre Uruguai e Argentina, são fatores que trazem novos desafios para a América do Sul, na medida em que apontam na direção oposta aos objetivos de estabilidade econômica e política regional.

Em 2008, a Colômbia realizou um ataque às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) que se encontravam em território equatoriano. O Equador reclamou e a Venezuela se solidarizou com este país, trazendo instabilidade à região, e gerando uma crise. Porém, o problema foi solucionado com a morte dos dois principais líderes e a libertação de 15 reféns, com destaque para a senadora Ingrid Bettancourt, mostrando que as FARC estão se dissolvendo.

O posicionamento geopolítico do Chile, voltado para o Oceano Pacífico, aproxima-o dos EUA, pois a Cordilheira dos Andes torna-se um obstáculo para o leste. E esse fato o faz voltar-se naturalmente para a hiperpotência. A relação contemporânea entre Colômbia e Estados Unidos, que apóiam o combate ao narcotráfico no país andino, aumenta a influência norte-americana no sul do continente.

PERSPECtIVAS

A integração sul-americana é viável e deve ser um objetivo da política externa dos países da região, particularmente do Brasil. Com a conclusão da maioria dos projetos da IIRSA, prevista para 2010, a probabilidade de uma maior integração regional aumenta, uma vez que o comércio deverá crescer, incentivando o empresariado sul-americano.

A união da Venezuela é também um importante marco para o aprofundamento desse processo, pois poderá implicar num certo reequilíbrio intrabloco e mudará o eixo estratégico do MERCOSUL - da Bacia do Prata para o Norte, com a transformação da Amazônia em “área-pivô” da integração sul-americana.

Assim, a despeito de dificuldades, há uma especial oportunidade estratégica, pois o MERCOSUL (impulso platense) é o ponto de partida da geopolítica para atuar na frente sul-sul (centro mundial de poder), que possibilitará a aliança deste bloco com dois grandes segmentos: Índia – Brasil – África do Sul (IBAS) e com a Cúpula dos Países Árabes. Essa é uma iniciativa que pode, de forma útil, complementar os 6 Fábricas de celulose.

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movimentos políticos em direção à América Andina, o que será uma articulação política muito mais árdua do que parece à primeira vista, pois terá de enfrentar a forte resistência dos EUA.

Projeção das Transações Comerciais até 2000

Projeção das Transações Comerciais até 2010

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Assim, a despeito de dificuldades, há uma especial oportunidade estratégica, pois o MERCOSUL (impulso platense) é o ponto de partida da geopolítica para atuar na frente sul-sul (centro mundial de poder), que possibilitará a aliança deste bloco com dois grandes segmentos: Índia – Brasil – África do Sul (IBAS) e com a Cúpula dos Países Árabes. Essa é uma iniciativa que pode, de forma útil, complementar os movimentos políticos em direção à América Andina, o que será uma articulação política muito mais árdua do que parece à primeira vista, pois terá de enfrentar a forte resistência dos EUA.

Somente com investimentos em C,T&I será possível a concepção de um novo paradigma de desenvolvimento para a Amazônia. Tal base constituirá condição fundamental para a implantação de um novo modelo de desenvolvimento que valorize a floresta e seus produtos, dando a esta valor econômico que justifique a sua exploração sustentável, e não permitindo, portanto, a sua destruição.

ALGuMAS POLítICAS E EStRAtéGIAS QuE PODERãO COntRIBuIR PARA A INTEGRAçãO

Conscientização da opinião pública, divulgando e valorizando as ações da CAN, da OTCA, do MERCOSUL e da UNASUL, de forma a demonstrar a importância da integração sul-americana e da IIRSA;

Intensificação da fiscalização da região Amazônica, ampliando mecanismos para o combate ao garimpo predatório e à biopirataria, preservando a biodiversidade; controlando, em melhores condições, a presença de estrangeiros e a ação de ONG’S; e combatendo os ilícitos transfronteiriços;

Investimento e incentivo de C, T& I na Amazônia, criando novas universidades públicas na região, motivando cada país membro da OTCA a criar pelo menos uma universidade, de preferência, nas capitais; estabelecimento de, no mínimo, três Institutos científico-tecnológicos voltados para pesquisas aplicadas, com prioridade nas seguintes áreas: a) recursos florestais e da biodiversidade; b) recursos aquáticos e c) recursos minerais; aumentando a comunicação entre os países, intensificando o intercâmbio intra-regional e desenvolvendo linhas de pesquisa comuns que aproveitem as capacidades instaladas na Amazônia, pois serão meios para potencializar os trabalhos realizados em âmbitos regionais e apoiarão políticas que respondam às necessidades da população;

Intensificação da presença do Brasil junto aos países sul-americanos;Fortalecimento do MERCOSUL, tornando os países associados em membros

plenos; acabando com as assimetrias no bloco; Instituição de uma moeda sul-americana; eCriação do Conselho Sul-Americano de Defesa, com um Centro de Estudos

de Segurança e Defesa da América do Sul voltado para a formulação de Políticas e Estratégias de Segurança e Defesa conjuntas; um Centro de Estudos Estratégicos Sul-Americano; e incentivando a indústria de defesa nos países.

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cONclUSãO

O continente sul-americano dispõe de riquezas naturais e de espaço que podem garantir-lhe condições de pleno e contínuo desenvolvimento. Apesar desse grande potencial, a região tem sido considerada como parte da periferia mundial, não despertando o interesse das principais correntes geopolíticas mundiais.

A Frente Sul-Sul consolidada possibilitará o fortalecimento do IBAS, uma parceria estratégica com os Países Árabes, com a China e com o Sudeste Asiático, além do incremento da reunião de cúpula dos BRIC.

A América do Sul está frente ao desafio que definirá seu papel no século XXI: retomar o crescimento econômico com ampla participação social, para construir as bases de um desenvolvimento sustentável que gere bem-estar social, reduza os níveis de pobreza e desigualdade em todos os países da região e aumente sua relevância na economia mundial.

Dessa maneira, o continente deve aproveitar o cenário da Teoria da Turbulência para sair da estagnação e consolidar a Teoria do Quaterno.

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Edson Henrique Ramires

Amazônia legal, como Mantê-la Brasileira:Proposta para Preservar a Soberania na Região

Edson Henrique RamiresCoronel da Arma de Cavalaria do Exército Brasileiro, Estagiário do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra de 2008.

Resumo

Este trabalho tem como finalidade chamar a atenção da importância da Amazônia para o mundo e para a necessidade do interesse da sociedade brasileira no seu desenvolvimento, uma vez que, há muito tempo, as grandes potências mundiais têm voltado suas atenções para as potenciais riquezas minerais e vegetais da Amazônia. Este artigo discorre, inicialmente, sobre a fisiografia da região, as diversas tentativas de desenvolvimento e a organização do espaço político da Amazônia brasileira, os aspectos relativos à soberania sobre o território, abordando teorias geopolíticas existentes e os diplomas nacionais legais que regulam o assunto em relação à Amazônia. A seguir, são apresentados os óbices e as ameaças à soberania sobre a Amazônia Legal. Finalmente, são apresentadas algumas propostas do autor de ações políticas e estratégicas a serem adotadas pela sociedade brasileira para superar os óbices existentes na Amazônia e promover o desenvolvimento sustentável da região. Chega-se, por fim, à conclusão que a nação brasileira, por intermédio de suas elites, deve conscientizar-se acerca dos problemas que ameaçam a região amazônica, em boa medida fruto da ambição internacional. Para que o país exerça a plena soberania e promova o desenvolvimento da Amazônia Legal é necessário que o elemento fundamental seja a vontade nacional, com a significativa participação conjunta do Estado e da sociedade civil brasileira.

Palavras-Chave: Amazônia. Riqueza. Desenvolvimento Sustentável. Soberania.

Abstract

This paper aims to draw attention to the importance of the Amazon to the world and the need for adequate attention of the Brazilian society for its development. Due to its untapped resources, the major world powers have turned their attention to the potential wealth derivable from the minerals and vegetation of the Amazon. This work commenced with a treatise on the geography of the region, the various attempts at development and organization of political activities in the Brazilian Amazon relating to sovereignty over the territory. It also addressed existing geo-political theories and national legal instruments governing the Amazon. Finally, the author propose political and strategic actions to be adopted by Brazilian society to overcome the obstacles

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Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservar a Soberania na Região

existing in the Amazon region and promote sustainable development in the region. It is concluded that the Brazilian nation through its elite, should create awareness about the problems that threaten the Amazon region. Further more, in order to contain foreign ambitions the country needs to exercise full sovereignty and promote the development of the Amazon and this has to be a broad based national action with the active participation of the State and the civil society.

Keywords: Amazon. Wealth. Society. Sustainable Development. Sovereignty

INTRODUçãO

O Brasil teve a quase totalidade de sua conformação territorial definida ainda antes de tornar-se independente. As últimas pendências fronteiriças foram solucionadas no início do século XX, mediante a intermediação do Barão do Rio Branco, com a fixação da fronteira do Amapá com a Guiana Francesa; com a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, quando o Acre integrou-se ao Brasil; e com o Laudo de 1904, do rei Vitório Emanuel III, da Itália, sobre a disputa territorial entre o Brasil e a Inglaterra, na região da Guiana. Desde então, quando foi completada a formação fisiográfica brasileira, não houve oficialmente qualquer contestação à soberania brasileira sobre o seu território.

Grieco (1998, p.215) assinala que no século XX, principalmente com as duas guerras mundiais e, no plano econômico, com a Grande Depressão, a noção de soberania deixou de restrigir-se às interpretações limitativas jurídicas e políticas. E conclui: “A compatibilização do poder nacional, no novo cenário global, com as transformações internacionais, nos planos econômico e social, levantou controvérsias de interpretação do conceito à luz do direito positivo”.

Fruto dessa interpretação, nações estrangeiras têm demonstrado a cobiça pelos recursos existentes na Amazônia brasileira, caracterizando uma ameaça à soberania e à integridade territorial, tendo em vista tratar-se de interesses que, em futuro próximo, poderão ser vitais para as grandes potências.

A sociedade brasileira, a despeito de alertas veiculados na imprensa, jamais acreditou em uma incursão militar na região amazônica. Não se cogita, em princípio, tal tipo de investida. No entanto, a partir da década de 1980, notícias sobre pressões e possibilidade de interferência na Amazônia, por países desenvolvidos, vem ganhando maior notoriedade e volume.

Aqueles que propugnam pelo internacionalismo concentram sua ação, principalmente, nas Organizações Não Governamentais (ONG), as quais são associações civis, internacionais ou nacionais, que alegam fins humanitários ou científicos tais como: direitos humanos, desigualdades sociais, defesa do meio ambiente, preservação de comunidades indígenas e paz social, entre outros.

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Edson Henrique Ramires

O presente trabalho tratará acerca da soberania brasileira sobre a Amazônia Legal, discorrendo, inicialmente, sobre a fisiografia da região, as diversas tentativas de desenvolvimento e a organização do espaço político da Amazônia brasileira, os aspectos relativos à soberania sobre o território, abordando teorias geopolíticas existentes e os diplomas nacionais legais que regulam o assunto em relação à Ama-zônia. A seguir, são apresentados os óbices e as ameaças à soberania sobre a Ama-zônia Legal. Finalmente, são apresentadas algumas propostas do autor de ações políticas e estratégicas a serem adotadas pela sociedade brasileira para superar os óbices existentes na Amazônia e promover o desenvolvimento sustentável da re-gião.

A AMAzôNIA lEGAl

Localizada ao norte da América do Sul, a Amazônia ocupa uma área total de mais de 6,5 milhões de quilômetros quadrados, integrando-se ao território de nove países, a saber: Brasil, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Suriname, Guiana e Guiana Francesa. Cerca de 85% desta região pertence ao território brasileiro, onde ocupa 5.200 quilômetros quadrados, aproximadamente 60% da área do país. Sua população, entretanto, corresponde a menos de 10% do total de habitantes do Brasil (aproximadamente 190 milhões de pessoas).

A Amazônia Legal, em termos administrativos brasileiros, é composta dos seguintes estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, além de parte dos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. É um dos últimos espaços inexplorados do planeta, com terras propícias à ocupação, significando também a possibilidade de um crescimento entre 60 a 80% do potencial agrícola existente no país. Ao mesmo tempo, possui um potencial econômico em minerais, madeiras, flora, agropecuária, biodiversidade e matérias-primas farmacêuticas.

Estes dados dão uma idéia da necessidade urgente de ocupação da Amazônia, com um povoamento planejado e no menor prazo possível. Do contrário, mantendo-se o atual vazio demográfico, o país permitirá que continuem as insinuações de que não tem condições de conduzir os destinos dessa parte do território nacional, possibilitando o surgimento das teorias de soberania compartilhada e de internacionalização da região, conforme se verá a seguir.

O lEGADO PORTUGUêS

A ocupação portuguesa da região amazônica não permitiu que franceses, ingleses, holandeses e espanhóis ocupassem essas terras ultramarinas portuguesas no período colonial. Graças à ação portuguesa, protegendo a cobiçada foz do Amazonas, expulsando esses aventureiros que se atreveram rio acima e levando os marcos da expansão lusa até as proximidades das nascentes andinas do grande

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Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservar a Soberania na Região

rio e de seus principais afluentes da margem norte, foi possível aos demarcadores da fronteira estabelecida pelo Tratado de Madri (1750) – que, também, assentou o princípio do “uti possidetis” – configurar a ocupação portuguesa e delinear a fronteira da Amazônia brasileira.

A estratégia geopolítica utilizada por Portugal era a de ocupação dos espaços amazônicos e a articulação do espaço brasileiro, a qual foi complementada com a instalação, no rio Madeira, de um entreposto que assegurava a ligação da região amazônica com Cuiabá, ponto extremo do sistema de comunicação com o sudeste e o sul, possibilitando a intercomunicação das três grandes bacias hidrográficas setentrionais – amazônica, platina e do São Francisco.

Dessa forma, a região amazônica foi legada ao Brasil independente com sua conformação bem definida, facilitando a ação do Estado para o seu desenvolvimento o que, no entanto, não foi devidamente aproveitado, a despeito das diversas tentativas governamentais ao longo principalmente do período republicano.

POLítICAS DE DESEnVOLVIMEntO PARA A AMAzônIA

A intenção governamental republicana inicial foi suplantada pela imensidão dos problemas regionais amazônicos e pela incapacidade do Estado em suplantá-los e os resultados alcançados foram aquém do previsto. Apesar disso, até 1966 foram obtidos os seguintes avanços: implantação dos sistemas termoelétricos de Belém e Manaus, a abertura da estrada Belém-Brasília e uma estrada carroçável entre Cuiabá e Porto Velho, marcando os primeiros contatos terrestres da região amazônica com o centro e sul do país.

A partir de 1966, os governos militares implementaram a projeção da política amazônica, reformularam a estratégia para o desenvolvimento amazônico e rees-truturaram os órgãos com responsabilidade na sua consecução. A Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), criada em 1953, foi transformada na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), aumentando seu poder de coordenação; o Banco de Crédito da Amazônia recebeu a denominação de Banco da Amazônia; foi criada a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA). Foram abertas diversas rodovias, com o apoio dos batalhões de enge-nharia de construção do Exército, dentre elas a Cuiabá – Porto Velho – Rio Branco – Cruzeiro do Sul (BR-364), a Manaus – Caracaraí – Boa Vista (BR-174) e a Cuiabá – Santarém (BR-163), além das duas grandes transversais integrantes do Plano de Viação Nacional: a Transamazônica (BR-230), esta com 2.300 Km de extensão e a mais importante obra rodoviária de integração da região ao restante do país e a Perimetral Norte – Macapá – Caracaraí – Içana – Mitu (BR-210), com 2.450 Km.

No âmbito militar, foi mudado o Comando Militar da Amazônia, de Belém para Manaus, e extinto o antigo Grupamento de Elementos de Fronteira (GEF), o que auxiliou no esforço de cooperação para o desenvolvimento da Amazônia, par-

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Edson Henrique Ramires

ticularmente pela participação dos batalhões de engenharia de construção e pela implantação das comunidades militares, colaborando para a fixação do homem nas regiões de fronteira.

O Programa de Integração Nacional (PIN), que concebeu a ocupação do terri-tório amazônico, especialmente pela construção da BR-230, da BR-364 e da BR-163, estabeleceu um plano de colonização ao longo dessas rodovias pela construção de agrovilas com a infra-estrutura necessária para a fixação dos habitantes. Novamen-te houve o fracasso do intento, desta vez pela falta de recursos em conseqüência da crise do petróleo de 1973. Igual destino teve o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia que ficou conhecido como Polamazônia e foi uma tenta-tiva de retomada do PIN, ocorrida em 1975.

Apesar desses insucessos, alguns benefícios foram conseguidos e houve um crescimento tanto da população da região quanto da infra-estrutura regional como, por exemplo, com a implantação dos sensores remotos pelo Projeto RADAM (Ra-dares da Amazônia) e com o Projeto Lansat e Ertz (levantamento por satélite) para a coleta de dados das riquezas minerais; a instalação, no Pará, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, pela Universidade do Pará e da Escola de Ciências Agrárias; o início da construção da hidrelétrica de Tucuruí; a instalação do sistema telefônico regional; o Projeto Rondon, levando para a área amazônica equipes de professores e estudantes de todas as regiões do país para um intercâmbio cultural com a região, entre tantas outras iniciativas positivas para a Amazônia.

A fim de melhor promover o desenvolvimento e preservar a soberania nacio-nal, os países amazônicos, por iniciativa do governo brasileiro, lançaram, em 1978, o Tratado de Cooperação Econômico-Social, hoje denominado de Organização do Tratado Inter-Regional de Cooperação Amazônica (OTCA), conhecido como “Pacto Amazônico”.

Em seguida, o Brasil passou a estudar um projeto especial para a Amazônia brasileira, o qual foi implantado na região ao Norte das calhas dos rios Amazonas e Solimões, daí o nome do programa, iniciado em 1985, ter ficado conhecido como Projeto Calha Norte (PCN). A defesa e o desenvolvimento sustentável da Amazônia são os objetivos prioritários do PCN, com as seguintes ações: aumento da presença brasileira na área; ampliação das relações bilaterais com os países vizinhos; expansão da infra-estrutura viária para complementar o transporte fluvial, o mais importante fator de integração regional; fortalecimento da ação dos órgãos governamentais; intensificação da demarcação de fronteiras; e assistência e proteção às populações indígenas, ribeirinhas e extrativistas.

O Projeto possui várias vertentes, não sendo, como foi difundido, exclusivamente militar, apesar dos seus recursos serem alocados para projetos militares. A área abrangida pelo PCN carece de um trabalho sinérgico e de coordenação entre os ministérios e demais órgãos governamentais. A situação de falta de assistência nessa ampla região foi minimizada pelo Exército ao transferir

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Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservar a Soberania na Região

três Brigadas de Infantaria – de Santo Ângelo/ RS, Petrópolis e Niterói/ RJ, para Tefé/ AM, Boa Vista/ RR e São Gabriel da Cachoeira/ AM, respectivamente – que por sua vez desdobraram novos Pelotões de Fronteira e outras Organizações Militares, como vários Tiros de Guerra, para ocuparem fisicamente as fronteiras com os países amazônicos vizinhos do Brasil.

O Exército, melhor articulado na região amazônica, com seus Pelotões de Fronteira, colocou à disposição um pavilhão, denominado de “pavilhão de terceiros”, para recepcionar órgãos governamentais com responsabilidade no Projeto (INCRA, FUNAI, FUNASA, IBAMA, PF, EMBRAPA, Receita Federal etc). No entanto, tais pavilhões estão, em sua maioria, ociosos.

O governo modificou, radicalmente, as metas traçadas para o PCN, criando, em 1991, a Reserva Indígena “Ianomami”, de dimensões exageradas e com conseqüências previsíveis para a soberania nacional. Esta ameaça foi reforçada com a criação de mais uma dessas reservas, denominada “Raposa Serra do Sol”, igualmente localizada na extremidade norte de Roraima e, a exemplo da Reserva Ianomâmi, rica em minerais estratégicos, podendo, ambas, transformarem-se em “nações indígenas”, de acordo com a Declaração dos Direitos do Povos Indígenas elaborada pela ONU em 2007, da qual o Brasil foi signatário.

Em 1999, o PCN, subordinado ao Ministério da Defesa, situação em que se encontra até hoje, foi revigorado, tendo sido firmado um convênio com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Instituto Superior de Administração Econômica (ISAE) para o estudo sistêmico de sua área de atuação. O Projeto, entretanto, não prosseguiu com o desempenho desejado, ressalvando-se o esforço empreendido pelas Forças Armadas para o cumprimento de sua parte no programa. As atribuições militares foram estendidas para áreas de competência de outros órgão do PCN, tendo-lhes sido atribuído, inclusive, o necessário poder de polícia, por meio da Lei Complementar 117/2004, para atuação na região de fronteira.

Os problemas amazônicos não devem ser vistos somente pelo viés de questões ambientais, indígenas, etc. É necessário que sejam considerados, também, sob o enfoque militar, de defesa e guarda da ambicionada região. O Programa Calha Norte tem como objetivo principal contribuir para a manutenção da soberania na Amazônia e a promoção do seu desenvolvimento ordenado. Cabe à sociedade brasileira exigir que as instituições nacionais nele envolvidas cumpram a sua parte.

Atualmente, como parte integrante da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, o Plano Amazônia Sustentável (PAS) destaca-se como iniciativa para propor estratégias e linhas de ação que unem a busca do desenvolvimento econômico e social com o respeito ao meio ambiente. Trata-se de uma iniciativa do Governo Federal em parceria com os estados da região amazônica, coordenada pelo Ministério da Integração em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Casa Civil e Secretaria Geral da Presidência da República.

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O PAS constitui um conjunto de estratégias e orientações para as políticas dos Governos Federal, estaduais e municipais. Reúne sob uma mesma orientação muitas das ações inovadoras empreendidas em programas já existentes, fomentando sinergias. Além disso, pretende sinalizar caminhos para o desenvolvimento da Amazônia aos setores produtivos e à sociedade. Ao considerar a bacia amazônica e o bioma florestal como referências, vai mais além, situando a Amazônia brasileira em sua importância estratégica para a integração continental. Peca, no entanto, pelo elevado número de órgãos envolvidos e com funções não bem definidas e/ou coincidentes, o que remete aos planos anteriores que não obtiveram sucesso na tentativa de levar o desenvolvimento à região amazônica.

O histórico da região amazônica demonstra que não há falta de preocupação do estado com o desenvolvimento regional. Diversas tentativas foram levadas a efeito com algum sucesso, mas os desafios são comparáveis à dimensão territorial da Amazônia Legal e somente uma ação coordenada, com controle centralizado tanto dos empreendimentos quanto dos recursos alocados parece ser viável para um resultado mais consistente.

OS SIStEMAS DE PROtEçãO E VIGILânCIA

Os projetos do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), foram criados para proteger a região e garantir a soberania do País sobre a Amazônia brasileira.

Pela sua concepção sistêmica, o SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia - é um dos mais sofisticados Projetos Ambientais já concebidos em todo o mundo, a melhor forma de contribuir com a proteção da Amazônia Brasileira e a garantia de nossa soberania sobre essa região. Para a existência desse Projeto, foi necessária uma coordenação multidisciplinar, envolvendo inúmeros ministérios e instituições públicas e privadas. Para executar essa coordenação, foi criado o SIPAM – Sistema de Proteção da Amazônia.

O CINDACTA IV (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo IV), instalado em Manaus, absorveu as tarefas do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), ativado desde 2002, em uma área de 5,5 milhões de km2, que cobre toda a Amazônia Sul-Americana. Trata-se do mais sofisticado aparato de monitoramento do mundo, de detecção e alarme aéreo por antecipação, sendo também utilizado, em parceria, por países vizinhos. As missões do CINDACTA IV são as de defesa aérea, controle de tráfego aéreo, monitoramento de navegação fluvial, observações ambientais por sensoriamento remoto, etc, para o que dispõe de uma densa e complexa rede integrada por três Centros de Vigilância Regionais (CVR), por satélites, radares fixos e móveis, estações meteorológicas e de monitoramento ambiental, equipamentos avançados de telecomunicações, aeronaves de ataque e de características especiais, além de pessoal altamente qualificado. O Sistema de

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Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservar a Soberania na Região

Proteção da Amazônia (SIPAM), do qual o SIVAM é parte integrante, foi criado para a coleta e integração de informações relativas ao meio ambiente, à climatologia, e outras, com vistas a ações globais do Governo.

AS tEntAtIVAS DE REARtICuLAçãO DO ESPAçO POLítICO AMAzônICO

A extensão territorial da Amazônia e a história da região, desde o seu descobrimento, passando pelo período colonial, pelo Império e, finalmente, a sua vivência republicana, apresenta à sociedade brasileira a necessidade de uma melhor organização do seu espaço político e administrativo. Suas dimensões, como já citado, comportam uma série de outros países no seu espaço territorial. É extremamente difícil, ainda mais em um país com as carências do Brasil, administrar uma área como a amazônica, considerando-se sua atual organização política.

Ao longo da história brasileira surgiram diversos projetos de rearticulação do território amazonense, prova de que a sociedade reconhece a necessidade de se modificar esse espaço para sua melhor administração.

O rompimento da inércia republicana, com a tomada de posição do governo federal acerca do território nacional proporcionou o surgimento de novos estudos para uma nova divisão territorial. Entre esses, destacam-se o Projeto Teixeira Freitas, de 1948, o Projeto Antônio Teixeira Guerra, de 1960, o Projeto do Deputado Siqueira Campos, de 1974, o Projeto Frederico Augusto Rondon e, finalmente os dois Projetos de Samuel Benchimol, de 1966 e 1977.

Todos esses projetos possuíam dois traços comuns: baseavam a divisão territorial no critério da integridade das bacias hidrográficas e propunham, entre

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outros, os seguintes Territórios Federais: Trombetas, Rio Negro, Solimões, Madeira, Tapajós, Xingu, Araguaia e Tocantins. Divergiam no que se refere a outros territórios e linhas entre os mesmos e os Estados.

As constituições federais têm mantido a possibilidade da rearticulação territorial para buscar uma melhor estrutura político-administrativa para o país. A sociedade nacional reconhece a necessidade de diminuir o espaço territorial amazônico a fim de adequar o seu gerenciamento. No entanto, a ação política regional pressiona em sentido contrário. É essencial que se esclareça essa necessidade ao país como um todo e que a sociedade exija dos seus representantes políticos as ações indispensáveis para a manutenção soberana desse rico território que, se adequadamente administrado e explorado, proporcionará não só o desenvolvimento regional, mas a possibilidade de que o Brasil se utilize desse potencial que poderá auxiliar a que a nação adquira a representatividade mundial que a sociedade almeja.

ASPECtOS RELAtIVOS à SOBERAnIA SOBRE O tERRItóRIO

Soberania é a manutenção da intangibilidade da Nação, assegurada a ca-pacidade de autodeterminação e de convivência com as demais nações em ter-mos de igualdade de direitos, não aceitando qualquer forma de intervenção em seus assuntos, nem participação em atos dessa natureza em relação a outras nações1.

O artigo 1o da Constituição Federal de 1988 (CF/88) estatui que a Repúbli-ca Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí-pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana como seus principais fundamentos.

Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelecidos no artigo 3o da CF/88 são os seguintes: construir uma sociedade livre, justa e soli-dária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discri-minação.

Os princípios que regem as relações internacionais do Brasil são, entre outros: a independência nacional; a prevalência dos direitos humanos; a au-todeterminação dos povos; a não intervenção; a igualdade entre os estados; a defesa da paz; a solução pacífica dos conflitos; o repúdio ao terrorismo e ao racismo; e buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.1 ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA: Manual Básico, Vol 1 - Elementos Fundamentais: Rio de Janeiro: ESG, 2008

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Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservar a Soberania na Região

A organização político-administrativa brasileira compreende a União, os Es-tados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos da CF/88. Os territórios federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas por lei complementar. Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais mediante aprovação da população, diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacio-nal, por lei complementar.

Ainda no respeitante à organização do Estado, a CF/88 prevê, no artigo 20, que são bens da União, entre outros: as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares; das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; e as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. O parágrafo II, do mesmo artigo, estabelece a faixa de até 150 quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designado como faixa de fronteira, é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

Compete privativamente à União legislar sobre, entre outros assuntos: nacionalidade, cidadania e naturalização; populações indígenas; emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros; defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional;

Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União.

É da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio; zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; e aprovar previamente a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.

Compete ao Conselho de Defesa Nacional propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições especificas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é proporcionada competência comum em proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e

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à ciência; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; preservar as florestas, a fauna e a flora; combater as causas da pobreza e os fatores da marginalização; promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; entre outras competências. Especificamente em relação ao meio ambiente, a Constituição estabelece que a Floresta Amazônica brasileira é patrimônio nacional e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Aos índios, é dedicado o Capítulo VII do Título da Ordem Social, onde são reconhecidos sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições; e os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ou por eles habitadas em caráter permanente as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei. Essas terras são inalienáveis e indispensáveis, e os direitos sobre elas imprescritíveis.

O mundo atualmente passa por um fenômeno conhecido como globalização; todavia, não se pode negar que a globalização é o traço mais relevante dos contornos assumidos pela atual estrutura internacional. Diante desta nova realidade, observa-se que, tem havido uma pretensa maior cooperação intergovernamental, e, como consequência, tem o conceito de soberania sofrido reformulação, sob o pretexto de que os Estados não são auto-suficientes, ou seja, não operam individualmente nas relações internacionais, mas, sim, interdependentemente. A comunidade mundial tenta encontrar soluções que conciliem o conceito de soberania com as necessidades de cooperação e integração entre os Estados Modernos. Assim, surgiu o conceito de soberania compartilhada ou de supranacionalidade, um instituto novo que coloca em dúvida o já consagrado conceito de soberania nacional.

Pesa, ainda, sobre a soberania, o denominado Direito de Ingerência, que se baseia em pretensos argumentos do tipo “defesa dos direitos humanos e das minorias”, “preservação do meio-ambiente” e “manutenção da ordem e da paz”. Estes, são princípios que podem levar à intervenção unilateral de uma potência hegemônica em qualquer parte do globo, levando a ameaça de sua presença à uma ou outra região, inclusive ao Brasil.

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Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservar a Soberania na Região

TEORIAS GEOPOlíTIcAS

No mundo globalizado as sociedades recebem uma intensa gama de informações e têm dificuldade em selecioná-las e analisá-las convenientemente. Assim acontece com as notícias sobre a Amazônia e sua funcionalidade para o Brasil e o mundo. Nesse contexto, surgem teorias geopolíticas, autoridades internacionais e organizações de diversos matizes que lançam na aldeia global novas interpretações sobre a soberania brasileira na Amazônia, contrapondo-se ao instituído na Constituição Federal do Brasil e aos já estabelecidos preceitos dos consagrados organismos internacionais que regulam o assunto.

É senso comum que a geopolítica não existe para mudar o destino dos estados e nações, mas a transcrição a seguir das teorias e manifestações acima citadas permitem avaliar como elas podem e muitas vezes são utilizadas pelos estados dominantes para justificar suas ações sobre territórios nos quais tenham interesses políticos econômicos.

Uma das teorias geopolíticas que pode embasar o aspecto de oposição a que o Brasil possa buscar o seu desenvolvimento a partir da região amazônica onde estão as maiores riquezas do país, tais como recursos minerais, gás, biodiversidade e água, entre outros, está consubstanciada na afirmação de Rufin2, ou seja, os países desenvolvidos ao sugerirem a preservação da floresta amazônica, a demarcação de terras indígenas, com o confinamento dos índios às aldeias primitivas, a preservação de espécies animais, utilizam argumentos sensíveis à sociedade mundial e mesmo a nacional brasileira. No entanto, tais países, exploraram ou continuam explorando os recursos de seus próprios territórios e os de terceiros de maneira tão predatória quanto a daqueles que são objeto de suas críticas, tendo em vista que o propósito real de suas admoestações não é o ecológico e preservacionista, mas o de manter essas nações como eternas exportadoras de matérias-primas.

De acordo com Toynbee, citado por Mafra (2006 p.122): “Após uma etapa de crescimento, algumas sociedades humanas entraram

em colapso, pela perda do poder criador das minorias dirigentes (elites – N. A.) que, à mingua de vitalidade, perdem a força mágica de influir sobre as massas não criadoras e de atraí-las.” Neste aspecto, o autor mostra a importância que têm as elites na condução dos destinos de uma nação, sua capacidade de influenciar os diferentes segmentos da sociedade a perseguir os anseios e aspirações coletivas que essas elites identificam e interpretam.

No caso brasileiro, tais elites, interpretando essas necessidades da nação, constantes da Carta Magna do país, ao defrontarem-se com teorias geopolíticas contrárias aos interesses nacionais, bem como com declarações de autoridades que os afrontem, devem posicionar-se e incentivar o povo a defender seus objetivos, 2 Rufin (1996, p.25, grifo autor) avalia que [...] ao “Império” não interessa o desenvolvimento dos “bárbaros”,

mas somente a manutenção fora das “fronteiras” e o aproveitamento de seus recursos naturais.

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sendo tais elites responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso no atingimento ou não dessa responsabilidade nacional.

Outros posicionamentos geopolíticos poderiam ser citados para corroborar a proposta alinhavada neste trabalho de como a geopolítica pode ser utilizada para explicar posicionamentos, para o bem ou para o mal dos territórios sobre os quais se a utiliza.

O apelo humanitário propalado pelos países desenvolvidos tem, ultimamente, chamado a atenção do mundo e dominado os noticiários da mídia internacional, focando os chamados “interesses coletivos da humanidade”, centrados na proteção aos direitos humanos; preservação do meio ambiente; combate ao crime organizado; proteção de comunidades indígenas; e, especialmente, no aspecto relativo à fome e à escassez de alimentos em diversas partes do planeta, em face do esgotamento de muitos dos tradicionais centros produtores pelo avanço de outras culturas não destinadas à produção de alimentos. Esse apelo midiático não condiz com o procedimento incoerente dado por esses mesmos países a tais assuntos, pois exterminaram suas florestas, são os maiores agressores do meio ambiente e protegem excessivamente sua produção agropecuária, tornando-se responsáveis pela escassez e pelo elevado preço dos alimentos.

O real objetivo da cobiça internacional é o rico patrimônio representado pela Amazônia brasileira em termos de espaço florestal, da biodiversidade e do maior banco genético do planeta.

Não é difícil que, juntando esses fatores todos, surja uma nova teoria geopolítica que, a pretexto de salvar o mundo da fome, do aquecimento global, da falta de água, da falta de espaço físico, etc, tente justificar uma internacionalização da Amazônia e de outros espaços semelhantes do mundo – os espaços internacionais – nos quais as nações desenvolvidas, empregando o poder militar e/ou o poder econômico, utilizando ou não os organismos supranacionais, encarregar-se-iam de administrar.

A sociedade brasileira precisa ser esclarecida e compreender claramente esta ameaça, sob pena de, aceitando inocentemente ou cordialmente, para utilizar uma expressão de Gilberto Freire, poderá criar condições objetivas para a ingerência internacional, no sentido de impor uma soberania compartilhada na região.

O Brasil precisa conhecer o grave risco que assume caso não adote medidas urgentes para povoar, desenvolver, integrar, defender e preservar a Amazônia.

A Nação precisa demonstrar, no dizer de Toynbee, que é capaz de superar os desafios em seu processo de afirmação perante o mundo, que tem capacidade para, com seu esforço próprio, solucionar os problemas relativos à correta gestão do meio ambiente, ao controle das ONG existentes na área amazônica, ao combate aos delitos transnacionais, ao tratamento adequado à questão indígena, à efetiva presença do Estado e à ordenada ocupação demográfica, entre outros, que se antepõem ao progresso da região amazônica de forma sustentável, integrando-a no processo de desenvolvimento do país como um todo.

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Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservar a Soberania na Região

óBICES E AMEAçAS à SOBERAnIA SOBRE A AMAzônIA LEGAL

O Brasil é um país em desenvolvimento que vem, nos últimos anos, conseguindo progressos na busca do atendimento das necessidades básicas do seu povo e na inserção global, após o fim da bipolaridade e o início de uma nova ordem mundial, baseada na globalização, com a existência de uma potência hegemônica e diversas nações desenvolvidas que detêm os maiores níveis de poder em todos os domínios das relações internacionais, as quais na busca da manutenção de seu “status” não têm interesse em que outros países atinjam maiores índices de desenvolvimento e, por vezes, criam obstáculos para que isso aconteça.

Nesse quadro internacional, de desequilíbrio de poderes e, particularmente no plano regional, não se observa um cenário de conflitos militares de natureza interestatal. No entretanto, óbices no âmbito externo e interno devem ser superados, a fim de que não se transformem em ameaças à soberania brasileira na região amazônica. A seguir serão enumerados os principais desses óbices.

A idéia de internacionalização da Amazônia surgiu inicialmente, em abril de 1948, quando a UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), pelo Acordo de Iquitos tentou criar o chamado IIHA (Instituto Internacional da Hiléia Amazônica), destinado a orientar e apoiar a execução de pesquisas científicas na região e centralizar e difundir os resultados. Este tratado foi assinado inicialmente pelos países da região (Brasil, Peru, Equador, Colômbia, Bolívia e Venezuela) e alguns países europeus, a saber: França, Itália e Países Baixos. Somente depois de muita discussão o Congresso Nacional, seguindo parecer do Estado-Maior das Forças Armadas recusou a criação do IIHA e propôs a criação do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), com objetivos semelhantes e que foi implantado em 1952.

Vale aqui destacar, pronunciamentos de autoridades mundiais direcionados para a região amazônica com o propósito de internacionalizá-la citados por Paiva33.

“Em 1850, o Comandante Matthew Maury, Chefe do Observatório Naval de Washington (EUA), defendia a livre navegação internacional no Rio Amazonas, considerando que o rio deveria ser incorporado ao status do Direito Marítimo.

Em 1902, em Berlim (Alemanha), o Chanceler alemão – Barão Oswald Richtöfen – propunha que “seria conveniente que o Brasil não privasse o mundo das riquezas naturais da Amazônia”.

Em 1989, Al Gore, ex Vice-Presidente dos Estados Unidos da América (EUA) disse: “Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”.

O Presidente da França, François Mitterrand declarou: “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”.

Em 1990, em um Congresso de Ecologistas Alemães, foi acordado que “a 3 3 PAIVA, Luiz Eduardo Rocha: Amazônia: Vulnerabilidade – Cobiça – Ameaça. Revista PADECEME Nº 12 – 2º

Quadrimestre de 2006. Rio de Janeiro: ECEME, 2006.

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Amazônia deve ser intocável, pois se constitui num banco de reservas florestais da humanidade”.

Em 1992, o Conselho Mundial de Igrejas Cristãs expressou, nas diretrizes para seus missionários na Amazônia, que: “A Amazônia total, cuja maior área fica no Brasil, mas que também compreende os territórios da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, é considerada por nós como um patrimônio da humanidade. A posse dessa imensa riqueza pelos países mencionados é meramente circunstancial.”

Em 1992, o ex Primeiro Ministro da Inglaterra, John Major, declarou que: “As nações desenvolvidas devem estender o domínio da lei ao que é comum a todos no mundo”.

As campanhas ecologistas internacionais sobre a região amazônica estão deixando a fase propagandística para dar início a uma fase operativa, que pode, definitivamente, ensejar intervenções militares diretas sobre a região”.

1992 foi o ano da ECO-92 – convenção internacional sobre o meio ambiente, no Rio de Janeiro –, quando estabeleceu-se a Reserva Indígena Yanomâmi, desencadeando o processo de criação de grande parte das Terras Indígenas (TI) que, atualmente somam cerca de 12% do Território Nacional.

Em 1998, Patrick Hugles, Chefe do Órgão Central de Informações das FA dos Estados Unidos disse: “caso o Brasil resolva fazer um uso da Amazônia que ponha em risco o meio ambiente nos EUA, temos de estar prontos para interromper esse processo imediatamente”.

Em 2005, Pascal Lamy, Diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, manifestou que: “A Amazônia e as outras florestas tropicais do planeta deveriam ser consideradas bens públicos mundiais e submetidas à gestão coletiva – ou seja, gestão da comunidade internacional”.

É uma extensa lista de autoridades, às quais se poderia acrescentar: Henry Kissinger, Margareth Thatcher e Gorbachov, que também manifestaram publicamente o mesmo pensamento.”

Além dessas declarações, são conhecidos os trabalhos de grupos internacionais, empresas, laboratórios, indústrias e Organizações Não Governamentais (ONG) de “fachada”, na Amazônia realizando pesquisas e explorando a região sem controle do Estado, retirando do Brasil e levando para o exterior recursos e conhecimentos ali existentes. A escassez, a médio prazo, dessas riquezas constituem-se em motivação suficientes para que se exerçam pressões internacionais, com o intuito de impedir que o Brasil explore seus recursos e mantenha-os intactos para a exploração por outros países no futuro.

Verifica-se ultimamente o avanço dissimulado das nações mundiais sobre a Amazônia brasileira. As notícias veiculadas sobre a presença de tropas extracontinentais (holandesas, britânicas e inglesas) nos países vizinhos do Brasil trazem preocupação ao meio militar que procura alertar a sociedade brasileira sobre os perigos que tal situação pode acarretar futuramente em face

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Amazônia Legal, Como Mantê-la Brasileira: Proposta para Preservar a Soberania na Região

da tentativa de questionar a soberania brasileira na Amazônia pelas potências estrangeiras.

Vale ressaltar que aumentou em cinco vezes o número de ONG internacionais no Estado de Roraima, fronteiriço às Guianas acima citadas. São ONG francesas, dos EUA, Inglaterra, Canadá e holandesas.

Na imprensa européia, há anos se vem cogitando abertamente a possibilidade futura em formar-se uma força de coalizão entre exércitos europeus, chefiada pelos EUA, com o intuito de “salvarem a Amazônia da destruição pelo Brasil”; ou “salvarem o território vasto que é patrimônio de toda a Humanidade”.

Haja vista os interesses em jogo, cabe ao país agir com cautela nesse campo, adotando medidas preventivas para que não seja surpreendido no futuro, quer no bom relacionamento com as demais nações, quer no devido cuidado de suas riquezas. Se tais ameaças não são evidentes, por que motivo o jornal The New York Times teria publicado, em 18 de maio de 2008, a reportagem intitulada “De quem é a Amazônia, afinal?”. No artigo o jornal americano afirma que a sugestão feita por líderes globais de que a Amazônia não é patrimônio exclusivo de nenhum país está causando preocupação no Brasil. A matéria, assinada pelo correspondente do jornal no Rio de Janeiro Alexei Barrionuevo, o jornal diz que “um coro de líderes internacionais está declarando mais abertamente a Amazônia como parte de um patrimônio muito maior do que apenas das nações que dividem o seu território”. “É uma briga que deve apenas se tornar mais complicada nos próximos anos, à luz de duas tendências conflituosas: uma demanda crescente por recursos energéticos e uma preocupação crescente com mudanças climáticas e poluição.”

Essa reportagem reforça o coro internacional que tem questionado a soberania do Brasil sobre a Amazônia. Barrionuevo dá seu recado logo no início, quando cita um comentário do então senador americano Al Gore em 1989 (depois ele foi vice do presidente Bill Clinton em duas gestões), igualmente transcrita neste trabalho: “Ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é propriedade deles, pertence a todos nós.”

Três dias antes de o The New York Times publicar seu artigo, o jornal inglês The Independent, noticiando o pedido de demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também manifestou-se sobre a Amazônia, registrando o seguinte: “Uma coisa está clara. Essa parte do Brasil (a Amazônia) é muito importante para ser deixada com os brasileiros.”

O que fica claro, diante das notícias de Nova York e Londres, é que a Amazônia corre grave ameaça. A ofensiva dos dois jornais não é gratuita e a sociedade brasileira precisa instar o governo a adotar uma decisão forte, que ecoe para todo o mundo, de forma inquestionável, a certeza de que a Amazônia é nossa.

Baseados na alegação da incapacidade do Brasil de preservar a natureza amazônica, inúmeras ONG européias e norte-americanas lutam para que se

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estabeleça para a Amazônia, o status de “território do interesse da Humanidade” e, como tal, que um organismo supranacional, com autoridade decisória passe a participar de sua administração. As ONG já envolveram a ONU, a UNESCO e entidades financeiras internacionais na tese de apoio á criação de uma entidade supranacional para preservar a floresta amazônica e, com este objetivo, estas aprovarem ou desaprovarem pedidos de empréstimo. Igualmente, mantêm e financiam várias agências na região que se apresentam como ambientalistas, antropológicas, naturalistas, indigenistas, pacifistas, de direitos humanos, etc.

Destacam-se entre as entidades de apoio as ONG atuantes na Amazônia: a inglesa “Survival International!” também conhecida como “Casa de Windsor”; a “European Working Group on Amazon (EWGA)”; o Conselho Mundial das Igrejas Cristãs, sediado na Suíça; e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Essas organizações internacionais, entre outras, irradiam no Brasil e em particular na Amazônia, uma série de ONG e agências que buscam criar na população local e nos indígenas uma conscientização da necessidade de internacionalizar a região.

As medidas a serem adotadas pelo Estado brasileiro, portanto, estão mais do que evidentes. E são urgentes. O melhor meio de enfrentar ameaças à soberania nacional é se fazer presente na região. Isso significa, em primeiro lugar, adotar uma política restritiva em relação às inúmeras ONG que atuam na Amazônia. Misturam-se ali raras organizações internacionais de mérito reconhecido em defesa da ecologia e dos direitos humanos com inúmeras entidades inidôneas e de finalidade incerta e não sabida. Na verdade, estão em busca do mapeamento das riquezas e da biodiversidade. Há que impedir essa invasão camuflada de objetivos ecológicos e humanitários. Cabe assinalar que 96% das reservas mundiais de nióbio encontram-se na Amazônia e a região também é objeto da biopirataria por parte de laboratórios que buscam patentes inéditas para seus medicamentos. O governo tem procurado se informar sobre os desvios de rota das ONG e está providenciando uma regulamentação mais rígida nas permissões de acesso à floresta. As autorizações passarão pelo controle dos órgãos da Defesa, a fim de identificar as ONG que realmente possuem objetivos ecológicos e humanitários.

As ONG têm assumido papéis ativos em temas sociais, ambientais e de di-reitos humanos. Desvencilhando-se agilmente da burocracia, algumas aproveitam fragilidades do Estado e ocupam espaço crescente na sociedade brasileira, como se fossem parte do aparato oficial.

Várias delas são prestigiadas, pois declaram estar a serviço de causas nobres: culturais, religiosas, comunitárias, ambientalistas, educacionais, de direitos huma-nos ou de defesa de minorias. Embora não se submetam à aprovação popular, pro-curam influenciar, cada vez mais, as decisões políticas, trazendo reflexos para todos os campos do poder nacional, inclusive o militar.

Entre as ONG nacionais mais presentes na Amazônia destacam-se o Conselho Indigenista de Roraima (CIR) controlado pela Comissão Pastoral da Terra; Associação

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dos Povos Indígenas de Roraima (APIR); Associação regional Indígena dos Rios Kinô, Cotongo e Monte Roraima (ARIKOM). A Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte do Estado de Roraima (SODIURR) defende a convivência pacifica e comunitária entre índios e não índios.

Duas teses se confrontam em torno da questão indígena – Integração versus Confinamento . A política tradicional brasileira é da integração à sociedade nacional, idealizada e realizada pelo maior indigenista do país, o Marechal Rondon.

As ONG internacionalistas escolheram para tema de sua penetração a questão indígena e, para área principal de operações, o território Norte do Estado de Roraima, contíguo às fronteiras com a Venezuela e República da Guiana. Escolheram uma região vulnerável, pela distância dos grandes centros, pelo seu despovoamento, pela sua contigüidade com um espaço trifronteiriço (Brasil-Venezuela-República da Guiana). A constância de sua ação, o apoio de ONG internacionais nas suas pressões ao governo brasileiro já lhes assegurou duas vitórias: a demarcação das reservas indígenas de Ianomâmi e a demarcação das reservas dos índios de Raposa Terra do Sol. A soma da superfície destas duas reservas esteriliza para a ocupação e economia cerca de 50% do território do Estado de Roraima.

A Assembléia Constituinte de 1988, pressionada pelas ONG, colocou na Constituição vigente conceitos de interpretação duvidosa sobre “terras tradicionais dos índios”; baseado em critério interpretativo duvidoso, o Executivo homologou, com decretos e portarias, as reivindicações sobre reservas indígenas totalizando 1/10 do território nacional, para uso privilegiado de cerca de 700 mil índios, entre tribais e semi-tribais, divididos em 215 etnias, com 180 línguas e dialetos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Outro aspecto que ameaça a soberania nacional é a crescente aquisição de terras por estrangeiros. A própria constituição vigente facilita a compra de terras por estrangeiros. Se um empresário estrangeiro detém 99% de uma empresa e coloca um brasileiro com apenas 1%, já é o suficiente para ter autorizada a venda de terras, constando como empresa brasileira, haja vista que os requisitos para a aquisição de terras são os seguintes: residir no Brasil, ter imóvel registrado no Cartório de registro de Imóveis e cadastrado no Sistema Nacional de Cadastro Rural, e, se o imóvel for em área de segurança nacional ter o consentimento prévio do Conselho Nacional de Defesa Nacional.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) estima que quase um terço das terras da Amazônia Legal está em situação irregular ou indefinida. Por outro lado, apenas 4% da área é composta por propriedades particulares devidamente regularizadas pelo Órgão. A destinação é incerta em 1,58 milhão de km², espaço equivalente à soma das áreas de cinco países: Alemanha, Espanha, França, Hungria e República Tcheca. Esse fato é um dos motivadores das atividades ilegais no tocante à extração de madeira e produção agropecuária, uma vez que estimula a impunidade. A questão fundiária é um dos piores problemas

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da Amazônia. Outro exemplo é a situação das áreas protegidas: entre unidades de conservação e terras indígenas, elas chegam a 41% da Amazônia Legal, ou 1,58 milhão de km², boa parte dependendo de regularização.

PROPOSTAS DE AçõES POlíTIcAS E ESTRATéGIcAS

Da análise de todos os aspectos apresentados é possível sugerir algumas ações políticas e estratégicas no sentido de assegurar ao Brasil a soberania sobre a Amazônia Legal, pela participação da sociedade no desenvolvimento da área, o que contribuirá para a eliminação de intenções e propostas de fora do país no intuito de contestar tal direito inalienável da nação. Tais ações serão apresentadas a seguir:

- Dividir a área sob o ponto de vista político, em um número maior de estados, territórios, ou ainda, zonas de administração, sob a coordenação de uma secretaria especial, criada com a precípua finalidade de desenvolver a área amazônica, com “status” de Ministério, recursos próprios e poder de decisão sobre os projetos e programas a serem elaborados nas diversas regiões geo-econômicas da Amazônia Legal.

- Propor uma mudança no texto constitucional em termos da organização político-administrativa e na divisão territorial da Amazônia Legal.

- Elaborar a divisão geográfica de acordo com as características geo-econômicas da Amazônia, reunindo em oito estados e/ou territórios, administrados por governos próprios, coordenados por uma Secretaria Especial, subordinada diretamente ao Presidente da República.

- Fiscalizar, por intermédio da Secretaria Especial, a implementação dos projetos e programas de desenvolvimento pelos governos locais, controlando o cumprimento do estabelecido nos planos e programas, especialmente quanto ao cumprimento de prazos e utilização de recursos, devendo deter poderes para responsabilizá-los e autuá-los no caso do não atendimento do estipulado quando da contratação das obras e serviços.

- Atribuir poderes à Secretaria Especial para acionar os órgãos competentes para atuação sobre as atividades privadas que não cumprirem as leis, normas, regulamentos e contratos definidores das obras.

- No âmbito da Segurança Nacional, estabelecer e demarcar a “faixa de fronteira” a uma distância na ordem de 150 (cento e cinqüenta) quilômetros da linha divisória com os países limítrofes, designando-a como área de segurança necessária para o desenvolvimento de operações militares de defesa e segurança, proibindo qualquer outra atividade nessa faixa, inclusive a existência de reservas indígenas e incluir dispositivo que permita a modificação da lei de preservação do meio ambiente (florestas) em caso de ameaça à segurança nacional.

- Demarcar as terras indígenas aquém da área considerada como faixa de fronteira (150 Km).

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- Vivificar, de forma prioritária e ordenada – com a presença forte do Estado por meio de suas expressões políticas e militares, especialmente – as áreas fronteiriças da região amazônica.

- Rebater, por meio do Ministério das Relações Exteriores, nos foros apropriados e de forma sistemática, as ingerências de outras nações em assuntos que afetem a soberania nacional sobre a região amazônica, exigindo que a Organização das Nações Unidas se manifestem a esse respeito.

- Em relação à segurança interna, estabelecer uma política de reforma agrária para a região, assentando famílias da área amazônica e voltadas para atividades de criação e cultivo agrícola adequados à região, nativos ou já adaptados tradicionalmente.

- Controlar a circulação de pessoas e instituições na região, especialmente as não nacionais. É necessário haver o cadastramento principalmente das Organizações não Governamentais atuantes na área, permitindo a permanência apenas daquelas que obedeçam às leis, normas e regras estabelecidas pela sociedade brasileira, por intermédio de seus órgãos de controle.

- Defender, no que diz respeito à política externa, os princípios brasileiros em torno das questões da soberania sobre o território sob sua jurisdição, reconhecido por meio de acordos, aquisições, mediações, etc, obedecendo à ordem judicial internacional vigente à época das decisões sobre as pendências territoriais em suas fronteiras, sem que haja, por parte dos países limítrofes, qualquer contestação às fronteiras estabelecidas.

- Acompanhar, restringir e até mesmo impedir, as ações das ONG internacionais, toda vez que atentarem contra a integridade da nação brasileira.

- Manter e incentivar a aculturação dos nativos de origem indígena, possibilitando-lhes o acesso ao conhecimento pleno da língua nacional para que a reconheçam como idioma oficial, respeitando o dialeto nativo que deverá ser cultuado como tradição, assim como os seus costumes, sem permitir que sejam criados “quistos étnicos”, interligando os indígenas à comunidade nacional, evitando a segregação.

- Permitir ao índio, como a qualquer cidadão nacional, o livre arbítrio no aspecto religioso.

- Ensinar ao índio primeiramente o idioma nacional . O idioma estrangeiro só poderá ser ensinado após o domínio da língua nacional e, aquele idioma deverá ser ministrado, na língua portuguesa e não na nativa, ou seja, primeiro o indígena deverá expressar-se na língua portuguesa e, a partir desta, poderá apreender outros idiomas.

- Preservar os costumes indígenas, criando para isso, nas cidades que surgirem no entorno das aldeias, ou em outras que tenham representação silvícola, centros de tradições, coordenados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que os cultivem e incentivem.

- Garantir os direitos e deveres dos indígenas, cuja autodeterminação deve ser

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entendida como sendo do povo brasileiro, inseridos aí todas as tribos, integrantes que são da sociedade nacional.

- Desenvolver o turismo ecológico, pelas características da área e pela necessidade em serviços, além de permitir a circulação social, contribuindo para uma maior integração e para a aculturação e miscigenação.

- Eliminar as ameaças de natureza militar que venham a se apresentar no cenário amazônico, adquirindo capacidade de pronta resposta de suas forças militares presentes na região amazônica e preparando-se para dissuadir ou enfrentar qualquer pretensão de contestação da sua soberania sobre a Amazônia.

- Aumentar os efetivos e reaparelhar as Forças Armadas, particularmente, na região amazônica, em especial junto às fronteiras, adequado-as às missões que lhes são imputadas constitucionalmente.

- Atualizar a legislação sobre a exploração dos recursos hídricos, minerais, vegetais e animais na região amazônica, a fim de assegurar exclusividade ao Estado ou a nacionais com fins específicos, limitados respeitando as necessidades ambientais.

- Elaborar um projeto específico com metas de curto, médio e longo prazos, para a circulação de bens e serviços na área amazônica e desta, para o restante do país e países vizinhos, no sentido de implementar as vias de transportes e comunicações existentes e implantar outras que atendam tal necessidade.

- Explorar os recursos hídricos e minerais existentes em prol do desenvolvimento da região amazônica, podendo utilizá-los em conjunto com os países limítrofes, por meio de acordos de duplo benefício, a fim de que as fronteiras permaneçam apaziguadas e que se evite que países estranhos à área se imiscuam nas questões locais de qualquer ordem que, caso surjam, devem ser resolvidas pelos organismos regionais próprios.

- Privilegiar o transporte aquático e aéreo em detrimento do rodoviário, de acordo com as características fisiográficas diversificadas existentes, sendo necessário, ainda, integrar esses modais para que a comunicação intra e interregional seja mantida e ampliada, constituindo-se este, um fator de fixação do homem no espaço regional e um dos aspectos principais da infra-estrutura, junto com a energia, que possibilita o desenvolvimento econômico necessário à manutenção da soberania, pela efetiva presença do Estado e da sociedade civil, ocupando seu espaço territorial.

- Dotar a região amazônica dos meios de comunicações necessários ao seu desenvolvimento, enquanto não houver interesse da iniciativa privada para investimento nesse importante setor da infra-estrutura para a integração nacional.

- Incentivar a atividade de piscicultura a fim de que possa ser explorada economicamente, tanto para o consumo regional e nacional, quanto para exportação, formando cooperativas de pescadores e instalando frigoríficos, na própria área,

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para a comercializar os produtos, mediante orientação do respectivo Ministério e coordenação da Secretaria Especial sugerida neste trabalho.

- Autorizar o extrativismo de recursos naturais, especialmente minérios, somente por empresas credenciadas que tenham compromisso com o desenvolvimento sustentável da região amazônica, como já acontece com a “Companhia Vale”, de minérios, antiga Vale do Rio Doce.

- Investir nos campos científico e tecnológico, com recursos públicos e privados, na educação, em todos os níveis, para que se desenvolva regionalmente uma infra-estrutura científica e tecnológica, valendo-se da extensa biodiversidade do eco-sistema amazônico.

- Criar centros de pesquisas e laboratórios, bem como implementar os já existentes, e fornecer incentivos para pesquisadores e cientistas atuarem na região, obedecendo um planejamento que priorize as necessidades regionais nessa área, tais como o estudo de doenças tropicais, uso medicinal de produtos farmacológicos, entre outras aplicações.

- Incrementar o nível da realização de pesquisas pelas universidades nacionais, particularmente as da área amazônica, no sentido de explorar os recursos naturais nela existentes.

- Explorar ao máximo os dados do SIVAM/SIPAM, particularmente no combate aos ilícitos transnacionais.

cONclUSãO

A conformação territorial brasileira encontra-se definida e reconhecida por todas as instâncias internacionais que tratam dos limites territoriais dos estados mundiais.

A Amazônia precisa ser imaginada como uma região de considerável exten-são territorial quase desabitada, com potencialidades insuspeitáveis e que está dis-ponível para que se implementem ações que se constituam na formação e elevação de um melhor padrão de vida da sua população.

A despeito das inúmeras tentativas governamentais de desenvolvimento na região, a Amazônia mantém, ainda, as principais características de seu patrimônio natural e biológico. Constitui-se em um complexo ecológico que extrapola as fronteiras do território brasileiro, integrado e articulado pela continuidade da floresta que juntamente com o amplo sistema fluvial da região, unifica vários subsistemas ecológicos da América do Sul.

A dimensão continental da Amazônia representa um potencial econômico, ecológico e político de importância estratégica internacional. Ao contrário das outras florestas tropicais úmidas do planeta, dispersas em conjuntos menores, isoladas entre si, a floresta amazônica, é um grande “maciço” concentrado.

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A região amazônica contabiliza apreciáveis reservas de minerais tradicionais e outros novos, agregados com aplicações tecnológicas. Por outro lado, a bacia hidrográfica reúne um inestimável potencial hidroelétrico e pesqueiro, além de vastas áreas com potencial agrícola ainda não explorado.

A Amazônia é reconhecida internacionalmente como a região natural com a maior biodiversidade a ser aproveitada pelo homem com a tecnologia atual disponível. Este fato deveria teoricamente garantir aos países que possuem territórios nessa região, um desenvolvimento integral, tanto econômico quanto social, todavia, na prática a ausência de capitais, de tecnologia e, sobretudo, de políticas coerentes levadas à pratica de forma coordenada, levou a que, apesar do reconhecimento de suas potencialidades, a Amazônia continue sendo subutilizada.

A importância da Amazônia para o Brasil exige que seja desenvolvido um esforço especial e constante para desenvolver o conhecimento específico e as tecnologias pertinentes que permitam aproveitar ao máximo as potencialidades da região, conservando por sua vez as características principais do ambiente regional.

É necessário estabelecer políticas coerentes e legislações especiais que facilitem o desenvolvimento sustentável regional e por sua vez, garantam a proteção dos recursos contra sua depredação, biopirataria ou outras atividades ilegais.

O pacto regional dos países amazônicos deve ser levado adiante na prática cotidiana, a fim de conformar um verdadeiro bloco em defesa dos interesses sobe-ranos do patrimônio da região, que desiluda qualquer cobiça ou intenção oculta contra a Amazônia vinda do norte.

Nesse sentido, o Brasil, sendo o detentor da maior porção da área amazôni-ca, precisa liderar um processo de desenvolvimento sustentado que proporcione condições de atender as necessidades dos habitantes regionais, adotando medidas que impulsionem os estudos científicos e tecnológicos para a exploração adequa-da dos recursos existentes, objetivando o desenvolvimento da região e do próprio país, eliminando assim qualquer possibilidade de cobiça internacional desse seu patrimônio.

O escopo desse trabalho foi o de chamar a atenção da sociedade brasileira para a necessidade de ação para o desenvolvimento regional da Amazônia, na ten-tativa de mobilizá-la, juntamente com a ação governamental, a fim de fazer frente às ameaças de sua internacionalização ou do questionamento da soberania do Bra-sil sobre essa riquíssima porção de seu território.

Para tanto, foram apresentadas diversas políticas e estratégias que, se adota-das, contribuirão para o atingimento do objetivo proposto.

Em síntese, transformando a Amazônia Legal em uma área vital, por meio da presença forte do poder político, econômico, social e militar, será facilitada a ação

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de manter a soberania brasileira sobre a região e confirmar, nessa área, a mesma afirmação utilizada pelo índio Sepé Tiarajú, no século XIX, no sul do país, de que “esta terra tem dono”.

A tarefa é laboriosa e os desafios são consideráveis, no entanto, mais difícil foi a conquista desta vasta e rica área do território brasileiro, conforme se pode verificar na frase lapidar deixada pelo General-de-Exército Rodrigo Otávio Jordão Ramos, antigo comandante do Comando Militar da Amazônia: “Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la”.

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Geopolítica, Segurança Jurídica e Inserção do Brasil na Questão Energética Internacional

Geopolítica, Segurança Jurídica e Inserção do Brasil na Questão Energética Internacional

João Eduardo de Alves PereiraDoutor em Engenharia de Produção pela Coppe/ UFRJ, Professor do Curso de Pós-graduação em Direito e do Departamento de Disciplinas Básicas da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Resumo

Neste artigo, são apresentados fatores geopolíticos que interferem diretamente na evolução da indústria mundial do petróleo e gás natural. A análise, mesmo breve que se faz aqui, procura contribuir para uma melhor compreensão do quadro de instabilidade e volatilidade dos mercados internacionais de energia, nesta primeira década do século XXI. Para o Brasil, que, com a flexibilização da legislação do setor nos anos 1990, vem obtendo considerável crescimento da produção de hidrocarbonetos fluidos, a ponto de estar próximo de uma situação de sustentabilidade em sua auto-suficiência e de ser cogitada a condição de potencial fornecedor de petróleo e derivados nos mercados internacionais (caso se confirmem as informações sobre o grande volume das jazidas de óleo e gás descobertas na província geológica da Bacia de Santos), torna-se cada vez mais importante traçar estratégias que valorizem: de um lado, a capacidade de atração de capitais, a exemplo da consolidação e do aperfeiçoamento de marcos regulatórios; e, de outro lado, a inserção geopolítica do país no cenário energético internacional. A valorização geopolítica do Estado brasileiro, à medida que venha a se confirmar sua vocação como potência energética, permitirá, sem dúvida, reforçar tradicionais postulados da política externa do país, baseados na cooperação e na paz entre as nações.

Palavras-chave: Geopolítica da Energia. Regulação e Legislação da Indústria de Petróleo e Gás Natural. Segurança Jurídica. Relações Internacionais Contemporâneas.

Abstract

This article presents geopolitical factors that deal with the oil and natural gas industry’s evolution. This analysis, even short, search for a better understanding of the international markets of energy instability, in this first decade of century XXI. In this context, Brazil, after shifting the oil and gas laws in 1990’s, comes getting considerable growth of the production of fluid hydro-carbons, and now is to be next to a situation of support of its self-sufficiency. The country has also a potential

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condition of oil and gas supplier in the international markets (according on the information of large oil and gas reserves recent discovered in the geologic province of Bacia de Santos wild be confirmed). So, it becomes necessary getting new strategies to increase: the capacity of attracting investments, such as regulation laws; and, the country’s geopolitical insertion in international the energy scene. The geopolitical valuation of the Brazilian State, as a global energy supplier, will allow, there is no doubt, to strengthen traditional postulates of its external politics, based on cooperation and peace between the nations.

Word-key: Geopolitics of the Energy. Regulation and laws of the Industry of Oil and Natural Gas. Legal Security. Contemporary International Relations.

INTRODUçãO

O presente artigo faz uma rápida análise de fatores de natureza geopolítica que intervêm no funcionamento e estabilidade dos mercados de petróleo, gás natural e biocombustíveis, nesta primeira década do século XXI. Urge observar que a estabilidade desses mercados é fundamental para o equilíbrio do sistema e da economia internacionais, uma vez que o abastecimento regular de energia possibilita o crescimento dos níveis de produtividade social e econômica.

Para o Brasil, que, com a nova redação do art. 177 trazida pela Emenda Constitucional 09/ 95 e a edição da lei 9.478/ 97, procedeu à flexibilização dos setores de pesquisa, lavra, transporte e refino de petróleo e gás natural, é importante o acompanhamento do cenário internacional, sobretudo quanto à questão da (in)segurança energética mundial, para que se formulem estratégias eficientes à atração dos investimentos necessários ao alcance de uma sustentável situação de auto-suficiência.

Na verdade, a realização desses investimentos poderá levar o país além, ou seja, à condição de fornecedor de petróleo e gás natural para os mercados de energia sul-americano e mundial. Isso parece se comprovar com a recente descoberta do mega-campo de Tupi, com cerca de seis bilhões de barris, na Bacia de Santos. Especula-se que o enorme potencial produtivo dessa província geológica levará a uma mudança considerável da posição ocupada pelo país na economia globalizada e em sua inserção geopolítica mundial, o que não quer dizer que se devem abandonar tradicionais postulados de defesa da cooperação e da paz entre as nações. Novos desafios, portanto, parecem se colocar à política externa brasileira.

Quanto maior for o potencial de ocorrência de conflitos políticos e tensões diplomático-militares, bem como a percepção do risco de mudanças drásticas das regras e marcos regulatórios, nos países que possuem as maiores reservas mundiais e/ou naquelas de menores custos de prospecção, especialmente as do Golfo Pérsico, maior será a relevância estratégica da exploração em regiões alternativas, a exemplo

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da costa ocidental do Atlântico Sul, ou seja, da plataforma continental brasileira. Numa visão realista das relações internacionais, os elevados riscos geopolíticos no Oriente Médio e na Ásia Central pressionam as cotações do óleo cru e do m3 de gás natural no exterior, e, com isso, os custos operacionais mais elevados de exploração em águas profundas brasileiras se reduzem em termos relativos, atraindo inversões. Esse artigo, contudo, não objetiva analisar questões diretamente relacionadas aos projetos de leis enviados pelo Governo Lula ao Congresso Nacional com relação a novos marcos regulatórios para a exploração do pré-sal.

Por se tratar de um artigo breve, a análise dos fatores e riscos geopolíticos será feita em apenas uma seção. Após, serão apresentadas as conclusões.

GEOPOLítICA DO PEtRóLEO E GáS nAtuRAL E (In)SEGuRAnçA EnERGétICA NESTE INícIO DE SécUlO XXI

O conhecimento das fontes energéticas e das suas aplicações foi um fator decisivo para o desenvolvimento da civilização. Os ciclos de formação, apogeu e decadência de diversas civilizações ao longo da história estão relacionados diretamente com as respectivas capacidades em garantir o abastecimento regular de suas demandas energéticas. Nesse contexto, a civilização da II Revolução Industrial (1860-1960/70) somente pode ser compreendida pela emergência, a partir da segunda metade do século XIX, do petróleo como fonte energética principal. A indústria de petróleo e de gás natural impôs-se, na verdade, como a maior indústria de todo o século XX. Nas economias dos EUA e em algumas da União Européia, a propósito, a participação do setor se aproxima dos 20 % do PIB. Na Rússia, cerca de 60% 1.

Com tamanha relevância econômica, o petróleo não poderia deixar de ganhar o caráter de estratégico para as sociedades e para seus respectivos Estados nacionais. A esse respeito, basta recordar que a ascensão de norte-americanos e soviéticos à condição de superpotências no II pós-guerra não pode ser desvinculada do fato de que possuíam soberania sobre jazidas de grande porte e/ou controlavam acessos àquelas localizadas em outros territórios.

Contudo, com o fim da Guerra Fria e com a ascensão, nos anos 1990, do ideário neoliberal, difundiu-se em ambientes acadêmicos e mesmo na mídia a visão de que a questão dos mercados de energia não deveria ser vista como de caráter geopolítico. Economides e Oligney2, a exemplo de outros arautos da grande indústria norte-americana de petróleo e de gás natural (o “big oil”), defendem que a presença do Estado no setor traz graves problemas às próprias sociedades. As leis de mercado bastariam para manter o setor em equilíbrio, o que pressuporia que o preço justo seria sempre o preço de mercado. Racionamentos, tabelamentos ou congelamentos de preços, regulamentações, cotas de produção interna, entre outras, desestimulariam 1 Economides, M. e Oligney, R. The Color of Oil. Katy, Texas: Round Oak Publishing Company, 2000.2 Idem.

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os produtores, provocando quedas no volume ofertado – e, assim, elevações de preços ao consumidor final. Nesse contexto, petroleiras estatais (fundadas no Terceiro Mundo, a partir do exemplo pioneiro da PEMEX em 1938) deveriam ser privatizadas, em virtude da suposta ineficiência da administração pública face aos padrões demandados nessa indústria. E até a regulação antitruste deveria ser branda, embora o setor seja marcado por óbvias barreiras à entrada de novos concorrentes. Fusões e incorporações ampliariam, contudo, a capacidade de investimento em novas e caríssimas tecnologias entre as empresas participantes da cadeia produtiva.

Cabe, todavia, aceitar como válido um argumento da crítica de Economides e Oligney3 à ação do Estado: a instabilidade do ambiente político e a eventualida-de de constantes mudanças nas legislações fiscais e trabalhistas podem inviabilizar projetos já implantados ou em vias de implantação ou expansão. Negócios de pe-tróleo e gás natural são de longa maturação. Ilustram o fato as novas condições de operação impostas à Petrobrás na Bolívia pelo governo do Presidente Evo Morales, desde 2006.

Mas, poderia o Estado ficar alheio a essa indústria que tem uma cadeia produtiva bastante diversificada e uma grande capacidade de geração de empregos e impostos? Quando os preços sobem e a oferta de combustíveis e outros derivados de petróleo e gás natural (que são típicos bens de consumo inelástico) se torna escassa e/ou instável, não é ao Estado que a opinião pública exige a tomada de medidas e soluções, inclusive a de manter estoques estratégicos ou reguladores? E quando há acidentes ecológicos, a exemplo do grande vazamento de petróleo no Golfo do México neste ano de 2010, não cabe ao Poder Público socializar a recuperação do meio ambiente e financiar outros custos intangíveis?

Em outros termos, quando a oferta mundial não se eleva na mesma proporção do crescimento da demanda, o caráter geopolítico se torna mais evidente. Todavia, quando há abundância, ouvem-se as vozes do mercado afirmar que as leis deste bastam para o funcionamento eficiente do setor. Foi o que aconteceu entre meados da década de 1980 os anos de 1998/99. A entrada em produção, a partir do final dos anos 1970, de novos campos petrolíferos e de gás natural em águas profundas no Mar do Norte, no Golfo do México e nos litorais oriental e ocidental da América do Sul e da África, respectivamente, elevou a oferta internacional sobremaneira, reduzindo os preços que tiveram picos em 1973 (de Us$ 3,00 para Us$ 12,00) e em 1979 (de Us$ 17,00 para US$ 34,00).

Regulamentações excessivas do mercado de gás natural foram removidas nos EUA (o maior consumidor mundial), assim como novas tecnologias para sua armazenagem ampliaram o seu potencial de utilização. A maior eficiência no uso de combustíveis e outros derivados, associada ao desenvolvimento, mesmo incipiente de fontes alternativas, também colaboraria para um quadro de abundância. Em 1986, o barril de óleo era então negociado a Us$10,00. Com isso, decaiu o percentual 3 Ibidem, p.3.

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do mercado abastecido pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em relação à produção de não-membros. A importância estratégica daquela organização parecia não mais causar receio ao Ocidente, conforme ocorrera nos dois choques dos anos 1970.

Naquela época, tudo parecia confirmar que a matriz energética mundial se livrara do intervencionismo estatal e das formulações estratégicas e geopolíticas. As bolsas de “commodities” e de futuros passaram a negociar contratos de curto prazo para entrega de petróleo e gás natural, substituindo de vez os tradicionais contratos de longos prazos entre produtores e consumidores. Dependentes da importação de tecnologias e assistência técnica, as empresas estatais de países do Terceiro Mundo tiveram de buscar parcerias com as grandes corporações transnacionais, abrindo muitas vezes seus capitais a investidores estrangeiros. Dificuldades financeiras dos respectivos tesouros nacionais – derivadas da própria queda dos preços do barril na década de 1980 – levariam petroleiras estatais - a exemplo da mexicana PEMEX em 1982 - a lançar títulos no mercado financeiro internacional (os “petrobonds”), ou seja, a tomada de decisões naquelas empresas passou a estar condicionada às avaliações do mercado financeiro internacional. Por fim, a difusão do paradigma neoliberal, por sua vez, influenciaria a decisão de alguns governos em privatizar suas estatais ou flexibilizar as legislações pertinentes, a exemplo da lei 9478/97 que trouxe o fim da exclusividade da Petrobrás na execução do monopólio da União.

Na realidade, dois fatores geopolíticos foram de fundamental relevância para o crescimento da oferta de óleo e gás no mercado internacional e a crise por excesso de demanda e baixas cotações de 1986:

a) O primeiro se refere à Guerra Fria. Caso as cotações do barril se mantivessem em alta (em decorrência de uma eventual propagação no mundo árabe-muçulmano da revolução islâmica preconizada pela teocracia iraniana), a URSS, exportadora de petróleo ao Ocidente via mercado “spot” (à vista), teria obtido recursos suficientes, talvez, para que a “glasnost” e a “perestroika” de Mikhail Gorbatchev evitassem a desintegração daquela superpotência. Era preciso derrubar as cotações dos anos 1970. Para isso, a Arábia Saudita (com 25% das reservas mundiais de petróleo e 4,1% de gás natural) deveria colocar uma produção crescente nos mercados internacionais, pondo em xeque a política de cotas e a própria unidade da OPEP;

b) O segundo se relaciona ao acirramento das tensões e conflitos diversos no mundo árabe-muçulmano. Um desses eventos era a disputa pela condição de potência regional principal que resultaria em grandes aquisições de armamentos ou no desenvolvimento de caros programas de produção de armas, inclusive, químicas, biológicas e nucleares. Armamentismo, revoluções e guerras (a maior delas entre Iraque e Irã, de 1980 a 1988) acabariam por erodir as finanças de países importantes da OPEP e por endividá-los. O corolário não foi outro senão o da maior oferta de óleo e o não-cumprimento das respectivas cotas de produção.

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Se por um lado as tensões entre países membros da OPEP e em especial os do Oriente Médio traziam uma maior oferta internacional de petróleo, por outro lado implicavam riscos à estabilidade mundial, nos anos 1980. Os EUA, que haviam substituído os britânicos a partir da Crise de Suez (1957) no papel de provedores da segurança regional, ampliaram ainda mais sua presença militar no Golfo Pérsico, embora já houvessem reduzido a importância relativa das importações de óleo cru do Oriente Médio em sua matriz energética.

Armitage4 afirma que ao longo da década de 1990, excluindo-se as operações de patrulha das águas internacionais do Golfo Pérsico e ao evento de grande envergadura que foi a Guerra do Golfo (1991), os estrategistas norte-americanos, agora, no governo de Bill Clinton (1993-2000), efetivaram uma redução dos gastos militares na região: havia abundância de petróleo no mercado internacional. Em contrapartida, centralizaram sua ação na aplicação de sanções (61 no total), decididas com ou sem aprovação do Conselho de Segurança da ONU, a governos considerados hostis no mundo árabe-muçulmano. Em outras situações, bombardeios ditos “cirúrgicos” eram realizados no Iraque, o que não deixava dúvidas quanto à manutenção de sua a presença militar na região. Além disso, os então promissores avanços no processo de paz entre israelenses e palestinos faziam crer numa relativa redução das tensões no Oriente Médio.

Para Armitage5, ocorreu, contudo, que a aplicação de sanções a países produtores, como o Iraque e a Líbia, resultaria numa redução significativa na oferta mundial de petróleo, numa conjuntura internacional que passaria a ser marcada na presente década de 2000, entre outros fatores, pela:

a) Ocorrência de forte crescimento da demanda de combustíveis nos EUA, em decorrência do incremento do produto interno nos oito anos do governo Clinton - a “exuberância irracional” de que falava à época o Presidente do Banco Central daquele país, Alan Greenspan. Essa “exuberância” norte-americana sustentaria o crescimento econômico em outras partes do mundo, o que fez com que a demanda internacional por petróleo se elevasse à média de 2,0% ao ano. Fato que se manteria nos anos seguintes com a administração de George W. Bush, mesmo com as previsões de uma profunda recessão, decorrente operações financeiras de alto risco no setor imobiliário (o que viria a se confirmar, a propósito);

b) Extraordinária taxa acumulada de crescimento econômico desde os anos 1980 na Ásia, especialmente, na China e na Índia – países, aliás, não-diretamente afetados pela crise de 1998. Mesmo com a referida crise, a demanda por óleo no continente chegaria a 1,8% ao ano na década de 1990. No caso dos chineses, de exportadores de petróleo até 1992, converteram-se rapidamente em grandes

4 Armitage, R. L.. “The New Geopolitcs.” in Bloomfield Jr., L. P. Global Markets and National Interests: the new geopolitcs of energy, capital, and information. Washington (D.C.): Center for Strategic and International Studies, 2002. p. 3-9.

5 Armitage, R. L. (2002),idem p.06.

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Geopolítica, Segurança Jurídica e Inserção do Brasil na Questão Energética Internacional

importadores, inclusive, de gás natural - apesar da ampliação significativa do consumo de carvão mineral;

c) Ampliação da dinâmica de transformação do mercado de petróleo e gás natural num mercado de “commodities”. Trata-se de um mercado “on-line”, onde a rapidez de obtenção de dados e informações é preciosa à tomada de decisão pelos seus agentes. No “e-commerce” norte-americano, os negócios diários de gás natural alcançavam 25% do total, em 1999. A instabilidade inerente aos mercados financeiros, com isso, passou a estar presente no setor energético;

d) Desvalorização do dólar norte-americano. Para os países produtores e exportadores de petróleo, membros ou não da OPEP, seria economicamente interessante ter como base de suas operações uma unidade monetária com maior capacidade de manter ou reservar valor que o dólar norte-americano. Se politicamente o uso do euro (ora em crise) não for viável, em função da previsível reação norte-americana a essa mudança, a solução, assim como em 1973, seria elevar as cotações do petróleo e do gás natural em dólar norte-americano. Ou seja, há uma tendência à elevação de preços para compensar o enfraquecimento da moeda nacional norte-americana. Por outro lado, cotações mais altas de óleo e derivados poderiam criar saldos negativos em balanças de pagamentos de países subdesenvolvidos (a exemplo do que aconteceu nos anos 1970), o que os levaria à busca por dólar norte-americano no mercado financeiro internacional e, assim, à revalorização da referida moeda;

e) Elevação da competição no setor, como resultado de processos de desregulamentação, privatização de companhias estatais, alianças e fusões entre grandes empresas de atuação transnacional. No tocante à privatização, registramos que a instabilidade própria da atividade empresarial saiu da esfera relativamente protegida dos tesouros nacionais, passando aos novos controladores;

f) Introdução de novas tecnologias, inclusive em setores de informação, incorporando novos atores a esse mercado;

g) Incorporação de maiores taxas de risco e de custos de produção, em vir-tude de legislações ambientais recentes que seguem novos padrões de consumo e decorrem da ação política de atores da sociedade civil internacional, a exemplo de movimentos como o “Greenpeace”;

h) Perspectiva de elevação nos próximos anos da importância relativa da pro-dução da OPEP, em virtude dos campos de petróleo das novas regiões produtoras dos anos 1980, a exemplo do Mar do Norte, estarem próximos do seu ápice ou mesmo já terem ultrapassado esse ponto. No Mar do Norte, aliás, o provedor de mais de 50% da elevação da demanda do Ocidente nos anos 1980/ 90, a produção teria “picado” em 2000. Doravante, o volume de óleo extraído começará a cair e os custos de exploração tendem a se tornar cada vez maiores. Estima-se que em 2020, a OPEP terá recuperado o percentual de mercado anterior ao primeiro choque de 1973, qual seja, 60%;

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i) Incorporação de ainda maior complexidade às tensões políticas internas em países da OPEP que podem desestabilizar o mercado, a exemplo da Arábia Saudita, onde setores da população começaram a questionar a aliança do país com os EUA, após a “Guerra do Golfo”, em 1991. Concepções fundamentalistas do Islã se difundem rapidamente entre os setores mais jovens das populações, bem como um sentimento anti-ocidental (senão, anti-americano). Alguns governos de países membros da OPEP, embora nos bastidores estejam alinhados com interesses do Ocidente e do Japão, têm benefícios políticos com esse ambiente hostil, à medida que se imputa aos últi-mos a culpa pelo insucesso de suas estratégias econômicas e sociais. Além da Arábia Saudita, são fundamentais para a estabilidade da OPEP o futuro da teocracia iraniana (8,6% das reservas mundiais), os conflitos religiosos e separatistas da Nigéria (2,3%) e os desdobramentos da República Bolivariana de Hugo Chávez (7,4%);

j) crescente instabilidade da política internacional após os atentados de 11 de Setembro de 2001. Resultam em (e retro-alimentam) a instabilidade internacional a campanha do Afeganistão sob as bênçãos da ONU, o unilateralismo na ocupação do Iraque em 2003 e os atos terroristas de separatistas chechenos na Rússia. Cabe destacar que o unilateralismo norte-americano decorreu, na gestão de George W. Busch, da adoção de um novo padrão de afirmação geopolítica baseado na am-pliação da já forte presença militar desde o litoral oeste da África do Norte até o Oriente Médio (o chamado “Arco da Crise”), incorporando agora o Cáucaso e a Ásia Central pós-soviética. Apesar do discurso multilateralista, o novo governo de Obama não vem cumprindo a promessa de campanha de reduzir a presença militar norte-americana no Mundo Islâmico; e

k) desintegração do processo de paz entre o Estado de Israel e a Autoridade Nacional Palestina (ANP).

Todos esses fatores geopolíticos e geoeconômicos atuais fizeram com que, desde o final dos anos 1990, as cotações do petróleo e do gás natural voltassem a apresentar um comportamento ascendente e instável. Os preços do barril de petróleo atingem picos, superam recordes anteriores, e caem em seguida com certa rapidez. Mas, não retornam a níveis considerados como efetivamente baixos. Na verdade, preços baixos inviabilizariam a produção de campos e poços, cujos custos de prospec-ção são bem mais altos que os do Oriente Médio ou do Golfo do México. Esses cam-pos e poços se localizam em águas profundas, em áreas de difícil acesso (no Alasca, por exemplo) ou são zonas antigas de produção reativadas ou ampliadas em sua vida útil, em decorrência do desenvolvimento de novas tecnologias de exploração.

Ou seja, encerrou-se a era do petróleo abundante e barato. De fato, não pode ser barato, porque isso, afinal, reforçaria a posição da OPEP no mercado internacio-nal de energia. Ademais, os lucros extraordinários, que as corporações transnacio-nais e mesmo as estatais de petróleo e gás natural vêm obtendo, são fundamentais para o financiamento de projetos estratégicos que lhes permitirão atuar em outros negócios e ramos energéticos a médio e longo prazos.

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Geopolítica, Segurança Jurídica e Inserção do Brasil na Questão Energética Internacional

Em 1999, a título de ilustração, o barril do petróleo WTI (o denominado cru leve americano) negociado na NYMEX, a bolsa de “commodities” de Nova Iorque, subiu de US$ 12 para US$ 27, ou seja, variou em mais de 100% durante um mesmo ano. Em 2004, as cotações superaram os US$ 50 por barril. Em setembro de 2005, ultrapassaram os US$ 70, em virtude da passagem de mais de uma dezena de fura-cões de alta intensidade no Golfo do México e no sul dos EUA, mas não se estabiliza-ram nesse patamar. Em 2006, superaria os US$ 70, em razão da crise internacional provocada pela decisão – soberana - do Irã em retomar seu programa nuclear, a despeito das restrições das grandes potências com direito de voto e veto no Conse-lho de Segurança da ONU. Em 2007, chegariam perto dos US$ 100. Essa marca foi superada ao longo do primeiro semestre de 2008, em razão da forte especulação nos mercados financeiros e de commodities. Durante o auge da crise financeira em 2009, os preços caíram a patamares inferiores a US$ 60,00, mas já em 2010 estão novamente em ritmo ascendente, superando os US$ 70,00 por barril.

Ou seja, o mercado de petróleo e de gás natural tornou-se estruturalmente mais instável do que já era no passado. A palavra no jargão do mercado é volatilida-de. Em termos microeconômicos, isto significa que as empresas tendem a trabalhar com estoques pequenos de óleo cru e/ou de derivados, para não incorrerem em fortes prejuízos. A tendência a crises de desabastecimento cresceu, o que obvia-mente justifica a presença do Estado, inclusive, como proprietário de reservas es-tratégicas. Nos EUA, elas atingiam a 575 milhões de barris ou 55 dias de consumo, em 1999. Já na UE, chegavam a 90 dias de consumo no mesmo ano, conforme in-formações de Armitage6.

A volatilidade estrutural do mercado, a elevação de tensões geopolíticas, a perspectiva de aquecimento global e o consenso entre os geólogos e engenheiros especializados, de que a humanidade consumiu, desde 1859, a metade das reservas de petróleo e gás natural legadas pela natureza, não estariam a indicar a premente necessidade de substituição desses recursos fósseis por fontes renováveis? A res-posta é obviamente positiva, mas a questão é de prazo, segundo Rifkin7. A curto e médio prazos, salvo fatos ou eventos extraordinários, não há previsão de que se possa obter em outras fontes, já conhecidas, o mesmo quantum energético prove-niente da queima de petróleo e gás natural.

cONSIDERAçõES FINAIS

A importância do Brasil no cenário energético internacional – marcado pela perspectiva de elevação da insegurança no abastecimento de petróleo e gás na-tural - se tornou relativamente maior nos últimos anos, em razão do potencial de crescimento da produção de petróleo, gás natural e ainda de biocombustíveis (sem

6 Armitage, R. L. (2002), idem p.06. 7 Rifkin, J. A Era do Hidrogênio. São Paulo: Makron Books, 2004.

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contar o potencial nos campos das energias hidrelétrica, nuclear e de fontes alter-nativas).

O Estado brasileiro, reconhecendo suas potencialidades e limitações estraté-gicas diante de vetores geopolíticos atuais, alguns dos quais rapidamente analisa-dos ao longo do presente artigo, deve planejar a adoção de medidas que ampliem a eficiência de sua participação estratégica no setor de petróleo e gás natural, a exemplo da redução de custos diversos que interferem na atração de investimentos estrangeiros – especialmente aqueles feitos em parceria com a Petrobrás e com as empresas privadas nacionais que passaram a atuar no setor, após 1997. Isso pres-supõe o desenvolvimento de tecnologias e o contínuo aperfeiçoamento de marcos regulatórios, com a consequente consolidação de um ambiente de segurança jurí-dica.

Ao mesmo tempo, também é útil considerar o fato de que a história da indús-tria do petróleo e do gás natural é marcada, desde as primeiras décadas do século XX, por conflitos, guerras e tensões diversas, em que os protagonistas são as gran-des potências econômicas e militares, de um lado, e nações periféricas, de outro. Trata-se de uma concepção realista das relações internacionais e não um exercício de especulação fútil sobre teorias conspiratórias, ainda mais quando são divulga-das informações promissoras sobre grandes reservas de hidrocarbonetos na Bacia de Santos: o país poderá se transformar, inclusive, em exportador de petróleo, gás natural e derivados.

Em outros termos, numa conjuntura de elevação da volatilidade das cota-ções das “commodities” energéticas e de propagação de uma percepção de inse-gurança no abastecimento de energia em todo o mundo, o Brasil deverá assumir posições mais destacadas no cenário geopolítico internacional, o que, todavia, não significa o abandono dos tradicionais postulados da política externa brasileira, pau-tada na defesa da cooperação e da paz entre as nações. Pelo contrário, significa o seu reforço.

REFERêNcIAS BIBlIOGRÁFIcAS:

ARMITAGE, R. L.. “The New Geopolitcs.” in Bloomfield Jr., L. P. Global Markets and National Interests: the new geopolitcs of energy, capital, and information. Washing-ton, DC: Center for Strategic and International Studies, 2002.

ECONOMIDES, M. e OLIGNEY, R. The Color of Oil. Katy, Texas: Round Oak Publishing Company, 2000.

RIFKIN, J. A Era do Hidrogênio. São Paulo: Makron Books, 2004.

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Princípio da Igualdade em Face do GATT

Princípio da Igualdade em Face do GATT

Adilson Rodrigues PiresDoutor em Direito Econômico e Sociedade pela Universidade Gama Filho, Professor-Adjunto de Direito Financeiro da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Advogado.

Resumo

A dinamização do comércio internacional no período que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial, baseada na cooperação entre as nações, era fundamental para o desenvolvimento econômico dos países naquele momento. Foi, então, que, por iniciativa do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas, vinte e três países, após inúmeras reuniões e negociações, firmaram a Carta de Havana, que aprovou o acordo provisório multilateral de comércio, o GATT. Com o passar dos anos, o “GATT” se transformou em um verdadeiro organismo internacional, até que em 1.994 foi criada a Organização Mundial do Comércio. O crescimento do comércio mundial, contudo, acirrou as disputas comerciais entre as nações, exigindo a adoção de medidas que disciplinassem a troca de mercadorias em um clima de cooperação e progresso. Mecanismos, como o Sistema Geral de Preferências, as medidas antidumping, os direitos compensatórios contra subsídios, além de outras medidas, foram adotados, reduzindo as controvérsias surgidas. O presente trabalho mostra como o Princípio da Igualdade, um desses instrumentos, tem sido usado para o fim de equalizar as trocas internacionais. Expressa-se o princípio pela não discriminação dos países nas suas relações de comércio, além de não permitir que os tributos internos privilegiem os produtos domésticos em detrimento dos importados. Ao final, o artigo discute a aparente antinomia entre a liberdade de comércio e a imposição de regras restritivas do mercado. Lembrando a jurisprudência nacional, conclui o trabalho, salientando que os países não estão impedidos de criarem incentivos à produção e à comercialização de bens, desde que respeitem as normas de comércio, responsáveis, isto sim, pela garantia de um mínimo de estabilidade, boa-fé e certeza nas relações internacionais.

Palavras-chave: Igualdade. Acordos. Tarifas e Comércio.

Abstract

The dynamization of international trade in the period after the Second World War, based in the cooperation between nations, was fundamental to the economic development of those countries at that time. It was then that via na initiative

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of the Economic and Social Counsil of the UM, 23 countries, after a number of negotiations and meetings, signed the Havana Letter, that aproved the provisional multilateral commerce agreement, known as GATT. Years after, the GAT became a real international organization, until 1994 when the World Trade Organization was created. The growth of world trade, however, intensified trade disputes between nations, demanding the adoption of measures that govern the exchange of goods in a climate of cooperation and progress. Mechanisms such as the Generalized System of Preferences, the anti-dumping, countervailing duties against subsidies, and other measures were adopted, reducing the controversies that have been created. The present work shows how the Principle of Equality, have been used for the purpose of equalizing international trade. It also expresses the principle of non-discrimination in their countries trade relations, and not to allow internal taxes favor domestic products over imported goods. Finally, the article discusses the apparent contradiction between free trade and the imposition of restrictive rules of the market. Recalling the national jurisprudence, the panel concluded, noting that countries are not prevented from creating incentives for production and marketing of goods, provided they comply with trade rules, responsible, rather, by ensuring a minimum of stability, good faith and certainty in international relations.

Keywords: Equality. Agreements. Tariffs and Trade.

OBJEtIVOS DO GAtt

Em 1946, durante reunião do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas, os Estados Unidos da América solicitaram a realização de uma conferência internacional sobre comércio e emprego, com o fim de discutir questões inerentes ao comércio internacional, como a maior integração entre os países e o crescimento econômico sustentado, temas que se mostravam oportunos, em face do prejuízo econômico decorrente da eclosão da segunda guerra mundial.

Ao término de alguns encontros, a comissão especial concluiu uma minuta de projeto pelo qual deveriam ser instituídos organismos de amparo econômico e de fomento ao comércio mundial. As discussões resultaram na assinatura da Carta de Havana, que, além de estabelecer medidas com vistas a disciplinar o comércio de bens, contemplava normas sobre emprego, práticas comerciais restritivas, estímulo aos investimentos estrangeiros e dinamização dos serviços.

Com esse espírito, o projeto de recuperação econômica aprovou a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Banco Mundial) e da Organização Internacional do Comércio (OIC), organismos destinados ao financiamento de políticas de curto, médio e longo prazos, voltadas para a estabilidade financeira e o desenvolvimento.

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Princípio da Igualdade em Face do GATT

Desses três, apenas os dois primeiros foram instituídos. A complexidade dos compromissos que envolviam a criação da OIC, assim como o temor pela perda da hegemonia política e econômica assegurada pelos Estados Unidos ao longo do conflito mundial, constituíram argumentos suficientes para que o congresso americano vetasse a sua instituição, privando o mundo, por quase cinquenta anos, de uma organização de comércio.

Por todo esse período, o intercâmbio internacional de bens passou a ser regido pelo acordo multilateral de 1947, General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), cujos principais objetivos se direcionavam para a redução da interferência direta dos governos no mercado, a multilateralização do comércio mundial e das relações políticas como consequência natural e um processo de liberalização, mediante a definição de um código sobre direito comercial internacional, no qual os direitos e deveres dos países signatários fossem explicitados.

O GATT, firmado originalmente por 23 países, inclusive o Brasil, tem por objetivo geral eliminar as barreiras, de natureza tarifária ou não, de forma a permitir a livre circulação de mercadorias no plano internacional. Hoje, o acordo está incorporado, como anexo, ao Protocolo de Marrakesh, que aprovou a Ata Final da Rodada Uruguai de Negociações, concluída em 15 de abril de 1994.

Preservando a soberania dos Estados signatários, o acordo multilateral de comércio buscou alcançar a condução transparente da política tarifária, a fim de uniformizar o tratamento alfandegário dispensado às importações de produtos e garantir a boa-fé negocial nas transações internacionais.

Enumeram-se, ainda, como propósitos comuns do acordo a melhoria do padrão de vida dos cidadãos, a elevação do nível de emprego e o aumento da renda real dos nacionais de cada país, obtidos com base no pleno aproveitamento dos recursos naturais e da mão de obra, além da expansão da produção agrícola e industrial. O GATT visa, em última análise, ao desenvolvimento dos países através da complementação econômica e da intensificação das trocas.

A REDUçãO DOS IMPOSTOS INcIDENTES SOBRE AS IMPORTAçõES

Entre os instrumentos para a realização dos objetivos do acordo de comércio encontra-se a redução progressiva das alíquotas do imposto de importação e das demais imposições que gravam as importações oriundas dos estados contratantes.

Como resposta à escassez de recursos indispensáveis à implementação de projetos de recuperação econômica, os países vencedores, assim como os vencidos, desde o final da Primeira Guerra Mundial passaram a proteger suas economias, impondo elevados tributos sobre os bens importados.

Para agravar a situação, grande parte dos países resolveu criar um sistema de licenciamento prévio às importações, mecanismo que visava a selecionar matérias-primas e produtos intermediários de maior interesse para o crescimento da

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economia, de um lado; e produtos supérfluos, ou de consumo restrito, de outro, aos quais eram aplicadas alíquotas elevadas ou o contingenciamento na importação.

De nada adiantou a recomendação da Sociedade das Nações com vistas à manutenção dos níveis das tarifas de importação então vigentes pelo prazo de um ano, tempo considerado, à época, como suficiente para estimular o incremento das trocas internacionais.

Com o passar dos anos, os 23 países que firmaram o acordo na sua origem, junto com os demais que a ele aderiram, acabaram por se organizar como entidade, embora de cunho informal, tornando a palavra GATT, ao mesmo tempo sinônimo de acordo e de organismo de comércio até que, no curso das negociações da Rodada Uruguai, decidiu-se pela criação da Organização Mundial de Comércio (OMC), a qual hoje conta com mais de 150 membros.

De maior relevância na Rodada Uruguai, destaca-se o grande número de acordos multilaterais assinados pelos representantes dos estados. Além do próprio GATT 1947 1, vale citar os Acordos sobre Serviços; sobre Aspectos relacionados ao Direito de Propriedade Intelectual, afeto ao Comércio; o Entendimento sobre Normas e Procedimentos para a Solução de Controvérsias; e o Mecanismo de Exame das Políticas Comerciais, além de outros.

AS RODADAS DE NEGOcIAçãO DO GATT

Desde a criação do GATT, foram concluídas oito Rodadas de Negociações tarifárias. A rigor, as cinco primeiras se restringiram, basicamente, ao tema relacionado com as reduções tarifárias, predominando em todas as negociações bilaterais recíprocas.

Não há como negar a extrema relevância desse período para a consolidação do processo de liberação do comércio internacional, tendo contribuído enormemente para a expansão do mercado mundial.

A sexta rodada de negociações, denominada Rodada Kennedy, de 1964 a 1967, constituiu um marco na condução do processo de liberalização do comércio internacional, não só pela reformulação das regras até então adotadas para a redução tarifária2, mas, também, pela circunstância de ter sido a primeira oportunidade da qual a Comunidade Europeia participou como bloco nas negociações, fato positivo para a liberalização do comércio, pois permitiu maior equilíbrio em relação ao poder de barganha entre os países-membros.

A modificação do panorama econômico mundial à época, resultante do fortalecimento da Comunidade Europeia e do desenvolvimento do Japão, permitiu 1 Todos os dispositivos e instrumentos legais, celebrados sob a vigência do GATT 1947, foram incorporados ao

GATT 1994, transformando-se no que se convencionou chamar GATT 47/94.2 Modificação já cogitada quando das negociações havidas na Rodada Dillon (1960 a 1961), originada de

proposta dos países europeus, no sentido de se implementar uma redução tarifária de caráter linear, o que só foi efetivamente instituído na Rodada Kennedy (1964 a 1967).

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Princípio da Igualdade em Face do GATT

que a Rodada de Tókio (1973 a 1979) transcorresse num contexto bem diverso dos anteriores. O mecanismo de redução tarifária perdera sua expressão como meio de proteção econômica, cedendo espaço para o estabelecimento de uma política de barreiras não tarifárias, como, por exemplo, as de natureza técnica, a valoração aduaneira, os direitos de antidumping e o fortalecimento dos métodos de solução de controvérsias.

Já na década de 80, a demanda pelo acesso ao mercado mundial se acirra, notadamente pelo fenômeno da globalização da produção, que atinge não somente o comércio de bens, mas, também, os serviços e as questões relacionadas à propriedade intelectual, cenário que conduziu ao início de conversações com vistas à realização de uma nova rodada de negociações, materializada, efetivamente, no período compreendido entre 1986 e 1994, a Rodada Uruguai.

O Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC), pelo qual os países de maior grau de desenvolvimento privilegiam importações de produtos específicos originários de países de economia menos desenvolvida, passou a reger o comércio entre os signatários do GATT.

Contudo, a mais importante exceção diz respeito à permissão contida no art. XXIV, do GATT, segundo o qual as disposições do acordo não constituem obstáculo à criação de áreas – ou zonas – de livre comércio e de uniões aduaneiras. Para efeitos do GATT, zona de livre comércio deve ser entendida como um grupo de dois ou mais territórios alfandegários onde são eliminados o imposto de importação vigente e outras formas de regulamentação restritivas do comércio intrazonal, para o “essencial das trocas comerciais relativas aos produtos originários dos territórios constitutivos de tal zona de comércio livre.”

A união aduaneira, por sua vez, compreende uma área na qual parte substancial do comércio com outros territórios, países ou comunidades econômicas é regida por uma tarifa aduaneira comum. Determina, ainda, que o imposto de importação incidente sobre a entrada de produto originário de terceiros países, bem como as normas regulamentares sobre o comércio sejam idênticas, em substância, para todos os países signatários do acordo regional.

O PRINcíPIO DA IGUAlDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO

A dogmática jurídica sobre a igualdade encontra-se positivada em quase todas as constituições do mundo contemporâneo, como fiel guardiã dos direitos fundamentais do homem. Assim, encontra-se na Constituição Portuguesa, de 1976, na Constituição Italiana de, 1947, na Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 1949 e na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.

Segundo Marciano Seabra de Godoi3, a jurisprudência constitucional dos países da Europa Ocidental se reporta, “quase sempre, ao ‘princípio da igualdade’, 3 GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999, p. 172.

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o que nos remete necessariamente ao estudo da ideia mesma de ‘princípio’, como realidade normativa contraposta às regras”.

Cabe observar que o art. 5°, do Texto Fundamental brasileiro, vincula a igualdade aos direitos da liberdade especificamente declarados naquele dispositivo.

No Direito Tributário, o Princípio da Isonomia consiste na vedação de privilégios ou de tratamento distinto entre pessoas cuja situação seja equivalente sob o ponto de vista econômico-financeiro. A discriminação só pode ser admitida quando a ação do Estado visa à intervenção, no bojo da atividade privada, com o escopo de disciplinar o exercício de determinada atividade, ainda assim, obedecendo a certos limites e aos parâmetros de legalidade, moralidade e equidade de tratamento.

Isso se reflete no campo da tributação pelo próprio conceito de igualdade tributária, que ganha destaque como um dos pontos nodais do pensamento jurídico no Estado Social de Direito.

A SOBERANIA EcONôMIcA E O cONcEITO DE NãO DIScRIMINAçãO

As regras que dispõem sobre a não discriminação entre os Estados constituem exceção ao Princípio da Soberania típica de que eles gozam. Esse fato, por via de consequência, demanda a sua explicitação formal nos tratados e a estrita observância de seus termos, devendo-se concluir que, não havendo norma expressa para prever a igualdade, as relações entre estados-membros de uma comunidade econômica se regem pelo Princípio da Soberania.

Tendo em vista a soberania reinante entre os Estados, Gabriel Casado Ollero4 lembra que constitui interesse recente da doutrina o estudo dos problemas relacionados com a não discriminação fiscal, não somente no concernente ao ordenamento jurídico interno, como, igualmente, no âmbito das relações internacionais, notadamente nos processos de integração econômica.

Em que pese a afirmação acima, nos últimos anos farta base de dados para estudos pode ser encontrada na literatura internacional, caracterizando-se a não discriminação fiscal, assim, como pressuposto básico da formação comunitária, seja no âmbito da tributação direta, como da indireta.

No entender do autor5,

“La lógica y los principios en que se inspira la regla de la no discriminación en el Derecho Internacional son diversos de los que dan lugar a la igualdad (valor, principio y derecho constitucional) en los ordenamientos nacionales y, desde luego, distintos de los que caracterizan a la no discriminación fiscal en el ámbito comunitario.”

4 CASADO OLLERO, Gabriel. “Prólogo” à obra La no Discriminación Fiscal, de SANTA-BÁRBARA RUPÉREZ, Jesus. Madrid: EDERSA, 2001. p. 27/38.

5 CASADO OLLERO, Gabriel, cit. p. 28.

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Princípio da Igualdade em Face do GATT

Ainda sobre o tema, Jesús Santa-Bárbara Rupérez6 assevera que não é uma casualidade o fato de no Direito Internacional, assim como no Direito comunitário europeu, usar-se o termo não discriminação, enquanto no campo dos ordenamentos nacionais se reserve o vocábulo igualdade, ao argumento de, a rigor, a expressão igualdade de caráter notoriamente positivo, ter conteúdo próprio e, dada a sua amplitude e generalidade, carece em si mesma de um contorno preciso. Terminologicamente, não discriminação, nas palavras do autor,

“[...] es un enunciado semánticamente negativo, restringido, y que complementa al anterior – existe igualdad cuando no hay discriminación, y existe discriminación cuando no hay igualdad. Desde un punto de vista jurídico sucede lo mismo, en la medida en que también la no discriminación es la facies negativa de la igualdad.”

A NãO DIScRIMINAçãO cOMO PRESSUPOSTO DA IGUAlDADE

A igualdade e a justiça nas transações comerciais têm sido objeto de apreciação pelos tribunais comunitários, seja o europeu, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC ou qualquer outro. As decisões proferidas por esses organismos vêm reafirmando a fundamental importância das normas tributárias, e as de caráter administrativo para a preservação e legitimação dos acordos de comércio em todas as partes do globo.

A discriminação no comércio internacional coloca em confronto interesses econômicos do país importador e do país exportador, em prejuízo deste último, ferindo os preceitos da livre iniciativa para produzir e comercializar no âmbito internacional.

Em face das assimetrias verificadas entre os signatários dos acordos, é lícito afirmar que a igualdade constitui a base de sustentação do sistema multilateral de comércio no âmbito da OMC. Nesse sentido, o princípio da não discriminação se destina a corrigir possíveis injustiças que possam comprometer a reciprocidade de tratamento visada pelo acordo.

Em matéria de comércio internacional, o princípio da não discriminação é definido com apoio em duas cláusulas de comércio, a saber, a cláusula de nação mais favorecida e a cláusula que veda o tratamento nacional mais favorável, dispostas nos artigos I e III, do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio.

Os dois dispositivos se acham inseridos, mais ou menos com a mesma redação, na quase totalidade dos acordos de integração vigentes em todo o mundo. No Tratado da União Europeia, o princípio da não discriminação está previsto no art. 90, mais abrangente vez que chega a vedar a restituição de tributos na exportação. Com efeito, a restituição, como incentivo às exportações, representa a contrapartida do incentivo concedido ao produtor nacional.

A primeira cláusula, que estabelece o tratamento da Nação Mais Favorecida, é prevista no artigo I, da Parte I, do Acordo, e tem como principal desiderato afiançar 6 SANTA-BÁRBARA RUPÉREZ, Jesús. La no Discriminación Fiscal. Madrid: EDERSA, 2001, p. 45/46.

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a igualdade de oportunidades para a realização, pelos países membros da OMC, de operações de importação ou de exportação.

A propósito, nota-se que a instituição de áreas de livre comércio, assim como de uniões aduaneiras, tem recomendado a adoção de tratamento tributário diferenciado para certos produtos considerados sensíveis, como forma de correção de desigualdades entre os países

É interessante notar que os produtos, objeto de comercialização pelos países, são classificados em duas categorias: sensíveis e não sensíveis. A sensibilidade é, na realidade, determinada em relação aos produtos estrangeiros semelhantes, e às consequências que as importações desses produtos podem causar aos produtos nacionais. Relativamente a esses produtos, são fixados direitos específicos e ad valorem previstos na tarifa aduaneira.

As vantagens concedidas aos demais países integrantes de uma zona de livre comércio ou de uma união aduaneira, como as que consagram isenções, incentivos e outros benefícios, têm precedência sobre as vantagens previstas em acordos de maior abrangência, o que constitui verdadeira reserva de mercado em um acordo de alcance regional.

A supressão de barreiras em uma comunidade regional, no entanto, não pode traduzir-se em obstáculo ao comércio com outros países ou comunidades. A esse respeito, Marcelo José Braga Nonnenberg e Mário Jorge Cardoso de Mendonça7, esclarecem que:

“A elaboração teórica dos conceitos de criação e desvio de comércio remonta ao trabalho pioneiro de Viner (1950) 8. Simplificadamente, a criação de comércio ocorre quando o estabelecimento de uma zona de livre comércio, na medida em que anula as tarifas de importação intrarregionais, resulta no deslocamento da produção doméstica para importações oriundas de um dos membros do bloco. Já o desvio de comércio é observado quando há um deslocamento das importações de um país fora do bloco para um pertencente ao bloco.”

A questão se prende à substituição de bens produzidos internamente por produtos importados de países integrantes do bloco econômico, prática incentivada pela não incidência de tributos nas importações. Assim, um dos principais argumentos utilizados, sobretudo pelas grandes potências exportadoras para a condenação de acordos dessa natureza, funda-se na possibilidade da ocorrência de desvio de comércio.

A CLáuSuLA DE nAçãO MAIS FAVORECIDA

Conforme a cláusula de nação mais favorecida (NMF), consagrada pelo art. I, do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, qualquer vantagem, incentivo,

7 Ver: MENDONÇA, Mário Jorge Cardoso de e NONNENBERG, Marcelo José Braga. Criação e Desvio de Comér-cio no MERCOSUL: O Caso dos Produtos Agrícolas. Texto para Discussão nº. 631. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 1999.

8 VINER, J. The Customs Union Issue — Carnegie Endowment for International Peace. New York: 1950.

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Princípio da Igualdade em Face do GATT

benefício, redução ou isenção de tributos concedidos a um país signatário do GATT deve ser automaticamente estendido a todos os demais países, sem restrição alguma.

O dispositivo não se restringe aos direitos aduaneiros, aqueles que incidem sobre as operações de importação, estendendo-se igualmente às taxas e a outras contribuições eventualmente devidas. Compreende, também, as “imposições de qualquer espécie” exigidas por ocasião da entrada de produtos estrangeiros no país de importação.

Isso quer dizer que a entrada de mercadoria originária de qualquer outro país-membro não pode estar sujeita à tributação mais gravosa que a incidente sobre importações de terceiros. A inserção dessa cláusula no acordo elimina a necessidade de revisão das regras, toda vez que uma vantagem ou benefício for concedido a países não membros.

Hoje, a cláusula de nação mais favorecida se defronta com acirrada disputa por mercados, travada entre países de diferentes níveis de desenvolvimento. Os mais desenvolvidos impõem às importações originárias dos menos desenvolvidos alíquotas ou sobretaxas tarifárias, concedem subsídios diretos ou indiretos à produção, além de contingenciarem as importações, que funcionam como uma espécie de contraponto ao processo de abertura incondicional de mercados no plano mundial, um dos objetivos principais do GATT.

Sobre essa cláusula, convém lembrar que a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD)9 sustenta que os investidores estrangeiros se sentem mais seguros quando estão certos de que nenhuma discriminação afetará a competitividade desejada para seus produtos.

A VEDAçãO DE tRAtAMEntO nACIOnAL FAVORECIDO

Outra cláusula da maior importância para a liberalização do comércio encontra-se no art. 3, do acordo, e tem por finalidade evitar que a proteção à indústria doméstica se transforme em obstáculo à livre concorrência internacional. Ao vedar a concessão de privilégios à indústria nacional, o dispositivo visa a eliminar inúmeras possibilidades de restrições ao intercâmbio de bens entre os estados-membros, com base em políticas protecionistas

Diz o artigo mencionado que

“as partes contratantes reconhecem que os impostos e outros gravames internos, assim como as leis, regulamentos e prescrições que afetem a venda, a oferta para venda, a compra, o

9 United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD). Most-Favoured-Nation Treatment. UNCTAD Series on Issues in International Investment Agreements. UNCTAD/ITE/IIT/10 (vol.III). New York and Geneva: United Nations, 1999. Diz, literalmente, o documento: “Foreign investors seek sufficient assurance that there will not be adverse discrimination which puts them at a competitive disadvantage. Such discrimination in-cludes situations in which competitors from other foreign countries receive more favorable treatment. The MFN standard thus helps to establish equality of competitive opportunities between investors from different foreign countries.”

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transporte, a distribuição ou o uso de produtos no mercado interno e os regulamentos quantitativos internos que disponham sobre a mistura, a transformação ou o uso de certos produtos em quantidade ou em proporções determinadas, não deverão ser aplicados a produtos importados ou nacionais de maneira a proteger a produção nacional.”

Assim, tributos e outros encargos internos não podem constituir gravame

que onere mais os bens importados semelhantes aos produzidos no mercado doméstico de bens similares. A cláusula visa assegurar a igualdade de concorrência entre os dois produtos, o importado e o nacional.

Ao examinar o caso Korea-Alcoholic Beverages, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC manifestou-se pela necessidade de se estabelecer entre os países igualdade nas condições de concorrência, com vistas a proteger as expectativas de exportadores e consumidores, pressupostos do relacionamento estável e previsível nas transações comerciais.

Dessa forma, não é possível imaginar-se que o consumo de bens de produção interna substitua os produtos de origem estrangeira, pelo simples fato de que os primeiros são protegidos pela excessiva tributação dos importados. A escolha do produto a ser adquirido deve atender à expectativa do consumidor, tendo em vista o gosto pessoal, o modelo, o tipo de apresentação, o acabamento, a consistência, a facilidade de obtenção e a garantia, além de outros, não podendo exercer influência na opção o preço mais elevado em função de tributos discriminatórios.

Segundo julgados do Tribunal de Justiça da antiga Comunidade Europeia10, a noção de tributos internos merece ser interpretada de forma ampla, devendo compreender os que gravam efetiva e especificamente as fases dos processos de fabricação e de comercialização simultâneas ou anteriores à fase de importação do produto estrangeiro, a saber, os impostos, as taxas e as demais exações que gravem, direta ou indiretamente, os produtos, tanto nacionais como importados.

Tendo em vista o objetivo a que se propõe, a cláusula integra o princípio da não discriminação acima enunciado, que tem como escopo coibir a discriminação no comércio internacional.

O fosso entre países desenvolvidos e em via de desenvolvimento entrava o processo de liberalização do comércio, na medida em que impede estes últimos de reduzir substancial e imediatamente os tributos cobrados na importação.

Cabe acentuar que, modernamente, o imposto sobre a importação tem por fim nivelar os preços internos e externos de bens similares. Por esse motivo, incide apenas até o nível no qual elimine a vantagem obtida pelo país exportador, em função da dispensa de tributos na exportação.

10 SJCE. Julgamento de 03 de abril de 1968. Molkerei-Zentrale Westfalen/Lippe GmbH vs. Hauptzollamt Pader-born. Caso 28/67; e SJCE. Julgamento de 01 de julho de 1969. Social Fonds Voor de Diamantarbeiders vs. S.A. CH. Brachfeld and Sons e Chougol Diamond. Co. Caso 02 e 03/69.

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Princípio da Igualdade em Face do GATT

SOBRE O cONcEITO DE PRODUTO SIMIlAR

O art. I, item 1, do General Agreement on Tariffs and Trade, faz referência à vantagem conferida a produtos de natureza similar originados de um país-membro da Organização Mundial de Comércio ou destinados a algum dos demais membros.

Não obstante, nos diversos artigos do GATT11 que se referem a “produtos similares”, não há, em verdade, uma definição formal desse conceito no texto do acordo. A rigor, a expressão “produtos similares” conduz à noção de equivalência, admitindo, desse modo, inúmeros significados que dependem do contexto no qual se manifesta.

Corrobora a assertiva acima a manifestação do Órgão de Apelação no caso Japan – Alcoholic Beverages II, no qual a ideia de similaridade foi comparada a um acordeão, cuja mobilidade de interpretação é graduada em face dos elementos que compõem o caso concreto, ou seja, o conceito de equivalência se define em razão do cenário em que a similaridade do produto é discutida.

Outras decisões no mesmo sentido têm-se verificado no âmbito do Órgão de Apelação, como apenas a título de menção, no caso do relatório Canadá-Periodicals. Tendo em vista, porém, o âmbito de abrangência do presente trabalho, não serão feitas maiores considerações sobre o tema, bastando para efeito de compreensão a observação acima.

O AlcANcE DAS clÁUSUlAS DE NãO DIScRIMINAçãO

Nos acordos de comércio predomina a igualdade e, assim, a proibição de vantagens ou incentivos internos, salvo os que forem acordados, em caráter excepcional e expressamente, nos instrumentos negociados.

Conclui-se, em resumo, que o art. I e o art. III devem ser interpretados de forma conjunta e em sentido amplo. O acordo dá relevo à liberdade das trocas, coibindo a prática protecionista adotada em favor da indústria nacional.

Destaca-se entre os dois artigos a subjacente importante diferença no que tange ao âmbito de aplicação das cláusulas. Enquanto o art. 1 faz referência a vantagens ou benefícios concedidos por um país a terceiros, não integrantes do bloco; para o art. 3, em contrapartida a origem da mercadoria é irrelevante para efeito de interpretação da cláusula, sendo necessário, porém, que os países considerados sejam signatários do acordo.

O prejuízo causado pelo descumprimento das regras acima faculta ao país que se sentir prejudicado o direito de pleitear o restabelecimento do statu quo ante, mediante protesto junto à Organização Mundial do Comércio, através do Órgão de Solução de Controvérsias, criado com o fim de dirimir os conflitos de interesses entre seus membros.11 Por exemplo, nos artigos II:2, III:4, XI:2 (c), XIX:1.

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Adilson Rodrigues Pires

A reciprocidade, aqui referida, acentua o formalismo próprio dos acordos internacionais. Dessa forma, é válido dizer que as cláusulas citadas não se estendem às demais regras pertinentes à conduta dos países contratantes, como por exemplo, às normas administrativas que dizem respeito a meros procedimentos aduaneiros.

IGuALDADE E JuStIçA nAS tRAnSAçõES COMERCIAIS

Por meio do Recurso Especial 1989/0009995-7, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base no voto proferido pelo então Ministro Carlos Velloso, relator para o acórdão, decidiu que o bacalhau importado da Noruega goza de isenção de tributos, tendo em vista tratar-se de peixe seco e salgado, similar, portanto, ao peixe nas mesmas condições de produção nacional.

O acórdão encontra fundamento em jurisprudência do Superior Tribunal Federal (STF), que pôs fim à longa pendência sobre a equiparação do produto nacional e o importado, a fim de atribuir alíquota idêntica para ambos os produtos. As razões que sustentaram o voto condutor fazem menção ao artigo III, do acordo multilateral de comércio, em comento.

Não se trata, no presente caso, de isenção concedida pelo artigo III do Acordo Geral, mas, tão somente, de tratamento igualitário entre produto estrangeiro e seu respectivo similar nacional.

Com essa decisão, o STF deixa claro, ainda, que os acordos internacionais firmados pelo país obrigam estados e municípios, tendo em vista os efeitos que produz. Em que pese o fato de que o ICMS é tributo de competência dos estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro receba o mesmo tratamento tributário que o similar nacional.

Como os tratados internacionais têm força de lei, vigente em toda a República Federativa do Brasil, os regulamentos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), tampouco os convênios interestaduais, têm poder para revogá-los. Diante dessas premissas, é válido afirmar que a Súmula 575, do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a mercadoria importada de país integrante do GATT é beneficiada pela isenção do imposto estadual, encontra-se em vigor. Assim, também, estão as Súmulas 20 e 71, do Superior Tribunal de Justiça, que estendem ao bacalhau importado de país-membro do GATT a isenção concedida ao similar nacional.

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Os Fundamentos do Pensamento Estratégico: Instrumentos Ainda Válidos ao Brasil

Os Fundamentos do Pensamento Estratégico:Instrumentos Ainda Válidos ao Brasil

José Alexandre Altahyde HageDoutor em Ciência Política pela Unicamp e analista do Centro de Estudos Themas. Atualmente é Professor na Universidade Federal Fluminense.

Resumo

O objetivo deste artigo é examinar as razões que levaram ao abandono do planejamento estratégico nas relações internacionais, principalmente nos Estados em desenvolvimento como o Brasil. Relevante instrumento de ação e direção política, o planejamento estratégico passa a ser menos indicado como ferramenta de Estado e mais da grande empresa, à medida que a economia de livre mercado e a reforma institucional ganham espaço. Também é intuito do texto verificar quem se dedica aos estudos da estratégia.

Palavras-Chave: Planejamento Estratégico. Poder Nacional. Ciência Política. Brasil.

Abstract

This paper aims to analyze the reasons to promote the fall of strategic planning in the international relations, meanly Brazil. Being considered as an important instrument of political use, this strategic planning is less indicated as tool of State, but more for big organizations, when the free market economy and the institutional reform gain space. Moreover, the goal of this paper is also to verify those who are dedicated to the strategy studies.

Key-Words: Strategic Planning. National Power. Political Science. Brazil.

O PRInCíPIO DE PLAnEJAR EStRAtEGICAMEntE

O intuito deste artigo é contribuir para a compreensão dos fundamentos conceituais do pensamento estratégico na atualidade. Versa sobre breve trabalho que, certamente, não esgota o assunto, apenas traz à tona tema cada vez mais importante a fim de pensar uma forma positiva de inserção internacional, sobretudo em ambiente conturbado politicamente e atravessado por variados conflitos, como se trata do moderno sistema internacional.

Raymond Aron imagina o sistema internacional como um teatro, em seu clássico Paz e Guerra entre as Nações, no qual os Estados se relacionam por meio

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José Alexandre Altahyde Hage

de condutas e códigos comuns. Condutas e códigos conformados pelas unidades políticas mais poderosas – dando a entender que o próprio modelo de se exercer a moderna diplomacia iniciou-se na Europa. De outra forma, os modernos Estados nacionais, saídos do Tratado de Westfalia, de 1648, constituíram um meio de relacionamento onde a moeda de troca é a diplomacia e a guerra. A diplomacia por meio de seus códigos e instrumentos, os quais os Estados aceitam como forma de se reconhecerem. Já a guerra não é diferente. Trata-se também de ferramenta com a qual os Estados podem resolver conflitos não solucionados por outros meios, como os diplomáticos, por exemplo. (Aron, 1986).

Nesse aspecto, para Aron, a diplomacia e a guerra não são antípodas necessariamente; são duas faces da mesma moeda as quais se interligam e se alimentam. Embora haja sobre a guerra forte carga moral e emocional, não é algo estranho à vida dos Estados que se qualificam como potência. Muito se tem escrito sobre a guerra, que, pelas dimensões módicas e intenções deste artigo, não pode ser amadurecida e apresentada convenientemente.

Por outro lado, considerando que o sistema internacional se torna arena conflituosa por natureza, bem como sua conformação pelas grandes potências de cada época, os Estados passam a encarar como missão primeira e mais urgente a aquisição de meios estratégicos mais concernentes com a sua realidade. Se o sistema é desigual e violento, cabe aos Estados formularem estratégias para sobreviver em tal ambiente de concorrência.

É fato também que há, momentaneamente, períodos de descanso onde surgem posturas virtuosas, as quais procuram conquistar o mínimo de harmonia entre os Estados, senão o próprio sistema não sobrevive, por excesso de rispidez. Esses momentos especiais são aqueles nos quais emergem personalidades universais requisitando um mínimo de condições de concerto. Assim, criou-se a Sociedade das Nações, em 1919; e as Nações Unidas, em 1945. Contudo, isso não anula a situação do sistema, ou seja: desigual. (Aron, 1986).

O ponto crucial do pensamento estratégico é saber que um breve descanso da violência sistematizada, como a guerra, não permite aos Estados abrirem mão de sua segurança e do vislumbramento do futuro, para estudarem cenários positivos e negativos. Assim, torna-se fatal para a unidade política, que ignora a essência do sistema do qual toma parte. O planejamento estratégico é o exercício mais premente para os Estados, em qualquer época.

Por isso, o pensamento político clássico, sobre o qual emerge o planejamento estratégico guarda importante premissa. A consecução de tarefas escolhidas pela diplomacia não pode se esquecer que sua realização se faz de modo mais eficiente na medida em que o poder nacional a ampare e lhe assegure a palavra perante outras diplomacias, assim, tanto a diplomacia quanto a guerra não deixam de ser um relacionamento entre poderes nacionais, tendo vantagens aquele cujo preparo

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Os Fundamentos do Pensamento Estratégico: Instrumentos Ainda Válidos ao Brasil

for maior.1 O professor Oliveiros Ferreira já opinou a respeito desta questão, sobre a relação proveitosa entre diplomacia e poder nacional, a fim de contribuir para a boa inserção internacional.

Porém, é congruente explicar que poder nacional, como prefere Oliveiros, é a relação entre os fatores nacionais de poder, as Forças Armadas, a moderna economia, a qualidade científico-tecnológica produzida pelo Estado, riquezas naturais etc. Agregando mais um item a esse agrupamento podemos citar o planejamento estratégico (Ferreira, 2001).

O papel do planejamento estratégico não necessita ser, obrigatoriamente, um instrumento voltado para a guerra, embora dela se origine. Mais do que isso, ele tem de encarar o sistema internacional como ambiente onde a guerra é comum, pois não deixa de ser um contato entre Estados. Aqui, guerra como embate militar entre exércitos regulares e com objetivos bem definidos politicamente, como bem expôs o clássico de Clausewitz.

Tomando de empréstimo o conceito que o general Golbery do Couto e Silva tem da estratégia, podemos clarear mais nosso texto para desenvolver, com mais afinco, o raciocínio: “O Conceito Estratégico Nacional é a diretriz fundamental que, em dado período, deve nortear toda a estratégia da Nação, com vistas à consecução ou salvaguarda dos Objetivos Nacionais a despeito dos antagonismos que se manifestam ou que possam se manifestar tanto no campo internacional, como até no âmbito interno do país” (Silva, 1981: 59). Daí surge a importante tarefa de se eleger quais objetivos o Estado precisa seguir. De forma consciente, os objetivos devem ser o desenvolvimento econômico e a segurança de forma geral, que vá além do aspecto primeiro da defesa nacional.2

Mas, nesse aspecto, há uma questão. Nem sempre o desgaste, declínio ou crise de um determinado Estado ocorre por meio de guerras; de encontros militares. Pode haver desvalorização política e econômica das unidades políticas por intermédio de “sugestões”, intromissões e obrigações, cujas grandes potências, aquelas que conformam o sistema internacional em interesse próprio, imputam aos menos preparados. Em outros termos, elas podem fazer os Estados menos desenvolvidos aceitarem normas e manifestações que lhes tragam mais prejuízos do que avanços.

Embora o precitado possa ser abstrato, à primeira vista, não é de todo difícil encontrar exemplos. A exposição por que passam alguns Estados periféricos às sugestões dirigidas pelas organizações financeiras internacionais – programas

1 Sobre essa passagem ver José Honório Rodrigues e Ricardo Seitenfus, para quem a construção do poder na-cional é importante para se pensar a existência do próprio Estado. Questão crucial para os autores uma vez que, historicamente, sempre emergem forças antinacionais que perturbam essa tarefa essencial de se obter poder (Rodrigues e Seitenfus, 1995).

2 É evidente que Golbery faz largos desdobramentos conceituais da segurança nacional, que vão além das preocupações de defesa. Mas, cabe lembrar aqui outra marca indelével sobre a segurança em termos mais amplos: o pronunciamento do presidente Castelo Branco aos formandos do Instituto Rio Branco, em 1964.

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José Alexandre Altahyde Hage

feitos por tais instituições, cujo mote é universalizar o livre comércio internacional, o acato à propriedade intelectual e a redução dos poderes políticos nacionais como valores universais e democráticos.

Sobre o exposto acima não deixou de haver produção intelectual e, também, ideológica, a qual contribuiu para que houvesse aceitabilidade por parte dos governantes; estes passaram a ver o processo desarticulador do poder nacional como se fosse força incomensurável, sob a qual seria inútil resistir. Se não há resistência, então, se possível, melhor tirar proveito da situação, conforme crítica feita por Paulo Nogueira Batista Junior a respeito do “fatalismo” que existiu no governo de Fernando Henrique Cardoso (Batista Junior, 1997).

No caso de alguns Estados em desenvolvimento, o Brasil especificamente, o acato aos programas de organizações internacionais e o relativo abandono de políticas de desenvolvimento nacional resultou em prejuízos que lembram combates perdidos. Isso porque as poucas condições para se criar empregos regulares, de manter o crescimento econômico, de promover pesquisas tecnológicas que fossem concernentes ao poder nacional foram danos encontrados durante os anos 1980 e 1990. Vale dizer, durante uma concepção de reforma institucional na qual o mote fora a desarticulação do Estado.3

A pouca atenção para com o papel desempenhado pelo ente político durante aqueles anos combinou também com a falta de importância do planejamento estratégico. Isso porque houve relação automática com a ideia de o planejamento estratégico estar ligado, necessariamente, ao Estado pesado, a estatais ineficientes e, por fim, ao regime autoritário de 1964.

Como bem frisara o almirante Cesar Flores, na passagem dos anos 1980 para 1990, deu-se o declínio do pensar estrategicamente na consecução de segurança, propriamente dita, do Estado brasileiro. Em grande parte, isso se havia feito por ressentimentos da “nova” elite política que desejava desarticular, na medida do possível, os fatores do poder nacional, mormente as Forças Armadas. O meio para isso passou pelo enxugamento do orçamento militar e pelo sucateamento do material bélico, dando efeitos que ainda perduram (Flores, 2002).

O artigo seguinte procura fazer breve análise do pensamento estratégico com relação ao modelo de desenvolvimento adotado, em grande parte, pelos países em desenvolvimento, com destaque para o Brasil, que vive em um dilema a respeito da urgência de se construir um projeto nacional, concernente com o País; ato indissociável de se ter pensamento estratégico, e as obrigações assumidas para manter a respeitabilidade ao crédito internacional.

3 Sobre essa passagem é salutar a leitura de John Pilger, cujo livro, Os Novos Senhores do Mundo, demonstra como as políticas chamadas liberais e modernizantes deram prejuízos econômicos e sociais inimagináveis a alguns Estados em desenvolvimento, como a Indonésia que adotara linhas indicadas pelo FMI, mas não obteve ajuda nem resultados esperados no momento de sua mais profunda crise (Pilger, 2004).

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DESDOBRAMEntO DA QuEStãO

Nos últimos tempos algumas questões têm chamado atenção. Afinal, o que é planejamento estratégico e quais os autores interessados em seu estudo? Porém, uma observação tem de ser feita. Quando falamos nesse tema estamos nos dirigindo ao instrumento racional do poder político que se preocupa com o andamento do Estado. Isto é, procurando resolver problemas mais prementes pela busca do bem-estar da população; considerando um de seus promotores o pleno emprego e o avanço em ciência e tecnologia, dois itens do próprio poder nacional comentados anteriormente.

Essa observação pode parecer evidente e pouco esclarecedora para quem há muito se dedica a estudar o assunto. Afinal, ela dá a entender que, efetivamente, o planejamento estratégico só pode ser arranjo do poder político. Em nossa opinião, essa relação automática, a qual liga estratégia aos fundamentos do Estado não existe regularmente. A posição negativa acontece não porque uma esfera exclui a outra, ou porque são opostas, mas, sim, em virtude de transformações da cultura política e pela falta de projeto nacional que valorizasse o planejamento como ferramenta do Estado.

Ao comentarmos a mudança na cultura política nacional queremos dizer que não passou a ser mais comum vislumbrar a evolução do Estado e sua inserção ativa no sistema internacional. E por quê? Embora seja lugar comum analisar os governos existentes na década de 1990, como se eles fossem suficientes para operar mudanças, benéficas ou não, ainda é licito tecer alguns comentários que remontam àquela época. A decadência do planejamento estratégico ganhou espaço nos anos 1990 com plataformas governamentais, as quais tencionaram fazer a reforma institucional, onde as instituições estatais passassem a ser mais reativas do que avante.

O fundamento mais básico do Estado, ao menos aquele com alguma relevância no sistema internacional, é amparar sua locomoção na geopolítica, este como instrumento que tire proveito das condições espaciais para o núcleo idealizador do poder político, e no planejamento estratégico que procura vislumbrar as intenções futuras da unidade política. Acreditamos que a assertiva exposta aqui não contraria o imaginado por Golbery e Meira Mattos. De outro modo, é lícito dizer também que geopolítica e planejamento estratégico ganham muito mais dimensão à medida que suas aplicações são feitas por um Estado adequado ao perfil clássico de poder.

Com efeito, um Estado com autonomia suficiente para se elevar acima dos conflitos sociais, políticos e econômicos da sociedade da qual ele é parte superior, coordenando-a, e não sendo dirigido por grupos específicos os quais queiram fazer do poder político uma espécie de comitê especializado, a fim de defender interesses particulares. É o que nós podemos denominar Estado Infraestrutural, como prefere

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Michael Mann, ao analisar a existência de um Estado que expressa autoridade suficiente para se manter sobre a economia, mesmo esta tendo sido atribuída a grupos econômicos diversos (Mann, 1991).

Nas medidas teóricas brasileiras podemos citar Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, cujo princípio é o que nos anos 1980 e 1990, do livre cambismo latino-americano, houve a ascensão de dois modelos de desenvolvimento socioeconômico que pouco contribuíram para a estabilidade dos países. Se a queixa geral era a de que o antigo modelo desenvolvimentista de substituição de importações havia se esgotado por causa, inter alia, da ineficiência do Estado e da baixa do erário para bancar esse modelo, então, que fizesse a transformação necessária para obter crédito financeiro internacional (Cervo e Buenos, 2002).

A transformação viera por dois modelos não conjugados obrigatoriamente, o Estado Normal e o Estado Logístico. O Estado Normal fora aquele também denominado neoliberal, no qual o poder público perde a coordenação sobre a produção e os setores de serviços, delegando-a a próprias empresas ou a agências reguladoras mal equipadas e desrespeitadas em seus propósitos, como bem comenta o brigadeiro Sergio Ferolla e Paulo Metri sobre a ANP:

“(...) o governo federal, no período de 1995 a 1997, comprometido com a aplicação das teses neoliberais de interesse do poder econômico internacional, explicitadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, e utilizando toda sua força política, interveio no setor de petróleo, conseguindo aprovar a Emenda Constitucional 9, de 9 de novembro de 1995, que buscava acabar, de modo camuflado, com o monopólio estatal do petróleo, bem como a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, que, sem subterfúgios e de forma clara, terminou com o monopólio e deu origem à ANP”. (Ferolla e Metri, 2006: 193).

Por sua vez, o Estado Logístico não diminui o poder político, reforça-o amplamente. Sob esse modelo há, sim, a transferência produtiva para a economia privada, permite-se que haja liberdade de iniciativa econômica, mas sem se desconsiderar que tudo isso faz parte de um plano coeso montado pelo Estado, pelo planejamento estratégico (Cervo e Bueno, 2002). Necessariamente, iniciativa privada e liberdade de investimento não significam fraqueza do poder político. Sobre essa opinião é interessante consultar o período Castelo Branco com sua procura de reformar conceitualmente o Estado, mas sem perder autoridade (Martoni, 1972).

E porque tal operação política e mental ocorreu? Para alguns autores ocorreu por causa de dois acontecimentos não necessariamente vinculados um ao outro. O almirante Flores é da opinião de que o final da Guerra Fria contribuiu para a premissa de que pensar estrategicamente seria alimentar o “equilíbrio do terror”. Por isso, se não haveria mais o grande confronto ideológico por que, então, gastar recursos e tempo com algo ultrapassado? (Flores, 2002). Não há como deixar de pensar também na globalização, cujo fenômeno veio com a máxima de que os

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fluxos econômicos e tecnológicos estariam acima das soberanias, assim como uma política de direitos humanos e de meio ambiente.

O impacto do comentado acima pode ser apresentado desta forma. Se nos anos 1970 a preocupação brasileira para com a Amazônia tinha pressuposto geopolítico, reafirmando a preocupação nacional com a segurança da região, por isso a confecção de tratado para marcar a posição do Brasil junto aos seus vizinhos, desta vez o que leva os governos a atentarem para a região norte não guarda mais razões geopolíticas. Pelo menos com a percepção de geopolítica que classicamente se espera dela, a de fornecer insumos e dados de elevada importância para a estabilidade político-econômica do Estado.

Raciocinar que na era da globalização não seria mais congruente refletir a geopolítica, pois a agilidade de atores, de tecnologias e do mercado superaria a razão de Estado não deixaria de ser capcioso e de uso ideológico para grupos que tiram proveito dessa máxima. Sobre essa questão é interessante ler o general Meira Mattos em cujo livro, Geopolítica e Modernidade, o estudo dos clássicos da disciplina são retomados; conclui, ainda, o contrário, devem-se aumentar os cuidados do poder nacional, da estratégia com relação à Amazônia, justamente por causa de novos fatores de ameaças, como o crime organizado, o contrabando de drogas e a biopirataria que ofendem a soberania nacional (Mattos, 2002).

O outro acontecimento veio acompanhado da redemocratização da vida nacional com a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República, em 1985, via Colégio Eleitoral, pondo fim ao período ocupado pelo movimento político-militar de 1964. Nesse ponto, houve a relação automática de imaginar o planejamento estratégico com o regime militar, pois coube àqueles governos a confecção de planos estratégicos, caso mais famoso o II PND, de 1974, que muito ampliou a industrialização brasileira, inclusive para setores não convencionais para Estados em desenvolvimento, caso da informática e da indústria de armamentos (Gremaud e Pires, 1995). Porventura, se acabou o “dirigismo”, também deveria findar seu instrumento de ação, conforme imaginaram os operadores do governo federal nos anos 1990.

A razão para essa escolha pode ser encontrada na crise da dívida externa nos anos 1980. Nos debates político-econômicos do período no qual se passou a disputar governos estaduais e prefeituras. De início, houve quem opinasse ser a crise econômica brasileira fruto da escalada da dívida externa nos anos 1970, principalmente para construir obras de infraestrutura. É fato, quem alimenta essa visão já tem seus pressupostos montados, como também seria lícito refletir quais eram as reais condições do período e quais eram as condições de crescimento apresentadas pelos governos.

Não deveria ser esquecida a política de reconstrução do poder norte-americano do governo Reagan, em 1980, que fez subir enormemente os juros da dívida externa por meio do Federal Reserve. Estava bem clara para aquele

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presidente a missão primordial de sua gestão: elevar a posição de destaque dos Estados Unidos frente à União Soviética, ainda que ele tivesse de quebrar todos os países em desenvolvimento devedores.

Por conseguinte, o fim da Guerra Fria contribuiu para que a estratégia, a Grande Estratégia, como prefere Oliveiros Ferreira, entrasse em desuso conforme avançavam os governos civis. Não só o seu fim, mas a própria dívida externa. Aqui é mister dizer que o fim de ambos os acontecimentos, um externo e outro interno, fez o planejamento estratégico entrar em crise no Brasil, à primeira vista, e não em todo o mundo (Ferreira, 2001). Isso porque afirmar que a globalização e seus efeitos provocassem a mesma ação em todos os Estados não deixa de ser ideologia e escapismo para fracassos. Desemprego, crise da educação não são efeitos da globalização, mas, sim, de políticas erráticas. Certamente, os efeitos na América do Sul não seriam os mesmos nos Estados Unidos (Nogueira Junior, 1997).

No Brasil, a ausência do planejamento estratégico significou seu desuso, não na vida nacional propriamente dita, mas naquela esfera na qual seria mais urgente: na política. No cotidiano econômico a estratégia sobreviveu, e até floresceu. Mas onde? Nas corporações empresariais, na grande empresa nacional com intenção de se internacionalizar, e na multinacional, cujo interesse é conquistar mercados e debelar a concorrência. Nesse campo ela pode ser encontrada.

A grande corporação empresarial não criou o planejamento estratégico, não se criou algo diferente daquele usado pelo Estado. A empresa somente passou a utilizar aquilo que já existia nas instituições do poder político, como nas Forças Armadas. Nessa ótica, se o mercado internacional e o nacional são uma guerra, onde os mais bem preparados vencem, em analogia ao sistema internacional, então é urgente que a estratégia seja a ferramenta de consecução – feita pela empresa no papel de exército. Isso porque com o fim da Guerra Fria, nos primeiros tempos otimistas dos anos 1990, houve a premissa de que o sistema internacional não mais assistiria a grandes conflitos; não haveria mais necessidade de choques entre Estados e seus exércitos. Os embates seriam feitos entre mercados e empresas.

Além do mais, se a estratégia está ligada à maximização racional das unidades políticas e militares ela deve, assim, entrar em declínio, visto que não haveria mais guerras no seu teor mais tradicional, entre exércitos nacionais coordenados pelo Estado-Maior, mas, sim, entre atores não estatais e sem identidade com alguma nacionalidade, por exemplo, o crime organizado e o terrorismo. Nessa seara, comentou-se sobre o fim do pensamento de Clausewitz; o de Keynes também já havia sido decretado o final, para dar espaço à economia de mercado. No século XX, com o advento da guerra total, relacionar o autor do Da Guerra com o de As Conseqüências Econômicas da Paz não foi preciosismo – grandes exércitos necessitam de uma economia afim.

Com efeito, se a grande empresa passou a fazer uso da estratégia, ao menos

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uma estratégia self-service; e o Estado abriu mão de intensificar sua sugestão, cabe perguntar o que é planejamento estratégico.

É congruente afirmar que pensar no planejamento estratégico de nenhuma forma acarreta desprezo pelo mercado ou pelos agentes empresariais. Ao contrário, incrementando-se a estratégia, pode-se chegar a um saudável relacionamento entre o poder político que necessita da cooperação das empresas. Por outro lado, o empreendimento privado também pode aproveitar os estudos e os instrumentos públicos para seu crescimento. Válido nesse raciocínio não é a preeminência de uma esfera sobre a outra, mas, sim, a cooperação.

No livro Planejamento Estratégico, de Golbery do Couto e Silva, verifica-se que por estratégia se compreende um estudo detalhado o qual vislumbra a posição almejada pelo ator dentro de um determinado tempo. Vale questionar, o que deve ser feito para o Brasil ser uma grande potência daqui a quarenta anos. Quais aspectos devem ser trabalhados primordialmente e quais problemas podem interferir nesse processo.

Por isso, pensar estrategicamente é planejar e procurar antever problemas imagináveis, tentando antecipá-los na medida do possível, sem ser surpreendido. Dessa forma, fica patente dizer que planejamento estratégico só pode ser mesmo de Estado; das instituições políticas. Ele se faz vislumbrando o futuro, o que o ator deseja ser. Mas para isso é preciso fazer o levantamento e o estudo das condições atuais e com quais recursos o Estado pode contar. Golbery divide a operação do planejamento estratégico em duas etapas.

A primeira é a consecução dos Objetivos Não Permanentes, aqueles que não são urgentes, mas convém tê-los. Pedindo licença ao autor, talvez pudéssemos dizer que os objetivos não permanentes podem ser entre outras coisas, a atração de um tipo de investimento internacional. A entrada desse investimento certamente é uma contribuição, mas o Estado não pode ser dependente dele.

Já os Objetivos Permanentes são aqueles dos os quais a unidade política não pode se furtar. Mais uma vez pedindo licença a Golbery, a regularidade de energias pode ser vista como parte dos objetivos permanentes. Sem dúvida, a consecução energética, a segurança energética que compromete o pressuposto de segurança em toda a sua essência não pode se ausentar.

No âmbito do poder político não é licito vislumbrar a ascensão ativa do Estado sem consecução energética. E, para isso ser feito, é tarefa fundamental estudar os atores e as condições em que essa energia é fornecida. Quem são meus importadores de petróleo? Quais são as condições do mercado internacional de energia? Quais são as questões políticas que podem envolver, não somente o sistema internacional, mas também atrapalhar a vida interna do meu fornecedor. E, se por acaso meu importador de petróleo entrar em profunda crise? Atualizando o tema da energia, como tirar proveito do álcool combustível? Como neutralizar possíveis crises e críticas? Como fazer desse insumo um item relevante para a economia brasileira?

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José Alexandre Altahyde Hage

De modo breve, esses são itens e questões que perpassam o planejamento estratégico e seu papel no estudo de cenários onde o Brasil pode aproveitar para crescer e procurar resistir a contratempos. Contudo, para esse exercício ser amplo é necessário ser pensado e ensinado largamente. Mas isso não acontece dentro do quadro esperado. Correndo o risco de cometer leviandade acadêmica, pode-se perceber quão numerosa tem sido a publicação de livros sobre estratégica, mas sob a ótica da empresa, do empreendimento privado, sendo muitos títulos importados para as salas de graduação no Brasil.

Na esfera do Estado, para compreender o planejamento estratégico na elevação do poder nacional, onde a economia certamente é item relevante, os títulos são curtos. É como se fosse anacrônico pensar os destinos do País e conceber cenário em que ele seja respeitado em todas as formas. Em linhas gerais, os pensadores brasileiros da estratégia e do planejamento são, em boa parte, oriundos dos anos 1950 a 1970. Vejamos alguns desses autores.

1 – Golbery do Couto e Silva. No livro Planejamento Estratégico o autor estuda os fundamentos da estratégia e sua relação com a aquisição de bens vulneráveis, bem como o papel dos regimes políticos. Isso pode provocar polêmica, mas Golbery concebe a estratégia sob o regime democrático.

2 – Betty Lafer. Em livro considerado clássico, O Planejamento no Brasil, a autora organiza dois tomos com as experiências, avanços e contratempos, dos mais importantes planos estratégicos e de desenvolvimento que teve o Brasil. Nos dois números há experiências sobre o Plano de Metas, de 1956; o PAEG, de 1965; o Plano Estratégico de Desenvolvimento, de 1968 e outros.

3 – João Paulo de Almeida Magalhães já é de safra mais nova. O autor procura resgatar a função do planejamento estratégico para refletir sobre as complicações macroeconômicas dos anos 1990, como a dependência excessiva ao capital internacional, por exemplo.

Como se pode observar, o assunto é complexo e abre espaço para mais comentários, situação que o espaço aqui proposto não comporta. Porém, fica registrada a iniciativa para o debate e críticas.

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Laura Maria Corrêa de Sá Freire

Relacionamento Civil-Militar no Brasil Hoje

Laura Maria Corrêa de Sá FreireEngenheira civil, Mestre em Ciência pela COPPE/UFRJ, Chefe da Divisão de Assuntos Científicos e Tecnológicos da Escola Superior de Guerra

Resumo

Algumas questões sobre o relacionamento civil-militar no Brasil devem ser mais estudadas. Como tem evoluído este relacionamento? É fato que nesse tema estão inseridos assuntos como sociedade, desenvolvimento, conflito, cidadania, processos de crise, poder civil, controle civil, profissionalismo civil e militar e, no caso do estudo proposto, o comportamento dos brasileiros em consequência das influências externas e internas preponderantes. Portanto, a matéria deve ser motivo de discussão e análise no mundo acadêmico e nos centros de estudos militares, já que, diante da importância dessas questões, torna-se um dos aspectos fundamentais e um dos principais componentes institucionais da política de segurança nacional. Palavras chave: Relacionamento Civil-Militar. Forças Armadas. Sociedade Civil. Nação.

Abstract

A few questions regarding civil-military relations are to be further considered. How have these relations evolved? How are theses relations getting by? In the field of such relations one has to get involved in subjects such as society, development, conflict, citizenship, processes of crisis, civilian power, civil rule, civil and military professionalism and in the very case we are proposing, also Brazilian society terms of societal behavior as consequence of external and internal overriding influences. Regarding the extreme relevance of questions crossing over civil-military relations this is actually one of the fundamental aspects and one of the main instrumental components of National Security policy, hence it must be treated as one raison d’être of deep involvements and research both in the academic world and in military centers.

Keywords: Civil-Military Relations, armed forces, civilian society, nation.

INTRODUçãO

Este estudo pretende lançar algumas reflexões sobre o relacionamento entre civis e militares no mundo atual em que, cada vez mais, se faz necessária a interação

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Relacionamento Civil-Militar no Brasil Hoje

entre entidades distintas. O propósito é discutir a participação da sociedade como um todo e o adequado relacionamento civil-militar para a construção de um futuro melhor, onde todos possam desfrutar de um bem comum em um país plenamente desenvolvido.

O Ministro de Estado da Defesa, em conferência no encerramento do VIII Ciclo de Estudos Estratégicos, realizado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, em junho de 2008, disse que “as questões de defesa não pertencem apenas a agenda militar, mas, sim, a uma agenda nacional de preocupações. É preciso inserir o poder civil nas questões de Defesa”. Afirmou também “... que a sociedade brasileira desconhece as necessidades de Defesa do Brasil. Que, após 1964, para os brasileiros, o tema defesa ficou associado à repressão política, e o de segurança, ao DOPS. Que a elite política se afastou da questão da segurança”. Que “a Constituição Federal só discutiu a função das Forças Armadas. Não tratou das relações entre poder político e poder militar. O distanciamento entre o poder militar e o poder civil foi reduzindo a capacidade de investimento das Forças Armadas. Houve o distanciamento da discussão das questões relativas à soberania do país e que reduzidas apenas aos interesses de aspecto militar, fez com que os militares assumissem o papel que os políticos e os civis deixaram de definir, que eram as questões de Defesa Nacional”.

Considerando o conceito de Defesa Nacional e, ou, o de Segurança Nacional, torna-se necessário o estreitamento das relações entre as Forças Armadas e os setores produtivos da Nação, do mesmo modo, que é imperativo a aproximação e interação das escolas de pensamento civil com as de pensamento militar. O militar e o civil pertencem a diferentes segmentos da sociedade e têm concepções distintas do mundo. Sendo assim, não devem ser confundidos, nem julgados, por suas diferenças, inerentes ao desempenho de seus papéis, mas vistos como complementares e igualmente solidários e cooperativos quanto aos interesses nacionais.

A Política de Defesa Nacional (Brasil, 2005), que estabelece as diretrizes para o preparo e o emprego da capacitação de todas as esferas do poder nacional em caso de ameaças externas, determina através de sua Diretriz Estratégica XVI, Capítulo 7, a promoção de ações para “incentivar a conscientização da sociedade para assuntos da Defesa Nacional”.

O II Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) realizado de 15 a 18 de julho de 2008, na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, teve como objetivo discutir assuntos de interesse da Defesa e incentivar o trabalho conjunto de militares e civis, apesar de suas diferenças (construtivas e funcionais), no estudo das questões de desenvolvimento e segurança do Brasil, temas deste artigo. As diferenças mencionadas não serão maiores do que os interesses de verdadeiros brasileiros na solução dos problemas nacionais e na construção do bem comum.

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Laura Maria Corrêa de Sá Freire

RETRATO DIFUSO DE UM TEMPO

Este trabalho pretende apresentar um retrato do momento atual da sociedade e, apesar de não abranger todas as nuances e facetas que compõem o assunto, é uma visão difusa do nosso tempo. A proposta é analisar o presente como uma consequência de alguns fatores e condicionantes de origem interna e externa do País.

O fim da Guerra Fria gerou profundas mudanças nos relacionamentos internacionais, associadas às transformações ocorridas no mundo, decorrentes da chamada Terceira Revolução Industrial. O processo de globalização caracterizado principalmente por uma ruptura dos modelos tradicionais de comércio e produção foi profundamente acelerado por essas metamorfoses verificadas em todos os setores produtivos. Essas transformações absorvidas pelas sociedades, sem que delas se apercebessem, geraram novos modelos de funcionamento e de posicionamento dos Estados-Nações (Côrtes, 2000).

A disputa entre o modelo capitalista e o socialista para se impor no cenário internacional havia se tornado desnecessário ao fim da Guerra Fria. Uma nova ordem mundial estava sendo estabelecida pelo “modelo vencedor”, que se pretendia como sólida e estável o suficiente, garantindo um estado de harmonia entre os povos para “sempre”. A impressão de que os inimigos não mais existiam acabou se revelando uma sensação de momento, rapidamente contrariada. Segundo Cortês (2008), em “Reflexões sobre a Segurança”, o mundo pós-Guerra Fria está minado por antagonismos. A ocorrência das novas ameaças, até então não identificadas, são situações que o cidadão de qualquer parte da Terra agora está exposto, como mostra Alexander:

As novas ameaças à Segurança Nacional vão desde o terrorismo patrocinado por estados, organizações criminosas internacionais, organizações transnacionais e organizações religiosas fundamentalistas, e grupos em busca de um solo-pátrio, grupos de excluídos economicamente – algumas vezes massas famintas – e pessoas que se consideram socialmente agredidas. Essas são ameaças, tanto internas quanto externas, às atuais nações soberanas. Muitas não têm endereço fixo. Enquanto Forças Armadas tradicionais são necessárias para as ameaças convencionais citadas [...], nós estamos muito despreparados para enfrentar essas rápidas situações emergentes. O uso da força não pode resolver problemas básicos, como explosão populacional, extrema miséria e doenças (Alexander, 2003).

Para Raposo (1997/A), o brasileiro sofre de questões sociais particulares que geram reflexos na segurança nacional. As mais importantes são a vulnerabilidade social, a violência urbana e rural, a corrupção nos diversos níveis e escalões, a fragilidade do sistema partidário e de grupos cujos interesses nem sempre convergem com os propósitos nacionais, um forte processo de interferência cultural, a ausência ou a deficiência na atuação do Estado e a crise dos organismos institucionais.

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A globalização, fenômeno que surgiu de forma mais acentuada nas últimas décadas do século XX, aparece como uma nova etapa do desenvolvimento do capitalismo mundial. É um processo de profunda interação econômica, política e cultural entre países, decorrente do barateamento dos meios de transporte, do avanço dos meios de comunicação e do incrível desenvolvimento da informática. É a consequência natural de um capitalismo dinâmico que precisava atender às necessidades de ampliação dos mercados de consumo externo dos países centrais (os chamados desenvolvidos) por já estarem saturados.

Segundo o sociólogo Giovanni Alves (1999), a globalização, também chamada por alguns autores, como “mundialização do capital”, não é só um fenômeno econômico, mas fundamentalmente político. No entanto, Santos (2000) não concorda, pois entende a economia como poderoso e eficiente instrumento de poder, como meio.

É antes de tudo, decorrente de determinações políticas. É essencial levarmos em consideração, ao mesmo tempo, o político e o econômico, para que possamos compreender a verdadeira natureza da mundialização do capital. Na verdade, uma acumulação predominantemente rentista, reflete mudanças qualitativas nas relações de força política entre o capital e o trabalho, assim como entre o capital e o Estado, em sua forma de Estado de Bem-Estar (Alves, 1999).

Uma das principais características da globalização, que interessa na construção deste estudo, é o significado da expansão das grandes corporações para regiões até então fora de seus interesses econômicos, muitas vezes tão poderosas que assumem a condição de se contrapor aos Estados em que se instalam. Surgem blocos comerciais em uma nova ordem geoeconômica regional (não mais ideológicos) com a hibridização entre culturas populares locais e uma cultura de massa universal. Outra peculiaridade dessa ordem é a formação de uma nova “aldeia global”, composta por países globalizantes e globalizados, onde os primeiros mandam no processo e os segundos são arrastados por esses. Globaliza-se a miséria, mas não o verdadeiro progresso. Os capitais circulam livremente, mas as pessoas não. Prioriza-se a competitividade, em vez da solidariedade.

Os conceitos de modernidade, soberania relativa, soberania compartilhada e a eliminação das fronteiras nacionais, que delimitam a base geográfica do Estado nacional, bem como as consequências da interferência cultural, fazem com que os conceitos de nação, soberania, pátria, autodeterminação sejam esquecidas ou contestadas. Um processo planejado, com objetivo de fomentar uma total mudança de valores, torna-se necessário para que os indivíduos venham a se submeter ou fiquem receptivos a um governo mundial ou a uma paz “kantiana” (Santos, 2000).

Ainda segundo Santos (2000): A Globalização procura retirar da pauta o tema desenvolvimento nacional, derrubar fronteiras e modificar o conceito de soberania para que os países industrializados possam melhor exercer o controle sobre os recursos, de toda ordem, das nações menos favorecidas.

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Laura Maria Corrêa de Sá Freire

Os efeitos da globalização, a tecnologia e o fim da Guerra Fria (ausência de inimigo formal e declarado) têm causado alterações significativas na visibilidade e na natureza dos conflitos, com implicações de grande importância nos conceitos de segurança internacional e “intranacional”. Em um passado não distante, as ameaças estavam claramente identificadas, eram geralmente duradouras e circunscritas a um espaço bem definido. Atualmente, os adversários são outros, invisíveis, próximos, presentes, fluidos, latentes (Martins, 2007).

A tomada de consciência sobre as “novas” ameaças globais com que os Estados agora são obrigados a se confrontar (terrorismo transnacional, corrupção, crime organizado, narcotráfico), provocam alterações profundas na identificação do inimigo pela sociedade e pelos Estados.

A política é um fato natural da convivência humana. Desde as mais remotas eras na Terra, já há registros do homem vivendo em grupos com a finalidade de garantir a sua segurança. Se a existência solitária é uma exceção, o convívio em sociedade pressupõe uma administração dos conflitos concernentes à direção e à liderança na comunidade, a definição de funções, enfim os elementos essenciais a uma futura ordem social.

Sem uma história de guerras recentes, autodenominando-se um povo de paz, com tolerância notadamente grande às diferenças (raça, cor, religião, etnias ...) de qualquer natureza, como pode ser descrito o comportamento do cidadão brasileiro?

Na inexistência de ações objetivas de construção de uma cidadania, o povo brasileiro briga por situações que considera como direito individual, não reconhece suas obrigações para com a sociedade, não participa nem se compromete com as discussões maiores, relativas à Política, incluindo aquelas pertinentes à defesa nacional. Na realidade, a postura é uma rejeição à conduta dos parlamentares, embora contraditória, pois esta situação é o resultado de uma ação política exercida por cada cidadão, ou por uma ação ou por omissão.

No entanto, além de não participar da vida pública ou de pôr em prática sua cidadania, ele é envolvido pelo sentimento de apatia, e de falta de interesse na discussão dos temas de interesse nacional.

A resignação diante da realidade é o mal que perturba a estrutura social do País. Essa atitude gera graves reflexos na condução dos negócios internos da nação. Vive-se o presente, com os olhos voltados para o passado (“o eterno ontem”) e sem a preocupação em construir o futuro, que no seu entender “pertence (aos desígnios) a Deus”. Essa perturbação tomou conta de grande porção da sociedade brasileira, sendo que em parcela significativa da classe média e das ditas classes altas, há o total alheamento em relação aos problemas nacionais. ”É como se para as elites a crise não lhes dissesse respeito.” (Ferreira, 2006)

Santos (2000) diz que um dos traços que caracteriza as sociedades, neste final de século, em especial a dos países periféricos, é a incapacidade instalada de reagir ao processo que está desestruturando os países, as nacionalidades, as culturas.

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Relacionamento Civil-Militar no Brasil Hoje

O sistema econômico globalizado tem propiciado o surgimento de populações anestesiadas, muitas em estado de pânico pela ausência de trabalho, governos submetidos a uma toda poderosa economia privada, sem compromissos com a nação. Qual o destino da grande maioria da população mundial?

Quanto menos reage, mais incapaz fica a sociedade brasileira de agir em defesa de situações adequadas, o que Santos (2000) profetizou no final do século passado já é a realidade no término da primeira década deste milênio.

Cabe à população, por meio da Política, estabelecer quais são seus objetivos, compor uma ordem social justa e estruturar o Estado, garantir os direitos individuais e inserir-se no contexto internacional. Essas ações de natureza política devem estar alicerçadas nos fundamentos axiológicos da sociedade, com uma clara visão de futuro e coerentes com os interesses da Nação para a realização de um projeto nacional.

A COnVIVênCIA CIVIL-MILItAR

O Brasil, desde o início de sua colonização, foi cenário de uma ligação muito forte entre os civis e os militares. O capitão-donatário, que recebia uma capitania hereditária para administrar, exercia as funções de governador e de chefe militar. Na época do Império, era costume o dono de engenho ou de fazenda de café no vale do Rio Paraíba do Sul, decidir o destino profissional de seus filhos. Em geral, o primogênito seguia a carreira das armas, e o filho seguinte, a vida religiosa. Uma mostra da força da relação civil-militar e da sua influência na vida religiosa está no cargo atribuído ao santo protetor de uma cidade ou igreja, ou mesmo do padroeiro de um mosteiro, muitas vezes confundido e vestido como um militar.

O estudo do relacionamento civil-militar ainda não atrai o interesse desses segmentos no País. Sua evolução é fundamental para a condução dos passos que definem o futuro tão necessário ao equilíbrio político da nação. Outros temas de igual relevância devem ser debatidos, como sociedade nacional, desenvolvimento, conflito, cidadania, crise, poder civil, controle civil, profissionalismo civil e militar, bem como o comportamento do povo brasileiro como consequência das influências externas e internas predominantes. Em face da magnitude das questões que permeiam o relacionamento civil-militar, essas influências constituem aspectos fundamentais para a sociedade nos assuntos pertinentes à segurança e defesa nacional. Por isso, Huntington (1996) entende que essa relação constitui o principal componente institucional da política de segurança nacional.

A percepção da maioria dos brasileiros sobre a relação civil-militar é bastante tênue. Para muitos, apenas os militares são os responsáveis pela segurança nacional e que assuntos dessa ordem só dizem respeito a esses profissionais. No entanto, os ensinamentos deixados pelos longos períodos de guerra, além dos previstos pelos Estados Nacionais e os comandos militares, mostrou que, para sustentar

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a guerra, era vital a mobilização de toda a sociedade através de suas expressões do Poder Nacional. Há ainda aqueles que influenciados por modelos exógenos defendem a redução do quadro das Forças Armadas dentro de um conceito de segurança diferente daquele desejado para o País. Sem essa relação bem entendida e consolidada, a segurança do país fica a desejar. A sociedade não consegue manter o equilíbrio interno e fica orbitando em torno de uma dicotomia civil-militar mal resolvida.

É possível que a prevenção de conflitos, nas próximas décadas, se caracterize por ações lideradas por uma miríade de agências e organizações (militares e civis) em estreita colaboração para apoiar governos no restabelecimento da confiança mútua, da lei e da ordem, conduzindo operações de assistência humanitária, ou de pacificação, em qualquer ponto do planeta (MARTINS, 2007).

Este modelo, que não altera a missão constitucional das Forças Armadas, exigirá uma integração muito forte e uma articulação de esforços de natureza multidisciplinar abrangendo as diferentes dimensões do Estado-Nação. A integração de órgãos e instituições – militares e civis – que, até pouco tempo, trabalhavam de maneira estanque e independente, é o pressuposto básico desse novo conceito de defesa do Estado. Os obstáculos a serem vencidos se enquadram no processo de liderança que precisa ser desenvolvido e na mudança de mentalidade desses segmentos. È essencial também reconhecer as diferenças culturais na formação desses atores intervenientes no novo processo, de modo a se constituir uma mentalidade comum para os assuntos pertinentes a relação civil-militar:

... poderosas barreiras, provavelmente intransponíveis, enraizadas nas culturas institucionais, que impedem que agências civis e militares consigam trabalhar e gerar as sinergias a todos os

níveis... Para alterar estas culturas será necessário transformar as instituições? (Thompson).

Muitas vezes, para se estudar um assunto, divide-se o todo em partes, e pelas características das partes procura-se compreender a dinâmica do conjunto. Entretanto, no que diz respeito a essa questão tão relevante, o relacionamento civil-militar, a proximidade é crucial. É necessário, portanto, que as partes, atualmente existentes na sociedade, constituam apenas uma, para que a integração e interação possibilitem a consolidação de uma melhor relação civil-militar. A partir do entendimento das características desses dois segmentos, será mais fácil o relacionamento entre as partes.

As ligações entre os civis e os militares têm se tornado polêmicas, suscitado muitas considerações, e deveriam ser objeto de mais pesquisas nas academias e centros de estudos militares. Ferreira (2008), em artigo que trata do tema, acredita que para entender esse processo, é preciso conhecer como se distinguem um do outro. Para ele, o princípio constitutivo dos militares é o burocrático e hierárquico,

e o dos civis, o político e eletivo. Identifica também aquele que aglutina os

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Relacionamento Civil-Militar no Brasil Hoje

componentes desses grupos, ou seja, a honra, no caso dos militares, e o status (o poder, a riqueza), no dos civis.

O sentimento maior que une o grupo dos militares é a comunhão de objetivos e de sentimentos, afirma Ferreira:

O membro do grupo militar sente como dirigida contra ele a ofensa feita ao grupo, e que o grupo toma como dirigida a ele aquilo que reputa ofensa a seu membro”. De forma antagônica os civis formam uma sociedade de classes, de grupos de interesses. “A solidariedade que une cada grupo da sociedade é de comunidade ou de massa. “A honra é substituída pela legalidade formal das ações”. A grande diferença é que enquanto um grupo se constitui em torno de objetivos comuns o outro (o dos civis) tem em comum os interesses individuais (Ferreira, 2008).

O ponto seguinte, a ser motivo de análise, é a diversidade de funções exercidas pelos diferentes grupos e as possibilidades de desempenhá-las de maneira satisfatória. Os componentes da sociedade civil, sejam profissionais liberais, operários, lavradores, empresários, não importa a escolha, exercitam suas atividades diariamente. O mesmo não acontece com os militares que, com a missão de defender a pátria, só o fazem em última instância. Situação esta em total consonância com os interesses dos governantes e da própria sociedade - que não ocorram conflitos de qualquer natureza, principalmente os armados. Entretanto, apenas sua existência é fator de garantia de nacionalidade e de soberania do Brasil. É por demais conhecida a citação: “Sempre há um exército no país, o nacional ou o de outro país”.

Por achar que não existem mais inimigos, ou não compreender que a dissuasão se dá pelo receio das consequências do enfrentamento, alguns setores da sociedade têm a percepção errônea e altamente perigosa de uma disfunção implícita nos propósitos desse grupo (as instituições militares), o que pode resultar no desmonte das Forças Armadas.

Parte significativa da população desconhece realmente o que está acontecendo às organizações militares. As reações acontecem através de ações que não são percebidas tão letais quando analisadas em um curto prazo. Porém, de forma homeopática, sutilmente, vão asfixiando as instituições. Os cortes ou contingencionamentos orçamentários impostos às Forças Armadas resultam, na maioria das vezes, em suspensão ou interrupção de projetos em desenvolvimento que, quando prontos e em uso, são vitais para o fortalecimento da Expressão Militar.

O Poder Militar fortalecido reflete de imediato um elemento de defesa mais moderno e independente de fatores externos ao País, isto gera naturalmente uma projeção externa muito importante para nações como o Brasil, que têm um grau de desenvolvimento aquém de suas possibilidades e riquezas, o que o torna muito cobiçado. Muitas vezes a dotação de recurso financeiro permite apenas o

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pagamento das despesas de custeio de pessoal, impossibilitando o treinamento, peça chave para o adestramento da tropa, que deve estar sempre “pronta” para defender o Estado.

Um tema, cada vez mais atual, mais presente na mídia, nos pronunciamentos dos políticos e, mesmo, nas vozes desesperadas das populações (ricos e pobres), é a discussão da realização das atividades de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) pelas Forças Armadas. Nesse caso, essas instituições, sob certas determinações e condições especiais, passam a realizar ações de defesa civil, que deveriam estar a cargo do Estado, efetuadas por agentes institucionalmente designados para tais tarefas.

A falta de recursos financeiros para desenvolver projetos e estudos, a impossibilidade de manter a própria rotina, a indefinição de parte do poder político em relação às Forças Armadas, faz com que a tropa se defronte com uma situação que a coloca fora do contexto. Um sentimento de rejeição aos militares de um setor da sociedade, não compreendido pela categoria, ilustra o atual nível do relacionamento civil-militar tão necessário ao equilíbrio e futuro da nação.

A disfuncionalidade das Forças Armadas talvez seja a principal questão que perturbe a relação civil-militar na sociedade moderna. Elas devem atuar em situações de segurança interna ou em ações de natureza civil (Ferreira, 2008)?

Uma leitura míope sobre o assunto nos remete aos pontos anteriormente abordados: não existem inimigos; o País faz parte da aldeia global. A real necessidade das Forças Armadas e os interesses coletivos só merecerão atenção quando determinarem a agenda pessoal do cidadão. Assim, como não há um projeto de nação no coletivo da população, não existe uma mentalidade voltada às questões de Defesa Nacional. A população só está preocupada com a violência praticada contra o indivíduo e seus familiares.

A expressão Defesa Nacional, historicamente, sempre foi associada às Forças Armadas, cabendo a essas instituições a responsabilidade de defender a integridade da nação. A contribuição dos demais segmentos da sociedade limitava-se aos esforços dirigidos à consecução dos meios necessários para o desempenho de suas missões. A ampliação de conceito de Segurança Nacional foi liderada pelos próprios militares ante a realidade da “guerra total” nas primeiras décadas do século passado. A concepção do binômio Segurança e Desenvolvimento, formulada pela Escola Superior de Guerra, não decorreu de qualquer preferência político-ideológica, mas atendeu à necessidade de análise, equacionamento e execução integrada de políticas e estratégias visando ao bem-estar de toda a Nação, independentemente das preferências ideológicas e partidárias dos cidadãos.

Novas modalidades de conflito procuram o controle progressivo do País, pela destruição sistemática dos seus valores, das suas instituições, do seu moral. A agressão já não vem apenas de fora, para a qual basta a Defesa, entregue predominantemente às Forças Armadas. Agora, a população é atacada como

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um todo, e, para resguardá-la, é necessário algo mais abrangente. Surgiu daí um conceito novo — o de Segurança Nacional — mais amplo que o tradicional, no qual, cabe a todos os cidadãos a responsabilidade por sua manutenção. Da mesma forma que compete a todos os brasileiros promover o desenvolvimento econômico e social do País (Côrtes, 2000).

Um exemplo de integração entre civis e militares, com resultados muito interessantes, é o trabalho realizado pela Escola Superior de Guerra (ESG). A doutrina da Escola baseia-se na teoria que o desenvolvimento do Brasil envolve, principalmente, a capacidade criadora das elites nacionais chamadas às altas funções de direção e assessoramento de elevado nível, sendo, portanto, fundamental, prepará-la para a solução de problemas. Mais importante do que se aparelhar para uma guerra hipotética, é formar pessoas para trabalhar na construção de tempos de paz.

A dificuldade do Brasil em manter um desenvolvimento contínuo, segundo teoria da ESG, deve-se, sobretudo, ao próprio sistema educacional, que habilita as elites com conhecimentos gerais, mas não as proveem com recursos para resolver objetiva e harmonicamente os problemas da vida nacional. Na Escola, civis e militares são estimulados a substituir o Método dos Pareceres, centrado no individualismo, com raízes profundas em nossa formação cultural, pelo trabalho em equipe, muito mais rico e fecundo. A interação de talentos, olhares e visões diferentes, decorrentes de seus conhecimentos profissionais, experiências e vivências pessoais, gera um ambiente de discussão de alto nível intelectual e de grande riqueza nas análises realizadas. A rotina de estudo e a convivência desarmam as posições, que deixam de ser impessoais e institucionais. A certeza da livre discussão e o incentivo feito a esta prática, “o poder duvidar, poder discutir e poder divergir”, faz com que militares e civis dispam-se de suas amarras e de suas vaidades/certezas e cresçam em suas opiniões de cidadãos brasileiros irmanados na proposta maior de trabalhar para a construção do bem comum.

Segundo Côrtes (2000), pressões externas e internas reivindicavam a criação de um Ministério da Defesa com o objetivo de englobar e abolir os Ministérios das Forças Singulares. O mais importante nessa transformação foi a oportunidade de se discutir assuntos relativos à Defesa Nacional, além de possibilitar uma atuação permanente de civis e militares em trabalhos conjuntos sobre o Brasil, resgatando o princípio da responsabilidade compartilhada de toda a sociedade pela segurança e pelo desenvolvimento.

REFlEXõES

A anomia social que está se estabelecendo no Brasil tem mostrado as Forças Armadas como a única instituição capaz de conservar a disciplina. Em um País que caminha a passos largos para a aceitação da falta de ordem como uma

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situação normal de um cotidiano irreversível, elas têm conseguido manter-se organizadas.

Ferreira (2008) afirma que a disfunção das Forças Armadas, por suas análises e características peculiares (honra e disciplina), só tende a aumentar. Acredita-se que a falta de uma interação entre militares e civis, que envolva segmentos expressivos da sociedade e de formadores de opinião, vai acentuar mais ainda essa vertente anunciada pelo autor, como resultado de discussões apaixonadas, tendenciosas, revanchistas ou, até mesmo, desesperadas por soluções de problemas (segurança civil).

A compreensão da necessidade de um grupo com atribuições específicas para defender a sociedade parece estar intrinsecamente ligada à compreensão do conceito de Estado, como nação politicamente organizada, escolhendo-se, assim, uma forma de se aglutinar, expressar e de aplicar o Poder, visando resultados mais eficazes, mediante a criação de uma macroinstituição especial – o Estado. A esta entidade é delegada a faculdade de instituir e pôr em execução o processo político-jurídico, a coordenação da vontade coletiva e aplicação judiciosa de parte substancial de seu Poder.

Cumpre lembrar que a Nação não é civil nem militar, que a cidadania é garantida pela Constituição Nacional e que, no regime democrático, o povo é o titular do poder e o exerce por meio de representantes eleitos. A questão da segurança, qualquer que seja a opção ideológica do cidadão, é de primeira grandeza para o Estado Nacional. Segundo Hegel, pai da filosofia política, o Estado Nacional só se legitima quando tem nos seus objetivos os mesmos objetivos dos cidadãos que representa:

O Destino é aquele da nação, que construímos em nossos sonhos, acalentados por uma idéia nem sempre assente na dura realidade dos dias em que cada um de nós vive e morre. A Nação é uma idéia que um grupo tem e faz sua, procurando expandi-la para outros. Mas, para que o grão não morra, é preciso que a semente lançada à terra seja fecundada pela ação de muitos, especialmente daqueles que, acreditando numa boa safra, ocupam o governo. É importante fixar que sonhamos a Nação antes de ocupar o Governo que indicará a todos qual será o futuro. O Governo, por si, não sonha; o sonho é da Nação é de alguns poucos que ocupando parte do território, pretendem que ela se construa nele. Importa ver que se não houver uma íntima associação entre o sonho e as ações do Governo, o Estado continuará sendo uma abstração e as sucessivas administrações perderão capacidade de mobilizar a sociedade para construir seu futuro (Ferreira, 2008).

A construção deste Destino comum envolve civis e militares na discussão dos problemas brasileiros e no papel do poder militar inserido no poder civil legitimamente constituído. É importante lembrar que o militar é o primeiro e o último servidor do Estado Nacional. Primeiro, porque a origem do Estado Nacional decorre do consenso social de que só a essa entidade, o Estado Nacional, deve

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ser concedido o monopólio do uso legítimo da força. Último, porque é no militar, apoiado pelo civil, que repousa a existência do Estado Nacional em tempos de paz e a sua sobrevivência em época de guerra. É fundamental que se tenha em mente que o militar, tendo o civil a seu lado, é antes de tudo, a materialização do instinto de preservação da Nação.

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Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais

Marinha Mercante Brasileira: contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança nacionais

Gilberto Maciel da SilvaCapitão-de-Longo-Curso, Estagiário do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia da Escola

Superior de Guerra em 2008 e Comandante na PETROBRAS Transporte S. A. - TRANSPETRO.

Resumo

O presente trabalho procura apresentar a importância da Marinha Mercante Brasileira para o Desenvolvimento e Segurança da nação. Assim, inicia-se com uma justificativa da importância do mar diante da configuração geopolítica do Brasil e a soberania que nele deve ser exercida, tendo como instrumento de ação o Poder Marítimo. Neste estudo, a análise se deterá na Indústria Naval e na Marinha Mercante. Após um breve histórico do setor e sua atual situação, serão analisados os motivos que levaram tanto ao estado de estagnação dos últimos vinte anos como às perspectivas que ora se apresentam, em um mundo de intensas relações comerciais, conseqüência direta da globalização. O transporte marítimo de combustíveis também foi objeto de análise, ao ser apresentado como segmento estratégico para o País, situação reforçada pela descoberta de novas jazidas de petróleo. As condições políticas e econômicas favoráveis apontam, portanto, para uma expectativa de renascimento do setor naval. Políticas e estratégias são apresentadas na etapa final propondo consolidar este crescimento.

Palavras-Chave: Poder Marítimo. Marinha Mercante. Indústria Naval. Desenvolvimento. Segurança.

Abstract

This work attempts to present the importance of the Brazilian Merchant Marine for Development and Security of the Nation. Thus begins with a justification of the importance of the sea in front of the geopolitical configuration of Brazil and sovereignty that it should be exercised, taking as an instrument of action by the Sea Power. In this study, the analysis will be concentrated in the Shipbuilding Industry and Merchant Marine. After a brief history of the industry and its current situation, we tried to analyze the reasons that led the state of stagnation over the past twenty years and the prospects that now present themselves in a world of intense trade relations, a direct consequence of globalization. The shipment of fuel has also been the object of analysis, to be presented as a strategic segment for the country, this situation, reinforced by the discovery of new oil deposits. The

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Gilberto Maciel da Silva

political and economic conditions favorable suggest, therefore, expecting a revival of the shipbuilding industry. Policies and strategies are presented in the final round proposing to consolidate this growth.

Key words: Sea Power. Merchant Marine. Shipbuilding Industry. Development. Security.

INTRODUçãO

O transporte marítimo é fundamental para o desenvolvimento e a soberania de um país. O Almirante Alfred Thayer Mahan1 preconiza que o Estado, para ser grande e poderoso deve possuir um forte Poder Marítimo, sendo este poder, no seu entendimento, não só constituído pelo Poder Naval (Marinha de Guerra), mas também por uma Marinha Mercante expressiva, portos eficientes e estaleiros ativos.

Cabe ressaltar que uma Marinha Mercante própria garante o fluxo de comércio de interesse da Nação, principalmente em situações especiais de suspensão do transporte marítimo, decorrente de conflitos diplomáticos ou militares.

No comércio internacional, o transporte marítimo responde por cerca de 90% das transações entre os países. No Brasil, este percentual é ainda maior, visto que 95% das transações comerciais são feitas por mar. Não por acaso, os países responsáveis por 50% do comércio internacional detêm mais de 65% da frota mundial2. Como conseqüência, os impostos, os lucros e os empregos decorrentes ficam fora do País.

Apenas 4% do total de fretes gerados pelo comércio exterior são pagos a empresas brasileiras. A maior fatia, 96%, é de fretes pagos a armadores estrangeiros3. Assim, uma vez que o frete responde, em média, por 10% do custo dos produtos, justifica-se a importância de uma frota própria.

Considerando todo o setor marítimo, o Brasil remete mais de dez bilhões de dólares para o exterior, por ano, para o pagamento de fretes4. Isto representa três vezes o total de investimentos do Brasil em saúde, educação e infra-estrutura, cifra que aumenta na mesma proporção do crescimento da participação brasileira no comércio exterior. São recursos que não revertem em nenhum benefício para o desenvolvimento do País.

Diante destas evidências, seguem-se algumas considerações a respeito desse Poder Marítimo e de sua importância no desenvolvimento e segurança do Brasil.

1 MAHAN apud MAFRA . 2006, p.106.2 Revista Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante, Rio de Janeiro: SINDMAR, v. VI, n. 22, dez., 2005.p.62.3 Op. Cit., p.63.4 Idem.

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Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais

O MAR E O PODER MARíTIMO

O Mar e sua Importância

A terra é quase sempre um obstáculo, o mar, quase todo, uma planície aberta. Uma Nação capaz de controlar essa planície, por meio do poder naval, e que ao mesmo tempo consiga manter uma grande marinha mercante, pode explorar as riquezas do mundo. 5

Mafra (2006) define a Geopolítica como a “influência da Geografia nos estudos, planejamentos e decisões políticas” 6. Considera a posição do território em relação à sua proximidade ou afastamento do mar como um dos fatores geográficos que atua diretamente nos estudos e decisões políticas do Estado, com conseqüências para o seu desenvolvimento e segurança.

O planeta Terra possui 360 milhões de quilômetros quadrados de superfície marítima, diante de 140 milhões de superfície terrestre. Esta vastidão marítima, além da importância geográfica, tem enorme significado econômico para a Geopolítica, uma vez que o comércio ali praticado é intenso e extenso. Atualmente, cerca de 50.000 navios mercantes transportam 90% do comércio mundial 7.

Segundo Geoffrey Till, a importância do mar para o homem se dá em razão de quatro atributos, ligados entre si: o mar como recurso, o mar como meio de transporte e intercâmbio, meio de informação e difusão de idéias e como meio de domínio 8.

Sir Walter Raleigh afirmava que “quem domina o mar, domina o comércio, e quem é senhor do comércio do mundo é dono e senhor da riqueza do mundo” 9. Por isso, o controle do mar através meio do comércio marítimo significa um instrumento de influência importante nas relações mundiais.

No Brasil, desde seu descobrimento, o mar exerce influência no desenvolvimento do país. Não se pode prescindir de uma vocação marítima quando se tem um litoral de aproximadamente 8.000 km, onde a importância estratégica que representa o Atlântico Sul, faz que o progresso passe necessariamente pelo mar.

Poder Marítimo e Soberania

Poder é definido, como: “uma conjugação interdependente de vontades e meios, voltados para o alcance de uma finalidade” 10. 5 MAHAN apud MAFRA, 2006, p.106.6 Roberto Machado de Oliveira MAFRA, Geopolítica Introdução ao Estudo. São Paulo: Sicurezza, 2006. p.23.7 Ilques BARBOSA, “A importância do Atlântico Sul para a segurança nacional e a integração regional”, in Revista

da Escola Superior de Guerra, v. 23, n. 48, p. 46, jul./dez. Rio de Janeiro: ESG, 2007.8 Geoffrey TILL, Poder Marítimo: Una guía para el siglo XXI. Buenos Aires: Instituto de Publicaciones Navales,

2004. p. 29.9 Idem, p.41.10 Manual Básico da ESG, v.1. Rio de Janeiro: ESG, 2008. p. 29.

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Gilberto Maciel da Silva

Com relação à Soberania, conceitua-se como: “a manutenção da intangibilidade da Nação, sendo um de seus Objetivos Fundamentais” 11. Diz respeito à sua autodeterminação diante das demais Nações, à não aceitação de qualquer forma de intervenção em seus assuntos internos e à integridade do Patrimônio Nacional.

Portanto, para alcançar e manter essa Soberania faz-se necessária a existência desse Poder. Com relação ao mar, trata-se do Poder Marítimo, formado pelo seu componente militar (a frota armada e suas forças de apoio), e também por componentes não-militares de uso do mar, tais como: uma marinha mercante atuante, a exploração de seus recursos, construções e reparações navais, etc.

A manutenção e fortalecimento desse Poder são descritos por Geoffrey Till, no que chamou de “Círculo Marítimo Virtuoso”12, conforme abaixo representado:

Por intermédio do Comércio Marítimo, os Recursos Marítimos advindos reforçam o Poder Marítimo, possibilitando o desenvolvimento industrial e tecnológico, que potencializam a Supremacia Marítima (Poder Naval), que, por sua vez, garante a manutenção novamente do Comércio Marítimo.

11 Idem, p. 25.12 TILL, op. cit., pág 44.

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Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais

Essa interdependência leva aquele autor ainda a afirmar que “a função mais importante da Armada, depois da proteção do território nacional contra uma invasão, é proteger sua frota mercante [...]” desprezar tal fato põe em perigo uma nação, pois a existência de uma marinha mercante forte e de suas rotas de comunicação seguras são essenciais para a segurança nacional tanto na paz como na guerra”13.

O Brasil está em consonância com tal pensamento, ao definir, em lei, a missão de sua Marinha de Guerra “[...] em suas atribuições subsidiárias, cabe à Marinha do Brasil: I - orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional; II - prover a segurança da navegação aquaviária” 14.

Não se deve deixar de mencionar também que, em caso de conflito, uma frota mercante representa um importante braço de apoio logístico na defesa de um país. Como exemplo, pode-se citar o apoio das embarcações mercantes durante o episódio conhecido como “Guerra das Malvinas”, quando navios mercantes adaptados, tais como transatlânticos, navios tanque, de carga geral, porta-contêineres, e rebocadores off-shore, deram o apoio logístico necessário à Inglaterra.

O PODER MARíTIMO BRASIlEIRO

Indústria naval

Os gráficos da Figura 1 mostram a evolução da construção naval brasileira em (toneladas de porte bruto) e número de trabalhadores envolvidos, de 1970 a 1998.

Observa-se que, em 1973 houve uma retração no crescimento industrial do Brasil, fruto da crise internacional do preço do petróleo, fato que se repetiu em 1979. A década de 80 é considerada a década perdida da economia brasileira. Os níveis de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) apresentaram significativas reduções.

O crescimento médio na década de 70 foi de 7%, já na década de 80 foi de somente 2%. Além disso, teve-se um aumento do déficit público, devido ao crescimento da dívida externa, ocasionada pela elevação das taxas nacionais de juros, com a dívida interna seguindo a mesma direção, resultado da continuidade da política fiscal expansionista do governo da época.

13 TILL, op. cit., pág 44.14 Lei Complementar no 97 de 09/06/99, Capítulo VI, Art.17.

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Ainda para caracterizar a década de 80, ocorreu uma escalada inflacionária que, em 89, alcançou patamares de uma hiperinflação. A concessão de subsídios, que garantiam a encomenda aos estaleiros, levou o sistema financeiro a uma sobrecarga, já que não considerava as reais necessidades do setor nem os custos envolvidos. Os armadores não participavam da escolha do tipo da embarcação, das discussões sobre o preço, da viabilidade econômica e nem da definição do momento mais adequado para a compra. Tais fatos acabaram por gerar um excesso de tonelagem disponível, com grande quantidade de navios ociosos e sem competitividade, já que eram inadequados e, depois, obsoletos.

Diante deste cenário de crise, o transporte marítimo mundial também foi atingido. Os países mais ricos, para garantir a competitividade, baixando o custo dos fretes, passaram a adotar ações políticas voltadas para a redução do

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Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais

grau de participação das bandeiras dos países em desenvolvimento, utilizando mais intensamente de bandeiras de conveniência15, e oferecendo seus navios no mercado de afretamento a preços reduzidos.

Com a redução das importações, o volume de fretes também se reduziu, levando consigo as receitas do Fundo da Marinha Mercante (FMM), que dependiam desse comércio. As encomendas foram reduzidas e a indústria de construção naval do Brasil praticamente estagnou. O nível de empregos diretos continuou a cair e toda a cadeia produtiva do setor ficou bastante prejudicada. Segmentos importantes, como as indústrias de motores navais, hélices e outras específicas do setor naval, desapareceram. Sem condições de desenvolvimento tecnológico, modernização de suas instalações e aperfeiçoamento da força de trabalho, os estaleiros deixaram de investir no setor.

Cabe frisar que a indústria naval é caracterizada pela fabricação de um bem de capital de alto valor unitário, produzido sob encomenda, e que necessita de longo tempo para obter retorno do investimento. Na maioria das vezes, o valor econômico de um navio em construção supera as condições econômicas do estaleiro, motivo pelo qual o setor, em todo o mundo, é subsidiado e incentivado, quer seja na reserva de mercado, quer seja na obtenção de financiamentos vantajosos aos armadores para que adquiram os navios em seu país.

No Brasil, 78% dos graneleiros, 60% dos petroleiros e 56% dos navios de carga geral e contêineres estão com mais de 15 anos 16, o que torna premente a renovação da frota. Outros fatores que requerem tal renovação, além da idade: regulamentos antipoluição; regulamentos ligados a conforto e segurança a bordo; novos parâmetros de velocidade requeridos para rotas de comércio específicas; novos tipos de equipamentos, como motores de menor consumo de combustível; necessidade de navios mais versáteis ou com múltiplas finalidades; exigências de autoridades nacionais de outros países, portos, canais, entre outros.

Essa renovação se não for feita através de uma indústria nacional, acarretará perda de divisas, seja por encomendas a estaleiros no exterior, seja por afretamentos, uma vez que, como já foi dito não se pode prescindir do comércio marítimo.

Além disso, tal qual a construção civil, a indústria naval utiliza, de forma intensiva, a mão-de-obra (os salários respondem por cerca de 40% do custo dos navios), cada trabalhador direto representa mais cinco indiretos, o que traz como conseqüência o desenvolvimento econômico através da geração de emprego e renda.15 Bandeira de Conveniência – substituição da bandeira nacional da frota mercante por uma de um país que

adotou um registro internacional com menores taxas, buscando maximizar lucros e minimizar custos. A embar-cação perde sua nacionalidade de origem e passa a ser tratada como embarcação estrangeira.

16 Ildelfonso CÔRTES, “A Indústria da Construção Naval Brasileira” in Seminário Naval. Julho, 2003. Rio de Janeiro: SINAVAL, 2003.

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Somente com políticas de Estado, efetivas e bem definidas, será possível ao setor retomar níveis de elevada produtividade diretamente ligados à continuidade de obras, com construção em série de navios mercantes, navios de guerra, plataformas, embarcações de apoio, pesca, etc., possibilitando, assim, maior participação no mercado internacional.

Comércio Marítimo

“A Marinha Mercante é uma atividade de importância estratégica para o País, tanto sob o enfoque da economia quanto de Defesa Nacional. Se faz necessário entender que é imprescindível para o País dispor de uma Marinha Mercante capaz tanto de transportar parcela ponderável dos produtos de interesse do País, como estar disponível para emprego em situações de crise internacional ou de conflito armado envolvendo o Brasil”.17

Em 1979, com a crise do petróleo, o Governo impõe restrições às importações, visando a impedir o crescimento da dívida externa. A Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S.A. (Cacex), que tinha entre suas principais funções o licenciamento de exportações e importações, o financiamento do comércio exterior brasileiro e a construção das estatísticas oficiais sobre exportações e importações, cortou o financiamento destinado à indústria naval. Como conseqüência imediata houve redução do comércio internacional, o que levou à queda do transporte marítimo.

Devem-se considerar ainda os óbices decorrentes das políticas praticadas em outros países, como, por exemplo, os Termos de Embarque (são práticas comerciais segundo as quais os países em desenvolvimento só podiam exportar conforme critérios dos países desenvolvidos, que, por sua vez, davam preferência aos seus navios); as associações existentes entre importadores e armadores de países desenvolvidos; e as vinculações financeiras, onde as mercadorias adquiridas com fundos provenientes de empréstimos estrangeiros deveriam ser transportadas pelos países que concederam os empréstimos.

Então, diante desse quadro, e sob forte pressão do setor de comércio exterior, a partir de 1984, deu-se início a um processo de desregulamentação da Marinha Mercante Brasileira. Processo que se intensificou na década de 90 com os governos neoliberais, contribuindo para a redução do comércio marítimo brasileiro, como pode ser observado nos gráficos a seguir, do Departamento de Marinha Mercante (DMM). 17 ASSIS, Kleber Luciano de. A Marinha do Brasil - Aspectos Estratégicos. In: Escola de Guerra Naval, 2007. Rio de

Janeiro. Aula inaugural. Rio de Janeiro:EGN, 2007.

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No sentido oposto à redução da frota brasileira, o comércio internacional aumentou, diante do fenômeno da globalização. A interdependência econômica dos países se intensificou e, por conseqüência, o fluxo de cargas também. Vive-se hoje em uma sociedade global, apoiada em uma economia global, cuja existência depende da atividade marítima.

Surgem, assim, novos mercados, aumentando a concorrência e as exigências crescentes dos consumidores. É nesse contexto que o transporte marítimo se faz presente e necessário.

Nos últimos anos, o Brasil tem alcançado resultados positivos na área internacional. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior registram que as exportações passaram de um déficit de sete bilhões de dólares em 1997 para um superávit de quarenta e quatro bilhões em 2006.

Com imenso potencial agrícola e pecuário, o país possui recursos energéticos naturais, alguns ainda inexplorados. As exportações de commodities representam 40% do comércio exterior18, mercado que vem sendo aquecido pelas demandas provenientes da China. Contudo, com uma frota reduzida e de idade média avançada, a tonelagem e o número de navios brasileiros reduzem-se progressivamente, já que as alienações e sucateamento ultrapassam a reposição e renovação. Os navios existentes migraram para a cabotagem, ficando a navegação de longo curso 18 INSERINDO o Brasil no Mundo. São Paulo: Editora Senac, 2007. p.20.

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dependente de navios estrangeiros. O país deixa assim de participar de um mercado de frete estimado em US$ 25 bilhões em bases atuais 19.

A maior parte da carga nacional ainda é transportada por estradas. A matriz de transportes está assim distribuída: 64% - rodoviária, 22% - ferroviária e 14% - aquaviária (já considerando a cabotagem e o transporte hidroviário interior)20. Como conseqüências dessa predominância:

O modal rodoviário é responsável por 40% do consumo de derivados de petróleo e 80% do consumo de óleo diesel;Os roubos de cargas nas estradas causam prejuízos da ordem de R$ 500 milhões ao ano;O índice de mortes por 1.000 km no Brasil chega a ser 70 vezes superior aos verificados nos países ricos; número de mortes por ano equivale a um acidente fatal com um Boeing 737 lotado a cada 36 horas;A malha viária deteriora-se rapidamente, o que demanda enormes recursos para sua manutenção.

Diante desse cenário, e de toda a magnitude que o comércio marítimo representa para a economia do Brasil, deve-se olhar com mais atenção para o setor, não só em seu aspecto econômico e do que ele representa para o desenvolvimento do País, mas também para a segurança do país.

DESEnVOLVIMEntO E SEGuRAnçA nACIOnAIS

A Importância Estratégica do transporte Marítimo de Combustíveis

O conceito de soberania remete para à idéia de independência e não há soberania quando se depende de terceiros, principalmente ao se tratar de um setor tão estratégico de uma nação, como é o energético.

Apesar do desenvolvimento de vários projetos e pesquisas de novas matrizes alternativas de energia em todo o mundo, o petróleo ainda é a matriz energética mundial. Conforme Haroldo Lima21, entre 1994 e 2004 a taxa de reposição foi de 1,59 barris. Isto significa que, a cada barril retirado neste período, foram somados às reservas, pouco mais de um barril e meio, fazendo com que este hidrocarboneto continue dominando o século XXI. No caso do gás natural a relação reserva/ produção aponta para mais 65 anos.

A descoberta de petróleo na região do pré-sal nas bacias do Sul e Sudeste do Brasil elevará significativamente as reservas de óleo e gás do Brasil. São cerca de 800 quilômetros de extensão e 200 quilômetros de largura, que se estendem

19 SOBREIRA, Aluisio. Entrevista do Diretor de Assuntos Institucionais da Merco Shipping Marítima Ltda. Disponí-vel em: http://www.antaq.gov.br/Portal/Navegando/NavegandoAgo08.htm#D1. Acesso em: 03/07/08.

20 Fonte: Ministério dos Transportes. Disponível em http://www.transportes.gov.br/bit/inpalestras.htm. Acesso 02/08/08.

21 Haroldo LIMA. Petróleo no Brasil: a situação, o modelo e a política atual.Rio de Janeiro: Synergia, 2008, p. 12.

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desde o litoral do Espírito Santo até Santa Catarina. Estimam-se, no total, entre 8 e 12 bilhões de barris de petróleo leve e gás natural. Como a maior parte das jazidas petrolíferas nacionais em produção atualmente estão no mar (82% da produção nacional provém da Bacia de Campos - RJ) e, em função deste novo cenário que se apresenta, torna-se indispensável a utilização de uma frota numerosa de navios para a sua movimentação (dos poços para as refinarias).

A PETROBRAS Transporte S.A. - TRANSPETRO, maior armadora da América Latina, subsidiária integral da PETROBRAS, em seu braço marítimo, responde hoje por somente 16% das necessidades de transporte da PETROBRAS.

Segundo informações do presidente da TRANSPETRO, Sérgio Machado, no ano de 2005, a PETROBRAS afretou cerca de 60 navios estrangeiros 22; embarcações mais modernas com capacidade, por navio, superior à frota própria, e a um valor de frete mais elevado do que o pago à TRANSPETRO.

Tal fato, além de provocar a evasão de divisas, como já foi dito, torna vulnerável um setor estratégico da nação - o abastecimento. Em caso de conflito externo, a simples suspensão dos navios estrangeiros que atuam nos dias de hoje na costa do Brasil, suprindo a deficiência acima citada, provocará um colapso no País.

Outro projeto que certamente irá gerar uma grande demanda de navios diz respeito ao transporte dos combustíveis renováveis (biodiesel e o etanol), que se apresentam como opção de uma nova matriz energética. A capacidade existente para produção de HBIO (diesel produzido a partir de óleos vegetais) é de 270 milhões de litros anuais. Em 2012, a estimativa é a produção de 1,05 bilhão de litros anuais23. Geração de empregos e renda; de saldo na balança comercial, decorrente das exportações previstas; e redução da emissão de poluentes, são as vantagens iniciais vislumbradas neste projeto.

Assim, seja com combustíveis fósseis ou renováveis, o transporte marítimo por intermédio de navios brasileiros é vital para a manutenção da soberania, do desenvolvimento e da segurança da Nação.

O Renascimento da Indústria naval

Hoje, a indústria da construção naval, com o que resta da infra-estrutura em sua cadeia produtiva, criada nos gloriosos tempos desse segmento, vem tentando reerguer-se. Nesse sentido, duas ações vieram a contribuir: a Lei do Petróleo e o Programa Navega Brasil.

A Lei do Petróleo (Lei 9.478/97, de 06 de agosto de 1997) abriu o mercado de exploração e refino do hidrocarboneto a novos atores, além da PETROBRAS, acelerando a expansão da exploração de petróleo off-shore. Com isso, acentuou-se 22 MACHADO, Sergio. Navios brasileiros tripulados por brasileiros. Revista UNIFICAR, Rio de Janeiro AnoVI, n.20,

p.111, abr. 200523 PETROBRAS. PETROBRAS Energia passado, presente e futuro. Cadernos PETROBRAS, Ano VII, n.8, p.33 dez.

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a necessidade de contratação dos serviços de embarcações de apoio marítimo, o que levou os estaleiros nacionais a receber diversas encomendas.

Já o Programa Navega Brasil, lançado pelo governo federal em novembro de 2000, trouxe modificações nas condições do crédito aos armadores e estaleiros, aumentando a participação limite do FMM nas operações da indústria naval de 85% para 90% do montante total a ser aplicado nas obras e o dilatamento do prazo máximo do empréstimo, de 15 para 20 anos.

A demanda de plataformas e navios de apoio, gerada pelas descobertas de novas jazidas de petróleo; a necessidade de navios para cabotagem; a demanda da navegação interior de travessia e hidroviária; o Profrota – Programa de Construção de Navios de Pesca; a necessidade de modernização da Marinha do Brasil, são fatores que contribuem para a construção de um cenário prospectivo bastante propício para a Indústria Naval Brasileira.

Neste contexto, após 50 anos de sua criação, o Fundo de Marinha Mercante ainda é um dos principais instrumentos da política de fomento e expansão da indústria naval em execução pelo governo federal. Responsável pela oferta de recursos para o financiamento do setor, o FMM vem registrando um aumento crescente no volume de financiamento destinado a este segmento. Resgatado nos últimos seis anos, o FMM foi incluído no PAC e deverá garantir a oferta de R$ 10,6 bilhões para financiamento de projetos até 2010. 24

O Governo, ao adotar uma política de expansão para o setor, com base no estímulo ao investimento e na criação de mecanismos que facilitem a ação de investidores, estaleiros e armadores, contribui para que a geração de escala aconteça e, dentro das capacidades de que já dispõe, se desenvolva, superando obstáculos tecnológicos, pois independência tecnológica é sinônimo de soberania e desenvolvimento.

Ainda há muito a ser feito para que o Poder Marítimo, representado aqui por sua Marinha Mercante e a Indústria Naval, se consolide. Nossas barreiras, contudo, não são estruturais e sim conjunturais. Assim, para transpô-las são indicadas a seguir, políticas e estratégias existentes para o setor, além de outras, declinadas a partir da análise feita por esta pesquisa.

Políticas e Estratégias para a Marinha Mercante

A decisão de estimular e manter uma indústria naval sólida e o transporte marítimo feito por uma frota de navios mercantes com bandeira nacional é essencialmente política.

As ações devem ter caráter perene e ser tratadas como objetivo de Estado, pois, como já foi observado, a atividade exige altos investimentos e demanda longo 24 BASTOS, Newton. Fundo da Marinha Mercante comemora 50 anos. [2008]. Disponível em: http://www.revista-

fatorbrasil.com.br/ver_noticia.php?not=38089. Acesso em: 08 maio 2008.

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Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais

prazo para o retorno desejado; características que são utilizadas, como pretexto, por lobbies contrários à sua existência e à expansão do modal aquaviário.

Portanto, políticas (o que fazer) e estratégias (como fazer) que concorram para a consolidação do crescimento da indústria naval e do comércio marítimo, tendo por conseqüência o fortalecimento da Marinha Mercante Brasileira, são apresentadas a seguir:

Política: Revisão da matriz de transportes, aumentando a participação do modal aquaviário.

Estratégias:Criação de fluxo constante de mercadorias• - Promover, a exemplo de países com grande extensão territorial, a descentralização e diversificação de pólos industriais, visando a gerar um fluxo constante de mercadorias entre os mercados consumidores. Como exemplo, os Estados Unidos manteve o Sul agrícola e o Norte industrial. Dessa forma, gerou condições para que sua marinha mercante (reserva de bandeira) se mantivesse atuante e fortalecida. Desenvolvimento do Corredor Marítimo Costeiro • - Estabelecer rotas potenciais de cabotagem para serviços feeder25 e serviços integrados à cadeia de transporte multimodal, visando uma maior eficiência e baixos custos, de forma a enfatizar as vantagens competitivas do modal (eficiência energética por t/km transportada, menor impacto ambiental e nas rodovias, etc.).Desenvolvimento do Setor Hidroviário -• Integrar o setor energético e de transporte para que a construção de novos empreendimentos hidrelétricos contemple obras de transposição, permitindo que os recursos hídricos estejam à disposição não só do consumo humano, da geração de energia, mas também da navegação interior. Atualmente, dos 28.000 quilômetros de rios em condições naturais de navegação (sem dragagem), somente 10.000 quilômetros estão disponíveis. O transporte hidroviário responde por apenas 2% do transporte nacional, quando comparado ao ferroviário e ao rodoviário26.Isenção de Impostos no Abastecimento de Embarcações na costa Brasileira •- Fazer cumprir o Art.12 da Lei no 9.432/ 97; que determina a extensão dos preços de combustíveis cobrados às embarcações de longo curso para as demais navegações [ICMS(17%); PIS(1,65%); COFINS(7,6%);CIDE (5,5%)], como também a Medida Provisória (MP) no 428/ 08 que determina que os combustíveis comprados ou importados para uso de empresas de

25 Movimentação de cargas entre os pequenos portos, em direção aos grandes portos concentradores de cargas, voltados para a exportação.

26 CRISTINA, Lana. Setor de transporte hidroviário tem entraves para o crescimento. [2006]. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2006/11/17/materia.2006-11-17.5810656523/view>. Acesso em: 10/10/08.

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navegação de cabotagem serão isentos do recolhimento da contribuição para o PIS/PASEP e COFINS.Modernização de terminais Portuários - • O Corredor Marítimo Costeiro depende de uma infra-estrutura portuária moderna e de maior capacidade operacional, pronta para absorver o incremento da movimentação de cargas e navios. A Lei no 8.630 (LEI DOS PORTOS), de 25 de fevereiro de 1993, que busca normatizar a exploração desses portos organizados (públicos e privados), após 15 anos de sua promulgação, carece de revisão. A falta de articulação entre os níveis de decisão no setor - companhias docas estatais, Conselhos de Autoridade Portuária (CAPs), Órgãos Gestores de Mão-de-obra (OGMOs), Governo Federal, empresários e sindicatos de trabalhadores27 - é hoje o maior problema.

Política: Fortalecimento de uma frota sob bandeira brasileiraEstratégias:

Reserva de Mercado na Cabotagem - • É uma prática que vem sendo exercida em todo mundo, cujo objetivo é assegurar para o país, com frota própria, o transporte de seu próprio comércio, a manutenção de sua presença marítima e a independência de frota estrangeira no transporte de cargas domésticas. A legislação brasileira prevê proteções, como: a Lei 9.432 de 08 de janeiro de 1997 - Art. 7º, 8º, 9º e 10º, quando impõe restrições à atuação de embarcações estrangeiras na navegação de cabotagem e interior, permitindo, porém, sua utilização, desde que afretadas por empresas brasileiras de navegação, quando da inexistência ou indisponibilidade de embarcações de bandeira brasileira. Como qualquer mecanismo de fomento, ele só é positivo se for capaz de gerar uma indústria competitiva e moderna. Para isso, é importante que, ao lado desse incentivo, exista um sistema legal, capaz de cobrir aspectos de legislação trabalhista, tributária e financeira, propiciando uma atuação em condições de igualdade com os concorrentes externos. Política de Afretamento adequada • – Reduzir vantagens ou aumentar taxas, estabelecendo, ao mesmo tempo, prazos para que as empresas brasileiras de navegação não utilizem de forma permanente as exceções previstas na Lei no 9.432 (inexistência ou impossibilidade de embarcação brasileira) quando afretam navios de outras bandeiras visando a complementar suas necessidades operacionais, em detrimento da opção de investir na construção de navios nacionais. Incentivos Fiscais no Longo Curso – • Promover uma política de incentivos fiscais ao armador brasileiro, de maneira que ele possa concorrer também

27 MODERNIZAÇÃO dos portos em 3 momentos. Disponível em: http://blog.newscomex.com/2008/02/moderni-zao-dos-portos-em-3-momentos.html>. Acesso em: 16/10/08

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Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais

no mercado externo. Atuar também junto aos exportadores e importadores brasileiros, criando isenções de impostos, caso suas mercadorias sejam transportadas por empresas brasileiras de navegação.Reserva de mercado para os aquaviários brasileiros – • Promover a reserva de mercado para o profissional marítimo brasileiro. A Lei no 10.893/04, em seu Art. 38, proporciona essa reserva, ao condicionar a habilitação ao incentivo do FMM para o armador que utilizar tripulação brasileira. A Lei no 9.432, de 8 de janeiro de 1997, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário, prevê, ainda que de forma tímida, em seu Art. 4º , a exclusividade para brasileiros, somente comandante e chefe de máquinas, nas embarcações que se utilizam do REB (Registro Especial Brasileiro). São garantias que devem ser ampliadas e mantidas, como no caso da Resolução Normativa no 72, de 2006, pois representam também um importante instrumento de preservação do mercado de trabalho para o marítimo brasileiro. Essa norma, do Conselho Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego, determina a obrigatoriedade de utilização progressiva de brasileiros no setor marítimo em embarcações estrangeiras após 90 dias de permanência nas águas nacionais. Descontingenciamento de Receita do FMM – • Cumprir a MP no 2.010-27, de 30/12/1999, que deu nova redação ao Art.1º da Lei no 9.530/97, incluindo o FMM entre os fundos excepcionados. É fundamental que os recursos provenientes desse fundo não sejam desviados a fim de propiciar superávits primários. Responsável pela oferta de recursos para o financiamento do setor, o FMM (regulamentado pela Lei 10.893/04) é hoje o mais importante vetor do momento de recuperação por que passa o segmento no Brasil, registrando um aumento crescente no volume de financiamento à indústria naval. Programas de incentivo à construção naval • – Diante do potencial de carga e da configuração geográfica do Brasil e, como o setor de construção naval demanda altos investimentos e retorno em longo prazo, o Estado deve atuar como agente fomentador. Atualmente, tem-se, o PROMEF (Programa de Modernização e Expansão da Frota), um plano que faz parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o qual é um conjunto de ações voltadas para a alavancagem efetiva do crescimento do Brasil. Revitalização do setor de navipeças• 28 - O Governo deverá disponibilizar linhas de financiamento à pesquisa e ao desenvolvimento do setor, uma vez que o Brasil possui excelentes escolas de engenharia naval, além de cursos de nível médio, com ótima qualidade, que garantem os recursos humanos para manter o bom nível tecnológico na elaboração e gerenciamento de projetos, bem como absorver as inovações

28 Peças destinadas à indústria naval para atender as encomendas de embarcações.

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tecnológicas do setor, entretanto, como a mão-de-obra existente no passado mudou para outros setores, principalmente para a economia informal, programas de treinamento e reciclagem de mão-de-obra especializada deverão ser implementados para poder atender à nova demanda do setor.

cONclUSãO

Diante das transformações pelas quais o mundo tem passado, neste período marcado pela globalização e pela nova ordem mundial multipolar, a Nação Brasileira enfrenta o desafio de ser importante ou irrelevante neste novo cenário. Qual é a Vontade Nacional?

A capacidade de continuar a crescer, de gerar empregos, de produzir conhecimento, de defender as fronteiras (secas e molhadas), de ser competitivo, de atrair investimentos produtivos e manter um razoável grau de autonomia decisória, definirá a posição do Brasil perante o concerto das nações.

A própria sobrevivência do parque industrial produtivo instalado no país depende, em grande medida, da ampliação do mercado, de ganhos de competitividade e dos processos de integração econômica regional.

Nesse contexto se insere a relevância da Marinha Mercante e de seu papel fundamental no desenvolvimento da Nação. Algo que deveria ser óbvio, já que o País é privilegiado por uma grande oferta de rios navegáveis, por uma extensa faixa litoral, por portos naturais e por uma posição estratégica no Oceano Atlântico. Se não bastassem tais motivos, o mar ainda nos brinda com um recurso energético natural, cobiçado por todo o mundo – petróleo (que depende de navios para fazê-lo chegar às refinarias), fonte de energia e de peso político frente às nações.

A incapacidade de os governos atuarem de forma coordenada com a indústria naval, estabelecendo uma visão estratégica, políticas objetivas, desenvolvimento tecnológico, critérios técnicos e administrativos transparentes, e a aplicação de subsídios na dose incorreta, além de decisões políticas muitas vezes em desacordo com as aspirações nacionais e, por conseguinte, contrárias ao bem comum, impediram que essa indústria pudesse se manter entre as mais bem posicionadas no contexto mundial, como foi na década de 70. A redução do número de navios brasileiros elevou o déficit de nossas transações correntes no exterior e aumentou o desemprego na atividade e na construção naval.

Sendo assim, o desenvolvimento do setor marítimo só acontecerá através de políticas de Estado. Não se trata de um objetivo imediato, momentâneo, mas ultrapassa os compromissos que caracterizam uma ação de governo. Uma Marinha Mercante forte corrobora para alcançar e manter a Integração Nacional, a Integridade do Patrimônio Nacional, a Paz Social, o Progresso e a Soberania, Objetivos Fundamentais da Nação.

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Marinha Mercante Brasileira: Contribuição para o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais

Por vocação e peso econômico, o Brasil tem as credenciais para ingressar no núcleo dinâmico da economia e da política internacional. Sem ufanismos, deve-se reconhecer o potencial intrínseco do País, com a consciência de que seu o destino depende, mais do que nunca, de uma urgente mobilização de toda a sociedade na redefinição dos interesses nacionais de longo prazo, aproveitando-se do momento positivo que o país atravessa, no qual as condições mercadológicas são extremamente favoráveis.

É evidente que, após mais de 20 anos de estagnação, dificilmente, em um curto espaço de tempo, o Brasil conseguirá se igualar aos níveis de produtividade e de tecnologia alcançados pela Coréia do Sul, Japão ou China, países considerados hoje como potências da indústria de construção naval. Entretanto, com planejamento estratégico consistente, investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia própria (nos diversos centros de excelência) existentes, aliados aos insumos básicos importantes que o País possui, será possível retornar ao cenário como um player mundial na área naval, não só ocupando posição significativa como também confirmando sua vocação marítima, existente desde o descobrimento.

REFERêNcIAS

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Ana Paula Lage de Oliveira

Ordem Militar de Williamsburg e seus DesdobramentosPercepções da Defesa e da Segurança a partir de 1995

Ana Paula Lage de Oliveira Mestranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC- SP),Pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES), Redatora do Informe Brasil do Observatório Cone Sul de Defesa e Forças Armadas e Aluna do Curso de Gestão e Recursos da Defesa (ESG-SP).

Resumo

Desde o final da Guerra Fria, houve uma acentuação do caráter difuso das ameaças à segurança, a reformulação de estratégias de domínio por parte dos EUA em relação às Américas, mudanças nos objetivos de segurança dos países do continente, acentuação das heterogeneidades, bem como os diferentes graus de sensibilidade e percepção das ameaças. Tais fatores, dentre outros, empenharam, na década de 1990, especificamente, a criação de fóruns de segurança e defesa com estruturas que pretendiam a formulação de uma estrutura de defesa hemisférica. No entanto, muitos desafios ainda se mantém. À luz de alguns conceitos fundamentais de teoria das relações internacionais e dos documentos históricos, o trabalho analisa brevemente o fenômeno das Conferências de Ministros de Defesa das Américas (1995-2008) e discute o fórum enquanto instituição de defesa, seus limites e avanços em termos de integração regional e os entraves que dificultam a implementação real das resoluções discutidas. Ainda, sobre a discussão da formação de uma comunidade de segurança e de uma estrutura de defesa emergente da mesma.

Palavras-Chave: Integração Regional. Conferências de Ministros de Defesa das Américas. Estrutura de Defesa.

Abstract

Since the final of the Cold War, there has been an emphasis in the scattered character of the security threats, the reformulation of United States mastery strategies for the rest of the continent, changing in the security goals of the countries in the hemisphere, an accentuation of the heterogeneity between these countries and different degrees of sensibility and perception of the threats. Such factors, among others, played, particularly in the 1990’s, the creation of defense and security forums with structures that intend to formulate a hemispheric defense framework. However, nowadays, a lot of challenges in the field still remain. In the light of some

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central concepts of international relations theory and of historical documents, this work aims to briefly analyze the Conferences of Defense Ministers of the Americas (1995-2008) phenomenon and to discuss this forum as a defense institution, as well as its limits and advances in terms of providing support for regional integration and the obstacles that complicate the real implementation of the recommendations contained on the resolutions. Furthermore, the article aims to situate the discussions about the formation of a security community on the region and of a defense structure emerging from it.

Keywords: Regional Integration. Conferences of Defense Ministers of the Americas. Defense Structure.

INTRODUçãO

“Las instituciones de seguridad también están bajo un proceso de transformación ya que regímenes surgidos de uma visión antagónica, como la prevaleciente durante la Guerra Fría (1945-1990), se adecuan a un creciente consenso derivado de la expansión de la democracia y la constitución de mercados supranacionales que da prioridad a la negociación pacífica de conflictos.” (Joseph S. Tulchín, Raúl Benítez Manaut y Rut Diamint).

As Conferências de Ministros de Defesa das Américas (CMDAs) nasceram nos anos 1990, logo após a realização da Cúpula das Américas, ocorrida em Miami, no ano de 1994. Fruto de uma iniciativa dos Estados Unidos em direção a uma nova arquitetura nas relações com os demais países do continente americano, a idéia se consolidou também no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), tendo como finalidade ser mais uma forma de garantir, defender e solidificar os princípios democráticos na região.

O início desse novo fórum de discussão dos assuntos relacionados à defesa do continente coincidiu com o período pós-Guerra Fria e pós-regimes militares na América do Sul, momento marcado pela acentuação do caráter difuso das ameaças, o fortalecimento das chamadas novas ameaças, a reformulação das estratégias de domínio norte-americanas para as Américas, as mudanças nos objetivos de segurança dos países da região, a acentuação das heterogeneidades no sul do continente e os diferentes graus de sensibilidade e percepção das ameaças pelos mesmos.

Nesse sentido, a 1a Conferência, em Williamsburg, 1995, foi um marco em termos da abertura de um espaço de discussão de políticas de defesa, promovendo maior cooperação nesse campo para responder as necessidades de segurança regional e determinou alguns princípios fundamentais para as demais CMDAs, princípios estes que garantiam a observância dos direitos humanos e da segurança

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Ana Paula Lage de Oliveira

mútua por meio da preservação dos valores democráticos e da subordinação das Forças Armadas às autoridades civis e à constituição de cada país29.

De acordo com o artigo 18 da Declaração sobre Segurança nas Américas, as Conferências de Ministros das Américas “constituem um espaço apropriado para promover o conhecimento recíproco, a confiança mútua, o diálogo e a transparência em matéria de defesa”30 (México, 2003). O que reforça sua relevância tratando-se de integração, bem como aponta questões essenciais ao debate da segurança e defesa no continente.

AntECEDEntES E BREVE AnáLISE DAS COnFERênCIAS

No final do século XIX e início do XX, houve um crescimento vertiginoso na economia norte-americana, aliado a uma expansão territorial na busca por novos mercados e por investimentos mais lucrativos – acompanhando uma tendência global. Assim sendo, foi possível aos Estados Unidos estabelecer uma política imperialista de intervenções na América Latina com uma política externa conduzida por uma diplomacia de doutrinas31, marcada pela Doutrina Monroe (1823), cujo fundamento era a “defesa da ‘América para os americanos’, mediante solidariedade continental, para garantir a autonomia política das novas nações, além de repudiar conflitos entre elas”.32

No governo do presidente Roosevelt (1901-1908), as premissas da Doutrina Monroe foram retomadas, no sentido de transformar-se “de justificativa para ações defensivas em agressões à soberania de nações latino-americanas sob pretexto de salvaguarda de interesses continentais pan-americanos; foi o denominado “big stick” – a política de intervenções que os EUA realizaram na América Latina”.33 Tal atuação representou

[...] um passo decisivo para a consolidação da hegemonia norte-americana no continente uma vez que os direcionamentos da política externa dos EUA evidenciaram a transformação de um princípio destinado inicialmente à ação defensiva dos Estados latino-americanos na justificativa para uma política intervencionista nas repúblicas independentes da América.34

A partir de então, foram realizadas Conferências Internacionais Americanas,

com o objetivo de condenar a guerra como solução das controvérsias territoriais, recomendar a arbitragem para as questões de fronteiras e criar uma União Pan-Americana com sede em Washington para coordenar as relações comerciais entre os 29 Disponível em: <http://www.cdma2008.ca/pdf/Williamsburg%20Principles.pdf>. Acesso em 13 abr. 2009.30 Declaração do México, 2003. Disponível em: <http://www.oas.org/documents/por/DeclaracionSecurity_102803.asp>. Acesso em 18 mai. 2009.31 “[...] por relações internacionais baseadas em certos princípios delineados por estadistas que as desenvol-

veram: chefes de Estado, chanceleres, ministros e até mesmo funcionários burocráticos.” MALATIAN, Teresa. Brasil, Argentina e o Pan-Americanismo: de Monroe ao ABC. In: VILLA, Rafael D.; KALIL, Suzeley (Org.), 2007.

32 Idem, p.4433 Ibid., p.4534 PERKINS, 1964 apud. Ibid.

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países da região. Por outro lado, em 1915, Argentina, Brasil e Chile estreitaram suas relações na tentativa de alcançar um equilíbrio de forças no Cone Sul e enfrentar cooperativamente as questões internacionais que os afligiam, formando o Pacto ABC. Mas tentativas como essa, de integração continental foram rechaçadas com a invasão do México pelos norte-americanos, em 1916, por exemplo.

María Cristina Rosas aponta que, em 1890, a criação da União Internacional das Repúblicas Americanas, cujo objetivo era fortalecer as relações inter-regionais, prevenindo a intervenção de terceiros nos assuntos do continente e integrar os mercados latino-americanos à máquina industrial dos EUA, representou a materialização institucional de uma noção de hemisfério ocidental. Posteriormente, esse encontro daria lugar a União Pan-Americana, a qual, nutrida na Doutrina Roosevelt (“política do bom vizinho”) e na cooperação dos EUA com o continente durante a Segunda Guerra Mundial, possibilitou a criação da Junta Interamericana de Defesa (JID), em 1942, bem como o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), em 1947, e, finamente, a Organização dos Estados Americanos (OEA), no ano seguinte, sob cujo escopo as Conferências Ministeriais de Defesa das Américas se abrigam.35

Na década de 1960, o ministro de defesa norte-americano convidou os comandantes das Forças Armadas dos países das Américas a se reunirem em encontros regulares, como a Conferência dos Exércitos Americanos (CEA), a fim de discutir a situação da segurança regional e coordenar as atividades dos serviços de inteligência militares. E, nesse contexto das reuniões interamericanas das Forças, ocorreram exercícios militares conjuntos na região, com exercícios navais, por exemplo, ocorrendo duas vezes ao ano no Atlântico Sul – participaram EUA, Uruguai, Argentina, Brasil e Chile.

Porém, até o final dos anos 1980, houve iniciativas de uma cooperação militar sub-regional com a exclusão da participação norte-americana, no âmbito naval, com intercâmbio restrito de informação entre as unidades navais dos países do Mercosul e a coordenação de missões de patrulhamento no Atlântico Sul - Control de la Área Marítima del Atlántico Sur (COAMAS). E, desde 1993, representantes das Forças Armadas dos países do Cone Sul tem participado de simpósios anuais em estudos estratégicos, como tentativa de proteger as questões de defesa e segurança do controle absoluto dos EUA, conforme ressalta o pesquisador alemão Daniel Flemes.36

Esse breve histórico demonstra, resumidamente, os esforços dos EUA no continente americano que, apesar de ser considerado “prioridade baixa” à política externa norte-americana, teve e tem importância fundamental àquela potência, a fim de que seus objetivos no cenário internacional sejam alcançados. Com relação 35 ROSAS, 2003. p.4436 FLEMES, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782005000100014>. Acesso em: 07 out.

2009.

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Ana Paula Lage de Oliveira

aos assuntos de segurança hemisférica37, portanto, percebe-se que sempre foram tratados no continente de maneira vertical e por exclusão, ou seja, seu desenho esteve longe de incorporar as preocupações de cada um dos países envolvidos, sendo delineado, majoritariamente, no período da Guerra Fria, quando se buscava a manutenção de uma aliança continental liderada pelos EUA e justificada na existência de uma ameaça externa comum (os soviéticos), a que se mostra obsoleto no contexto do século XXI.

Graciela Pagliai explica que:

Os mecanismos institucionais de segurança hemisférica criados na década de 1940 passaram a ter sua efetividade questionada pelos países membros na medida em que consideravam a perda de sua eficácia e utilidade em decorrência das alterações pelas quais passou o sistema internacional nas últimas décadas. Tais modificações assinalaram a emergência de novos temas e percepções a serem levados em conta no cálculo dos atores. Dessa forma, houve uma mudança de entendimento relativa à agenda de segurança e, com isso, a necessidade de revisar os conceitos associados à segurança internacional.Durante a bipolaridade os problemas de segurança internacional estavam, sobretudo, vinculados às questões militares estratégicas, em função da temática desta confrontação. Uma vez finda a Guerra Fria, novos temas e ameaças passaram a configurar a agenda internacional somando-se a novos atores para os quais devem ser consideradas variáveis outras que permitam explicar os fenômenos em questão e definir os instrumentos necessários e possíveis para a configuração da segurança internacional.38

Assim sendo, a década 1990 e o início do século XXI ficaram marcados para o continente americano como o momento em que um fórum acertado para as discussões das questões de segurança e defesa das Américas parecia emergir: as Conferências Ministeriais de Defesa das Américas.

Tais assembléias inauguraram-se por uma iniciativa dos Estados Unidos da América e, em 1995, ocorreu a 1a Conferência de Ministros de Defesa das Américas, em Williamsburg39. Foram pensadas para ocorrerem a cada biênio entre líderes civis e militares do continente a fim de que fosse discutida uma variedade de questões de segurança e de defesa da região.

Na Conferência de Williamsburg foram seis princípios fundadores do novo mecanismo de defesa nas Américas: o reconhecimento de que a preservação da democracia abriga a segurança mútua; o reconhecimento da função essencial

37 A utilização dessa expressão cabe neste momento do trabalho, mas é controversa, pois, segundo muitos ana-listas, expressa justamente a exclusão dos países americanos e a determinação da agenda norte-americana ao restante do continente. Essa definição da expressão, explicada no corpo do trabalho também, é considerada durante todo o texto apresentada nesta monografia. Para maiores detalhes, consultar ROSAS, 2003.

38 Graciela De Conti PAGLIAI, “Segurança hemisférica: uma discussão sobre a validade e atualidade de seus me-canismos institucionais” in Revista Brasileira de Política Internacional, Rio de Janeiro, v.49, n.1, p. 26-42, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292006000100002&script=sci_arttext>. Aces-so em: 23 set. 2009.

39 Declaração de Williamsburg in CONFERENCE OF MINISTERS OF DEFENSE OF THE AMERICAS, 1., 1995, Willia-msburg. Disponível em: <http://www.cdma2008.ca/pdf/Williamsburg%20Principles.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2009.

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Ordem Mil. de Willamsburg e seus Desdobramentos Percepções da Def. e da Segur. a partir de 1995

desempenhada por forças de segurança militar em apoiar e defender os interesses dos Estados soberanos e democráticos; a reafirmação da subordinação das Forças Armadas dos países a autoridades democráticas e sob as respectivas constituições nacionais, com devido respeito aos direitos humanos; a promoção da abertura dos debates sobre o tema da defesa; a solução de litígios em relação a territórios limítrofes e de acordos negociados como meta do hemisfério; e a promoção de uma cooperação de defesa que seja capaz de responder às novas necessidades de segurança, como o narcoterrorismo.

De 1995 a 2008, as reuniões tomaram um significado crescente, devido ao incremento considerável das questões transnacionais e da ameaça do terrorismo, e na precária, porém, insistente, tentativa de tomada de soluções conjuntas, integradas, nas quais os países poderiam, cooperativamente, obter vantagens. Assim, alguns temas que estiveram em pauta nas oito conferências foram: a segurança hemisférica; medidas de confiança mútua; cooperação regional para defesa e desenvolvimento; democracia; e o papel das forças armadas.

Após a 1ª Conferência Ministerial de Defesa das Américas, outros sete encontros ocorreram, nas seguintes localidades:

1996 – San Carlos de Bariloche;•1998 – Cartagena das Índias;•2000 – Manaus;•2002 – Santiago;•2004 – Quito;•2006 – Manágua; e•2008 - Banff .•

De acordo com o documento aprovado na Conferência de Manaus, no ano 2000, a finalidade básica exclusiva dos encontros das CMDAs seria “promover conhecimento recíproco e intercâmbio de idéias na área de defesa e segurança”40. Sua relevância se relaciona com o contexto do fim da Guerra Fria e dos regimes militares na América do Sul. Porém, com os atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro de 2001, sua importância aumentou significativamente, devido ao incremento considerável das questões transnacionais, do narcotráfico, da ameaça do terrorismo e na precária, porém, insistente, tentativa de tomada de soluções conjuntas, integradas.

É perceptível a influência dos Estados Unidos na definição da agenda de discussões das reuniões e esse é um dos motivos que levaram a um empenho cada vez dos países da América do Sul nesse fórum. Entre os principais temas tratados nas oito CMDA estão: segurança das Américas; medidas de confiança mútua; cooperação regional para defesa e desenvolvimento; democracia; papel das forças armadas e questões de gênero; questões ambientais; questões transnacionais (terrorismo, narcotráfico, etc); cooperação para manutenção da paz; impacto do 40 Art. 2. Declaração de Manaus , 2000. Disponível em: <http://www.cdma2008.ca/pdf/Declaration%20of%20

Manaus.pdf>. Acesso em 15 mai. 2009.

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Ana Paula Lage de Oliveira

crime organizado para a segurança; temas econômicos e seu impacto na segurança; entre outros assuntos.

A variedade de temas expostos pelos documentos provenientes das Conferências, no entanto, originou uma agenda ampla, mesmo com a instituição de reuniões preparatórias para as CMDAs – somente a partir de 2002, visto que em 2000 a idéia surgiu. Isso resultou em resoluções superficiais, falta de objetivos de integração conjuntos e medidas abrangentes demais, com efeito prático pequeno, para o que contribuiu também o binômio defesa/desenvolvimento, além da falta de uma definição clara dos conceitos de segurança e defesa nas primeiras reuniões.

Foi apenas a partir da CMDA de Manaus (2000), que os ministros ressaltaram a necessidade de definir claramente os conceitos de defesa e segurança para os países do continente. O que foi parcialmente feito na Conferência de Santiago, já que os episódios de 11 de setembro de 2001 tiveram um efeito desestabilizador no campo da defesa e segurança para as Américas e, portanto, tiveram prioridade nas discussões. No artigo 9o da Declaração, se afirma:

Que, al iniciarse el Siglo XXI, el sistema internacional ha ingresado a una etapa fuertemente marcada por la globalización. En ese contexto, la región americana encara un conjunto adicional, creciente, más diverso y complejo de amenazas y desafíos a los Estados, las sociedades y las personas, algunas de las cuales son globales y multidimensionales, aunque puedan afectar a los Estados de manera diversa. Por estas razones, dichas amenazas y desafíos requieren ser abordadas de manera integral y multidimensional, y demandan la búsqueda coordinada de soluciones a los problemas comunes, así como el respeto a la diversidad de las respuestas de cada Estado41.

Em Santiago ressaltou-se ainda o sistema de segurança complexa, formada por instituições e regimes de segurança coletivas e cooperativas que, aos poucos, formam “uma nova arquitetura de segurança flexível”, o que permite a região maior estabilidade e governabilidade para enfrentar as ameaças tradicionais e novas42. Diante dessa constatação e da recomendação do documento de que “se examinem os temas relativos a consolidação da segurança convencional, à luz das novas visões da segurança hemisférica”43, os ministros decidiram, na Conferência de Quito (2004), tomar o conceito de segurança multidimensional, conforme discutido no México, em 2003, na Declaração sobre Segurança nas Américas, cujo artigo 2o aponta:

Nossa nova concepção da segurança no Hemisfério é de alcance multidimensional, inclui as ameaças tradicionais e as novas ameaças, preocupações e outros desafios à segurança dos Estados do Hemisfério, incorpora as prioridades de cada Estado, contribui para a consolidação da paz, para o desenvolvimento integral e para a justiça social e baseia-se em valores democráticos, no respeito, promoção e defesa dos direitos humanos, na solidariedade, na

41 Art. 9o, Declaração de Manaus, 2000.42 CONFERÊNCIA MINISTERIAL DE DEFESA DAS AMÉRICAS. V Conferencia de Ministros de Defensa de las Améri-

cas. Santiago de Chile, 2002. Disponível em: <http://www.cdma2008.ca/pdf/Declaration%20of%20Santiago.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2009.43 Idem.

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cooperação e no respeito à soberania nacional44.

O artigo 2o da Declaração de Quito, portanto, define:

La seguridad constituye una condición multidimensional del desarrollo y el progreso de nuestras naciones. La seguridad se fortalece cuando profundizamos su dimensión humana. Las condiciones de la seguridad humana mejoran con el pleno respeto de la dignidad, los derechos humanos y las libertades fundamentales de las personas, en el marco del estado de derecho, así como también mediante la promoción del desarrollo económico y social, la educación y la lucha contra la pobreza, las enfermedades y el hambre. La seguridad es indispensable para crear oportunidades económicas y sociales para todos, y generar un ambiente favorable para atraer, retener, y emplear productivamente la inversión y el comercio necesarios para crear fuentes de trabajo y realizar las aspiraciones sociales del Hemisferio. La pobreza extrema y la exclusión social de amplios sectores de la población, también afectan la estabilidad y la democracia, erosionando la cohesión social y vulnerando la seguridad de los Estados.45

Tais artigos revelam a importância do indivíduo como sujeito e ator de segurança, além da consideração das diferentes prioridades de cada Estado em relação às ameaças percebidas e ao contexto de cada um, o que não implica, necessariamente, a tomada de decisões e respostas conjuntas, prejudicando uma definição clara e direta de objetivos comuns. Além disso, o artigo da Declaração de Quito demonstra bem o que as Conferências têm discutido durante os oito encontros, ou seja, as questões de segurança, entendida como condição de não exposição a ameaças, principalmente a prioridade dada às questões transnacionais e ao desenvolvimento econômico da região.

A Conferência de Banff (Canadá), que ocorreu em 2008, teve como tema principal o “Aprimoramento da defesa e da segurança hemisféricas, regionais e sub-regionais: construindo confiança por meio da cooperação e da colaboração”46. Significou um avanço importante no que diz respeito ao entendimento dos níveis de segurança, além de reiterar as diferentes prioridades e as realidades em defesa e segurança dos países do continente, assunto abordado na maioria das reuniões anteriores, as quais apontaram as heterogeneidades regionais e os diferentes contextos estratégicos dos países.

No artigo 2o da Declaração de Banff, há um progresso essencial à arquitetura do sistema de segurança e defesa na região no que diz respeito ao trabalho coordenado do sistema de segurança complexa, citado inicialmente na Declaração de Santiago (2002):44 Art. 2o, Declaração sobre Segurança nas Américas, México, 2003. Disponível em: <ttp://www.oas.org/documents/por/DeclaracionSecurity_102803.asp>. Acesso em: 18 mai. 200945 CONFERÊNCIA MINISTERIAL DE DEFESA DAS AMÉRICAS. VI Conference of Ministers of Defense of the Americas.

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Ana Paula Lage de Oliveira

O propósito de instruir a Secretaria Executiva da Conferência de Ministros da Defesa das Américas para que observe o trabalho da Conferência Naval Interamericana (IANC), da Conferência de Exércitos Americanos (CEA), do Sistema de Cooperação entre as Forças Aéreas das Américas (SICOFAA), de fomentar e fortalecer os demais foros existentes tais como a Conferência das Forças Armadas da América Central (CFAC), do Comitê Permanente dos Chefes Militares da Comunidade do Caribe (CARICOM) e o Sistema de Segurança Regional (RSS), e incentivar o apoio para essas e outras entidades bilaterais, sub-regionais e regionais de cooperação em matéria de defesa47.

Como se pode notar, através da análise documental das CMDAs, de 1995 a 2008, houve um aumento crescente do significado das mesmas, bem como mudanças nas conceituações de segurança. Ao mesmo tempo, as prioridades de defesa para as Américas não foram definidas, justamente pelas díspares percepções de ameaças, identificadas por cada país. As mudanças nos entendimentos da segurança, identificadas nos documentos produzidos nas CMDAs, refletem o caráter particular das prioridades, conseqüentemente, a falta de consenso sobre a definição do conceito de segurança e de objetivos compartilhados. As conseqüências estratégicas das mudanças conceituais de termos básicos ao entendimento da segurança e da defesa foram a falta de implementação real das medidas acordadas nos encontros e ações próprias de defesa foram deixadas de lado. Quanto às discussões em torno da agenda hemisférica e dos debates sobre as prioridades na ordem das novas ameaças para os países do continente, é possível dizer que foram sendo enfraquecidos.

cONSIDERAçõES FINAIS

Como bem afirmou Karl Deutsch, os nervos do sistema são os componentes que importam no estudo das ciências políticas e, certamente, nas relações internacionais, pois é a partir deles que se configuram as interações entre as unidades no plano internacional ou, no caso, regional. Os nervos expressam os canais de comunicação e decisão das instituições que os Estados têm criado no âmbito da defesa e da segurança e eles ainda carecem de conexões para funcionar de forma eficiente. Nesse campo, temos as diversas instâncias na OEA, instituições como o CID e a JID, o CHD e tantos outros, que precisam trabalhar harmonicamente a fim de que o corpo da estrutura da defesa no continente se forme por completo, sem fragmentações.

“Todos os processos políticos e instituições que observamos contêm combinações de similaridades e diferenças, e assim se tornam acessíveis ao nosso conhecimento. Na verdade, só é possível perceber as diferenças quando contrastam com um fundo de semelhanças. Só mais tarde, numa segunda etapa, é que se torna possível atribuir novos símbolos aos grupos de aspectos que permanecem diferentes daqueles já familiares (...) e que esses novos dados se

47 Idem (art.2o).

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tornam parte da nossa experiência.”48

Entretanto, com os anos, os desafios à integração em segurança e defesa no

continente se tornam mais complexos. Por exemplo, o ambiente político atual é mais tenso e entremeado do que o era em 1995, devido às diferentes percepções a ameaças, principalmente após os eventos de 11 de setembro de 2001, ao surgimento de novas disputas e ao baixo nível de confiança entre as autoridades dos países do continente. Diversas medidas de confiança tem sido implementadas, mas, muitos países, entre os quais o Brasil, ainda não dispõem de mecanismos importantes, reveladores de transparência, como os Livros Brancos de Defesa.

Vale ressaltar que a participação brasileira nas Conferências Ministeriais de Defesa das Américas (CMDAs) tem sido bastante modesta e, de certa forma, passiva. Para um país que ocupa, ou almeja ocupar uma posição central no sul do continente, de liderança regional, o Brasil não tem dado a devida atenção a esse fórum. Talvez as atenções, nos últimos anos, tenham estado mais voltadas ao projeto de criação e consolidação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), porém, ele não exclui nem diminui a relevância das CMDAs e poderia ser um produto delas, não um órgão alheio as discussões das conferências.

Há que se considerar ainda que a constituição do novo mecanismo de defesa, o CDS, revelou o marco de um processo sub-regional de remodelação no tratamento das questões de defesa. Além disso, a ênfase dada à consolidação do CDS em oposição ao comportamento dos países sul-americanos percebido nas CMDAs, que de certa forma estão sob o escopo da OEA, é mais um indicativo dessa mudança e isso se relaciona a uma tentativa de forjar uma identidade sul-americana em defesa. Inicialmente, o processo de uma integração continental em defesa caminhava paralelamente a um processo sub-regional, mas já se observam indícios de que o segundo sobressai em relação ao primeiro. De acordo com o embaixador Pinta Gama:

As dificuldades enfrentadas pela OEA na promoção do diálogo e do entendimento entre os países das Américas não chegam a surpreender. As divergências entre seus Estados Membros sobre a readmissão de Cuba no sistema interamericano, o déficit de direitos humanos em alguns países da região e as crises políticas mais recentes (especialmente as da Bolívia e de Honduras em 2009) parecem confirmar as análises de que a OEA não conseguiu se desvencilhar de conceitos pertencentes à lógica da Guerra Fria. Apesar do papel positivo desempenhado na transição de regimes militares para democracias representativas na América Latina nos anos 70 e 80, a Organização vem perdendo relevância em face de novas geometrias de poder nas Américas.49

Muitos outros desafios têm se imposto à continuidade das discussões da defesa e da segurança regionais. Os objetivos do continente nesse campo ainda 48 DEUTSCH, 1971. (p. 41)49 GAMA, 2010.

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não estão bem fundamentados, mas, não apenas isso. Não há uma identidade comum entre os países da região. Nesse sentido, insere-se a noção de Karl Deutsch sobre as comunidades de segurança, isto é, um grupo de atores que compartilham um ambiente comunicativo e, conseqüentemente, compartilham valores, responsabilidades (um sentimento do nós) e confianças mútuas. Essas comunidades não se constituem apenas na soma das crenças de grupos nacionais, na defesa da consolidação de interesses particulares, porém, elas existem nas práticas, nas instituições, nos discursos, sendo reais em todos os sentidos, para todos50.

Como Alexander Wendt bem definiu, a comunidade de segurança é uma estrutura social diferenciada, composta de conhecimento compartilhado na qual os Estados confiam uns nos outros na resolução dos conflitos sem necessidade de guerras.51 A isso, podemos somar as considerações feitas por Barry Buzan sobre sociedade internacional (que, de acordo com o próprio autor, podem se referir a um fenômeno subsistêmico), pois, a partir dessa idéia, é possível compreender como é possível a uma comunidade de países conviver com as heterogeneidades existentes.

A idéia geral de Buzan é de que, tendo em vista os três objetivos básicos a toda sociedade que Bull enumera: limites no uso da força, provisões para que se possa cumprir os contratos e esforços na manutenção dos direitos de propriedade; o interesse próprio mútuo leva as lideranças a perseguirem objetivos comuns na construção de uma ordem. E, como aponta Watson, “as regras e instituições reguladoras de um sistema se desenvolvem a ponto de os membros se tornarem conscientes de valores comuns e o sistema se torna, então, uma sociedade internacional” (raison de system). No entanto, a noção de identidade comum não deve ser omitida, visto que esse elemento é mais do que apenas objetivos compartilhados52.

As Conferências Ministeriais de Defesa das Américas, partindo da análise dos documentos, parecem ser uma tentativa no sentido de uma comunidade de segurança, mas a arquitetura que se pretende está ainda longe de ser alcançada. A segurança multidimensional foi definida, porém, reflete determinadas prioridades, particulares, e as soluções não têm sido, necessariamente, multilaterais. Com a consolidação do Conselho Sul-Americano de Defesa e a presença de outras instituições na área da segurança regional, com trabalhos que não apresentam uma articulação visível, ou sensível, as CMDAs tem se inserido como mais como um outro espaço para discussões do que como uma instituição política adequada para decidir sobre as questões de defesa do continente.

Ainda assim, há diversas questões a serem tratadas e deve haver uma reflexão profunda sobre alguns pontos importantes. Um deles é justamente o próprio conceito de segurança multidimensional utilizado amplamente nas resoluções dos encontros, que, em linhas gerais afirma que os efeitos das novas ameaças desencadeadas pela

50 Idem. 51 ADLER, 1999. (p. 213)52 BUZAN, 1993. Disponível em: < http://www.jstor.org/stable/2706979> Acesso em: 23/06/2008.

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globalização ocorrem sobre os Estados, sobre a sociedade e sobre os indivíduos, ou seja, elas possuem alcance multidimensional. Ora, sendo um conceito relativamente abrangente e superficial, ele pode ser apropriado pelo discurso de alguns países, a fim de abarcar todos os diversos interesses regionais, individualizar as percepções dos países em termos de segurança e defesa e impor seus interesses, postergando um debate real sobre o conceito de segurança a ser utilizado pelo continente.

Como já foi dito, as díspares intensidades das ameaças em cada Estado e o amplo, e não convergente, espectro de percepções sobre as mesmas é outro aspecto fundamental que dificulta os trabalhos das CMDAs rumo a arquitetura de um sistema de defesa harmonioso, flexível e cooperativo para as Américas. É preciso, assim, pensar em integração nesse campo da defesa e da segurança como trabalho conjunto, pensamento coletivo, instituições e regimes em sincronia e interligados por canais de comunicação.

De acordo com Karl Deutsch, os nervos do sistema são o que importa ao estudo das ciências políticas e, portanto, nas relações internacionais, pois a partir deles se configuram as interações entre as unidades no plano internacional ou regional. Os nervos expressam os canais de comunicação entre as instituições de decisão e formulação de políticas que os Estados têm criado no âmbito da defesa e da segurança – esse trabalho é harmônico, conjunto, integrado.

Todos os processos políticos e instituições que observamos contêm combinações de similaridades e diferenças, e assim se tornam acessíveis ao nosso conhecimento. Na verdade, só é possível perceber as diferenças quando contrastam com um fundo de semelhanças. Só mais tarde, numa segunda etapa, é que se torna possível atribuir novos símbolos aos grupos de aspectos que permanecem diferentes daqueles já familiares (...) e que esses novos dados se tornam parte da nossa experiência.53

No nível sul-americano, ao contraste com o hemisférico, tem-se buscado uma identidade comum, fator que facilitaria a formação de um sistema coeso, daquilo que, segundo Wendt, Adler e Deutsch, seria uma “comunidade de segurança”. Ela seria constituída por um grupo de atores que compartilham um ambiente comunicativo e, conseqüentemente, compartilham valores, responsabilidades (um sentimento do nós) e confianças mútuas. Essas comunidades não se constituem apenas na soma das crenças de grupos nacionais, na defesa da consolidação de interesses particulares, porém, elas existem nas práticas, nas instituições, nos discursos, sendo reais em todos os sentidos, para todos (DEUTSCH, 1971)

De acordo com Wendt, a comunidade de segurança é uma estrutura social diferenciada, composta de conhecimento compartilhado na qual os Estados confiam uns nos outros na resolução dos conflitos sem necessidade de guerras (ADLER, 1999). Assim sendo, não podemos afirmar que o continente esteja avançando neste sentido, principalmente diante dos eventos recentes 53 DEUTSCH, 1971. (p. 41)

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que demonstram a desconfiança de países da América do Sul em relação aos interesses norte-americanos na região, principalmente com o estreitamento das relações militares entre EUA e Colômbia – com a possível instalação de bases estadunidenses no país sul-americano.

Ademais, apesar de o fenômeno da integração regional no caso das Américas ter sido impulsionado nos anos 1990 e ter sofrido modificações nos anos 2000, ainda persistem limitações político-institucionais e iniciativas do contexto da Guerra Fria, ou melhor, do contexto pré-11 de setembro que precisam ser suplantadas. Permanecem, também, certas indefinições de ordem teórica, metodológica e empírica ao estudo e a prática da integração, pois fenômenos tais estão subordinados a interpretações diversas que surgem à medida que a realidade se transforma e não podem ser analisados satisfatoriamente sob um único prisma.54 Simultaneamente, o foco da integração se volta ao nível sub-regional de maneira acelerada e intensa, como mostra a criação do CDS.

Nesse sentido, é preciso considerar também o aspecto subjetivo por detrás das decisões políticas e das ações de defesa, aparentemente objetivas, traçadas conjuntamente para as Américas e entender o fenômeno do regionalismo como um processo de pertencimento a partir do compartilhamento de consciência e identidade regionais, ou seja, a coesão regional depende, em última instância, do “[...] sentido de comunidade baseado em mútua responsividade, confiança e elevados níveis do que se pode chamar de interdependência cognitiva”.55 No processo de interação entre os atores, devem ser considerados os valores, as idéias e culturas como variáveis significativas, na medida em que, conforme ocorre um compartilhamento de princípios e entendimentos coletivos, as possibilidades de cooperação aumentam. Isso só pode ser considerado em um nível sub-regional, não continental.

A partir da interação e dos processos comunicativos entre os atores, os interesses e as preferências também se constroem. Daí a importância dada às instituições internacionais e às cúpulas, que agem como catalisadoras de tal processo e, em particular, das instituições regionais e/ou sub-regionais. Os Estados permanecem como as entidades principais na análise das relações internacionais, porém, há o entendimento de que “as relações entre [eles] não são definidas com base em interesses nacionais fixos, mas por padrões de comportamento e de identidade que se transformam com o tempo”56.

Sobre o fenômeno da integração, Deutsch aponta quatro tarefas básicas: a manutenção da paz, a ampliação das capacidades de finalidades múltiplas, a realização determinada de tarefa específica e a formação de uma nova auto-imagem e de uma identidade funcional.57 Tratando especificamente do regionalismo é mister

54 ROCHA, 2002. p.58.55 HURRELL, Andrew. Regionalism in the Americas. In: FAWCETT, Louise; HURRELL, Andrew (ed.), 1995. p. 45.56 SILVA, 2005. p. 30.57 DEUTSCH, 1978. p. 246-247.

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entender que este é uma disposição à coordenação de políticas, criação de acordos e instituições regionais por parte dos atores envolvidos com o propósito de maior aproximação e cooperação em temas variados.58

O compartilhamento de valores que acompanha o processo de regionalização permite o fortalecimento da capacidade de ação conjunta dos países, intensificando as interações sociais. Entretanto, esse compartilhamento e o conseqüente aumento do potencial cooperativo não significam mudança da lógica de competição política pelo poder nem da distribuição de forças no sistema: há uma interação entre estruturas materiais, intersubjetivas e de interesse e identidade dos atores, esforço interativo que tem ficado evidente com a instituição do CDS.

É preciso, então, considerar as percepções dos Estados uns sobre os outros que estabelecem o chamado dilema da segurança59, o qual permite conceber a cooperação interestatal na área da segurança e a conseqüente formação de outros tipos de estrutura social, desde que ocorra alteração no entendimento coletivo dos atores. Em suma, a mudança de uma lógica da integração de fato. Para se chegar à nova lógica, é necessário considerar que as noções de ameaça ou confiança entre os Estados são respostas baseadas nas interpretações entre os mesmos, em um processo de formação de significados intersubjetivos (compartilhados e praticados) e que define a realidade social dos atores.60 E essa é uma das dificuldades principais quando se fala em uma integração continental (ou das Américas).

Retomando uma observação feita por Aravena, no âmbito continental, um dos problemas que permanecem é que a defesa e segurança nacionais tem mantido alta prioridade e demanda, em detrimento do pensamento conjunto e:

“(…) Construir cooperación significa establecer alianzas y desarrollar coaliciones que tengam un sentido estratégico. Es decir, generar una visión y un sentido a las acciones con una proyección de largo plazo. Esto ordena y subordina los intereses particulares para alcanzar intereses compartidos que incluyan la satisfacción de parte importante de dichos intereses particulares. Lo estratégico es definir la variable que posibilita formular, coordinar y aplicar políticas, y que orienta la definición de objetivos y fines”.61

58 “[...] um conjunto de políticas de um ou mais Estados, destinadas a promover a emergência de uma sólida unidade regional, a qual desempenha um papel definidor nas relações entre os Estados dessa região e o resto do mundo, bem como constitui a base organizativa para políticas no interior da região, numa ampla gama de temas”. HURRELL, 1993. p.100.

59 O dilema de segurança é a situação dos Estados que, no sistema anárquico e de auto-ajuda, promovem conti-nuamente o aparelhamento nacional com meios militares a fim de garantir a segurança nacional, prevenindo

ou rechaçando as ameaças externas. Esse aparelhamento leva ao crescimento do poder internacional de alguns Estados em relação aos outros, os quais, com a percepção de insegurança em relação aos primeiros, também se lançam às políticas de melhoria das capacidades militares. Essa situação é cíclica e segue-se uma corrida armamentista que resulta em perda do nível geral de segurança internacional. SILVA, 2005. p. 49-50.

60 Para uma explicação mais detalhada, consultar: ADLER, 1999. p.201-24661 ARAVENA, Francisco R. Una comunidad de seguridad em las Américas. In: TULCHIN, Joseph S.; MANAUT, Raúl

B.; DIAMINT, Rut, 2005. p. 171-186

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Alcançar, portanto, um entendimento comum sobre conceitos chave como o de segurança e o de defesa constitui-se em um passo decisivo para a promoção da integração de fato nesse campo e um conselho a ser seguido no início da implementação do CDS, evitando dificuldades futuras que mecanismos como as CMDAs vivenciam.

“A matéria empírica da política internacional são as percepções, por isso as unidades decisórias dirigem a estas a lógica das suas políticas exteriores, para impactar-las através da (...) diplomacia e da estratégia”.62 Ao se tratar a questão da integração em matéria de segurança e defesa, o aspecto subjetivo das percepções e prioridades daí advindas que se encontram por trás das decisões políticas e das ações de defesa (aparentemente objetivas) traçadas conjuntamente para a região, em algum momento, deve ser considerado.

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