revista banco de ideias n° 45 - entrevista porto gonÇalves

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  • 7/27/2019 Revista Banco de Ideias n 45 - Entrevista PORTO GONALVES

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    ENTREVISTA PARA BANCO DE IDIAS

    Antonio Carlos Porto Gonalves

    Em entrevista concedida a esta publicao, o economista Antnio Carlos PortoGonalves faz uma avaliaes de curto e mdio prazo para a economia no

    mundo. Acha quase impossvel evitar uma recesso econmica, v como

    pequeno o risco de inflao e acha que da crise vai emergir um sistema

    financeiro mais regulado, mais concentrado e menos criativo. O Brasil ser

    afetado pela queda das exportaes da reduo de crdito s empresas

    brasileiras.

    Banco de Idias:H um sentimento de que o lado estritamente financeiro da

    crise estaria passando. As perdas nos valores dos ativos nesta crise so da

    mesma magnitude das perdas nas crises de 1929 e 1987. O Sr. partilha desse

    ponto de vista ou acredita que o pior ainda no passou para os detentores de

    aes nas bolsas de valores?

    Antnio Carlos Porto Gonalves: A crise financeira, no sentido de

    recuperao dos negcios interbancrios, da iliquidez e de evitar a quebradeirade bancos pode ter amainado. Mas a imensa perda de riqueza por parte dos

    consumidores com a desvalorizao de seus ativos (bolsa, imveis, ttulos,

    etc.) deve reduzir em muito a demanda agregada. Em conseqncia, vai

    provocar um processo recessivo e, possivelmente, a inadimplncia das

    empresas junto aos bancos.

    B.I.:Ao longo da crise tornou-se possvel distinguir uma crise de solvncia nos

    mercados financeiros americano e europeu, principalmente, e uma crise de

    liquidez nos mercados de pases emergentes, como o Brasil. O Sr. acha que o

    tratamento das duas facetas da crise, no mundo desenvolvido e no Brasil, foi

    adequado?

    Porto Gonalves: Evidentemente o Brasil ser afetado pela queda de suas

    exportaes e do crdito s empresas brasileiras. O governo brasileiro no

    devedor externo e, assim, no tem problemas de rolar dvidas. Mas as

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    empresas tero esses problemas. preciso no confundir o governo brasileiro

    com o Brasil e suas empresas.

    B.I.: H um sentimento de que no Brasil as autoridades monetrias agiram

    corretamente e no tempo apropriado, enquanto o lado fiscal est em

    descompasso com as solues para a crise e lento em encontrar formas de

    ajuste nas despesas no-obrigatrias do governo federal. O Sr. concorda com

    essa viso?

    Porto Gonalves:No Brasil a crise afetou os bancos vindo pelo lado real, ou

    seja, pelas empresas exportadoras que tiveram prejuzos grandes com suas

    operaes cambiais. Em conseqncia, gerou-se um empoamento de

    liquidez, com os bancos procurando ficar mais lquidos, contendo o crdito para

    os bancos menores, para as empresas e pessoas fsicas. O Banco Central

    brasileiro atuou para prover a circulao da liquidez, com sucesso. E, na ltima

    reunio do COPOM, evitou continuar subindo a taxa de juros para conter a

    demanda agregada no Brasil, pois esta j est sendo reduzida

    espontaneamente pela queda da demanda externa.

    B.I.:H tambm um sentimento generalizado de que o pior ainda no passouno que diz respeito s conseqncias da crise sobre o lado real da economia.

    A Unio Europia j estaria em recesso e, logo, logo, tambm estaro em

    recesso os EUA. Quais os riscos de contgio e qual a gravidade que o Sr.

    estimaria desse contgio?

    Porto Gonalves:Enfim, uma temeridade dizer que a crise amainou, pois

    no se sabe exatamente as condies das economias europias, nem da

    prpria economia americana. O momento de grande incerteza, e dizer que o

    pior j passou meramente especulativo.

    B.I.: Uma forte desacelerao da economia americana teria um impacto

    negativo direto sobre a economia chinesa. O Sr. concorda com os analistas

    que afirmaram ter a China sido surpreendida pela rapidez da crise e docontgio e de ter tomado medidas de natureza fiscal para manter o

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    crescimento? Se a China for bem-sucedida em sustentar o crescimento, o

    Brasil seria pouco afetado em suas exportaes para aquele mercado?

    Porto Gonalves: A situao atual mostra que tambm h uma crise de

    informao, uma serissima crise de informao. Os depositantes bancrios

    no sabiam dos riscos a que estavam expostos ao fazer seus depsitos. E os

    bancos, e as empresas avaliadoras de risco, tambm estavam muito mal

    informados sobre a exposio aos riscos. E, finalmente, os contribuintes fiscais

    esto correndo riscos inesperados, devido atuao dos governos.

    B.I.: O Sr. v riscos inflacionrios aps o desempoamento da imensa

    liquidez injetada nos mercados para evitar um colapso dos sistemas bancrios?

    Porto Gonalves:Assim, no se trata de meramente controlar, regular, para

    evitar crises como estas no futuro. A idia central deve ser a de criar

    condies para que se desenvolva uma indstria de informao, inclusive

    estabelecendo-se maior transparncia sobre a capitalizao dos bancos, seus

    riscos de crdito, suas operaes de securitizao etc. Se o depositante no

    tem habilidade tcnica ou capacidade de se informar e de analisar esses dados

    todos, certamente empresas especializadas podem se desenvolver, e as

    pessoas comprariam informao delas. Atualmente, essa sofisticao

    praticada por poucas pessoas. H assim, tambm, um problema de educao

    do investidor nessa rea.

    B.I.: Como o Sr. v o quadro regulatrio dos sistemas financeiros ps-crise nos

    pases desenvolvidos? Tambm eles aplicaro os Acordos de Basilia a seus

    bancos?

    Porto Gonalves:Sinceramente, no vejo um risco srio de quebradeira dos

    bancos. Os Bancos Centrais e os governos vo atuar para evitar isso. No

    entanto, evitar a recesso econmica vai ser bem mais difcil, pois todos vo

    ser muito prudentes com seus gastos, inclusive os governos. Muitas empresas

    tero fortes dificuldades, e os governos no podero sustentar todas. Nesse

    caso, o risco de inflao pequeno, pois h falta de demanda e os preos no

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    vo aumentar. Quando, no futuro, a demanda se recuperar, o excesso de

    liquidez poder ser retirado pelos Bancos Centrais.

    B.I.: Finalmente, o sistema financeiro est caminhando para uma grande

    concentrao nos sistemas bancrios nacionais. O Sr. acredita que ainda

    assim h suficiente concorrncia nesse mercado a ponto de no prejudicar

    seriamente os usurios dos bancos?

    Porto Gonalves:O mundo que deve emergir da crise ser de um sistema

    financeiro mais regulado, mais concentrado e menos criativo. Mas, com o

    tempo, como costuma acontecer, essa tendncia dever diminuir e teremos

    novas empresas entrantes na rea financeira. Certamente a nfase vai ser deregulao a nvel internacional, o que vai promover o multilateralismo e a maior

    convivncia entre os pases.