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A HISTÓRIA DO DELEGADO LUÍS

FLÁVIO ZAMPRONHA

Política

As respostas a três questões mostram por que foi punido o principal investigador do

mensalão, que se colocou contra os rumos definidos por dois procuradores-gerais da

República e pelo presidente do STF

por Lia Imanishi

NO ÚLTIMO 11 de junho, o delegado Luís Flávio Zampronha foi punido com dois dias de suspensão, pela Corregedoria--Geral de Polícia Federal (PF), por ter, em agosto do ano passado, dado entrevistas aos diários Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo sobre o julgamento do mensalão, criti-cando a “falta de humildade” do Ministério Público, que, segundo ele, teria cerceado e desconsiderado o trabalho da PF. Como se sabe, a sentença básica do mensalão, cujos embargos declaratórios estão para ser julga-dos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir deste mês de agosto, é a de que foram formadas três quadrilhas – comandadas por José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva –, que desviaram dinheiro público, 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil (BB), com os quais compraram apoio político para o governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Para encobrir o desvio, teriam simulado empréstimos com empre-sários mineiros, dirigentes do Banco Rural e de agências de publicidade. Zampronha, nas entrevistas, resumidamente, disse que a acusação de quadrilha era “motivo de piada” na PF, que os empréstimos eram verdadeiros e que o desvio de 73,8 milhões de reais não procedia.

Zampronha tem 39 anos, é casado, pai

Universidade Federal de Goiás e está na PF há 13 anos. Está ligado à investigação do mensalão desde o início. Apareceu pela primeira vez no noticiário nacional em 17 de junho de 2005, quando entregou à

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional um re-latório da PF sobre corrupção na estatal Correios. A revista semanal Veja havia publicado, um mês antes, no dia 14 de maio, cenas de um vídeo em que Maurício Marinho, funcionário da estatal, negociava favores em troca de propina com um su-posto empresário. Na gravação, Marinho

a supervisão de Roberto Jefferson, então deputado federal e presidente do PTB, partido da base de sustentação do governo. Logo após a denúncia de Veja, Zampronha foi designado pelo então diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, para investigar a história. No dia 6 de junho, Jefferson atacou o PT. Segundo ele, o partido, sob o comando de Dirceu, teria criado o que o petebista bati-zou, com sucesso, de “mensalão”.

A história da corrupção nos Correios e a do mensalão, então, se embaralharam. Por essa razão, quando entregou seu relatório sobre a investigação na estatal à CPMI dos Correios, que havia sido instalada em 9 de junho, Zampronha passou a investigar, em seguida, o “mensalão”. Essa investigação foi aberta em Minas Gerais pelo fato de

ser o publicitário Marcos Valério, diretor de agências de publicidade com sede em Belo Horizonte, apontado por Jefferson como um homem-chave na distribuição de dinheiro pelo PT em Brasília. Zampronha começou pelo depoimento e pela agenda de uma secretária de Valério, Karina So-maggio, que deu entrevistas a revistas e

jornais no começo de junho e falou em malas de dinheiro sendo distribuídas a partir da agência do Banco Rural em Brasília. Zampronha logo localizou o tesoureiro da agência do Rural na capital, José Francisco de Almeida Rego. Este disse que a agência do banco mineiro em Brasília era, de fato, a distribuidora de dinheiro vindo da conta da SMP&B (uma das empresas de publici-

para os políticos indicados pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares. A partir dessas informações, Zampronha conseguiu que o juiz federal Jorge Gustavo Costa, da 4ª Vara Penal de Minas Gerais, responsável por acompanhar o inquérito, autorizasse uma operação de busca e apreensão no Banco Rural, em Belo Horizonte, onde estariam os documentos de autorização das transferências de dinheiro e o nome dos destinatários. Com o mandado judicial, no dia 13 de julho, sete agentes comandados por ele foram à sede do banco na capital mineira em busca dos documentos.

A sede do Rural em Belo Horizonte tem seis andares, inúmeras salas e arquivos. Logo a equipe de Zam-

pronha descobriu que, sem a ajuda do banco, seria difícil localizar os documentos pretendidos. Isso só aconteceu no dia seguinte, 14 de julho, quando funcioná-rios do banco lhe entregaram, em outro endereço, no arquivo central do Rural, localizado no número 380 da avenida João Azeredo, faxes, e-mails, cheques e notas com ordens de pagamento enviadas pelos

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gerentes de Valério à agência do Rural em Brasília. De posse dos documentos, Zampronha e sua equipe dirigiram-se ao avião da PF que os aguardava no aeroporto da Pampulha para levar o material à sede da PF, em Brasília. Antes da partida, no entanto, Zampronha recebeu um tele-fonema do juiz Costa, que disse que o material deveria ser lacrado e entregue a ele. Os documentos “subiriam” para o Supremo por envolverem pessoas com foro privilegiado, disse o juiz. Isso porque o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, tinha estado no mesmo dia 14, acompanhado de seu cliente, com o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, para entregar cópias

distribuído pelo Rural, na qual constavam

com foro privilegiado, o que obrigava as investigações a saírem da 4ª Vara de Minas Gerais e passarem para o foro superior, do STF. Souza despachou favoravelmente à petição de Leonardo, o juiz Costa foi avi-sado, ligou para o então presidente do STF, Nelson Jobim, e deste partiu a ordem para os documentos serem lacrados e levados pessoalmente pelo juiz ao STF.

Os autos, isto é, a documentação for-mal de um inquérito policial, passeiam entre o delegado que o preside, o procurador que

Justiça se considera os indícios de crime

por supervisionar o inquérito e por enca-

eventual aceitação da denúncia e o posterior julgamento. Zampronha só recuperou o material do inquérito policial que presidia,

Costa levou a documentação para o STF uma semana depois. Como era julho, mês

estocada na corte suprema. No começo de agosto, houve o sorteio para a escolha do juiz relator e o inquérito, então, passou para a supervisão do ministro Joaquim Barbosa.

Quando chegou de volta às mãos de

vazado para a imprensa e o escândalo ganhara um novo ingrediente. No dia 3 de agosto, além dos nomes de depu-tados que haviam recebido dinheiro do esquema Marcos Valério–Delúbio Soa-res, apareceu nas manchetes dos jornais o diretor de Marketing e Comunicação

do Banco do Brasil, o petista Henrique Pizzolato, como tendo recebido do esquema a quantia de 326.660,27 reais em dinheiro, a partir de um cheque da empresa SMP&B, do esquema Valério, descontado na agência do Banco Rural no Rio de Janeiro. Zampronha não quis dar entrevistas e só aceitou falar infor-malmente, depois de muita insistência. Nas duas longas conversas que a repórter

das quais ele se queixa é de não ter po-dido investigar melhor toda a história. O caso Pizzolato é um dos aspectos que ele acha mal investigados. O consenso aprovado no STF, pela unanimidade dos 11 juízes, é o de que aquela quantia era propina recebida pelo petista por favores prestados a Valério, para lhe facilitar o desvio de dinheiro do BB. Além disso, Zampronha, no inquérito 2474, uma nova investigação que fez, por quatro anos, entre 2007 e 2011, a pedido do mesmo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, encontrou, vindo da conta de outra das empresas das quais Valério era diretor, a DNA, mais um saque em dinheiro no valor de 326.660,27 reais. Na época, no relató-

Zampronha: o delegado da Polícia Federal foi

punido por dar entrevistas nas quais declarou

que a acusação de formação de quadrilha

contra os “mensaleiros” era “motivo de piada”

Marcio Lima/Editora Globo

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rio que entregou a Roberto Gurgel, novo procurador-geral, que passou a cuidar do caso em meados de 2009, supôs tratar--se de uma segunda parcela da propina a Pizzolato. Hoje, escaldado por vários reveses, pela punição recebida, pelas divergências com os dois procuradores, pelos rumos que o julgamento tomou, Zampronha acha, entre muitas outras coisas, por exemplo, que o caso do su-borno de Pizzolato foi mal investigado e ainda não está provado.

Resumidamente, o trabalho de investi-gação do mensalão por Zampronha pode ser dividido em três fases: a primeira, cujo início foi descrito acima, com a apreensão dos documentos da conta da SMP&B no Rural em meados de julho de 2005 e que

seguinte, quando o procurador Souza faz a denúncia do mensalão sem esperar pelo

relatório de Zampronha, a despeito de seus pedidos para prorrogar a investigação; a segunda, que se estende dos últimos dias de 2005 até outubro de 2006, quando Zam-pronha acompanha as operações voltadas para conseguir os documentos da Visanet, nome fantasia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento, a empresa que depo-sitou na conta da DNA os 73,8 milhões de reais considerados pelo STF como tendo sido desviados do Banco do Brasil para o esquema de corrupção petista; e a terceira, a investigação da qual falamos há pouco e na qual Zampronha trabalhou com laudos que ele próprio pediu aos órgãos técnicos da PF sobre o funcionamento da Visanet e com as contas de todas as empresas das quais Marcos Valério participava, e não apenas a SMP&B.

Do exame do trabalho de Zampronha,

ser extraídas três perguntas que este texto procurará responder:

1. Por que, sendo ele o principal dele-gado da PF na investigação do mensalão, Zampronha foi dispensado, pelo procura-

2. Por que ele foi afastado das inves-tigações sobre as relações entre o BB e a Visanet se é justamente o suposto desvio de dinheiro do banco estatal a viga mestra da teoria da existência do chamado “maior

política da história do País”, no dizer do

As primeiras duas perguntas têm uma resposta única e simples. Quando fez sua denúncia do men-

salão a 30 de março de 2006, o procurador

mas comandado a investigação de muito pouco e chegado a uma conclusão absolu-tamente precipitada em relação ao grande crime concreto que denunciava: os 73,8 milhões de reais do Fundo de Incentivos Visanet (FIV), dinheiro público, do Banco do Brasil, que teria sido desviado para comprar deputados.

Em sua denúncia, Souza, no fundo, adota a tese de que o desvio teria sido provado pelo fato de Pizzolato ter recebido a propina de cerca de 330 mil reais. Des-prezou a investigação minuciosa e ampla

Pizzolato, que a Receita Federal acabou fazendo, de certo modo animada pelas primeiras impressões da mídia, que ligava o recebimento do dinheiro à compra do apartamento no qual o petista mora em Copacabana. Essa investigação acabou provando que, de todos os defeitos de suas declarações de rendimentos em 20 anos – pelos quais pagou 15 mil reais, sendo 5 mil a punição, 3 mil a multa e mais 7 mil reais de juros de mora –, o maior tinha sido o fato de ter declarado como dependente a madrasta que o criara desde os nove anos. Em 29 de dezembro de 2011, a investigação de suas

Souza, Gurgel e Barbosa aferraram-se à tese de 2006 e desprezaram em grande parte os laudos periciais pedidos por Zampronha

Zampronha entrega relatório à CPMI dos Correios (17/6/2005): a seguir, o “mensalão”

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contas terminou, Pizzolato pagou esses 15

acusação de que usou os tais 300 mil para comprar o apartamento em Copacabana nem sequer foi usada na Ação Penal 470 (AP 470), que se seguiu ao inquérito 2245.

Souza também desconsiderou com-pletamente a amplíssima auditoria feita ao longo de quatro meses por 20 auditores do Banco do Brasil no uso do Fundo de Incentivos Visanet e concluída a 7 de de-zembro de 2005 sem qualquer prova de que tivesse havido o desvio denunciado ou coi-sa parecida. Souza apresentou sua denúncia culpando pelo desvio, do qual não buscara provas, apenas os petistas Pizzolato e Luiz Gushiken, o ministro responsável, então, pelos gastos da propaganda oficial do governo. Não esperou pela grande inves-tigação que Zampronha e peritos da PF, a seu pedido, faziam na Visanet. A empresa estava, claramente, no centro do problema. Era a depositante do dinheiro nas contas da empresa DNA, a partir da qual teria havido o desvio. Era sócia do BB desde 2001, por meio de contratos e mecanismos de repasse de dinheiro que deveriam ser, evidentemente, investigados. A Visanet montou uma comissão de acompanha-mento da crise. Em um e-mail de Mariluce Vilella, que fazia parte dessa comissão, encaminhado aos diretores da Visanet, ela diz que tudo andava a contento na CPMI e que “quem vai se complicar é o Pizzolato”. Mais do que relações públicas, a Visanet armou um aparato jurídico com dezenas de advogados para manter-se fora da CPMI e das investigações.Várias correspondências

nos autos, entre a Procuradoria-Geral, o ministro Barbosa, o delegado Zampronha e os advogados da Visanet, mostram que a empresa resistiu até o último momento a entregar documentos importantes para a investigação. Desde o início de janeiro de 2006, o procurador Souza tentava ob-ter da companhia os papéis originais das prestações de contas feitas pela agência DNA a respeito dos serviços, seus e de seus fornecedores, contratados para fazer os trabalhos de promoção da venda dos car-tões de bandeira Visa. No dia 30 de junho,

a busca e apreensão na empresa, para a qual Zampronha escalou uma equipe co-mandada pelo delegado Fragoso Praxedes. Oito agentes apreenderam quatro malotes de documentos e os lacraram. Praxedes relata a diligência à então presidente do STF, Ellen Gracie, e diz que lhe foi co-municado informalmente que os malotes deveriam permanecer lacrados até segunda ordem. Isso porque a Visanet entrou com ação para recuperar parte dos documentos contidos nos malotes. A disputa durou até 9 de outubro de 2006. Os advogados da Visanet requeriam que fossem devolvidos ao menos os documentos protegidos pelo princípio de inviolabilidade das relações advogados–cliente. Finalmente, a 10 de outubro, Barbosa deferiu o pedido de de-volver esses documentos. Entre eles, havia um (ver RB nº 65, dezembro de 2012), elaborado por um dos maiores escritórios de advocacia do País, a serviço da Visanet, para ser apresentado à Receita Federal. A

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devidos pela companhia, o escritório argu-mentava que todas as ações de incentivo ao uso dos cartões Visa contratadas pelo BB foram realizadas pela DNA. O documento trata dos comprovantes da realização de 99 ações feitas com os recursos do fundo da Visanet pela DNA, a mando do BB. Descreve o tipo de comprovante – notas

em shopping centers, aeroportos, pontos de ônibus, etc. e traz planilhas de veiculação de anúncios. Elas mostram que foram gas-tos aproximadamente 73,8 milhões de reais nessas ações – e que, portanto, não houve o desvio de dinheiro do Banco do Brasil.

O tratamento dado pelos dois pro-curadores-gerais da República e pelo relator da AP 470 aos laudos

periciais pedidos à PF por Zampronha e os inquéritos paralelos ao 2245 que eles mon-taram são outra prova clara de que os três – Souza, Gurgel e Barbosa – aferraram-se à tese construída na denúncia de março de 2006 e foram jogando fora ou para baixo de tapetes convenientes tudo que poderia contrariar essa tese. Um exemplo típico é o laudo 2828/2006, do Instituto Nacional de Criminalística (INC). Ele visava obter o nome dos responsáveis pelo uso dos re-cursos do fundo da Visanet distribuídos ao BB. Tinha sido pedido pela Procuradoria e foi aberto por Zampronha no INC a 22 de dezembro de 2005. Ficou pronto em dezembro de 2006. Apresenta vários res-ponsáveis pelas relações BB–Visanet: três diretores de Varejo do BB no período

Souza, Gurgel e Barbosa: eles deixaram de lado o que podia contrariar a ideia de que houve desvio de recursos públicos

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a ser investigado, de 2001 a meados de 2005, e quatro gestores do próprio fundo de incentivos, todos eles da área de Varejo do BB, e não da área de Comunicação e Marketing, que era a de Pizzolato.

Pizzolato, o único denunciado por Sou-za, não aparece em nenhuma das 43 páginas do laudo. O procurador não apensa o 2828 aos autos da AP 470 a não ser depois de a denúncia do mensalão, apontando Pizzolato e Gushiken como responsáveis pelos des-vios no uso do FIV, ter sido aceita pelo STF, em agosto de 2007. Apenas em novembro desse ano tal apensamento é feito. E mesmo sem que, em qualquer momento, o laudo 2828 faça referência a Pizzolato, na carta que serviu para encaminhá-lo aos autos, o procurador diz: “Em que pese seu teor completo ser de leitura obrigatória, ante a profundidade da análise empreendida, alguns trechos do Laudo Pericial nº 2828-INC merecem destaque, pois a imputação feita na denúncia de que Henrique Pizzolato

de Marcos Valério, ao fazer adiantamentos em valores sem a devida contraprestação

levantados”. Essa carta está na folha 20 do apenso 142, dos autos da AP 470. Ela é

do laudo 2828, feita pelo procurador-geral

Barbosa chegou a indeferir, no dia 24 de setembro de 2007, o pedido do Banco do Brasil para ver o laudo 2828.

T al laudo foi apartado do inquérito 2245 e incluído em outro inquéri-to, aberto no STF. Um ofício do

procurador-geral endereçado ao ministro Joaquim Barbosa lhe pede que sejam separados os documentos que continua-vam sendo enviados por Zampronha dos documentos que já estavam no inquérito 2245, porque eles versariam sobre “outros fatos” e supostamente poderiam gerar “confusão” ou “questionamentos”. Esse inquérito foi aberto no início de 2007, com o número 2474, e também foi pre-sidido pelo delegado Zampronha. Sobre

Antes, outro inquérito. Como era evi-dente, para qualquer um que investigasse minimamente os fatos, que havia muito mais gente envolvida num suposto desvio de dinheiro do Banco do Brasil por meio do fundo Visanet e que Souza só havia pedido o indiciamento de Pizzolato e Gushiken, numa nota de rodapé da denúncia ele diz que outros possíveis envolvidos no desvio de recursos do BB através do fundo seriam

-tentes. Mandou então abrir, na Delegacia Regional da PF em Brasília, um inquérito protegido por sigilo, o 0555/2006, e des-tacou para sua supervisão o procurador da República José Robalinho, da 12ª Vara Penal de Brasília. No dia 17 de maio deste ano, a repórter conversou por telefone com ele. Queria saber a quantas andava a investigação do 0555/2006. O procurador disse, entre outras coisas, o seguinte: “Veja bem, não queremos aqui perseguir estafetas, pessoas que apenas assinam papéis sem im-

não estava andando bem, porque o próprio Henrique Pizzolato bateu a bola no peito e disse com todas as letras que ele é que tinha adiantado o dinheiro para a DNA do Marcos Valério. Esse processo estava ca-minhando para ser arquivado. Como é que eu podia dizer que os outros membros do banco participaram desses adiantamentos se o próprio Pizzolato disse que adiantou

Só que aí veio a público o inquérito do Zampronha. Ele até está sendo investigado dentro da Polícia Federal por isso. Eu não tenho nada contra ele, que é meu amigo, mas ele tornou público o inquérito dele”.

A repórter disse a Robalinho que em nenhum momento de seus depoimentos

antecipações para a DNA. Mesmo porque, completou, como mostrou o laudo 2828, Pizzolato não tinha competência para au-torizar a transferência de nenhum recurso dos cofres da Visanet para a DNA. Para sua surpresa, Robalinho mostrou que não conhecia o laudo 2828.

Como já se disse, Zampronha presidiu, a partir de 2007, mais um inquérito sobre o

mensalão, ao qual foi apensado, inclusive, o laudo 2828, embora com a recomendação explícita de que a questão de saber quem eram os responsáveis, na Visanet e no BB, pelo suposto desvio de recursos não esti-vesse entre os fatos a serem investigados. Com esse novo mandado, Zampronha estudou a movimentação dos recursos por Marcos Valério em várias contas, e não apenas aquela da SMP&B no Banco Rural da qual obtivera a documentação a 14 de julho de 2005, durante a operação de busca e apreensão no banco em Belo Hori-zonte. Com base no exame dessas contas, Zampronha foi em busca de pessoas envolvidas em casos suspeitos e examinou vários aspectos paralelos ao “mensalão”. Analisou as 17 visitas de Valério ao Banco Central para tentar apressar – sem sucesso – a liquidação do Banco Mercantil de Per-nambuco, na qual o Rural tinha interesse. Analisou a hipótese de o mensalão ter sido sustentado por recursos do Banco

-tas, que na época controlava a Telemig e a Brasil Telecom, servidas por empresas de publicidade ligadas a Valério – e chegou à conclusão de que havia sido preparado um acordo entre as empresas de Dantas e as de Valério para a veiculação de 50 milhões de reais em publicidade, mas o estouro do

cancelara o negócio. Descobriu, ainda, que mais políticos tinham recebido dinheiro de Valério, não pela famosa conta do Rural, mas pelas da DNA, e citou quatro casos que pediu ao procurador-geral que fossem investigados.

Foi aí que, no meio de suas inves-tigações, no final de março de 2008, Zampronha achou aquela que seria a testemunha-bomba na acusação contra Pizzolato, Danévita Magalhães, que acabou sendo uma prova em sentido contrário. Danévita era contratada por uma agência de publicidade que mantinha, junto com outras agências que tinham contrato com o BB, um núcleo de mídia em Brasília. Em seu depoimento, tomado pelo delegado Zampronha na sugestiva data de 1º de abril de 2008, ela disse que teria sido demitida do

Zampronha alertou sobre Danévita. Mas elaera o que faltava para tornar verossímil a história do desvio de dinheiro do BB

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BB porque, em 2003, o diretor de mídia da DNA, Fernando Braga, teria lhe pedido para assinar um falso plano de mídia no valor de 60 milhões de reais que, segundo ela, Braga informou que não tinha sido nem seria realizado. Serviria apenas para simular serviço e desviar dinheiro.

No depoimento, ela não cita o nome de Pizzolato, mas, sim, o do gerente de Mídia do Banco

do Brasil à época, Roberto Messias, que, segundo ela, teria lhe oferecido dinheiro para pedir demissão voluntária. O depoi-mento chamou a atenção de Zampronha, que o encaminhou ao procurador Souza. Porém, prosseguindo suas investigações, Zampronha descobriu um depósito de 25 mil reais na conta de Danévita, proveniente da DNA, mas com passagem pela empresa Diretorial, de um empresário pernambuca-no genro do ex-vice-presidente da Repú-blica Marco Maciel. A Diretorial aparecia na planilha das 15 empresas que mais receberam dinheiro da DNA proveniente do fundo Visanet. Segundo apurou RB, Zampronha alertou o procurador Souza. “Danévita não contou tudo. É uma teste-munha fria.” Mas já era tarde. Danévita era o que faltava para que a história do desvio no BB parecesse verídica.

Messias trabalha hoje como secretário--executivo de Comunicação Social do governo da presidente Dilma Rousseff. Um de seus assessores informou a RB que Messias, de fato, pediu à agencia de

publicidade que contratou Danévita que a demitisse, mas isso porque ela era uma “criadora de caso”. Segundo esse assessor, outros sete funcionários do núcleo de mídia do BB, que eram bancados pelas

e disseram que não voltariam ao trabalho enquanto Danévita não fosse dispensada.

Outro laudo encomendado por Zam-pronha, o 1866/2009-INC, também serviu para a acusação da Procuradoria, a essa altura já comandada por Roberto Gurgel, mas de modo estranho. O laudo mostra que em 22 de abril de 2004 a DNA sacou 10 milhões de reais da conta 602000-3 no BB, na qual recebeu adiantamentos por serviços de publicidade prestados ao banco. Esses recursos foram transferidos para uma aplicação da DNA no BMG: a compra de

Esse CDB depois serviu de lastro para um empréstimo de valor equivalente no BMG, dois dias depois, por uma empresa de Rogé-rio Lanza Tolentino, sócio de Valério. Essa transação, para Gurgel, teria sido a “prova

que seria formada por Tolentino, Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach para,

e a dos banqueiros, promover o desvio de recursos do Banco do Brasil.

Apesar da conclusão de Gurgel, lê-se no laudo 1866/2009, do INC, o seguinte: “Os peritos entendem que o contrato está acobertado por garantias adequadas, vez

e liquidez exigidas pelas normas. Destaca--se que essa conclusão diz respeito ao aspecto formal do negócio, não tendo sido avaliado o seu aspecto ideológico, como a motivação da DNA Propaganda Ltda. em fornecer a garantia ou mesmo a origem dos recursos que a constituíram”. Evidentemente, o procurador Gurgel fez uma escolha ideológica e caracterizou o

crime do desvio.Quanto à resposta da terceira per-

gunta, o que se sabe é que Zampronha foi punido disciplinarmente pela PF por duas razões: porque o ministro Barbosa manifestou-se dizendo que ele deveria ser punido e porque, em suas conclusões

contestou frontalmente o que viria a ser o resultado do julgamento ao dizer que os empréstimos eram verdadeiros, dinheiro limpo que os banqueiros haviam empres-tado ao PT com a expectativa de que o partido o devolvesse limpo, mesmo saben-do que sua movimentação seria por meio do famoso caixa dois. A consideração de que a acusação de formação de quadrilha era uma “piada” só agravou a contundên-cia de sua conclusão e, de certa forma, foi

longo desses cinco anos e oito meses de investigações, de julho de 2005 a feverei-ro de 2011, nem sempre formulando as hipóteses mais corretas, mas sempre de espírito aberto, procurando provas que

Danévita e Pizzolato: no depoimento em que falou do desvio de R$ 60 milhões, ela não citou o diretor do BB, que foi acusado

Reprodução

Sergio Bondioni