revista brasileira de saúde da...

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ANO I • NÚMERO 02 • JUNHO/JULHO DE 2000 • UMA PUBLICAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Saúde da Família De comunidade em comunidade, as equipes do PSF vêm contribuindo para a qualidade de vida das famílias acompanhadas. O Brasil abre as portas para a saúde entrar O Brasil abre as portas para a saúde entrar ISSN 1518-2355 Revista Brasileira de

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ANO I • NÚMERO 02 • JUNHO/JULHO DE 2000 • UMA PUBLICAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

Saúde da Família

De comunidadeem comunidade,

as equipes do PSFvêm contribuindopara a qualidade

de vida dasfamílias

acompanhadas.

O Brasil abre asportas para asaúde entrar

O Brasil abre asportas para asaúde entrar

ISSN 1518-2355

Revista Brasileira de

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JULHO/JULHO DE 2000 1

ExpedienteÍndiceRevista Brasileira de

Saúde da Família

Um projeto do Ministério da Saúde“Abra as portas para a Saúde entrar”

junho/julho 2000

Ministro da SaúdeJosé Serra

Chefe da Assessoria de Comunicação SocialJoão Roberto Vieira da Costa

Coordenação EditorialAna Maria Franklin Maria Fátima de SousaSônia Regina Rocha

Conselho EditorialHeloíza Machado de SouzaMaria Fátima de SousaMilton Menezes da Costa NetoEduardo LevcovitzJulio Strübing MüllerLuís Odorico Monteiro de AndradeMarco Aurélio Da RosRicardo Burge CeccinKarina Barros Calife BatistaEllen Márcia PeresCarlos Haroldo PiancastelliMarco Antônio Mota GomesRoseana Maria B. MeiraDjalmo Sanzi Souza

Projeto GráficoAdesign

Foto de capaPedro Martinelli

Impressão e AcabamentoGráfica Ideal

EditoraçãoWalter Mota

IlustraçõesPalet

Secretaria-ExecutivaDepartamento de Atenção BásicaEsplanada dos Ministérios, bloco G,sala 718CEP: 70058-900 – Brasília – DFFones: 61 224-4251 e 315-2497Fax: 61 226-4340E.mail: [email protected]://www.saude.gov.br

Artigos e matérias de colaboradoresdevem ser encaminhados à Secretaria-Executiva da Revista de Saúde daFamília. As normas para publicaçãoestão disponíveis no sitewww.saude.gov.br/psf/publicacoes

ISSN 1518-2355

Editorial..................................................................................................2

ApresentaçãoA porta do debate está aberta ....................................................................3

EntrevistaBuscando a promoção do bem comum ..........................................................4

ConjunturaSaúde da Família provoca inovações nas instituições de ensino superior............8

MunicípiosVitória da Conquista, a estratégia está no nome ..........................................12Aracaju, a força das parcerias....................................................................20Palmas, inovar é a ordem do dia ................................................................30Ribeirão das Neves, cidadania no horizonte ................................................38

AnálisesO currículo médico e o sistema de saúde em construção................................46PSF: o que pensam os gestores municipais de saúde?....................................54

Histórias de quem faz a históriaSaúde da Família e Alcoólicos Anônimos ....................................................60O sucesso do grupo de obesos de Criciúma ..................................................61Dando pontos na teia da solidariedade ......................................................62

Pedro Martinelli

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 20002

Pensado e construído no espaço da cidadania, o PSF assume agora a proa das propostas da atenção básica no sistema de saúde

Mais um número da RevistaBrasileira de Saúde da Família.No entanto, este "mais um"tem características de inovaçãoe de primeiros frutos. A idéiacontinua sendo a mesma: ates-tar experiências inovadoras ecriativas, analisar resultadosutilizando-se de metodologiacientífica e de depoimentos co-lhidos diretamente com os pro-fissionais e com a populaçãoenvolvida, apresentar elemen-tos teóricos e práticos que con-tribuam para o trabalho dasequipes de Saúde da Família es-palhadas por todo o Brasil.

A novidade – permanentenovidade – está na forma como

cada experiência em curso res-ponde a uma realidade muitopeculiar e própria. Sendo emsuas bases um só esforço, naponta de suas realizações, oPrograma Saúde da Família sefaz novo a cada momento. Porisso esta revista é necessária.Ela ajuda a construir a memóriade algo que pode ser considera-do novo demais para se preocu-par com lembranças e registros,mas que aprendeu que a força damemória está justamente em fa-zer presente a história. As equi-pes de Saúde da Família, objetoe sujeito dos artigos a seguir, es-tão fazendo a história presenteda saúde pública no Brasil.

Nos relatos de experiências enos textos de avaliação e pesqui-sa, o leitor vai encontrar um sa-ber em construção. E que, porisso mesmo, se abre ao debate,aos questionamentos, às contri-buições e até mesmo às contesta-ções. O setor saúde, no Brasil,soube se constituir enquantocampo de conhecimento tendo naorigem a democracia do debatena arena pública. E é desta base,soldada parte a parte com a con-tribuição de gerações de teóricos,técnicos, militantes e profissio-nais, que a estratégia Saúde daFamília brotou enquanto alterna-tiva técnica e proposta política.

Não deve ser outro o objetivode uma publicação como esta:abrir o debate, criar espaço parao confronto de idéias e noticiar onovo. Pensado e construído noespaço da cidadania e da contes-

tação do modelo elitista na ideo-logia e incompetente na prática,plasmado historicamente no Bra-sil, o PSF assume agora a proadas propostas da atenção básicano sistema público de saúde. E éesta localização que torna a ne-cessidade de ampliar o debateuma obrigação ainda mais pre-sente, e esta revista uma arenade troca de experiências aindamais necessária.

Conselho Editorial da Revista Brasileira de

Saúde da Família

Fazendo a história presente

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 3

A porta do debate está aberta

José Serra, ministro da saúdexistem algumas atitudesque valem mais que qual-quer proposição teórica ou

discurso. No caso da saúde,a inversão de recursos é a mais elo-qüente forma de dar à palavra "prio-ridade" sua singularidade de nascen-ça. A aposta no modelo do Programade Saúde da Família, já hegemônicona configuração do sistema de aten-ção básica à saúde no Brasil hoje, sedesenha ainda, em um futuro próxi-mo, como uma estratégia de mudan-ça radical da forma de se fazer saúdeno Brasil. Uma transformação destamonta, que enfrenta adversários his-tóricos e interesses fortemente arti-culados, precisa mais do que bonspropósitos: necessita de resultados.

O Sistema Único de Saúde, pro-duto e consumação do que veio aser conhecido como reforma sanitá-ria, tem no PSF um dos seus trunfosem termos políticos, técnicos e deresultados. No campo da política,ele garante o duplo caminho da de-manda bem articulada e conseqüen-te por mais e melhores serviços – deum lado – e da resposta organizadada população em fóruns participati-vos. No âmbito técnico, o PSF traza revalorização da clínica, o incre-mento do vínculo, o resgate dos sa-beres tradicionais. E com relaçãoaos resultados, vem escrevendo, decidade em cidade, de comunidadeem comunidade, uma história de in-versão de índices vergonhosos demortalidade, morbidade e sofrimen-to, em números inquestionáveis ehistórias tocantes.

O capítulo dos resultados é omais impressionante e variado pos-sível. Em alguns contextos, carrega-dos de problemas conjunturais e es-truturais, apenas a entrada da equi-pe e sua lógica de atuação permitiuo alcance de patamares sanitáriosinimagináveis. A saúde, que é sinalde alerta das desigualdades sociais,

se transforma nestas localidades nosetor no qual se dá a torção em di-reção à qualidade de vida. Os exem-plos que o Ministério da Saúde vemcatalogando, nesta publicação e emoutras atividades, falam dessa reali-dade, que já atinge hoje mais dedois mil municípios.

O Programa Saúde da Famíliaatinge agora o desafio maior de sero núcleo da atenção básica. Nãotem mais o charme de ser alternati-vo, o viés ousado de se colocarcomo possibilidade, a ambientaçãoinstitucional de um programa isola-do na lógica mais ampla do sistemade saúde. Ele provou que funciona,e por isso mesmo tem que funcionarcada vez melhor. E para todos.

Para isso, os desafios agora co-locados, que já vinham sendo apon-tados há tempos, passam a fazerparte do cotidiano do sistema pú-blico de saúde. Dar plena capacida-de de operação ao PSF não é maisuma tarefa de algumas equipes, maso objetivo central das ações de go-verno no âmbito da atenção básica.Para isso, além da questão dos re-cursos e da decisão política, dadasjá como definitivas e inquestioná-

veis pelas ações de governo nestesentido, alguns problemas se anun-ciam e estão a exigir criatividade einteligência do setor saúde.

Entre estas dificuldades, algumassão de ordem institucional, como aconfiguração articulada e sinérgicaentre as esferas de poder, outras sãode natureza cultural, como o novomodelo de formação de profissionaisde saúde capaz de atender às exigên-cias do PSF. São problemas que nãose criam no vazio social. Eles emer-gem da história de uma relação dedependência entre o sistema de saú-de e a regulação pública. Na medidaem que a população, com a devidajustiça, postulou a saúde como umdireito, a atuação da esfera públicadeixou de ser a matriz que inicia oprocesso para ser o componente queviabiliza as demandas públicas legiti-mamente colocadas.

Estes desafios tocam na culturabrasileira. E sabemos todos como asmudanças culturais são difíceis eexigem tempo. No entanto, até porum imperativo de vida, não há tem-po a perder. A mudança é para ago-ra. A vida não pode esperar mais. Éuma tarefa para a qual estão convo-cados profissionais de saúde, inte-lectuais, secretarias estaduais e mu-nicipais de Saúde, professores, uni-versidades, sindicatos, população,conselhos de Saúde. Para todos, aporta do debate está aberta.

Os desafios colocados pelo PSF passama fazer parte docotidiano dosistema públicode saúde

ERuben Silva

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 20004

implantação do Pro-

grama Saúde da Fa-

mília no Estado de São Pau-

lo tem sido, nas palavras

do Secretário Estadual de

Saúde, José da Silva Gue-

des, "um processo em cons-

tante expansão". Das 877

equipes previstas até de-

zembro deste ano, perto de

92% já se encontram im-

plantadas. Médico, sanita-

rista e professor pleno de

Medicina Social da Faculda-

de de Ciências Médicas da

Santa Casa de São Paulo,

José Guedes, que está a

frente da SES/SP desde

1995, fala sobre os desafios

deste processo.

Qual o quadro de implantaçãodo PSF no Estado de São Paulo?

Dados de julho indicam que, oPSF está implantado em 283 mu-nicípios do Estado, com a atua-ção de 811 equipes de Saúde daFamília.

Um dos desafios do PSF temsido a participação sinérgicados três níveis de governo.

Qual é, na sua avaliação, o papel do nível estadual nesteprocesso?

O governo do Estado de SãoPaulo, através da SES, tem prioriza-do e incentivado a implantação daestratégia Saúde da Família nosmunicípios, e para isso vem promo-vendo fóruns regionais de discus-são e sensibilização envolvendoprefeitos, secretários municipais deSaúde, técnicos e população. Esses

Buscando a promoçãodo bem comum

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Manoel R. Santos

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 5

fóruns já ocorreram em todas asnossas 24 regionais de Saúde.

Uma das formas de participa-ção do Estado tem sido a articula-ção das instituições de ensino, mu-nicípios e regionais de Saúde noSistema Estadual de Capacitação,Formação e Educação Permanentepara Saúde da Família. O Estadotem também investido recursos fi-nanceiros próprios para o PSF, emáreas com dificuldades específicas,como por exemplo o município deSão Paulo, ainda não habilitado aoSUS, e também em áreas de baixodesenvolvimento socioeconômico,como o Vale do Ribeira, através daimplantação do Projeto Qualis/PSF.No Projeto Qualis/PSF do municí-pio de São Paulo, o Estado é o res-ponsável executivo direto pela es-tratégia, enquanto no Projeto Qua-lis/PSF Vale do Ribeira o município

é o executor das atividades.

Que critérios São Paulo vem utilizando na priorização dos municípios para implantação do PSF?

O PSF, pelo seu próprio conceitoe resultado, deve ser implantado emtodos os municípios e não só nas re-giões pobres. Não se trata de crité-rios técnicos ou prioridades, massim de um grande esforço para tor-nar mais factível a sua implantaçãoe expansão em todas as regiões. Aintervenção do estado deve ocorrersempre que o município necessitar.Por exemplo: na cidade de São Pau-lo, que esteve fora do SUS, foi ne-cessário que o Estado implantasse eexecutasse o PSF (Qualis), ou aindaem municípios muito pobres, comono caso do Vale do Ribeira. Ou seja,consideramos prioritário o PSF comoum componente sistêmico de saúdepara qualquer país (Canadá, Cubaou Brasil), ou população (rural edispersas ou urbanas concentradas)e não somente associado à pobreza.

Muitos identificam o PSF como Norte-Nordeste.

De que forma o trabalho dasequipes pode responder a necessidades de contextos de grande urbanização?

A própria implantação doQualis/PSF na capital do Estadoe em áreas metropolitanas comoo município de Mauá demonstraque o PSF se adequa a qualquerpopulação, sendo muito maisuma questão de determinaçãopolítica e possibilidade concretade execução, onde se deve con-siderar quais as áreas prioritáriaspara a implantação, os indicado-res epidemiológicos, socioeco-nômicos e culturais das popula-ções, a organização e resolutivi-dade dos serviços já existentes,além de uma necessária visãosistêmica da saúde.

O trabalho das equipes, volta-

do diretamente às realidades desaúde dos grupos sociais e desuas famílias, pode identificar,com bastante clareza, as necessi-dades dessas populações bemmais facilmente do que uma con-sulta tradicional. De acordo comos contextos específicos em quevivem, torna-se possível enfren-tar as necessidades de saúde, atémesmo aproveitando algumasvantagens da grande urbaniza-ção, agregando com mais facili-dade os interesses e os recursosdisponíveis, de referência e con-tra referência já existentes.

Como vê a idéia de substituição do modelo de assistência básica? É viávelpensar, a curto prazo, numasubstituição total?

O ideal não é substituir oatual modelo de assistência bá-sica, mas complementá-lo, apri-morá-lo, expandi-lo.

O modelo atual é, em sínte-se, fundamentalmente voltadopara a assistência médica a pes-soas que demandam, que procu-

ram os serviços de saúde. Os ser-viços de saúde, na grande maio-ria das vezes, não desencadeiammedidas pró saúde fora do âmbi-to setorial, nem mobilizam a po-pulação ou equipamentos outrosdisponíveis para resolver neces-sidades de saúde/doença. Umaatuação dinâmica, de busca ati-va, em geral, só se dá em açõesde prevenção específica, comopara doenças evitáveis por vaci-nação.

Não se quer acabar com nadadisso; não se quer deixar de tra-tar o doente, nem interromperas campanhas de vacinação.

O que se deseja, e se tembuscado ativamente, é uma am-pliação dos esforços para que aessas ações que já vêm sendodesenvolvidas seja acrescida umapresença profissional para a saú-

de junto ao núcleo social primá-rio da sociedade, a família, a fimde que, a partir do levantamentodos seus problemas de saúdemais expressivos, em conjunto,busquem-se soluções, seja narede de serviços de saúde, sejana sociedade em geral.

Já existem indicadores em São Paulo que afiram a boa resposta do PSF aos problemas de saúde do Estado?

Se eu entendo indicadorescomo taxas ou índices, sejam nu-méricos ou qualitativos, que in-formam o quanto eficazes ouefetivas são as respostas àsações desenvolvidas, posso afir-mar que estão em estudo. Essesindicadores... eles até já exis-tem. O problema é a adequação

“O ideal não é substituir o atual modelo de assistência básica, mascomplementá-lo, aprimorá-lo, expandi-lo.”

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e a devida consideração do seureal valor para a mensuraçãodos resultados esperados, tendoem vista a natureza desses mes-mos resultados.

Para tanto, existe até pro-jeto de pesquisa em andamen-to, desenvolvido por cientistasligados a quatro instituiçõesacadêmicas, que se inicioucom recursos da Fundação Zer-bini e hoje tem financiamentoda Fundação de Amparo à Pes-quisa do Estado de São Paulo(Fapesp).

Entretanto, se eu entendoindicadores como sinais obje-tivos de satisfação, expressaou implícita – comparecimen-to aos retornos, adesão às ati-vidades propostas e aos trata-mentos –, poderia afirmar quetodos os levantamentos e to-das as manifestações das co-munidades abrangidas peloPSF são no sentido de manter,expandir e continuar as pro-gramações, na forma em quevêm sendo desenvolvidas. E,com freqüência, já se identifi-cam sinais muito evidentes deque os resultados estão sendoobtidos no desenvolvimentode parcerias entre as popula-ções atendidas e ONGs das re-giões – as quais se dedicam àmelhoria da alimentação, doemprego – movimentos sociaispara a abordagem e prevençãode diferentes manifestaçõesda violência e nas mobiliza-ções de órgãos públicos de sa-neamento básico, de abasteci-mento alimentar. Esse movi-mento dá-se sem prejuízo dasatividades clássicas de saúde;ao contrário, aumenta-se a co-bertura vacinal, melhora-se ecompleta-se o tratamento dasdoenças crônicas, aprimora-seo atendimento pré-natal, e as-sim por diante.

Dado ainda ao curto espaçode tempo de convivência doPSF entre nós, em São Paulo,não há ainda índices confiá-veis ou expressiva alteração noperfil de morbi-mortalidade,como já é possível identificarem algumas áreas do país.

Como se organizam os Pólos em São Paulo?

Para se alcançar êxito na im-plantação do PSF, a atuação dosprofissionais vem se desenvol-vendo de modo coerente e ade-quado à nova proposta, atravésdos treinamentos realizados pe-los Pólos de Capacitação. No Es-tado de São Paulo, o Sistema deCapacitação, Formação e Educa-ção Permanente de Profissionaispara Saúde da Família está orga-nizado em cinco Pólos regio-nais, agregando, numa parceriatripartite, as faculdades de Me-dicina, Enfermagem e Saúde Pú-blica do Estado, os municípios ea Secretaria de Estado da Saúde.

Existe uma inclinação das universidades paulistas para o novo modelo?

Sem dúvida, conforme consta-tado na participação da quase to-talidade das instituições forma-doras do Estado de São Paulo noSistema de Capacitação, além daexistência, em algumas universi-dades, de estágios em UnidadesBásicas de Saúde da Família.

Este ano vamos ter eleiçõesmunicipais. Como o senhor avalia a perspectiva de continuidade ou ruptura dasexperiências em andamento?

Alguma ruptura nas experiên-cias em andamento sempre have-rá. A minha percepção, entretan-to, em face dos resultados já ob-tidos e da valorização que a po-pulação tem dispensado ao pro-grama, é que, na grande maioriados casos, o PSF terá continuida-de e a sua expansão será bastan-te rápida.

A pluralidade política, que é um ganho para a democracia, pode emperrarboas relações do Estado com municípios governadospor prefeitos de outros partidos?

Na atual administração doEstado, por uma conduta muitoclara e permanente do nosso go-vernador, esse emperramento,seguramente, deve ser o menorpossível, ainda que, por vezes,ao ocorrer, ele possa prejudicarum melhor desempenho junto àpopulação de milhões de habi-tantes. Esse fato aconteceu como município de São Paulo, oqual "não emperrou as boas re-lações com o Estado", mas, sim-plesmente, colocou-se à mar-gem do Sistema Único de Saúde,o que, por conseqüência, aca-bou prejudicando uma adequadaprogramação comum.

Quanto e que porcentagem de recursos o Estado de São Paulo investe em saúde?

O orçamento de 2000 para asaúde no Estado é da ordem deR$ 2,6 bilhões. Esse valor repre-senta cerca 9% da arrecadaçãolíquida do Estado.

No que diz respeito ao Proje-to Qualis/PSF em nosso Estado,está previsto o financiamento,através de incentivos do governodo Estado, neste ano, de aproxi-madamente R$ 49 milhões para ocusteio das equipes, sendo 105equipes na capital e 98 equipesna região do Vale do Ribeira,existindo ainda a possibilidadede expansão para outras regiõesconsideradas prioritárias.

Nos demais municípios da re-gião metropolitana e do interior,estão previstas 504 novas equi-pes, implantadas com recursosfederais e municipais.

Como se articulam as necessidades locais com oalto grau de referência que municípios do Estado representam para outros estados vizinhos?

Articulam-se a partir da idéiagenerosa, e possível, de colabo-ração recíproca na busca da pro-moção do bem comum, com aeqüidade prevista no SUS; gene-

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 7

rosa, mas não ingênua ou suici-da. Isso tem que ser feito comarticulação econômica, financei-ra e com alguma disciplina orga-nizacional porque, caso contrá-rio, o deslocamento de uma de-manda espontânea excessivapara instituições de bom concei-to, sem chances de ressarcimen-to na produção e sem chancesde limitação, para não desquali-ficar o atendimento, acaba nive-lando por baixo todos os servi-ços de saúde e não estimula oesforço de aprimoramento dequem tem carência de serviços.Por isso, são muito bem acolhi-das medidas disciplinadoras,como o ressarcimento dos aten-dimentos feitos fora das áreas dapopulação atendida, fora do mu-nicípio de gestão plena ou bási-ca, a previsão de implementaçãodo Cartão SUS, por local de resi-dência, ainda que com direito aassistência fora do domicílio.

Esses são exemplos de medi-das positivas e animadoras paraque a generosidade dos que maispossuem possa se sobrepor, pos-sa persistir ao egoísmo de exclu-sividade, para não sucumbir.

São Paulo tem os maiorese mais aparelhados campus do País. Que contribuição pode-se esperar no desenvolvimento de tecnologias médica e gerencial para os cursos da área de saúde envolvidosna atenção básica?

A metodologia desenvolvidapelo Ministério da Saúde, osPólos de capacitação e o traba-lho desenvolvido no Estado

certamente muito contribuirão.A título de exemplo, o Esta-

do de São Paulo, não só pormecanismos espontâneos, masorganizados, disciplinados,propicia para profissionais denível superior, dois grandesprogramas de aperfeiçoamentona área da saúde. Há a Resi-dência Médica, com cerca de4.100 residentes/ano da áreamédica, em todas as especiali-dades, entre as quais aquelasque compõem o conteúdo daatenção básica. Além disso,garantem-se bolsas para apri-moramento de graduados emoutras profissões. Apenas entre1995 e 1998, o Estado investiuna formação e garantiu bolsaspara 16.562 médicos residentese 4.278 aprimorandos, o querepresentou um investimentoda ordem de R$ 216 milhões.

Nesse mesmo período, ain-da garantiu o ensino funda-mental, através do Telecurso2000, para 770 funcionários.Na formação de profissionaisde nível médio, cerca de 4.301servidores foram formados emarticulação com os municípios:

auxiliares de enfermagem,3.688; auxiliares de consultó-rio dentário, 356; técnicos dehigiene dental, 131; técnicosde patologia clínica, 82; técni-cos de radiologia médica, 24,entre outros.

Por outro lado, mais ligadoà atenção básica, a partir de1999, com a entrada em fun-cionamento dos Pólos de Capa-citação – com o envolvimentodireto da SES e o apoio finan-ceiro do Ministério da Saúde

para o funcionamento dos cur-sos de capacitação, de espe-cialização para médicos e en-fermeiros, de gerentes de uni-dades de Saúde da Família, en-tre outros – certamente o Esta-do vem contribuindo para odesenvolvimento de tecnologiamédica e gerencial, além deensejar uma importante opor-tunidade de investigação epesquisa, o que muito podeajudar no desenvolvimento ena difusão do conhecimento.

A saúde tem conseguido sensibilizar e se integrar comoutras áreas de governo?

Sim.O entendimento da saúde

como resultado de políticaspúblicas tecidas e viabilizadaspelo Estado e pela sociedade ea convicção de que a promoçãoda saúde e a prevenção dedoenças nos indivíduos e nacomunidade dependem tantode ações intersetoriais e espe-cíficas do setor saúde, comoainda de mudanças de hábitos

e de estilos de vida, tem orien-tado as ações desenvolvidas e,principalmente, o como e ocom quem.

Nesse sentido, vêm sendorealizadas inúmeras ações en-volvendo o setor saúde e outrossetores do governo estadual, nasáreas de Justiça e defesa da ci-dadania; administração peniten-ciária; educação/ensino-apren-dizagem; segurança; trabalho/emprego; alimentação; sanea-mento básico/meio ambiente.■

Números da ampliação do PSF no interior do Estado de São Paulo

n Vale do Ribeira/Itapeva-Itararé - 98 equipes em 33 municípios;Unipontal, assentamentos rurais e comunidades remanescentes de quilombos – 118 equipes em 68 municípios;Vale do Paraíba e Litoral Norte – 50 equipes em 21 municípios

n Estas 266 novas equipes - cuja implantação envolve investimentos estaduais em torno de R$ 28 milhões -estarão acompanhando, em média, 50% da população dessas regiões, ampliando para mais 917,7 mil habi-tantes a cobertura do PSF no interior do estado.

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 20008

Saúde estabeleceu, assim, comometa prioritária, a expansão dasequipes de Saúde da Família, nasquais se inserem os Agentes Co-munitários de Saúde, em facedos resultados positivos que vêmsendo registrados. Todavia, ocumprimento desta meta depen-de, em grande parte, da supera-ção de problemas de ordem es-trutural nas escolas de formaçãodos profissionais de saúde.

Sistema Único de Saúde(SUS) representa umadas principais inova-

ções da reforma do EstadoBrasileiro, sua radical descentra-lização, seu avanço na constru-ção de metodologias de gestão econtrole social, tornando-oexemplar no desenho e formula-ção de políticas públicas .

O processo de reforma sanitá-ria não está, entretanto, con-

cluído. Desafios ainda persistem– uma vez que este processo vemacontecendo no bojo de trans-formações de ordem política eeconômica, a exemplo de políti-cas de ajuste econômico e decontenção de investimentos nocampo social.

A operacionalização dos prin-cípios e diretrizes do modelo as-sistencial proposto no SUS ne-cessita avançar. O Ministério da

invertessem a tendência à con-centração de médicos na RegiãoSudeste do país, especialmenteno eixo Rio-São Paulo, à exceçãode um maior dinamismo do inte-rior paulista, que foi capaz deexercer forte atração para as es-pecialidades médicas. Por outrolado, a tendência à pletora demédicos foi mantida com a for-

ção nesse ramo: a clientela, osinstrumentos de trabalho, o pre-ço do trabalho".

As transformações quantita-tivas e qualitativas da formaçãoe distribuição da força de traba-lho médico não foram acompa-nhadas de alterações significati-vas na estrutura da sociedadebrasileira que neutralizassem ou

Saúde da Famíliaprovoca inovações

nas Instituições de Ensino Superior.

O

A decisão do Ministério da Saúde de promover

a articulação entre ensino-serviço, viabilizada

pelos Pólos, vem permitindo uma primeira

etapa de sensibilização de importantes

setores dos Centros Formadores.

DONANNANGELO, M.C.F. Medicina e Sociedade - O médico e seu mercado de trabalho, São Paulo, Pioneira, 1971.

O mercado de trabalho e a estratégia Saúde da Família

DONNANGELO, ao estudar omercado de trabalho médico emSão Paulo na década de 70, as-sinalou que "o efeito mais signi-ficativo sobre a integração domédico no mercado de trabalhoé a perda de sua autonomia, tra-dicionalmente representada pelocontrole individual sobre osprincipais elementos da produ-

Maria Fátima de Sousa *

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 9

mação de cerca de 8.000 médi-cos recém-graduados ao ano(dados de 1994) e com um "ex-cedente" de 3.000 graduados,que não logram acesso aos pro-gramas de Residência Médica.

Ao mesmo tempo, vem ocor-rendo uma extraordinária expan-são do campo de conhecimentos,técnicas e equipamentos, diver-sificando os meios e os objetosde trabalho médico, confirmandoo que já assinalara DONNANGE-LO: "a especialização acentua acomplementariedade entre as di-

versas formas de trabalho e, con-sequentemente, a dependênciaentre os especialistas em termosda compreensão da totalidadedos processos que atuam sobre oorganismo humano".

A diferenciação e a comple-mentariedade manifestam-se noprocesso de qualificação e des-qualificação técnica que se re-produz na organização social daspráticas de saúde. Estas mudan-ças também se refletem no des-locamento para o ambulatóriodas tecnologias mais complexas,

tanto de diagnóstico como detratamento, com repercussõesna estrutura de gastos de saúde.

O processo da reforma sani-tária não pode se contrapor àstendências do progresso técni-co, nem à crescente divisão téc-nica e social do trabalho emsaúde, sob pena de alijar-se dasdemandas sociais contemporâ-neas e não atender aos novospadrões demográficos e epide-miológicos da população brasi-leira. Nesta perspectiva, os Pro-gramas Agentes Comunitários de

* Graduada emEnfermagem,

Especialista emSaúde Pública,

Mestra emCiênciasSociais

AssessoraEspecial do

DAB/SPS/MS

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200010

formação de profissionais volta-dos para o SUS.

Caracteriza-se, portanto, umduplo movimento, de aproxima-ção da proposta, dada a sua forçade implantação e adesão social, ede "desconfiança", ou receio fren-te aos desafios colocados para aformação dos profissionais. Poroutro lado, os relatos de produçãodos Pólos indicam que as Institui-ções de Ensino Superior respon-dem bem e, com relativa rapidez,às demandas por discussão e"vendagem" política do PSF, pelarealização de treinamentos intro-dutórios, pela capacitação temá-tica , além de ofertar cursos de es-pecialização, para profissionais jáinseridos no processo de trabalhodas Unidades de Saúde da Família.

A decisão do Ministério da

Saúde, Secretaria de Políticas deSaúde, através do Departamentoda Atenção Básica-DAB, de pro-mover a articulação entre o ensi-no e o serviço, viabilizada pelosPólos, vem permitindo assim,uma primeira etapa de sensibili-zação de importantes setores dosCentros Formadores. Há hoje umaampla compreensão de que oPACS/PSF constituem-se, de fato,em estratégias que irão viabilizaruma nova forma de ofertar/deman-dar Serviços Públicos de Saúde.

Portanto, a reforma do ensinona área de saúde faz-se urgente,para atender, em novas bases oscenários sociopolítico e sanitárioque os municípios brasileirosvêm edificando.

Os mecanismos de sensibili-zação mais frequentes vêm se de-senvolvendo de duas formas. Porum lado, através de semináriospara discussão e divulgação dos

Saúde (PACS) e Saúde da Família(PSF) devem ser entendidoscomo potencial elemento parare-orientar a forma de organizaros serviços de saúde em cadamunicípio brasileiro, além deprovocar grandes inovações noâmbito da formação dos profis-sionais da saúde .

Os Pólos estão dando certo

Os Pólos hoje implantados en-volvem um total de 58 Escolas eFaculdades de Medicina e 62 Es-colas e Faculdades de Enferma-gem, e vêm articulando em tornode si, nas suas diferentes consti-tuições, outras profissões e facul-dades da área da saúde e áreascomplementares, como as de Nu-

trição, Serviço Social, Farmácia,Psicologia, Administração e Enge-nharia. Tal articulação demonstraa capacidade de agregação e pro-vocação que a estratégia Saúde deFamília vem suscitando hoje juntoàs Instituições de Ensino Superior.

Este interesse, voltado para aformação de um novo profissio-nal, capaz de inserir-se em umaequipe multiprofissional, vincu-lando-se as famílias/comunida-des, impõem revisar atitudes,valores e práticas de saúde. Ra-zão pela qual exige, por parte doscentros formadores, o desenvol-vimento de estratégias de ensi-no, de produção e disseminaçãode conhecimentos direcionados auma nova realidade socio-sanitá-ria. Com isto, justifica-se a reti-cência de alguns centros forma-dores mais tradicionais, em parti-cular da escola médica, em fazerde fato uma reforma profunda na

princípios e propostas de Saúdeda Família, dentro das Insitui-ções de Ensino Superior, envol-vendo profissionais dos serviçosque discutem com a comunidadeacadêmica suas necessidades deapoio e capacitação, e a impor-tância dos centros formadoresneste processo. Por outro lado,através da discussão de novasmetodologias de ensino, comopor exemplo, as metodologias daproblematização, que acabampor demandar uma nova e maisintensa abordagem das questõesreferentes a atenção integral asaúde, bem como o estabeleci-mento de novos espaços de ensi-no-aprendizagem, como os reali-zados na comunidade, em servi-ços de saúde da família.

As Instituições de Ensino Su-

perior envolvidas nos Pólos deCapacitação de Saúde da Família,que já vêm desenvolvendo ativi-dades desta natureza, apresen-tam resultados muito importan-tes, uma vez que é grande o nú-mero de Escolas de Medicina eEnfermagem que vêm incorpo-rando temas e eventualmentecriando disciplinas de Saúde daFamília, além de ofertar umaquantidade considerável de cur-sos de especialização e treina-mento introdutório.

Um segundo nível de envolvi-mento, ainda nas Escolas de Me-dicina e Enfermagem, vem se ca-racterizando pela criação ouadaptação de estágios de saúdecoletiva direcionados a UnidadesBásicas de Saúde da Família (nocaso de internatos rurais), está-gios curriculares nos primeirosanos da graduação, de curto pra-zo, mais direcionados à observa-

n Os Pólos de Capacitação, Formação e Educação Permanente para Pessoal de Saúde da Família articu-

lam instituições de ensino superior e secretarias estaduais e municipais de saúde. São financiados com

recursos federais repassados através de convênios entre o Ministério da Saúde e secretarias de saúde. A

implantação dos Pólos teve início em 1997. Hoje, existem 21 Pólos em 16 estados, número que será

ampliado para 32, com a implantação, no segundo semestre de 2.000, de mais 11 Pólos em 11 estados.

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 11

ção e discussão dos princípios doPSF, ou estágios mais longos, nointernato, voltados ao desenvol-vimento de atitudes e práticasconsistentes com esta proposta.

Em outras instituições em quea discussão da estrutura curriculare das estratégias de ensino já seencontram em um nível de pro-fundidade maior, a estratégiaSaúde da Família vem sendo in-corporada naturalmente, na medi-da em que se constitui como cam-po de excelência para o aprendi-zado de práticas profissionaismais eqüânimes e menos elitistas,como é o caso, por exemplo daUniversidade Federal de MinasGerais (UFMG), da UniversidadeEstadual de Londrina(UEL), e da Faculda-de de Medicina

de Marília. Em outras, o propostade Saúde da Família vem sendofortemente apoiada, dentro de ummovimento para a implementaçãode uma ampla reforma nas práti-cas de ensino tradicionais, como éo caso da Universidade de SãoPaulo, campus de Ribeirão Preto.

No que se refere à Enferma-gem, dada a tradição de uma for-mação mais integral e já há lon-go tempo, com campo de práticae integração com a rede básicade saúde, a proposta de Saúde daFamília tem potencializado asdiscussões sobre as reformas cur-riculares mais radicais ora emcurso em várias instituições com-ponentes do Pólo.

Por último, acrescente-se queoutras Faculdades como ServiçoSocial, Psicologia e Administraçãoda Universidade Federal de Juiz deFora (UFJF), Engenharia da UFMG,vem se envolvendo, em função das

articulação do Pólo, em diferentesmomentos da graduação com asequipes de Saúde da Família.

Estes movimentos podem serconsiderados por críticos mais ra-dicais, como iniciativas pontuaise, portanto, de pouco impacto,quando tomado o universo dasInstituições de Ensino de Saúdeno Brasil, em particular quando sefala das Escolas de Medicina. Noentanto, entendemos que a estra-tégia dos Pólos vem cumprindoum importante papel de potencia-lizar os movimento de reformadentro destas instituições, atuan-do tanto como agentes de sensibi-lização, como agregador de inte-resses, valores e crença na aproxi-mação entre o ensino e serviços,

pautados em novas ba-ses.

Bases essas que envolvem,além dos conteúdos técnicos ne-cessários a estas práticas de cui-dados de Saúde da Família, oprojeto de desenvolver e testarmetodologias gerenciais queaportem inovações ao SUS, vi-sando superar os entraves jámencionados neste texto. Am-pliando, portanto, os mecanismosde avaliação com envolvimentodas equipes e dos professo-res/monitores/tutores/orientado-res, nos procedimentos de auto-avaliação necessários à educaçãopermanente destes profissionais,completa a raiz destas bases osinstrumentos de controle demo-cráticos com a maior participaçãosocial das comunidades e dosusuários, indispensáveis paraaprimorar a qualidade dos servi-ços de saúde, através de discus-são dos resultados cumpridos edas novas metas propostas para

atender as demandas prioritáriasdas famílias.

Por fim, os atores sociais que jáestão envolvidos nesta missão deintegrar o ensino e o serviço, de-vem saber que a história não estáescrita, é tempo de mudar o rumodo saber e fazer saúde no Brasil,basta prestar atenção que a boa oumá política é que faz a diferença.Portanto, para reinventar o proces-so de conhecimento voltado paraas pessoas é preciso, também,reinventar a si mesmo.

Pedagogia da esperança

Os resultados aqui enunciadosprocuram demonstrar, o quantofoi possivel e, em pouco tempo,entrar nas Instituições de Ensino,

ter as Instituições deEnsino Superior como par-

ceiras, atuando de forma respon-sável, democrática e transparente,na produção, disseminação eoperação de uma agenda de tra-balho para ampliar o conhecimen-to do Saúde da Família no Brasil.Os alicerces que sustentam estaintegração são: o diálogo perma-nente, os processos claros denegociações e a definição de co-responsabilidade em torno de umaagenda concreta e factível. Os so-nhos e as utopias não se apresen-tam inúteis, ao contrário, são se-mentes na pedagogia da esperan-ça. Esperança de que os Pólos deCapacitação possam gerar novosestímulos tanto para a reformacurricular dos cursos de saúdecomo para a retomada do papel devanguarda do SUS no redesenhodas políticas sociais e na própriareforma do Estado brasileiro.

58 Escolas e Faculdades de Medicina

62 Escolas e Faculdades de

Enfermagem

Fonte: DAB/SPS/MS

Os 21 Pólos em atividade agregam:

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200012

Vitória daConquista

Principal centro regional

na prestação de serviços

especializados, Conquista

vem se destacando por

mudar o rumo da atenção

à saúde.a estratégia está no nome

Arquivo SMS - Vitória da Conquista

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 13

itória da Conquista estálocalizada na microrregiãodo Planalto da Conquista,

distante 510 quilômetros deSalvador. A população do município,de acordo com estimativa do IBGEpara 2000, é de 253.587 habitantes.Essa população começou a desen-volver-se em maior escala a partir de1940, com a abertura da BR-116, aRio-Bahia, que possibilitou umaconstante migração, acentuada nadécada de 70 com a implantação dopólo cafeeiro.

A sua economia está centradano comércio, que atende a umaregião de mais de 2 milhões dehabitantes, e na agricultura, comdestaque para o cultivo de café,mandioca, feijão, milho e algo-dão. A pecuária também exerceum importante papel na econo-mia, com gado bovino, ovino esuíno. A cidade é o principal cen-tro regional na prestação de ser-viços especializados. Ao lado deserviços tradicionais, o municípioconta hoje com uma modernarede hoteleira, escolas de alto ní-vel, serviços médicos hospitala-res que são referência no Estado,serviços de consultoria e asses-soria de empresas, universidade eaeroporto com vôos regulares.

Vitória da Conquista é admi-nistrada pelo médico GuilhermeMenezes, eleito em 1996, poruma coligação composta de setepartidos políticos.

O Sistema de Saúde

Dezembro de 1996: os serviçosda Secretaria Municipal de Saúdede Vitória da Conquista são desem-penhados por 195 funcionários.São profissionais desmotivados,com cinco meses de salários atra-sados, agentes rurais de saúde semcondições de trabalho, oito unida-des básicas de saúde que atendemprecariamente, sem medicamentose material. A vigilância epidemio-lógica encontra-se desativada. Al-tos índices de mortalidade infantile doenças acometem as popula-ções da zona urbana e rural. A saú-de pública sucumbe frente às difi-culdades e ao abandono pelo po-der municipal. A dívida do municí-pio é de R$ 83 milhões.

Ano 2000: A Secretaria deSaúde conta com 1.008 funcioná-rios, recebendo capacitaçõesconstantes e salários em dia. Os35 agentes rurais estão na ativa,as 14 unidades de saúde existen-tes atendem bem às demandas dapopulação mais necessitada e avigilância epidemiológica funcio-na normalmente.

Vários outros serviços foramimplantados pela Secretaria Mu-nicipal de Saúde: a Central Infor-matizada de Marcação de Consul-tas, o Centro Municipal de Aten-ção Especializada (Cemae), oCentro de Referência em DST/Aids com hospital-dia, ambulató-rio e centro de testagem anôni-ma, o Serviço de Referência paraHanseníase e Tuberculose e osServiços de Pré-Natal e ACD.

O município está garantindoo funcionamento de um SistemaMunicipal de Saúde público egratuito, com uma estruturadarede de serviços de promoção,prevenção, tratamento e reabili-tação. São 12 unidades de Saúdeda Família (quatro delas na zonarural), contando com 18 equipesde Saúde da Família, 305 agentescomunitários de saúde e 11 en-fermeiros instrutores/superviso-res do PACS; seis unidades bási-cas de saúde (na sede do municí-pio) com reorganização progra-mada para unidades de Saúde daFamília e sete serviços de urgên-

VAlto:

A marcaçãode consultas e

de procedi-mentos espe-

cializado éfeita emCentral

informatizada,que atende a

45 municípiosda região

sudoeste daBahia.

À esquerda:Reabilitação

física, umadas 17

especialidadesdo Centro

Municipal deAtenção

Especializada.

*Assessoria deComunicação/SMS

de Vitória daConquista

Totalmentepúblico e gratuito,o Sistema Municipal de Saúde conta comuma estruturadarede de serviçosde promoção, prevenção, tratamento e reabilitação.

Ciro Brigham* eAlberto Rodrigues, jornalistas

Emanuel Paulo M

oraes

Emanuel Paulo M

oraes

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200014

de Saúde, quando foram defini-das cotas de internação hospita-lar para cada um deles nos ser-viços do SUS em Vitória da Con-quista, de forma a garantir aces-so à atenção ambulatorial espe-cializada.

A rede de serviços especiali-zados conta ainda com o Centrode Referência em DST/Aids, oprimeiro e único do estado acontar com hospital-dia, centrode testagem anônima e serviçode atenção especializada nummesmo espaço. Inaugurado emjaneiro de 1999, o serviço con-siste em ação educativa, testa-

cia/emergência (convenia-dos/contratados).

O primeiro passo para introdu-ção da estratégia Saúde da Famí-lia foi a implantação do ProgramaAgentes Comunitários de Saúde,em julho de 1998. Paralelamente,houve a retomada do ProgramaAgentes Rurais de Saúde, criadoem 1985. Pouco tempo depois,em setembro do mesmo ano, foiiniciada a implantação de cincoequipes do Programa Saúde daFamília. A meta é ampliar para 30equipes até julho deste ano.

Antes de o município assu-mir a Gestão Plena do SistemaMunicipal de Saúde, em outubrode 1999, foi organizado um Con-sórcio Programático. Ou seja, foifeita uma pactuação com outros40 municípios da região, organi-zada pela Secretaria Municipal

gem e aconselhamento pré epós-testagem, assistência médi-ca, odontológica, psicológica, la-boratorial e ambulatorial espe-cializada e distribuição de medi-camentos e preservativos. Todosos testes, exames e tratamentossão gratuitos e realizados asse-gurando o anonimato e a privaci-dade do paciente. O Serviço deReferência para Hanseníase e Tu-berculose, que atende a usuáriosde diversos municípios, tambémdá suporte às ações dos profis-sionais das equipes do PSF, queidentificam e acompanham ospacientes.

Abaixo:Equipe deSaúde da

Famíliaorienta

escolaressobre a

higiene bucal

Procedimentos Janeiro Dezembro

de 1996 de 1999

Consultas médicas 37.808 152.369

Procedimentos odontológicos 10.062 53.724

Atendimentos de imunização e atos não-médicos 100.097 791.844

Exames laboratoriais 8.419 122.445

Fonte: SMS Vitória da Conquista

Edna Santos Nolasco

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 15

Implantação do ProgramaSaúde da Família

Vitória da Conquista apre-sentou o Plano de Implantaçãodo PSF à Secretaria Estadual deSaúde em abril de 1998. O prin-cipal motivo que levou a prefei-tura à implantação do programafoi a grande quantidade de fa-mílias sem assistência, residin-do em áreas periféricas, com di-fícil acesso às poucas UnidadesBásicas de Saúde, que se con-centravam nos bairros centrais.

A escolha das áreas para im-plantação do PSF levou em con-ta as áreas de risco e danos àsaúde dos indivíduos priorizadaspelo município (saneamento,alta incidência de doenças);áreas com dificuldade de acessoa outros serviços; o quantitativode 600 a 1.000 famílias para de-

limitação da área de abrangên-cia; existência de barreiras geo-gráficas e do fluxo da clientelaem questão; utilização de uni-dades de saúde já existentespara ser referência do PSF eadaptação dos imóveis existen-tes na área; priorização das re-giões mais carentes de acordocom o nível de eqüidade pro-posto pelo SUS e previsto naConstituição federal; nível deorganização da comunidade, aomenos pela existência de asso-ciações comunitárias ou de bair-ros, escolas, pastorais, igrejasetc., e áreas cobertas pelo PACS.

As equipes do PSF de Vitó-ria da Conquista são compos-tas por médico, enfermeiro,odontólogo, três auxiliares deenfermagem, seis a oito agen-tes comunitários de saúde, au-xiliares administrativos, auxi-

liares de limpeza e serviços ge-rais e vigilantes. Os profissio-nais são selecionados pormeio de prova escrita, análisede curriculum e entrevista, ex-ceto os médicos, que não rea-lizam a prova escrita devido aopequeno número de inscrições.Todas as equipes do PSF sãocontratadas pela Associação de

Apoio à Saúde Conquistense(Asas), uma ONG conveniada àprefeitura sob o regime da CLT,com todos os direitos traba-lhistas asssegurados.

Impacto positivo

Saúde da Família é priorida-de municipal e já apresenta im-pacto positivo sobre a saúde dapopulação coberta pelas equi-pes do PSF. Estão cadastradas38.020 famílias no municípiode Vitória da Conquista, sendoque mais de 30% da populaçãojá são acompanhados pelas

equipes e 83% pelos agentescomunitários de saúde. As equi-pes desenvolvem vigilância epi-demiológica em suas áreas deatuação, inclusive investigaçãoepidemiológica e ações de blo-queio. O controle de endemiasconta com 67 profissionaisatuando no combate à dengue,cada um deles com espaço ter-ritorial definido. Em 1999, foiregistrado aumento na ofertade consultas médicas básicas,procedimentos odontológicos,Ações de Vigilância Epidemio-lógica, imunizações e Atos NãoMédicos (AVEIANM) e exameslaboratoriais (veja quadro àesquerda) nas unidades de saú-de da rede pública municipal.

Os resultados obtidos a par-tir das ações das equipes deSaúde da Família indicam me-lhorias significativas em vários

indicadores de saúde, tais como:taxa de mortalidade geral, imu-nização infantil, hipertensos ediabéticos acompanhados, entreoutros, nas áreas de abrangênciado PSF (veja tabela acima).

Reconhecimento público

Com apenas um ano de im-plantação do PSF, Vitória daConquista recebeu do Ministérioda Saúde, em novembro do anopassado, durante a 1ª MostraNacional de Produção em Saúdeda Família, o "Prêmio Saúde

Mais de 30% da

população são

acompanhados

pelas equipes

do PSF.

INDICADORES DO SIAB ANTES DEPOIS

Proporção de crianças de 0 a 11 meses com vacina em dia 51,25 77,55

Proporção de crianças menores de dois anos que tiveram diarréia e usaram TRO 87,3 96,61

Proporção de nascidos vivos com peso baixo ao nascer 5 7,08

Taxa de mortalidade 53,33 12,91

Proporção de hipertensos acompanhados na população coberta 76,62 94,98

Proporção de diabéticos acompanhados na população coberta 55,32 96,32

Proporção de pessoas com tuberculose acomp. na população coberta 75 100

Proporção de pessoas com hanseníase acomp. na população coberta 100 100

Proporção de crianças com aleitamento materno exclusivo em menores de quatro meses 54,96 60,76

Fonte: SMS Vitória da Conquista

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200016

quilômetros de sua casa. Idalinados Santos, 63 anos, hipertensa,hoje é acompanhada de pertopela equipe de Saúde da Família.Ela se lembra de quando viu pelaprimeira vez a equipe atuandojunto à comunidade: "Parecia umsonho! Médico, dentista e enfer-meira caminhando na rua e visi-tando todo mundo... Ninguémesperava, uma coisa que a gentenunca viu aqui nesse desertoonde a gente mora...".

"Não acredito que a médicavai entrar na casa de fulano!" –essa era a frase que a agente co-munitária Jandira Cardoso, 23anos, ouvia dos vizinhos dequem passava a ser acompanha-do com visita domiciliar. Mora-dora do Bruno Bacelar, onde tra-

balha, Jandira pôde constatarcomo, por meio do PSF, a saúdevem sendo fator de integraçãonum lugar onde não havia senti-do de coletividade. "Ninguém seconhecia direito. Tinha pessoascom dez anos em cima de umacama e ninguém sabia. Hoje agente sabe de tudo o que sepassa na comunidade."

Na Urbis VI, o PSF tambémrepresentou avanços que os mo-radores jamais esperavam alcan-çar com as formas tradicionaisde prestação dos serviços desáude. "A maior parte das mu-lheres nem conhecia o própriocorpo nem sabia o que eramenstruação. Minha mãe tinhamedo de procurar o médico.Quando foi, já tava nas últimas."O depoimento é de Edinair Gui-marães, moradora do Loteamen-to Morada Real, área de abran-gência da Unidade de Saúde da

Brasil – uma questão de qualida-de", na categoria Reconheci-mento Público. A administraçãomunicipal recebeu, também noano passado, o "Prêmio PrefeitoCriança", pelos diversos projetosnas áreas de saúde, educação eassistência social voltados paraatenção à criança.

Em 1999, Vitória da Conquis-ta apresentou uma das melhorescoberturas vacinais do Estado,alcançando as seguintes propor-ções: 191,5% para BCG, 97,6%para antipólio, 95,3% para DPT,121,4% para anti-sarampo e127,1% para anti-hepatite B.Todas as equipes de Saúde daFamília e Unidades Básicas deSaúde realizam vacinação de ro-tina. Uma equipe de auxiliares

de enfermagem faz vacinaçãoBCG diariamente nos hospi-tais/maternidades e outra equi-pe aplica a vacina na zona rural.

A atenção à saúde bucal éuma das prioridades de inter-venção da rede básica de saúde,contando com 15 consultóriosodontológicos e desenvolvendoprocedimentos coletivos nas es-colas da rede municipal e nasáreas cobertas pelo PSF. Vitóriada Conquista é a primeira cidadeda Bahia a ter a presença doodontólogo na equipe de Saúdeda Família.

"Pra mim esse posto caiu docéu", diz o aposentado SílvioFerreira, 69 anos, morador doBairro Bruno Bacelar, um dosmais pobres de Conquista. Antesda Unidade de Saúde da Família,Sílvio Ferreira era obrigado aprocurar atendimento em umaunidade básica distante cinco

Família da Urbis VI. Ela partici-pa do Grupo de Mulheres da uni-dade. "Nessas reuniões é muitomais fácil tirar a timidez dasmulheres e fazê-las procuraremo posto de saúde", diz Edinair.

Outra moradora do loteamen-to, Rosemeire Bittencourt, dizque está muito satisfeita com oprograma: "Meu pai é idoso, hi-pertenso e deficiente, e sempreque ele precisa de acompanha-mento ele tem". Um dos traba-lhos coordenados pela unidade eque tem surtido muito efeito é aOficina do Lixo. "A oficina cons-cientizou a comunidade. O pes-soal coloca o lixo na hora certa,o carroceiro passa e pega, e agente não vê mais caso de lixoespalhado", conta a agente co-

munitária Kátia Nolasco, tam-bém moradora da Urbis VI.

A maioria dos profissionaisdo PSF não encara o programacomo mais um exercício de algu-ma teoria acadêmica despreten-siosa, e sim como o resultado deprofundas mudanças dos para-digmas que norteiam todas asrelações entre gestores, profis-sionais e usuários. O dentistaJosé Otávio de Souza Silva, 30anos, vê o Programa Saúde daFamília como um instrumento delegitimação do SUS e de aproxi-mação entre quem presta equem recebe os serviços: "Essaprática contribui para a valori-zação do espírito comunitário,da solidariedade humana, dorespeito à coisa pública e doexercício pleno da cidadania".

As equipes de Saúde da Fa-mília continuamente realizamoficinas com as comunidades de

Sílvio Ferreirae Idalina dos

Santos:atendimento

mais pertode casa.

"Essa prática contribui para a valorização do espíri-

to comunitário, da solidariedade humana, do respei-

to à coisa pública e do exercício pleno da cidadania".

José Otávio, dentista

Arquivo SMS

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 17

suas áreas de abrangência, dis-cutindo suas ações e o funciona-mento da unidade, e principal-mente estimulando a formaçãode conselhos locais de saúde,como espaços privilegiados paraa participação popular. Alémdisso, os grupos educativos aju-dam a estreitar as relações entreequipes e usuários.

Controle social

Os profissionais que traba-lham no PSF participam de umprocesso de educação continua-da elaborado pela Secretaria Mu-nicipal de Saúde. O acompanha-mento do trabalho das equipesde Saúde da Família é realizadosemanalmente nas unidades, po-rém, em situações especiais –como durante o processo de im-plantação, quando a equipeapresenta dificuldade de inte-gração entre seus membros e/ou

comunidade; ou em preparativospara encontros e feiras de saúde–, é necessário um acompanha-mento mais freqüente. Existemtambém encontros mensais dasequipes com a coordenação.Cada equipe do PSF se destacapor uma característica própria,seja pela participação marcantedo conselho local de saúde, pe-las oficinas com a comunidade,pelo acolhimento ou pelo traba-lho dos grupos educativos.

O controle social nas unida-des de Saúde da Família é exer-cido pelos conselhos locais desaúde. Cada unidade tem o seuconselho, com regimento pró-prio e representação paritária dacomunidade. É nesse espaço departicipação popular que os mo-radores exercem pressão, ava-liam e fiscalizam os serviços desaúde prestados pela saúde pú-blica, além de encaminharempropostas para a Secretaria Mu-

nicipal de Saúde. Por sua vez, asecretaria, através da Coordena-ção de Controle Social, prestaassessoria aos conselhos locaise responde pela capacitação dosconselheiros.

Todas as unidades de saúdedispõem de postos de coleta dematerial para exames laborato-riais, marcam, por telefone,consultas e procedimentos es-pecializados necessários àclientela atendida e possuemconselho local de saúde estru-turado, contando com represen-tantes da população da área decobertura. Além da atenção bá-sica, as unidades oferecem vaci-nação, planejamento familiar,coleta de preventivo ginecoló-gico e atendimento odontológi-co. As consultas solicitadas pe-las equipes de Saúde da Famíliasão marcadas por telefone daprópria unidade, através da Cen-tral de Marcação de Consultas.

À esquerda:Conseheiros

de saúdeduranteoficina

realizada pelaCoordenação

de ControleSocial

À esquerda:A Agente

ComunitáriaJandira e o

dentista JoséOtávio

acompanhamfamílias

residentes nobairro Bruno

Bacelar.

Cada unidade de Saúde da Família

tem o seu conselho local de saúde

com regimento próprio e

representação paritária da

Comunidade.

Edna Santos Nolasco

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200018

der Legislativo. Para lidar com es-tas dificuldades a Secretaria Mu-nicipal de Saúde está articulandoespaços para discussão do PSFnos conselhos das unidades, nasreuniões com os prestadores e naCâmara de Vereadores, como tam-bém uma maior divulgação da es-tratégia Saúde da Família nasáreas ainda não cobertas. Comonão há contrapartida do Estadopara as equipes, o município vempleiteando que o Estado assumasua responsabilidade junto aoprocesso de reorientação do mo-delo assistencial.

Hipertensão

O problema de saúde de maiorprevalência e com risco potencialde complicações tem sido a hi-pertensão arterial, a partir dos 30anos. As equipes do PSF começampor analisar as fichas "A" dosagentes comunitários de saúde ea convidar as pessoas visitadas

Dificuldades

Em Vitória da Conquista sãoregistrados alguns problemas comrelação aos medicamentos pres-critos pelas equipes de Saúde daFamília, especialmente com refe-rência à entrega. A burocraciapara licitação e compra e o pou-co compromisso por parte de al-guns fornecedores quanto ao pra-zo dificultam o processo. Há ain-da atraso, de cerca de oito meses,para entrega dos medicamentosanti-hipertensivos e hipoglice-miantes orais pelo Estado, alémda deficiência de recursos huma-nos no almoxarifado municipal eno setor de distribuição dessesmedicamentos às unidades deSaúde da Família.

Por outro lado, observa-seainda concepções distorcidas so-bre o conceito e os princípios deSaúde da Família por parte de al-guns profissionais da rede básica,de prestadores privados e do Po-

para atendimento na unidade.Além disso, todas as pessoas aci-ma de 18 anos que procuram aunidade por qualquer motivo têma pressão arterial aferida. Nos ca-sos de maior necessidade é pres-tado o atendimento médico ime-diato. Os outros casos são agen-dados. Assim, os hipertensos sãoencaminhados para os "gruposeducativos", que se reúnem quin-zenalmente. Os medicamentos(anti-hipertensivos) são distri-buídos gratuitamente na unidade.

“Plano de Saúde”

Com a implantação do PSF, foidelimitada a área de abrangênciade cada equipe. Os moradores fo-ram cadastrados e receberam o"Cartão da Família", que garantiao atendimento a todos os mem-bros. Em pouco tempo, muitas fa-mílias mudaram para as áreas deabrangência do PSF, a fim detambém receber atendimento

À direita:Enfermeira do

PSF realizacontrole dahipertensão

arterial, oproblema de

saúde demaior

prevalênciano município.

Rita deCássia,

médica eCoordenadora

do PDF emConquista.

Edna Santos Nolasco

Arquivo SMS

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 19

através desse novo "plano de saú-de", como os próprios moradoresa ele se referiam. Um dia, na Uni-dade de Saúde da Família do Bair-ro Bruno Bacelar, um pacienteperguntou à médica Rita de Cás-sia Ataíde se esse "plano" tam-bém cobria cirurgia plástica..."Em outras oportunidades já meperguntaram se podiam colocaralgum parente como 'dependen-te', já que tinham família peque-na!", diz a dra. Rita, hoje coorde-nadora do PSF no município.

Auditoria

Para acompanhar as ações ofe-recidas pelos serviços da rede SUS,realizando sua regulação (princi-palmente através da Central deMarcação), Vitória da Conquistaimplantou o Serviço de Controle,Avaliação e Auditoria, que tam-bém desenvolve auditoria e inves-tiga denúncias feitas pela popula-ção. Com isso, deixou de existir acobrança de taxas à população porparte dos serviços contrata-dos/conveniados com o SUS, oque ocorria de forma generalizadaantes da Gestão Plena Municipal.

A rede privada conveniada nãorespeitava o contrato na prática, esempre cobrou taxas por serviçosque deveriam ser gratuitos, além

região sudoeste do Estado e a 14unidades de saúde na sede domunicípio. Também são atendidasas solicitações de pacientes quese dirigem ao local de funciona-mento da Central. Ao todo sãodez terminais funcionando emrede, empregando um softwaredesenvolvido pelo Centro de Pro-cessamento de Dados da prefeitu-ra. Através da Central estão sen-do agendados uma média de 25mil procedimentos/mês nos ser-viços da rede SUS.

Em novembro de 1999, foiinaugurado o Centro Municipal deAtenção Especializada (Cemae).Com isso, o município passou agarantir, através do SUS, 4.512consultas/mês em 17 especialida-des; 1.200 procedimentos de fi-

sioterapia e 640 de diagnose emcardiologia e gastroenterologia.Hoje, o Cemae conta também comangiologia, oncologia, otorrinola-ringologia e ortopedia. Antes de omunicípio assumir a Gestão Plenado Sistema Municipal de Saúde, aatenção ambulatorial especializa-da oferecida pelo SUS se resumiaa consultas médicas de urgên-cia/emergência, procedimentosde fisioterapia e patologia clínicae oferta, bastante limitada, de ra-diologia (basicamente raios-xsimples) e de ultra-sonografia.

O Cemae e a Central de Marca-ção tornam possíveis exames comotomografia computadorizada, eco-cardiograma, eletrocardiograma,raios-x, ultra-sonografia, endosco-pia digestiva, mamografia, mapea-mento do plexo venoso e teste er-gométrico, realizados na rede pri-vada conveniada com o SUS. As in-ternações estão sendo garantidasnos nove hospitais e clínicas quecompõem esta rede. ■

de escolher aquilo que desejavaatender. Com a municipalizaçãoplena e os trabalhos de auditoria eda Central de Marcação, o quadromudou. Ainda existem denúncias,mas em uma escala muito peque-na. A administração municipaltem consciência de que a referên-cia hospitalar é um problema sérionão só em Vitória da Conquista,mas em todo o Brasil, até que se-jam municipalizados os hospitaispúblicos estaduais.

Agenda on line

Vitória da Conquista é o pri-meiro município da Bahia e oquinto do Nordeste a contar comuma Central Informatizada deMarcação de Consultas e Procedi-mentos Especializados. Todos osprocedimentos eletivos ambula-toriais especializados são agen-dados pela Central, que atendeatravés de videofonistas a 45 se-cretarias municipais de Saúde da

Os moradorescadastrados pelasequipes do PSFrecebem o“Cartão daFamília”

À esquerda:Equipe doSaúde da

Família emação.

O Serviço de Controle,

Avaliação e Auditoria

acompanha e regula

os serviços da rede

SUS, desenvolve audi-

toria e investiga de-

núncias feitas pela

população.

Arquivo SMS

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200020

Aracaju,Há cerca de dois anos, Aracaju dava os primeiros passos rumo à implantação do

PSF. Uma estratégia forte neste processo foi a criação de parcerias com

inúmeras instituições – universidades, associações de moradores, Corregedoria

Pública, Pastoral da Saúde e organizações não governamentais. Hoje, a capital

do menor estado brasileiro já apresenta resultados positivos nos indicadores de

saúde e nas condições de vida da população acompanhada, comprovando, na

prática, o dito popular de que a união faz a força.

a força das parcerias

Roberto Trindade

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 21

O município vem apostando no PSF como o“grande gancho para melhorar a saúde”.

À esquerda:Agente

ComunitáriaSaúde orienta

gestante.

Doutora emEconomia e

Assessora daFCM/Unicamp.

racaju, Sergipe. Cidadelitorânea, quente eúmida. Sem nenhum rele-

vo que a destaque: nempedras, nem florestas, nem montan-has, nem mesmo uma bela curvatu-ra de praia atlântica. Há mangue,rios e mar, que às vezes se confun-dem e mesclam seus tons de água,parecendo uma coisa só. "E há tam-bém um belo conjunto de convivên-cia urbana, claro, limpo, progres-sista...", como conta o poeta eescritor sergipano Mário Cabral.

A população é de cerca de 450mil pessoas, muitos migrantes dascercanias de Alagoas, Pernambuco eBahia. Quase a metade da popu-lação é jovem (entre 15 e 39 anos)e, como em todas as capitaisnordestinas, o predomínio é de mu-lheres. E mais da metade da popu-lação é "potencialmente ativa", masfalta trabalho, "artigo de luxo" nestamudança de milênio.

A infra-estrutura na periferiaurbana é razoável. Dados do Sistemade Informação da Atenção Básica(Siab) que, em 1998, possibilitou ocadastramento de 50 mil famílias,indicam que cerca de 95% dessasfamílias tinham água da rede públi-ca e energia elétrica e que 87% ti-nham o lixo coletado. No entanto, olixo coletado ainda é deixado total-mente a céu aberto. A rede de esgo-to não chega à metade das casas(43.5%) e, o que é mais grave, nadaé tratado. Cerca de 9% das moradiasdespejam os dejetos em qualquercanto, escorrendo a céu aberto, masa maioria se vira mesmo é com fossaséptica rudimentar (53.9%).

Saúde da Família – estruturando a rede básica de saúde

Até 1998, a saúde na capitalsergipana não era municipalizadae a rede básica municipal erapequena e precária. As tentativasde implantação do PSF haviamsido vetadas pelo ConselhoMunicipal de Saúde, que o consi-

derava um programa eleitoreiro.Com a mudança político-adminis-trativa, a Secretaria Municipal deSaúde passou para as mãos damédica Rosa Maria Sampaio VilaNova de Carvalho, que formou uminvejável escrete feminino, con-centrando esforços, num primeiromomento, no processo de munici-palização, na melhoria da estrutu-ra administrativa e habilitação

AAna Franklin*, socióloga

Roberto Trindade

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para Gestão Plena da AtençãoBásica, efetivada em março de 98.Foi convocada a V ConferênciaMunicipal de Saúde e eleito umnovo Conselho Municipal, com oqual o PSF e o Programa AgentesComunitários de Saúde (PACS)foram negociados e aprovadossem grandes dificuldades. Foramimplantadas 12 equipes de Saúdeda Família e 299 agentes comu-nitários de saúde (ACS) em toda aperiferia. Conforme deliberação daConferência Municipal, a equipebásica do PSF foi ampliada, incor-porando-se assistentes sociais ecirurgiões-dentistas.

A Secretaria Municipal deSaúde (SMS) realizou os trabalhosde seleção interna e capacitaçãodas equipes. Para dar transparên-cia ao processo seletivo foi criadauma comissão multidisciplinar einterinstitucional. Puderam candi-

datar-se médicos, enfermeiras,dentistas e assistentes sociais doSUS, que trabalhavam emunidades sob gestão municipal.

Todos os profissionais do Pro-grama, com exceção do ACS, sãoservidores públicos e seu salário écomplementado por meio de gra-tificação. A composição dossalários foi estabelecida pordecreto municipal, com isonomiapara todos os profissionais denível superior. Os ACS foram con-tratados por intermédio de con-vênio entre a Secretaria de Saúdee a Associação Bom Pastor, umaorganização não-governamental,ligada à Arquidiocese de Aracaju.

A rede básica necessitou tam-bém de reestruturação física, coma implantação de novas unidadesde saúde, além da reforma, ampli-ação e adequação das unidadesentão existentes. A SMS adquiriu

os materiais necessários e implan-tou o Siab, com a informatizaçãode todas as unidades.

A meta para esse ano éimplantar 90 equipes e cobrir 70% da população

No início, o PSF de Aracajucobria apenas o cinturão periféri-co da cidade; hoje, o Programaconta com 32 equipes, quecobrem cerca de 37% do total defamílias estimadas, entrando emáreas menos precárias, que játêm saneamento básico.

"Nosso plano é ampliar o PSF,porque acreditamos que o mode-lo que está aí está falido, nãotem futuro nenhum. Hoje esta-mos seguras de que o grandegancho para melhorar a saúde é oPSF. Se a gente em Aracajutivesse apenas a equipe mínima,o PSF seria praticamente auto-sustentável", enfatiza a Dra.Maria, como é conhecida a dire-

tora de Saúde da SMS. "A maiordificuldade para essa expansão éfinanceira, porque a equipe aquiacaba sendo mais cara, à medidaque incorpora o dentista e oassistente social. Além disso, háum período de transição, até quese chegue ao número de equipesque dá direito ao incentivo má-ximo. A ampliação do PSF tam-bém implica a adequação dasunidades em termos físicos e deequipamentos. Em relação aosrecursos humanos, a SMS nãoespera ter grandes problemas."

O PSF sozinho, como aandorinha, não faz verão: oimportante papel das parcerias

A primeira parceria foi esta-belecida para a realização doprocesso seletivo, envolvendo aFundação Nacional de Saúde/MS,

as associações de classe e aUniversidade Federal de Sergipe.Outra parceria fundamental foicom a Associação Bom Pastor,através da qual se conseguiugarantir a contratação dos agen-tes comunitários, com todos osdireitos trabalhistas.

A Frente das Associações deBairro de Aracaju (Fabaju) desem-penhou importante trabalho dedivulgação do PSF nas comu-nidades, apoiando politicamenteo projeto de implantação, fisca-lizando seu funcionamento,reivindicando ações não previstas,identificando os problemas desaúde e as novas áreas que neces-sitam de atenção especial.

Como ainda não há Pólo deCapacitação em Sergipe, a Se-cretaria de Estado participou darealização dos TreinamentosIntrodutórios das equipes, e ou-

No início, o PSFde Aracaju cobriaapenas o cinturãoperiférico dacidade; hoje,conta com 32equipes, quecobrem cerca de37% do total de famíliasestimadas.

■ Redução da mortalidade infantil de 30,4/1.000 nascidos vivos

(1998) para 25,6/1.000 (1999).

■ Redução de gravidez em adolescentes na região de Mosqueiro, de 29,63%

para 13,64% da população de gestantes menores de 20 anos.

■ Aumento significativo do aleitamento materno exclusivo em todas as áreas.

Ex: Areia Branca (15 para 44,4%); Olaria (34 para 62%) Coqueiral (36 para 56%).

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tras instituições de ensino vêmajudando no desenvolvimento doProjeto de Educação Permanente.

No bairro Luzia, formado porvilas pobres e áreas de invasão, aPastoral da Saúde fez uma impor-tante contribuição para a implan-tação do PSF: doou uma unidadede saúde.

Uma outra parceria de desta-que é feita com a Associação deProteção à Maternidade e àInfância, com a ONG Família Felize com o Unicef, que prestaramapoio técnico e financeiro ao pro-jeto Arte & Vida, Teatro, Saúde eEducação, uma maneira lúdica edivertida de tornar disponíveisinformações sobre saúde paratoda a população, através doteatro de rua, realizado pelosagentes comunitários.

A Corregedoria Pública deAracaju auxilia no projeto "Sou

Criança, Sou Cidadã", que discutea cidadania como um direito eimplementa ações de promoçãoda saúde, visando à redução dasmortalidades infantil e materna.

Dificuldade é o que não falta...

Quando a gente vê o PSF acon-tecendo pode parecer que não hádificuldades. Mas dificuldade é oque não falta. Uma delas é nãoexistir profissionais com o perfiladequado, principalmente médi-cos. É necessário postura, compro-misso e também capacitação emclínica geral, porque muitos já sãoespecialistas. A maioria dos médi-cos do PSF de Aracaju são pedi-atras e ainda apresentam dificul-dades na prática da ginecologia eobstetrícia, por exemplo. No iní-cio, a comunidade também ofere-cia resistência em ser cuidada por

um pediatra. A solução foi intensi-ficar o treinamento nessas áreas, oque exige que o profissional deixe,com freqüência, a unidade. Paraque a população não fiquedescoberta, evita-se tirar o médicoe a enfermeira juntos do serviço.

Criando a cultura da avaliação...

Avaliar ainda não faz parte dacultura da administração pública.Mas essa prática é fundamentalpara alimentar o processo deimplementação de uma política,evidenciando seus acertos eerros, ajudando a corrigir a rota,quando necessário. A implan-tação do Siab tem exigido umesforço das coordenações doPSF/PACS e dos profissionais, nosentido de lidar melhor com osindicadores, de forma que estes

possam traduzir o impacto dotrabalho realizado.

Em Aracaju, as avaliações sãorealizadas em reuniões mensais.Num dia, a avaliação do PSF e, nooutro, do PACS. "No início, osdados do Siab não eram muitoconfiáveis. O pessoal não sabiapreencher direito. Hoje, estamosmais confiantes. Cada equiperecebe seus dados individuais,que são avaliados: onde não me-lhorou, porque não melhorou,quais as dificuldades encon-tradas...", conta a Dra. Maria.

Os indicadores de saúde doSiab evidenciam o impacto dasações: redução da mortalidadeinfantil e aumento significativodo aleitamento materno exclusi-vo, do uso da terapia de rei-dratação oral, do estado vacinal(vacinas em dia) e do acompa-nhamento dos doentes crônicos.

À esquerda:“A vida não é

um lixo”, peçaencenada

pelos ACS:discutindo oproblema dolixo onde ele

está.

■ Aumento do estado vacinal (vacinas em dia) em todas as áreas,notada-

mente em áreas de invasão, como Coqueiral, (75 para 95%), Soledade

(84 para 99%), Mosqueiro (77 para 93%) e Terra Dura (73 para 84%).

■ Acentuado aumento no acompanhamento dos pacientes portadores

de hipertensão (90,2%), diabetes (95,2%), hanseníase (97,7%) e tuber-

culose (100%) em todas as áreas.

Roberto Trindade

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A SMS tem realizado tambémavaliações qualitativas, queindicam credibilidade, confiançae aceitação do usuário. O víncu-lo criado pela equipe com acomunidade é bastante evidentee são comuns demonstrações deafeto e solidariedade. Há avali-ações que pesquisam, inclusive,o grau de satisfação do usuário,sendo realizadas por estagiáriosdo curso de Saúde Pública,supervisionados por docentesdas Faculdades de Medicina eEnfermagem. Os relatórios sãoencaminhados à Coordenação doPSF e discutidos nas avaliaçõesmensais.

Mas uma boa forma de avaliaro PSF é ouvir o depoimento dosprofissionais envolvidos:

"O PSF é uma grande lição devida. A gente cresce como serhumano, não só como profissio-

nal. No dia-a-dia valorizamostanta coisa que não tem valor, equando a gente chega numacomunidade dessas começa a vercom outros olhos, ver coisas queestavam na nossa frente e agente não via. Se eu sair do PSFvou chorar muito, vou sofrermuito"

(Magali Maria M. Duarte, enfer-meira, coordenadora do PSF).

"O trabalho das equipes doPSF tem revelado possibilidadesefetivas de enfrentamento desituações que levam à doença. OPSF é um canal através do qualemergem os problemas dascomunidades, de baixo paracima, e vão ganhando visibili-dade. As equipes se sentem com-promissadas e ajudam na buscade soluções. Ele ‘força’ a gente atrabalhar em parceria, o que nãoé parte da cultura da adminis-

tração no Brasil. Para implantaro PSF é necessário decisão políti-ca, um bom corpo técnico e von-tade de continuar, com respon-sabilidades crescentes"

(Rosa Carvalho, secretáriamunicipal de saúde).

"O pulo do gato é o contatoíntimo dos profissionais deSaúde da Família nas casas, nacomunidade. A gente passa a sermembro das famílias. É o conta-to direto, o apoio, a orientação,a educação, a conscientização,enfim, o amor que a gente con-segue semear ali, que ajuda a irenxergando saídas. É preciso tra-balhar a auto-estima dessas pes-soas, que é muito baixa, devidoa tudo isso que elas vivem.Quando a pessoa começa a sen-tir que é importante, ela passa ase olhar de um outro jeito, secuidar e também cuidar do que

está a seu redor. E aí podemosdizer que compartilhamos aresponsabilidade nos cuidadosde saúde. A solução dos proble-mas não está na equipe desaúde, está nas pessoas. A maio-ria dos problemas é de cunhosocial, emocional, questões quenão vamos resolver com caixasde comprimidos. Se não com-preendermos isso, vamos ficar avida toda curando doenças"

(Wilma F. dos Santos, assis-tente social).

DESTAQUES

O milagre da alimentaçãoenriquecida: bucho de boi viracarne de caranguejo

Vera Lúcia Araújo dos Santos éauxiliar de enfermagem do PSF ecomeçou a aprender suas

Os cuidadoscom a saúde

bucalcomeçam

desde cedo.

Roberto Trindade

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alquimias culinárias na IgrejaMetodista. Desde então, vem seaperfeiçoando, cada dia com maisvontade de trabalhar, principal-mente em áreas carentes, ondeexiste muita gente desnutrida eas pessoas não sabem aproveitarbem os alimentos.

Na Unidade de Saúde daFamília, Vera e a turma do PSFimprovisam uma cozinha na sala

de reunião. Os agentes comu-nitários fazem o levantamento degestantes e de crianças desnutri-das e convidam as mães para par-ticipar.

Todo mundo colabora: a SMScompra uma parte dos alimentos,as pessoas também trazem algu-ma coisa de casa, como a cascada banana para fazer o bife àmilanesa; folha da batata-doce,jaca etc. O que falta, a equipeacaba complementando. Temreceitas disputadas, como a defarinha láctea, que as criançasadoram. É feita com farelo e fa-rinha de trigo, fubá de milho,leite e açúcar. O arroz carreteiroé feito com muita verdura e umapequena quantidade de charque,também muito nutritivo. A carnede soja tem várias receitas: comcoco, fica parecendo camarão, ecom molho fica parecendo carne

de boi moída. São tambémfamosas as suas "fantas" feitasde limão com abóbora ou comcenoura. Bucho de boi cozidocom folha da goiabeira e batidono liquidificador com coco ficacomo quebrado de caranguejo.Quem come não vê diferença,mas ela aparece no preço: R$1,00 o quilo.

Hoje existem menos desnutri-dos na área. Se pudéssemos"clonar" a Vera e sua equipe, iahaver bem menos menino desnu-trido por aí...

"Não podemos ficar regando a planta da mágoa, do sofrimento, do desespero..."

O trabalho de Saúde MentalComunitária é desenvolvidoatravés de um parceria do PSFcom a Pastoral da Criança. A

abordagem utilizada buscasoluções a partir do própriogrupo, valorizando o "saber" pro-duzido pela vivência de cada um.Paralelo à terapia mental, é feitaa terapia corporal, como forma deresgatar a auto-estima, diminuiro stress, valorizar o papel dafamília e da rede de relações quese estabelece com o meio. A pro-posta, no entanto, não é substi-tuir o trabalho terapêutico depsiquiatras ou psicólogos, masenvolver os profissionais desaúde para que aprendam a lidarcom as questões emocionais; terconsciência de que não bastacuidar da parte biológica, salvarmuitas vidas...

As atividades são realizadaspor uma equipe de médicos,enfermeiras e uma assistentesocial nos bairros de Lamarão eVeneza. Nadierge, que é assis-

tente social, desenvolve um tra-balho de "terapia corporal" que épara ela como uma cachaça. "Osproblemas que as pessoas vivemtêm muitas relações com o berço.Por isso, trabalhamos com a ges-tante essa relação com o feto,com o nenê que precisa ser nutri-do afetivamente pela mãe.Aparecem muitos sentimentosque têm a ver com a rejeição,com maus-tratos na infância eque deixam seqüelas impor-tantes." Nadierge começa fazen-do uma entrevista, trazendo ahistória de vida. Quando o pro-blema é mais grave, o caso éencaminhado para o psicólogo.

Sílvia Palmeira, médica doPSF, nos conta um pouco do tra-balho que desenvolve junto àequipe: "Antigamente existiam ascomadres; os primos eram quasecomo irmãos e hoje estes laços

estão muito fragilizados. Esse tra-balho ajuda a recriar um vínculocomunitário. É um espaço ondeas pessoas têm condição de libe-rar a sua angústia, compartilharum pouco, porque não encontrammais esse espaço no cotidiano.Observamos que as pessoassofrem com a perda desses víncu-los, em decorrência de muitasterem deixado tudo para trás: suacidade, um nome respeitado,parte da sua história, parentes,laços afetivos... Esse sofrimentose reflete na parte somática.Como médica, observo quemuitas coisas que eu atendo noconsultório não deveriam sermedicalizadas, porque são pro-blemas emocionais ou sociais".

É comum observar pessoastransferindo toda a responsabili-dade pelas dificuldades queenfrentam para o médico, o pai, o

“A pessoa passa ase olhar de outrojeito, a se cuidare também cuidardo que está aoseu redor.”

Atividade dogrupo de

Saúde mentalcomunitária

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200026

patrão, ou para o governo. Noentanto, é necessário mobilizarforças internas para enfrentar arealidade, aprendendo a lidar comas adversidades pessoais e coleti-vas, e encaminhar soluções,inclusive lutando para melhorarnossas condições de vida. "Oproblema é que muitas pessoastrazem uma história de desestru-turação familiar e social muitogrande e ficam fragilizadas, o quese expressa também na dificul-dade de organização familiar esocial. É como se eles não con-seguissem ir a canto nenhum,vivendo num impasse contínuo. Agente trabalha valorizando a cul-tura local: descobre quem canta,quem toca, quem borda, e vairesgatando esses talentos. Narealidade, essas pessoas estão sesentindo sem nenhum valor",acrescenta Sílvia.

Outra idéia central desse tra-balho é resgatar os vínculos, tra-balhando a comunidade comouma grande família solidária. Elemostra que às vezes nossos vín-

culos se perdem, mas podemosfazer outros. Não podemos ficarregando a planta da mágoa, dosofrimento, do desespero. Énecessário enterrá-la para quenossos sentimentos positivosvoltem a florescer. À medida queas pessoas vão resgatando aauto-estima, perdoando, recrian-do vínculos, elas mobilizam sen-timentos positivos, se organizam,começam a festejar. "No DiaInternacional da Mulher, a comu-nidade tomou a iniciativa:enfeitaram a Unidade de Saúde ecompraram ramalhetes de flores.Gente sem condições financeiras,mas que fez questão de nos entre-gar flores e também homenagear

algumas pessoas da própria comu-nidade", relembra Sílvia.

Inspirados no projeto "Cui-dando do Cuidador", da Pastoralda Criança, o grupo também lidacom as angústias dos agentescomunitários e dos demais profis-sionais da unidade, mostrandoque eles são apenas uma ponte,não são a solução dos problemas.

Os profissionais do PSF envolvi-dos nesse trabalho têm consciênciade seus limites, mas tambémsabem que, quando uma pessoaconsegue compartilhar suas angús-tias, ansiedades e medos, é comose ela dividisse o peso que carrega-va sozinha, deixando sempre umamarca positiva, um laço, um víncu-lo e a possibilidade de superação. Eque o importante é que essas pes-soas sintam que suas vidas impor-tam, que na equipe, no grupo, aspessoas se importam umas com asoutras e que podem ser solidárias.Que muitos sofrem, mas tambémpodem reagir a esse sofrimento,sem cultuá-lo, sem ficar eterna-mente se lamentando.

O PSF germinando em Terra Dura

A paisagem de Terra Dura émuito diferente da paisagemurbana de Aracaju, que aindaconserva coqueiros e uma belaorla marítima. A vegetação érara, especialmente na área domorro, corroído pela erosão, oque dificulta o acesso de veícu-los. Distante 15 km do centro, naZona Sul da cidade, esta comu-nidade existe desde 1932, quan-do foi construído o Canal deSanta Maria para escoar a pro-dução de açúcar, coco da Bahia eprodutos fabris procedentes dointerior. Ali se namorava e se

tomava banho nos dias de solforte.

Hoje o canal perdeu suafunção. Foi transformado emdepósito de lixo, de dejetoshumanos. Nas imediaçõesencontra-se, a céu aberto, a li-xeira da cidade. A transferênciada lixeira para Terra Dura intensi-ficou o processo de ocupação daárea, pois a lixeira é o referencialpara a sobrevivência de muitasfamílias, que ali conseguem ali-mentação e exercem o ofício decatadores de lixo.

Gente convivendo com lixo,morando dentro, comendo. Paisde famílias, urubus, grávidas,velhos, roedores, crianças revi-rando as vísceras e disputando osexcrementos da sociedade deconsumo. Gente caminhandodescalça entre agulhas, bisturis,seringas e materiais contamina-dos. Crianças à caça de iguarias:iogurtes, doces, salsichas descar-tadas, impróprias para consumo.

Conviver com o perigo bana-lizou o risco: rede elétrica de

alta-tensão, cisternas contami-nadas, gambiarras elétricas detoda a sorte, queima de lixo,fogões improvisados junto aogasoduto, proximidade do aero-porto que predispõe a problemasauditivos, entre outros. "Estamosimunizados", se defendem."Ninguém nunca morreu no lixo."Faltam noções mínimas dehigiene, saúde e bem-estar.

O lixo é como uma caixa dePandora, de onde tiram, a cadadia, inúmeras surpresas, ao ladodo material reciclável e da satis-fação das necessidades ime-diatas, ao sabor da sorte, dodescarte e do descuido alheio.Terra Dura tem cerca de 500 cri-

Roberto Trindade

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anças e jovens que dependemdessa atividade. Mais da metadenão estudava ou freqüentavacreche e 90 deles trabalhavamdiretamente na catação do lixo.

"O primeiro sentimento foi deimpotência, tamanha a dimensãodos problemas", conta Wilma,assistente social.

A equipe fez o planejamentoestratégico e estabeleceu priori-dades: o mais importante eraquestionar a comunidade sobre arealidade do lixo e suas conse-qüências para a saúde. Por incrí-vel que possa parecer, eles nãose davam conta de que o lixo éum problema. Foi realizado umtrabalho com as lideranças

locais, apresentado o diagnósti-co da comunidade e, através dedinâmicas de grupo, as pessoasforam sendo envolvidas pararefletir juntas sobre sua reali-dade.

A enfermeira do PSF, IreneAlves, conta como é o processo:"À medida que a gente vê acomunidade lutando junto, ten-tando mudar essa realidade, osresultados começam a aparecer:diminuem as diarréias, as lesõesde pele, infecções respiratórias,bicho-de-porco. Quando existeum processo de conscientizaçãoda comunidade, cada dia é umque começa a compreender e ater uma atitude diferente em

À esquerda:A auxiliar deenfermagem

Vera Lúciaensina

gestantes emães desnu-

tridas atirarem omáximo

proveito dosalimentos

mais comunsda região,

com receitasapetitosas.

relação à saúde. E quando agente vê alguém acordando aqui,outro acordando ali... Essas pes-soas vão multiplicando as novasatitudes. A gente se realiza, sesente transformando de algumaforma".

O desafio dessa equipe é cons-truir uma comunidade saudávelem Terra Dura. Muita gente desis-tiria antes de começar porque elaé conhecida por sua violência,pelos assaltos, que são manchetesno jornal. Mas a equipe vai con-vivendo e descobrindo uma gentesofrida. Vai vendo a violência bro-tar dessas condições de vida, dodesespero. E percebendo que essaspessoas precisam ser ouvidas,

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não é um lixo. O teatro se apre-senta nas ruas, discutindo asituação do lixo, ali no localonde ele está. Outra estratégia éo trabalho de acolhimento na

Unidade de Saúde, que não serestringe a uma palestra, porquevimos que as pessoas nãoabsorvem muito. Então o traba-lho tem que ser participativo. Agente faz também uma série dedinâmicas, que acontecem emtodos os grupos de risco. Nãoimporta se é gestante, diabético,hipertenso. Se a pessoa vive ali,precisa refletir sobre a questãoambiental. Além disso a equipefez uma cartilha, para trabalharcom crianças e adolescentes aquestão do lixo, da coleta seleti-va, da reciclagem. E estamoslançando a campanha AdoteTerra Dura, que aborda questõesque envolvem a qualidade devida, como, por exemplo, a águapotável, que grande parte dacomunidade ainda não tem. Aidéia é envolver instituições queatuam no local para que olhem

respeitadas; que é necessáriointeragir com elas. O ponto departida do trabalho é o problemado lixo.

"A gente teve a certeza deque, se não ultrapassassemosesses muros, não arregaçasse-mos as mangas e fosse para arua, íamos passar a vida todaaqui na Unidade tratandodoenças. A gente então decidiu:só vamos tratar doença demanhã. À tarde nós cuidamos dasaúde: vamos orientar noslocais, onde você está vendo ascoisas acontecerem... E não serácom um trabalho isolado daUnidade de Saúde que vamosmelhorar as coisas por aqui...",relata a assistente Wilma.

Vários trabalhos intersetoriaisvêm sendo desenvolvidos emTerra Dura por um empenhoadmirável dessas equipes: um

deles é com a empresa responsá-vel pela coleta de lixo, a Torre.Hoje existe uma outra realidadenas ruas do bairro. Quando aequipe iniciou seu trabalho, emsetembro de 1998, 35% das casascontavam com o serviço de cole-ta de lixo; hoje são 90% dascasas. Em rua onde o caminhãonão entra, entra o carroceiro, masa coleta é feita religiosamentetrês vezes por semana.

E não basta ter a coleta. Énecessário educar as pessoassobre a importância de dar umdestino adequado ao lixo. E aequipe do PSF tem muita clarezadisso. A equipe discutiu estraté-gias para atingir seus objetivoseducativos. E Wilma sai relatan-do, entusiasmada: "Encenamosuma peça de teatro, com a atu-ação dos agentes comunitários,e fizemos um um vídeo: A vida

para essa comunidade.Muitas casas não possuem

banheiro, ou, quando têm, nãohá fossas, e os dejetos vão parao Canal de Santa Maria. Estamostrabalhando a construção de fos-sas sépticas e a limpeza dopróprio canal, que um dia já foium cartão postal."

Ver peixes nadando por alitambém é o sonho da Dra. Rosa,secretária de Saúde. E como diza canção, "sonhar um sonho só ésonho. Sonhar um sonho junto érealidade". Se a garra dessas mu-lheres está fazendo germinar aTerra Dura, por que não haverãode consegui-lo?

"Lixo e Cidadania emSergipe", um projeto de luta,boas parcerias e umaforcinha até dos urubus...

O projeto "Lixo e Cidadaniaem Sergipe", articulado peloMinistério Público, conta tambémcom o apoio do PSF e do Unicef ese divide nos subprojetos"Criança fora do lixo e dentro daescola" e "Aterro sanitário, cole-ta seletiva de lixo e reciclagem".O objetivo é erradicar a atividadede catação de lixo por crianças eadolescentes, inserindo-os emprogramas educacionais e capaci-tando seus familiares para aobtenção de trabalho e renda,além de buscar soluções para darum destino adequado ao lixo nacidade.

A promotora de Justiça MariaIzabel S. de Abreu é a principalarticuladora desse projeto e nosconta: "No início, quando oMinistério Público começou aexaminar a questão ambiental,particularmente a situação do

A gente teve a

certeza de

que, se não

ultrapassássêmos

esses muros, íamos

passar a vida toda

aqui na Unidade,

tratando doenças.

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lixão de Terra Dura, fui visitar alixeira pela primeira vez. Fiqueiadmirada com a atenção espe-cial que os agentes de saúdedavam ao povo ali do lixo, e issome deixou esperançosa e emo-cionada, porque a situação era

terrível. Não dava coragem nemde ficar por ali, porque a turmaera muito violenta, não temianada e ninguém e a auto-estimaestava lá embaixo". A articu-lação do Ministério Público nosentido de coordenar as ações edividir as atribuições foi muitoimportante.

Muitas coisas já foram obti-das nesse curto espaço detempo: as famílias que trabalhamna catação do lixo foram cadas-tradas, a área da lixeira cercada,com guarita e vigilância. Cercade 50 crianças, entre quatro e 14anos, residentes na lixeira e noentorno foram colocadas em pré-escolas e no ensino fundamental.Os moradores passaram pararesidências provisórias e depoispara um conjunto habitacional. Asituação social e jurídica dasfamílias foi levantada e os pro-

blemas detectados foram encam-inhados. Para o lixo hospitalar,foi construída provisoriamenteuma vala séptica. Outra açãoimportante foi o apoio à for-mação da cooperativa de cata-dores, que deverá atuar na inter-mediação e beneficiamento domaterial reciclável provenienteda lixeira e da futura coleta sele-tiva.

A Cooperativa de Trabalha-dores Autônomos Catadores deLixo conta atualmente com 50membros, tem estatuto e sedeprovisória. A sede definitiva dev-erá estar pronta em dois meses,construída em terreno doado pelogoverno do Estado, próximo aoconjunto habitacional onde elesatualmente moram. A usina dereciclagem de lixo está sendomontada no galpão com ma-quinários doados pela Maxitel,

empresa de telefonia celular. Esteano, os catadores cadastrados játrabalharam uniformizados, noPrecaju, recolhendo as latinhas...

"Tem aqueles que estão sem-pre insatisfeitos, mas a auto-estima da maioria está lá emcima, agora eles têm endereço,chuveiro, uniforme, documen-tação em dia: identidade, títulode eleitor. É o início de umprocesso de resgate de cidada-nia", relata a promotora, com osolhinhos brilhando e a vozembargada.

O problema crucial agora éconseguir apoio do governo doEstado para a construção doaterro sanitário, cujo custo deimplantação e manutençãoexcede a capacidade financeirados municípios envolvidos. Alémdisso, é um projeto que leva umcerto tempo, devido aos estudos

de impacto ambiental. Mas osurubus do lixão andam dandouma forcinha... Devido à proxi-midade da lixeira do aeroporto,essas aves andam causando aci-dentes aéreos e a Infraerodenunciou o fato ao MinistérioPúblico, ameaçando suspendertodos os vôos para Aracaju. Asaída é a interdição imediata dolixão e o tratamento dascamadas de lixo, lá depositadas,escolhendo com urgência o localdo aterro sanitário.

O projeto "Lixo e Cidadaniaem Sergipe" é um belo exemplode situação social que pareceinsolúvel, quando observada daótica isolada de um setor gover-namental. "Esperamos que den-tro de um ou dois anos, no má-ximo, Aracaju possa ser modelocom esse projeto", sentencia amadrinha. ■

No lixão de TerraDura, o PSF vemtrabalhando paraque crianças,adolescentes esuas famíliasmudem de vida.

Acervo do Ministério Público

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ocalizada estrategica-mente no centro do Es-

tado do Tocantins, Palmashoje é pólo de desenvolvimento re-gional, que irradia progresso atépara fora das fronteiras do Estado.É retrato vivo de Brasília nos anos60 e nela se inspira todo seu traça-do urbanístico, com eixos estrutu-rais que dividem a cidade em seto-res norte e sul e em quatro zonas,largas avenidas e rotatórias ajardi-nadas, seguindo um Plano Diretorque privilegia as áreas verdes e osespaços para o lazer. Conhecidacomo capital das oportunidades, éum canteiro de obras que molda ese transforma a cada dia. Tem oapelido carinhoso de "jóia do cer-rado", mas sua fama é de um Eldo-rado, onde as pessoas enriquecem

rapidamente. O que não é bem arealidade. Há lugar ao sol para osque têm algum capital ou especia-lização. Para os demais, falta em-prego, como em todo lugar, inclu-sive porque 80% dos empregos es-tão no setor público.

Palmas tem planos ambiciosos,como montar o maior complexo deecoturismo do Brasil. Isso serápossível devido à barragem da Usi-na Hidrelétrica Lageado, que entraem funcionamento em 2001, for-mando um grande lago, de 180 kmde extensão, beneficiando diversascidades. Ali será implantado o Pro-jeto Orla, que prevê 15 km de prai-as urbanizadas, entrecortadas porpontões de pedras, áreas verdes,marinas, porto, parques temáticos,dentre outros empreendimentos,que deverão ser realizados em par-ceria com a iniciativa privada.

Esse ritmo acelerado de cresci-mento traz consigo um corolário de

Palmas:Cidade adolescente, com quase 11 anos, Palmas registra o maior

índice de crescimento do país – 28,7% ao ano, e apresenta difi-

culdades para acolher as 50 famílias que, em média, chegam

diariamente. O município acreditou no potencial do PSF para

oferecer melhores condições de saúde e de vida à população e

hoje, o planejamento de todas as secretarias do governo muni-

cipal é feito com base no diagnóstico comunitários realizado

pelas equipes de Saúde da Família, numa inovadora orques-

tração intersetorial.

inovar é a ordem do dia.

Ana Franklin*, socióloga

L

Arquivo SMS - Palm

as

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dificuldades, como a falta de infra-estrutura pública, principalmentena área social, porque muitos mi-grantes vêm apenas com a vonta-de de trabalhar, chegando com afamília de ônibus, com dois sacosde pertences nas costas.

A população assistida pelosProgramas Agentes Comunitários(PACS) e Saúde da Família (PSF)juntos era de 92.054, em 1999,correspondendo a 75% da popula-ção. Em 2000, já são 121.130, quecorrespondem a 91%. Sendo que sóo PSF cobre cerca da metade dapopulação municipal. Outra carac-terística importante da populaçãode Palmas é que metade da popula-ção tem menos de 18 anos, e maisde 2/3 têm menos de 30 anos. Issofaz com que seja grande o númerode casamentos e nascimentos. Em1999, nasceram 3480 crianças e

nesse ano, até o mês de maio jásão 1448. Esse crescimento acele-rado da população gera uma de-manda por serviços de saúde, quetambém cresce exponencialmente.

O Secretário Municipal de Saú-de de Palmas, Dr. Neilton Araújo,médico sanitarista, tem uma longavivência no movimento social doEstado. Ele carrega consigo umaclareza muito grande sobre a formade estruturar a atenção básica àsaúde em Palmas:

"Percebemos, desde o primeiromomento, que era necessário tra-balhar saúde de uma maneira inte-gral, no sentido da promoção, pro-teção e recuperação da saúde. Eque para isso era preciso ter umaparticipação comunitária forte.Não só para estar compreendendoas nossas dificuldades e estraté-gias, mas também para ter um pa-pel de partilha. Sem compartilharcom o cidadão, com a família, com

o vizinho, nós não vamos superaros índices alarmantes de desnutri-ção, de gravidez na adolescência,de descuido com a saúde bucal,dentre outros problemas importan-tes que encontramos aqui.

Se não tivermos uma mudançacultural essas coisas não aconte-cem. E para isso é necessário mui-ta participação: do professor, dopai, da mãe, do agente de saúde,do próprio jovem, das associações,das igrejas, enfim de toda a comu-nidade. Eu trago essa visão quepromove os espaços participativose as parcerias governamentais enão governamentais, porque acre-dito na importância da participa-ção na promoção social e na pro-moção da saúde."

Essa crença não ficou no papel.Exemplo disso é o atuante Conse-lho Municipal de Saúde de Palmasque possui 46 representantes, in-cluindo gente de todos os partidose segmentos sociais. Além de exer-cer o controle social, o Conselhoacaba servindo como ponte com acomunidade e foi muito atuante noprocesso de criação dos 19 Conse-lhos Locais de Saúde, que hoje aju-

dam até na definição da rotina dasunidades. "Sou contra a Prefeituri-zação dos Conselhos: essa coisa dosmembros serem todos parentes eamigos dos prefeito ou do secretá-rio. Quando você entrega a respon-sabilidade para a comunidade acabatrazendo bons frutos. E o pau que-bra, mas a coisa funciona", assegu-ra Odir Rocha, Prefeito de Palmas.

Um pouco da história do PSF em Palmas

Antes do PSF, existia um con-junto de unidades de saúde, semnenhuma hierarquia, sem ne-nhum caráter de regionalidadegeográfica. Eram 14 unidades queatendiam sem qualquer modelo ouidentidade. Em 1997, surgiu a pri-meira equipe, ainda em caráterexperimental, que incluía também

A forteparticipaçãocomunitária vemajudando omunicípio asuperar osproblemas desaúde.

Arquivo SMS - Palmas

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o trabalho de um psicólogo, umassistente social e um dentista."Achávamos que era importantedar visibilidade para a populaçãode que o Saúde da Família erauma proposta diferente. Não erasó assistência médica, curativa,remédio, etc" conta o Secretário.

Essa equipe inicial funcionouum ano e meio e quando o traba-lho adquiriu identidade, o Saúdeda Família pode ser ampliadopara mais cinco equipes. A pri-meira decisão foi tirar os médicosque ficavam nos Postinhos, paraacabar com aquela histórica domédico que nunca estava ou queficava louco para se livrar dodoente. "A população gritou, oConselho Municipal também, atéque eles entenderam a estratégiae começaram a apoiar. Forampriorizadas as áreas mais carentese era comum as áreas vizinhas

fazerem abaixo-assinados, briga-rem para ter o Saúde da Família.No início, até as equipes tinhamuma visão meio distorcida,achando que ia ser o Saúde da Fa-mília convivendo em paralelocom os Postos de Saúde."

Em Palmas, quem chama oSaúde da Família de Programa,paga uma prenda. Para desacostu-mar escreviam PSF e colocava um

X em cima do P. E lá, todas as Uni-dades Básicas são Unidades deSaúde da Família. Isso expressauma grande convicção de que aSaúde da Família é uma estratégiade mudança do modelo assisten-cial, uma vontade manifesta denão prestar atendimento só nahora em que a pessoa está doente.

Planejamento conjunto

A Prefeitura de Palmas aplicacerca de 20.6% dos recursos do Te-souro com saúde (incluindo os vin-culados). E os incentivos doPACS/PSF acabam sendo significati-vos, pois quase dobram o valor doPiso de Atenção Básica (PAB) fixo.No entanto, Palmas cresce com umarapidez que não é acompanhada pe-los dados censitários, e isso gera umimpacto negativo em financiamen-tos como o PAB, que são baseadosem critérios populacionais.

Mas a importância que Palmasdá ao Saúde da Família não é ex-pressa em números, mas no pio-neirismo, no desejo de inovar. Omunicípio implantou a primeiraequipe antes de existirem os in-centivos do PAB. Hoje, estão im-plantando, também de forma pio-neira, o PSF na área rural, que tem

características diferentes, comopor exemplo um médico para cadatrês equipes.

O trabalho dos agentes comu-nitários de saúde está sendo tãoreconhecido, que abriu uma verda-deira "avenida" de possibilidadesna promoção da saúde. "Os dadoscoletados pelos agentes e o diag-nóstico comunitário são fornecidosa todas as secretarias e os traba-lhos são montados com base neles.Há um trabalho conjunto, uma tro-ca de experiências, que realmentefunciona." confirma o Prefeito. Notrabalho de alfabetização de adul-tos, por exemplo, os agentes le-vantaram as necessidades e esti-mulam permanentemente a parti-cipação das pessoas no projeto, oque potencializa os resultados.

Hoje existem vários "filhotes"dos agentes de saúde: agentes ru-rais, agentes escolares, agentes de

vigilância e recentemente osagentes jovens. Todos esses agen-tes possuem uma formação amplana atenção básica, desenvolvendoo mesmo trabalho com ênfases di-ferentes. Trabalham com um nú-mero mais reduzido de domicíliose nem todos se enquadram nos cri-térios de incentivos do Ministérioda Saúde, o que só confirma aprioridade dada à promoção dasaúde em Palmas.

"Nós acreditamos nessa estra-tégia. Abraçamos essa causa.Quando começamos nem existiamincentivos. O gostoso é essa von-tade de trabalhar e acreditar numaproposta". Fátima Damaso, Coor-denadora do PSF.

Existem hoje 20 equipesatuando, cobrindo cerca da meta-de da população e 341 ACS. Entre-tanto, apesar da vontade políticade ampliar a cobertura do Saúde

A meta é dobrar asequipes de Saúdeda Família e assistir 100% dapopulação, masnão há médicossuficientes.

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da Família para 100% da popula-ção, dobrando o número atual deequipes, não há médicos suficien-tes com perfil adequado. As equi-pes são compostas de um médicoem período integral, uma enfer-meira, um técnico de enfermageme agentes de saúde. Quando aequipe trabalha em uma áreanova, na qual muitas famílias es-tão chegando, uma assistente so-cial também se integra à equipe.Depois de um tempo, quando asfamílias estão melhor situadas, elavolta para a unidade de referência.Todo profissional antes de entrarno Saúde da Família faz um está-gio de integração que varia de 7 a10 dias. O objetivo é possibilitarque a pessoa conheça toda a redede saúde e o funcionamento dosserviços. Quando este profissionalpassa a integrar o Saúde da Famí-lia recebe uma complementação

salarial de 50% sobre valor do sa-lário. O contrato dos ACS é feitopela Prefeitura, como temporário,e renovado anualmente. Os agen-tes comunitários recebem salário

mínimo mais uma gratificação deR$100,00, paga com recursos fe-derais e municipais.

Alavanca poderosa

O município de Palmas exercea gestão plena do SUS e se deparacom alguns problemas de insufi-ciência nas áreas de maior com-plexidade. A própria estruturaçãoda atenção básica, através do Saú-de da Família acaba gerando, numprimeiro momento, novas deman-das e desnudando demandas queantes não chegavam aos serviçose algumas delas exigem procedi-mentos de média e alta complexi-dade. Hoje já existe um laborató-rio de análises clínicas que dá su-porte a todas as Unidades, cole-tando o material e fornecendo osresultados nas próprias unidades.

O município é um pólo regio-

nal de serviços também na área dasaúde. Atende muita gente defora, vinda inclusive, de outros es-tados, o que praticamente dobra apopulação registrada. Tudo issofaz com que exista uma demandaque não pode ser atendida, notempo adequado, em determina-das especialidades, como Pediatriae Ginecologia, Psiquiatria e Neuro-logia e alguns exames comple-mentares. Há também deficiênciade leitos hospitalares, o que retar-da a realização de cirurgias eleti-vas.

Mas o Secretário é enfático aoafirmar que "a luta pela constru-ção da atenção básica acaba refor-çando e dinamizando a luta pelaorganização do sistema de saúdecomo um todo. A provocação daatenção básica é mais poderosa doque a vontade da gente de fazer osistema funcionar. É um apelo tão

grande, uma alavanca poderosa,porque move também outros ato-res sociais. O Governo acaba tendoque dar uma resposta em termosde políticas públicas. "

Rumando na direção de Município Saudável

Em Palmas, observa-se ummovimento do Executivo em dire-ção a uma atuação mais integra-da da administração municipal. OPrefeito participou do "I Fórum

de Cidades Saudáveis do Brasil",realizado em Sobral, Ceará, em1998. Como conseqüência, Pal-mas passou a integrar a Coorde-nação de um movimento nacio-nal, que busca articular pelo paísafora a construção de uma redede municípios saudáveis.

O Secretário de Saúde enfati-za o apoio que o Prefeito temdado "conclamado todos os seto-res a terem essa visão, que não ésó de parceria, mas de integrali-dade mesmo". E essa integralida-de ultrapassa a simples parceriaentre setores e passa a fazer par-te do próprio desenho dos proje-tos, particularmente na área so-cial. O Prefeito Odir Rocha fazquestão de ressaltar que "traba-lha na perspectiva do desenvolvi-mento comunitário – estender amão para a comunidade crescer -e na concepção paternalista da

A luta pela construção daatenção básicaacaba reforçando e dinamizando a luta pela organização dosistema de saúdecomo um todo

Caminhadade idosos -

Projeto“Saúde no

Parque”.

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assistência social, garantindo opãozinho de cada dia, sem esfor-ço dos indivíduos."

Assistência integrada à gestante

Uma ação conjunta do Saúdeda Família e da Secretaria de De-senvolvimento Comunitário vemproporcionando às gestantes dePalmas a oportunidade de discu-tir os cuidados pré-natais, o par-to, o aleitamento, os cuidadoscom o recém-nascido. Os agentescomunitários fazem o cadastro econvidam as gestantes para parti-cipar do grupo. No final da ativi-dade, há uma grande festa, esseano foi realizada no Circo de Mos-cou. Além do espetáculo e dolanche, cada gestante recebe umkit com banheira e enxoval.

Jovens em foco

Os jovens, por serem maioriaem Palmas, são alvo de inúmerosprojetos, o que nos leva a crerque o município está semeandoperspectivas de futuro para essanova geração.

Um destes projetos é "Amigosdo Meio Ambiente - AMA", queconta com mais de mil adolescen-

tes. Todo dia eles participam deatividades culturais, de lazer, re-forço escolar, aprendem jardina-

gem e cidadania e recebem umabolsa escola. O resultado mais vi-sível é a beleza dos jardins dePalmas e o respeito com que a ci-dade zela por eles. Mas, provavel-mente, os melhores resultados se-rão colhidos no futuro desses jo-vens, que ganham alguma pers-pectiva e uma ligação saudávelcom seu tempo e sua cidade.

Palmas tem tantos jovens,que precisa se empenhar paracriar espaços de formação, edu-cação e atividades permanentesde cultura, lazer e trabalho. ASecretaria da Juventude, maisuma das iniciativas pioneiras doMunicípio, está iniciando outroProjeto Integrado: o "Agente Jo-vem". Em breve, serão 300 jo-vens em processo de capacitaçãopara trabalhar no desenvolvi-mento comunitário.

Outro projeto recém inicia-do, que promete reverter um

dos maiores índices de gravidezna adolescência do país é o"Menina Mulher", desenvolvidopelas Secretarias de Saúde, deEducação e da Juventude, como apoio do Ministério da Saúde.Destinado a pré-adolescentesentre 9 e 12 anos, que vivemem áreas consideradas de risco,o "Menina Mulher" conta com300 meninas inscritas. Atravésde vivências e oficinas, estasmeninas vão discutir temas des-de higiene e autoconhecimentodo corpo até anticoncepção,prevenção de DST/AIDS. A pro-posta é que adquiram preparopsicológico para exercer a se-xualidade com responsabilidadee, posteriormente, atuem comoagentes multiplicadoras. Essasmeninas deverão ser assistidasintegralmente, recebendo cesta

básica, reforço escolar, bolsasalário mensal, etc.

Agente escolar

Outro exemplo de trabalhointegrado que envolve as Secre-tarias de Saúde, da Juventude,da Educação e da Cultura é oagente escolar, que começoupela promoção da saúde bucalnas escolas. Os jovens mais in-teressados passaram a fazer par-te de um grupo de multiplicado-res para discutir DST, AIDS, dro-gas e sexualidade. Eles tambémdistribuem preservativos. Alémde discutir a saúde da comuni-dade escolar, desenvolvendo umtrabalho educativo junto a pro-fessores, funcionários e alunos,os jovens articulam conteúdosde saúde junto a cada uma dasdisciplinas, até mesmo a mate-mática.

Palmas tem tantos jovens, queprecisa se empenhar paracriar espaços deformação, educação e atividades permanentes decultura, lazer etrabalho.

À espera dosnoivos para o

casamentocomunitário.

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Interfaces da saúde

Os funcionários da Secretariade Saúde, com o apoio da Secre-taria de Cultura, da Educação, dasIgrejas e das comunidades desen-volvem, fora das atividades detrabalho, um Grupo de Teatrochamado "Fermento na Massa",com espetáculos sobre saúde bu-cal, hanseníase, sexualidade edengue, buscando atingir toda acomunidade de Palmas.

Há interfaces da saúde com aSecretaria de Agricultura, atravésdo "Projeto de Hortas Comunitá-rias na Zona Rural". Com a Secre-taria de Indústria e Comércio, háparceria no Projeto "Saúde naFeira", que envolve ações de vigi-lância sanitária nas feiras livresda cidade, e atividades de medi-ção de pressão arterial, aplicação

de vacinas, pequenos socorros eabordagem de temas de promo-ção da saúde, realizadas por umaequipe de saúde.

Há também o Projeto "Saúdeno Parque", que conta com umaequipe fixa composta de psicólo-go, professor de educação física etécnico de enfermagem, que esti-mulam a prática de atividades fí-sicas, orientam os exercícios,controlam a pressão, fazem testede diabetes e buscam promover asaúde dos diversos grupos quefreqüentam o parque, como porexemplo, os idosos.

Semeando o espírito comunitário

Palmas é uma cidade ondenão existem comunidades sedi-mentadas, nem tradição familiar.Cada um vem de um Estado, comuma história diferente... Nesse

contexto o papel do ACS é dupla-mente importante, porque ele éum elo de ligação entre as pes-soas, promovendo um permanen-te conhecimento mútuo, envol-vendo-as, aproximando os vizi-nhos novos, cuidando de sua saú-de e, ao mesmo tempo, desenvol-vendo o sentimento da solidarie-dade. "Sem esse sentimento vivo,no dia a dia da comunidade, nãoexiste serviço de saúde que dêconta de resolver os problemas."enfatiza Neilton Araújo.

Além de ligarem as pessoasentre si e promoverem a saúde, osAgentes estabelecem uma ponteimportante entre a comunidade, aequipe e a administração munici-pal. O Programa "Vizinhança So-lidária" surgiu da necessidade dese fazer a vigilância epidemioló-gica e sanitária, orientar os mi-

grantes em relação aos funciona-mento dos serviços públicos.

A comunidade é incentivada aavisar quando chegam novas fa-mílias na vizinhança. As compa-nhias de água e eletricidade tam-bém dão uma forcinha, informan-do as novas ligações. Imediata-mente, o ACS vai visitar a família,fazer o acolhimento, falar do seutrabalho, orientar sobre a água, olixo. Faz ainda o cadastramento,registrando se tem crianças paravacinar, gestante, cachorro, gato;se tem alguém utilizando medica-ção de uso continuado para poderplanejar; se tem gente doentepara encaminhar à Unidade deSaúde ou acompanhar o trata-mento.

"Isso tudo vai abrindo novasportas de participação da comu-nidade e ajudando a criar novoshábitos. Em vez de esperar a po-pulação procurar o serviço de

saúde, nós estamos levando omáximo que podemos de servi-ços, orientações e informação,buscando o engajamento da co-munidade." continua o secretáriode saúde.

Experiências intersetoriais

Para prestar atenção básica à

saúde nos locais que ainda nãoexistem unidades, ou nas comu-nidades rurais, foi criado o "Ex-presso Saúde", unidade móvelcom equipe composta por médi-co, odontólogo e enfermeiro. Nascomunidades mais organizadas,há também um agente rural desaúde, que também é da própriacomunidade.

Outra experiência interseto-rial interessante está sendo ini-ciada no bairro do Taquarussu. Éa Banca de Empregos, que serámontada pelo Sistema Nacionalde Emprego (SINE) dentro daUnidade de Saúde da Família,com apoio de uma assistente so-cial. A proposta é realizar um le-vantamento socioeconômico dasfamílias e divulgar informaçõessobre vagas existentes, conta-tando as pessoas desempregadase articulando novos cursos e ca-pacitações.

Aproximandoos novos vizinhos.

Arquivo SMS - Palmas

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Ultrapassando os muros do setor público

Trabalhar com uma visão am-pliada de saúde, enquanto pro-moção de melhoria da qualidadede vida exige que se ultrapasse osmuros não só da Secretaria deSaúde, mas da própria Prefeitura,envolvendo também os setoresnão governamentais.

Através de alianças com o Con-selho de Pastores Evangélicos ecom a Pastoral da Saúde, o Saúdeda Família está ampliando a co-bertura das ações de vigilância datuberculose e da hanseníase. Ape-sar da descoberta de muitos casosnovos em 1998, não houve aban-dono de tratamento. A igreja temum trabalho muito importante nadesmistificação e ruptura do estig-ma, de apoio financeiro, de convi-vência, de reinserção na sociedade.

Em algumas áreas, há tambémuma parceria com a Pastoral dosenfermos para apoio a pacientesque não estão se recuperandobem, às vezes até em razão deproblemas financeiros. A Igrejacede alguns espaços para reu-niões comunitárias e trabalhos degrupo e, em algumas áreas, a Pas-toral da Criança desenvolve tra-balhos conjuntos com as equipesde Saúde da Família.

Outro exemplo de parceria,com muitos resultados é com oComitê de Cidadania dos funcio-nários da Caixa Econômica Fede-ral (CEF), que tem apoiado inú-meras iniciativas do Saúde da Fa-mília nas comunidades ondeatuam. "Damos apoio operacionalno que for necessário - algummedicamento caro inexistentenas unidades, subsídio de trata-mento fora do domicílio quando a

família não tem condições, ces-tas básicas para pacientes que es-tão em tratamento e não podemtemporariamente trabalhar, lan-ches ou prendas para algunseventos", resume a esposa do Ge-rente da CEF, Jurani do C. Silva.Representante do Comitê, ela nãoesconde sua emoção ao acompa-nhar os resultados e a seriedadedo trabalho do pessoal do Saúdeda Família.

"Esses Programas interseto-riais exigem a responsabilidadeda Coordenação, mas não a pro-priedade. A gente tem trabalhan-do a saúde não só como um bemcoletivo, mas como uma proprie-dade coletiva. Mas hoje percebe-mos a necessidade de sistemati-zar essa ação intersetorial. Esta-mos nesse momento analisandoqual a melhor forma para isso.Nós da saúde achamos que preci-

sa ser uma ação de Governo, quedê visibilidade a essa ação inte-grada dentro e fora do Governo."Neilton Araújo.

A Agente casamenteira

Francisca Maia, na época agen-te comunitária, observando ogrande número de pessoas comuniões não legalizadas teve a idéiade fazer o casamento comunitário.

"A idéia era casar só o pessoalda nossa área, mas acabou casan-do gente da cidade inteira. Teveuma festa maravilhosa, com "co-mes e bebes. Conseguimos oapoio da Secretaria de Saúde e daAção Social do Estado. Foramquase 170 casais e o sucesso foitamanho que esse ano a Prefeitu-ra quer casar 250 casais."

A mobilização para constru-ção da Unidade de Saúde

Parcerias importantes sãoconstruídas com a própria comu-nidade. A Unidade de Saúde daARSE65 é um exemplo. Atualmen-te, funciona numa pequena casi-nha alugada por uma entidade fi-lantrópica. Como não há espaçosuficiente, as atividades coletivassão desenvolvidas num salão ce-dido por João Batista, um traba-lhador voluntário.

Estamos mobilizando a comu-nidade e vamos tentar conseguirpor nossa conta o máximo possí-vel de material básico, mão deobra, etc." Eudes Cirilo, Presi-dente da Associação de Bairro.

Marcos Vinícius Jacinto é omédico do Saúde da Família local.Paulista de São José do Rio Preto,veio para Palmas porque achouque o mercado para médicos estásaturado na sua região. Marcosdefendeu uma moção para a

construção da Unidade de Saúdena Conferência Municipal e vemse empenhando na mobilizaçãoda comunidade com este fim. Pa-rece estar descobrindo novos in-teresses e talentos, sentindo-segratificado com a liderança queexerce hoje na comunidade.

"Aqui tenho melhor qualidadede vida e gostei de trabalhar noSaúde da Família. A gente entraum pouco mais na realidade dapessoa. Eu já tive convite paravoltar para a ginecologia, mas euprefiro ficar no Saúde da Família"confidencia Marcos.

"Indo onde o povo está"

Tudo começou na região daARNO 71, onde o espaço da Uni-dade de Saúde era insuficientepara que as duas equipes pudes-sem desenvolver seu trabalho e

Alguns resultados do PSF em Palmas:

■ O número de crianças acompanhadas que estavam mamando exclu-

sivamente no peito no 4º mês era de 37.8%, no primeiro trimestre de

1999, e subiu para 73%, no primeiro trimestre deste ano.

■ Entre 1997 e 1998, houve diminuição do número de internações por

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dessem conta de uma demandacrescente. A solução encontradapelas equipes foi fazer o atendi-mento coletivo na comunidade,trabalhando sob a copa das árvo-res, nos puxadinhos das casas ouem espaços comunitários, quan-do disponíveis. Formando gruposde 25 a 30 pessoas, o trabalho,além de curativo, busca dar ênfa-se à prevenção e à promoção dasaúde. Cleonice Neves, médicado Saúde da Família há 2 anos,conta como o Núcleo funciona:

"A gente não faz palestra,mas deixa que a comunidade tra-ga seus problemas, que vá discu-tindo por ela mesma, para quereflita sobre os cuidados neces-sários. A gente vai fazendo atriagem, avaliando cada caso,verificando os cartões de vacina,de gestante, atendendo indivi-dualmente, quando necessário

em alguma sala com privacidade.Quando não dá para fazer ali,agendamos para a unidade."

As avaliações mostraram quea demanda da unidade diminuiubastante. Todo dia tem atendi-mento coletivo, durante meioperíodo. Hoje, com seu êxito re-conhecido, a experiência do Nú-cleo está sendo disseminadapara as outras Unidades de Saú-de da Família do Município.

O Grupo de Homens

A saúde tradicionalmente éreduto feminino, seja porque aclientela das unidades é compos-ta preponderantemente por mu-lheres, seja porque a maior partedos profissionais de saúde é mu-lher. A experiência desse grupode Palmas é exemplar, não sópelo sucesso que obteve, mas

porque aponta para a necessidadedos serviços de saúde começarema trabalhar com a clientela mas-culina, que cada dia mais vem as-sumindo funções importantesdentro do lar, no cuidado com osfilhos e nas tarefas domésticas.

"O grupo de homens era umaidéia antiga, dos tempos do in-terior, quando eu via que muitodo que as mulheres segredavampara mim, tinha relação com os

homens. Mas a oportunidade sur-giu com o Saúde da Família,quando em nosso planejamentodiscutimos a importância do ho-mem na saúde e na convivênciafamiliar. Porque tratamento gi-necológico em mulher, se não ti-ver a participação do homem,não adianta; também não adian-ta trabalhar planejamento fami-liar só com a mulher e, mesmo oscuidados com as crianças, elesprecisam aprender a partilhar.Resolvemos criar o grupo de ho-mens. Pensamos nas estratégias,porque, se é difícil trabalhar comcomunidade, com homem então,nem se fala. Reunir homens paradiscutir saúde não é brincadei-ra", explica Maggy da Silva, mé-dica do PSF.

A propaganda foi no corpo acorpo durante três meses, princi-palmente em conversas com as

mulheres e através de articulaçõescom a Secretaria de Desenvolvi-mento Comunitário, com a Câma-ra de Vereadores e com o Comitêda Cidadania da CEF, SINE, SE-BRAE, Secretaria do Trabalho, Se-cretaria de Desenvolvimento Co-munitário e Pró-Divino, uma fun-dação social do estadol, que apoiao fomento da renda familiar.

Em 1999, as reuniões acon-teceram mensalmente, aos sába-

dos, e a freqüência variou de120 a 150 homens por reunião.Os temas abordados incluíramDST/ AIDS, câncer de próstata,planejamento familiar (incluin-do informações sobre vasecto-mia), desemprego e suas alter-nativas de enfrentamento, coma participação do A importânciado homem na paz familiar tam-bém foi aborda em palestra doArcebispo de Palmas, que teveum grande público. Maria deLourdes Azevedo, enfermeira doSF é quem avalia o trabalho de-senvolvido por sua equipe: "Agente percebe que alguns ho-mens se motivaram para voltarao mercado de trabalho e existehoje uma participação maior dohomem na própria unidade: elesvêm pesar as crianças, buscar oleite, trazer as crianças paraconsulta."

desidratação e os casos de diarréia na comunidade foram reduzidos em

50%. Este ano não houve morte de menores de um ano por diarréia,

embora tenha sido registrado aumento das internações por pneumonia.

■ O número de gestantes fazendo pré-natal passou de 43% para 80%

no mesmo período.

Arquivo SMS - Palmas

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Cidadania no horizonteDe povoado a grande cidade em

poucas décadas, Ribeirão das

Neves acabou herdando tudo que

a explosão do crescimento traz:

dívida social, expansão desorde-

nada, carência de recursos. A

implantação do PSF começou há

quatro anos, e apesar do curto

tempo, a maioria da população

sabe o que significa o Programa,

acha que a assistência a saúde

está melhor e percebe a criação

dos vínculos entre os profissio-

nais de saúde e as comunidades.

Mas também faz críticas, apon-

tando os aspectos que devem ser

melhorados.

Ribeirãodas Neves

Arquivo SMS - Ribeirão das Neves

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 39

s grandes cidades brasi-leiras têm algumas coi-sas em comum além do

fato de serem grandes:espalham sua dimensão ˆ e muitasvezes seus problemas ˆ paramunicípios do seu entorno. Noentanto, apesar da indistinção doconceito de conurbação, ascidades das áreas metropolitanastêm sua peculiaridade. São, cadauma a seu jeito, a resposta de suapopulação a esta situação de viz-inhança definidora. Muito maisque satélites da metrópole, elastêm luz própria, vida própria e,infelizmente, problemas tambémindelegáveis. Mas mostram nassoluções urbanísticas, políticas esociais a marca de sua gente. É ocaso de Ribeirão das Neves, situa-

da a pouco mais de 30 quilômetrosde Belo Horizonte.

Até 1953, quando é emanci-pado, o povoado de Ribeirão dasNeves havia sido vinculado adiferentes municípios da regiãometropolitana da Belo Hori-zonte, tendo pertencido aContagem, Betim e PedroLeopoldo. Mas, em menos de 50anos, Neves (como também éconhecida) passou de poucomais de 5 mil habitantes paraum quarto de milhão de almas.Ninguém se acerta nos números(que variam de 230 mil a 260mil) em razão da taxa de cresci-mento populacional da cidade,em torno dos 16% ao ano.

A cidade, muito próxima dacapital, criou uma malha informalde urbanização, em bairros impro-visados e clandestinos, pelo preçoconvidativo de seus terrenos.Cresce a população, mas sem que

a identificação das pessoas com aregião seja forte.

Laços de Pertencimento

Quem visita Ribeirão das Nevesse espanta com seu jeito espalha-do de ocupar serras e encostas demorros. Suas dezenas de bairrosincrustados na paisagem (e a cadadia são novos povoamentos,seguidos de perto pela adminis-tração municipal, que tenta conteras áreas de invasão), suas ruasimprovisadas que parecem acabarpara, depois de uma curva ou deuma pirambeira, anunciar mais umconjunto de casas, sempre por ter-minar. Só a vida não é precária nacidade. Apesar de formada poruma população que tem na região,em primeiro lugar, um pouso, os

laços de pertencimento já se fir-maram o suficiente para fazer dacidade um dos focos mais politiza-dos e exigentes da região metro-politana de Belo Horizonte.

Organizar um sistema de saúde,como de resto de qualquer políticapública, se torna um desafio a maisnestas circunstâncias. Ribeirão dasNeves é um município pobre, compoucas alternativas econômicas,praticamente sem indústrias evivendo em boa parte de receitas

referentes ao Fundo deParticipação dos Municípios.Mesmo as alternativas econômicas,como as dezenas de pequenascerâmicas espalhadas pela periferiada cidade, trazem mais problemasambientais que ganhos dearrecadação ou empregos. Comisso, a cidade reúne os problemasdas áreas carentes com os pecadostípicos das regiões urbanizadas,com a tradução já conhecida emtermos de morbidade e mortalidade.

Loteamento

Para se ter uma idéia dacidade, basta imaginar que ossetores que mais crescem naregião são transporte urbano (paralevar trabalhadores a BeloHorizonte pela manhã e recolhê-

los sonolentos e cansados ao finaldo dia em suas mais de 160 linhasde ônibus) e os loteamentos. Sãodezenas de bairros abertos porfaixas e carros de corretores para-dos ao lado, esperando com-pradores atraídos pelo preço maisbaixo da região metropolitana.Prometem muito em termos deinfra-estrutura e, na maioria dasvezes, não cumprem. A cidade éainda sede do mais antigo presídioda região, a Penitenciária Agrícolade Neves, que tem sua marca emtodo o município, até mesmo nasaúde, já que foi dela que saiu aprimeira estrutura pública deatenção à saúde da população deNeves. Mas, independente destacontribuição, a maior presença dopresídio hoje está na desvaloriza-ção comercial da área, do queresultam os baixos preços de lotesna região. Ninguém quer umapenitenciária na vizinhança. Mas

Neves reúneproblemas dasáreas carentes epecados típicosde regiõesurbanizadas.

AAlberto Rodrigues, jornalista

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quem a tem não pode denegar suapresença e precisa vencer maisesta barreira: a do preconceito.

Neves tem pressa

E é para responder a esse con-texto de muita gente, reivindi-cação bem canalizada politica-mente e falta de recursos que oPSF foi implantado na cidade. Acoordenadora de Atenção Básicada Secretaria Municipal de Saúde,a enfermeira Vanessa MariaRodrigues Coelho, lembra que oprograma começou há quatroanos na cidade. "Inicialmenteforam apenas cinco equipes, masse tratava de algo desestrutura-do, sem muito parâmetro, traba-lhando apenas com médicos esem agentes comunitários",recorda. Mas como tudo é rápidoem Ribeirão das Neves, hoje a

cidade já conta com 32 equipes ese programa para chegar a 57 ecobrir 100% da população com alógica do trabalho da Saúde daFamília.

E não foi só a quantidade quepesou na mudança. Na verdade,segundo a coordenadora, o tra-balho inicial não poderia serchamado propriamente de saúdeda família. "Eram cadastradosgrupos de 200 pessoas (nem sepensava na lógica da famíliaainda) e passava-se a dar consul-tas médicas na unidade de saúdeconvencional", avalia Vanessa.Como não havia controle da qual-idade do trabalho, planejamentodas ações e nem mesmo umacarga horária de trabalho definidapara os profissionais, não houvequalquer impacto no primeiromomento.

O investimento na criação de

novas equipes se deu com umatransformação radical do quevinha sendo feito. Em primeirolugar, foram estabelecidas áreasde risco, levantadas de acordocom os critérios mais pertinentespossíveis à região. E numa cidadecom tanto morro, o acesso foi

considerado um dos indicadoresmais sensíveis para definir orisco. Não é por acaso que a coor-denação de atenção básica temtanto apreço por mapas (há umtopógrafo na equipe que partici-pa de todas as ações de planeja-mento), já que o tecido urbano,por natureza complexo, está vivocomo um bicho e muda a cadadia. Além de mapeadas as áreasde maior isolamento e obstáculosao atendimento, foram identifica-dos outros fatores mais tradi-cionais em levantamentos destanatureza, como exposição aagentes causadores de doença.

"Nossa população ficavamuitas vezes sem identidade, nãosabendo bem a que municípiopertencia, se a BH, Contagem,Esmeraldas, Pedro Leopoldo, SãoJosé da Lapa ou Ribeirão dasNeves", lembra a coordenadora.

Depois do mapeamento, passou-se à organização da equipe, dignadeste nome, com médico, enfer-meiro, auxiliar de enfermagem e,dependendo da área, de cinco aseis agentes comunitários desaúde. O número de pessoasatendidas por equipe está nafaixa de 4.500, com algo emtorno de 200 famílias por agente."Tentamos fazer pelo parâmetrodo Ministério da Saúde, de 3.450pessoas, mas não estava dando,ficavam pequenas áreas iso-ladas", explica Vanessa.

Responsabilidade social

Para uma nova equipe, umnovo serviço. No caso de Ribeirãodas Neves, foram estabelecidasduas estratégias paralelas. Para asáreas distantes, de difícil acesso(onde trabalham hoje 12 das 32

equipes), foram alugadas casasda própria comunidade. Nas ou-tras unidades que funcionavamanteriormente, foi feito o traba-lho de transformação de umposto de saúde tradicional emuma unidade de Saúde da Família.Logo, não há mais posto ou cen-tro de saúde no município. Alémdas unidades de Saúde daFamília, continuam em funciona-mento unidades de referência queatendem encaminhamentos dasequipes do PSF e recebem a pop-ulação de áreas nas quais o pro-grama ainda não está em fun-cionamento. "Foi impressionantever a população ajudando adescobrir imóveis para alugar,colaborando na reforma e ceden-do móveis para dar mais confortoà equipe do PSF", lembra oSecretário de Saúde, FranciscoErnesto Eller. (Francisco Eller

A cidade contacom 32 equipesdo PSF e seprograma parachegar a 57 ecobrir 100% dapopulação.

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deixou a Secretaria de Saúde deNeves alguns dias após concederesta entrevista).

Mesmo extremamente confi-ante na capacidade de mobiliza-ção da comunidade, o secretáriotem uma preocupação em sedi-mentar o programa através doencaminhamento rigoroso detodas as determinações do con-trole social no Plano Municipalde Saúde. Tudo é muito bem do-cumentado e organizado emcronogramas de implantação quepermitem ver o desenho do sis-tema de saúde nos próximosquatro anos. "A cidadania é ogrande ganho que o sistema desaúde está trazendo de novo.Mas é importante marcar de-cisões e responsabilizar todos ossetores. O sistema de saúde queemerge de uma conferência éuma construção da cidade, não

da administração, que é pas-sageira", reflete Francisco Eller.

Para cumprir o que a popu-lação decide, no entanto, o gover-no municipal teve que priorizar osetor. Em termos de recursospróprios, Ribeirão das Nevesinveste em média 15% em saúde,chegando em momentos de pico alançar até 23% do seu orçamentono setor. "Isso acontece porquefomos penalizados com cortesestaduais absolutamente injusti-ficáveis, bem no momento em quecrescia a oferta de serviços",protesta o secretário. Um dadoque atesta bem esse aumento deserviços é o número de profissio-nais ligados ao SUS municipal, quepassou nos últimos quatro anos de343 para 911. Francisco Eller lem-bra algumas histórias comoventese divertidas relacionadas com oinício da implantação do PSF na

cidade. "Uma vez fui abordado poruma senhora que me agradecia porestar cuidando de sua mãe, de 92anos, que era hipertensa e tinhadiabetes. Acontece que ela nãoera minha paciente, mas da equipedo PSF do bairro. Expliquei isso aela (que estava em Neves visitan-do a mãe), mas ela foi taxativa:“Não sei nada de PSF, mas mefalaram que era coisa de um taldoutor Francisco.”

Amadurecimento político

Para justificar sua avaliaçãodo amadurecimento político quea saúde processou na cidade, osecretário dá o exemplo do

10.0009.0008.0007.0006.0005.0004.0003.0002.0001.000

0JAN FEV MAR ABR

2000

■ Cadastrados■ Acompanhados

Atenção a Portadores de Hipertensão Arterial

20181614121086420

JANFEV

MAR

ABR2000

■ Cadastrados■ Acompanhados

Atenção a Portadores de Hanseníase

20151050

JANFEV

MAR

ABR2000

■ Cadastrados■ Acompanhados

Atenção a Portadores de Tuberculose

Fonte: SMS Ribeirão das Neves

Arquivo SMS - Ribeirão das Neves

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saneamento básico. A extensãodo serviço de coleta de esgoto,uma das reivindicações das con-ferências de saúde no município,elevou de 42% para mais de 70%o índice local. "Nos últimos doisanos foram construídos mais de106 quilômetros de rede de esgo-to. Quem capitaneou tudo isso foia saúde, que soube priorizar ecobrar do poder público", analisaFrancisco Eller. Outro exemplo deforça da comunidade foi a dis-cussão com a prefeitura sobre oprojeto de aumento do salário dosmédicos do PSF. Rejeitado pelaCâmara, o projeto foi levado adi-ante pelo Conselho Municipal deSaúde, que, através dos recursos dofundo, gerido pelo ele, garantiu dofundo, gerido pelo ele, garantiu oaumento e permitiu a manutençãodos profissionais. "Como temos umbom programa, estruturado, muitosmunicípios vizinhos oferecem me-

lhores salários aos nossos profis-sionais. Precisamos resolver estaquestão com um olho no mercado,mas também com raciocínio ético,do sistema de saúde como umtodo. Não é possível que cidadesmais industrializadas fiquem tiran-do profissionais de outros municí-pios da região", alfineta a coorde-nadora de Atenção Básica, VanessaCoelho. Se a comunidade sabe oque quer, o PSF vai bem, obrigado."Da conferência de 97 para a doano passado, o programa passou deuma alternativa para ser a grandeestrela. A população da cidadevestiu a camisa", sintetiza Vanessa.

Números e qualidade de vida

Desde que foi implantado emRibeirão das Neves, o PSF vemsendo avaliado em termos de seu

impacto na melhoria da qualidadede vida da população. No primeirolevantamento epidemiológicorealizado, ficou demonstrado quehouve uma redução significativada mortalidade infantil e que astaxas de internação hospitalartiveram uma queda de quase 80%nas áreas cobertas pelo PSF. Oconsumo de medicamentos tam-bém caiu muito. "No princípio temo aumento esperado, já que hámais pessoas sendo tratadas e umacompanhamento mais presente",explica Vanessa Coelho. Mas logoem seguida houve uma reduçãodrástica no consumo de remédios,sobretudo dos anti-hipertensivos.

Agentes em ação

Todos os agentes comu-nitários do PSF de Vila Bispo deMaura têm o mesmo interessevital com o trabalho. Rosa Maria,

Eni dos Reis, Sheila Valéria,Roberta Silva, Ana Cibele e Isaíasdos Santos, que trabalham naequipe de Helen e do médicoWilson, se reúnem às terças-feiraspara discutir os problemas eplanejar a semana. É um grupoanimado, cheio de idéias e aber-

to à aprendizagem. "A genteaprende mais que ensina", dizRosa Maria, que chegou ao PSFdepois de muito trabalho comu-nitário, sobretudo na pastoral daigreja. "Era a oportunidadeprofissional que eu sempre espe-rava e agarrei com muito inter-esse", revela. Entre os desafiosque o grupo enfrenta agora está oda conscientização acerca dacoleta de lixo. "Com muita mobi-lização conseguimos trazercaçambas para depósito de lixo,que é coletado duas vezes porsemana. Mas algumas pessoasainda jogam o lixo no mato ouqueimam em seus quintais.Estamos passando de casa emcasa para explicar a importânciado que já conseguimos e pedirque se comprometam com suasaúde", afirmam.

Dos trabalhos que os agentesmais gostam, os grupos de

hipertensos e diabéticos estãoem primeiro lugar. "Dá pra ver apessoa ganhar vida, esquecerum pouco a doença, se animar aviver de novo." Isaías conta queno começo era preciso ir atrásdos pacientes, lembrar sempredas reuniões. "Hoje eles saemda unidade perguntando sobre onovo encontro e cobram dos quefaltam sem motivo." Com aproximidade do frio e o aumen-to das gripes no bairro, osagentes já organizaram gruposde estudo sobre o assunto."Precisamos orientar nossagente", defendem.

Satisfação do usuário

A preocupação com a satis-fação do usuário foi tema de umtrabalho apresentado pela equipe

A taxa demortalidadeinfantil, era de 48 por mil, em1997, e baixoupara 23 por mil,em 1999.

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do PSF na 1ª Mostra Nacional deProdução em Saúde da Família,promovida no ano passado peloMinistério da Saúde. Foram apli-cados questionários e realizadasentrevistas semi-estruturadas empessoas de várias regiões dacidade. Além de aferir o grau desatisfação subjetiva, o trabalhotinha ainda o objetivo de avaliaro impacto do PSF na saúde dapopulação de Ribeirão das Neves.Os resultados, mesmo com poucotempo de existência do programa,foram bem expressivos: o povosabe o que vai bem e, onde vaimal, ajuda a apontar os caminhosde superação das dificuldades; amaioria sabe o que significa o PSFe vê no programa uma melhoriada assistência à saúde em geral,percebendo a criação de um novovínculo entre profissionais desaúde e as comunidades.

Outro elemento que a pesquisa

ajudou a desenhar foi a diminuiçãona procura dos outros serviços desaúde do município e de BeloHorizonte. Em outras palavras, umaumento da capacidade de resolveros problemas na própria unidadedo PSF. Em termos numéricos,chegou-se ao consagrador índicede 98% de satisfação com o novomodelo de assistência. Mas a po-pulação que elogia também sabefazer críticas construtivas. Nomesmo instrumento de avaliação,detectaram as seguintes carênciasdo PSF, à espera de solução: neces-sidade de melhoria de infra-estru-tura, aumento de recursos hu-manos, ampliação da farmáciabásica, transporte de pacientes,melhoria de salários dos profissio-nais, atendimento de urgências eemergências, aquisição de novosequipamentos, ampliação de ativi-

dades realizadas pela unidade.Trata-se quase de um programaestruturado de incremento do PSF.O povo sabe das coisas.

Uma equipe jovem

Grande parte da equipe do PSFde Ribeirão das Neves é constituí-da de jovens. Jovens mais con-scientes que idealistas. SegundoVanessa Coelho, já é bem percep-tível a sensibilidade das escolasde Medicina e Enfermagem paraesse novo mercado. "Em Minas,podemos dizer que já existe essaconsciência", avalia. Além de ini-ciar a formação de uma nova ge-ração de profissionais, as escolastêm dado um suporte técnicoimportante para o PSF. "Tanto oscursos introdutórios como os depós-graduação estão sendo fun-damentais para o aprimoramentoda mão-de-obra especialíssima

como é a do PSF", afirma Vanessa.Mas são apenas os novos que

se seduzem com a proposta doPSF? "Tem de todo tipo, como osprofissionais experientes quebuscam no modelo a possibili-dade de trabalhar com um únicovínculo. No entanto, a grandemaioria é mesmo de recém-forma-dos. Alguns deles ficam um tempoe saem para fazer residência, con-

solidar outro projeto de carreira.Mas a cada dia aumenta a procuraespecífica pelo PSF", garante acoordenadora. "Quando colo-camos um anúncio na Internetpedindo novos profissionais, sãoprincipalmente os formandos osmaiores interessados."

No PSF do bairro de NovaPampulha quem manda é a juven-tude. Entre os profissionais denível superior das duas equipesque atendem na unidade, o maisvelho tem 27 anos. O médicoFábio Carvalho Salim, de 26 anos,está na unidade desde o ano pas-sado. Ele despertou para a saúdepública através "de umas três ouquatro matérias" da faculdade.Mas o que contou mesmo para elefoi a experiência do internatorural. ''É um trabalho muito pró-ximo deste, com valorização dasatividades de grupo, da pre-venção e da educação sanitária",

compara. "Aqui você acompanhaum paciente, dá seqüência aocaso. É uma pessoa que está asua frente, não uma patologia.Além disso, a clínica é mais val-orizada, a anamnese tem umpapel de destaque no diagnósti-co", explica. Para ele o PSF ajudaa criar uma visão mais ampla dadeterminação social de váriasdoenças. "Com mais educação einformação, as pessoas ficammais participativas, cobram mais,correm atrás. Temos que ajudar avencer esta passividade."

Realidade em movimento

O próximo passo a ser dadopelo sistema municipal de saúdede Ribeirão das Neves é a exten-são do atendimento nas unidadesde referência até as 23h. A idéia

98% dapopulação estãosatisfeitos com onovo modelo deassistência.

Arquivo SMS - Ribeirão das Neves

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é permitir que a população,mesmo adscrita e cadastrada,tenha real chance de ser atendi-da, já que ela trabalha fora e ohorário de atendimento do PSFnão as contempla. SegundoVanessa Coelho, os médicos doPSF terão prioridade na seleçãopara os novos horários, abrindo aeles a possibilidade de um novovínculo. "Ganha o profissional,

com uma melhoria de salário,ganha o público, que se identifi-ca cada vez mais com o profis-sional", defende a coordenadorada Atenção Básica. "Temos queentender que, mesmo com umsalário compatível com o merca-do regional, a opção pelo PSF sig-nifica quase sempre uma dedi-cação exclusiva do médico, que,no caso de Neves, sempre morafora do município e tem muitosinvestimentos para estar aqui. Omunicípio também precisa inve-stir em condições de trabalhopara seus profissionais."

Um dos grandes questiona-mentos relacionados ao PSF estána atuação da coordenação esta-dual. No caso de Ribeirão dasNeves, parece que esta crise deidentidade está vencida. Depoisde um momento em que o municí-pio se sentia desamparado ("não

havia sequer uma pessoa para nosreceber na secretaria de Estado"),hoje há uma integração bemazeitada com o nível estadual. "Asinformações passaram a chegar,os convênios são repassados e háum interesse grande na criação dereferências técnicas e na articu-lação com o Pólo. Mas é precisoque esta seja uma atribuiçãoencarnada na instituição e não opapel de um coordenador isola-do", defende Vanessa Coelho.

O Estado pode ajudar aindamais, segundo voz corrente de dezentre dez profissionais do PSF, sejana garantia de formação continua-da, seja na linha de recursos. Alémdisso, muitas ações de intersetori-alidade estão afetas a órgãos deabrangência supramunicipal, sobre-tudo as relacionadas às grandesobras de viação pública, sanea-mento, educação e política de em-

pregos. "O PSF trouxe novas de-mandas e o Estado começa aassumir. Antes era um programaque incomodava e levantava prob-lemas. Hoje o Estado se mobilizaem torno destas propostas."

E o futuro, como fica para umacidade que cresce mais rápido doque se desenvolve, que aumentasua população sem amadurecer suasubstância social e econômica?Ribeirão das Neves, como o PSF, éuma realidade em movimento. Pararealidades como estas, o futuronão é ameaça, é desafio.

Socialização no controle dahipertensão

O tratamento dos hipertensospelo PSF, um dos grupos maisnumerosos de Ribeirão das Neves,explica por que, mesmo para pes-soas que não podem deixar de

tomar seus medicamentos, é pos-sível diminuir a dose do que já éprescrito e impedir que novosremédios sejam receitados parapossíveis seqüelas. O trabalho queé feito pelo PSF da Vila Bispo deMaura é um bom exemplo. A regiãofica em meio a uma transição deum bairro de classe média baixapara uma vila bastante carente,conhecida por abrigar focos de trá-fico de drogas e muita violência.

A enfermeira da unidade deSaúde da Família, Helen ReisMorais Couto, reafirma a gravi-dade da hipertensão na comu-nidade e garante que, muito maisque um problema apenas físico,há um importante componentesocial envolvido. "O tratamento seresumia aos medicamentos. Maslogo constatamos que se trata depessoas idosas, muitas delas semoutra atividade e que encontram

nas reuniões de grupo um motivoa mais para se tratar e viver mel-hor", anima-se. A equipe de VilaBispo de Maura capricha nos gru-pos de hipertensos. O trabalho ébasicamente de socialização,menos clínico e mais de resgate dacidadania do hipertenso. Além dasreuniões, há um pouco de tudo:bingo, passeios ao zoológico,bailes, exercícios de relaxamento,saraus com declamação de versose, é claro, controle de medicação.

Um exemplo. Uma moça dobairro, de 25 anos, diagnosticadacomo portadora de cardiopatiagrave, vivia acamada sem sair decasa. Com a chegada do atendi-mento dos grupos operativos dehipertensão na vila, ela não ape-nas recuperou a saúde, como aalegria de viver. O médico, em seulaudo, garantiu que a pacienteestava apta a trabalhar e que isso

O atendimentoaté as 23h vaicontemplar aspessoas quetrabalham fora de Neves.

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seria fundamental para a melhoriado estado da paciente. Ela hojetrabalha como agente comu-nitária de saúde e ajuda outroshipertensos a levar uma vida maisprodutiva e prazerosa. Para ela,socialização e cidadania vãomuito além da teoria, são expe-riências vivas que aprendeu com oPSF e que hoje ela ensina aos seuscolegas de bairro.

No PSF de Cerejeiras e Braúnas,a hipertensão gerou, além do tra-balho diário dos profissionais, umestudo cheio de fotos de passeios,caminhadas e festas. Trata-se doprojeto "Outrora hipertensivo,hoje saudável", de MailsonFonseca. A proposta é propor-cionar ao grupo de hipertensosatividades físicas, jogos, brin-cadeiras e oficinas de arte, com oobjetivo de chegar a um estágioem que a socialização, a valoriza-

ção das relações comunitárias e ocomportamento preventivo garan-tam, em contrapartida, umadiminuição das concentraçõesmedicamentosas. Trocar remédiopor alegria. E os resultados, acom-panhados cientificamente emaferição de um grupo de 30pacientes, mostra que, além degarantir redução no uso demedicamentos, as medidas depressão sistólica do grupo, namédia, estão bem melhores. Semfalar na alegria.

O projeto do PSF de Braúnas,que conseguiu resultados ani-madores, tem ainda outra singu-laridade. Da mesma maneira que

remédio foi contraposto a quali-dade de vida, o material utilizadono trabalho é uma prova de comotecnologia de ponta pode sairbarata. No caso, em vez deequipamentos sofisticados, aequipe chegou aos índices deseja-dos com o gasto de poucos reaisem argila, balões, material parafesta, instrumentos musicais, cor-das e tinta. E criatividade e soli-dariedade, a mais barata e efi-ciente das habilidades sanitáriasde que se tem notícia. O itemmais caro arrolado no projeto foium aparelho de som de R$300,00. Em seguida, os 20 quilosde argila para moldagem.

Indicadores do SIAB em Ribeirão das Neves (1º quadrimestre 2000)

JAN FEV MAR ABRRN PESADOS AO NASCER 178 143 180 211COM PESO MENOR DE 2500G 31 20 31 27GESTANTES CADASTRADAS 694 737 737 787GESTANTES < 20 ANOS CADASTRADAS 161 146 154 174GESTANTES ACOMPANHADAS 648 695 694 753CONSULTA DE PRE-NATAL 559 611 602 627CRIANÇAS DE 0 A 03 MESES E 29 DIAS 688 651 724 887ALEITAMENTO EXCLUSIVO 432 414 443 564CRIANÇAS DE 0 A 11 MESES E 29 DIAS 2.005 1941 2.035 2526PESSOAS HOSP. COMPLIC. DIABETES 9 2 12 16DIABETICOS CADASTRADOS 1.177 1.117 1.262 1.495DIABETICOS ACOMPANHADOS 1.038 1.049 1.091 1.376NUMERO DE VISITAS REALIZADAS 38.990 38.227 39.089 46.239Fonte: SMS de Ribeirão das Neves

Arquivo SMS - Ribeirão das Neves

Arquivo SMS - Ribeirão das Neves

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Ao longo do caminho da reforma sanitária, vem-se bus-cando a participação da universidade, não apenas nos as-pectos educacionais, mas, também, na formulação e naoperacionalização da política de saúde. Diversas universi-dades participaram, mas será que a estrutura do ensinomédico, seus objetivos e sua organização estão voltadospara essa demanda? O que precisam para que possam res-ponder à real demanda social, com a formação de profis-sionais voltados à realidade sanitária brasileira?

O currículo médico eo sistema de saúde

em construçãoensino médico, no iníciodo século XX, foi marca-do internacionalmente,

de forma indelével, pelos questio-namentos elaborados por Abra-ham Flexner, fruto de detalhadaavaliação das escolas médicasamericanas, em 1910, apresen-tando contundentes críticas aoensino e, por conseqüência, àpratica médica, por estarem to-talmente dissociados do "pensare do fazer ciência". Baseando-sena "investidura do médico com asresponsabilidades científicas", viacomo impossível a prática médicasem uma permanente postura in-vestigacional (Lemle, 1989), afir-mando que o médico ideal seriaaquele de sólida base científica,formado em hospitais preparadospara o ensino, acompanhados porprofessores competentes e em re-gime de tempo integral (Brasil,1989c).

Esses princípios foram bastantequestionados, em especial pela nãodiferenciação entre uma enfermariae um laboratório, gerando, segundoseus críticos, uma especialização

excessiva, uma busca frenética peloavanço tecnológico e uma "desu-manização" do ensino e, conse-qüentemente, da prática médica.

A especialização desmedida,sem o preparo geral prévio, atre-lada à sofisticação tecnológica,bem como a elevação descabidados custos no setor saúde, prin-cipalmente pela utilização inde-vida dos métodos auxiliares dediagnóstico, associadas ao es-quecimento dos aspectos huma-nos e sociais da assistência mé-dica, lamentavelmente, vêm sen-do uma marca na prática médicado mundo ocidental, ao longo doséculo vigente.

A questão curricular

Diversos educadores vêm de-senvolvendo várias definições decurrículo.

Segundo Ribeiro (1993), "o cur-rículo é uma construção social do co-nhecimento, que pressupõe a orga-nização e/ou a sistematização dosmeios para que esta construção se

efetive", introduzindo as questõessobre as relações entre os agentessociais que participam desse pro-cesso e a definição de uma susten-tação teórica pertinente.

Para Câmara (1981), o currícu-lo é uma "ação dinâmica desenca-deada pela vivência de um planocurricular. São todas as experiên-cias que cada aluno vive em umprograma de educação que utiliza,no seu planejamento, as informa-ções de teorias e pesquisas e os re-sultados de experiências passadase presentes".

Porém, segundo Yamamoto eRomeu (1993), "todas as concep-ções sobre currículo, não importaquais sejam suas estruturas parti-culares, compõem-se de certos ele-mentos que evidenciam pressupo-sições valorativas.(...) Entretanto,qualquer que seja a teorização so-bre o currículo, implicará o desen-volvimento de uma estrutura inter-namente coerente de hipótesescientificamente verificadas, emvista à integração dos fundamen-tos curriculares".

As conceituações apresentadas

OMilton Menezes da Costa Neto*

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completam-se com as observaçõesde Saul (1984), ao apontar para aimpossibilidade de ater-se às ques-tões técnicas de currículo, sem quetenham sido definidas, previamente,as posições sobre os valores da so-ciedade, sobre a escola e o tipo deprofissional desejados e sobre o quese deseja privilegiar nessa opção.

Assim sendo, a definição decurrículo que melhor poderia ex-pressar a linha de reflexão destetrabalho é a apresentada por Apple(1994): "O currículo nunca é ape-nas um conjunto neutro de conhe-cimentos, que de algum modo apa-rece nos textos e nas salas de aulade uma nação. Ele é sempre partede uma tradição seletiva, resultadoda seleção de alguém, da visão dealgum grupo acerca do que sejaconhecimento legítimo. É produtodas tensões, conflitos e conces-sões culturais, políticas e econô-micas que organizam e desorgani-zam um povo".

Além de toda a conceituaçãoapresentada, não se pode deixar deressaltar que todos os valores le-vantados na elaboração de um cur-rículo, sobre que homem, que so-ciedade, que escola, o que privile-giar e qual profissional deverá serformado, concretizam-se, em for-ma de currículo, no cotidiano doprocesso de ensino, onde, de fato,a construção do conhecimento édesenvolvida.

O ensino médico no Brasil

O ensino médico no Brasil en-trou no século XX contando ape-nas com as faculdades de Medici-na da Bahia (1808), do Rio de Ja-neiro (1808) e do Rio Grande doSul (1898) (Brasil, 1989a).

Em 1930, quando o País jápossuía 12 escolas médicas, foicriado o Ministério de Educaçãoe Saúde Pública e, com a Refor-ma Francisco Campos, em 1931,a estrutura educacional médicabrasileira sofreu fortes mudan-ças, destacadamente nas ques-tões ligadas ao controle e à nor-matização das instituições deensino superior (Veras; Souza;Souza, 1981). Porém, chegou-se,em 1950, com apenas 23.000

médicos formados no País, a umarelação de 4,6 médicos por10.000 habitantes, elevando-separa cerca de 5,5 médicos paracada 10.000 habitantes em1970, mesmo assim ainda menordo que a média das três Améri-cas (Costa Neto, 1994).

A enorme demanda setorialnão atendida levou, ao final dadécada de 60, a um ritmo acele-rado na criação de novas escolasmédicas, elevando seu quantita-tivo de 29, em 1960, para 71, noano de 1970, alterando-se, emvinte anos, para mais de 60% arelação entre o número de médi-cos e o número de habitantesbrasileiros (Costa Neto, 1994).

Nessa necessária expansão,mas com descontrolada evolu-ção, evidenciaram-se duas ten-dências marcantes. A primeira éa tendência à privatização,pois, no ano de 1960, apenas13,7% das escolas médicaseram privadas e, em 1970, essepercentual subiu para quase50%, tendo em vista que nessadécada o setor privado contri-buiu com 75% das escolas mé-dicas implantadas (Brasil,1989b). A segunda diz respeitoà concentração macrorregional,situação que vem se agravandonas últimas décadas. Em 1960,62% das escolas médicas en-contravam-se nas regiões S/SE,e dez anos depois esse percen-tual subiu para 75,8%.

Em suma, a expansão das esco-las médicas foi basicamente por con-ta do setor privado e, predominante-mente, nas regiões Sul e Sudeste.

Os princípios da formação médica

Segundo Fraga Filho e Rosa(1980), ao se analisar o desenvol-vimento do ensino médico ao lon-go do século XX, pode-se delimitartrês marcos principais que "devemser entendidos como complemen-tares, imprimindo-lhe uma con-cepção global, mais ajustada à im-portância de seus objetivos".

O primeiro deles caracterizou-se como o marco científico, tendoem vista a transformação progres-siva da teoria e da prática médi-

cas, acompanhando os progressosda ciência e da técnica. Um dosgrandes responsáveis por tal ca-racterística, já mencionado ante-riormente, foi o relatório Flexner,alicerçando, de forma decisiva, asbases científicas do ensino médi-co. Tal fato pode ser ilustrativa-mente contemplado pelo exercícioimaginário de Bernard (apud FragaFilho; Rosa, 1980), ao dizer: "(...)um médico que tivesse adormeci-do em 1900, e acordado em 1930,certamente se surpreenderia comas transformações do mundo, po-rém não tanto com as mudançasda medicina. O mesmo não acon-teceria com outro que tivesseadormecido em 1930 para acordarem 1960. Este ficaria estarrecidocom sua própria ignorância ante oprogresso da ciência médica".

Já o segundo marco caracteri-zou-se pela aplicação dos moder-nos princípios pedagógicos ao en-sino médico. Tal aspecto eviden-ciou-se na década de 1950, com aaproximação de professores dasescolas médicas norte-americanasda área de educação, linha esta re-forçada na década seguinte, prin-cipalmente pelas associações deescolas médicas nas Américas.

O terceiro marco diz respeito àpreocupação com os aspectos so-ciais. Destaca-se, entretanto, seusurgimento ligado muito mais àstransformações socioeconômicasdo pós-guerra e à importânciaatribuída à própria saúde pelaspopulações do que às preocupa-ções advindas dos professores oudos profissionais médicos. Estemodelo caracteriza-se pela solici-tação de uma responsabilidade so-cial do médico, contrário aos as-pectos tradicionais puramente es-pecializados e individualistas, me-ramente curativos e mecanicistas,alicerçadas na estrita visão bioló-gica do indivíduo. Preconiza-se,assim, sem que haja a perda daqualidade técnica, que o médico,com uma formação mais geral,possua uma consciência social,uma visão mais ampla e uma pos-tura mais humanista.

Ocorre que no Brasil, há váriosanos, vem sendo defendida a ade-quação do ensino médico às novas

Médico,mestre emEducação,

especialista emAdministraçãoem Saúde, emSaúde Pública

e em ClínicaMédica.

Médico daFundação

Hospitalar doDistrito

Federal eassessor

técnico doDAB/SPS/MS.

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correntes sanitárias mundiais, vol-vendo o médico aos reais proble-mas e interesses da população, le-vando em conta, obrigatoriamente,as questões ligadas à universaliza-ção, à eqüidade, à integralidade, àeficácia e à racionalidade da assis-tência à saúde, através de ações in-terdisciplinares e com a efetivaparticipação da comunidade.

O princípio básico da formaçãomédica pelo qual se vem lutandofoi resumido pela OPAS/OMS, aodestacar que "a formação dos re-cursos humanos em saúde, e emparticular do médico, já deixou deser considerada independente-mente da estrutura socioeconômi-ca em que se desenvolve".

A organização sistêmica assis-tencial e o aparelho formador emsaúde possuem, também, bases desustentação em outros sistemas,tais como o político e o financeiro.Esses sistemas permanentementeinterligam-se e, em certos aspec-tos, interdependem-se, numa rela-ção direta com a construção efeti-va de um setor saúde responsivo àsnecessidades da população.

Ao sugerir os requisitos neces-sários para a criação de escolas deMedicina nas Américas, a OPASdestacou que "a premissa básicano caso de formação de recursoshumanos em um regime de inte-gração docente-assistencial é quea própria capacidade do sistemadocente se ajuste à disponibilida-de dos serviços, respeitando-setambém a distribuição proporcio-nal das ações nos distintos níveisde atenção" (OPAS, 1979). Entre-tanto, nem sempre tal recomenda-ção vem sendo seguida, tendo emvista o não entrosamento entre osdois aparelhos e "(...) na medidaem que esta ampliação (a do nú-mero de médicos) obedece muitomais a fatores de ordem social queàs exigências internas da própriaorganização do setor saúde – quenão se confunde com as necessi-dades reais da população – a pres-são sobre o mercado também sedá independentemente de sua ca-pacidade de absorção" (Veras;Souza; Souza, 1981).

Frente a essa realidade, o Mi-nistério da Educação, em 1971,

criou uma Comissão de Ensino Mé-dico com o objetivo principal de"proceder à avaliação da situaçãodo ensino médico no País, suas ca-racterísticas e perspectivas, seusaspectos positivos e negativos, afim de propor medidas para elevar-lhe o padrão e corrigir distorções"(Brasil, 1989a).

Em 1975, a Lei 6.229, primeiratentativa de organização sistêmicado setor saúde no Brasil, responsa-bilizou o Ministério da Educaçãopela formação dos recursos huma-nos do setor, direta ou indireta-mente. Apontou, também, para autilização das unidades de saúdeintegrantes do sistema de saúde,além dos hospitais universitários,para a formação médica. Tal pre-ceito reforçou a implementação doPrograma de Integração DocenteAssistencial. Ocorre que tal abor-dagem, na maioria dos casos, man-teve-se presente de forma pontuale, infelizmente, sem amplas reper-cussões, tanto nos serviços quantonas escolas médicas brasileiras.Pode-se dizer que, utilizando aafirmativa de Ferreira (1992), "asexperiências de integração docen-te assistencial em muitos casosvêm sendo entendidas como sinô-nimo de laboratórios comunitá-rios..., sem que em nenhum doscasos implique uma transformaçãodo modelo educacional ou umcompromisso efetivo com a popu-lação ou com o serviço".

Segundo Bryant (1993), umdilema clássico da universidadeestá ligado à dúvida de se manterfechada em si mesma, protegidapela sua "independência", mesmonão respondendo às reais necessi-dades sociais, ou de correr o riscode abordar tais problemas de fren-te, pondo à prova sua intelectuali-dade e sua capacidade resolutiva.Segundo o mesmo autor, a dúvidade optar entre o delicado toque aca-dêmico "nas águas sociais de umacomunidade" ou participar a fundodo desenvolvimento do sistema desaúde vigente vem perseguindo, hámuito, as escolas médicas.

É de consenso que as escolasmédicas devem formar médicospreparados para a realidade sani-tária brasileira, com vistas a cum-

prir seu verdadeiro papel. Paratanto, é imprescindível que seusalunos "estejam expostos à pro-blemática de saúde e doença, emcorrespondência direta com o per-centual de problemas sanitáriosque enfrenta a própria comunida-de" (OPAS, 1979).

Dessa forma, somente com aparticipação ativa das instituiçõesde ensino, em conjunto com osserviços de saúde e com a própriacomunidade, poder-se-á construirum setor saúde socialmente res-ponsável, com a sua prática ba-seada na comunidade, significan-do para ela alento e solução deproblemas, através de atos con-cretos, construtivos e efetivos,superando os conflitos ideológi-cos e intelectuais ainda tão mar-cantes no País.

Como fruto desse trabalho, es-peram-se, também, mudanças im-portantes no processo de formaçãomédica, pois o médico, não impor-ta sua área de atuação, deverá as-sociar à pratica clínica acurada umavisão geral e integral do indivíduo.Sua preocupação social, baseadaem princípios humanísticos, deveráser timoneira de seus atos e sualuta pela manutenção da saúde de-verá ser seu objetivo principal.

A busca pela adequação da for-mação médica à realidade socialnão se limita aos países subdesen-volvidos. Diversas escolas, em vá-rias partes do mundo, vêm traba-lhando com vistas a atender suaverdadeira demanda social, tentan-do responder aos anseios e às ne-cessidades da população, adequan-do o ensino médico ao sistema desaúde organizado no país (Blizard,1988; Buri et alli, 1978; 2Bouhuijset alli, 1978; Estrellar et alli, 1979;Hamad, 1985; Martenson et alli,1984; Tigyi, 1978).

Cabe o exemplo da Escola Mé-dica da Universidade de NewSouth Wales, na Austrália. Preocu-pada em responder melhor à so-ciedade, aplicou um questionário,envolvendo diversos segmentosda sociedade, com a finalidade deconhecer a expectativa da socie-dade quanto aos objetivos daeducação médica (Ewan, 1985).

Por outro lado, também de for-

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ma consensual, vem se rechaçandoa simples importação de "mode-los" internacionais de educaçãomédica. Essa prática foi questiona-da por Abrahamson (apud Blizard,1991) em um simpósio sobre edu-cação médica na Ásia, quando,perguntado sobre tais modelos,disse que, para ele, somente deve-riam ser utilizados como base deestudos para construções de mode-los apropriados à realidade local.

Em 1988, realizou-se em Edim-burgo, na Escócia, a 1ª Conferên-cia Mundial sobre Educação Médi-ca, de cuja Declaração Final, dos12 passos indicados para a neces-sária reforma do ensino médico,oito estão direcionados ao proces-so educativo e quatro às altera-ções em áreas externas ao ensinomédico. Destaca-se, dentre diver-sos outros, o seguinte trecho:

"O objetivo da Educação Médi-ca é formar médicos capazes depromover a saúde para toda a po-pulação e não apenas prestar ser-viços curativos àqueles que têmfácil acesso a esses serviços. Esteobjetivo não está sendo alcança-do em muitos lugares, apesar dogrande progresso das ciências bio-médicas neste século. Este pro-blema não é novo, mas esforçosanteriores realizados para introdu-zir maior consciência social nasescolas médicas não vêm obtendoêxito marcante" (World Federationfor Medical Education, 1988).

A Primeira Conferência Globalsobre a Colaboração Internacionalna Educação e Práticas Médicas,organizada pela OMS em colabora-ção com a Faculdade de Medicinada Universidade de Illinois e rea-lizada em 1994, em Rockford, Es-tados Unidos, salientou a impor-tância da articulação entre as al-terações no sistema educacional eda prática médica em decorrênciadas necessidades do sistema desaúde de uma nação. Destacou,ainda, a necessidade de altera-ções importantes dos padrões daprática médica em muitos paísesdesenvolvidos e em desenvolvi-mento, com vistas à ênfase naprestação dos cuidados de saúdeprimários essenciais a toda popu-lação (Skolnick, 1994). Nesse

mesmo ano, a Organização Mun-dial da Saúde apontou as seguin-tes características para o "O Médi-co de Cinco Estrelas" (apud OMS;Wonca, 1997):

1) que considera o indivíduoem seu contexto familiar e social,com vistas a prestar cuidados clí-nicos com elevado padrão e per-sonalizar os cuidados preventivosatravés de uma relação de con-fiança a longo prazo;

2) que escolhe as tecnologiasa serem aplicadas de forma éticae levando em consideração o seucusto-benefício;

3) que é capaz de promoverestilos de vida saudáveis atravésdo esclarecimento enfático, dan-do condições, assim, de os indiví-duos protegerem sua saúde;

4) que consegue harmonizaras necessidades individuais e co-munitárias de saúde através doganho da confiança das pessoascom as quais trabalha; e

5) que consegue trabalhar deforma interdisciplinar e multisseto-rial, com vistas a satisfazer as ne-cessidades dos indivíduos da co-munidade com os quais trabalha.

A organização setorial comoparadigma da formação médica

O Brasil, nos últimos anos,vem conquistando, de forma gra-dativa, importantes avanços nocampo da saúde. O processo deconstrução do Sistema Único deSaúde vem sendo aos poucos de-senvolvido sobre os pilares da uni-versalização, da integralidade, dadescentralização e da participaçãopopular. Porém, o modelo assis-tencial ainda predominante noPaís é caracterizado pela práticamédica quase que exclusivamentebiológica, individualista e hospita-lar, apresentando baixa coberturae com elevado custo, apesar desua eficiência técnica nas respos-tas pontuais de procedimentos cu-rativos individuais, em especialnos casos complexos e de realiza-ção hospitalar. Tal realidade vemgerando alto grau de insatisfaçãopara os gestores do sistema, paraos profissionais de saúde e para apopulação usuária dos serviços.

Urge que as conquistas seto-

riais legalmente obtidas, ao longodos anos, convertam-se em direitoreal de cidadania do povo brasilei-ro. O logro da reforma propostacom o uso potencializado da aten-ção básica, complementado pelarede de serviços especializados,ambulatoriais e hospitalares, deveser a busca permanente dos quetrabalham no setor.

A consolidação e expansão dosProgramas Agentes Comunitáriosde Saúde (PACS) e Saúde da Famí-lia (PSF), que constituem estraté-gias prioritárias para o Ministérioda Saúde na reorientação do mo-delo tradicional de assistência,vem se deparando com um grandedesafio: a formação e a capacita-ção de profissionais de saúde,principalmente médicos e enfer-meiros, com perfil adequado paraeste novo modelo de atenção.

Este é um desafio que envolveo Ministério da Saúde e os demaispartícipes desse processo de im-plantação de programas educacio-nais estratégicos para viabilizar odesenvolvimento de competênciasdos profissionais envolvidos emSaúde da Família, tanto daquelesjá inseridos no mercado como dosfuturos profissionais. Desde 1997,o Ministério vem investindo nainstalação de Pólos de Capacita-ção, Formação e Educação Perma-nente para os Profissionais de Saú-de da Família, unidades articulamdas instituições de serviço (esta-duais e municipais) com as insti-tuições de ensino, que, juntamen-te, assumem compromissos volta-dos aos processos introdutórios detreinamentos desses profissionais,de implantação de mecanismos deeducação permanente e de inova-ções no processo de formação pro-fissional, no âmbito da graduaçãoe da pós-graduação em saúde.

No que tange ao âmbito dagraduação médica, não se trata deproposições e estudos para a orga-nização de cursos voltados exclu-sivamente para a atenção básica,ou para as equipes de Saúde daFamília. Trata-se, sim, de inova-ções curriculares necessárias paraa formação de profissionais desaúde voltados para uma novaprática, um novo modelo, uma

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nova forma de se fazer saúde, in-dependente da especialidade mé-dica que estiver desenvolvendo ouem que unidade de saúde estiverdesempenhando a sua prática.

As atuais diretrizes curriculares

Na prática do ensino médicobrasileiro, três aspectos de cunhogeral merecem ser destacados, an-tes dos pontos específicos meto-dológicos de uma diretriz curricu-lar. O primeiro deles diz respeito àintegração entre as atividades dasdiversas especialidades em funçãode um campo comum de interesse,bem como entre as investigaçõescientíficas com sua aplicação clíni-ca, tendo em vista que o ensinomédico ainda se alicerça em espe-cialidades médicas vigentes, antesmesmo de se construir o conheci-mento médico global de um estu-dante de graduação baseado emuma abordagem integral do ser hu-mano. É lamentável que, na maio-ria dos cursos de graduação médi-ca, deixa-se ao aluno o que é maisdifícil – integrar os conhecimentosespecializados a ele apresentadosconstruindo um todo indivisível.

O segundo aspecto refere-seao caráter terminativo do ensinode graduação médica. Ao conside-rar-se que o exercício da medicinaé uma atividade de aprendizadopermanente, não se justifica atentativa de esgotar-se o conteú-do teórico de sua prática no decor-rer do curso de graduação, deven-do, sim, procurar desenvolver umapostura investigadora que propicieum processo de educação perma-nente profissional. Utilizando aspalavras de Lobo e Ferreira (1970),as escolas médicas devem adotar"(...) a apresentação de numero-sos temas mediante exercíciospráticos integrados e projetos ex-perimentais que permitam ao alu-no, por meio de análises críticasdos resultados obtidos, adquirir adisciplina ou adotar a atitude re-queridas pelo método científico".

O terceiro ponto aponta para opapel social da medicina. Faz-senecessário que a formação médicacontenha aspectos ligados às reali-dades social e ecológica existentes,

destacando a importância de setrabalhar a habilidade clínica emserviços integrados, interligando asações hospitalares com as ativida-des pertinentes às unidades básicasde saúde. De fato, o grande inten-to deveria ser a formação do profis-sional, não para uma realidade fic-tícia de um hospital universitário,mas para a realidade que irá depa-rar-se como médico, em todos osníveis de complexidade assistencialdo sistema de saúde.

Deve-se, assim, buscar, aprio-risticamente, a formação de médi-cos gerais, capazes de perceber amulticausalidade dos processosmórbidos, sejam físicos, mentaisou sociais, tanto individuais comocoletivos, sempre visualizando oindivíduo em seu meio ambiente– seu contexto familiar e social.Para tanto, o curso médico devepautar-se pelo desenvolvimentode um processo educacional inte-grado entre o ensino e o serviço,apesar de o estímulo às atitudescientíficas estar sempre presente.Deve-se, também, propiciar a cria-ção de novos valores, voltadosmais à saúde que à doença, per-meados de preocupações coleti-vas e sociais, estimulando proce-dimentos multiprofissionais co-munitários, coletivos e integrais,associados, sempre, à apropriaçãocientífica de sua prática.

Frente às orientações propos-tas, destaca-se a dualidade viven-ciada por vários cursos médicosno que tange ao seu objetivo fi-nal. Almeja-se a formação do mé-dico geral, ou a formação geral domédico? Essa dualidade não apon-ta apenas para uma questão se-mântica. A formação do médicogeral está voltada para a formaçãobásica do profissional, ou seja, aotérmino do curso, ele deveria sercapaz de exercer, de forma compe-tente, a prática médica não espe-cializada. Já a formação geral domédico vincula-se à preparaçãode um profissional para acessar auma residência médica ou a qual-quer outra forma de especializa-ção, mesmo sendo em uma dasáreas básicas. Na verdade, prepa-ra-se um candidato a uma espe-cialização e não um profissional.

O perfil do médico que se pro-põe aponta para um profissionalcapaz de compreender os diversosfatores que alteram o equilíbrioentre o indivíduo e o ambiente, de-vendo visualizar a saúde em seusentido mais amplo e estar apto apromover, manter e restabelecer asaúde do indivíduo, sem perder devista seu contexto familiar e social.

Agente transformador

O mero repasse de informa-ções técnicas visando à cons-trução do conhecimento médi-co, isento de paixões pessoais,envolvimentos afetivos ou va-lorações sociais, faz parte dosprincípios básicos de um grupoainda fortemente instalado nasuniversidades. Para ele, a práti-ca médica é quase que exclusi-vamente uma atividade biológi-ca e deve ser moral e social-mente livre de valoração, poistoma por base a neutralidadeda ciência (Rose; Rose, 1992).

Já o pensamento dialéticocoloca o homem não apenascomo parte estática integrantedo mundo, mas como um partíci-pe importante de seu desenvolvi-mento e agente transformador domeio, ao mesmo tempo em quesofre as influências da realidadesocial em que está inserido. Estedeve ser, também, um importan-te componente a ser introduzidonos ensinamentos dos cursos degraduação médica.

Deve-se buscar, assim, umcurso médico direcionado para arealidade social e embasado naspremissas dialéticas, voltado paraa sociedade, com suas distintasrealidades, necessidades e alter-nativas, bem como para uma pro-posta de um modelo sistêmico se-torial e que possa responder atais demandas, sem perder, noentanto, a qualidade técnica deseus procedimentos. Dessa for-ma deve trazer para si, comoum rumo conceitual, o novo pa-radigma setorial sistêmico, poiso tradicional não responde aosverdadeiros anseios da socieda-de, mesmo que ainda pudesseatender aos interesses intrínse-

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cos corporativos setoriais.Cabe a lembrança das palavras

de Saul (1984), ao afirmar que "de-cidir-se por uma definição de currí-culo está em se definir por uma de-terminada concepção, que incluicompromissos sociais e políticos".Percebe-se, entretanto, que algu-mas propostas, apesar de conteremcompromissos e princípios sociais eposicionarem-se de acordo com onovo paradigma sistêmico sanitá-rio, ao longo do tempo, vivem umtotal descompasso entre a práticacotidiana do processo de ensino-aprendizagem e a proposta curricu-lar originalmente apresentada.

Segundo Costa Neto (1994),urge, em definitivo, uma profundareavaliação das escolas médicas, eisso não apenas no aspecto didá-tico, pois a maioria ainda se en-contra "enclausurada e envoltaem seus próprios pensamentos edeve buscar, permanentemente,sob a luz da realidade que a cerca(...), estratégias de como partici-par do processo de desenvolvi-mento social". O não engajamen-to efetivo com a rede de serviçosde saúde, mantendo, quase queexclusivamente, o hospital uni-versitário como local de treina-mento prático dos estudantes degraduação, reforça a contradiçãoda maioria das propostas curricu-lares, pois a formação geral domédico jamais conseguirá concre-tizar-se caso esteja limitada aosmuros do hospital de ensino edesvinculada da prática das açõesbásicas de saúde.

Segundo Peçanha (1993), "amedicina é uma área de atuaçãoonde a tecnologia não pode estarausente, onde ela é útil e neces-sária, mas que não deve limitar aatitude crítica do profissional desaúde nas áreas de ensino, pes-quisa e assistência", e, para tan-to, faz-se necessário que o alunoconheça a realidade, compreenda-a e discuta de forma crítica seusfatores causais, condicionantes econtextuais, o que somente pode-rá ocorrer caso vivenciá-la no de-correr de sua graduação.

"A maioria dos problemasaqui identificados não é nova. Asinstituições, de modo intermi-

tente, mudaram seus currículos,mas, infelizmente, pequeno temsido o progresso quanto a umarevisão fundamental de como osmédicos são formados. Assim,não proclamamos novidades nadescoberta das deficiências. Oque afirmamos é a urgência cres-cente em encontrar soluçõesadequadas" (Association ofAmerican Medical Colleges,1984). Esta citação mostra queos problemas ora levantados nãosão exclusivos de países subde-senvolvidos, tampouco apenasdas escolas médicas brasileiras.Existe uma crise internacional naformação médica, principalmenteno que se refere à sua resposta àsreais necessidades sanitárias dospovos. As escolas médicas nãopodem esquecer-se que seu "pro-duto final", o médico, deve serformado para resolver os proble-mas de saúde da população, de-vendo ser estes a principal basede estudo em um curso médico.

O médico, profissional e cida-dão, aquele que ensina e apren-de com a comunidade, aqueleque se preocupa com a cura ecom a manutenção da saúde,aquele que sorri e chora com seupaciente, emocionando-se comele, mas ao mesmo tempo man-tendo-se firme e tranqüilo paratomar as decisões corretas, aque-le conhecedor dos problemas lo-cais e das ferramentas institucio-nais e comunitárias disponíveispara solucioná-los, enfim, aqueleque sabe ser médico e homem,este é o profissional que toda po-pulação espera, devendo ser esteo profissional a ser formado.

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PSF: O que pensam os gestoresmunicipais de saúde?

Luiz Felipe Pinto1

Maria Helena Machado2

Eliane dos Santos de Oliveira3

Os autores gostariam de agradecer à equipe de campo participante da Pesquisa, que possibilitou a elaboração deste artigo: Sigrid Hoppe,Márcia Teixeira, Luciana da Silva e Octávio de Souza, bem como ao Departamento de Atenção Básica/ Secretaria de Políticas deSaúde/Ministério da Saúde e à UNESCO pelo apoio oferecido para sua realização.

1Estatístico, mestre em saúde pública, pesquisador-visitante da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz/Faperj. 2Socióloga, doutora em sociologia, pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde/Fiocruz.3Nutricionista, mestre em saúde pública, pesquisadora-colaboradora da Escola Nacional de Saúde/Fiocruz.

BrasilAté 10.000 hab - 36,0%De 10.001 a 50.000 hab - 46,3%De 50.001 a 150.000 hab - 11,3%Mais de 150.000 hab - 6,4%

Região NorteAté 10.000 hab - 50,0%De 10.001 a 50.000 hab - 30,2%De 50.001 a 150.000 hab - 14,2%Mais de 150.000 hab - 5,7%

Região Centro-oesteAté 10.000 hab - 31,7%De 10.001 a 50.000 hab - 39,0%De 50.001 a 150.000 hab - 12,2%Mais de 150.000 hab - 17,1%

Região SulAté 10.000 hab - 36,4%De 10.001 a 50.000 hab - 41,7%De 50.001 a 150.000 hab - 13,6%Mais de 150.000 hab - 8,3%

Região SudesteAté 10.000 hab - 44,8%De 10.001 a 50.000 hab - 38,8%De 50.001 a 150.000 hab - 10,1%Mais de 150.000 hab - 6,2%

Região NordesteAté 10.000 hab - 20,6%De 10.001 a 50.000 hab - 63,2%De 50.001 a 150.000 hab - 11,2%Mais de 150.000 hab - 5,0%

Resumo

presente estudo é resul-tado de uma pesquisaque avaliou a opinião

do gestor municipal so-bre alguns aspectos do Programade Saúde da Família (PSF) doMinistério da Saúde, objetivandoa produção de informações con-cretas dos gestores sobre estePrograma. Para este levantamen-to, foram entrevistados ossecretários municipais de saúdedurante o ano de 1999, sendoabordadas diversas questões rela-tivas à características do Pro-grama, formação profissional e

mercado de trabalho. A maioriados secretários municipais desaúde pesquisados considera oPrograma como uma experiênciapositiva no campo da SaúdePública, pois presta assistênciade qualidade às famílias ou aindaavalia-o como um programa queacarretará em mudança do mode-lo assistencial tradicional. Osprincipais avanços obtidos com aimplantação do Programa nomunicípio, variam desde a(re)organização e maior acessoaos serviços de saúde, vínculo daequipe de saúde da família com acomunidade e o conhecimento ediagnóstico epidemiológico da

população, com consequentemelhoria dos indicadores desaúde. A pesquisa aponta diver-sas questões importantes para oaperfeiçoamento do PSF, a fim deque este alcance suas metas deimplantação ao longo dos próxi-mos anos, com uma estruturasólida e com grande aceitaçãopor parte da população, dosprofissionais e dos gestores mu-nicipais. Por exemplo, as ques-tões da formação profissional, dofinanciamento, da forma de con-tratação dos profissionais, dainfra-estrutura para o programa eda participação efetiva dosusuários.

O

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Introdução

Em julho de 1999, o Depar-tamento de Atenção Bási-ca/Secretaria de Políticas deSaúde4, solicitou a Fundação Os-waldo Cruz a elaboração de umaenquete de opinião com ossecretários municipais de saúde,sobre a visão destes gestores emrelação ao Programa de Saúde daFamília, do Ministério da Saúde5.Aproveitando a oportunidade doXV Congresso Nacional dos Secre-tários Municipais de Saúde, rea-lizado em agosto do mesmo ano,foram aplicados questionários agestores de cidades de todo oPaís, numa proporção de 1:8, ouseja, de cada grupo de oitomunicípios brasileiros com PSFimplantado até agosto/1999, emmédia, um deles foi entrevistado,o que representa 12% do total demunicípios com PSF nesta época.Foram abordadas cidades de

pequeno porte (até 10.000 habi-tantes), médio porte (de 10.001a 50.000 habitantes), grandeporte (de 50.001 a 150.000 habi-tantes) e localidades com maisde 150.000, dentre estas, algu-mas capitais brasileiras6.

Considerações Metodológicas

A equipe de campo entrevis-tou cerca de 200 gestores muni-cipais de saúde, representandocidades de diferentes portes emunidades da federação de todo oPaís. Desse total, extraiu-se apopulação-alvo - municípios bra-sileiros com PSF implantado atéagosto de 1999 - formando, ini-cialmente cerca de 160 municí-pios.

Após análise da amostra inicialrealizada7, foram feitos ajustes emrelação à possíveis tendênciasobservadas no recebimento domaterial e selecionados outros

municípios em caráter comple-mentar, para os quais foram envi-ados mais questionários.

Com a utilização de ummétodo de amostragem proba-bilística, que consistiu naestratificação dos municípiosbrasileiros que têm o PSF,segundo o porte da cidade porunidade da federação e regiãogeográfica, a amostra final parao Brasil foi de 140 gestores(Gráfico e Mapa). Após um estu-do do comportamento da popu-lação x amostra realizada, pro-cedeu-se à expansão dosdados. Foram calculados vintefatores de expansão (quatropara cada região), correspon-dendo a um número igual defrações de amostragem8. A situ-ação final pode ser observadana Tabelas 1, que apresenta osdados da população cadastra-da, amostra realizada e popu-lação expandida.

0.0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

(%)

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

QUADRO 1 – AVANÇOS OBTIDOS COM O PROGRAMA X DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS

Fonte: Pesquisa de Opinião sobre o Programa de Saúde da Família no Brasil. FIOCRUZ/DAB-MS/UNESCO

Amostra realizada População

4Na época, o Departamento ainda não existia. O PSF fazia parte da Coordenação de Atenção Básica, ligada à Secretaria de Assistência à Saúde.5O primeiro documento oficial relativo ao Programa foi elaborado em setembro/1994, fruto de uma reunião realizada em dezembro/1993, comtécnicos do Ministério da Saúde. Inicialmente, o critério de seleção dos municípios levou em consideração o Mapa da Fome, traçado peloInstituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) (Ministério da Saúde, 1994).6Na 1ª etapa da Pesquisa, a equipe de campo composta por seis pesquisadores da Fiocruz abordou os gestores quando estes chegavam ao XVCongresso Nacional dos Secretários Municipais de Saúde, no Riocentro/Rio de Janeiro, ou mesmo no intervalo entre as apresentações, uma vezque o preenchimento dos questionários levava entre 10 a 20 minutos. A aceitação da pesquisa foi boa, grande parte dos entrevistados relatousuas experiências no Programa de Saúde da Família que, como podemos ver ao longo deste artigo, apresenta avanços e desafios a serem enfrenta-dos para sua efetiva implantação nos municípios brasileiros face à diversidade cultural e geográfica existente no País.7A amostra inicial realizada corresponde aos questionários aplicados durante o XV Congresso Nacional dos Secretários Municipais de Saúde, rea-lizada no Centro de Convenções do Riocentro/Rio de Janeiro, no período de 26 a 30 de agosto de 1999.8Na Teoria de Amostragem Probabilística, define-se como fração de amostragem, a razão entre o tamanho da amostra (n) e o tamanho da po-pulação (N) e é representado por f = n/N. O fator de expansão da amostra é definido como o inverso da fração de amostragem, ou seja, 1/f.

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TABELA 1 - POPULAÇÃO CADASTRADA, AMOSTRA REALIZADA, POPULAÇÃO EXPANDIDA, POR MUNICIPIO SEGUNDO PORTEBRASIL E GRANDES REGIÕES – AGOSTO - 1999

EXPANDIDA POPULAÇÃO CADASTRADA AMOSTRA REALIZADA POPULAÇÃO

Brasil e Quant. de Quant. de Quant. deGrandes Nº de municipios municipios municipiosRegiões habitantes com PSF (%) com PSF (%) com PSF(%)

Brasil Até 10.000 423 36.0% 40 28.6% 42336.1% De 10.001 a 50.000 544 46.3% 70 50.0% 52644.9% De 50.001 a 150.000 133 11.3% 20 14.3% 14312.2% Mais de 150.000 75 6.4% 10 7.1% 796.7% Total 1.175 100.0% 140 100.0% 1.171100.0%

Norte Até 10.000 53 50.0% 2 15.4% 5450.9% De 10.001 a 50.000 32 30.2% 6 46.2% 3028.3% De 50.001 a 150.000 15 14.2% 4 30.8% 1615.1% Mais de 150.000 6 5.7% 1 7.7% 65.7% Total 106 100.0% 13 100.0% 106100.0%

Nordeste Até 10.000 79 20.6% 7 16.7% 7720.3% De 10.001 a 50.000 242 63.2% 26 61.9% 23461.6% De 50.001 a 150.000 43 11.2% 6 14.3% 4812.6% Mais de 150.000 19 5.0% 3 7.1% 215.5% Total 383 100.0% 42 100.0% 380100.0%

Sudeste Até 10.000 230 44.8% 23 40.4% 23045.0% De 10.001 a 50.000 199 38.8% 24 42.1% 19237.6% De 50.001 a 150.000 52 10.1% 7 12.3% 5611.0% Mais de 150.000 32 6.2% 3 5.3% 336.5% Total 513 100.0% 57 100.0% 511100.0%

Sul Até 10.000 48 36.4% 5 25.0% 5037.0% De 10.001 a 50.000 55 41.7% 11 55.0% 5540.7% De 50.001 a 150.000 18 13.6% 2 10.0% 1813.3% Mais de 150.000 11 8.3% 2 10.0% 128.9% Total 132 100.0% 20 100.0% 135100.0%

C-Oeste Até 10.000 13 31.7% 3 37.5% 1230.8% De 10.001 a 50.000 16 39.0% 3 37.5% 1538.5% De 50.001 a 150.000 5 12.2% 1 12.5% 512.8% Mais de 150.000 7 17.1% 1 12.5% 717.9% Total 41 100.0% 8 100.0% 39100.0%

Fonte: Pesquisa de Opinião sobre o Programa Saúde da Família no Brasil.FIOCRUZ/DAB-MS/UNESCO

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 2000 55

O pensamento dos gestores

A maioria dos secretáriosmunicipais de saúde entrevista-dos considera o PSF uma expe-riência positiva no campo daSaúde Pública, conceituando-ocomo um "bom programa, poispresta assistência de qualidadeàs famílias" (24,4%), ou con-siderando-o como um programaque acarretará numa "mudançado modelo assistencial tradi-cional" (19,9%), hospitalocêntri-co. Há ainda um grupo degestores que considera o repassefeito pelo Governo Federal para oPrograma, muito pequeno.

"É um programa importante,que tem dado ótimos resultadosna melhoria das condições desaúde da população." (secretáriomunicipal, cidade com mais de150.000 habitantes, AC)

"É uma estratégia que reorga-niza práticas sanitárias e podecontribuir para efetivar um mo-delo de atenção coerente com osprincípios do SUS." (secretáriomunicipal, cidade entre 10.001 e50.000 habitantes, BA)

"É um programa que efetiva-mente vai reduzir a assistênciahospitalar, por investir em progra-mas básicos." (secretário munici-pal, cidade entre 10.001 e50.000 habitantes, GO)

Apesar disso, na pesquisadesenvolvida por Solla & Albu-

querque (2000), 37,4% dossecretários municipais decla-raram receber algum tipo de in-centivo das Secretarias Estaduaispara implantação do PSF e 66,5%recebem incentivo para o fun-cionamento. Dentre estes auxí-lios, destaca-se a ajuda finan-ceira, fornecimento de materialdidático/educativo, aquisição deinsumos/medicamentos, e mes-mo equipamentos, além deauxílio para contratação derecursos humanos.

A equipe mínima proposta peloMinistério da Saúde é considerada"ideal". No entanto, os gestoressugerem a inclusão de odontólogos(49,1%) e assistentes sociais9

(41,5%) para que a atenção básicaseja mais completa e haja maiorresolutividade. Os entrevistadosconsideram este conjunto deprofissionais como essenciais para

a promoção da saúde, porém, emalguns casos, admitem que aequipe de Saúde da Família preci-saria ser adaptada às realidadesdos estados e dos municípios.

"É importante o odontólogonessa equipe, pois a boca é aporta de entrada de saúde edoença." (secretário municipal,cidade com menos de 10.000habitantes, PB)

"Há que se considerar queem cada realidade o fundamen-tal é a habilitação dos recursoshumanos para o trabalho inter-disciplinar e a abordagem cole-

tiva - mais que familiar - comações no nível local." (secretáriomunicipal, cidade entre 10.001e 50.000 habitantes, MG)

Em algumas localidades, prin-cipalmente nos municípios de até10.000 habitantes, há carênciade enfermeiros e até mesmomédicos. A dificuldade de fixaçãodestes profissionais no local emque trabalham foi uma das pre-ocupações apontadas pelosgestores de saúde. Por outrolado, os gestores consideramcomo período ideal de atuaçãono Programa, o início da vidaprofissional, isto é, profissionaiscom menos de 10 anos de car-reira (64,9%).

Para melhor capacitaçãoprofissional, seja devido à defi-ciência da graduação, ou porqueexiste dificuldade de se encon-

trar um profissional "ge-neralista" no mercado, os se-cretários são favoráveis à cria-ção de Cursos de Especializaçãoem Saúde da Família (92,9%) etambém Cursos de Residênciaem Saúde da Família (89,3%) dotipo multiprofissional (56,6%).

Os gestores sugerem aindauma renda mensal entre R$3.000e R$4.000 para médicos e entreR$1.000 a R$2.000 para enfer-meiros, o que corresponde aaproximadamente a renda decla-rada por estes profissionais,observada por Machado et al.(2000)10. Propõem também a

9A menção do assistente social para também compor a equipe de saúde da família pode ser explicada, em parte, pela constatação que Solla &Albuquerque (2000) fizeram em relação à composição das coordenações estaduais do PSF: 41,4% são enfermeiros; 24,2% assistentes sociais;12,1% médicos; e 22,3% têm uma formação em outras áreas, como sociologia, administração, pedagogia, psicologia, sanitarismo, nutrição eodontologia.10Na Pesquisa "Perfil dos Médicos e Enfermeiros de Saúde da Família no Brasil", desenvolvida por Machado et al.(2000), o universo de municí-pios abrangia aqueles com PSF implantado até junho de 1999.

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200056

regularização da forma de con-tratação destes profissionais,seja através de concurso público(25,2%), seja através da CLT(22,5%)11. Há, entretanto, umaparcela semelhante de secre-tários (22,5%) – principalmenteaqueles de cidades de pequenoporte – que sugerem o "contratotemporário" como forma de con-tratação para estes profissionais.Para estes secretários, a remune-ração dos profissionais - princi-palmente de médicos e enfer-meiros - ainda onera muito aspequenas prefeituras do interior.

Quando indagados à respeitodo principal motivo que levou aimplementação do PSF em seusmunicípios, apontaram (i) a von-tade de mudança no modelo deatenção (41,3%) e, ii) a práticaefetiva de ações básicas de saúde

(32,3%) como fatores decisivospela escolha do Programa, além deressaltarem a distância das áreasrurais dos grandes centros urbanos,que possuem maior capacidadeinstalada em serviços de saúde.

"A possibilidade de organizaçãodo sistema de saúde no municípiocom diretrizes de descentralização,hierarquização, humanização doatendimento com enfoque multi-profissional." (secretário munici-pal, cidade entre 50.001 e150.000 habitantes, TO)

"No município a saúde tinhacomo base a saúde curativista.Para inverter o modelo, o PSF foi aestratégia para organização daatenção preventiva à saúde."(secretário municipal, cidade entre50.001 e 150.000 habitantes, CE)

"A eficácia da estratégia avontade de ver a efetiva implan-tação do SUS nos municípios naforma de atenção à saúde."(secretário municipal, cidadeentre 10.001 e 50.000 habi-tantes, BA)

"As áreas rurais do municípiosão carentes, agravado pela distân-cia das áreas desenvolvidas."(secretário municipal, cidade entre10.001 e 50.000 habitantes, RJ)

"Atender integralmente, vincu-lar população à equipe, açõeseducativas, melhor conhecimentoda situação da comunidade."(secretário municipal, cidade commais de 150.000 habitantes, PI)

Avanços x Desafios

Mostrando-se em concordância

com os objetivos do Programa, osgestores apontam a "(re) organi-zação dos serviços de saúde"(17,3%); o "maior acesso aosserviços de saúde" (14,2%); o"vínculo da equipe com a comu-nidade" (11,7%); e o "conheci-mento e diagnóstico epidemi-ológico da população, com conse-quente melhoria dos indicadoresde saúde" (11,7%), como princi-pais avanços que o PSF trouxe àrealidade municipal. O resgate darelação médico/enfermeiro-pa-ciente-família também foi men-cionado e deve ser destacado.Porém, há ainda alguns desafios aserem enfrentados.

A pesquisa aponta diversasquestões importantes para o aper-feiçoamento do PSF, a fim de que

este alcance suas metas deimplantação ao longo dos próxi-mos anos, com uma estrutura sól-ida e com grande aceitação porparte da população, dos profis-sionais e dos gestores municipais.Por exemplo, as questões da for-mação profissional (22,2%), dofinanciamento (22,1%), da formade contratação dos profissionais(14,4%), da infra-estrutura (trans-porte, espaço físico, 7,8%) e daparticipação efetiva dos usuários(6,0%) merecem um tratamentoespecial nesse sentido, além deoutras mencionadas a seguir.(QUADRO 1)

Considerações finais

O estudo-piloto que orarealizamos, constitui-se numesforço inicial na tentativa de

conhecimento da opinião queos gestores municipais desaúde tem do Programa deSaúde da Família do Ministérioda Saúde. Os dados tabulados,representam uma aproximaçãodessa realidade e, são represen-tativos "apenas" para o Paíscomo um todo, Mas, qual seriaa visão dos gestores em cadaestado? E nas capitais? E nosinteriores, já que o PSF é típicodesses locais?

Para responder a essas e ou-tras questões, recomenda-se aampliação deste estudo paratodas as unidades da federaçãobrasileiras, levando-se em con-sideração a experiência adquiri-da nesta Pesquisa, que passariaa se constituir numa espécie depré-teste nacional.

11O concurso público aqui, refere-se ao Regime Jurídico Único.

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1. Maior acesso aos serviços de saúde;2. Melhoria na qualidade do atendimento;3. Atendimento de demanda organizada;4. Vínculo da equipe com a comunidade;5. Aumento da satisfação dos usuários;6. Trabalho em equipe; 7. Maior resolutividade dos serviços desaúde;8. Assistência integral;9. Territorialização do atendimento;10.Tratamento domiciliar;11.Economia nas internações

1. Financiamento adequado que permitaampliação de cobertura;2. Referência/Contra-referência;3. Disponibilidades de médicos;4. Desenvolvimento de ações de avali-ação e acompanhamento;5. Resolver o problema da legalidade nacontratação dos profissionais;6. Capacitação dos profissionais;7. Diminuir a rotatividade de profissionais;8. Inclusão de novos profissionais na equipe;9. Dificuldade de locomoção;10. Baixos salários dos profissionais;11. Fazer o médico e o enfermeiro residirno município do PSF.

QUADRO 1 – AVANÇOS OBTIDOS COM O PROGRAMA X DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS

Fonte: Pesquisa de Opinião sobre o Programa de Saúde da Família no Brasil.FIOCRUZ/DAB-MS/UNESCO

Fonte: Pesquisa de Opinião sobre o Programade Saúde da Família no Brasil.FIOCRUZ/DAB-MS/UNESCO

AVANÇOS DESAFIOS

TABELA-RESUMOPESQUISA DE OPINIÃO SOBRE O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO BRASIL

BRASIL – 1999 (N = 1.171)

Características

• Conceito que tem do PSF

• Composição ideal de umaequipe de saúde da família

• Período ideal paraatuação dos médicos/enfermeiros no PSF

• Especialidadesfundamentais para atu-ação no PSF

• Cursos de Especializaçãoem Saúde da Família

• Cursos de Residência emSaúde da FamíliaTipo

• Valor satisfatório para arenda mensal dos profis-sionais

• Forma de contratação noPSF

• Motivos que levaram à implantação do PSF no município

• Avanços que o PSFtrouxe ao município

• Desafios que o PSF teráque enfrentar

Descrição

• bom programa, que presta assistênciade qualidade às famílias

• mudança do modelo assistencial comreorganização dos serviços

• médico• enfermeiro• auxiliar de enfermagem• agente comunitário de saúde• odontólogo• assistente social• com menos de 10 anos de formado

Médicos• medicina interna• pediatria• ginecologia/obstetrícia

Enfermeiros• enfermagem em saúde pública• enfermagem obstétrica

É favorável

É favorável

MultiprofissionalMédicos

• entre R$3.000 e R$4.000Enfermeiros

• entre R$1.000 e R$2.000• Estatuto do Servidor Público• CLT• Contrato temporário • Mudança do modelo assistencial• Ações básica/preventivas

• Reorganização dos serviços de saúde• Maior acesso aos serviços de saúde• Formação profissional• Financiamento

(%)

24,4

19,091,590,873,871,149,141,564,9

31,922,822,3

39,615,492,9

89,3

56,6

40,2

43,425,222,522,541,332,3

17,314,222,222,1

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200058

Marcos e Eliete de Godoymoram no bairro de São Dimas,em Amparo, interior de SãoPaulo. Eles viviam o drama demuitas famílias brasileiras: oalcoolismo. É ele quem conta:"Meu problema era a pingamesmo! Eu saía do serviço àtarde, fazia a via-sacra nos 20botecos daqui. Chegava em casa,brigava com a mulher, com asmeninas... quem bebe sabe comoé. Não tem jeito!"

Eliete, esposa de Marcos, dis-cutia muito com ele, mas acabouse cansando e resolveu se sepa-rar. Foi quando ele pediu ajuda.Ela então se dirigiu à Unidade deSaúde e o médico de lá, Dr.Otávio, ajudou a conseguir umainternação. Depois que Marcossaiu, ela ficou sabendo do grupoda Associação dos AlcoólicosAnônimos (AAA), que se reúnena Unidade de Saúde e desen-volve um trabalho junto com aequipe de Saúde da Família.Marcos já tinha feito contatocom uma equipe da AAA, masnão havia dado certo, porquenão se sentia muito apoiado."Era meia dúzia de pessoas quese sentavam lá e ficavam contan-do as façanhas, como bêbado fazmesmo! E ficava assim".

Na Unidade de Saúde pas-saram a freqüentar o grupo e

sentiram que foram bem rece-bidos e amparados. "Todo o pes-soal da Unidade dava força,porque eles trabalham todos jun-tos ali. Um dá reforço para ooutro, para sair cada vez melhora coisa, porque senão não adi-anta. Se você ficar batendo numatecla só, não dá em nada. Ali écomo se fosse uma família, comoirmãos. Eles se preocupavam emsaber se a família estava bem,vinham perguntar: “Tá precisan-do disso, daquilo... Vai lá hoje,hoje vai ser bom. Às vezes eleestava dormindo, tirava ele dacama, falava a gente tem que ir’’.

A equipe acompanha de pertoo trabalho desenvolvido pelopessoal do AAA. Se alguém deixade ir à reunião, o pessoal daequipe vai atrás, se preocupa, seresponsabiliza. Qualquer um quefalte, vão atrás, mesmo quesejam 10 ou 20. É importantesaber por que a pessoa não estáindo, verificar se está precisandode alguma coisa, ou se aconte-ceu alguma coisa que impediusua ida. E as pessoas se sentemimportantes, realmente integra-das ao grupo.

Eliete participava e tambémajudava no trabalho do grupo.Levava sempre alguma repor-tagem que achava importanteser discutida. E o pessoal dizia:

"Essa é boa. Vamos apresentarcomo uma palestra, um assun-to". E ela se entusiasmava porver que aceitavam sua fala, suacontribuição. "Não é aquelelugar que eles já vão com tudoarrumadinho. Ali tem sempre aopinião de todo mundo. Eu achoisso muito importante para umalcoólatra sair... E depois que vaipara casa, tem que ficar ajudan-do, amparando. Porque se aspessoas que ajudaram no gruponão continuarem, o alcoólatranão vai ter apoio e vai pensar:Tanto faz eu ir como não ir. Masnão é não. O pessoal da Unidadenão descuidava. Dava bastanteforça para a gente. Aí ele foimelhorando. Ficou uns seismeses parado, sem emprego,mas conseguiu recuperar oserviço na padaria; faz um anoque está trabalhando. Não dámais trabalho e a gente tá viven-do muito melhor. São duas vidas:a que a gente tinha e outra quetemos agora. E sempre podemoscontar com eles. Às vezes agente vai lá, pede uma ajuda,um conselho... É muito bom. Euacho que hoje a gente só tem aagradecer ao pessoal daUnidade, e à força de vontadedele, que foi bem grande. AUnidade está de parabéns, por-que eles ajudam mesmo, lá."

Texto e fotos: Ana Franklin

“Histórias dequem fazhistória” umespaço abertopara divulgarexperiênciasde pessoasenvolvidas noPSF.

Parceria eficiente: Saúde da Família eAssociação dos Alcoólicos Anônimos

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Vera Lúcia Martins mora emCriciúma, Santa Catarina, e sem-pre teve um problema sério coma obesidade. Pesava 120kg e sen-tia que sua vida era "meio perdi-da, estragada". Ficou hipertensae teve sérios problemas decoração, tendo sofrido início deinfarto. Vera passou boa parte davida em tratamento. Se passassedas 9 horas da manhã e ela nãoaparecesse na Unidade de Saúde,o pessoal se preocupava, de tãograve a sua situação.

"Eu era uma pessoa em que apressão de manhã estava normal,às 9 horas já tinha subido de 12para 15 x 10. Era uma loucura!Aí, de repente, dava uma queda.Essa era a minha vida. Morei doisanos dentro do Posto de Saúde."

A equipe se preocupavamuito com a situação da Vera, atal ponto que a enfermeira(checar o nome) do PSF batalhou

para realizar um trabalho dereeducação alimentar na Unidadede Saúde da Família da VilaUnião. O grupo começou sereunindo uma vez por semanapara se pesar, ouvir palestras ediscutir temas ligados a alimen-tação e hábitos de vida. No iní-cio eram apenas três pessoas,mas, à medida que os resultadosforam aparecendo, o grupo tam-bém cresceu, chegando a 60.

"O que me deu o impulso e avontade necessária foi o carinho,a preocupação, o amor com quea equipe trabalhava. Eu falo quefoi uma equipe de amor... porqueno início foi muito difícil elimi-nar peso. Se olhar a minhatabela... (a gente faz controle,usa tabela...), não dá para dizerque eu consegui o que eu con-segui; porque no primeiro mês eunão estava conseguindo progres-sos. Aí, depois, com o ânimo do

grupo dizendo: ‘Você vai con-seguir, você vai conseguir!’, euconsegui. Foi um trabalho ma-ravilhoso, perdi mais de 40 qui-los, diminuí a quantidade exorbi-tante de remédios que eu toma-va, de 120 para 30 comprimidos.O meu coração hoje está ótimo!Valeu a pena! Isso já tem doisanos. Eu venci. Assim como ou-tras pessoas venceram, porquecontinuamos no grupo de reedu-cação. É uma coisa que a genteimplantou na vida para sempre."

Além da reeducação alimen-tar, o grupo faz caminhada. "Agente aprendeu a caminhar e teramor pela caminhada. O segredoé fechar a boca e caminhar. Alémdisso tem que ter muito amor,tem que ter realmente! A genteteve um grupo de apoio que seamou de tal forma que o resulta-do era evidente e maravilhoso acada semana."

O sucesso do grupo de obesos em CriciúmaO segredo é fechar a boca, caminhar e ter umgrupo de apoio que ajude a gente a se amar.

Conte-nos suahistória.

Envie para aredação

da RevistaBrasileira de Saúde

da Família ou utilize o site

www.saude.gov.br/psf

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SAÚDE DA FAMÍLIA • JUNHO/JULHO DE 200060

Jocilene Nascimento dosSantos tem 30 anos e é deAlagoinha, Bahia, mas já moraem Aracaju há dez anos.Trabalhou muito tempo comoempregada doméstica e fax-ineira, mas seu sonho sempre foiser auxiliar de enfermagem ouenfermeira. Ela chegou a iniciar ocurso de auxiliar quando tinha 15anos, mas faltou dinheiro para oônibus e ela teve que parar.

Casou-se com Edson da Silvae teve três filhos: Joene (3),Hércules (5) e Edily (6). Edson épintor, marceneiro e metalúrgico,mas está parado há quatro meses.

Há dois anos soube por umacolega da seleção para agentecomunitário, fez a inscrição,passou e está muito satisfeitacom seu trabalho. Já fazia tra-balhos voluntários na comu-nidade: foi secretária de associ-ação de bairro, ensinava cate-quese para crianças. Como elamesmo diz:" gosta de trabalharcom o povo" .

Há 5 anos morava numainvasão, conhecida comoMarivan Sul, onde praticamentenão havia nenhuma infra estru-tura. A luz vinha através de gam-biarras, a água por ligação clan-destina e os detritos, eram joga-dos em sacos plásticos no Canalde Santa Maria, para onde vai

também muito do lixo produzidopor ali. Qualquer chuvinha alagatudo, as pessoas ficam dentro dágua, porque os barracos sãomuito próximos do canal.

Apesar de ser agente desaúde, as condições da suamoradia eram muito insalubres:mau cheiro, bichos de toda espé-cie: baratas, ratos, mosquitos.

"Eu orava todas as noitespara um dia ter uma casa digna...Meu barraco caiu na enchente demaio, faz um ano. Eu fiquei numbarraco vizinho até construir umnovo. Quando foi em janeirodeste ano eu mudei, em fevereirocaiu de novo. Primeiro umaparede, aí eu tirei as crianças;depois foi caindo aos poucos.Perdi muita coisa. Coloquei ascrianças em cima de uma mesa,porque passava muito ratomorto, cobra e fui correndo parao Posto de Saúde avisar que iater que faltar no trabalho."

Ao saber da história, aCoordenadora do PSF, Magali M.Duarte Lobo contou para IzabelAbreu do Ministério Público,que deu mais um ponto na redede solidariedade que vem tecen-do.

"A enfermeira me telefonoufalando que a Dra. Izabel tinhaconseguido uma casinha paramim no Conjunto habitacional.

Eu fiquei tão emocionada, quenão conseguia nem falar. As cri-anças estão tão felizes. Quandomudamos um deles me pergun-tou "O mainha, hoje nós vamostomar banho de chuveiro?""

Ela está com um sorriso quenão se cabe e acha que Deusatendeu as suas preces, massabe que há muita gente passan-do por por coisas parecidas, atéoutras agentes comunitárias.Sabe o que significa dar pontosna teia da solidariedade. Contaque um dia visitou uma mãe comcinco filhos, que estava deses-perada porque não tinha o quedar às crianças e tinha brigadocom o marido, apanhado... Elaacalmou a mulher dizendo "Nãose desespere, porque mais sofreuJesus." E que comida eladividiria o que tinha. Foi paracasa e buscou massa de cuscuz,ovos, farinha.

"Até hoje esta mulher diz quenão sabe o que seria da vida delase eu não tivesse aparecidonaquele momento, porque estavaa ponto de fazer uma besteira."

Jocilene hoje acha que estámais perto de realizar seu sonhode ser auxiliar de enfermagem.Mas ela gosta muito do que faze, se o salário fosse igual, con-tinuaria sendo agente de saúde,ou então, as duas coisas.

Dando pontos na teiada solidariedade

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GOVERNOFEDERAL

Trabalhando em todo o Brasil

MINISTÉRIO DA

SAÚDE