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Expediente

Faculdades São Sebastião Rua Agripino José do Nascimento, 177

Vila Amélia – São Sebastião – SP CEP11600-00

www.unibrsaoseba.com.br Tel. (12) 3893-3100

Mantenedor

Profa. Maria Amélia Governo Merlin

Diretor Geral

Prof. Fábio Merlin

Diretor Acadêmico

Prof. Ms. Leandro José Giovanni Boaretto

Revista Acadêmica www.unibrsaoseba.com.br

ISNN 2175-4659

A Revista Acadêmica é uma publicação semestral, de caráter multidisciplinar.

Diretora:

Profa. Dra. Eliane de Alcântara Teixeira

Conselho Editorial

Prof. Dr. Álvaro Cardoso Gomes Prof. Ms. Leandro José Giovanni Boaretto

Prof. Dr. Silas D’Ávila Silva

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Apresentação

Como toda Instituição de Ensino que se preze, as Faculdades São Sebastião,

desde a sua fundação, procuraram acentuar seu compromisso com a educação superior,

com a divulgação da cultura e com a produção científica. Desse modo, a criação de um

órgão, que divulgasse trabalhos acadêmicos de seus docentes (e de docentes de outras

instituições nacionais e estrangeiras), veio se mostrando como algo imperioso, o que fez

que seus gestores investissem na criação de uma publicação on-line – a Revista

Acadêmica –, cujo fim seria o de apresentar o que de mais atual houvesse no plano da

pesquisa e da produção científica. Vem daí que a revista tenha sido planejada com um

caráter propositadamente multidisciplinar, reunindo, em todas as suas edições desde sua

inauguração, artigos de diferentes áreas.

São Sebastião, outono de 2010.

Profª. Drª. Eliane de Alcântara Teixeira

Diretora

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Sumário

ARTIGOS

1. Uso das tecnologias na Educação básica: uma pesquisa com professores, p. 6 Paulo Henrique ANSALDI Laila Abi CHEDID Jorge COVAC Kátia Cilene Melo FRANCO Edilson Geraldo de ALMEIDA Igor LAZANEO Sibéria Regina de CARVALHO 2. A representação da fala em literatura como processo mimético, p. 31 Milton A. AZEVEDO 3. A comunicação no circo, p. 49 Luciano Draetta FERREIRA 4. Considerações sobre a Separação de Poderes no estado Brasileiro, p. 66 Thaís MANTOVANI

5. A perícia contábil como importante instrumento contra o abuso nos contratos bancários p. 91 Marcelo Luis de OLIVEIRA

6. O milagre medieval: Gil Vicente e William Butler Yeats, p. 105 Eliane de Alcântara TEIXEIRA NORMAS EDITORIAIS, p. 124

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ARTIGOS

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O USO DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA:

UMA PESQUISA COM PROFESSORES

Paulo Henrique ANSALDI Laila Abi CHEDID

Jorge COVAC Kátia Cilene Melo FRANCO

Edilson Geraldo de ALMEIDA Igor LAZANEO

Sibéria Regina de CARVALHO1

Resumo: Este capítulo foi adaptado de uma pesquisa realizada pelos alunos do curso de Mestrado em Educação, Linguagens e Tecnologias da Universidade Braz Cubas, dentro da disciplina Tecnologias Aplicadas à Educação – no 2º semestre de 2010.Os responsáveis pela pesquisa foram: Paulo Henrique Ansaldi, Laila Abi Chedid, Jorge Covac, Kátia Cilene Melo Franco, Edilson Geraldo de Almeida, Igor Lazaneo, Sibéria Regina de Carvalho e a Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, coordenadora do Curso de Mestrado em Educação, Linguagens e Tecnologias da UBC: Luci Mendes Bonini, orientou a pesquisa.

A pesquisa iniciou-se a partir da necessidade, que se tornou evidente de

investigar a situação e problemática que envolvia as discussões sobre o uso das

tecnologias nas escolas de Educação básica. Algumas das indagações do grupo eram:

Os professores sabem o que significa a palavra tecnologia? Os professores utilizam-se

de tecnologias dentro da sala de aula? Se utilizarem, como o fazem?

Para esta pesquisa, cujo objetivo era identificar e avaliar o uso das tecnologias

nas escolas de Educação Básica, entregamos 268 questionários para professores de

algumas escolas municipais, estaduais e particulares das seguintes cidades: São José dos

Campos, Caraguatatuba, Poá, Ferraz de Vasconcelos, Suzano, Rio Grande da Serra e

Itaquaquecetuba, e escolha das cidades deu-se em virtude de os pesquisadores serem

professores em escolas nestes municípios. Cada pesquisador levou o número de

questionários suficiente para as escolas onde trabalhavam, distribuíram para os colegas

e aguardaram o retorno dentro do prazo de duas semanas. Retornaram 143 questionários

(anexo 5 ), dos 268 entregues originalmente (percentual de 53, 35% de respostas).

1 Alunos de Mestrado em Educação, Linguagens e Tecnologias da Universidade Braz Cubas

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A pesquisa foi aplicada a professores de escolas municipais, estaduais e particulares

dos municípios de Poá, Ferraz de Vasconcelos, Suzano, Itaquaquecetuba, Rio Grande

da Serra, São José dos Campos, Caraguatatuba e São Paulo.

Quanto ao sexo 26,17% dos professores são homens e 73,83% são mulheres.

Nesta pesquisa o número de mulheres no magistério é mais significativo que o número

de homens, talvez até pela condição histórica determinante na Educação Brasileira,

onde ser professor parece ser uma profissão eminentemente feminina.

Pesquisamos também a idade destes professores. O fator idade, acreditamos,

inicialmente, que seria um bom indicador do uso de tecnologia. Imaginamos que quanto

mais jovem fosse o professor, mais acostumado ele seria à tecnologia. Com relação ao

uso das tecnologias a pesquisa mostra os seguintes dados:

Professores do sexo masculino: 18 a 20 anos 2,56% 21 a 25 anos 7,69% 26 a 30 anos 17,09% 31 a 40 anos 40,17% mais de 40 anos 32,49%

Na porcentagem supramencionada notamos que os professores com mais de 31

anos são 72,66% e os com 30 anos ou menos são 27,34%. Este resultado pode ser um

fator indicativo de que o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo e há muita

dificuldade para se conseguir emprego melhor, logo os professores estão ficando mais

tempo nas escolas evitando mudança de uma profissão e melhores salários.

Quanto ao ano de conclusão notamos que os professores formados entre 1990 e

2009 são 63,30% e os formados de 1960 a 1989 são 36,70%. (quadro 1)

Dos professores do sexo masculino 51,14% utilizam tecnologias e 42,86% não

utilizam. No que diz respeito às professoras 81,01% utilizam tecnologias em sala de

aula e 19,99% não utilizam.

Percebemos que as mulheres são mais familiarizadas com as tecnologias,

acreditamos que com a ida das mulheres para o mercado de trabalho sua adaptação com

os avanços tecnológicos dentro de casa foi muito rápida, como micro-ondas, vídeo

cassete, secretárias eletrônicas, forno elétrico etc... capacitaram as mulheres a conviver

com a tecnologia de uma forma natural.

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O professor e o conceito de tecnologia

A humanidade testemunha transformações radicais, numa velocidade cada vez

mais crescente, sendo assim, a sociedade também é influenciada a mudar para

acompanhar e se adaptar às novas realidades.

A escola, no entanto, parece resistir a essas transformações. Segundo Alves &

Pretto, a escola está se transformando num lugar enfadonho e desprazeroso, valorizando

apenas as aprendizagens realizadas dentro da escola, deixando de lado a aprendizagem

assistemática, aquela construída no cotidiano de seus alunos. Alves & Pretto afirmam

que a presença intensa de instrumentos tecnológicos no campo educacional possibilita

um novo pensar sobre o conhecimento tornando a aprendizagem mais eficaz, pois o

aluno aprenderia de forma prazerosa e lúdica.

Para melhor compreender o que é tecnologia Lion assinala alguns mitos e

delineia realidades e utopias e faz diferentes tipos de análises. Entre os mitos, vamos

encontrar a supremacia do valor dos produtos acima dos processos, separando

tecnologia de técnica, a idéia de que somente para incorporar novos meios, produções,

ferramentas e instrumentos nas escolas, criamos inovações pedagógicas, a ilusão da

tecnologia como mecanismo de controle social.

Na produção industrial moderna, a importância é dada ao produto e não ao

produtor, se reduzindo a noção de técnica aos instrumentos utilizados e, entendendo por

tecnologia, o uso do conhecimento científico para especificar modos de fazer as coisas

de maneira reproduzível.

O homem é um ser tecnológico em contínua relação com a natureza. O homem

moderno só pensa em fabricar, construir ferramentas, máquinas e conquistar a natureza

evoluindo, de tal forma, que não questiona os produtos criados, se contribui, ou não,

para uma melhora real, sendo este o mito da máquina, a doutrina do progresso perpétuo.

Criar sempre para o progresso, adotar sempre o novo, o último e desprezar o velho.

No entanto, em matéria de Educação, a tecnologia foi alterada pelo ingresso de

toda uma parafernália eletrônica a qual o professor necessita dominar para impregnar de

interesse o seu aluno.

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A tecnologia na sala de aula

Para uma melhor compreensão antes precisamos definir o que é Tecnologia

Educacional, para posteriormente analisarmos quais as tecnologias mais utilizadas em

sala de aula pelo professor nos dias de hoje.

Segundo Tajra :

Tecnologia educacional, não é uma ciência, mas uma disciplina orientada para a prática controlável e pelo método científico, a qual recebe contribuições das teorias de psicologias da aprendizagem, das teorias da comunicação e da teoria de sistemas. A utilização desses recursos baseia-se nas formas de aprendizagens, nas fases de desenvolvimento infantil, nos diversos tipos de meios de comunicação e na integração de todos esses componentes de forma conjunta e interdependente por meio de atividades educacionais e sociais.

e

Quando utilizamos o termo tecnologia educacional, os educadores consideram como um paradigma do futuro, ma a tecnologia educacional esta relacionada aos antigos instrumentos utilizados no processo ensino-aprendizagem. O giz, a lousa, o retroprojetor, o vídeo, a televisão, o jornal impresso, um aparelho de som, um gravador de fitas cassetes e de vídeo, o rádio, o livro e o computador são todos elementos instrumentais componentes da tecnologia educacional.

Com o intuito de percebermos qual a compreensão do professor a respeito da

tecnologia que ele mais utiliza em sala de aula, apresentamos a esses professores duas

perguntas: Quais as tecnologias que você mais utiliza em sala de aula? Nosso objetivo

inicial através desta pergunta era em detectar qual seu entendimento sobre a tecnologia,

é que tipo de tecnologia ele mais utiliza durante suas aulas. Os resultados não nos

provocaram surpresas, pois muitos professores relacionam tecnologia equipamentos que

se liguem à energia elétrica, desconhecendo o giz, a lousa, régua, revista, jornais e livros

como tecnologias educacionais.

Na outra pergunta gostaríamos de saber a freqüência do uso do material de

apoio, onde fornecemos uma lista de materiais, tais como: livro didático; lousa e giz;

mural; jornais e revistas; vídeo cassete; programas de TV; computador, retroprojetor;

data-show; episcópio; projetor de slide; aparelho de som; material de fotocópia;

mimeógrafo; régua compasso, paradidáticos; gravuras; cartazes publicitários; bolas;

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tinta; sólidos geométricos; CD-rom. Foi pedido para os professores assinalarem a

freqüência do uso desses materiais de apoio, diariamente, às vezes ou nunca (gráfico 1).

Destes dados ainda podemos apontar gráficos isolados para melhor compreensão

deste professor que vive mergulhado num mar de indefinições com relação ao uso

destas tecnologias (gráfico 2).

Percebemos que essa pergunta pode ter influenciado a resposta da pergunta

anterior, pois, durante a aplicação do questionário, foi observado que muitos professores

olhavam a lista de material para então responder.

Frequência de Uso das Tecnologias em Educação

0

20

40

60

80

100

120

140

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22

Qua

nt. R

espo

stas

diariamente Às vezes nunca

Gráfico 1

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Uso do Livro Didático

nunca5%

Às Vezes50%

diariamente45%

nuncaÀs Vezesdiariamente

Gráfico 2

Observamos, também, após tabulação das respostas, que ainda prevalecem o uso

dos matérias de apoio em sala de aula diariamente, tais como: lousa e giz; livro didático;

gravuras; mimeógrafo; material de fotocópia. Basta observarmos os gráficos que

deixam bem claro que a maioria dos nossos professores ainda utiliza esses materiais

durante sua aula.

Com relação à freqüência às vezes de acordo com os gráficos, os mais utilizados

em sala de aula são: vídeo-cassete; jornais e revistas; paradidáticos; mural; material

fotocópia; aparelho de som; cartazes publicitários; gravuras; régua e compasso;

programa de TV; mimeógrafos; livros didáticos. Notamos aqui alguns materiais

diferentes fazendo parte da aula do professor.

Por muito tempo, giz, lousa, livros, gravuras, mimeógrafos, cartazes e murais,

foram os primeiros recursos tecnológicos educacionais e ainda hoje continuam a fazer

parte, por mais que novos avanços de tecnologia possam existir.

Podemos concluir que, mesmo que as novas tecnologias educacionais possam

ser um poderoso instrumento de melhoria da educação, ou da qualidade da aula, é

possível que muitas escolas, mesmo com os mais modernos equipamentos continuem

praticando uma pedagogia “antiga” (tabela 1).

O livro didático nem sempre é o único apoio do professor como podemos ver no

resultado acima, mas ainda é um instrumento bastante utilizado, mesmo em escolas

urbanas, como as que foram pesquisadas, diferentemente da lousa e do giz, (gráfico 3).

A inserção de novas linguagens em sala de aula tem sido uma preocupação

constante não só dos teóricos da educação como também das novas diretrizes

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curriculares nacionais, mesmo assim, o uso dessas linguagens na escola, principalmente

quando elas são veiculadas pelos jornais e pelas revistas, é restrito como veremos no

gráfico 4, e da televisão no gráfico 5.

As principais dificuldades que o professor encontra no uso do material de apoio

Notamos que apesar da falta de material ser o principal item apresentado como

dificuldade para ampliar o uso da tecnologia em sala de aula, seguido da disponibilidade

do mesmo, a presença deste material existe nas escolas, entretanto a falta de

capacitação, de tempo e o desconhecimento do uso desta tecnologia conjuntamente

respondem pelo maior obstáculo ao uso deste material.

Nas escolas públicas, a disponibilidade destes recursos existe, verba e material,

entretanto eles não conseguem atingir a sala de aula, ou porque o professor se confessa

despreparado para manipular este material, ou ainda, porque a direção restringe o uso

em função de perceber nesta tecnologia um bem imóvel da Escola, cujos danos, se

houve, devem ser justificados junto Diretoria Regional de Ensino.

Tabela 1 sobre a utilização de tecnologias pelos professores em Sala de Aula

Materiais de Apoio diariamente Às vezes nunca Livro Didático 64 45% 71 50% 7 5%

Lousa e Giz 114 79% 30 21% 0 0% Mural 6 4% 105 77% 26 19% Jornais e revistas 10 7% 124 85% 12 8% Vudeocassete 1 1% 125 88% 15 11% Programa de TV 5 3% 82 57% 57 40% Computador 3 2% 64 47% 70 51%

Retro-projetor 1 1% 53 37% 87 61% Data-Show 0 0% 14 11% 119 89% Episcópio 0 0% 14 10% 124 90% Projetor de Slide 0 0% 27 19% 113 81% Aparelho de Som 7 5% 103 71% 34 24% Mar. Fotocop 18 13% 107 77% 14 10%

Mimeógrafo 20 14% 73 52% 47 34% Régua e Compasso 8 6% 84 62% 44 32% Paradidático 16 12% 113 81% 10 7% Gravuras 25 18% 91 65% 24 17% Cartazes Publicitário 4 3% 83 69% 34 28% Bolas 6 4% 52 38% 80 58%

Tinta 1 1% 54 48% 69 51% Sólidos Geométricos 0 0% 61 46% 73 54% CD –ROM 2 1% 48 35% 86 64%

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Constatamos que os professores utilizam de forma freqüente a programação da

TV em suas aulas (vide gráfico 5). Existe uma necessidade de atualização e discussão

do dia-a-dia do aluno e da sociedade em geral. Já os filmes em vídeo são bastante

utilizados (vide gráfico 1) para ilustrar ou complementar os assuntos ministrados na

aula. Um dos entrevistados revelou uma faceta cruel da má utilização dos vídeos em

sala de aula. Ele afirmou: “(...) quando estou de “saco cheio” passo um filme sobre o

conteúdo”. Isso é preocupante, pois nos dá a impressão de que alguns professores

utilizam o vídeo para “enganar” o aluno. O que estará escondido por trás dessa

afirmação?

Percebemos que o aparelho de som é usado em diversas disciplinas e para os

mais diversos fins (interpretação de música, leitura das letras, dança, teatro,

relaxamento, atividades físicas, entre outras).

Computadores e CD rom são usados pelo professor para tornar a aula mais

dinâmica, ou para enriquecer os conteúdos, ou até, para pesquisas domésticas. O

número de professores que nunca usam o computador ainda é pequeno (70

entrevistados, de um total de 157).

Uso da Lousa e Giz

nunca0% Às Vezes

21%

diariamente79%

nunca

Às Vezes

diariamente

Gráfico 3

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Uso de Jornais e Revistas

nunca8%

Às Vezes85%

diariamente7%

nuncaÀs Vezes

diariamente

Gráfico 4

Uso de Programas de TV

nunca40%

Às Vezes57%

diariamente3%

nunca

Às Vezes

diariamente

Gráfico 5

Jornais, revistas e livros didáticos são utilizados para que os alunos aperfeiçoem

sua interpretação de textos, ortografia, leitura e até mesmo em educação artística, para

representar o que leu através de desenhos, esculturas, ou gravuras, ou por meio de

recortes e colagem. Usado para “economizar o ombro” de alguns professores, o

retroprojetor, ainda é muito solicitado para reproduzir figuras, esquemas de aula, mapas,

obras de arte, fotos, além de agilizar a aula.

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Quando o professor alega falta de material para preparar sua aula com esses

instrumentos, é importante constatar que aí está verificado um grave problema de

formação deste profissional. Comprovando esta tese, detectamos a diferença entre a

rede pública e a rede privada, neste caso os alunos suplantam muitas vezes o

conhecimento do professor, entretanto o efeito é o mesmo o descompasso entre o agente

receptor- o aluno, e o condutor – o professor.

A falta de capacitação que aparece com destaque em nossa pesquisa é evidente

no uso específico de algumas tecnologias, aonde se confunde computador e Internet

como características do termo “tecnologia em sala de aula, pois lousa, giz, videocassete

e aparelho de som retroprojetor, por exemplo, são de uso cotidiano, e, portanto de fácil

acesso.

O professor que declara que não sabe ligar um aparelho, e esta dado nossa

pesquisa apurou, não saberá desfrutar dos ganhos de material a partir do momento que

saiba ligá-lo, pois a tecnologia é interativa, dinâmica e aplicada, desta forma o problema

não se encerra com uma capacitação técnica, mas com uma capacitação de qualificação

deste profissional com a tecnologia vista como modelo de ampliação do universo

escolar.

Sendo assim parece que o material existe tanto na rede pública como a

particular, que a não utilização está vinculada as dificuldades de acesso, por

interferência da direção e por despreparo dos professores, assim os alunos acabam não

sendo atingidos pelas facilidades que a tecnologia pode exercer na sua aprendizagem

por problemas do material, mas do operador deste material e da estrutura de apoio ao

mesmo.

Tecnologia educacional e crise

Lion afirma que a reconstrução histórica da relação entre escola e tecnologia

demonstrou que foram se incorporando às aulas diferentes produções materiais

impressos, gravador, televisão e vídeo, informática e agora as novas tecnologias da

informação e de comunicação.

Devemos como educadores, pensar na produção escolar como tarefa cotidiana e

aprofundar o estudo e a pesquisa de categorias de interpretação do mundo que nossos

alunos e nos mesmos construímos a partir do consumo e da produção tecnológica.

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De acordo com Demo, assistimos, hoje, a uma diminuição das responsabilidades

educativas de outros agentes sociais, especialmente da família, e um simultâneo

aumento das exigências com relação ao professor, que além de ensinar

competentemente a disciplina sob sua responsabilidade, deve ser facilitador da

aprendizagem, organizador de atividades coletivas, orientador psicológico, social e

sexual, além de dar atenção especial aos alunos com necessidades especiais, integradas

na sala de aula. E para fazer tudo isso o professor continua tendo a mesma formação,

que não lhe oferece preparo para enfrentar situações conflituosas.

É importante que os professores se assumam como construtores da sua

profissão. Sabemos, no entanto, que não basta mudar o profissional; é preciso mudar

também o contexto no qual ele atua. É certo que as escolas não podem mudar sem o

empenho dos professores, mas estes não podem sem que haja transformação das

instituições em que trabalham.

Segundo Carvalho, o desenvolvimento profissional dos professores tem que

estar articulado com as mudanças na estrutura, com o funcionamento e as formas de

gestão das escolas e de seus respectivos projetos pedagógicos.

No Brasil, um dos países signatários de compromissos internacionais que, em

tese, visam à melhoria da escola pública, a preocupação é muito maior com a melhoria

das estatísticas a qualquer custo, do que com a conquista da qualidade decorrente de

uma política de formação ampla, permanente e contemporânea.

Para Valente, a nova questão que se coloca é: como conseguir essa mudança?

Parece que o sistema educacional, como um todo, resiste a essas mudanças. Existe uma

tendência de se manter o paradigma instrucionista por razões de ordem histórica – foi

assim que fomos educados é assim que fomos educados é assim que devemos educar –

ou pela falta de entendimento do que significa aprender ou ainda pela falta de

experiência acumulada que possa comprovar a efetividade educacional do paradigma

construcionista. Por outro lado, a análise dos resultados do paradigma instrucionista são

desoladores: provocamos o êxodo do aluno da escola ou produzimos um educando

obsoleto. Os que abandonam a escola engordam a fileira dos fracassados, dos que não

conseguem aprender. Os obsoletos não conseguem acompanhar o desenvolvimento

atual da sociedade, mais especificamente, não estão preparados para trabalhar no novo

sistema de produção ou serviço que está emergindo na sociedade atual.

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Considerações sobre o uso das tecnologias na Educação Básica:

Nossa pesquisa pretendeu trazer dados par discussão de questões relativas ao

uso de tecnologia no ensino das escolas de educação básica. Também procuramos

identificar e avaliar o aproveitamento efetivo das tecnologias em sala de aula.

Para Carvalho, devemos analisar e compreender qual é o valor das inovações no

campo educacional e resgatá-las desde o repensar do cotidiano escolar, implantar

propostas inovadoras e avaliar toda criação tecnológica nos diferentes campos desde a

influência da linguagem dos vídeo clips, como se utilizam os softwares educativos, o

livro-texto, o giz e o quadro negro e a recomendação crítica que se desenvolve nas aulas

com o uso dessas tecnologias.

As noções de inovações e novidades vinculadas ao espírito de modernismo

servem como justificativa para as mais diferentes propostas de desenvolvimento

ilimitado, a livre concorrência e a competência industrial e essa obsessão pelo novo não

leva em conta o saber acumulado, não considerando o conhecimento gerado por

experiências anteriores.

Segundo Lion, a tecnologia educacional surge como a marca tecnicista, com um

caráter instrumental e com a finalidade de racionalizar a prática educativa. “É vista de

duas formas: a primeira como um elemento de controle social que, segundo os

apocalípticos”, sustenta uma postura crítica e que acredita na panacéia da tecnologia,

máquinas cada vez mais sofisticadas, que exigem poucos especialistas e muitos

operários de baixa qualificação, ou ainda, na opinião dos “integrados”, aqueles que

incorporam tecnologia apenas como inovação. Eles entendem a tecnologia como neutra,

objetiva e sinônimo de progresso.

De acordo com Lion, com a globalização, o mundo está interconectado, no

entanto, há uma crescente fragmentação de culturas, uma multiplicação de identidades.

A tecnologia acentua a barreira entre os que podem e os que não podem ter acesso a ela

ou produzi-la.

A tecnologia faz parte do acervo cultural de um povo e serve como ferramenta

física e simbólica, para vincular-se e compreender o mundo que nos rodeia. É preciso

incluir na escola as experiências que os alunos têm e a partir o debate, as discussões

sobre o uso da tecnologia na educação. Como docentes, precisamos encontrar um

sentido para a tecnologia. Permitir que os alunos construam os conhecimentos nas

diferentes disciplinas, participando, opinando, debatendo e elaborando produções.

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Como exemplo de produção dos alunos em sala de aula, apresentaremos o projeto sobre

laboratório dos alunos em sala de aula o documentário “Catástrofe de 67”, realizado

pelos estudantes de Caraguatatuba em 2000.

Essas discussões e propostas, em grande parte, foram formalizadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Nessa obra proposta pelo MEC e publicada em 1998, diversos educadores explicitaram orientações pedagógicas, metodológicas e conteúdos disciplinares pra que a educação brasileira pudesse se adequar aos novos tempos. Em nosso entendimento, as propostas dos PCN são importantes para que a escola deixe de ser um espaço de transmissão burocrática do conhecimento acumulado. A escola deve se tornar um local privilegiado para a formação de indivíduos que tenham auto-conhecimento, aprimorem-se continuamente e mantenham relações sociais conscientes, responsáveis e solidárias. Além disso, que desenvolvam a capacidade de reflexão e possam interagir em suas trajetórias, considerando o meio natural e social no qual vivem. Nesse espaço devem ser estimulados e buscar novas informações, processá-las e aplicá-las em seu cotidiano. Os conceitos de sujeito histórico e tempo histórico também podem ser tratados de maneira inovadora. Ele, o aluno, é o sujeito da história, não um mero espectador. A história não deve ser entendida como o resultado da vontade de alguns poucos “ heróis”, e sim como um conjunto de atitudes tomadas pela sociedade que trouxeram mudanças no contexto daqueles povos. O professor deve evitar a transmissão da idéia de que a seqüência dos conhecimentos é compartilhado por toda a humanidade num mesmo tempo cronológico. Cada povo vive seu próprio tempo histórico.

Para Demo (1997), nos PCN do Ensino Médio, o estudo das ciências humanas

deve ser complementar, e não excludentes. Conhecimentos de Filosofia, Sociologia,

Antropologia, Política, Geografia e História são indispensáveis à formação básica do

cidadão e o exercício da cidadania requer o desenvolvimento das competências

envolvidas na leitura e na interpretação. É hora de atualizar a educação humanista,

através de uma organização escolar baseadas em princípios éticos. Para o PCN do

Ensino Médio o que importa não é a quantidade de informações, mas a capacidade de

lidar com elas, através da apropriação, comunicação, produção e reconstrução da

História.

As competências de contextualização sócio-cultural apontam relação da

sociedade e da cultura, em sua diversidade, na construção dos diferentes saberes. O

ensino da história para jovens deve proporcionar aos alunos contato ativo e crítico

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através dos monumentos, edifícios públicos, obras de arte, documentos, para

oportunizar uma aprendizagem mais significativa, pois os estudantes já possuem

condições de ampliar os conceitos introduzidos nas séries anteriores do Ensino

Fundamental e podem contribuir para a formação dos laços de identidade, consolidação

da sua cidadania. Segundo o PCN, o papel do professor levar o aluno a compreender o

impacto das tecnologias contemporâneas sobre o mundo do trabalho e sobre a vida

social. O educando deve mostrar a História como elaboração humana para entender o

mundo.

Os PCN tanto de Ensino Fundamental, quanto no Ensino médio, buscam através

da disciplina História favorecer uma postura mais reflexiva e investigativa por parte do

aluno.

Esta metodologia de trabalho permite que se estabeleça uma relação de “ir e vir”

entre o passado e o presente, reforçando-se a noção de que a história não é uma

sucessão de fatos ligados numa seqüência linear. Jacques Le Goff já alertou para esta

possibilidade quando afirmou:

Existe um certo progresso quando se faz uma História narrativa desde a carroça ao avião supersônico. Mas se é, em primeiro lugar, uma História que, longe de ser a dos possíveis e da liberdade na História, de que falava Veyne, se torna ao contrário, uma História mais determinista que nunca, que dá a entender que se devia forçosamente passar da carroça ao barco a vapor, ao comboio, ao automóvel e ao avião supersônico, receio que se tenham tornado as coisas ainda piores do que estavam, na medida em que o conteúdo deste ensino tem seduções óbvias e diminui ainda mais o espírito crítico dos alunos... Mas o que eu noto nesta História temática, tal como ela se esboça, é uma História que se encerra no tema e que não explica porque é que a carroça e o automóvel apareceram, e como isso se inscreve na História geral das sociedades.

Para Machado, a metodologia de ensino de História baseada em eixos temáticos,

temas transversais e interdisciplinaridade, pretende “ir além” de uma história

eminentemente temática. Para se evitar os riscos mencionados sobre a história temática,

os PCN mostram que os conteúdos escolhidos não obedecem a uma unidade temporal

linear. Vários assuntos podem ser abordados, guardando unidade entre si em função da

identidade que os mesmos possuem frente ao eixo tema considerado. Este deve abranger

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uma questão suficientemente ampla, que possibilite a análise de diversas relações que

compõem o universo social de diferentes grupos humanos em variados tempos e

espaços.

Demo demonstra que o estudo da História através de um tema central que

oriente suas ações não significa uma fragmentação da história. Ao se analisar um

momento histórico em particular, os assuntos ou os conteúdos estudados devem ser

inseridos numa análise mais ampla da história das sociedades. Entendemos não ser

possível o estudo de todos os conteúdos relacionados a determinado eixo temático, nem

a quantificação do volume de conteúdos necessários para que a questão central

apresentada pelo mesmo seja apreendida.

Sobre a questão da inserção dos conteúdos em uma análise mais ampla da

história das sociedades, é importante frisar que isto não significa que nos referimos à

idéia de contexto enquanto ‘pano de fundo social” que condiciona a ocorrência de

diversas situações históricas particulares. Nos referimos ao fato de se analisar as

interrelações existentes entre o tema estudado e alguns dos elementos mais amplos

presentes na organização social como um todo, que sejam possíveis de serem

apreendidos. Ou seja, um movimento de complementação mútua entre o particular e o

geral, sem se estabelecer escalas de determinações.

Segundo Bittencourt: os desafios enfrentados na elaboração das propostas

residem substancialmente em articular a produção historiográfica que introduz o social e

o cultural em suas relações intrínsecas com o econômico e que redimensionam o

político. Na crítica sobre as propostas que elencam acontecimentos da política

institucional há, por vezes, o abandono do político, em uma visão fragmentada do

social. Alguns conceitos básicos como os de classe social, trabalho e alienação

poderiam ser melhor explicitados para a formulação de lutas e movimentos sociais

estendendo a concepção de ação política para a esfera das organizações da sociedade

civil, dos sindicatos e de lutas de resistências diversas, conforme preconizam estudos do

cotidiano, como dos de E. Thompson, Agnes Helles, Maria Odila da Silva, Michel de

Certeau, Henri Lefebvre, entre outros.

Desafios que implicam ainda rever e aprofundar o conceito de conhecimento

histórico escolar, que não pode ser entendido como mera e simples transposição de um

conhecimento maior, proveniente da ciência de referência e que é vulgarizado e

simplificado pelo ensino. As críticas ao conceito de transposição didática, proposta e

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difundida pela obra de Chevallard, reiteram as especificidades do conhecimento escolar

(CHERVEL; FORQUIN; MONIOT).”

Para Circe Bittencourt (in Chauí, 1988),

O currículo enquanto texto oficial apresenta outras faces. Tem sido o veículo ideal para a disseminação do discurso do poder e para a difusão da ideologia entendida como um corpus de representações e normas que fixam e preservam de antemão o que e como se deve pensar, agir e sentir, com a finalidade de produzir uma universalidade imaginária da qual depende a eficácia da ideologia para produzir um imaginário coletivo, no qual os indivíduos se localizem. Identifiquem-se e assim legitimem involuntariamente a divisão social. A ideologia deve representar o real e prática social através de uma lógica coerente.

Segundo o PCN, o papel do professor levar ao aluno a compreender o impacto

das tecnologias contemporâneas sobre o mundo do trabalho e sobre a vida social. O

educando deve mostrar a História como elaboração humana para entender o mundo.

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Anexos

ANEXO 1

Questionário utilizado na pesquisa

Caro(a) professor (a)

Este questionário faz parte de uma pesquisa que vimos realizando no curso de

Pós-Graduação em Educação na Universidade Braz Cubas. Este estudo pretende discutir

questões relativas ao uso de tecnologias no ensino em escolas de Educação Básica .

O objetivo deste instrumento é identificar e avaliar o uso das tecnologias nas

escolas de Educação Básica, por isso precisamos da sua sinceridade.

Esperando contar com sua valiosa contribuição agradecemos antecipadamente.

Mestrandos da Universidade Braz Cubas

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1- idade ( ) 18 a 20 ( ) 21 a 25 ( ) 26 a 30 ( ) 31 a 40 ( ) acima de 40

2- Sexo ( ) masculino ( ) feminino

3- Qual é a sua formação: ____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

( ) cursando ( ) formado ano de conclusão

4– Faz uso de tecnologias em sala de aula? ( ) sim ( ) não

5– Quais tecnologias você usa em sala de aula? ______________ __________________ ______________________

______________ ___________________ ______________________

______________ ___________________ _______________________

_____________ ____________________ ______________________

6– Com que freqüência você usa os seguintes materiais de apoio? Livro didático ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Lousa e giz ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Mural ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

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Jornais, revistas ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Vídeo cassete ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Programas de TV ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Computador ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Retro-projetor ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Data-show ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Episcópio ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Projetor de slide ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Aparelho de som ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Material em fotocópia ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Copias em mimeógrafo ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Régua e compasso ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Livro paradidático ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Gravuras ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Bola ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Tinta ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

Sólidos geométricos ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

CD-rom ( ) diariamente ( ) às vezes ( ) nunca

7– aponte as dificuldades que você encontra no uso de material de apoio. ____________________________________________________________

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____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

8 – como você faz uso dos recursos materiais listados abaixo: Programa de Televisão

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

Filmes de vídeo

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

retro-projetor

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

Aparelho de som

____________________________________________________________

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____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

computador

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

CD-rom

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

Jornais e revistas

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________

Livros paradidáticos

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

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ANEXO 2

Resumo da Lei 5.692 de 11 de outubro de 1971.

Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1 e 2 graus, e da providencias

O Presidente da República

Faço saber que o congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CPITULO 1

Do Ensino de 1 e 2 graus

“Art. 1 – O ensino de 1 e 2 graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a

formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de

auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania.

$ 1 . Para efeito do que dispõem os arts. 176 e 178 da Constituição, entende-se por

ensino primário a educação correspondente ao ensino de 1 graus e, por ensino médio, o

de 2 grau.

$ O ensino de 1 e 2 graus será ministrado obrigatoriamente na língua nacional.2

Art. 2. O ensino de 1 e 2 graus será ministrado em estabelecimentos criados ou

reorganizados sob critérios que assegurem plena utilização dos seus recursos materiais e

humanos, sem duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes .

Parágrafo único – A organização administrativa didática e disciplinar de cada

estabelecimento de ensino será regulada no respectivo regimento, a ser aprovado pelo

2 Redação dada pela Lei nº 7044, de 8 de outubro de 1982.

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órgão próprio do sistema, com observância de normas fixadas pelo respectivo Conselho

Educação ( ...)

Art. 7. Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física,

Educação Artística e programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de

1 e 2 graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei nº 869, de 12 de

setembro de 1969.

Parágrafo único – O ensino religioso, de matricula facultativa, constituirá disciplina dos

horários normais dos estabelecimentos de 1 e 2 graus.

Emilio G. Médici – Presidente da República

Jarbas G. Passarinho

Julio Barata.

(Publicada no DOU de 12 de agosto e retificada no DOU de 18 de agosto de 1971)

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A representação da fala em literatura como processo mimético

Milton M. Azevedo∗

Resumo: Embora a escrita padrão imponha limites à representação literária da fala, particularmente em suas modalidades não-padrão, as técnicas de dialeto literário permitem criar representações esteticamente válidas de dialetos regionais ou sociais, bem como de linguajares híbridos ou sotaques forasteiros. A compreensão cabal de tais modalidades representativas, bem como de suas implicações cognitivas ou sociais, requer noções de linguística, dialetologia e sociolinguística. Palavras-chave: sociolingüística, representação da fala, modalidade não-padrão, dialeto literário.

As normas da escrita, pensadas em termos da variedade padrão de uma língua,

impõem limites à representação literária da fala, particularmente quando se trata de

captar detalhes da conversação espontânea ou de dialetos regionais ou sociais.3 Ao

passo que adquirimos a capacidade de falar mediante a interação com nossa primeira

comunidade de fala,4 geralmente dentro do âmbito familiar, a variedade padrão,

sobretudo em seus registros formais, costuma ser adquirida através da instrução escolar,

que a apresenta como modelo estável de correção, operante segundo regras categóricas

que deixam pouca margem à variação. Por outro lado, certos aspectos da fala que

desempenham um papel fundamental na comunicação --como as variações no tom e

altura da voz-- são encobertos pela natureza gráfica e linear da escritura, aumentando

assim a distância entre linguagem falada e linguagem escrita. Certas modalidades de

discurso oral reduzem os momentos de silêncio: em uma conversa animada, por

∗ University of California, Berkeley 3Este artigo, originalmente publicado na Revista de Comunicação e Linguagens, Núm. 36 (2005), págs. 31-44, recolhe elementos dos seguintes estudos: “Considerations on literary dialect in Spanish and Portuguese”, Hispania 85:3(2002), pp. 505-514; “Implicaciones pedagógicas de la representación literaria de la variación lingúística en español”, Hispania 87:3 (2004), pp. 464-475; Vozes em Branco e Preto. A representação literária da fala não-padrão. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2003. 4A comunidade de fala (speech community) é definida por John Gumperz como “qualquer grupo humano caracterizado pela interação regular e frequente, mediante um corpo de sinais verbais compartilhados e distinguido de grupos semelhantes por diferenças significantes no uso da linguagem.” Ver Gumperz, John, Language in Social Groups. Stanford, Califórnia, Stanford University Press, 1971, p. 114.

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exemplo, os interlocutores evitam as pausas e usam marcadores do discurso5 que,

mesmo sem acrescentar informação nova, assinalam a intenção de seguir comunicando.

O diálogo literário, ao contrário, prescinde das hesitações, correções ou reiterações

habituais da fala, encadeando as frases como se os interlocutores nunca tivessem

dúvidas sobre o que querem dizer. Apesar de sua equivalência cognitiva, a organização

do conteúdo e demais características estruturais de um diálogo real contrastam com as

de sua versão escrita, que em vez de projetar uma ilusão de oralidade, costuma parecer-

se menos a uma gravação do que a uma transcrição corrigida segundo convenções

editoriais.

As limitações da escrita como meio representativo dos aspectos mais

expressivos da fala saltam à vista quando analisamos a transcrição de um segmento de

fala como o texto seguinte, que apresenta uma mensagem em estilo coloquial, na qual o

falante coordena improvisadamente os elementos essenciais do que deseja comunicar:

O o o o - Marcos - aqui é o Jonas que tá ligando - bom - eu - aaahhh - era só para - bater um papo com você - bom - queria dizer que - - que aquela - aquele - aquele arranjo da carona - para ir na festa do Bill - ah - hoje à noite - não vai precisar - acontece que - eu não vou precisar - porque a Renée - ela resolveu ir - e então eu vou com ela - queee - ela mora aqui no prédio e então fica mais fácil - de maneira - bom - aí então cê não precisa passar aqui - tá? - cê quiser cê me liga mais tarde - até - ah - antes das oito - mas de qualquer forma - era só pra te dizer que eu NÃO vou precisar - tá? - muito obrigado - até de noite - um abraço - (Mensagem telefônica gravada, com nomes fictícios; falante paulista. Arquivo do autor.)

Depois de uma breve hesitação, marcada por Oooo (foneticamente uma vogal

posterior média-alta prolongada), o falante nomeia o destinatário (Marcos), identifica-se

(aqui é o Jonas), acrescenta uma informação fática (que [es]tá ligando) e esclarece o

propósito aparente da mensagem (só para bater papo), para em seguida assinalar que o

telefonema tem uma razão importante (bom - queria dizer que). Segue-se uma breve

hesitação, marcada por uma pausa mais longa, motivada talvez por tratar-se, como se vê

em seguida, de uma mudança de planos passível de causar algum inconveniente. O

núcleo da mensagem organiza-se a partir de informação conhecida (aquele arranjo da

carona), passando por uma transição (acontece que) que conduz ao que realmente

5 Sobre marcadores do discurso, Cf. Silva-Corvalán, Carmen. 2001. Sociolinguística y pragmática del español. Washington, D.C., Georgetown University Press, pp. 214-235.

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conta, ou seja, que o falante já não necessita boléia (não vou precisar). Logo vem uma

explicação (a Renée - resolveu ir - e então eu vou com ela) seguida de outro marcador

do discurso (queee) funcionando como uma pausa oral, ou seja, uma palavra

cognitivamente vazia que assinala que a mensagem continua, introduzindo uma

justificação secundária (ela mora aqui no prédio e então fica mais fácil), seguida de

vários elementos de transição (de maneira - bom - aí então ) e de uma reiteração da

mensagem principal ( [vo]cê não precisa passar aqui). Segue-se um elemento

confirmatório (tá?) e uma continuação de cortesia, cognitivamente nula mas de valor

fático ([se vo]cê quiser cê me liga mais tarde - até - ah - antes das oito). Embora

pudesse terminar aí, a mensagem prossegue com outro elemento de transição (mas de

qualquer forma era só pra te dizer) que reitera o conteúdo principal para que não haja

dúvidas, desta vez com ênfase, marcada por maiúsculas na transcrição (que eu NÃO vou

precisar), completando com a fórmula confirmatória ([es]tá?) e por um agradecimento,

uma despedida e uma fórmula de cortesia (muito obrigado - até de noite - um abraço).

As dificuldades representativas aumentam quando se trata da fala não-padrão,

marcada por traços sociais ou regionais. A própria uniformidade da língua padrão, ao

favorecer a comunicação escrita, torna-a pouco adequada à representação de falas que

dela se apartem significativamente. Considere-se, por exemplo, o caso da consoante

palatal lateral [� ], grafada lh na ortografia padrão. Como o português brasileiro

vernáculo6 (PBV) emprega a semivogal palatal [j] em vez de [� ], na representação da

fala popular costuma-se empregar i por lh, como em malha > maia, folha > foia.

Outrossim, os traços morfossintáticos não-padrão são representados por variações

ortográficas, de maneira que uma frase como os bandidos renderam os guardas pode

aparecer como os bandido rendeu os guarda. Notam-se nesta oração dois fenômenos

típicos do PBV, a saber a falta de concordância nominal (os bandidos > os bandido, os

guardas > os guarda) e de concordância verbal, caracterizada pelo uso da forma de

terceira pessoa singular rendeu pelo plural renderam. Como a fala vernácula é marcada

pela variabilidade, tais representações não precisam ser categóricas, e portanto não se

indica a falta de concordância em todos os pontos em que poderia ocorrer, e devido a

6 Usa-se o termo “vernáculo” no sentido técnico de variedade linguística nativa de uma comunidade de fala, em contraste com a variedade padrão, geralmente aprendida mediante instrução formal. Cf. K. M. Peyt: “a form of speech transmitted from parent to child as a primary medium of communication” (The Study of Dialect: An Introduction to Dialectology. Londres, André Deutsch, 1980, p. 25).

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isso, formas como os bandido e os bandidos, os guarda e os guardas, podem coexistir

na fala da mesma personagem.

Em português, como em muitas outras línguas, existe um processo

representativo conhecido como dialeto literário, cuja função é “to represent in writing a

speech that is restricted regionally, socially, or both.”7 Esta caracterização inclui o

chamado “dialeto visual”,8 consistente em adaptar a ortografia para assinalar traços

específicos de pronúncia ou morfossintaxe. Assim, a representação de um enunciado

como PBV Si oceis num vai a gente tomém num vamo (Se vocês não forem a gente

também não vai) sugere processos fonológicos como a ditongação de uma vogal diante

de /s/ implosivo (nós > nóis) e a monotongação de um ditongo nasal em posição átona

(não > num). Por outro lado, o emprego de sabia, em vez de sabíamos, sem

concordância verbal, ou de essas coisa por essas coisas, sem concordância nominal, não

constitui dialeto visual, porquanto não se trata de pronúncia, senão de processos

morfossintáticos. Concebido o dialeto literário como um sistema mimético que abrange,

além da pronúncia, a morfologia, a sintaxe e o léxico, o seu estudo permite analisar

representações não apenas de dialetos regionais ou sociais, como também de outras

modalidades não padrão, tais como a fala forasteira ou as falas híbridas.9 Tal mimetismo

consiste em criar imagens evocativas da realidade linguística, mediante a combinação

de traços salientes das falas retratadas.

As representações de forasteiros a falar português com sotaque apareceram cedo

na Península Ibérica. Segundo Paul Teyssier, o exoticismo da fala de escravos africanos

já vem retratado num texto datável de 1455, incluído no Cancioneiro Geral de 1516, 10

e portanto Gil Vicente seguia uma tradição estabelecida ao escrever textos como o

seguinte:11

7 Sumner Ives, “A Theory of Literary Dialect”. Em A Various Language: Perspectives on American Dialects. Juanita Williamson, & V. M. Burke (orgs.), Nova York, Holt, Rinehart and Winston [1950] 1971. 8 Cf. Paul Hull Bowdre Jr., “Eye Dialect as a Literary Device”, em A Various Language. Perspectives On American Dialects. Juanita Williamson, & V. M. Burke, orgs. Nova York: Holt, Rinehart and Winston, [1964] 1971, pp. 178-185. 9 Sobre o conceito de fala forasteira (ing. foreigner talk), Cf. Charles A. Ferguson, “‘Foreigner Talk’ as the name of a simplified register’, International Journal of the Sociology of Language, 28, 1981, pp. 9-18. Sobre as falas híbridas, cf. Mark Sebba, Contact Languages. Pidgins and Creoles. Nova York, St. Martin’s Press. 1997, pp. 74-81; Suzanne Romaine, Bilingualism, 2a. edição, Oxford, Blackwell, 1995, pp. 68-82. 10 Paul Teyssier, La langue de Gil Vicente, Paris, Librairie C. Klincksieck, 1959, p. 228. 11 Gil Vicente, 1983. Tragicomédia da Frágua,; Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente. Volume II. Maria Leonor Carvalhão Buescu (org.). Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, pp. 138-161.

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Que inda que negro soo / bosso oyo he tam trabessa, / tam preta, que me

matoo. / Senhora, quem te frutasse / por o quatro dia no maas / e logo

morte me matesse, / que mas o dia nam durasse / pollo vida que boso

me das. (Gil Vicente, Frágua de Amor)

Os traços fonológicos relevantes incluem o uso de b por v (bosso por vosso,

bos por vós), sugerindo uma consoante bilabial e não labiodental, a substituição de lh

por y indica uma ditongação (olho > oyo) como aquela assinalada no PBV, metátese de

r e u (furtasse > frutasse), e monotongação de ou (sou > soo, matou > matoo). Os

traços morfológicos incluem a falta de concordância nominal (o quatro dia por os

quatro dias, pollo vida por polla vida). Porquanto os escritores tendem a reproduzir e

desenvolver práticas estabelecidas pelos que os precederam, formou-se uma tradição

representativa, algo estereotipada, que foi passando de uma geração --tanto de autores

como de público-- à seguinte. Não surpreende, portanto, que no final do século

dezenove, escritores como Machado de Assis usassem a chamada “fala de negros” em

diálogos como o seguinte, no qual conversam um ex escravo chamado Pancrácio e seu

antigo amo:12

. . . chamei o Pancrácio e disse-lhe:

“ -Tu és livre, podes ir para onde quiseres . . .”

- Oh! meu senhô! fico. . . .

- Quando nasceste, eras um pirralho dêste tamanho; hoje estás mais

alto que eu....

-Artura não qué dizê nada, não, senhô. . . .

- Tu vales muito mais que uma galinha.

- Eu vaio um galo, sim, senhô.

(Machado de Assis, “Bons Dias,” Crônicas)

Os elementos fundamentais desta cacterização incluem rotacismo (artura por

altura), ditongação de lh seguido de vogal (vaio for valho) e perda de r final em

infinitivos and substantivos (dizer > dizê, senhor > senhô). Há uma clara semelhança

entre este texto e aquele de um conto do escritor modernista Mario de Andrade, na qual

12 Joaquim Maria Machado de Assis, “Bons Dias.” Crônicas. Obra completa, Vol. 3. A. Coutinho, org. Rio de Janeiro, Companhia José Aguilar Editora, 1962a, pp. 489-491.

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um negro pede perdão a uma mulher, chamada Florinda, que o abandonara para puni-lo

por sua infidelidade: 13

—Antão, Frorinda, que é isso! você tá lôca!... Será que você qué abandoná seu

negro pru causo de otra muié?... Inda que eu fose um dêse misarave que dêxum

fartá inté pão im casa, mais eu, Frorinda! . . . . Dêxa diso, Frorinda, eu ixprico

tudo! Num bamo agora se disgraçá pr’uma coisinha de nada!

(Mario de Andrade, “Foi sonho”)

Também aqui encontramos b por v (vamos > bamos), monotongação de ou

(louca > lôca, outra > otra),4 de ei (deixa > dêxa) e de -am (deixam > dêxum). Outros

processos incluem a variação do timbre da vogal pretônica, seja inicial (então > antão,

até > inté) ou medial (miserável > misarave); perda de r final (abandonar > abandoná,

quer > qué); substituição de lh por i (mulher > muié ); rotacismo (Florinda > Frorinda,

faltar > fartá); metátese de r e u átono em por > pru, e a combinação desta forma com o

artigo indefinido feminino uma em pr’uma. Há também um exemplo do pronome se,

que tendo perdido sua função reflexiva, passa a funcionar como uma sílaba extra do

infinitivo, em bamo se disgraçá (pronunciado como uma só palavra, sidisgraçá) por

vamos desgraçar-nos.

Na realidade, a maioria destes traços são típicos não da fala de qualquer grupo

racial ou étnico em particular, e sim do português brasileiro vernáculo em geral. Embora

a representação dialetal esteja muito associada ao estilo humorístico, como na obra de

autores como Cornélio Pires ou Belmiro Braga,14 tem sido usada também com

seriedade, como no caso de autores regionalistas como Afonso Arinos, Manoel de

Oliveira Paiva, Coelho Neto, ou Valdomiro Silveira.15 Este último mostrou-se

particularmente cioso de que suas representações da fala rural não tivessem conotações

cômicas. Usando com moderação de modificações ortográficas para representar a

13 Mário de Andrade,. “Foi sonho”. Os Filhos da Candinha. São Paulo, Livraria Martins, 1943 [1933]. 14 Cornélio Pires, Estrambóticas Aventuras do Joaquim Bentinho (O Queima Campo). São Paulo, Imprensa Metodista, 1924; Continuação das Estrambóticas Aventuras do Joaquim Bentinho (O Queima Campo), São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1929. Belmiro Braga, Na Cidade (O Sete-Nomes). Burleta em 1 Acto. 2a. edição. São Paulo, Livraria Teixeira, 1935. 15 Afonso Arinos, O Mestre de Campo. Em Obra Completa. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro,1969 [1898]. Manuel de Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço. Em Obra Completa. Rolando Morel Pinto (org.). Rio de Janeiro, Graphia Editorial, 1993 [escrito entre 1890 e 1892; 1a edição, 1952], pp. 5-162. Henrique Coelho Neto, Rei Negro. 2a. edição. Porto: Livraria Chardron 1926 [1914].

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pronúncia e a morfologia dialetais, Silveira empregou também a sintaxe e o léxico para

construir o tipo de voz refletida em textos como o seguinte, proveniente de um volume

de contos nos quais as personagens falam por si mesmas, sem mediação de uma voz

narradora em português padrão:16

Parece coisa que inda ’tou vendo o Tibúrcio, aquele negrão meio bobó, que

andava esfarrapado p’ro centro dessas ruas, na quentura do sol ou na força das

águas, dando gritos soturnos. Às vezes, quando ’tou suzinho nalgum ermo, em

hora ansim de mais sussego, inté me representa escuitar uns guinchos finos,

desguaritados da vozona grossa e carregada que ele soltava de repente, pondo

pavor nos outros. Eu sempre ’maginei, a só por só comigo, que não hai coisa

mais triste que andar um cristão p’ro mundo, sem companhia de jeito nem um,

sem o sapê de um rancho p’ra tapar o chão da orvalheira da noite, mal comido e

mal drumido, c’a frieza do desânimo no fundo do coiração. (Valdomiro Silveira,

“Visão”, Leréias)

Trata-se de uma representação muito discreta da pronúncia dialetal. Há alguns

casos de perda de vogal, como em imaginei > ’maginei, ainda > inda, para tapar > p’ra

tapar, pr’o centro, pr’o mundo, estou > ’tou, com > c’ (com a frieza > c’a frieza).

Outros processos incluem metátese (dormido > drumido), elevação de vogal átona

pretônica, seja [o] > [u] (sossego > sussego) ou [� ] > [u] (sozinho > suzinho). O léxico

inclui arcaísmos preservados na fala rural, como ansim, coiração, escuitar, hai (assim,

coração, escutar, há) e formas populares como bobó ou o aumentativo vozona (cf.

vozeirão). No conjunto, porém, somente um punhado de ítens --15 num total de 119 --

desviam-se realmente da ortografia padrão. É notável a presença da concordância

padrão, que não é um rasgo da fala dialetal representada, como em dessas ruas, das

águas, gritos soturnos, uns guinchos finos, onde esperar-se-ia dessas rua, das água,

gritos soturno, uns guincho fino. Em contraste, é bem mais detalhada a representação de

Cornélio Pires do mesmo dialeto do interior do estado de São Paulo:

Digo: tô morto! Já num chegava os arrepiu que já tava sintino da sezão. . . . Fui pra drento, ponhei áua ferveno na bacia, cinza, limão, ua foia de parma benta, um pôco de alecrim, um raminho de arruda, tomei um escarda-pé e se deitei.

16 Valdomiro Silveira, Leréias. (Histórias contadas por eles mesmos). 2a. edição. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1975 [1945].

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Tive um febrão e gumitei preto. No amiudá dos galo, garrei uvi um baruião fora de perpósito. Principiô cumo baruio de rebentação de pipoca in caçarola tampado cum testo. Despois parecia queimada de capoêra onde tem taquará... Despois asvoroço e parecia baruio de mir cartêra de traque rebentano drento de ua lata... Pro fim já parecia bataria de festa do Divino... Ô! pros quinto! Era a bixiga que tava rebentano! (Cornélio Pires, Estrambóticas Aventuras do Joaquim Bentinho (o Queima-Campo), 91)

Vemos nesta passagem muitos detalhes de processos fonológicos como perda de

consoante (água > áua, sentindo > sintino fervendo > ferveno, rebentando >

rebentando), inclusive a perda de r final em verbos e substantivos (ouvir > uví, taquará

< taquaral). Há também perda de vogal (agarrei > garrei, para > pra), de sílaba

(estou > tô, estava > tava) e metátese (dentro > drento). Outros processos incluem a

elevação do timbre vocálico (como > cumo), rotacismo (palma > parma, escalda >

escarda, mil < mir), vocalização de lh (folha > foia, barulho > baruio, barulhão >

baruião) e monotongação (pouco > pôco, ouvi > uvi, principiou > principiô, capoeira

> capoêra, carteira > cartêra).17 Ao contrário do texto de Silveira, registra-se a falta de

concordância nominal, como em os arrepiu por os arrepios, caçarola tampado por

caçarola tampada, pros quinto por para os quintos. Há também um caso de

lexicalização do pronome átono se, incorporado ao infinitivo em se deitei por me deitei

(cf. sidisgraçá, supra). A morfologia dialetal aparece em gumitei (vomitei), despois

(depois), ponhar (pôr), a sintaxe dialetal no uso incoativo de (a)garrar + infinitivo

(garrei uvi < agarrei ouvir ou seja, comecei a ouvir), e o léxico rural em formas como

amiudá dos galo (< amiudar dos galos) e pros quinto! (< para os quintos [dos

infernos]).

A manipulação ortográfica para indicar sotaques ou variações morfossintáticas

já se encontra na técnica vicentina de atribuir a certas personagens o que Teyssier

chamou “un signe indicatif qui oppose ces personnages aux autres et les fait

immédiatement reconnaître”.18 É o que se nota, inter alia, na seguinte declaração de

amor que faz à Fama um italiano:19

17 Note-se, porém, que os processos de monotongação ou > o e ei > e são normais no português brasileiro, exceto em modalidades formais. 18 Teyssier, op. cit., p. 7. 19 Gil Vicente, Farsa do Auto da Fama. Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente. Volume II. Maria Leonor Carvalhão Buescu (org.). Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1983, pp. 360-376.

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Italiano: -- Oh, licore de la vita mia, / si brachi mei te pilhasse, / y

occhi mei te mirasse, / tote le ore, note e dia, / toti quanti / libérati qui

sun tanti, / y a companha de dia; / aqueste paradisa mia / me será multi

triumfanti. (Gil Vicente, Auto da Fama)

Encontram-se nessa paródia palavras comuns a ambos idiomas (dia, me),

vocábulos portugueses (pilhasse, mirasse) e italianos (licore, vita, mia, occhi, ore,

quanti). Assinalam o hibridismo algumas palavras italianas ligeiramente camufladas

pela ortografia portuguesa (libérati, companha, note) bem como um punhado de formas

inventadas (tote, toti, triumfanti, paradisa). Vários séculos mais tarde, encontramos tais

truques representativos na fala de um imigrante italiano cujo bom ouvido permitira-lhe

aprender o suficiente do português brasileiro para formar um idioleto híbrido: 20

Bene. Iso tudo si pasava em Napole. Io non dise? Pois é ... In Napole.

Mio babo era sarto ... como se diz? ah! alfaiato. Viu a bimba norveguesa,

molto bianca e bionda, de ôlho azurro e s’apaixonô. S’incontravano na

praia, ficavano olhando u mare e mais tarde eles me contarono ela

disenhava o ritrato do namorato na arena bianca da praia. Casarono.

Forano felice. (Érico Verísimo, Um Lugar ao Sol, p. 846)

Mesclam-se nesse texto palavras italianas (bene, s’incontravano) e portuguesas

(pois é, como se diz) e formas híbridas tais como ficavano (ptg. ficavam + it. -vano),

forano (ptg. foram / it. furono) , namorato (ptg. namorado / it. innamorato ), casarono

(ptg. casar + it. -ono), disenhava (ptg. desenhava / it. disegnava). Construções mistas

(na arena bianca da praia, ela de ôlho azurro) acrescentam um toque de

imprevisibilidade que sublinha a marginalização, tanto social quanto linguística, de um

homem que não conseguiu integrar-se na sua sociedade adotiva.

Se a linguagem normal é essencialmente oral, as falas mistas são-no, se é

possível, ainda mais intensamente: desenvolvidas em circunstâncias de contato para a

comunicação ao vivo, sem escrita regular nem preocupações de correção gramatical,

costumam ter uma estrutura flexível, que favorece a coexistência de formas paralelas. É

20 Veríssimo, Érico. Um Lugar ao Sol. Em Ficção Completa, Vol. 1. Rio de Janeiro, José Aguilar Editora, 1966.

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o caso de sistemas híbridos de português e espanhol, como a fala de fronteira

representada na passagem seguinte: 21

—Me sé tirar de hacha y de azada... Tengo trabalhado antes de ahora no

Foz-do-Iguasú; e fize una plantación de papas. [. . .] Ahí está el pozo —

señaló, para que yo no dudara de su existencia—. ¡Condenado!... No

trabajo más allá. O pozo que vosé fizo.. ¡No sabés hacer para tu pozo,

usted!. . . Muito angosto. ¿Qué hacemos ahora, patrón? —y se acodó en

la mesa, a mirarme. (Horacio Quiroga, “Un peón”, 452-453)

Ocorrem nesse trecho, contrastando com o espanhol normativo do narrador,

diversos elementos característicos das falas híbridas. Além da coexistência de palavras

de ambos idiomas, facilmente identificáveis, há certo hibridismo morfológico,

representado por fize (ptg. fiz, esp. hice), bem como a alternância de pronomes de

tratamento como vosé (ptg. você) e usted. Nota-se também hibridismo morfossintático,

em construções como tengo trabalhado (ptg. tenho trabalhado, esp. he trabajado) ou

muito angosto (esp. muy angosto, ptg. muito estreito). Essa fala tem, ademais, alguma

semelhança com certos linguajares híbridos mais estáveis, com o fronterizo/fronteiriço,

ou seja, os dialetos portugueses falados no Uruguai, ao longo da fronteira com o Brasil,

e representados no texto seguinte:22

Fui subiendo por aquel cerro, morro de los Estados, con su lomo chato,

un ventiño que no soplaba, quemado por el sol de la media mañana.

Muchas gentes tambéin trepaban, cuánto pobrerío, viernes santos era.

Ruido de charlas, risadas sin saber por qué, algunos de ropa béin limpiña,

los pelos acomodados, baños de caneco se notaban. . . . 21 Horacio Quiroga, 1978. “Un peón”. Em Cuentos completos. Alfonso Llambias de Azevedo (org.). Montevideo: Ediciones de la Plaza, Vol. 1, pp. 452-465. 22 Saúl Ibargoyen Islas, Fronteras de Joaquim Coluna. Caracas: Monte Avila Editores, 1975. Sobre os dialetos brasileiros do Uruguai, cf. Pedro Rona, El dialecto fronterizo del Norte del Uruguay. Montevidéu, Adolfo Linardi, 1965; Frederick Hensey,. The Sociolinguistics of the Brazilian-Uruguayan Border. Haia, Mouton. 1972; Frederick Hensey, “Spanish, Portuguese and Fronteiriço: Languages in Contact in Northern Uruguay.” International Journal of the Sociology of Language, 34, 1982, pp. 9-23; Adolfo Elizaincín, Dialectos en contacto. Español y portugués en España y América. Montevidéu: Arca Editorial, 1992; Adolfo, Elizaincín, Luis Behares e Graciela Barrios, Nos falemo brasilero. Montevidéu: Editorial Amesur, 1987; Ana Maria Carvalho, The Social Distribution of Spanish and Portuguese Dialects in the Bilingual Town of Rivera, Uruguay. Tese de doutoramento, University of California, Berkeley, 1998. Sobre o fronteiriço em literatura, cf. Magdalena Coll, “La narrativa de Saúl Ibargoyen como representação literaria de una frontera lingüística”, Hispania 80: 4 (1995), pp. 745-752. Carvalho (1998).

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—La señora tiene que decirme el nombre del gurí... del niño.

Mi madre, la desgraciadita, nada de falar. Tres veces preguntó la mestra, mujer

un poquiño sudada y con paciencia. Llamó a mi padre, a mí me pidió que fuera.

—Señor Coluna, quiero saber el nombre enterito de su gurí... de su hijo.

—Joaquim, nomás... —dijo mi padre, nada en las manos quietas.

Enseguida se fue, sin costumbre de formar palabras ¿qué más podía

decir? Me hicieron sentar en una silla, cuaderno como mesa, lápiz puesto

en la mano izquierda, cañoto siempre fui, de eso no me curo. (Saúl

Ibargoyen Islas, Fronteras de Joaquim Coluna, p. 19)

A estrutura sintática vem marcada por palavras gramaticais que, com exceção de

alguns vocábulos comuns a ambas línguas (que, de, por, como), pertencem ao espanhol,

como os artigos e os demonstrativos (el, la, los, las, un, una, aquel), os possesivos (mi,

su) e as conjunções e preposições (y, en, sin). Nos advérbios béin e tambéin (ptg. bem,

também) a grafía -éin- evoca o ditongo nasal portugués [e)j)], ort. em, foneticamente

distinto da terminação correspondente espanhola -en. São calcadas no português a

expressão baños de caneco (habituais onde não haja água corrente) e a forma de

tratamento a señora (por esp. usted). O vocabulário inclui palavras portuguesas como

gurí, caneco, mestra, falar, além de poquiño, ventiño, limpiña e cañoto (pouquinho,

ventinho, limpinha, canhoto). Estas, disfarçadas com o ñ ortográfico, revelam por um

lado o empréstimo morfológico do sufixo diminutivo -inho (cf. esp. ventito, poquito,

limpiecita), e por outro lado, mediante o simbolismo gráfico de ñ em vez de nh, o seu

caráter híbrido. Trata-se de formas que, não sendo nem portuguesas nem espanholas,

pertencem a um tertius quid que deve ser interpretado em seus próprios termos.

Estes poucos exemplos permitem-nos ver o dialeto literário como um recurso

estilístico que opera sobre os contrastes entre variedades não-padrão e a variedade

padrão em que se escreve a maior parte da literatura. De fato, a variedade padrão é, por

definição, uma manifestação escrita23 tão fortemente associada à literatura que os

termos “língua literária” e “língua padrão” são com frequência, embora

equivocadamente, usados como sinônimos. A padronização fornece um código comum

a todos os usuários, independentemente de suas características individuais ou regionais

23 Cf. Ralph Penny, Variation and Change in Spanish. Cambridge, Cambridge University Press, 2000, pp. 194 ff. Tem também interesse Richard Baum,. Lengua culta, lengua literaria, lengua escrita. Materiales para una caracterización de las lenguas de cultura. Barcelona: Alfa, [1987] 1989.

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de pronúncia e morfossintaxe. Não obstante, o fato de que o padrão escrito se baseie em

alguma variedade falada prestigiosa, propicia certa conexão entre a ortografia e a

pronúncia. Por isso, os sotaques que refletem mais de perto a ortografia padrão

costumam ter mais prestígio que os que parecem afastar-se desta. Trata-se de uma

ilusão, mas suficientemente poderosa para levar-nos a falar sobre pronúncia em termos

ortográficos: ao dizermos que certo sotaque perde o s ou o r finais, acusamo-lo

injustamente de incorreto por não refletir a ortografia padrão, como se tal “desvio” fosse

índice de corrupção. Esta linha de idéias aplica-se a todos os aspectos da língua: as

pronúncias, formas, estruturas, e lexemas considerados padrão são valorizados, ao passo

que as formas não-padrão vêem-se desprestigiadas, embora resultem de processos

linguísticos naturais.

Nos textos em linguagem padrão a morfologia e a sintaxe obedecem a

parâmetros normativos, o léxico está isento de idiossincrasias ou regionalismos

reveladores da procedência de alguma personagem, e a ortografia favorece a

concentração nos conteúdos semânticos. É como se a linguagem normativa filtrasse o

que há de mais típico na fala real, apresentando-a numa versão homogeneizada que faz

da língua um veículo sem protagonismo próprio. São muito distintos os dois textos

seguintes, nos quais a variação linguística desempenha um papel significativo, e onde os

personagens tipificam um Outro exótico, cuja fala extravagante distancia-os dos

leitores. No primeiro texto, do período romântico, o indígena, socialmente subalterno,

aparece idealizado, e há menos intenção de retratar a fala que de ressaltar certa nobreza

putativa, mediante a convenção de uma linguagem artificialmente elevada.24

Poti saudou o amigo e falou assim: —”Antes que o pai de Jacaúna e Poti, o valente guerreiro Jatobá, mandasse sôbre todos os guerreiros pitiguaras, o grande tacape da nação estava na destra de Bauireté, o maior chefe, pai de Jatobá. Foi êle que veio pelas praias do mar até o rio do jaguar, e expulsou os tabajaras para dentro das terras, marcando a cada tribo seu lugar; depois entrou pelo sertão até a serra que tomou seu nome.” José de Alencar, Iracema, Cap. XXII, p.346.

24 Sobre oralidade em José de Alencar e outros autores brasileiros do século dezenove, cf. Marisa Lajolo, “Oralidade, um Passaporte para a Cidadania Literária Brasileira”. Língua e Cidadania. O Português no Brasil. Campinas, Pontes Editores, 1996, pp. 107-123. Sobre oralidade em autores portugueses, cf. Evelina Verdelho,. “Linguagem regional e linguagem popular no romance regionalista português.” Boletim de Filologia 26: 1-4 (1980-1981), pp. 193-244.

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Bem diversa é a seguinte representação do linguajar de índios num romance do

final do século vinte, onde tampouco há uma intenção de reproduzir uma fala real, e sim

de moldar um dialeto literário que contrasta com a fala das demais personagens. Uma

sintaxe simplificada, sem artigos, com um mínimo de formas verbais, frases recortadas,

poucas preposições ou conjunções, e apenas orações simples, sem subordinadas, eis aí

os elementos básicos da fala dos índios Teju e Anhê, que contam a história:25

Camunhá vivia alto da terra. Em cima, Pai Pedi, embaixo, Mãe Cedi. Caça, peixe, mandioca, milho, Camunhá fazia festa. Comia inimigo. Terra boa, mulher plantação. . . Caça corria, peixe no rio. . . . Teju disse: “Anhangá vem. Anhangá zangado”. Camunhá dançando. Pai Pedi brabo, Mãe Cedi braba. Anhangá zangado, Anhangá descia.” (Álvaro Cardoso Gomes, O Sonho da Terra, p. 137)

Induzindo-nos à suspensão das regras da linguagem normativa, o dialeto literário

confronta-nos com formas excluídas da variedade padrão. A escolha dos traços

representativos depende em boa parte de decisões do autor. Ao passo que alguns usam

apenas poucos traços, formando assim um quadro estilizado, outros visam a um

detalhismo mais particularizado. Portanto, não surpreende que representações

contemporâneas (como no caso do dialeto rural nas obras de Pires ou Silveira) difiram

nos detalhes, muito embora possam ser ambas esteticamente válidas. Isto é possível

porque o dialeto literário não trata de reproduzir a fala, e sim de emulá-la, gerando

mimeticamente um discurso heteroglóssico capaz de evocar a oralidade, realizando

assim uma visão bakhtineana do texto de ficção como veículo de uma pluralidade de

vozes sócio-ideológicas. Ao empregar uma fala socialmente estigmatizada e subverter

não apenas a norma gramatical como também as regras do bom uso, o dialeto literário

permite questionar implicitamente o purismo subjacente ao normativismo linguístico, e

25 Álvaro Cardoso Gomes, O Sonho da Terra. São Paulo, L R Editores, 1983. A análise da passagem citada e de outros aspectos da linguagem do romance acha-se em Milton M. Azevedo, “Vernacular Speech as a Social Marker in Álvaro Cardoso Gomes’ O Sonho da Terra.” Em Homenagem a Alexandrino Severino: Essays on the Portuguese Speaking World. Margo Milleret e M. C. Eakin (orgs.) Austin, Texas: Host Publications, 1993a, pp. 99-113.

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ao fazê-lo, abre um espaço para a voz de personagens socialmente marginalizados, ao

mesmo tempo que cria o efeito paródico que Bakhtin chamou “carnavalesco”.26

Como nos gêneros líricos --ópera, opereta, zarzuela, ou musical-- o dialeto

literário modula a linguagem, realçando, no sentido praguiano no termo,27 certos traços

salientes e omitindo outros que seriam indispensáveis a uma análise dialetológica ou

sociolinguística. O resultado é um código estilizado que possibilita, como assinalou

Norman Page, “to increase the possibilities of fiction dialog, in a manner that could

hardly be achieved by other means.”28 O dialeto literário funciona assim como um

código marcado, atribuindo às vozes dos personagens um valor contrastivo que define

uma relação complexa entre modos linguísticos e se projeta além de oposições binárias

tradicionais, quais sejam “padrão vs. não-padrão” ou “correto vs. incorreto”, além de

constituir uma metalinguagem para expressar conotações do universo referencial que a

escrita normativa não seria capaz de captar. Embora uma leitura superficial pudesse

interpretar o dialeto literário apenas como meio de dar cor local à narrativa, ou como

recurso cômico de pouca transcendência, uma análise mais cuidadosa revela que é

compatível com o comentário social, o qual é enfatizado pelo desvio da norma prescrita.

Quando a voz de uma personagem é moldada pela língua padrão, o leitor pode

acessar seu conteúdo semântico diretamente. O dialeto literário, porém, choca-se

propositalmente com o código padrão, atribuindo ao texto uma dimensão que ultrapassa

os significados puramente referenciais e desfamiliariza a língua, exigindo uma

interpretação não só em termos do significado denotativo como também de conotações

sociolinguísticas essenciais, o que vale dizer daqueles traços que a língua padrão tende a

camuflar. Realçando assim a linguagem, o dialeto literário acrescenta ao significado

referencial um simbolismo que aponta às relações sociais entre os personagens.

A compreensão de um texto literário enriquece-se quando os leitores são capazes

de ultrapassar a alienação induzida pela representação da fala atípica e decifrar tanto as

suas denotações como as suas conotações. Isto significa ser capaz de ouvir as vozes do

26 Cf. Mikhail Bakhtin, The dialogic imagination. Tradução de Caryl Emerson e Michael Holquist, Austin, Texas: University of Texas Press, 1987; Michael Holquist; Dialogism. Bakhtin and his World. Londres e Nova York, Routledge, 1990, p. 89. 27 Sobre o conceito de realçamento (ing. foregrounding) na escola linguística de Praga, cf. Geoffrey Leech, “Pragmatic Principles in Shaw's You Never Can Tell”, em Language, Text and Context. Essays in Stylistics, M. Toolan (org.), Londres, Routledge, 1992, e Jan MukaÍovský, “Standard Language and Poetic Language”, em A Prague School Reader on Aesthetics, Literary Structure and Style, Paul L. Garvin (org) Washington, D.C., Georgetown University Press, 1964. 28 Norman Page, Speech in the English Novel. 2a. ed. Houndmills, Basingstoke, Hampshire, MacMillan Press, 1988, p. 94.

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texto através de um ouvido mental, por assim dizer, a fim de descobrir o que têm a

informar sobre os personagens. Assim como os contrastes heteroglóssicos assinalam a

condição social de uma personagem com respeito aos demais --e ao leitor--, a análise

sistemática do dialeto literário revela valiosa informação adicional, desde que se

compreenda que a relação entre o dialeto literário e a variedade linguística representada

é mimética e evocativa, e portanto, indireta. Aquela análise pode iluminar temas como

as relações entre língua e nacionalidade, o impacto da ideologia nas representações

linguísticas, e as relações entre estas e as idéias políticas que influenciam as normas

linguísticas, ademais de contribuir à investigação de temas de identidade individual ou

coletiva. Por outro lado, na medida em que o dialeto literário serve de veículo à

literatura de testemunho, é pertinente inquirir sobre a fiabilidade de uma mensagem

transmitida por uma personagem cuja voz é mediada por um autor que não pertence

necessariamente à comunidade de fala representada, temas estes que permitem

vislumbrar todo um campo de investigação. No tocante à leitura como atividade

formalmente aprendida e conscientemente cultivada, tais considerações sugerem que,

assim como a teoria literária é fundamental à compreensão da literatura, são-lhe também

indispensáveis noções de teoria linguística, dialetologia e sociolinguística que permitam

compreender e refletir sobre textos representativos da variação regional ou social da

língua. Revela-se-nos dessa maneira a linguística literária como amplo campo de

pesquisa, motivado por um modo representativo protéico e intrigante, que oferece um

poderoso contraponto à escrita normativa. Como leitores, o dialeto literário desafia-nos

a interpretar não apenas o conteúdo cognitivo semântico, como também as conotações

sociais das formas linguísticas. Aceitando esse desafio, assumimos as regras do jogo e

admitimos a subversão das normas habituais, e ao fazê-lo, aprofundamos nossa

interação com o texto, do nível das idéias ao nível da linguagem, cuja forma torna-se

assim inseparável do que simbolizam as personagens, ressaltando a manifestação de

vozes individuais e permitindo a recuperação da oralidade mediante a reinserção

estética da fala no texto. A análise dessas representações enriquece a experiência

literária, revelando a variação linguística como parte integral do idioma e as formas não-

padrão como manifestações de uma diversidade cultural comunicativamente válida e

digna de respeito.

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A Comunicação no circo

Luciano José Draetta Ferreira29

Resumo: Este artigo é resultado de um trabalho de conclusão do curso de Letras em 2010 na FASS – Faculdade São Sebastião. Propomos uma análise da comunicação no circo, isto é, das formas narrativas e seus resultados estéticos. A pesquisa está apoiada na observação de espetáculos e entrevistas de diretores, proprietários e artistas, de variadas faixas de idade e experiências profissionais. O estudo bibliográfico buscou referências históricas, filosóficas e antropológicas. Levamos em consideração as diversas apropriações e transformações do circo, ao longo do tempo, e as distintas origens e cosmologias dos agentes envolvidos. Palavras-chave: circo, comunicação, narrativas, resultado estético.

O público e os espaços dos espetáculos de circo

A arte circense teve maior ou menor apreço de seus expectadores ao longo da

história, por diversos motivos que passavam por questões econômicas, regionais,

culturais, de urbanização, de mercado, das mídias, entre tantas outras interferências que

refletiram na produção circense.

Os circos brasileiros de lona, de pequeno, médio e grande porte, sofreram as

consequências das transformações da sociedade do século XX. A densidade

demográfica e a ocupação dos centros das cidades pelas edificações limitaram a entrada

dos circos de lona nessas regiões. O alto grau de desenvolvimento tecnológico e a

orientação das regras de mercado, com um consumo voraz criado e impulsionado pela

indústria cultural influenciaram a produção e distribuição do espetáculo circense.

A região central da capital paulista ao longo do século XX assistiu a um

decréscimo da circulação dos circos de lona. Já o início do século XXI marcou o início

de um movimento contrário. Os terrenos dos bairros passaram a abrigar as lonas e seus

respectivos espetáculos. Já o espetáculo com técnicas circense apresentado em teatros,

ruas e instituições sócio-culturais têm um significativo crescimento na última década do

século XX.

29 Iniciou a carreira profissional de artista circense em 1995. Atua como palhaço Surubim no Circo Navegador. Já montou dez espetáculos entre 1997 e 2011, revezando entre as funções de palhaço, ator, autor, produtor e diretor.

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No estudo de Magnani30 sobre o lazer na periferia, observamos a preferência das

“classes populares” pelos espetáculos de circo. Ele nos traz o surpreendente dado de

100 a 150 lonas de circo de pequeno e médio porte circulando pelos bairros periféricos

da capital paulista nos anos 70 e 80. Essa grande quantidade de lonas e espetáculos,

responsável por uma significativa fatia do lazer do paulistano, não é percebida,

“contabilizada” ou estimulada pelas instituições governamentais ou não governamentais

responsáveis pela gestão da cultura na cidade, nem, tão pouco, pela mídia, porém, isso

não anula sua força. No início do século XXI percebemos um grande êxodo desses

pequenos circos para cidades menores no entorno dos grandes centros.

As dificuldades de montagem de circos nas cidades urbanizadas são muitas.

Começam pela escassez de terrenos adequados, falta de apoio institucional e

governamental, restrições legislativas, concorrência com outras formas de lazer

“gratuitas”, entre outros tantos empecilhos.

A montagem de uma lona de circo está intimamente ligada à estruturação

arquitetônica, e o desenvolvimento sócio-cultural e econômico das cidades. Nesse

sentido, nos apoiamos nos pensamento da geógrafa Ana Fani A. Carlos31, que reflete

sobre a transformação do significado do espaço ao longo do tempo, deixando de ser um

“lugar de estar” para ser um “lugar de passagem” “em profundo processo de mutação

em que no seio da agitação a multidão cada vez mais densa, amorfa, perde sua

identidade”. Ainda segundo a autora: “Na rua encontra-se não só a vida, mas os

fragmentos da vida (...) no movimento da rua encontra-se o movimento do mundo

moderno” 32.

O circo quando é “convidado” a participar da vida da cidade, atribui-lhe a

virtude da sociabilidade e exerce sua função de intercâmbio, comunhão e encantamento

dos munícipes.

Originalmente a composição do público em espetáculos de circo de lona era

bastante heterogêneo, mas influenciada pelas transformações urbanas e sociais ficaram

estabelecidas linhas “invisíveis” de estratificação social orientadas, em grande parte,

pelos valores dos ingressos e pela localização das lonas que resistem as dificuldades

urbanas.

30 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984. 31 CARLOS, Ana Fani A. O Lugar no/do Mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. p.88 32 Idem. p. 85

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O gosto e as escolhas dos moradores das regiões centrais da capital paulista

foram orientados pelo re-ordenamento urbano e também pela institucionalização da

fruição cultural. Algumas instituições como imprensa, críticos, prêmios, secretarias de

cultura, salas de teatro, SESC, SESI, instituições governamentais e não-governamentais,

entre outras, são mediadoras da produção e distribuição artística. Estas são responsáveis

pela atribuição de valores, expectativas e modelos que refletem diretamente no que é

apresentado ao público e interferem na elaboração do gosto dos espectadores.

Da mesma forma que são distribuídas as pessoas dentro de um centro urbano,

obedecendo às regras de mercado e valor social, também são estruturadas as suas

representações, instituições e formas de lazer. Seguindo essas regras, as lonas de circos

pequenos e menos estruturados são montadas nas periferias e atendem o público de

baixa renda. Estes circos sofrem as consequências da falta de recursos, da legislação que

não os favorece e da concorrência com entretenimento eletrônico e estruturas

comerciais que agregam uma grande diversidade de lazer e entretenimento.

Em São Paulo, Capital, os terrenos bem localizados, em pontos intermediários

entre o centro e as periferias, como a Marginal Tietê, próximo ao Anhembi, ou Radial

Leste, próximo a estação de metrô Tatuapé, entre outros, são ocupados pelos grandes

circos de lona, por exemplo: o Spacial e o Stankowish. A ocupação desses terrenos se

deve ao tamanho da lona, capacidade de atração de público e condições de custeio

desses espaços. Os benefícios são a grande visibilidade das avenidas movimentadas e a

facilidade de acesso.

Alguns circos voltaram a ocupar os terrenos do centro da cidade, nesta última

década, em razão da representatividade dos artistas, e sua institucionalização, por meio

de entidades como a Cooperativa Brasileira de Circo33. Os circos Roda Brasil, Fiesta,

Zanni e Vox, montaram suas lonas no Memorial da América Latina34, revitalizando este

circuito de circos de lona no centro da cidade. Esta retomada deve-se também ao

amparo de instituições governamentais, prêmios por intermédio de editais públicos,

investimento de empresas particulares por meio das leis de incentivo fiscal,

patrocinadores, ampla visibilidade da imprensa e investimentos de recursos dos próprios

circos.

33 Entidade sediada em São Paulo, criada e mantida pelo setor circense com objetivo de fortalecer o circo no Brasil. Em 2010 reúne 400 cooperados de todo o país. 34 O Memorial é um conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer que fica localizado ao lado do metrô Barra Funda e nasceu com a missão de estreitar as relações culturais, políticas, econômicas e sociais do Brasil com os demais países da América Latina.

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Recentemente também foram usados terrenos particulares em bairros nobres,

como por exemplo, o Circo Vox que se mantém montado em terreno próprio no bairro

Chácara Santo Antonio. O Circo Zanni ocupou o terreno privilegiado da região central

da cidade, localizado na esquina da Rua Augusta com Rua Caio Prado. É importante

lembrar que essa reconquista de espaços urbanos conta com investimentos próprios,

apoio de patrocinadores e leis de incentivo fiscal. Somente o resultado de bilheteria não

é capaz de sustentar os altos custos imobiliários dos centros urbanos, além dos custos do

espetáculo e toda a sua estrutura.

O vale do Anhangabaú, local tradicional de instalação de lonas de circo na

primeira metade do século XX, foi retomado com eventos anuais desde 2006, com a

montagem da lona da Cooperativa Brasileira de Circo, para realização da “Palhaçaria

Paulistana”, que reúne dezenas de artistas em shows de variedade apresentados

gratuitamente ao longo de uma semana com várias sessões gratuitas por dia. Trata-se de

uma iniciativa de democratização do acesso e valorização do circo, que amplia a

visibilidade dos artistas e abriga os espectadores de maneira indiscriminada. A

receptividade por parte do público e da imprensa é surpreendente.

O Parque Vila Lobos, da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente,

localizado em uma das regiões mais nobres da cidade de São Paulo, foi “palco” por três

anos consecutivos (entre 2008 e 2010) do Cirque Du Soleil. Este além de contar com

terreno público, de ótima localização, “protegido” pelo parque, com estacionamento,

entre outros benefícios, contou com largo apoio dos mecanismos de incentivo fiscal35.

Assim sendo, os terrenos mais privilegiados foram ocupados pelos circos que

dominam os mecanismos de patrocínio e isenção fiscal, além de terem um ótimo

desempenho diante dos meios publicitários e jornalísticos. Trata-se também de uma

reorganização econômica.

Nesse cenário, estes espetáculos estão se aproximando de uma faixa da mais

privilegiada da população paulistana e estimulando o interesse deste grupo pelo circo,

na medida em que foram adequados alguns mecanismos que reforçam a comunicação.

Questões estéticas, de identidade, urbanísticas, entre outros fatores, contribuíram pra o

crescimento do interesse deste grupo pelo circo. O primor estético, o rigor técnico e a

35 O Cirque Du Soleil reuniu em uma única temporada em 2007, quatro vez mais recursos financeiros, do que a totalidade do investimento da Funarte, órgão do Governo Federal responsável pelo fomento ao setor, repassou por meio de editais para todos os circos brasileiros durante os 12 meses do mesmo ano. Os recursos captados pelo circo canadense, via Lei Rouanet, são oriundos de renúncia fiscal, isto é, de impostos que deixaram de ser recolhidos aos cofres públicos, pelas empresas patrocinadoras, e foram investidos diretamente no empreendimento cultural estrangeiro.

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boa qualidade das produções atendem as necessidades de entretenimento e de

“consumo” da sociedade contemporânea. O valor dos ingressos e a localização acabam

por impossibilitar o acesso das populações de baixa renda a estes espetáculos.

Formas de transmissão do conhecimento circense

Num processo continuo de reorganização urbana e social, como já foi visto

anteriormente, destacamos a mudança nas formas de transferência do conhecimento

circense, isto é, os métodos e instituições de ensino-aprendizagem das habilidades do

circo, como um fator de grande influência na transformação do setor.

Na tradição circense a transmissão do conhecimento se dá essencialmente no

interior das famílias, com algumas exceções a novos integrantes que assumem o modo

de pensar e viver dos circenses e são incorporados no grupo social. A transmissão do

conhecimento se dá de forma oral e corporal, orientadas pelas vivências e pelos laços de

consanguinidade, afinidade e reciprocidade. Esse modelo de organização social é um

elemento importante no processo de afirmação de uma identidade diferenciada.

Com a reorganização do “sistema” de distribuição dos espetáculos de circos de

lona, em razão das mudanças dos meios de produção de distribuição de bens, serviços,

conhecimentos e informações na sociedade da segunda metade do século XX, houve um

reflexo nos postos de trabalho nos circos de lona. Trata-se de uma equação que reflete

mudanças comportamentais. A fixação de um significativo número de circenses nas

cidades se dá, em parte pela escassez de vagas para o exercício da profissão. Em

paralelo ao êxodo de alguns que não tiveram escolha, percebe-se no discurso36 das

famílias de circo de maior ascensão econômica, um desejo de adesão aos “benefícios”

das sociedades urbanas, como por exemplo: o estudo na universidade. O que

possivelmente propiciaria melhor interação do circo e dos circenses com a sociedade

moderna.

Em meio a essas transformações surgiram outras possibilidades de transmissão

do conhecimento circense por meio de escolas especializadas. A transmissão de

conhecimento das artes do circo deixou de ser orientado exclusivamente pelos

princípios de consanguinidade, afinidade e reciprocidade, no interior das famílias

36 Observado nas entrevistas do trabalho de campo que originou esse artigo.

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tradicionais e das lonas, para ser fornecido como um “produto” de forma institucional

em aulas nas escolas de circo.

No Brasil a primeira experiência de ensino das artes circenses em escola foi a

Academia Piolin de Artes Circenses, fundada em 1978 na cidade de São Paulo. Foi uma

iniciativa dos circenses aliada a uma parceria institucional governamental. No Rio de

Janeiro, surgiu em 1982 a Escola Nacional de Circo com o apoio do Instituto Nacional

de Artes Cênicas (INACEN).

Estas iniciativas visavam atender preferencialmente os filhos dos circenses, a

escola tinha o objetivo de tentar reabilitar as condições de profissionalização,

preservando o conhecimento dos mestres circenses. Segundo Erminia Silva37 “o que de

fato acabou acontecendo é que os filhos de gente de circo pouco frequentavam tais

escolas, cujos alunos eram, na maioria, pessoas de todas as idades, vindas dos mais

diferentes estratos sociais e com propostas e objetivos também diversos”. Um grande

número de artistas de teatro e dança que procuraram as técnicas circenses como

complementação de sua performance cênica, bem como, outros jovens, não artistas, em

busca de novas experiências, se transformaram em artistas. Alguns desses jovens

fundaram companhias que hoje despontam pela excelência artística e representam o

circo brasileiro inclusive internacionalmente.

Nas entrevistas aplicadas na pesquisa de campo foi possível observar que as

famílias tradicionais assistiram a essas transformações, algumas se articulando dentro da

nova realidade como artistas, professores, mestres, diretores, orientadores, etc; outras se

sentindo roubadas preferiram manter a distância e se apegar nas formas de produção e

vida tradicional do circo.

Comunicabilidade

Segundo Marcondes38, a comunicação se dá num campo “invisível” entre o

emissor e o receptor, que não é nem um, nem o outro, trata-se de um produto que resulta

da intenção e da percepção. Entre os meios de se estabelecer comunicação, entre os

37 SILVA, Ermínia; CÂMARA, Rogério Sette. O ensino de Arte Circense no Brasil: Breve histórico e algumas reflexões. http://www.funarte.gov.br/circo/escola-nacional-de-circo-um-historico/ Acesso em: 20 nov. 2010. 38 MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos?. São Paulo: Paulus, 2004.

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homens, podemos destacar a potencialidade das manifestações artísticas, pela poética,

pela subjetividade e capacidade de sublimação. Santaella39 nos lembra que:

“os artistas conseguem dar forma a interrogações humanas que as outras linguagens da cultura ainda não puderam claramente explicitar (...) há que se prestar atenção ao que os artistas fazem, pois, com suas antenas ligadas a uma sensibilidade pensante, sinalizam os rumos do projeto humano”.

Segundo Aristóteles40 “não compete ao poeta narrar exatamente o que

aconteceu, mas sim o que poderia ter acontecido, o possível, segundo a verossimilhança

ou a necessidade”. Arriscaríamos dizer que a poética estimula as sensações e preocupa-

se principalmente com o impossível e com o intangível, capazes de florescer camadas

mais sutis “no/do” ser humano.

O circo diante das demais manifestações artísticas, ainda vai além, alcançando

destaque no que diz respeito à comunicação. Esse potencial de comunicabilidade se dá

com maior ênfase no circo por se tratar de uma manifestação estética expressa

essencialmente pela corporeidade.

Santaella41 nos lembra: “os seres humanos são, (...) corporificados, a despeito de

todas as tentativas dos filósofos, desde o Iluminismo, para descrevê-lo como criaturas

de razão e afirmar que essa capacidade para raciocinar afasta os humanos de suas

características como criaturas.” Nessa perspectiva, apontamos que a comunicação no

circo se dá inicialmente pelo contato visual, não se exige do espectador nenhum

conhecimento prévio ou domínio de faculdades complexas. A compreensão de suas

mensagens depende basicamente das sensações causadas pelo artista no espectador. É

importante lembrar que a essa leitura sensorial do movimento corporal, está

intimamente ligada à capacidade do artista de transformar o virtuosismo em espetáculo.

O estimulo das sensações se dá na medida em que este corpo desafia as leis naturais

como, por exemplo, a da gravidade, realizando o “improvável” e atribuindo-lhe a

“espetacularidade” que justifica o interesse do público.

As “regras” no circo são simples e rapidamente apreendidas pelo público,

qualidade esta, que potencializam a comunicação. A superação dos limites do corpo lhe

atribui novos significados e causa encantamento e admiração do espectador. Esse corpo,

apesar de ser comum a todos os homens e, por isso mesmo, entendido na sua

39 SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação. São Paulo: Paulus, 2004. 40 ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d. 41 Op.cit.

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fisicalidade, no circo assume a função de “super-corpo” reflete o desejo, o sonho, a

sublimação, a superação e, em última instância, o desafio da própria existência do

corpo.

Segundo Mário Fernando Bolognesi42, na maioria das situações do circo a

questão posta está relacionada à eterna tensão entre o erro e o acerto, entre a vida e a

morte. Essa tensão que permeia toda a existência humana é mais um fator de

potencialização da comunicação circense. Pode trata-se de um risco simbólico, no qual

o erro não causa danos além da frustração da expectativa, como no caso do

malabarismo. Mas também pode representar um risco real de morte, no caso dos

trapezistas voadores, que de fato arriscam suas vidas. O palhaço, por sua vez, traz uma

nova perspectiva de denúncia e transgressão das limitações que a vida impõe, ele não

atribui ao erro a frustração, mas percebe a incongruência da obrigatoriedade do acerto.

O resultado dessa perspectiva oferecida pelo palhaço é a identificação da potencialidade

do homem, expectador, com seus erros, ele é capaz de criar poesia e sublimação nas

contrariedades da existência. Esse possível “escapismo” tem uma função vital de trazer

ao público o relaxamento das tensões criadas pela defesa da vida nos números que

trazem a sensação do risco de morte.

Mais uma vez contamos com o apoio de Bolognesi que contribui de forma clara

e objetiva para o entendimento do corpo no circo:

a matriz do circo é o corpo, ora sublime, ora grotesco. O corpo não é uma coisa, mas um organismo vivo que desafia seus próprios limites. O artista tem consciência da possibilidade do fracasso, que pode se dar em qualquer espetáculo, independentemente de todo treino e de toda perícia. A queda do trapezista em seu desempenho não é apenas imagem ficcional. O público presencia a construção do suspense, do calafrio, seguido de sua superação. No momento seguinte, o espetáculo é “interrompido” e o público é acometido pela descontração da performance dos palhaços. O corpo feito espetáculo deixa de lado a roupa cotidiana que o esconde para se mostrar em sua grandeza contraditória, no jogo incessante entre o sublime e o grotesco. Espetacularmente, ele se desnuda para revelar toda a sua potencialidade. A possibilidade do fracasso é evidente, para ser superada, no momento seguinte, com o riso dos palhaços. O corpo sublime, no chão ou nas alturas, desafia, em forma de espetáculo, as leis naturais. O circo, assim, trouxe às artes cênicas, no século XIX, a reposição do corpo humano como fator espetacular.

42 BOLOGNESI, Mário Fernando. O Circo “Civilizado” . http://sitemason.vanderbilt.edu/files/c36CfC/Bolognesi%20Mrio%20Fernando.pdf Acesso em: 27 jun. 2010. p.4

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Destacamos ainda outra característica que reforça a comunicabilidade no circo: a

possibilidade de interlocução entre o expectador e o artista. Em maior ou menor grau,

dependendo do tipo de espetáculo, a platéia assume papel indispensável na

representação circense. Essa característica apóia-se também na estrutura arquitetônica

do circo, que em geral tem o formato de arena, os artistas em nível inferior e a platéia

disposta em arquibancadas posicionadas em sentido ascendente em torno do picadeiro.

Nessa perspectiva observamos um traço característico das artes populares que dá status

aos expectadores e em alguns casos permite até a participação, e o “protagonismos” em

outras situações.

Segundo Magnani “o entretenimento popular sobrevive adaptando-se as

características e gostos do seu público”43, ele aponta três importantes características que

reforçam a comunicação no circo: a festa, a música e o drama. Observamos que esses

elementos contribuem na percepção da potência do circo:

• A festa, uma característica de euforia embutida no circo, que transparece

desde a montagem da lona com suas cores vibrantes e do envolvimento

de um grande número de pessoas (famílias do circo, artistas, peões,

crianças e adultos da comunidade), essa festa se concretiza no espetáculo

que reúne características de: glamour, alegria e performances

surpreendentes. Trata-se, acima de tudo, da criação do lugar de encontro

para o público.

• A música, peça fundamental no circo das suas mais variadas

modalidades, ela apóia o espetáculo como estímulo sensorial da platéia e

como moldura da movimentação cênica, imprimindo tensão, poesia,

comicidade, magia e encantamento, de acordo com a intencionalidade do

número circense.

• O drama, com o sentido de ação, está presente em todas as atividades do

espetáculo circense e reforça a “tensão” na narrativa do circo que

mantém o espectador atento em razão de um perigo iminente que

permeia a maioria das situações da cena circense.

A interdependência público-espetáculo reforça a comunicação, por trata-se do

“empoderamento” do espectador. A compra do ingresso dá ao público o direito de

43 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.111.

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sentar-se, geralmente, em nível superior ao artista, bater palmas ao longo do espetáculo,

comer e beber durante a apresentação, fazer comentários sobre o que está vendo. Em

alguns casos, em espetáculos muito populares, intervir de forma oral com a aprovação

ou rejeição do que é apresentado.

O público do espetáculo circense é tratado com distinção, muito bem

representado pelos clássicos bordões usados pelos apresentadores: “respeitável

público”, “excelentíssima platéia”, “distinta localidade”, entre outros. Esses são mais

alguns traços que valorizam o público e causam a sensação de participação ativa e

interlocução com o espetáculo.

Na relação com outros meios de comunicação eletrônico, Magnani nos lembra

que a arte circense “apesar da concorrência e presença da televisão, rádio, indústria do

disco, etc, não foi destruída pela ação dos meios de comunicação de massas; ao

contrário, não só sobrevive como ademais mantém com eles uma série de vínculos”44.

Nota-se uma apropriação da popularidade de outras mídias, que são traduzidas de

acordo com as conveniências, para dentro do espetáculo de circo, re-significando-as

com a perspectiva de atingir os objetivos de comunicabilidade.

Essa apropriação se dá em diferentes níveis de acordo com o universo simbólico

dos artistas-criadores e do público. Da intenção à realização existe um grande espaço,

isto é, entre o processo de elaboração (por parte do artista) e recepção (por parte do

espectador) há um percurso a ser trilhado, o que demanda muita atenção. Algumas

dificuldades postas para a elaboração e execução da performance circense são: a falta de

recursos financeiros e de conhecimento tecnológico. Essas duas carências podem

indicar, em alguns casos, um ótimo resultado, na medida em que a escassez de recursos

materiais potencializa os recursos humanos e evidencia a capacidade de criativa dos

artistas. No entanto, notamos por meio das entrevistas com artistas e proprietários, em

inúmeras lonas de pequeno porte, que a escassez de recursos materiais inibe, de certa

forma, o desenvolvimento artístico e compromete o resultado estético.

Alguns entrevistados declararam a necessidade de recursos financeiros para

melhorar a sua condição de vida e capacidade profissional. Fica claro a necessidade de

recursos para atender necessidades primárias de um espetáculo como, por exemplo: a

interação com tecnologias de iluminação e sonorização, automação de aparelhos por

44 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 24.

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meio de motores, melhorias nas condições de recepção do público, confecção de

cenários e figurinos, entre outras ferramentas que podem “modernizar” o espetáculo

circense.

Em busca da comunicabilidade o circo que detêm mais recursos interage com

tecnologias sofisticadas que causam maior interesse no público urbano de estratos

sociais superiores que estão doutrinados para gostar de produtos de alto grau de

sofisticação.

Os circos menos privilegiados economicamente que necessitam ampliar a

entrada de recursos, a atração de público e venda de ingressos, investem na

comunicação com as camadas mais populares da sociedade, muitas vezes, por meio da

incorporação de elementos – a sua maioria televisivos – em seus shows, como por

exemplo: personagens, bordões, arquétipos, idéias e até mesmo programas. Essa escolha

pode resultar no “empobrecimento” da performance artística, em razão da

incompatibilidade entre os recursos da produção televisiva e da apresentação (ao vivo)

nos circos. Os recursos técnicos e linguagens, do circo e da TV, são muito distintos. É

impossível obter os resultados de uma mídia em outra, consequentemente, esta

iniciativa em geral cumpre com a função de atração de público, mas é nociva para o

circo, na medida em que o descaracteriza, abrindo mão, em muitos casos, do princípio

de “espetacularidade” e da superação física intrínsecas ao circo.

É indispensável lembrar que outras mídias como o cinema e a televisão

constantemente se apropriam do circo, e neste caso obtêm êxito na maioria das vezes.

Destacamos alguns exemplos em épocas distintos: “Carlitos” criado por Charlie

Chaplin, apresentada no cinema a performance acrobática e a lógica do palhaço. Os

shows de palhaços na televisão: Arrelia, Torresmo e Carequinha, entre outros, que

migraram com a magia do circo para a televisão atribuído a figura do palhaço a função

de apresentador e animador. “Os Trapalhões”, quarteto que marcou a TV brasileira com

a apresentação de cenas de circo obedecendo às rotinas tradicionais, a lógica e as

técnicas do circo. Esses casos denotam a capacidade das outras mídias apropriarem-se

da popularidade e da capacidade de comunicação do circo.

Algumas dificuldades cotidianas

O artista de circo sempre foi reconhecido pela sua versatilidade, percebida

principalmente em razão da auto-suficiência e grande capacidade de gerir adversidades.

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Essa característica está relacionada com a vida nômade e necessidade de domínio de

habilidades das mais diversas. O circense na tradição é responsável pela criação de seu

número assumindo funções de figurinista, cenógrafo, ensaiador, etc, que vão além do

virtuosismo e da performance artística. Entendendo o espetáculo como um todo, o

artista, principalmente dos circos pequenos, também se dedica a funções de eletricidade,

porteiro, bilheteiro, capataz, administrador, iluminador, montador, divulgador etc.

A gestão tradicional ou familiar dos circos tem dificuldade de adequação com o

sistema de produção da sociedade do século XXI. Os mecanismos de renúncia fiscal,

capitação de recursos, elaboração de projetos e inscrição em editais públicos, exigem do

artista, proprietário ou produtor circenses um domínio de ferramentas nem sempre

disponíveis dentro da sua perspectiva pessoal e profissional.

Outros dois aspectos das transformações sofridas pelo circo nos últimos tempos

são: sistema de contratação de artistas e de criação de espetáculos. No primeiro aspecto

as formas de contratação deixaram de ser o tradicional encontro no Café dos Artistas45

no Largo do Paissandu, transformando-se na seleção por meio de audição46. Nessa nova

perspectiva a informalidade na contratação, em alguns casos, deu espaço formalização

com recolhimento de impostos, garantia de direitos trabalhistas etc. No segundo aspecto

a direção do espetáculo deixou de ser responsabilidade exclusiva do dono do circo – que

a realizava de maneira intencional ou de acordo com as condições e conveniências de

cada momento – e foi transferida a um grupo de pessoas contratadas para as áreas de

coreografia, direção cênica, direção musical, criação de cenografia e figurinos.

Devemos levar em consideração que na transformação das formas de criação e

produção circenses, há ainda espaço para o cooperativismo. Nessas estruturas de gestão

horizontal, um grupo de artistas, orientados pelo seu desejo de realização profissional,

reúnem-se buscando o fortalecimento das estruturas artística, empresarial e

administrativa.

De acordo com as entrevistas colhidas na pesquisa de campo, as famílias

tradicionais de circo, apontam que as escolas são capazes de transmitir a técnica e as

habilidades circenses, no entanto, não incluem em seus currículos a vivência na lona de

45 O “Café dos Artistas” é um encontro de artistas e empresários circenses que acontecia no dia de folga da categoria, segunda-feira, no Largo do Paissandu, chegando a reunir mais de 600 pessoas. Era um lugar de encontros sociais, um marco importante de referência dos artistas, que iam procurar trabalho, e de empresários, agentes culturais e donos de circo de todo Brasil, que procuravam artistas para trabalhar em seus espetáculos. 46 Processo de seleção de artistas que busca os mais talentosos para a participação de espetáculos.

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circo que exige muitos outros atributos, além da destreza para a realização da

performance individual de cada artista.

Nas visitas aos circos e entrevistas, percebemos que, em alguns casos, os

recursos financeiros não cobrem os custeios operacionais. As equipes muito reduzidas

se revezam em funções artísticas, técnicas, domésticas e comerciais. Essa situação

consome a energia dos artistas nas necessidades básicas para a subsistência. Eles estão

ocupados na manutenção dos precários equipamentos e na divulgação, em busca de

êxito na próxima apresentação. Percebemos mais uma reclamação dos circenses mais

velhos, que sinalizam a dedicação de tempo dos artistas jovens aos computadores, sites

de relacionamentos, chats e jogos virtuais. O tempo dividido entre as diversas funções

compromete a dedicação aos ensaios e limita o exercício criativo.

Apropriação e re-significação

O contraste de artistas e maneiras de se apropriar da manifestação circense

aponta distinções nas práticas, nos resultados estéticos e na relação com as platéias. O

cenário circense do século XXI está composto de maneira plural e multifacetada,

abrigando as mais diversas tendências e vertentes. A riqueza do convívio de tantas

formas distintas de se manifestar por meio da mesma arte é a construção de novas

perspectivas a partir de um mesmo ponto de partida: o circo.

A apropriação e a re-significação são traços marcantes na trajetória do circo,

encaminhamos o estudo no sentido do entendimento de como se dão as escolhas que

compõem os espetáculos circenses. A estrutura tradicional de vida no circo é orientada

pelos laços de consanguinidade, afinidade e reciprocidade. Nessa perspectiva a

identidade do circense reafirma-se na forma de vida, na relação com a lona, na

cosmologia, na criação estética, na estrutura empresarial e nas formas de transmissão do

conhecimento.

É indispensável para o espetáculo circense uma adequação ao universo

simbólico do espectador. A intencionalidade nas escolhas, desde o terreno ou bairro em

que se monta a lona, os equipamentos e números que serão apresentados, e acima de

tudo, as escolhas estéticas, serão determinantes no resultado do espetáculo e sua

apreciação por parte do público. A sujeição, geralmente por limitações econômicas,

pode resultar na incompatibilidade entre a criação artística e a expectativa da platéia.

Muitas vezes a apropriação de uma grande variedade de signos que não dialogam entre

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si, fruto da falta de referências ou de recursos financeiros, resulta em um desastroso

descompasso entre as expectativas dos artistas e o resultado da performance artística.

Na composição do mosaico que resulta num espetáculo, se os elementos não se

comunicam com fluidez, o espectador, seja qual for o seu universo simbólico, é capaz

de perceber o hiato entre a intenção e a execução. De acordo com Amir Haddad47 “a

arte deve ser uma armadilha perfeita e imperceptível”, isto é, ao espectador deve-se

reservar o estímulo sensorial, a possibilidade de perceber a ação e se envolver no jogo,

sem se dar conta das particularidades técnicas e dos recursos empregados na sua

execução.

Na grande confluência do cenário circense contemporâneo; este pode ser o

antídoto e o veneno da criação estética no circo. No espetáculo as regras têm que ser

conhecidas pelos participantes, isto é, o apreço das platéias depende de uma interação

de símbolos e de um discurso que faça sentido para o expectador. A re-significação de

elementos contemporâneos num espetáculo tradicional, bem como, a apropriação da

tradição, de maneira descontextualizada, corre o risco de não alcançar o objetivo de

comunicação esperado.

Para provocar mais sobre os possíveis contrastes nas manifestações circenses

trazemos o conceito de bricolagem: que segundo Lévi-Strauss, apud Magnani, é

“resultado de um processo que, com fragmentos de estruturas de diferentes épocas e

origens, elabora um novo arranjo onde são visíveis, no entanto as marcas das antigas

matrizes, e de algumas de suas regras”48. Nessa perspectiva é salutar percebermos o

empenho na re-elaboração constante das práticas circenses, levando-se em consideração

a capacidade de recriação do espetáculo de acordo com as necessidades de

comunicabilidade, a adequação ao público e os anseios estéticos dos artistas.

Nessas perspectivas foram observados os espetáculos de circo no trabalho de

campo. Identificamos uma experiência que pode nos auxiliar no estudo das confluências

estéticas no universo circense. O Circo Zanni, em suas temporadas de 2007 e 2008, traz

a cena traços nítidos do espetáculo tradicional como a presença do apresentador, a

banda, a sequencia de números encadeados de forma clássica, reprises de palhaço, a

música ao vivo, a cenografia, as arquibancadas, a programação visual, o tratamento do

público, entre outras tantas características.

47 Amir Haddad (1937-). Diretor e ator de teatro. Em conversa informal. 48 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 74.

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Trata-se de um grupo de jovens, brasileiros e argentinos, que aprenderam as

técnicas circenses em escolas e desenvolveram uma performance de alto grau de

dificuldade. O espetáculo traz o virtuosismo em uma medida adequada lembrando

sempre a condição humana dos artistas. A capacidade de superação e entrega ao risco, é

combinada com uma presença respeitosa e um carisma admirável. O espetáculo é capaz

de dialogar com um público bastante heterogêneo lembrando-o da matriz tradicional do

circo.

Os números foram elaborados individualmente de acordo com o universo

simbólico e as experiências de cada artista e agrupados em sequência pelo diretor do

circo, a trilha sonora, criada exclusivamente para o espetáculo e executada ao vivo pelos

próprios artistas que se revezam tocando diversos instrumentos enquanto seus

companheiros estão no picadeiro executando os números de habilidades. Essa

cooperação ainda é reforçada na medida em que os artistas também fazem a função de

barreira49 e se colocam a serviço do número dos protagonistas de cada número. O

destaque para este circo se dá em razão da comunicabilidade alta e o apreço que o

espetáculo atinge diante da platéia.

Na experiência acima percebemos artistas muito presentes num diálogo intenso

com a platéia. Existem outros espetáculos que fazem caminho contrário. De certa forma

virtualizam a relação do espetáculo com a platéia. Talvez essa seja uma tendência da

sociedade moderna. Percebendo a virtualização da vida, tende-se a acreditar na

existência a partir de referências externas ao corpo. Os aparelhos e sistemas de

comunicação virtualizam os sentidos como, por exemplo, a audição, a vista e a

percepção. De acordo com Moreno (apud) Santaella “pode-se experimentar uma

crescente integração dinâmica de diferentes modalidades perceptivas”50. O paradoxo

entre a importância que o corpo tem no circo e a “descorporificação” da vida moderna

fomenta ainda mais a questão das expectativas depositadas no circo.

No painel de espetáculos observados, na pesquisa de campo, percebemos

escolhas estéticas muito distintas. Na visita ao “Cirque Du Soleil” em sua temporada do

espetáculo Alegria em 2008 em São Paulo observamos uma construção intencional do

artista como “super-homem”, levado as últimas conseqüências. A escolha

provavelmente dos proprietários e diretores do circo atribuem aos artistas uma perfeição

49 Função dos funcionários do circo que preparam os equipamentos no picadeiro e garantem a segurança dos artistas. 50 SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação. São Paulo: Paulus, 2004, p. 58.

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incomum aos humanos. A performance de extremo virtuosismo causa distanciamento

entre o homem comum da platéia e o “semi-deus” do picadeiro. O que nos parece é que

ao artista, não é permitida, na maioria das vezes, demonstrar emoções, suar, em alguns

casos é quase impossível perceber sua respiração; ao final do número os artistas se

despedem com um agradecimento que preserva o glamour do espetáculo e beira a

indiferença. Esse comportamento cria uma barreira de comunicação entre o corpo vivo

do espectador e o “andróide” que se apresenta no espetáculo. A relação estabelecida é

apenas de admiração, contrariando uma virtude do circo que é a interação entre o artista

e o espectador.

As escolhas citadas acima estão em consonância com o empenho frenético de

afirmação da “idéia do eu”, por parte da sociedade contemporânea, confirmando-lhe a

miragem do ego, e alimentando um monólogo, “ensimesmado” de afirmações da

imagem do corpo “fetichizado”. O espectador acostumado a compartilhar das emoções e

dificuldades do artista, está sendo doutrinado a apenas admirá-lo.

A busca do individual, do exclusivo, leva também a uma padronização dos

corpos, orientados pela indústria para atender os interesses do mercado. A avidez pelo

consumo ultrapassa os limites do acúmulo e chega a excitação do novo. Essa “loucura”

da criação de novas tentações frívolas, também estão no campo da arte, e sedem a

velocidade do descarte instantâneo que visa a criação de uma nova necessidade a ser

satisfeita.

Santaella nos apóia com a conceituação de pós-humano:

significa a superação das fragilidades e vulnerabilidades de nossa condição humana, sobretudo, do nosso destino para o envelhecimento e a morte. Tal superação seria atingida pela substituição de nossa natureza biológica por uma outra natureza artificialmente produzida que não sofreria as limitações e contingenciamentos do nosso ser orgânico, hoje obsoleto. A meu ver, além de simplista, reducionista, essa compreensão é ilusionista.51

As análises de espetáculos serviram pra criar parâmetros da pesquisa e expor

para os interessados na pesquisa algumas sugestões de percepção da comunicação no

espetáculo de circo. Finalizamos a reflexão reafirmando a observação do circo em suas

mais variadas perspectivas e camadas, e acima de tudo, entendendo a necessidade de

apropriação e re-significação das variadas escolhas estéticas e modos de produção. O

mosaico do espetáculo é a composição do universo simbólico do artista e suas

51 SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação. São Paulo: Paulus, 2004, p. 55.

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intencionalidades num constante processo de bricolagem. Essa busca pautada pela

orientação estética e atendendo a necessidade de comunicação com o expectador resulta

na experiência sensorial, na maioria das vezes, de prazer, que se espera de uma

realização artística.

Referências Bibliográficas

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Considerações sobre a Separação de Poderes no Estado Brasileiro

Thaís Mantovani*

Resumo: Este artigo analisa a separação de poderes no Estado Brasileiro a partir do funcionamento das Instituições Políticas e do relacionamento entre os poderes Executivo e Legislativo, especialmente no que concerne a elaboração e aprovação de políticas públicas. O argumento central é que, apesar da promulgação da Constituição em 1988 e do retorno do regime democrático, o poder Executivo permanece como o principal ator na arena política, detendo em suas mãos, fortes instrumentos capazes de determinar a pauta e o ritmo dos trabalhos no Congresso.

Palavras-chave: Separação de Poderes, Executivo, Legislativo, Medidas-

Provisórias.

“É uma experiência eterna que todo homem que tem poder é levado a dele abusar;

ele vai até onde encontra limites.” (Montesquieu, Espírito das Leis, Livro XI, cap.IV)

Introdução

A intenção deste artigo é fazer um esboço do funcionamento dos poderes do

Estado brasileiro para compreendermos melhor a relação entre o poder Executivo e o

poder Legislativo e suas ações. Um dos principais focos é analisar o controle que o

Executivo exerce sobre a iniciativa legislativa, tornando-se o principal legislador na

medida em que conta com o poder de editar medidas provisórias com força de lei e

determinar a agenda e o ritmo dos trabalhos legislativos.

Para tratar da relação entre o Executivo e o Legislativo é preciso abordar a

questão da separação de poderes e relembrar os princípios do liberalismo que foi

basicamente seu ponto de partida. O liberalismo como sistema político visa restringir ao

mínimo possível a existência do Estado. Basicamente, ele se preocupa com a

manutenção da ordem e proporciona ao indivíduo espaço para que cuide por si só de seu

bem-estar. No entendimento clássico, o Estado deveria ter um sistema de garantias que

limitassem sua atuação, e a primeira delas seria a própria separação de poderes para

evitar os abusos deste. “Daí a fundamental relevância do ‘princípio’ da separação de

poderes, um tema já legível em Aristóteles, retomado por Locke e reformulado com

* Doutora em Ciência Política e professora da Faculdade São Sebastião – FASS.

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maior eficácia por Montesquieu” 52.

No entanto, para que a questão da separação dos poderes se tornasse mais

concreta e assimilável, o Estado precisou adotar uma Constituição escrita, assim, o que

estivesse ali registrado não poderia ser descumprido e vigoraria por muito tempo. Os

debates sobre a Constituição corresponderam também às discussões sobre o próprio

Estado: sobre o intervencionismo, a dilatação dos poderes do Executivo e o gradual

enfraquecimento de algumas recomendações do liberalismo clássico, particularmente no

que se refere à igualdade dos poderes e à separação entre o direito público e o direito

privado.

Ao longo dos dois últimos séculos, tanto nos regimes ditatoriais quanto nas

democracias, ocorreu a ampliação do governo e do Poder Executivo. No sentido liberal,

o Legislativo deveria ao menos se igualar ao Executivo e ao Judiciário deveria ser forte

e livre. No plano prático, a separação consiste em organizar o funcionamento dos órgãos

políticos fundamentais, de modo que a existência de certo tipo de governo não

comprometa o grau de liberdade social já obtido.

O Brasil adotou o sistema presidencialista e as imagens da sociedade em relação

ao governo centram-se, sobretudo, nas atividades do Executivo; decisões,

planejamentos, poder e administração. Neste regime também vigora a separação de

poderes, porém, na prática, não há nem a igualdade, nem o equilíbrio preconizados pela

forma clássica. Após a Constituição de 1988, o Executivo, através do mecanismo das

medidas provisórias, encontrou uma maneira de estender seus poderes e superar o

Legislativo impondo sua vontade ao Congresso. Inicialmente, esta medida foi adotada

pela nova Constituição com o intuito de substituir o decreto-lei do regime militar, assim

acabava-se com o principal símbolo do autoritarismo, mas se mantinha a iniciativa de

legislar do Executivo.

Argelina Figueiredo e Fernando Limongi analisaram detalhadamente as relações

do Executivo e do Legislativo na nova Constituição53. Nesta obra, encontramos uma

52SALDANHA, Nelson. O Estado moderno e a separação de poderes. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 38. 53 Figueiredo, Argelina & Limongi, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999. Os principais trabalhos analisados por Figueiredo e Limongi para a realização dessa extensa pesquisa são: Carvalho, M. I. V. “Mecanismo conflitual de decisão na Câmara dos Deputados”. Dados, RJ, 11, 1973. Couto, C. “A agenda constituinte e a difícil governabilidade.” Lua Nova, SP: Cedec, 39, 1997. Figueiredo & Limongi, F. “Poderes legislativos e o poder do Congresso”. Monitor Público, RJ, 5, 1995. Figueiredo A. & Limongi, F. “O Congresso Nacional: organização, processo decisório e produção legal.” Cadernos de Pesquisa, Cebrap, 5, 1996. Figueiredo, A. & Limongi, F. “As reformas (des)necessárias.” São Paulo em perspectiva, Seade, 10, 1997. Huber, J.D. “Restrictive legislative procedures in France and the United States.” American Political Science Review, 86, 1992. Lamounier, B. “ Brazil: toward parliamentarism?” in: Linz, J. & Valenzuela, A. (eds.). The failure of presidential democracy: the case of Latin America. Baltimore, Johns Hopkins University press, 1994. Mainwaring, S. “Presidencialism in Latin America.” Latin American Research Review, 25, 1990. Mainwaring, S. “Políticos, partidos

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ótima avaliação do comportamento dos partidos na Câmara dos Deputados e no Senado

e os autores mostram que a ideia vigente de que os partidos brasileiros se comportam

todos da mesma forma e de que faltaria uma organização partidária não é real. Apesar

das fortes evidências a esse respeito (devido, principalmente, à elevada migração

partidária e à falta de uma ideologia coerente), os partidos, só pelo fato de formarem

blocos no Congresso e serem reconhecidos como de esquerda, de centro e de direita, já

mostram que há uma tomada de posição contradizendo a interpretação de que são todos

iguais. Os autores demonstram que os partidos têm um comportamento típico previsível,

e a coesão é bem maior do que se supõem, e o Executivo normalmente contando com o

apoio dos líderes partidários tem força para aprovar o que deseja.

Uma outra abordagem pode ser encontrada na pesquisa coordenada por Luiz

Werneck Vianna54 em que os autores levantam a questão da judicialização da política

como um recurso das minorias diante da maioria parlamentar. Isto é, o Executivo

cooperando com os partidos majoritários formam um presidencialismo de coalizão, no

qual as medidas provisórias não seriam uma imposição unilateral da vontade do

Executivo e sim um resultado da cooperação deste com a maioria parlamentar. Desde a

Constituição de 1988, o que se tem observado é o uso continuado das medidas

provisórias. Justamente por isso, o Poder Judiciário foi convocado pelos sindicatos e

pelos partidos menores para exercer suas prerrogativas consolidando-se como ator

importante no processo decisório como uma forma de enfrentar a atividade legislativa

do Executivo. A pesquisa coordenada por Werneck Vianna também mostra que as

associações de trabalhadores, de profissionais e de empresários representam, juntas, o

segmento que mais recorre à judicialização da política, em uma tendência que se afirma,

sobretudo, nos últimos anos, e entre os partidos políticos, os de esquerda são os mais

ativos nesse processo. Uma conclusão geral dos autores é de que isso revela a

progressiva importância que a sociedade civil vem assumindo como intérprete da

Constituição de 1988.

Para analisar a questão da separação de poderes no Brasil foi necessário nos

remetermos ao período da ditadura em alguns momentos, para comparar a ação do

Executivo daquela época, e posteriormente, analisar esta questão sob a égide da e sistemas eleitorais”. Novos Estudos, SP: Cebrap, 29, 1991. Pessanha, C. “O poder Executivo e a produção legal no Brasil:1964-1991.” In XV Encontro Anual da Ampocs. Caxambu, 1991. Tsebellis, G. “Processo decisório em sistemas políticos: veto players no presidencialismo, parlamentarismo, multicameralismo e pluripartidarismo”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12, 1997. 54 VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice R., MELO, Manuel Palácios cunha e BURGOS, Marcelo Baumann. A Judicialização da Política e das relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

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Constituição de 1988 em que, paradoxalmente, se teve uma distribuição de poderes

mais favorável ao Executivo.

Os autores que trabalham com esse tema, geralmente reconhecem a delegação

do poder Legislativo ao Executivo como um fato recorrente nos sistemas políticos

contemporâneos, mas lembram que ela tanto pode significar abdicação quanto

cooperação entre eles. Como no caso de quando os governadores pressionam suas

respectivas bancadas federais com o intuito de utilizá-las como moeda de troca com o

governo federal, isto é, a bancada de um governador vota a favor de um determinado

projeto proposto pelo Executivo em troca de receber mais recursos públicos.

No que se refere aos parlamentares, vários deles defendem a idéia de que dotar o

Executivo de poderes legislativos emergenciais é atender às necessidades da vida

moderna. Estariam, portanto, admitindo que a produção do Legislativo é lenta e

ineficiente, incapaz de elaborar rapidamente uma legislação solicitada pelo Executivo,

em geral para a intervenção na economia. No entanto, a manutenção de medidas

provisórias no texto Constitucional é motivo de preocupação, pois sua grande maioria

está em dissonância com a Constituição, ou seja, não estão sendo respeitados os

requisitos de relevância e urgência e essas medidas acabam sendo usadas de forma

rotineira.

Não raro encontramos artigos em jornais a respeito deste tema55. Durante o

governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal

Federal, chegou a afirmar em sessão plenária que o comportamento do presidente é

preocupante em um regime democrático, visto que o presidente exerce atribuições que

desrespeitam a divisão dos três poderes, e o número de medidas provisórias editadas por

ele em seis anos de governo equivale a 60% dos decretos-lei em oito anos de ditadura

Vargas56.

Esse tipo de atitude faz com que exista a preocupação em relação à utilização

frequente das medidas provisórias, e por isso este tema ainda exige debate. Este artigo

não aborda todo o material necessário para o entendimento profundo do assunto, pois o

objetivo é esclarecer da melhor maneira os pontos mais relevantes, apresentando o que

55 Como por exemplo, no jornal Folha de São Paulo de 27 de Agosto de 2000, o colunista Elio Gaspari usa o termo “autoritário” para se referir ao governo FHC. Sua coluna tratava da reedição, pela 17a vez, de uma medida provisória pela qual a Agência de Vigilância teria o controle total de propagandas e produtos submetidos ao seu controle, para tentar impedir propagandas enganosas. O colunista afirmava que esta legislação é inepta e autoritária. Inepta porque sob a fiscalização da Vigilância Sanitária estão produtos muito diferentes, desde antibióticos até papel higiênico. E seria autoritária porque não seria de sua competência controlar as propagandas publicitárias e sim punir o que estivesse errado. 56 Jornal Folha de São Paulo, 7/09/00

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está sendo discutido no momento, os problemas decorrentes deste tipo de iniciativa e as

principais posições tomadas por intelectuais e especialistas da área.

Atualmente, os debates, a polêmica e as frequentes discussões principalmente na

área jurídica, da política e da sociologia nos convencem de que ainda há espaço para

esse estudo. O que nos move é a preocupação de entender o sentido, a atuação e o

processo histórico destas medidas em governos democráticos.

A Separação dos Poderes

A concentração de poder em mãos únicas era a característica principal do

Estado absolutista monárquico. Nesta forma de Estado, as práticas de legislar, prestar

justiça e administrar estavam todas submetidas unicamente à responsabilidade do

governante, portanto, não havia espaço para qualquer tipo de discussão sobre os

problemas do sistema. O soberano impunha sua vontade e o povo lhe devia estrita

obediência.

Contrariamente a esse sistema absolutista, alguns autores, como Locke e

Montesquieu, pregavam uma forma de governo descentralizado, onde não vigorasse a

vontade de apenas um indivíduo, e as decisões teriam características mais populares. O

poder centralizado não permitia ao povo participar da vida política expressando suas

vontades e opiniões e não havia outra instância a qual pudesse recorrer caso se sentisse

lesado pelo Estado, é nesse contexto de concentração de decisões que Montesquieu vai

formular sua teoria da divisão dos poderes.

A separação de poderes acabou sendo adotada em diversos países, tanto

parlamentaristas, quanto presidencialistas. No Brasil, também foi adotada

constitucionalmente, mas na prática sempre houve um fortalecimento do Poder

Executivo. Desde a primeira República, este poder é tido como o centro de referência no

processo de tomada de decisões, e, durante a ditadura militar, essa forma de governar

foi legalizada por meio das reformas constitucionais introduzidas. Esse foi o momento

em que o poder Executivo adquiriu maior autonomia frente aos outros poderes e teve

todas as decisões governamentais concentradas em suas mãos.

Entre 1967 e 1985, o Executivo serviu-se de dois instrumentos para obter a

legislação que julgava necessária. O primeiro era o decurso de prazo, em que o projeto

de lei que não fosse rejeitado num determinado período estaria automaticamente

aprovado. O segundo era o decreto-lei. Já naquela época, os parlamentares

consideravam afrontoso o decurso de prazo, e durante a abertura do regime ele foi o

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primeiro a ser afrouxado (passaria a ser incluído na discussão de até dez sessões, e só

seria aprovado se passasse em branco por todas elas). O decreto-lei merece atenção

especial e falaremos dele adiante.

Com o fim do regime autoritário, a luta se direcionou principalmente

contra o acúmulo de poder nas mãos do Executivo. Essa era uma das principais questões

discutidas durante a elaboração da nova Constituição, pois havia um relativo consenso

quanto ao caráter arbitrário de tal prerrogativa.

No entanto, Carey e Shugart57, após análise detalhada a respeito do poder

de decreto do Executivo, em diversos países, chegam à conclusão de que interpretar os

poderes legislativos do Executivo como abuso de poder pode ser um exagero. Os

autores admitem que realmente há casos em que o Executivo agiu além de seus limites

constitucionais alegando emergência, e assim, marginalizou legislaturas ou mesmo

tomou ações diretas contra o Legislativo. Mas afirmam que é bem possível que o

Executivo esteja somente antecipando as preferências de outros atores políticos como,

por exemplo, o Legislativo. E também agilizando a ação sobre políticas já que os

processos legislativos são frequentemente lentos e algumas necessidades a serem

implementadas são urgentes.

A nova Constituição brasileira foi promulgada em outubro de 1988, e introduziu

diversas modificações e possibilitou maior abertura à realização de movimentos sociais

e manifestações populares. Mas a reforma aprovada anteriormente, em maio de 1985, já

estabelecia

eleições diretas em dois turnos para a presidência da República; eleições diretas para prefeito das capitais, áreas de segurança e estâncias hidrominerais; representação do Distrito Federal na Câmara dos Deputados e no Senado; direito de voto dos analfabetos; liberdade de organização partidária, até mesmo para partidos comunistas; direito de participação nas eleições municipais de 1985 aos partidos em formação; redução do prazo de domicílio eleitoral de dois para um ano, e para cinco meses nas eleições de 1985; abolição da fidelidade partidária, isto é, da proibição de mudar de partido ou contrariar diretriz partidária sob pena de perda de mandato e abolição do voto distrital, introduzido em 1979, mas nunca posto em prática58.

E quanto aos poderes do presidente, algumas de suas iniciativas foram

subtraídas, outras foram preservadas. Com a reforma constitucional, houve uma grande

57 CAREY, John M. e SHUGART, Matthew. “Poder executivo de decreto: Chamando os tanques ou usando a caneta?” Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol.13, n.37, p.5-213, Junho de 1998. 58 (SALLUM JR., Brasílio. Labirintos: dos generais à nova República. São Paulo: Hucitec, 1996, p.118.

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ampliação dos direitos de participação autônoma das organizações dos trabalhadores o

que permitia as massas populares mais oportunidade de lutarem por seus interesses com

mais liberdade de ação.

A transição entre o fim da ditadura e a construção da democracia foi, como era

de se esperar, cheia de contratempos, eram muitas as dificuldades de se acabar com um

regime autoritário como o que se teve no Brasil. Até mesmo no interior dos grupos

militares havia conflitos e divergências dificultando as negociações, mas mesmo com

esses conflitos internos conseguiram, por um longo tempo, controlar a sociedade

brasileira desmobilizando-a e limitando toda e qualquer forma de participação popular.

E o advento da Nova República não foi o suficiente para superar as crises,

principalmente econômicas, que abalavam a sociedade, e que se tornariam o grande

desafio dos próximos governantes. A democracia precisaria se fortalecer rapidamente

para que não fosse ameaçada por algum resquício do regime militar. Essa preocupação

existia devido ao fato dos militares continuarem com certa voz ativa no processo

decisório.

Outro ponto que entrou em discussão com a promulgação da nova Constituição

foi a possibilidade de mudança para um sistema parlamentarista. Uma das explicações

para essa questão do parlamentarismo ter ficado em aberto diz respeito ao mandato do

presidente José Sarney59, que desejava a confirmação do mandato de cinco anos e dos

plenos poderes correspondentes ao regime presidencialista.

Durante a Assembléia Nacional Constituinte, havia um movimento para fazer

do Legislativo o principal poder, o centro das decisões. Esse movimento ganhou maior

expressão e importância quando uma facção de centro-esquerda do PMDB o tomou

como bandeira. Era uma facção do partido que não acreditava no governo Sarney e o via

como incapaz de realizar as reformas tão desejadas. Esta parcela queria ganhar maior

identidade política e favorecer a situação dos partidos que ainda se sentiam ameaçados

pela possibilidade de dissolução pelo Executivo e com o sistema parlamentarista o

Legislativo teria seus poderes valorizados e, consequentemente, os partidos políticos

ficariam numa situação mais segura e confortável.

Entretanto, esse movimento não vingou. Ele foi banido principalmente

pela força dos governadores de Estado que, em sua maioria, desejavam a presidência da

República e os poderes executivos intactos. Consideravam que uma alteração no sistema

59 José Sarney assumiu o mandato de presidente devido ao falecimento do presidente eleito Tancredo neves.

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de governo mudaria os objetivos de inúmeros políticos, que por exemplo, eleitos

vereadores já se imaginavam numa carreira ascendente e, através de troca e

financiamentos de campanhas, poderiam se tornar prefeitos, deputados estaduais,

deputados federais, governadores, senadores.

Quanto à população, a impressão é a de que devido à insegurança para

decidir entre os dois sistemas, preferiam dar prioridade à ordem e à estabilidade ao

invés de arriscar em um sistema de governo completamente novo. A adoção do

parlamentarismo também quebraria uma das principais características adquiridas pelo

Estado brasileiro que é a subordinação do Legislativo ao Executivo em que Presidente e

governadores atuam no papel principal, e o Congresso e as Assembléias Legislativas

ficam com o papel secundário. Ou melhor, o presidente e os governadores articulam

coalizões de apoio às suas políticas e decisões, distribuindo recursos públicos de forma

privilegiada em troca de lealdade política. Alguns estudos60 mostram que as pastas

ministeriais são distribuídas aos partidos com vistas à obtenção de maiorias

parlamentares, esta seria uma característica típica dos governos de coalizão no Brasil.

“Por isso, quando os governadores de estado mobilizaram as bancadas

estaduais para que assegurassem na Assembléia Constituinte a manutenção do

presidencialismo, não defendiam apenas a preservação da integridade do cargo

máximo do sistema. Defendiam também a estrutura básica das máquinas políticas

estaduais sob seu comando do eventual “assalto” parlamentar, já que a aprovação do

governo de gabinete no plano federal tenderia a estimular sua introdução também nos

estados da federação” 61.

Outra categoria que apoiava o presidencialismo e o mandato de cinco

anos, era a dos militares. Ainda exercendo participação no cenário político, e com uma

considerável voz ativa nas decisões, os militares alegavam que um prazo mais curto

entre eleições daria mais oportunidades ao povo de intervir no processo político sem

falar nos riscos que se corria de líderes populistas ascenderem ao poder, portanto, os

militares se engajaram e utilizaram das influências que ainda detinham para apoiar a

manutenção do sistema presidencialista e do mandato presidencial de cinco anos.

Neste contexto percebemos que foi devido a falta de apoio significativo

que o movimento em prol do parlamentarismo não seguiu adiante, os interesses

60 Como por exemplo ABRANCHES, Sérgio Henrique. “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro.” Dados, Rio de Janeiro, vol.38, n.1, p.5-34, 1988. 61 SALLUM JR., Brasílio. Labirintos: dos generais à nova República. São Paulo: Hucitec, 1996 p.146 e147.

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contrários eram muitos e, posteriormente, um plebiscito realizado em sete de Setembro

de 1993, constataria a preferência popular pelo presidencialismo.

O Decreto-Lei e a Medida Provisória

Ao promulgarem a Constituição de 1988, os parlamentares decidiram manter em

seu texto a competência exclusiva do poder Executivo de legislar em questões

emergenciais e orçamentárias. Digo manter porque esse foi um dos mecanismos

constitucionais adotados pelos militares em suas reformas implementadas durante o

período autoritário e que acabou sendo aproveitado pela nova Constituição, ampliando

imensamente os poderes do presidente se comparados a Constituição democrática de

1946.

Os militares buscavam uma atuação mais livre frente ao Congresso e ao

judiciário, e por isso precisavam de um Executivo independente e com fortes poderes

legislativos. O instrumento específico a que estamos nos referindo é o decreto-lei.

A Constituição de 1967 o previa como um ato normativo, com força de

lei, de uso exclusivo do presidente da República, em casos de urgência ou interesse

público relevante, como por exemplo, segurança nacional ou finanças públicas. No

prazo de sessenta dias ele deveria ser aprovado ou rejeitado, e não poderia ser jamais

emendado. A rejeição não implicaria na anulação dos atos praticados durante a sua

vigência. Ou seja, ele possuía vigência imediata desde a sua promulgação, mas mesmo

assim era submetido ao Congresso. Decorrido o prazo sem deliberação ocorria a

aprovação por decurso de prazo. Devido a essas vantagens ele se tornou o instrumento

preferido dos militares. Os outros não ofereciam as mesmas vantagens, pois o projeto de

lei podia ser emendado pelos parlamentares, o que o tornava inconveniente; e a lei

delegada não podia ser aplicada sobre determinadas matérias e ainda necessitava de uma

autorização prévia do Congresso Nacional onde deveria ser especificado seu conteúdo.

O decreto-lei era, portanto, o único instrumento independente de qualquer outra ação

pois era editado sem qualquer alteração ou restrição; e também por isso se tornou tão

repudiado e símbolo maior do autoritarismo do regime. Esse instrumento discricionário

tornou-se o principal símbolo do autoritarismo não somente no Brasil e sim dos regimes

militares em toda a América Latina. Dessa forma os militares tinham o poder

institucional de colocar em prática as medidas que lhes conviessem mantendo o rígido

controle da representação político-partidária através de cassações de mandatos, anulação

das funções legislativas e desestruturação do sistema partidário, desmobilizando a

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sociedade e limitando a participação popular através da violência.

Com o fim da ditadura e a promulgação de uma nova Constituição, os

parlamentares acreditavam que mantendo o Executivo com uma certa iniciativa

legislativa estariam atendendo aos reclamos dos tempos atuais. Justificavam que alguns

problemas necessitam de uma tomada de atitude rápida e urgente, e o Executivo seria o

responsável por estas resoluções de urgência através da utilização das medidas

provisórias. Com esse argumento incluíram no texto Constitucional a medida provisória

com o intuito de substituir o decreto-lei. Eis o trecho da Constituição que estabelece

essa prerrogativa:

“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar

medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso

Nacional.” (art. 62 da Constituição Federal)

O objetivo, com isso, era o de acabar com os resquícios da ditadura mas ao

mesmo tempo manter uma forma hábil de governar. A capacidade de editar e reeditar

medidas provisórias fez com que fosse mantida a preponderância do Executivo sobre o

Legislativo que já era notada no regime militar. Esse instrumento adotado no Brasil foi

inspirado no modelo dos provvedimenti provisori com forza di legge, do artigo 77 da

Constituição Italiana. Na Itália, a Constituição estabelece que:

“O governo não pode, sem delegação das Câmaras, elaborar decretos com

valor de lei ordinária. Quando, em casos extraordinários de necessidade e urgência, o

governo, por sua responsabilidade, tomar providências provisórias com força de lei,

deverá, no mesmo dia, submetê-las para efeitos de conversão às Câmaras, as quais são

imediatamente convocadas, mesmo se dissolvidas, e reúnem-se dentro de cinco dias. A

eficácia dos decretos cessa retroativamente caso não sejam convertidos em lei nos

sessenta dias posteriores à sua publicação. As Câmaras, todavia, podem regular por lei

as relações jurídicas decorrentes dos decretos não convertidos”62

Nota-se que na Itália o regime é parlamentarista, portanto, a

responsabilidade da edição das medidas é do gabinete, enquanto que no nosso regime

presidencialista a responsabilidade é exclusiva do presidente. Desde que instituídas

constitucionalmente, o Poder Executivo brasileiro tem recorrido às medidas provisórias

para tratar dos mais variados assuntos, até direitos de pesca no rio Amazonas foram

62 PESSANHA, Charles Freitas. Relações entre os poderes Executivo e Legislativo no Brasil: 1946-1994.

Tese de Doutorado, IUPERJ, 1997, pg. 59

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regulados por medidas provisórias63. A questão da relevância e urgência determinadas

pela Constituição passa, portanto, a ser um critério subjetivo de julgamento do

Executivo, e a capacidade de reedição quase que ilimitada levou ao que Amorim Neto e

Tafner64 definiram como a excepcionalidade legislativa no Brasil, visto que as MPs

passaram a ser um instituto legal amplamente utilizado pelos governos desde a

promulgação da Constituição em 1988.

Em 2001, o governo aprovou a Emenda Constitucional n.32 que regulamentou a

utilização das medidas provisórias, com o principal objetivo de conter o excesso de

reedições a que o poder Executivo estava recorrendo. Segundo dados de Figueiredo e

Limongi65, até setembro de 2001, quando passou a vigorar a emenda constitucional n.

32, o Executivo brasileiro editou 6.109 medidas provisórias, o equivalente a quase 40

por mês. Sendo que estes valores consideram tanto as originais quanto todas as

reedições. Se forem contabilizadas somente as medidas originais, o número cai para

623, mas de qualquer forma é difícil sustentar que durante este período houvesse tantos

casos de “relevância e urgência” que justificassem a utilização de MPs.

A partir da aprovação da emenda constitucional ficou estabelecido que se a

medida provisória não for apreciada em até sessenta dias contados de sua publicação,

entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do

Congresso Nacional, ficando as demais deliberações legislativas ‘trancadas’ até que se

ultime a votação da medida. A medida poderá ser prorrogada por uma única vez por

igual período, sessenta dias, caso não tenha sido encerrada a sua votação nas duas Casas

do Congresso Nacional (CF).

Como o decreto-lei presumia urgência ou interesse público relevante,

poderíamos concluir que ele regulamentava tanto os assuntos urgentes quanto os não

urgentes, mas que fossem de interesse relevante. Então não era considerado abusivo

editá-lo para matéria não urgente. Já a medida provisória, parece ter sido prevista para o

caso de uma urgência qualificada pela relevância. Mas atualmente, muitos especialistas

da área defendem que alguns casos poderiam ser examinados tranqüilamente pelo

63 AMORIM NETO, Octavio. “O Poder Executivo, centro de gravidade do Sistema Político Brasileiro” In: AVELAR, Lúcia e CINTRA, Antônio Octávio (org.) Sistema Político Brasileiro: uma introdução. Rio de Janeiro: Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung; São Paulo: Fundação Unesp, 2004, pg.130 64 AMORIM NETO, Octavio e TAFNER, Paulo. “O Congresso e as medidas provisórias: Delegação, coordenação e conflito”. IUPERJ: Rio de Janeiro, 1999. 65 FIGUEIREDO, Argelina & LIMONGI, Fernando. “Medidas Provisórias” In BENEVIDES, Maria Victória, KERCHE, Fábio e VANNUCHI, Paulo (orgs.) Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora, Fundação Perseu Abramo, 2003.

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processo legislativo comum. Quanto à matéria, a do decreto-lei era restrita aos casos de

segurança nacional, finanças públicas, incluindo normas tributárias e criação de cargos

públicos e fixação de vencimentos. A matéria da medida provisória não tem nenhuma

restrição explícita. Quanto ao prazo, o decreto-lei deveria ser apreciado em sessenta

dias, e então seria aprovado. “A legislação do período autoritário estabelecia que o

silêncio do Congresso implicava a aprovação da matéria enviada. A atual Constituição

força a manifestação do Congresso, seja para rejeitar, seja para aprovar”66. Quanto

aos efeitos, ambos têm efeito imediato desde a publicação. Mas enquanto os efeitos do

decreto-lei são válidos mesmo que ele seja rejeitado, os da medida provisória são

anulados. Nesta comparação a medida provisória fica em desvantagem, pois como ela

tem eficácia imediata, tem de ser cumprida e aplicada imediatamente, mas como não há

certeza de que ela será convertida em lei, ou passar pelo Congresso sem modificações,

quem a cumpre e quem a aplica corre o risco de ter a sua eficiência desconsiderada, seja

pela não conversão dela ou pela conversão noutros termos. Outra diferença importante é

o fato de o Congresso poder emendar a medida editada pelo presidente.

A medida provisória também admite renovação, e essa é a principal

causa que torna seu uso abusivo, pois o governo pode reeditá-la. Algumas foram

renovadas até trinta vezes antes da aprovação da emenda constitucional. A reedição

deveria apresentar o mesmo texto na íntegra, mas o que ocorre é que fazem uma

pequena modificação que justifique apresentá-la como sendo uma nova medida. Esta

parece ser também a principal diferença entre a medida provisória e o decreto-lei, pois

se ela não for rejeitada por uma maioria legislativa pode ser reeditada e vigorar por mais

trinta dias e assim por diante. Já o decreto-lei, terminado o prazo de apreciação ele é

automaticamente aprovado. O que percebemos é que além de ser muito semelhante ao

decreto-lei a medida provisória aumentou seu campo de atuação tornando-se, inclusive,

mais arbitrária. Vale considerar as palavras de Bolívar Lamounier: “Não querendo

enfrentar o desafio da reforma institucional, a maioria da elite prefere fingir que um

instrumento arbitrário como a medida provisória é compatível com a democracia, ou

vê-lo como um dado irremovível da realidade” 67.

Há uma certa unanimidade entre os autores a respeito deste tema. A

66 FIGUEIREDO, Argelina & LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p.44. 67 LAMOUNIER, Bolívar. “A democracia brasileira de 1985 à década de 90: a síndrome da paralisia hiperativa”. In: Velloso, J. P. Reis (org). Governabilidade, sistema político e violência urbana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994, p.44.

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grande maioria considera a medida provisória um recurso autoritário, dissonante com a

situação democrática e duvidosa quanto ao caráter de urgência. Entretanto, a sociedade

aparentemente está conformada com essa situação, ou não se dá conta da realidade.

A utilização freqüente das medidas provisórias pelo governo deixa o

Legislativo praticamente de “mãos atadas” ficando destituído de sua principal função

que é a de legislar. Essa questão também se confronta diretamente com o princípio de

separação dos poderes (a que nos referimos anteriormente), pois o Executivo passa a ter

uma atuação autônoma e estratégica para a aprovação de seus projetos diante do

Legislativo e do Judiciário.

Mesmo com esse forte mecanismo de legislar em suas mãos, o Executivo

não conseguiria governar contra a vontade de uma maioria, pois as proposições por ele

apresentadas precisam ser aprovadas pelo Congresso. E nesse sentido o Executivo pode

se utilizar habilmente de seus poderes legislativos para induzir a formação e a

manutenção dessas maiorias. Ele pode, inclusive, acusar o Legislativo de estar

impedindo a aprovação das medidas mais necessárias.

“Quanto mais difícil para os legisladores construir e manter coalizões

capazes de aprovar a legislação, mais atrativa será a alternativa de promover ao

Executivo o poder de decreto, seja delegado ou constitucional”68.

Inicialmente as medidas provisórias foram utilizadas principalmente na

formulação de planos de estabilização econômica, mas na prática seu uso se estendeu

para além desse campo. Assim, os governos que não contam com uma maioria no

Congresso, ou os governos sem grandes aliados, podem recorrer às medidas provisórias

como forma de fazer valer sua vontade; e os que já contam com um apoio majoritário se

tornam, através de tais medidas, ainda mais fortes, preservando acordos e se protegendo

de atitudes impopulares. Seriam, portanto, instrumentos muito eficientes no sentido de

manter a governabilidade, que é um ponto de preocupação de governantes assim que

assumem um cargo político.

No Brasil, o meio acadêmico discute muito a respeito de uma suposta

crise de governabilidade, que seria a incapacidade do Estado de promover reformas

estruturais em suas políticas públicas.

Com a derrocada do regime autoritário observou-se o esgotamento de um

certo modelo de desenvolvimento econômico baseado na intervenção estatal. Segundo

68 CAREY, John M. e SHUGART, Matthew. “Poder executivo de decreto: Chamando os tanques ou usando a caneta?” Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol.13, n.37, p.5-213, Junho de 1998, p.158.

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Sallum Jr69, foi tornando-se presente entre os empresários que o crescimento econômico

e a redução das tensões sociais não poderia mais depender da presença dominante do

Estado no sistema produtivo. Posteriormente a isso, as novas prioridades eram a

estabilização econômica, reinserir o país no âmbito internacional e institucionalizar a

democracia.

Com a instauração da Nova República, em 1985, e devido a grave crise

econômica na qual o país estava inserido, o principal objetivo parecia ser conter a

inflação, nem que para isso se utilizassem de meios coercitivos dificultando o

aprimoramento das instituições democráticas. Essas políticas resultavam no alijamento

do Legislativo. “Assim, a tensão entre as formas de alcançar as metas reforça o

confronto entre as prioridades da agenda, tornando-se parte constitutiva da crise do

Estado, já que compromete as bases de sustentação política do governo. Tal

modalidade de gestão pública, por sua vez, tende a produzir o isolamento do Executivo,

comprometendo a racionalidade governativa”70.

Para enfrentar essa crise seria necessário um Estado eficiente, e a

concepção dominante de Estado eficiente era sinônimo de Executivo forte. As

dificuldades se agravavam cada vez que ao invés de se promover reformas sociais,

priorizava-se os programas de estabilização econômica. Assim, o desejo de diminuir as

desigualdades sociais e incentivar o desenvolvimento para gerar empregos no país

ficava cada vez mais distante. Todas as atenções estavam voltadas para o objetivo de

controlar a inflação.

O fracasso de sucessivos planos de estabilização gerou uma descrença

nas instituições políticas brasileiras. O termo ingovernabilidade estava sendo atribuído à

falta de capacidade das instituições e dos próprios líderes de resolver as necessidades

básicas do país. O grande argumento é de que com o advento da democracia houve um

excesso de participação social, impedindo o governo de conseguir atender tais

demandas, e diante disso o Estado deveria ser forte para se colocar acima desses

interesses.

Predominou uma grande autonomia do Estado com a concentração do

poder decisório no Executivo associada a estratégias coercitivas de implementação. A

tendência foi retomar a idéia de Estado forte como forma de não comprometer o bom

69 SALLUM JR., Brasílio. Labirintos: dos generais à nova República. São Paulo: Hucitec, 1996. 70 DINIZ, Eli. “Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova ordem no Brasil dos Anos 90.” Dados, Rio de Janeiro, vol.38, n.3, 1995, p.387.

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desempenho do governo. Mas para o Estado viabilizar suas políticas, deveria ser capaz

de articular coalizões e alianças que lhe permitissem consolidar uma maioria. Isso diz

respeito à forma com que o governo vai negociar com cada partido para obter apoio. A

governabilidade torna-se então dependente da estrutura política que será formada.

Devido a uma suposta falta de urgência no processo de tomada de decisões por

parte do Congresso, é comum ouvir falar em uma crise na implementação de políticas

públicas. Porém uma observação mais detalhada da política nacional, revela justamente

o contrário: há uma grande produção de decisões pela burocracia governamental, de tal

modo que o argumento da paralisia decisória não se confirma.

“Como falar em paralisia decisória em um país onde, desde o governo

Sarney, os núcleos tecnocráticos já produziram nove programas de estabilização

econômica, apoiados por um número prodigioso de decretos-lei e medidas

provisórias?”71

A falta de iniciativa legislativa não é a questão principal. O que se discute é

quem está legislando, e isso pode ser corroborado através do crescimento da utilização

de medidas provisórias no decorrer dos anos. Em 1988 fora editadas 15 medidas

provisórias durante todo o ano, em 1989 esse número foi para 97, em 1990 chegou a

163, nos anos de 1991 e 1992 teve uma queda e foram editadas 8 e 10 MPs

respectivamente, mas em 1993 esse número voltou a subir e foi para 96, no ano

seguinte, 1994, um novo aumento, foram 397 medidas provisórias editadas durante o

ano72.

Esses números demonstram que o montante de decisões vindas do Executivo é

suficientemente grande para não considerá-lo paralisado. O Legislativo quase não tem

atuação autônoma e na maioria das vezes não se constitui em obstáculo aos projetos

apresentados pelo Executivo. O fato de ganhar nas urnas pode levar o presidente a ter a

sensação de ser o portador da vontade popular, e portanto, com o livre arbítrio para

tomar qualquer decisão.

Essa capacidade que o Executivo tem de legislar acarreta, muitas vezes,

erros e mudanças bruscas nas regras do jogo. Editando freqüentemente medidas

provisórias que passam a vigorar imediatamente sem consulta ou negociação no

Congresso é comum que estas não alcancem os resultados almejados ou não sejam as

71 DINIZ, Eli. “Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova ordem no Brasil dos Anos 90.” Dados, Rio de Janeiro, vol.38, n.3, 1995, p.395. 72 Esses dados são de Monteiro, Jorge Vianna, 1995 in Diniz, 1995, p. 396.

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mais apropriadas para a necessidade do momento, tornando-se ineficazes. Assim, acaba-

se por editar uma outra na tentativa de corrigir os erros da primeira, podendo resultar em

confusão.

Relações Executivo-Legislativo

Este item é uma breve apresentação do sistema político-partidário

brasileiro para entendermos melhor o funcionamento do Poder Legislativo. Não é

objetivo deste artigo um tratamento profundo desse funcionamento, e sim o suficiente

para demonstrar as características principais do processo decisório no parlamento e

retomar a discussão a respeito de se existe ou não paralisia decisória.

Tornou-se lugar comum na bibliografia contemporânea falar que as

Assembléias Legislativas estão sendo marginalizadas e que as instituições democráticas

são ineficazes, como forma de justificar a maior liberdade de ação do Executivo.

Em alguns casos, visando principalmente superar problemas de ação coletiva,

coordenação e instabilidade das decisões às quais estaria particularmente sujeito, o

Legislativo pode preferir que as iniciativas venham do Executivo ao invés de advirem

dos processos legislativos ordinários. Esse tipo de delegação significaria, portanto, mais

estabilidade nas decisões e maior eficiência nos resultados de políticas73. Mas, quando

se observa um Executivo implementando políticas públicas, o primeiro impulso é

concluir que ele as está definindo segundo seus interesses, e a grande parte das análises

a esse respeito não têm sequer considerado a possibilidade de que os decretos possam

significar outra coisa que não usurpação. É por isso que analisar o comportamento

parlamentar se torna fundamental para entender melhor essa questão.

A literatura especializada insiste que falta o mínimo de estruturação em

nosso sistema partidário, assim, o que valeria mesmo seria o comportamento individual

de cada parlamentar. O número excessivo de partidos seria um reflexo da fraca coesão

interna, como também a freqüente mudança de parlamentares de partidos, visando

muitos vezes seus interesses pessoais. Essas seriam as bases de sustentação dos

argumentos dos que consideram o Legislativo como um poder que tem um

funcionamento ineficiente.

No Brasil, existem cerca de trinta partidos políticos legalizados. O

73 Uma explicação mais aprofundada deste argumento pode ser encontrada em CAREY, John M. e SHUGART, Matthew. “Poder executivo de decreto: Chamando os tanques ou usando a caneta?” Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol.13, n.37, p.5-213, Junho de 1998.

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regime democrático é o grande responsável por essa possibilidade dos indivíduos se

associarem formando partidos. Para se formar um partido é preciso que haja um número

de assinaturas que corresponda a 0,5% dos eleitores do país, e que estejam distribuídas

em nove unidades da federação. No caso específico do Brasil, a existência desses trinta

partidos não implica que haja uma concorrência pelo poder muito acirrada entre todos

eles, pois na realidade, há muitos partidos pequenos, chamados “nanicos”, e que não

tem grande importância no cenário político nacional. Normalmente, esses partidos

pequenos acabam tendo que se aliar aos grandes partidos para não serem esmagados, e

para que tenham alguma chance de chegar ao poder. Nem todos os partidos tem

representação no Congresso, e mesmo entre os que estão representados, o grau de

importância entre eles é variável.

É comum nos países onde é adotado o sistema multipartidário, a

existência de governos de coalizão, ou seja, a formação de alianças para que se consiga

obter maioria nas casas legislativas para que seja possível a aprovação de propostas.

Portanto, a maneira como o Legislativo age, e a posição que toma diante dos projetos do

governo, está intimamente ligada com as alianças que foram formadas pelos membros

do Parlamento.

Retomando a questão da existência ou não de uma coesão interna,

Argelina Figueiredo e Fernando Limongi74 afirmam que ela existe e que se pode falar

tranqüilamente em partidos de centro, de direita e de esquerda. Os partidos de centro

estariam bem mais próximos da direita do que da esquerda. E quanto mais próximos

estiverem ideologicamente, menor é a probabilidade de seus líderes encaminharem

votos conflitantes. É comum que um partido de mesmo bloco ideológico vote de

maneira similar. Também é comum que as indicações dos líderes de cada partido sejam

seguidas pela maioria de suas respectivas bancadas. “A unidade interna dos partidos de

esquerda independe de como votam os demais partidos. Já a disciplina dos partidos de

centro e de direita varia amplamente de acordo com a posição assumida pelos outros

partidos”75.

Os líderes definem os seus votos em quase todas as questões e são

seguidos pela maioria de suas bancadas. Observando as indicações dos líderes dos

grandes partidos é comum acertar o resultado final das votações. Concluindo, o grau de

74 FIGUEIREDO, Argelina & LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999. 75 FIGUEIREDO, Argelina & LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p.83.

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coesão interna é suficientemente grande para tornar o comportamento do plenário

previsível. Devido a uma série de dificuldades do sistema político brasileiro em

promover reformas sociais, foram feitas algumas propostas de mudança na legislação

eleitoral com o objetivo de facilitar a formação de maiorias de apoio governamental.

O PSDB, o PFL e o PTB que eram os partidos que compunham a

coalizão eleitoral que apoiou a candidatura de Fernando Henrique Cardoso para a

presidência, conquistaram 183 cadeiras na Câmara dos Deputados. O PMDB foi

incorporado logo no início do mandato, por força de agenda de reformas constitucionais

do governo através da distribuição de pastas ministeriais. Assim, as cadeiras passaram a

287. O PPB fora atraído desde o início da gestão, mas só passou a compor formalmente

a coalizão quando o governo começou a perceber que estava enfrentando algumas

dificuldades na formação de uma maioria. O PMDB e o PPB fazem parte da coalizão

ampliada, ou seja, não apoiaram a candidatura do presidente, mas votaram a favor de

seus projetos na maioria dos casos.

Na primeira composição ministerial, a totalidade de representação dos

partidos da coalizão governamental na Câmara não alcançava o quorum de 3/5 dos

votos exigidos para a aprovação das reformas constitucionais. Com a inclusão do PPB,

o governo passou a contar com uma expressiva margem de segurança. “Não foi por

acaso, então, que a incorporação do PPB se fez após o projeto de reforma da

previdência ter sido enviado ao Senado” 76.

No Senado, o apoio partidário proporcionava ao governo uma maioria

mais folgada, pois antes mesmo da incorporação do PPB já contava com 79% das

cadeiras; com a incorporação este número foi para 84%. Contando com essa maioria, as

chances dos projetos governamentais serem aprovados eram grandes. As derrotas

geralmente ocorreram quando houve uma diminuição do apoio da base ampliada, isto é,

do PMDB e do PPB, normalmente em medidas que desfavoreciam grupos específicos.

“No Brasil, a presidência da República dispõe de recursos institucionais

e de experiência intervencionista de muitas décadas que lhe asseguram iniciativa e

instrumentos de poder significativamente maiores que os do Congresso. Mas este não

deixa de ter uma certa capacidade de bloquear políticas”77. Mas no geral o que

percebemos é uma habilidade do governo FHC em articular essa maioria cuidando para

76 FIGUEIREDO, Argelina C. & LIMONGI, F. “Reforma da previdência e Instituições políticas.” Novos Estudos, São Paulo: Cebrap, n.51, 1988, p. 70. 77 ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares e MOYA, Maurício. “A reforma negociada: o Congresso e a política de privatização.” Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol.12, n.34 p.5-190, Junho de 1997, p.130.

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não desagradar a certos grupos, tomando uma posição neutra quando julgou necessário.

Quanto ao comportamento partidário dentro do Congresso Nacional,

nota-se que os partidos de esquerda mostram-se menos abertos às negociações

pluralistas, pois são mais apegados a princípios ideológicos; os partidos de direita

negociam desde que esteja implícita, entre os termos da barganha, a troca de favores; e

os partidos do centro negociam de forma pluralista. Essas coalizões pluralistas são

tipicamente instáveis, já que se estruturam em função de questões e interesses volúveis.

Mas é por meio desta instabilidade e destes interesses volúveis que o Executivo,

negociando privilégios e cargos, consegue formar uma maioria.

Fabiano Santos78 defende que o sistema partidário brasileiro é altamente

fragmentado dificultando a formação de coalizões estáveis de sustentação do governo.

Portanto, o Executivo deve se empenhar em construir uma maioria a cada nova votação.

As elites partidárias, geralmente movidas pelos ganhos materiais e pelos benefícios

políticos, nem sempre estão dispostas a apoiar as propostas do governo, então este se

empenha e utiliza seu poder de barganha sempre que considera necessário.

Em se tratando do Congresso, no caso, por exemplo, das políticas de

privatizações, toda a parte legal foi discutida e negociada pelo Legislativo e o

Parlamento não se constituiu como um obstáculo à realização desse item da reforma

econômica. O Executivo foi sem dúvida o principal articulador desse processo de

redução da participação direta do Estado na produção de bens e prestação de serviços

públicos

Já o poder de agenda pode ser entendido como a capacidade de determinar quais

as propostas serão consideradas pelo Congresso e quando o serão, ou seja, é através do

poder de agenda que algumas matérias ganham prioridade de votação sobre outras.

Para propostas de alteração da Constituição é necessário o apoio de 3/5

da Câmara dos Deputados em dois turnos e igualmente para o Senado. É comum,

portanto, o presidente organizar a distribuição dos ministérios para os partidos dispostos

a apoiá-lo, visando assim uma maioria parlamentar79. O governante também conta com

outros meios para induzir os parlamentares à cooperação, como por exemplo, a

distribuição de benefícios como a influência sobre a política, cargos, verbas, nomeações

78 SANTOS, Fabiano. “Patronagem e Poder de Agenda na Política Brasileira.” Dados, Rio de Janeiro, vol.40, n.3, p.329-540, 1997. 79 Esta forma de obter apoio parlamentar através da distribuição de pastas ministeriais pode ser melhor discutida em Abranches, Sérgio Henrique. “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro.” Dados, Rio de Janeiro, vol.38, n.1, 1988.

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e prestígio. Em troca, espera-se destes beneficiados o voto favorável às suas propostas, e

quando for necessário, ameaça-se com a retirada destes benefícios. Assim, a posição

que o Executivo ocupa diante das negociações é muito vantajosa determinando o que

deve ser votado primeiro.

Em regimes multipartidários, como no Brasil, é difícil que um presidente

seja eleito com uma base parlamentar majoritária. Isso quer dizer que, como existem

muitos partidos, as chances de que apenas um deles conquiste 50% + 1 das cadeiras

parlamentares é baixíssima. Não contando com uma maioria, só resta ao presidente

formá-la. Para conseguir uma maioria de apoio o presidente se utiliza de inúmeros

recursos. Segundo Fabiano Santos80, existem dois recursos básicos mediante os quais

uma coalizão de apoio governamental pode ser formada ou mantida: a utilização

estratégica da patronagem e o poder de agenda. Exemplificando melhor, os deputados

brasileiros, procuram maximizar seu acesso a cargos governamentais e se comportam

basicamente de uma maneira que lhes seja possível ampliar seus votos. Portanto, a

decisão de um deputado em participar ou não de coalizões de apoio ao presidente

depende muito mais do acesso que essa cooperação dará aos cargos políticos do que da

concordância com o programa de governo.

No multipartidarismo seria ingenuidade imaginar uma coalizão se

sustentando unicamente por afinidade e simpatia ao governo. O excessivo número de

partidos faz com que haja uma constante mudança de opinião e uma base de apoio

estável se torna praticamente impossível. A patronagem é vista, portanto, como um

recurso para completar algumas dessas deficiências. O presidente acaba distribuindo

cargos no governo federal como moeda de troca na busca pelo apoio parlamentar tão

desejado.

Nas situações em que o presidente tem poucos poderes legislativos, ele se

vê forçado à negociação com os parlamentares como única forma de conseguir a

aprovação de seus projetos, enquanto que os presidentes que podem contar com maiores

poderes legislativos, tem em suas mãos melhores condições de superar as resistências e

até mesmo de induzir o Legislativo a aprovar suas medidas.

Fernando Henrique Cardoso conseguiu sustentar uma maioria de apoio

relativamente estável no início de seu mandato. Sua popularidade estava intimamente

associada ao êxito inicial do Plano Real o que foi decisivo para atrair a cooperação da

80 SANTOS, Fabiano. “Patronagem e Poder de Agenda na Política Brasileira.” Dados, Rio de Janeiro, vol.40, n.3, 1997, p.470.

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elite política. Entretanto, sabemos que as coalizões políticas costumam ser frágeis e

mudam muito rapidamente. O desafio do Executivo passou a ser o de negociar

simultaneamente com os partidos, com os grupos de interesse e com os governadores, a

fim de criar e manter um espaço onde fosse possível colocar em prática sua agenda

política. Mas as alianças são formadas conforme a conveniência do momento e nada

garante que se formarão novamente.

O presidente Fernando Henrique se utilizou habilmente de práticas clientelistas

para articular maiorias de apoio, não era, portanto, um governo fraco, mas mesmo assim

recorreu com frequência ao uso de medidas provisórias81. Além de se utilizar dessas

medidas mais vezes que os presidentes anteriores, FHC teve um índice baixíssimo de

rejeição de suas proposições. Os principais argumentos encontrados para justificar este

aparente paradoxo, dizem respeito à sustentação do Plano Real. Para conseguir por em

prática e manter tal plano econômico o presidente teve que recorrer aos seus poderes

legislativos, devido à agilidade da medida provisória de começar a vigorar assim que é

editada. Mas algumas delas não tiveram relação com o plano de estabilização e tratavam

dos mais variados temas.

Para poder dedicar toda sua força na manutenção da estabilidade

econômica o governo FHC contava com uma coligação partidária majoritária e

poderosa. Essa coligação, com a orientação do presidente, dominava o Executivo e

também o Legislativo e ainda contava com forte presença na Federação.

“O que estamos querendo dizer é: ao contrário daqueles que, desde a

promulgação da Constituição de 1988, simplesmente lutaram contra o Congresso,

Fernando Henrique passou a utilizar o Parlamento também como escudo, passou a

conferir ao Congresso o papel de arena legítima para o gerenciamento de conflitos. O

Executivo conseguiu intervir, por meio de suas lideranças parlamentares, no regime

parlamentar e, por meio de negociações de balcão, completou a sua ‘maioria

desorganizada’, como a qualifica o próprio presidente.”82

A impressão é de que a utilização destas medidas se tornou cômodo, e o

Legislativo delegava sua principal função a outro poder sem que houvesse um motivo

aparente para isso. Talvez devido ao excesso de iniciativas do Executivo, o Legislativo

81 Para melhor comprovarmos esta afirmação, apresentamos a média mensal de reedições de medidas provisórias por cada governo: no governo Sarney é de 1, 26; no governo Collor ela é de 2,26; no governo Itamar Franco é de 13,50, e só no primeiro ano de governo FHC a média é de 33,75 (fonte: Banco de Dados Legislativos). 82 NOBRE, Marcos e FREIRE, Vinícius Torres. “Política difícil, estabilização imperfeita: os anos FHC.” Novos Estudos. São Paulo:

CEBRAP, n.51, 1998, p.144

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acabe preferindo evitar um confronto entre os poderes e as acate com tanta freqüência.

Carey e Shugart83 sugerem que de forma mais comum do que se aceita correntemente, o

decreto do Executivo é tolerado e mesmo preferido pelas maiorias parlamentares.

É a esta situação, de tolerância e preferência, que são dirigidas a maioria das

críticas ao uso de medidas provisórias, pois o recurso que era para ser usado somente

em caso de relevância e urgência não foi considerado, consequentemente, o princípio de

separação de poderes também não. O próprio presidente FHC justificou que as medidas

provisórias tornam possível a governabilidade, já que as decisões do Legislativo são

muito lentas. Além de defender o uso das medidas provisórias o presidente defendia que

o Estado deveria ser liberado das preocupações do setor produtivo, da economia, para

que pudesse se empenhar melhor na área social. Todavia, o baixo índice de

investimentos do governo nesta área e as políticas de privatização que, através dos juros

altos, visavam o capital externo, contradizem esses argumentos.

Acreditava-se que o crescimento econômico resolveria por si só o

problema social do país e, assim, a popularidade do presidente declinou quando a classe

média começou a sentir os altos preços da educação, saúde e habitação, devido a

redução dos subterfúgios governamentais.

Considerações Finais

Tendo visto um pouco sobre a separação de poderes no Brasil e as possibilidades

de ação nas mãos do poder Executivo, tanto no que se refere ao uso de mecanismos de

legislação emergencial, como as medidas provisórias, quanto às capacidades de ditar a

ordem e o ritmo de trabalho no Congresso, fica mais fácil demonstrar a preponderância

de atuação deste poder sobre o Legislativo.

A adoção de políticas neoliberais não exclui uma forte atuação do governo nas

mais variadas questões, muitas vezes suprimindo o papel dos outros poderes de estado.

Muitos especialistas na questão da separação de poderes e nas relações entre eles

são da opinião de que mecanismos como a medida provisória deveriam ser abolidos da

Constituição ou, no mínimo, ter seu uso diminuído, comedido, em prol de aperfeiçoar

ainda mais o regime democrático no Brasil.

Alguns defendem a necessidade da medida provisória devido à dificuldade do

governo em articular uma maioria para aprovar suas normas, e que, portanto, seria um

83 CAREY, John M. e SHUGART, Matthew. “Poder executivo de decreto: Chamando os tanques ou usando a caneta?” Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol.13, n.37, p.5-213, Junho de 1998, p.150.

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instrumento imprescindível de governabilidade. Mas algumas experiências de reformas

constitucionais, como por exemplo, a emenda da reeleição parece comprovar que,

quando o governo realmente se empenha, ele consegue a maioria desejada.

Sempre haverá o argumento de que determinada matéria é urgente para

justificar o uso da medida provisória. Porém países como os Estados Unidos da

América não tem recursos de urgência na sua legislação, e aparentemente, não tem

problemas de governabilidade devido a isso.

A urgência normalmente está relacionada à intervenção do Estado na

economia. E para executar sua intervenção o governo edita e reedita atos normativos,

hoje num sentido, amanhã em outro, pois a economia é dinâmica e mutável e exige

tomada de decisões rápidas e urgentes. São necessárias muitas leis e o parlamento não é

preparado para todo esse dinamismo, pois a cada nova lei é preciso que haja uma

discussão prévia, e estas discussões são sempre demoradas, por isso é tão comum o

argumento da ineficiência do Legislativo em matérias de urgência. Entretanto, também

não podemos esquecer que qualquer intervenção, principalmente no campo econômico,

fere interesses, e os parlamentares sempre vão tentar defender os seus ou os que lhes

forem mais simpáticos.

Talvez o Legislativo diante de reformas necessárias, mas impopulares, permita o

governo fazê-las por medida provisória e simplesmente não as aprecie, sabendo que isso

levará à sua reedição, talvez como forma de lavar as mãos e se livrar da

responsabilidade sobre determinadas matérias. Mas se é verdade que mesmo antes da

Constituição de 1988, o Executivo tem o domínio do processo legislativo e determina a

agenda do Congresso, também é verdade que, a cada votação, ele teve que construir

suas maiorias para que os mesmos projetos fossem aprovados, pois sua base de apoio

não é estável e confiável.

O aprofundamento deste assunto só torna mais difícil encontrar pontos

positivos na utilização de medidas provisórias para colocar em prática políticas

públicas. Enquanto este quadro não se altera, resta-nos discutir e pensar uma maneira

melhor e mais democrática de agilidade nas ações governamentais para substituir a

utilização deste tipo de instrumento.

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Referências Bibliográficas

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A Perícia contábil como importante instrumento contra o abuso nos

contratos bancários 84

Marcelo Luís de Oliveira85

Resumo: Este artigo tem como objetivo evidenciar a importância da perícia contábil para as críticas nos contratos bancários. A perícia contábil é um importante instrumento para identificação de uma determinada realidade, esclarecendo dúvidas nas lides sobre a matéria analisada. Desta forma, este trabalho teve como base e fonte principal, a experiência profissional do autor, seja no patrocínio de causas relativamente ao tema, seja na realização de perícias contábeis no âmbito judicial, em especial, nas comarcas do litoral paulista, o que lhe credencia com muita tranqüilidade a desenvolver o presente trabalho, sempre na esperança de contribuir, um pouco que seja, ao cumprimento dos fundamentos e objetivos contemplados em nossa constituição, em especial, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, construção de uma sociedade mais justa e solidária e finalmente, na redução das desigualdades sociais.

Palavras-chave: Perícia Contábil; Contrato Bancário; Juros abusivos.

Introdução

A perícia prima pela objetividade, precisão, clareza, fidelidade,

concisão. O entendimento sobre o objeto da perícia deve estar alicerçado nas

normas, na ética e na moral inerente à pessoa do profissional e acima de tudo deve

ser imparcial. Nas lides relacionadas a revisão de cláusula contratual nos contratos

bancários, a perícia contábil tem se mostrado como importante instrumento do Juízo

no sentido de desvendar os abusos praticados por determinados bancos,

inerentemente a cobrança de tarifas bancárias, em prol do consumidor e

principalmente à dignidade da pessoa humana.

84 Tema de artigo para reflexão e discussão entre profissionais e alunos de direito. 85 Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade de Taubaté (1995) e em Direito pela Universidade do Vale do Paraíba de São José dos Campos ( 2004), Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (2005),Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil pela Universidade Católica Dom Bosco; Advogado, Diretor Administrativo da Prefeitura de São Sebastião-SP, Contador, Perito Contábil Judicial, Ex-Professor na graduação do Centro Universitário Módulo de Caraguatatuba-SP, nas disciplinas de Direito Previdenciário, Direito Tributário, Direito do Consumidor e Perícia Contábil. Professor da Faculdade de São Sebastião –SP- FASS, nas disciplinas de Direito Alfandegário e Direito Municipal. E-mail: [email protected]

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1 Sobre a Perícia

A palavra perícia vem do latim peritia, é o conhecimento proveniente

da experiência; habilidade e talento. É uma espécie de prova que consiste no parecer

técnico de profissional habilitado a produzi-lo. Ao contrário do que alguns pensam,

a perícia se revelou num primeiro momento já nos primórdios da sociedade. O chefe

dos grupos que viviam nas cavernas, ao escolher a melhor caça, externava seu

conhecimento adquirido pela experiência, o que trazia segurança para o grupo

durante o procedimento de abate. No Brasil, a perícia ganhou relevância através do

Código de Processo Civil de 1939. O Decreto-lei 9.295 de 1946, que cuida da

normatização das funções do contabilista, passou a regulamentar, por conseqüência,

a perícia contábil.

A perícia contábil judicial, que é sem dúvida nenhuma, um

instrumento da prova real, auxiliando no deslinde das questões debatidas

judicialmente, traz elementos que proporcionam ao magistrado segurança em suas

decisões com absoluta convicção, esclarecendo as questões propostas e emitindo

laudo pautado nos motivos que ensejaram a perícia.

Vale trazer à baila o conceito contemplado na Norma Contábil (NBC

T 13)86, que trata da perícia contábil, e no item 13.1.1 diz o seguinte:

A perícia contábil constitui o conjunto de procedimentos

técnicos e científicos destinados a levar à instância

decisória elementos de prova necessários a subsidiar à justa

solução do litígio, mediante laudo pericial contábil e/ou

parecer pericial contábil, em conformidade com as normas

jurídicas e profissionais, e a legislação específica no que for

pertinente.

A contabilidade confere, portanto, à perícia, a possibilidade de

apresentar os esclarecimentos técnicos sobre matéria concreta levada à apreciação do

perito, sempre com respaldo técnico e legal, utilizando-se, para tanto, do Código de

Processo Civil, quanto aos seus procedimentos, assim como avaliação dos

documentos submetidos ao crivo dos exames periciais, ou seja, ao objeto da perícia.

86 Normas Brasileiras de Contabilidade – Perícia Contábil

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A perícia, portanto, submete ao magistrado, inegavelmente,

informações com absoluta segurança acerca da matéria debatida na lide, permitindo

a produção de uma decisão mais justa e, dentro dos padrões esperados pela

sociedade.

2 Sobre os juros bancários

Feitas as primeiras considerações inerentes ao procedimento pericial

contábil, necessário, neste momento, fazer alguns esclarecimentos acerca dos

institutos técnicos inseridos nos contratos bancários, antes de comentar sobre os

contratos bancários, a fim de melhor entender estes entabulamentos.

Os juros bancários normalmente são pagos juntamente com o

respectivo capital, na data avençada para o término do empréstimo, ocorrendo a

inevitável capitalização do montante dos juros no momento em que é liquidado,

quando é incorporado ao capital, confundindo-se com este. Em certas situações o

juro é pago periodicamente, antes do fim do prazo do empréstimo.

Nesses casos ocorre uma capitalização periódica, pois o montante dos

juros pagos é incorporado ao capital de quem empresta, antes do vencimento do

prazo para restituí-lo, assim, o emprestador tem condições de reaplicá-lo, usufruindo

de novos juros.

A capitalização ocorre no momento em que os juros são pagos ou, se

debitados, no vencimento de um período de tempo preestabelecido de utilização do

capital emprestado. Durante o lapso de tempo em que é utilizado dinheiro

emprestado ocorre o processo de formação de juros, a formação temporal dos juros

completa-se a cada dia; para sua contagem pode-se utilizar um número indicativo de

dias, meses ou anos; podem-se convencionar meses de 30 dias e anos de 360 dias:

não se conta o primeiro dia, mas o último.

Com o pagamento ou o débito dos juros ocorre, por conseqüência, a

transferência de seu montante, do patrimônio do devedor para o do credor, sendo,

portanto, incorporado ao capital deste último, de maneira que o novo capital

resultante lhe renda, ou possa render-lhe, novos juros em períodos subseqüentes.

Em outras palavras, os juros, após seu processo de formação, no

instante em que são recebidos ou debitados pelo credor, são incorporados ao capital

deste, ocorrendo a capitalização pois o montante dos juros entra no patrimônio do

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credor, possibilitando-lhe sua capitalização com qualquer tomador, seja o que lhe

pagou o montante dos juros ou outro.

Alguns bancos cobram, no decorrer do contrato, de forma ilegal, juros

sobre juros. O anatocismo tem proibição expressa em normas legais. Não pode haver

a cobrança a ser exigida do consumidor, cabendo revisão de tal cláusula ilegalmente

pactuada.

A proibição de capitalização mensal dos juros vem de longa data.

Desde os primórdios do século passado, mais precisamente com a edição da Lei de

Usura, nos idos de 1933, o legislador já determinava que era proibido contar juros

sobre juros (art. 4º, do Decreto nº 22.626/33). Mesmo assim, passados todos esses

anos, a legislação não é observada.

Tal proibição já foi inclusive sumulada pelo eg. STJ. A capitalização

de juros é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada,

não tendo sido revogada a regra do art. 4º do Decreto nº 22.626/33 pela Lei nº

4.595/64. O anatocismo é repudiado, ainda, pelo verbete nº 121 da súmula do

Supremo Tribunal Federal.

A mais atual jurisprudência sobre o tema, inclusi ve, proíbe

a capitalização dos juros em qualquer periodicidade , quer mensal,

semestral ou ainda anual.

Portanto, a prática do Anatocismo, ou ainda a sup osta

existência de cláusula permissiva de capitalização mensal devem ser

declaradas nulas, eis que há entendimento inclusive da impossibilidade

de tal contratação mesmo de forma anual, conforme j urisprudência

predominante.

3 Nulidade do Ato Jurídico

Ainda na esteira consumerista, no art. 39 está expressamente vedada ao

fornecedor de produtos ou serviços, vantagem manifestamente excessiva, inciso V.

Já no art. 51, assim prevê o dispositivo:

“São nulas de pleno direito entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]

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IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; [...] XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; [...] § 1º - Presume-se exagerada entre outros casos, a vantagem que: [...] III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”.

Complementando esse raciocínio o Novo Código Civil assim faz

previsão legal:

“ Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: [...] II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu

objeto; [...] VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe

a prática, sem cominar sanção. [...] Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem

ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

[...] Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas

pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes”.

Explicando melhor essa relação: banco e consumidor, temos:

As relações de consumo de natureza bancária ou financeira devem

ser protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Esse foi o

entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal que, por maioria, (nove

votos a dois) julgou improcedente o pedido formulado pela Confederação Nacional

das Instituições Financeiras (Consif) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)

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nº 259187.

A entidade pedia a inconstitucionalidade do § 2º do art. 3º do Código

de Defesa do Consumidor (CDC) na parte em que inclui, no conceito de serviço

abrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira,

de crédito e securitária. Nos termos do art. 12 da Lei nº 9.868/199988, iniciou-se o

julgamento de mérito da ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do

Sistema Financeiro contra a expressão constante do § 2º do art. 3º do Código de

Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078/1990.

Essa lei inclui, no conceito de serviço abrangido pelas relações de

consumo, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (§

2º: Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante

remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,

salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista). Sustenta-se que a expressão

atacada ofende o princípio do devido processo legal e invade a reserva de lei

complementar para regular o sistema financeiro.

O Min. Carlos Velloso, relator, por entender que o Código de Defesa

do Consumidor limita-se a defender o consumidor, não interferindo na estrutura

institucional do sistema financeiro, proferiu voto no sentido de julgar procedente em

parte a ação para emprestar ao § 2º, do art. 3º, da Lei nº 8.078/199089, interpretação

conforme a CF para excluir da incidência a taxa dos juros reais nas operações

bancárias, ou sua fixação em 12% ao ano, dado que essa questão diz respeito ao

Sistema Financeiro Nacional.

De sua parte, o Min. Néri da Silveira, embora acompanhando a

fundamentação do voto do Min. Carlos Velloso, concluiu de forma diversa e votou

pela improcedência da ação por considerar que, sendo proibida a aplicação do

Código de Defesa do Consumidor. Como Néri da Silveira já apresentou seu voto no

julgamento da ação, o Min. Gilmar Mendes, que o substituiu em decorrência da

aposentadoria compulsória, não vota. Ainda faltam proferir seus votos os Mins. Eros

Grau, Joaquim Babosa, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Marco

Aurélio, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. No início do julgamento, votaram o

Min. Rel. da ADI, Carlos Velloso (aposentado) e Néri da Silveira (aposentado).

87 Ação Direta de Inconstitucionalidade 88 Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. 89 Dispõe sobre a proteção do consumidor, e dá outras providências

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Ambos consideraram constitucional a aplicação das regras do CDC aos contratos

bancários.

Velloso entendeu que o CDC não contraria as normas que regulam o

Sistema Financeiro e deve ser aplicado às atividades bancárias. No entanto, disse

que o Código não se aplica à regulação da taxa dos juros reais nas operações

bancárias, bem como a sua fixação em 12% (doze por cento) ao ano.

Essa matéria, segundo entendeu Velloso, é exclusiva do Sistema

Financeiro Nacional e deve ser regulada por lei complementar. Nesse sentido, deu

interpretação conforme a Constituição ao § 2º do art. 3º da Lei nº 8.078/1990 (CDC).

Já o ministro Néri da Silveira julgou totalmente improcedente o pedido formulado

pela Consif.

A ação entrou novamente na pauta, ocasião em que votou o então

presidente do STF, Min. Nelson Jobim (aposentado), proferindo voto-vista. Jobim

acompanhou o entendimento do Min. Carlos Velloso, no sentido de julgar

procedente em parte o pedido. Ele diferenciou as operações bancárias dos serviços

bancários e concluiu que, no caso destes, deverá ser aplicado o CDC. O Min. Eros

Grau decidiu acompanhar o Min. Néri da Silveira (aposentado) e julgou

improcedente o pedido formulado na ADI. Grau argumentou que “a relação entre

banco e cliente é, nitidamente, uma relação de consumo”. O ministro acrescentou

que é “consumidor, inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza,

como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito”. Assim, Eros

Grau não acolheu a distinção feita pelo Min. Nelson Jobim entre “operações

bancárias”, às quais não caberiam as regras do CDC e “serviços bancários” sujeitos à

aplicação do Código.

Eros observou, no entanto, que o Banco Central deve continuar a

exercer “o controle e revisão de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou

outras distorções na composição contratual da taxa de juros, no que tange ao quanto

exceda a taxa base [de juros].”

Em seguida, votou o Min. Joaquim Barbosa que também entendeu

que o pedido formulado pela Consif é improcedente. Para o ministro, não existe

inconstitucionalidade a ser pronunciada no § 2º do art. 3º do CDC. “São normas

plenamente aplicáveis a todas as relações de consumo, inclusive aos serviços

prestados pelas entidades do sistema financeiro”, completou.

O mesmo entendimento foi adotado pelos Min. Carlos Ayres Britto e

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Min. Sepúlveda Pertence que, após o pedido de vista de Cezar Peluso, decidiu

antecipar o voto. Ao votar, o Min. Pertence observou que após a revogação do § 3º

do art. 192 da Constituição Federal pela Emenda nº 40/2003, o voto do Min. Carlos

Velloso “perdeu a sua base positiva”. O dispositivo limitava a taxa anual de juros a

12%. O Min. Celso de Mello, ao proferir seu voto na Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) nº 2591, ressaltou que proteção ao consumidor

qualifica-se como valor constitucional. Para o ministro, as atividades econômicas

estão sujeitas à ação de fiscalização e normativa do Poder Público, pois o Estado é

agente regulador da atividade negocial e tem o dever de evitar práticas abusivas por

parte das instituições bancárias. Nesse sentido, Celso de Mello entende que o

Código de Defesa do Consumidor (CDC) cumpre esse papel ao regulamentar as

relações de consumo entre bancos e clientes.

O ministro acrescentou que o Sistema Financeiro Nacional (SFN)

sujeita-se ao princípio constitucional de defesa do consumidor e que o CDC limita-

se a proteger e defender o consumidor "o que não implica interferência no SFN".

Assim, ao concluir que as regras do CDC aplicam-se às atividades bancárias, Celso

de Mello julgou improcedente o pedido formulado na ADI. A Minª. Ellen Gracie

também julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade feito

pela Consif na ADI 2591.

Assim, por maioria de votos (nove a dois) o Plenário declarou a

constitucionalidade do dispositivo do CDC que havia sido questionado pela Consif.

O Min. Cezar Peluso, ao encerrar seu voto-vista na Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) nº 2591, entendeu que o Código de Defesa do

Consumidor (CDC) se restringe às relações de consumo entre os bancos e os

clientes. Para ele, não há como sustentar que o CDC teria derrogado a legislação

referente ao Sistema Financeiro Nacional (SFN).

A última a votar, a presidente do STF, Minª. Ellen Gracie, também

entendeu que as relações de consumo nas atividades bancárias devem ser protegidas

pelo CDC. O placar do julgamento definitivo da ADI ficou assim: votaram pela

improcedência do pedido formulado pela Consif os Mins. Néri da Silveira

(aposentado), Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Sepúlveda

Pertence, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ellen Gracie. Ficaram

parcialmente vencidos os Mins. Carlos Velloso (aposentado), relator, e Nelson

Jobim (aposentado).

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4 Fornecedor dos serviços bancários de consumo

Várias são as interpretações doutrinárias sobre a definição de

fornecedor. Em relação aos bancos, há de se fazer a seguinte explanação:

O art. 3º caput, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços

E, em seguida, no seu § 2º define que “Serviço é qualquer atividade

fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza

bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de

caráter trabalhista”.

Desta forma, outra não é a conclusão, senão definir a relação como

sendo consumerista, inclusive pelas já consagradas decisões de nossos tribunais.

5 Correntista ou consumidor dos serviços bancários?

Desta forma na relação bancária, surge o consumidor como sendo o

tomador do crédito para utilização própria ou o correntista da instituição financeira.

A jurisprudência e a doutrina por vezes se confundem em definir

quem é o consumidor final de determinado produto disponível no mercado. Há quem

diga que prostituição é relação de consumo!

O critério definido no art. 29 é mais amplo, razão por que os

destinatários finais efetivos ou virtuais estabelecem outra espécie de consumidores

dos serviços e contratos bancários: o conceito de consumidor se amplia, para

proteger quem for "equiparado". É o caso do art. 29. Para o efeito das práticas

comerciais e da proteção contratual, "equiparam-se aos consumidores todas as

pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas".

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6 Importância da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos

bancários e às cláusulas adesivas

As cláusulas ou condições contratuais gerais constituem parte

essencial do direito bancário. Permitem a racionalização da contratação em massa

com milhares de pessoas, ganhando tempo e poupando transtornos aos clientes que

desejam ser atendidos pelas instituições financeiras. O ponto crucial é que essas

cláusulas pré-elaboradas ou utilizadas pelos bancos em contratos singulares, sem

influência do cliente no respectivo conteúdo, sejam justas, eqüitativas e razoáveis.

O contrato de adesão constitui aquele cujo conteúdo foi total ou

parcialmente estabelecido de modo arbitrário e geral anteriormente ao período

contratual. Caracteriza-se pela ausência de negociação individual prévia em vista do

acordo das vontades. Apresenta-se, na maioria das vezes, sob a forma de condições

gerais ou individuais estabelecidas unilateralmente por uma das partes.

O abuso não resulta do fato que o consumidor é obrigado a aderir a

este ou aquele texto pré-impresso, mas, efetivamente, do conteúdo eventual de uma

convenção, cuja redação ele não participou, e que não poderá modificar, visto a

relação de forças existentes entre as partes confrontadas, e que provavelmente

encontrará uniformizada no setor respectivo.

A abusividade de cláusulas cria, em detrimento do consumidor, um

desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do

contrato. E há abuso quando o consumidor sofreu um prejuízo desproporcionado

resultante, diretamente, de um desequilíbrio flagrante entre os direitos e os deveres

recíprocos dos parceiros da relação. Daí a qualificação desta lesão em qualificada, e,

uma vez verificada, o contrato fica eivado de vício insanável, acarretando a nulidade

absoluta, eis que constitui culpa in contrahendo o fato de se comportar para com o

contratante de contrária à boa-fé.

O contrato de adesão surge como necessidade de o Direito adequar-se

às exigências econômicas e sociais, compatíveis com a modernidade da economia de

escala, produção em série, consumo em massa, pressa do agir dos sujeitos

envolvidos nas transações. Deixada para trás a fase em que os contratantes se

reuniam para discutir cláusula a cláusula até formação definitiva da avença. Ao

consenso opõe-se agora a aderência, ao contrato de comum acordo, o contrato de

adesão, ficando as cláusulas ao encargo unilateral de uma das partes, no caso, o

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fornecedor a estabelecê-las previamente.

O cerne do Código de Defesa do Consumidor reside na proibição de

certas cláusulas em contratos bancários. A nulidade de cláusulas inseridas em

contratos singulares deveria acarretar a invalidade do conjunto. Outro aspecto

tecnicamente importante tem a ver com a estruturação das cláusulas contratuais

gerais proibidas e assenta numa contraposição entre cláusulas absolutamente

proibidas e cláusulas relativamente proibidas. As cláusulas absolutamente proibidas

não podem, a qualquer título, serem incluídas em contratos através do mecanismo de

adesão. As cláusulas relativamente proibidas não podem ser incluídas em tais

contratos desde que, sobre elas, incida um juízo de valor suplementar que a tanto

conduza.

Nas relações com consumidores finais aplicam-se as regras do art. 51

do Código de Defesa do Consumidor, envolvendo principalmente a nulidade de

cláusulas contratuais abusivas. Entretanto, devemos analisar a questão da aplicação

da normatização de defesa do consumidor aos contratos bancários e depois uma

análise das cláusulas abusivas.

7 O desvendamento das altas taxas de juros através da Perícia Contábil e a

teoria da Lesão Enorme

Após 11 anos auxiliando o Juízo das Comarcas do litoral de São

Paulo, podemos aduzir, com a maior tranqüilidade, que das perícias realizadas nas

lides cujo objeto era a revisão de cláusula contratual e a depuração das taxas de

juros, 100 (cem) por cento dos cálculos desenvolvidos demonstraram cobrança de

juros acima daqueles pactuados em contratos bancários de empréstimo, cheque

especial, dentre outros.

É demasiadamente flagrante a forma como os bancos cobram suas

taxas de juros em patamares bem acima daqueles contratados.

A mídia vem noticiando mês a mês, os recordes de lucratividade das

instituições financeiras. Na mão inversa, a equipe econômica do governo Lula vem

estudando incessantemente, fórmulas complexas para reduzir os rendimentos da

caderneta de poupança. Realmente, os rendimentos da caderneta de poupança, que

não devem chegar a 1% ao mês, onde 95% dos “investidores” são comprovadamente

os intitulados como sendo “pobres”, é que são os responsáveis pela crise econômica

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no país. Sinceramente!

A teoria da lesão enorme, em poucas palavras, demonstra a obtenção por

uma parte, de vantagem em detrimento de outra, de forma exageradamente

desproporcional, incompatível com a boa fé e a equidade.

Os defensores dessa teoria aplicada aos contratos bancários se

utilizam dos seguintes dispositivos legais para fundamentação dessa teoria: artigo

173, § 4º, da CF, reprime o aumento arbitrário do lucro; art. 4º, inciso III, do

Código de Defesa do Consumidor (boa fé ); art. 6º, inciso V, do CDC ( diz que são

direitos básicos do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que

estabeleçam prestações desproporcionais); art. 51 do CDC, inciso IV, e § 1º do

CDC ( diz que são abusivas as obrigações que coloquem o consumidor em

desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa fé, o parágrafo

primeiro define o que é vantagem exagerada); art. 3º, inciso VII, Decreto 2.181/97,

o qual dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

(define a competência do SNDC, para a vedação de abusos ); art. 9º, Decreto

2.181/97 (determina que a entidade competente para exercer as atividades de

fiscalização dos abusos é o Departamento de proteção e Defesa do Consumidor,

órgão da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça); art. 12, inciso

VI, Decreto 2.181/97 (determina que é pratica infrativa exigir do consumidor

vantagem manifestadamente excessiva); art. 18, Decreto 2.181/97 ( determina as

penas para quem cometer as práticas infrativas, que vão de multa até cassação da

licença do estabelecimento ou de atividade);

Além da abusividade destacada ao norte, os bancos insistem em

acumular a cobrança de juros remuneratórios com as comissões de permanência, que

hoje é expressamente vedada pelo STJ, que na súmula 296, inclusive, estabelece a

taxa do banco central média como parâmetro de cobrança, limitada aquela fixada em

contrato.

Aí é que começam os problemas. Primeiramente, na condição de

consumidor, o correntista que se sentir prejudicado deve procurar conciliar as taxas

de juros praticadas com aquelas estabelecidas em contrato entabulado entre as

partes. Começam as primeiras dificuldades, ou seja, ter acesso ao contrato. Quando o

correntista pede uma via de seu contrato, vem a costumeira resposta: “é só aguardar

o gerente assinar que lhe enviaremos para o local apontado no contrato”, e

obviamente, esse contrato nunca chega. Deve então o correntista requerer através de

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documento escrito, devidamente protocolizado na agência, a fim de comprovar a sua

boa-fé perante o MM. Juízo, apesar dos ditames consumeristas dispensarem tais

condutas.

É através desse contrato que o perito vai desenvolver as planilhas e

proceder a depuração dos encargos bancários, a fim de se identificar os juros, mês a

mês, que foram cobrados pelo banco.

Conhecendo-se as taxas efetivamente cobradas, o segundo passo do

perito é identificar a forma como foram cobrados estes juros, ou seja, se foram

capitalizados ou não, se foram aplicados um sobre o outro, mês a mês.

O terceiro passo é identificar se houve cumulação da cobrança dos

encargos como: comissão de permanência, juros remuneratórios, correção

monetária, etc.

O quarto e mais importante passo, no nosso ponto de vista, é a

conciliação geral e a produção do laudo pericial que deverá responder a todos os

quesitos das partes e formando elementos para a convicção adequada do MM. Juiz.

Vale trazer à baila o pronunciamento do Ministro do Supremo

Tribunal Federal Marco, Aurélio Mello, em que:

As taxas de juros que estão sendo praticadas, hoje, no Brasil são taxas que nenhum empresário é capaz de suportar. Nós sabemos que o fenômeno que se denomina, de ciranda financeira, é que é a tônica, hoje do mercado financeiro engordando os lucros dos que emprestam dinheiro e empobrecendo a força do trabalho e do capital produtivo.

8 Das consequências do resultado da Perícia Contábil nas cobranças bancárias

Os colegas causídicos mais atentos conseguem buscar uma realidade

que de longe o correntista não enxerga, ou seja, de inverter os resultados

testemunhados na relação contratual, onde o correntista poderá se situar em situação

mais confortável.

Os juros moratórios, por exemplo, são cobrados pelo atraso de

pagamento, e os tribunais, tranquilamente vem admitindo, nestes casos, que esses

juros não são devidos por faltar-lhes tal característica, ou seja, o laudo poderá

demonstrar a liquidez dos saldos do correntista de forma positiva não fosse a

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abusividade do banco.

Outra situação é a possibilidade de repetir os indébitos praticados

pelo banco, também de forma já pacificada em nossos tribunais, onde, correntistas

que em tese, estavam com seus saldos negativos, passaram a ter saldos bancários

positivos. É fato.

Considerações Finais

As transformações econômicas verificadas ao longo dos anos

constituíram uma tarefa difícil para a grande parte dos pequenos empresários e

consumidores brasileiros, cujas conseqüências se fizeram perceber em face do

quadro recessivo que se instalou no país e efetivamente aos abusos cometidos pelas

instituições financeiras com o alto custo, o avanço usuário das taxas de juros e dos

encargos em contratos bancários e comerciais, levando inclusive uma intervenção do

Governo Federal com a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e

do Banco Central do Brasil.

Desta forma, deve prevalecer a dignidade da pessoa humana sobre

todos os outros interesses materiais, por mais privilegiados que sejam, na certeza de

que as ciências: jurídicas e contábeis, em plena harmonia, venham contribuir com a

formação de uma sociedade mais justa, digna e solidária.

Referências Bibliográficas

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. RESOLUÇÃO 857/99. Normas

profissionais do perito. Disponível no site: http://www.cfc.org.br – 25 de abril de

2009.

RESOLUÇÃO 858/99. Da Perícia Contábil. Disponível no site:

http://www.cfc.org.br – 25 de abril de 2009.

DE SÁ, Antonio Lopes. Perícia Contábil. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1997.

MOURA, Ril. Perícia Contábil Judicial e Extrajudicial. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed.

Freitas Bastos, 2007.

NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 9 ed. São Paulo:

RT, 2006;

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O milagre medieval: Gil Vicente e William Butler Yeats

Eliane de Alcântara Teixeira∗

Resumo: O presente artigo, de caráter comparativo, procura aproximar dois autos – um de Gil Vicente, o Auto da Alma, o outro do poeta irlandês Yeats, The countess Cathleen –, tentando mostrar como dramaturgos de períodos tão distintos, escrevendo o mesmo gênero de drama – os chamados milagres medievais –, manipulam idênticos mitos e valores religiosos. Palavras-chave: drama, medieval, mistérios, milagres, personagens.

Este artigo pretende aproximar textos teatrais de períodos distintos e de autores

pertencentes a literaturas diversas. O primeiro autor é Gil Vicente, dramaturgo

português, que teria vivido entre 1465 ou 1466 e 1536 ou 1540. Sua produção é intensa,

escreveu quarenta e seis peças, em diferentes estilos: peças satíricas, místicas, comédias

e farsas. O texto a ser analisado será o Auto da Alma, revisitação de um gênero medieval

conhecido como “milagre”. O segundo autor é William Butler Yeats, dramaturgo

irlandês, que viveu entre 1865 e 1939. Além de poeta, o escritor irlandês escreveu e

dirigiu peças teatrais, é autor de ensaios e estudos autobiográficos90. A peça escolhida

foi The Countess Cathleen, escrita em 1892, e ela nos atraiu justamente por reproduzir,

em certos aspectos, o milagre medieval.

Afinal, por que William Butler Yeats resolve reproduzir a estrutura do milagre

medieval nesta peça? Na tentativa de responder a essa pergunta, neste trabalho

comparativo, em primeiro lugar, vamos analisar esses dois textos distintos para

observarmos as analogias, as semelhanças e comprovarmos a tese de que se trata de

uma utilização, por parte de Gil Vicente, de um gênero tipicamente medieval para

revitalizar o espírito religioso, já bastante abalado pelo materialismo crescente, dentro

da era renascentista e, por parte de Yeats, desse mesmo gênero também com

intenções críticas. Em segundo lugar, iremos buscar, nas circunstâncias temporais de ∗ Doutora em Literatura Portuguesa pela USP, professora do Mestrado Interdisciplinar da Universidade São Marcos e da Faculdade São Sebastião, foi Visiting Professor no Middlebury College (1996-1997), autora de Almeida Faria e a revisitação do mito sebástico. 90 A respeito da grande contribuição de Yeats para a cultura, consultar a obra de Ifor Evans, História da Literatura Inglesa, trad. port., Lisboa: Ed. 70, p. 141.

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cada autor, a possível resposta para esse mergulho na Idade Média, de certo modo

anacrônico, de dramaturgos pertencentes a épocas, culturas e países diferentes.

1. O Milagre Medieval

Desde de sua origem, o teatro foi identificado com os ritos religiosos e ligado

aos fenômenos naturais, como por exemplo, os cultos a Dioniso ou em louvor à

Primavera e à renovação da Natureza. O teatro na Antigüidade foi amplamente

desenvolvido, porém, entre ele e o teatro medieval, parece existir uma grande lacuna

e, até, uma total separação, como se um não apresentasse nenhuma relação com o

outro. Isso se deve naturalmente à inflexível posição da Igreja contra as práticas

teatrais, antes comuns em Grécia e Roma. Em verdade, os padres da Igreja católica,

por toda Europa, com seus ataques, muito contribuíram para a decadência da tradição

clássica. No entanto, é irônico que esta mesma Igreja, que tanto proibiu essas práticas,

delas tenha se servido ao longo da Idade Média:

Do mesmo modo como o drama grego se desenvolveu a partir da adoração a Dioniso, a dramaturgia litúrgica medieval desenvolve-se da liturgia cristã, particularmente das celebrações da Páscoa, desde a Ressurreição, ou mais, desde a Natividade, que era o foco principal do ano cristão. O processo foi lento e desigual. Em alguns lugares, a Igreja era muito revolucionária, em outros, mais conservadora. Mas, em geral, um claro padrão emerge, mostrando um progresso definitivo do simples ato de fé que se transforma numa cerimônia ritual para um espetáculo da vida de Cristo em escala natural, encenado sobre carroças de dois andares (pageants), interpretado em Latim e utilizando todo o edifício da igreja. Com a introdução do vernáculo e a transferência da performance para o pátio do lado de fora da igreja, o caminho estava aberto para o desenvolvimento de um teatro nacional em cada país.91

Essas obras de caráter religioso receberam o nome de “mistérios ou milagres”: os

primeiros, representando episódios da Bíblia; os segundos, as encenações inspiradas

nas vidas dos santos.

91 HARTNOLL, Phyllis. The Theatre: a concise history, 3a ed., London: Thames and Hudson, 1998, p. 35.

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Esse processo também ocorre na Inglaterra. Segundo o texto de introdução de

O teatro inglês da Idade Média até Shakespeare, o teatro inglês na Idade Média

inicia-se pela necessidade do clero de transmitir seus ensinamentos:

Desde tempos bem antigos, o clero tentara transmitir os ensinamentos cristãos através do ritual e da música, pois a liturgia, em latim, não era compreendida pelo povo em geral. Desse drama litúrgico, em voga até o século XII, originaram-se os MISTÉRIOS ou MILAGRES.(...) Os mistérios ou milagres tiveram seu apogeu entre 1300 e 1450. Derivados do drama litúrgico, dele diferem por serem falados em vernáculo, em vez de serem cantados em latim.92

Com o tempo, essas peças foram se afastando da Igreja, transformando-se em

manifestações cada vez mais populares. As cidades haviam crescido e com elas o

comércio, portanto esse tipo de encenação tornava-se cada vez mais necessária para a

vida desses burgos, que eram os únicos centros de desenvolvimento de cultural da

Idade Média. Vieram os “ciclos de mistérios”, que eram, ainda segundo a mesma

fonte, “o conjunto das peças apresentadas em uma festividade”93. Entre os séculos

XIII e XIV, essas representações constituíram mais uma responsabilidade das

comunidades do que da Igreja e, portanto, já se tinham secularizado. Esses ciclos só

irão desaparecer durante o reinado de Henrique VIII, com a reforma eclesiástica.

Em Portugal, o fenômeno dos dramas populares também aconteceu num

processo muito parecido com o do teatro inglês, porém pouco ou quase nada restou

dessas encenações. Segundo Massaud Moisés:

Antes de Gil Vicente, houve teatro em Portugal? É possível que sim, em consonância com o que ia no resto da Europa, mas não subsistem provas documentais. Só sabemos da existência de breves representações, de caráter cavaleiresco, religioso, satírico ou burlesco, que receberam o nome de momos, arremedilhos e entremezes, cujo sentido originariamente diverso, acabou por se confundir. (...) O mais antigo documento referente ao assunto data de 1193, dando notícia do pagamento que D. Sancho I efetuava a dois jograis, Bonamis e Acompaniado, por seus arremedilhos.94

92 STEVENS, Kera. O teatro inglês da Idade Média até Shakespeare, org. da antologia Kera Stevens e Munira H. Mutran, São Paulo: Global, 1988, p. 10-11. 93 Ibidem 94 MOISÉS,Massaud. A Literatura Portuguesa, 27a ed., São Paulo: Cultrix, 1992, p. 40.

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Além desses festejos mais populares, ou sem ligação religiosa, havia as muito

comuns romarias aos lugares santos. Durante as longas viagens, os romeiros, para

amenizar o cansaço e a saudade de suas famílias, organizavam, geralmente durante à

noite ou comemorando datas religiosas, festejos que se compunham de danças,

cantigas e momos considerados práticas proibidas pela Igreja. Muitos documentos

episcopais condenam essas práticas e daí que inferimos a existência desse teatro

primitivo. O melhor exemplo disso está relatado no concílio de Toledo de 1473 (cap.

19):

Reunido em Aranda, falava de festejos semelhantes aos da Inglaterra e mais países da Europa ocidental: “Tanto nas igrejas metropolitanas, como nas catedrais e mais templos da nossa província, meteu-se um costume, a saber: pelas festas do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de S. Estevão, S. João e na SS. Inocentes e em certos outros dias festivos, mesmo quando se celebram as cerimônias divinas, nas solenidades das missas novas, introduzem-se na igreja representações teatrais, mascaradas, espetáculos, figuras monstruosas”.95

Dois aspectos importantes podemos apreender do que foi dito acima, o

primeiro, que Inglaterra e Portugal tiveram um desenvolvimento muito semelhante no

que diz respeito à arte e, principalmente, ao teatro, fato que podemos confirmar nos

demais países europeus, e segundo, uma vez que um autor moderno resolve fazer uma

incursão a esse período, isso significa que a Idade Média ainda oferece muito material

e caminhos para a interpretação do nosso tempo.

2. O Auto da Alma, de Gil Vicente

Pareceu-nos claro que, apesar da inexistência de documentação comprobatória,

o teatro português medieval existiu efetivamente, e mais, que ele teria influenciado de

modo direto os chamados autos de devoção do mais importante dramaturgo português

do período subseqüente, Gil Vicente:

95 MARTINS, Mário. “Teatro Sagrado na nossa Idade Média” in Brotéria, vol. L (II), Lisboa, fev. de 1950, p. 147.

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Outros testemunhos ainda existem de cerimônias litúrgicas do ciclo pascal que interferem com o teatro. Se apenas em um missal bracarense de 1558 se nos depara o texto dialogado de um Depositio Christi, certo é que tal cerimônia há mais de um século era conhecida entre nós, como se depreende de uma alusão que o rei D. Duarte lhe faz no Leal Conselheiro (capítulo 97) e permite confirmá-lo o remate do Auto da Alma vicentino, (...) E haverá também de retroceder à primeira metade do século XV para encontrar vestígios diretos de uma das composições dramáticas mais freqüentes na liturgia medieval: o Pranctus, ou Pranto de Nossa Senhora, que, dotado inicialmente de autonomia, passou mais tarde a integrar-se nos ‘mistérios’ sobre a Paixão de Cristo.96

Como vimos, o Auto da Alma é um bom exemplo de encenação religiosa que

se aproxima muito dos milagres medievais. Esse auto foi um presente à rainha D.

Leonor, que dava à luz o futuro rei D. João III. Foi representado pela primeira vez na

corte de D. Manuel, na cidade de Lisboa, em uma noite de Endoenças, ano de 1508.

Dissemos que é uma peça com estrutura de milagre medieval, pois Gil Vicente,

apesar de humanista, ainda mantém fortes traços medievais em sua obra,

principalmente nos autos. O teatro vicentino é popular por excelência desde sua

origem; e o aspecto litúrgico desses autos reflete uma das principais características do

povo português – a religiosidade. São personagens desse auto: a Alma, o Anjo

Custódio, a Igreja, Santo Agostinho, Santo Ambrósio, S. Jerônimo, S. Tomás e dois

Diabos. O enredo conta que do mesmo modo que caminhantes cansados precisam

parar em estalagens para se refazer, assim também as almas precisam de uma parada

de repouso, quando jornadeiam rumo à eternal morada de Deus. Essa estalagem é

comandada por uma estalajadeira das almas, que é a Madre Santa Igreja e que, no

início da peça, está reunida com seus quatro doutores: Santo Tomás, São Jerônimo,

Santo Ambrósio e Santo Agostinho. Eles discutem a necessidade de algo que proteja

a almas da perdição, e esse algo seria a própria Igreja. Nesse momento, entram o Anjo

Custódio e a Alma. O anjo aconselha a Alma a não cair em tentações, pois estas são

obstáculos criados pelo Demônio para tirá-la do caminho certo. Como contraponto à

intervenção angelical, o Diabo que tenta desviá-la do caminho, oferecendo-lhe bens

supérfluos como um par de sapatos e um vestido de seda. 96 REBELLO, Luiz Francisco. História do Teatro Português, Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa/Secretaria de Estado da Investigação Científica, 1968, p. 41.

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A Alma, persuadida de que ainda muito tempo tinha antes da morte, começa a

achar razão no que diz o Diabo, e que mal não havia em se enfeitar um pouco e em

gozar a vida. Ciente da calamitosa situação, o Anjo aconselha a Alma a ir hospedar-se

em abrigo seguro, a Madre Santa Igreja, e a Alma concorda. Os dois Diabos,

praguejando, esperam a Alma sair da Igreja para tentá-la novamente. Enquanto isso,

dentro da igreja os quatro doutores, a Alma e o Anjo estão sentados, todos oram, e

Santo Agostinho benze a mesa. No decorrer da cerimônia, vão os doutores mostrando

os martírios: as insígnias da Paixão, os açoites, a coroa de espinhos, cravos e o

crucifixo. A Alma, agora despida das vestes do pecado, pura, resignada e arrependida,

caminha para o sepulcro e depois para a casa celestial, onde descansará eternamente.

Como se viu, o teor religioso nessa peça é muito alto, o que a faz muito

próxima de um ensinamento cristão, como se constituísse ela um verdadeiro ato

litúrgico, no qual existe a idéia de que o maior proveito que se tira da vida terrena são

as boas ações, a entrega total aos mandamentos bíblicos, abalizados pela Igreja

Católica. Também não há dúvida de que esta peça seja uma alegoria, ou seja, nela

acontece a concretização de conceitos, idéias ou sentimentos que são representados

por pessoas, seres reais, como é o caso da Madre Santa Igreja, que aparece na forma

de uma estalajadeira; a Igreja em si, como um lugar seguro, um abrigo para o

caminhante cansado, onde são servidas refeições, as insígnias da Paixão, sobre a mesa

que é o altar. A vida terrena é representada por uma caminhada na qual o homem

pode tomar o bom ou o mau caminho. O homem, representado pela personagem

Alma, é frágil e suscetível de ser tentado, de ser aliciado pelo Diabo, porém, em seu

socorro e para que ele não desrespeite os princípios da Igreja Católica, surge o Anjo

Custódio auxiliando-o para que ele não caia em tentação e se deixe seduzir pelos bens

materiais.

Logo no início da peça, Santo Agostinho, o mais importante doutor da Igreja,

por ter escrito as bases da doutrina cristã, é quem fala. O lugar escolhido é uma mesa

posta com uma cadeira que naturalmente deve ser destinada à Alma, dentro do

templo, o que representa a idéia de que a Igreja é o lugar onde as almas devem buscar

o alimento divino. Durante essa primeira fala, Santo Agostinho, num tom de muita

austeridade, refere-se à necessidade de o homem procurar consolo para seus

tormentos:

Porque a humana transitória

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natureza vai cansada em várias calmas, nesta carreira da glória meritória, foi necessário pousada para as almas. Pousada com mantimentos, mesa posta em clara luz, sempre esperando, com dobrados mantimentos dos tormentos que o Filho de Deus na Cruz comprou, penando.97

Vemos aqui a própria celebração da missa, ou seja, a mesa é o altar, os

mantimentos representados pelas insígnias do Paixão (açoites, coroa de espinhos,

cravos, crucifixo) são os ensinamentos transmitidos durante a missa por meio das

palavras dos padres (Santo Agostinho foi apenas um deles), ou por meio da própria

imagem de sofrimento de Cristo na Cruz. Aliás, nessa mesma fala, aparece resumida

toda a penosa trajetória de Cristo – Filho de Deus – que sofreu com dobrados

tormentos – o ato da crucificação e os demais martírios – para salvar o homem. Essa

mesa está iluminada de sabedoria, a verdadeira luz, ou pela própria posição do púlpito

que fica em posição privilegiada, isto é, bem acima das cabeças dos fiéis, e iluminada

pela luz das rosetas, imensas janelas estrategicamente colocadas para provocar, com

uma luz intensa, essa sensação de êxtase e purificação do ambiente.

Em seguida, aparece o Anjo que acompanha a Alma para ter certeza de que

esta não entrará em algum caminho escuso. A Alma, porém, logo será abordada pelo

Diabo, que se aproveitara do fato de que o Anjo se afasta para cumprir outra missão.

Essa cena apresenta os perigos que o homem corre ao se distanciar muito da Igreja,

que figura como a mais importante instituição da sociedade. Por mais que essa

sociedade mude, ela permanecerá firme em seu propósito e em sua missão, nunca

abalada, nunca descaracterizada. O Diabo, em sua fala, acentua a brevidade da

existência e a necessidade de se desfrutar das boas coisas da vida. Em seu discurso,

também, notamos um certo tom coloquial. Observe-se que ele chama a atenção para o

que é prazeroso, efêmero:

97 VICENTE, Gil . Obras Primas do Teatro Vicentino, int., org. e com. de Segismundo Spina, São Paulo: Difusão Européia do Livro/ Edusp, 1970, p. 138.

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Oh! Descansai neste mundo, que todos fazem assi. Não são embalde os haveres, não são embalde os deleites e fortunas; não são debalde os prazeres e comeres: tudo são puros afeites das criaturas98

O Diabo, em seu discurso, procura atrair a Alma com alguns dos pecados

capitais: preguiça, gula, luxúria, com isso, opondo-se à austeridade imposta pela

Igreja. Nota-se que sua fala é bastante informal em relação ao discurso grave,

circunspeto de Santo Agostinho. Cria-se, assim, uma espécie de oposição dentro da

peça: o poder da Igreja, representado pelos Santos, instaura-se também pela sabedoria

e dom da palavra; a Igreja seria então uma espécie de elite espiritual e cultural,

enquanto que os Diabos, com seu linguajar menos rebuscado, sua banalidade e o

apego aos bens materiais, ficariam numa posição inferior na sociedade. A Igreja liga-

se à idéia do sacrifício e da purgação dos pecados, com a projeção das benesses para

um outro plano, o celestial; os agentes da tentação ligam-se à idéia de que não se pode

contar com algo além da vida, mas, sim, de que todos devem desfrutar dos prazeres

da vida aqui mesmo na terra. A Alma sente-se tentada pela oferta do Diabo – um brial

(vestido de seda ou de fino brocado), uns chapins (sapatos), um colar de ouro, dez

anéis e pendentes para as orelhas e até a solução para questões jurídicas. A Alma,

com certeza, é representada alegoricamente por uma mulher, logo, o Diabo apela para

sua fraqueza, a vaidade. Nessa época, a figura feminina era considerada um ser frágil,

suscetível de ser facilmente tentada - como Eva -; daí o fato de a mulher ser uma

metonímia do ser humano, que também é frágil e passível de ser seduzido pelo

Demônio.

Enfim, o Anjo Custódio consegue levar, por meio de hábil discurso, a Alma

para um abrigo seguro, isto é, a Igreja, que sem demora, apresenta os “manjares”

servidos por Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Jerônimo e São Tomás, alicerces

ou “pilares” da Igreja Católica. Inicia-se, neste ponto do auto, cuidada preleção sobre

a Igreja, sua função e finalidades pelos já referidos santos, o que acentua o caráter

98 VICENTE, Gil . Obras Primas do Teatro Vicentino, op. cit., p. 142.

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pedagógico, didático do teatro vicentino. Essa preleção final apresenta os quatro

santos (observe que são quatro justamente para que formem, como numa figura

geométrica, os quatro alicerces necessários para a construção de qualquer edifício,

neste caso, a Igreja), e cada um será responsável por uma parte da oração.

Gil Vicente, como já se disse, procura tornar o exemplo muito concreto, como

acontece em toda alegoria, do mesmo modo que a Igreja, que se serve em suas

práticas do recurso de se utilizar do concreto para representar o abstrato, tornando a

mensagem mais palatável ao fiel geralmente inculto, principalmente se pensarmos no

público da Idade Média. A força da Igreja fica evidente, uma vez que o autor não só

defende os seus valores, como também se utiliza de recursos persuasivos similares

aos dos sacerdotes. Sem dúvida, ainda é o mundo medieval que predomina em

Portugal ou, pelo menos, é o que acontece na obra do dramaturgo.

Não é sem propósito que a Alma acaba por retornar ao bom caminho

representado pela Igreja. Esta, por ser o alicerce da vida feudal, emblematizaria a

própria Idade Média. Gil Vicente, com esse procedimento, vira, em parte, as costas à

Renascença, que privilegia a cultura clássica, despreza o feudalismo e sucumbirá

frente ao capitalismo comercial. Com o Auto da Alma, Gil Vicente acaba por

antecipar, segundo Segismundo Spina, muitas das resoluções do Concílio de Trento:

Antes que o Concílio de Trento, realizado pouco depois de sua morte (1545-1563), viesse tentar uma reposição do Homem nos quadros culturais da Idade Média, já o bom do Gil Vicente procurava lembrar ao homem que possuía uma alma para salvar: se em 1517, com a representação do Auto da Embarcação do Inferno, mostrou cruamente a crise moral em que estavam metida todas as classes sociais de seu tempo – desde o sapateiro ao fidalgo, desde o clérigo aos homens do foro –, em 1518 propôs-lhes com o Auto da Alma o caminho para a salvação.99

Essa postura só vai confirmar sua simpatia pelos ideais da Idade Média e pela Igreja,

que já se preocupava com seu papel e influência na sociedade portuguesa.

99 VICENTE, Gil . Obras Primas do Teatro Vicentino, op. cit., p. 12.

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3. The Countess Cathleen, de William Butler Yeats

A peça de William Butler Yeats, The Countess Cathleen, possui apenas um ato

dividido em cinco cenas, sendo que a extensão delas é bastante variável. O número de

personagens não é muito grande. São elas: a Condessa Cathleen, Aleel, um poeta,

Oona, mãe adotiva da condessa, Shemus Rua, um camponês, Mary, sua esposa,

Teigue, o filho do casal, dois demônios que se fazem passar por mercadores,

camponeses, empregados e seres angelicais. A cena tem lugar numa pequena vila

(numa casa, nos campos, num castelo), na Irlanda dos velhos tempos. Nela,

encontramos um motivo religioso semelhante à do auto de Gil Vicente: se isso não

acontece quanto à forma como é tratado e quanto às personagens, acontece quanto à

representação da doutrina cristã. Camponeses famintos são tentados por mercadores,

na verdade, demônios, que lhes oferecem fartura em troca de suas almas. A condessa

Cathleen, percebendo o engodo, promete a própria alma para livrar os pobres dessa

desgraça. Por ser pura e desprendida, a personagem é cobiçada pelo Demônio que

aceita a troca. No final, uma interferência divina, representada por seres angelicais,

impede que sua alma vá para o inferno.

Já a uma leitura inicial da peça, percebemos o trabalho de artesão executado

por Yeats. A primeira cena é um bom indicativo dessa apurada lapidação, que se

percebe na descrição mais lírica que objetiva do cenário e no aprimoramento da

linguagem, o que serve para tornar o texto extremamente poético. Como veremos, as

outras artes, principalmente as visuais, unir-se-ão à poesia na composição dessa peça

tão original. O cenário, descrito como se fosse uma tela, compõe-se de uma sala, onde

arde o fogo de uma lareira, e uma porta de saída pela qual se vê um bosque e suas

árvores “upon a gold or diapered sky”100. Essa imagem do bosque junto à casa, em

que há um perfeito equilíbrio, sem excesso de sombra ou de luz, as cores suaves e o

dourado lembram uma ilustração de pintores Pré-rafaelitas, ou como afirma Liam

Miller:

As indicações de palco de Yeats para The Countess Cathleen sugerem que a ação acontece num bosque, tal como pode ser visto em uma

100 YEATS, William Butler. The Collected Plays, Dublin: Gill and Macmillan, s/d, p. 3

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iluminura medieval (...) porém a visão de Yeats desse mundo medieval está mesclada a uma visão Pré-rafaelita, e um paralelo pode ser traçado por meio das ilustrações de Sir Edward Burne-Jones para Chaucer, cuja impressão William Morris terminou pela Editora Kelmscott em 1896.101

.

Na segunda cena, Mary e Teigue conversam, mas parecem agitados, os

diálogos transcorrem paralelamente, como se as personagens falassem sozinhas – a

mãe preocupa-se com a demora do marido, o rapazinho, com fatos estranhos

acontecidos na vizinhança: o aparecimento de um homem cujas orelhas se

movimentavam como asas de morcego e de um outro homem sem face. A referência a

essas monstruosidades é uma sugestão de que a normalidade do mundo começa a ser

perturbada pela intervenção do demoníaco. Nesse sentido, cria-se uma atmosfera de

mistério, na qual o elemento sobrenatural coexiste com o mundo real, dando a

sensação ao leitor da existência de dois mundos paralelos que se intercomunicam a

todo momento, como nas lendas de qualquer lugar. Contudo, neste caso, as lendas são

aquelas das tradições irlandesas dos tempos ancestrais, que Yeats faz questão de

relembrar:

Por meio de símbolos, presentes na mitologia e lendas irlandesas, como o poço e a aveleira, e também nas referências aos famosos heróis irlandeses como Cuchulain, ele conseguia facilmente evocar o mundo sobrenatural e dar ao público uma visão intensa e mística da realidade. (...) Yeats empregava símbolos, em sua maioria, retirados de mistérios celtas.102

Poderíamos apontar aqui as duas principais constantes do autor: a primeira, a sua

paixão pelo Ocultismo, o que o torna um fascinado por lendas e pelo sobrenatural,

levando-o, até, a ser membro de sociedades secretas, característica também muito

comum aos simbolistas; a segunda, seu patriotismo que o faz constantemente retornar

às origens, na tentativa de criar uma literatura genuinamente irlandesa. Segundo

Fernanda Mendonça Sepa: “em The Countess Cathleen (1892), o mundo sobrenatural

é evocado por dois grupos distintos: o dos Demônios e o dos seres Angelicais”103, e é

101 MILLER, Liam. The Noble Drama of W. B. Yeats, Dublin: The Dolmen Press, 1977, p. 44. 102 SEPA, Fernanda Mendonça, O teatro de William Butler Yeats: teoria e prática, São Paulo: Ollavobrás/Abey, 1999, p. 38. 103 SEPA, Fernanda Mendonça, O teatro de William Butler Yeats: teoria e prática, São Paulo: Ollavobrás/Abey, 1999, p. 29.

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dessa oposição entre o bem e o mal, desse jogo de forças que se compõe a peça. Mais

do que simplesmente trabalhar com elementos sobrenaturais, Yeats, assim como todo

artista do Simbolismo, deseja criar uma atmosfera mística, propícia ao devaneio.

No instante em que a mulher e o filho dialogam, Shemus chega à casa sem

nada nas mãos, pois sua busca por trabalho ou comida fora em vão. Nesse ambiente

de fome e penúria, muitas manifestações de ânimo acontecem: a mulher roga a

piedade divina, faz orações e tem pressentimentos negativos; o marido pragueja, pois

se diz abandonado por Deus; e o jovem simplesmente se desespera diante da situação

de fome extrema.

Entram em cena uma dama, uma velha senhora e um poeta cansados de longa

caminhada. A dama, representante da antiga nobreza, é a condessa Cathleen, no

entanto, a idéia de uma nobreza egoísta e mesquinha não se concretiza nessa

personagem, pois ela é extremamente generosa, tendo distribuído todos os seus bens,

tudo que trazia consigo para os famintos. A melhor descrição de Cathleen aparece no

final da peça, quando um dos camponeses a chama de “the great white lily of the

world” e um outro a compara com “the pale stars”. Essa aproximação com a cor

branca sinaliza sua pureza de alma inigualável e absoluta. Seu destino é um velho

castelo no interior do bosque, lugar de fartura e alegria. A condessa, acima da idéia de

classe social, representaria o povo de origem da Irlanda, ela é como que uma espécie

de entidade celta retirada das lendas. Vemos aqui uma das principais preocupações do

dramaturgo, a de acordar no homem o poder de imaginar, de sonhar com um passado

mítico. A figura da condessa remonta a um passado imemorial, o mundo feudal, no

qual os servos mantinham uma relação de positiva vassalagem em relação ao seu

senhor. O melhor exemplo disso verifica-se no respeito, sem traços de negativa

submissão, que Mary tem pela condessa:

But first sit down and rest yourself awhile, For my old fathers served your fathers, lady, Longer than books can tell – and it were strange If you and yours should not be welcome here104.

Nessa primeira fase de produção dramática de Yeats, o esforço para conseguir

compor seu próprio “livro sagrado” é perseguido incansavelmente.

104 YEATS, William Butler. The Collected Plays, Dublin: Gill and Macmillan, s/d, p. 7.

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Oona, a criada fiel, uma espécie de ama ou mãe adotiva, representa o plano real,

pois, com seus comentários, tenta constantemente trazer Cathleen para a realidade.

Não bastasse isso, também repreende o poeta por ser tão sonhador e por ser

absolutamente inútil, assim como a sua arte: “you were as helpless as a worm”. Oona

opõe-se tanto ao misticismo de Cathleen quanto ao lirismo de Aleel e, em seu

pragmatismo, emblematiza a figura arquetípica da Mãe, ligada à natureza, à terra.

Não é à toa que, tendo criado a condessa, acaba por ampará-la nos braços quando ela

morre. Essa bela cena, por acaso, não lembraria a tocante escultura da Pietá?

Aleel é um aedo, ou seja, o poeta itinerante, típico do mundo arcaico, uma

espécie de memória coletiva de um povo, pois está sempre contando velhas lendas

pagãs, mantendo com isso viva a tradição. É ele que canta as canções da peça, e

concretiza a comunhão entre o teatro e a música. Esse artista vive, aparentemente,

distante da realidade de extrema pobreza, seus olhos estão voltados para a beleza e o

amor. Além de cantar, Aleel também conta a Cathleen, na segunda cena, a história da

Rainha Maeve. Essa lenda teria acontecido há nove séculos e fala da paixão de um

homem por Maeve, “the Queen of all the invisible host”, que terminaria em morte.

Em realidade, há aqui uma visão poética das fases da lua, como dos demais

fenômenos da natureza. Ou seja, o poeta, ao invés de descrever objetivamente o

mundo natural, carrega-o de subjetividade, ao transformá-lo numa espécie de

alegoria, como se houvesse um sentido em tudo o que existe. Para ele, a lembrar

Baudelaire, tudo é hieroglífico, tudo é misterioso, a natureza, como um templo de

enigmas, fala. Nesse sentido, Aleel seria o alter ego de Yeats. Enquanto a condessa

representa a transcendência, e por isso é a única cuja alma pode salvar seu povo,

Aleel representa o sentido estético da vida, “a condessa, que vende sua alma para

aliviar o sofrimento de seus servos, pertence mais ao mundo de Oisin do que ao

mundo de Patrick e seu leal poeta, Aleel, parece pertencer também a uma antiga

ordem”105. Segundo C. M. Bowra, em The Heritage of Symbolism,

A imagem do poeta itinerante tem seu próprio significado, contudo, para Yeats, tem uma importância simbólica, porque serve a suas próprias inclinações por forças ocultas e misteriosas e pode ser aplicada a qualquer um que tenha tais inclinações. (...) O poeta individual torna-se

105 MILLER, Liam. The Noble Drama of W. B. Yeats, Dublin: The Dolmen Press, 1977, p. 43.

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um símbolo do universal anseio que é revelação, por se apresentar numa vívida, concreta, particular circunstância106.

Logo após a partida dos três caminhantes, chegam os demônios, vestidos de

mercadores a fim de tentar os míseros camponeses. Eles são trazidos, principalmente,

pela invocação de Shemus. Vêm em nome do “Mestre dos mercadores” e seu único

interesse é negociar almas. Cria-se, assim, uma oposição maior dentro da peça: o

mundo de Deus, que rege a vida aqui na Terra, com vistas a conquistar o homem para

a pureza e o amor e o do demônio, que procura seduzir a alma com dinheiro. É,

portanto, significativo que o diabo apareça sob a forma de um mercador, o que serve

para atestar a crítica de Yeats a um mundo em que os valores materiais superam os

espirituais e estéticos. Tal como na peça de Gil Vicente, o diabo usa de várias armas

para seduzir o homem, todas que levam ao desfrute dos prazeres da vida. Quem são

esses homens cristãos, senão os ingleses, que durante o processo de dominação,

impuseram a língua e a religião ao povo nativo da Irlanda?

Quando a condessa descobre as artimanhas dos demônios mercadores, tenta de

todas as maneiras impedir essa desgraça, vende todos os seus bens, demonstrando um

total desprendimento, com exceção do castelo que, como vimos, representa a

integridade do ‘eu’, e luta desesperadamente pela salvação dessa gente inculta, iludida

por promessas vãs, gente que se esquece do mais precioso bem do homem – a alma.

Essa alma, aparentemente cristã, nada mais é que a própria essência de um povo, ou

seja, sua história, seus valores, sua tradição. Neste ponto, além da crítica aos rumos

que a Modernidade impõe ao homem, Yeats também visa a preservar a arte e, em

especial o teatro, contra o mercantilismo crescente. A condessa, com esse ato, define

para si própria uma missão, a de doar em prol de uma nobre causa:

Na terceira cena, como comentamos acima, Aleel relata uma visão

premonitória que teve enquanto dormia, porém Cathleen, que reza em seu oratório,

recusa-se a mudar de idéia, nem em nome das antigas entidades, os velhos deuses,

nem por qualquer força natural ou sobrenatural. Ela está firme em seu propósito e

nada poderá fazê-la mudar, sua escolha fora feita. Mais tarde, ela recebe a visita dos

dois mercadores astutos que tentam iludir a doce e pura dama que, por ser

extremamente inocente, nem percebe que os trapaceiros levam todo o seu ouro.

106 BOWRA, C. M. The Heritage of Symbolism, London: Macmillan, 1962, p. 189.

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Após a breve quarta cena, em que camponeses conversam sobre o dinheiro, ou

para sermos mais exatos, o ouro que esse metal precioso que poucos possuem e que

tudo pode comprar. Eles tentam imaginar como seria esse tesouro e a melhor

associação é com o brilho do sol. Os dois mercadores observam escondidos e calados,

e para fechar a cena, aparece Aleel cantando mais uma canção.

Chegamos à quinta cena que chama a atenção pelo fato de jogar ao mesmo

tempo com um tom jocoso e um tom grave, aquele criando um forte contraste com

este. Se a peça em quase toda sua totalidade caracteriza-se pela força poética, pelo

tom elevado, pelo transcendente, as primeiras páginas da quinta cena surpreendem o

leitor com a grotesca imagem de um mercado, onde os demônios mercadores

organizam um leilão das almas. Ao fundo, o corpo de Mary jaz solitário rodeado de

velas, ninguém chora ou reza por ela. O grotesco instaura-se com a vulgarização do

sagrado, reduzido a profano, no instante em que o sublime é transformado em

mercadoria. Os mercadores começam a fazer uma espécie de leilão. Utilizando um

livro, que contém um resumo das atividades lícitas ou ilícitas dos pretensos

vendedores, os mercadores avaliam o que seria um bem eterno – a alma. A cena

transcorre como num mercado: ruído de vozes, protestos contra o baixo valor

atribuída à alma de uma senhora, barganha e discussão, enfim, há uma total

banalização do que é considerado sagrado. Em Yeats, esse valores materialistas

lembram, de maneira bem evidente, o Capitalismo inglês que ele tanto rejeitava.

No final da peça, a condessa Cathleen aparece para salvar os camponeses: em

troca das pobres almas, oferece de livre vontade a sua, a mais pura, a mais valiosa – a

alma de uma santa. Sem titubear, os mercadores aceitam a barganha, porém mediante

um documento assinado com a pena. Apesar dos apelos de Aleel, Cathleen, assim

como Fausto, assina e o negócio está fechado. Pouco depois, quando a Condessa está

para morrer, algo extraordinário acontece: figuras angelicais vestidas como cavaleiros

descem do céu. Essa cena, como outras da peça, reproduz uma visão que se aproxima

de um quadro. O próprio autor confessa ter criado as figuras dos Anjos a partir de

uma gravura de um pintor francês:

Quando eu tinha uns vinte anos, eu vi um desenho ou água-forte, feito por um artista francês, de um anjo de pé contra um céu à meia-noite. O anjo era velho, sem asas e armado como um cavaleiro, tão impossivelmente alto quanto uma daquelas figuras da Catedral de

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Chartres, e seu rosto estava marcado pelo tempo e pelas inumeráveis batalhas107.

O inesperado acontece e o anjo descreve a entrada de Cathleen no paraíso.

4. A homologia entre as peças de Gil Vicente e William Butler Yeats

Nas duas peças, algumas situações se repetem, como as tentações do Demônio,

as preces, o conflito das almas inseguras, no que diz respeito ao caminho que devem

seguir, mas há muitas diferenças também. Enquanto em Gil Vicente as alegorias são

simples e as imagens acessíveis e universais, em Yeats, a metáfora é muito mais

elaborada A referência à Irlanda e ao seu contexto fazem que a obra, além do caráter

universal, por ela se prender a motivos clássicos, acentue a cor local, a defesa dos

valores nacionais (o que não acontece no autor português). Nos dois autos, aparecem

as questões terrenas, como as dificuldades e sofrimentos que se nos apresentam, pois

a vida está repleta de provações e as tentações são várias. No Auto da Alma, a

tentação se traduz em bens materiais, que, em nosso ponto de vista, podem parecer

insignificantes, como um vestido de seda ou um par de sapatos. No entanto, levando-

se em conta o contexto histórico, chegaremos à conclusão de que o mundo ainda no

início do Mercantilismo, não tinha notícia de mercadorias de outros lugares, pois o

mundo medieval era muito pequeno e as relações internacionais quase inexistentes.

Em The Countess Cathleen, o dinheiro é a maior arma de corrupção. Já vivendo num

mundo capitalista, Yeats condena a incessante busca por bens de consumo, hábito,

aliás, introduzido desde a Revolução Industrial que teve início na Inglaterra.

As personagens de ambas as obras são divididas em grupos, aquelas que zelam

pela alma ou pelo humano, aquelas que procuram atrapalhar o processo de elevação

por que a alma estaria passando, no meio delas pessoas que tentam descobrir

respostas para suas dúvidas e alívio para seus sofrimentos. Observe-se que há uma

similaridade evidente entre a figura do Diabo vicentino com a do mercador de Yeats.

Não é à toa, inclusive, que a figura demoníaca seja representada por um comerciante,

o que atesta a sua ligação com os valores materiais. Também há uma similaridade

107 MILLER, Liam. The Noble Drama of W. B. Yeats, Dublin: The Dolmen Press, 1977, p. 46.

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entre o mercantilismo renascentista, criticado por Gil Vicente, e o mercantilismo

inglês, pós-industrial, criticado por Yeats. Segundo Fernanda Mendonça Sepa: “em

The Countess Cathleen (1892), os demônios que se tornam mercadores representam,

em nossa opinião, o imperialismo e o materialismo inglês.”108

Apesar de viverem em épocas e países tão diferentes, Gil Vicente e Yeats

tentam criar um teatro genuíno, o primeiro não tão conscientemente como o segundo.

Ambos passam por um período de transição, Gil Vicente encontra-se no período

transitório entre a Idade Média, que durou dez séculos, e a Renascença que traz

consigo muitas inovações estéticas, científicas e sociais; Yeats vê um longo passado

de submissão da Irlanda em relação à Inglaterra, ainda mais grave durante a era

vitoriana, e deposita no novo século a esperança de uma Irlanda livre e autônoma,

principalmente em relação à arte. Em seu auto, Gil Vicente deixa muito clara sua

costela pedagógica e dá uma perfeita lição de respeito aos valores religiosos. Para ele,

o mais importante é praticar boas ações, pois somente elas restarão no momento de

acerto de contas. Para Yeats, existe um propósito ou até uma missão para quem faz

literatura. Em seu ensaio intitulado “An Irish National Theatre”, encontramos o

seguinte comentário a respeito desse tópico:

Literatura é, na minha mente, o grande poder educativo do mundo, o supremo criador de todos os valores, e ela é isso, não somente nos livros sagrados cujos poder todos conhecem, mas por meio de cada movimento da imaginação em uma canção, ou enredo ou no drama que dá a dimensão da intensidade e sinceridade que faz dela literatura afinal. A literatura deve se responsabilizar por seu poder, e manter sua liberdade.109 .

Os dois dramaturgos estão presos à tradição popular: Gil Vicente liga-se ao

teatro popular medieval, inclusive na concepção que tem da vida social hierarquizada;

Yeats, por sua vez, liga-se às lendas e à Mitologia irlandesas na procura ou afirmação

de suas raízes. Devemos lembrar também que, enquanto o teatro vicentino apontava

para o universal, o do escritor irlandês fincava os pés no solo de sua pátria. As

personagens do teatro de Gil Vicente são tipos bem marcados, e a força de seu teatro

está nos diálogos bem construídos, uma vez que em suas encenações não se valia de

108 Op. cit., p. 26. 109 HARRINGTON, John. Modern Drama, New York: Norton, 1991, p. 390.

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cenários ou quaisquer outros recursos cênicos, suas peças são constituídas de uma

série de quadros, similarmente às pinturas medievais e às novelas de cavalaria. As

personagens de Yeats são simbólicas, a palavra é poética criando assim, em certos

momentos, imagens penumbrosas e oníricas. O dramaturgo português faz um teatro

de reflexão, porém Yeats, ao negar o intelecto, privilegia o místico e o sobrenatural,

mesmo em se tratando de sua idéias políticas, entranhadas no texto. Desse modo, é

importante afirmar que essas idéias são refinadas e amortecidas pelo seu lirismo. Gil

Vicente, indo na direção contrária, faz um texto repleto de vocábulos populares,

muito coloquiais, facilitando ao máximo nos exemplos e tornando as idéias bem

acessíveis.

No que diz respeito ao modo como cada um representa a sociedade, devemos

observar que ambos são muitos críticos em relação aos costumes e à estrutura social.

Gil Vicente, por exemplo, critica a luxúria na figura do Frade, mas não a Igreja como

instituição, ou o onzeneiro, pela sua ganância. Entretanto, não perde de vista a

sociedade que cria esses monstros, o sistema social que corrompe e dá privilégios a

poucos. Naturalmente, Yeats tem uma visão bem mais profunda dos problemas de seu

país. Sua própria experiência política levou-o a uma postura mais crítica da situação

de povo dominado, subjugado nos rumos da História. A diferença está no fato de que

a solução proposta pelo poeta e dramaturgo está na Arte, na sensibilização do homem,

pelo transcendental. A revolução deve começar pelo interior e não nas questões

externas, como pensavam seus companheiros anarquistas.

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HARRINGTON, John. Modern Drama, New York: Norton, 1991.

HARTNOLL, Phyllis. The Theatre: a concise history, 3a ed., London: Thames and

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MOISÉS,Massaud. A Literatura Portuguesa, 27a ed., São Paulo: Cultrix, 1992.

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REBELLO, Luiz Francisco. História do Teatro Português, Lisboa: Instituto de Cultura

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SEPA, Fernanda Mendonça, O teatro de William Butler Yeats: teoria e prática, São

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STEVENS, Kera. O teatro inglês da Idade Média até Shakespeare, org. da antologia

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VICENTE, Gil . Obras Primas do Teatro Vicentino, int., org. e com. de Segismundo

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YEATS, William Butler. The Collected Plays, Dublin: Gill and Macmillan, s/d.

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Diretora Responsável