revista Átimo

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Nossa revista tem como tema a cultura oriental no Recife. Mostramos manifestações artísticas, conversamos com brasileiros e imigrantes que vivem uma realidade um pouco diferente de quem desconhece a diversidade cultural de lá.

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Recife deuniversos paralelos

Dia 1

A sensação de estar perdida em um lugar co-

nhecido é estranha. A busca por um oriental, no

centro do Recife, que quisesse comparti lhar um

pouco de sua vida e de seus hábitos culturais é

um dos objetivos desta reportagem. E é no

Bairro de São José que grande parte dos asiá-

ticos mora e trabalha na capital pernambucana.

Entretanto, imergir num universo tão perto e

tão distante não é tarefa das mais simples.

Neste primeiro dia, não consegui nenhuma en-

trevista.

O percurso entre o terminal do Cais de Santa

Rita, ponto de descida, até a Rua das Calçadas

envolve pequenos desafios. Carrinho de mão,

buracos, poças d´água, carros e vendedores

de CDs e DVDs piratas. Tem morador de rua,

pedinte, o Mercado de São José, barracas de

frutas e flores. Toda uma atmosfera que, para

mesmo quem vai pouco ao centro, contribui

para o reconhecimento do local onde se está.

Na Rua das Calçadas, um grande galpão ama-

relo, com cerca de oito lojas, pode chamar

atenção dos que não costumam frequentar o

ambiente. Muitos olhinhos puxados circulando

e vendendo os mais diversos produtos: de bol-

sas a brinquedos. Este foi o primeiro contato

visual que tive com meu “possível entrevistado”

enquanto o procurava. O movimento era inten-

so numa sexta à tarde. Entra e sai, barulho,

preços gritados e conversas entre os eles que

pareciam brigas.

Produtos orientais tomam conta do centro do Recife. Durante três dias,buscamos algum asiático que dividisse experiências culturais sobre morar noNordeste Brasileiro.

Por Paula Passos

Muitos ainda estão se acostumando ao portu-

guês. Todo e qualquer ruído na comunicação é

remediado pelas vendedoras que, em média,

estão ali há quatro anos. Recebem um salário

mínimo sem comissão das vendas realizadas.

Algumas contaram que as mercadorias vêm da

China ou de São Paulo. As que vêm do Sudes-

te são feitas nas fábricas dos donos das lojas

também daqui. Segundo uma delas, o PRO-

CON vez ou outra aparece, apl ica uma multa

irrisória e vai embora.

Naquele dia, inclusive, uma loja tinha sido mul-

tada por não etiquetar os produtos com os pre-

ços, o que não é permitido. Em alguns

estabelecimentos, não só neste galpão, mas na

Rua Direita, notava-se a presença de jovens

orientais que, assim como os brasileiros, não

desgrudam de seus celulares. Ficam no caixa,

sentados, conectados no mundo virtual. Nas

lojas, que tinham caixas de som, o brega, o

pagode e forró embalavam as vendas de final

de tarde, enquanto eles visual izavam em seus

Smartphones textos em seu idioma local, na-

vegando em extremos culturais.

De acordo com uma das vendedoras, a distân-

cia também cresce quando os fi lhos dos pro-

prietários não vão à escola, mas, sim, têm

aulas particulares em determinados dias da

semana em casa. Grande parte dos orientais,

ainda segundo a vendedora, mora pelo centro

da cidade; o que facil ita na locomoção e nos

afazeres do dia a dia, pois eles necessitam de

agil idade. Nas lojas, não se se distraem facil-

mente. Estão ali para vender.

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Page 10: Revista Átimo

Mas, mesmo com esse imediatismo, as

mulheres capricham no visual para ir ao

trabalho. Algumas parecem até bonecas.

Shorts com babadinhos de renda, sapato

branco de plástico, meio transparente, de bico

fino e acessórios mais delicados compunham a

produção de uma delas. A outra, mais

despojada (com um ferro na mão, com uma

espécie de anzol na ponta, para pegar as

bolsas mais altas), apostou em chinelos de

dedo emborrachados, de salto com cerca de 4

cm, com cachos de uva de plástico grudados

em cima.

Para quem estava naquele lugar, pela primeira

vez, com o objetivo de encontrar um oriental

para entrevistar, foi meio frustrante. Era claro

que estavam ali para trabalhar e, difici lmente,

se prontificariam em dar uma pausa no

trabalho para conceder uma entrevista. As

vendedoras também não tinham autorização

para falar muito. Enquanto os proprietários

ficavam nos caixas, observavam também a

duração das conversas.

Talvez seja melhor voltar outro dia, para não ter

minha fisionomia muito marcada.

Dia 2

O caminho para chegar até o galpão foi

semelhante ao do primeiro dia. Só que dessa

vez o horário mudou. Era manhã de sexta-feira,

por volta das 9h. As lojas ainda se organizavam

para abrir e alguns orientais não tinham

chegado. As vendedoras também não diziam

muitas novidades que já não fossem

percebidas no primeiro dia. Em uma dos boxes,

uma delas, que trabalhava há seis anos, falou

que eles chegam mais tarde, porque estavam

em outro estabelecimento também no centro.

Os mais jovens que já estavam lá continuavam

no caixa e no celular, conectados desde cedo.

Na rua detrás do galpão, tinha uma loja recém-

aberta, revestida de porcelanato, que vendia

bolsas e, principalmente, roupas. Podia-se

encontrar facilmente peças iguais às que são

vendidas em sites internacionais de baixo

custo, como Aliexpress. A oriental do caixa se

mantinha distante do movimento das

vendedoras e só observava. Vez ou outra

respondia a alguma pergunta, passava o cartão

de algum cliente e só. Pedi algumas peças

para provar. Fui e voltei dentro da loja. Ela já

me olhava meio estranho. Enquanto olhava se

uma peça tinha caído bem do lado de fora do

provador, ela passou, tocou meu ombro,

ensinando uma nova possibi l idade de alça para

o macacão. Um som tímido e meio desajeitado

foi emitido: "tá. . . bonita!"

Esse foi o primeiro contato. Até me animei

achando que poderia conversar com ela

quando fosse pagar, mas, enquanto

perguntava se gostava do Brasil e há quanto

tempo estava aqui, ela disse que tinha

dificuldade no Português, pois estava no país

há quatro meses. Mesmo falando devagar e

gesticulando, a expressão dela era de "não

estou entendendo nada". As vendedoras que

conversavam mais rápido e uti l izavam o tempo

todo de vocabulário local pareciam deixar a

asiática mais perdida ainda. Sua companhia no

caixa era um quadrado, onde colocava a fi lha,

que vez ou outra era levada para o trabalho.

Passei por outros estabelecimentos, mas a

abordagem imediata, assim que eu entrava e a

maneira meio desconfiada de olhar, causava

estranhamento e voltei para o Terminal do Cais

de Santa Rita, mais uma vez, sem alcançar

meu objetivo central.

Dia 3

Depois de chegar ao centro pelo mesmo

caminho de todas as outras vezes, tenho a

impressão de que vou voltar de novo sem a

entrevista para casa. Mas, pelo menos o dia

era diferente: era um sábado pela manhã. Fora

isso, tudo é parecido, por isso, de repente,

evito ir aos mesmos lugares. Sigo pela Rua das

Calçadas e entro na rua Coração de Maria.

Logo quando dobro à esquerda, tem um

restaurante com um simpático atendente

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na porta cumprimentando quem passava, cheio

de comandas nas mãos. Era perto do meio-dia

e a fome chegava, mas antes, percebo uma

loja de artigos orientais, com uma música pop

tocando.

Entrei, dei uma olhada. Contei meu propósito à

vendedora e pedi para que mediasse a

comunicação com as chinesas que estavam no

caixa. Uma mexia no computador, com uma

interface diferente do nosso famoso Windows e

a outra, do lado de fora do balcão, organizava

carteiras numa cestinha, próximo a um livro do

Código do Consumidor.

A comunicação entre a vendedora e Mei,

natural de Fujian, província da República

Popular da China, com cerca de 35 milhões de

habitantes, era meio complicada. Embora Mei

estivesse há seis anos no Brasil , era notável

sua dificuldade em compreender o português.

Além disso, a vendedora que adotei como

intérprete falava um pouco rápido. Palavras

simples, para mim, como faculdade, curso e

Jornalismo, foram difíceis de serem

compreendidas, mas a simpática estrangeira

aceitou falar comigo.

Perguntei pelas músicas que ouvia. Disse que

tinha gostado. Ela, genti lmente, pronunciou

devagar, mas não entendi nada. Pedi para que

escrevesse em meu bloquinho. Ela escreveu

em chinês e depois em nosso alfabeto. Ela

ouvia Da Xiao Jiang Hu. Um filme de 201 0.

Acredito, então, que devesse ouvir a tri lha

sonora da película.

Mei - disse que apenas o primeiro nome era

suficiente - tem 25 anos e dois fi lhos. A

menorzinha tem dois anos e fica no

apartamento em Boa Viagem, onde moram ela,

os dois fi lhos, o marido e a cunhada. Perguntei

o nome dos fi lhos, mas ela não disse. Pelas

tatuagens no braço, havia um indício de que a

pequena e o menino se chamavam Micheli e

Felipe. Em 2008, quando chegou ao Brasil ,

morou em São Paulo, na Liberdade, e se

surpreendeu quando perguntei se ela tinha

morado lá, antes que me contasse. Também foi

em São Paulo que Mei conheceu seu marido,

também de Fujian, e se casaram.

Além de ter morado no bairro representante da

cultura oriental na grande metrópole, Mei

trabalhava na Rua 25 de Março. Disse que

gosta do Brasil , porque existem “pessoas

boas”, mas também “pessoas ruins”, como os

“ladrões” que a fizeram sair de São Paulo para

o Recife. Os ladrões são os fiscais que

apreendem mercadorias roubadas e atuam

com mais frequência na capital paul ista do que

aqui.

Além dessa “tranquil idade” encontrada no

Recife, Mei adora ir à praia. Foi enfática,

entretanto, quando perguntei o que fazia aos

finais de semana: “dorme.” Era um sábado e a

loja só fecharia às 1 5h. Sobre viagens,

passeios, ela disse não viajar muito. Europa?

Não entendeu ou parece nunca ter ouvido falar.

Nossa entrevista, então, é interrompida. Ela

precisa ir a algum lugar e, educadamente, diz:

“minutinho”. Levou consigo a chave da gaveta

do caixa.

Reprodução/Site Da Xiao Jiang Hu

Da Xiao Jiang Hu (2010), de Yen­Ping Chu. No

elenco (foto), Xiao Shen­Yang, Benshan Zhao e

Kelly Lin.

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Passaram vinte minutos e, enquanto ela não

voltava, tentei conversar com a cunhada dela,

Xian Yung Dong, 28, que estava aqui a

passeio. Xian mora com o marido em São

Paulo e entende menos ainda português.

Quando ela disse que entendia um pouco de

inglês, me animei e tentei conversar com

mímicas e falando inglês pausadamente, mas

só consegui entender que ela conheceu o Rio

de Janeiro e o Paraguai.

Dong sente falta de sua cidade e pretende um

dia voltar. Tem saudade da comida e diz que,

daqui, só consegue comer ovo, carne e

verdura.

Mei, enfim, voltou. Agradeci pelo tempo que

conversamos. Deixei meus contatos, como

“garantia”, já que notei sua desconfiança, e me

despedi das duas estrangeiras e das

vendedoras. Quando saí da loja, pensei o

quanto deve ser difíci l para elas se adaptarem

a uma cultura tão diferenteC

Uma cultura que não está registrada nos

números da própria embaixada chinesa. Liguei

para Brasíl ia, em busca de números de

chineses na capital pernambucana, e eles têm

não têm esse controle.

Se, para mim, no primeiro dia, foi difíci l imergir

no centro da minha própria cidade, imagina

para as duas. Mei está aqui há seis anos e tem

dificuldades com o idioma. Talvez, porque não

estreita relações com os brasileiros, porque

restringe sua vida a trabalho e ao contato com

pessoas do mesmo país, numa tentativa, quem

sabe, de manter sua tradição viva.

Eles podem até ter se adaptado a um ritmo de

vida comum em diversos países do mundo,

mas, trazem consigo e reforçam o estereótipo

do excesso de trabalho associado à cultura

oriental. Paralelo a isso, estamos nós,

acostumados a essa paisagem de olhinhos

puxados pelo centro da cidade, cada dia mais

comum, e integrante de nossa cultura.

Paula Passos/acervo

Reprodução/Wikipedia

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