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REVISANDO O USO DO PARTOGRAMA E SEU PAPEL NAS INDICAÇÕES DE CESARIANA INTRAPARTO Belo Horizonte 17 de março de 2015

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REVISANDO O USO DO PARTOGRAMA E SEU PAPEL NAS INDICAÇÕES DE CESARIANA INTRAPARTO

Belo Horizonte

17 de março de 2015

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TRR80/2015

NOTA TÉCNICA DE REVISÃO RÁPIDA

Tema: Revisando o uso do partograma e seu papel nas indicações de cesariana intraparto

Data: 17/03/2015

Solicitante: GEAS - Gestão de Atenção à Saúde.

Solicitação: Não se aplica

Análise: GATS - Grupo de Avaliação de Tecnologias em Saúde.

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Aspectos epidemiológicos, demográficos e sociais (contexto)

O modelo de assistência ao nascimento predominante, nas últimas décadas, caracteriza-se pelo uso rotineiro

de práticas obstétricas que, muitas vezes, são iatrogênicas1. Isso ocorre por não haver benefício clínico

enquanto se oferecerem riscos adicionais, incluindo, nessa definição, o uso indiscriminado de ocitocina

sintética durante o trabalho de parto2, a manobra de Kristeller no período expulsivo3, a episiotomia de

rotina4, a posição de litotomia5e as cesarianas eletivas desnecessárias6–8.

A preocupação com a adequação do uso da tecnologia na assistência obstétrica é uma tendência mundial

que se contrapõe a esse modelo. Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem recomendado,

de forma reiterada, a utilização do partograma para o acompanhamento do trabalho de parto.1

O partograma pode ser visto também como uma ferramenta de incentivo à documentação adequada do

trabalho de parto, que pode auxiliar na tomada de decisões e reduzir a taxa de intervenções e cirurgias

desnecessárias, que estão alcançando taxas alarmantes no Brasil, onde mais de 50% dos nascimentos

ocorrem por via cirúrgica. No setor da Saúde Suplementar, a situação é ainda mais preocupante, pois as

cesarianas são a via de quase 90% dos nascimentos, e cerca de 80% dessas cirurgias são realizadas de forma

eletiva, fora do trabalho de parto.9 É sabido que a maior parte dessas cirurgias não tem qualquer indicação

obstétrica10, nem mesmo relativa, e são, dessa maneira, procedimentos que oferecem riscos desnecessários

ao binômio materno-fetal.6–8 Por isso, diversas medidas têm sido tomadas para mudar esse cenário, com o

objetivo de incentivar e promover as boas práticas obstétricas, respaldadas pelas evidências científicas mais

robustas, o que resultará em aumento da conduta expectante para permitir o início do trabalho de parto,

especialmente o espontâneo, e em redução das taxas de cesariana, especialmente as eletivas.

Na assistência ao trabalho de parto, o uso correto do partograma é uma prática que requer treinamento de

baixa complexidade e tem muito baixo custo, sendo assim uma ferramenta simples e barata, mas que pode

ter um grande impacto benéfico, especialmente nessa transição de modelos de assistência obstétrica.

É importante ressaltar que, naturalmente, a assistência obstétrica baseada em evidências não se resume ao

uso do partograma e inclui uma série de boas práticas que evitam a assistência violenta ou iatrogênica ao

parto. Nesse contexto, as boas práticas na assistência ao parto requerem um grau maior de treinamento e

atualização, por meio da educação continuada. De forma essencial, a autonomia do paciente (no caso, da

parturiente) deve ser respeitada como o sustentáculo primordial, o pilar bioético central, da humanização da

assistência à saúde e ao parto.11

Descrição da tecnologia a ser avaliada

O partograma é uma representação gráfica do trabalho de parto que permite acompanhar sua evolução,

documentar e diagnosticar alterações e indicar a necessidade de condutas apropriadas para a correção de

desvios da normalidade, ajudando ainda a evitar intervenções desnecessárias.12

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Friedman13 estabeleceu, desde a década de 1950, uma correspondência entre os períodos clássicos,

especificamente entre os períodos de dilatação e o expulsivo, e as assim denominadas "divisões funcionais"

do parto. Considerou o período de dilatação subdividido em duas fases - a preparatória e a de dilatação

propriamente dita. O período expulsivo passou a ser considerado por esse autor como período pélvico, ou

seja, período em que se processam os fenômenos mecânicos do parto.12

Com base nessas observações, de nulíparas em trabalho de parto hospitalar, foram construídas curvas de

médias (FIG. 1 e 2) para os períodos do trabalho de parto e, baseados nessas curvas de “normalidade”, foram

propostos diversos partogramas.

O partograma atualmente utilizado pela OMS, baseado no modelo de Philpott & Castle14,15, está ilustrado a

seguir na figura 3, e, na figura 4, está ilustrada uma ficha completa de acompanhamento de trabalho de

parto. Nessa ficha consta, além do partograma, informações como frequência cardíaca fetal, as

características das contrações uterinas, as condições da bolsa das águas e líquido amniótico, a infusão de

líquidos e as especificações da analgesia.12

Figura 1: Curva média de dilatação para o parto em nulíparas. (De E. A. Friedman, Labor: Clinical Evaluation and Management [2ª ed.]. New York: Appleton-Century-

Crofts, 1978).

Figura 2: Inter-relações entre a descida da apresentação (linha sólida) e o padrão de desenvolvimento da dilatação concomitante (linha tracejada) em nulíparas (De E. A.

Friedman, Labor: ClinicalEvaluationand Management [2ª ed.]. New York: Appleton-

Century-Crofts, 1978; retirado do site: http://www.glowm.com/section_view/heading/Normal%20Labor%20and%20Delivery/item/127)

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Figura 3: Partograma recomendado pelo Ministério da

Saúde e pela OMS, baseados no modelo de Philpott&Castle, de 1972.

Figura 4: Modelo de ficha preenchida, com partograma e outros registros de interesse no acompanhamento do trabalho de parto.

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O partograma, isoladamente, não é um definidor absoluto de condutas, uma vez que o trabalho de parto não

evolui da mesma maneira em todas as mulheres. Como o trabalho de parto é um evento fisiológico, variações

da normalidade entre indivíduos são esperadas. Variações de acordo com a paridade também são esperadas.

Por isso, atualmente, tem sido discutida a validade das curvas de Friedman como padrão de normalidade,

uma vez que se refere a um contexto específico de assistência ao parto. Sabe-se, por exemplo, que a posição

(se vertical ou horizontal) da parturiente e a condição da bolsa (se rota ou não) influenciam na evolução do

trabalho de parto16. Há também as informações valiosas das curvas de Zhang et al.17, ilustradas nas figuras 5

e 6 a seguir, como referência auxiliar para a interpretação correta dos partogramas.

As curvas de Zhang foram baseadas em percentis, construídos a partir de um estudo recente de coorte,

multicêntrico, nos EUA, com mais de 60.000 parturientes que tiveram parto hospitalar vaginal, de início

espontâneo, de feto único e a termo, com desfecho neonatal normal. As curvas contemporâneas, baseadas

nesse trabalho, ampliam as janelas de tempo entre as fases, de acordo com a paridade e o momento da

internação da parturiente, e podem evitar diagnósticos equivocados de parada de progressão, especialmente

quando o preenchimento do partograma é iniciado de forma inadequada.

Os valores das curvas de Zhang têm sido considerados valores pragmáticos (ou de “mundo real”), pois, nesse

estudo, em torno de 45% das mulheres receberam ocitocina sintética e quase 80% receberam analgesia

epidural. Dessa maneira, mais uma vez, é importante salientar que a duração do trabalho de parto, em

especial a duração do parto sem intervenções, pode não corresponder às curvas de referência.

Figura 5: Curvas médias de acordo com paridade, em gravidez de feto único, de termo, com início espontâneo de trabalho de parto, com

desfechos neonatais normais. [Capture a atenção do leitor com uma ótima citação do documento ou use este espaço para enfatizar um ponto-chave. Para colocar essa caixa de texto em qualquer lugar na página, basta arrastá-la.] Retirado Revista Eletrônica UpToDate (Overview of normal labor andprotractionandarrest disorders), acessado em março de 2015.

Figura 6: Percentis 95 da duração cumulativa do trabalho de parto desde a admissão, para nulíparas com gestação a termo de feto único,

com início espontâneo de trabalho de parto vaginal, com desfechos neonatais normais. As cores representam a dilatação do colo à admissão: verde (5 cm), amarelo (4 cm), azul (3 cm) e vermelho (2 cm). Retirado Revista Eletrônica UpToDate (capítulo: Overview of normal labor and protraction and arrest disorders).

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Busca da evidência

Base de dados Medline via Pubmed

www.pubmed.gov

Revista Eletrônica Uptodate

www.uptodate.com

Base de dados Lilacs via Bireme

www.bireme.br

Bib. Cochrane via Bireme

http://cochrane.bvsalud.org/portal/php/index.php?lang=pt

Busca Manual

Resultados

A metanálise recente da Biblioteca Cochrane conclui que há poucos estudos de qualidade que permitam

elaborar uma recomendação definitiva sobre o uso do partograma, ou afirmar benefícios em desfechos

duros, como redução das taxas de cesariana ou de mortalidade materna e neonatal. No entanto, pelo fato

do uso do partograma ser muito difundido e, geralmente, bem aceito, parece razoável que a recomendação

de uso seja localmente definida.18

Alguns estudos demonstram benefícios consistentes de seu uso, incluindo um dos primeiros estudos

prospectivos, conduzido em 199419, no qual o uso do partograma reduziu a taxa de trabalho de parto

prolongado, de partos com ocitocina, de cesariana de emergência e de natimortos. Um estudo nacional

demonstrou que a ausência do partograma, quando ajustado para possíveis fatores de confusão, é um fator

isolado de risco para morte perinatal.20

Portanto, diretrizes de obstetrícia, como a canadense21 e a brasileira12, recomendam fortemente a utilização

do partograma. A seguir, estão ilustradas as distócias que podem ser diagnosticadas, com base nas linhas de

ação do partograma:

Distócias no período de dilatação:

1. Fase ativa prolongada

2. Parada secundária da dilatação

3. Parto precipitado

Distócias no período pélvico:

4. Período pélvico prolongado

5. Parada secundária da descida

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Na fase ativa prolongada ou distócia funcional, a dilatação do colo uterino ocorre lentamente, numa

velocidade menor que 1cm/hora. A curva da dilatação ultrapassa a linha de alerta e, ás vezes, a linha de ação.

Essa distócia geralmente decorre de contrações uterinas não eficientes. Não é uma indicação imediata de

cesariana, uma vez que a correção pode ser feita com o emprego de técnicas humanizadas de estímulo ao

parto normal, por exemplo, estimulando-se a deambulação e, se necessário, posteriormente procedendo à

administração de ocitocina ou à rotura artificial da bolsa.

Figura 7: Ficha com partograma e exemplo de fase ativa

prolongada (fonte: Parto, Aborto e Puerpério - Assistência Humanizada à Mulher. Ministério da Saúde. 2001).

A parada secundária da dilatação é diagnosticada por dois toques sucessivos, com intervalo de 2 horas ou

mais, estando a mulher em trabalho de parto ativo. Nesse tipo de distócia, a dilatação cervical permanece a

mesma durante duas horas ou mais, ultrapassa a linha de alerta e, por vezes, a linha de ação. Há risco de

sofrimento fetal, agravando o prognóstico perinatal. A causa principal é a desproporção céfalo-pélvica (DCP)

relativa ou absoluta. DCP absoluta traduz tamanho do polo cefálico maior que a bacia (feto macrossômico)

ou feto de tamanho normal e bacia obstétrica pequena. Na vigência de DCP absoluta, a resolução é feita por

cesárea. Considera-se DCP relativa quando existe defeito de posição da apresentação: deflexão ou

variedades de posição transversas ou posteriores. Nessas condições, a deambulação, a rotura artificial da

bolsa das águas ou a analgesia peridural podem favorecer a evolução normal do parto. Nos casos de

membranas rotas, a deambulação só deve ser recomendada com o polo cefálico completamente apoiado na

bacia materna, para evitar o prolapso de cordão umbilical. A resolução por cesárea deverá ser indicada

quando esses procedimentos não forem eficientes para corrigir a evolução anormal da cérvico-dilatação

observada no partograma.

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Figura 8: Ficha com partograma e exemplo de parada

secundária de progressão (fonte: Parto, Aborto e Puerpério - Assistência Humanizada à Mulher. Ministério da Saúde. 2001).

O parto precipitado ou taquitócico é diagnosticado quando a dilatação cervical e a descida e expulsão do feto

ocorrem num período de 4 horas ou menos. O padrão da contratilidade uterina é de taquissistolia e

hipersistolia e, caso a placenta esteja no limite de sua função, pode ocorrer o sofrimento fetal. Lacerações

do trajeto também são mais frequentes nesse tipo de parto, pois não há tempo para acomodação dos tecidos

pélvicos, ocorrendo descida e expulsão do feto de modo abrupto. O parto taquitócico pode ser espontâneo

em multíparas, sendo mais raro em primíparas. Geralmente, está associado à administração excessiva de

ocitocina. Nesse caso, deve-se suspender a infusão de ocitocina até o retorno a um padrão contratural

normal. Orienta-se atenção à vitalidade fetal no período de dilatação cervical e revisão detalhada do canal

de parto após a dequitação.

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Figura 9: Ficha com partograma e exemplo de parto taquitócito (fonte: Parto, Aborto e Puerpério - Assistência Humanizada à Mulher. Ministério da Saúde. 2001).

O período pélvico prolongado manifesta-se no partograma com a descida progressiva da apresentação, mas

excessivamente lenta. Nota-se dilatação completa do colo uterino e demora na descida e na expulsão do

feto. Essa distócia geralmente está relacionada à contratilidade uterina deficiente, e sua correção pode ser

obtida pela administração de ocitocina, rotura artificial da bolsa das águas e, ainda, pela utilização do fórcipe,

desde que preenchidos os pré-requisitos para sua aplicação. Também é recomendada a posição verticalizada

para favorecer a descida da apresentação.

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Figura 10: Ficha com partograma e exemplo de período pélvico prolongado (fonte: Parto, Aborto e Puerpério - Assistência Humanizada à Mulher. Ministério da Saúde. 2001).

A parada secundária da descida é diagnosticada por dois toques sucessivos, com intervalo de 1 hora ou mais,

desde que a dilatação do colo uterino esteja completa. Considera-se que há parada secundária da progressão

da apresentação quando ocorre cessação da descida por pelo menos 1 hora após o seu início. Deve ter pronta

correção. Há necessidade de se reavaliarem as relações feto-pélvicas, pois a causa mais frequente desse tipo

de distócia é, novamente, a DCP relativa ou absoluta. A presença de desproporção absoluta leva à indicação

de cesárea. Na vigência de desproporção relativa, com polo cefálico profundamente insinuado e cérvico-

dilatação completa, é válida a tentativa de fórcipe de tração ou rotação, dependendo da variedade de

posição.

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Figura 11: Ficha com partograma e exemplo de parada secundária da descida (fonte: Parto, Aborto e Puerpério - Assistência Humanizada à Mulher. Ministério da Saúde. 2001).

Para o acompanhamento do trabalho de parto e o diagnóstico de qualquer distócia, é importante ressaltar

que a fase ou a divisão funcional de interesse na aplicação do partograma é a de dilatação (FRIEDMAN, 1978)

ou fase ativa (SCHWARCZ et al., 1996). As recomendações brasileiras atuais definem a fase ativa pela

velocidade de dilatação cervical em torno de 1cm/hora. A abertura do partograma na fase latente ou no

início da dilatação (menor que 4 cm) implicaria intervenções não só desnecessárias, mas também

iatrogênicas.12 Portanto, a recomendação é para se iniciar o registro gráfico quando a parturiente estiver na

fase ativa do trabalho de parto (duas a três contrações eficientes em 10 minutos, dilatação cervical mínima

de 3 cm). Em caso de dúvida, sugere-se aguardar cerca de 1 hora e realizar novo toque: detectada a

velocidade de dilatação de 1cm/hora, verificada em dois toques sucessivos, confirma-se o diagnóstico de fase

ativa do trabalho de parto.

Porém, é essencial estar atento ao fato de que, em muitas mulheres, a fase ativa pode não ocorrer antes dos

5-6 cm de dilatação, assim como a velocidade de dilatação não chegar a 1cm/hora, não sendo essas condições

patológicas, mas variações fisiológicas do normal.22 Assim, é sempre necessária a avaliação cuidadosa das

condições individuais da parturiente para não se proceder a diagnósticos equivocados e terapêuticas

desnecessárias e, portanto, iatrogênicas. Nesse sentido, o partograma baseado no trabalho de Schwarcz et

al.23, apesar de menos simples que o de Philpott&Castle, permite individualizar melhor as condutas, uma vez

que, nesse modelo, a linha de alerta é traçada de acordo com o perfil da parturiente.16

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Discussão

O contexto socioeconômico, o modelo de assistência obstétrica e os recursos do sistema de saúde envolvidos

são muito importantes para se avaliar o impacto do partograma na assistência ao trabalho de parto. Como

exemplo, em local com recursos escassos, o partograma é uma ferramenta útil para se avaliar a necessidade

de transferência da parturiente para centros de maior complexidade em momento oportuno. Por outro lado,

em contextos com recursos financeiros e tecnológicos adequados, de um modelo centrado no ambiente

hospitalar e na figura do médico, em que o risco de intervenções desnecessárias é maior, o uso do

partograma é útil justamente para reduzir esse risco.

Dentro de limites de segurança apropriadamente definidos, os melhores desfechos do nascimento ocorrem

quando o trabalho de parto começa e progride espontaneamente.22 Nesse contexto, o registro gráfico do

trabalho de parto é uma ferramenta simples e útil para acompanhar e registrar sua evolução, permitindo, de

forma segura, reservar as intervenções somente para os casos em que a evolução, comprovadamente

anormal, possa oferecer risco aumentado de desfechos adversos ao binômio materno-fetal.

Há diversos modelos de partograma.17,22–24 Os modelos podem se complementar, e é mais importante que

se faça o uso correto dessas ferramentas do que do modelo escolhido.

Portanto, deve-se atentar para o diagnóstico correto da fase ativa, para se evitarem internações precoces e

prolongadas das parturientes, que podem levar a diagnósticos equivocados de distócias e terapêuticas

desnecessárias. Como exemplo, há dados de que cerca de 50% das cesáreas intraparto por distócia, em

mulheres nulíparas, ocorrem quando elas ainda estão com ≤ 5 cm de dilatação cervical, levantando a

preocupação de que muitos diagnósticos de distócia podem estar sendo realizados inadequadamente, antes

da fase ativa do parto.22 Segundo as diretrizes nacionais e internacionais, a conduta de cesárea intraparto

por falha de progressão não deve ser feita antes da fase ativa do parto e somente após medidas adequadas

de correção.25, 26

É também essencial que se admitam e se conheçam as variações fisiológicas do normal, para permitir a

evolução espontânea do trabalho de parto, usando o partograma como referência e não como limite rígido

de tempo para o parto. O uso do partograma, associado aos métodos de analgesia não farmacológica, ao

suporte emocional contínuo, ao incentivo à deambulação e ao encorajamento, reassegurando a parturiente

da sua capacidade de parir e da segurança do processo, faz parte das boas práticas de assistência ao trabalho

de parto.

Conclusão

O partograma é uma ferramenta simples que permite o registro e o acompanhamento atento do trabalho de

parto fisiológico, assim como permite o diagnóstico de evoluções anormais e a avaliação da resposta às

condutas de correção.

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O uso correto do partograma permitirá melhorar a assistência ao trabalho de parto, no reconhecimento

correto de seu padrão, e reduzir as condutas iatrogênicas, em especial no contexto nacional, em que os níveis

alarmantes de cesarianas, especialmente as eletivas, têm acarretado riscos desnecessários ao binômio

materno-fetal.

É necessário treinamento, de baixa complexidade, para seu uso correto e não há relatos de eventos adversos

associados a essa prática.

Recomendação

O Grupo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (GATS) recomenda o uso do partograma como parte

das boas práticas obstétricas, baseadas em evidências, da assistência ao parto.

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