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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA CURSO DE DOUTORADO/MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO FAGNER DANTAS RESUMO: CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada : a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004. O AUTOR Ha-Joon Chang nasceu em Seoul, Coréia do Sul, em 1963. Formou-se em Economia pela Universidade Nacional de Seoul, na Coréia do Sul. Conseguiu seu mestrado e doutorado em Economia na Universidade de Cambridge (Inglaterra). Desde então, tem ensinado economia em Cambridge. Além das atividades acadêmicas, atuou como consultor para várias agências internacionais (ONU, Banco Mundial) e para vários países, como Canadá, Japão e Venezuela, sempre na área de Políticas de Desenvolvimento. Vem também publicando e editando, individualmente ou em conjunto, vários livros sobre a temática do desenvolvimento, tendo recebido em 2003 o Prêmio Gunnar Myrdal pelo livro “Chutando a Escada”. A ESTRUTURA DO LIVRO O livro tem 266 páginas, divididas da seguinte forma: quatro capítulos, aos quais se somam a bibliografia e um índice remissivo. A RESENHA Capítulo 1 – Como os Países Ricos Enriqueceram de Fato? O capítulo exerce a função de apresentação do livro. Colocando a questão da pressão que os países em desenvolvimento sofrem dos países desenvolvidos e das instituições internacionais de financiamento para adotar as chamadas “boas práticas” resumidas no Consenso de Washington, o autor afirma que esses mesmos países desenvolvidos não alcançariam sua atual posição caso seguissem as práticas que hoje recomendam.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    ESCOLA DE ADMINISTRAO

    Ncleo de Ps-Graduao em Administrao NPGA

    CURSO DE DOUTORADO/MESTRADO ACADMICO EM ADMINISTRAO

    FAGNER DANTAS

    RESUMO: CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: a estratgia do desenvolvimento em

    perspectiva histrica. So Paulo: Editora UNESP, 2004.

    O AUTOR

    Ha-Joon Chang nasceu em Seoul, Coria do Sul, em 1963. Formou-se em Economia

    pela Universidade Nacional de Seoul, na Coria do Sul. Conseguiu seu mestrado e

    doutorado em Economia na Universidade de Cambridge (Inglaterra). Desde ento, tem

    ensinado economia em Cambridge. Alm das atividades acadmicas, atuou como

    consultor para vrias agncias internacionais (ONU, Banco Mundial) e para vrios

    pases, como Canad, Japo e Venezuela, sempre na rea de Polticas de

    Desenvolvimento. Vem tambm publicando e editando, individualmente ou em

    conjunto, vrios livros sobre a temtica do desenvolvimento, tendo recebido em 2003 o

    Prmio Gunnar Myrdal pelo livro Chutando a Escada.

    A ESTRUTURA DO LIVRO

    O livro tem 266 pginas, divididas da seguinte forma: quatro captulos, aos quais se

    somam a bibliografia e um ndice remissivo.

    A RESENHA

    Captulo 1 Como os Pases Ricos Enriqueceram de Fato?

    O captulo exerce a funo de apresentao do livro. Colocando a questo da presso

    que os pases em desenvolvimento sofrem dos pases desenvolvidos e das instituies

    internacionais de financiamento para adotar as chamadas boas prticas resumidas no

    Consenso de Washington, o autor afirma que esses mesmos pases desenvolvidos no

    alcanariam sua atual posio caso seguissem as prticas que hoje recomendam.

  • O autor cita o economista alemo Friedrich List como sendo o pai do argumento de que

    a indstria nascente de um pas s consegue se desenvolver a partir da interveno

    protetora do Estado. Seu livro The National System of Political Economy (1841) o

    principal libelo nesse sentido. de List a ideia de que os pases, aps usarem uma srie

    de polticas protetoras da sua indstria a fim de alcanarem o desenvolvimento, chutem

    a escada para que outros no a sigam pelo mesmo caminho e se tornem seus

    concorrentes. Foi o que fez, primeiro, a Gr-Bretanha, no sculo XIX, e, depois, os

    Estados Unidos, no sculo XX. Ou seja, aps usarem intensamente polticas

    protecionistas e intervenes estatais, passaram a condenar essa prtica para outros

    pases.

    O autor busca distinguir a metodologia usada por List, baseada na busca de modelos

    histricos reais e sua aplicao a problemas contemporneos reais, e a metodologia da

    economia neoclssica, baseada em modelos abstratos e situaes de equilbrio ideal e

    irreal. Aqui, Chang faz uma conexo interessante entre esse mtodo mais realstico e o

    Institucionalismo Original (que se distingue da Nova Economia Institucional, de nomes

    como Coase, Williamson e North). Chang afirma que esse mtodo era prprio da Escola

    Histrica Alem (que influenciou nomes como Karl Polanyi), que tinha entre seus

    expoentes nomes como Werner Sombart e Karl Knies. Se Knies no conseguiu

    catequizar para o mtodo histrico alunos que se tornaram nomes consagrados da

    Escola Neoclssica como Alfred Marshall e John Clark Bates (que, por sua vez, no

    conseguiu catequizar ao neoclassicismo seu aluno, Thorstein Veblen, o maior nome do

    Institucionalismo Original), teve tambm como aluno Richard Ely, que foi professor de

    John Commoms, que, junto com Veblen e Wesley Mitchel, forma a santssima trindade

    do Institucionalismo Original.

    Alm da vinculao entre a Escola Histrica Alem e o Institucionalismo Original,

    Chang refere-se ainda a outras linhas importantes de pensamento. Aps a Segunda

    Guerra Mundial, a questo do desenvolvimento entrou na pauta, dando original

    chamada Economia do Desenvolvimento, capitaneada por Arthur Lewis, Walt

    Rostow e Simon Kuznets, que desenvolveram teorias sobre os estgios do

    desenvolvimento. O autor lembra ainda outra figura importante para a discusso, o

    historiador russo-americano Alexander Gerschenkron e seu conceito de

    desenvolvimento tardio, que implicava na necessria interveno estatal para o

    desenvolvimento daqueles pases que comearam sua arrancada industrial aps a

    consolidao dos pases desenvolvidos. Duas figuras importantes que foram

  • influenciadas pelo trabalho de Gerschenkron foram Albert Hirschman e Charles

    Kindleberger. O auge da Economia do Desenvolvimento foram os anos 1950 e 1960.

    (Com os choques do petrleo em 1973 e 1979 e a eleio dos governos neoliberais de

    Tatcher, em 1979, e Reagan, em 1980, baseada na crtica s intervenes estatais, a

    Economia do Desenvolvimento perdeu espao para o neoliberalismo e a metodologia

    neoclssica, que ignorava a histria).

    Chang faz a seguinte distino entre polticas e instituies: instituies so

    dispositivos mais permanentes, ao passo que as polticas so mais facilmente

    cambiveis. (p. 23). Outra assertiva importante feita pelo autor que so as diferenas

    entre as polticas industriais, comerciais e tecnolgicas que separam os pases mais bem

    sucedidos na gerao de crescimento e mudana estrutural dos demais pases. (p. 24).

    Por fim, afirma que impedir os pases em desenvolvimento de utilizar polticas de

    fomento indstria nascente constitui grave limitao sua capacidade de gerar

    desenvolvimento econmico (p. 26).

    Captulo 2 Polticas de Desenvolvimento Econmico: perspectiva histrica das

    polticas industrial, comercial e tecnolgica.

    Um dado interessante desse captulo o diagnstico de Bhagwati, trazido pelo autor, de

    que uma das mudanas mais simblicas que mostram a adoo, pelos pases em

    desenvolvimento, do iderio neoliberal, foi a aplicao desse iderio durante o governo

    Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), pelo fato do mesmo ter sido um dos

    expoentes da Teoria da Dependncia at os anos 1980.

    Segundo o autor, durante o fim do sculo XIX houve um perodo em que prevaleceram

    regimes liberais de comrcio. Esse movimento iniciou-se em 1849 com a abolio das

    Corn Laws pela Inglaterra, eu j havia alcanado a supremacia econmica. Entre 1860 e

    1880, outros pases seguiram a mesma linha. A exceo foram os Estados Unidos, que

    continuaram com tarifas de importao proibitivas para o comrcio. O autor destaque

    que, mesmo as intervenes estatais sendo bastante restritas para os padres modernos,

    os Pases Atualmente Desenvolvidos (PADs) usaram ativamente polticas industrial,

    comercial e tecnolgica. Entre essas medidas esto subsdios e financiamento pblicos,

    alm do no-reconhecimento de patentes estrangeiras. Alcanando a fronteira

    tecnolgica com essas polticas, o passo seguinte desses pases utilizar polticas que

    impeam que os outros pases os sigam. Medidas como a proibio de transferncia de

    conhecimento entre os pases, com controle da migrao de profissionais especializados

  • e de exportao de maquinaria, alm como a abertura, muitas vezes fora, de

    mercados nacionais, inibindo a produo nacional.

    O autor passa ento a avaliar estratgias de catch-up (ou seja, estratgias dos pases

    mais atrasados para alcanar os mais avanados) de vrios pases:

    1. Gr-Bretanha

    Ao sair do perodo feudal (sculos XIII e XIV), a Gr-Bretanha tinha uma

    economia atrasada em relao a centros como as cidades de Bruges e Flandres,

    na regio que viria a ser conhecida como Pases Baixos. O primeiro exemplo de

    incentivo estatal para o desenvolvimento da indstria nacional veio no sculo

    XIV, com o Rei Eduardo III (1327-77) que fomentou com diversas medidas a

    indstria txtil inglesa no sentido de alcanar o sucesso dos teceles de Flandres.

    O impulso oficial continuou com os Tudor (Henrique VII e Elizabeth I, nos

    sculos XV e XVI). J no sculo XVIII, a reforma da legislao mercantil pelo

    premi britnico Robert Walpole intensificou mais ainda o fomento a indstria

    manufatureira. Mesmo aps a Revoluo Industrial, na segunda metade do

    sculo XVIII, com a Inglaterra ampliando a sua liderana tecnolgica sobre os

    demais pases, ela s comeou a reduzir seu protecionismo um sculo depois,

    com a revogao das Corn Laws, em 1846, processo que se consolidou com a

    assinatura do acordo anglo-francs de livre comrcio, em 1860. Cabe notar, no

    entanto, que apenas 20 anos depois, em 1880, fabricantes ingleses j cobravam

    do governo novas protees. Movimento nesse sentido foi feito em 1903, com a

    Liga pela Reforma Tributria, liderada por Joseph Chamberlain. Finalmente, as

    tarifas protecionistas foram reinstitudas em 1932.

    2. Estados Unidos

    A questo do protecionismo nos Estados Unidos tabu. No obstante o

    historiador econmico Paul Bairoch afirmar que os EUA so a ptria-me e o

    baluarte do protecionismo moderno, Douglas North, nome consagrado da Nova

    Economia Institucional afirma que, apesar das tarifas terem se tornado cada vez

    mais protecionistas aps a Guerra da Secesso (1861-1865), questionvel

    afirmar que elas favoreceram significativamente a expanso da manufatura. O

    autor, no entanto, no tem dvida da importncia das polticas protecionistas

    para o desenvolvimento industrial dos EUA.

  • Chang afirma que, aps a independncia americana (1776), havia o conflito

    entre o sul agrrio, que defendia o livre comrcio para favorecer a venda dos

    seus produtos agrcolas, e o norte manufatureiro, que defendia o protecionismo

    para favorecer a indstria nascente. Esse argumento tinha como grande defensor

    Alexander Hamilton, um dos pais fundadores dos EUA e secretrio do tesouro

    americano de 1789 a 1795. O autor lembra que, pelo Relatrio do Tesouro sobre

    as Manufaturas, de 1791, seria Hamilton e no List (cuja obra de 1841) o

    pioneiro na defesa da indstria nascente. At 1812, as tarifas de importao

    ainda no correspondiam quelas pensadas por Hamilton para proteger a

    indstria. Com a Guerra contra a Inglaterra, iniciada em 1812, as tarifas foram

    aumentadas, inicialmente para cobrir os gastos de guerra. O aumento das tarifas

    e a prpria guerra diminuram significativamente as importaes, o que

    favoreceu o fortalecimento da produo manufatureira nacional. Assim, em

    1816, aps o fim da guerra anglo-americana, sob presso das novas foras

    manufatureiras, foi sancionada a lei que mantinha o padro tarifrio elevado,

    agora j no mais tendo os custos de guerra como motivador e sim o fomento

    indstria nacional. A tenso entre o sul livre-cambista e o norte protecionista

    pressionava as tarifas para cima e para baixo, mas novas elevaes ocorreram

    em 1824, 1832 e 1846. A partir dai, houve uma reduo nas tarifas, o que

    caracterizou o perodo como de protecionismo moderado (Paul Bairoch). A

    vitria de Lincoln, em 1860, foi a vitria do discurso protecionista de Henry

    Clay e do sistema americano de fomento indstria nacional, em oposio ao

    sistema britnico de livre-comrcio. Com a Guerra da Secesso (1861-1865),

    novo aumento de tarifas reformou o protecionismo, desta vez sob justificativa

    dos gastos de guerra do governo. Da mesma forma que no fim da guerra anglo-

    americana, as tarifas foram mantidas no mesmo patamar, agora no mais com a

    finalidade de financiar os esforos de guerra e sim com fins claramente

    protecionistas. Em 1913, com a vitria dos democratas, comeou-se um

    movimento no sentido de reduzir as tarifas. Porm, a Primeira Guerra Mundial

    reduziu o seu impacto real no sentido de aumentar o livre-comrcio. Finalmente,

    como resposta Grande Depresso de 1929, promulga-se a tarifa Smoot-

    Hawley, que manteve as tarifas altas. S depois da Segunda Guerra Mundial e

    com a supremacia econmica garantida, tal qual a Inglaterra, em 1846, que os

    Estados Unidos aderem mais fortemente ao livre-comrcio.

  • O autor faz ainda trs importantes observaes a respeito dos Estados Unidos.

    Primeiro, que entre os anos de 1830 e 1910, os perodos de maior crescimento

    da economia americana foram justamente aqueles onde houve mais

    protecionismo (1870 a 1910, perodo em que as altas tarifas cobradas durante a

    Guerra da Secesso foram mantidas para fins protecionistas). Segundo, que

    mesmo aps a Segunda Guerra Mundial, quando o uso de tarifas protecionistas

    foi abolido porque os EUA j tinham alcanado a supremacia econmica, essa

    supremacia foi mantida tambm por intervenes governamentais mais indiretas,

    como o financiamento de P&D atravs do complexo militar-industrial (que

    levou a descobertas comerciais como computadores e internet) e nos setores

    farmacutico e biotecnolgico, atravs dos Institutos Nacionais de Sade.

    Terceiro, que alm das prticas protecionistas, os Estados Unidos tambm foram

    bero de toda uma literatura acadmica de apoio proteo da indstria

    nascente. Alm dos j citados Alexander Hamilton e Henry Clay, o autor cita

    nomes como Daniel Raymond (que influenciou o prprio List) e Henry Corey,

    considerado por Marx e Engels o nico economista americano relevante dos

    anos 1850.

    3. Alemanha

    Diferentemente da imagem protecionista que tem, a Alemanha apontada pelo

    autor como tendo uma influncia muito menor do protecionismo tarifrio no seu

    desenvolvimento econmico. A tarifa aduaneira foi moderada at 1834, quando

    subiu por conta da criao da Unio Aduaneira. Em 1862, com o acordo de

    livre-comrcio com a Frana, e em 1870, com a reduo da alquota do ao, as

    tarifas iniciaram um movimento de reduo generalizada. Esse movimento foi

    detido por Otto Bismarck, em 1879, que aumentou muito as tarifas, como

    resultado da aliana entre a aristocracia rural e o empresariado da indstria

    pesada. Porm, fora esse aumento, no houve proteo adicional, seno

    agricultura e alguns setores-chave da indstria pesada.

    Porm, o uso pouco significativo da proteo tarifria no revela uma viso

    laissez-faire do governo alemo. Outras medidas, principalmente intervenes

    governamentais de concesso de monoplios, subsdio exportao e

    recrutamento de mo-de-obra especializada foram usadas para fomentar a

    indstria nacional. Entre o fim do sculo XVIII e comeo do sculo XIX,

  • empresrios-burocratas dinmicos como Graf von Reden e Peter Beuth

    beneficiaram-se do apoio governamental, inclusive para fazer espionagem

    industrial e copiar tecnologias estrangeiras, a fim de garantirem o avano da

    indstria alem. Outras duas intervenes governamentais ajudaram

    indiretamente a indstria nacional: o financiamento estatal das rodovias e a

    reforma educacional, que direcionou o ensino para a cincia e a tecnologia. A

    partir de 1840, com a indstria nacional mais consolidada, o governo alterou o

    foco de seu apoio, deixando de ter um papel mais diretivo e assumindo um papel

    mais orientador.

    No perodo do Segundo Reich (1870-1914), o desenvolvimento do setor privado

    e o fortalecimento da aristocracia rural na burocracia estatal levou

    desarticulao da capacidade interventora do Estado alemo. Por outro lado, o

    proteo tarifria levou formao de cartis, o que permitiu um aumento na

    capacidade de investimento privado, gerando uma indstria inovadora.

    4. Frana

    A Frana, segundo o autor, tambm sempre apresentada como

    intervencionista. Porm, essa concluso aplica-se ao perodo pr-revolucionrio

    e ao ps-Segunda Guerra Mundial. Antes da Revoluo (1789), a poltica

    econmica francesa foi caracterizada pelo colbertismo (aluso a Jean-Baptiste

    Colbert, ministro da fazenda de Lus XIV) altamente intervencionista. Somente

    aps a Revoluo e com a queda de Napoleo, que a Frana adota um regime

    de laissez-faire que perdurou at a Segunda Guerra. Assim, se considerado um

    perodo de 1821 a 1913, a Inglaterra teve tarifas protecionistas maiores do que a

    Frana na maior parte do tempo (de 1821 a 1875), o que nega a ideia da Frana

    como Estado caracteristicamente intervencionista em comparao com a

    Inglaterra. A exceo dessa fase liberal da Frana, o perodo de Napoleo III

    (1848-1870), foi marcado por vrias medidas de incentivo indstria e registrou

    a nica fase de crescimento do perodo. J em 1860, com a assinatura do tratado

    de livre-comrcio com a Inglaterra, o liberalismo sentou razes. Essas s seriam

    revistas aps a Segunda Guerra Mundial, quando o Estado francs adotou uma

    poltica industrial e , com isso, conseguiu ultrapassar a Inglaterra em termos

    produtivos.

  • 5. Sucia.

    Outro pas que, como a Inglaterra, considerado um exemplo de economia

    liberal, a Sucia, segundo o autor, tambm no passou inclume adoo de

    prticas protecionistas e de apoio indstria local. Em 1816, foi promulgada

    uma lei tarifria fortemente protecionista. De 1830 a 1875, essas tarifas foram

    sendo reduzidas. Porm, j em 1880, voltaram a crescer e em 1930 a Sucia era

    o segundo pas de maior proteo indstria (perdendo apenas para a Rssia).

    Segundo o autor, foi essa proteo proporcionou o crescimento da economia

    sueca nas dcadas seguintes. Alm dos tradicionais subsdios e tarifas

    protecionistas, o autor chama ateno para outro mtodo caracterstico do apoio

    governamental indstria nacional: as parcerias pblico-privadas, mais

    significativas que as tradicionais prticas colaborativas alems. Chang afirma

    que essas parcerias resultaram em gigantes como a ERICSON e a ASEA. Essa

    poltica de parceria teve sua manifestao poltica na eleio do Partido

    Socialista em 1932 e da celebrao do pacto histrico entre sindicatos e

    associaes patronais. (Certamente prximo ideia de corporatismo defendida

    por Phillipe Schmiter e de autonomia enraizada, defendida por Peter Evans). Foi

    essa associao entre patres e empregados que levou ao sucesso da indstria

    sueca aps a Segunda Guerra Mundial.

    6. Blgica

    A Blgica tambm apontada como um pas caracterizado pelo livre-comrcio,

    graas sua supremacia tecnolgica em algumas indstrias j no incio do

    sculo XIX. De fato, o autor reconhece que, de 1860 at a Primeira Guerra

    Mundial, a Blgica exibiu um regime fortemente livre-cambista. Porm, a

    supremacia tecnolgica que permitiu isso deriva de forte protecionismo e apoio

    indstria local nos anos anteriores. Durante todo o sculo XVIII e at a dcada

    de 1850, a Blgica foi sede de vrias medidas de proteo industrial nacional.

    7. Holanda

    A Holanda teve ao longo do sculo XVII uma supremacia naval e comercial que

    rivalizava com a britnica. Porm, no transformou isso em supremacia

    industrial, como fez a Inglaterra. O autor enumera vrias razes para isso,

    inclusive a proposta por List de que a Holanda no foi capaz de criar as

  • instituies e polticas pblicas necessrias ao desenvolvimento industrial. O

    nico momento de exceo a essa paralisia da indstria holandesa foi durante o

    reinado de Guilherme I (1815-1840), que lanou mo de vrias medidas de

    apoio indstria nacional. Em 1840, o pas retornou poltica laissez-faire, s a

    abandonando aps a Segunda Guerra Mundial, quando passou a praticar,

    sobretudo aps 1963, uma poltica industrial ativa.

    8. Sua

    A Sua caracterizada por uma industrializao muito precoce, logo depois da

    Revoluo Industrial inglesa. Assim, passou a desenvolver tecnologias que a

    colocaram na vanguarda de algumas indstrias, o que, entre outros fatores, como

    a exiguidade territorial, teria desestimulado o uso de polticas protecionistas.

    Apesar dessa caracterstica livre-cambista, o autor chama ateno para o fato da

    Sua no ter adotado uma lei de patentes, medida que beneficiou a indstria

    local, que roubava tecnologia da Alemanha para proporcionar vantagens

    competitivas industriais.

    Aps falar desses pases individualmente, o autor comea a tratar de grupos de pases,

    iniciando pelo Japo e os Novos Pases Industrializados do Extremo Oriente. No caso

    do Japo, destaca-se a abertura forada do seu comrcio pelos Estados Unidos em 1854.

    Mesmo com a Revoluo Meiji (1868) abrindo caminho para a modernizao do pas,

    esse no pode usar a proteo tarifria, por conta dos acordos comerciais firmados em

    1858 e que perduraram at 1911. Porm, o governo lanou mo de outras medidas de

    proteo indstria nacional. A primeira delas foi a criao de empresas estatais em

    quase todos os setores industriais. Mesmo sendo posteriormente vendidas para o setor

    privado, tais empresas continuaram recebendo apoio do governo. Apesar do fraco

    desempenho dessas empresas estatais, pesquisadores como Thomas Smith afirmam que

    elas foram importantes para criar uma cultura industrial e lanar as sementes das

    indstrias-chave do futuro japons. O Estado tambm investiu na construo de

    infraestruturas para facilitar o desenvolvimento industrial. Alm disso, investiu na

    transferncia de tecnologias e na contratao de consultores estrangeiros. Cabe destacar

    tambm a incorporao de diversas instituies voltadas para o desenvolvimento

    industrial que, apesar das diferentes origens nacionais, foram sendo adaptadas ao

    modelo japons de desenvolvimento.

  • Com o fim dos acordos comerciais, em 1911, o governo japons promoveu uma ampla

    reforma tarifria de cunho protecionista. O autor destaca que, a exemplo da Alemanha e

    da Sucia do fim do sculo XIX e comeo do sculo XX, o Japo optou por uma

    proteo tarifria seletiva (mantendo uma tarifa mdia moderada e tarifas altas para

    algumas indstrias-chave) ao invs de uma proteo tarifria genrica, como Estados

    Unidos, Rssia e Espanha, no mesmo perodo. A partir de 1920, o governo passou a

    incentivar as fuses e a formao de cartis para evitar a concorrncia predatria e

    ganhar economias de escala. A partir da dcada seguinte, em funo da crise econmica

    de 1929 e dos esforos de guerra, o Estado passa a intervir ainda mais na economia,

    criando as bases do que seria a sua poltica industrial no ps-guerra. Com essa poltica,

    o Japo alcanar um crescimento extraordinrio at a dcada de 1970.

    Segundo o autor, h um forte debate sobre as causas do crescimento econmico japons

    e dos demais pases asiticos. Segundo ele, a concluso desse debate que, com

    exceo de Hong Kong, todos os demais pases se beneficiaram de polticas industriais

    ativas. Outra concluso de que os pases asiticos no copiaram simplesmente as

    polticas industriais usadas anteriormente pelos pases desenvolvidos. Essas polticas

    foram aprimoradas pelos pases asiticos, atuando o governo de forma muito mais

    coordenada que os daqueles pases. Por fim, uma ltima diferena foi a nfase dada nos

    pases asiticos qualificao do capital humano, atravs da educao. Sem entrar em

    maiores detalhes, o autor tambm rebate as crticas de que as crises econmicas que

    atingiram a sia na dcada de 1990 foram resultados das polticas industriais ativas

    utilizadas aps a Segunda Guerra Mundial. O autor mostra diversas evidncias que

    negam qualquer relao de causa e efeito entre as polticas industriais e a crise asitica.

    A seguir, o autor avalia a relao da Gr-Bretanha com as suas colnias e as medidas

    tomadas para impedir o avano destas. Primeiro, estimulava-se a produo primria nas

    colnias a fim de que a manufatura fosse desestimulada do ponto de vista econmico.

    Alm disso, algumas atividades manufatureiras eram proibidas de serem exercidas nas

    colnias. Naquelas atividades de manufatura que no eram proibidas, proibia-se a

    exportao para a Gr-Bretanha, se essas representassem concorrncia para as indstrias

    inglesas. Por fim, as colnias eram proibidas de usarem tarifas protecionistas.

    Para alm das colnias britnicas, o autor dedica-se a estudar como os PADs impediram

    o avano industrial de outros pases. A principal estratgia era a imposio, aos pases

    menos desenvolvidos, de acordos de livre-comrcio desfavorveis. O autor chama a

    ateno para semelhana entre a imposio de baixas tarifas no passado e a sugesto

  • atual das agncias de desenvolvimento de que os pases endividados baixem suas tarifas

    para, estimulando o livre-comrcio, melhorarem o seu desempenho.

    O autor dedica-se tambm ao estudo das tentativas inglesas de impedir o avano dos

    prprios concorrentes europeus. Essas tentativas no lanavam mo de medidas to

    abusivas quanto a imposio de acordos comerciais desfavorveis, mas sim de medidas

    mais internas, como o controle emigrao de profissionais especializados (que

    levavam para outros pases os segredos tecnolgicos ingleses) e a exportao de

    maquinaria (com o mesmo fim de impedir o conhecimento da tecnologia). A resposta

    das naes menos desenvolvidas foi incentivar a espionagem industrial e todo o tipo de

    subterfgio para conseguir acesso s tecnologias britnicas. Na metade do sculo XIX,

    com o avano das tecnologias inglesas, essa no poderia mais ser transferida mediante

    trabalhadores especializados ou mesmo atravs da importao de maquinaria, o que

    levou a Gr-Bretanha a abolir as restries a esta movimentao. A nica forma de

    transferncia passou ento a ser diretamente atravs do dono da tecnologia, mediante as

    regras de patente. Isso levou formao do primeiro regime de patentes, com as

    convenes de Paris (1883) e de Berna (1886) sobre a propriedade dos direitos

    internacionais, j sobre presso no s da Gr-Bretanha, mas de outros pases

    tecnologicamente avanados, como Estados Unidos e Frana. A instaurao desse

    regime no impediu, no entanto, que patentes fossem quebradas, mesmo em pases

    desenvolvidos, ainda no sculo XX.

    Aps esses exames das estratgias de desenvolvimento industrial de pases ou grupo de

    pases, o autor passa a enumerar os mitos e fatos acerca dessas estratgias:

    1. Fato quase todos os pases bem-sucedidos valeram-se de polticas industriais

    ativas quando estavam em processo de desenvolvimento;

    2. Fato - Sua e Holanda desenvolveram-se com polticas francamente liberais;

    3. Mito Gr-Bretanha, Sucia e Estados Unidos como exemplos de livre-

    cambismo;

    4. Mito Frana e Alemanha como exemplos de intervencionismo estatal;

    5. Fato - O Japo teve o seu intervencionismo estatal limitado por restries

    externas (acordos de livre-comrcio que proibiam a proteo tarifria);

    6. Fato apesar de usarem polticas industriais ativistas para alcanarem o

    desenvolvimento, os PADs advogam polticas exatamente contrrias (livre-

    comrcio) para que os pases em desenvolvimento.

  • O autor inicia a concluso do captulo afirmando que apesar da influncia da proteo

    tarifria indstria nascente para o desenvolvimento industrial dos PADs, o uso de

    diferentes arranjos de medidas variadas (subsdios, parcerias, investimento em

    educao, etc) faz com que no se possa falar em uma receita universal de

    desenvolvimento industrial. Outra concluso interessante que, por um lado, ao mesmo

    tempo em que as polticas industriais ativas de outrora eram muito primitivas se

    comparadas com aquelas que so possveis hoje, esse conjunto mais sofisticado de

    polticas industriais ativas contemporneas so justamente as que esto sendo proibidas

    pelos organismos internacionais, como a OMC. Mas, por outro lado, como a distncia

    entre os pases desenvolvidos e os pases em desenvolvimento muito mais agora do

    que no incio da utilizao de polticas industriais ativas, essas precisariam ser muito

    mais intensas hoje do que antigamente.

    Captulo 3 Instituies e Desenvolvimento Econmico: a boa governana na

    perspectiva histrica.

    O autor inicia comentando a presso dos pases desenvolvidos e das organizaes

    financeiras internacionais para que os pases em desenvolvimento adotem as chamadas

    instituies de boa governana. Essas renem questes como: democracia; burocracia

    e judicirio limpos e eficientes; forte proteo ao direito de propriedade privada

    (inclusive intelectual); boa governana empresarial (divulgao de informaes e

    existncia de uma Lei de Falncias); e instituies financeiras bem desenvolvidas. Ao

    lado dessas, mas menos citadas, esto condies como um bom sistema financeiro

    pblico e boas instituies previdencirias e trabalhistas.

    Diante das crticas quanto a adoo fora dessas instituies pelos pases em

    desenvolvimento, o autor se pergunta qual a melhor alternativa para desenvolver

    instituies de boa governana adaptadas natureza de cada pas. A primeira alternativa

    seria descobrir quais so as instituies adequadas. Porm, isso nem sempre d certo,

    como mostra a experincia de ajuste estrutural tanto em pases latino-americanos como

    nas antigas economias socialistas. Uma segunda opo seria deixar que as instituies

    se desenvolvessem naturalmente, de acordo com o avano de cada pas. No entanto, isso

    pode demorar mais do que os pases em desenvolvimento esto dispostos a esperar,

    alm de no haver certeza do desenvolvimento das melhores instituies, por conta de

    fatores externos que influencia o desenvolvimento nacional. A terceira opo a

    defendida pelo autor, qual seja, a de aprender com a histria das naes desenvolvidas.

  • Assim, o autor prope estudar o desenvolvimento de cada um dos itens das chamadas

    instituies de boa governana nos PADs:

    1) democracia. O autor afirma que a histria ensina que esta a democracia fortalece o

    desenvolvimento econmico. No entanto, lembra que o caminho de consolidao da

    democracia nos PADs foi tortuoso e conviveu durante muito tempo com fraudes e

    processos eleitorais seletivos. Em comparao, a evoluo da democracia dos pases em

    desenvolvimento foi bem menos acidentada.

    2) burocracia. Ter uma burocracia eficiente condio para o desenvolvimento

    econmico. O conceito de burocracia eficiente, no entanto, no unvoco. Inicialmente

    o conceito estava vinculado linha weberiana, de uma burocracia rgida, com carreiras

    de longo prazo e uma conduo estritamente normativa. Mais recentemente, a chamada

    Nova Administrao Pblica vem pleiteando uma burocracia mais flexvel, focada em

    resultados, em carreiras mais curtas. Independente da concepo de burocracia eficiente,

    o fato que a evoluo dessa nos PADs tambm foi tortuosa. Assim, essa evoluo foi

    marcada pela venda de cargos pblicos e o tratamento desses como propriedades

    pessoais e privadas. Alm disso, eram comuns casos de distribuio de cargos a

    correligionrios e nepotismo. Essa situao perdurou entre os PADs at fins do sculo

    XIX. Algumas mudanas pioneiras no sentido de modernizar e profissionalizar a

    burocracia comearam a ocorrer ainda no sculo XVIII, na Prssia de Guilherme I, em

    1713. Na Gr-Bretanha, as mudanas s comearam a aparecer em 1860 e nos Estados

    Unidos, em 1880.

    3) judicirio. A discusso do Judicirio independente como condio para o

    desenvolvimento econmico no to unvoca quanto as anteriores. O autor aponta que

    um Judicirio muito independente sofre de escassez de legitimidade democrtica, o que

    faz com que alguns pases como os Estados Unidos opte por elegerem parte dos seus

    funcionrios judicirios. Para o autor, a qualidade do Judicirio no deve ser visualizado

    apenas na sua independncia em relao ao governo, mas sim no profissionalismo dos

    seus membros, na qualidade dos seus julgamentos (que no devem estar atrelados

    apenas ao imprio da lei, mas deve considerar tambm valores sociais mais amplos) e

    no custo de administrao do sistema. Segundo o autor, um Judicirio de qualidade, sob

    qualquer aspecto, esteve longe da realidade dos PADs at o fim do sculo XIX e mesmo

    no incio do sculo XX.

    4) regimes de direito de propriedade. O autor inicia questionando a ideia de que a

    qualidade desses regimes est na inviolabilidade dos direitos de propriedade, uma vez

  • que historicamente a preservao desses direitos j se mostrou nociva ao

    desenvolvimento, assim como a sua quebra j se mostrou positiva. Assim, importa

    menos para o desenvolvimento a proteo absoluta de todos os direitos de propriedade

    do que a definio adequada de quais direitos devem ser protegidos e sob que condies

    essa proteo deve ocorrer. Ainda discutindo os regimes de direito de propriedade, o

    autor afirma que o primeiro sistema de patentes foi criado em Veneza, em 1474. Esse,

    como os outros que o seguiram, eram extremamente falhos na definio da

    originalidade que se queria proteger. Apesar disso, com a difuso pelos pases, comeou

    a presso por um regime de propriedade intelectual internacional. Apesar da criao

    desse sistema internacional, a violao de patentes ainda era rotineira entre os PADs em

    pleno sculo XX.

    5) governana empresarial. O autor inicia questionando a ideia de que a

    responsabilidade limitada, inventada para estimular investimentos arriscados, seja

    favorvel ao desenvolvimento econmico, uma vez que podia estimular o risco

    excessivo (denominado hoje risco moral). Apesar desse estmulo perigoso, a

    responsabilidade limitada foi adotada por praticamente todos os pases como uma

    condio para o seu desenvolvimento econmico. Em 1811, os Estados Unidos

    aprovaram a primeira lei de responsabilidade generalizada. Em 1822, a primeira

    sociedade por cotas de responsabilidade limitada foi fundada na Blgica. A prtica

    seguiu com a Sucia (1844) e a Inglaterra (1856). Ainda com relao governana

    empresarial, o autor fala da instituio da Lei de Falncias. O modelo de lei de falncia

    ideal tambm no unvoco, havendo o modelo americano, que favorece o devedor; o

    modelo ingls, que favorece o credor; e o modelo francs, que favorece o empregado.

    Porm, concorda-se que ter uma lei de falncias eficiente condicionante para o

    desenvolvimento econmico. Inicialmente, a lei de falncia foi pensada para proteger o

    credor do empresrio inescrupuloso e desonesto. Porm, com sua evoluo, a lei de

    falncia passou a integrar a ideia de que fatores externos ao empresrio podem leva-lo

    falncia, sendo tambm desenhada para salvaguardar o empresrio. Essa mudana no

    vis da lei (de socializao dos riscos da atividade empresarial) foi, segundo o autor, to

    importante quanto a inveno da responsabilidade limitada para a dinamizao da

    economia. Ainda no mesmo tpico, o autor trata da divulgao de informaes. Apesar

    do consenso em torno da importncia da transparncia empresarial para o

    desenvolvimento econmico, as instituies criadas pelos PADs nesse sentido

    continuavam pssimas em pleno sculo XX. Exemplos de leis que criaram boas

  • instituies de transparncia foram as da Alemanha (1884), da Noruega (1910), dos

    Estados Unidos (1933) e da Inglaterra (1948). O ltimo subitem do tpico da

    governana empresarial a lei de concorrncia. Leis antitrustes realmente eficientes s

    apareceram no sculo XX nos PADs. Nos Estados Unidos, apesar do Sherman Antitrust

    Act ser de 1890, sua aplicao s se efetivou com Roosevelt, em 1902. Na Alemanha, a

    lei efetiva veio apenas em 1933; na Inglaterra, em 1956; e na Frana, em 1986. Leis que

    procuravam antes monitorar o comportamento monopolista do que impedi-lo so

    exemplificadas pelas leis norueguesa (1953) e dinamarquesa (1955).

    6) instituies financeiras. O desenvolvimento das instituies financeiras nos PADs

    foi extremamente tardio, s se podendo falar de um sistema bancrio integrado em

    meados do sculo XX. Foi s nesse perodo que os bancos assumiram a funo de

    instituies profissionais de crdito, pois, at ento, esse era concedido mais com base

    em relaes pessoais. Com relao figura do Banco Central, apesar de ser hoje uma

    unanimidade a sua necessidade para o desenvolvimento, isso no era to bvio no incio

    do capitalismo mundial. Muitos achavam que, como a sociedade por cotas de

    responsabilidade limitadas, os Bancos Centrais, na condio de salvaguardar o sistema

    financeiro, abriria espao para o risco moral excessivo por parte dos investidores. Dai a

    sua instituio tambm ter sido demorada nos PADs. O primeiro BC foi o sueco (1688),

    porm s passou a funcionar como tal (com monoplio da emisso de moeda) em

    meados do sculo XIX, mesmo caso dos demais BCs europeus. Nos Estados Unidos,

    apesar de formalmente criado em 1913, o BC (Federal Reserve) s passou a atuar

    realmente aps a Crise de 1929. Quanto regulamentao de ttulos, apesar de Keynes,

    entre outros, argumentar que o capitalismo funciona melhor quando o mercado de

    capitais tem um papel secundrio, hoje a ortodoxia afirma que ele uma pea

    fundamental do desenvolvimento. O que torna a tarefa da sua regulamentao ainda

    mais importante. As tentativas nesse sentido comearam na Inglaterra (1697), mas

    foram fracassando ao longo dos anos. Tentativas mais slidas ocorreram na esteira da

    crise de 1929, tanto nos EUA (1933) quanto na Inglaterra (1939). Por fim, o autor fala

    das instituies financeiras pblicas. O autor inicia falando das dificuldades tanto dos

    PADs, antigamente, quanto dos pases em desenvolvimento na atualidade. Esse

    dificuldade vinha da falta de legitimidade que a populao atribua aos impostos que

    eram cobrados. O Imposto de Renda, por exemplo, foi implantado de forma permanente

    na Inglaterra apenas em 1842, sob fortes protestos, Nos EUA, a mesma batalha ocorreu

  • em 1884, inclusive com a Suprema Corte entendendo ser o imposto inconstitucional.

    Assim, esse s seria adotado em 1913.

    7) bem estar social e legislao trabalhista. A ltima das instituies de boa

    governana discutidas pelo autor, a questo do bem estar entrou na pauta at mesmo de

    instituies como o FMI e o Banco Mundial, que entendiam serem elas prematuras para

    os pases em desenvolvimento por conta de um possvel agravamento do dficit pblico.

    Porm, com o aumento das crises econmicas por conta da desregulamentao da

    economia, agora tais instituies j afirmam a importncia de uma rede de seguridade

    nesses pases. Para alm de paraquedas em momentos de crise, o autor defende a ideia

    de que instituies de bem estar social podem gerar desenvolvimento econmico no

    momento em que melhoram a produtividade da fora de trabalho, reduzem as tenses

    sociais e do legitimidade e estabilidade ao sistema poltico, proporcionando um melhor

    ambiente de negcios. Apesar desses aspectos positivos, o autor levanta algumas

    questes cruciais que devem balizar a construo das instituies de bem estar como o

    impacto sobre a autoestima e a tica do trabalho daqueles que recebem os benefcios; a

    capacidade de administrao justa e eficiente do sistema de benefcios, evitando

    fraudes; e a recepo negativa que pode ter a necessidade de criar impostos para

    alimentar o sistema de benefcios. Em perspectiva histrica, o autor afirma que at

    1870, as instituies de bem estar social dos PADs eram precrias e estigmatizam os

    beneficiados, excluindo-os, em alguns casos, do direito a voto, por exemplo. Em funo

    da presso das classes populares, da ampliao do sufrgio e da atuao dos sindicatos,

    instituies de bem estar mais adequadas foram sendo criadas nos PADs a partir do fim

    do sculo XIX, tendo a Alemanha sido pioneira. No que toca a regulamentao do

    trabalho infantil, o autor afirma que hoje a uma presso grande dos PADs para que os

    pases em desenvolvimento erradiquem esse tipo de trabalho. Porm, alm da hiptese

    de tais presses servirem apenas para estigmatizar os pases pobres, criando sanes

    comerciais que dificultam ainda mais o seu desenvolvimento, existe o fato de que os

    PADs utilizam extensivamente o trabalho infantil no seu processo de desenvolvimento,

    levando um tempo muito maior para erradica-lo, no justificando o imediatismo exigido

    dos pases em desenvolvimento. Tendo decorrido o incio da Revoluo Industrial (final

    do sculo XVIII at meados do sculo XIX), foi somente no final do sculo XIX que

    medidas efetivas de erradicao do trabalho infantil passaram a ser aplicadas nos PADs.

    No obstante os EUA tenham sido precoces nessa tentativa (1840), foi somente em

  • 1938 que foi aprovada uma lei efetiva nesse sentido. Quanto regulamentao da

    jornada de trabalho, essa s apareceu de forma efetiva no sculo XX.

    Finalizado esse estudo detalhado de cada instituio, o autor faz uma sntese dos

    principais achados quanto evoluo dessas instituies nos PADs, separando as

    constataes por fases histricas:

    Instituies de Boa

    Governana

    1820 - Comeo da

    Industrializao.

    1875 Acelerao

    da Industrializao

    1913 Consolidao

    da Industrializao

    Sufrgio Universal INEXISTENTE INEXISTENTE INCIPIENTE

    Burocracia

    Profissional

    INEXISTENTE

    (com exceo de

    alguns estados

    alemes)

    INCIPIENTE INEFICIENTE

    Proteo ao Direito

    de Propriedade

    INEFICIENTE

    INEFICIENTE --------------------

    Responsabilidade

    Limitada

    INCIPIENTE GENERALIZADA --------------------

    Transparncia

    empresarial

    INEXISTENTE INEXISTENTE INEFICIENTE

    Lei de Falncia INEFICIENTE INEFICIENTE --------------------

    Lei de

    Concorrncia

    INEXISTENTE INEXISTENTE INEXISTENTE

    Bancos Privados INCIPIENTE INCIPIENTE INCIPIENTE

    Banco Central

    Efetivo

    INEXISTENTE INEFICIENTE INEFICIENTE

    Regulamentao de

    Mercado de Capital

    INEFICIENTE INEFICIENTE INEFICIENTE

    Imposto de Renda

    permanente

    INEXISTENTE INCIPIENTE INCIPIENTE

    Instituies de bem

    estar social

    INEXISTENTE INCIPENTE (com

    exceo da

    Alemanha)

    GENERALIZADAS

    Obs: Interessante o fato do autor ter dado nfase ao desenvolvimento do judicirio, mas

    no o ter includo nessa periodizao.

  • O autor passa ento a enumerar as hipteses de causas para um processo to lento dessa

    evoluo nos PADs: 1) muitas instituies deixaram de ser adotadas ou, quando o

    foram, mostraram-se ineficientes porque eram insustentveis (no havia recursos

    suficientes para administr-las e imp-las). Por exemplo, instituies de bem estar

    social; 2) tornando-se sustentveis, enfrentaram ainda a resistncia daqueles que sairiam

    perdendo com a sua institucionalizao. Por exemplo, o imposto de renda permanente;

    3) superada a resistncia mais aguerrida, faltava ainda uma perfeita compreenso da

    lgica econmica por trs dessas institucionalizaes. Por exemplo, resistncia ideia

    do Banco Central pela hiptese de aumento do risco moral; 4) entendida a lgica

    econmica; ainda subsistia alguns preconceitos culturais contra certas instituies. Por

    exemplo, o voto feminino; 5) por fim, superados os aspectos anteriores, restava o fato

    da interdependncia institucional, que impedia que uma instituio fosse criada

    enquanto outra no fosse. Por exemplo, sem uma cobrana efetiva dos impostos, no h

    como pagar uma burocracia profissional; porm, sem uma burocracia profissional, no

    h como fazer uma cobrana efetiva de impostos.

    Aps toda essa anlise, a concluso a que chega o autor de que, tendo demorado tanto

    a evoluo institucional nos PADs, no h justificativa para que esses exijam que os

    pases em desenvolvimento percorram o mesmo caminho em menos de uma dcada.

    Para reafirmar isso, o autor compara, utilizando a renda per capita dos PADs no final do

    sculo XIX e incio do sculo XX e dos pases em desenvolvimento no ano de 1992, os

    estgios de desenvolvimento institucional em que se encontravam pases de nvel de

    desenvolvimento semelhante (O autor usa renda per capita como nivelador do

    desenvolvimento, o que no parece muito adequado quando se tem ndices como o IDH.

    Talvez a falta de algo como um IDH no final do sculo XIX leva-se a escolha de um

    ndice mais generalizvel historicamente). Por exemplo, a Gr-Bretanha de 1820 tinha

    uma renda per capita ligeiramente superior a da ndia de 1992. Porm, quando se

    compara a existncia e efetividade das instituies de boa governana nos dois pases, a

    Gr-Bretanha fica bem abaixo da ndia. O mesmo acontece quando se compara a Itlia

    de 1875 com o Paquisto de 1992 ou os EUA de 1913 com o Mxico de 1992. Assim,

    os PADs conseguiram se desenvolver partindo de um patamar institucional muito inferir

    ao que hoje eles querem impor como condio inicial para os pases em

    desenvolvimento, sendo que estes j dispem de uma estrutura que eles no tinham

    quando comearam seu processo de desenvolvimento.

  • Captulo 4 Lies para o Presente.

    O autor inicia apontando que o problema comum enfrentado pelas economias em catch-

    up que a passagem para atividades de maior valor agregado no ocorrem

    naturalmente, uma vez que existem discrepncias entre o retorno social e o retorno do

    investidor quando esse investe em atividades de ponta. Dai a necessidade de criar

    instituies que reduzam essa discrepncia (quando o Estado oferece garantias ao

    investimento privado) ou, no limite, a elimina (quando o Estado assume a atividade

    diretamente). Porm, solues institucionais gerais podem no dar o resultado esperado

    no tempo desejado, o que faz o autor defender uma poltica de interveno mais

    enfocado e gil. Para ele, os pases bem sucedidos so justamente os que adaptam suas

    polticas s mudanas de situao.

    Afirma ainda que, se os PADs usaram polticas intervencionistas, a sua recomendao

    de que os pases em desenvolvimento hoje devem usar polticas pr-mercado est em

    discordncia com sua prpria histria. A hiptese do autor que a nica justificativa

    dessa recomendao que os PADs querem, na verdade, chutar a escada por onde

    subiram, impedindo assim que outros pases os seguiam. Para rebater essas hipteses,

    teria que haver provas de que as polticas corretas de outrora no mais corretas pois os

    tempos mudaram. As duas dcadas de fraco crescimento durante as quais os pases em

    desenvolvimento usaram polticas neoliberais pr-mercado (1980 e 1990) mostram o

    contrrio, ou seja, que as polticas erradas de outrora continuam erradas atualmente. Por

    outro lado, as duas dcadas anteriores (1960 e 1970), onde predominaram polticas

    intervencionistas (keynesianas nos EUA, de bem estar social na Europa e

    desenvolvimentistas no Brasil) mostram crescimento mais alto, ou seja, que as polticas

    corretas de outrora se mantm como as polticas corretas ate hoje.

    Outro aspecto interessante levantado pelo autor que as chamadas instituies de boa

    governana recomendadas pelos PADs como causa do seu desenvolvimento

    econmico so, na verdade, consequncias desse desenvolvimento. (Alm do autor no

    detalhar essa assertiva, na pgina seguinte afirma que os dados histricos mostram que,

    efetivamente, ao menos uma parte da acelerao do crescimento dos PADs tenha

    ocorrido em razo do aprimoramento da qualidade das instituies.) O autor ressalta

    que, no obstante possa se discutir quais so as instituies corretas para cada pas e em

    cada momento histrico, tudo leva a crer que o aprimoramento das instituies ajuda no

    desenvolvimento nacional. O erro estaria em definir a priori quais seriam essas

    instituies (Banco Central independente? Proteo rgida ao direito de propriedade

  • intelectual? etc) e, principalmente, o curto prazo dado pelos PADs para sua absoro

    pelos pases em desenvolvimento. Porm, para o autor, instituies boas s

    funcionariam com polticas boas. Assim, para que as instituies possam resultar em

    desenvolvimento, necessrio que sejam direcionadas por polticas voltadas para o

    desenvolvimento.

    O autor apresenta trs objees que podem ser oferecidas ao seu argumento de que os

    PADs, ao recomendarem as instituies de boa governana independente dos pases

    em desenvolvimento terem ou no tem polticas adequadas para seu uso, esto na

    verdade chutando a escada do desenvolvimento: 1) os pases em desenvolvimento so

    obrigados a adotar as instituies recomendadas pelos pases desenvolvidos por causa

    da fora econmica e poltica desses. O autor discorda dessa obrigatoriedade (porm,

    no mostra como resistir fora que ele mesmo reconhece que os PADs tem); 2) os

    pases em desenvolvimento so obrigados a adotar as instituies porque essa a

    vontade dos investidores internacionais, sem os quais, esses pases no tem como

    sobreviver. Para essa objeo, o autor tem um belo argumento. Ela afirma que se os

    investidores condicionassem os seus investimentos existncia das instituies de boa

    governana recomendadas pelos PADs, eles nunca investiriam numa ditadura como a

    chinesa. O que interesse para esses investidores lucratividade, muito mais atrelada a

    fatores como tamanho do mercado e taxas de crescimento do que com a independncia

    do Banco Central ou com a existncia de um judicirio honesto (E quando isso significa

    risco de expropriao do capital investido ou interferncia poltica no controle

    inflacionrio? discutvel que investidores produtivos, que vo aportar capital

    significativo em um pas no considere tais aspectos). Alm disso, a adoo de

    instituies deve se basear no que ela representa em termos de desenvolvimento interno

    da economia e no em investidores internacionais. Assim, se a institucionalizao de

    uma proteo rgida de direitos intelectuais vai representar perdas para a economia

    nacional, ele no deve ser realizada, mesmo que esse seja o desejo declarado dos

    investidores internacionais. Como demostra o argumento anterior, se a economia

    crescer, os investidores viro, independente das instituies. (E quando o

    desenvolvimento econmico depende do aporte de capital internacional? Mesmo o

    Brasil, com enormes recursos, precisou do capital multinacional para dar sua arrancada

    econmica. Se a necessidade desse fosse simplesmente ignorada, ser que o avano

    econmico seria o memso?) Um terceiro contra-argumento de que investidores

    inteligentes sabem que instituies no funcionam por si s. Se a sua implantao for

  • exigida em pases que claramente no tem condies de, em curto prazo, tir-las do

    papel, o tiro pode sair pela culatra e acabar prejudicando seus investimentos. Por fim,

    cabe observar que, ao recomendar um pacote universal de instituies, as instituies

    internacionais estariam esquecendo o bsico: de que cada pas vai precisar de

    instituies diferentes e vai institucionaliz-las com velocidades diferentes, a depender

    do grau de avano das suas instituies originais. Apostar cegamente numa receita

    pronta no teria lgica. 3) as instituies de boa governana adequadas surgiram

    apenas no sculo XX. Assim, seu desempenho no deveria levar em considerao

    processos que ocorreram nos PADs antes da consolidao do padro adequado dessas

    instituies. O autor concorda plenamente com esse argumento. Apenas afirma que,

    apesar dos pases em desenvolvimento de hoje estarem em situao institucional bem

    melhor que os PADs no comeo da sua trajetria, no h lgica em afirmar

    simplesmente que agora basta os pases em desenvolvimento institucionalizarem as

    verses adequadas que os PADs levaram dcadas ou sculos para alcanar. Se no

    razovel imaginar que os pases em desenvolvimento vo demorar 100 a 150 anos para

    alcanar o padro efetivo das instituies dos PADs, imaginar que faro isso em 5 a 10

    anos igualmente inverossmil.

    O autor ento parte para suas consideraes finais. Primeiro, afirma que mesmo

    correndo o risco de, como afirmam a ortodoxia liberal, as polticas intervencionistas

    degenerarem numa rede de burocratismo e corrupo, isso no deve servir para

    conden-las eternamente ao ostracismo. Assim, o autor sugere que os organismos

    internacionais como FMI e Banco Mundial no condicionem seu apoio aos pases em

    desenvolvimento institucionalizao de um conjunto fixo de instituies de boa

    governana, devendo observar a realidade de cada pas. E, fazendo isso, reconhecer que

    pases mais atrasados economicamente devem poder lanar mo de polticas mais

    intervencionistas, hoje proibidas por esses organismos. Trata-se, ao fim e ao cabo, de

    proceder estudos mais detalhados para saber quais as instituies adequadas para o

    desenvolvimento de cada pas e, uma vez identificadas essas instituies, planejar a sua

    implantao dentro de um prazo realstico e no a toque de caixa.

    Salvador, 28/12/2011.