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1 Ano 10 - N O 21 - SETEMBRO/OUTUBRO DE 2009 nforme econômico econômico Publicação do Curso de Ciências Econômicas/UFPI Ano 10 / Nº 21 Setembro-Outubro/2009 Somos povos novos ainda na luta para nos fazermos a nós mesmos como um gênero humano novo que nunca existiu antes. Tarefa muito mais difícil e penosa, mas também muito mais bela e desafiante”. nforme ISSN 1517-6258 DARCY RIBEIRO Editorial Contribuir com o debate de temas econômicos, políticos e sociais contemporâneos é o objetivo dessa publicação. Um conhecimento fundamentado, fruto do estudo sistemático e dedicado, torna-se uma ferramenta imprescindível para a compreensão das realidades humanas, porque os fatos que as constituem quase sempre têm as suas causas não desveladas. Percebemos ainda que nos tempos atuais as imagens - variadas e velozes - parecem trazer todas as informações sobre uma gama inesgotável de assuntos. Entretanto, ficam apenas, em cada pessoa, os recortes ou fragmentos do real. A maioria das notícias - de teor resumido e superficial - parece saciar a compreensão dos acontecimentos. O que é dito sobre os fatos já satisfaz naturalmente, sem quaisquer questionamentos. E, assim, vem sendo formada uma consciência coletiva que desconhece os verdadeiros sentidos e significados de ações que influenciam, de forma determinante, o cotidiano social; ações que determinam a vida concreta de cada indivíduo. Com o conhecimento superficial, continuaremos reféns de economias e políticas que não traduzem nossos anseios e necessidades. O prof. Darcy Ribeiro, no “Povo Brasileiro”, adverte sobre o quanto é difícil, mas também desafiadora, a luta de um povo para fazer-se novo. É com essa disposição que apresentamos mais um número do Informe Econômico, desejando que essa leitura seja provocadora e que os questionamentos surjam como frutos de uma consciência melhor esclarecida. Apontamos, por exemplo, o texto “Efeitos das exportações de cera de carnaúba sobre o meio ambiente”, no qual as autoras, Alyne Maria Sousa Oliveira e Jaíra Maria Alcobaça Gomes, discutem os efeitos do comércio internacional deste produto sobre o meio ambiente. O estudo revela, dentre outras questões, que o Piauí é um dos três Estados brasileiros que monopolizam o fornecimento mundial da produção da cera de carnaúba, que é utilizada em mais de uma centena de ramos industriais; e conclui que o comércio da sua produção é ambientalmente sustentável. Diante dessa constatação, convocamos professores/as e estudantes de economia ao estudo das causas da inexistência de indústrias no Piauí que utilizem uma matéria-prima que o próprio Estado produz e que a ela agregue valor. Que este e os demais artigos do nosso Informe Econômico ajudem na compreensão de que estamos todos/as envolvidos “na luta para nos fazermos a nós mesmos”! 2 Rubinho Barrichello do Brasil! Samuel Costa Filho 6 As transformações no mundo do trabalho José Lourenço Candido 28 Tarifas de energia elétrica: regulação econômica e seus impactos para o consumidor final no Estado do Piauí Erick Elysio Reis Amorim Investigação sociológica da ciência Vicente de Paula Gomes Efeitos das exportações de cera de carnaúba sobre o meio ambiente Alyne Maria Sousa Oliveira e Jaíra Maria Alcobaça Gomes 21 O trabalho especializado e o doméstico nas fazendas pastoris escravistas do Piauí Solimar Oliveira Lima 23 32 Por um Brasil transparente? Geysa Elane Rodrigues de Carvalho Sá 26 16 Entrevista: Reflexões sobre o desenvolvimento do Estado do Piauí Vitor de Athayde Couto

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1 Ano 10 - NO 21 - SETEMBRO/OUTUBRO DE 2009 nforme econômico

econômicoPublicação do Curso de Ciências Econômicas/UFPIAno 10 / Nº 21

Setembro-Outubro/2009

“Somos povos novos ainda na luta para nos fazermos a nós mesmos como um gênero humano novo que nuncaexistiu antes. Tarefa muito mais difícil e penosa, mas também muito mais bela e desafiante” .

nformeISSN 1517-6258

DARCY RIBEIRO

Editorial

Contribuir com o debate de temas econômicos, políticos e sociais contemporâneos é o objetivodessa publicação. Um conhecimento fundamentado, fruto do estudo sistemático e dedicado, torna-se umaferramenta imprescindível para a compreensão das realidades humanas, porque os fatos que as constituemquase sempre têm as suas causas não desveladas.

Percebemos ainda que nos tempos atuais as imagens - variadas e velozes - parecem trazer todas asinformações sobre uma gama inesgotável de assuntos. Entretanto, ficam apenas, em cada pessoa, osrecortes ou fragmentos do real.

A maioria das notícias - de teor resumido e superficial - parece saciar a compreensão dosacontecimentos. O que é dito sobre os fatos já satisfaz naturalmente, sem quaisquer questionamentos. E,assim, vem sendo formada uma consciência coletiva que desconhece os verdadeiros sentidos e significadosde ações que influenciam, de forma determinante, o cotidiano social; ações que determinam a vida concretade cada indivíduo. Com o conhecimento superficial, continuaremos reféns de economias e políticas que nãotraduzem nossos anseios e necessidades. O prof. Darcy Ribeiro, no “Povo Brasileiro”, adverte sobre oquanto é difícil, mas também desafiadora, a luta de um povo para fazer-se novo.

É com essa disposição que apresentamos mais um número do Informe Econômico, desejando queessa leitura seja provocadora e que os questionamentos surjam como frutos de uma consciência melhoresclarecida. Apontamos, por exemplo, o texto “Efeitos das exportações de cera de carnaúba sobre o meioambiente”, no qual as autoras, Alyne Maria Sousa Oliveira e Jaíra Maria Alcobaça Gomes, discutem osefeitos do comércio internacional deste produto sobre o meio ambiente. O estudo revela, dentre outrasquestões, que o Piauí é um dos três Estados brasileiros que monopolizam o fornecimento mundial daprodução da cera de carnaúba, que é utilizada em mais de uma centena de ramos industriais; e conclui queo comércio da sua produção é ambientalmente sustentável.

Diante dessa constatação, convocamos professores/as e estudantes de economia ao estudo dascausas da inexistência de indústrias no Piauí que utilizem uma matéria-prima que o próprio Estado produz eque a ela agregue valor.

Que este e os demais artigos do nosso Informe Econômico ajudem na compreensão de que estamostodos/as envolvidos “na luta para nos fazermos a nós mesmos”!

2 Rubinho Barrichello do Brasil!Samuel Costa Filho

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As transformações no mundo do trabalhoJosé Lourenço Candido

2 8Tarifas de energia elétrica: regulaçãoeconômica e seus impactos para oconsumidor final no Estado do PiauíErick Elysio Reis Amorim

Investigação sociológica da ciênciaVicente de Paula Gomes

Efeitos das exportações de cera decarnaúba sobre o meio ambienteAlyne Maria Sousa Oliveira e Jaíra Maria Alcobaça Gomes

21O trabalho especializado e o domésticonas fazendas pastoris escravistas do PiauíSolimar Oliveira Lima

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Por um Brasil transparente?Geysa Elane Rodrigues de Carvalho Sá

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16Entrevista: Reflexões sobre odesenvolvimento do Estado do PiauíVitor de Athayde Couto

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2 nforme econômicoAno 10 - NO 21 - SETEMBRO/OUTUBRO DE 2009

RUBINHO BARRICHELLO DO BRASIL!por Samuel Costa Filho*

Acabo de assistir ao Grande Prêmio da Europa,realizado em Valência, que teve a vitória de RubensBarrichello. Este, após cinco anos, voltou a subirno pódio, retornando a brigar pelo título decampeão na temporada 2009. Foi a 10.a vitóriadesse piloto na Formula 1 e a centésima de umpiloto nascido no Brasil. Como era de se esperar, adisputa foi marcada por uma transmissãoaltamente parcial e ufanista do locutor GalvãoBueno, recheada de elogios, muitos disparates emuita tolice.

Nesse momento, veio-me à mente que tudo sepassa bastante semelhante aos elogios que vemrecebendo a economia brasileira ao longo dosúltimos anos - em especial, diante dos resultadosapresentados pela economia em meio a essamegacrise por que passa o sistema capitalista.

Rubinho Barrichello, piloto de grande potencialna Fórmula 1, apresenta resultados medíocres eruins, igual ao resultado apresentado pelaeconomia brasileira nos últimos trinta anos e,também, durante o Governo de Luiz Inácio Lula daSilva. Rubinho e a economia brasileira estãoatualmente recebendo elogios diante de resultadosque não têm nada de relevante. Elogios eresultados medíocres fazem parte da carreiradesse piloto até na escuderia Ferrari, quando, paraassegurar a vaga na equipe, sujeitava-se à posiçãosubalterna de escudeiro do campeão. Somente pormeio dessa posição e atitude, assegurava suapermanência na melhor e maior equipe da Formula1, naquele momento; ficando, dessa forma, semprefora das disputas dos títulos e sujeitando-se a serlembrado no futuro como uma decepção de piloto.

Desempenho medíocre até nas declarações,pois consentia e aceitava seu papel submisso naFerrari; mas tentou passar outra realidade aosbrasileiros quando da mais recente visita deMichael Schumacher ao Brasil, em 2008, aoafirmar que deixara o alemão vencer obrigado pelaequipe Ferrari e contra a sua vontade.

Também com dinâmica e elevado potencial, aeconomia brasileira tem se sujeitado a apresentarresultados muito ruins, apenas para agradar eatender aos “mercados” e obter o investment grade,sem nenhum programa de desenvolvimento. Por

sorte, nos últimos anos, o capitalismo apresentouuma onda de elevado crescimento que beneficiou,em grande parte, o desempenho da economia.Semelhante às declarações de Rubinho contraSchumacher, o governo brasileiro, ao obter umamelhora relativa na fraca taxa de crescimento daeconomia, sempre procurou alegar que essesucesso se devia a sua política econômica, que emnível macroeconômico somente repete os erros dogoverno passado.

A economia brasileira remou nos últimos 25anos na política econômica determinada pelaTrindade Profana (FMI, BID e OMC), no dizer deHa-Joon Chang, em “Maus Samaritanos”, e, nogoverno Lula, não ocorre qualquer rompimento oumudança significativa na política macroeconômicade triste resultado do governo de FernandoHenrique Cardoso (FHC), que aderiuincondicionalmente ao novo liberalismo.

É do conhecimento geral que, a partir dos anos80, do século passado, período áureo doliberalismo, seus intelectuais e a grande mídia,apoiados em uma atitude de arrogância ideológica,pregaram que os mercados são autorreguladores eautoequilibrantes, possuindo uma dinâmica virtuosade contínua expansão da atividade econômica.Esse discurso apologético e falso passou adominar o coração e as mentes das elitessubalternas e aculturadas da periferia doCapitalismo.

No Brasil, os economistas de mercado e osintelectuais formados nas universidadesamericanas passaram a dominar as escolasbrasileiras, disseminando críticas a toda e qualquerpolítica de planejamento e intervenção econômicado Estado, as quais taxaram de “populistas”,mesmo até as que procuravam reduzir asflutuações cíclicas dos níveis de produto eemprego. Estes economistas ortodoxosconsideravam-se os únicos e verdadeirosprofissionais na área das Ciências Econômicas,desprezando toda e qualquer análise de políticaeconômica alternativa.

Esses ultraliberais transformaram o liberalismoem neoliberalismo e divulgaram uma ideia deliberalismo individual mais radical e doutrinário que

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o pregado pela escola liberal anterior. Suas atitudespropiciaram que as finanças fossem dirigidas rumoà financeirização, levando o Estado brasileiro, acarga tributária e as despesas públicas a ficaremreféns do gasto e do capital rentista.

Agora, diante do horror do desempenhoeconômico do final de 2008, e do ano perdido em2009, os outrora liberais e os principais veículos daexplosão financeira estão a reivindicar dos governosmedidas para deter a crise financeira e paradiminuir a perda de riqueza - que tem levado muitaspessoas para abaixo da linha de pobreza e quetambém tem varrido a fortuna dos bilionários, comodemonstra o ranking da revista americana Forbes.

Atualmente, o Produto Interno Bruto (PIB) degrande parte da economia mundial, especialmenteo dos países em desenvolvimento, apresentam forteretração. A América do Norte, a Europa e o Japãojá registram recessão desde dezembro de 2007.Essa crise econômica é global e ninguém sairácompletamente ileso dela. Entre os emergentes, oMéxico (-10,3%) e a Rússia (-10,9%) apresentaramfortes quedas do PIB, também no segundotrimestre do corrente ano.

O problema econômico atual no sistemafinanceiro dos Estados Unidos da América (EUA),depois da farra e fartura de crédito fácil, financiadopor operações arriscadas e fajutas, não foi aindaresolvido e tem levado à “estatização” da economiaamericana e de suas principais empresas.Empresas como o Citigroup, Bank of América,Lloyds Bank, J. P. Morgan, GM, Ford e todos osoutros ícones financeiros, ou não, erguidos pelolivre-mercado, incluindo ainda as maiores empresasdos setores mais importantes da economiaamericana, que estavam à beira da bancarrota oubalançando perigosamente, foram estatizadas etêm recebido ajudas bilionárias do Governoamericano.

Não é possível deixar de perceber que nos EUAa crise não pode ser resolvida sem um mínimo deintervenção estatal possível e, depois, deixar oresto para que o livre-mercado faça o seu trabalho,expurgando os incompetentes. Apesar dessequadro gravemente recessivo, são desconhecidas aprofundidade, a extensão e as possíveis ameaçasainda submersas na economia americana. A únicacerteza que se pode ter na atualidade é a de que acrise econômico-financeira vai fazer a economiamundial contrair-se em 2009 - e com a economiabrasileira não será diferente.

Porém, a sincronia planetária, fruto daglobalização, tem levado a crise global a gerarondas de impacto através de retrações sucessivasda demanda mundial. Nessa realidade, como noperíodo de bonança global que havia estimulado oritmo de expansão das economias emergentes, acrise mundial levará essas economias a sofreremos efeitos recessivos da crise e efeitos que aindaestão a caminho.

As economias emergentes já sofreram,principalmente, pela queda nos preços dascommodities e na quantidade das exportações,pelo menor acesso ao financiamento externo e,sobretudo, pela queda nos investimentos externos.Assim, muitos países emergentes parecem setornar vitimas inocentes da crise econômica global.

Esta é a tese preferida dos economistas. Noinício do ano, em São Paulo, o economistaamericano Nouriel Rubini afirmou que o Brasil éuma “vitima acidental” da crise econômica global.Na mesma linha, em entrevista, o tambémamericano e prêmio Nobel de Economia, JosephStiglitz, afirmou que o Brasil já é uma das “vitimasinocentes” da crise mundial.

Esses renomados profissionais esqueceramque os países que aderiram à globalização semressalvas abdicaram parte relevante de suaautonomia na política de desenvolvimentoeconômico. O Brasil, ao aderir incondicionalmenteao processo de globalização financeira, passou adispor de reduzida capacidade de crescimento,desvinculada da dinâmica da economia mundial;recebeu os benefícios do boom do recenteprocesso de crescimento mundial e sofrerábastante os impactos da recessão global.

O Governo do presidente Lula, que adotou amesma política macroeconômica do governoanterior - superávit primário, metas de inflação ecâmbio flexível -, manteve o Brasil refém da mesmaagenda conservadora de Fernando HenriqueCardoso, que se viu diante de várias crises(México, Tigres Asiáticos, Rússia, Argentina emesmo o Brasil em 1999, 2001 e 2003).

Assim, diferentemente do discurso corrente, aeconomia brasileira não é uma vítima inocente ouacidental da crise global. O governo Lula, queparecia “protegido por Deus”, apenas não haviaenfrentado crises como as que constantementevitimaram o governo Tucano. Desse modo, como nogoverno anterior, continuamos com a política dostop and go, sem projeto – assim, a política

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econômica do governo Lula poderá receber oprêmio que foi dado a Fernando Henrique Cardoso,só que em dose muito mais elevada.

Com certeza, pode-se afirmar que, como nopassado, estamos diante de mais uma crise dosistema capitalista – que não é a primeira e nemserá a última “grande crise” desse sistema, umavez que o capitalismo apresenta a característica deser inerentemente instável, tendo crises periódicas;e, dessas crises, sempre tem ressurgido maisvigoroso, mais dinâmico e mais pujante que antes.Não será o fim do mundo; mas a crise causarámuita desolação, tristeza e dor.

Atualmente, já se ouvem as vozes doseconomistas de banco e de mercado falando emrecuperação rápida da crise. Todavia, não há nadaa comemorar. É cedo demais para dizer que o piorjá passou. Como afirma o premio Nobel de 2008,Paul Krugman (2009), em “Evitando o pior”, no TerraMagazine: “a situação econômica continua terrível,na verdade pior do que quase toda e qualquerpessoa achava possível até pouco tempo atrás”.

A nossa percepção é de que a crise vai demorarbastante e o ambiente de dificuldade vai continuarpor muito mais tempo, pois a economia mundialapresentará uma reação fraca. Trata-se de umagrave crise estrutural do capitalismo e a economiado Brasil que está, atualmente, apenas iniciandoum processo de retração, será afetada muito maisdo que a maioria dos economistas acredita. Osefeitos defasados da crise ainda estão por vir e aeconomia brasileira será duramente atingida pelacrise econômica.

Mas, afinal de contas, o que tem a ver odesempenho do piloto Rubinho Barrichello e odesempenho da economia brasileira? ComoRubinho Barrichello, nossa economia volta a sermotivo de comentários e elogios e também étratada como estrela em ascensão diante da criseque vive o sistema capitalista. Como Rubinho - queiniciou a carreira na Formula 1 pela Jordan, em1993, e era precedido de grande esperança de teruma carreira vitoriosa, por se tratar de um piloto“fora de série” -, da economia brasileira sempre seespera um desempenho altamente favorável, dado oseu excepcional potencial, sua dinâmica e seupassado de crescimento acelerado.

Acontece que o desempenho da economiabrasileira, igual ao de Rubens Barrichello, apesarde ser alvo de elogios a respeito do desempenhoem meio à megacrise mundial, deixa muito a

desejar. O Programa do Crescimento Econômico(PAC) se revelou uma ação limitada do Estado parao desenvolvimento econômico. Dois preços básicosda economia, taxa de câmbio e taxa de juros,estão desalinhados e assistimos a uma elevadasobrevalorização cambial durante quase todo ogoverno Lula, que reduz nossa competitividade nasexportações e torna a economia brasileira cada vezmais especializada na exportação de commoditiesagrícola e de produtos industriais de baixo valoragregado.

Nunca foi verdadeiro o discurso do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva de que “nunca antes nahistória desse país” tivemos um governo tãocompetente, que apresenta um desempenho tãofavorável no campo econômico e social. Ocrescimento econômico do Brasil não revela dadospara serem comemorados como auspiciosos.Muito pelo contrário. Conforme percebeu JoãoPaulo de Almeida Magalhães, em entrevista àrevista Desafios do Desenvolvimento, do Instituto dePesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), aeconomia brasileira precisa cresceraceleradamente para recuperar o atraso dosúltimos 40 anos, além de criar emprego e continuara ter importância diante da elevada dinâmica dospaises emergentes do BRIC – Brasil, Rússia, Índiae China.

Nos anos 1980, na chamada “década perdida”,a medida de crescimento do PIB brasileiro foi deapenas 3,35%. Na década neoliberal de Collor eFHC, nos anos 1990, o crescimento médio foiainda pior, ficando no medíocre 1,65%. A média daprimeira década do século XXI, período final doúltimo governo FHC, somada aos dois mandatos deLula será apenas 3,41%, se, na melhor hipótese, ocrescimento de 2009 for de 1%. Muito igual ao dafamosa “década perdida”.

Somente no governo petista, o primeiro mandatode Lula terminou com uma média de crescimentodo PIB de 4%, apenas igual à necessária paraabsorver a mão de obra jovem que ingressou nomercado de trabalho, segundo pesquisa do IPEA.Em meio à crise, o segundo mandato de Lula nãodeverá nem se igualar ao crescimento obtido noprimeiro, atingindo os 3,83%, mesmo supondo umaprevisão altamente favorável de crescimento em1999 (1%) e 2000 (3,5%). O segundo mandato,mesmo com uma maior participação do Estado napolítica econômica, veio com muito atraso; e nofinal deste seu segundo mandato Lula apresentará

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uma média inferior ao do primeiro, que já foi fraco.Rubens Barrichello possuía um currículo

apreciável antes de adentrar a Fórmula 1.Barrichello havia conquistado cinco títulosbrasileiros e cinco títulos paulistas no kart, sendoconsiderado um piloto imbatível naquela época.Viajou para Europa e foi competir na Fórmula Opel,sagrando-se logo campeão, em 1990, ano de suaestreia, com seis vitórias, sete pole positions esete voltas mais rápidas. No ano de 1991, sagrou--se campeão da Fórmula 3. Passou para a Fórmula3000 com apenas dezenove anos, tendo obtido aterceira classificação geral da temporada de 1992.Na fórmula 1, desde 1993, há dezesseis anos, jádisputou 278 Grandes Prêmios e revelou-se umpiloto pouco afeito a vitórias, fraco e muitosubserviente aos objetivos do dono da equipe.

O governo Lula e o PT também possuíam umcurrículo invejável antes de assumirem o poder em2003. Originário das camadas trabalhadoras, estepartido se revelou combativo e alternativa contra omarasmo e o continuísmo das elites conservadorasno Brasil. Com uma plataforma que pregava a éticana política, aparecia como real e única alternativade desenvolvimento para a economia brasileira.Logo, um brilhante metalúrgico assumiu a liderançae comandou o crescimento do Partido dosTrabalhadores – Luiz Inácio Lula da Silva. Nogoverno, desde 2003, apesar de apresentarelevadíssimos índices de popularidade, opresidente Lula preferiu o poder, usou de umapolítica de conciliação em favor do rentismo e docapital, maculando seu passado brilhante.

Rubens Barrichello tem a possibilidade de aindaser campeão neste ano. Embora não seja umespecialista em corridas automobilísticas, nãoacredito nessa possibilidade. Rubinho tempotencial, mas lhe faltam atitude e coragem paraas grandes conquistas. O passado de Rubinho ocondena. O governo Lula teve o primeiro e osegundo mandato para iniciar a construção de umaalternativa para o Brasil. O partido dosTrabalhadores alegava ter projeto, tinha pessoalcom capacidade e habilitado, iniciou com elevadoapoio, mas “teve medo de ser feliz”. Em nívelmacroeconômico, somente repetiu a política doPSDB, de superávit primário, cambio flexível emetas de inflação, que tinha como fiador AntonioPalocci e, posteriormente, Henrique Meireles. Essemesmo Meireles, estrela aclamada pela mídiaburguesa, que passou a ser o fiador e escudeiro da

política econômica de Lula, na verdade, tem sidoum dos principais responsáveis pelo fracodesempenho da economia brasileira, que nãosoube aproveitar a maior onda de crescimentoapresentado pela economia capitalista nos últimostempos.

O cruel de toda essa história é que sãojustamente as medidas progressistas, tãocriticadas pelos economistas de mercado, as quese revelaram ser a virtude do governo de Lula,principalmente em meio e diante da grave crise porque passa o capitalismo global. O aprofundamentodas políticas sociais localizadas - iniciadas comD. Rute Cardoso, o gasto público, o aumento realdo salário mínimo e o estímulo ao crédito para acamada da população de mais baixa renda que nãotinha acesso ao crédito - têm permitido manter oconsumo da população, abrandar a retração daeconomia e diminuir a virulência da crise naeconomia brasileira.

Possuidora de enorme potencial e dinâmica, aeconomia brasileira não foi dirigida para odesenvolvimento, nem muito menos para atender anação. A opção pelo poder faz do governo Lula umafraude, trabalha a favor do rentismo, dos muitoricos, gastando apenas um pouco com os muitopobres e quase nada com investimento. Mas,assim como Barrichello pode vencer, o governo Lulapode ainda realizar reformas. Acontece que o querealizou até hoje não o qualifica para mudança.Faltam atitudes e coragem para a grande mudança.

O governo Lula, mesmo respaldado por elevadosíndices de popularidade, passará para a historiacomo um governo que conseguiu, ao mesmotempo, desmoralizar o PT e mostrar que, fora aopção das elites pelo desenvolvimento dependentee associado da via neoliberal, os partidos políticosno Brasil não possuem opção de desenvolvimentoeconômico para a nação. Todos, sem exceção,revelam apenas uma opção de luta pelo poder.

Triste é perceber que, ao longo de toda suahistória, o PT não possuía nenhuma proposta dedesenvolvimento econômico para o Brasil, conformesempre propalava. Assim, não foi muito difícil queseus filiados fossem facilmente cooptados pelopoder e pelo capital, ao assumirem postos-chavesno Estado. O capital é por demais sábio. Criouuma elite, uma casta de trabalhadores que se julgadiferenciada e, por isso, sempre atua em benéficodo capital. Nas universidades, distribui bolsas depesquisa, aliena os jovens cientistas e trabalha

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para conter cientistas de uma linha progressista ourevolucionária a batalharem por um projeto dedesenvolvimento social nacional. No Estado, ogoverno não atua diferente e delega funções,honrarias e poder, além de gratificações ecomissões polpudas em postos deassessoramento, que são sempre muito bemaceitos pelos partidos no poder e não outra é aatitude de parte dos militantes e da máquinapetista.

Enquanto isso, a guerra civil instalada nasociedade brasileira avança até nas cidadesinterioranas e de menor porte, a cada dia. No“mundo do faz de conta” ou na “terra do nunca”televisivo, os principais órgãos de comunicaçãoalienam a população com a miragem do sucesso eda vitória de um atleta brasileiro no exterior. Tem

certa dose de razão o senador Flávio Arns,ex-PSDB e hodiernamente no PT, ao declarar sentirvergonha do atual PT, quando da luta de poder jáem torno da eleição presidencial de 2010, que levouo Senado a deflagrar uma batalha ridícula em tornoda cassação do ex-presidente José Sarney; aliás,de triste memória.

Assim, acelera Rubinho!Rubens Barrichello é Brasil na Fórmula 1!

*Professor Adjunto da UFPI, Chefe do Departamentode Ciências Econômicas e Mestre pelo CAEN-UFC.

EFEITOS DAS EXPORTAÇÕES DE CERA DECARNAÚBA SOBRE O MEIO AMBIENTEpor Alyne Maria Sousa Oliveira* e Jaíra Maria Alcobaça Gomes**

Introdução

A natureza e a intensidade dos fluxoscomerciais acarretam necessariamente impactospositivos ou negativos sobre o meio ambiente,assim como a implementação de políticas decunho ecológico produz efeitos que podempotencializar ou inibir a comercialização dos bens.

A exploração da cera de carnaúba iniciou há umséculo e seu auge econômico ocorreu nos anoscompreendidos entre a Primeira e a SegundaGuerras Mundiais, quando era empregada quaseexclusivamente na fabricação de pólvora;entretanto, ainda representa o segundo item dapauta de exportações piauienses, correspondendoa um quinto das divisas do Estado.

Atualmente, apresenta-se como um produtoextremamente versátil, uma vez que sua utilizaçãodá-se em mais de uma centena de ramosindustriais, principalmente como insumo para asindústrias de cosméticos, alimentícia,farmacêutica, informática e química - esta últimacompreendendo a fabricação de polidores em geral,tintas, vernizes e lubrificantes.

Piauí, Ceará e Rio Grande do Nortemonopolizam o fornecimento mundial de cera decarnaúba, cuja produção é eminentementedirecionada à exportação, destacando-se osEstados Unidos, Japão, Alemanha, Formosa eItália como principais destinos das exportaçõespiauienses do produto.

À luz desta concepção, é relevante avaliar ainteração entre o comércio internacional da cera decarnaúba e o meio ambiente - visto que este é umproduto da exploração de um importante recursonatural disponível na Região Nordeste -, partindo daanálise dos seus efeitos ambientais diretos eindiretos.

Neste sentido, cumpre saber se o comércio dacera de carnaúba pode ser considerado sustentávelsob o ponto de vista ambiental, ou seja, se estefluxo apresenta externalidades positivas, ou pelomenos não acarreta desdobramentos negativossobre o meio físico.

Este trabalho apresenta as contribuições acercada interação entre comércio e meio ambiente, os

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procedimentos metodológicos utilizados para arealização da pesquisa e a discussão dos efeitosdiretos e indiretos do comércio internacional dacera de carnaúba sobre o meio ambiente, bemcomo as conclusões.

1 Interação entre comércio e meio ambiente

Comércio e meio ambiente apresentam umarelação de interdependência inequívoca: a dinâmicacomercial, relacionada a um maior fluxo demercadorias, acarreta impactos ambientais; bemcomo a implementação de políticas de cunhoambiental, com objetivo de minimizar adegradação, apresentando também efeitos sobre onível de comércio praticado.

Entre os efeitos do comércio sobre o meioambiente, pode-se distinguir os diretos e indiretos.Os diretos estão estreitamente relacionados aopadrão de comércio internacional e à modalidadede transporte de produtos, que se apresentam soba forma de consumo energético, poluiçãoatmosférica e acidentes ecológicos; enquanto osindiretos dizem respeito a variáveis estáticas, comoa especialização produtiva dos países, edinâmicas, como o nível de produção e consumo, aparticipação dos diferentes setores no produto daeconomia e a intensidade da poluição em cadasetor produtivo (ALMEIDA, 2002).

Segundo a mesma autora, a discussão atualsobre a interação entre comércio e meio ambienteestá situada em torno de três posiçõesfundamentais: uma pessimista – chamada de visãotradicional ou “trade-off” –, que alega que o livre--comércio provoca inexoravelmente maiordegradação ambiental; uma otimista – denominadavisão revisionista ou “hipótese de Porter” –, quedefende que a abertura comercial permite umamaior proteção ambiental; e uma intermediária, queadvoga que a expansão do comércio poderepercutir tanto positiva quanto negativamentesobre o meio ambiente, considerando-se fluxoscomerciais específicos.

A visão pessimista defende que os impactosambientais negativos decorrentes do livre-comérciopodem ser minimizados, através da adoção denormas ambientais em âmbito internacional, deforma a garantir a internalização de custosambientais por parte dos países que adotampadrões ambientais menos rigorosos.

Neste contexto, May (2003) aponta para adegradação dos recursos naturais dos países emdesenvolvimento, decorrente da produção de

volumes cada vez maiores de commoditiesdestinados a mercados internacionais queapresentam uma demanda relativamente inelástica,de forma a provocar a erosão dos preços e osucessivo empobrecimento dos produtores.

Além disso, Young (2005) enfatiza aespecialização das nações mais pobres naprodução e exportação de bens com maiorpotencial de poluição, destacando que os setoresda indústria brasileira que têm apresentado maiorcrescimento nas duas últimas décadas sãoexatamente os mais intensivos em emissão1 e queseu desempenho relativo na pauta de exportaçõesbrasileiras tem sido significativo e crescente,considerando-se o período entre 1985 e 1996.

Sob esse prisma, deve-se ressaltar que essaconcentração das exportações brasileiras ematividades “sujas” acarreta prejuízos sociais,medidos em termos de perda de bem-estar ecausados pela degradação, acrescidos do risco defuturas perdas econômicas decorrentes daconsequente diminuição das exportações, motivadapela aplicação de medidas ambientais restritivas aocomércio.

Em contrapartida, a corrente otimista sustentaque o crescimento da renda nacional decorrente doaumento das exportações ocasionaria maioresinvestimentos na preservação do meio ambiente,disseminação de tecnologias menos poluidoras nasnações menos desenvolvidas, expansão doconsumo de produtos “verdes”, bem como aampliação da cooperação multilateral,extremamente necessária para a resolução devários problemas ambientais.

Em conformidade com esta posição, pode-sedestacar o mercado têxtil sueco, que, por motivosde competitividade junto ao consumidor, temadotado critérios ambientais para seleção dosfornecedores e dos produtos a serem importados.Outro exemplo ilustrativo seria o mercado mundialde celulose que tem requerido selos ambientais,atestando que o produto provém de métodossustentáveis de produção (GUTIERREZ, 1997).

De fato, é inegável o crescimento do consumoecologicamente responsável não somente nospaíses avançados, mas, inclusive, nos paísesmenos desenvolvidos, o que tem forçado asempresas a se adequarem às exigênciasambientais de seus clientes estrangeiros, sob penade perderem sua parcela de mercado. Tal mudançade comportamento gerada pela concorrênciainternacional tem apresentado efeitos sinérgicos

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sobre seu desempenho doméstico, provocando aformação de uma demanda interna por produtos“verdes”.

Acrescente-se ainda o impacto positivo dosinvestimentos ambientais sobre o desenvolvimentoe aperfeiçoamento de tecnologias limpas, utilizadascom a finalidade de minimizar a utilização derecursos naturais ou de reduzir o volume daemissão de substâncias tóxicas no meio ambiente,que não se limita aos segmentos exportadores,mas irradia sobre os diversos setores produtivos,gerando efeitos de encadeamento sobre a atividadeeconômica.

Uma visão conciliadora afirma que a relaçãoentre comércio e meio ambiente é conflituosa ecomplementar, dependendo de vários fatores, entreos quais se incluem as condições de produção econsumo dos países produtores e consumidores.Dependendo de circunstâncias específicas, ocomércio pode representar um elementopotencializador na melhoria ou no agravamento dascondições ambientais, sendo necessária umaanálise empírica dos casos concretos, visandoestabelecer as repercussões ambientaisespecíficas do comércio.

Seguindo esta concepção, pode-se afirmar queum comércio sustentável é aquele em que o livrefluxo de mercadorias provoca externalidadesambientais positivas ou, pelo menos, não acarretaimpactos negativos significativos ao meio ambiente.É possível identificar as consequências negativasda interação entre comércio e meio ambiente apartir da análise das barreiras ambientais aplicadaspelos países, ao passo que os desdobramentospositivos podem ser verificados com base nasexigências de certificação estabelecidas pelosimportadores.

As questões ambientais no âmbito dasnegociações multilaterais entraram em debateainda sob a vigência do General Agreement onTariffs and Trade (GATT, Acordo Geral sobre Tarifase Comércio), entre 1947 e 1994, consolidando-sena sua última fase, a Rodada Uruguai, queculminou com a criação da OMC, em 1995. Osassuntos ambientais constam dos artigos I –Princípio da Nação mais Favorecida, III – Definiçãode Produtos Nacionais e XX – Exceções Gerais;este último tratando sobre políticas públicas,barreiras técnicas, antidumping e subsídios.

O artigo I garante que todos os parceiros comerciais tenham o mesmo tratamento, inibindo

o recurso abusivo às barreiras comerciais; o artigoIII impõe que partes signatárias apliquem a todosos produtos importados o mesmo tratamentorecebido pelos produtos nacionais e o artigo XXpermite a discriminação do comércio quandohouver ameaça à saúde ou à vida de sereshumanos, animais e plantas, à segurança ou àconservação de recursos, desde que as mesmasnormas sejam adotadas para a produçãodoméstica (MAIMON, 1996).

Em 1994 foi reativado o Grupo de MedidasAmbientais e Comércio Internacional - criado em1971 – com o objetivo de analisar os dispositivoscomerciais dos acordos multilaterais na área domeio ambiente, entre os quais destacam-se: oProtocolo de Montreal, sobre Substâncias queDestroem a Camada de Ozônio; a Convenção deBasiléia, sobre o Controle dos MovimentosTransfronteiriços de Resíduos Perigosos e suaEliminação; e o Protocolo de Cartagena, sobreBiossegurança.

A última rodada de negociações da OMC –iniciada na Reunião Ministerial de Doha, no Qatar,entre 9 e 14 de novembro de 2001 – teve umaagenda que discutia a relação entre comércio emeio ambiente, com ênfase na celebração denegociações acerca da aplicabilidade das normasvigentes da OMC sobre os acordos multilateraisestabelecidos sobre comércio e meio ambiente eda redução ou eliminação de barreiras tarifárias enão tarifárias aos bens e serviços ecológicos(WTO, 2001).

O relatório da referida Reunião Ministerialrecomendou especial atenção do Comitê deComércio e Meio Ambiente (CCMA) sobre o efeitodas medidas relativas ao meio ambiente no acessoaos mercados, especialmente dos países emdesenvolvimento; às situações em que aeliminação ou redução das restrições e distorçõesdo comércio possam beneficiar o meio ambiente eo desenvolvimento; e às orientações referentes àrotulagem ambiental. Também reconheceu aimportância do compartilhamento de conhecimentotécnico e experiência entre os países na realizaçãode inspeções ambientais em nível nacional.

No âmbito da mesma rodada, com sequênciana Conferência de Cancún, realizada de 10 a 14 desetembro de 2003 (WTO, 2003), e no Projeto deTrabalho de Genebra, entre 16 de julho e 1º deagosto de 2004 (WTO, 2004), nenhuma mençãoespecífica às discussões relacionadas ao comércio

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e o meio ambiente foi feita.Por outro lado, a última Reunião Ministerial,

realizada em Hong Kong, no período de 13 a 18 dedezembro de 2005, apenas reafirmou osencaminhamentos dispostos na Declaração deDoha e nenhuma decisão concreta foi alcançadasobre os temas ambientais em pauta – comexceção para a regulamentação dos subsídios àpesca –, tornando-se patente a dificuldade emformalizar um consenso sobre a matéria no âmbitoda OMC (WTO, 2005; ALMEIDA; PRESSER,2006).

Em contrapartida, os Multilateral EnvironmentalAgreements (MEAs, Acordos AmbientaisMultilaterais), que incorporam medidas comerciais,têm ratificado a visão intermediária, ao sustentaremque restrições ao comércio são justificáveis sempreque problemas ambientais em escala internacionalocorrerem, tais como diminuição da camada deozônio, mudanças climáticas e perda debiodiversidade.

Como exemplo da não interferência de questõesambientais sobre o livre-comércio, pode-se citar adisputa entre Estados Unidos e México, em que ogoverno norte-americano impediu a importação deatum mexicano, alegando que as frotas pesqueirasdaquele país provocavam a “matança” de golfinhos.Em 1991, a arbitragem do GATT decidiu em favordo país latino-americano, afirmando que “uma partecontratante não pode restringir a importação de umproduto simplesmente por que ele se origina de umpaís com políticas ambientais diferentes das suas”.(SCHMIDHEINY, 1992, p.77).

Na direção contrária, tem-se o exemplo dadisputa da Dinamarca com os países europeusfabricantes de cerveja e refrigerantes, em que umalei dinamarquesa exigiu que estes produtos fossemvendidos em garrafas retornáveis com um depósitoobrigatório. O Tribunal de Justiça europeuconcedeu parecer favorável à Dinamarca,declarando que as imposições ambientaisjustificavam uma pequena restrição ao comércioentre os países, já que não tinham por objetivo aproteção das indústrias nacionais.

Em síntese, a conclusão da OMC é de que olivre-comércio não deverá ser reduzido porrestrições comerciais motivadas por questõesambientais, salvo quando ameaçarem o meioambiente global. Por outro lado, sempre quedemandas ambientais estiverem restritas aoambiente regional, a negociação deverá ser omelhor caminho para solucioná-las.

De fato, a imposição indiscriminada derestrições ambientais ao comércio pode ocasionara escalada de disputas comerciais com o fim únicode restringir as relações comerciais sem qualquerrepercussão positiva sobre a alteração dos padrõesprodutivos mundiais com base em parâmetros maisexigentes de preservação do meio ambiente.

Do ponto de vista das negociações bilaterais,entre as principais medidas comerciais que sãotomadas para dirimir conflitos ambientais estão aspolíticas ou acordos ambientais, a rotulagemambiental e a certificação voluntária de sistemas degerenciamento ambiental.

As políticas ou acordos ambientaiscompreendem regulações e normas ambientaisamparadas em medidas comerciais, entre as quaisdestacam-se: controles diretos sobre importaçõese exportações, procedimentos de informação paraconsentimento prévio, selos ambientaisobrigatórios, ajustes fiscais de fronteira e adoçãode sistemas preferenciais.

Os controles diretos sobre importações eexportações consistem em proibições ou restriçõesaplicadas pelos países importadores a produtosque provoquem impacto negativo no meio ambiente;enquanto os procedimentos de informações paraconsentimento prévio referem-se à exigência deinformações sobre a qualidade ambiental emedidas de tratamento doméstico dos produtoscomercializados, submetidas pelos importadoresaos exportadores.

Por outro lado, os selos ou rótulos obrigatóriossão declarações compulsórias de informaçõesambientais, impostas pelos importadores aosexportadores, que obedecem a legislações sobresaúde e meio ambiente, estabelecidas a partir dadécada de 1940; os ajustes fiscais de fronteirasignificam o pagamento de taxas ambientais sobreemissões ou geração de efluentes; enquanto osistema de tarifas preferenciais diz respeito àredução do imposto de importação aplicado aosprodutos que atendam a certas exigênciasambientais.

A rotulagem ambiental voluntária surgiu a partirda década de 1970, com o objetivo de estimular ademanda por produtos ecologicamente corretos,incentivar a utilização de tecnologias ambientaisnas empresas e desenvolver a consciênciaambiental nos consumidores (ALMEIDA, 2002).Visando à obtenção de ganhos mercadológicos porparte das empresas, ocorreu uma proliferação dosselos ambientais, que necessitavam de

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normalização. Assim, a International StandardOrganization (ISO, Organização Internacional deNormalização) desenvolveu regras para rotulagemambiental, através dos tipos I, II e III.

Os selos do tipo I indicam a eficiência ambientalde um produto em particular dentre umadeterminada categoria de produtos, com base nacriação de parâmetros ambientais, através de umaterceira parte; os rótulos do tipo II são declaraçõesdos próprios produtores acerca da qualidadeambiental dos produtos; e os do tipo III, queobrigam os produtores a detalhar os impactosambientais referentes a cada um dos elementosconstituintes dos produtos, verificados por umaterceira parte (CASTRO; CASTILHO; MIRANDA,2004).

São exemplos de selos verdes: o Angel Bleualemão, o Ecolabel europeu, o canadense EcologicChoice, o japonês Eco-Mark, os norte-americanosGreen Cross e Green Seal, bem como o Selo deQualidade Ambiental da Associação Brasileira deNormas Técnicas (ABNT). Atualmente, existem 26programas de rotulagem ambiental em execuçãona Europa, Ásia e nas Américas do Norte e do Sul,abrangendo diversos produtos (ALMEIDA, 2002).

A certificação voluntária de sistemas degerenciamento ambiental parte da verificação daconformidade – atestada por terceira parte – aosprincípios, normas ambientais e requisitos demelhoria de desempenho ambiental que osfabricantes observam na condução de seusnegócios. Distingue-se das normas deconformidade ambiental conduzidas pelos órgãosreguladores, através dos quais as empresas sãofiscalizadas em diferentes fases do seufuncionamento, como no licenciamento, naaprovação, na instalação e durante a operação.

A certificação tem um duplo papel: pelo lado daoferta, é um instrumento que ofereceprocedimentos e padrões básicos que permitam àsempresas participantes gerenciar o atendimentoaos requisitos ambientais, criando um instrumentode seleção e exclusão de firmas e produtos; pelolado da demanda, fornece informações aosconsumidores sobre as características dosprodutos, servindo como mecanismo de redução deassimetrias de informação e aumentando aeficiência dos mercados (NASSAR, 2003).

No caso específico da ISO 14001, a verificaçãode conformidade baseia-se em normasestritamente ambientais em âmbito internacional, apartir de um detalhado processo de avaliação

periódica que compreende aspectos relacionados àavaliação do produto – principalmente à rotulagemambiental – e da organização, através daimplementação e condução do sistema de gestãoambiental (MAIMON, 1996).

Em contraposição, o Eco-Management andAudit Scheme (EMAS, Sistema de Eco-Gestão eAuditoria) é um sistema de gerenciamentoambiental aberto a todos os Estados-membros daUnião Europeia e diversos países que pretendemsua inserção no mercado europeu. É maisabrangente que a ISO 14001, no tocante aosrequisitos de avaliação de melhoria do desempenhoambiental, envolvendo o cumprimento à legislaçãoe comunicação dos resultados às partesinteressadas, através de um relatório ambientalanual.

Não se pode negar a importância dahomogeneização de padrões produtivos nafacilitação do intercâmbio comercial entre países.Entretanto, não se pode perder de vista a ideia deque o menor nível de desenvolvimento de algunspaíses pode resultar em uma maior dificuldade dearcar com o custo adicional atribuído àconformidade de seus produtos com normasinternacionais; ou seja, no caso específico da ISO14001, dependendo do país e do produto, a adoçãoda norma pode significar perda de competitividadeinternacional (VIANA; NOGUEIRA, 2006).

Os mesmos autores ressaltam ainda adiferença em termos de consciência ambientalexistente entre países desenvolvidos e emdesenvolvimento. A certificação ambiental sempreimplica em significativo aumento nos custos deprodução dos países em desenvolvimento, cujapopulação geralmente não está disposta a arcar,seja pela falta de informação, seja pelo reduzidopoder de compra.

2 Metodologia

A pesquisa foi realizada a partir da coleta einterpretação de dados secundários, abrangendoinformações como o volume, países-destino ebarreiras comerciais incidentes, obtidos através deconsultas a sistemas oficiais de informação, comoo Radar Comercial (2006) e o Sistema Análise dasInformações de Comércio Exterior via Internet(ALICEWEB, 2006). Também foram pesquisadosdados cadastrais de empresas estrangeirasdemandantes de cera de carnaúba, no sítio dosistema BrazilTradeNet (2005).

No sistema Radar Comercial foram coletadas

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informações sobre o padrão de comércio doproduto, como a performance das importaçõesmundiais e das exportações brasileiras, bem comomedidas tarifárias e não tarifárias incidentes sobreceras vegetais e animais, no período entre 2000 e2004, através de sua classificação naNomenclatura Comum do Mercosul (NCM) sob oscódigos 1521.10 e 1521.90, respectivamente.

Através do sistema Aliceweb, foram efetuadaspesquisas sobre o volume das exportaçõesbrasileiras e piauienses de cera de carnaúba paratodos os países-destino e, posteriormente, foiselecionado o conjunto de países que importou oproduto de origem piauiense, de forma consecutiva,considerando-se a série histórica disponível de1989 a 2005.

O acesso ao BrazilTradeNet permitiu aobtenção de informações (razão social, endereçopostal e eletrônico, números de fax e telefone) dasempresas estrangeiras cadastradas comoimportadores estrangeiros de cera de carnaúba, oque viabilizou a realização de pesquisa direta paracoleta de dados sobre a especialização produtivados países demandantes do produto.

O trabalho de campo foi realizado através doenvio de questionários via correio eletrônico a umuniverso de setenta indústrias estrangeiras queutilizam cera de carnaúba em seus processosprodutivos, que constavam dos cadastros de umaindústria piauiense beneficiadora do produto e dosítio BrazilTradeNet.

Foram excluídas da pesquisa as empresasatacadistas e/ou distribuidoras de cera decarnaúba, devido ao fato de somente revenderem oproduto às indústrias utilizadoras e, por estemotivo, dificilmente disporem de informaçõesacerca das suas aplicações.

As empresas pesquisadas estavam assimdistribuídas: quatro na Alemanha, três na Argentina,uma na Austrália, onze na Espanha, sete nosEstados Unidos, quatro em Formosa, quatro naFrança, sete na Índia, nove na Itália, seis no Japão,quatro no México, três no Peru e sete na Inglaterra.Tais países responderam por 86,0% do volume e86,4% do valor exportado de cera de carnaúba peloPiauí, no ano de 2005 (ALICEWEB, 2006).

O método de amostragem utilizado consistiu naestratificação uniforme, de maneira que cada paíscorrespondeu a um estrato do universo dapesquisa, com um tamanho de amostra idêntico(uma empresa). Para tanto, foi selecionada como

amostra a primeira empresa em cada paíspesquisado que encaminhou sua resposta.

Foi enviado, por meio de correio eletrônico, umquestionário pré-teste no idioma inglês, comreenvios mensais entre abril e julho de 2005, atreze empresas estrangeiras situadas em cada umdos países que constituíam o estrato da pesquisa.Somente duas empresas estrangeirasresponderam, uma situada no Japão (maio de2005) e outra na Itália (junho 2005).

O questionário definitivo em inglês e espanhol,aplicado através de correio eletrônico, entre outubrode 2005 e março de 2006, e via fax, entredezembro de 2005 e fevereiro de 2006, foi enviado a68 empresas estrangeiras, as quais ainda nãohaviam respondido o pré-teste.

Após os reenvios mensais, via internet e fax, ediversas ligações telefônicas – realizadas entredezembro de 2005 e maio de 2006 – solicitandoresposta, oito empresas estrangeiras responderamo questionário definitivo: uma sediada na França(em dezembro de 2005); uma na Inglaterra, umanos Estados Unidos e uma em Formosa (emjaneiro de 2006); uma na Argentina, uma naEspanha e uma na Índia (em fevereiro de 2006),bem como uma na Alemanha (em março de 2006).

Também foi utilizada a técnica de entrevistaestruturada por meio de telefone, realizada entredezembro de 2005 e maio de 2006 com asmesmas perguntas do questionário definitivo, à qualrespondeu somente uma empresa estrangeira,situada no Peru (em maio de 2006).

Os resultados apresentados referem-se àsinformações obtidas junto a onze (15,7%) dassetenta empresas contatadas, estabelecidas emonze (84,6%) dos treze países pesquisados.

3 Resultados e discussão

Seguindo a visão intermediária da relação entrecomércio e meio ambiente e a concepção decomércio sustentável, cumpre saber se o comércioda cera de carnaúba pode ser consideradosustentável, ou seja, se acarreta impactos positivosou, pelo menos, não acarreta fortes externalidadesambientais de cunho negativo, partindo da análisedos seus efeitos diretos e das exigênciaspraticadas pelas empresas demandantes doproduto.

Seguindo a visão intermediária da relação entrecomércio e meio ambiente, que defende que ocomércio pode repercutir tanto positiva quantonegativamente sobre o meio ambiente, tomando por

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base fluxos comerciais específicos e a concepçãode que um comércio sustentável é aquele em que olivre fluxo de mercadorias provoca externalidadesambientais positivas ou, pelo menos, não acarretaimpactos negativos significativos ao meio ambiente,cumpre saber se o comércio da cera de carnaúbapode ser considerado sustentável.

Conforme destacado anteriormente, os efeitosdiretos do comércio sobre o meio ambiente estãoassociados à modalidade de transporte utilizada eao tipo de comércio praticado; ao passo que osindiretos dizem respeito à especialização produtivados países e a intensidade da poluição em cadasetor produtivo.

4.1 Modalidade de Transporte

O meio de transporte utilizado para o transportede mercadorias pode constituir forte externalidadenegativa sobre o meio ambiente. É inegável opotencial extremamente poluidor das emissões degases provenientes dos veículos de carga e o riscode acidentes ecológicos de grandes proporções,resultantes do vazamento de óleo dasembarcações oceânicas.

Por outro lado, cabe ressaltar que o setor detransporte marítimo tem se empenhado em reduzirdanos ambientais, através da adoção de sistemasde gestão ambiental, os quais têm se concentradona prevenção dos riscos de poluição, mediante oefetivo controle de mercadorias, o gerenciamentode impactos e a implementação de procedimentosde segurança e proteção (CMA CGM, 2006).

Entre as ações desenvolvidas pelas companhiasde transporte marítimo, destacam-se: a redução daidade média das embarcações para 9,5 anos e doconsumo de óleo lubrificante nos motores em 25%,o que reduz o risco de vazamentos; o revestimentodos cascos dos navios com anti-incrustantes livresde substâncias biocidas; o desenvolvimento de umsistema de controle das emissões de gasespoluentes na atmosfera; a renovação da água delastro somente em águas profundas, a umadistância mínima de 200 milhas náuticas da costa,para preservação da flora e fauna costeiros, bemcomo o gerenciamento dos resíduos produzidos.

No tocante à comercialização externa da cerade carnaúba, é utilizado quase exclusivamente omodal marítimo e ocasionalmente o transporteaéreo. Face aos relevantes avanços na gestão ecertificação ambiental das companhias marítimas,é razoável admitir que a modalidade de transporte

empregada no comércio da cera de carnaúba nãoapresenta significativo impacto ambiental.

4.2 Padrão de Comércio

O padrão de comércio praticado, se livre ouagravado por medidas comerciais e ambientais,depende, entre outros fatores, do potencial poluidordos produtos transacionados. Se os bens têm umaprodução e/ou consumo pouco impactantes emrelação ao meio ambiente, geralmente suacomercialização é isenta de restrições ambientais;caso contrário, estes fluxos podem sofrerlimitações tarifárias e não tarifárias.

Considerando-se a imposição de medidastarifárias à cera de carnaúba, observou-se quesomente os países em desenvolvimento aplicameste tipo de barreira ao produto: a Argentina nãoimpõe nenhum imposto de importação, o Peruadota imposto de 1,6% sobre o valor importado, aopasso que Formosa e Índia aplicam uma tarifacomum a todas as ceras vegetais, de 3,0% e30,0%, respectivamente (RADAR COMERCIAL,2006).

Em virtude de o Brasil ser membro integrante doMERCOSUL, não há incidência da tarifa geral de11,5% sobre as importações argentinas de cerasvegetais – inclusive de cera de carnaúba. Damesma forma, devido à formalização de acordospreferenciais entre Brasil e Peru, que têm comoobjetivo a expansão do intercâmbio comercial entreos referidos países, a tarifa aplicada à cera decarnaúba sofre redução de 4,0% para 1,6%(RADAR COMERCIAL, 2006).

No que diz respeito às medidas não tarifáriasaplicadas às ceras vegetais e que se estendem àcera de carnaúba, percebe-se somente a incidênciade barreiras sanitárias. Não cabe embargo (barreirapolítica) à cera de carnaúba por parte de Formosa,uma vez que este produto não é originário daChina. Cumpre ainda destacar que nenhum dospaíses adota barreiras ambientais à cera decarnaúba (RADAR COMERCIAL, 2006).

4.3 Especialização Produtiva

As exigências adotadas pelos mercadosdemandantes de um produto dependembasicamente das aplicações a que este se destina.Assim sendo, as indústrias utilizadoras da cera decarnaúba adotam-na com base em algumascaracterísticas específicas e/ou propriedadesfísico-químicas, objetivando determinadosresultados sobre o produto final.

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Tomando-se por base as empresas estrangeiraspesquisadas, o principal uso da cera de carnaúba éa fabricação de polidores em geral (38,8% dasrespostas), recobrimento para produtosalimentícios e farmacêuticos (22,2%), produção decosméticos (22,2%), revestimento de contêinerescontra a oxidação (5,6%), fabricação de carbonopara impressão térmica (5,6%) e outros produtos(5,6%).

O setor químico utiliza a cera de carnaúba naprodução de agentes de conservação e limpeza(polimentos para piso, emulsões autobrilhantes etermoisolantes, limpadores em spray, etc.); epolimentos para mobiliário, automóveis e couro(produtos à base de solvente, água ou mistos),dada à sua facilidade para ser dispersa e à suacapacidade para formar pastas. Esta finalidadeprincipal está disseminada tanto na indústrianacional quanto estrangeira.

É também empregada na indústria farmacêuticano recobrimento de drágeas e na indústriacosmética, na fabricação de batons e esmaltespara unhas. Nestes segmentos, que adotamtecnologia avançada e realizam vultososinvestimentos em pesquisa e desenvolvimento,destacam-se grandes potências mundiais, comoAlemanha, Inglaterra e França.

Na indústria alimentícia, a cera de carnaúba éusada como agente de desmoldagem em produtosde confeitaria e como aditivo na produção de goma--base para chicle. No recobrimento de frutas,contribui para a manutenção de sua qualidade(HAGENMAIER, 2006), tendo seu uso aprovadopelo Food and Drug Administration (FDA,Departamento Americano de Alimentos eMedicamentos) e pelo Parlamento Europeu(MUÑOZ, 2006). Na fabricação de queijos, inibe aperda de umidade e garante maior flexibilidade aoproduto (MUÑOZ; ALONSO, 2006a). Na indústriade embalagens, confere maior proteção aoconteúdo e resistência à abrasão (MARTINEZ,2006).

O notadamente conhecido emprego da cera decarnaúba na fabricação de papel carbono cedeulugar à sua utilização na fabricação de papéisautocopiativos e carbono para impressão térmica,largamente difundidos pelos japoneses na indústriade tecnologia de informação, apresentando maiorbrilho e resistência à abrasão, bem como melhordeslizamento nos equipamentos de produção(MUÑOZ; ALONSO, 2006b).

Tomando-se por base os setores industriais

acima apontados como utilizadores da cera decarnaúba, verifica-se que não constituem asatividades consideradas mais poluentes do meioambiente (metalurgia de não ferrosos, papel egráfica, químicos petroquímicos e nãopetroquímicos, refino de petróleo, siderurgia,minerais não metálicos, óleos vegetais e gorduraspara alimentação), conforme a análise de Young(2005).

Vale ressaltar que a cera de carnaúba T-3 LightFatty Grey filtrada extraída com solvente figuracomo principal tipo utilizado, em detrimento da ceraextraída com água, que dispensa o emprego desteinsumo químico. Isto se deve principalmente ao fatode que a extração de cera com água é feita atravésdo método tradicional e requer o uso intensivo demão de obra, o que encarece o produto final.

No que diz respeito ao interesse na certificaçãoda cera de carnaúba por parte das empresasestrangeiras, o selo de gestão ambiental ISO14000 foi considerado atributo importante para oproduto (57,2% das respostas), seguido dacertificação de sistemas de gerenciamento daqualidade ISO 9000 (21,4%) e de responsabilidadesocial corporativa SA 8000 (7,1%). Cumpre tambémobservar que duas indústrias não responderam aesta pergunta (14,3%).

Ainda no tocante ao interesse na certificação dacera de carnaúba, percebeu-se que os paísesdesenvolvidos (exceto os Estados Unidos),atribuem importância mercadológica ao selo ISO14001 para a cera de carnaúba, embora apenas oJapão tenha revelado interesse em pagar mais caropelo referido produto. A Itália considerou somente apossibilidade de selecionar fornecedorescertificados, enquanto Espanha e Françamanifestaram-se contrários ao pagamento depreços mais elevados ou à seletividade defornecedores do produto com selo ambiental.

Entre os países em desenvolvimento, apenas osmercados argentino e peruano consideraram o seloISO 14001 um requisito significativo para a cera decarnaúba; entretanto, a empresa argentina nãoadmitiu pagar preços maiores pelo produtocertificado ou restringir a importação de empresassem certificação ambiental, ao passo que o Perurevelou a intenção de pagar preços mais elevados eselecionar fornecedores com base neste critério.Formosa e Índia não pontuaram o selo como umatributo importante para o produto.

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4.4 Intensidade da Poluição

Carvalho (2005) identificou o impacto ambientaldecorrente das etapas de industrialização da cerade carnaúba, tomando por base os seguintesindicadores de ecoeficiência: consumo de energia,materiais e água, produção de resíduos sólidos,bem como as emissões de gases na atmosfera,chegando às seguintes constatações: apesar de alenha constituir a principal fonte de energia daatividade, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente eRecursos Naturais Renováveis (IBAMA) temfiscalizado seu consumo nas empresas; a maiorparte dos materiais consumidos e dos resíduossólidos gerados é natural, renovável, não perigosa ebiodegradável e, em alguns casos, reaproveitada; oconsumo de água é significativo, mas é feita suareutilização e as emissões concentram-se emdióxido de carbono, provocadas principalmente pelaqueima da lenha, com reduzida incidência deóxidos de nitrogênio e enxofre, que sãopotencialmente mais poluentes.

Apesar de constituir um ramo particular daindústria química, no caso específico da cera decarnaúba, o referido estudo concluiu que, do pontode vista da sua produção, este é um segmentopouco agressivo ao meio ambiente, pela geraçãode resíduos renováveis, bem como pela nãocontaminação e reaproveitamento da água utilizadano processo produtivo.

Conclusão

Com base nas informações da pesquisa, pode--se constatar que os efeitos diretos associados àmodalidade de transporte utilizada no comérciointernacional da cera de carnaúba sobre o meioambiente são reduzidos, em decorrência doemprego generalizado do modal marítimo.

Sob o ponto de vista do padrão de comércio,verificou-se que existe um comércio livre debarreiras à cera de carnaúba, uma vez que foiconstatado que somente Formosa, Índia e Peruaplicam gravames tarifários ao produto; ao passoque no tocante às medidas não tarifárias,percebeu-se apenas a aplicação de barreirassanitárias por parte da Argentina, inexistindobarreiras ambientais.

Considerando-se os efeitos indiretos docomércio sobre o meio ambiente, verificou-se que,do ponto de vista da especialização produtiva, ossetores industriais utilizadores da cera de carnaúbanão constituem as atividades consideradas maispoluentes do meio ambiente embora, por outro

lado, haja restrito interesse por parte das empresasdemandantes na internalização dos custosambientais decorrentes da produção deste insumo.

No tocante ao potencial poluidor das indústriasde cera de carnaúba, o referido estudo concluiuque, do ponto de vista da sua produção, este é umsegmento pouco agressivo ao meio ambiente, pelageração de resíduos renováveis, bem como pelanão contaminação e reaproveitamento da águautilizada no processo produtivo.

Conclui-se que os efeitos diretos do comércioda cera de carnaúba sobre o meio ambiente –padrão de comércio praticado e a modalidade detransporte utilizada – são reduzidos, visto que suacomercialização é isenta de barreiras ambientais eseu transporte é realizado através do modalmarítimo, o qual tem intensificado ações decontrole de impactos ambientais.

Os efeitos indiretos – especialização produtiva eintensidade da poluição do setor produtivo –também são desprezíveis, uma vez que a indústriada cera de carnaúba e os setores que a empregamnão figuram entre os setores de maior potencialpoluidor do meio ambiente.

Com base neste estudo, é possível inferir que ocomércio da cera de carnaúba é ambientalmentesustentável, porque não provoca significativosimpactos negativos sobre o meio físico,considerando-se seus efeitos diretos e indiretos.

Por outro lado, não ficou caracterizadainfluência positiva do comércio da cera de carnaúbasobre o meio ambiente, devido ao desinteresse nainternalização de custos ambientais – através dacertificação ambiental – expresso pelas empresasdemandantes pesquisadas.

Nota:1 No referido estudo, os setores considerados maispoluentes do meio ambiente foram: metalurgia de não-ferrosos, papel e gráfica, químicos petroquímicos e não-petroquímicos, refino de petróleo, siderurgia, mineraisnão-metál icos, ó leos vegetais e go rduras paraalimentação.

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* Economista, Professora do CEFET/PI, Mestre emDesenvolvimento e Meio Ambiente pelo TROPEN/PRODEMA/UFPI, e-mail: [email protected].

** Professora do PRODEMA/TROPEN/UFPI e Depto. deEconomia/UFPI, Doutora em Economia Aplicada/ESALQ/USP, e-mail:[email protected].

Referências

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Prof. Puscas - Professor Vitor, como é que você vêa realidade piauiense que, em minha opinião, nãotem forças suficientes que possam alavancar odesenvolvimento do Estado?

Entrevista REFLEXÕES SOBRE ODESENVOLVIMENTO DO ESTADODO PIAUÍ

Prof. Vitor - Bem, costumamos dizer que o Piauítem uma economia movida pela máquina pública,principalmente federal. Por exemplo, os voos quedecolam ou pousam em Teresina são quase todosde Brasília. Isso já é um sinal de que a atividademais importante é a elaboração de projetos paracaptação de recursos públicos, seja através deeditais, de projetos de governadores e prefeitos oude emendas parlamentares - o que é pior, pois asemendas são avulsas, casuísticas, e quase nuncaintegradas a um projeto de desenvolvimento. Aliás,que projeto de desenvolvimento? Aqui se respiramais política do que mercado.

Para falar um pouco de mercado, muitaspessoas enfatizam que a economia piauiensecresceu com o agronegócio. Acontece que essemovimento de mercado, liderado pela produção de

O Centro Acadêmico do Curso de Economia/UFPI promoveu o I Encontro Piauiense de Estudantes deEconomia, entre os dias 25 e 28/06/2009. Na programação do Encontro, cujo tema foi “ A crise mundial e aclasse trabalhadora: quem paga a conta?, os professores Vitor de Athayde Couto/UFBA e Luiz Carlos RodriguesCruz Puscas/UFPI debateram sobre “A crise mundial e o trabalhador nordestino”. Na ocasião, o prof. Vitorconcedeu entrevista ao prof. Puscas, aqui reproduzida.

Prof. Vitor de Athayde Couto possui mestrado em Epistemologia Econômica, pela Universidade de ParisIPanthéon-Sorbonne; doutorado em Estudos Rurais Integrados, pela Universidade de Toulouse II (Le Mirail); epós-doutorado no IAM/Instituto de Altos Estudos Mediterrâneos, Montpellier-Universidade de Paris I e naUniversidade de Rouen. Atualmente, é professor titular da Universidade Federal da Bahia. Ele também éresponsável pela execução do convênio firmado entre a UFBA e a UFPI/Campus Ministro Reis Veloso, emParnaíba-PI, o qual objetiva o desenvolvimento de projetos de extensão. Dentre os projetos, ressaltamos o de“Desenvolvimento territorial e certificação”, que conta com a participação de quarenta estudantes e profissionaisde Economia, Administração, Agronomia, Turismo e Geografia; e o de “Economia Solidária e Marchetaria” que,além de introduzir conceitos, princípios e políticas públicas de Economia Solidária, também implementamatividades voltadas para a geração de trabalho e renda. Neste projeto, foi realizada uma oficina de marchetaria[trabalho em madeira que consiste em incrustar, embutir ou aplicar peças recortadas de madeira, marfim, metale de outros materiais de diversas cores sobre peça de marcenaria, formando desenhos variados] para jovens dacomunidade da Ilha Grande de Santa Isabel, coordenada pelo prof. Francisco Armando Alves da Cunha que,segundo o prof. Vitor, é um dos raros artesãos que dominam a arte da marchetaria na região.

Na entrevista a seguir, estimulado pelo prof. Puscas, o prof. Vitor pensa o desenvolvimento do Estado doPiauí. A transcrição da fita com a entrevista foi feita por Socorro Nascimento e o texto final, organizado porEnoisa Veras/DECON.

Boa leitura!!

Prof. Vitor de Athayde Couto

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grãos, não é projeto de desenvolvimentosocioeconômico coisa nenhuma, nem do governofederal ou regional, tampouco de qualquer governosubnacional. O cenário da produção de grãos,capitaneada pela soja, pode ser encontrado tantono Piauí - Bom Jesus e Uruçuí - quanto noMaranhão - Balsas -, Tocantins ou no Mato Grossodo Sul, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul,Paraguai, Argentina, Canadá, Estados Unidos,França. Não acreditamos que isso seja umapolítica pública de desenvolvimentosocioeconômico, isso é apenas uma estratégia demercado que interessa a meia dúzia de capitaistransnacionais. Dentre os mais conhecidos,podemos citar Monsanto, New Holland, Cargil,Bunge, que são empresas que produzem tratores,caminhões, produtos das plasticultura, da indústriaquímica farmacêutica, defensivos e fertilizantes.Então, o Piauí, no sentido da produção de grãos, éapenas mais um entre os estados ou países,acima citados.

Prof. Puscas - É forte também no oeste da Bahia esul do Maranhão...

Prof. Vitor - Exatamente. No oeste da Bahia háum polo no município de Barreiras e outro nomunicípio de Luiz Eduardo Magalhães que seenquadram dentro desse processo de expansão dafronteira agrícola do agronegócio de grãos queocupam o mapa do Brasil - do oeste, que vai ao sule ao norte. Então, é como uma autoestrada queesgota recursos naturais, desmata, comprometeecossistemas inteiros - como é o caso doscerrados - e engorda os lucros desses capitaisinternacionais.

A economia recente do Piauí parece que não vaialém dessas três vias, que são: os investimentospúblicos, o agronegócio e a indústria doentretenimento. As notícias nos jornais evidenciama geração de muitos empregos nos eventos, comoa micarina. Na verdade, não são empregos e simocupações temporárias eventuais e estressantesde prestação de serviço precário, que não têm amínima sustentabilidade. Mesmo a soma do que égasto em hospedagem e restaurante, as rendasobtidas por serviços de segurança, cordeiros, comose diz na Bahia, abadás e toda a indústria dadecoração de eventos dessa natureza, não cobre oque é pago às bandas. Vou citar dois exemplos:Ivete Sangalo e Chiclete com Banana não fazemsuas apresentações por menos de 500 mil.Recentemente, fizemos a conta em Parnaíba, que

pode ser feita aqui em Teresina, e é até um temabom para pesquisa, para monografia. É precisofazer conta de aritmética simples, na ponta dolápis.

Vi uns alunos com um notebook organizandodados de produção de frutas nos TabuleirosLitorâneos, que eles chamam de produção orgânica- acerola, principalmente, e outras frutas. Semprese referiam a essa produção como responsávelpela alavancagem da economia da região; damesma forma como pensam no Piauí sobre oagronegócio, como grande alavanca da economiaestadual. Pois bem, o faturamento de três meses,que foi contabilizado pela Secretaria Municipal deAgricultura, da produção de frutas orgânicas, nãodá nem para pagar uma noite de show do grupodenominado Aviões do Forró. Essa banda mobilizoutoda a população jovem de Parnaíba, os ingressoscomeçaram a ser vendidos por 15 reais e no últimodia os cambistas estavam vendendo a R$ 25,00.Então, calculamos uma média de R$ 20,00 poringresso e havia, segundo a metade de meusalunos (que faltou à aula para ir ao show), 15 milpessoas. Então, multiplicamos 15 mil por 20 ecalculamos 300 mil reais, que é o faturamento detrês meses da produção das frutas orgânicas. Issopara não falar das vendas de camisetas, CDs,chaveiros, bebidas.

Acreditamos mais numa perspectivasustentável; por exemplo, os arranjos produtivoslocais que se formam no Estado. Se foremapoiados e levados a sério, contando até com apossibilidade de uma certificação territorial (objetoda nossa pesquisa), aí, sim, podemos pensar napossibilidade de um processo de desenvolvimentosocioeconômico.

Prof. Luiz Carlos Rodrigues Cruz Puscas

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Prof. Puscas - Qual a competência dessacertificação territorial?

Prof. Vitor - Esses APLs, que são arranjosprodutivos locais, formam-se a partir das tradiçõesou competências que se desenvolvemhistoricamente nos territórios, anteriormentedenominados regiões ou microrregiões. Podemosidentificar a competência e o produto ou serviçocom a história do próprio território. Exemplo deprocesso de certificação territorial em andamentono Piauí é o da cajuína, junto ao INPI, que é oInstituto Nacional da Propriedade Industrial. Já sefala na certificação territorial do mel de abelha ederivados da apicultura. Em atividades assimdesenvolvidas podemos acreditar, uma vez queformam coletivos de produtores que se tornamcompetitivos e conseguem fornecer o seu produtograças às peculiaridades territoriais - aspeculiaridades territoriais, que são um objeto doselo da certificação, podem ser de origem natural,como o solo e o clima. O melhor caju, por exemplo- para a cajuína de uma determinada variedade oudo tipo de doce feito com a fruta que melhor seadapta ao nosso solo. Há ainda o mel, que é maisvalorizado porque seria feito a partir de uma floradaespecífica; do ponto de vista técnico, o valormedicinal do mel agrega mais valor ao produto.

Os certificados de origem ou de procedência,que são os dois certificados que o INPI outorga,possibilitam aumento na renda dos produtores,geração de empregos, proteção contra imitações e,no caso das exportações tanto para outro Estadoou exterior, protege contra barreiras não tarifárias,que são aquelas relacionadas ao trabalho infantil,trabalho semiescravo, trabalho de pessoas semdireitos trabalhistas ou produção através desistemas que provocam grandes impactosambientais. Quando se outorga uma certificaçãoterritorial, todos esses aspectos são comprovadospor uma determinada organização local que atestaa qualidade não só do produto, mas do produto doterritório, ou seja, o ecológico, socialmente justo,correto, e assim por diante.

O Piauí está bem adiantado no processo dacertificação do território cajuína e, se for outorgadaessa certificação, nós teremos a quinta indicaçãogeográfica do Brasil. Atualmente, existem quatro:duas no Sul e duas no Sudeste. As do sul estãosituadas no Rio Grande do Sul, no Vale dosVinhedos e nos Pampas, da carne dos pampas. NoSudeste, há o café do Cerrado e a cachaça deParati, no Rio de Janeiro.

Esses arranjos produtivos locais devem indicaruma organização em rede. Não é desejável parauma certificação a existência de apenas umaempresa produzindo, mas um coletivo deprodutores, sejam eles empresariais, familiares,cooperativas, associações ou grupo de produtores,de modo que eles se comuniquem, obedecendo aum mesmo padrão de qualidade, seguindo omesmo manual de operação.

Prof. Puscas - Essa rede pode se tornar ummonopsônio, por exemplo?

Prof. Vitor - Eu creio que sim. Sobre a produçãoorgânica de acerola, nos Tabuleiros Litorâneos, emParnaíba, eu fiquei muito preocupado porquesabemos o que significa um monopsônio nummunicípio, para uma população de produtores.Temos a informação de que toda a acerola orgânicaé vendida apenas para um único comprador, que éa Amway, que tem uma representação em Ubajara,no Estado do Ceará. E por melhores que sejam asintenções dessa organização, inúmeros problemaspodem ocorrer – crises, quedas de preço da frutaou substituição da acerola por outra frutasemelhante. Então, pergunto: o que acontecerácom os produtores? Por isso, penso ser essasituação muito pouco sustentável, do ponto de vistado futuro do mercado. Até o conceito de produçãoorgânica é questionável. Para ser orgânico, temque ser sistêmico, tem que ser um sistema deprodução diversificado e não uma única culturaespecializada. Isso é quase uma monocultura.

Prof. Puscas - Fiz referência à questãomonopsônica porque, em algumas situações, comoa que acontece na região de São RaimundoNonato, a produção do mel é adquirida apenas porum comprador. Penso ser essa situaçãopreocupante porque esses compradores, em últimainstância, determinam o preço. Como não existeum sistema de livre-concorrência, o compradorpode colocar um preço abaixo do valor damercadoria... um, dois ou três compradores seentendam entre si para manipular os preços damercadoria...

Prof. Vitor - Isso reforça a importância dacertificação territorial porque dificilmente se outorgaum território com monopólio, monopsônio oumonocultura. Há ainda o aspecto agroecológico,porque, no caso de valorização agroecológica dedeterminado produto, é necessário que a produçãoesteja inserida num sistema produtivo diversificado.

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Eu acho muito estranho falar de boi ecológico, leiteecológico. São monoculturas, na verdade, ouculturas muito especializadas que não sobrevivemsem agrotóxico; porque o que defende as plantas efrutas, ou seja, os grãos na natureza, é abiodiversidade que contém animais e vegetais, quetanto podem ser nocivos como podem ser amigos,companheiros. Exemplo de animal companheiro éuma vaca pastando ao lado de uma garça, poisuma depende da outra. A vaca tem carrapato e agarça, para se alimentar, trata do carrapato davaca. Esse é um exemplo de animal companheiro.É essa convivência da biodiversidade, tanto animalquanto vegetal, que economiza o gasto comagrotóxico, que passa a ser desnecessário. Amonocultura chamada orgânica me soa muitoestranho, como também certos projetosambientalistas, como o projeto Tamar. Este éfinanciado pela Petrobras, Ibama, Ministério doMeio Ambiente e grupos de organizações civis deproteção da tartaruga marinha. Penso que esseprojeto está também provocando desequilíbrio,porque, no litoral baiano, o fato de se protegeremovos e depois jogar milhares, milhões detartaruguinhas jovens na praia está atraindotubarões que estão vindo se alimentar dessastartaruguinhas. A gente sabe que os predadoresacabam com aproximadamente 99% dessesanimais e só sobrevive 1% dos que são lançadosno mar. A presença de tubarões nas praiasrepresenta perigo para banhistas. Então, o queestá acontecendo? Está se protegendo apenasuma espécie, e ecologia não é isso. Ecologia temcomo unidade o ecossistema

Prof. Puscas - Com a biodiversidade...

Prof. Vitor - Sim, com a biodiversidade. Um projetoverdadeiramente ecológico deve proteger oecossistema na sua totalidade e não apenas umaespécie. No município de Cajueiro da Praiaexecuta-se um projeto de proteção do peixe-boi,veja só, “do peixe-boi”. O que come um peixe-boi?Quem come o peixe-boi? Sempre existe umacadeia alimentar que se relaciona praticamentecom todos os elementos do ecossistema. Épreciso estar atento para saber qual é o alimentodo peixe-boi e de outros predadores que convivemnaquele mesmo ecossistema, para que seencontre um equilíbrio na reprodução de todas asespécies e não apenas de uma. Todavia, na falta deoutras alternativas, seria ainda pior se essesprojetos não existissem. Espero que eles acabem

revelando as suas limitações e, com elas, umanova metodologia de trabalho que seja capaz deabranger um ecossistema inteiro, mesmo que oprojeto seja localizado em uma parte dele.

Prof. Puscas - Qual a sua opinião sobre a questãodo desenvolvimento turístico no Estado, que possuios polos da Serra da Capivara, Teresina (turismo deeventos), Parnaíba, Delta, Luís Correia, Cajueiro daPraia e Ilha de Santa Izabel? Algumas empresasestão chegando para implantar, inclusive, hotéis deluxo, resorts...

Prof. Vitor - Eu entendo o turismo do Piauí damesma forma que eu percebo o agronegócio: é umprojeto internacional, de mercado, que não temnada de específico. Atualmente, vivenciamos asnovas capitanias hereditárias, que é uma maneirade caracterizar o loteamento que o litoral doNordeste vem experimentando. E de uma formapredatória - não apenas da natureza, com apoluição das águas, o extrativismo vegetal e animale os desmatamentos; mas também predatório comrelação à cultura, etnia, a história de determinadoslocais, como foi o impacto sobre as comunidadesno entorno do projeto do Sauípe, próximo aSalvador. Então, corremos o risco de ver outrosSauípes, a exemplo da Ecocity, e outros novoslatifúndios. No nosso litoral, com raras exceções,chegam turistas que não têm qualquer consciência,seja no sentido cultural ou ecológico, através dasagências de viagens, que procuram clima,natureza, paisagem, mas, no Nordeste,principalmente, quase tudo está camuflado pelasatividades ilícitas, como o turismo sexual -prostituição infantil feminina e masculina - e tráficode drogas. Esta última está quase semprerelacionada com outras atividades, como apirataria, a biopirataria e o tráfico de armas. Então,eu vejo isso com muita preocupação. Vou citarainda outro exemplo do nosso litoral, que é ochamado passeio no Delta. Esse passeio, naminha opinião, é uma viagem triste; percorre-se umambiente depredado, assoreado, sem mata ciliar,com os manguezais desmatados...

Prof. Puscas - Com plantios de arroz...

Prof. Vitor - Sim, com plantios de arroz e comoutras atividades predatórias, inclusive comimpacto no extrativismo do caranguejo que estámuito pequeno em relação ao que conheci naminha infância. O caranguejo-uçá, há 50 anos,tinha o triplo do tamanho atual. Todo esse impacto

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ambiental é o cenário de uma viagem triste, menospara turistas desinformados, sejam eles nacionaisou estrangeiros. Muitos deles são geralmenteturistas sem nenhum compromisso.

Então, não vejo sustentabilidade em projetosturísticos dessa natureza; e, infelizmente, não éum projeto que se executa apenas no Piauí, mastambém no Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia,Maranhão, em todos os Estados do Nordeste.Importa também falar das atrações, como o bumba--meu-boi, pois em turismo há, além da natureza, acultura. Não quero ser conservador e dizer quenada deve mudar. Pode e deve mudar, mas, depreferência, para melhor. O bumba-meu-boiimportou figuras que não existiam, como, porexemplo, a Ema, a Burrinha, o Bate Queixo e oGregório. No bumba-meu-boi destacavam-se asfiguras de um Pai Francisco, o Folharal e aCatirina. O vaqueiro é o que mata o boi parasatisfazer o desejo da mulher grávida, que queriacomer a língua do boi; surge então a figura que vairessuscitar o boi. Observamos também que estasapresentações, atualmente, têm inúmeras meninascobertas de penas que representam índias. E sãomeninas de 8 anos, 10, 12 anos, usando tangasminúsculas. Isso acaba provocando, estimulando oturismo sexual. Não vejo esse tipo de inovaçãocomo desenvolvimento cultural, muito menos comodesenvolvimento humano.

Prof. Puscas - Algumas culturas materiais devemestar em fase de reconhecimento pelo IPHAN (nãosei se já foram reconhecidas), que seriam aprodução de cajuína e a arte santeira. Conversandocom um pintor piauiense, no lançamento de umlivro cuja capa era ilustrada com um trabalho dessepintor, ele dizia que estava diminuindo o colorido dasua pintura que, inclusive, o identificava. Então,influenciado por dois professores que achavam termuito colorido, ele estava tornando seu trabalhomais escuro e perdendo, com isso, a suacaracterística. Que absurdo alguém influenciar, nosentido de desvirtuar a capacidade criativa de umartista. Ele ficou muito satisfeito quando elogiamose pensamos que o que era bonito na pintura deleera exatamente o excesso de colorido.

Prof. Vitor - Embora eu não conheça, tenho aimpressão de que se trata de arte naif, no sentidode inocente, no sentido de ingênuo. Nessa arte, oque mais importa é a originalidade, cada artista éímpar.

Prof. Puscas - Não é bizarro!

Prof. Vitor - Se não é acadêmico, se não é dasescolas de Belas Artes, então é naif, vem do povo.O que normalmente se encontra na pintura ingênuaé a riqueza de cores. Ora, se estamos perto doEquador, isso significa que temos muita luz. E cornão é nada mais do que luz. Não há razão parauma sombra europeia aqui. No sul da Espanha, deMiró e Dali, tudo é muito colorido, porque lá temsol. Basta atravessar os Pirineus, a Europa ficaescura, as telas têm mais sombras.

É importante evidenciar que há, na Ilha Grandede Santa Izabel, argila de boa qualidade para sefazerem peças artísticas; porém, as jazidas deargila estão se esgotando porque ela é utilizadapara fazer telha e tijolo. E por lá existemceramistas que fazem objetos utilitários e tambémdecorativos. Da mesma forma que por influência deterceiros, como aconteceu nas cores da tela, osoleiros da Ilha Grande passaram a usar coresindustriais, tipo tinta a óleo, quando a cerâmicamais valorizada é a trabalhada com tons ocres, ascores próprias do barro do chão. O mais triste éque as tintas industriais, além de tóxicas, não sãoimprescindíveis para que se faça algo bonito. Osmarajoaras não usam tinta industrial e fazemcerâmicas belíssimas. Mas o pior de tudo é quecertas inovações foram introduzidas, não se sabepor quem, apenas para que se reproduzammodelos que tornam as peças iguais no paísinteiro, e até no mundo: bruxas, cogumelos, sapose anões de jardim. O que isso tem a ver com anossa cultura? Nada. Absolutamente nada. Isso é,provavelmente, de origem europeia, porque aquelecogumelo vermelho de bolinha branca, que é omais venenoso, é um cogumelo europeu; bruxas eduendes são da mitologia nórdica, escandinava.Por que não se exploram e divulgam as nossasmitologias? Isso é deturpação; no limite, destruiçãode uma cultura, de uma história que poderia servalorizada e poderia vir a ser objeto de umacertificação territorial. Assim, vê-se que temosmuito o que fazer pela nossa cultura; e auniversidade tem uma grande responsabilidadenisso tudo. As quatro certificações que já existemno Brasil tiveram apoio das respectivasuniversidades locais.

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Nas vastidões do sertão, as fazendas pastorispareciam estender os domínios senhoriais. Aabundância de terras e as predominantesdemarcações naturais conferiam aos proprietáriosposses mais próximas das desejadas que as reais.Durante anos, as tensões pela terra marcaram opovoamento do Piauí. Os limites das propriedadesaos poucos foram se constituindo na Lei e nocotidiano, deixando uma área de cerca de umalégua entre as fazendas para “separar aspropriedades” e para o “uso das vizinhanças”. Estafaixa comum era território livre para os senhores,com a presença de rebanhos e as retiradas demadeiras. Os trabalhadores, escravizados, forros ebrancos pobres, também podiam fazer uso da terra,contanto que não edificassem moradias. Em umadestas faixas, em 1845, o negro Custódio foiencontrado acompanhado de dois parceiros na “lidado gado”.

Custódio era escravizado da Nação, os demaiseram “moços livres”. O estado possuía, até 1871,propriedades divididas em três inspeções oudepartamentos, denominadas Fazendas da Nação,e seus trabalhadores, escravos ou negros daNação. Custódio, com 18 anos, seguiu do “curral”direto para a Vila de Oeiras para aprender o “oficiode pedreiro”. O escravizado costumava tambémlabutar nas roças e dava em “bom apronte” osserviços de “feitura de telhas”. Nas fazendas doPiauí, públicas e privadas, as mãos dostrabalhadores escravizados adquiriam habilidadesmuito cedo.

Embora houvesse uma tendência a uma divisãosexual e etária do trabalho, eram as necessidadesespecificas que determinavam a utilização da mãode obra e as tarefas às quais era destinada. Eracomum que nas fazendas “os escravos machos”nascessem para o serviço de vaqueiro por ser oque “mais se inclinam”. O vaqueiro era, em geral,tratado como um trabalhador desqualificado,realizador de serviços e tarefas que não requeriamhabilidades. A suposta aptidão natural do negropara vaqueiro facilitava os sucessivos

O TRABALHO ESPECIALIZADO E ODOMÉSTICO NAS FAZENDAS PASTORISESCRAVISTAS DO PIAUÍ*por Solimar Oliveira Lima**

deslocamentos da mão de obra para realização deoutras tarefas, já que os trabalhadores eramconsiderados de fácil substituição.

A não permanência sistemática do trabalhadorem determinada ocupação foi uma das principaiscaracterísticas das fazendas para a mão de obramasculina. O negro adulto, assim considerado apartir dos doze anos, apesar de possuir adenominação de “vaqueiro”, raramente passavamuito tempo nos campos cuidando dos rebanhos.Por isso mesmo, eram os vaqueiros ostrabalhadores que podiam ser encontrados nalabuta das roças, das farinhadas, dos canaviais,dos engenhos e alambiques, do transporte decargas e animais.

Nas fazendas, os vaqueiros eram ainda cedodestinados aos trabalhos consideradosespecializados. Ser moço, entre 14 e 18 anos, eraum dos requisitos para a iniciação nos ofícios depedreiro, ferreiro e carpinteiro. Os aprendizes depedreiros eram remetidos para uma vila “paraaprender com escravos ou libertos que seocupavam do oficio”. Os aprendizes de ferreiro e decarpinteiro eram enviados a outras fazendas ondehouvesse “mestre oficial” para ensinar-lhes aprofissão. Um aprendiz de ferreiro levava, emmédia, dois anos acompanhando um mestre,quando então estava apto a comandar uma “tenda”.

A tenda era um pequeno galpão coberto detelhas localizado próximo à casa do senhor edispunha do necessário ao oficio. Uma tenda “bemmontada” deveria ter fole, safra, forja, torno, malho,martelos, talhadeiras, tenazes, tufos, limas elimatões. Tenda também era a denominação doespaço destinado aos carpinteiros - embora astarefas do ofício, muitas vezes, fossemdesempenhadas nos locais onde seus serviçoseram requeridos. Também era comum, aoscarpinteiros, fazerem as vezes de marceneiros,fabricando peças mais simples para o “uso eserventia” das residências. Na tenda de umcarpinteiro, entre seus pertences, podiam serencontrados enxós de diferentes espécies,

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machados, serras, serrotes, juntoura, plaina,formões, bigornas e limas.

Quando “oficiais”, os escravizados passavam aexercer exclusivamente o seu trabalho – tido comoprofissão e arte. A exclusividade, em geral, estavacondicionada meramente à falta de tempo paradesenvolver qualquer outra ocupação; faziam todo oprocesso produtivo, embora, quase sempre,pudessem contar com ajudantes aprendizes.Assim, sendo a produção dependente da destrezado trabalho e de instrumentos simples, a tendênciaera a reduzida produtividade. Os oficiais eramtrabalhadores indispensáveis à manutenção daspropriedades, visto a necessidade de reparos econsertos.

No caso dos ferreiros, cabia a estes, além dosreparos, a fabricação de novas ferramentas. Nesteparticular, eram comuns as encomendas devizinhos fazendeiros e sitiantes por “machados,foices e facões para os serviços nas roças”. Estetipo de demanda por “encomenda” proporcionou,ainda que incipiente dada à reduzida produtividade,a produção para comercialização e, evidentemente,um maior grau de exploração do escravizado.Contudo, aqueles senhores que não dispunham dotrabalho especializado desenvolviam, no mercado,alternativas para a satisfação de suasnecessidades. Encontramos uma referência na Vilade Campo Maior, em 1856, de um ferreiro de“aluguel”. A fonte indica que o escravizado pertenciaa um senhor da Vila e que costumava prestarserviços a fazendeiros.

A escolha de escravizados para aespecialização em ofícios, nas fazendas da nação,por exemplo, acontecia pela observação detrabalhadores que desenvolviam determinadasocupações manuais que não eram consideradasofícios, embora algumas demandassem habilidadee tempo de aprendizagem. Jovens fazedores detelhas e de selas eram os preferidos pelosadministradores. Ocupações como o de oleiro eseleiro eram de grande importância nas fazendas e,apesar de necessárias, não demandavam apermanência dos trabalhadores nas tarefas - otrabalhador era requisitado conforme a exigência deprodução.

As possibilidades de uso da mão de obrapareciam ilimitadas. Os negros fabricavam aindacanoas, solas e cordas. Como canoeiros,costumavam fazer embarcações simples,pequenas e com poucos recursos de técnica,provavelmente ateando fogo em grossos troncos de

madeira. Como produtores de “meio de sola” e decordas de “sedém”, os trabalhadores costumavamproduzir “com prontidão necessária”. Os curtidoreslidavam com a matéria-prima retirada das“matalotagens” - gado abatido para o consumo. Oscordoeiros trabalhavam especialmente com crinasdos cavalos. As cordas serviam ao uso nasfazendas, nas lidas dos campos e outrasnecessidades.

As mulheres escravizadas, assim como oshomens, estavam fadadas ao trabalho. A ocupaçãode fiandeira ou roceira iniciava as meninas nomundo do trabalho. A prática resultava do convíviodas crianças com as mais velhas, queprovavelmente exerciam a função social de cuidardas menores enquanto ocupavam-se das tarefas; e,para manterem o ritmo do trabalho e as criançasocupadas, delegavam a estas determinadas tarefasno processo produtivo. Ainda aos seis ou seteanos, as meninas estavam na idade do trabalhoprodutivo. Dentre as muitas labutas, partilhavam, aolado dos homens, tarefas nos campos de criatório,na construção de vaquejadouros e aguadas, alémde peadoras e amansadoras de animais. Eramtambém as preferidas para os serviços domésticos.

As cozinheiras das casas eram responsáveispelos “serviços de dentro” e dos terreiros.Preparavam a comida, onde não faltava carne,verde ou seca, cozida ou assada, e farinha. Se emtorno da mesa houvesse a cerimônia do lava-mãos,portariam as bacias e tolhas e lavariam ascambraias franjadas ou os algodões “feitos nopaís”. Com a mesma destreza com que lavavam ealvejavam as redes e roupas, limpavam as panelas,travessas, pratos e cuias; preparavam bolos, docesde buriti e de leite, coalhada, queijo e “emulsões”da polpa de buriti e imbu; rachavam lenha para ofogão, assopravam brasas para o ferro eengomavam as roupas dos patrões, usadas nasviagens e missas; carregavam água para beber,para o uso da cozinha e para os banhos; e aindavarriam a casa, o quintal e o terreiro - neste,alimentavam os porcos, cabras e carneiros.

Nas fazendas públicas, entre as muitas tarefas,as cozinheiras ainda fabricavam sabão e gordurapara serem vendidos em Oeiras e para uso nasfazendas. As negras também costumavamamamentar crianças brancas - era comum“escravas paridas para servir de amas de leite parase alugarem a particulares” em diferentes vilas.Nestas fazendas, a produção resultante do trabalhode mulheres e homens escravizados, ao contrário

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do propagado pela historiografia, não era destinadaàs propriedades, era prioritariamente voltada aomercado. Nas fazendas particulares, a economiamercantil foi também a base da produção, incluindoos serviços de trabalhadores especializados.Nestas condições, somente as grandes fazendaspodiam, mais facilmente, destinar trabalhadoresaos ofícios em caráter exclusivo. Contudo,independentemente do serviço e do lugar exercido,a exploração do trabalho era a base da relaçãosocial.

* Este texto resulta da pesquisa em andamento“A produção pastoril no Piauí, no Mato Grossodo Sul e no Rio Grande do Sul, de 1780 a 1930 :um estudo comparado”, coordenada pelo prof.Dr. Mario Maestri (UPF) e financiada pelo CNPq.

**Professor do DECON-UFPI e dos Mestrados emPolíticas Públicas e em História/UFPI. Doutor emHistória/PUCRS.

A criação do mercado de trabalho nos idos daprimeira revolução industrial, por si só, já secaracterizou por uma transformação violenta (emtodos os sentidos) na vida dos trabalhadores(antigos servos); separando-os dos seus meios deprodução; tornaram-nos livres para ofertar seu labor.

Tão logo a produção capitalista se apóie sobreseus próprios pés, não apenas conserva aquelaseparação, mas a reproduz em escala semprecrescente. Portanto, o processo que cria a relaçãocapital não pode ser outra coisa que o processo deseparação de trabalhador da propriedade dascondições de seu trabalho, um processo quetransforma, por um lado, os meios sociais desubsistência e de produção em capital, por outro,os produtores diretos em assalariados. (MARX,1984, p. 252).

E, de fato, esse processo de separação físicados meios de produção continuou em outropatamar, qual seja, a busca constante do domíniosobre a atividade e o ritmo laboral dos operários - eaté os dias de hoje o trabalho é impelido a seadequar constantemente às necessidades deacumulação do capital, seja via precarização dotrabalho, seja via o processo recalcitrante dequalificação da mão de obra.

Visto por Marx como a fonte do valor dasmercadorias, o trabalho passa de gerador de valorde uso - no modo de produção feudal - paraproeminência de produção de valor de troca - na

sociedade capitalista -, ou seja, produção de bense serviços exclusivamente para o mercado.

Dados os métodos e condições de trabalho naorigem do sistema, a exploração da força detrabalho dava-se fundamentalmente pela extraçãoda mais-valia absoluta, isto é, longas jornadas detrabalho em condições de trabalho bastanteprecárias e que se tornavam mais graves aindacom o uso de mão de obra feminina e infantil, comjornadas de até 18 horas diárias. Tudo isso sendopossível graças à participação do Estado nacriação de leis contra a vagabundagem eassociação de trabalhadores, que inibia qualquermovimento de resistência trabalhista.

Nas Guildas da revolução industrial, a gerênciatinha o aspecto apenas de supervisão do tempo detrabalho, de tal modo que os trabalhadores tinhamque cumprir uma jornada de trabalho fatigante queconviesse ao capataz supervisor. Vale lembrar quetal capataz não era necessariamente o empresáriocapitalista, mas tinha uma responsabilidade comeste em fornecer um volume previamente estipuladode produção.

Tal processo de produção passou a ocorrer eminstalações onde todos os trabalhadores eramamontoados, sob o pretexto de melhor controlesobre o tempo de produção, pois o monitoramentodas tarefas era necessário, tendo em vista apossibilidade de um trabalho menos eficiente longedas pálpebras do supervisor.

AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DOTRABALHO por José Lourenço Candido*

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Assim, o controle sobre o trabalho, nessaépoca, dava-se apenas por essa supervisão aliadaao crescimento de maquinário relativamenteautônomo que imprimia um tempo predeterminadoao processo de trabalho.

Apesar disso, naquele momento, o trabalhadordominava o saber fazer, uma vez que a origem damanufatura está na produção artesanal, onde aatividade laboral é concebida, planejada eexecutada pelo trabalhador, o qual poderiadeterminar o próprio ritmo de trabalho, a despeitodas péssimas condições laborais.

Precariedade que, por sua vez, decorriajustamente da falta de controle do capital sobre aconcepção e a execução das tarefas, quando oempresário compensava tal “infortúnio” com maiorcontrole e ampliação da atividade laboral, sem adevida remuneração1.

Na fase do capitalismo monopolista, a relaçãocapital/trabalho evoluiu para modos de exploraçãodiferenciados, mas não menos dramático, pois opoder do capital sobre o trabalho continuouampliando-se com o processo de degradação dotrabalho2 inserido por Winston Taylor (conhecidocomo gerência científica), no final do século XIX.

Tal processo de degradação é caracterizadopela separação entre a criação e a execução dastarefas, que obriga o trabalhador a umaespecialização ainda maior e com ritmo frenéticode execução ditado por máquinas cada vez maisreguladas, quando o trabalhador é levado a realizaratividades cada vez mais simples e, porconseguinte, mais extenuantes.

A degradação é entendida como perda da noçãodo trabalhador no seu posicionamento dentro doprocesso de produção; incapaz, portanto, decompreender o processo, sendo visto apenas comoum apêndice da máquina, como qualquer outrofator de produção.

Com a monopolização do saber fazer por partedo capital, a indústria alcançou um novo paradigmade produção, o taylorismo/fordismo, assimchamado por ter Winston Taylor e Henry Ford comoprecursores, ao desenvolverem a gerência científicae o conceito de linha de montagem.

Pode-se dizer que o fordismo é uma versão dotaylorismo acrescentada a mecanização, pois aseparação da concepção, organização e execuçãodo trabalho foram postas ao nível da máquina, nãosendo necessária a participação do trabalhador nageração dos métodos de organização da fábrica.

O sucesso do fordismo como modelo deindustrialização deveu-se aos elevados ganhos deprodutividade - na época, ainda não vistos, mas queforam a base para o crescimento econômico e acriação do “welfare state”. No entanto, no fim dosanos 1960, essa base começou a erodir.

“A produtividade começou a diminuir e o capitalfixo per capita a crescer. Isso acarretou uma quedana lucratividade, de onde decorreu (após certoprazo) uma queda da taxa de acumulação”.(LIPIETZ; LEBORGNE, 1988, p. 13).

Com a transformação do paradigma tecnológicoe a ampliação da concorrência em nívelinternacional (principalmente através da indústriaautomobilística japonesa), iniciou-se a era daacumulação flexível, caracterizada peladiferenciação cada vez maior de processos eprodutos, que implicou na necessidade detrabalhadores cada vez mais polivalentes e aptos adesenvolverem um processo de trabalho maiscomplexo, com o poder de intervir e tomar decisõesque antes cabia apenas ao chefe imediato.

Antunes e Alves (2004, p. 344) percebem bemessa forma mais avançada de absorção detrabalho.

Desde a sua origem, o modo capitalista deprodução pressupõe um envolvimento operário, ouseja, formas de captura da subjetividade operáriapelo capital, ou, mais precisamente, da suasubsunção à lógica do capital (...). O que muda é aforma de implicação do elemento subjetivo naprodução do capital, que, sob o taylorismo/fordismo, ainda era meramente formal e com otoyotismo tende a ser real, com o capital buscandocapturar a subjetividade operária de modo integral.

Com o toyotismo, tende a ocorrer umaracionalização do trabalho que, por se instaurarsob o capitalismo manipulatório, constitui-se, emseus nexos essenciais, por meio da inserçãoengajada do trabalho assalariado na produção docapital (o que Coriat denominou de “engajamentoestimulado”).

Ou seja, de uma situação (fordismo) onde otrabalho era específico e interno, passamos parauma exploração (toyotismo) da força de trabalhoconcedida, onde o trabalhador se presta a fazer asvezes do gerente sem a correspondenteredistribuição, mas com um nível altíssimo destress.

A precarização no segmento formal se encontrana necessidade contínua de treinamento e

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retreinamento autônomo, com custos pecuniários epsicológicos ao trabalho, imperceptíveis no curtoprazo.

Uma vez que o empresário considera a mão deobra como outro fator de produção qualquer, nãolhe interessa as condições subjetivas em que otrabalho se encontra e, sim, as condiçõesobjetivas, de capacidade para contribuir para aprodutividade e que exista em abundância comvistas ao barateamento de sua contratação, assimcomo interessa a redução ou extinção dos direitostrabalhistas com vistas a elevar a flexibilidade dotrabalho.

Os processos de qualificação/treinamentocusteados direta ou indiretamente pelostrabalhadores caminham nessa direção, poiscolocam à disposição do mercado um númerorelativamente crescente de indivíduos aptos autilizar as novas tecnologias e processos detrabalho e, por conseguinte, fazer frente àsnecessidades do empresário, que remuneram deacordo com a produtividade de curto prazo domesmo, não incluindo o custo de oportunidadeindividual ou social da oferta daquele fator.

Obviamente, não interessa às empresasfomentar a formação interna de mão de obra, nãosó pelo risco da perda do investimento, masprincipalmente pelos custos de retreinamento queincorrem a cada inovação (ou imitação). Essecusto, do ponto de vista do capital, deve serrealizado pelo proprietário do fator, o qual seria oprincipal beneficiado pelo investimento em capitalhumano.

De fato, o benefício do investimento em capitalhumano reverte-se para o trabalhador, mas tambémpara a empresa que estará em melhor posição commão de obra mais produtiva, bem como asociedade, que desfrutaria de maior nível de bem--estar.

No entanto, o processo de qualificação éconstante e toma diversos vieses que ampliamagudamente o risco de especialização, que podenão dar o retorno completo, devido à rapidez dainovação em todos os âmbitos.

Assim sendo, o benefício da inovação, que sevê mais claramente no mercado do produto, geracustos sociais altíssimos no mercado de trabalho,quais sejam:

a) Desemprego estrutural – a grande maioriados trabalhadores não consegue voltar ao empregopor enfrentar custos para se qualificarem;

b) O custo do lazer torna-se cada vez maior,pois, além dos dispêndios monetários, otrabalhador tem menos horas livres (mesmo quandonão está trabalhando), com vistas a simplesmentemanter-se empregado.

Fica claro que a obtenção de uma qualificaçãoespecífica para o trabalhador torna-se a condiçãode “empregabilidade”, mas não a garantia, uma vezque a abertura e ampliação dos mercados tambémampliam a competitividade e a individualidade, oque dificulta a formação de um pensamento coletivoque busque uma saída para o trabalho à subsunçãodo capital.

O fato é que a responsabilidade pela nãoqualificação e, por conseguinte, pelo desemprego,acaba recaindo sobre o próprio desempregado, quese encontra numa situação de elevado grau deincerteza no mercado, o qual se ressente da faltade políticas públicas que garantam a essetrabalhador uma posição no mercado ou pelomenos uma formação cidadã, ou seja, umaformação que possa engajar na pessoa asresponsabilidades e garantias de viver emsociedade, viabilizando no sujeito a capacidade decontribuir para mudanças qualitativas no seu meiosocial.

Notas1 Para uma melhor compreensão do período conhecidocomo acumulação primitiva ver Marx (1984).2 Ver Harry Bravermann (1987).

BibliografiaALBAN, M. Crescimento sem emprego. Salvador: Casada Qualidade, 1987.MARX, K. O capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984. LivroI, vol. II, cap. XXIV (Coleção Os Economistas).ANTUNES, R.; ALVES, G. As mutações do trabalho naera da mundialização do capital . Educação eSociedade, Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v25n87/21460.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2009.BRAVERMANN, H. Trabalho e capital monopolista: adegradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro:Guanabara, 1987.LIPIETZ, A. As relações capital–trabalho no limiar doséculo XXI. Ensaios FEE, Porto Alegre, 1991. Disponívelem: <http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/1399/1766>. Acesso em 10 abr. 2009.LIPIETZ, A.; LEBORGNE, D. O pós-fordismo e seuespaço. Espaço & Debates , Revista de EstudosRegionais e Urbanos, São Paulo, v. I II, n. 25, 1988.

*Professor Assistente da Unidade Acadêmica deEconomia da Universidade Federal de CampinaGrande/PB. Mestre em Economia do Trabalho pelamesma Universidade.

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Transparência, “propriedade de ser transparente”(FERREIRA, 1993), é, enquanto princípio do direitoadministrativo e da administração pública, aobrigação de que todos os atos de entidadespúblicas sejam praticados com plena publicidade evasta prestação de contas.

Partindo dessa premissa, o Governo Federallançou a partir de 2004 um canal com os cidadãospara que os mesmos pudessem ter acesso àexecução financeira dos recursos públicos e,consequentemente, aumentar a fiscalizaçãodesses recursos. Esse canal é chamado Portal daTransparência, acessível em:http://www.portaldatransparencia.gov.br.

De acordo com o portal, estão disponíveisinformações, pelas quais cada ministério éresponsável por sua área de atuação, acerca dosrecursos públicos federais transferidos peloGoverno Federal a Estados, Municípios e DistritoFederal – para a realização descentralizada dasações do governo – e diretamente ao cidadão, bemcomo, por exemplo, dados sobre os gastosrealizados pelo próprio Governo Federal emcompras ou contratação de obras e serviços.

Dessa iniciativa, que partiu da ControladoriaGeral da União, inúmeras outras dão vazão àparticipação da sociedade como instrumento defiscalização dos recursos públicos, abrangendotodas as esferas de governo, sejam elas federais,estaduais e municipais.

Não há dúvidas de que o Portal daTransparência representa um avanço significativona publicidade de prestação de contas públicas,bem como na promoção da transparência pública,no estímulo à participação social e no controle dosgastos públicos. Assim sendo, representa umimportante passo no processo democrático. O queestá em questão não são os instrumentos defiscalização, mas, sim, o mau uso deles. Oproblema grave, que a recente crise comprovou, éque o Poder Executivo não tem capacidade parafiscalizar devidamente tais mecanismos; daí anecessidade de uma maior participação social.

O que representa a existência de canais comoesse para o processo de cidadania no Brasil? – Defato, em vista à atual crise que passamos, seja no

POR UM BRASIL TRANSPARENTE?por Geysa Elane Rodrigues de Carvalho Sá*

Senado Federal, seja com cartões corporativos, oumesmo a constante inserção do Brasil como paíscom um dos mais elevados índices de corrupção(de acordo com ONG’s como o Instituto BrasilVerdade), a possibilidade de exercer o chamadocontrole social é algo a se comemorar e aprimorar.

No entanto, qual a efetividade de uma política deacesso aos recursos quando falta a cultura daparticipação popular, visto a própria obrigatoriedade,e não a faculdade, de votar em seus representantesde 4 em 4 anos, acrescido aos baixos índices deescolaridade que permeiam e insistem em colocaro nosso país não na vanguarda, mas na lanterna daexclusão?

Do ponto de vista da integração do Brasil àordem global – mudanças constitucionais e legais–, o país necessita de uma estratégia deintegração competitiva com a economia mundial,atraindo capitais e tecnologia do exterior, de formaa desenhar um futuro social-democrático de suasinstituições, com vistas às garantias dos direitosde propriedade, estabelecimento de regras para ossetores regulados, minimização da corrupção,respeito às diversidades ideológicas e uma maior eefetiva aproximação dos representados aosrepresentantes.

Nesse processo de modernização do governobrasileiro atual, temos o chamado GovernoEletrônico – e-GOV – que pode ser entendidocomo uma das principais formas de transformaçãodo Estado e que está fortemente apoiado no usodas novas tecnologias para a prestação de serviçospúblicos, mudando a maneira com que o governointerage com os cidadãos, empresas e outrosgovernos.

O conceito não se restringe à simplesautomação dos processos e disponibilização deserviços públicos através de serviços on-line naInternet (ABRAMSON; MEANS, 2001), mas sim natransformação da maneira com que o governo,através da tecnologia de Informação, atinge osseus objetivos para o cumprimento do papel doEstado com a participação social.

O governo eletrônico engloba diferentes tipos detransações que representam o contato entre redesde computadores de governos com outros

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governos, com fornecedores ou com cidadãos,através do uso da internet, telefone móvel,televisão, call centers, bem como outrasaplicações. O uso da tecnologia tende a facilitar oacesso aos serviços ofertados pelos órgãospúblicos, implicando o avanço da cidadania eparticipação social (BAPTISTA, 2008).

Essas transações realizadas entre redes decomputadores apresentam-se nas formas G2G(Government to Government), G2B (Government toBusiness) ou G2C (Government to Citizen), quesão as formas de relação entre Governos e entregovernos, negócios e cidadãos, respectivamente(SILVA, 2005).

A tecnologia é utilizada no intuito de melhorareficiências internas, pois o governo eletrônicoenvolve uso não só da internet, mas também daextranet (que representa a conexão citadaanteriormente entre governo, negócios e cidadãos)e a intranet (que possui as mesmas capacidadesde uma extranet, com a diferença de que é usadasomente dentro de uma organização).

Em conjunto a esse processo, também énecessário colocar os órgãos de controle(controladorias e tribunais de contas) disponíveispara acesso constante da população para odesenvolvimento de suas atividades com relativasegurança e transparência. A internet traz avantagem da transparência e onde há instituiçõesfortes, a corrupção tende a ser reduzida.

No entanto, a politização desses órgãos, aliadaà dimensão territorial de nosso país, expressam aimportância da participação dos cidadãos, não sóno intuito de proclamar a democracia, mas deaumentar a confiança nas instituições existentes.

O governo eletrônico, com serviços na internet,e o Portal da Transparência, como instrumento deprestação de contas dos administradores públicos,representam armas poderosas contra a corrupção eincentivam o controle social. O Canadá, porexemplo, país desenvolvido e com baixos índicesde corrupção, “promete colocar todos os serviçosna internet até 2010” (LEAL, 2008).

Desse quadro de modernização, somado àvalorização e participação social, temos osrequisitos básicos para o sistema funcionar, o que,no dizer de Stephen Kanitz (1999),

um poderoso sistema imunológico que combataa infecção no nascedouro.

Precisamos fazer valer as habilidades que atecnologia proporciona e sair da “teoria para aprática”, o que parece, nos dias de hoje, ter viradoum saudável consenso nacional. É pouco, mas éum começo!

[...] não serão intervenções cirúrgicas (leia-seCPIs) nem remédios potentes (leia-se códigosde ética) que irão resolver o problema dacorrupção no Brasil. Precisamos da vigilância de

Referências

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*Professora Assistente do DECON-UFPI e Mestre emPolíticas Públicas/UFPI; [email protected].

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TARIFAS DE ENERGIA ELÉTRICA: regulaçãoeconômica e seus impactos para o consumidorfinal no Estado do Piauí por Erick Elysio Reis Amorim*

Introdução

A reforma do sistema elétrico brasileiro, iniciadana metade da década de 1990, que promoveu adesverticalização do setor (separação das áreas degeração, transmissão e distribuição) e aprivatização de empresas, também adotou medidascomplementares, como a regulação por incentivose a regularização do status jurídico dasconcessões. Dessa forma, entender como se dá aformação das tarifas de energia elétrica é umdesafio para todos os agentes do setor(consumidores, empresas e governo), no intuito depoder questionar e propor alternativas às tarifasvigentes.

O objetivo desse artigo é, de forma bastantesintética, explicar os principais arcabouçosteóricos que sustentam a atual regulaçãoeconômica da energia elétrica no Brasil e oimpacto destes ditames nas tarifas aplicadas noEstado do Piauí.

O trabalho está dividido em quatro partes,incluindo essa breve introdução. No próximo tópico,aborda-se a parte teórica da regulação econômicada energia elétrica e suas aplicações. Em seguida,no âmbito brasileiro, as tarifas aplicadas pelaCEPISA - Companhia Energética do Piauí S.A. -são contextualizadas, explicitando-se osresultados da última revisão tarifária da empresa1.Na última parte, faz-se uma conclusão comreflexões sobre a situação atual das tarifas deenergia elétrica no Piauí.

1 Regulação Econômica da Energia Elétrica

O arranjo para a geração de energia épotencialmente competitivo, mas a atividade dedistribuição de energia, por causa das redesfísicas, é um monopólio natural e deve ser regulada(SALVANES; TJOTTA, 1998). Isso se deve ao fatode que o monopólio natural ocorre - como o próprionome sugere - quando, em um mercado, acompetição não é possível ou é indesejável. Emuma indústria que ocorre monopólio natural, ocusto médio de produção é minimizado quando háapenas um produtor.

uma indústria é monopólio natural depende dainteração da demanda pelo serviço e da tecnologiaempregada. Na indústria de distribuição elétrica,economias de escala são uma constante. Quandoocorrem economias de escala, o custo médiodiminui quando aumenta a produção, e é condiçãosuficiente para um monopólio natural. Nestaindústria, o custo de construir uma rede duplicada,incluindo seus postes, fios e subestações, sãoindícios bastante fortes de que a construção deuma segunda rede de distribuição não é custo--eficiente. Dessa forma, a eficiência em termos decusto requer uma única firma. As forças domercado, entretanto, não irão trazer o resultadosocialmente desejado. Portanto, na presença deeconomias de escala significativas, a racionalidadeda regulação será a de controlar o poder demercado do monopolista2.

Outra característica que enfatiza a necessidadede regulação para esse tipo de indústria é anecessidade de se realizar grandes investimentos,que, muitas vezes, são sunk costs (custosirrecuperáveis). De fato, os ativos específicosadquiridos pela empresa de distribuição de energianão encontram um valor alternativo relevante emqualquer outra indústria. Então, nesse tipo deindústria, o objetivo principal do regulador édeterminar uma tarifa que fixe o nível adequadotanto de oferta de serviço quanto de investimentose que seja socialmente aceito e lucrativo para afirma que presta o serviço.

A regulação econômica das tarifas dedistribuição elétrica em vigor no Brasil é baseadano modelo de regulação por incentivos de preçosmáximos3 (price-cap). Segundo o contrato deconcessão, a receita inicial da concessionária édividida em duas parcelas. A “Parcela A”, queenvolve os chamados custos não gerenciáveis pelaconcessionária, é dada pelo total reconhecimentodo valor, uma vez que tais custos dependem daoferta e demanda de energia, não sendo, portanto,dependente da capacidade gerencial da empresade distribuição de energia4. Os custos que

É importante ressaltar que a determinação se

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compõem essa parcela não gerenciável são itenscomo a compra de energia elétrica adquirida paraatendimento aos consumidores, os custos detransmissão e os encargos setoriais (uma forma detributação indireta, como será visto adiante).

A “Parcela B” compreende o valorremanescente da receita, envolvendo, portanto, oschamados custos gerenciáveis. São custospróprios da atividade de distribuição e de gestãocomercial dos clientes, que estão sujeitos aocontrole ou influência das práticas gerenciaisadotadas pela concessionária, ou seja, dos custosde operação (pessoal, material e serviços deterceiros). Para alcançar um valor de referênciapara esses custos, o órgão regulador optou porutilizar a metodologia de construir uma Empresade Referência.

A Empresa de Referência consiste em definir os“custos operacionais eficientes” da firma, quesejam aderentes às reais condiçõesgeoeconômicas do ambiente no qual a empresadesenvolve sua atividade de prestação dos serviçosde distribuição de energia elétrica. Para dirimir osefeitos da assimetria de informação, são apenasutilizados dados gerais da empresa, como númerode consumidores, mercado. Dessa forma, esseparâmetro não utiliza as informações da firma paradefinir os custos operacionais eficientes, sendoessa uma das formas de incentivar a eficiência daempresa.

Além dos custos operacionais, a “Parcela B”inclui ainda a remuneração do capital da empresa.Para tanto, o regulador também define a taxa deretorno adequada para ser aplicada sobre a basede remuneração regulatória (ativos da empresaauditados como sendo os equipamentosnecessários para atividade de distribuição deenergia).

Para esse fim, a ANEEL - Agência Nacional deEnergia Elétrica - fixa o WACC (Weighted AverageCost of Capital) com base em fatores previamentedefinidos, como estrutura ótima de capital, taxalivre de risco e os riscos inerentes ao negócio,como risco cambial e regulatório. Esse enfoquebusca proporcionar aos investidores um retornoigual ao que seria obtido sobre outrosinvestimentos com características de riscocomparáveis. Em resumo, trata-se de considerarna tarifa uma remuneração que correspondaexclusivamente ao custo de oportunidade docapital do investidor.

Um dos mais importantes fatores de estímulo àeficiência é o Fator X5. Esse índice é necessário nocaso do serviço de distribuição de energia elétrica,no qual a evolução tecnológica é gradual(diferentemente de setores como o detelecomunicações), pois ganhos de produtividadeprojetados têm como causa principal alterações naescala do negócio. Durante o período tarifário serãoproduzidos incrementos nas vendas da empresa,tanto pelo maior consumo dos clientes existentes(crescimento vertical) como pela incorporação denovos clientes na área servida (crescimentohorizontal).

Esse incremento nas vendas será atendido pelaempresa com custos incrementais decrescentescom relação aos definidos no reposicionamentotarifário. Esse ganho de produtividade do negócio,que não decorre de uma maior eficiência na gestãoda concessionária distribuidora, deve ser repassadoaos consumidores mediante a aplicação de umredutor do índice que reajusta o componentegerenciável da receita (IGP-M), e esse redutorconsiste no Fator X.

2 Tarifa de Energia Elétrica no Piauí

Como resultado do último processo tarifário daCEPISA, a ANEEL concluiu, com base nametodologia apresentada no tópico acima, que areceita necessária para que a empresa operenormalmente, garantindo uma qualidade aceitável,bem como para pagar todos os seus custos, foi deR$ 614,5 milhões6 (ANEEL, 2009a). Verificou-se,entretanto, que com as tarifas praticadas durante oúltimo período tarifário (setembro/2008 até agosto/2009) a receita da CEPISA seria R$ 659,7 milhões.Essa diferença fez com que as tarifas vigentesdesde setembro de 2009 tivessem uma variação de-6,79%.

Essa redução na tarifa, entretanto, não fez comque a tarifa aplicada para os consumidores do Piauíainda não figurasse como uma das mais caras dopaís. No quadro I, a seguir, faz-se uma comparaçãoda situação das tarifas locais com alguns outrosestados brasileiros, com ênfase também emquestões sócioeconômicas.

No quadro I, vemos que apesar de ter a piorrenda per capita do Brasil, o Piauí possui uma dastarifas mais caras, quando comparado com outrosestados, seja do Nordeste ou de outras regiões dopaís. Um dos pontos a serem salientados é a altacarga tributária da conta, que chega a representar39% da conta do consumidor final.

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Supondo uma família que consome uma médiade 300 kWh por mês (valor compatível com umdomicílio com quatro pessoas e que possua osbens comuns de uma família de classe média,como ar-condicionado, microondas e fogão), essafamília gasta 39% a mais no Piauí do que noDistrito Federal (DF), onde a renda per capita écerca de 9 vezes maior. A última coluna da tabelatem o intuito de explicitar o quão distorcida é atarifa de energia, comparando com a riqueza dapopulação, onde a conta de consumo mensalmédio é dividida pelo rendimento mensal dapopulação7.

A explicação de uma tarifa tão elevada possuifatores técnicos, gerenciais e políticos.Primeiramente, comparando a área de concessãoda CEPISA com a CEB – Companhia Energéticade Brasília –, vemos que as condições são maisfavoráveis à empresa da capital federal. O DFpossui a maior densidade do país (402 hab./km²),enquanto que o Piauí possui uma densidade de12,06 hab./Km². Como já comentado, a atividadede distribuição de energia elétrica possui umagrande parte de componentes de custo que é fixo,como a instalação de postes e fios. Quanto menora densidade de uma área, menos pessoas terãoque compartilhar esses custos, fazendo com que afatura seja mais elevada. O mesmo raciocínio podeser feito comparando locais que possuem ou nãoum parque industrial, i.e., em locais que possuemmais indústrias, que por definição consomem muitaenergia - as mesmas ajudam a diluir o custo fixoonerando menos os consumidores residenciais.

Outro fator importante diz respeito à questão

das perdas na rede de energia elétrica. Esse fato éuma combinação de uma área de concessão ruimcom a falha na capacidade gerencial da CEPISA.As perdas reais da CEPISA chegam a ser de 46%da energia comprada. As mesmas são divididas emPerdas Técnicas (que são aquelas da deficiênciada rede instalada, ou mesmo de características daárea de concessão, como grande distância entreconsumidores) e Perdas Não Técnicas (perdascomerciais, o popularmente denominado “gato”).

Na última revisão tarifária da empresa, a ANEELfixou um valor de perdas bastante inferior aopleiteado pela empresa, por basicamente doismotivos: i) a CEPISA não conseguiu entregar osdados sobre a rede de acordo com asespecificações da metodologia e ii) a agência fixouuma trajetória decrescente de Perdas NãoTécnicas e considerou como se a CEPISA tivessecumprido as metas do ciclo anterior, o que aempresa não fez. Esse assunto é extremantecomplexo e técnico, sendo que os interessadosdevem procurar aprofundar o assunto em ANEEL(2009a). Para se ter uma ideia de valor, de cada R$100,00 pagos na conta de luz da CEPISA (semimpostos), cerca de R$ 10,00 são para pagarenergia não consumida pelo usuário - ressaltandoque esse valor poderia ter sido maior se a agênciareguladora não tivesse imposto regras mais rígidasrelativas a esse assunto.

Os encargos setoriais que estão dentro da“Parcela A” são encargos pagos por todos parafinanciar programas de governo (subsídio aconsumo de baixa renda, subsídio ao consumo dediesel para geração de energia em regiõesisoladas, incentivos a fontes de energia alternativa,etc.) e representam cerca 4,40% da tarifa final comimpostos. Esses encargos funcionam, na verdade,como um tributo indireto proporcional, uma vez quenão está na cesta de escolhas do consumidor e omesmo paga geralmente por serviços nãoconsumidos. Esse fato, entretanto, não é exclusivodas tarifas aplicadas no Piauí e sim para todos osconsumidores no país.

Por último, o Fator X, que poderia ser um índiceque ajudaria na redução da tarifa nos anossubsequentes à revisão tarifária, não será aplicadono caso da CEPISA, uma vez que a empresaindicou que iria investir o montante de R$ 291,9milhões nos próximos quatro anos. De grossomodo, o cálculo do Fator X leva em conta oinvestimento projetado pela empresa menos ocrescimento esperado do mercado consumidor.

Quadro 1 – Dados selecionados de tarifas easpectos econômicos.

Fonte: ANEEL (2009b); IBGE (2006).

Notas:(1) Tarifa B1 residencial vigente em 2009, considerando 25%de ICMS e 5% de PIS/COFINS.(2) Consumo de 300 kWh por mês.(3) Dados de 2006.

% doorçamento

mensalcom

energia

Estado

SantaCatarina

DistritoFederal

Pernambuco

Piauí

Tarifasem

Impostos(R$/mWh)

Tarifacom

Impostos1

(R$/mWh)

Contamensal doconsumidor

médio(R$)2

Rendaper capita

anual(R$)3

364,49

297,72

358,31

262,82

413,50

365,03

497,65

506,23

124,05

109,51

149,30

151,87

15.638

37.600

6.528

4.213

10%

3%

27%

43%

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Com Fator X igual a zero, os investimentos que aempresa alega que irá realizar são um valorsuperior ao ganho de produtividade que a mesmaterá apenas por conta do crescimento do mercado.

Conclusão

No Brasil, a regulação econômica das tarifas deenergia elétrica, apesar de necessitar de algunsavanços, é, de forma geral, bastante avançada,utilizando modelos teóricos que estimulam aeficiência e são amplamente aceitos e usados nasmais diversas economias do mundo. A regulaçãoeconômica, entretanto, é apenas um instrumentode uma política tarifária previamente definida pelosórgãos setoriais do Executivo Federal (maisespecificamente pelo Ministério de Minas eEnergia). Dessa forma, não é papel da agênciareguladora fazer grandes considerações sobre osaspectos distributivos e sociais da tarifa de energiaelétrica, e sim de orientação política do GovernoFederal.

O fato das tarifas aplicadas no Piauí serembastante elevadas é uma questão técnica, comotambém política. Conforme exposto, uma maioreficiência da CEPISA no gerenciamento das perdasde energia elétrica e dos investimentos parapossibilitar um Fator X positivo poderiam ajudar adiminuir o preço pago pela energia no estado doPiauí. Entretanto, mesmo que a CEPISA fosse aempresa mais eficiente do Brasil, dadas ascaracterísticas da área de concessão, é bemprovável que os consumidores do estado do Piauícontinuem com uma tarifa mais cara do que osconsumidores de Brasília, por exemplo.

Esse problema, das características dasconcessões, é um assunto de ordem política.Outro fator de ordem política é a alta cargatributária (43% se somarmos ICMS, PIS/COFINS eencargos setoriais), onde a solução tambémpoderia passar por decisões do governo local, pormeio de alterações no ICMS.

Mediante o exposto, conclui-se que há anecessidade de rever o modelo para que se possaprover um aspecto mais social para esse bemessencial, no intuito de promover uma verdadeirainclusão das pessoas como cidadãs de fato.

Notas:1 Revisão tarifária publicada na Resolução ANEEL 871/2009,em 25/08/09.

Referências

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* Formado em Ciências Econômicas na Universidadede Brasília. Mestrado em Economia do Setor Públicona Universidade de Brasília (MESP/UnB).

2 No caso do monopolista, a indústria é monopolista tanto nosentido normativo quanto positivo. Enquanto economias deescala limitam o número de empresas da indústria, aexistência das mesmas não implica necessariamente quehaverá apenas um produtor (CHURCH; WARE, 2000).3 Lei n° 9.427, de 26 de dezembro de 1996.4 Dentro desses custos não gerenciáveis há a questãorelativa às perdas técnicas e não técnicas de energia, quesão influenciadas pela capacidade gerencial da empresa.Voltaremos para esse tópico em breve.5 Para maiores detalhes sobre o “Fator X” no setor elétricobrasileiro, ver ANEEL (2008).6 A revisão tarifária da CEPISA está explicada na NotaTécnica nº 292/2009/SRE-ANEEL. Há vários aspectostécnicos que não fazem parte do escopo deste artigo, comoa questão dos ativos e passivos financeiros, efeitodiferenciando para consumidor, especificidades na trajetóriade perdas, e outros.7 Essa é uma referência mais ilustrativa, uma vez que a rendaper capita divide o PIB pela população, inclusive aquela quenão tem renda (donas de casa, por exemplo). O consumo de300 kWh é de uma família classe média, que é maissignificativa em regiões com maior poder aquisitivo.

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A diversidade de perspectivas investigativasmarca o cenário atual de busca do conhecimentode forma singular. Isso se aplica, igualmente, aoscampos cujo objeto de estudo é a identificação defundamentos para o conhecimento humano, emespecial para a ciência. Estudos nas áreas depsicologia, história, sociologia, etnometodologia,neurologia, etc. têm proporcionado subsídios para oredimensionamento das reflexões epistemológicas,seja no aspecto doutrinário, seja no metodológico.

A investigação sociológica da ciência tem raízesmateriais nos processos sociais que engendraramo surgimento da ciência sociológica emanifestações genético-teóricas no pensamento deestudiosos como Marx, Nietzsche, Dilthey,Durkheim, Wittgenstein, Scheler, Kuhn e outros.Essas referências apontam para a legitimidadeteórica das investigações empreendidas pelasociologia da ciência, e essas investigaçõesensejam, por sua vez, a oportunidade para aanálise objetiva e sistemática da validade dospressupostos epistemológicos das perspectivasdesses teóricos. Em tempos recentes, subsídiosimportantes para melhor compreensão da naturezado saber científico têm sido produzidos porpesquisas sociológicas empíricas vinculandoteorias e fatores sociais.

Karl Marx é responsável por uma das primeirasreflexões sobre o objeto da sociologia da ciência.Suas ideias a respeito, sintetizadas ememblemática proposição dispondo ser a“superestrutura determinada pela infraestrutura”,estabelecem que,O modo de produção da vida material condiciona oprocesso em geral de vida social, político eespiritual. Não é a consciência dos homens quedetermina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu sersocial que determina sua consciência (MARX,1987, pp. 29-30).

Contudo, foi Karl Mannheim quem formulou aconcepção desse campo de investigação do saber,ainda hoje considerada básica. Ele o fez aoconsiderar a reflexão marxiana insuficiente, por serindistinguível do mero ideal do “desmascaramentodas ideologias”. Segundo Mannheim, chegamos auma posição na qual não é mais possível para umponto de vista refutar os demais por seremideológicos, sem ter que enfrentar também essa

INVESTIGAÇÃO SOCIOLÓGICA DA CIÊNCIApor Vicente de Paula Gomes*

acusação. “Mesmo se nos recusássemos a admiti--lo, o opositor obrigar-nos-ia a reconhecê-lo, porqueele também, eventualmente, utiliza o método daanálise ideológica e aplica-o ao utilizador original”(MANNHEIM, 1952, p. 145). O processo deexpansão da abordagem ideológica termina sendoa causa de uma transformação dialética do seusignificado. Quando todos passam a analisar opensamento de todos em termos da sua vinculaçãosocial, o conceito de ideologia já assumiu umsignificado totalmente diferente do anterior, poisagora já não pode ser concebido comorepresentando um fenômeno parcial nem comosignificando conhecimento deformado.

A contribuição peculiar de Mannheim para essaperspectiva consiste em defender que não só oconhecimento da classe dominante, mas todo equalquer saber é determinado pela realidade social;e, mais importante, que a vinculação social dosaber não significa distorção, deformação,mascaramento da realidade, mas, determinação dafunção do pensamento ao nível da estrutura mental.A característica fundamental de todo e qualquerconhecimento é que ele é efetiva e inexoravelmenteperspectivado, porque nossa estrutura mental édeterminada por fatores sociais no ato de suaprodução. A universalização da tese da sociologiado conhecimento empreendida por Mannheim é,principalmente, qualitativa. É importante destacarque esse direcionamento das investigações dovínculo do conhecimento com a realidade social emdireção à dimensão noológica não desmerece neminvalida a tarefa investigativa a cargo da teoria daideologia.

Nos anos setenta do século passado, ainvestigação sociológica da ciência passou porprocesso de revigoramento impulsionado peloadvento da filosofia da ciência de Thomas Kuhn. Asrazões que tornam a obra de Kuhn, principalmentecomo ela é exposta em A Estrutura dasRevoluções Científicas, responsável por esserevigoramento consistem na concepção de que oprogresso científico não é cumulativo nemteleológico, bem assim na concepção de que aescolha entre teorias pelos cientistas não épautada nem exclusivamente nem prioritariamentepelos critérios teóricos canônicos (simplicidade,exatidão, consistência, fecundidade, etc.).

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De acordo com Kuhn, são critériospreponderantes na escolha das teorias científicas:a) experiência anterior do indivíduo como cientista:“em que parte do campo ele trabalhava quando seconfrontou com a necessidade de escolher? Porquanto tempo trabalhou nele; qual foi o êxito; equanto do seu trabalho dependeu de conceitos etécnicas impugnados pela nova teoria?” (KUHN, s./d., p. 388); b) diferenças relativas à personalidade:“alguns cientistas põem mais ênfase do que outrosna originalidade e têm mais vontade, portanto, emtomar riscos; alguns cientistas preferem teoriascompreensivas, unificadas, para soluções deproblemas exatos e pormenorizados, de alcanceaparentemente mais restrito” (Ibidem, pp. 388-389);c) expectativas profissionais: “um cientista, aoescolher entre duas teorias, sabe habitualmenteque a sua decisão terá uma relação com asequência da sua carreira de investigação.Naturalmente, está especialmente atraído por umateoria que promete os êxitos concretos pelos quaisos cientistas são em geral recompensados”(Ibidem, p. 385). Assim, o essencial aqui é orecurso a um fundamento histórico e sociológico,se queremos compreender melhor o fenômeno daciência.

Na esteira do impulso proporcionado pela obrade Kuhn, a Universidade de Edimburgo passou aconstituir-se um dos importantes centros depesquisa em sociologia da ciência. Ao formular, emKnowledge and Social Imagery, os parâmetros dostrong programme para a sociologia da ciência, oprofessor David Bloor defende que todo sabercientífico, seja das ciências empíricas, seja dasciências formais, deve ser objeto de investigaçãosociológica. Com a “escola de Edimburgo”, asociologia do conhecimento experimenta umprocesso de universalização (quantitativa) máximade sua tese.

De acordo com Bloor, a sociologia da ciênciadeve pautar suas investigações pelos seguintesrequisitos, que caracterizam o programa forte:princípio de causalidade – as investigações devemidentificar as condições ou causas que dão lugaraos conhecimentos; princípio de simetria – osmesmos tipos de causas devem explicar os váriostipos de conhecimentos; princípio de imparcialidade– as teorias a serem elaboradas devem explicartanto os conhecimentos verdadeiros quanto osfalsos, tanto a racionalidade quanto airracionalidade, tanto o êxito quanto o fracasso; eprincípio de reflexividade – este é um requisito que

deve ser sustentado contra a ameaça deautorrefutação, ou seja, a sociologia da ciênciadeve explicar a sua própria emergência de acordocom o que propõe.

Empenhado pessoalmente em consolidar oprincípio de simetria, apontado por ele como sendoa grande falha da sociologia do conhecimento deMannheim, Bloor volta-se, especialmente, para aanálise do status do conhecimento matemático.Ele discorda da crença comum de que aelaboração do conteúdo desse conhecimento emnada fica a dever a influências sociais, e propõe-sea mostrar como a sociologia pode penetrar tambémnas próprias bases desse ramo do saber. Paracombater a concepção realista da matemática elerealiza a análise de várias questões da evoluçãodesse ramo do saber.

Uma de suas iniciativas consiste em apontar aexistência de formas alternativas de matemáticasna história e, assim, caracterizar a “existência dedescontinuidades e variações dentro damatemática, bem como descontinuidade entre oque é e o que não é considerado matemática”(BLOOR, 1991, p. 130). Ele detectadescontinuidades e variações desse tipo, porexemplo, quando compara a concepção de númerodos estudiosos antigos com a dos modernos. Deacordo com Bloor, pode-se identificar nesseexemplo, claramente, uma “variação na estruturadas associações, das relações, dos usos, dasanalogias e das implicações metafísicas atribuídasà matemática” (Ibidem, p. 110).

Um segundo argumento importante da cruzadade Bloor em prol da aplicação da sociologia daciência ao campo da matemática consiste emmostrar a existência no interior desta última de ummecanismo de natureza preponderantementesocial: o processo de negociação. Bloor discutedois exemplos concretos no desenvolvimentodesse campo do conhecimento onde, segundo ele,fica patente o caráter negociado das verdadesmatemáticas: a derrocada do princípio que afirmaser o todo maior que a parte, no âmbito dachamada matemática transfinita; e astransformações e acordos ocorridos na construçãodo processo de demonstração do teorema de Euler.

Contudo, o principal argumento de Bloor contraa visão realista da matemática consiste naapresentação de uma explicação tambémsociológica para algo medular nesseconhecimento: o seu caráter compulsivo. Para arealização dessa tarefa, sua cruzada extrapolou o

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âmbito de Knowledge and Social Imagery eassumiu espaço privilegiado em toda sua obra. Suaestratégia tem sido usar o pensamento de LudwigWittgenstein. Os vários trabalhos dedicados porBloor ao estudo do pensamento de Wittgenstein(veja bibliografia) argumentam, invariavelmente, queo entendimento do último a respeito da compulsãológica e matemática têm fundamento sociológico.

Assim, no artigo “Wittgenstein and Mannheimon the Sociology of Mathematics”, ao analisarRemarks on the Foundations of Mathematics, deWittgenstein, Bloor defende que esse filósofo teriasuperado Mannheim ao defender uma concepçãoda matemática compatível com umafundamentação sociológica. Como caracterizar desociológica a fundamentação da matemática emWittgenstein? Simplesmente, para ele, oconhecimento e o uso de uma regra matemáticaseriam devidos a fatores sociais. Bloor (1973, p.184) destaca que:Os termos pelos quais Wittgenstein conduz suaanálise são os conceitos de treinamento e deexercício, costume e uso, instituição e norma,convenção e consenso e o comportamento que nóspodemos ser levados a produzir como umaconseqüência natural.

O caráter inexorável da matemática é explicadoem termos de treinamento e de institucionalização.A leitura sociológica dos fundamentos damatemática em Wittgenstein não elide o seucaráter compulsivo. Apenas oferece outraexplicação do seu conteúdo.

Além da formulação teórica do programa forte, oimpulso experimentado pela sociologia da ciência apartir dos anos setenta do século passado deveu--se também ao surgimento de grande número detrabalhos empíricos vinculando teorias científicas afatores sociais. Em artigo publicado em 1982,“History of Science and its SociologicalReconstructions”, Steven Shapin cataloga cerca de150 desses trabalhos. Desta data até hoje,inúmeros outros estudos foram elaborados. Ostemas desses estudos abrangem campos variadosdas ciências: estatística, teoria quântica, botânica,medicina, astronomia, biologia, física atômica,genética, química, anatomia e outros. No nossotrabalho de doutorado, analisamos meia dezenadesses estudos de casos com o propósito dequestionar o princípio de causalidade proposto porBloor. Um desses estudos, o único traduzido paraa língua portuguesa, relaciona a nova teoriaquântica e o contexto social no qual ela surgiu.

O objetivo de Paul Forman, autor do referidoestudo, é mostrar que influências extrínsecas aodesenvolvimento de suas disciplinas levaram umgrande número de cientistas alemães do pós--Guerra Mundial de 1914 a se distanciar dacausalidade ou a repudiá-la explicitamente. Formanaponta como consequência desse processomudanças no conteúdo das ciências, tais como osurgimento da matemática intuicionista e da novateoria quântica, embora se volte, no estudo,exclusivamente à explicitação da última. Na buscadesse objetivo, o estudo desenvolve umacaracterização do meio intelectual alemão no quala mecânica quântica se desenvolveu comoostensivamente hostil ao conceito de ciênciacausal; identifica as reações dos cientistas a esseambiente, ostentadas em nível ideológico; e apontaos reflexos dessas mudanças no conteúdodoutrinário da ciência.

O estudo de Forman afirma que o advento danova física quântica representa umadescontinuidade flagrante com a física anterior,uma mudança radical nos pressupostos e nosfundamentos da atividade científica – de umaorientação pautada na causalidade para outraafirmando a acausalidade. Sobre essadescontinuidade, assim testemunha o próprioWerner Heisenberg (1995, p. 28) sobre a naturezade sua formulação teórica:No que se refere às suas técnicas experimentais, afísica nuclear representa a extensão extrema de ummétodo de pesquisa que determinou o crescimentoda ciência moderna, desde Huyghens, Volta ouFaraday. De maneira análoga, pode-se tambémdizer que a desestimulante complicaçãomatemática, de algumas partes da teoria quântica,representa a conseqüência extrema dos métodosutilizados por Newton, Gauss e Maxwell. Todavia, amudança no conceito de realidade, que semanifesta na teoria quântica, não é uma simplescontinuação do passado; essa mudança parecerepresentar um novo caminho no que diz respeito àestrutura da ciência moderna.

A orientação acausal predominante naformulação da nova física quântica não foideterminada, segundo Forman, pelos problemascom os quais a ciência física se debatia na épocado seu advento, ou seja, por razões internas ao seudesenvolvimento. Essa orientação acausal éapontada como tendo sido determinada peloambiente de hostilidade à ciência praticada combase no princípio de causalidade, que grassava no

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cenário cultural alemão da época, e queresponsabilizava a ciência pelos problemasenfrentados pela Alemanha com o final da PrimeiraGuerra Mundial.

A favor dessa interpretação para o advento danova física quântica, podem ser aduzidas algumasrazões. Primeiro, a tendência lógica seria que aresolução dos problemas que a física enfrentava naépoca – aquilo que alguns chamaram o caráter“esquizofrênico” da luz, que a faz se comportar oracomo partícula, ora como onda – ocorresseseguindo a orientação causal anterior. Depois, nemtodos os cientistas que investigavam essesproblemas à época concordaram com a solução nadireção da orientação acausal proposta pela novateoria quântica, como é o caso notório de Einstein.Como destaca Forman (1971, p. 91),A onda de conversões à acausalidade que seabateu no final de 1921 desencadeou uma série dedemonstrações públicas de apoio à causalidade,por parte dos “mais significativos” físicos teóricos.Planck e Einstein ficaram consideravelmenteperturbados; eles tinham a impressão de que seuscolegas estavam traindo (involuntariamente) seudever e alimentando as chamas anticientíficas que,na época, queimavam na Alemanha. Em 1922 e1923, ambos vieram a público repelir talprecipitação e defender o princípio de causalidade,na física e fora dela.

Portanto, a descontinuidade entre a nova teoriaquântica e a física anterior não pode ser explicadarecorrendo-se, por exemplo, a questõesrelacionadas à objetividade científica. Os cientistasdebatedores conheciam os problemas eminvestigação, mas não concordaram com assoluções propostas. Ao contrário, “a mudança noconceito de realidade, que se manifesta na teoriaquântica”, que aponta para “um novo caminho noque diz respeito à estrutura da ciência moderna”pode ser melhor compreendida se aceitarmos queo contexto social alemão da época tornou-apossível.

No estudo de Forman, podemos identificar asquestões centrais da sociologia da ciência: o quedetermina o conhecimento, o que é determinado ecomo é determinado. A resposta à primeira questãoé que fatores sociais determinam o conhecimentocientífico. Pressões (fatores) sociais sobre oscientistas alemães os teriam levado a se distanciarda causalidade e, no extremo, proporcionado oclima de gestação da nova teoria quântica. Aresposta à segunda questão é que os fatores

sociais determinam o conteúdo mesmo da ciência.A nova teoria quântica representa uma rupturateórica com a física anterior. A defesa simultâneadessas duas questões configura atitude em prol deuma sociologia da ciência “forte”, em contraposiçãoa uma postura que admite uma influência socialsobre aspectos periféricos da ciência (umasociologia da ciência “fraca”). A terceira questão,extremamente relevante para o avanço dasociologia da ciência, diz respeito à natureza doliame existente entre fatores sociais econhecimento. Quanto a esta, contrariamente aoprograma forte proposto por David Bloor, nósdefendemos uma concepção não deterministadesse liame.

Para finalizar, parece-nos oportuno mencionar oentendimento de Bloor, em um de seus trabalhosmais recentes, sobre a legitimidade e a importânciaepistemológica da sociologia da ciência. Para ele,O trabalho dos sociólogos do conhecimento e doshistoriadores da ciência sociologicamenteorientados deveria ser de interesse para osepistemólogos por uma clara e ignorada razão.Esse trabalho fornece uma teoria do conhecimentoque exibe o processo de conhecimento como umprocesso social e o conhecimento como umarealização coletiva. Essa formulação não deveriaser subestimada. A sociologia do conhecimento éum desafio para muitas das postulações queaparecem sob o nome de epistemologia. Existemvárias dimensões nesse desafio. Primeiro, essetrabalho, que tem gerado uma concepção social doconhecimento, é concreto e não abstrato. Muitofrequentemente os filósofos tem se distanciadodas contingências dos casos históricos, concretos,em favor de um formalismo lógico e de umespetáculo de virtuosidade técnica. Segundo, aabordagem sociológica é naturalista e nãonormativa. A palavra “normativa” não é oposta à“naturalista”, mas uma maneira de evitar adisciplina da inquirição naturalista é se retirar domundo dos fatos, é entrar em um mundoinexistente de valores livres, de ideais e de“obrigações” (oughts). A preocupação com amaneira como os agentes racionais ou osverdadeiros cientistas “devem” se comportar, podeser uma desculpa para evitar a questão de comopassagens reais do trabalho científico ocorrem.Terceiro e mais importante de tudo, a sociologia doconhecimento desafia o individualismodisseminado que permeia a epistemologia(BLOOR, 2004, p. 919).

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*Professor Adjunto do Departamento de Filosofia.Doutor em Filosofia/UNICAMP ([email protected])

ExpedienteINFORME ECONÔMICOAno 10 - NO 21 - Setembro-Outubro/2009Reitor UFPI: Prof. Dr. Luiz de Sousa Santos JuniorDiretor CCHL: Prof. Dr. Pedro VilarinhoChefe DECON: Prof. Ms. Samuel Costa FilhoCoord.Curso Economia: Profa. Ms. Janaina VasconcelosCoord. do Projeto Informe Econômico:Prof. Dr. Solimar Oliveira Lima([email protected])Conselho Editorial: Prof. Dr. Antonio Carlos deAndrade, Prof. Esp.Luis Carlos Rodrigues Cruz Puscas,Profa. Dra. Socorro Lira, Prof. Dr. Solimar Oliveira Lima,Prof. Ms. Samuel Costa Filho..Coord. Publicação e Diagramação:Economista Enoisa Veras ([email protected])Revisão: Economista Zilneide O. Ferreira([email protected])Projeto Gráfico: MHeNJornalista Responsável: Paulo Vilhena - DRT-PI/653Endereço para Correspondência:Universidade Federal do Piauí - CCHL - DECONCampus Ininga - Teresina-PI - CEP.:64.049-550Fone: (86) 215-5788/5789/5790 - Fax.: 86 215-5697Tiragem: 2.000 exemplaresImpressão: Gráfica UFPI

Em face da entrada em vigor das novas regrasortográficas, os artigos foram revisados, respeitando--se o estilo individual da linguagem literária dosautores (seja culto ou coloquial), conforme a 5.ªedição do Vocabulário Ortográfico da LínguaPortuguesa (VOLP, 2009), aprovado pela AcademiaBrasileira de Letras.

NOTA

DICA DE LIVROdo prof. Samuel Costa Filho

Obra: Maus samaritanos:o mito do livre-comércio ea histór ia secreta docapitalismoAutor: Ha-Joon ChangEditora: Elsevier

Em Maus Samaritanos, Ha Joon Chang faz uma criticadevastadora da teoria econômica ortodoxa ouneoclássica ao mostrar que suas propostas de políticaeconômica são para uso externo, não sendo utilizadaspelos países ricos que as propagam. (...) Dessa forma,embora a teoria econômica fosse elegantementematematizada graças ao método hipotético-dedutivoutilizado, deixava de explicar a realidade para setransformar em fundamentalismo de mercado.(Trecho do prefácio à edição brasileira, por Luiz CarlosBresser Pereira)